os xokleng de santa catarina - uma etnohistÓria e sugestÕes para os arqueÓlogos
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS CENTRO DE CINCIAS HUMANAS MESTRADO EM HISTRIA
OS XOKLENG DE SANTA CATARINA: UMA ETNOHISTRIA E SUGESTES PARA OS ARQUELOGOS
RODRIGO LAVINA
1994
RODRIGO LAVINA
Os Xokleng de Santa Catarina: Uma Etnohistria e Sugestes para os Arquelogos
Dissertao de Mestrado em Histria
rea de Concentrao: Estudos Ibero-Americanos Orientador: Prof. Dr. Pedro Igncio Schmitz, S.J.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS 1994
RODRIGO LAVINA
Os Xokleng de Santa Catarina: Uma Etnohistria e Sugestes para os Arquelogos
Dissertao elaborada como exigncia parcial para a obteno do Ttulo de Mestre em Histria, Sob a Orientao do Prof. Dr. Pedro Igncio Schmitz, S. J.
So Leopoldo, julho de 1994.
Para Vnia, pela pacincia e para Mara, pela alegria.
Ao Pe. Joo Alfredo Rohr S.J., In Memoriam.
SUMRIO
RESUMO
.............................................................. VII
ABSTRACT ............................................................. VIII AGRADECIMENTOS .......................................................... IX APRESENTAO ............................................................ 1 1 NOSSO MODO DE PROCEDER ................................................ 5 2 O TERRITRIO EM QUE VIVIAM OS XOKLENG: AMBIENTE E RECURSOS ............. 9 3 QUEM CRIOU AS INFORMAES SOBRE OS XOKLENG E SOBRE OS OCUPANTES
ANTERIORES DO SEU TERRITRIO
...................................... 23
4 O QUE CONHECEMOS DOS XOKLENG ......................................... 49 I Economia, Sociedade, Cultura .................................... 49
II Produo Artesanal .............................................. 72 5 SINTETIZANDO: O MODELO XOKLENG ...................................... 103 A MANEIRA DE CONCLUSO: O QUE OS ARQUELOGOS PODEM UTILIZAR DO MODELO XOKLENG .......................................................... 118
REFRNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................. 122 ANEXOS ................................................................ 136
MAPAS E ILUSTRAES
Mapa dos Ataques Xokleng a Localidades Catarinenses ............... 53 Prancha I - Padres de Cestaria Xokleng ........................... 90 Prancha II - Arcos Xokleng ........................................ 92 Prancha III - Flechas Xokleng ..................................... 94 Prancha IV - Pontas de Flechas Xokleng ............................ 95 Prancha V - Emplumao, Encaixe e Fixao de Ponta nas Flechas .... 96 Prancha VI - Lanas Xokleng ...................................... 100 Prancha VII - Acampamentos Xokleng na Mata Atlntica ............. 105 Prancha VIII - Acampamento Cerimonial Xokleng .................... 107 Prancha IX - Acampamento Xokleng no Planalto I ................... 108 Prancha X - Acampamento Xokleng II ............................... 109
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo compor uma etnohistria do grupo indgena Xokleng, que habitava a Mata Atlntica, no Estado de Santa Catarina, desde o perodo colonial at o sculo XX. As informaes obtidas foram usadas para criar um modelo
etnogrfico passvel de ser usado e testado em pesquisas arqueolgicas realizadas na mesma rea, em stios arqueolgicos coincidentes com a colonizao europia ou anteriores a mesma. Buscou-se tambm estabelecer, a partir da etnologia Xokleng,
ligaes com os stios arqueolgicos existentes em seu territrio histrico e tambm verificar as possibilidades de utilizao da
etnologia como referencial para estabelecer hipteses a serem testadas sobre as estratgias de ocupao e aproveitamento dos recursos
naturais da regio por parte de grupos pr-histricos e seu reflexo na cultura material dos mesmos.
ABSTRACT
The present monograph aims to compose the ethnohistory of the Xokleng, who inhabited the Atlantic Forest, in the State of Santa Catarina, from colonial times to the 20th century. The information model, attained able to be have used been and used tested to in elaborate an
ethnographic
archaeological
research in the very same area, in archaeological sites coincident or previous to the European colonization. Departing linkings with from the the Xokleng ethnology sites we search in to establish historical
archaeological
found
their
territory and to verify the possibilities of ethnology as reference to establish hypothesis to be tested about the strategies of occupation and exploitation of the local natural resources by prehistoric groups and, consequently, its influence in their material culture.
AGRADECIMENTOS
Ao
meu
Orientador
Pedro
Igncio
Schmitz,
pelas
inmeras
sugestes, conselhos, contribuies e pelo tempo dispendido comigo. Sem ele, este trabalho no estaria realizado. UNISINOS e ao Instituto Anchietano de Pesquisas, que
possibilitaram as condies materiais para a realizao deste trabalho e Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, pelo financiamento. s diversas Instituies que abriram suas portas para a consulta de colees e documentos, especialmente ao Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, ao Museu do Homem do Sambaqui, ao Arquivo Pblico do Estado de Santa Catarina e a Biblioteca
Municipal de Florianpolis. A Marcos Alberto Rahmeier, que fez as tradues dos textos em alemo.
