universidade federal do paranÁ andrÉia rosin caprino

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO LEGITIMIDADE DO PODER IMPERIAL DE CONSTANTINO NA OBRA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA DE EUSÉBIO DE CESAREIA (306-324) CURITIBA 2017

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

ANDREacuteIA ROSIN CAPRINO

LEGITIMIDADE DO PODER IMPERIAL DE CONSTANTINO NA OBRA

HISTOacuteRIA ECLESIAacuteSTICA DE EUSEacuteBIO DE CESAREIA (306-324)

CURITIBA

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

ANDREacuteIA ROSIN CAPRINO

LEGITIMIDADE DO PODER IMPERIAL DE CONSTANTINO NA OBRA

HISTOacuteRIA ECLESIAacuteSTICA DE EUSEacuteBIO DE CESAREIA (306-324)

Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Histoacuteria

Orientaccedilatildeo Prof Dr Renan Frighetto

Linha de Pesquisa Cultura e Poder

CURITIBA

2017

Catalogaccedilatildeo na publicaccedilatildeo Mariluci Zanela ndash CRB 91233

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo - UFPR

Caprino Andreacuteia Rosin Legitimidade do poder imperial de Constantino na obra Histoacuteria

Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia (306-324) Andreacuteia Rosin Caprino ndash Curitiba 2017

124 f 29 cm Orientador Renan Frighetto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute 1 Constantino I Imperador de Roma m 337 2 Euseacutebio de

Cesareia (ca 265- 3 Imperadores romanos ndash Histoacuteria Eclesiaacutestica 4 Roma - Histoacuteria - Constantino I o Grande 306-337 I Tiacutetulo

CDD 930

Agradecimentos

Agradeccedilo ao meu orientador Prof Dr Renan Frighetto que tem me acompanhado e

incentivado desde o primeiro semestre da graduaccedilatildeo e iniciaccedilatildeo cientiacutefica Tambeacutem sou grata

agrave Profa Dra Faacutetima Regina Fernandes pelas disciplinas ministradas e apoio demonstrado

Agraves professoras Dra Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo e Dra Adriana Mocelim de Souza

Lima que com seu olhar apurado e experiente possibilitaram o melhoramento do meu

trabalho

Agrave secretaacuteria da Poacutes-Graduaccedilatildeo Maria Cristina Parzwski por sua prontidatildeo e assistecircncia

contiacutenua aos alunos

Agradeccedilo aos amigos pelas palavras de carinho e agrave Luana com quem partilhei vaacuterios

momentos de estudo

Aos meus irmatildeos na feacute pelo conforto e oraccedilotildees Entre eles ao Edison que sempre tem

me amparado agrave Carla que tantas vezes intercedeu por mim e agrave Estela e Denise pela ajuda e

apoio

Agrave minha famiacutelia especialmente minha matildee Eli e minha irmatilde Caroline pela ajuda

emocional e por serem presenccedilas iluminadas no meu caminho Agrave minha sobrinha Duda que

com sua pequena presenccedila de um ano me irradia imensamente Aos meus queridos sogros

Paulo e Eliane pela convivecircncia e encorajamento

Ao meu esposo amor da minha vida e meu melhor amigo Todo tipo de suporte que

algueacutem pode fornecer a outrem ele o fez e faz em relaccedilatildeo a mim

Acima de tudo e de todos agradeccedilo ao meu Deus Jesus Cristo por ter permitido o meu

ingresso no mestrado e a vivecircncia no curso A Ele toda a honra e a gloacuteria

RESUMO

Inserido no quarto seacuteculo romano um periacuteodo conturbado de transformaccedilotildees poliacuteticas e institucionais herdeiro do agitado seacuteculo terceiro Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi declarado imperator pelas legiotildees de seu pai Constacircncio Cloro no ano de 306 na proviacutencia da Britania A partir de entatildeo sua trajetoacuteria foi marcada por disputas que almejavam ao poder imperial centrado em uma uacutenica autoridade Um proliacutefico autor que abordou a poliacutetica constantiniana foi Euseacutebio de Cesareia (26465-33940) o qual viveu na funccedilatildeo episcopal daquela cidade desde aproximadamente o ano 313 ateacute a sua morte Tornou-se conhecido sobretudo pelas obras Crocircnica cristatilde e Histoacuteria Eclesiaacutestica Nesta uacuteltima Euseacutebio inicia seu relato com a referecircncia de profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo como homem agrave Terra seu nascimento vida e morte transpassa questotildees como a sucessatildeo de bispos a relaccedilatildeo entre pagatildeos e judeus as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias e finaliza no ano 324 O bispo produziu uma descriccedilatildeo a respeito de Constantino vinculando suas accedilotildees poliacutetico-militares vitoriosas agrave vontade do Deus judaico-cristatildeo Neste trabalho analisamos como foram elaborados argumentos pelo bispo na Histoacuteria Eclesiaacutestica apontando para a legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino atraveacutes da atribuiccedilatildeo de virtudes ao governante Notamos que a legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria eusebiana principalmente quando o autor narra instantes cruciais da trajetoacuteria poliacutetica do liacuteder imperial as vitoacuterias sobre Maxecircncio (278-312) em 312 e sobre Liciacutenio (263-325) em 324 revestindo-lhe com uma roupagem cristatilde Palavras-chave Constantino Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Legitimaccedilatildeo do poder imperial

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

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anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

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paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

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Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

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ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

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de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

32

estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

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O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

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escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

35

neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

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organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

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Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

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escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

39

A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

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Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

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comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

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nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

44

no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

45

Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

46

descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

48

absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

49

instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

50

Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

52

Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

54

distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

55

se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

56

posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

57

Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

64

deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

65

Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

66

oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

70

imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

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de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

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Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

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contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

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amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

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Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

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Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

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sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

81

Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

82

Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

83

que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

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constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

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em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

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Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

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Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

88

obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

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sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

95

humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

96

escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

97

uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

98

Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

100

multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

101

Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

102

Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

103

No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

104

haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

105

Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

106

fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

107

primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

108

sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

109

Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

110

Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

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120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

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121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

ANDREacuteIA ROSIN CAPRINO

LEGITIMIDADE DO PODER IMPERIAL DE CONSTANTINO NA OBRA

HISTOacuteRIA ECLESIAacuteSTICA DE EUSEacuteBIO DE CESAREIA (306-324)

Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Histoacuteria

Orientaccedilatildeo Prof Dr Renan Frighetto

Linha de Pesquisa Cultura e Poder

CURITIBA

2017

Catalogaccedilatildeo na publicaccedilatildeo Mariluci Zanela ndash CRB 91233

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo - UFPR

Caprino Andreacuteia Rosin Legitimidade do poder imperial de Constantino na obra Histoacuteria

Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia (306-324) Andreacuteia Rosin Caprino ndash Curitiba 2017

124 f 29 cm Orientador Renan Frighetto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute 1 Constantino I Imperador de Roma m 337 2 Euseacutebio de

Cesareia (ca 265- 3 Imperadores romanos ndash Histoacuteria Eclesiaacutestica 4 Roma - Histoacuteria - Constantino I o Grande 306-337 I Tiacutetulo

CDD 930

Agradecimentos

Agradeccedilo ao meu orientador Prof Dr Renan Frighetto que tem me acompanhado e

incentivado desde o primeiro semestre da graduaccedilatildeo e iniciaccedilatildeo cientiacutefica Tambeacutem sou grata

agrave Profa Dra Faacutetima Regina Fernandes pelas disciplinas ministradas e apoio demonstrado

Agraves professoras Dra Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo e Dra Adriana Mocelim de Souza

Lima que com seu olhar apurado e experiente possibilitaram o melhoramento do meu

trabalho

Agrave secretaacuteria da Poacutes-Graduaccedilatildeo Maria Cristina Parzwski por sua prontidatildeo e assistecircncia

contiacutenua aos alunos

Agradeccedilo aos amigos pelas palavras de carinho e agrave Luana com quem partilhei vaacuterios

momentos de estudo

Aos meus irmatildeos na feacute pelo conforto e oraccedilotildees Entre eles ao Edison que sempre tem

me amparado agrave Carla que tantas vezes intercedeu por mim e agrave Estela e Denise pela ajuda e

apoio

Agrave minha famiacutelia especialmente minha matildee Eli e minha irmatilde Caroline pela ajuda

emocional e por serem presenccedilas iluminadas no meu caminho Agrave minha sobrinha Duda que

com sua pequena presenccedila de um ano me irradia imensamente Aos meus queridos sogros

Paulo e Eliane pela convivecircncia e encorajamento

Ao meu esposo amor da minha vida e meu melhor amigo Todo tipo de suporte que

algueacutem pode fornecer a outrem ele o fez e faz em relaccedilatildeo a mim

Acima de tudo e de todos agradeccedilo ao meu Deus Jesus Cristo por ter permitido o meu

ingresso no mestrado e a vivecircncia no curso A Ele toda a honra e a gloacuteria

RESUMO

Inserido no quarto seacuteculo romano um periacuteodo conturbado de transformaccedilotildees poliacuteticas e institucionais herdeiro do agitado seacuteculo terceiro Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi declarado imperator pelas legiotildees de seu pai Constacircncio Cloro no ano de 306 na proviacutencia da Britania A partir de entatildeo sua trajetoacuteria foi marcada por disputas que almejavam ao poder imperial centrado em uma uacutenica autoridade Um proliacutefico autor que abordou a poliacutetica constantiniana foi Euseacutebio de Cesareia (26465-33940) o qual viveu na funccedilatildeo episcopal daquela cidade desde aproximadamente o ano 313 ateacute a sua morte Tornou-se conhecido sobretudo pelas obras Crocircnica cristatilde e Histoacuteria Eclesiaacutestica Nesta uacuteltima Euseacutebio inicia seu relato com a referecircncia de profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo como homem agrave Terra seu nascimento vida e morte transpassa questotildees como a sucessatildeo de bispos a relaccedilatildeo entre pagatildeos e judeus as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias e finaliza no ano 324 O bispo produziu uma descriccedilatildeo a respeito de Constantino vinculando suas accedilotildees poliacutetico-militares vitoriosas agrave vontade do Deus judaico-cristatildeo Neste trabalho analisamos como foram elaborados argumentos pelo bispo na Histoacuteria Eclesiaacutestica apontando para a legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino atraveacutes da atribuiccedilatildeo de virtudes ao governante Notamos que a legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria eusebiana principalmente quando o autor narra instantes cruciais da trajetoacuteria poliacutetica do liacuteder imperial as vitoacuterias sobre Maxecircncio (278-312) em 312 e sobre Liciacutenio (263-325) em 324 revestindo-lhe com uma roupagem cristatilde Palavras-chave Constantino Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Legitimaccedilatildeo do poder imperial

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

24

anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

25

paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

26

Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

27

ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

30

de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

32

estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

33

O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

34

escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

35

neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

36

organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

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Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

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escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

39

A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

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Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

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comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

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nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

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no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

45

Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

46

descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

48

absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

49

instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

50

Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

52

Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

54

distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

55

se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

56

posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

57

Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

65

Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

66

oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

70

imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

72

de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

73

Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

74

contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

75

amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

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Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

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Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

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sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

81

Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

82

Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

83

que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

84

constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

85

em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

86

Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

87

Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

88

obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

89

sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

95

humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

96

escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

97

uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

98

Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

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multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

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Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

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Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

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No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

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haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

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Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

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fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

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primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

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sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

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Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

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Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

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120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

Fonte httpscommonswikimediaorgwikiAtlas_of_Vojvodina Acesso em 02022017

121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

Catalogaccedilatildeo na publicaccedilatildeo Mariluci Zanela ndash CRB 91233

Biblioteca de Ciecircncias Humanas e Educaccedilatildeo - UFPR

Caprino Andreacuteia Rosin Legitimidade do poder imperial de Constantino na obra Histoacuteria

Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia (306-324) Andreacuteia Rosin Caprino ndash Curitiba 2017

124 f 29 cm Orientador Renan Frighetto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Setor de Ciecircncias Humanas da Universidade Federal do Paranaacute 1 Constantino I Imperador de Roma m 337 2 Euseacutebio de

Cesareia (ca 265- 3 Imperadores romanos ndash Histoacuteria Eclesiaacutestica 4 Roma - Histoacuteria - Constantino I o Grande 306-337 I Tiacutetulo

CDD 930

Agradecimentos

Agradeccedilo ao meu orientador Prof Dr Renan Frighetto que tem me acompanhado e

incentivado desde o primeiro semestre da graduaccedilatildeo e iniciaccedilatildeo cientiacutefica Tambeacutem sou grata

agrave Profa Dra Faacutetima Regina Fernandes pelas disciplinas ministradas e apoio demonstrado

Agraves professoras Dra Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo e Dra Adriana Mocelim de Souza

Lima que com seu olhar apurado e experiente possibilitaram o melhoramento do meu

trabalho

Agrave secretaacuteria da Poacutes-Graduaccedilatildeo Maria Cristina Parzwski por sua prontidatildeo e assistecircncia

contiacutenua aos alunos

Agradeccedilo aos amigos pelas palavras de carinho e agrave Luana com quem partilhei vaacuterios

momentos de estudo

Aos meus irmatildeos na feacute pelo conforto e oraccedilotildees Entre eles ao Edison que sempre tem

me amparado agrave Carla que tantas vezes intercedeu por mim e agrave Estela e Denise pela ajuda e

apoio

Agrave minha famiacutelia especialmente minha matildee Eli e minha irmatilde Caroline pela ajuda

emocional e por serem presenccedilas iluminadas no meu caminho Agrave minha sobrinha Duda que

com sua pequena presenccedila de um ano me irradia imensamente Aos meus queridos sogros

Paulo e Eliane pela convivecircncia e encorajamento

Ao meu esposo amor da minha vida e meu melhor amigo Todo tipo de suporte que

algueacutem pode fornecer a outrem ele o fez e faz em relaccedilatildeo a mim

Acima de tudo e de todos agradeccedilo ao meu Deus Jesus Cristo por ter permitido o meu

ingresso no mestrado e a vivecircncia no curso A Ele toda a honra e a gloacuteria

RESUMO

Inserido no quarto seacuteculo romano um periacuteodo conturbado de transformaccedilotildees poliacuteticas e institucionais herdeiro do agitado seacuteculo terceiro Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi declarado imperator pelas legiotildees de seu pai Constacircncio Cloro no ano de 306 na proviacutencia da Britania A partir de entatildeo sua trajetoacuteria foi marcada por disputas que almejavam ao poder imperial centrado em uma uacutenica autoridade Um proliacutefico autor que abordou a poliacutetica constantiniana foi Euseacutebio de Cesareia (26465-33940) o qual viveu na funccedilatildeo episcopal daquela cidade desde aproximadamente o ano 313 ateacute a sua morte Tornou-se conhecido sobretudo pelas obras Crocircnica cristatilde e Histoacuteria Eclesiaacutestica Nesta uacuteltima Euseacutebio inicia seu relato com a referecircncia de profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo como homem agrave Terra seu nascimento vida e morte transpassa questotildees como a sucessatildeo de bispos a relaccedilatildeo entre pagatildeos e judeus as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias e finaliza no ano 324 O bispo produziu uma descriccedilatildeo a respeito de Constantino vinculando suas accedilotildees poliacutetico-militares vitoriosas agrave vontade do Deus judaico-cristatildeo Neste trabalho analisamos como foram elaborados argumentos pelo bispo na Histoacuteria Eclesiaacutestica apontando para a legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino atraveacutes da atribuiccedilatildeo de virtudes ao governante Notamos que a legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria eusebiana principalmente quando o autor narra instantes cruciais da trajetoacuteria poliacutetica do liacuteder imperial as vitoacuterias sobre Maxecircncio (278-312) em 312 e sobre Liciacutenio (263-325) em 324 revestindo-lhe com uma roupagem cristatilde Palavras-chave Constantino Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Legitimaccedilatildeo do poder imperial

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

24

anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

25

paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

26

Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

27

ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

30

de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

32

estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

33

O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

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escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

35

neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

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organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

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Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

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escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

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Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

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comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

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nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

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no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

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Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

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descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

48

absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

49

instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

50

Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

52

Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

54

distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

55

se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

56

posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

57

Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

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Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

66

oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

70

imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

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de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

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Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

74

contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

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amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

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Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

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Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

80

sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

81

Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

82

Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

83

que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

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constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

85

em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

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Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

87

Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

88

obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

89

sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

95

humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

96

escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

97

uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

98

Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

100

multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

101

Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

102

Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

103

No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

104

haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

105

Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

106

fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

107

primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

108

sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

109

Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

110

Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

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120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

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121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

Agradecimentos

Agradeccedilo ao meu orientador Prof Dr Renan Frighetto que tem me acompanhado e

incentivado desde o primeiro semestre da graduaccedilatildeo e iniciaccedilatildeo cientiacutefica Tambeacutem sou grata

agrave Profa Dra Faacutetima Regina Fernandes pelas disciplinas ministradas e apoio demonstrado

Agraves professoras Dra Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo e Dra Adriana Mocelim de Souza

Lima que com seu olhar apurado e experiente possibilitaram o melhoramento do meu

trabalho

Agrave secretaacuteria da Poacutes-Graduaccedilatildeo Maria Cristina Parzwski por sua prontidatildeo e assistecircncia

contiacutenua aos alunos

Agradeccedilo aos amigos pelas palavras de carinho e agrave Luana com quem partilhei vaacuterios

momentos de estudo

Aos meus irmatildeos na feacute pelo conforto e oraccedilotildees Entre eles ao Edison que sempre tem

me amparado agrave Carla que tantas vezes intercedeu por mim e agrave Estela e Denise pela ajuda e

apoio

Agrave minha famiacutelia especialmente minha matildee Eli e minha irmatilde Caroline pela ajuda

emocional e por serem presenccedilas iluminadas no meu caminho Agrave minha sobrinha Duda que

com sua pequena presenccedila de um ano me irradia imensamente Aos meus queridos sogros

Paulo e Eliane pela convivecircncia e encorajamento

Ao meu esposo amor da minha vida e meu melhor amigo Todo tipo de suporte que

algueacutem pode fornecer a outrem ele o fez e faz em relaccedilatildeo a mim

Acima de tudo e de todos agradeccedilo ao meu Deus Jesus Cristo por ter permitido o meu

ingresso no mestrado e a vivecircncia no curso A Ele toda a honra e a gloacuteria

RESUMO

Inserido no quarto seacuteculo romano um periacuteodo conturbado de transformaccedilotildees poliacuteticas e institucionais herdeiro do agitado seacuteculo terceiro Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi declarado imperator pelas legiotildees de seu pai Constacircncio Cloro no ano de 306 na proviacutencia da Britania A partir de entatildeo sua trajetoacuteria foi marcada por disputas que almejavam ao poder imperial centrado em uma uacutenica autoridade Um proliacutefico autor que abordou a poliacutetica constantiniana foi Euseacutebio de Cesareia (26465-33940) o qual viveu na funccedilatildeo episcopal daquela cidade desde aproximadamente o ano 313 ateacute a sua morte Tornou-se conhecido sobretudo pelas obras Crocircnica cristatilde e Histoacuteria Eclesiaacutestica Nesta uacuteltima Euseacutebio inicia seu relato com a referecircncia de profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo como homem agrave Terra seu nascimento vida e morte transpassa questotildees como a sucessatildeo de bispos a relaccedilatildeo entre pagatildeos e judeus as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias e finaliza no ano 324 O bispo produziu uma descriccedilatildeo a respeito de Constantino vinculando suas accedilotildees poliacutetico-militares vitoriosas agrave vontade do Deus judaico-cristatildeo Neste trabalho analisamos como foram elaborados argumentos pelo bispo na Histoacuteria Eclesiaacutestica apontando para a legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino atraveacutes da atribuiccedilatildeo de virtudes ao governante Notamos que a legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria eusebiana principalmente quando o autor narra instantes cruciais da trajetoacuteria poliacutetica do liacuteder imperial as vitoacuterias sobre Maxecircncio (278-312) em 312 e sobre Liciacutenio (263-325) em 324 revestindo-lhe com uma roupagem cristatilde Palavras-chave Constantino Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Legitimaccedilatildeo do poder imperial

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

24

anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

25

paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

26

Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

27

ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

30

de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

32

estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

33

O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

34

escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

35

neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

36

organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

37

Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

38

escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

39

A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

40

Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

41

comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

42

nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

43

A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

44

no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

45

Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

46

descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

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absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

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instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

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Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

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Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

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distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

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se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

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posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

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Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

64

deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

65

Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

66

oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

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imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

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de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

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Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

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contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

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amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

77

Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

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Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

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Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

80

sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

81

Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

82

Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

83

que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

84

constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

85

em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

86

Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

87

Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

88

obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

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sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

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humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

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escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

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uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

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Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

100

multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

101

Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

102

Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

103

No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

104

haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

105

Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

106

fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

107

primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

108

sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

109

Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

110

Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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119

Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

Fonte httpwwwbiografiasyvidascommonografiaconstantinofotos2htm Acesso em 02022017

120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

Fonte httpscommonswikimediaorgwikiAtlas_of_Vojvodina Acesso em 02022017

121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

RESUMO

Inserido no quarto seacuteculo romano um periacuteodo conturbado de transformaccedilotildees poliacuteticas e institucionais herdeiro do agitado seacuteculo terceiro Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi declarado imperator pelas legiotildees de seu pai Constacircncio Cloro no ano de 306 na proviacutencia da Britania A partir de entatildeo sua trajetoacuteria foi marcada por disputas que almejavam ao poder imperial centrado em uma uacutenica autoridade Um proliacutefico autor que abordou a poliacutetica constantiniana foi Euseacutebio de Cesareia (26465-33940) o qual viveu na funccedilatildeo episcopal daquela cidade desde aproximadamente o ano 313 ateacute a sua morte Tornou-se conhecido sobretudo pelas obras Crocircnica cristatilde e Histoacuteria Eclesiaacutestica Nesta uacuteltima Euseacutebio inicia seu relato com a referecircncia de profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo como homem agrave Terra seu nascimento vida e morte transpassa questotildees como a sucessatildeo de bispos a relaccedilatildeo entre pagatildeos e judeus as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias e finaliza no ano 324 O bispo produziu uma descriccedilatildeo a respeito de Constantino vinculando suas accedilotildees poliacutetico-militares vitoriosas agrave vontade do Deus judaico-cristatildeo Neste trabalho analisamos como foram elaborados argumentos pelo bispo na Histoacuteria Eclesiaacutestica apontando para a legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino atraveacutes da atribuiccedilatildeo de virtudes ao governante Notamos que a legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria eusebiana principalmente quando o autor narra instantes cruciais da trajetoacuteria poliacutetica do liacuteder imperial as vitoacuterias sobre Maxecircncio (278-312) em 312 e sobre Liciacutenio (263-325) em 324 revestindo-lhe com uma roupagem cristatilde Palavras-chave Constantino Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Legitimaccedilatildeo do poder imperial

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

24

anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

25

paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

26

Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

27

ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

30

de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

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estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

33

O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

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escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

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neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

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organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

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Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

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escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

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Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

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comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

42

nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

43

A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

44

no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

45

Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

46

descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

48

absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

49

instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

50

Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

52

Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

54

distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

55

se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

56

posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

57

Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

65

Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

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oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

70

imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

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de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

73

Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

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contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

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amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

78

Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

79

Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

80

sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

81

Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

82

Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

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que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

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constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

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em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

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Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

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Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

88

obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

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sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

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humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

96

escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

97

uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

98

Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

100

multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

101

Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

102

Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

103

No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

104

haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

105

Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

106

fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

107

primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

108

sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

109

Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

110

Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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118

Teja Ramoacuten El poder de la iglesia imperial el mito de Constantino y el papado romano

Salamanca Studia Historica n 24 2006 pp 63-81

Veyne Paul Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009

Winkelmann Friedhelm ldquoHistoriography in the Age of Constantinerdquo in Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003

Sites

httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html

httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995

119

Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

Fonte httpwwwbiografiasyvidascommonografiaconstantinofotos2htm Acesso em 02022017

120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

Fonte httpscommonswikimediaorgwikiAtlas_of_Vojvodina Acesso em 02022017

121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDRÉIA ROSIN CAPRINO

ABSTRACT During the fourth century AD a troubled period of political and institutional transformations heir to the agitated third century Flavio Valeacuterio Constantino (272-337) was declared an imperator by the legions of his father Constantius Chlorus in the year 306 in the province of Britania From then on its trajectory was marked by disputes that aimed at the imperial power centered on a single authority A prolific author who addressed Constantinian politics was Eusebius of Caesarea (264 65-339 40) who lived in the episcopal function of that city from about year 313 until his death He became known especially for his works Christian Chronicle and Ecclesiastical History In this last one Eusebius begins his account with the reference of Old Testament prophecies on the coming of Christ as man to the Earth his birth life and death he also crosses questions such as the succession of bishops the relation between pagans and Jews persecution against Christians martyrdoms heresies and finishes in the year 324 The bishop produced a description of Constantine linking his victorious political-military actions to the will of the Judeo-Christian God In the present work we analyze how the bishops arguments in Ecclesiastical History were elaborated pointing to the legitimation of the imperial power of Constantine through the attribution of virtues to the ruler We note that Constantines legitimacy is built on Eusebian History especially when the author narrates crucial moments in the political trajectory of the imperial leader the victories over Maxentius (278-312) in 312 and about Licinius (263-325) in 324 in a Christian outfit Keywords Constantine Eusebius of Caesarea Ecclesiastical History Legitimation of imperial power

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 6

CAPIacuteTULO 1 UMA APROXIMACcedilAtildeO DE CONSTANTINO I E EUSEacuteBIO DE CESAREIA 15

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano 15 Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo 31 A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino 39

CAPIacuteTULO 2 LEGITIMIDADE E AUTORIDADE NO GOVERNO CONSTANTINIANO 52

A apologeacutetica eusebiana 53 Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante 57 A sacralidade do imperator 69 O imperador cristatildeo 76 Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes 82

CAPIacuteTULO 3 AS VIRTUDES CONSTANTINIANAS NO OLHAR DE EUSEacuteBIO 86 Constantino e Maxecircncio 87 Constantino e Liciacutenio 99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 110

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 113

ANEXOS 119

6

Introduccedilatildeo

O historiador Ramoacuten Teja ao ser indagado sobre quem foi Constantino I (272-337) e a

importacircncia que possui ateacute os dias atuais 1 apresenta a seguinte consideraccedilatildeo a respeito

Constantino eacute talvez uma das figuras mais importantes de todas as eacutepocas pelo menos na histoacuteria do mundo ocidental A prova eacute que sua heranccedila sua interpretaccedilatildeo sua obra satildeo os temas que produziram um maior nuacutemero de publicaccedilotildees cientiacuteficas de toda a histoacuteria universal Segundo os estudos estatiacutesticos americanos Constantino seria o nuacutemero um seguido pela Revoluccedilatildeo Francesa Tendo em conta a transcendecircncia que esta uacuteltima vem tendo no mundo contemporacircneo podemos ter uma ideia da relevacircncia de Constantino 2

A afirmaccedilatildeo de Teja realmente nos faz pensar acerca da importacircncia de Constantino na

Histoacuteria e na historiografia Isso implica numa gama imensa de produccedilatildeo intelectual sobre o

iacutecone jaacute que muitas pesquisas e reflexotildees foram empreendidas para que o conhecimento de

sua eacutepoca se expandisse Por outro lado devemos ter cautela com a proliferaccedilatildeo de ideias a

respeito do governante para natildeo aceitarmo-nas rapidamente sem observaccedilatildeo mais profunda e

contextualizaccedilatildeo pertinente Esse raciociacutenio eacute indiretamente endossado por Teja quando diz

na mesma entrevista

Burckhardt eacute o primeiro que questiona a figura de Constantino e sua conversatildeo O erro na hora de valorar a Vita Constantini eacute denominaacute-la vita porque disso se depreende que eacute uma biografia de Constantino E o proacuteprio Euseacutebio diz que natildeo pretende fazer uma biografia e sim um panegiacuterico para engrandecer aquelas accedilotildees ou obras e que em sua maneira de ver teriam mais meacuterito ou eram mais dignas de serem recordadas e evitar o resto Portanto eacute uma espeacutecie de oraccedilatildeo fuacutenebre ou exaltaccedilatildeo da figura de Constantino que deve contrapor-se a outras fontes mais objetivas ou mais negativas e fazer uma anaacutelise histoacuterica e criacutetica que natildeo sempre eacute faacutecil 3

1 Entrevista publicada pela Universidade de Barcelona em 23012012 em virtude da participaccedilatildeo de Ramoacuten

Teja no congresso ldquoConstantinus iquest El primer emperador cristiano Religioacuten y poliacutetica en el siglo IVrdquo que

ocorreria em 20-24032012 O evento teve caraacuteter internacional e foi realizado pela Universidade de Barcelona e a Faculdade de Teologia da Catalunha A entrevista completa encontra-se em httpwwwubeduwebubesmenu_einesnoticies2012Entrevistesramon_tejahtml Acesso em 23122016

2ldquoConstantino es quizaacutes una de las figuras maacutes importantes de todas las eacutepocas por lo menos en la historia del mundo occidental La prueba es que su herencia su interpretacioacuten su obra son los temas que han producido un mayor nuacutemero de publicaciones cientiacuteficas de toda la historia universal Seguacuten los estudios estadiacutesticos americanos Constantino seriacutea el nuacutemero uno seguido por la Revolucioacuten Francesa Teniendo en cuenta la trascendencia que ha tenido esta uacuteltima en el mundo contemporaacuteneo podemos hacernos una idea de la relevancia de Constantinordquo

3ldquoBurckhardt es el primero que cuestiona la figura de Constantino y su conversioacuten El error a la hora de valorar la Vita Constantini es denominarla vita porque de ello se desprende que es una biografiacutea de Constantino Y el

7

Ao abordar a trajetoacuteria poliacutetica de Constantino a historiadora Averil Cameron 4

apresenta duas visotildees divergentes sobre o governante dentro da tradiccedilatildeo historiograacutefica

Mais do que qualquer outro imperador romano Constantino foi objeto de intensa investigaccedilatildeo pelas geraccedilotildees posteriores que desejaram aclamaacute-lo para seu proacuteprio lado Muitas geraccedilotildees aceitaram as aclamaccedilotildees de Euseacutebio enquanto no outro lado encontra-se Edward Gibbon quem o denunciou como um autocrata agindo em nome do cristianismo e todos aqueles que seguiram a criacutetica mordaz de Jacob Burckhardt a respeito de Euseacutebio e duvidaram da autenticidade da Vida de Constantino 5

Condizente a nossa referecircncia de haver muacuteltiplos retratos de Constantino o arqueoacutelogo

Robert Ross Holloway defende

[] Constantino estava lutando para ganhar o impeacuterio para si natildeo para os cristatildeos O seu patrociacutenio agrave igreja e mais importante as ideias planos e inquietudes que espreitavam por traacutes de sua aparecircncia imperiosa tecircm sido examinados por historiadores modernos de cada geraccedilatildeo Mas assim como cada geraccedilatildeo e agraves vezes cada paiacutes tem nos dado um Alexandre o Grande diferente e um Augusto diferente tambeacutem Constantino aparece de diferentes faces pelas estantes O seu bioacutegrafo Euseacutebio bispo de Cesareia na Palestina o qual tornou-se um iacutentimo do imperador em seu reino fez dele sujeito do instrumento disposto da graccedila divina 6

Eacute interessante questionarmos construccedilotildees consolidadas e voltarmo-nos agraves fontes elas

podem fornecer elementos inexplorados eou obscurecidos Eacute o caso da idealizaccedilatildeo que se

tem de Constantino quanto agrave liberdade religiosa por ele promovida no ano de 313 com o

famoso Edito de Milatildeo Essa asserccedilatildeo natildeo eacute de todo errada poreacutem eacute fruto de uma elaboraccedilatildeo

que pretendia otimizar seu papel apontaacute-lo como um bom governante Ramoacuten Teja no

propio Eusebio dice que no pretende hacer una biografiacutea sino un panegiacuterico para ensalzar aquellas acciones u obras que a su manera de ver teniacutean maacutes merito o eran dignas de ser recordadas y obviar el resto Por lo tanto es una especie de oracioacuten fuacutenebre o exaltacioacuten de la figura de Constantino que debe contraponerse a otras fuentes maacutes objetivas o maacutes negativas y hacer un anaacutelisis histoacuterico y criacutetico que no siempre es faacutecilrdquo

4 CAMERON Averil The reign of Constantine ad 306ndash337 In The Cambridge Ancient History Vol XII The Crisis of Empire ad193-337 Cambridge University Press 2008 p 90-109

5 Idem p 106 ldquoMore than any other Roman emperor Constantine has been the subject of intense scrutiny by later generations who have wanted to claim him for their own side Many generations have accepted Eusebiusrsquo

claims while on the other side stand Edward Gibbon who denounced him as an autocrat acting in the name of Christianity and all those who have followed Jacob Burckhardtrsquos scathing criticism of Eusebius and doubted the authenticity of the Vit Constrdquo

6 HOLLOWAY R Ross Constantine and the Christians In Constantine and Rome Michigan Sheridan Books 2004 p2 ldquo[hellip] Constantine was fighting to win the empire for himself not for the Christians His

patronship of the church and more important the thoughts schemes and anxieties that lurked behind his imperious countenance have been examined by modern historians of every generation But just as each generation and sometimes each country has given us a different Alexander the Great and a different Augustus so along the bookshelves Constantine wears a score of faces His biographer Eusebius bishop of Caesarea in Palestine who became an intimate of the emperorrsquos late in his reign made his subject the willing instrument of divine gracerdquo

8

depoimento mencionado chama a atenccedilatildeo para isso demonstrando que o meacuterito da liberdade

de religiotildees natildeo eacute exclusivo agravequele imperador

[hellip] cabe dizer que o fato de que Constantino instaurou a liberdade de culto eacute tambeacutem em parte uma falsidade histoacuterica jaacute que o imperador pagatildeo Galeacuterio jaacute a havia concedido dois anos antes com o edito de Nicomeacutedia Dois anos depois Constantino e o imperador do Oriente Liciacutenio ratificaram em Milatildeo o edito de Galeacuterio com o conhecido edito de Milatildeo que eacute o que a Igreja e a tradiccedilatildeo consideram como o primeiro 7

A tradiccedilatildeo cristatilde considerou tambeacutem outros feitos concernentes a Constantino os quais

resultaram na sua caracterizaccedilatildeo de ldquoimperador cristatildeordquo como a associaccedilatildeo do poder imperial

com a igreja a construccedilatildeo de basiacutelicas o favorecimento aos bispos a luta contra o co-regente

Liciacutenio (308-324) - em parte para coibir a perseguiccedilatildeo aos cristatildeos Precisamos ponderar tais

aspectos uma vez que natildeo houve um rompimento total de Constantino em relaccedilatildeo agrave religiatildeo

pagatilde

Focaremo-nos na legitimidade que Constantino recebeu na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica do

autor e bispo Euseacutebio de Cesareia (26064-339) atraveacutes do argumento cristatildeo Nosso interesse

pelo tema da legitimidade do poder imperial constantiniano em um autor adepto ao

cristianismo natildeo o pretende superior ou mais ceacutelebre que outros fatos e conjunturas dispersos

pelo tempo em contrapartida reconhecemos as propriedades da vivecircncia de Constantino no

seacuteculo IV de nossa era e as consequecircncias que elas nos legaram Falamos particularmente da

legitimidade desse imperator construiacuteda por Euseacutebio no relato da Histoacuteria Eclesiaacutestica no

qual o autor associa Constantino agrave nova religiatildeo a cristatilde

Quando nos referimos a ela como ldquonovardquo entendemos duas proposiccedilotildees 1)

comparativamente agraves religiotildees pagatildes e hebraica o cristianismo era novo e inovador jaacute que se

iniciara com as pregaccedilotildees de Jesus Cristo ao viver entre os homens aproximadamente trecircs

seacuteculos antes sendo considerado portanto ainda muito jovem 2) a crenccedila cristatilde natildeo possuiacutea

credibilidade suficiente para adentrar o acircmbito da poliacutetica imperial no sentido de influenciar

as ldquomais altasrdquo praacuteticas governamentais

7 ldquo[hellip] cabe decir que el hecho de que Constantino instaurara la libertad de culto es tambieacuten en parte una

falsedad histoacuterica ya que el emperador pagano Galerio ya lo habiacutea concedido dos antildeos antes con el edicto de Nicomedia Dos antildeos maacutes tarde Constantino y el emperador de Oriente Licinio ratificaron en Milaacuten el edicto de Galerio con el conocido edicto de Milaacuten que es el que la Iglesia y la tradicioacuten han considerado como el primerordquo

9

Muito provavelmente sabendo dos riscos que corria frente aos adversaacuterios pagatildeos

Constantino adotou e abraccedilou o cristianismo em seu reinado concedendo privileacutegios aos

cristatildeos buscando para eles a paz e o fim das perseguiccedilotildees construindo monumentos e igrejas

em homenagem ao Deus judaico-cristatildeo entre vaacuterias outras atitudes favoraacuteveis Por outro

lado natildeo abandonou o paganismo Como pocircde conciliar esses dois grandes sistemas

paganismo e cristianismo

Talvez pensemos nessa indagaccedilatildeo porque falta-nos conhecimento aprofundado no que

tange ao contexto romano tardo-antigo As buscas raacutepidas na internet ou entre os primeiros

livros das prateleiras natildeo oferecem as respostas esperadas quem sabe ateacute ofereccedilam entretanto

a probabilidade de serem questionaacuteveis eacute alta Para nos aproximarmos um pouco daquela

realidade eacute necessaacuterio muito trabalho raciociacutenio e tempo Eacute um empreendimento para toda

uma vida Se conhecermos minuacutecias do contexto imperial romano eventualmente poderemos

perceber que as diferenccedilas natildeo satildeo tatildeo diferentes Natildeo temos a prevalecircncia do conhecimento

por estarmos afastados no tempo e no espaccedilo do nosso objeto de estudo (embora isso nos

confira certas regalias) ao contraacuterio precisamos buscar o acercamento a eventos e os

pensamentos das pessoas da eacutepoca

Caso consigamos alccedilar a tarefa seremos capazes de adentrar uma existecircncia mais

complexa do que a pensada por noacutes Em outras palavras a religiatildeo eacute um dos constituintes do

homem e natildeo sua inteireza as pessoas conviviam umas com as outras apesar de suas

divergecircncias fosse de modo conflituoso ou paciacutefico De qualquer forma influenciavam-se

mutuamente Renan Frighetto fala o seguinte em relaccedilatildeo aos contatos culturais entre pagatildeos e

cristatildeos

[hellip] nota-se que os autores cristatildeos mantiveram certos viacutenculos com a tradiccedilatildeo anterior e talvez os panegiristas pagatildeos receberam influxos do pensamento cristatildeo [] Neste caso mais que imposiccedilatildeo de ideias percebemos isto sim uma interrelaccedilatildeo cultural intensa e de difiacutecil localizaccedilatildeo Em linhas gerais parece indubitaacutevel afirmar a forte tradiccedilatildeo heleniacutestica baseada sobretudo nas religiotildees misteacutericas muito populares em Roma desde meados do seacuteculo II especialmente o culto a Mitra que conduzia ao ldquomonoteiacutesmo pagatildeordquo e a valorizaccedilatildeo da devoccedilatildeo por parte do poder imperial do Sol Invictus [] 8

8 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del poder

poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p 7 ldquo[hellip] se nota que los autores cristianos mantuvieran ciertos viacutenculos con la tradicioacuten anterior no quizaacutes los panegeristas paganos recibieron influjos del pensamiento cristiano [] En este caso maacutes que imposicioacuten de ideas notamos esto si una interrelacioacuten cultural intensa y de difiacutecil ubicacioacuten En liacuteneas generales parece indudable afirmar la fuerte tradicioacuten heleniacutestica basada sobretodo en las religiones misteacutericas muy populares en Roma desde mediados del siglo II especialmente el culto a Mitra

10

Aproximamo-nos do passado atraveacutes da leitura e estudo de fontes escritas e por meio

de artefatos materiais como ruiacutenas de edifiacutecios moedas esculturas utensiacutelios domeacutesticos

entre possibilidades infinitas Supomos mais eficaz em nossa busca os relatos elaborados por

homens contemporacircneos a Constantino os quais falaram a respeito do seu governo e do

ambiente em que viviam Optamos em perscrutar a legitimidade dada a Constantino por

Euseacutebio de Cesareia na obra Histoacuteria Eclesiaacutestica na qual ele associa o liacuteder imperial ao

cristianismo ao empreender uma construccedilatildeo teoacuterica a seu respeito Sabemos dos perigos de

participar de um relato construiacutedo de cunho elogioso a respeito de um homem puacuteblico O

que Euseacutebio escreveu natildeo eacute a verdade mas a sua verdade

Escolhemos a Histoacuteria Eclesiaacutestica em detrimento da Vida de Constantino como fonte

principal mesmo que esta fale especificamente do imperador porque a primeira abarca uma

interrelaccedilatildeo cara a nossa pesquisa o diaacutelogo de ideias e tradiccedilotildees O cristianismo eacute entendido

por Euseacutebio de Cesareia na Histoacuteria Eclesiaacutestica como uma espeacutecie de continuador da religiatildeo

hebraica no sentido de nela ter se embasado grandemente para formar seus credos e

paradigmas e expocirc-los atraveacutes da escrita Assim nem o cristianismo nem outro pensamento

qualquer eram totalmente ldquopurosrdquo pois se fundamentavam em ideias anteriores fossem para

concordar com elas ou confrontaacute-las aleacutem de poderem alterar as proacuteprias visotildees jaacute existentes

A interaccedilatildeo e confluecircncia de ideias eacute um dos principais componentes da Antiguidade

Tardia A Antiguidade Tardia eacute o nome dado ao recorte temporal que vai do seacuteculo II ao VIII

nos espaccedilos de influecircncia heleniacutestica e romana ao identificar e explicar a pluralidade de

pensamentos e praacuteticas concernentes ao periacuteodo os quais incorporavam e transformavam os

elementos culturais filosoacuteficos e religiosos presentes no seio da sociedade criando ldquonovas

realidadesrdquo que por sua vez seriam tambeacutem renovadas sempre com base na tradiccedilatildeo

Portanto essa conceituaccedilatildeo eacute nosso principal aporte teoacuterico jaacute que aleacutem de abranger

cronologicamente o objeto de estudo da pesquisa entende o cristianismo como multifacetado

e em constante diaacutelogo afaacutevel ou natildeo com o paganismo

Entre os vaacuterios objetivos que Euseacutebio de Cesareia teria para escrever uma histoacuteria

eclesiaacutestica um de altiacutessima relevacircncia eacute a nosso ver a busca por legitimidade do

cristianismo natildeo apenas como uma religiatildeo em meio a vaacuterias outras mas agrave sua afirmaccedilatildeo

que conduciacutean al ldquomonoteiacutesmo paganordquo y la valorizacioacuten de la devocioacuten por parte del poder imperial del Sol Invictus [hellip]rdquo

11

como religiatildeo triunfante Nesse iacutenterim o apoio do poder imperial romano eacute salutar para o

processo de consolidaccedilatildeo da mesma processo esse que teve impulsos jaacute com Euseacutebio sob o

governo constantiniano 9 Contudo nosso trabalho se concentra na construccedilatildeo teoacuterica ou de

legitimaccedilatildeo que Euseacutebio fez a respeito de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica e natildeo na

legitimidade que o cristianismo recebeu atraveacutes da sua aceitaccedilatildeo a niacutevel da poliacutetica imperial

Os questionamentos centrais que permitem explorar a questatildeo da legitimidade satildeo

como Constantino aparece na Histoacuteria eusebiana De que maneira esse governante eacute

associado com o cristianismo Pensamos que Euseacutebio busca legitimar o poder e autoridade de

Constantino em meio agraves desestruturaccedilotildees existentes no contexto poliacutetico-institucional A

forma com que o bispo realiza a tarefa eacute valendo-se do cristianismo pois aleacutem de crer nele e

provavelmente entendecirc-lo como a melhor cosmovisatildeo para guiar qualquer ser humano talvez

especialmente os liacutederes o proacuteprio Constantino favorecia a crenccedila o que lhe ldquofacilitavardquo o

trabalho

Na fonte Euseacutebio apresenta Constantino como um oacutetimo comandante de

comportamento cristatildeo tal como seu pai Constacircncio Cloro (250-306) e que abriu o caminho

para um ldquoImpeacuteriordquo pautado no cristianismo Ora alguns elementos podem desordenar esse

quadro como quando pensamos na multiplicidade de cristianismos naquele momento havia

divergecircncias doutrinaacuterias que tornavam irreconciliaacutevel a proposta teoacuterica da supremacia de

uma uacutenica crenccedila Sabemos que os conflitos ldquoteoloacutegicosrdquo dentro do cristianismo foram

resolvidos - no papel - durante o primeiro grande conciacutelio ecumecircnico da cristandade o de

Niceia em 325 Entretanto esse acontecimento excede a temporalidade por noacutes apreendida

para o governo constantiniano

A Histoacuteria Eclesiaacutestica possui dez livros os quais comeccedilam com citaccedilotildees do Antigo

Testamento sobre prenuacutencios da vinda de Jesus Cristo agrave Terra a descriccedilatildeo da sua vida aqui

(sendo Jesus entendido por Euseacutebio como Filho de Deus e tambeacutem Deus) perpassa os

acontecimentos eclesiaacutesticos dos trecircs primeiros seacuteculos abordando a sucessatildeo dos bispos nas

sedes episcopais as perseguiccedilotildees aos cristatildeos os martiacuterios as heresias os governos imperiais

ateacute findar com a vitoacuteria de Constantino sobre seu uacuteltimo oponente o imperador Liciacutenio no

ano de 324 A primeira vez que Constantino aparece referenciado eacute no livro oitavo poreacutem eacute

mais profundamente tratado nos livros novo e deacutecimo O nosso recorte se centra do ano 306

9 MOMIGLIANO Arnaldo As origens da historiografia eclesiaacutestica In As raiacutezes claacutessicas da historiografia

moderna Bauru Edusc 2004 p 199

12

quando Euseacutebio narra a substituiccedilatildeo do governo de Constacircncio pelo de Constantino na

Britania (livro oitavo) ateacute quando este se torna Augustus uacutenico na poliacutetica imperial romana

em 324 (livro deacutecimo)

O processo de reinado poliacutetico-administrativo de Constantino eacute interpretado pelo bispo

de Cesareia como uma histoacuteria conduzida pelo proacuteprio Deus o qual esteve sempre presente

com o imperador ajudando-o a vencer os inimigos do cristianismo Os conflitos militares-

religiosos com os quais Constantino se envolveu foram primeiro em relaccedilatildeo a Maxecircncio

(278-312) derrotado em 312 e depois em relaccedilatildeo a Liciacutenio Por meio de argumentos que

engrandecem ou diminuem moralmente um liacuteder ndash virtudes e viacutecios Euseacutebio representa os

bons e os maus governantes Os bons condutores estatildeo obviamente vinculados agraves qualidades

cristatildes e os maus satildeo destituiacutedos delas Entendemos que o modo como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

constroacutei a legitimidade de Constantino enquanto liacuteder imperial romano eacute expondo suas

virtudes e contrapondo-as explicitamente ou natildeo aos viacutecios dos seus maiores oponentes

poliacutetico-militares

Assim Constantino eacute exibido como um imperador benevolente e piedoso enquanto

Maxecircncio e Liciacutenio satildeo crueacuteis e iacutempios Em tal seguimento eacute produzida a figura

constantiniana do ldquoimperador cristatildeordquo estereoacutetipo incorporado nos seacuteculos seguintes e

tambeacutem pela historiografia Paul Veyne historiador francecircs que escreveu Quando o nosso

mundo se tornou cristatildeo assume o ideal do ldquoimperador cristatildeordquo Por outro lado haacute

historiadores como Renan Frighetto Gilvan Ventura da Silva e o italiano Valerio Neri que

ponderam essa maacutexima preferindo analisar a atuaccedilatildeo de Constantino tanto em relaccedilatildeo ao

cristianismo quanto ao paganismo mais como uma forma de sobrevivecircncia do que de

exclusividade e aderecircncia total em relaccedilatildeo ao primeiro

Na realidade como o proacuteprio Euseacutebio atesta no iniacutecio da obra sua intenccedilatildeo eacute discorrer a

respeito de eventos do curso da histoacuteria eclesiaacutestica ndash e temas a ela conectados Ele eacute o

primeiro a realizar essa empreitada a de reunir os fatos da igreja 10 dos trecircs primeiros seacuteculos

da era cristatilde com fundamentaccedilatildeo em diversos documentos cristatildeos hebraicos e pagatildeos

Assim natildeo haacute um personagem principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica mas a descriccedilatildeo de uma

trajetoacuteria histoacuterica regida por Deus Essa histoacuteria inclui tanto a perspectiva religiosa quanto a

poliacutetica Por exemplo na interpretaccedilatildeo a respeito dessa fonte de Andreacuteia Cristina Frazatildeo

10 A terminaccedilatildeo ldquoigrejardquo eacute entendida neste trabalho como a ldquocomunidadeassembleacuteiareuniatildeo dos cristatildeosrdquo em

um processo inicial de institucionalizaccedilatildeo eclesiaacutestica que se concluiraacute poreacutem apenas seacuteculos adiante

13

Jesus veio ao mundo durante o reinado de Augusto por dois motivos primeiro porque os

povos estavam reunidos sob o governo romano e segundo porque Deus preparou

gradativamente os homens para receberem a mensagem divina naquele momento A

historiadora afirma

Com a vinda de Cristo surge a Igreja Cristatilde Segundo Euseacutebio o cristianismo era aparentemente novo poreacutem natildeo o era jaacute que era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento Portanto a histoacuteria da comunidade cristatilde surge intimamente ligada agrave Histoacuteria do Impeacuterio Romano Pois a Igreja cristatilde traz a unidade da feacute para completar a obra da unidade poliacutetica promovida pelo Impeacuterio Desta forma o universalismo presente na crocircnica e na Histoacuteria Eclesiaacutestica forma um grande sistema divino no qual a Igreja e o Impeacuterio satildeo apenas capiacutetulos desta Histoacuteria Universal dirigida por Deus 11

Aleacutem do trecho acima demonstrar a interaccedilatildeo entre poliacutetica e religiatildeo aponta para o

caraacuteter de continuidade do cristianismo em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo hebraica contrariando as

oposiccedilotildees que eram feitas a essa crenccedila as quais alegavam sua imaturidade Por conseguinte

a Histoacuteria eusebiana estaacute inserida em uma ambientaccedilatildeo vasta que engloba as confrontaccedilotildees e

polecircmicas religiosas no que diz respeito agraves questotildees apologeacuteticas Era preciso naquelas

condiccedilotildees defender o cristianismo frente agraves arguiccedilotildees que o tomavam por inconsistente E natildeo

apenas os pagatildeos assumiam essa postura como tambeacutem muitos judeus ressentidos com o fato

da nova crenccedila alterar todo o entendimento que eles possuiacuteam sobre o mundo sobre Deus ao

buscarem complementar as Escrituras Sagradas e elevarem um simples homem agrave categoria

divina

Para esta pesquisa utilizamos sobretudo a versatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da editora

Novo Seacuteculo e como apoio nos amparamos nestas outras uma da Loeb Classical Library que

apresenta os textos em grego e inglecircs traduzida por Kirsopp Lake outra versatildeo em italiano

da Cittagrave Nuova Editrice com a traduccedilatildeo de Salvatore Borzigrave Franzo Migliore e Giovanni Lo

Castro e uma terceira em liacutengua espanhola da Bibilioteca de Autores Cristianos traduzida

por Argimiro Velasco-Delgado

Observamos parte do livro primeiro parte do livro oitavo o nono e o deacutecimo livro Essa

seleccedilatildeo foi escolhida porque eacute a partir de meados do livro oitavo em diante (ateacute o fim da

histoacuteria) que Euseacutebio referencia e discorre sobre Constantino Quanto ao livro primeiro o

autor cristatildeo apresenta sua metodologia de escrita numa espeacutecie de prefaacutecio seguido do

11 FRAZAtildeO Andreacuteia Cristina O nascimento da Historiografia cristatilde no IV seacuteculo Caliacuteope Presenccedila

Claacutessica Rio de Janeiro n 9 p 86 1993

14

momento em que trata da antiguidade do cristianismo e divindade de Jesus Cristo temas

relevantes e subjacentes ao nosso trabalho

No primeiro capiacutetulo abordaremos o contexto geral em que viviam Constantino e

Euseacutebio de Cesareia e a inserccedilatildeo deste imperador na Histoacuteria Eclesiaacutestica No segundo

adentraremos a questatildeo da legitimidade do poder imperial constantiniano jaacute apontando para o

terceiro capiacutetulo momento em que as virtudes do governante e os viacutecios dos seus inimigos

seratildeo mais especificamente trabalhados

15

Capiacutetulo 1 Uma aproximaccedilatildeo de Constantino I e Euseacutebio de Cesareia

Panorama poliacutetico do seacuteculo IV romano

O nosso tema - a legitimidade do poder imperial de Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio de Cesareia - estaacute circunscrito no contexto do seacuteculo IV romano periacuteodo agitado e

repleto de disputas poliacuteticas e ideoloacutegicas longe de poder ser caracterizado de maneira

homogecircnea ou superficial Embora a investigaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de uma

pesquisa possuam enquadramento cuidadoso e cientiacutefico natildeo eacute possiacutevel traduzir uma

experiecircncia passada agrave assimilaccedilatildeo do presente Contudo podemos nos aproximar dos

acontecimentos pensamentos e relaccedilotildees humanas de outrora atraveacutes da leitura e interpretaccedilatildeo

de fonte que conteacutem elementos e significados de determinada eacutepoca eou momento histoacuterico

O mecanismo teoacuterico-interpretativo eacute importante no processo de observaccedilatildeo de qualquer

aspecto do passado Para noacutes natildeo seraacute diferente em meio agraves vaacuterias formas de olhar para os

anos 300 nos associamos agraves perspectivas da Antiguidade Tardia denominaccedilatildeo aplicada ao

recorte que se inicia no seacuteculo II e alcanccedila o seacuteculo VIII na pars ocidental do espaccedilo romano

e suas aacutereas de influecircncia Sabemos que tal quadro teoacuterico natildeo esgota as possibilidades

investigativas da histoacuteria nem eacute inconteste ou soberano entretanto eacute a nosso ver o caminho

mais frutiacutefero quando nos voltamos agravequele momento histoacuterico

Afirmamos isso porque a Antiguidade Tardia eacute dinacircmica traz o novo e considera as

tradiccedilotildees absorve elementos e os reinterpreta recebe influecircncias e as readequa

Particularmente no tocante agrave relaccedilatildeo do cristianismo com o paganismo no seacuteculo IV os

estudiosos pautados na Antiguidade Tardia entendem que haacute confluecircncia entre as duas

organizaccedilotildees religiosas sejam elas paciacuteficas ou conflituosas Tal mutualidade se dava pela

decorrecircncia da pluralidade de ideias e crenccedilas daquele periacuteodo as quais acabavam por

interagir umas com as outras jaacute que elas natildeo pairavam solitaacuterias pelo ambiente romano mas

estavam inseridas na estrutura psicoloacutegica e nas atitudes dos homens

Constantino eacute um desses indiviacuteduos o qual se destacou no espaccedilo imperial romano

multifacetado da tardo-antiguidade Ele incorporou o aspecto cristatildeo na gerecircncia

governamental contudo natildeo baniu as iniciativas pagatildes ao seu redor Ambas as religiotildees cristatilde

e pagatilde estiveram presentes no decurso de seu reinado Essa aparente ambivalecircncia da atuaccedilatildeo

poliacutetica constantiniana eacute um dos elementos da Antiguidade Tardia

16

Outra caracteriacutestica identificada pelos pesquisadores alinhados agrave Antiguidade Tardia e

que se apresenta durante a vivecircncia do imperator Constantino eacute a instabilidade de uma

autoridade uacutenica na administraccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio Muito provavelmente estando ciente

da fragilidade latente que o poder imperial possuiacutea Constantino buscou meios para fortalecer

sua autoridade e comandar os desiacutegnios poliacuteticos do mundo romano

Henri Ireacuteneacutee Marrou jaacute defendia a necessidade em olhar esse periacuteodo de maneira com

que fossem demonstradas suas especificidades valiosas em detrimento agrave visatildeo de a

Antiguidade Tardia significar ldquoo fim da Antiguidaderdquo ou ldquoos comeccedilos da Idade Meacutediardquo12 Ela

eacute ldquouma outra civilizaccedilatildeo que temos de reconhecer na sua originalidade e julgar por si

proacutepriardquo 13

Em artigo recente o historiador Renan Frighetto dialoga com Jean-Michel Carrieacute

Stefano Gasparri e Cristina La Rocca alguns dos vaacuterios estudiosos que aceitam e defendem as

concepccedilotildees da Antiguidade Tardia e entatildeo caracteriza o periacuteodo da seguinte maneira

[] autecircntica estrutura histoacuterica de longa duraccedilatildeo dotada de identidade proacutepria e repleta de conflitos sociopoliacuteticos que visavam a busca pelo poder Assim diferenciamos este momento histoacuterico de seu precedente heleniacutestico e de seu consequente medieval sendo a Antiguidade Tardia uma larga etapa histoacuterica em que ocorreram intensas readequaccedilotildees poliacuteticas institucionais sociais e culturais marcadas tanto pelo confronto como pela interaccedilatildeo e integraccedilatildeo 14

Logo depois o autor propotildee uma subdivisatildeo para a tardo-antiguidade uma primeira

etapa denominada romanidade tardia (seguindo a tradiccedilatildeo historiograacutefica) a qual abarca o

final do seacuteculo II ateacute meados do seacuteculo IV caracterizando-se como um ldquoperiacuteodo no qual os

elementos poliacuteticos institucionais ideoloacutegicos e culturais foram renovados e atualizados em

relaccedilatildeo aos preexistentes dos tempos do Principadordquo 15 A segunda etapa consiste na

romanidade baacuterbara a qual se situa entre meados do seacuteculo IV e meados do VIII ldquofase de

conflitos e de encontros culminada pela institucionalizaccedilatildeo da monarquia de perfil tardo-

romano entre os baacuterbarosrdquo 16

12 MARROU Henri Ireacuteneacutee Decadecircncia romana ou Antiguidade Tardia Lisboa Aster 1979 p11-16 13 Ibidem p 15 14 FRIGHETTO Renan Siacutembolos e rituais os mecanismos do poder poliacutetico no reino hispano-visigodo de

Toledo (seacuteculos VI-VII) Porto Alegre Revista Anos 90 v22 n42 p 242 2015 15 Ibidem loc cit 16 Ibidem p 243

17

Tomando tal divisatildeo conceitual-cronoloacutegica para nossa pesquisa encontramo-nos na

transiccedilatildeo da romanidade tardia para a romanidade baacuterbara ainda mais conectados agrave primeira

Dentro dela - romanidade tardia ndash tambeacutem houve permanecircncias e rupturas afinal no intervalo

de aproximadamente um seacuteculo e meio aquela realidade natildeo seria inerte A maneira como a

conjuntura de poder governamental foi se alterando nesse periacuteodo eacute um dos indicativos de

uma realidade em constante mutaccedilatildeo Apresentaremos um breve cenaacuterio da romanidade tardia

desde seus primoacuterdios por entendermos que a forma como o trajeto poliacutetico-institucional foi

sendo delineado no periacuteodo influencia diretamente as decisotildees e posicionamentos do governo

de Constantino frente agraves instabilidades herdadas

A Antiguidade Tardia inicia-se com a reduccedilatildeo da autoridade imperial e a crescente

regionalizaccedilatildeo de poderes que ganham maior notoriedade a partir do seacuteculo III cenaacuterio

trabalhado por Ana Teresa Marques Gonccedilalves quando trata da dinastia dos Severos e da

chamada ldquoAnarquia Militarrdquo 17 A historiadora nos informa que por bastante tempo a dinastia

dos Antoninos (96-192) foi visualizada como o periacuteodo de aacutepice da poliacutetica romana em

contraste com os governos dos periacuteodos posteriores responsaacuteveis por levarem agrave ldquodecadecircnciardquo

do Impeacuterio

Os Severos sucederam os Antoninos no poder e foram considerados causadores de

diversas crises que abalaram as bases imperiais na passagem do seacuteculo II para o III Septiacutemio

Severo (193-211) foi aclamado pelas legiotildees da Panocircnia conhecia bem o territoacuterio romano

pois havia trabalhado para os Antoninos e reformou a Guarda Pretoriana a qual havia

adquirido destaque poliacutetico durante essa dinastia

De defensores da pessoa do Imperador os membros da Guarda foram assumindo inuacutemeras outras funccedilotildees como a defesa do Palaacutecio e da famiacutelia do Priacutencipe ateacute chegarem a ponto de se sentirem os responsaacuteveis pela proteccedilatildeo do cargo imperial e pela indicaccedilatildeo dos soberanos 18

Ocorreu que o sucessor de Cocircmodo o senador Pertinax foi assassinado pelos

pretorianos o que levou a uma ldquoespeacutecie de leilatildeo do cargo imperialrdquo do qual saiu vitorioso

Severo O novo imperador proclamou-se vingador de Pertinax e destituiu seus assassinos

pretorianos das prerrogativas militares Em seguida constituiu uma nova Guarda ldquocom os

17GONCcedilALVES Ana Teresa Marques Os Severos e a Anarquia Militar In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p175-191 18 Ibidem p 176

18

melhores soldados vindos das legiotildees provinciaisrdquo tomou vaacuterias medidas para proteger-se dos

opositores e buscou sempre obter o apoio das forccedilas militares atraveacutes de accedilotildees como o

aumento do soldo dos legionaacuterios a reorganizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo de alimentos aos mesmos e

a concessatildeo de acesso direto dos centuriotildees agrave ordem equestre possibilitando-lhes a ascensatildeo a

cargos civis e militares 19

Gonccedilalves pautada nessas informaccedilotildees e no uacuteltimo conselho de Severo para seus filhos

ldquoPermaneccedilam unidos enriqueccedilam os soldados e natildeo se preocupem com os demaisrdquo 20 aponta

que muitos autores defenderam a criaccedilatildeo de uma Monarquia Militar por parte dos primeiros

Severos ldquobuscando apoio somente entre os elementos militares para conseguirem ascender ao

poder e permanecer nele por mais tempordquo Diz ainda ldquoEsta Monarquia Militar implantada na

passagem do segundo para o terceiro seacuteculos dC teria comeccedilado a dar forma a toda a crise

que teria marcado os governos do quarto seacuteculo dCrdquo 21

A historiadora expotildee que a frase de Dion Caacutessio foi preponderante na interpretaccedilatildeo

historiograacutefica sobre o periacuteodo severiano associado agrave usurpaccedilatildeo barbarizaccedilatildeo exclusividade

de apoio no exeacutercito oposiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave dinastia anterior e ateacute mesmo atrelamento com o

processo de ldquodecadecircnciardquo do Impeacuterio Por outro lado existem debatedores a essa percepccedilatildeo

depreciativa - Jean Michel Carrieacute e Aline Rousselle satildeo nomes proeminentes os quais

relativizam o suporte que os legionaacuterios davam aos Severos e enfatizam a ligaccedilatildeo destes com

os Antoninos De acordo com aqueles autores Septiacutemio Severo buscou legitimidade na esfera

senatorial e possuiacutea aptidotildees voltadas ao direito romano o que contraria a maacutexima de

exclusividade de amparo somente no acircmbito militar 22

Apoacutes apresentar outras visotildees pejorativas sobre a dinastia severiana e as respectivas

discussotildees que revecircem essas ideias Gonccedilalves defende que os primeiros severos procuraram

sim respaldo entre os militares mas natildeo foram os uacutenicos a fazecirc-lo nem se apoiaram apenas

neles 23 Depois da morte de Septiacutemio Severo governaram Caracala (212-217) Heliogaacutebalo

(218-222) e Severo Alexandre (222-235) Em seguida Maximino (235-238) iniciou outro

periacuteodo polecircmico para a historiografia a qual eacute denominada como ldquoAnarquia Militarrdquo ldquoCrise

do Terceiro Seacuteculordquo ou ldquoPeriacuteodo dos Imperadores-Soldadosrdquo recorte tambeacutem importante para

os desdobramentos durante o seacuteculo IV 19 Ibidem p179 20 Dion Caacutessio Histoacuteria Romana LXXVII 17 4 21 GONCcedilALVES op cit p180 22 Ibidem p 181 23 Ibidem p 183

19

Na falta de outro termo nos conta Gonccedilalves eacute assim que essa eacutepoca eacute rotulada por

indicar como estava a situaccedilatildeo do Impeacuterio em termos poliacuteticos a maior parte dos imperadores

era escolhida de forma raacutepida pelas legiotildees de fronteiras ficavam pouco tempo no poder e

necessitavam demonstrar boas habilidades militares Os governantes

a) eram aclamados pelos legionaacuterios estacionados nas fronteiras na procura por bons generais capazes de rechaccedilar as invasotildees e proteger os limites do Impeacuterio b) ficavam pouco tempo no governo c) acabaram morrendo pelas matildeos dos invasores ou por revoltas dentro das tropas insatisfeitas com suas estrateacutegias de combate d) raramente conseguiam indicar seus sucessores e) dificilmente tinham tempo de imputar uma caracteriacutestica proacutepria ao seu governo que natildeo fosse a mera necessidade de defender as fronteiras 24

Desta forma o Impeacuterio enfrentou crise poliacutetica militar econocircmica aleacutem de uma

consequente crise moral e religiosa conforme a autora Quem rompeu com essa dinacircmica foi

Diocleciano no ano de 284 sendo ldquoum reformador e um criador no que se refere agrave divisatildeo do

Impeacuterio para melhor gerenciaacute-lo e agrave questatildeo da sucessatildeo no intuito de evitar vaacutecuos no

poder entre um governo e outrordquo 25 Originaacuterio da Dalmaacutecia esse governante desenvolveu

uma carreira militar eficiente Em 284 foi proclamado Augusto pelos oficiais legionaacuterios

apoacutes a morte do priacutencipe Numeriano ocasionada pela conspiraccedilatildeo do prefeito do pretoacuterio

Aper No ano de 285 Diocleciano aniquilou o irmatildeo de Numeriano e Augusto do ocidente

Carino 26 unificando entatildeo o poder agrave sua volta e estabelecendo as bases para a organizaccedilatildeo

imperial que em breve iria desenvolver

Gilvan Ventura da Silva e Morma Musco Mendes 27 relatam que Diocleciano

empreendeu um ldquoprojetordquo eficaz e realista que tinha a intenccedilatildeo de restaurar e reorganizar o

Estado para assegurar a manutenccedilatildeo do exeacutercito e a defesa do Impeacuterio Desde o iniacutecio ele

presta atenccedilatildeo especial aos problemas seacuterios da poliacutetica imperial agravados durante o seacuteculo

III com ecircnfase nas usurpaccedilotildees do poder a ameaccedila germana e sassacircnida e a depressatildeo

monetaacuteria Os autores apontam que uma das principais inovaccedilotildees poliacuteticas de Diocleciano foi

24 Ibidem p 186 25 Ibidem p 189 26 FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de

transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p95 Compreendemos as designaccedilotildees de ocidente e oriente ao longo do texto como ordem mais geograacutefica para facilitar o entendimento Essa ldquodivisatildeordquo natildeo se

refere agrave separaccedilatildeo poliacutetica administrativa econocircmica e militar que ocorreraacute no final do seacuteculo IV com a morte do imperador Teodoacutesio momento em que o Impeacuterio eacute fragmentado entre seus filhos Arcaacutedio e Honoacuterio embora haja indiacutecios de um futuro rompimento desde o final do seacuteculo III e ao longo do IV

27 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATO In Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p198

20

a criaccedilatildeo da Tetrarquia ldquoum sistema de governo que tornava praticamente irreversiacutevel a

divisatildeo do Impeacuterio entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a

administraccedilatildeo e defesa do amplo territoacuterio controlado pelos romanosrdquo 28

A Tetrarquia foi criada como uma tentativa de aperfeiccediloar a gestatildeo do vasto territoacuterio

romano diante da fragilidade poliacutetico-institucional e da inseguranccedila em relaccedilatildeo agraves regiotildees de

fronteira ameaccediladas pelos ldquopovos baacuterbarosrdquo O termo foi formulado no seacuteculo XIX 29 para

clarificar a dinacircmica do poder naquele momento da tardo-antiguidade a partilha da

autoridade imperial entre quatro governantes dispostos hierarquicamente dois augustos no

comando principal e dois ceacutesares a eles subordinados

Em 286 Diocleciano nomeia Maximiano como Ceacutesar para reprimir os rebeldes

bagaudas afirmam Gilvan Ventura e Norma Mendes 30 jaacute que estava ciente de que o Impeacuterio

havia se tornado extenso e muito complexo para ser governado adequadamente por apenas

uma pessoa Maximiano realizou a tarefa e Diocleciano decidiu nomeaacute-lo Augusto do

Ocidente por temer que a vitoacuteria daquele sobre os bagaudas o transformasse em usurpador

Algum tempo depois Diocleciano proclama Galeacuterio como Ceacutesar e daacute a ele sua filha Valeacuteria

em casamento Em paralelo Maximiano nomeia como Ceacutesar Constacircncio Cloro pai de

Constantino o qual se casou com Teodora a filha de Maximiano 31

ldquoConstituiacutea-se assim uma autecircntica famiacutelia imperialrdquo 32 no topo estava Diocleciano o

Iovius descendente de Juacutepiter o qual liderava o Impeacuterio como Augusto senior seu ajudante

direto era Maximiano o Herculius em seguida estavam os Ceacutesares Galeacuterio e Constacircncio

Cloro

A cada um desses membros foi confiada uma parcela do territoacuterio romano para defesa e administraccedilatildeo de maneira que enquanto vigorou a Tetrarquia o poder se encontrava repartido entre quatro titulares cada um com uma capital proacutepria mas a unidade do coleacutegio imperial era mantida pela ascendecircncia do Augustus senior [] Esta aparente divisatildeo do poder imperial

28 Ibidem p 199 29NERI Valerio Monarchia diarchia tetrarchia La dialettica delle forme di governo imperiale fra Diocleziano e

Costantino In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 659

30 SILVA MENDES op cit p199 31 O anexo I mostra a divisatildeo da administraccedilatildeo territorial de cada tetrarca neste momento 32SILVA MENDES loc cit Em contrapartida Valerio Neri argumenta ldquoLa tetrarchia realizzata da Diocleziano

era una costruzione apparentemente geniale per tentare di risolvere gli annosi problemi dellrsquoinstabilita del

potere imperiale e della necessita di impegni militari contemporanei in settori del confine lontani fra loro in cui era opportuno che intervenisse una figura imperiale per evitare il rischio di usurpazioni Era pero come giustamente osserva Werner Eck un sistema artificioso che intendeva sostituirsi a un principio quello dinastico giudicato ‛naturalersquo da regnanti e sudditirdquo (Neri Valerio Monarchia diarchia tetrarchia p666)

21

na realidade implicava tatildeo-somente uma divisatildeo de tarefas pois cada um dos imperadores reinantes possuiacutea igual competecircncia poliacutetica militar e legislativa agrave exceccedilatildeo de Diocleciano que na qualidade de Augustus senior detinha a primazia dentro do coleacutegio imperial 33

Os autores subscrevem citando Gonzalo Bravo que a filiaccedilatildeo miacutetico-religiosa da

Tetraquia consagrava a superioridade da auctoritas do Augusto senior sobre seus colegas

pois Diocleciano ao considerar-se Iovius representava a sagacidade o domiacutenio e a soberania

Maximiano enquanto Herculius simbolizava a forccedila e a execuccedilatildeo e os Ceacutesares eram

considerados filii Augustorum 34 ldquoO sistema tetraacuterquico portanto baseava-se em trecircs

princiacutepios a hierarquia fixada pela antiguidade no cargo a cooptaccedilatildeo entre os Ceacutesares no

reconhecimento da preeminecircncia dos Augustos e os viacutenculos familiares de adoccedilatildeo e

casamentordquo 35 Em uma interpretaccedilatildeo mais enfaacutetica Michel Rouche descreve a respeito de

Diocleciano

dominava os dois Ceacutesares e ateacute o proacuteprio Augusto com toda a forccedila da sua personalidade e a sua autoridade fazia-se sentir em toda a parte Mais do que uma medida de descentralizaccedilatildeo Diocleciano fez uma desconcentraccedilatildeo do poder e encurtou o ldquocabo do martelo para bater com mais forccedilardquo 36

Sobre as mudanccedilas trazidas pela primeira Tetraquia Alan Bowman expotildee

Eacute difiacutecil e talvez enganoso avaliar o impacto que a criaccedilatildeo da tetrarquia teve naquele momento [] Mesmo na visatildeo mais conservadora contudo noacutes podemos admitir que o ano de 293 foi uma etapa muito importante na reorganizaccedilatildeo administrativa e na estabilizaccedilatildeo do impeacuterio A criaccedilatildeo de um colegiado de governadores com responsabilidades compartilhadas e um plano para a transferecircncia ordenada de poder de uma geraccedilatildeo de governantes para a proacutexima (ainda que seus detalhes precisos possam ter sido definidos no periacuteodo entre 293 e 305) marcou uma mudanccedila fundamental na praacutetica da estrutura que era essencialmente dinaacutestica a qual o poder romano imperial teve desde o estabelecimento do principado sob Augusto A mudanccedila da lsquoideologiarsquo do poder imperial austera e em certa medida massivamente autoritaacuteria mas sem sacrifiacutecio de forccedila energia habilidade militar ou acessibilidade cristalizada em torno da tetrarquia (presumivelmente natildeo de imediato) eacute refletida em vaacuterios meios na arquitetura escultura cunhagem e ateacute mesmo em artifiacutecios literaacuterios dos panegiristas A corte cerimonial e o patrociacutenio divino sempre foram importantes para os imperadores romanos e noacutes devemos ser cuidadosos para natildeo colocarmos muito profundamente uma

33 SILVA MENDES loc cit 34 Ibidem p 199-200 35 Ibidem p 200 36 ROUCHE Michel O Baixo-Impeacuterio Romano (284-396) In Os Impeacuterios Universais ndash Seacuteculos II a IV

Lisboa Dom Quixote 1980 p252

22

mudanccedila de princiacutepio ao inveacutes de simplesmente uma diferente ecircnfase na praacutetica Os governadores ainda natildeo eram deuses mas de alguma maneira aproveitavam a proteccedilatildeo e o patrociacutenio de deidades especiacuteficas e em certo sentido partilhavam de suas caracteriacutesticas 37

Em consonacircncia com as ideias mencionadas por Gilvan Ventura e Norma Mendes

Michel Rouche aponta que o governante reforccedilou a ideologia imperial e cerimonial oficial o

imperador natildeo seria mais divinizado apoacutes a morte ou considerado companheiro do Sol mas

passaria a ser apresentado como filho de um deus ndash Juacutepiter ou Heacutercules Diocleciano triunfou

da desordem da mesma forma que Juacutepiter quando esmagou os Titatildes Adotou-se do Iratildeo a

praacutetica da proskynesis os que se aproximavam do imperador tinham que ajoelhar-se e beijar

seus sapatos de puacuterpura foram gravadas nas moedas as letras D e N que significavam

Dominus Noster Nosso Senhor pois o impeacuterio natildeo tinha mais cidadatildeos e sim suacuteditos 38

Desse modo nota-se todo um universo de sacralidade altamente apreensiacutevel e visualizaacutevel na

atuaccedilatildeo do poder imperial a partir do governo de Diocleciano

A respeito da atuaccedilatildeo governamental desse imperator Renan Frighetto afirma o

seguinte

A tentativa de renovaccedilatildeo imperial (renouatio imperii) levada a cabo por Diocleciano ao longo de mais de vinte anos de governo centrava na instituiccedilatildeo da tetrarquia as esperanccedilas de sucessotildees imperiais menos turbulentas que as ocorridas no decurso do seacuteculo III Idealizando uma recuperaccedilatildeo das antigas tradiccedilotildees romanas que tinham como objetivo o aumento da autoridade imperial romana como elemento de integraccedilatildeo de todo o orbe romano Diocleciano potenciou igualmente a condiccedilatildeo do imperador como ente sagrado divino paralelo humano das divindades romanas Poreacutem um deus limitado em sua accedilatildeo efetiva que teria de contar indubitavelmente com o auxiacutelio de outros colegas divinos Nesse caso a tetrarquia tentava reproduzir ideologicamente no plano terreno o consenso

37 BOWMAN Alan K Diocletian and the first tetrarchy ad 284ndash305 In The Cambridge Ancient History

The Crisis of Empire ad 193-337 United Kingdom Cambridge University Press 2008 p77 ldquoIt is difficult

and perhaps misleading to assess what impact the creation of the tetrarchy had at the time [hellip] Even on the most conservative view however we can admit that the year 293 was a very important stage in the administrative reorganization and stabilization of the empire The creation of a college of rulers with shared responsibility and some plan for the orderly transfer of power from one generation of rulers to the next (whatever its precise details may have been at any given time in the period 293ndash305) marked a fundamental change of practice within a framework which was essentially dynastic as Roman imperial power had been since the establishment of the principate by Augustus The changing lsquoideologyrsquo of imperial power austere and

somehow massively authoritarian but without sacrificing strength energy military prowess or accessibility crystallized around the tetrarchy (presumably not at a stroke) and is reflected in various media architecture sculpture coinage as well as the literary artifices of the panegyrists Court ceremonial and divine patronage had always been important to Roman emperors and we must be careful not to posit too profound a change of principle rather than simply a different emphasis in practice The rulers were still not gods but somehow enjoyed the protection and patronage of specific deities and in some sense partook of their characteristicsrdquo

38 SILVA MENDES op cit p200

23

existente entre os deuses que governariam o mundo romano em nome de todos os cidadatildeos que passavam a partir de finais do seacuteculo III tambeacutem agrave condiccedilatildeo de suacuteditos imperiais Consenso fundamentado na paz interna estabelecida especialmente na boa convivecircncia familiar inclusive entre os quatro imperadores responsaacuteveis pela defesa e preservaccedilatildeo do mundo imperial romano 39

A ascensatildeo de Diocleciano ao poder e a sagraccedilatildeo imperial intensificada a partir do seu

governo enunciam uma etapa na histoacuteria romana conhecida pelo nome de Dominato Nela

defende Gonzalo Bravo 40 o imperador tendia a fortalecer seu poder em todos os acircmbitos

controlando diretamente o exeacutercito selecionando cuidadosamente seus colaboradores mais

proacuteximos os funcionaacuterios palatinos e os mandataacuterios provinciais O controle sobre todos eles

era mais faacutecil e efetivo pois a nova estrutura piramidal da administraccedilatildeo com a

hierarquizaccedilatildeo de tiacutetulos e funccedilotildees e as esferas administrativas contribuiacutea para descobrir

rapidamente os abusos de poder pela imediata repercussatildeo nas demais esferas jurisdicionais

O historiador explana

Daiacute que no Baixo Impeacuterio se produza o aparente paradoxo de que ainda estando o imperador mais lsquoocultorsquo que antes sua lsquopresenccedilarsquo em cada ato

administrativo eacute mais forte que nunca prova de ambas as afirmaccedilotildees eacute por um lado sua escassa representaccedilatildeo iconograacutefica excetuados os momentos do cerimonial (coroaccedilatildeo triunfo sucessatildeo) e por outro lado o intenso trabalho legislativo dos imperadores baixo-imperiais 41

Todo o projeto delineado acima eacute caracterizado como uma tentativa de restauraccedilatildeo no

mundo romano da quarta centuacuteria 42 Gilvan Ventura e Norma Mendes consideram

Diocleciano e o futuro imperador Constantino os restauradores da ordem romana apoacutes

deacutecadas de fragilidade poliacutetico-institucional aleacutem de terem lanccedilado os alicerces para os

momentos poliacuteticos posteriores O Estado romano realizou nesse periacuteodo

amplas reformas na maacutequina puacuteblica como aquelas instituiacutedas por Diocleciano e Constantino os artiacutefices do Dominato que mediante sua obra permitiram ao Impeacuterio do Ocidente se manter coeso por cerca de duzentos

39 FRIGHETTO Renan op cit p101 40 BRAVO Gonzalo El Dominado In Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid

Alianza Editorial 1998 p572 41 BRAVO op cit p 572-573 ldquoDe ahiacute que en el Bajo Imperio se produzca la aparente paradoja de que aun

estando el emperador maacutes lsquoocultorsquo que antes su lsquopresenciarsquo en cada acto administrativo es maacutes fuerte que

nunca prueba de ambas afirmaciones es por un lado su escasa representacioacuten iconograacutefica exceptuados los momentos del ceremonial (coronacioacuten triunfo sucesioacuten) y por otro lado la intensa labor legislativa de los emperadores bajoimperialeshelliprdquo

42 ROUCHE op cit p251

24

anos ao mesmo tempo em que estabeleceram as bases do que seraacute mais tarde a Civilizaccedilatildeo Bizantina ou seja a civilizaccedilatildeo romano-cristatilde do Oriente cujas raiacutezes remontam agrave fundaccedilatildeo de Constantinopla em 330 43

Os dois autores comentam ainda que o sistema estruturado por Diocleciano e

Constantino (Dominato)

eacute uma entidade poliacutetica fundada numa dinacircmica particular de interaccedilatildeo entre o Estado e a sociedade que se desenvolveu como uma estrateacutegia reguladora diante de uma grave situaccedilatildeo de instabilidade poliacutetica com a finalidade de gerir as pressotildees externas e as dissensotildees internas 44

Como reflexatildeo os estudiosos observam que o Dominato natildeo superou imediatamente

todos os problemas que afligiam o Impeacuterio desde a Anarquia Militar foram necessaacuterias

medidas estruturais para sobrepujar a crise causada pelas desordens de disputas pelo poder e

ameaccedilas nas fronteiras 45

Ao longo do periacuteodo da primeira Tetrarquia houve relativa pacificaccedilatildeo devido agraves

vitoacuterias conquistadas pelos tetrarcas sobre adversaacuterios internos e externos 46 Apesar disso o

sistema tetraacuterquico natildeo se demonstrou tatildeo eficaz a ponto de perdurar durante os anos

seguintes na poliacutetica imperial No ano de 305 por motivos de sauacutede e talvez velhice

Diocleciano abdicou do poder em Nicomeacutedia Maximiano contra sua vontade faz o mesmo

em Milatildeo

Quem ocupou seus lugares foram os Ceacutesares agora Augustos Galeacuterio e Constacircncio

Cloro Por sua vez aquele nomeou Maximino Daia como Ceacutesar e este intitulou Severo Essa

nova disposiccedilatildeo tetraacuterquica continha um problema em sua origem segundo Renan Frighetto 47 a qual era a efetiva supremacia de Galeacuterio enquanto Augustus senior e mantenedor da sua

autoridade na parte oriental frente a Constacircncio na parte ocidental A superioridade de

Galeacuterio se fundamentava tambeacutem na escolha dos Ceacutesares os dois adeptos a ele ldquosinal que a

43 SILVA MENDES op cit p196 44 Ibidem p197 45 SILVA opcit p 197-198 46 FRIGHETTO op cit p98 47 Ibidem p101

25

paridade apresentada anteriormente pelos Augustos Diocleciano e Maximiano deixara de ser

efetiva a partir de entatildeordquo 48

A despeito disso Constacircncio veio a falecer no ano de 306 em York (Britania) apoacutes

uma vitoacuteria sobre os pictos O seu filho Flaacutevio Valeacuterio Constantino (272-337) foi entatildeo

aclamado Augusto pelas legiotildees do pai 49 ldquodando iniacutecio agrave desorganizaccedilatildeo da proacutepria

tetrarquiardquo 50 Ateacute aquele momento Constantino era conhecido por certas funccedilotildees e atuaccedilotildees

que realizava desde 293 fora tribuno da corte de Diocleciano em Nicomeacutedia participou junto

a Galeacuterio das campanhas contra os persas em 298 e dos confrontos com os saacutermatas em 299

A partir dali iniciou-se a trajetoacuteria dele enquanto governante marcada por disputas poliacuteticas e

militares a busca por legitimidade do poder imperial e a estabilizaccedilatildeo temporaacuteria de um

regime de autoridade uacutenica

Na contramatildeo da proclamaccedilatildeo de Constantino a Augusto na Britania o Augusto Senior

Galeacuterio o tomava por usurpador pois este elevava o Ceacutesar Severo agrave posiccedilatildeo de Augusto nos

territoacuterios ocidentais Diante do apoio crescente que o filho de Constacircncio recebia dos

legionaacuterios da Gaacutelia a saiacuteda encontrada por Galeacuterio foi a de nomeaacute-lo Ceacutesar no ocidente

enquanto Severo era mantido como Augusto ldquoMesmo discordando da situaccedilatildeo

provavelmente temeroso duma confrontaccedilatildeo direta contra os Augustos Galeacuterio e Severo

Constantino acabou por aceitar o tiacutetulo de Ceacutesarrdquo 51 e estabeleceu sua capital em Treacuteves

possuindo autoridade sobre as proviacutencias da Britania Gaacutelia e Hispania Quanto agrave importacircncia

de Treacuteves na qualidade de capital para Constantino Renan Frighetto diz o seguinte

Constantino instalou sua corte na mesma ciuitas que havia albergado por longo periacuteodo a corte de seu pai podendo este ser um indiacutecio revelador dos apoios poliacuteticos e militares obtidos pelo novo Ceacutesar e que culminaram no seu reconhecimento Aleacutem disso Treacuteves encontrava-se estrategicamente localizada nas proximidades do limes do Reno aspecto este que favoreceu a intervenccedilatildeo e a vitoacuteria de Constantino contra as tribos francas entre os anos de 306 e 307 52

As disputas por autoridade no acircmbito governamental se intensificaram quando Marco

Aureacutelio Valeacuterio Maxecircncio empreendeu uma usurpaccedilatildeo nos territoacuterios ocidentais em 306 para

tanto obteve o apoio do Senado e da guarda pretoriana em Roma Maxecircncio era filho do

48 Ibdem loc cit 49 Constantino ficou com o comando sobre os territoacuterios ateacute entatildeo de seu pai (Anexo II) 50 FRIGHETTO opcit p 102 51 Ibidem p 103 52 Ibidem loc cit

26

Augusto Maximiano contudo natildeo fora nomeado na sucessatildeo tetraacuterquica Para participar da

atuaccedilatildeo poliacutetica lutou contra Severo o qual foi derrotado e morto em 306 e contra Galeacuterio

gerando nova divisatildeo do poder Em 308 Valeacuterio Liciniano Liciacutenio foi aclamado Augusto no

ocidente enquanto Maximiano retornava agrave esfera poliacutetica Frighetto faz uma raacutepida anaacutelise

sobre esse momento conturbado

[] a situaccedilatildeo poliacutetica no mundo imperial romano encontrava-se no ano de 308 bastante confusa particularmente nos territoacuterios ocidentais Nesta porccedilatildeo do mundo romano teriacuteamos a existecircncia de trecircs Augustos Constantino Maximiano Hercuacuteleo e Liciacutenio aleacutem de um usurpador na Itaacutelia Maxecircncio sem olvidarmos do Augusto Secircnior Galeacuterio e do Ceacutesar Maximino Daia que mantinham a sua autoridade nos territoacuterios imperiais romanos do oriente 53

Natildeo obstante as batalhas mais incisivas que Constantino vivenciou foram primeiro em

relaccedilatildeo a Maxecircncio e depois a Liciacutenio as quais satildeo denominadas por Valeacuterio Neri como

guerras civis 54 Constantino e Maxecircncio entram em conflito devido agraves esperanccedilas que cada

um nutre para a sucessatildeo imperial Ateacute aqui os dois mantinham uma posiccedilatildeo de relativa

neutralidade pois Constantino natildeo se sentia efetivamente ameaccedilado por Maxecircncio jaacute que a

aproximaccedilatildeo daquele com o pai deste Maximiano atraveacutes do casamento com sua filha Fausta

parecia dar-lhe certa legitimidade ao ser vinculado agrave dinastia hercuacutelea aleacutem de o proacuteprio

Maxecircncio ter sido afastado da Itaacutelia pelo pai em 308

Contudo apoacutes o desentendimento entre Constantino e o sogro em 310 quando

Maximiano tenta retomar o poder na ausecircncia daquele em Treacuteves mas por razatildeo do conflito

entre ambos acaba por falecer Constantino perde sua conexatildeo com a famiacutelia hercuacutelea e

recobra a rivalidade contra Maxecircncio A hostilidade entre eles culmina na batalha de Saxa

Rubra no ano de 312 instante em que Constantino vence o filho de Maximiano Para o

confronto fora pintado nos escudos dos legionaacuterios de Constantino o nuacutemero apoliacuteneo XXX

que teria sido visto por ele em sonho antes do conflito segundo o panegiacuterico de 310 relato

que expotildee a aproximaccedilatildeo do imperador com a divindade solar de Apolo Neste mesmo

panegiacuterico haacute a vinculaccedilatildeo dinaacutestica de Constantino a Claacuteudio II o goacutetico que reforccedila a

elevaccedilatildeo e o poder do governante baseado num antepassado vitorioso anterior agrave tetrarquia

53 Ibidem loc cit 54 NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013

27

ldquoOu seja a autoridade de Constantino sobre os territoacuterios romanos ocidentais era reconhecida

no seu antepassado legitimando sua ascensatildeo com base na hereditariedade do poder

imperialrdquo55

Essa construccedilatildeo de ideias se fez portanto na oposiccedilatildeo referente a seu primeiro grande

rival Maxecircncio o qual ao ser vencido foi considerado pela propaganda constantiniana como

um tirano de acordo com o historiador italiano Valeacuterio Neri

Logo depois da vitoacuteria de Constantino Maxecircncio foi apresentado pela propaganda do vencedor como um tyrannus O termo conhece uma evoluccedilatildeo significativa na Antiguidade Tardia designando sistematicamente o usurpador ao ponto de ser considerado um termo teacutecnico A denuacutencia de uma ocupaccedilatildeo ilegiacutetima do poder se associa mas na propaganda do vencedor a uma caracterizaccedilatildeo muito ruim do derrotado no plano poliacutetico e eacutetico usando os lugares comuns tradicionais da figura do tirano como um priacutencipe ruim Estes dois poacutelos a ilegitimidade do poder do tirano e o caraacuteter poliacutetico e eticamente negativo de seu governo parecem sempre coexistir no leacutexico e na representaccedilatildeo dos tyranni tardo-antigos embora em muitos casos a razatildeo da ilegitimidade prevaleccedila ao ponto a obscurecer qualquer outro caso56

Neri afirma aleacutem disso que Maxecircncio eacute apresentado como um tirano na inscriccedilatildeo que

se encontra no arco triunfal de Constantino em Roma quando o Senado e o populus romano

dedicaram-no ao imperador em 315 Aleacutem disso haacute vaacuterias outras inscriccedilotildees elogiosas ao

governo constantiniano como a referecircncia a ldquorestituidor da liberdaderdquo em contrapartida agrave

imagem feita de Maxecircncio identificado como um liacuteder que ocupou ilegalmente o poder57

O outro inimigo muito significativo de Constantino foi Liciacutenio com o qual manteve

relaccedilotildees a princiacutepio paciacuteficas e ateacute mesmo amigaacuteveis mas que se desfizeram posteriormente

levando os dois liacutederes ao confronto direto Em 311 eles fizeram um acordo militar no qual

Liciacutenio apoacutes a morte do Augusto Galeacuterio iniciou um conflito contra Maximino Daia pelo

controle dos territoacuterios orientais A eliminaccedilatildeo de Maxecircncio por Constantino e a consequente

gerecircncia do ocidente ajudou este a apoiar ainda mais Liciacutenio com suas pretensotildees em relaccedilatildeo 55 FRIGHETTO op cit p105 56NERI op cit p70-71 ldquoSubito dopo la vittoria di Costantino Massenzio egrave presentato dalla propaganda del

vincitore come un tyrannus Il termine conosce unrsquoevoluzione significativa nella tarda antichitagrave designando sistematicamente lrsquousurpatore al punto da essere considerato un termine tecnico La denuncia di unrsquooc

cupazione illegittima del potere si associa perograve nella propaganda del vincitore a una caratterizzazione dello sconfitto del tutto negativa sul piano politico ed etico usando i luoghi comuni tradizionali della figura del tiranno come cattivo principe Questi due poli lrsquoillegittimitagrave del potere del tiranno e il carattere politicamente ed eticamente negativo del suo governo sembrano sempre compresenti nel lessico e nella rappresentazione dei tyranni tardoantichi anche se in molti casi il motivo dellrsquoillegittimitagrave prevale al punto da oscurare in qualche

caso lrsquoaltrordquo 57 Ibidem p71

28

ao oriente desejos efetivamente alcanccedilados em 312 Assim Constantino e Liciacutenio passaram a

governar em regime de Diarquia sendo o primeiro Augusto nas regiotildees ocidentais e o

segundo nas orientais

O ano de 313 marca a proximidade entre ambos pois foi neste momento que a alianccedila

entre eles selou-se quando ocorreu o casamento da irmatilde de Constantino Constacircncia com