A Luiz Alberto Castilhos de Souza, pelas ilustraes e a Rogrio Francisco aldeias. A Marcus Vincius Beber pela datilografia e gerenciamento dos bancos de dados em computador e a Andr Osrio Rosa, pelas sugestes e auxlio em zoologia e botnica. A todos os Colegas de trabalho, especialmente aos do IAP e do Museu de Antropologia da UFSC, pelas sugestes, amizade e Sanchotene Severo pelas ilustraes esquemticas das
companheirismo durante estes anos todos. A todas as pessoas que, de alguma maneira, ajudaram a tornar este trabalho uma realidade.
X
APRESENTAO
O objetivo desta monografia compor uma etnohistria do
grupo
indgena Xokleng, que habitava a Mata Atlntica, no Estado de Santa Catarina, no perodo colonial e imperial da Histria do Brasil; a partir deste estudo criar um modelo etnogrfico passvel de ser usado e testado em pesquisas arqueolgicas realizadas na mesma rea, em stios arqueolgicos coincidentes com a colonizao europia ou
anteriores mesma. Duas questes foram levadas em conta dentro desta perspectiva: a possibilidade de estabelecer, a partir da etnologia Xokleng, ligaes com stios arqueolgicos existentes em seu territrio histrico e as possibilidades estabelecer de utilizao a serem da etnologia testadas como as referencial estratgias para de
hipteses
sobre
ocupao e aproveitamento dos recursos naturais da regio por parte de grupos pr-histricos. Para isso realizamos um levantamento no s da produo
arqueolgica existente para a regio, como tambm uma pesquisa da etnografia do grupo, baseada em documentos histricos e etnogrficos, que foram utilizados a partir de uma perspectiva etnohistrica, com o objetivo de formar um quadro da cultura material Xokleng, que pudesse ser comparado com os dados arqueolgicos disponveis. No primeiro captulo desta dissertao, procuramos apresentar o enfoque trabalho. O segundo captulo busca localizar a rea em estudo geogrfica, geomorfolgica e ecologicamente, levando em conta variveis terico e metodolgico utilizado para a realizao do
climticas, faunsticas e florsticas a fim de examinar o potencial de recursos nela existentes e as condies naturais para a instalao de um sistema de abastecimento, assentamento e organizao social. O terceiro captulo, revisa a bibliografia existente sobre o
assunto e comenta criticamente a produo arqueolgica, histrica, etnolgica e antropolgica disponvel. O quarto captulo reune as informaes existentes sobre os
Xokleng. No s as contidas nos trabalho publicados, mas tambm as obtidas a partir da anlise de colees etnogrficas, de maneira a formar um painel do conhecimento existente a respeito do modo de vida tradicional do grupo. Foram privilegiados os dados sobre territrio, nomadismo, padro de assentamento, padro de subsistncia, tecnologia e organizao social.
2
O
quinto
captulo
sintetiza
os
dados
reunidos
no
captulo
anterior, formando um quadro passvel de ser usado como modelo das estratgias de ocupao e utilizao dos recursos do meio ambiente pelos Xokleng. Seguem as concluses obtidas a partir da anlise das informaes a respeito dos Xokleng e as propostas que, a partir do confronto destas formando com as informaes para arqueolgicas, serem testadas podem em ser pleiteadas, trabalhos
hipteses
futuros
arqueolgicos. Tambm esto includas, anexas, a listagem dos objetos que
compem as colees etnogrficas analisadas e uma sntese dos ataques que os Xokleng levaram a efeito em Santa Catarina, de acordo com os dados publicados. Com a finalidade, j referida, de facilitar o acesso aos dados apresentados, as citaes que estavam em lngua estrangeira (alemo e ingls) foram traduzidas para o portugus. Por sua prpria temtica, esta monografia dever ser revista luz de informaes futuras, j que trata da construo de um modelo que pode e deve ser falseado. Ela dever funcionar como uma pedra de toque, frente qual as evidncias arqueolgicas sero reunidas, no s buscando descobrir os antepassados dos Xokleng, mas principalmente auxiliando na interpretao das estruturas arqueolgicas dos stios da regio, aumentando assim, cada vez mais, nosso conhecimento sobre o passado dos grupos que a habitaram. No foi possvel esgotar a documentao histrica e etnolgica existente. Algumas obras importantes so pouco acessveis por sua raridade e um volume desconhecido de informaes ainda se encontra em3
arquivos, particulares ou pblicos, esperando por pesquisadores. Da mesma forma existem colees de artefatos Xokleng, tanto no Brasil como no exterior, que ainda aguardam anlise. Em vista destes fatos, no h motivo para considerar esta obra como definitiva. Seu mrito est na sistematizao de colees e
documentos de acesso nem sempre fcil, de maneira a possibilitar que arquelogos, dificuldades, etnlogos alm de e muselogos que possam uma utiliz-las sem tantas
mostrar
abordagem
interdisciplinar,
dentro das cincias humanas, ir gerar mais resultados que anlises compartimentadas em histria, antropologia ou arqueologia.