Liciacutenio em Milatildeo Ademais tambeacutem em Milatildeo os dois Augustos firmaram um Edito que

possibilitava a toleracircncia religiosa a todos os moradores do mundo romano Dessa maneira

qualquer tipo de perseguiccedilatildeo religiosa estava legalmente proibida ldquoa partir deste ponto de

vista culto cristatildeo e culto pagatildeo satildeo colocados no mesmo planordquo 58 Outra decisatildeo decorrente

do Edito foi a devoluccedilatildeo dos bens cristatildeos aos donos apreendidos durante as perseguiccedilotildees

precedentes 59

No entanto Renan Frighetto expotildee que as relaccedilotildees entre eles foram bastante instaacuteveis

desde o princiacutepio 60 Valeacuterio Neri alega que o acordo entre os dois ldquoentra logo em criserdquo e

que mesmo antes do casamento de Liciacutenio com Constacircncia os Augustos viveram por trecircs

anos em difiacutecil equiliacutebrio 61 De modo mais efusivo o enfrentamento entre Constantino e

Liciacutenio aparece a partir de 316 ldquorevelando que a paz entre ambos era um projeto inalcanccedilaacutevel

enquanto a busca pela unidade imperial apresentava-se como sonho possiacutevelrdquo 62

O primeiro confronto aberto aconteceu em Cibalas e no Campo Ardiense na Panonia

no qual Constantino saiu vitorioso Em 317 Constantino nomeia como Ceacutesares seus filhos

Crispo e Constantino enquanto Liciacutenio nomeia seu filho Liciniano assim os ldquoAugustos

demonstravam a efetiva vontade de manutenccedilatildeo duma sucessatildeo hereditaacuteria que inviabilizava

na praacutetica a possibilidade de futuras negociaccedilotildees entre os dois senhores do mundo imperial

romanordquo 63 Outros embates militares se deram em 324 quando Constantino obteve vitoacuterias

sobre Liciacutenio nas regiotildees de Andrinopla e Crisoacutepolis levando o uacuteltimo a abdicar do poder

accedilatildeo firmada em Nicomeacutedia

Com tais acontecimentos Constantino se tornou imperador uacutenico do mundo romano

aglomerando os territoacuterios ocidentais e orientais sob seu domiacutenio 64 Como Augusto exclusivo

58 Ibidem p 74 ldquoda questo punto di vista culto cristiano e culto pagano sono posti sullo stesso pianordquo 59 Haacute uma passagem do Edito na paacutegina 57 capiacutetulo 2 60 FRIGHETTO op cit p105 61 NERI op cit p 74 62 FRIGHETTO op cit p105 63 Ibidem loc cit 64 Mapa no anexo III

29

passou a governar com o auxiacutelio dos filhos a ele subordinados aleacutem do terceiro filho tambeacutem

nomeado Ceacutesar neste momento Constacircncio II Todavia a ldquoharmonia familiarrdquo natildeo

permaneceu por muito tempo pois Crispo envolveu-se com sua madrasta Fausta o que lhes

custou a vida foram mortos a mando de Constantino em 326 Em 333 o imperator nomeia

seu quarto filho Constante como Ceacutesar e vincula ao poder seus sobrinhos Dalmaacutecio e

Anibaliano Constantino almejava a unificaccedilatildeo do poder imperial na dinastia potencialmente

fundada por ele contudo tal sonho natildeo se perpetuou apoacutes sua morte conforme aponta

Frighetto

Ao que tudo indica Constantino idealizava um plano sucessoacuterio pautado na alianccedila entre os integrantes de sua famiacutelia aos moldes da proposta de Diocleciano para a tetrarquia atraveacutes de viacutenculos parentais que solidificariam o poder do clatilde constantiniano por longo tempo Todavia como demonstraram os fatos a relaccedilatildeo familiar entre os filhos e sobrinhos de Constantino foi o principal argumento para a realizaccedilatildeo do grande expurgo ocorrido logo apoacutes a morte do Augusto 65

A historiadora Averil Cameron aponta para a importacircncia dada por Constantino ao

contexto poliacutetico-institucional herdado de Diocleciano e agrave busca de estabilidade

governamental

[hellip] natildeo significa contudo que o reino de Constantino em si mesmo trouxe a mudanccedila dramaacutetica que foi atribuiacuteda a ele nem eacute para se aceitar a dicotomia brusca realizada na maioria das fontes contemporacircneas entre os reinos de Constantino e Diocleciano O proacuteprio Constantino foi um produto do sistema tetraacuterquico e em muitos aspectos ele comportou-se natildeo diferentemente de seus colegas e rivais Uma vez que garantiu o poder uacutenico ele beneficiou- se de muitas mudanccedilas institucionais uacuteteis as quais foram iniciadas durante o reinado de Diocleciano e ele foi capaz de continuaacute-las e consolidaacute-las em um sistema que permaneceu essencialmente estaacutevel pelo menos ateacute o fim do reinado de Justiniano 66

No tocante agraves duas vitoacuterias de Constantino Joseacute Mariacutea Blaacutezquez 67 afirma a partir da

Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareia que ele foi um imperador e varatildeo piedoso filho

65 Ibidem p 106 66 Ibidem p 108-109 ldquo[hellip] That does not mean however that Constantinersquos reign in itself brought the dramatic

shift that has often been attributed to it nor is it to accept the sharp dichotomy made in most contemporary sources between the reigns of Constantine and Diocletian Constantine himself was a product of the tetrarchic system and in many respects he behaved no differently from his colleagues and rivals Once he had secured sole power he benefited from the many useful institutional changes which had been begun during the reign of Diocletian and was able to continue and consolidate them into a system which remained essentially stable until at least the reign of Justinianrdquo

67 MARIacuteA BLAZQUEZ J La poliacutetica imperial sobre los cristianos De la Tetrarquiacutea a Teodosio In FERNAacuteNDEZ ARDANAZ S LOacutePEZ MONTEAGUDO G LOZANO A PINtildeERO A Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p272

30

de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo Combateu aos iacutempios tiranos aliado a Deus de

maneira extraordinaacuteria fazendo Maxecircncio ser derrotado assim como ocorreu com Liciacutenio

alguns anos depois Essas conquistas de Constantino satildeo narradas e engrandecidas na Histoacuteria

do bispo Euseacutebio momentos do relato em que o autor cristatildeo defende a atitude constantiniana

de eliminaccedilatildeo frente aos governantes iacutempios Maxecircncio68 e Liciacutenio 69

68 HE IX IX I-III 69 HE X IX I-II

31

Euseacutebio de Cesareia seu tempo e espaccedilo

Euseacutebio de Cesareia nasceu entre 260 e 264 em regiatildeo desconhecida embora

possivelmente tenha sido na Palestina 70 O complemento ldquode Cesareiardquo eacute acrescido ao seu

nome porque foi nesta cidade que o erudito tornou-se bispo e passou a maior parte da vida ateacute

a morte em 339 Acaacutecio o sucessor de Euseacutebio no episcopado de Cesareia escreveu uma

biografia sua mas foi perdida 71 A respeito de sua famiacutelia natildeo haacute informaccedilotildees que chegaram

ateacute noacutes contudo eacute provaacutevel que natildeo fosse judia mas grega ou helenizada Desconhecemos se

seus pais eram ou natildeo cristatildeos assim como natildeo existem indiacutecios de um momento ou processo

de conversatildeo de Euseacutebio como aparece em sua Histoacuteria Eclesiaacutestica a respeito de Oriacutegenes 72

uma de suas maiores referecircncias doutrinaacuterias

Ao acender-se pois com a maior violecircncia a fogueira da perseguiccedilatildeo e sendo inumeraacuteveis os que se cingiam com a coroa do martiacuterio tal foi a paixatildeo do martiacuterio que se apoderou da alma de Oriacutegenes ainda um menino que ardia para lanccedilar-se de encontro aos perigos e pular e jogar-se agrave luta Muito pouco faltou na verdade para que a morte se aproximasse natildeo fosse pela divina e celestial providecircncia que em proveito da grande maioria e por meio de sua matildee se interpocircs como obstaacuteculo ao seu zelo Ela primeiramente rogou-lhe com palavras exortando-o a ter consideraccedilatildeo por suas disposiccedilotildees maternais para com ele mas quando o viu terrivelmente excitado todo ele preso pelo desejo do martiacuterio ao saber que seu pai tinha sido preso e encarcerado escondeu todas suas roupas e assim obrigou-o a permanecer em casa Mas ele natildeo podendo fazer outra coisa e sendo-lhe impossiacutevel dar sossego a um zelo que excedia sua idade enviou a seu pai uma carta muito estimulante sobre o martiacuterio na qual o animava dizendo textualmente Cuida-te natildeo aconteccedila que por nossa causa mudes de parecer Fique isto consignado por escrito como primeiro indiacutecio da agudeza de pensamento do menino Oriacutegenes e de sua nobiliacutessima disposiccedilatildeo para a religiatildeo E efetivamente tendo-se exercitado jaacute desde pequeno nas divinas Escrituras tinha jaacute lanccedilados natildeo pequenos fundamentos para as doutrinas da feacute Tambeacutem nestas tinha se ocupado sem medida pois seu pai antes do ciclo de

70 Em muitos autores encontramos a informaccedilatildeo de que Euseacutebio nasceu na Palestina (apenas alguns especificam

a cidade de Cesareia) contudo a introduccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica da Loeb Classical Library nos esclarece o motivo desse apontamento ldquoIt is true that Arius in writing to Eusebius of Nicomedia spoke of him [Euseacutebio de

Cesareia] as the brother of the latter but it is probable that this meant no more than lsquobrother bishoprsquo He was sometimes referred to as lsquothe Palestinianrsquo but this again was probably merely to distinguish him from the other

Eusebius and alluded to his Palestinian bishopricrdquo Eusebius Ecclesiastical History Vol I Kirsopp Lake

(trad) Jeffrey Henderson (ed) Harvard University Press p9-10 71 Soacutecrates (Histoacuteria Eclesiaacutestica 24) e Sozomeno (Histoacuteria Eclesiaacutestica 32 423) relatam a elaboraccedilatildeo da

biografia 72 Oriacutegenes viveu por volta de 185 a 254 majoritariamente no Egito Ocupou a funccedilatildeo de chefe da escola de

Alexandria centro de estudos cristatildeos e pagatildeos de grande impacto na tardo-antiguidade Sobre o teor de sua doutrina e a influecircncia que exerceu em relaccedilatildeo a Euseacutebio de Cesareia falaremos no uacuteltimo capiacutetulo

32

estudos comum a todos fez com que sua preocupaccedilatildeo por elas natildeo fosse secundaacuteria 73

A cidade que deu nome ao nosso personagem - Cesareia Mariacutetima - teve destaque entre

as cidades palestinas comandadas por Roma desde sua fundaccedilatildeo constituiacutea-se em ponto

importante de contato entre diferentes povos e culturas Foi construiacuteda por Herodes e

inaugurada entre 22 e 9 aC e recebeu o nome em honra ao imperador Augusto Aleacutem do

nome Cesareia tinha outras marcas da cultura urbana greco-romana um teatro um anfiteatro

e um aqueduto posteriormente outras edificaccedilotildees foram adicionadas como o hipoacutedromo e um

segundo aqueduto construiacutedo sob o imperador Adriano (117-138 dC) A cidade foi sede do

governo romano transformada em colocircnia romana durante o governo de Vespasiano (69-79

dC) e recebeu o estatuto de metroacutepole sob o reinado de Alexandre Severo (222-235 dC) 74

Pouco depois de sua instauraccedilatildeo se tornou uma cidade mariacutetima proacutespera com

etnicidade heterogecircnea e caraacuteter cosmopolita segundo constata Joseph Patrich pautado nas

descobertas arqueoloacutegicas ldquoas moedas da cidade a estatuaacuteria e as inscriccedilotildees atestam para seu

panteatildeo e as mercadorias importadas e os achados numismaacuteticos demonstram seu comeacutercio

internacionalrdquo 75 Joseph Patrich aponta que um terremoto acometeu Cesareia no ano de 306

de acordo com Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica o qual parece natildeo ter sido devastador

embora os habitantes tenham se assustado imensamente no momento em que ocorrera Em

questatildeo econocircmica e alimentiacutecia a regiatildeo era rica em tecidos oacuteleo de oliva vinho e gratildeos 76

Fora a relevacircncia poliacutetica e econocircmica que esta cidade possuiacutea afirma Andrew James

Carriker 77 a biblioteca ali construiacuteda transformou-se em um centro intelectual e eacute possiacutevel

que no momento do planejamento de Cesareia Herodes tenha jaacute providenciado uma

biblioteca puacuteblica Os judeus tiveram espaccedilo na biblioteca com seus estudos e escritos

rabiacutenicos contudo os cristatildeos iriam sobrepujar-lhes nos seacuteculos seguintes conforme o autor

73 HE VI II III-VII 74 CARRIKER Andrew James The library of Eusebius of Caesarea LeidenBoston Brill 2003 p1-2 75 PATRICH Joseph Cesarea in the time of Eusebius In Reconsidering Eusebius collected papers on

literary historical and theological issues Inowlocki Sabrina Zamagni Claudio (editors) Brill LeidenBoston 2011 p1 ldquothe city coins statuary and inscriptions attesting to its pantheon and the imported

ware and numismatic finds attesting to its international commercerdquo 76 Ibidem p 2 77 CARRIKER op cit p2

33

O estudioso Argimiro Velasco-Delgado 78 afirma que as parcas informaccedilotildees que podem

ser encontradas sobre Euseacutebio estatildeo em fontes como Alexandre de Alexandria Santo

Atanaacutesio Euseacutebio de Emesa Euseacutebio de Nicomeacutedia em atas de conciacutelios nas obras de

continuadores do estilo de histoacuteria eclesiaacutestica Soacutecrates Sozomeno Teodoreto Filostorgo

Gelaacutesio de Ciacutecico Jerocircnimo entre outros documentos Jerocircnimo de Estridatildeo ou Satildeo Jerocircnimo

(347-420) uma das grandes bases do cristianismo tardo-antigo continuou certa obra de

Euseacutebio de Cesareia ndash a sua Crocircnica universal traduzindo-a do grego ao latim e continuando

a narraccedilatildeo ateacute vaacuterios anos aleacutem do que Euseacutebio descrevera Eacute muito plausiacutevel que conhecesse

bastante a vida de Euseacutebio contudo Velasco-Delgado aponta

Ainda que o conhecimento que Jerocircnimo tem das obras de Euseacutebio seja muito completo e profundo e apesar de citaacute-lo com profusatildeo e ateacute mesmo de copiaacute-lo sem escruacutepulo as notiacutecias que nos proporciona sobre sua vida satildeo muito escassas Em caso semelhante se encontra o tradutor oficial de Euseacutebio Rufino Ambos representam um papel primordial na transmissatildeo do legado de Euseacutebio ao Ocidente latino contudo natildeo haacute mais que isso como informaccedilotildees de sua vida 79

Euseacutebio pode ter recebido suas primeiras instruccedilotildees e ensino de um sacerdote

antioquino chamado Doroteu (255-362) Mais tarde eacute fato tornou-se disciacutepulo de Pacircnfilo o

qual teve por mestre Oriacutegenes A relaccedilatildeo entre Euseacutebio e Pacircnfilo foi profunda durante os anos

de convivecircncia tanto que o primeiro adquiriu a designaccedilatildeo ldquoEusebius Pamphilusrdquo (Euseacutebio

de Pacircnfilo) eventualmente por escolha proacutepria De famiacutelia nobre Pacircnfilo nasceu na Feniacutecia

estudou em Alexandria e estabeleceu-se em Cesareia local em que foi ordenado presbiacutetero

por Agaacutepio o bispo de Cesareia antecessor a Euseacutebio

Ali Pacircnfilo reuniu uma grande gama de obras formando a Biblioteca de Cesareia e

presidiu uma escola similar agrave fundada por Oriacutegenes 80 Entre os escritos da Biblioteca

encontravam-se vaacuterios trabalhos de Oriacutegenes incluindo o original da Hexapla uma obra

espetacular que reunia seis versotildees distintas do Antigo Testamento - uma em hebraico e as

restantes em variantes gregas - dispostas em colunas paralelas O trabalho que realizava na

78 VELASCO-DELGADO Argimiro Trad e Introd Historia eclesiaacutestica Eusebio de Cesarea Biblioteca de

Autores Cristianos Madrid 2008 p 13 79 Ibidem nota 3 ldquoAunque el conocimiento que Jeronimo tiene de las obras de Eusebio es muy completo y

profundo y a pesar de citarlo con profusion y hasta de copiarlo sin escrupulo las noticias que nos proporciona sobre su vida son muy escasas En caso parecido esta el traductor oficial de Eusebio Rufino Ambos representan un papel primordial en la transmision del legado de Eusebio al Occidente latino pero apenas cuentan maacutes de lo indicado como fuentes de su vidardquo

80 KOFSKY Aryeh Eusebius of Caesarea against the paganism Vol 3 LeidenBoston Brill 2000 p 12

34

escola o qual contava com ajudantes abrangia a coleccedilatildeo a coacutepia de diversos escritos e a

correccedilatildeo de manuscritos biacuteblicos e origenianos De certa maneira ele continuou o trabalho de

Oriacutegenes pois dedicava muito tempo aos mesmos estudos realizados pelo mestre no que

concerne agraves Escrituras Sagradas Segundo Aryeh Kofsky um disciacutepulo de Oriacutegenes chamado

Gregoacuterio Taumaturgo descreveu na Dedicaccedilatildeo a Oriacutegenes o que era ensinado e debatido nos

grupos de estudo (podemos entender que no tempo de Euseacutebio o funcionamento se dava da

mesma forma ao menos em seus fundamentos)

Ele [curriacuteculo] comeccedilava com estudos preparatoacuterios dos diaacutelogos socraacuteticos para praticar o pensamento filosoacutefico dialeacutetico Os estudos incluiacuteam as trecircs aacutereas filosoacuteficas fiacutesica loacutegica e consequentemente eacutetica todas como um sistema de pensamento e como um estilo de vida Gregoacuterio aprendia a identificar e controlar sentimentos irracionais e desenvolver virtudes morais Oriacutegenes enfatizava que a fonte de todas as virtudes e seu objetivo final era a piedade religiosa e que a filosofia poderia ser entendida como uma preparaccedilatildeo para a teologia Os estudantes liam obras filosoacuteficas gregas junto a uma elucidaccedilatildeo do que era verdade e beneacutefico para eles O programa de estudos era cingido pela leitura das Sagradas Escrituras as quais Oriacutegenes via como uma reserva inesgotaacutevel de sabedoria e verdade 81

Euseacutebio fez parte desse grupo de estudos comandados por Pacircnfilo A uniatildeo do mestre

com seus ajudantes era de enorme proximidade conforme atesta Velasco-Delgado

Juntos formaram algo mais que uma equipe eficaz de trabalho A todos os unia a mesma paixatildeo pelo estudo o mesmo amor agraves Sagradas Escrituras mas sobretudo o mesmo ideal de vida cristatilde na linha traccedilada por Oriacutegenes como ele e seus disciacutepulos segundo parece levavam vida comum e formavam como uma famiacutelia na mesma casa82

O autor indica tambeacutem que o trabalho de revisatildeo exegese e criacutetica requeria um vasto

campo de leitura e estudo o qual ultrapassava escritos apenas cristatildeos mas incluiacutea obras

hereacuteticas judias e pagatildes ldquoPelos resultados podemos afirmar que Euseacutebio se especializou

81Ibidem p 12-13 ldquoIt began with preparatory studies of Socratic dialogues in order to practice philosophical

dialectic thinking Studies included the three philosophical subjects physics logic and subsequently ethics both as a system of thought and as a way of life Gregory learned to identify and control irrational feelings and to develop moral virtues Origen emphasized that the source of all virtues and their ultimate goal is religious piety and that philosophy should be understood as preparation to theology The students read Greek philosophical works together with an elucidation of what was true and beneficial in them The program of study was crowned by the reading of Holy Scripture which Origen viewed as an inexhaustible reservoir of wisdom and truthrdquo

82 VELASCO-DELGADO A op cit p19 ldquoJuntos formaron algo mas que un equipo eficaz de trabajo A todos les unia la misma pasion por el estudio el mismo amor a las Sagradas Escrituras pero sobre todo el mismo ideal de vida cristiana en la linea trazada por Origenes como el y sus discipulos seguacuten parece llevaban vida comun y formaban como una familia en la misma casardquo

35

neste tipo de trabalhordquo 83 tanto que percebemos ao lecirc-lo a grande extensatildeo de referecircncias

que faz a autores de diversas origens intelectuais e religiosas Isso deve ter resultado em parte

pelas visitas que o erudito cristatildeo empreendia a vaacuterias bibliotecas em diferentes localidades

do mundo antigo satildeo exemplos as bibliotecas de Antioquia Cesareia de Filipe e Elia

Capitolina Pacircnfilo foi preso em 307 em meio agrave perseguiccedilatildeo aos cristatildeos desencadeada por

Diocleciano entre 303 e 311 e em 310 foi decapitado 84

Em 309 Euseacutebio tambeacutem foi aprisionado sob o governo de Firmiliano em Cesareia

poreacutem nada mais grave lhe aconteceu Durante a perseguiccedilatildeo Euseacutebio recolheu-se em Tiro e

mais tarde no Egito onde assistiu a vaacuterias perseguiccedilotildees aos cristatildeos e regiatildeo em que foi preso

Com o edito de pacificaccedilatildeo de Galeacuterio instaurado em Nicomeacutedia em 311 foi liberto e

retornou agrave Palestina Foi eleito bispo de Cesareia por volta de 314 muito provavelmente em

razatildeo do grande conhecimento que possuiacutea das Escrituras Sagradas o qual jaacute era demonstrado

anos antes da nomeaccedilatildeo assim como prosseguiu em destaque durante o episcopado em que

permaneceu ateacute seu falecimento

Aleacutem do caraacuteter religioso fundamentado na tradiccedilatildeo neo-testamentaacuteria o bispo no

seacuteculo IV possuiacutea conotaccedilatildeo poliacutetica no sentido de ele gerenciar vaacuterias atividades que eram

ou deveriam ser exercidas pela instacircncia imperial Susana Fioretti 85 defende que o bispo era

um grande protagonista nesta eacutepoca e que sua influecircncia era resultado de certa maneira da

poliacutetica religiosa dos imperadores cristatildeos poreacutem essa influecircncia natildeo seria cabiacutevel se as

lideranccedilas episcopais ascendentes ao poder natildeo dirigissem a comunidade por si mesmos O

que permitia essa ascensatildeo era o status social a riqueza familiar e a formaccedilatildeo cultural

Atraveacutes da figura episcopal a Igreja ganhava espaccedilo na sociedade tardo-antiga A autora

expotildee a seguinte passagem do historiador Arnaldo Momigliano contida em ldquoO conflito entre

o paganismo e o cristianismo no seacuteculo IVrdquo que trata da figura do bispo

Pode-se afirmar muito acerca dos conflitos internos as ambiccedilotildees humanas a intoleracircncia da Igreja Mas a conclusatildeo a que se chega eacute que enquanto a

83 Ibidem ldquoPor los resultados podemos afirmar que Eusebio se especializoacute en este tipo de trabajordquo 84 O erudito protestante John Fox (O Livro dos maacutertires Trad De Marta Doreto de Andrade e Degmar Ribas

Juacutenior Cpad Rio de Janeiro 2002 p35) esmiuacuteccedila sobre o personagem ldquoPacircnfilo natural da Feniacutecia e de linguagem refinada era um homem de tatildeo grande erudiccedilatildeo que foi chamado de ldquoo segundo Oriacutegenesrdquo Foi recebido como obreiro na igreja em Cesareacuteia onde estabeleceu uma biblioteca puacuteblica e dedicou seu tempo agrave praacutetica da virtude cristatilde Copiou a maior parte das obras de Oriacutegenes de seu proacuteprio punho e letra e ajudado por Euseacutebio fez uma coacutepia correta do Antigo Testamento que havia sofrido muito pela ignoracircncia ou negligecircncia dos antigos copistas No ano de 307 dC foi preso sofreu tortura e morreu martirizadordquo

85 FIORETTI Susana La figura del obispo latino y su influencia en la tardiacutea antiguumledad In Semanas de Estudios Romanos Vol XI Instituto de Histoacuteria da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Valparaiacuteso 2002 p 229-241

36

organizaccedilatildeo poliacutetica do Impeacuterio se fazia cada vez mais riacutegida sem imaginaccedilatildeo e insatisfatoacuteria a Igreja era moacutevel aacutegil e oferecia espaccedilo para aqueles aos que o Estado era incapaz de absorver Os bispos eram os centros das grandes organizaccedilotildees voluntaacuterias Fundavam e controlavam instituiccedilotildees de caridade Defendiam o seu rebanho contra os funcionaacuterios do Estado Os melhores homens trabalhavam para a Igreja e natildeo para o Estado O monacato proporcionava a prova mais notaacutevel das capacidades da Igreja no seacuteculo IV86

Euseacutebio participou de ocasiotildees importantes do governo constantiniano as quais foram

a comemoraccedilatildeo da Decennalia (315-316) e da Tricennalia (335-336) da gestatildeo do imperador

em que pronunciou um discurso assim como o fez no momento da dedicaccedilatildeo da igreja do

Santo Sepulcro inaugurada em 335 em Jerusaleacutem e esteve presente nos conciacutelios de Niceia

(325) Antioquia (326-7) Tiro (335) entre outros A fama que o bispo recebeu de conselheiro

e amigo devoto foi formada pelo contato que eles tiveram nesses episoacutedios nos quais Euseacutebio

falou muito bem a respeito de Constantino e em obras que exaltaram a imagem do mesmo

Alguns dos disciacutepulos e sucessores de Euseacutebio foram Acaacutecio de Cesareia (ficou em seu lugar

no bispado) Euseacutebio de Emessa Nemeacutesio de Emessa 87 Rufino (o tradutor da Histoacuteria

Eclesiaacutestica ao latim) Soacutecrates Sozomeno Teodoreto e Gelaacutesio 88

A produccedilatildeo escrita de Euseacutebio eacute vasta e diversificada temos conhecimento da

existecircncia de obras de exegese e biacuteblicas dogmaacutetica apologia discursos cartas e histoacuteria 89

Obviamente os assuntos se misturam e transparecem uns nos outros contudo a natureza e

objetivos do autor satildeo no geral distintos em cada produccedilatildeo Joseph Patrich diz o seguinte

sobre a dinamicidade dos escritos eusebianos

Euseacutebio de Cesareia eacute inegavelmente um dos mais importantes Pais da Igreja da tardo-antiguidade Obras como a Histoacuteria eclesiaacutestica a Preparaccedilatildeo evangeacutelica seus comentaacuterios sobre Isaiacuteas e sobre Salmos os Cacircnones

86 Idem p 241 ldquoSe puede decir mucho acerca de los conflictos internos las ambiciones humanas la intolerancia

de la Iglesia Mas la conclusioacuten a que se llega es que mientras la organizacioacuten poliacutetica del Imperio se haciacutea cada vez maacutes riacutegida inimaginativa e insatisfactoria la Iglesia era moacutevil aacutegil y ofreciacutea espacio para aquellos a lo que el Estado era incapaz de absorber Los obispos eran los centros de las grandes organizaciones voluntarias Fundaban y controlaban instituciones de caridad Defendiacutean a su grey contra los funcionarios del EstadohellipLos mejores hombres trabajavan para la Iglesia y no para el Estado El monacato proporciona la

prueba maacutes llamativa de las capacidades de la Iglesia en el siglo IVrdquo 87 ALTANER B STUIBER A Patrologia vida obras e doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas

1988 p229-230 88MOMIGLIANO Arnaldo op citp 201 89 Foi descrito por Jerocircnimo na obra Sobre os homens ilustres como ldquoestudiosiacutessimo nas Escrituras divinasrdquo

(Ieronimus Stridonensis Liber de Uiris Illustribus Transcriccedilatildeo ediccedilatildeo e notas de J-B Migne Paris Patrologia Latina 23 1849 cap LXXXI p726-727 ldquoEusebius Caesareae Palestinae episcopus in Scripturis divinis studiosissimusrdquo)

37

Evangeacutelicos seus discursos constantinianos sua Crocircnica e muitos outros escritos fazem dele uma figura-chave da tardo-antiguidade Mesmo que ele tivesse escrito apenas uma dessas obras ainda assim seria um autor essencial para a compreensatildeo da histoacuteria cristatilde teologia e literatura90

Pode-se considerar Onomasticon elaborado antes de 330 como um escrito biacuteblico e

exegeacutetico trata da geografia biacuteblica com nomes das regiotildees em ordem alfabeacutetica junto a uma

breve descriccedilatildeo sobre a localizaccedilatildeo histoacuteria e nomes recebidos posteriormente ao periacuteodo

biacuteblico tambeacutem satildeo exegeacuteticas as Questotildees sobre o Evangelho e suas soluccedilotildees (antes de 312)

uma anaacutelise em trecircs livros das variantes que apresentam as narrativas evangeacutelicas sobre a

infacircncia Paixatildeo e ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo o Tratado sobre a Paacutescoa (325) dedicado a

Constantino e oriundo de uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre a Paacutescoa judaica e a cristatilde os

Cacircnones Evangeacutelicos escrito que dispotildee em dez colunas uma visatildeo resumida dos quatro

evangelhos enfatizando o que eacute comum entre os evangelistas Mateus Marcos Lucas e Joatildeo

e o que eacute especiacutefico os Comentaacuterios dos Salmos (entre 320 e 325) e os Comentaacuterios de Isaiacuteas

(depois de 324)

Duas satildeo as produccedilotildees dogmaacuteticas Contra Marcelo (335) constitui uma refutaccedilatildeo das

doutrinas de Marcelo de Ancira acusado de sabelianismo 91 por Euseacutebio e Teologia

eclesiaacutestica (aprox 336) em trecircs livros o autor contraria novamente Marcelo expondo a

legitimidade de suas ideias e desenvolvendo a doutrina do Logos e a concepccedilatildeo hieraacuterquica da

Trindade

As obras de cunho apologeacutetico satildeo Introduccedilatildeo elementar geral (aprox 303) uma

coletacircnea e comentaacuterios das profecias messiacircnicas do Antigo Testamento em mais de dez

livros Contra Porfiacuterio uma refutaccedilatildeo em 25 livros dos ataques do neoplatocircnico ao

cristianismo Teofania (uacuteltima obra apologeacutetica de Euseacutebio) tratado em cinco livros sobre a

manifestaccedilatildeo do Logos desde a criaccedilatildeo seu papel como regente do universo da alma humana

e redentor do homem aleacutem disso Euseacutebio refuta a afirmaccedilatildeo da eacutepoca que apontava Cristo

como mago e os apoacutestolos como sedutores do povo Contra Hieacuterocles (entre 311 e 313)

90 PATRICH Joseph op cit p vii ldquoEusebius of Caesarea is undeniably one of the most important Church

Fathers of late antiquity Works such as the Historia ecclesiastica the Praeparatio evangelica his commentaries on Isaiah and on Psalms the Evangelical Canons his Constantinian speeches his Chronicon and many other writings make him a key figure of late antiquity Had he written only one of these works he would still be an essential author for the understanding of Christian history theology and literaturerdquo

91 Contraacuterio agrave doutrina da Trindade na qual Deus Pai Deus Filho e Deus Espiacuterito Santo eram trecircs seres distintos embora profundamente interligados o sabelianismo defendia a unicidade o Filho e o Espiacuterito Santo eram apenas manifestaccedilotildees de Deus Pai

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escrito no qual Euseacutebio contesta as acusaccedilotildees do governador da Bitiacutenia que contrapunha e

exaltava os milagres de Apolocircnio de Tiana em relaccedilatildeo a Jesus Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

(escrita entre 312 e 318) ao longo de quinze livros compotildee uma espeacutecie de introduccedilatildeo ao

estudo do cristianismo expondo sua superioridade em relaccedilatildeo ao paganismo e finalmente a

Demonstraccedilatildeo Evangeacutelica (continua obra anterior em vinte livros) em que o autor responde

aos judeus que denunciavam os cristatildeos de alterarem a religiatildeo judaica pretendendo provar a

verdade do cristianismo e demonstrar a preparaccedilatildeo realizada pelo judaiacutesmo ateacute que viesse o

cristianismo As duas uacuteltimas satildeo consideradas suas obras apologeacuteticas de maior prestiacutegio

Alguns dos discursos de Euseacutebio dos quais temos conhecimento satildeo um realizado em

314315 na cidade de Tiro por ocasiatildeo da dedicaccedilatildeo de uma igreja construiacuteda neste local

outro no ano de 335 em Constantinopla Louvor a Constantino devido agrave festa de trinta anos

do reinado de Constantino Quanto agraves suas correspondecircncias restaram apenas trecircs cartas a

Carpiano a Flacilo e agrave comunidade de Cesareia momento em que fala de sua posiccedilatildeo no

Conciacutelio de Niceia

A Vida de Constantino (337) eacute uma obra panegiacuterica com traccedilos histoacutericos em quatro

livros Euseacutebio exalta a figura constantiniana colocando-o como amigo de Deus e novo

Moiseacutes e rebate as criacuteticas pagatildes em relaccedilatildeo ao imperador Nela o bispo inseriu o discurso

pronunciado por Constantino Agrave assembleacuteia dos santos (323)

A Crocircnica eacute uma obra histoacuterica composta antes de 303 pretende provar a antiguidade

do cristianismo pautado na tradiccedilatildeo hebraica possui duas partes a cronografia introduccedilatildeo e

resumo da histoacuteria dos caldeus assiacuterios hebreus egiacutepcios gregos e romanos e os cacircnones

taacutebuas sincrocircnicas destas histoacuterias ateacute a contemporaneidade do autor com breves notiacutecias

sobre a histoacuteria sagrada e profana desde o nascimento de Abraatildeo (201615 aC) Tambeacutem foi

produzida a obra Os maacutertires da Palestina (311) de qualidade monograacutefica eacute dirigida aos

maacutertires viacutetimas das perseguiccedilotildees Esta obra integrou a Histoacuteria Eclesiaacutestica principal escrito

eusebiano analisado neste trabalho

39

A Histoacuteria Eclesiaacutestica e o imperador Constantino

Euseacutebio de Cesareia iniciou a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica entre a uacuteltima deacutecada do

seacuteculo III e o ano de 311 a qual ganhou forma completa e definitiva por volta de 323324 jaacute

que fora ampliada ao longo dos anos a partir de novos acontecimentos Conjectura-se que a

Histoacuteria tenha sido traduzida jaacute no seacuteculo IV ao siriacuteaco e mais tarde ao armecircnio Em 402

Rufino (34045-410) fez uma versatildeo latina estendendo a escrita da obra ateacute o ano de 395

Aleacutem das trecircs mencionadas eacute possiacutevel que tenha sido feita uma versatildeo copta 92 Ela eacute

substancial tanto por seu conteuacutedo e proposiccedilotildees internas quanto pela notabilidade do autor

cristatildeo entre os seus contemporacircneos e autores posteriormente influenciados pelo iniciador de

um ldquogecircnerordquo historiograacutefico93

Referente ao processo de elaboraccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica os estudiosos divergem

sobre datas e quantidade de ediccedilotildees Segundo Edward Schwartz a primeira ediccedilatildeo consiste

nos livros primeiro ao oitavo tendo sida publicada entre 312 e 313 mas iniciada sua escrita

antes da perseguiccedilatildeo aos cristatildeos sob Diocleciano em 303 94 Os oito livros tratam dos eventos

referentes agrave igreja e agraves perseguiccedilotildees e martiacuterios 95 dos cristatildeos ateacute o Edito de Toleracircncia de

Galeacuterio promulgado em 311 A segunda ediccedilatildeo acrescentou o livro nono necessaacuterio devido agrave

perseguiccedilatildeo que parecia ter cessado em 311 mas fora retomada por Maximiano e a derrota

deste por Liciacutenio em 315 96 Para Schwartz foi neste ano que terminou a primeira batalha

entre Constantino e Liciacutenio 97

A terceira ediccedilatildeo de 317 contou com o livro deacutecimo ldquopara finalizar a histoacuteria com a

dedicaccedilatildeo da basiacutelica em Tirordquo 98 Outro motivo para esta ediccedilatildeo eacute porque Schwartz supocircs ter

ocorrido a morte de Diocleciano em trecircs de dezembro de 316 99 A quarta e uacuteltima ediccedilatildeo

seguindo o autor ocorreu em 323 em razatildeo da queda e condenaccedilatildeo de Liciacutenio e a vitoacuteria de

92 WINKELMANN Friedhelm Historiography in the Age of Constantine In Greek and Roman

historiography in Late Antiquity G Marasco (ed) Boston Brill 2003 p5 93 Arnaldo Momigliano op cit aponta ldquoTendo em vista que Euseacutebio de Cesareia foi o primeiro a escrever a

histoacuteria da Igreja a partir do ponto de vista do fiel ele abriu um novo periacuteodo da histoacuteria da historiografia Com efeito eacute duvidoso que algum outro historiador tenha tido o impacto que este autor conseguiu sobre as geraccedilotildees que o sucederam Os homens que o seguiram compartilhavam sua feacute na Igreja e isto criava um laccedilo que nenhum outro historiador pagatildeo conseguiria estabelecer com seus colegas pagatildeos [] Este meacuterito (de ter inventado a histoacuteria eclesiaacutestica) natildeo pode ser posto em discussatildeo []rdquo

94 WINKELMANN Friedhelm op cit p 6 95 O trabalho de Euseacutebio Maacutertires da Palestina estaacute incluso no relato Ibidem p5 96 LAKE Kirsopp Introduction In Ecclesiastical History Harvard University Press 1926 p20 97 WINKELMANN F op cit p6 98 LAKE K loc cit 99 WINKELMANN F loc cit

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Constantino A posiccedilatildeo de Schwartz eacute criticada por Richard Laqueur o qual data a primeira

ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica anterior ao iniacutecio da perseguiccedilatildeo sob Diocleciano em 303

tendo sido produzida em sete volumes natildeo em oito Aleacutem disso Laqueur defendia cinco

estaacutegios para a composiccedilatildeo da obra ao inveacutes de quatro e a divulgaccedilatildeo da quinta e uacuteltima

ediccedilatildeo apoacutes a morte de Liciacutenio em 324 100 Especificamente sobre a primeira ediccedilatildeo William

Tabbernee afirma o seguinte

Pode nunca ter havido uma primeira ediccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica [HE] de Euseacutebio se ldquoprimeira ediccedilatildeordquo significar um trabalho completo em sete livros

copiado e divulgado antes da eclosatildeo da chamada ldquoGrande Perseguiccedilatildeordquo em

fevereiro de 303 Que havia tal ediccedilatildeo como primeiramente sugerido por R Laqueur e exposto mais fortemente por T D Barnes natildeo eacute para ser descartado completamente mas a prova para a existecircncia dessa ediccedilatildeo natildeo eacute tatildeo convincente para o caso como pensado anteriormente 101

Outros estudiosos pensaram a respeito das ediccedilotildees dessa obra eusebiana como HJ

Lawlor o qual presumia que Euseacutebio iniciara a redaccedilatildeo da Histoacuteria num periacuteodo mais cedo

que o retratado por Schwartz 102 Timothy D Barnes concordava com Laqueur em vaacuterios

pontos mas sugeria como Schwartz quatro ediccedilotildees do escrito 103 e Vincent Twomey que

propunha cinco ediccedilotildees alinhado a Laqueur poreacutem com dataccedilotildees diferentes 104

Mesmo existindo diferenccedilas no entendimento entre eles o consenso geral eacute o de que a

obra natildeo fora escrita ldquode uma vezrdquo mas iniciada em determinado momento e acrescida de

novas informaccedilotildees conforme passavam os anos e acontecimentos surgiam Salientamos esse

detalhe porque nos chama a atenccedilatildeo observar que quando Euseacutebio principiou a Histoacuteria ele

natildeo sabia que ela terminaria com o imperador Constantino

Entendemos como destacaacutevel o relato comeccedilar com o apontamento de profecias a

respeito de Jesus Cristo no Antigo Testamento a vida e morte de Cristo nesse mundo tratar

dos apoacutestolos e de seus sucessores e terminar com Constantino Por mais que o bispo

100 WINKELMANN F loc cit 101TABBERNEE William Eusebius ldquoTheology of Persecutionrdquo As Seen in the Various Editions of his Church History In Journal of Early Christian Studies Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 53 p19 ldquoThere may never have been a first edition of Eusebiusrsquo Historia Ecclesiastica [HE] if by ldquofirst editionrdquo is

meant a completed work in seven books copied and circulated before the outbreak of the so-called ldquoGreat

Persecutionrdquo in February 303 That there was such an edition as first suggested by R Laqueur and expounded most forcefully by T D Barnes is not to be ruled out altogether but the evidence for the existence of such an edition is not quite as convincing as was once thought to be the caserdquo 102 Lake K op cit p21 103 WINKELMANN F op cit p7 104 WINKELMANN F loccit

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comente a respeito dos imperadores e governantes provinciais dos primeiros seacuteculos o seu

enfoque recai sobre a histoacuteria da igreja Embora saibamos que poliacutetica e religiatildeo se

mesclavam naquele periacuteodo notamos como ator principal na Histoacuteria Eclesiaacutestica a proacutepria

igreja ou melhor a comunidade dos cristatildeos Dada essa comunicaccedilatildeo que a Histoacuteria

eusebiana faz do iniacutecio do cristianismo com seu passado hebraico tambeacutem da instituiccedilatildeo

eclesiaacutestica nos primeiros seacuteculos da era cristatilde e as grandes dificuldades e perseguiccedilotildees pelas

quais passou eacute com Constantino que a obra brinda a trajetoacuteria cristatilde

Segundo o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor105 as histoacuterias eclesiaacutesticas constituem-se

em um subgecircnero historiograacutefico cristatildeo em que satildeo retratadas as histoacuterias das principais

sedes episcopais cristatildes desde seu iniacutecio ateacute o momento em que se escreve tendo como

abordagem central a sucessatildeo de bispos dessas sedes Possuem enorme importacircncia dentro da

historiografia cristatilde durante os seacuteculos IV V e VI ao procurarem responder a necessidades

apologeacuteticas e doutrinaacuterias Sua relevacircncia reside tambeacutem em seu conteuacutedo como qualquer

histoacuteria de um povo ou de um grupo as histoacuterias eclesiaacutesticas retratam histoacuterias da Igreja a

partir do momento em que esta adquire consciecircncia de si e de seu papel na histoacuteria os

proacuteprios membros buscam compor a histoacuteria da Igreja da qual fazem parte

O objetivo de se escrever essas histoacuterias foi o de fundamentar a autenticidade da religiatildeo

cristatilde que perante os pagatildeos era vista como uma seita fortemente dividida jaacute no seacuteculo IV e

carente de qualquer unidade natildeo se sabia qual igreja particular ou grupo era o real sucessor

de Cristo Assim o relato contido nas histoacuterias eclesiaacutesticas a respeito das sedes episcopais

mais importantes principalmente a de Roma demonstra a sucessatildeo legiacutetima dos bispos que as

compotildeem levando agrave cabeccedila que foram Pedro e os apoacutestolos e legitimando a crenccedila cristatilde

frente aos pagatildeos 106 No caso de Euseacutebio de Cesareia diante da acusaccedilatildeo pagatilde de que a igreja

dos cristatildeos natildeo possuiacutea seriedade e comum acordo o autor pretende apontar as igrejas

principais de sua eacutepoca como as autecircnticas sucessoras de Cristo remontando agrave referecircncia das

sedes mais importantes desde o periacuteodo de Jesus Ainda de acordo com Sanchez Salor

O gecircnero [] tem suas primeiras manifestaccedilotildees no Oriente e sua importacircncia eacute consideraacutevel sobretudo durante o reinado de Teodoacutesio II sob seu reinado escrevem de fato histoacuterias eclesiaacutesticas Filostoacutergio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto e Filipe Sidetes [] Depois do florescimento com Teodoacutesio II as histoacuterias eclesiaacutesticas mudam radicalmente ateacute final do seacuteculo VI jaacute natildeo se faz histoacuteria geral da Igreja mas se cultiva a histoacuteria

105 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p38-39 106 Ibidem p39

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nacional e regional das igrejas particulares [] Neste sentido se tem dito com frequecircncia que Euseacutebio na provisatildeo de sua obra eacute devedor da historiografia grega anterior jaacute que nela houve muitos historiadores que organizaram seu material historiograacutefico com o criteacuterio da sucessatildeo Entre os disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco deles ao menos haviam contado a histoacuteria de diferentes ciecircncias sob a forma de sucessatildeo Teofrasto a dos fiacutesicos Menocircn a da Natureza Aristoacutexenes a da Muacutesica Eudemo de Rodas a da Aritmeacutetica e Geometria e Dicearco a da Geografia todos eles haviam tratado de demonstrar como na histoacuteria de cada uma das ciecircncias os mestres se sucedem uns aos outros107

Concordante agrave opiniatildeo de Sanchez Salor Arnaldo Momigliano 108 afirma que um tipo

de relato da historiografia pagatilde - histoacuteria das escolas filosoacuteficas - ajudou Euseacutebio a formar a

ideia de sucessatildeo dos bispos que era igualmente importante tanto para ele ao falar do

cristianismo quanto fora para essas escolas gregas quando mencionavam os scholarchai 109 de

Platatildeo Zenatildeo e Epicuro por exemplo Entretanto peculiar nas histoacuterias eclesiaacutesticas eacute a

finalidade das sucessotildees defender e demonstrar a unidade e continuidade da comunidade

cristatilde atraveacutes da doutrina apostoacutelica que deveria ser preservada e transmitida de um bispo a

outro aleacutem de afastar qualquer perigo de heresia 110 O contato com saberes pagatildeos

determinou de forma incisiva o caraacuteter dos escritos eusebianos Momigliano defende que

Em certo sentido eacute inverossiacutemel que Euseacutebio tenha inventado a histoacuteria eclesiaacutestica A sua outra obra-prima Praeparatio evangelica eacute uma das tentativas mais audaciosas para mostrar a continuidade entre os pensamentos pagatildeo e cristatildeo [] A sucessatildeo apostoacutelica e a ortodoxia doutrinaacuteria eram os pilares da nova naccedilatildeo cristatilde seus inimigos eram os perseguidores e os hereacuteticos Assim a histoacuteria eclesiaacutestica substituiu as batalhas da histoacuteria poliacutetica comum pelos desafios inerentes agrave resistecircncia agrave perseguiccedilatildeo e agrave heresia 111

107 Ibidem p39-40 ldquoEl gecircnero [] tiene sus primeras manifestaciones en Oriente y su importancia es

considerable sobre todo durante el reinado de Teodosio II bajo su reinado escriben en efecto historias eclesiaacutesticas Filostorgio Sozomeno Soacutecrates Teodoreto y Filipo Sidetes [hellip] Tras el florecimiento con

Teodosio II las historias eclesiaacutesticas cambian radicalmente hacia finales del siglo VI ya no se va hacer historia general de la Iglesia sino que se cultiva la historia nacional y regional de las iglesias particulares [hellip]

En este sentido se ha dicho con frecuencia que Eusebio en la disposicioacuten de su obra es deudor de la historiografiacutea griega anterior ya que en ella hubo muchos historiadores que organizaron su material historiograacutefico con el criterio de la sucesioacuten Entre los disciacutepulos de Aristoacuteteles cinco de ellos al menos habiacutean contado la historia de diferentes ciencias bajo la forma de sucesioacuten Teofrasto la de los fiacutesicos Menoacuten la de la Naturaleza Aristoacutejeno de Tarento la de la Muacutesica Eudemo de Rodas la de la Aritmeacutetica y Geometriacutea y Dicearco la de la Geografiacutea todos ellos habiacutean tratado de demostrar coacutemo en la historia de cada una de las ciencias los maestros se suceden unos a otrosrdquo

108MOMIGLIANO Arnaldo op cit p195-196 109Sucessores Os bispos eram os ldquodiadocosrdquo dos apoacutestolos (diadoquia = sucessatildeo) assim como os scholarchai

eram os ldquodiadocosrdquo de Platatildeo Zenatildeo e Epicuro (Ibidem p197-198) 110 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio op cit p 41 111 MOMIGLIANO Arnaldo op cit p196-197

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A Histoacuteria Eclesiaacutestica proporcionou a Euseacutebio o posterior tiacutetulo de ldquopai da histoacuteria

eclesiaacutesticardquo estilo muito difundido entre seus sucessores ao longo dos seacuteculos seguintes De

certa maneira o autor cristatildeo deu continuidade agrave sua Crocircnica ou Histoacuteria universal ao

escrever essa obra Na Crocircnica ele parte do Antigo Testamento desde o patriarca Abraatildeo

narra os principais eventos da histoacuteria do povo de Israel e da histoacuteria dos povos mais notaacuteveis

segundo sua perspectiva para demonstrar a simultaneidade existencial entre a religiatildeo

hebraica e as religiotildees pagatildes

Segundo Pedro Sanchez a maior preocupaccedilatildeo de Euseacutebio ao redigir a Crocircnica foi

responder aos filoacutesofos e estudiosos antigos sobre a afirmaccedilatildeo deles de que o cristianismo era

uma religiatildeo muito nova e falsa portanto O autor afirma

Pois bem a causa pela qual Euseacutebio decide escrever sua Crocircnica se encontra justamente nesta acusaccedilatildeo da novidade do cristianismo uma religiatildeo que natildeo podia competir em antiguidade com a grega ou com a romana e muito menos com a babilocircnica ou egiacutepcia Era necessaacuterio silenciar a acusaccedilatildeo dos filoacutesofos pagatildeos e demonstrar a antiguidade da doutrina cristatilde A finalidade pois da Crocircnica de Euseacutebio eacute claramente apologeacutetica [] Tratava-se enfim de elaborar com urgecircncia uma cronografia cristatilde que demonstrasse sua antiguidade 112

O apologista e historioacutegrafo Euseacutebio tinha por pretensatildeo assegurar o que considerava

ser a verdade a complexidade e a antiguidade do cristianismo em relaccedilatildeo agraves acusaccedilotildees pagatildes

que esta crenccedila recebia de constituir-se se natildeo em seita ou religio ilicita 113 ao menos em algo

absolutamente novo e portanto digno de suspeitas A tradiccedilatildeo ou mos maiorum 114 era uma

das caracteriacutesticas fundamentais na sociedade tardo-antiga Isso se tornava talvez mais forte

112 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten In El geacutenero historiograacutefico de la chronica ndash las croacutenicas hispanas de

eacutepoca visigoda Caacuteceres Universidad de Extremadura 1994 p42 ldquoPues bien la causa por la que Eusebio

decide escribir su Croacutenica se halla justamente en esta acusacioacuten de la novedad del cristianismo una religioacuten que no podiacutea competir en antiguumledad con la griega o con la romana y mucho menos con la babiloacutenica o egipcia Se necesitaba acallar la acusacioacuten de los filoacutesofos paganos y demostrar la antiguumledad de la doctrina cristiana La finalidad pues de la Croacutenica de Eusebio es claramente apologeacutetica [hellip] Se trataba en fin de elaborar con urgencia una cronografiacutea cristiana que demostrara su antiguumledadrdquo

113 Uma religio ilicita se aproximava da condiccedilatildeo de supertitio (supersticcedilatildeo) e portanto natildeo era reconhecida pelo poder poliacutetico-religioso Esse foi o caso do cristianismo ateacute a divulgaccedilatildeo do Edito de Milatildeo em 313 a partir de entatildeo passou a ser considerado como religio licita Para o judaiacutesmo Givan Ventura da Silva afirma o seguinte com base em Feldman ldquoDo ponto de vista oficial o judaiacutesmo sempre foi encarado pelo menos ateacute o

governo de Justiniano como uma religio licita o que garantia aos seus seguidores o gozo de certos favores imperiaisrdquo (A relaccedilatildeo EstadoIgreja no Impeacuterio Romano (seacuteculos III e IV) In Repensando o Impeacuterio Romano - Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p 242)

114Maria Helena da Rocha Pereira em Ideias morais e poliacuteticas dos romanos Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 afirma ldquoOs Romanos tinham como suporte

fundamental e modelo do seu viver comum a tradiccedilatildeo no sentido de observacircncia dos costumes dos antepassados mos maiorumrdquo (p 345) ldquoEacute de qualquer modo a consagraccedilatildeo de um valor que todos os grandes espiacuteritos sentiam como a base do equiliacutebrio da sociedade romanardquo (p 350-351)

44

no acircmbito erudito das letras e do pensamento para o mundo da escrita a referecircncia agrave tradiccedilatildeo

era muito necessaacuteria para se provar a validade de determinada ideia Com o bispo de Cesareia

natildeo era diferente para ele realizar o objetivo de explicitar a genuinidade do cristianismo

exigia-se a comprovaccedilatildeo de um viacutenculo fidedigno desta religiatildeo com algo para aleacutem da

vivecircncia de Jesus Cristo e dos testemunhos evangeacutelicos e epistolares

Neste sentido Euseacutebio escreveu sua Crocircnica partindo de Abraatildeo muito provavelmente

por ele ser entendido nas Escrituras natildeo apenas como o pai do povo de Israel mas tambeacutem

como o pai da feacute cristatilde

Foi assim que Abraatildeo creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiccedila Sabei portanto que os que satildeo pela feacute satildeo filhos de Abraatildeo Prevendo que Deus justificaria os gentios pela feacute a Escritura preanunciou a Abraatildeo esta boa nova Em ti seratildeo abenccediloadas todas as naccedilotildees De modo que os que satildeo pela feacute satildeo abenccediloados juntamente com Abraatildeo que teve feacute 115

Por conseguinte a heranccedila vem pela feacute para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendecircncia natildeo soacute agrave descendecircncia segundo a Lei mas tambeacutem agrave descendecircncia segundo a feacute de Abraatildeo que eacute o pai de todos noacutes conforme estaacute escrito Eu te constituiacute pai de uma multidatildeo de naccedilotildees ndash nosso pai em face de Deus em que creu o qual faz viver os mortos e chama agrave existecircncia as coisas que natildeo existem Ele esperando contra toda a esperanccedila creu e tornou-se assim pai de muitos povos conforme lhe fora dito Tal seraacute a tua descendecircncia 116

Galaacuten Sanchez argumenta que Euseacutebio recorre agrave referecircncia de Adatildeo 117 para indicar o

iniacutecio da histoacuteria do povo hebraico mas eacute a partir de Abraatildeo que o autor decide apresentar os

fatos na Crocircnica devido ao paralelo cronoloacutegico que podia ser encontrado com a histoacuteria pagatilde

Uma vez estabelecida a antiguidade do Povo de Deus a taacutetica de Euseacutebio seraacute colocar a histoacuteria de Israel ao mesmo niacutevel cronoloacutegico que a histoacuteria dos demais povos marcar a contemporaneidade dos fatos e patriarcas de Israel com os fatos e reis do resto das naccedilotildees [] Com Abraatildeo a antiguidade era garantida pois as histoacuteria profanas mais antigas comeccedilavam sempre com seu contemporacircneo Nino [rei assiacuterio] 118

115 Gaacutelatas 3 6-9 op cit 116 Romanos 4 16-18 op cit 117 GALAacuteN SANCHEZ Pedro Juaacuten citando STeillet op cit p43-45 118 Ibidem p44 ldquoUna vez establecida la antiguumledad del Pueblo de Dios la taacutectica de Eusebio seraacute colocar la

historia de Israel al mismo nivel cronoloacutegico que la historia de los demaacutes pueblos sentildealar la contemporaneidad de los hechos y patriarcas de Israel con los hechos e reyes del resto de las naciones [hellip] Con Abraham quedaba

garantizada la antiguumledad pues las historias profanas maacutes antiguas comenzaban siempre con su contemporaacuteneo Nino [rei assiacuterio]rdquo

45

Dessa maneira entendemos que ao iniciar a redaccedilatildeo da Histoacuteria Eclesiaacutestica o bispo

tinha como pressuposto a devida comprovaccedilatildeo da antiguidade do cristianismo apresentada na

Crocircnica Agora ele poderia discorrer sobre a histoacuteria da comunidade dos cristatildeos a qual nasce

com Jesus Cristo Os acontecimentos da era cristatilde apenas mencionados naquela obra satildeo

detalhados na Histoacuteria Eclesiaacutestica segundo o proacuteprio autor indica no prefaacutecio ldquo[] nos

Cacircnones cronoloacutegicos por mim redigidos compus um resumo de tudo isso ainda assim na

presente obra lanccedilar-me-ei a uma exposiccedilatildeo mais completardquo 119

Com Cristo Euseacutebio estreia a Histoacuteria da Igreja embora o elemento da antiguidade

permaneccedila exposto e ateacute mesmo determine todo o relato ao evidenciar a anterioridade

existencial de Jesus Cristo sendo este o proacuteprio Deus jaacute existia na eternidade contudo em

forma humana fez-se visiacutevel entre os homens quando nasceu como um menino Assim os

profetas do Antigo Testamento tendo revelaccedilatildeo divina reconheciam o Messias e anunciavam

a sua vinda Portanto para o bispo o cristianismo estaacute diretamente vinculado ao judaiacutesmo

pela figura de Cristo O Novo Testamento completa o Antigo na medida em que aquele

explicita o aacutepice da revelaccedilatildeo de Deus com a vinda de Jesus agrave Terra fato sinalizado em

diferentes momentos ao longo do Pentateuco dos escritos profeacuteticos histoacutericos e poeacuteticos

contidos no Antigo Testamento

Euseacutebio retorna agraves origens da humanidade para comprovar a antiguidade do

cristianismo 120 e fundamentar a causa da vinda de Jesus ao mundo conforme a ideia de que o

Verbo divino preexistia a tudo ou seja de que Pai e Filho estavam unidos desde antes do

iniacutecio dos tempos A respeito da revelaccedilatildeo do Filho como homem o autor situa o episoacutedio no

tempo e espaccedilo

Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto e o vigeacutesimo oitavo desde a submissatildeo do Egito e da morte de Antonio e de Cleoacutepatra (com a qual se extinguiu a dinastia egiacutepcia dos Ptolomeus) quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Beleacutem da Judeacuteia conforme as profecias a seu respeito nos tempos do primeiro recenseamento e sendo Quirino governador da Siacuteria121

Tal passagem evidencia a preocupaccedilatildeo do bispo em contextualizar e mencionar

acontecimentos histoacuterico-poliacuteticos em seus relatos Isso eacute perceptiacutevel tanto quando Euseacutebio

119 HE I I VI 120 O objetivo principal de tal obra (Crocircnica) foi o de demonstrar a antiguidade da religiatildeo cristatildeo ligando-a a

seu passado hebraico 121 HEIVII

46

descreve fatos que o antecedem em aproximadamente trecircs seacuteculos quanto no momento em

que fala a respeito de sua contemporaneidade romana sob governo de Constantino Exemplo

disso satildeo as transcriccedilotildees que o autor faz de documentos imperiais cartas redigidas pelo

governante endereccediladas aos bispos de Roma e de Siracusa (XVXVIIIXXI) A

fundamentaccedilatildeo da histoacuteria que o autor cristatildeo escreve eacute a revelaccedilatildeo trazida agrave terra por Jesus

Cristo o Verbo encarnado o Logos 122 divino que anunciado ao longo do Antigo

Testamento pelos grandes homens de Deus e profetas cumpriu a Palavra ao viver como ser

humano neste mundo e trazer salvaccedilatildeo a todos os que nele cressem

Esse princiacutepio eacute desenvolvido por Euseacutebio atraveacutes da descriccedilatildeo dos trecircs primeiros

seacuteculos da era cristatilde que resultam na vitoacuteria do cristianismo em meio e apoacutes as fortes

tribulaccedilotildees constituindo assim uma nova e antiga naccedilatildeo cristatilde de acordo com Arnaldo

Momigliano123 Menciona tambeacutem o caraacuteter inovador e pioneiro de sua obra

Acredito que eacute de toda forma necessaacuterio que me ponha a trabalhar este tema pois natildeo sei de nenhum escritor eclesiaacutestico ateacute hoje que se tenha preocupado com este gecircnero literaacuterio Espero ainda que se mostre utiliacutessimo para todos quantos se ocupem em adquirir uma soacutelida instruccedilatildeo histoacuterica124

Euseacutebio assume a validade da transmissatildeo da histoacuteria por escrito e reconhece a

importacircncia dos documentos como base para a sua formulaccedilatildeo Entre os autores antigos

mencionados pelo bispo haacute cristatildeos como Teoacutefilo de Antioquia Hipoacutelito Juacutelio Africano e

Hegesipo Poreacutem acreditamos que natildeo somente a estes se refere Euseacutebio jaacute que ao longo da

Histoacuteria Eclesiaacutestica existe menccedilatildeo a documentos imperiais dos primeiros seacuteculos como

cartas de imperadores pagatildeos assim como eacute possiacutevel notar a influecircncia de antigos escritores

gregos na obra

Embora a Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo tenha sido escrita diretamente a Constantino eacute

relatada em seus livros finais a vitoacuteria do imperator associado por Euseacutebio ao Deus cristatildeo

sobre os rivais Maxecircncio em 312 e Liciacutenio no ano de 324 Eacute esta a obra pela qual o autor

tornou-se mais conhecido reuacutene documentos dos trecircs primeiros seacuteculos da Igreja cristatilde e 122 NIETO BAacuteNtildeEZ Jesuacutes Mordf Cristianismo y profecias de Apolo Madrid Trotta 2010 p 37 123 ldquoMesmo ansioso em preservar a heranccedila cultural pagatilde da nova ordem cristatilde [] Euseacutebio sabia que os cristatildeos

eram uma naccedilatildeo e uma naccedilatildeo vitoriosa e que a sua histoacuteria natildeo podia ser contada a natildeo ser no quadro da igreja em que vivia Aleacutem disto ele sabia bem que a naccedilatildeo cristatilde era o que era por virtude de ser tanto a mais antiga quanto a mais nova naccedilatildeo do mundo Possuiacutea origem dupla era ao mesmo tempo contemporacircnea da criaccedilatildeo do mundo e do nascimento do Impeacuterio romano sob o domiacutenio de Augustordquo (MOMIGLIANO Arnaldo op cit p 196)

124 HEIIV

47

relata seus principais acontecimentos no contexto de liberalizaccedilatildeo e oficializaccedilatildeo gradativa

do cristianismo como uma religiatildeo associada ao poder poliacutetico romano representado neste

momento pela figura maacutexima de Constantino Acreditamos que isso se deve em grande parte

pelo comportamento de Constantino com relaccedilatildeo ao cristianismo e as mudanccedilas que

empreendeu a niacutevel legal

[hellip] Constantino comeccedilou a promulgar uma seacuterie de leis favoraacuteveis agrave Igreja Ordenou devolver agraves comunidades cristatildes seus bens confiscados [] Escreveu duas vezes a Amulino prococircnsul de Aacutefrica [] com o fim de que livrasse os cleacuterigos cristatildeos das cargas puacuteblicas para que atendessem melhor a seu sagrado ministeacuterio Esta lei se estendeu agrave Itaacutelia no ano 319 [] Na praacutetica significava que o Estado romano reconhecia ao cleacuterigo cristatildeo idecircntica situaccedilatildeo que ao pagatildeo A poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre os anos 316 e 320 [] tendeu a integrar no Estado romano a Igreja Uma lei de 316 [] permitiu que a Igreja recebesse doaccedilotildees o que a levou em uacuteltima anaacutelise a ficar imensamente rica Uma segunda lei de 312 [] criou um novo procedimento de liberar os escravos por mediaccedilatildeo dos bispos Em 318 Constantino promulgou uma lei que concedeu jurisdiccedilatildeo aos bispos o que diminuiacutea gravemente o monopoacutelio juriacutedico do Estado romano 125

Euseacutebio inicia a Histoacuteria Eclesiaacutestica abordando a questatildeo da divindade e humanidade

de Jesus Cristo e termina o relato ao mencionar a vitoacuteria de Constantino e concomitante

derrota de seu rival Liciacutenio Logo no comeccedilo do livro I aponta os temas que seratildeo

trabalhados

Eacute meu propoacutesito consignar as sucessotildees dos santos apoacutestolos e os tempos transcorridos desde nosso Salvador ateacute noacutes o nuacutemero e a magnitude dos feitos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e o nuacutemero dos que nela se sobressaiacuteram no governo e presidecircncia das igrejas mais ilustres assim como o nuacutemero daqueles que em cada geraccedilatildeo de viva voz ou por escrito foram os embaixadores da palavra de Deus e tambeacutem quantos quais e quando

125BLAacuteZQUEZ MARTIacuteNEZ Joseacute Maria El cristianismo religioacuten oficial Historia 16 antildeo XXI 1997 p56-57

ldquo[hellip] Constantino empezoacute a promulgar una serie de leyes favorables a la Iglesia Ordenoacute devolver a las comunidades cristianas sus bienes confiscados [hellip] Escribioacute dos veces a Amullino procoacutensul de Aacutefrica [hellip] con el fin de que librara a los cleacuterigos cristianos de las cargas puacuteblicas para que atendieran mejor a su sagrado ministerio Esta ley se extendioacute a Italia en el antildeo 319 [hellip] En la praacutectica significaba que el Estado romano reconociacutea al cleacuterigo cristiano ideacutentica situacioacuten que al pagano La poliacutetica religiosa seguida por Constantino entre los antildeos 316 y 320 [hellip] tendioacute a integrar en el Estado romano a la Iglesia Una ley de 316 [hellip] permitioacute que la Iglesia recibiera donaciones lo que la llevoacute a la larga a hacerse inmensamente rica Una segunda ley del 321 [hellip] creoacute un nuevo procedimiento de liberar a los esclavos por mediacioacuten de los obispos En 318 Constantino promulgoacute una ley que concedioacute jurisdiccioacuten a los obispos lo que mermaba gravemente el monopolio juriacutedico del Estado romanordquo

48

absorvidos pelo erro e levando ao extremo suas fantasias proclamaram publicamente a si mesmos introdutores de um mal-chamado saber e devastaram sem piedade como lobos crueacuteis o rebanho de Cristo e mais inclusive as desventuras que se abateram sobre toda a naccedilatildeo judia depois que concluiacuteram sua conspiraccedilatildeo contra nosso Salvador assim como tambeacutem o nuacutemero o caraacuteter e o tempo dos ataques dos pagatildeos contra a divina doutrina e a grandeza de quantos por ela segundo a ocasiatildeo enfrentaram o combate em sangrenta tortura tambeacutem os martiacuterios de nosso proacuteprio tempo e a proteccedilatildeo beneacutevola e propiacutecia de nosso Salvador Ao empreender a obra natildeo tomarei outro ponto de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deus 126

Observamos na passagem acima a enunciaccedilatildeo do que a obra trataraacute ou seja dos

acontecimentos registrados pela histoacuteria eclesiaacutestica e fatos relacionados a ela os liacutederes das

igrejas renomadas os defensores da palavra divina os perseguidores dos cristatildeos a

resistecircncia dos cristatildeos agravequeles os maacutertires Euseacutebio afirma que iraacute consignar isto eacute registrar

por escrito todos esses fatos referentes agrave histoacuteria eclesiaacutestica O sentido de ldquohistoacuteriardquo eacute

complementado pela adjetivaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo significando os dois termos juntos o relato de

acontecimentos ocorridos desde a vinda de Jesus Cristo ao mundo (e alusotildees agrave sua vinda

expostos no Antigo Testamento) ateacute o momento da escrita em um percurso no qual esses

mesmos acontecimentos foram mantidos por documentos escritos

A qualificaccedilatildeo ldquoeclesiaacutesticardquo vincula-se claro ao termo ecclesia 127 o qual assume

neste periacuteodo a conotaccedilatildeo de comunidade dos cristatildeos Assim a Histoacuteria Eclesiaacutestica trata

sobretudo de pessoas e eventos inseridos nessa comunidade de indiviacuteduos e fatos ligados

positivamente a ela - ou contraacuterios mas em todos os casos partiacutecipes da sua formaccedilatildeo e

desenvolvimento Poreacutem Velaacutesquez salienta que a Histoacuteria de Euseacutebio trata dos

acontecimentos eclesiaacutesticos e natildeo da Igreja Partindo de K Heussi o autor aponta

Em seu conceito a Igreja transcendente natildeo eacute sujeito da histoacuteria Satildeo seus homens - comeccedilando pelo Filho de Deus feito homem verdadeiro - suas

126 HE III-II 127 Significa ldquoassembleiardquo ldquoreuniatildeordquo Na Greacutecia antiga os cidadatildeos se reuniam para debater sobre os rumos

poliacuteticos da cidade ldquoO termo εκκλησια jaacute circulava livremente durante vaacuterios seacuteculos antes da era cristatilde e era usado em referecircncia a uma assembleia de pessoas constituiacuteda por participaccedilatildeo baseada em criteacuterios bem definidos Normalmente em seu uso comum designava uma entidade sociopoliacutetica baseada no fato de todos os seus membros serem cidadatildeos de uma cidade-estado Para o NT [Novo Testamento] no entanto eacute importante entender o significado de εκκλησια como lsquouma assembleacuteia do povo de Deusrsquordquo LOUW Johannes P NIDA

Eugene A (editores) Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p115

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instituiccedilotildees suas doutrinas homens instituiccedilotildees doutrinas lsquoeclesiaacutesticasrsquo

Por isso sua histoacuteria eacute lsquohistoacuteria eclesiaacutesticarsquo128

Na continuidade Euseacutebio pronuncia ldquoAo empreender a obra natildeo tomarei outro ponto

de partida que o princiacutepio dos desiacutegnios de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de

Deusrdquo129 Em outra versatildeo da fonte a colocaccedilatildeo estaacute assim posta ldquoNatildeo quero outro exoacuterdio a

natildeo ser o da realizaccedilatildeo da lsquoeconomiarsquo de nosso Salvador e Senhor Jesus o Cristo de Deusrdquo 130 Ora a economia se refere ao plano de Salvaccedilatildeo que Deus tinha desde princiacutepio dos tempos

e que foi concretizado com a vinda de seu Filho agrave Terra - o Verbo encarnado A oikonomiacutea 131

na origem grega da palavra traduzida pelos latinos como dispensatio e administratio aponta

literalmente para a administraccedilatildeo de Deus sobre o mundo revelando seu caraacuteter onisciente e

onipresente ao ter ele em suas matildeos o destino da humanidade e seu plano de Salvaccedilatildeo por

meio de Jesus Cristo

No paraacutegrafo seguinte o autor cristatildeo assinala sua atividade precursora de reunir os

fatos eclesiaacutesticos em uma descriccedilatildeo histoacuterica tendo como pressupostos apenas alguns

indiacutecios escritos

Mas por isso mesmo a obra pede a compreensatildeo benevolente para mim que declaro ser superior a nossas forccedilas apresentar acabado e inteiro o prometido posto que somos ateacute agora os primeiros a abordar o tema como quem enfrenta um caminho deserto e sem pistas Rogamos ter a Deus como guia e o poder do Senhor como colaborador porque de homens que nos tenham precedido por este mesmo caminho na verdade natildeo conseguimos encontrar uma simples pegada apenas se tanto pequenos indiacutecios atraveacutes dos quais cada um a sua maneira nos deixaram como heranccedila relatos parciais dos tempos transcorridos e de longe nos estendem como tochas suas proacuteprias palavras desde laacute em cima como de uma atalaia distante nos chamam e nos mostram por onde se deve caminhar e por onde devemos encaminhar os passos da obra sem erro e sem perigo 132

Na sequecircncia Euseacutebio pronuncia em nosso entendimento o que significa ldquohistoacuteriardquo na

presente obra ldquopreservar do esquecimentordquo determinados eventos relativos agrave comunidade

eclesiaacutestica

128VELASCO-DELGADO Argimiro op cit p40 ldquoEn su concepto la Iglesia trascendente no es sujeto de

historia Lo son sus hombres -comenzando por el Hijo de Dios hecho hombre verdadero - sus instituciones sus doctrinas hombres instituciones doctrinas lsquoeclesiasticosrsquo Por eso su historia es lsquohistoria eclesiaacutesticarsquordquo

129 HE IIII 130 Euseacutebio de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica Satildeo Paulo Paulus 2000 131 O sentido baacutesico desse termo refere-se agrave administraccedilatildeo domeacutestica 132 HEI IIII

50

Para tanto noacutes depois de reunir o que achamos de aproveitaacutevel para nosso tema daquilo que estes autores mencionam aqui e ali e colhendo como de um prado espiritual as frases oportunas dos velhos autores tentaremos dar corpo a uma trama histoacuterica e estaremos satisfeitos por poder preservar do esquecimento as sucessotildees se natildeo de todos os apoacutestolos de nosso Salvador ao menos dos mais importantes nas Igrejas mais ilustres que ainda hoje satildeo lembradas 133

Quando Euseacutebio de Cesareia escreveu o livro primeiro eacute muito improvaacutevel que tenha

mirado no imperador Constantino como ator de grande importacircncia do final da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Em contrapartida pensamos que por mais que a obra tenha sido feita ldquoem

etapasrdquo todas elas estatildeo inseridas em um mesmo plano O plano inicial lsquorememorar do

esquecimento os apoacutestolos de Jesus Cristo no miacutenimo os das comunidades eclesiaacutesticas mais

notaacuteveisrsquo estaacute presente quando o autor fala de Constantino e da luta dele enquanto cristatildeo

contra os inimigos increacutedulos

Na trajetoacuteria poliacutetica e religiosa do imperador segundo Euseacutebio a igreja foi protegida e

conservada mesmo com as ocorrecircncias de opressotildees Acreditamos que Euseacutebio quis preservar

na memoacuteria das pessoas as accedilotildees favoraacuteveis de Constantino enquanto defensor da feacute cristatilde

em uma histoacuteria de sofrimento e dor o cristianismo teria encontrado focirclego com esse

governante benevolente conforme subjaz o autor A maneira como a Histoacuteria Eclesiaacutestica

estaacute construiacuteda nos faz entender que assim como os apoacutestolos de Cristo defenderam sua feacute no

passado logo apoacutes a morte e ressurreiccedilatildeo do Messias Constantino o fez alguns seacuteculos

adiante num acircmbito talvez mais abrangente por ser ele um liacuteder poliacutetico e possuir

teoricamente grande poder de influecircncia sobre os suacuteditos

No final do livro oitavo o historioacutegrafo cristatildeo inicia o relato sobre a tirania e maldades

de Maxecircncio entre outros temas tarefa que continua no livro nono e o finaliza com a queda

do tirano e conquista de Constantino sobre Roma No livro deacutecimo Euseacutebio discorre sobre a

Paz delegada por Deus aos homens atraveacutes da reconstituiccedilatildeo e restauraccedilatildeo de igrejas outrora

perseguidas e da liberdade concedida aos cristatildeos por Constantino e Liciacutenio no ano de 313

ainda em regime de Diarquia

Ao considerar jaacute haacute tempo que natildeo se haacute de negar a liberdade da religiatildeo mas que se deve outorgar agrave mente e agrave vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a preferecircncia de cada um tiacutenhamos ordenado aos cristatildeos que guardassem a feacute de sua escolha e de sua religiatildeo

133 HE I I IV

51

[] Quando eu Constantino Augusto e eu Liciacutenio Augusto nos reunimos felizmente em Milatildeo e nos pusemos a discutir tudo o que importava ao proveito e utilidade puacuteblicas entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos decidimos sobretudo distribuir umas primeiras disposiccedilotildees em que se asseguravam o respeito e o culto agrave divindade isto eacute para dar tanto aos cristatildeos quanto a todos em geral livre escolha para seguir a religiatildeo que quisessem com o fim de que tanto a noacutes quanto aos que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoraacuteveis a divindade e os poderes celestiais que existam 134

O autor aponta poreacutem que Liciacutenio natildeo se contentou com a posiccedilatildeo que ocupava ndash ldquoo

lugar imediatamente apoacutes o grande imperador Constantinordquo (XVIIII) - e se rebelou aliando-

se ao mal e tornando-se ldquoecircmulo da perversidade e maliacutecia dos tiranos iacutempiosrdquo (X VIII II)

Em contraposiccedilatildeo ao dissimulador e tirano estaacute a figura de Constantino com a qual Euseacutebio

finda sua Histoacuteria Eclesiaacutestica

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira 135

O triunfo do imperator e subsequente governo dos filhos eacute associado ao ecircxito do

cristianismo no relato eusebiano De alguma maneira portanto o autor cristatildeo vincula a accedilatildeo

redentora de Jesus Cristo o Verbo encarnado agrave figura e papel de Constantino que eacute descrito

virtuosamente por Euseacutebio como protegido amado e amigo de Deus dotado de piedade e que

como servo foi usado para salvaccedilatildeo geral ao ganhar os trofeacuteus da vitoacuteria sobre os iacutempios

conferindo ao governante uma esfera de legitimidade

134 HEX V IIIV 135 HEXVIIIVI -VIII

52

Capiacutetulo 2 Legitimidade e autoridade no governo constantiniano

Entendemos que o periacuteodo do governo de Constantino (306-337) assim como qualquer

outro recorte temporal possui elementos que se conectam com o presente atraveacutes da

compreensatildeo da longa duraccedilatildeo Nesta diversos aspectos sociais poliacuteticos religiosos

culturais e econocircmicos podem ser analisados ao longo de uma trajetoacuteria atraveacutes das

transformaccedilotildees que com eles acontece devido agrave passagem do tempo agrave espacialidade e a

outros fatores que proporcionam as mudanccedilas para tais aspectos

Na longa duraccedilatildeo existem conceitos como de legitimidade autoridade e poder os quais

detecircm diferentes caracteriacutesticas de acordo com o tempo e o espaccedilo histoacuterico Pensando assim

poderiacuteamos de pronto indagar por que falamos de Constantino e natildeo do seu uacuteltimo opositor

Liciacutenio por exemplo Trata-se de uma pergunta retoacuterica pois sabemos que foi Constantino

consagrado e legitimado como principal figura poliacutetico-religiosa inserida no recorte que trata

do cristianismo em seus primoacuterdios institucionais E tal asserccedilatildeo foi elaborada pela

historiografia e teologia baseadas em fontes do periacuteodo tais como o autor Euseacutebio de

Cesareia o qual realccedilou o papel do imperator Constantino em relaccedilatildeo a suas atitudes voltadas

ao cristianismo

Natildeo obstante acreditamos que as proacuteprias accedilotildees constantinianas estiveram sempre em

busca de legitimidade para seu governo Aleacutem disso eacute necessaacuterio ressaltar que Constantino

empreendeu esforccedilos em favor dos cristatildeos independentemente da sua preferecircncia religiosa

mas possivelmente com a intenccedilatildeo de obter apoio poliacutetico desse grupo em ascensatildeo

Compreendemos o conceito de legitimidade aqui para aleacutem da acepccedilatildeo de

legalidadeem conformidade com a lei mas abrangendo tambeacutem o acircmbito do consentimento

por parte da sociedade poliacutetica ao poder do imperador136 Sublinhamos que a legitimidade

pode ter duas vias ela eacute buscada eou eacute concedida Dessa maneira eacute possiacutevel comeccedilarmos a

entender atos supostamente conflitantes de Constantino por exemplo o imperador promove

decisotildees favoraacuteveis aos cristatildeos mas natildeo abandona os pagatildeos 136 Essa definiccedilatildeo eacute baseada na descriccedilatildeo de legitimidade de BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola

PASQUINO Gianfranco Dicionaacuterio de Poliacutetica Vol 2 Brasiacutelia Ed UnB 2010 ldquoNum primeiro enfoque

aproximado podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado que consiste na presenccedila em uma parcela significativa da populaccedilatildeo de um grau de consenso capaz de assegurar a obediecircncia sem a necessidade de recorrer ao uso da forccedila a natildeo ser em casos esporaacutedicos Eacute por esta razatildeo que todo poder busca alcanccedilar consenso de maneira que seja reconhecido como legiacutetimo transformando a obediecircncia em adesatildeo []rdquo (p 675) Exceto pelas terminologias de ldquoEstadordquo e ldquopopulaccedilatildeordquo consideramos no geral tal

definiccedilatildeo aplicaacutevel ao nosso estudo Sugerimos em contrapartida as designaccedilotildees ldquopoder imperial romanordquo e

ldquosociedade poliacuteticardquo devido aos distintos contextos histoacutericos

53

Entre as vaacuterias accedilotildees realizadas por Constantino haacute leis de favorecimento aos cristatildeos

por outro lado o imperator continua sendo associado a divindades pagatildes e sacrifiacutecios dessa

origem permanecem em algumas ocasiotildees Haacute ainda leis que natildeo satildeo claramente nem pagatildes

nem cristatildes eacute o caso da instituiccedilatildeo do domingo como dia de descanso decisatildeo que parece

estar de pleno acordo com o mandamento biacuteblico poreacutem Constantino explica tal atitude

afirmando ser o domingo o ldquodia do solrdquo Para atos poliacutetico-religiosos aparentemente

discrepantes realizados pelo governante a historiadora Averil Cameron afirma o seguinte

Isso e o resto das evidecircncias das medidas de Constantino em relaccedilatildeo agrave praacutetica religiosa eacute difiacutecil de interpretar se se estiver procurando por consistecircncia completa e uma tarefa para a vida toda tem sido feita recentemente para o imperador como o promotor da concoacuterdia religiosa motivado pelo desejo de toleracircncia religiosa 137

Conquanto o nosso argumento natildeo se centre na toleracircncia religiosa de Constantino

como resposta agraves vaacuterias crenccedilas que o rodeavam (mesmo que concordemos com a ideia)

frisamos no trecho acima a importacircncia em natildeo buscarmos nas accedilotildees deste imperador uma

consistecircncia ou loacutegica total que possa basear visotildees preacute-concebidas Sendo assim natildeo

pretendemos conciliar posicionamentos que porventura pareccedilam discrepantes na sua atuaccedilatildeo

mas sim assumimos que o governante teve postura complacente em relaccedilatildeo ao cristianismo e

a partir disso Euseacutebio de Cesareia empreendeu esforccedilos para promover Constantino como um

imperador legiacutetimo diante dos cristatildeos atraveacutes de virtudes atribuiacutedas a ele

A apologeacutetica eusebiana

Euseacutebio produziu vaacuterios escritos de caraacuteter apologeacutetico em relaccedilatildeo ao cristianismo ou

seja o bispo elaborou discursos que visavam agrave defesa e justificaccedilatildeo dessa religiatildeo frente natildeo

soacute aos pagatildeos que a contestavam mas tambeacutem diante dos judeus que negavam a figura de

Jesus Cristo como Messias ponto central para o cristianismo e fonte de enormes discussotildees e

controveacutersias entre intelectuais de diferentes religiotildees Aleacutem disso cada vez mais a ldquotarefa

apologeacuteticardquo 138 desenvolveu-se entre os proacuteprios cristatildeos que pensavam e criam de maneiras

137Ibidem p 107 ldquo[hellip] This and the rest of the evidence of Constantinersquos measures in relation to religious

practice is difficult to interpret if one is looking for complete consistency and a lively case has been made recently for the emperor as the promoter of religious concord motivated by the desire for religious tolerationrdquo

138De maneira geral o termo apologista eacute usado no campo da Teologia para designar aquele que defendia a feacute cristatilde diante dos judeus e pagatildeos enquanto o termo polemista refere-se ao que defendia a feacute cristatilde em meio aos proacuteprios cristatildeos combatendo heresias

54

distintas a respeito de doutrinas e ensinamentos contidos nas Escrituras Sagradas e que

tinham como finalidade defendecirc-los falamos das chamadas heresias Jose Orlandis afirma

A literatura apologeacutetica tinha como objetivo principal a justificativa da verdade Cristatilde e estava dirigida a pessoas apenas da Igreja Houve obras de apologeacutetica anti-judia e nelas a argumentaccedilatildeo se fundamentava sobretudo no Antigo Testamento para demonstrar partindo dele que Jesus era o Messias anunciado pelos Profetas que a Igreja eacute o novo Israel e que o Cristianismo realiza a plenitude da Lei 139

De acordo com o pensamento de estudiosos da Biacuteblia de autores cristatildeos e apologistas

a necessidade da produccedilatildeo de escritos que defendessem a veracidade da religiatildeo cristatilde se

fizera presente desde o final do seacuteculo I dC quando surgiram as primeiras heresias como o

gnosticismo 140 e o montanismo 141 Essas duas foram vistas como ameaccedilas internas agrave igreja agrave

sua mensagem apostoacutelica e agrave integridade do cristianismo primitivo Desafios externos tambeacutem

surgiram de escritores e oradores judeus e pagatildeos eacute aiacute que encontramos autores como Fronto

Taacutecito Luciano Porfiacuterio e Celso

O filoacutesofo pagatildeo Celso por volta de 175 e 180 redigiu uma obra intitulada A

verdadeira doutrina O autor foi muito bem articulado em suas criacuteticas e a obra forneceu

diversas informaccedilotildees sobre a vida e a feacute cristatilde do seacuteculo II Para combater a adoraccedilatildeo dos

cristatildeos a Jesus Celso afirmou a total impossibilidade de o proacuteprio Deus ter vindo agrave Terra

porque se isso fosse possiacutevel Deus teria que ter mudado sua natureza

O conteuacutedo desse escrito foi preservado integralmente por Oriacutegenes que respondeu agraves

contestaccedilotildees de Celso quando escreveu Contra Celso Uma das principais temaacuteticas presentes

na obra citada de Oriacutegenes foi argumentar a respeito da natureza de Jesus Cristo Esse debate 139ORLANDIS Jose Historia Breve del Cristianismo Madrid Rialp 1985 p 32 ldquoLa literatura apologeacutetica

teniacutea como objetivo primordial la vindicacioacuten de la verdad Cristiana y estaba dirigida a lectores ajenos a la Iglesia Hubo obras de apologeacutetica antijudiacutea y en ellas la argumentacioacuten se fundaba sobre todo en el Antiguo Testamento para demostrar partiendo de eacutel que Jesuacutes era el Mesiacuteas anunciado por los Profetas que la Iglesia es el nuevo Israel y que el Cristianismo realiza la plenitud de la Leyrdquo

140Designaccedilatildeo dada a vaacuterios mestres e ldquoescolasrdquo cristatildes que existiam agrave margem da igreja primitiva o gnosticismo

tornou-se um problema para os liacutederes cristatildeos no seacuteculo II Os gnoacutesticos acreditavam na mateacuteria como um mau e no ser humano como um espiacuterito eterno que ficara aprisionado no corpo somente o verdadeiro conhecimento (gnosis) poderia libertar o espiacuterito das paixotildees e impulsos do corpo Para tanto vide Antonio Pintildeero ldquoLa gnosisrdquo (CapIX) In Cristianismo primitivo y religiones misteacutericas Madrid Caacutetedra 1995 p197-225

141Nome recebido devido a seu fundador Montano Outrora sacerdote pagatildeo da regiatildeo da Friacutegia Aacutesia Menor se converteu ao cristianismo em meados do seacuteculo II Montano rejeitava a feacute na autoridade dos bispos como herdeiros dos apoacutestolos e dos escritos apostoacutelicos Considerava as igrejas e seus liacutederes espiritualmente mortos e em oposiccedilatildeo a estes se afirmava porta-voz de Cristo e do Espiacuterito Santo Reivindicava uma ldquonova

profeciardquo com sinais e milagres como os da igreja primitiva no Pentecostes

55

se estendeu pelos seacuteculos seguintes e ampliou sua aacuterea de discussatildeo (grande exemplo eacute o

posterior aparecimento do arianismo 142)

A literatura aponta Alexandria como local de origem para o estudo sistemaacutetico da Biacuteblia

Esta cidade fundada por Alexandre Magno no seacuteculo IV aC era o centro de uma vida

intelectual brilhante muito antes do aparecimento do cristianismo Tornou-se por excelecircncia a

receptora do helenismo como resultado da fusatildeo das culturas oriental egiacutepcia e grega A

cultura judaica encontrou tambeacutem espaccedilo em Alexandria inclusive foi nesta regiatildeo onde o

pensamento grego influenciou profundamente a mentalidade hebraica O escritor Filon de

literatura judaico-heleniacutestica viveu ali ele acreditava que os ensinamentos do Antigo

Testamento podiam combinar-se com as especulaccedilotildees gregas

Em finais do seacuteculo I quando o cristianismo se estabeleceu em Alexandria ele entrou

em contato com esses elementos Posteriormente formou-se a ldquoescolardquo de Alexandria cujas

principais caracteriacutesticas eram a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das Escrituras e a preferecircncia pela

filosofia platocircnica Oriacutegenes disciacutepulo de Clemente de Alexandria143 foi quem mais deu

forma ao estudo alegoacuterico

A influecircncia de Oriacutegenes natildeo se fez presente apenas no Egito mas se estendeu pela

Aacutesia Menor Siacuteria e Palestina locais onde houve concordacircncia e discordacircncia agraves suas ideias

Por volta do ano de 230-232 Oriacutegenes se estabeleceu em Cesareia na Palestina Deixou ali

um legado de suas obras as quais foram reunidas apoacutes sua morte (254) por Pacircnfilo e veio a

tornar-se um centro de erudiccedilatildeo e saber A ldquoescolardquo de Cesareia continuou portanto a obra de

Oriacutegenes De acordo com o teoacutelogo Michael Haykin a atitude de Oriacutegenes em recorrer agrave

alegorizaccedilatildeo foi uma subsunccedilatildeo ao recurso literaacuterio favorecido na academia greco-romana e

no mundo do judaiacutesmo helenista

No seacuteculo II aC escritores judeus helenistas especialmente aqueles residentes em Alexandria usavam a alegorizaccedilatildeo para explicar o Antigo Testamento Eles a haviam derivado dos gregos pagatildeos na interpretaccedilatildeo

142 Originada por Aacuterio (250-336) era ldquo uma forma de cristologia que se recusava a reconhecer a divindade

plena de Cristordquo McGRATH Alister E Teologia Histoacuterica Uma introduccedilatildeo ao pensamento cristatildeo Satildeo Paulo Casa Editora Presbiteriana 2007 p62 143Segundo Johannes Quasten em Patrologia Hasta el concilio de Nicea Madrid MCMLXIp308 ldquoEl primer

director de la escuela de Alejandriacutea de quien se tienen noticias es Panteno Era siciliano fue primero filoacutesofo estoico y maacutes tarde se convertioacute al cristianismo Despueacutes de su conversioacuten al decir de Eusebio (Hist eccl 5101) emprendioacute un viaje misionero que le llevoacute hasta la India Llegoacute a Alejandriacutea probablemente hacia el antildeo 180 siendo nombrado muy pronto jefe de la escuela de catecuacutemenos de aquella ciudad Como tal fue maestro de Clemente de Alejandriacutea Estuvo al frente de esta institucioacuten hasta su muerte acaecida poco antes del antildeo 200rdquo

56

posterior de Homero A alegorizaccedilatildeo grega de Homero jaacute era bem difundida por volta do seacuteculo V aC De acordo com Oriacutegenes ela se originou com um certo Fereacutecides de Siro [] Aconteceu que na leitura do Pentateuco os judeus helenistas acharam invariavelmente aquilo que parecia detalhes insignificantes ndash nomes de pessoas e lugares natildeo familiares ou leis que pareciam bastante mundanas Como eles deveriam entender melhor essas coisas Sob a influecircncia da alegoria grega eles procuraram um significado mais profundo natildeo evidente de imediato numa leitura superficial do texto 144

Em oposiccedilatildeo ao grupo de Alexandria foi fundada a ldquoescolardquo de Antioquia na Siacuteria por

Luciano de Samosata (312) Os antioquinos rejeitavam a interpretaccedilatildeo alegoacuterica das

Escrituras Sagradas (vistas como fantasiosas) defendendo o estudo literal histoacuterico e

gramatical do texto biacuteblico aleacutem de se inspirar na filosofia aristoteacutelica De acordo com