4
1 NOSSO MODO DE PROCEDER
A utilizao de informaes sobre grupos indgenas atuais para auxiliar na interpretao atravs de dos restos materiais de culturas pra
histricas,
trabalhos
interdisciplinares,
envolvendo
arqueologia, a biologia, a etnologia e a etnohistria, uma prtica recente no Brasil, embora pesquisadores norte-americanos venham
aplicando este mtodo para elaborao de modelos interpretativos da pr-histria desde a dcada de 1940 (Mendona de Souza, 1991). Atualmente, esta interdisciplinaridade uma das principais
tendncias da arqueologia contempornea, estando baseada no fato de que "analisar o presente serve o passado" e que"o registro arqueolgico um fenmeno contemporneo e as observaes que fazemos sobre ele no so observaes histricas. Necessitamos de jazidas que conservem elementos do passado; mas, da mesma maneira, temos necessidade de instrumentos tericos que dem
sentido
a
estes
elementos,
quando
encontrados"
(Binford, 1988: 27) Segundo este mesmo autor estes instrumentos tericos, destinados a auxiliar na interpretao do registro arqueolgico, s podem ser obtidos a partir da observao de grupos indgenas atuais que explorem ambientes semelhantes e que possuam tecnologias de explorao deste meio ambiente similares s dos povos pr-histricos estudados, sendo que "os nexos entre o que encontramos e as condies que deram lugar sua produo s podem ser estudados a partir dos povos atuais" (Binford,
1988: 28). Este mtodo de comparao (ou analogia) etnogrfica definido de maneira ampla por Prous (1992: 51), quando afirma que "a comparaoetnogrfica consiste na observao das populaes atuais no industriais nem artesanais extrapolando os resultados para a pr-histria". Segundo
este autor, devido variao das culturas humanas, este mtodo deve ser empregado com extrema cautela, particularmente quando a comparao feita entre culturas separadas no s temporalmente, mas tambm geograficamente. Este mtodo no entanto:"seria aplicvel com certa segurana no campo da cultura material, comparando-se populaes de nvel tecnolgico semelhante e submetidas a presses naturais parecidas" (Prous, 1992: 51).
Baseado
nisto
pode-se
afirmar
que
um
modelo
etnolgico
especfico, criado a partir do estudo da cultura de um grupo indgena documentado historicamente, pode ser bastante til para compreender fenmenos como padro de assentamento, tecnologia e padro de
subsistncia, de grupos pr-histricos que deixaram vestgios na mesma rea geogrfica, desde que sua tecnologia e cultura sejam semelhantes. Quando o grupo indgena que servir de base para a elaborao deste modelo no mantm mais as caractersticas de sua cultura
tradicional (no Brasil, isto freqentemente ocorre a partir do contato6
com a sociedade nacional), pode se fazer o controle dos documentos etnogrficos e histricos existentes atravs da etnohistria,
entendendo-se esta disciplina como:"Um conjunto especial de tcnicas e mtodos para estudar a cultura atravs do uso das tradies escritas e orais. Como metodologia, tem um carter complementar, no s em relao arqueologia, como tambm lingstica histrica, a etnografia e paleobiologia."
(Karmack, 1979: 17) No que diz respeito utilizao dos documentos histricos,
tambm Binford (1988: 29) afirma que:"servem no s para identificar os locais de ocupao antigos como tambm para informar-nos do que ali ocorria e qual nvel de especializao artesanal existia, por exemplo, com detalhes referentes organizao social do assentamento. Uma vez conhecidos estes aspectos sobre a dinmica do assentamento, estamos em condies de escavar a jazida e relacionar os achados com as notcias que possuimos sobre as atividades e processos que tiveram lugar no passado".
O
mtodo
etnohistrico,
portanto,
possibilita
um
conhecimento
mais profundo da cultura tradicional do grupo a ser estudado, quando ainda pouco alterado pelo contato com outras sociedades, o que
proporciona condies mais seguras para o estabelecimento de ligaes com as culturas pr-histricas. Quanto questo do estabelecimento de um modelo etnolgico, este deve ser aqui entendido como uma construo terica, baseada na
etnologia de um grupo indgena e de documentao histrica recuperada atravs da etnohistria, contra o qual os questionamentos produzidos pela arqueologia podem ser comparados. Este modelo conforme destaca Belowski (1978: 353) "... no pode ser usado para aprovar ou desaprovaruma viso especfica. Deve ser usado como uma hiptese, contra a qual as observaes podem ser comparadas para ver se o modelo pode ser falseado."
7
2 O TERRITRIO EM QUE VIVIAM OS XOKLENG: AMBIENTE E RECURSOS
Localizao
A
rea
geogrfica
ocupada
historicamente
pelo
grupo
indgena
Xokleng situa-se, aproximadamente, entre 26o e 29o30' de latitude sul e 50o30' e 49o30' de longitude oeste, englobando reas do litoral, contrafortes da Serra Geral e do Mar e do Planalto Meridional
Brasileiro, compreendendo atualmente partes dos Estados do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.(mapa p.53)
Geologia e Geomorfologia
A
geologia
desta por
rea,
segundo de
Pedro da
F.
T.
Kaul
(1990),
caracterizada
terrenos
domnio
cobertura
sedimentar
cenozica no litoral, por terrenos de domnio pr-cambrinicos nos
contrafortes da Serra Geral e do Mar e por terrenos de domnio da Bacia do Paran, com cobertura sedimentar gondwnica, no Planalto Meridional. Os terrenos de domnio da cobertura sedimentar cenozica
correspondem a terrenos predominantemente holocnicos que surgem no litoral sul do Paran, no litoral sul de Santa Catarina e no litoral norte do Rio Grande do Sul. As formaes caractersticas nestas reas so a formao Guabirotuba, que ocorre desde Curitiba, PR at Tijucas do Sul, SC, epor
caracteriza-seargilitos e,
por
"depsitos
semiconsolidados, arenitos
representados
secundariamente,
arcseos,
arcoseanos, margas e conglomerados..." (Kaul, 1990:41). Estes depsitos
so pleistocnicos e formados em ambiente fluvial com clima semirido; Formao Alexandra, situada a sudoeste de Paranagu, PR,
caracterizada por "uma seqncia de conglomerados, arcseos, areias eargilas, inconsolidados, depositados durante o Pleistoceno em ambiente fluvial, sob condies de clima semi-rido" (Kaul, 1990:41); Formao
Chu, distribuda pelo litoral sul de Santa Catarina e litoral do Rio Grande do Sul, composta por "areias quartzozas mdias a finas, bemselecionadas (...) e areias quartzozas sltico argilosas"
(Kaul, em
1990:41).
Este
depsito,
fossilfero,
formou-se
no
Pleistoceno
ambientes marinhos de guas rasas e ambientes lacustres. Os terrenos de domnio Pr-Cambrinico, compreendendo os Crtons de Luiz Alves e o Cinturo Mvel Don Feliciano, caracterizado pela presena de diversos tipos de rochas formadas entre trs bilhes de anos e quinhentos milhes de anos atrs. Trata-se de rochas
metamrficas de origem gnea e sedimentar, rochas gneas granitides e sequncias de cobertura vulcanossedimentar. O crton de Luiz Alves, situado no nordeste de Santa Catarina e leste do Paran, formado por9
rochas
metamrficas de
de
origem So
Arqueana,
que
apresentam gnaisses
diversos
processos
metamorfismo.
encontrados
anortositos,
quartzitos, metamorfitos, e biotita-gnaisses, entre outros. O Cinturo Mvel Don Feliciano situa-se a leste de Santa Catarina e composto por complexos metamrficos-migmattico-granticos concordantes. Um
deles, o flanco ocidental, tem embasamento formado por migmatitos e gnaisses, com sequncias entremeadas central, orogmicas com rochas composto com pacotes de O rochas outro
parametamrficas complexo, a
metavulcnicas. por rochas
zona
gnissicas,
migmatticas e granticas. Alm disso, em todo o Cinturo Mvel Don Feliciano ocorrem freqentes intruses Os Bacia terrenos do Paran, da Cobertura do granticas. Gondwnica de domnioat
Sedimentar
dao
datam
Siluriano
Inferior,
"...formando
Jurssico, extensas e espessas sequncias de sedimentos de granulao essencialmente fina, com intercalaes de calcrio e rarssimos
conglomerados" (Kaul, 1990:381).
Encaixados
nos
terrenos
de
domnio
da
Bacia
do
Paran
e
nos
terrenos de domnio Pr-Cambrinico, temos ainda derrames vulcnicos jurocretcicos e outras manifestaes associadas. caracterstica a Formao Serra Geral, formada por derrames de lava, diques e soleiras. A seqncia bsica desta formao, predominante, caracteriza-se pela presena de basalto, andesito, basalto com vidro, diques e soleiras de diabsio, brechas vulcnicas e sedimentares e corpos de arenitos
interderrames. A seqncia cida desta formao corresponde a derrame de dacitos, riolitos, basaltos-prfiros e fenobasaltos vtreos. A
idade da formao Serra Geral estimada em 110 a 160 milhes de anos atrs.
10
Relevo
A quatro
rea
em
estudo
compreende
quatro e
domnios
morfoestruturais, unidades de
subdomnios
morfoestruturais
sete
diferentes
relevo. No litoral, ocorre o Domnio dos Depsitos Sedimentares
Quaternrios, ao sul de Santa Catarina e em todo o litoral do Rio Grande do Sul situam-se e no os depsitos de sedimentares Catarina litorneos encontram-se da os
Plancie
Gacha,
nordeste
Santa
depsitos litorneos de Plancies Descontnuas. Estes depsitos:
"compreendem amplas superfcies, geralmente planas e baixas resultantes da acumulao de sedimentos arenosos, areno argilosos, predominantemente quaternrios (...), depositados em ambientes marinhos, fluviais, lagunares, elicos e colvio-aluvionares".
(Herrmann & Rosa, 1990:56)
A unidade de relevo da Plancie Gacha ocorre desde Garopaba, SC at Chu, RS. caracteriza-se pela presena de dunas, terraos
marinhos, plancies arenosas e cordes de restinga. Segundo Herrmann & Rosa (1990: 56),"...predomina um litoral retilneo com suas praias estendendo-se por centenas de quilmetros, e costa com forma alongada, com avano para o mar, exceo feita, apenas, em um pequeno trecho entre as imediaes das cidades catarinenses de Laguna e Garopaba, onde as praias so estreitas, apresentando um litoral recortado, formando enseadas."