Orlandis ldquoAs duas escolas ndash alexandrina e antioquena ndash estavam destinadas a imprimir suas

impressotildees nas grandes questotildees teoloacutegicas que iriam surgir a partir do momento em que

conseguiram viver em liberdade o Cristianismo e a Igrejardquo145

A grande obra de Euseacutebio de Cesareia a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute fruto desse momento

jaacute que nela o autor imprime a sua visatildeo do que eacute o cristianismo se valendo de uma tradiccedilatildeo

que se debruccedilara sobre os escritos biacuteblicos buscando defender e alegar o papel dessa crenccedila

como a religiatildeo verdadeira diante dos seus opositores pagatildeos e divergentes cristatildeos

Compreendemos que Constantino faz parte desse quadro argumentativo do historiograacutefico

para defender a religiatildeo cristatilde o governante seria conveniente para isso uma vez que

empreendeu vaacuterias accedilotildees proveitosas para com os cristatildeos Por outro lado pensamos que

Euseacutebio natildeo tem por intuito somente engrandecer o cristianismo mas o poder imperial do

proacuteprio Constantino

144HAYKIN Michael AG Redescobrindo os pais da igreja quem eles eram e como moldaram a igreja

(Traduccedilatildeo de Francisco W Ferreira) SP Ed Fiel 2012 p94-95 145ORLANDIS Jose op cit p 35 ldquoLas dos escuelas ndash alejandrina y antioquena ndash estaban destinadas a

imprimir su huella caracteriacutestica en las grandes cuestiones teoloacutegicas que iban a plantearse a partir del momento en que lograron vivir en libertad el Cristianismo y la Iglesiardquo

57

Legitimidade construiacuteda com base na oposiccedilatildeo entre o bom e o mau governante

Euseacutebio de Cesareia enfatiza as praacuteticas proacute-cristatildes de Constantino A passagem a

seguir contida na Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio exemplifica um ato de proteccedilatildeo e

favorecimento ao cristianismo por parte de Constantino e Liciacutenio Eacute o Edito de Milatildeo

elaborado no ano de 313 O excerto eacute um dos documentos mais utilizados pelos estudiosos

para demonstrar a suposta generosidade de Constantino para com os cristatildeos Da parte do

bispo Euseacutebio o fragmento eacute a descriccedilatildeo dessa generosidade e um dispositivo para a

formaccedilatildeo do caraacuteter fortemente positivo do imperador

Mas aleacutem disto em atenccedilatildeo agraves pessoas dos cristatildeos decidimos tambeacutem o seguinte que seus lugares em que anteriormente tinham por costume reunir-se e acerca dos quais jaacute em carta anterior enviada a tua santidade havia outra regra delimitada para o tempo anterior se parecer que algueacutem os tenha comprado seja de nosso tesouro puacuteblico seja de qualquer outro que os restitua aos mesmos cristatildeos sem reclamar dinheiro nem compensaccedilatildeo alguma deixando de lado toda negligecircncia e todo equiacutevoco E se alguns por acaso os receberam como doaccedilatildeo que estes mesmos lugares sejam restituiacutedos o mais rapidamente possiacutevel aos mesmos cristatildeos Mas de tal maneira que tanto os que haviam comprado ditos lugares como os que os receberam de presente se pedirem alguma compensaccedilatildeo de nossa benevolecircncia possam acudir ao magistrado que julga no lugar para que tambeacutem se proveja a ele por meio de nossa bondade Tudo o que deveraacute ser entregue agrave corporaccedilatildeo dos cristatildeos pelo mesmo graccedilas a tua solicitude sem a menor dilaccedilatildeo146

O Edito de Milatildeo foi proposto pelos futuros rivais Constantino e Liciacutenio como uma

ferramenta poliacutetica que tentava responder agraves mudanccedilas do periacuteodo as quais envolviam o fator

relevante do crescimento do cristianismo no orbis romanorum tanto em quantidade de

devotos quanto em expansatildeo de suas ideias em um processo inicial que alcanccedilava o poder

romano central Tal fator comeccedilava a receber tamanha atenccedilatildeo que influenciou a

aproximaccedilatildeo assim como o afastamento das decisotildees poliacutetico-administrativas de Constantino

e Liciacutenio levando estes agrave resoluccedilatildeo final o aberto confronto devido a suas diferenccedilas

ideoloacutegicas Valeacuterio Neri expotildee

146 HE X V IX-XI

58

Constantino e Liciacutenio se encontraram em fevereiro de 313 em Milatildeo onde celebraram o casamento com a irmatilde de Constantino Constacircncia Em Milatildeo foi feito tambeacutem um acordo entre os dois colegas sobre a poliacutetica no confronto do cristianismo o qual depois foi publicado em Nicomeacutedia e endereccedilado como conta Lactacircncio ao governador da proviacutencia de Bitiacutenia por Liciacutenio quando ocupa a cidade na guerra contra Maximino [] Contudo o acordo entre os dois imperadores entra logo em crise [] 147

Eacute claro que a concordacircncia ou natildeo em relaccedilatildeo aos favorecimentos distribuiacutedos aos

cristatildeos como resultado do Edito natildeo foi a uacutenica causa de enfrentamento entre os dois

governantes ao longo dos anos seguintes poreacutem interferiu notavelmente no desenrolar dos

eventos Chegou um momento em que natildeo dava mais para ignorar a presenccedila de uma crenccedila

a qual fora entendida nos primeiros seacuteculos como uma seita que se fortalecia frente agraves

oposiccedilotildees e perseguiccedilotildees e adentrava paulatinamente a vida poliacutetica Esteban Moreno Resano

comenta sobre a causa religiosa que levou Constantino e Liciacutenio ao afastamento

Depois de sua alianccedila com Constantino aplicou [Liciacutenio] o conteuacutedo dos acordos de Milatildeo ao menos durante o biecircnio 312-313 A partir desse momento e ateacute 323-324 Liciacutenio se distanciou da poliacutetica religiosa de Constantino que havia comeccedilado a adotar em suas proviacutencias medidas restritivas em mateacuteria dos cultos tradicionais natildeo tanto com fins proibitivos quanto a efeitos de adequar a religiatildeo puacuteblica romana agrave nova realidade institucional do Impeacuterio romano cristatildeo Em efeito foi a partir de entatildeo quando Liciacutenio desde sua condiccedilatildeo de segundo Augusto do Impeacuterio com autoridade sobre as proviacutencias orientais comeccedilou a promover desde instacircncias oficiais o sincretismo religioso enquanto fomentou a observacircncia de cultos tradicionais orientais helenizados 148

147NERI Valerio Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla

Figura e lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 74 ldquoCostantino e Licinio si incontrano nel febbraio 313 a Milano dove sono celebrate le nozze con la sorella di Costantino Costanza A Milano egrave anche raggiunto un accordo fra i due colleghi circa la politica nei confronti dei cristiani che poi egrave pubblicato a Nicomedia e indirizzato come riporta Lattanzio al governatore della provincia di Bitinia da Licinio quando occupa la cittagrave nella guerra contro Massimino [] Lrsquoaccordo perograve tra i due imperatori entra presto in crisi [hellip]rdquo

148 MORENO RESANO Esteban La poliacutetica religiosa y la legislacioacuten sobre los cultos tradicionales del emperador Licinio (307-324) POLIS Revista de ideas y formas poliacuteticas de la Antiguumledad Claacutesica 20 2008 pp 167-207 p 169 ldquoDespueacutes de su alianza con Constantino aplicoacute el contenido de los acuerdos de Milaacuten al

menos durante el bienio de 312-313 A partir de ese momento y hasta 323-324 Licinio se distancioacute de la poliacutetica religiosa de Constantino que habiacutea comenzado a adoptar en sus provincias medidas restrictivas en materia de los cultos tradicionales no tanto con fines prohibitivos cuanto a efectos de adecuar la religioacuten puacuteblica romana a la nueva realidad institucional del Imperio romano cristiano En efecto fue a partir de entonces cuando Licinio desde su condicioacuten de segundo Augusto del Imperio con autoridad sobre las provincias orientales comenzoacute a promover desde instancias oficiales el sincretismo religioso en tanto que fomentoacute la observancia de cultos tradicionales orientales helenizadosrdquo

59

Eacute vaacutelido destacarmos o caraacuteter da mensagem promulgada pelo Edito de Milatildeo tratava-

se de um documento produzido com a intenccedilatildeo de promover a paz aos cristatildeos

proporcionando-lhes sua livre expressatildeo em seu dia-a-dia ao prestar cultos a Deus ao poder

declarar-se fiel a Ele ao ter novamente suas propriedades e delas poder usufruir sem a

interferecircncia do governo por motivo de crenccedila religiosa Talvez possamos dizer que essa lei

retirou do cristianismo o estereoacutetipo de misteacuterio e seita o que natildeo podemos eacute afirmar (como

aparece em vaacuterios lugares) que ele se tornou a religiatildeo oficial do mundo romano nem na

deacutecada de 310 nem durante toda a gestatildeo constantiniana Isso viria a ocorrer apenas no final

do seacuteculo IV com Teodoacutesio Aqui cristianismo e paganismo deveriam ser igualmente livres e

respeitados

Sendo assim Constantino e Liciacutenio efetuam uma importante mudanccedila para a tardo-

antiguidade ao permitir a manifestaccedilatildeo cristatilde Contudo foi o primeiro que passou a ser

associado agraves concessotildees benevolentes de maneira muito mais enfaacutetica que o segundo Isso se

explica por dois motivos o ldquodesviordquo de Liciacutenio referente agraves decisotildees que favoreciam aos

cristatildeos em direccedilatildeo agraves perseguiccedilotildees aos mesmos e a construccedilatildeo de relatos do periacuteodo que

engrandeciam Constantino por ele ter continuado ldquofielrdquo ao seu parecer

No trecho a seguir Euseacutebio imprime a visatildeo de benevolecircncia ao ldquoimperador cristatildeordquo

conectando-o previamente agrave gestatildeo proacute-cristatilde de seu pai Constacircncio Cloro (293-306)

Mas ao cabo de natildeo muito longo intervalo o imperador Constacircncio que em toda sua vida havia tratado a seus suacuteditos com a maior suavidade e benevolecircncia e agrave doutrina divina com a melhor amizade terminou sua vida segundo a lei comum da natureza deixando seu filho legiacutetimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar Bondoso e suave mais que os outros imperadores ele foi o primeiro dentre eles ao qual proclamaram deus por consideraacute-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte Ele foi tambeacutem o uacutenico dos nossos contemporacircneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Impeacuterio No demais mostrou-se para todos o mais favoraacutevel e benfeitor e natildeo participou o miacutenimo da guerra contra noacutes antes ateacute preservou livres de dano e de constrangimentos os fieacuteis que eram seus suacuteditos Tampouco derrubou os edifiacutecios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra noacutes e teve o final de sua vida triplamente abenccediloado pois foi o uacutenico que morreu querido e glorioso em seus proacuteprios domiacutenios imperiais junto a um sucessor seu legiacutetimo filho prudentiacutessimo e muito piedoso em tudo Seu filho Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrina [] 149

149 HE VIII XIII XII-XIV

60

De modo oposto na continuidade da narrativa Euseacutebio retrata Maximiano (286-305) e

seu filho Maxecircncio da seguinte forma

Isto [a proclamaccedilatildeo de Liciacutenio como imperador e augusto] o irritou terrivelmente a Maximino que ateacute este momento ainda seguia com o uacutenico tiacutetulo de ceacutesar Em consequumlecircncia como era um grande tirano arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que como foi demonstrado depois de sua abdicaccedilatildeo voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte Foi o primeiro de quem destruiacuteram as inscriccedilotildees honoriacuteficas as estaacutetuas e tudo o que se costumava oferecer como de um homem por demais sacriacutelego e iacutempio Seu filho Maxecircncio que em Roma havia-se constituiacutedo em tirano comeccedilou fingindo ter nossa feacute por agradar e adular o povo romano e por esta razatildeo ordenou a seus suacuteditos interromper a perseguiccedilatildeo contra os cristatildeos simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores Na verdade natildeo resultou nas obras como se esperava que seria mas que chegando a todo tipo de sacrileacutegios natildeo descuidou de uma soacute obra de perversidade e desregramento cometeu adulteacuterios e todo tipo de corrupccedilatildeo [] 150

Conforme os trechos citados acima Constacircncio Cloro eacute descrito como benigno para

com seus suacuteditos protetor da doutrina cristatilde e dos suacuteditos cristatildeos amistoso e benfeitor Apoacutes

ter uma morte serena e gloriosa assume seu lugar o filho Constantino o qual perpetua as

accedilotildees honrosas do pai A elevaccedilatildeo deste ao lsquotronorsquo ocorreu natildeo apenas por meio de eleiccedilatildeo

militar como principalmente atraveacutes da escolha de Deus que jaacute o havia designado antes para

tanto Jaacute Maximiano eacute relatado como um tirano que se apropria do cargo imperial e se

autoproclama divino O filho tambeacutem representado de forma tiracircnica simulou acreditar nos

ensinamentos cristatildeos contudo praticava atos torpes tais como adulteacuterio e ldquocorrupccedilotildees de

toda sorterdquo Notamos em Euseacutebio a dicotomia do bom governo e do mau governo definidos

especialmente pelo posicionamento dos gestores poliacuteticos quanto agrave submissatildeo sincera ou natildeo

ao Deus cristatildeo

Nas fontes contemporacircneas agrave vivecircncia de Constantino existem vaacuterias formulaccedilotildees no

tocante ao seu poder imperial Euseacutebio e Lactacircncio 151 alguns dos principais fabricantes da

150 HE VIII XIII XV VIII XIV I-II 151Lactacircncio nasceu em 250 na Aacutefrica a data e local de sua morte satildeo desconhecidas Ele foi a Nicomeacutedia a

mando de Diocleciano para ensinar Retoacuterica e posteriormente ingressa agrave Gaacutelia por pedido de Constantino com o cargo de instruir seu filho Crispo nas letras Natildeo haacute evidecircncias sobre o momento em que se tornou cristatildeo mas sabe-se que Lactacircncio escreveu obras que visavam agrave defesa da religiatildeo cristatilde como a Diuinae Institutiones (305) tratado que compreende sete livros e no qual o autor associa a verdade e a sabedoria ao cristianismo atraveacutes de algumas ideias a demonstraccedilatildeo de que as crenccedilas e filosofias pagatildes eram falsas o sustento de que a verdadeira sabedoria proveacutem tatildeo somente de Deus natildeo sendo compreensiacutevel por outra via como a jaacute apontada filosoacutefica - esta seria apenas uma tentativa de entender o que natildeo se conhece ou seja seria

61

visatildeo do ldquoimperador cristatildeordquo destacaram e defenderam seus atos poliacutetico-administrativos A

ocasiatildeo da entrada de Constantino em Roma no ano de 312 e a subsequente vitoacuteria dele sobre

Maxecircncio eacute interpretada por panegiristas e por autores cristatildeos de maneira a legitimaacute-lo em

sua investida poliacutetico-militar Opostamente Maxecircncio eacute apresentado como um dirigente

ilegiacutetimo e digno da morte que sofreu durante a Batalha da Ponte Miacutelvio

A primeira entrada de Constantino em Roma em 29 de outubro de 312 faz parte de uma conjuntura especial a campanha e posterior vitoacuteria sobre Maxecircncio A morte do lsquotiranorsquo supotildee para Constantino o controle poliacutetico da zona Ocidental do Impeacuterio esta nova situaccedilatildeo requer a utilizaccedilatildeo de todos os recursos publicitaacuterios que permitam justificar sua legitimidade institucional Para conseguir esse objetivo os lsquoideoacutelogosrsquo de Constantino os panegiristas baseiam suas argumentaccedilotildees em dois elementos por uma parte se pretende demonstrar a ilegitimidade de Maxecircncio dando ecircnfase natildeo tanto na forma irregular de conseguir o poder como na indignidade ao fazecirc-lo Assim os panegiristas afirmam que Maxecircncio atuava contra o Senado e matava de fome a plebe Em segundo lugar se afirma que a lsquoliberaccedilatildeorsquo da cidade foi

acolhida com grandes mostras de alegria por parte do Senado e do povo de Roma Outras fontes como Lactacircncio e Euseacutebio tambeacutem expressam como a morte de Maxecircncio foi recebida com agrado 152

Tanto o Senado quanto o populus romanus comemoraram o ingresso de Constantino em

Roma conforme assevera o historiador Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes citando excertos dos

panegiacutericos a Constantino IX e X da obra De mortibus percecutorum de Lactacircncio e da

Histoacuteria Eclesiaacutestica e Vida de Constantino de Euseacutebio 153

a opiniatildeoopiniotildees a respeito do transcendente e do supremo resumidos na figura de Deus Os bons preceitos filosoacuteficos da cultura greco-romana natildeo eram poreacutem suficientes para o alcance da verdade e compreensatildeo do bem maior jaacute que os limites de entendimento e sabedoria do homem satildeo evidentes Aleacutem desses trabalhos escreveu De opficio Dei (em torno de 304305) no qual abordou o tema do corpo e alma e foi direcionada a seu disciacutepulo Demetriano De ira Dei e De mortibus persecutorum esta uacuteltima possui forte importacircncia tambeacutem por constituir-se em registro iacutempar da perseguiccedilatildeo desencadeada por Diocleciano no ano de 303 iniciada em Nicomeacutedia local de moradia de Lactacircncio naquele periacuteodo (SAacuteNCHEZ SALOR E Introduccioacuten In Instituciones Divinas Madrid Gredos 1990 p7 et seq)

152RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Constantino y la utilizacion poliacutetico-ideologica de Roma Madrid Revista Gerioacuten n8 1990 p 49-50 ldquoLa primera entrada de Constantino en Roma el 29 de octubre del 312 se enmarca dentro de una coyuntura especial la campantildea y posterior victoria sobre Majencio La muerte del laquotiranoraquo supone para Constantino el control poliacutetico de la zona Occidental del Imperio esta nueva situacioacuten requiere la utilizacioacuten de todos los recursos publicitarios que permitan justificar su legitimidad institucional Para conseguir dicho objetivo los laquoideoacutelogosraquo de Constantino los panegiristas basan sus argumentaciones en dos elementos por una parte se pretende demostrar la ilegitimidad de Majencio haciendo hincapieacute no tanto en la forma irregular de conseguir el poder como en la indignidad al ejercerlo Asiacute los panegiristas afirman que Majencio actuaba contra el Senado y mataba de hambre a la plebe En segundo lugar se afirma que la laquoliberacioacutenraquo de la ciudad fue acogida con grandes muestras de alegriacutea por parte del Senado y del pueblo de Roma Otras fuentes como Lactancio y Eusebio tambieacuten expresan coacutemo la muerte de Majencio fue recibida con agradordquo

153 Ibidem p 50

62

Para o mesmo episoacutedio o panegiacuterico de 313 de autor desconhecido com intenccedilatildeo

ideoloacutegica e propagandiacutestica descreve a entrada triunfal do imperador 154 com o povo e o

Senado atraacutes dele conforme aponta Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes

Das fontes que falam da entrada de Constantino em Roma eacute o panegiacuterico de 313 o que mais se estende nele eacute narrada a entrada triunfal de Constantino em Roma O orador em um relato que mostra certas imprecisotildees com o que eacute o cerimonial tradicional do triumphus diz a noacutes que foi levado em um carro ateacute o Palaacutecio A imagem que o panegirista nos transmite estaacute longe de ser uma cerimocircnia de triunfo claacutessica posto que nem a ordem da corte na qual os senadores e magistrados teriam que preceder ao triunfador nem o final da possessatildeo a chegada ao Capitoacutelio estatildeo presentes no discurso Pelo que respeita a ordem da corte se entrevecirc que o povo e o Senado estatildeo situados atraacutes de Constantino posto que se diz que ambos lsquolhe empurram

para frentersquo 155

O autor demonstra ainda epiacutetetos que ele recebeu pelas cunhagens da eacutepoca devido ao

ecircxito em 312 libertador de Roma restituidor de Roma e priacutencipe oacutetimo 156 Em outro texto

seu que abarca as virtudes constantinianas Gervaacutes expressa

O suporte empregado para difundir esta imagem [repleta de virtudes] do imperador eacute muacuteltiplo desde os panegiacutericos ateacute as moedas passando pelas inscriccedilotildees em monumentos puacuteblicos Todos estes meios tecircm em comum difundir em maior ou menos grau uma visatildeo ideal do imperador Os panegiacutericos ainda que sua difusatildeo puacuteblica fosse limitada refletiam com bastante exatidatildeo a ideologia imperial romana aparecendo claramente o projeto poliacutetico pretendido pelo imperador 157

154Esse trecho do panegiacuterico natildeo estaacute de acordo com os demais excertos que exaltam a figura de Constantino

pois natildeo tem intenccedilatildeo de apresentar a ideia do imperador cristatildeo contudo divulga o reconhecimento de sua vitoacuteria e o apoio recebido na sociedade Eacute uma visatildeo positiva e engrandecedora a respeito do governante

155 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p50-51 ldquoDe las fuentes que recogen la entrada de

Constantino en Roma es el panegiacuterico del 313 el que maacutes se extiende en eacutel se narra la entrada triunfal de Constantino en Roma El orador en un relato que muestra ciertas imprecisiones con lo que es la ceremonial tradicional del triumphus nos dice que fue llevado en un carro hasta el Palacio La imagen que el panegirista nos transmite dista de ser una ceremonia de triunfo claacutesica puesto que ni el orden del cortejo en el que los senadores y magistrados teniacutean que preceder al triunfador ni el final de la procesioacuten la llegada al Capitolio estaacuten presentes en el discurso Por lo que respecta al orden del cortejo se entrevee que el pueblo y el Senado estaacuten situados detraacutes de Constantino puesto que se dice que ambos lsquote empujaban hacia adelantersquordquo

156 Ibidem p51 157RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute ldquoLas virtudes del emperador Constantinordquo Revista Gerioacuten Madrid

n2-3 1984-85 p 239 (239-247) ldquoEl soporte empleado para difundir esta imagen [repleta de virtudes] del emperador es muacuteltiple desde los panegiacutericos a las monedas pasando por las inscripciones en monumentos puacuteblicos Todos estos medios tienen en comuacuten difundir en mayor o menor grado una visioacuten ideal del imperator Lo panegiacutericos aunque su difusioacuten puacuteblica era limitada reflejan con bastante exactitud la ideologiacutea imperial romana apareciendo claramente el proyecto poliacutetico querido por el emperadorrdquo

63

Anos mais tarde entre 321 e 325 o proacuteprio Constantino profere um discurso em prol de

seu governo Embora esse natildeo tenha sido o tema principal da Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos

(Oratio ad sanctorum coetum) podemos entender que a mensagem destinada aos bispos

transpareceu a declaraccedilatildeo do governante de que suas atitudes diante do cristianismo (ou seja

a defesa e adesatildeo a ele) estariam em consonacircncia com a vontade divina O historiador Gilvan

Ventura da Silva afirma

A missatildeo cristatilde do imperador [Constantino] instrumento da Providecircncia divina para garantir a vitoacuteria da Igreja contra os pagatildeos converte-se assim em um tema proacuteprio da retoacuterica imperial do periacuteodo sendo desenvolvido com bastante propriedade na Oratio ad sanctorum coetum (OC) a Oraccedilatildeo agrave assembleia dos santos um documento indispensaacutevel para que possamos compreender o ponto de vista de um imperador cristatildeo acerca da sua proacutepria trajetoacuteria poliacutetica da missatildeo que o cargo imperial lhe confere e do sentido que atribui agrave histoacuteria do Impeacuterio Romano a essa altura confundida com a histoacuteria do povo de Deus isto eacute os cristatildeos Elaborada no contexto da campanha final contra Liciacutenio a Oraccedilatildeo a assembleia dos santos apresenta um teor histoacuterico doutrinal e apologeacutetico caracteriacutestico dos discursos que forjados no calor das disputas ideoloacutegicas desejam instituir eou reafirmar uma determinada diretriz para a accedilatildeo poliacutetica 158

Em Lactacircncio notamos oposiccedilotildees impliacutecitas entre Constantino e outros governantes

Por toda a histoacuteria que narra sobre as perseguiccedilotildees em relaccedilatildeo aos cristatildeos no De mortibus

persecutorum desde a regecircncia de Nero (54-68) ateacute o tempo constantiniano o defensor do

cristianismo enseja caracterizar de maneira pejorativa os imperadores que agiram

negativamente em relaccedilatildeo ao cristianismo Nero aparece como perseguidor dos servos de

Deus tirano e predecessor da vinda do Anticristo Domiciano como tirano e odioso Deacutecio eacute

execraacutevel perseguidor da justiccedila e inimigo de Deus Valeriano iacutempio Aureliano indisposto

violento e criminoso Diocleciano inventor de crimes e maquinador de maldades Maximiano

Hercuacuteleo Galeacuterio e alguns contemporacircneos a Constantino satildeo igualmente perturbadores 159

Uma contraposiccedilatildeo eacute feita entre Maximiano e seu filho Maxecircncio em relaccedilatildeo a Constacircncio e o

filho Constantino

Maximiano tinha um filho Maxecircncio genro do mesmo Galeacuterio Tinha um instinto malvado e perverso e era tatildeo soberbo e obstinado que nem a seu pai e a seu sogro costumava respeitar pelo que ambos o odiavam Constacircncio tinha tambeacutem um filho Constantino jovem santiacutessimo e totalmente digno

158SILVA Gilvan Ventura da Histoacuteria festa e poder no Baixo Impeacuterio Romano a propoacutesito da Oraccedilatildeo agrave

assembleia dos santosrdquo Goiacircnia Revista Histoacuteria n1 2006 p 47 159 De mortibus persecutorum II-XXII Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em

httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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deste alto cargo [co-imperador] a quem por sua distinta e digna excelecircncia fiacutesica por seu gecircnio militar por sua integridade de costumes e sua extraordinaacuteria afabilidade os soldados o amavam e os simples cidadatildeos o desejavam como imperador [] Constantino eacute verdadeiramente estimado e quando for Imperador seraacute considerado melhor e mais clemente ainda do que seu pai 160

Embora haja diferenccedilas nas premissas de Euseacutebio de Cesareia e Lactacircncio os dois

autores satildeo responsaacuteveis por reforccedilar o poder imperial de Constantino vinculando-o ao

cristianismo conforme nos aponta Averil Cameron

Como eacute sabido Lactacircncio e Euseacutebio eram escritores muito diferentes entre si mas ambos possuiacuteam interesse em apresentar Constantino como um defensor precoce do cristianismo e sua exposiccedilatildeo eacute tendenciosa quanto aquelas dos panegiristas O ponto eacute de fato que Constantino era o agressor na sua ascensatildeo ao poder primeiro em 312 e depois contra Liciacutenio no percurso que teve ateacute a batalha de Cibale em 316 e de Crisoacutepolis em 324 se trata de uma verdade que os autores favoraacuteveis a Constantino esconderam com muito esforccedilo 161

As seguintes passagens da Histoacuteria Eclesiaacutestica tratam de Liciacutenio e Constantino a este

Euseacutebio demonstra apreccedilo agravequele descreacutedito

Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 162

A este [Constantino] por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de Constantino163

160Ibidem XVIII 161CAMERON Averil Il potere di Costantino Dimensioni e limiti del potere imperiale In Constantino I

Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e lrsquoimmagine dellrsquoimperatore del cosiddeto Edditto di Milano

313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p 107 ldquoCome e noto Lattanzio ed Eusebio erano scrittori molto diversi tra loro ma entrambi avevano interesse a presentare Costantino come un precoce sostenitore del cristianesimo e la loro esposizione egrave tendenziosa quanto quella dei panegiristi Il punto e infatti che Costantino era lrsquoaggressore nella sua ascesa al potere prima del 312 e poi ancora contro Licinio

nel percorso che porto alle battaglie di Cibale del 316 e di Crisopoli nel 324 si tratta di una verita che gli autori favorevoli a Costantino nascosero con molta faacuteticardquo

162 HE X VIII V 163 HE X IX I

65

Compreendemos que eacute feita uma contraposiccedilatildeo entre os imperadores Constantino e

Liciacutenio colocando o primeiro como bom e piedoso e o segundo como um tirano Contudo

seria absolutamente possiacutevel vermos o proacuteprio Constantino como um usurpador em busca de

sustentaccedilatildeo ao seu poder tanto que combate ferozmente com Maxecircncio em 312 e com

Liciacutenio em 324 em busca da unidade governamental

Interpretamos aleacutem disso que se trata de uma formulaccedilatildeo teoacuterica pois na praacutetica

sabemos que natildeo existe pleno acordo entre todas as esferas da sociedade poliacutetica quanto a seu

governante A pretensatildeo das passagens acima eacute conceder certo estatuto universal aos atos de

Constantino de maneira que ele possa aparecer como liacuteder digno responsaacutevel e

lsquocristianiacutessimorsquo ante os suacuteditos e mais especificamente no caso da Histoacuteria eusebiana ante os

cristatildeos sendo legitimado diante desse grupo

Por outro lado natildeo eram apenas os autores cristatildeos que refletiam sobre o governo de

Constantino Eruditos pagatildeos tambeacutem o faziam mas sob outra perspectiva O historiador

Valerio Neri 164 ao falar da guerra civil constantiniana demonstra que fontes cristatildes (Euseacutebio

Rufino Paulo Oroacutesio) imputavam caraacuteter usurpador aos rivais do imperator - Maxecircncio e

Liciacutenio enquanto fontes pagatildes (Aureacutelio Victor Eutroacutepio) alegavam um periacuteodo muito

conturbado do reinado de Constantino (312-324) embora natildeo defendessem os dois liacutederes

acima apontados Tanto cristatildeos quanto pagatildeos tratavam da legitimidade constantiniana

direta ou indiretamente Os primeiros faziam isso conectando o imperator ao Deus judaico-

cristatildeo e enaltecendo-o com um papel salviacutefico 165

Notamos que a legitimidade apresenta um traccedilo interessante a fabricaccedilatildeo de dualidades

Seguindo o apresentado acima existe o bom e o mau governante - as referecircncias para que essa

classificaccedilatildeo seja demonstrada variam conforme a conjuntura histoacuterica aqui o termocircmetro eacute a

adesatildeo ao cristianismo Portanto temos Constantino x Maxecircncio Constantino x Liciacutenio

Constacircncio x Maximino a dualidade estaacute posta

Quanto agrave fabricaccedilatildeo ela pertence aos aliados dos ldquobons governantesrdquo aos seus

conselheiros (e por que natildeo aos interessados) entre os quais houve elaboraccedilatildeo escrita e

registros posteriores que chegaram ateacute noacutes e assim nos permitem refletir acerca tanto da

164 Costantino e le guerre civile Storia e storiografia In Enciclopeacutedia Constantiniana Sulla Figura e

lrsquoimmagine dellrsquo imperatore delcosiddeto Edditto di Milano 313-2013 Volume Primo Intituto della Enciclopedia Italiana Roma 2013 p69-88

165 Paul Veyne trabalha essa ideia no livro Quando o nosso mundo se tornou cristatildeo Texto amp Grafia Lisboa 2009 p9-22

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oposiccedilatildeo e do autor dela quanto do quadro contextual que a conteacutem O quadro aqui eacute a tardo-

antiguidade momento no qual a ideia de dualidade cristatilde comeccedila a ser delineada

A concepccedilatildeo de dualidade estaacute conectada diretamente agrave existecircncia da Providecircncia

divina ou seja Deus eacute o criador da humanidade e dominussenhor da Histoacuteria As pessoas que

acreditam em Deus e que buscam obedececirc-lo podem deixar-se conduzir por sua boa e perfeita

gestatildeo ateacute o fim dos tempos no qual o mundo tal qual o conhecemos seraacute extinto e haveraacute o

iniacutecio de uma nova lsquoerarsquo a eternidade no caso o ceacuteu ou a ldquoterra prometidardquo

Os indiviacuteduos descrentes na soberania divina assim como no proacuteprio dirigente da

trajetoacuteria humana acabam por conduzir-se por si mesmos ou pela confianccedila em seres e coisas

natildeo condizentes aos ensinamentos biacuteblicos seu futuro eacute o sofrimento eterno o inferno lugar

caracterizado em primeira instacircncia pela correta puniccedilatildeo divina aos pecadores Os primeiros

os que tecircm feacute nele e almejam sua intervenccedilatildeo estatildeo do lado bom de paz santidade perfeiccedilatildeo

justiccedila e ordem Em contraposiccedilatildeo os segundos os quais natildeo tecircm uma vida correta aos olhos

de Deus estatildeo do lado mau de agonia transgressatildeo defeito injusticcedila e caos

Tal visatildeo cristatilde do mundo eacute impressa em incontaacuteveis escritos por pensadores religiosos

Falando especificamente de obras historiograacuteficas cristatildes o filoacutelogo Eustaquio Sanchez Salor

defende que

Uma das finalidades de toda obra historiograacutefica cristatilde eacute a finalidade testemunhal De acordo com ela o historiador deve comprovar e dar feacute da accedilatildeo de Deus nos feitos humanos Deus eacute o que organiza e dirige os fatos da histoacuteria da humanidade historiar eacute portanto dar testemunho da accedilatildeo de Deus no mundo 166

A partir dessa citaccedilatildeo nota-se que para os autores cristatildeos escrever (a) histoacuteria eacute

necessariamente testemunhar a intervenccedilatildeo divina no curso humano a Histoacuteria recebe

conotaccedilatildeo teleoloacutegica e apocaliacuteptica pautada na vontade de Deus Para o cristatildeo a jornada

humana nesse mundo consiste em vivenciar a vida pura e verdadeira ao erudito cristatildeo essa

missatildeo eacute acrescida pela evidenciaccedilatildeo da crenccedila atraveacutes da oralidade e da escrita

166 SAacuteNCHEZ SALOR Eustaquio Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma

Lrsquoerma di Bretschneider 2006 p130 ldquo[] una de las finalidades de toda obra historiograacutefica cristiana es la

finalidad testemonial De acuerdo con ella el historiador debe comprobar y dar fe de la accioacuten de Dios en los hechos humanos Dios es el que organiza y dirige los hechos de la historia de la humanidad historiar es por tanto dar testimonio de la accioacuten de Dios en el mundordquo

67

A manifestaccedilatildeo do sentido da Histoacuteria por pensadores cristatildeos existe em obras de vaacuterios

gecircneros histoacuterias crocircnicas biografias panegiacutericos cartas apologias entre outros e ele (o

sentido da Histoacuteria) eacute caracterizado pela doutrina da Providecircncia da bondade e justiccedila divina

do pecado original do homem e sua possiacutevel regeneraccedilatildeo mediante arrependimento feacute e

obediecircncia aos preceitos da Palavra a crenccedila no fim da vida terrena e iniacutecio da vida eterna

Um autor destacado que desenvolve essa perspectiva na gama de suas vastas obras eacute

Agostinho de Hipona (354-430) Sanchez Salor o rememora quando trabalha a concepccedilatildeo de

histoacuteria cristatilde citando essa passagem da obra Sobre a verdadeira religiatildeo 167

Pois bem da mesma forma que alguns malvados gostam mais do verso que da proacutepria arte com que estaacute construindo o verso jaacute que fazem mais caso a seus ouvidos que a sua inteligecircncia assim tambeacutem alguns gostam das coisas temporais e natildeo se ocupam da divina Providecircncia que eacute a criadora e moderadora dos tempos E na proacutepria visatildeo das coisas temporais preferem ficar com aquilo que lhes agrada e assim caem no mesmo absurdo que aquele que na recitaccedilatildeo de um grande poema prefere ficar escutando constantemente apenas uma siacutelaba E natildeo existe quem goste de todo o poema mas sim haacute quem se detenha nas coisas que lhe agrada e natildeo existe ningueacutem que escute o verso inteiro tatildeo pouco todo o poema ainda menos algueacutem pode entender toda a ordem dos seacuteculos 168

Agostinho quer dizer que muitas pessoas se preocupam mais com suas proacuteprias vidas

do que com o que estaacute por traacutes delas e do que as construiu O criador e juiz dos homens eacute

deixado em segundo plano por essas pessoas maacutes (se eacute que em algum momento o soberano eacute

lembrado) as quais vivem despreocupadas no engano pensando que satildeo saacutebias poreacutem

conhecendo apenas pequeniacutessimas partes de um todo infinitamente maior e complexo Sua

existecircncia eacute tola e vatilde por natildeo contemplar o Ser superior que concede significado a ela

Outro autor cristatildeo ilustre da tardo-antiguidade que se ocupa do sentido da histoacuteria eacute

Jerocircnimo (347-420) Segundo Sanchez Salor

A Biacuteblia eacute o livro que conteacutem a accedilatildeo de Deus em seu povo e neste sentido ela se converte em um modelo histoacuterico Os fatos da Biacuteblia satildeo um pressaacutegio de acontecimentos futuros Esta eacute uma interpretaccedilatildeo histoacuterica do Antigo

167 De vera religione 22 43 168 Ibidem p 131 ldquoPues bien de la misma forma que algunos malvados gustan maacutes del verso que de la propia

arte con que estaacute construido el verso ya que hacen maacutes caso a sus oiacutedos que a su inteligencia asiacute tambieacuten algunos gustan de las cosas temporales y no se ocupan de la divina Providencia que es la creadora y moderadora de los tempos Y en la propia visioacuten de las cosas temporales prefieren quedarse con aquello que les gusta y asiacute caen en el mismo absurdo que aquel que en la recitacioacuten de un gran poema prefiere quedarse escuchando constantemente una sola siacutelaba Y no hay quienes gusten de todo el poema pero siacute hay quienes se detengan en las cosas que les gustan y es que no hay nadie que escuche todo el verso entero ni tampoco todo el poema nadie puede entender tampoco todo el orden de los siglosrdquo

68

Testamento que teraacute profunda influecircncia na concepccedilatildeo da histoacuteria ao longo dos seacuteculos o Antigo Testamento eacute considerado a partir de alguns comentaacuterios de Jerocircnimo como pressaacutegio de fatos do Novo Testamento e de fatos de povos futuros Vemos isso de maneira muito clara nas explicaccedilotildees que Jerocircnimo daacute agraves profecias do livro de Daniel relativas aos quatro impeacuterios universais [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma] 169

Voltando agrave Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio acreditamos que o autor imprime no relato

sua concepccedilatildeo do que eacute a histoacuteria ao demonstrar a trajetoacuteria do ldquopovo de Deusrdquo as

perseguiccedilotildees e sofrimentos que lhe foram imputados nos primeiros seacuteculos depois de Cristo e

as transformaccedilotildees a niacutevel poliacutetico e legal que mais tarde atingiram favoravelmente a

comunidade cristatilde Parece a noacutes que a obra aponta para o desenvolvimento do percurso dos

cristatildeos de maneira que Deus os acompanhava e intervinha na rota humana Nenhum

imperador seria mais legiacutetimo diante dos suacuteditos cristatildeos do que um liacuteder associado ao mesmo

Deus que eles em quem depositavam confianccedila esperanccedila e libertaccedilatildeo A Histoacuteria

Eclesiaacutestica coloca Constantino como um instrumento nas matildeos desse Deus o qual se

interessa pelo seu povo e o ama a ponto de confortaacute-lo com a governanccedila de um homem

temente ao Senhor o qual livra os oprimidos e marginalizados O excerto a seguir subjaz o

exposto trata-se da controveacutersia entre Constantino e Liciacutenio

Efetivamente tendo aquele [Liciacutenio] feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus [Constantino] concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de

169Ibidem p 132-133 ldquoLa Biblia es el libro que recoge la accioacuten de Dios en su pueblo y en ese sentido ella se

convierte en un modelo histoacuterico Los hechos de la Biblia son un presagio de hechos futuros Esta es una interpretacioacuten histoacuterica del Antiguo Testamento que va a tener profunda influencia en la concepcioacuten de la historia a lo largo de siglos el Antiguo Testamento es considerado desde algunos de los comentarios de Jeroacutenimo como presagio de hechos del Nuevo Testamento y de hechos de pueblos futuros Ello lo encontramos de forma muy clara en las explicaciones que Jeroacutenimo da a las profeciacuteas del libro de Daniel relativas a los cuatro reinos universales [Babilocircnia Peacutersia Macedocircnia Roma]rdquo

69

Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 170

A legitimaccedilatildeo do poder imperial de Constantino eacute endossada na obra por meio de

argumentos que retratam o imperador como pessoa amorosa e compassiva em relaccedilatildeo aos

cristatildeos padecentes Isso eacute posto ante o desprestiacutegio dos liacutederes malfeitores e natildeo-crentes na

soberania do Deus uno A maneira com que essa ideia aparece eacute atraveacutes da apresentaccedilatildeo de

determinado governante como sendo bomcristatildeo ou maupagatildeo Segundo a forma com que

agia para com Deus e para com a comunidade cristatilde eram-lhe atribuiacutedos virtudes ou viacutecios

A sacralidade do imperator

Os relatos de Euseacutebio de Cesareia referentes agraves atitudes proacute-cristatildes de Constantino

contavam positivamente com a atribuiccedilatildeo sagrada que a figura do imperator possuiacutea desde

tempo precedente Para a historiadora Norma Musco Mendes

Esse tiacutetulo estava associado ao caraacuteter sagrado que envolvia a concepccedilatildeo tradicional de imperium Trata-se de uma forccedila transcendente simultaneamente criativa e reguladora capaz de agir sobre o real e de o submeter a sua vontade Poder inerente a Juacutepiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo povo romano Pela tradiccedilatildeo no campo de batalha os soldados vitoriosos aclamavam o chefe conferindo-lhe o tiacutetulo de imperator Conclui-se que tal tiacutetulo era fundamental para a ideologia da vitoacuteria pois somente a vitoacuteria numa batalha permitia esta aclamaccedilatildeo a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado A vitoacuteria era vista como uma inspiraccedilatildeo vinda diretamente dos deuses e em primeiro lugar Juacutepiter Assim atraveacutes do tiacutetulo de imperator tambeacutem utilizado por Juacutepiter um mortal era identificado como imortal 171

Ainda referente ao vocaacutebulo imperator a historiadora Mariacutea Pilar Rivero Gracia

trabalha seu desenvolvimento com base nas fontes historiografia e filologia e o descreve do

seguinte modo apoacutes apresentar brevemente diferentes teorias de grandes estudiosos do

conceito

Resumindo ao menos desde o Renascimento e sem duacutevida a partir do seacuteculo XIX e do nascimento da Histoacuteria Antiga como uma especialidade consolidada da ldquociecircncia positivardquo (principalmente graccedilas a Mommsen) um

170 HE X IX II-IV 171 MENDES Norma Musco O sistema poliacutetico do Principado In Repensando o Impeacuterio Romano -

Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006 p38

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imperador romano ateacute os tempos finais da Repuacuteblica era considerado antes de tudo um general vitorioso e carismaacutetico aclamado pelas tropas no mesmo campo de batalha e recebido em consequecircncia pelo Senado e o povo de Roma como um indiviacuteduo singular e particularmente distinto pelos poderes divinos tutelares do Estado 172

Entretanto a autora natildeo termina no periacuteodo republicano para explicar tal designaccedilatildeo ela

indica sua continuidade no mundo imperial

Uma primeira [fase de evoluccedilatildeo] correspondente agrave eacutepoca republicana na qual o imperador era o general romano que recebia este tiacutetulo depois de uma vitoacuteria mediante a aclamaccedilatildeo espontacircnea de suas tropas e uma segunda propriamente imperial em que o tiacutetulo designaria ao mais alto dirigente do estado romano 173

Identificamos em Constantino as duas especificaccedilotildees de legitimidade a primeira ao ser

aclamado Augustus (tiacutetulo que a princiacutepio recusou aceitando apenas o de Ceacutesar) pelas tropas

de seu pai Constancio Cloro em 306 na proviacutencia da Britacircnia e a segunda principalmente

quando se tornou governante uacutenico em 324 (embora fosse imperator antes disso junto aos

outros dirigentes que compunham o regime imperial tetraacuterquico) A autoridade centrada em

uma figura poliacutetica era algo a que Constantino almejava e para tanto se tornava ainda mais

necessaacuterio que houvesse justificativas plausiacuteveis ao seu exerciacutecio do poder dada a conjuntura

poliacutetica e institucional fragmentada na qual o mundo romano se encontrava como bem nos

explica Renan Frighetto

De fato lanccedilando um olhar para os seacuteculos III e IV a romanidade tardia pode ser caracterizada pela transformaccedilatildeo atualizaccedilatildeo e readequaccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e institucionais do passado heleniacutestico a comeccedilar pela mudanccedila da concepccedilatildeo agrave volta do poder poliacutetico de um uacutenico princeps ndash imperator sobre todo o orbis romanorum sempre representado pelas imagens perfeitas de um Augusto ou de um Trajano A partir do governo de Septimio Severo (193-211) as fontes historiograacuteficas romanas revelam-nos uma constante partilha do poder poliacutetico entre vaacuterios Augustos e Ceacutesares legiacutetimos ou ilegiacutetimos demonstrando-nos uma efetiva loacutegica de que era

172RIVERO GRACIA Mariacutea Pilar Imperator Populi Romani Una aproximacioacuten al poder republicano

Plaza de Espantildea Diputacioacuten de Zaragoza 2006 p 24 ldquoResumiendo al menos desde el Renacimiento y sin duda a partir del siglo XIX y del nacimiento de la Historia Antigua como una especialidad consolidada de la ldquociencia positivardquo (principalmente gracias a Mommsen) un imperator romano hasta tiempos de finales de la Repuacuteblica ha sido considerado ante todo un general victorioso y carismaacutetico aclamado por las tropas en el mismo campo de batalla y recibido en consecuencia por el Senado y el pueblo de Roma como un individuo singular y particularmente distinguido por los poderes divinos tutelares del Estadordquo

173 Ibidem p 27 ldquoUna primera [fase de evoluccedilatildeo] correspondiente a la eacutepoca republicana en la que el imperator era el general romano que recebiacutea este tiacutetulo tras una victoria mediante la aclamacioacuten espontaacutenea de sus tropas y una segunda propiamente imperial en la que el tiacutetulo designariacutea al maacuteximo dirigente del estado romanordquo

71

melhor ldquodividir para administrarrdquo sem esquecermos a forccedila que as

proviacutencias imperiais jaacute demonstravam desde entatildeo e que acentuavam a importacircncia dos poderes de caraacuteter regional [] 174