A Unidade de Relevo de Plancies Descontnuas ocorre desde o litoral norte-paranaense at prximo a Itaja, SC, possuindo largura mdia de 10km que aumentam para at 30km junto aos rios e baas que a drenam. chegar Suas a 30 altitudes metros em mdias algumas situam-se reas. em cerca de por 10m, podendo
formada
sedimentao
11
marinha
e
acumulaes
elicas,
caracterizando
bacias
sedimentares
quaternrias. No domnio das Bacias e Coberturas Sedimentares e dentro do
Subdomnio da Bacia e Depsitos Sedimentares do Paran, temos trs Unidades de Relevo. A Unidade de Relevo das Depresses Perifricas ocorre a sudeste de Santa Catarina, possuindo altitudes mdias de 400 metros e desnveis variando do de 100 a 1.000 com metros. vales Seu relevo e
apresenta-se vertentes tambm na
colinoso
tipo
convexo, formas
encaixados
ngremes, rea
apresentando residuais
cncavo-covexas. de topo
Ocorrem com
relevos
baslticos
plano
altitudes de at 500 metros; a Unidade de Relevo Patamares da Bacia do Paran uma rea interplanltica de relevo acidentado que circunda o Planalto das Araucrias desde So Paulo at Santa Maria, RS. O contato entre esta Unidade de Relevo e o Planalto feito pela "cuesta", que
corresponde Serra Geral, que vai se descaracterizando a sudeste e ao sul. As quotas altimtricas atingem em suas pores orientais at 1.200 metros, decaindo, no sop da Serra Geral, para quotas mdias de 650 metros; a Unidade de Relevo Planalto das Araucrias abrange os
estados do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tendo limites a norte com o estado de So Paulo e ao sul com os vales dos rios Jacu e Ibicu. A quotas altimtricas mais elevadas ocorrem a leste,
ultrapassando, prximo Serra Geral, 1.200 metros. No domnio da Faixa de Dobramentos, correspondendo ao Subdomnio das faixas de Dobramentos do Sul, temos a unidade de Relevo das Escarpas e Reversos da Serra do Mar, que engloba a serra e o planalto a ela contguo (planalto de Curitiba). Compreende a poro meridional da Serra do Mar, ocupando o sul do Paran e o extremo norte de Santa
12
Catarina. Os relevos desta rea variam de cerca de 850 a 1.100 metros de altitude. Dentro do domnio dos Embasamentos em Estilos Complexos e dentro do subdomnio dos Embasamentos do Sul, temos a Unidade de Relevo das Serras do Leste Catarinense. Esta Unidade um prolongamento dos
paredes costeiros que, ao norte de Joinville, so chamados de Serra do Mar, estendendo-se desde Joinville, SC at Cricima, SC. Suas
quotas altimtricas vo desde 100 metros, prximo ao litoral, at mais de 1.200 metros, nas serras de Anitpolis e Tabuleiro.
Vegetao
A vegetao da regio caracterizada
pela Floresta Ombrfila
Densa nas reas litorneas at os contrafortes do Planalto Meridional Brasileiro, onde as formaes florestais evoluem gradualmente para a Floresta Ombrfila Mista. A Floresta Ombrfila Densa, segundo Leite & Klein (1990: 118)"...caracterizava-se por estratos superiores com grandes rvores de altura entre 25 e 30 metros, perenifoliadas e densamente dispostas, portando brotos foliares desprovidos de proteo contra a seca e as baixas temperaturas."
Uma das caractersticas deste tipo de floresta a diversificao ambiental resultante de fatores como altitude, umidade e solo, com grande influncia de sobre a flora e a fauna e Os metros que permite o
desenvolvimento expressivos,
formaes entre
diversificadas. 30 e 1.000
ambientes de
mais
situam-se
altitude,
correspondendo a formaes submontanas e montanas. Fisionomicamente, tem grande importncia as lianas e os epfitos, principalmente
bromeliceas, cactceas, orquidceas, diversos gneros de cips e as arceas dos gneros Philodendron e Anthurium. Sua flora arbrea possui13
cerca de 708 espcies, sendo as de maior valor fisionmico a canelapreta, a laranjeira-do-mato, a peroba-vermelha, o pau-leo, a canelasassafrs, a bicuba, a caxeta-amarela, a canela-amarela, a guarajuva, a guapeva, e o palmiteiro. Nas plancies litorneas predominam a
figueira-de-folha-mida, o taip-gua, o olandi, o ip-amarelo, o guac-de-leite, o baguau, o leiteiro e o gumirim-ferro. Nos terrenos com altitudes acima de 1.000 metros predominam a gramimunha-mida, o cambu, o guaper, a quaresmeira, a jabuticaba-do-campo, o gumirim, a congonha e a cana, entre outros. Ainda nesta altitude, em reas de solo raso ou de com embasamento rochoso exposto, com pode ocorrer caratuvas a e
instalao
vegetao
gramneo-lenhosa,
cars,
gramneas como a taquara-lisa. A regio de Floresta Ombrfila Mista, correspondente ao Planalto Meridional Brasileiro, caracterizada pela coexistncia de espcies da flora tropical e temperada. O principal destaque a presena do pinheiro-do-paran, ou araucria. O domnio desta floresta se d em altitudes acima de 800 metros. Dentro da Floresta Ombrfila Mista ocorrem dois tipos de comunidades com araucria: uma delas
caracterizada pela associao predominante da araucria e da imbuia, ocorrendo ainda a canela-amarela, a canela-preta, a canela-fogo, a sacopema, formada a a guabirobeira, pela e a erva-mate. A outra comunidade
basicamente por
araucria,
formando
estratos
densos,
acompanhados
canela-lageana,
canela-amarela,
canela-guaic,
canela-fedida, camboats, casca-d'anta, pinheirinho, guabirobeira e outras.
Clima
14
O clima da Regio Sul, segundo Nimer (1990) pode ser classificado como Mesotrmico do tipo Temperado, com mdia de precipitao anual variando entre 1.250 a 2.000 mm., com chuvas uniformemente
distribudas por todo o territrio e sem estao seca. A temperatura mdia anual na regio varia conforme a altitude. Assim, a mdia, que no litoral catarinense de 20oC para uma altitude at 200 metros, vai baixando progressivamente conforme aumenta a
altitude, chegando no Planalto da Araucrias com mdias de 16oC para altitudes acima de 1.000 metros. Existe ainda, na regio, uma marcada diferena de temperatura entre o vero e o inverno. Durante o ms mais quente (janeiro), a temperatura mdia varia de 24o no litoral, a 20o
no Planalto, podendo atingir, com exceo das regies mais altas do Planalto, mximas acima de 40o centgrados. J durante o ms mais frio (julho), as temperaturas mdias, devido ao das frentes polares, oscilam entre 15o e 10o em quase todo o territrio, com exceo das
partes mais altas do planalto, que apresentam mdias abaixo de 10o centgrados. Nestas regies do Planalto freqente a precipitao de neve, enquanto que no restante da regio, com exceo de partes do litoral, comum a formao de geadas. As mnimas absolutas podem chegar a 0o no litoral, diminuindo progressivamente, conforme a
altitude, at mnimas absolutas de -10o C., nas partes mais altas do Planalto. As variaes do clima Mesotrmico na regio podem ser assim
esquematizadas: Clima Mesotrmico Subquente Supermido nas reas do litoral do Paran e Santa Catarina; Clima Mesotrmico Brando
Supermido nos contrafortes da Serra Geral; Clima Mesotrmico Mdio Supermido no Planalto das Araucrias.
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Hidrografia
A regio caracteriza-se por possuir, na vertente leste da Serra Geral, grande quantidade de bacias hidrogrficas de pequeno porte, que Justus (1990) classifica como Bacias Hidrogrficas do Sudeste,
englobando os rios desde o litoral de So Paulo at o litoral do Rio Grande do Sul. Estes rios so considerados de regime tropical desde o norte at a Ilha de Santa Catarina, passando a ser classificados como de regime subtropical da Ilha de Santa Catarina para o sul. So rios morfologicamente acidentados na sua recentes, com declividade acentuada e leitos
parte superior, sendo freqentes as quedas d'gua.
Nas proximidades do litoral seus leitos se tornam quase planos e meandrosos. A maior bacia hidrogrfica da regio a do rio ItajaAu. Outras bacias de porte menor so as dos rios So Joo, Cubato, Itapocu, Tijucas, Tubaro, Ararangu, Mampituba e Trs Forquilhas. Na vertente sudoeste da Serra Geral, temos as nascentes dos rios Pelotas e Canoas, formadores do Rio Uruguai. Os lagos da regio so freqentes, mas confinados ao litoral. Os principais so as lagoas de Itapeva, Sombrio, Garopaba do Sul, Imaru e da Conceio, todas originadas no Holoceno.
Fauna
Entre os animais que podem ocorrer na regio em estudo, existem representantes das seguintes ordens, segundo Silva (1984): Marsupialia (Gambs, cucas e guaiquicas), Edentata (tats e tamandus), Primatas (bugios e micos), Carnivora (guars, graxains, coatis, mo-peladas, iraras, fures, lontras, ariranhas, gatos-do-mato, pumas, jaguatiricas e onas), Perissodactyla (antas),16
Artiodactyla
(porcos-do-mato
e
veados), Rodentia (ourios-cacheiros, pres, capivaras, pacas, cutias) e Lagomorpha (tapitis). As aves esto representadas, Sick et alii entre outras, Rehidae pelas (emas), seguintes Tinamidae (carcars, (bis),
famlias, (macucos, socs,
segundo
(1879):
inhambs,
jas,
perdizes,
codornas),
Ardeidae
savacus),
Cicomiidae
(cegonhas),
Threskiornithidae
Phoenicopteridae (flamingos), Anhimidae (tachs), Anatidae (cisnes, marrecas), Cathartidae (urubus), Accipitridae (gavies), Falconidae (falces, caracars), Cracidae (aracus, jacus), Phasiamidae (urus), Aramidae (cares), Relidae (saracuras, frangos-d'gua), Cariamidae
(seriemas), Charadriidae narcejas),
Jacanidae
(jaans),
Heamatopodidae
(pirs-pirs), (maaricos, (pombas,
(quero-queros,
baburas),
Scolopacidae
Psitacidae
(periquitos,
papagaios),
Columbidae
rolas), Ramphastidae (tucanos), Corvidae (gralhas), alm de muitas outras famlias com representantes de menor porte. Podem ser encontrados ainda na regio quelnios, rpteis,
anfbios e insetos, destacando-se a importncia de vrias espcies de abelhas melferas. Os peixes existentes na regio so pertencentes a espcies de pequeno porte, principalmente nas partes superiores dos cursos d'gua da regio, com leitos acidentados e encaichoeirados. Entre outros, ocorrem acars, traras, jundis, cascudos e lambaris. Nas partes inferiores dos cursos dos rios, j prximos ao litoral, e nas lagoas costeiras, alm destas espcies, ocorrem ainda outras adaptadas a guas salobras, como tainhas, robalos, bagres e outros.