A autoridade e o poder que Constantino possivelmente adquiriu na condiccedilatildeo de

imperador tecircm gecircnese durante a Repuacuteblica e sobretudo na passagem desta ao Principado num

momento de forte personalizaccedilatildeo do poder A crescente concentraccedilatildeo de poder nas matildeos de

determinados indiviacuteduos teve origem no seacuteculo II aC e acabou por desfalecer a Repuacuteblica

Romana no final do seacuteculo I aC com Otaviano Augusto De acordo com Norma Musco

Mendes o final do periacuteodo republicano pode ser entendido como um processo iniciado com

as mortes de Tibeacuterio e Caio Graco em 133-121 aC

Isto porque estes acontecimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relaccedilatildeo assimeacutetrica anunciavam o periacuteodo de desagregaccedilatildeo do sistema republicano romano afetado em sua globalidade pelas grandes inovaccedilotildees produzidas pelo crescimento do Impeacuterio Romano 175

Tal traccedilo se manteacutem ao longo dos seacuteculos seguintes nos quais os governantes aludiram

sempre agrave figura de Otaacutevio Contudo elementos da tradiccedilatildeo republicana continuaram presentes

durante o Principado o proacuteprio termo princeps176 significa o ldquoprimeiro entre os cidadatildeosrdquo o

que explicita a importacircncia e necessidade de reconhecimento da autoridade imperial por parte

do Senado Mesmo tendo sido alterado e readequado conforme o contexto sua influecircncia eacute

niacutetida nos seacuteculos posteriores ao periacuteodo republicano inclusive com Constantino que procura

no segmento senatorial a aprovaccedilatildeo para vaacuterios de seus atos A respeito da permanecircncia de

diversos aspectos republicanos na nova fase imperial Mendes afirma

Natildeo houve uma clara demarcaccedilatildeo entre a era Republicana e a era Imperial A admiraccedilatildeo pelos heroacuteis pelas realizaccedilotildees e a sobrevivecircncia dos ideais republicanos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noccedilatildeo

174FRIGHETTO Renan Da teoria agrave praacutetica poliacutetica o exerciacutecio do poder na Antiguidade Tardia Revista

Histoacuteria Helikon v2 nordm 2 Curitiba Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute p23 175MENDES Norma Musco opcit p22 176 Durante o periacuteodo romano republicano nomeaccedilatildeo dada a um senador eminente responsaacutevel por determinadas

funccedilotildees administrativas poliacuteticas e militares A partir de Augusto o princeps se torna a figura poliacutetica mais destacada com poderes concentrados O termo eacute usado para designar os imperadores romanos ateacute o fim do governo de Diocleciano (305) No Oxford Dictionary of the Classical World ldquoThe senator whose name was entered first on the senate list compiled by the censors Once selected he held his position for life (subject to confirmation by each new pair of censors) and longevity conferred increased influence The princeps senatus had to be a patrician Apart from great dignity the rank conferred the privilege of speaking first on any motion in the senate Since there was usually not much debate the princeps senatus moved all routine senatus consulta and he influenced many debated oneshelliprdquo

(httpwwwoxfordreferencecomview101093oiauthority20110803100345995) Acesso em 23122016

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de descontinuidade fazendo com que toda a tradiccedilatildeo republicana romana jaacute exposta por Poliacutebio a qual justificava as guerras e a expansatildeo territorial por intermeacutedio das concepccedilotildees de victrix causa bellum justum laus imperii imperium sine fine e da missatildeo de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado fosse recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a eacutegide da nova ordem criada e garantida por Augusto Logo a histoacuteria republicana foi unida ao Principado uma vez que o republicanismo havia se esgotado como forccedila poliacutetica e institucional 177

A sagraccedilatildeo do poder imperial eacute um dos traccedilos caracteriacutesticos do sistema do Dominato 178 no qual o poder do princeps tornou-se maior e mais importante frente a outras instituiccedilotildees

poliacuteticas como o Senado e assumiu conotaccedilatildeo sagrada e hieraacuterquica A sagraccedilatildeo que a figura

imperial recebe durante o Dominato tem influecircncias orientais que satildeo sentidas fortemente no

mundo romano A proskinesis (ato de prostraccedilatildeo) remonta aos povos orientais mas eacute com os

gregos que adquire caraacuteter de divinizaccedilatildeo e sacralizaccedilatildeo No movimento de fusatildeo entre

elementos gregos e orientais - cultura heleniacutestica - ocorre a difusatildeo desse costume no espaccedilo

romano conquanto adaptada 179

A proskinesis eacute uma praacutetica associada agrave adoratio 180 (adoraccedilatildeo) latina a qual eacute retomada

por Diocleciano 181 Tal praacutetica jaacute era conhecida anteriormente mas eacute introduzida no ritual

imperial na passagem do seacuteculo III ao IV 182 conforme Renan Frighetto explica-nos

177 Ibidem p37-38 178 Para tanto ver capiacutetulo 1 paacuteg16-18 179 Os ldquobaacuterbarosrdquo prostravam-se aos seus reis os gregos aos seus deuses Durante o Principado romano houve

diversas formas de adoraccedilatildeo ao princeps No periacuteodo tetraacuterquico o ato de prostraccedilatildeo e adoraccedilatildeo dirigido ao imperator natildeo lhe atribuiacutea o status de deusDeus mas o reconhecia como um representante ou descendente dele ldquoDe esta forma la adoratio perdioacute su connotacioacuten religiosa tradicional y se convirtioacute en una forma de reconocimiento expliacutecito del poder imperialrdquo (Bravo G El ritual p191)

180 ldquoEl ritual de la proskynesis en la terminologiacutea griega el culto de la adoratio en la latina presentan sin embargo un amplio repertorio morfoloacutegico en el mundo grecorromano Generalmente se entiende por tal la costumbre de hacer la venia o genuflexioacuten arrodillarse e incluso postrarse antes las imaacutegenes de dioses reyes y emperadores o en presencia de estos uacuteltimos como muestra de respeto sumisioacuten u obediencia No obstante en el mundo griego anterior a la conquista de Oriente por Alejandro este rito soacutelo era concebido como una forma de culto a los dioses mientras que se consideraba como una auteacutentica aberracioacuten o humillacioacuten de origen baacuterbara la praacutectica del mismo en las relaciones humanasrdquo (Bravo Gonzalo El ritual de la ltproskynesisgt y su significado poliacutetico y religioso en la Roma imperial - Con especial referencia a la Tetrarquiacutea In Revista Gerioacuten Madrid n15 1997 p 178) ldquoEn el contexto del revestimiento del priacutencipe de carismas divinos se le rodeoacute de un halo sagrado Por ello el contacto directo con su persona fue restringido progresivamente a lo largo del siglo IV restringido a los altos cargos militares y civiles palatinos Presentarse ante el emperador exigiacutea cumplir con la prokyacutenesis o adoratiordquo (Resano Esteban Moreno La divindad y el culto imperiales en la legislacioacuten romana desde el periacuteodo constantiniano hasta eacutepoca teodosiana - 312-455 In Arys n12 2014 p358)

181ldquoEn definitiva el meacuterito de Diocleciano consistioacute no solo en recoger los elementos dispersos de la tradicioacuten sino tambieacuten en integrarlos en un contexto de cambios maacutes amplios tendentes a reafirmar e hasta entonces discutido caraacutecter monaacuterquico del poder imperialrdquo Bravo G El ritual hellip p189

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Embora alguns autores tardo-antigos tenham sugerido que esta forma de adoraccedilatildeo certamente importada do mundo persa foi iniciada no reinado conjunto de Diocleciano e Galeacuterio nos territoacuterios orientais acreditamos que tal praacutetica tenha sido realizada ao longo do seacuteculo III no mundo romano mas sem a sistematizaccedilatildeo que foi implementada a partir do reinado de Diocleciano Ao fim e ao cabo tratava-se dum ritual misterioso reservado a poucos escolhidos que tinham o privileacutegio de visualizar a figura imperial quase sempre invisiacutevel em toda a sua plenitude sagrada 183

Gonzalo Bravo aponta casos em que esse ato fora utilizado anteriormente por Caliacutegula

Domiciano Heliogaacutebalo e Aureliano O autor afirma que a proskynesis natildeo se constitui de

uma inovaccedilatildeo de origem estrangeira ela existia sob outras denominaccedilotildees ndash adulatio

veneratio supplicatio desde a tradiccedilatildeo monaacuterquica romana ldquoO que ocorre eacute que no Baixo

Impeacuterio quando a tendecircncia de dominatio na poliacutetica imperial predomina sobre a de

moderatio estas formas de submissatildeo e acatamento da autoridade se fizeram mais

ostensivasrdquo184

A tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do poder imperial desenvolve-se num processo que receberaacute a

partir de Constantino o elemento cristatildeo como uma das bases do governo de caraacuteter divino a

chamada basileia 185 - realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde Gilvan Ventura da Silva e Norma

Musco Mendes 186 apresentam a ideia da criaccedilatildeo de uma basileia dentro do cenaacuterio poliacutetico

romano como consequecircncia da crise do seacuteculo III na qual os imperadores se sucediam no

poder constantemente e estavam rodeados de golpes e contragolpes gerando fragilidade

governamental (Anarquia Militar) Ocorre entatildeo crescente tendecircncia agrave divinizaccedilatildeo do

imperador antes mesmo de sua morte

A construccedilatildeo de uma ldquoteologia poliacuteticardquo recebe com Constantino um forte impulso

advindo da contribuiccedilatildeo cristatilde particularmente atraveacutes das reflexotildees de Euseacutebio de Cesareia 182 FRIGHETTO Renan Algunas consideraciones sobre las construcciones teoacutericas de la centralizacioacuten del

poder poliacutetico en la Antiguumledad Tardia cristianismo tradicioacuten y poder imperial In Histoacuteria Entre el pesimismo y la esperanza Vintildea del Mar Altazor 2007 p4-5

183FRIGHETTO Renan A Antiguidade Tardia ndash Roma e as Monarquias Romano-Baacuterbaras numa eacutepoca de transformaccedilotildees Seacuteculos II-VIII Curitiba Juruaacute 2012 p96

184BRAVO Gonzalo Historia del mundo antiguo Una introduccioacuten criacutetica Madrid Alianza Editorial 1998 p573

185Termo grego que significa ldquoreinordquo ldquodomiacuteniordquo βασιλείω βασιλεία ldquoreinar ou governar como rei com a

implicaccedilatildeo de autoridade plena e a possibilidade de transferir esse direito ao filho ou um parente proacuteximo ndash lsquoreinar ser rei governar como rei reinado reinorsquordquo O rei era o ldquobasileusrdquo (βασιλεύς) ldquoalgueacutem que tem

autoridade total dentro de determinada aacuterea e pode transferir esse poder e autoridade a um sucessorrdquo (LOUW

Johannes P NIDA Eugene A Leacutexico Grego-Portuguecircs do Novo Testamento baseado em domiacutenios semacircnticos Trad Vilson Scholz Satildeo Paulo Sociedade Biacuteblica do Brasil 2013 p427-428 186 SILVA Gilvan Ventura da MENDES Norma Musco Diocleciano e Constantino a construccedilatildeo do DOMINATOin Repensando o Impeacuterio Romano ndash Perspectiva socioeconocircmica poliacutetica e cultural Vitoacuteria Edufes 2006

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contidas na Vida de Constantino e Em Louvor de Constantino A respeito desta uacuteltima obra

Gilvan e Miguel Marvila187 defendem que Euseacutebio por influecircncia de Oriacutegenes e Pacircnfilo

estava jaacute sensiacutevel agrave ideia de um autor do seacuteculo II chamado Melito de Saacuterdis que

correlacionava estritamente a Pax Romana e o advento de Cristo Euseacutebio apoacutes 312 refletiu

pois sobre o caraacuteter sagrado da monarquia romana conforme Gilvan e Norma Mendes

apontam tornando-se ldquoo principal difusor de uma representaccedilatildeo particular da monarquia

romana que costumamos designar como basileia a realeza sagrada heleniacutestico-cristatilde que se

perpetuaraacute em Bizacircncio apoacutes a desagregaccedilatildeo do Impeacuterio Romano do Ocidenterdquo

Contudo eacute importante frisarmos que a sacralidade natildeo eacute exclusiva aos seacuteculos III e IV

Desde Augusto o governante eacute associado a qualidades sagradas como fica claro no tiacutetulo de

Pontifex Maximus (sumo pontiacutefice da religiatildeo romana) que este possuiacutea e que outros

governantes receberam De acordo com Gilvan Ventura da Silva 188 ldquoos princiacutepios de

constituiccedilatildeo de uma realeza sagrada estiveram presentes desde o momento de instauraccedilatildeo do

Principadordquo

A justificativa divina para as accedilotildees imperiais eram jaacute presentes no orbis romanorum

Aureliano (270-275) era descrito nas emissotildees monetaacuterias como deus et dominus natus

Diocleciano e Maximiano possuiacuteam respectivamente a titulaccedilatildeo de Iovius e Herculius sendo

equiparados agrave divindade ao demonstrarem as virtudes da pietas felicitas virtus victoria

entre outras 189 Essas virtudes oriundas do auxiacutelio dos deuses concedido aos governantes

pagatildeos se faziam necessaacuterias para a reordenaccedilatildeo do poder e administraccedilatildeo romana em meio

agraves fragilidades que se apresentavam Tais necessidades se tornaram fortemente incisivas com

a ldquocrise do seacuteculo IIIrdquo no contexto de Anarquia Militar

Sustento para a vinculaccedilatildeo do poder imperial com a divindade eacute fruto tambeacutem do

neoplatonismo filosofia que aponta para um ente superior direcionador das accedilotildees humanas e

ao qual os demais deuses estatildeo submetidos Essa noccedilatildeo hieraacuterquica fora transportada agrave vida

poliacutetica romana e absorvida por pensadores pagatildeos e cristatildeos com o intuito de apoiar o poder

imperial No caso dos pensadores cristatildeos o princeps eacute associado ao Deus judaico-cristatildeo e a

unidade do poder eacute apoiada pela figura de Cristo Dessa forma o Dominato se pauta tambeacutem

no neoplatonismo (desde Diocleciano que necessita otimizar a administraccedilatildeo e defesa do 187SILVA GV MARVILAM De Laudibus Constantini o discurso de Euseacutebio de Cesareia sobre a

realeza ES Dimensotildees 2006 188SILVA Gilvan Ventura da Reis santos e feiticeiros Constacircncio II e os fundamentos miacutesticos da basileia

(337-361) Vitoacuteria Edufes 2003 p 103 189SILVA Gilvan Ventura da Mendes Norma Muscoopcit p201

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amplo territoacuterio romano) e ganha impulso com o elemento cristatildeo durante o governo

constantiniano O dominussenior deve ser o maior entre todos associado a Deus e estar agrave

frente das demais instituiccedilotildees Entendemos que eacute nessa conjuntura que Constantino estaacute

imerso e na qual Euseacutebio constroacutei uma legitimidade cristatilde para o governante

Na perspectiva de forte uniatildeo entre poliacutetica e religiatildeo no seacuteculo IV vaacuterios autores

abordam a relaccedilatildeo do poder imperial com o poder divino que ganha nesse periacuteodo maior

contorno cristatildeo A niacutevel teoacuterico intelectuais da eacutepoca ndash Euseacutebio eacute um nome de destaque ndash

formulam um caraacuteter sacralizado do imperator associando-o ao cristianismo Ao falar das

querelas religiosas no tempo de Constantino Henri Marrou afirma que o governante natildeo

permaneceu estranho agraves realidades espirituais assim como os suacuteditos cristatildeos reclamavam sua

intervenccedilatildeo nos assuntos religiosos ldquoO interesse que o imperador volta agraves questotildees religiosas

eacute muito mais direto mais profundo tambeacutem ele participa do espiacuterito da nova

religiosidaderdquo190 Assim sob sua autoridade o mundo romano eacute unificado e o poder imperial

aparece como imagem terrestre da monarquia divina

Cristina Godoy e Josep Vilella mencionam que com a Paz da Igreja e a ascensatildeo de

Constantino a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado mudou radicalmente

Com a Paz da Igreja e o advento de Constantino mudou radicalmente a relaccedilatildeo entre a Igreja e o Estado A filosofia eclesiaacutestica longe de ver no imperador um perseguidor outorgou-lhe a importante missatildeo de rector ecclesiae que devia procurar dentro das extremidades do Impeacuterio o bem-estar espiritual e temporal da humanidade redimida Nasceu assim a primeira teologia poliacutetica do cristianismo composta por Euseacutebio de Cesareia quem queria demonstrar que soacute podia haver um Impeacuterio o Romano cujo iniacutecio coincidia com e da religiatildeo cristatilde e que o Reino de Deus havia-se realizado temporalmente no Impeacuterio Romano-Cristatildeo de Constantino produzindo-se uma transposiccedilatildeo entre a universalidade do Impeacuterio e a Universalidade Catoacutelica 191

190 DANIEacuteLOU Jean e MARROU Henri ldquoA Igreja na primeira metade do quarto seacuteculordquo in Nova Histoacuteria

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 v I p253 191GODOY C VILELLA J De la fides ghotica a La ortodoxia nicena inicio de la teologia poliacutetica visigoacutetica

In Antiguumledad y Cristianismo - Monografias histoacutericas sobre la Antiguumledad Tardia Murcia 1986 p 117-118 ldquoCon la Paz de la Iglesia y el advenimiento de Constantino cambioacute radicalmente la relacioacuten entre la Iglesia y el Estado La filosofiacutea eclesiaacutestica lejos de ver en el emperador a un persecutor le otorgoacute la importante misioacuten del rector ecclesiae que debiacutea procurar dentro de los confines del Imperio el bienestar espiritual y temporal de la humanidad redimida Nacioacute asiacute la primera teologiacutea poliacutetica del cristianismo compuesta por Eusebio de Cesarea quien creiacutea demostrar que soacutelo podiacutea haber un Imperio el Romano cuyo inicio coincidiacutea con el de la religioacuten cristiana y que el Reino de Dios se habiacutea realizado temporalmente en el Imperio Romano-Cristiano de Constantino producieacutendose una transposicioacuten entre la universalidad del Imperio y la Universalidad Catoacutelicardquo

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Conectando o Reino de Deus ao Impeacuterio Cristatildeo Constantino poderia ter sua autoridade

legitimada em uma origem divino-cristatilde que daria certa divindade a sua pessoa e asseguraria

poder absoluto jaacute que o monoteiacutesmo comportaria a monarquia - ldquoo governo de um soacuterdquo

O imperador cristatildeo

Inuacutemeros autores jaacute falaram a respeito da vivecircncia de Constantino com a religiatildeo cristatilde

Alguns momentos da trajetoacuteria do liacuteder satildeo emblemaacuteticos como sintomas de sua adesatildeo ao

cristianismo um deles eacute a convocaccedilatildeo do Conciacutelio de Niceia em 325 pelo proacuteprio imperador

a fim de debater questotildees dogmaacuteticas conflitantes na eacutepoca outro momento eacute no fim de sua

vida quando ele eacute batizado pelo bispo Euseacutebio de Nicomeacutedia um terceiro e que eacute em grande

parte considerado como a primeira evidecircncia da ldquoconversatildeordquo de Constantino ao cristianismo

eacute a visatildeo ou sonho que teve instantes antes da batalha contra Maxecircncio em 312 Existem

reflexotildees que apontam para uma experiecircncia do imperator com essa crenccedila ainda quando

crianccedila ou jovem devido agrave influecircncia que recebera de seus pais

Quanto ao fenocircmeno sobrenatural que supostamente acometeu Constantino previamente

agrave luta contra Maxecircncio ele eacute relatado por Euseacutebio de Cesareia na Vida de Constantino 192

obra produzida numa etapa posterior (aproximadamente 15 anos mais tarde) agrave qual natildeo nos

detemos nessa pesquisa Entretanto acreditamos que o bispo jaacute construiacutea ideias positivas

sobre Constantino e sua relaccedilatildeo com Deus quando escrevia os uacuteltimos livros da Histoacuteria

Eclesiaacutestica Pensamos inclusive que na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute a primeira vez que Euseacutebio

enfatiza o governante como um imperador cristatildeo o qual segundo o bispo luta a favor dos

cristatildeos oprimidos contra a crueldade e tirania dos iacutempios

192 ldquoEn las horas meridianas del sol cuando ya el diacutea comienza a declinar dijo [Constantino] que vio con sus

propios ojos en pleno cielo superpuesto al sol un trofeo en forma de cruz construido a base de luz y al que estaba unido una inscripcioacuten que rezaba con eacuteste vence El pasmo por la visioacuten lo sobrecogioacute a eacutel y a todo el ejeacutercito que lo acompantildeaba en el curso de una marcha y que fue espectador del portento Y deciacutea que para sus adentros se preguntaba desconcertado queacute podriacutea ser la aparicioacuten En esas cavilaciones estaba embargado por la reflexioacuten cuando le sorprende la llegada de la noche En suentildeos vio a Cristo hijo de Dios con el signo que aparecioacute en el cielo y le ordenoacute que una vez se fabricara una imitacioacuten del signo observado en el cielo se sirviera de eacutel como de un bastioacuten en las batallas contra los enemigosrdquo (I 28) Traduccedilatildeo de Martiacuten Gurruchaga Em Pacheco Sancheacutez Vida de Constantino Gredos Madrid 1994 Tambeacutem Lactacircncio relata o episoacutedio na obra Sobre a morte dos perseguidores ldquoConstantino foi advertido em sonhos para que gravasse nos escudos o sinal celeste de Deus e deste modo comeccedilasse a batalha Potildee em praacutetica o que lhe havia sido ordenado e fazendo girar a letra X com sua extremidade superior curvada em ciacuterculo grava o nome de Cristo nos escudos O exeacutercito protegido com este emblema toma as armasrdquo (paraacuteg 44) Traduccedilatildeo de Joseacute Pereira da Silva Em httpwwwfilologiaorgbrrevistaartigo1(3)19-52html Acesso em 02022017

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Harold Drake assinala Constantino como ldquoo primeiro imperador cristatildeordquo a partir do

relato da Vida de Constantino especificamente do evento famoso da ldquoVisatildeo da cruzrdquo

Esse evento a famosa ldquoVisatildeo da Cruzrdquo aconteceu em algum momento antes

de 28 de Outubro de 312 data na qual Constantino derrotou seu rival Maxecircncio no lado de fora de Roma e se tornou senhor da metade ocidental do Impeacuterio Romano Euseacutebio natildeo eacute claro sobre quando exatamente a visatildeo ocorreu ndash antes de Constantino ter deixado sua base na Gaacutelia ou enquanto ele ainda estava em marcha Mas ele natildeo deixa duacutevidas de que estava conectado com esse evento vindo em resposta agrave crenccedila fervorosa de Constantino ldquode que ele necessitava de uma ajuda mais poderosa do que suas forccedilas militares poderiam fornecer a ele por conta dos encantamentos perversos e maacutegicos que estavam sendo tatildeo diligentemente praticados pelo tiranordquo no controle de

Roma Subsequentemente Euseacutebio continua o proacuteprio Cristo apareceu ao imperador em um sonho ordenando a ele que fizesse uma coacutepia do sinal que havia visto para usar isso ldquocomo uma salvaguarda em todas as suas

empreitadas com seus inimigosrdquo Assim nasceu o fabuloso laacutebaro um

estandarte dourado sobreposto por uma grinalda de joacuteias incrustadas em que estava exibido o monograma composto pelas letras gregas chi e rho as primeiras duas letras do nome Χριστός Histoacuterias miraculosas de sobrevivecircncia foram contadas por soldados que carregavam esse emblema durante a batalha Euseacutebio afirma e estavam protegidos por isso das lanccedilas e flechas que caiacuteam ao redor de todos os seus companheiros Foi esta vitoacuteria em 312 de acordo com Euseacutebio que levou Constantino a adotar ldquoo sinal

salutaacuteriordquo e ele proacuteprio a agarrar com todo o fervor de um novo convertido a feacute dos apoacutestolos Poreacutem ainda mais que a vitoacuteria foi a visatildeo milagrosa dotando ele com carisma de proporccedilotildees biacuteblicas que deu a Constantino um espaccedilo especial aos olhos dos Cristatildeos marcando ele como ela fez com o sinal do favor de Deus 193

193DRAKE H A Constantine and the Bishop The Politics of Intolerance Baltimore The Johns Hopkins

University Press 2000 p10 ldquoThis event the famous ldquoVision of the Crossrdquo occurred sometime before October

28 312 on which date Constantine defeated his rival Maxentius outside Rome and became master of the Western half of the Roman Empire Eusebius is unclear about when exactly the vision occurred ndash before Constantine had left his base in Gaul or while he was already on the march But he leaves no doubt that is was connected with this event coming in response to Constantinersquos fervent belief ldquothat he needed some more

powerful aid than his military forces could afford him on account of the wicked and magical enchantments which were so diligently practiced by the tyrantrdquo in control of Rome Subsequently Eusebius continues Christ

himself appeared to the emperor in a dream commanding him to make a likeness of the sign he had seen and to use it ldquoas a safeguard in all engagements with his enemiesrdquo Thus was born the fabulous labarum a golden

standard surmounted by a jewel-encrusted wreath within which were displayed a monogram composed of the Greek letters chi and rho the first two letters of the appellation Χριστός Miraculous stories of survival were

told by soldiers who carried this emblem into battle Eusebius says and were protected by it from the spears and arrows that felled comrades all around them It was this victory in 312 according to Eusebius which led Constantine to adopt ldquothe salutary singrdquo and attach himself with all the fervor of a new convert to the faith of the apostles But even more than victory it was the miraculous vision endowing him with charisma of biblical proportions which gave Constantine special standing in Christian eyes marking him as it did with the sign of Godrsquos favorrdquo

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Segundo Paul Veyne foi a partir da conversatildeo sincera e crenccedila no seu papel de

condutor da humanidade tal como Jesus o fora que Constantino instalou a Igreja no Impeacuterio

e deu ao governo central uma funccedilatildeo nova a de ajudar a verdadeira religiatildeo

Natildeo Constantino natildeo se dirigiu ao Deus cristatildeo por supersticcedilatildeo porque teria imaginado natildeo se sabe porquecirc que melhor do que outros deuses o dos cristatildeos lhe concederia a vitoacuteria natildeo o crisma pintado nos escudos dos seus soldados natildeo era um sinal maacutegico como por vezes se afirmou mas uma profissatildeo de feacute a vitoacuteria de Constantino seria a do verdadeiro Deus [] Constantino converteu-se porque acreditou em Deus e na Redenccedilatildeo foi esse o seu ponto de partida e esta feacute implicava aos seus olhos que a Providecircncia preparava a humanidade para o caminho da salvaccedilatildeo e que por conseguinte Deus daria a vitoacuteria ao seu campeatildeo194

No verbete ldquoConstantino Irdquo do Diccionario del mundo claacutesico 195 haacute uma ideia distinta

da defendida por Paul Veyne quanto agrave experiecircncia de Constantino com a crenccedila cristatilde o

imperador teria percebido vantagens poliacuteticas que possivelmente alcanccedilaria se trabalhasse a

favor da unidade dos cristatildeos

Sem ser nem mais nem menos supersticioso que seus contemporacircneos viu neste triunfo [a vitoacuteria sobre Maxecircncio] a matildeo do Deus cristatildeo e a necessidade de conservar sua ajuda para ele e para seu impeacuterio A partir deste momento natildeo apenas devolveu as propriedades aos cristatildeos mas tambeacutem concedeu privileacutegios ao clero encheu a Igreja de benefiacutecios e empreendeu um ambicioso programa de construccedilatildeo de igrejas [] Suas ideias religiosas talvez sofreram mais transformaccedilotildees e se viram afetadas pelos problemas que encontrou no seio da Igreja Na Aacutefrica teve que afrontar o cisma donatista [hellip] Constantino escreveu (314) ao vicarius (governador supremo) da Aacutefrica um ldquofervente devoto do Altiacutessimordquo expressando-lhe seus temores de que se natildeo conseguisse a unidade aos cristatildeos Deus o substituiria por outro imperador A sinceridade natildeo pode determinar-se atraveacutes de um meacutetodo histoacuterico mas em todo caso natildeo resulta incompatiacutevel com a crenccedila de que uma accedilatildeo a posteriori pode ter vantagens poliacuteticas [] sabia [Constantino] que o problema do Cristianismo residia em que seu caraacuteter exclusivista entorpecia a unidade do sistema imperial Se unisse sua sorte a dos cristatildeos natildeo conseguiria nenhuma vantagem a menos que estes permanecessem unidos 196

194 VEYNE Paul op cit p57-58 195 HORNBLOWER Simon SPAWFORTH Tony (eds) Diccionario del mundo claacutesico Criacutetica Barcelona 196 Ibidem p100 ldquoSin ser ni maacutes ni menos supersticioso que sus contemporaacuteneos vio en este triunfo [a vitoacuteria

sobre Maxecircncio] la mano del Dios cristiano y la necesidad de conservar su ayuda para eacutel y para su imperio A partir de ese momento no solamente devolvioacute las propiedades a los cristianos sino que concedioacute privilegios al clero colmoacute a la Iglesia de beneficios y emprendioacute un ambicioso programa de construccioacuten de iglesias [hellip]

Sus ideas religiosas quizaacute sufrieran transformaciones ulteriormente y se vieran afectadas por los problemas que encontroacute en el seno de la Iglesia En Aacutefrica tuvo que afrontar el cisma donatista [hellip] Constantino escribioacute (314) al vicarius (gobernador supremo) de Aacutefrica un ldquoferviente devoto del Altiacutesimordquo expresaacutendole sus temores de

que si no se lograba la unidad de los cristianos Dios lo reemplazariacutea por otro emperador La sinceridad no puede determinarse a traveacutes de un meacutetodo histoacuterico pero en todo caso no resulta incompatible con la creencia

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Pouco antes do trecho transcrito o autor do verbete alude agrave visatildeo ou sonho que

Constantino teria tido previamente agrave batalha contra Maxecircncio no qual haacute o lema ldquocom esta

cruz venceraacutesrdquo A partir dessa vitoacuteria segundo a entrada do Dicionaacuterio o imperador percebeu

a necessidade de ter o Deus cristatildeo como seu protetor para que ele e seu ldquoimpeacuteriordquo ficassem

seguros Neste entretempo eacute que o governante teria agido positivamente no que tange ao

cristianismo agrave Igreja ao clero e agraves pessoas cristatildes no geral

Uma questatildeo ressaltada no excerto satildeo as querelas religiosas Neste momento a que

mais chama a atenccedilatildeo de Constantino eacute o donatismo 197 a qual solicita a sua intervenccedilatildeo Ele

teria declarado a preocupaccedilatildeo com a desavenccedila entre os cristatildeos o que o levou a intervir nos

assuntos religiosos O verbete infere que a atenccedilatildeo do imperador para com a religiatildeo cristatilde

natildeo fora gratuita mas aconteceu como resposta agrave conjuntura a percepccedilatildeo de que ter Deus ao

seu lado traria boas ocorrecircncias em meio aos conflitos militares e poliacuteticos Para tanto era

preciso dissipar as divergecircncias entre os fieacuteis ou ao menos rebaixaacute-las a um niacutevel que natildeo

interferisse nos assuntos poliacuteticos se natildeo fosse Constantino o gerenciador dessa empreitada

seria outro liacuteder o que obviamente ele natildeo desejava A palavra de mando era unidade A

unidade era boa para o poder poliacutetico aliada agrave ordem agrave administraccedilatildeo eficaz e a uma posiccedilatildeo

religiosa ecumecircnica

Sob a perspectiva de que a histoacuteria da Igreja catoacutelica engloba a histoacuteria de Constantino

o autor e professor de Histoacuteria eclesiaacutestica Bernardino Llorca indica que a reverecircncia do

governante pelo cristianismo ocorreu de forma gradativa A mudanccedila teria sido ocasionada

devido aos seguintes fatores

A primeira foi o desenvolvimento de sua educaccedilatildeo Esta foi certamente pagatilde e ao conforme o estilo tradicional romano mas jaacute desde um comeccedilo teve por modelo seu pai Constacircncio Cloro em seus bons sentimentos para com os cristatildeos Por outro lado consta por muitas moedas de Constantino que em sua vida religiosa adorava ao sol invicto que era uma das religiotildees

de que una accioacuten a posteriori puede tener ventajas poliacuteticas [hellip] sabiacutea [Constantino] que el problema del

Cristianismo residiacutea en que su caraacutecter exclusivista entorpeciacutea la unidad del sistema imperial Si uniacutea su suerte a la de los cristianos no conseguiriacutea ninguna ventaja a menos que eacutestos permanecieran unidosrdquo

197 ldquoO primeiro problema de dentro da Igreja de que o imperador Constantino teve que ocupar-se jaacute alguns meses apoacutes a vitoacuteria sobre Maxecircncio nos permite contemplar em accedilatildeo o jogo contrastado destas tendecircncias trata-se do cisma africano dos donatistas a mais grave das crises locais suscitadas pelas consequumlecircncias da perseguiccedilatildeo de Dioclecianordquo DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova Histoacuteria da Igreja Petroacutepolis Vozes 1973 vI p 255 Segundo RIBEIRO JR Joatildeo Pequena histoacuteria das heresias Campinas Papirus 1989 p32 ldquoDoutrinariamente os donatistas entendiam que quem peca natildeo pertence mais agrave Igreja e fora da Igreja todos

os sacramentos satildeo invalidados Assim eles queriam expulsar todos os bispos e padres lsquopecadoresrsquo bem como

os fieacuteis que os acompanhavamrdquo

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sincreacuteticas da eacutepoca com tendecircncia monoteiacutesta [] A este motivo de educaccedilatildeo deve acrescentar-se uma razatildeo poliacutetica [] pode considerar serenamente a poliacutetica seguida pelos grandes imperadores que o haviam precedido no empenho de reorganizar o Impeacuterio A batalha empreendida por Deacutecio Valeriano e sobretudo Diocleciano contra o cristianismo havia fracassado por completo A Igreja catoacutelica era jaacute extraordinariamente forte pelo que era impossiacutevel destruiacute-la Natildeo seria mais eficaz para o mesmo Impeacuterio aproveitar-se desta forccedila jovem Esta deve ter fascinado durante muito tempo o nobre Constantino pois o conhecimento que possuiacutea dos cristatildeos havia levado ao seu acircnimo a convicccedilatildeo de que o cristianismo natildeo constituiacutea obstaacuteculo algum para o Impeacuterio e melhor se prestava a robustececirc-lo sobre novas bases A tudo isso se acrescenta uma terceira razatildeo [hellip] O

desenvolvimento mesmo dos acontecimentos conduziu as coisas de tal modo que colocou Constantino em uma espeacutecie de necessidade em se declarar a favor dos cristatildeos ao que deve complementar alguma intervenccedilatildeo mais ou menos sobrenatural por parte da Providecircncia 198

Esta terceira razatildeo refere-se ao episoacutedio da batalha entre Constantino e Maxecircncio na

Ponte Miacutelvio quando aquele teria vencido este em razatildeo do seu lsquoespiacuterito religiosorsquo As

motivaccedilotildees que provocaram a adesatildeo ao cristianismo por parte do imperador foram conforme

o autor a educaccedilatildeo que obteve e o modelo do pai os exemplos de gestotildees anteriores em que

os governantes prejudicaram essa religiatildeo - como tambeacutem a si mesmos e os acontecimentos

poliacuteticos vivenciados por Constantino em seu periacuteodo

O historiador Paul Veyne apresenta uma concepccedilatildeo mais extensiva sobre a aparente

visatildeo de Constantino no contexto do conflito da Ponte Miacutelvio A crenccedila em uma experiecircncia

de intervenccedilatildeo divina atraveacutes de visotildees ou sonhos em favor de determinado indiviacuteduo grupo

ou povo natildeo era uma exclusividade cristatilde mas existia tambeacutem e anteriormente entre os

pagatildeos

198 Llorca Bernardino Historia de la Iglesia Catolica Tomo I Edad Antigua La Iglesia en el mundo

grecorromano Nebrija Madrid 1955 p 383-386 ldquoLa primera fueacute el desarrollo de su educacioacuten Esta fue ciertamente pagana y conforme al estilo tradicional romano pero ya desde un principio tuvo por modelo a su padre Constancio Cloro en sus buenos sentimientos para con los cristianos Por otra parte consta por multitud de monedas de Constantino que en su vida religiosa adoraba al sol invicto que era una de las religiones sincretiacutesticas de la eacutepoca con tendencia monoteiacutesta [hellip] A este motivo de educacioacuten debe antildeadirse una razoacuten

poliacutetica [hellip] pudo considerar serenamente la poliacutetica seguida por los grandes emperadores que le habiacutean precedido en el empentildeo de reorganizar el Imperio La batalla emprendida por Decio Valeriano y sobre todo Diocleciano contra el cristianismo habiacutea fracasado por completo La Iglesia catoacutelica era ya extraordinariamente fuerte por lo cual era imposible destruirla iquestNo seriacutea maacutes eficaz para el mismo Imperio aprovecharse de esta fuerza joven Esta idea debioacute de fascinar durante mucho tiempo al noble Constantino pues el conocimiento que poseiacutea de los cristianos habiacutea llevado a su aacutenimo la conviccioacuten de que el cristianismo no constituiacutea obstaacuteculo alguno para el Imperio y maacutes bien se prestaba a robustecerlo sobre nuevas bases A todo esto se antildeade una tercera razoacuten [hellip] El desarrollo mismo de los acontecimientos condujo las cosas de tal modo que

puso a Constantino en una especie necesidad de declararse a favor de los cristianos a lo cual debe antildeadirse alguna intervencioacuten maacutes o menos sobrenatural por parte de la Providenciardquo

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Constantino era um decisor luacutecido Natildeo nos deixemos enganar por prodiacutegios que na sua eacutepoca eram banais Sim em 310 Constantino ldquoviurdquo Apolo

anunciar-lhe um reinado muito longo em 312 teve num sonho ou numa visatildeo a revelaccedilatildeo do ldquosinalrdquo cristatildeo que lhe facultaria a vitoacuteria Sim esta

vitoacuteria foi miraculosa Mas nesta eacutepoca era normal em toda a gente nos cristatildeos e nos pagatildeos receber a ordem de um deus num sonho que era portanto uma verdadeira visatildeo era tambeacutem frequente que uma vitoacuteria se devesse agrave intervenccedilatildeo de uma divindade Reduzido ao seu conteuacutedo latente o sonho de 312 natildeo determinou a conversatildeo de Constantino antes prova que ele acabava de decidir por converter-se ou se jaacute se convertera haacute alguns meses por desfraldar publicamente os sinais da sua conversatildeo 199

Outrossim para o autor Constantino creu em Deus nas promessas do Senhor para os

obedientes em seu caraacuteter salviacutefico e no que poderia ser feito em todo um impeacuterio atraveacutes da

sua atuaccedilatildeo enquanto imperador Para Veyne o governante teve um relacionamento genuiacuteno

com Deus tanto que afirma ldquoConfessionais ou descrentes os historiadores estatildeo hoje de

acordo para ver em Constantino um crente sincerordquo 200

Na Histoacuteria Eclesiaacutestica natildeo percebemos a existecircncia de um momento especiacutefico da

trajetoacuteria de Constantino em que houve uma experiecircncia dele com o Deus judaico-cristatildeo a

qual teria mudado sua visatildeo a respeito do cristianismo Na obra as primeiras manifestaccedilotildees

constantinianas relatadas aparecem jaacute em consonacircncia com a religiatildeo cristatilde Mais do que isso

antes mesmo de o imperador agir de forma beneacutefica em relaccedilatildeo a ela promovendo leis

favoraacuteveis aos cristatildeos ele eacute descrito como sendo o escolhido de Deus para governar ldquo[]

Constantino imediatamente proclamado desde o iniacutecio imperador absoluto e augusto pelas

legiotildees e muito antes destas pelo proacuteprio Deus imperador universal mostrou-se coacutepia de seu

pai na piedade para com nossa doutrinardquo201

Para Euseacutebio Constantino era legiacutetimo pois fora escolhido por Deus a quem o bispo

reverenciava e adorava Necessaacuterio era demonstrar a legitimidade dele como imperador diante

da comunidade cristatilde Os argumentos que a Histoacuteria Eclesiaacutestica utiliza para realizar essa

tarefa satildeo aleacutem da escolha divina de Constantino enquanto condutor e liacuteder do povo romano

o documento do Edito de Milatildeo que concedeu liberdade aos cristatildeos e principalmente o

destaque para as virtudes do governante e os viacutecios de seus oponentes Ambos virtudes e

viacutecios na Histoacuteria Eclesiaacutestica satildeo constituiacutedos com base na proximidade e atitudes boas ou

natildeo no que tange agrave religiatildeo cristatilde

199 VEYNE Paul op cit p64 200 Ibidem p56 201 HE VIII XIII XIV

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Legitimidade do poder imperial pautada nas virtudes

Obras de diferentes gecircneros foram responsaacuteveis por buscar a legitimaccedilatildeo do poder

poliacutetico ao longo da Antiguidade laudaccedilotildees 202 panegiacutericos 203 e histoacuterias 204 satildeo alguns

exemplos Um caso especiacutefico eacute o do imperador Otaacutevio Augusto o qual elaborou a Res

Gestae para fundamentar e aprofundar a legitimidade de seu governo proclamando-se

detentor natildeo soacute da potestas como tambeacutem da auctoritas 205 Maria Helena da Rocha Pereira

sustenta que a auctoritas ldquonatildeo se trata de uma norma com efeito vinculativo de uma

prerrogativa bem definidarsquo Citando a descriccedilatildeo de Poumlschl prossegue lsquoEacute um valor intriacutenseco

202 Lat laudatio louvor elogio (Dicionaacuterio Latim-Portuguecircs Editora Porto) Sabine MacCormack em ldquoArt and

Ceremony in Late Antiquity p6 e SCalderone em ldquoLe culte des souveraines dans lrsquoEmpire Romainrdquo p 215

demonstram diferentes ocasiotildees em que a laudatio imperial era pronunciada (Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 nota 1)

203 Em oratoacuteria discurso ou sermatildeo em louvor de algo ou algueacutem Elogio enfaacutetico de algo ou algueacutem (Dicion da Real Academia Espantildeola) Lat panegyrĭcus gr πανηγυρικός originalmente na antiga Greacutecia discurso de caraacuteter laudatoacuterio ou persuasivo que era pronunciado nas reuniotildees festivas do povo na antiga Roma discurso celebrativo em honra de um personagem ilustre ex panegiacuterico de Pliacutenio a Trajano (Dicion Treccani) Manuel J Rodriacuteguez Gervaacutes trabalha com panegiacutericos latinos tardo-imperiais em diversos artigos e no livro ldquoPropaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperiordquo Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991

204 Na antiguidade claacutessica fazia referecircncia a personagens e eventos que por sua importacircncia destinavam-se a ser recordados pela posteridade (Dicion Treccani) A tardo-antiguidade eacute herdeira desse pensamento e imprime tal concepccedilatildeo tambeacutem nas obras historiograacuteficas cristatildes as quais poderiam ter quatro finalidades dentro da perspectiva de salvar os fatos do esquecimento testemunhal edificadora terapecircutica e apologeacutetica (Salor Eustaquio Saacutenchez Historiografiacutea latino-cristiana princiacutepios contenido forma Roma Lrsquoerma di

Bretschneider 2006 p 55) Salor afirma ainda ldquoEn principio el ideal del historiador antiguo es la totalidad del relato el relato debe ser completo o al menos lo maacutes completo posible Esta tendencia a la plenitud del relato tiene su reflejo en la frecuencia con que la historiografiacutea antigua recurre a foacutermulas de recopilacioacuten que dan la impresioacuten de que todo el relato anterior estaacute ya acabadordquo (p51) A histoacuteria que engloba a memoacuteria e possui caraacuteter de veracidade (Aroacutestegui Julio Retos de la memoria e trabajos de la historia Pasado y Memoria Alicante Espagrafic 2004 n3) tem importante funccedilatildeo ideoloacutegica ao poder poliacutetico-institucional tanto para o periacuteodo claacutessico-heleniacutestico quanto para o tardo-antigo

205 ldquoin consulatu sexto et septimo postquam bella ciuilia exstinxeram per consensum uniuersorum potitus rerum omnium rem publicam ex mea potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli quo pro merito meo senatus consulto Augustus appellatus sum et laureis postes aedium mearum uestiti publice coronaque ciuica super ianuam meam fixa est et clupeus aureus in curia Iulia positus quem mihi senatum populumque Romanum dare uirtutis clementiaeque et iustitiae et pietatis caussa testatum est per eius clupei inscriptionem post id tempus auctoritate omnibus praestiti potestatis autem nihilo amplius habui quam ceteri qui mihi quoque in magistratu conlegae fuerunt tertium decimum consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus uniuersus appellauitme patrem patriae idque in uestibulo aedium mearum inscribendum et in curia Iulia et in foro Aug sub quadrigis quae mihi ex sc positae sunt censuit cum scripsi haec annum agebam septuagensumum sextumrdquo (Res gestae 345) ldquoNo consulado sexto e seacutetimo depois que eu extingui as

guerras civis tendo obtido o controle de todas as coisas por consenso universal transferi os assuntos puacuteblicos do meu poder ao arbiacutetrio do Senado e do povo romano De acordo com meu meacuterito por decreto do Senado fui nomeado Augusto e vesti publicamente os umbrais da minha casa com louros tambeacutem foi fixada uma coroa ciacutevica acima da minha porta Foi colocado um escudo de ouro na cuacuteria Juacutelia que me foi dado pelo Senado e povo romano em honra da virtude clemecircncia justiccedila e piedade e por meio da inscriccedilatildeo foi por eles atestada Depois desse tempo superei todos em autoridade poreacutem o poder que tive natildeo foi em nada maior do que o dos outros que tambeacutem foram meus colegas de magistratura No 13ordm consulado enquanto eu governava o Senado a ordem equumlestre e todo o povo romano me intitularam pai da paacutetria e decidiram que isso seria inscrito no vestiacutebulo da minha casa na cuacuteria Juacutelia e no foacuterum Augusto abaixo da carruagem que foi concedida a mim por um senado consulto Quando terminei de escrever essas coisas eu vivia meu 76ordm anordquo (traduccedilatildeo livre)