Disponibilidade de Recursos Naturais
17
Dentro formaes
da
regio
em
estudo,
e
devido
existncia Densa,
de
duas
florestais
distintas
(Floresta
Ombrfila
Floresta
Ombrfila Mista), os recursos de coleta vegetal, principalmente, e em menor grau tambm os recursos de caa e coleta animal, distribuem-se de maneira sazonal. Os recursos da Floresta Ombrfila Densa (Mata Atlntica), esto disponveis, em sua maioria, principalmente nos meses de novembro a abril (final da primavera, vero e incio do outono), poca em que diversas rvores frutferas alcanam a plena maturao dos seus
frutos. Um recurso tpico da Floresta Ombrfila Densa, o palmiteiro (Euterpe edulis), pode ter o seu meristema (palmito) coletado durante todo o ano. A frutificao, nestes meses, responsvel por um aumento na concentrao de aves, mamferos e rpteis, que deles se alimentam, ou que predam os animais por ela atrados. Isto no significa que durante os meses de final de outono,
inverno e incio da primavera no existam recursos de caa nesta rea, mas sim que estes recursos, existentes porm dispersos, se concentram durante a poca de maturao dos frutos. O recurso vegetal de maior importncia encontrado na Floresta Ombrfila Mista (Mata de Araucrias), sem dvida o pinho, fruto do Pinheiro do Paran (Araucaria angustifolia), cuja maturao se d nos meses de abril a junho (final do outono e incio do inverno), atraindo com ela grande quantidade de fauna.
Recursos de coleta vegetal da Floresta Ombrfila Densa (Mata Atlantica) Nome Comum Nome Cientifico Frutificao
Agua Amoreira-do-mato Anans-de-cerca
Chisophilum viride Rubus erythroclados Ananas bracteatus18
primavera vero outono
Ara-amarelo Araticum-cago Bacupari Brejaba Buti-da-praia Figueira-do-mato Gravat Grumixama Guamirim-ara Guamirim-facho Ings Palmiteiro Pindabuna Tajuva
Psidium cattleyanum Annona cacans Rheedia gardneriana Astrocaryum aculeatissimum Butia capitata Ficus organensis Bromelia antiacantha Eugenia brasiliensis Murcia glabra Myrcia dichorophylla Inga sp. Euterpe edulis Duguetia lanceolata Cholorophora tinctoria
vero/outono outono primavera vero vero vero/outono primavera/vero inverno/primavera inverno/primavera vero/outono outono/primavera outono vero
Recursos de coleta vegetal de ambas as Formaes Vegetais
Nome Comum
Amoreira-preta Araticum Araticum-do-mato Chal-Chal Cincho Coqueiro-geriv Guabirobeira Jaboticabeira Pitanga Tucum
Nome Cientifico Rubus urticifolius Rollinia rugosa Rollinia silvatica Allophylus edulis Sorocea bonplandii Arecastrum romanzoffianum Campomanesia xantocarpa Myrciaria trunciflora Eugenia uniflora Bactris sp.
Frutificao
vero vero/outono outono primavera/vero vero vero/outono vero primavera primavera/vero inverno
Recursos de coleta vegetal da Floresta Ombrfila Mista (Mata De Araucrias)
Nome Comum
Buti-da-serra Canela-imbuia Goiaba-do-campo Pinheiro-do-Paran Uvaia
Nome Cientifico Butia eriosphata Nectandra megapotamica Feijoa sellowiana Araucaria angustifolia Eugenia pyriformis
Frutificao
vero vero/outono outono outono/inverno vero
19
Outros recursos de coleta animal, entre os quais se destacam o mel e larvas de diversos insetos, podem ser encontrados em ambas s regies durante todo o ano. Rochas artefatos passveis lticos de serem ser utilizadas como matria-prima nas reas de
podem
encontradas
tanto
baixas,
prximas ao litoral, como no Planalto, sob a forma de afloramentos ou sob a forma de seixos rolados, carreados desde sua origem pelos cursos de gua de grande energia existentes na regio. Entre estas rochas, destacam-se o diabsio, o basalto, o quartzito, o slex, a calcednia e o arenito silicificado. O ambiente descrito, sujeito a quatro estaes bastante marcadas por causa da latitude, com recursos multiplicados por causa do
gradiente altitudinal e compartimentao geomorfolgica, pode induzir uma populao caadora-coletora a criar para si um sistema de
assentamento e manuteno anual especfico para a base material na qual se instala.
20
Grande extenso territorial e limites bem claros com os ambientes vizinhos podem facilitar a manuteno do modo de vida criado e defesa do territrio contra outras populaes indgenas, mesmo que mais
avanadas tecnolgica e socialmente. Veremos que isso aconteceu com os Xokleng.