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que ldquonatildeo se exerce pela funccedilatildeo pela persuasatildeo e convicccedilatildeo mas apenas e somente pelo peso

da pessoa ou corporaccedilatildeo que toma ou sanciona uma decisatildeordquo Eacute um conceito da esfera poliacutetica

e moralrdquo 206

Durante a Antiguidade Tardia a relevacircncia da Escrita cresceu consideravelmente e a

proacutepria escrita tornou-se cerne de legitimaccedilatildeo Isso eacute expliacutecito na produccedilatildeo de histoacuterias

durante o periacuteodo em questatildeo que serviam como veiacuteculo de afirmaccedilatildeo da ordem social

segundo a perspectiva de ser a histoacuteria a descriccedilatildeo dos acontecimentos passados pelos quais

podemos conhecer o que se passou A histoacuteria era considerada a memoacuteria escrita (e

confirmada) a verdade e portanto rica ao poder poliacutetico-institucional

Eacute em meio ao panorama acima mencionado que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos

elaboram seus relatos Os panegiacutericos por exemplo satildeo documentos preciosos para auxiliar

nossa percepccedilatildeo quanto agrave criaccedilatildeo de diferentes representaccedilotildees dos governantes Na conjuntura

da atuaccedilatildeo de Constantino diversas virtudes satildeo construiacutedas pelos panegiristas as quais

amparavam seu poder e autoridade Manuel Gervaacutes afirma

Empregamos o teacutermino ldquovirtudesrdquo para designar uma seacuterie de qualidades que satildeo atribuiacutedas a Constantino Para uma melhor compreensatildeo dividimo-las em trecircs grupos qualidades de caraacuteter sagrado outras virtudes de caraacuteter civil ou laico e por fim de caracteres morais A divisatildeo que realizamos eacute meramente operativa pois estes trecircs aspectos formam um todo ideoloacutegico que cumpre a funccedilatildeo de justificar as realidades econocircmicas e poliacuteticas da etapa constantiniana 207

Ao longo de seu artigo satildeo elencadas as seguintes virtudes de Constantino com base no

exposto acima 1sagradas sacratissimus numen maiestas aeternitas pietas virtus felicitas

fortuna 2civis prudentia clementia iustitia libertas 3morais pureza de costumes

temperanccedila Thiago David Stadler 208 discorre sobre algumas delas

Virtus[] relaccedilatildeo com a boa conduta a constacircncia a adequaccedilatildeo nas quais se mesclam preceitos de coragem tenacidade e alma Eacute esse o vocaacutebulo que

206PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p352 207 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS MJ Las virtudes del emperador Constantinohellipp241 O autor utiliza-se dos

panegiacutericos dirigidos a Constantino E Galletier Paneacutegiryques Latins Paris 1959 Vol II ldquoEmpleamos el

teacutermino laquovirtudesraquo para designar una serie de cualidades que le son atribuidas a Constantino Para una mejor comprensioacuten las hemos dividido en tres apartados unas cualidades de caraacutecter sagrado otras virtudes de caraacutecter civil o laico y por uacuteltimo unos caracteres morales La divisioacuten que realizamos es meramente operativa puesto que estos tres aspectos forman un todo ideoloacutegico que cumple con la funcioacuten de justificar las realidades econoacutemicas y poliacuteticas de la etapa constantinianardquo

208STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013

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constantemente se relaciona agrave palavra grega Arete significando lsquoo melhor

dos homensrsquo Se esse homem em tempos de guerra e expansatildeo ostentasse a

virtus teria como consequecircncia a victoria o que o caracterizaria como invictus Eacute importante salientar que essa virtude adornou os imperadores romanos de Augusto a Teodoacutesio com uma particularidade que natildeo dizia respeito apenas agrave sua conduta a virtus deveria ser outorgada pelos deuses Com isso o imperador conquistava fama e honra 209

Pietas [] ela natildeo entra no rol das gloacuterias pessoais mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outros Isso nos meandros da vida puacuteblica condiz com as noccedilotildees de que a) o governante com pietas tem um viacutenculo de dever e afeto com seus cidadatildeos b) o governado que apresenta a pietas deve ser leal a seu liacuteder Dessa forma se as pessoas que cercam o soberano possuem a pietas as accedilotildees e os comportamentos do liacuteder certamente condizem com o esperado pelos subordinados fazendo assim com que ele mereccedila a lealdade de todos os seus suacuteditos Poreacutem assim como a virtus a pietas tambeacutem estaacute relacionada ao divino O soberano que ostenta essa virtude estaacute dotado de um signo subjetivo da graccedila divina sendo caracterizado como o ponto de partida de todos os acordos entre deuses e imperadores 210

Felicitas e fortuna [] essas virtudes possuem ligaccedilatildeo com o aspecto militar natildeo no sentido da victoria mas delineando as caracteriacutesticas da felicidade da fortuna e dos bons espiacuteritos com que as pessoas poderiam viver no momento da Pax [augusta] Para aleacutem de querermos personificar essas virtudes entendemos que a felicitas e a fortuna respondiam agrave seguranccedila e agrave tranquumlilidade que o liacuteder conseguia passar aos seus subordinados De acordo com as crenccedilas romanas a felicitas era o signo objetivo da ajuda dos deuses ao imperador 211

Sobre a Aeternitas Thiago Stadler afirma ldquo[] Desde a personificaccedilatildeo sagrada dos

imperadores a partir de Augusto a aeternitas figurou dentre as virtudes imperiais e seu

significado eacute igual ao de immortalitas ou seja relaciona-se aacutes noccedilotildees de eterno imortal e

infinito []rdquo 212 Em relaccedilatildeo agrave clementia Maria Helena da Rocha Pereira acentua ldquoTermo

poliacutetico especialmente adequado a finalidades de propaganda []rdquo 213E continua

Dizem alguns prossegue que eacute seu contraacuterio a severitas mas na verdade eacute a crudelitas que se lhe opotildee Deve natildeo obstante distinguir-se de misericordia que eacute uma doenccedila da alma [] A clementia tem livre arbiacutetrio julga segundo a equidade e o bem eacute mais completa do que o perdatildeo mais honesta e nenhuma virtude eacute mais humana Aliaacutes natildeo conveacutem perdoar indistintamente mas agravequeles que satildeo susceptiacuteveis de regressar ao bem Estaacute

209 Ibidem p 117 210 Ibidem p 120 211 Ibidem p130 212 Ibidem p122-123 213 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p358

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em conformidade com a natureza do homem mas sobretudo dos imperadores que tecircm a melhor ocasiatildeo de a manifestar 214

As virtudes se elas definiam um bom governante anteriormente fazem o mesmo agora

se antes eram vinculadas ao divino o satildeo tambeacutem agora poreacutem de maneira diversa O

governante ideal ao tempo de Constantino precisava temer e obedecer ao Deus cristatildeo

oferecendo devoccedilatildeo somente a ele buscar a paz e levar agraves pessoas ao respeito e agrave adoraccedilatildeo

Mais que isso tinha o dever de servir como exemplo aos seus subordinados constituindo-se

em uma imagem do Senhor na Terra 215

214PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos in Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 362-363 Apud Secircneca Da Clemencia II 4 II 5 I 3

215GURRUCHAGA Martiacuten Introduccioacuten In Eusebio de Cesarea Vida de Constantino Madrid Editorial Gredos 1994 p87 diz o seguinte ldquoDetraacutes de los rasgos de Constantino tras sus movimientos

paradigmaacuteticamente providenciales victoriosos piadosos y felices en el fondo del cuadro en la selecioacuten de hechos y documentos en todo lo que conforma la Vita Const hay un proyecto una ideologiacutea la idea del monarca un arquetipo para los herederos en el esforzarse por realizar una mimesis del Loacutegos-Rey Cristo para convertir el imperio en un eikoacuten del reino celeste del Padrerdquo

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Capiacutetulo 3 As virtudes constantinianas no olhar de Euseacutebio

Uma maneira que tanto autores cristatildeos quanto pagatildeos possuiacuteam na tardo-antiguidade

para expressar as impressotildees e anseios em relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo dos liacutederes imperiais era a

construccedilatildeo ideoloacutegica destes atraveacutes de virtudes 216 Segundo Thiago David Stadler

[] tendemos a categorizar o conceito de virtude agregando a ele outras palavras que unam o abstrato ndash o conceito ndash ao concreto ndash o empiacuterico - na tentativa de formar um fluxo contiacutenuo entre essas duas realidades Assim por exemplo surgem as virtudes morais poliacuteticas teoloacutegicas cardeais e imperiais em que a complementaridade da palavra justaposta natildeo retira o traccedilo comum de todas elas a formaccedilatildeo de conjuntos nos quais as qualidades aliam-se agrave habitual praacutetica do bem Nota-se que a especificaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica de cada categoria da virtude recai dessa forma na maneira como o conceito aliar-se-aacute agrave ldquoexcelecircncia humanardquo ligada agrave noccedilatildeo do reconhecidamente melhor 217

Em contraposiccedilatildeo agrave virtude e ao homem ldquoreconhecidamente melhorrdquo estaacute o viacutecio assim

definido por Stadler

A ligaccedilatildeo direta entre o conceito [virtude] e seu antocircnimo aparece como uma possibilidade interessante nessa caracterizaccedilatildeo Com isso podemos dizer que se pensamos nas distinccedilotildees propostas pelo pensador grego Soacutecrates cada virtude e todas se reduzem essencialmente ao conhecimento e por conseguinte cada viacutecio e todos se reduzem agrave ignoracircncia que eacute o contraacuterio do conhecimento 218

Mais do que uma nomeaccedilatildeo definida as virtudes consistiam numa ideia ou conceito

que almejava imprimir determinada visatildeo e valores de um governante aos seus conterracircneos

para engrandececirc-lo o mesmo pode ser dito a respeito dos viacutecios mas com a intenccedilatildeo de

denegrir o liacutedergovernante Para aleacutem disso Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes alega que ldquoO estudo

das virtudes permite aproximarmo-nos natildeo apenas da concepccedilatildeo do poder imperial como

tambeacutem nos ajuda a compreender a conjuntura poliacutetica em que estavam imersos [] os

imperadores []219 A respeito da finalidade e funccedilatildeo das virtudes assinala o autor

216 A palavra latina uirtus (virtude) deriva do vocaacutebulo uir (varatildeo homem) 217STADLER Thiago David O Impeacuterio Romano em cartas ndash Gloacuterias romanas em papel e tinta Pliacutenio o

Jovem e Trajano 98113 dC Curitiba Juruaacute 2013 p 84-85 218 Ibidem p 85 219RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos

del bajo imperio Salamanca Ediciones Universidad de Salamanca 1991 p77 ldquoEl estudio de las lsquovirtudesrsquo

permite acercarnos no soacutelo a la concepcioacuten del poder imperial sino tambieacuten nos ayuda a comprender la coyuntura poliacutetica en la que estaacuten inmersos [hellip] los emperadores [hellip]rdquo

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Os suportes mais frequentemente empregados para difundir esta propaganda satildeo os discursos de exaltaccedilatildeo pronunciados em ocasiotildees mencionadas as inscriccedilotildees em edifiacutecios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo e as moedas concretamente a lenda dos reversos As ldquovirtudesrdquo teriam pois a

funccedilatildeo de elaborar formalizar e intensificar a imagem imperial com o objetivo baacutesico de criar uma estrutura poliacutetica unitaacuteria 220

Euseacutebio de Cesareia quando escreveu o final do livro oitavo os livros nono e deacutecimo

da Histoacuteria Eclesiaacutesticavivia a instabilidade poliacutetica do mundo romano a existecircncia do poder

imperial descentralizado as divisotildees territoriais do Impeacuterio e as usurpaccedilotildees e tiranias Eacute

natural que como bispo de uma importante proviacutencia romana e enquanto um homem erudito

pensasse a respeito da ldquoinstituiccedilatildeo poliacutetica maiorrdquo que regia a ele e a seus pares aleacutem das

questotildees religiosas que lhe eram essenciais

Ora Constantino fazia parte dessa ldquoalta poliacuteticardquo e estava envolvido com o cristianismo

criando leis e aplicando-as em favor dos cristatildeos Contudo ele natildeo era o uacutenico imperador nem

o maior deles e enfrentava constantes oposiccedilotildees ao seu exerciacutecio do poder Portanto fazia-se

necessaacuterio demonstrar a grandiosidade das suas accedilotildees e a necessidade de tornar seu governo

mais forte e unificado Pensamos que essas ideias nortearam Euseacutebio a integrar no seu relato

as virtudes atribuiacutedas a Constantino com a finalidade de legitimaacute-lo em detrimento dos

oponentes Assim o bispo empreende na Histoacuteria Eclesiaacutestica a distribuiccedilatildeo de virtudes ao

imperador Constantino 221 em paralelo aos viacutecios que incumbiu aos seus adversaacuterios

Maxecircncio 222 e Liciacutenio 223

Constantino e Maxecircncio

Constantino eacute apresentado pela primeira vez na Histoacuteria Eclesiaacutestica no livro VIII

quando Euseacutebio discorre sobre os eventos referentes agraves perseguiccedilotildees contemporacircneas aos

cristatildeos O livro VIII foi escrito por Euseacutebio possivelmente em uma segunda ediccedilatildeo da

220Ibidem loc cit ldquoLos soportes maacutes frecuentemente empleados para difundir esta propaganda son los discursos

de alabanza pronunciados en ocasiones sentildealadas las inscripciones en edificios puacuteblicos especialmente Arcos de Triunfo y las monedas concretamente la leyenda de los reversos Las ldquovirtudesrdquo teniacutean pueacutes la

funcioacuten de elaborar formalizar e intensificar la imagen imperial con el objetivo baacutesico de crear una estructura poliacutetica unitariardquo

221 As virtudes constantinianas que aparecem nos livros VIII IX e X constam no anexo IV 222 O anexo V apresenta os viacutecios de Maxecircncio contidos nos livros VIII e IX da Histoacuteria Eclesiaacutestica 223 Os viacutecios de Liciacutenio referentes ao livro X estatildeo citados no anexo VI Nem todas as virtudes e viacutecios

mencionados nas tabelas dos anexos seratildeo abordados

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obra224 na conjuntura em que Liciacutenio derrota Maximino nele o bispo trata com ecircnfase as

ldquotiraniasrdquo de Maximino e Maxecircncio Na introduccedilatildeo desse livro o autor preludia

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessatildeo dos apoacutestolos cremos que eacute um de nossos mais necessaacuterios deveres transmitir neste oitavo livro para conhecimento tambeacutem dos que viratildeo depois de noacutes os acontecimentos de nosso proacuteprio tempo pois merecem uma exposiccedilatildeo escrita bem pensada E nosso relato teraacute seu comeccedilo a partir deste ponto 225

Como estaacute expresso Euseacutebio fornece um cuidado diferenciado ao que entatildeo escreveraacute

demonstrando a relevacircncia que concedia aos acontecimentos de seu momento presente sem

desvinculaacute-lo claro de todo um processo que se desenvolveu desde o iniacutecio da Era Cristatilde A

partir desse trecho podemos inferir que o bispo ateacute mesmo conectou a atuaccedilatildeo dos Apoacutestolos

os quais defenderam sempre o cristianismo diante de todas as dificuldades e oposiccedilotildees ao

governante Constantino que eacute apresentado neste livro como guardiatildeo da verdade contida na

religiatildeo cristatilde Os Apoacutestolos eram os seguidores de Jesus Cristo e propagadores do Evangelho

os primeiros foram os doze contidos na descriccedilatildeo do Novo Testamento 226 passando por

outros homens de Deus ao longo dos seacuteculos seguintes entre os quais se encontravam

evangelistas liacutederes espirituais e bispos

Euseacutebio fala sobre os antecedentes da perseguiccedilatildeo contemporacircnea 227 incluindo a

destruiccedilatildeo das igrejas 228 e a postura dos cristatildeos ao enfrentarem as perseguiccedilotildees 229 Em

seguida comenta sobre diversos casos em diferentes localidades (Feniacutecia Egito Tebaida

Alexandria Friacutegia) em que os maacutertires vivenciaram as impugnaccedilotildees deixando para a Histoacuteria

a memoacuteria de seu sofrimento 230 Na continuidade o erudito trata dos chefes da Igreja que

deram a vida em prol da autenticidade do cristianismo satildeo eles Antimos bispo da cidade de

Nicomeacutedia Luciano presbiacutetero antioquino Tiranion bispo da igreja de Tiro Zenoacutebio

224 Essa interpretaccedilatildeo eacute a de Edward Schwartz Existem outras que propotildeem dataccedilotildees diferentes como a de

Lightfoot ldquocreia ya en 1880 que Eusebio debio de escribir los libros I- IX mucho despues de la publicacion del edicto de Milan (313) y que a ellos anadio el X entre 323 y 325rdquo (Eusebio de Cesarea Historia eclesiaacutestica Trad e Introd de Argimiro Velasco-Delgado p41) Seguimos a visatildeo de Schwartz por ele ser mais aceito entre os estudiosos

225 HE introduccedilatildeo do livro VIII 226 ldquo[Jesus] Chamou os doze apoacutestolos e deu-lhes autoridade de expulsar os espiacuteritos impuros e de curar toda

sorte de males e enfermidades Estes satildeo os nomes dos doze apoacutestolos primeiro Simatildeo tambeacutem chamado Pedro e Andreacute seu irmatildeo Tiago filho de Zebedeu e Joatildeo seu irmatildeo Filipe e Bartolomeu Tomeacute e Mateus o publicano Tiago o filho de Alfeu e Tadeu Simatildeo o Zelota e Judas Iscariotes aquele que o entregourdquo (Mateus 10 1-4 Biacuteblia de Jerusaleacutem)

227 VIII I 228VIII II 229 VIII III 230 VIII IV-XI

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sacerdote da igreja de Siacutedon Silvano bispo das igrejas de Emesa Silvano bispo das igrejas

de Gaza Peleu e Nilo bispos egiacutepcios Pacircnfilo sacerdote de Cesareia ldquoo mais admiraacutevel de

nossos coetacircneosrdquo Pedro bispo de Alexandria Fausto Dios Amocircnio ldquoperfeitos maacutertires de

Cristordquo Fiacuteleas Hesiacutequio Paquiacutemio Teodoro bispos das igrejas do Egito ldquoaleacutem de milhares

de outros cristatildeos ilustres comemorados nas comunidades por regiatildeo e localidaderdquo231 Todos

estes foram considerados maacutertires 232 por Euseacutebio

Logo apoacutes esse arrolamento aparecem Constacircncio Cloro e o filho Constantino natildeo

como maacutertires poreacutem como benfeitores para com o cristianismo diante de um extenso quadro

de perseguiccedilotildees sendo a uacuteltima a executada sob Diocleciano (303-311) Natildeo obstante

frisamos a dimensatildeo do aparecimento de Constantino nesse momento do relato

primeiramente porque Euseacutebio expotildee a assunccedilatildeo do novo governante em detrimento do pai

algo notaacutevel para o autor por ser um evento poliacutetico-institucional segundo e mais importante

por Constantino ser apresentado como um continuador do pai Constacircncio Cloro no que se

refere ao posicionamento propiacutecio frente agrave religiatildeo cristatilde

As primeiras qualidades que Euseacutebio confere a Constantino satildeo a prudecircncia e a piedade

ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em tudordquo 233 e conecta a virtude da piedade agrave procedecircncia do

pai ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo 234 Para Manuel

Rodriacuteguez Gervaacutes a prudentia estaacute associada agrave afirmaccedilatildeo da auctoritas de Constantino e

corresponde agrave busca e manutenccedilatildeo da unidade do sistema poliacutetico aleacutem de ter como sua

semelhante a providentia

O objetivo poliacutetico de Constantino como o de qualquer outro imperador eacute uma vez conseguido o poder manter o sistema soacutecio-poliacutetico herdado e para isso tem que fazer frente aos perigos externos Para poder cumprir tal missatildeo satildeo necessaacuterias qualidades como a providentia e um conceito afim em alguns casos como a prudentia ambos tecircm em comum salvaguardar o Impeacuterio contra a desagregaccedilatildeo Como que se intenta demonstrar que o poder de Constantino proveacutem de seus antepassados [] se lhe concedem qualidades detidas por seu pai tais como a prudentia ou a providentia Esta virtude permite a Constantino atuar com acerto diante dos inimigos caso da

231 VIII XIII I-VII 232Andreacuteia Cristina Lopes Frazatildeo da Silva discursa sobre as caracterizaccedilotildees dos maacutertires na Histoacuteria Eclesiaacutestica

de Euseacutebio Reflexotildees Sobre os Martiacuterios a Obra Histoacuteria Eclesiaacutestica de Euseacutebio de Cesareacuteia e a Hagiografia cristatilde In CICLO DE DEBATES EM HISTOacuteRIA ANTIGA 18 Rio de Janeiro 2008 Dialogando com Clio Anais Eletrocircnicos do XVIII Ciclo de Debates em Histoacuteria Antiga Rio de Janeiro Lhia 2008 p 1-26

233 VIII XIII XIII 234 VIII XIII XIV

90

batalha de Roma frente a Maxecircncio ou resolver os problemas dos cidadatildeos romanos sobrecarregados pelos impostos e as maacutes colheitas 235

Falemos um pouco a respeito da virtude da piedade Sem duacutevida de todas as

caracterizaccedilotildees dadas a Constantino na Histoacuteria Eclesiaacutestica a piedade eacute a que mais aparece

Em quase todas as vezes que ela eacute mencionada Euseacutebio faz referecircncia ao procedimento do

liacuteder imperial com relaccedilatildeo ao cristianismo ou agrave disposiccedilatildeo e postura dele quanto agrave divindade

cristatilde A piedade constantiniana em Euseacutebio eacute portantocristatilde

Assim pois Constantino que como jaacute dissemos anteriormente eacute imperador filho de imperador e varatildeo piedoso filho de um pai piedoso e prudentiacutessimo em tudo foi levantado contra os iacutempios tiranos [Maxecircncio e Maximino] pelo Imperador supremo o Deus do universo e Salvador E quando determinou-se a lutar segundo a lei da guerra combatendo como aliado dele Deus da maneira mais extra-ordinaacuteria Maxecircncio caiu em Roma ao impacto de Constantino [] 236

Em outro momento Constantino aparece como piedoso junto a Liciacutenio

Esta foi a causa que o obrigou Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais [Constantino e Liciacutenio] que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus 237

Nas duas referecircncias de piedade acima apontadas (ldquoprudentiacutessimo e muito piedoso em

tudordquo e ldquomostrou-se coacutepia de seu pai na piedade para com nossa doutrinardquo) essa virtude eacute

235RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p94 ldquoEl objetivo poliacutetico de Constantino como el de cualquier otro emperador es una vez conseguido el poder mantener el sistema socio-poliacutetico heredado y para ello tiene que hacer frente a los peligros externos Para poder cumplir tal cometido son necesarias cualidades como la providentia y un concepto afiacuten en algunos casos como la prudentia ambos tienen en comuacuten salvaguardar el Imperio contra la disgregacioacuten Al igual que se intenta demostrar que el poder de Constantino proviene de sus antepasados [hellip]

se le conceden cualidades detentadas por su padre tales como la prudentia o la providentia Esta virtud permite a Constantino actuar con acierto ante los enemigos caso de la batalla de Roma frente a Majencio o resolver los problemas de los ciudadanos romanos agobiados por los impuestos y las malas cosechasrdquo

236 IX IX I 237 IX X I

91

assinalada em consonacircncia agraves accedilotildees de Constantino relativamente agraves pessoas cristatildes ele foi

benigno agiu de forma diferente aos seus antecessores exceto o pai natildeo destruiu igrejas natildeo

maltratou nenhum cristatildeo natildeo proclamou nenhuma lei restritiva aos fieacuteis Em outra passagem

agora no livro IX no qual se destaca a morte dos ldquotiranosrdquo Maximino e Maxecircncio a piedade

do governante eacute associada agrave humildade Falamos do contexto em que Constantino vence

Maxecircncio em 312 e entra triunfalmente em Roma mas sem aceitar as honras segundo

Euseacutebio transferindo-as para Deus quem lhe proporcionara a vitoacuteria

Mas ele que possuiacutea a piedade para com Deus como algo inato sem perturbar-se o miacutenimo com as aclamaccedilotildees nem envaidecer-se com os louvores muito consciente de que a ajuda provinha de Deus ordena imediatamente que na matildeo de sua proacutepria estaacutetua se coloque o trofeacuteu da paixatildeo salvadora e ao ver que lha erigiam no lugar mais puacuteblico de Roma sustentando em sua matildeo direita o signo salvador ordena-lhes que gravem esta inscriccedilatildeo em liacutengua latina com suas proacuteprias palavras Com este siacutembolo salvador que eacute a verdadeira prova do valor salvei e livrei vossa cidade do jugo do tirano mais ainda livrei-a e a restituiacute ao senado e ao povo romanos em seu antigo renome e esplendor 238

No excerto a seguir fim do livro IX transparece que a piedade eacute coadunada agrave

eliminaccedilatildeo dos oponentes de Cristo por meio de lutas militares e agrave execuccedilatildeo legal de

benfeitorias acerca dos cristatildeos

[] Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 239

Esse momento diz respeito ao ldquoposluacutediordquo do episoacutedio em que Constantino vence

Maxecircncio no ocidente concomitante agrave vitoacuteria de Liciacutenio sobre Maximino Daia no oriente

Liciacutenio primeiro foi considerado por Euseacutebio de maneira semelhante a Constantino jaacute que era

bom para com os cristatildeos

E depois disto o proacuteprio Constantino e com ele Liciacutenio - que entatildeo ainda natildeo havia voltado seu pensamento para a loucura em que viria a dar mais

238 IX IX X-XI 239 IX XI VIII

92

tarde - depois de aplacar a Deus causa para eles de todos os bens ambos juntos por acordo e decisatildeo comum redigem uma lei perfeitiacutessima no mais pleno sentido em favor dos cristatildeos e enviam uma relaccedilatildeo dos portentos que Deus lhes havia feito - a vitoacuteria contra o tirano - e a proacutepria lei a Maximino que ainda imperava sobre os povos do Oriente e lhes fingia amizade 240

Para Maria Helena da Rocha Pereira a pietas define-se como

um sentimento de obrigaccedilatildeo para com aqueles a quem o homem estaacute ligado por natureza (pais filhos parentes) Quer dizer por conseguinte que liga entre si os membros da comunidade familiar unidos sob a eacutegide da patria potestas e projectada no preteacuterito pelo culto dos antepassados Estaacute pois firmada nos sentimentos religiosos dos Romanos que se sentiam protegidos pelos deuses Manes Lares e Penates e que pensavam que o dono da casa tinha o seu genius tutelar e a esposa era protegida por Juno Estabelecendo assim um viacutenculo afectivo entre os membros de uma famiacutelia a pietas alargava-se agrave divindade e acaba por compreender tambeacutem as suas relaccedilotildees com o Estado 241

Seguindo linha interpretativa semelhante Manuel Rodriacuteguez Gervaacutes ao abordar

especificamente a pietas constantiniana refere-se assim a ela

Por sua vez Constantino estaacute adornado de outras virtudes de tipo carismaacutetico como satildeo a pietas e a virtus A ldquopiedaderdquo permite a Constantino manter

boas relaccedilotildees com seu breve aliado Maximiano com seu pai ou com a mesma cidade de Roma concepccedilatildeo esta uacuteltima que em nossa mentalidade natildeo podemos deixar de ver como simplesmente metafoacuterica mas que serve para justificar a agressatildeo de Constantino a Maxecircncio Recordemos que o discurso foi pronunciado em Roma e diante de um Senado que devia ter presente as atuaccedilotildees favoraacuteveis de Maxecircncio para com a cidade 242

Gervaacutes menciona tambeacutem

Pietas eacute a interna e espiritual ligaccedilatildeo do sistema imperial romano No governante eacute um sentimento de dever e afeto para com os cidadatildeos romanos enquanto que nestes eacute uma submissatildeo leal do suacutedito a quem os governa Tradicionalmente era um sentimento de afetos e obrigaccedilotildees no acircmbito familiar entre pais e filhos Eacute o sinal subjetivo da graccedila divina e eacute a origem

240 IX IX XII 241PEREIRA Maria Helena da Rocha Ideias morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da

cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p326-327 242RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p93 ldquoA su vez Constantino estaacute adornado de otras virtudes

de tipo carismaacutetico como son la pietas y la virtus La ldquopiedadrdquo permite a Constantino mantener buenas relaciones con su breve aliado Maximiano con su padre o con la misma ciudad de Roma concepcioacuten esta uacuteltima que en nuestra mentalidad no podemos dejar de ver como simplemente metafoacuterica pero que sirve para justificar la agresioacuten de Constantino a Majencio Recordemos que el discurso fue pronunciado en Roma y ante un Senado que debiacutea tener presente las actuaciones favorables de Majencio para con la ciudadrdquo

93

do acordo entre os deuses e os imperadores em uacuteltima anaacutelise eacute o fundamento de todas as boas relaccedilotildees 243

De acordo com Thiago David Stadler a pietas ldquonatildeo entra no rol das gloacuterias pessoais

mas eacute ostentada por aqueles que cumprem deveres com os outrosrdquo 244 ao que podemos

condescender em relaccedilatildeo a como Constantino age face agraves necessidades cristatildes daquele

contexto quais eram o reconhecimento e a liberdade

Assim entendemos que Euseacutebio se utiliza de uma terminaccedilatildeo recorrente no mundo

imperial romano a pietas ligada agrave devoccedilatildeo religiosa para outorgar uma das definiccedilotildees mais

importantes de Constantino em seu olhar a adoraccedilatildeo a Deus que se expressava em atos

beneacuteficos para com Seus filhos Em contrapartida de acordo com a Histoacuteria Eclesiaacutestica

Maxecircncio agia de modo cruel e condenaacutevel tanto com relaccedilatildeo a Deus quanto aos moradores

do Impeacuterio conforme os seguintes trechos ilustram

Todos os que estavam a sua mercecirc plebeus e magistrados famosos e gente comum todos estavam cansados de tatildeo terriacutevel tirania e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidatildeo ainda assim natildeo mudava em nada a sanguinaacuteria crueldade do tirano Efetivamente agraves vezes com um pretexto fuacutetil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matanccedila contra o povo e assim foram assassinadas multidotildees incontaacuteveis do povo romano no meio da cidade e natildeo por obra das lanccedilas e armas dos citas e baacuterbaros mas dos proacuteprios cidadatildeos 245

Mas o cuacutemulo dos males levou o tirano agrave magia Com vistas agrave magia fazia abrir o ventre de mulheres graacutevidas escrutinar as entranhas de crianccedilas receacutem-nascidas ou degolar leotildees e criava algumas abominaacuteveis invocaccedilotildees sobre democircnios e um sacrifiacutecio conjurador da guerra pois ele tinha posto toda sua esperanccedila nestes meios para chegar agrave vitoacuteria Em consequumlecircncia enquanto ele esteve como tirano em Roma eacute impossiacutevel dizer o que fez para escravizar seus suacuteditos tanto que os proacuteprios viacuteveres mais necessaacuterios chegaram a uma escassez e penuacuteria tatildeo extremas como nossos contemporacircneos natildeo lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte 246

243Ibidem p79 ldquoPietas es la interna y espiritual ligazoacuten del sistema imperial romano En el gobernante es un

sentimiento de deber y afecto hacia los ciudadanos romanos mientras que en eacutestos es un sometimiento leal del suacutebdito hacia quien los gobierna Tradicionalmente era un sentimiento de afectos y obligaciones en el ambito familiar entre padres e hijos Es el signo subjetivo de la gracia divina y es el origen del acuerdo entre los dioses y los emperadores en definitiva es el fundamento de todas las buenas relacionesrdquo

244 STADLER Thiago David op cit p120 245 VIII XIV III 246 VIII XIV V-VI

94

Ao mesmo tempo que Constantino eacute visto como piedoso benevolente saacutebio digno

devoto e corajoso Maxecircncio eacute apresentado como um iacutempio tirano maldoso e covarde

Euseacutebio opotildee os dois governantes e pela fidelidade e reverecircncia atribuiacutedas ao primeiro em

relaccedilatildeo a Deus e a falta destas qualidades ao segundo quando incorre a batalha entre ambos eacute

Constantino quem recebe a vitoacuteria e conquista a cidade de Roma ateacute entatildeo dominada e

oprimida por Maxecircncio

Constantino foi o primeiro dos dois [ele e Liciacutenio] - primeiro tambeacutem em honra e dignidade imperiais - que mostrou moderaccedilatildeo com os oprimidos pelos tiranos em Roma Depois de invocar como aliado em suas oraccedilotildees ao Deus do ceacuteu e a seu Verbo e ainda ao proacuteprio Salvador de todos Jesus Cristo avanccedilou com todo seu exeacutercito tentando alcanccedilar para os romanos sua liberdade ancestral Maxecircncio sabemos confiava mais nos artifiacutecios da magia do que na benevolecircncia dos suacuteditos e na verdade natildeo se atrevia a dar um passo fora das portas da cidade apesar de que com a multidatildeo de hoplitas e com as inumeraacuteveis companhias de legionaacuterios cobria todo lugar toda regiatildeo e toda cidade todas as que tinha escravizadas em torno de Roma e em toda a Itaacutelia O imperador aferrado agrave alianccedila de Deus ataca o primeiro o segundo e o terceiro exeacutercito do tirano e depois de vencecirc-los a todos com facilidade avanccedila o mais que pode pela Itaacutelia ateacute muito perto de Roma 247

Neste trecho haacute trecircs virtudes importantes que satildeo conferidas a Constantino honor

dignitas e moderatio Conforme Maria Helena da Rocha Pereira a honor ldquo[] de etimologia

desconhecida tem uma ligaccedilatildeo muito clara agrave vida poliacutetica romana que se traduz quer nas

formas de reconhecimento puacuteblico [] quer na proacutepria expressatildeo cursus honorum que

marcava a progressiva ascensatildeo dos cidadatildeos aos cargos principais da Urberdquo 248 Para Manuel

Gervaacutes a honos 249 ldquofrequentemente se encontra associada a virtus como um culto

republicanordquo 250 A respeito da virtude da virtus que tem relaccedilatildeo com a pietas o autor declara

Entre as virtudes dos imperadores duas delas tinham um caraacuteter carismaacutetico eram a Pietas e a Virtus A Pietas era o sinal subjetivo da graccedila divina Constantino manteacutem boas relaccedilotildees com Roma ou com Maximiano breve aliado por certo graccedilas agrave Pietas esta virtude tem a funccedilatildeo de alcanccedilar a harmonia dos governantes entre si e dos governados com o governante A Virtus por sua parte eacute uma forccedila divina que estaacute acima de qualquer valor

247 IX IX II-IIIOs hoplitas eram os soldados da infantaria 248 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p336 249 ldquoAs formas honos e honor satildeo equivalentes Eacute mais antiga a primeira que manteacutem o s originaacuterio do tema a

segunda eacute formada por analogia com os casos obliacutequos onde a sibilante por estar em posiccedilatildeo intervocaacutelica sofria o fenocircmeno do rotacismo (sonorizaccedilatildeo seguida de passagem a r)rdquo PEREIRA Maria Helena Ideias

morais e poliacuteticas dos romanos In Estudos de Histoacuteria da cultura claacutessica Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1967 p 336 nota 58

250RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute op cit p 80 ldquoHonos frecuentemente se encuentra asociado a virtus como un culto republicanordquo

95

humano esta qualidade tem que ser ganha por meacuteritos e consentida pelos deuses aparece com frequecircncia nos panegiacutericos e serve como justificaccedilatildeo agrave usurpaccedilatildeo de Constantino Frequentemente associadas agrave Virtus aparecem Felicitas e Fortuna ambas representam o sinal de assentimento da divindade e que se tem agido em concordacircncia com os deuses251

A diginitas eacute bastante proacutexima da ideia de honra (honor) e encontra-se mais na esfera

poliacutetica do que na moral de acordo com Maria Helena da Rocha Pereira 252Segundo Manuel

Gervaacutes a moderatio eacute ldquosimilar agrave clementia e como ela define o exerciacutecio puacuteblico do

governante estaacute em relaccedilatildeo fundamentalmente com a justiccedilardquo 253 Embora natildeo nomeadas a

clemecircncia e a justiccedila parece-nos que o relato eusebiano atribui tambeacutem essas qualificaccedilotildees ao

imperador Constantino por ele no olhar do bispo lutar contra a opressatildeo do tirano

compadecer-se e defender o povo romano ateacute entatildeo sujeitado ao mal

A vitoacuteria constantiniana sobre o ldquotiranordquo Maxecircncio eacute associada na Histoacuteria Eclesiaacutestica

ao triunfo de Moiseacutes quando guiou o povo de Israel para fora das terras egiacutepcias e para longe

da opressatildeo do faraoacute conforme consta no Antigo Testamento

Da mesma forma que nos tempos de Moiseacutes e da antiga piedosa naccedilatildeo dos hebreus precipitou no mar os carros do faraoacute e seu exeacutercito a flor de seus cavaleiros e capitatildees o mar Vermelho os tragou o mar os cobriu assim tambeacutem Maxecircncio e os hoplitas e lanceiros de sua escolta afundaram na profundeza como uma pedra quando dando as costas ao exeacutercito que vinha da parte de Deus com Constantino atravessava o rio que lhe cortava o caminho e que ele mesmo havia unido e bem pontoneado com barcas construindo assim uma maacutequina de destruiccedilatildeo contra si mesmo Dele se poderia dizer cavou um fosso e tirou-lhe a terra e cairaacute na vala que fez Seu trabalho se voltaraacute contra sua cabeccedila e sua injusticcedila recairaacute sobre sua moleira Assim pois desfeita a ponte estendida sobre o rio a passagem afunda e as barcas se precipitam de um golpe no abismo com todos seus homens e ele mesmo em primeiro o homem mais iacutempio e logo os

251 Idem Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-3 1984-85 p 242 ldquoEntre las

virtudes de los emperadores dos de ellas teniacutean unmiddot caraacutecter carismaacutetico eran la Pietas y la Virtus La Pietas era el signo subjetivo de la gracia divina Constantino mantiene buenas relaciones con Roma o con Maximiano breve aliado por cierto gracias a la Pietas esta virtud tiene la funcioacuten de lograr la armoniacutea de los gobernantes entre siacute y de los gobernados con el gobernante La Virtus por su parte es una fuerza divina que estaacute por encima de cualquier valor humano dicha cualidad tiene que ser ganada por meacuteritos y consentida por los dioses aparece con frecuencia en los panegiacutericos y sirve como justificacioacuten a la usurpacioacuten de Constantino Frecuentemente asociadas a Virtus aparecen Felicitas y Fortuna ambas representan la sentildeal de asentimiento de la divinidad y que se ha actuado en aquiescencia con los diosesrdquo

252 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p339 253 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda

poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80 ldquosimilar a clementia y como ella define el ejercicio puacuteblico del gobernante estaacute en relacioacuten fundamentalmente con la justitiardquo

96

escudeiros que o rodeavam afundaram como chumbo nas aacuteguas impetuosas como jaacute predisse o oraacuteculo divino 254

Constantino aparece como salvador e libertador do populus romano sendo associado ao

profeta e liacuteder do povo hebreu Moiseacutes Vemos no excerto eusebiano um motivo pelo qual

Constantino combatera Maxecircncio e seu exeacutercito a tirania injusticcedila e opressatildeo deste sobre

Roma O ldquoimperador cristatildeordquo tivera compaixatildeo da cidade e de seus moradores o que o levou

a salvaacute-los tendo como aliado o proacuteprio Deus e Jesus Cristo Vislumbra-se a razatildeo

preponderante para esta ldquovitoacuteria santardquo no olhar do bispo as qualidades piedosas e

misericordiosas de Constantino Natildeo nos parece que Euseacutebio faccedila qualquer referecircncia agrave

vontade de Constantino em deter a autoridade como imperator uacutenico para o que seria

necessaacuterio afastar eou eliminar seus oponentes

A elaboraccedilatildeo teoacuterica que Euseacutebio faz quando compara Constantino a Moiseacutes em meio

agrave vitoacuteria do imperador sobre o rival Maxecircncio estaacute presente tambeacutem em outra obra eusebiana

a Vida de Constantino

Como nos tempos de Moiseacutes e do piedoso povo dos hebreus ldquo[o Senhor]

lanccedilou no mar os carros de Faraoacute e o seu exeacutercito e os seus capitatildees afogaram-se no mar Vermelhordquo natildeo de outra forma Maxecircncio e a corte de hoplitas e doriacuteforos ldquose afundaram no mar como se fossem pedrasrdquo quando de costas para o poder divino que sustentava Constantino atravessava o rio que estava em frente agrave direccedilatildeo da marcha O mesmo havia unido as margens do rio atraveacutes de barcos e construindo uma ponte infaliacutevel terminou por unir um artefato catastroacutefico para si sendo assim que acreditava capturar com ele o amigo de Deus 255

Ora Moiseacutes eacute descrito como o redentor e guiador do povo que se levantou como um

liacuteder ordenador e obedeceu agraves leis a mando do proacuteprio Deus aquele que conheceu a vontade

de Deus e levou os homens a cumpri-la ldquoPara Euseacutebio o reino terreno uacutenico e o Deus cristatildeo

254 IX IXV-VII 255 Vida de Constantino I XXXVIIIII ldquoComo en los tiempos de Moiseacutes y del piadoso pueblo de los hebreos

ldquoarrojoacute al mar los carros del Faraoacuten juntamente con su ejeacutercito y anegoacute en el mar Rojo a la flor y nata de su

escolta de encopetados caballerosrdquo no de otra manera Majencio y el cortejo de hoplitas y doriacuteforos ldquose

hundieron en el mar como si fuesen piedrasrdquo cuando dando la espalda a la potencia divina que asistiacutea a

Constantino atravesaba el riacuteo que estaacute de cara a la direccioacuten de la marcha Eacutel mismo habiacutea unido las riberas del riacuteo mediante barcas y construyendo un puente a toda prueba terminoacute por ensamblar un artilugio catastroacutefico para siacute mismo siendo asiacute que confiaba atrapar con eacutel al amigo de Diosrdquo

97

uacutenico encontravam com Constantino a unidade a que estavam predestinados um impeacuterio um

imperador um Deusrdquo256

Um recurso para esta relaccedilatildeo eacute a comparaccedilatildeo dos atos de Constantino junto a Deus

com as accedilotildees de Moiseacutes narradas no livro de Ecircxodo Moiseacutes pode ser compreendido com um

liacuteder e profeta ou seja com a assunccedilatildeo do encargo recebido diretamente de Deus para a

salvaccedilatildeo do povo hebreu 257 e sua retirada de terras iacutempias e opressoras (Egito) segundo o

relato biacuteblico 258 Moiseacutes proporcionou a restauraccedilatildeo da liberdade e dignidade do povo de

Israel da mesma forma com que aconteceria aproximadamente 1500 anos agrave frente quando

Jesus Cristo o Enviado do Pai concederia a salvaccedilatildeo e libertaccedilatildeo para as pessoas que se

arrependessem de seus pecados abandonando a antiga vida de escravidatildeo de transgressotildees e

delitos

Claudia Rapp defende que Euseacutebio faz comparaccedilotildees diretas entre Constantino e Moiseacutes

Uma delas particularmente interessante aqui eacute a seguinte

Constantino eacute para seus inimigos o que Moiseacutes era para o Faraoacute A sua vitoacuteria sobre Maxecircncio na Ponte Miacutelvio que estabeleceu ele como o governante incontestaacutevel sobre o impeacuterio ocidental assemelha-se a Moiseacutes cruzando o Mar Vermelho Essa comparaccedilatildeo eacute desenvolvida em grandes detalhes ateacute a entrada triunfante de Constantino na cidade de Roma em que foi acompanhado pela salmodia espontacircnea de suas tropas Euseacutebio repete aqui sua afirmaccedilatildeo precedente de que a histoacuteria de Moiseacutes pode ser entendida como um mito para os descrentes mas que foi trazido agrave vida novamente nos dias presentes atraveacutes de Constantino Ele destaca esse ponto tecendo citaccedilotildees do livro de Ecircxodo nas suas frases Na verdade esta eacute a primeira vez que ele utiliza citaccedilotildees biacuteblicas em sua obra A proacutepria narrativa de Euseacutebio portanto transforma-se em uma reconstituiccedilatildeo do Antigo Testamento da mesma forma que Constantino eacute uma versatildeo de Moiseacutes nos dias atuais 259

256MAIER Georg Maier Las transformaciones del mundo mediterraneo seacuteculos IIIVIII Madrid Siglo

XXI1994 p42 ldquoPara Eusebio el reino terrenal uacutenico y el Dios cristiano uacutenico encontraban con Constantino la unidad a que estaban predestinados un imperio un emperador un Diosrdquo

257 Ecircxodo 3 e Ecircxodo 4 1-20 258 Ecircxodo 1251 13 14 259RAPP Claudia Imperial ideology in the making Eusebius of Caesarea on Constantine as lsquobishoprsquo In

Journal of Theological Studies Oxford Oxfors University Press v 49 1998 p687-688 ldquoConstantine is to his enemies what Moses was to Pharaoh His victory over Maxentius at the Milvian Bridge which established him as the uncontested ruler over the western empire resembles Moses crossing of the Red Sea This comparison is played out in great detail down to Constantines triumphant entry into the city of Rome which was accompanied by the spontaneous psalmody of his troopsEusebius here repeats his earlier assertion that the story of Moses may have seemed a myth to the unbelievers but that it is brought to life again in the present day through Constantine He underscores this point by weaving quotations from the Book of Exodus into his sentences In fact this is the first time he uses biblical quotations in this work Eusebius own narrative thus becomes a re-enactment of the Old Testament in the same way as Constantine is a present-day version of Mosesrdquo

98

Na sequecircncia a autora sustenta a recorrecircncia agrave figura de Moiseacutes por parte do bispo nos

momentos cruciais da trajetoacuteria poliacutetica de Constantino

Euseacutebio claramente perseguiu uma estrateacutegia literaacuteria deliberada de evocar Moiseacutes como o exemplo do Antigo Testamento que Constantino imitou em todos os pontos de mudanccedila da sua carreira imperial sua ida agrave Britania onde ele foi proclamado imperador sua vitoacuteria sobre Maxecircncio a derrota de Liciacutenio e a uacuteltima campanha da sua vida contra a Peacutersia Na verdade o retrato geral de Euseacutebio sobre Constantino remete fortemente a Moiseacutes mesmo quando faltam alusotildees concretas Constantino eacute rei e legislador um sumo sacerdote na medida em que estaacute em comunicaccedilatildeo direta com a deidade e um profeta visto que ele tem presciecircncia e intercede a Deus em nome de seu povo 260

Apoacutes vencer Maxecircncio e adentrar triunfalmente em Roma Constantino aparece como o

libertador salvador e benfeitor da cidade

[] de forma que se natildeo com palavras como eacute natural mas pelo menos com as obras os que com a graccedila de Deus haviam se alccedilado agrave vitoacuteria poderiam junto com os seguidores do grande servo Moiseacutes entoar o mesmo hino que contra o iacutempio tirano de entatildeo e dizer Cantemos ao Senhor porque gloriosamente cobriu-se de gloacuteria Cavalo e cavaleiro lanccedilou ao mar Minha ajuda e minha proteccedilatildeo o Senhor se fez meu salvador e Quem como tu entre os deuses Senhor Quem como tu glorificado nos santos admiraacutevel na gloacuteria operador de maravilhas Estas e muitas outras coisas parecidas com estas cantou Constantino com suas obras ao Deus supremo causa de sua vitoacuteria e entrou em triunfo em Roma enquanto todos em massa com suas crianccedilas e suas mulheres os senadores e altos dignitaacuterios e todo o povo romano recebiam-no com os olhos brilhantes de todo coraccedilatildeo como a um libertador salvador e benfeitor em meio a vivas e a uma alegria insaciaacutevel 261

Manuel Gervaacutes explana acerca da origem da libertas em Roma sentido este que pode

ser estendido ao contexto da obra eusebiana jaacute que se tratava da libertaccedilatildeo diante da tirania e

associava-se agrave salvaccedilatildeo virtude que tambeacutem eacute concedida a Constantino quando conquista

Roma (conforme apontado no excerto acima)

Ao final da primeira guerra puacutenica aparece no culto romano uma nova virtude Libertas significando liberaccedilatildeo bem forte agrave tirania ou frente aos

260 Ibidem p689 ldquoEusebius clearly pursued a deliberate literary strategy of evoking Moses as the Old Testament

exemplum which Constantine imitates at every turning-point of his imperial career his flight to Britain where he was proclaimed emperor his victory over Maxentius his defeat of Licinius and the last campaign of his life against Persia In fact Eusebius overall portrayal of Constantine is strongly reminiscent of Moses even when concrete allusions are lacking Constantine is king and legislator a high priest inasmuch as he stands in direct communication with the deity and a prophet insofar as he has foreknowledge and intercedes with God on behalf of his peoplerdquo

261 IX IX VIII-IX Em itaacutelico referecircncia ao livro de Ecircxodo 151-2 e 1511

99

povos estrangeiros e baacuterbaros sendo considerada esta liberaccedilatildeo como um ato de salvaccedilatildeo 262

Em outro trabalho de Gervaacutes quando o autor descreve virtudes imperiais como a

aeternitasimmortalitas aequitasiustitia concoacuterdia disciplina felicitasfortuna fides

honosvirtus salus e victoria haacute a explicaccedilatildeo do que representava a libertas no final do

periacuteodo republicano e no Impeacuterio ldquo A Libertas desempenhou um papel fundamental na

propaganda poliacutetica na eacutepoca final da repuacuteblica no Impeacuterio representa a lsquovirtudersquo do augusto

frente ao usurpador a que se lhe designa frequentemente com o teacutermino de tiranordquo 263

Dessa maneira notamos a construccedilatildeo de Euseacutebio na sua Histoacuteria de maneira

conveniente a Constantino fornecendo-lhe virtudes e caraacuteter cristatildeo com a finalidade de

legitimar o seu governo

Constantino e Liciacutenio

Da mesma maneira que Constantino lutou contra a ldquotiraniardquo de Maxecircncio em terras

ocidentais Liciacutenio enfrentou e venceu a ldquotiraniardquo de Maximino no oriente perseguidor dos

cristatildeos A rebeliatildeo de Maximino eacute retratada por Euseacutebio de Cesareia no final do livro IX da

Histoacuteria Eclesiaacutestica

[] Maximino era incapaz de levar o peso do governo supremo que lhe haviam confiado sem merececirc-lo devido a sua falta de reflexatildeo sensata e proacutepria de um imperador manejava os assuntos puacuteblicos com total imperiacutecia e sobretudo erguia-se irrefletidamente em sua alma com orgulhosa jactacircncia inclusive contra seus proacuteprios colegas imperiais que em tudo o superavam tanto em linhagem quanto em educaccedilatildeo instruccedilatildeo dignidade inteligecircncia e - o que eacute mais importante - em saacutebia prudecircncia e em piedade para com o verdadeiro Deus Comeccedilou com a ousadia de atrever-se e de proclamar-se a si mesmo publicamente o primeiro nas honras Levando agrave loucura seu insano orgulho quebrou todos os pactos que havia feito com Liciacutenio e empreendeu uma guerra sem quartel Logo em pouco tempo alvoroccedilando tudo e perturbando profundamente cada cidade reuniu toda a forccedila armada uma

262 RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Rodriacuteguez Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten

Madrid n2-3 1984-85 p240 ldquoAl final de la primera guerra puacutenica aparece en el culto romano una nueva

virtud Libertas significando liberacioacuten bien frente a la tiraniacutea o frente a los pueblos extranjeros y baacuterbaros siendo considerada esta liberacioacuten como un acto de salvacioacutenrdquo

263 Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80ldquoLibertas jugoacute un papel fundamental en la propaganda poliacutetica en la eacutepoca final de la repuacuteblica en el Imperio representa la ldquovirtudrdquo del augusto frente al usurpador al que se le designa frecuentemente con el teacutermino de tiranordquo

100

multidatildeo de incontaacuteveis miriacuteades e partiu para a luta em ordem de batalha contra ele e com a alma exaltada pelas esperanccedilas postas nos democircnios que ele acreditava serem deuses e nas miriacuteades de soldados armados 264

Conforme o fragmento da fonte aos olhos de Euseacutebio esse imperador natildeo tinha o

caraacuteter honroso e digno para governar parte do mundo romano natildeo era sensato natildeo tinha

habilidades proacuteprias de um liacuteder imperial e sua alma era orgulhosa Ao contraacuterio seus colegas

imperiais [Constantino e Liciacutenio] possuiacuteam oacutetima educaccedilatildeo instruccedilatildeo inteligecircncia e

dignidade aleacutem do principal que era a prudecircncia e piedade para com Deus Maximino buscou

enfrentar Liciacutenio contudo a tarefa foi fracassada justamente por ser destituiacutedo da reverecircncia a

Deus pertencente ao seu adversaacuterio

Mas ao chegar agraves matildeos encontrou-se desprovido da proteccedilatildeo de Deus por outorgar-se ao que entatildeo mandava a vitoacuteria que procede do mesmo e uacutenico Deus de todas as coisas Em primeiro lugar perde o corpo de hoplitas em que depositava sua confianccedila enquanto os lanceiros de sua escolta pessoal o abandonam indefeso e privado de tudo e passam para o vencedor O desgraccedilado despindo-se a toda pressa do ornato imperial que de modo algum lhe cabia desliza entre a multidatildeo covardemente como um canalha e sem acircnimo viril Depois foge e escondendo-se com dificuldade das matildeos de seus inimigos pelos campos e aldeias vai vagando de uma parte a outra buscando sua salvaccedilatildeo e mostrando bem agraves claras com os proacuteprios fatos a fidelidade e verdade dos divinos oraacuteculos [] Foi assim que o tirano chegou coberto de vergonha a seu proacuteprio territoacuterio e ali enfurecido comeccedilou por fazer executar muitos sacerdotes e profetas dos deuses que ele antes admirava e cujos oraacuteculos o haviam incitado a empreender a guerra acusando-os de impostores de charlatatildees e sobretudo de haverem-se convertido em traidores de sua salvaccedilatildeo 265

Posteriormente Maximino faleceu ldquoferido repentinamente pelo flagelo de Deusrdquo 266 e

foi declarado inimigo comum a todos enquanto o cristianismo se expandia livremente

Morto desta maneira Maximino uacutenico sobrevivente dos inimigos da religiatildeo e que manifestou ser o pior de todos as igrejas surgiam pela graccedila de Deus Todo-poderoso reconstruiacutedas desde os fundamentos e a doutrina de Cristo rutilante para a gloacuteria do Deus do universo alcanccedilava uma liberdade confiante maior do que a de antes enquanto os iacutempios inimigos da religiatildeo se cumulavam de vergonha e desonra extremas Efetivamente o proacuteprio Maximino foi o primeiro a quem os imperadores proclamaram inimigo comum de todos e por meio de editos puacuteblicos para conhecimento geral foi denunciado como tirano iacutempio abominaacutevel e inimigo de Deus267

264 IX X I-II 265 IX X III-IV VI 266 IX X XIII 267 IX XI I-II

101

Aleacutem de Maximino outros ldquoinimigos da religiatildeordquo foram mortos e desprovidos de honra

sendo Liciacutenio o responsaacutevel pelo castigo e entrega agrave morte de alguns deles

E logo tambeacutem os restantes inimigos da religiatildeo foram sendo despojados de todas as honras e inclusive matavam-se todos os partidaacuterios de Maximino especialmente os que tendo sido honrados por ele com as honras do governo para adulaacute-lo haviam-se atirado com violecircncia contra nossa doutrina [] Mas quando Liciacutenio entrou na cidade de Antioquia e empreendeu a busca dos charlatatildees fez atormentar profetas e sacerdotes do receacutem-erigido iacutedolo tratando de averiguar por que razatildeo haviam fingido a fraude Como apertados pelos tormentos natildeo lhes era possiacutevel seguir ocultando-o declararam que todo o misteacuterio era uma fraude urdida pelo engenho de Teotecno Entatildeo impocircs a todos o castigo que haviam merecido e entregou agrave morte primeiro o proacuteprio Teotecno e logo tambeacutem seus cuacutemplices no engodo depois de numerosos supliacutecios 268

O bispo Euseacutebio finaliza o livro IX apontando para a vitoacuteria de Liciacutenio e tambeacutem de

Constantino sobre os rivais iacutempios

Assim varridos os iacutempios Constantino e Liciacutenio guardaram para si soacutes a parte correspondente do Impeacuterio segura e indiscutiacutevel Estes depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado demonstraram seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade e gratidatildeo para com a divindade por meio de sua legislaccedilatildeo em favor dos cristatildeos 269

Ao adentrarmos o livro X da Histoacuteria eusebiana vemos a referecircncia agraves declaraccedilotildees

sobre a paz delegada por Deus aos homens apoacutes a derrota de imperadores inimigos do

cristianismo a restauraccedilatildeo de igrejas as dedicaccedilotildees e consagraccedilotildees de igrejas receacutem-

construiacutedas 270 e accedilotildees de liberdade e favorecimento agrave religiatildeo cristatilde por parte dos

imperadores em regime de Diarquia Constantino e Liciacutenio expressos pelo Edito de Milatildeo de

313 271 Aleacutem disso satildeo citados e copiados outros mandamentos e decisotildees imperiais de

Constantino em favor da igreja e dos bispos como benefiacutecios e concessotildees para a igreja e a

convocaccedilatildeo de siacutenodos com o objetivo de dissipar divisotildees entre os bispos272

268 IX XI III VI 269 IX XI VII 270 X I-IV 271 XV I-XIV 272 X V XV-XIV VI VII

102

Entretanto neste iacutenterim na reta final do livro deacutecimo Euseacutebio relata uma mudanccedila no

rumo poliacutetico do Impeacuterio Liciacutenio ldquoperverteu-serdquo pela inveja que sentia do companheiro

Constantino e passou a persegui-lo

Mas nem a inveja inimiga do bem nem o democircnio amante do mal podiam suportar a contemplaccedilatildeo do que viam como tampouco para Liciacutenio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados foi suficiente para uma atitude prudente Ele que havia sido considerado digno de um governo bem proacutespero digno da honra do segundo posto depois do grande imperador Constantino e digno de afinidade e parentesco do mais alto grau ia se afastando da imitaccedilatildeo dos bons e em troca copiava a perversidade e maliacutecia dos iacutempios tiranos E ainda que tivesse visto com seus proacuteprios olhos o final catastroacutefico destes preferiu segui-los em seu sentimento a permanecer na amizade e boa disposiccedilatildeo de seu superior Presa da inveja para com o benfeitor universal provoca contra ele uma guerra execraacutevel e terriacutevel sem respeito pelas leis da natureza e sem trazer agrave mente a memoacuteria dos juramentos do sangue e dos pactos 273

Liciacutenio eacute descrito como um traidor agrave oacutetima condiccedilatildeo que lhe propiciou o benevolente

Constantino como o ldquosegundo apoacutes o imperadorrdquo e pertencente agrave famiacutelia O fim catastroacutefico

dos antigos ldquoinimigos do cristianismordquo tambeacutem natildeo lhe serviu de liccedilatildeo sendo que Liciacutenio

tornava-se um deles No trecho abaixo Euseacutebio opotildee a postura benevolente de Constantino agrave

maldade e traiccedilatildeo de Liciacutenio este por meio de conspiraccedilatildeo fingimento e astuacutecia planejava

destruir Constantino

De fato que sinais de verdadeira benevolecircncia natildeo lhe havia outorgado o boniacutessimo imperador Natildeo lhe regateou seu parentesco nem lhe negou esplecircndidas nuacutepcias com sua irmatilde antes ateacute considerou-o digno de compartilhar sua nobreza que vinha de seus pais e seu sangue imperial ancestral e tambeacutem havia-lhe proporcionado poder desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador posto que havia-lhe dado a graccedila de uma parte natildeo menor de povos sujeitos a Roma para que os governasse e administrasse Mas ele por sua vez agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gecircnero de conspiraccedilotildees como se respondesse com males a seu benfeitor Assim eacute que em primeiro lugar tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo e aplicando-se agrave astuacutecia e ao engano esperava alcanccedilar com toda facilidade o resultado apetecido 274

273 X VIII II-III 274 XVIII IV-V

103

No entanto de maneira radicalmente oposta ao ldquoperversordquo Liciacutenio Constantino possuiacutea

a benccedilatildeo de Deus para ldquoguiaacute-lo na jornada contra o malrdquo

Mas deve-se saber que aquele tinha Deus como amigo protetor e guardiatildeo que trazendo agrave luz as conspiraccedilotildees urdidas contra ele secretamente e nas sombras ia desbaratando-as Tatildeo grande forccedila e virtude tem a arma da piedade para rechaccedilar os inimigos e preservar a proacutepria salvaccedilatildeo Guarnecido com ela nosso imperador amado de Deus ia esquivando as conspiraccedilotildees do infame astuto 275

Liciacutenio percebendo que seus planos malignos natildeo vingavam segundo Euseacutebio decidiu

manifestar claramente suas intenccedilotildees de guerra contra o ldquoamado de Deusrdquo e para aleacutem disso

contra o proacuteprio Deus

Este por sua parte quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme seus desiacutegnios jaacute que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade e natildeo podendo jaacute dissimular por mais tempo declarou abertamente a guerra Decidido efetivamente a fazer a guerra contra Constantino apressava-se jaacute a formar suas tropas tambeacutem contra o Deus do universo a quem sabia que aquele honrava e logo pocircs-se a atacar - moderada e silenciosamente a princiacutepio - seus proacuteprios suacuteditos adoradores de Deus que jamais haviam causado o miacutenimo incocircmodo a seu governo E agia assim porque sua maldade inata o forccedilava a uma terriacutevel cegueira Ocorre que ele natildeo tinha ante os olhos a memoacuteria dos que haviam perseguido os cristatildeos antes dele nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido instrumento de ruiacutena e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte Pelo contraacuterio voltando as costas a um pensamento prudente e mais em termos exatos transtornado pela loucura tinha decidido fazer a guerra ao proacuteprio Deus como protetor de Constantino em vez de ao protegido 276

A Histoacuteria Eclesiaacutestica retrata que o ldquotiranordquo e ldquoiacutempiordquo Liciacutenio empreendeu atitudes

maldosas contra pessoas inocentes violou a tradiccedilatildeo e leis romanas inventou mentiras

extorquiu outros povos abusou sexualmente de mulheres e levou outros homens a fazerem o

mesmo destruiu e fechou igrejas entre tantas outras iniquidades de acordo com o autor

Em primeiro lugar expulsou de sua proacutepria casa todos os que eram cristatildeos com o que o desgraccedilado privou a si mesmo da oraccedilatildeo destes por ele oraccedilatildeo que costumavam fazer por todos segundo ensinamento ancestral mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que natildeo escolhessem sacrificar aos democircnios [] Que necessidade

275 X VIII VI 276 X VIII VII-IX

104

haacute de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o maior violador das leis inventou leis ilegais [] Que necessidade temos de enumerar detalhadamente suas inovaccedilotildees acerca das nuacutepcias ou suas disposiccedilotildees revolucionaacuterias a respeito dos que deixam esta vida Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas reta e sabiamente estabelecidas e introduziu no lugar delas algumas leis baacuterbaras e incivilizadas verdadeiramente ilegais e contra as leis Inventava tambeacutem inumeraacuteveis acusaccedilotildees contra as naccedilotildees submetidas toda classe de extorsotildees de ouro e prata novos cadastros e lucrativas multas a homens que jaacute natildeo estavam nos campos mas que tinham morrido haacute tempo E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado E as detenccedilotildees de homens nobres e notaacuteveis dos quais separava suas legiacutetimas esposas e as entregava a alguns criados lascivos para que as ultrajassem com suas torpezas E ele mesmo um velhote quantas mulheres casadas e quantas donzelas natildeo vexou para satisfazer a paixatildeo desenfreada de sua alma Que necessidade temos de alongar a conta se o excesso de suas uacuteltimas maldades deixou as primeiras pequenas e reduzidas a quase nada Certo eacute que no cuacutemulo de sua loucura procedeu contra os bispos [] O certo eacute que o que foi realizado em torno de Amasia e as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade Ali das igrejas de Deus algumas foram novamente arrasadas por completo e outras foram fechadas para que ningueacutem fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os cultos devidos 277

O ldquomalfeitorrdquo eacute descrito como aquele que pretendia agravar a situaccedilatildeo dos cristatildeos

ainda mais planejando implantar novamente a perseguiccedilatildeo natildeo fosse a presciecircncia de Deus e

sua intervenccedilatildeo no caminho trilhado por aquele governante Para impedir o cumprimento das

ldquomaquinaccedilotildeesrdquo de Liciacutenio contra o povo Deus teria orientado o servo Constantino o

ldquosalvadorrdquo a enfrentar o adversaacuterio dos homens

Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens piedosos e novamente os campos os vales solitaacuterios e os montes comeccedilaram a acolher os servos de Cristo E como desta maneira o iacutempio tinha ecircxito nestas medidas chegou mesmo a conceber a ideacuteia de ressuscitar a perseguiccedilatildeo contra todos Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pocirc-lo em accedilatildeo se o Deus que luta em favor das almas que lhe pertencem prevendo o que sucederia natildeo tivesse rapidamente feito brilhar como em trevas profundas e noite escuriacutessima uma grande luminaacuteria e ao mesmo tempo um salvador para todos seu servo Constantino a quem levou pela matildeo para esta obra com braccedilo poderoso 278

Foi entatildeo que Constantino obteve a vitoacuteria

A este por conseguinte foi que Deus outorgou desde cima como fruto digno de sua piedade o trofeacuteu da vitoacuteria contra os iacutempios Em troca precipitou o criminoso com todos seus conselheiros e amigos aos peacutes de

277 X VIII X-XV 278 X VIII XVIII-XIX

105

Constantino Efetivamente tendo aquele feito avanccedilar seus atos ateacute extremos de loucura o imperador amigo de Deus concluiu que jaacute era insuportaacutevel Fazendo seu caacutelculo prudente e somando a sua humanidade a firmeza do juiz decide acudir em socorro dos que sofriam sob o tirano Desembaraccedilou-se de alguns breves contratempos e pocircs-se em movimento para recobrar a maior parte do gecircnero humano Ateacute entatildeo efetivamente havia utilizado com ele somente a humanidade e havia-se compadecido de quem natildeo era digno de compaixatildeo sem proveito nenhum jaacute que o outro natildeo se afastava de sua maldade antes ateacute aumentava ainda mais sua raiva contra as naccedilotildees submetidas e jaacute natildeo deixava nenhuma esperanccedila de salvaccedilatildeo para os maltratados tiranizados como estavam por uma fera espantosa 279

O excerto demonstra que Constantino natildeo teria lutado Liciacutenio simplesmente por

vontade de fazecirc-lo jaacute que era provido de humanidade e ateacute entatildeo agira com compaixatildeo para

com o ldquomalfeitorrdquo Percebendo ser a situaccedilatildeo insuportaacutevel decidiu operar em defesa dos

oprimidos Aqui Euseacutebio enfatiza a virtude da humanitas no caraacuteter e formaccedilatildeo de

Constantino Como as demais virtudes essa era jaacute presente no mundo romano e continuava

existindo para definir um bom governante Sobre ela expotildee Maria Helena da Rocha Pereira

A palavra donde deriva lsquohumanidadersquo tem uma histoacuteria mais que todas atraente e rica de significado Efectivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez estaacute relacionado xom homo (lsquoo homemrsquo) e humus (lsquoa terrarsquo)

[] Temos portanto com muita probabilidade a noccedilatildeo de lsquoser terrenorsquo ligado agrave de modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios e esta agrave de um conjunto mais vasto que se transforma num conceito englobante ndash o de humanitas Mas humanitas natildeo eacute para os antigos senatildeo tardiamente o conjunto de seres humanos Eacute tambeacutem a natureza e sentimento dos homens [] humanitas eacute jaacute civilidade que se opotildee agrave crueldade primitiva desconhecedora do direito Tal oposiccedilatildeo repete-se com frequecircncia em contextos em que a humanitas se associa intimamente a comitas (lsquocordialidadersquo) mansuetudo (lsquodoccedilurarsquo) e [] clementia [] Ciacutecero emprega frequentemente humanitas em acumulaccedilatildeo por vezes tautoloacutegica com doctrina litterae e studia [] Em autores posteriores a humanitas seraacute sobretudo a qualidade mista de saber polimento receptividade simpatia que aproxima os homens [] 280

O sentido de humanitas que parece predominar na Histoacuteria Eclesiaacutestica quando se refere

a Constantino em relaccedilatildeo a Liciacutenio eacute o de ldquocompaixatildeordquo mas nem por isso permitiu o ldquobom

imperadorrdquo que aquele agisse livremente a fim de acabar com vidas inocentes e fazer sofrer

tantos outros indiviacuteduos Aos olhos de Euseacutebio o combate e consequente vitoacuteria de

Constantino sobre Liciacutenio talvez fosse ateacute mesmo um indicativo da humanitas constantiniana

para com os desfavorecidos e sofredores dos males sob a tirania Neste momento do relato a 279 X IX I-III 280 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p 415-421

106

fonte introduz o filho de Constantino Crispo como ajudante do pai partiacutecipe da vitoacuteria e

ldquohumaniacutessimordquo

Por isto juntando seu oacutedio ao mal com seu amor ao bem o defensor dos bons avanccedila junto com seu filho Crispo humaniacutessimo imperador estendendo sua destra salvadora a todos os que pereciam Logo como se tivessem guias e como aliados a Deus rei universal e a seu Filho salvador de todos pai e filho ambos de uma vez separam em ciacuterculo sua formaccedilatildeo contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma faacutecil vitoacuteria jaacute que Deus lhes dispocircs tudo no confronto conforme seu plano 281

Euseacutebio manifesta o destino terriacutevel e legado ao esquecimento que Liciacutenio recebera tal

como ocorreu com os governantes tiranos e perseguidores de outrora ao passo que

Constantino ldquoo vencedor maacuteximordquo reunia todo o orbis romanorum em paz sob seu comando

junto ao filho Crispo

Efetivamente de suacutebito e com mais rapidez do que se diz os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaccedila jaacute natildeo existiam nem de seus nomes havia memoacuteria suas imagens e monumentos recebiam seu merecido desdouro e o que em outro tempo Liciacutenio contemplou com seus proacuteprios olhos nos iacutempios tiranos isto mesmo ele sofreu em pessoa por natildeo arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos de seus vizinhos Depois de compartir com estes o mesmo caminho da impiedade caiu merecidamente no mesmo precipiacutecio que eles Mas enquanto ele jazia prostrado desta maneira Constantino o vencedor maacuteximo que sobressaiacutea em toda virtude religiosa e seu filho Crispo imperador amado de Deus e semelhante em tudo a seu pai recobraram o familiar Oriente e apresentavam reunido em um como antigamente o governo romano conduzindo sob a paz de ambos a terra toda desde o sol nascente em ciacuterculo por uma e outra parte do orbe habitado e pelo norte e o meio dia ateacute o limite extremo do Ocidente 282

Assim conforme a Histoacuteria eusebiana todo o medo das pessoas foi banido festas foram

celebradas a felicidade inundou pelas cidades e campos e a gloacuteria foi dada a Deus como

forma de agradecimento A marca da vitoacuteria permaneceu atraveacutes dos bens presentes e leis

generosas garantidas por Constantino

Em consequumlecircncia eliminava-se de entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam e em troca celebravam-se brilhantes e concorridos dias de solenes festas Tudo explodia de luz Os que antes andavam cabis-baixos olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes e pelas cidades assim como pelos campos as danccedilas e os cantos glorificavam em

281 X IX IV 282 X IX V-VI

107

primeiriacutessimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido - e em seguida o piedoso imperador junto com seus filhos amados por Deus Havia perdatildeo dos males antigos e esquecimento de toda impiedade gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros Por conseguinte estendiam-se por todo lugar disposiccedilotildees do vitorioso imperador cheias de humanidade e leis que levavam a marca da munificecircncia e verdadeira piedade 283

Para finalizar a obra o autor cristatildeo comenta sobre a realizaccedilatildeo de Constantino e o filho

em dissipar das suas terras a tirania e o oacutedio a Deus

Expurgada assim realmente toda tirania o impeacuterio que lhes correspondia reservava-se seguro e indiscutiacutevel somente para Constantino e seus filhos os quais depois de eliminar do mundo antes de tudo o oacutedio a Deus conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado tornaram manifesto seu amor agrave virtude seu amor a Deus sua piedade para com Deus e sua gratidatildeo mediante obras que realizavam publicamente agrave vista de todos os homens 284

Nos uacuteltimos trechos da Histoacuteria Eclesiaacutestica acima mencionados a virtude aparece

como pertencente a Constantino Sobre a virtus Maria Helena da Rocha Pereira comenta

apontando para a ligaccedilatildeo dessa virtude romana com sua correspondente grega a aretecirc

embora a primeira possua sua especificidade

Eacute chegada a altura de nos ocuparmos deste conceito um dos mais complexos por sinal porquanto nele se fundem ideias gregas e romanas Associada tatildeo de perto a honor que ambas as personificaccedilotildees partilhavam do culto num templo desde a Segunda Guerra Puacutenica e figuram simultaneamente em moedas podemos dizer [] que honor eacute exterior virtus interior a quem a possui Recordemos ainda que no Arco de Tito juntamente com figuras histoacutericas estavam as alegorias de Victoria Honos e Virtus e que anteriormente as qualidades de Augusto que o Senado mandara celebrar no escudo de ouro que dedicou ao priacutencipe eram Virtus Clementia Iustitia Pietas Tudo isto significa que Virtus era sentida como um valor fundamentalmente romano natildeo obstante o paralelismo que acusa com o conceito grego correspondente [aretecirc] [] Que virtus deriva de vir eacute observaccedilatildeo que jaacute vem em Ciacutecero Encontra-se na palavra virtus virtutis o sufixo -tut- que indica estado e que eacute o mesmo que serviu para formar senectus (lsquovelhicersquo) e iuventus (lsquojuventudersquo) Somente conforme jaacute tem sido

observado enquanto o primeiro destes vocaacutebulos indica o estado de ser senex (lsquovelhorsquo) e o segundo o ser iuvenis (lsquojovemrsquo) virtus natildeo estaacute documentado como o estado de ser homem (na sua maturidade) isto eacute natildeo se refere concretamente a uma fase da vida Eacute ldquoser homemrdquo no sentido de

ldquoser homem direitordquo [] Do sentido restrito de lsquovalentiarsquo lsquocoragemrsquo

283 X IX VII-VIII 284 X IX IX

108

sobretudo no sentido militar passando pelas qualidades de caraacuteter a evoluccedilatildeo da virtus romana eacute muito semelhante agrave da aretecirc grega que por sua vez percorre um longo caminho desde o campo da acccedilatildeo beacutelica e da palavra ajustada dos heroacuteis da Iliacuteada ao sentido preciso e profundo de lsquovirtudersquo que

assume a partir de Soacutecrates A influecircncia da noccedilatildeo grega sobreo desenvolvimento da romana eacute sem duacutevida um dos aspectos mais salientes do contributo do helenismo 285

Andreacute Luiz Leme ao discutir sobre o caraacuteter do bom priacutencipe apto para o cargo

imperial nos primeiros seacuteculos romanos diz o seguinte a respeito da virtus

De fato todos esses valores [valores morais e poliacuteticos] encontram-se estreitamente relacionados um alimenta e justifica a existecircncia do outro no indiviacuteduo nesse sentido ao homem tradicional membro poliacutetico em destaque caberia a observacircncia de natildeo apenas uma mas de todas as chamadas ldquovirtudes moraisrdquo Essa noccedilatildeo de ldquoconjunto virtuosordquo identifica-se ao primeiro conceito que desse modo ressalto aqui a ldquoVirtusrdquo do homem romano Este na medida em que apresentava um comportamento alinhado agrave tradiccedilatildeo ancestral seria aceito e considerado por toda a sociedade poliacutetica suas accedilotildees portanto seriam tidas como corretas e corajosas de pleno e forte caraacuteter E diretamente relacionados a essa concepccedilatildeo de lsquovirtudersquo romana

encontram-se diversos valores como ldquoPietasrdquo ldquoFidesrdquo ldquoDignitasrdquo ldquoGravitasrdquo ldquoClementiardquo ldquoConcordiardquo ldquoLibertasrdquo e ldquoRes Publicardquo 286

Manuel Gervaacutes inclui a virtus como uma virtude augusta e caracteriza-a da seguinte

maneira

Virtus eacute a virtude que adorna aos imperadores desde Augusto ateacute Teodoacutesio eacute uma qualidade outorgada pelos deuses e eacute uma mistura de coragem independecircncia e firmeza Ainda que em principio tenha se aplicado agrave atividade guerreira posteriormente foi utilizada para designar ao governante de maneira geral Natildeo expressa unicamente valentia humana jaacute que transcende esse conceito para acomodar-se no divino ou seja a aquiescecircncia dos deuses outorga a virtus ao imperador Em um mesmo plano se encontra a Victoria consequecircncia de todo imperador com virtus e determina que o imperador seja declarado invictus [invenciacutevel] 287

285 PEREIRA Maria Helena da Rocha op cit p397-407 286LEME Andreacute Luiz O pensamento poliacutetico de Suetocircnio em ldquoA Vida dos doze ceacutesaresrdquo (seacuteculo II dC) a

criacutetica ao poder absoluto do priacutencipe romano 2015 270 f Dissertaccedilatildeo de mestrado em Histoacuteria UFPR Curitiba

287RODRIacuteGUEZ GERVAacuteS Manuel Joseacute opcit p 78 ldquoVirtus es la virtud que adorna a los emperadores desde Augusto a Teodosio es una cualidad otorgada por los dioses y es una mezcla de coraje independencia y tenacidad Aunque en principio se aplicoacute a la actividad guerrera posteriormente se utilizoacute para designar al gobernante de manera general No expresa uacutenicamente valentiacutea humana ya que trasciende dicho concepto para asentarse en lo divino es decir la aquiescencia de los dioses otorga la virtus al emperador En un mismo plano se encuentra la Victoria consecuencia de todo emperador con virtus y determina que el emperador sea declarado invictusrdquo

109

Manuel Gervaacutes argumenta ldquoResultado da uniatildeo de Virtus e Fortuna consegue-se a

Victoria esta justifica o poder real e conteacutem uma prova irrefutaacutevel de legitimidade A vitoacuteria

dos imperadores verdadeiros se consegue sobre dois tipos de inimigos os tiranos e sobre os

baacuterbaros []rdquo 288 Em outra obra o autor expotildee

Victoria eacute o fundamento em que repousa o Impeacuterio Romano contudo seu conceito como na maioria das ldquovirtudesrdquo sofreu uma transformaccedilatildeo na passagem da Repuacuteblica ao Impeacuterio No periacuteodo republicano a teologia do triunfo estava baseada no direito dos auspiacutecios e enquadrada nas instituiccedilotildees de tal modo que o general vencedor mantinha uma espeacutecie de divinizaccedilatildeo temporal sempre e quando seu triunfo estivesse dentro de umas condiccedilotildees iustus triumphus a primeira das quais eacute que participasse pessoalmente da vitoacuteria Poreacutem ao final da Repuacuteblica e mais ainda no Principado produz-se uma mudanccedila significativa consistente na atribuiccedilatildeo da vitoacuteria de qualquer vitoacuteria ao Imperador que detivesse a direccedilatildeo natildeo de uma campanha concreta mas do Estado atraveacutes do imperium infinitum criando-se a partir desde momento uma nova miacutestica a Victoria que seraacute representada na multidatildeo de foacutermulas iconograacuteficas 289

No presente capiacutetulo ao observarmos os trechos de fonte e comentaacuterios dos autores

percebemos que as virtudes legadas a Constantino por Euseacutebio de Cesareia foram adequadas agrave

histoacuteria que o autor escreveu Muitas designaccedilotildees de virtude jaacute faziam parte do pensamento

poliacutetico e filosoacutefico romano a especificidade de Euseacutebio na Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute ldquoutilizaacute-lasrdquo

para dar a Constantino o caraacuteter de melhor imperador na governaccedilatildeo do Impeacuterio

principalmente apoacutes a ldquoperversatildeordquo de Liciacutenio

288Idem Rodriacuteguez Gervaacutes Manuel Joseacute Las virtudes del emperador Constantino Revista Gerioacuten Madrid n2-

3 1984-85 p242-243 ldquoResultado de la unioacuten de Virtus y Fortuna se logra la Victoria eacutesta justifica el poder real y contiene una prueba irrefutable de legitimidad La victoria de los emperadores verdaderos se consigue sobre dos tipos de enemigos los tiranos y sobre los baacuterbaros [hellip]rdquo

289Idem La justificacioacuten del poder imperial las ldquovirtudesrdquo In Propaganda poliacutetica y opinioacuten puacuteblica en los panegiacutericos latinos del bajo imperio Salamanca Universidade de Salamanca 1991 p80-81rdquoVictoria es el fundamento en el que reposa el Imperio Romano sin embargo su concepto como en la mayoriacutea de las ldquovirtudesrdquo sufrioacute una transformacioacuten en el paso de la Repuacuteblica al Imperio En el periodo republicano la

teologiacutea del triunfo estaba basada en el derecho de los auspicios y encuadrada en las instituciones de tal modo que el general vencedor manteniacutea una especie de divinizacioacuten temporal siempre y cuando su triunfo estuviera dentro de unas condiciones iustus triumphus la primera de las cuales es que hubiera participado personalmente en la victoria Sin embargo al final de la Repuacuteblica y maacutes auacuten en el Principado se produce un cambio significativo consistente en la asignacioacuten de la victoria de cualquier victoria al Imperator que detenta la jefatura no de una campantildea concreta sino del Estado a traveacutes del imperium infinitum creaacutendose a partir de este momento una nueva miacutestica de la Victoria que se va a representar en multitud de foacutermulas iconograacuteficasrdquo

110

Consideraccedilotildees finais

Em meio ao contexto de instabilidade poliacutetica pensamos que Constantino buscou

legitimidade por meio do cristianismo sendo que o mesmo gradativamente recebeu caraacuteter

institucional em detrimento da conotaccedilatildeo supersticiosa que possuiacutea anteriormente Eacute aceitaacutevel

a ideia de uma projeccedilatildeo desta religiatildeo atraveacutes das accedilotildees poliacuteticas do imperador para

constatarmos isso poreacutem natildeo eacute necessaacuteria a afirmaccedilatildeo de uma conversatildeo pessoal do

governante agrave religiatildeo cristatilde Acreditamos que a cultura poliacutetica ditou mais as diretrizes

assumidas em seu reinado que suas opccedilotildees de crenccedila o que tambeacutem natildeo pode ser enquadrado

em um pensamento final jaacute que a funccedilatildeo real de Constantino era a de um imperador que

necessitava fazer frente agraves oposiccedilotildees e ameaccedilas ao seu poder buscando todas as formas

cabiacuteveis para fortalecer e fundamentar sua autoridade

Constantino findou o regime tetraacuterquico permaneceu durante alguns anos no sistema de

diarquia e tornou-se finalmente uacutenico Augustus do mundo romano ocidental e oriental

Cremos que tal trajetoacuteria ateacute culminar em sua projeccedilatildeo como imperador exclusivo natildeo ocorreu

apenas tendo como elemento legitimador o cristianismo embora tenha sido este de enorme

importacircncia Defendemos como caracteriacutestica principal do reinado de Constantino a forma

plural de governo em resposta agraves fragilidades que o rodeavam Tal anaacutelise explica neste

primeiro momento a procura do imperador por uma religiatildeo que gradativamente tomava

proporccedilotildees importantes concomitante agrave sua vinculaccedilatildeo ao paganismo que tinha o maior

nuacutemero de adeptos no Impeacuterio durante esse periacuteodo

Aleacutem disso o proacuteprio cristianismo natildeo representava uma religiatildeo e gama de ideias

totalmente nova Sua formulaccedilatildeo teoacuterica e aceitaccedilatildeo se deram com base na tradiccedilatildeo claacutessica e

heleniacutestica e tambeacutem hebraica Sob esta perspectiva reformuladora e transformadora que

funde concepccedilotildees nascentes agrave tradiccedilatildeo pensamos ser melhor compreensiacutevel o periacuteodo de

Constantino bem como as teorias elaboradas ao longo de seu governo que almejavam

solidificar a autoridade imperial

Mesmo sujeitas a refutaccedilotildees eacute a partir do conhecimento contextual e da anaacutelise de

fonte que acreditamos serem nossas ideias dignas agrave colaboraccedilatildeo interpretativa no que tange

ao governo de Constantino e sua fundamentaccedilatildeo ldquoideoloacutegicardquo atraveacutes de preceitos cristatildeos

Evidente estaacute que o cristianismo na obra de Euseacutebio de Cesareia participou ativamente na

formataccedilatildeo do caraacuteter do poder imperial centrado na figura constantiniana Da mesma forma

111

percebemos a ldquoascensatildeordquo desta crenccedila ao ser vinculada agrave poliacutetica institucional romana O que

natildeo devemos negligenciar eacute a complexidade intelecto-cultural do espaccedilo romano em contato

constante com ideias e tradiccedilotildees provenientes de outras espacialidades Aleacutem disso haacute a

diversidade cultural e intelectual em Cesareia cidade muito importante jaacute que se constituiacutea

em uma das regiotildees produtoras de ideias que chegou a atingir a sede do governo imperial

romano Exemplo disso satildeo os escritos do bispo Euseacutebio repercutem-se ateacute Constantino

fornecendo legitimidade a niacutevel teoacuterico ao seu poder atraveacutes do elemento cristatildeo

A presente pesquisa tratou do tema da legitimidade imperial de Constantino na Histoacuteria

Eclesiaacutestica O tema eacute desafiador uma vez que natildeo podemos saber com exatidatildeo o que

intencionou o autor a falar sobre Constantino e caracterizaacute-lo atraveacutes de virtudes ligadas a um

comportamento cristatildeo Propomos que a sua pretensatildeo foi a de legitimar o papel do

imperador em meio agrave instabilidade poliacutetico-institucional em que se encontrava o mundo

romano Essa instabilidade natildeo era algo novo mas existia pelo menos desde o seacuteculo anterior

conquanto tenha sofrido alteraccedilotildees com o passar dos anos

As mudanccedilas acontecem justamente porque o espaccedilo as pessoas as instituiccedilotildees e outras

esferas natildeo satildeo estaacuteticas As tradiccedilotildees permanecem poreacutem satildeo reformuladas sempre Isso

aconteceu no ambiente poliacutetico e social em que viveu Constantino mesmo sendo herdeiro de

uma seacuterie de fragilidades do poder imperial advindas do final do seacuteculo II principalmente no

que concerne agrave descentralizaccedilatildeo da autoridade governamental a conjuntura em que ele atuou

estava jaacute diferente do que fora Constantino ldquofoi concebidordquo como imperador em um sistema

de gerecircncia imperial fragmentada mas buscou por toda a sua trajetoacuteria poliacutetica uma

administraccedilatildeo unificada

Acreditamos que natildeo apenas ele mas tambeacutem Liciacutenio Maxecircncio e outros

possivelmente almejavam agrave governanccedila una O combate entre os liacutederes imperiais foi em

grande parte resultado da instabilidade poliacutetico-administrativa presente na deacutecada de 310 (e

natildeo apenas nela) a qual de certa forma instigou cada um deles a buscar a conquista de

determinadas aacutereas territoriais e o poderio imperial sobre elas e seu populus

A legitimidade de Constantino eacute construiacuteda na Histoacuteria Eclesiaacutestica principalmente nos

momentos da trajetoacuteria do governante quando luta e vence seus maiores inimigos Maxecircncio e

Liciacutenio No momento poliacutetico-militar conturbado que o imperador vivia as vitoacuterias natildeo eram

legiacutetimas em si mesmas era necessaacuterio o esforccedilo em afirmaacute-las Algo distinto dos demais

imperatores que ocorreu com Constantino foi a sua associaccedilatildeo com o cristianismo Natildeo

112

podemos mensurar com precisatildeo como tal viacutenculo aconteceu e a qual niacutevel chegou isso nem

mesmo eacute o nosso objetivo Entretanto sabemos que independente de possuir uma crenccedila

pessoal na feacute cristatilde Constantino foi declarado piedoso e benevolente para com os fieacuteis do

Deus judaico-cristatildeo Um dos grandes responsaacuteveis por esse ideal foi o bispo Euseacutebio

Aleacutem da importacircncia dos argumentos eusebianos no que se refere ao governante a fim

de legitimaacute-lo a proacutepria obra constitui um ldquoestatutordquo de afirmaccedilatildeo do poder de Constantino

Dizemos isso porque a Histoacuteria Eclesiaacutestica eacute um trabalho de grande focirclego que abrange trecircs

seacuteculos da histoacuteria da comunidade cristatilde inclusive excedendo essa temporalidade pois

remonta agraves profecias do Antigo Testamento Podemos ateacute mesmo refletir acerca de uma ponte

entre Jesus Cristo e Constantino o paralelo guarda suas distinccedilotildees pois conforme

percebemos no relato o primeiro eacute caracterizado como o proacuteprio Deus e o segundo eacute apenas

um ser humano Todavia esse homem teria sido ldquousado por Deusrdquo para salvar os cristatildeos e os

oprimidos das matildeos de liacutederes supostamente ldquotiranos e opressoresrdquo

Cristo eacute descrito como um deus que veio ao mundo como homem santo perfeito

completamente dedicado a Deus em favor dos que sofriam dando esperanccedila e liberdade a

todos os que acreditassem em suas palavras Conflitos lutas mortes e perseguiccedilotildees ocorreram

na sequecircncia e ressurgiram por diversas vezes ateacute que um indiviacuteduo de influecircncia instituiacutesse

ordenanccedilas a favor do cristianismo dando paz e liberdade aos adeptos ldquosalvando-os do malrdquo

Ao afirmar que o plano de salvaccedilatildeo no tempo de Constantino pertencia a Deus e que o

liacuteder imperial serviu como ldquoinstrumentordquo divino na luta contra a maldade a tirania a

impiedade a crueldade entre outras caracteriacutesticas nefastas agrave sociedade e aos cristatildeos o

governante foi legitimado Dessa maneira a poliacutetica constantiniana foi sustentada pelo autor

cristatildeo por meio da conexatildeo do liacuteder com Deus e da detenccedilatildeo de virtudes que o impeliam agrave

praacutetica do bem

113

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Anexos

Anexo I Tetrarquia ndash 293 dC

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120

Anexo II Tetraquia com Constantino como Ceacutesar ndash 306 dC

Fonte httpscommonswikimediaorgwikiAtlas_of_Vojvodina Acesso em 02022017

121

Anexo III A ascensatildeo de Constantino de 306 a 324

Fonte httpwwwvoxcom2014819594258540-maps-that-explain-the-roman-empire Acesso em 02022017

122

Anexo IV

Virtudes Constantinianas na HE ndash livros VIII

IX e X

Referecircncia

Piedade VIII 1313 VIII 1314 IX 91 IX 910 IX

101 IX 11 7 a X 91 X 9 7 X 9 9

Prudecircncia VIII 1313 IX 10 1 X 92

Inteligecircncia IX 101

Honra IX 9 2

Dignidade IX 9 2 IX 10 1

Liberdade IX 99

Salvaccedilatildeo IX 99 X 8 19 X 9 4

Benfeitoria IX 99 X 8 3 X 8 5 X 9 4

Moderaccedilatildeo IX 9 2 IX 910

Instruccedilatildeo IX 101

Educaccedilatildeo IX 101

Amizade X 8 2 X 8 6 X 8 16 X 9 2

Benevolecircncia X 8 4

Vitoacuteria X 9 1 X 9 4 X 9 6 X 9 7

Humanidade X 9 2 X 9 3

Firmeza X 9 2

Compaixatildeo X 9 3

Virtude X 9 6 X 9 9

Paz X 9 6

Gratidatildeo X 9 9

Anexo V

Viacutecios de Maxecircncio na HE - livros VIII e IX Referecircncia

Tirania VIII 141 VIII 14 3 VIII 145 VIII 146

Fingimento VIII 141

Crueldade VIII 143

Maldade VIII 145

Magia VIII 145

Injusticcedila IX 96

123

Anexo VI

Viacutecios de Liciacutenio na HE ndash livro X Referecircncia

Imprudecircncia 82

Perversidade 82

Maliacutecia 82

Inveja 83

Maldade 85 87 813 93

Infacircmia 86 817

Enganaccedilatildeo 87

Dissimulaccedilatildeo 87

Imprudecircncia 89

Loucura 89 814 92

Inimizade 811 813 94

Paixatildeo 813

Falsidade 814

Crueldade 815

Fuacuteria 816

Impiedade 818 91 95

Crime 91

Tirania 92

Raiva 93

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