21
3 QUEM CRIOU A INFORMAO SOBRE OS XOKLENG E SOBRE OS OCUPANTES ANTERIORES DO SEU TERRITRIO REVISO BIBLIOGRFICA
Fontes Histricas e Antropolgicas
A documentao histrica e antropolgica sobre os Xokleng pode ser dividida em trs grandes grupos temticos, e os de acordo com que a se
cronologia
dos
documentos,
dos
relatos
objetivos
propuseram os autores dos mesmos. Ao primeiro grupo chamaremos de Documentos Histricos, estando includos nesta classificao os relatos de viajantes estrangeiros (sculos XVIII e XIX), as Fallas e Relatrios dos Presidentes da Provncia de Santa Catarina (sculos XIX e XX), obras de histria catarinense municipais e regionais (sculos XIX e XX), e crnicas histricas municipais (sculo XX).
Ao segundo grupo, chamaremos de Relatos Etnogrficos, englobando narrativas professores, e entrevistas jornalistas e feitas por agrimensores, que, quer engenheiros, direta quer
missionrios
indiretamente, estiveram envolvidos com os Xokleng, procurando nestas obras descrever seus costumes e hbitos. Estes relatos datam dos
sculos XIX e XX. Ao terceiro grupo chamaremos de Obras Antropolgicas. Este
formado por obras a respeito dos Xokleng que mostram preocupao em sistematizar os dados existentes, obtidos a partir do contado com o prprio grupo ou a partir de outros documentos, de acordo com a teoria e mtodo antropolgicos. Estas obras so datadas do sculo XX. Dentro do grupo dos Documentos Histricos, as informaes que podem ser obtidas dizem respeito principalmente presena diferentes reas do territrio, percebida atravs Xokleng em ataques
dos
realizados aos colonizadores, o que ajuda a traar os limites do territrio histrico do grupo. Menos freqentes nestes documentos so informaes sobre armamento, habitao e alimentao. Entre os viajantes que percorreram a regio, Frzier, 1716
(1984)*; Langsdorf, 1812 (1984); Mawe, 1812 (1984); Lisianski, 1814 (1984); Duperrey, 1827 (1984), referem-se presena de ndios nas matas fronteiras Ilha de Santa Catarina, o que impedia a colonizao da regio. Saldanha, 1798 (1871) e Matos, 1797 (1858), falam da existncia de ndios nas matas da Serra Geral, at o rio Canoas, no Planalto Catarinense.
*Para melhor localizar temporalmente os autores citados, aps o nome do autor apresentamos a data em que a observao foi feita, sendo seguida esta pela data entre parnteses da edio do relato por ns utilizada.
23
Saint-Hilaire, 1820 (1978), relata ataques prximos a Piraqu, no litoral norte de Santa Catarina, feitos por ndios de lbios
perfurados chamados pelos Kaingang de Palmas de "socr". Carvalho, (1824) fala de ataques nas vilas de Lages, Laguna e Ararangu, em Santa Catarina. Seidler, 1835 (1941), diz que na regio de Torres, RS, os colonos sofriam constantes ataques dos ndios. Lima, 1842 (1863), conta que os Xokleng habitavam entre os rios Iguass e Uruguai, tendo poca atacado a localidade de Itapeva, no Rio Grande do Sul. Aub (1847), refere-se existncia de ndios "bugres" nas matas do norte de Santa Catarina, trazendo ainda algumas informaes sobre armamento, habitao e alimentao destes. Av-Lallemant, 1882 (1980), relata ataques ocorridos poca, na regio de Tijucas, na estrada entre Tubaro e Lages e no municpio de Lajes no Planalto Catarinense. Hensel, 1892 (1928), conta que os Botocudos, que atacavam os colonos alemes instalados ao norte do Rio Grande do Sul, se teriam retirado para as matas de Santa Catarina e Paran. Pitanga, 1882 (1916), relata um ataque de bugreiros a um
acampamento Xokleng prximo ao Rio Negro, no norte de Santa Catarina, que havia sido presenciado por um estancieiro de Curitibanos, seu informante. As Fallas e Relatrios dos Presidentes da Provncia de Santa Catarina so discursos informativos destes s Cmaras Provinciais ou24
aos
seus
sucessores,
podendo
ou
no
serem
anuais.
A
principal
informao que apresentam diz respeito s incurses e ataques dos Xokleng contra localidades ou tropeiros, fornecendo assim dados sobre o territrio histrico do grupo. Em alguns casos apresentam ainda informaes mais ou menos detalhadas sobre armamento, habitao, caa e coleta, nomadismo, e motivos dos ataques. Estas Fallas e Relatrios cobrem o perodo de 1835 a 1911, sendo que as mais ricas em
informaes so as FPP-34 (1876), FPP-35 (1877, FPP-46 (1905) e FPP-47 (1911). As obras de histria catarinense, em sua grande maioria,
registram informaes sobre ataques dos Xokleng aos ncleos coloniais que, durante o sculo XIX, comeam a ser fundados no Estado. Assim, D'Almeida Coelho (1856), alm de breves notas sobre o nomadismo dos ndios e informaes sobre os locais onde apareciam mais comumente (Itaja, Cambori, estradas de So Jos e Tubaro at Lages,
Itapocoroy e So Francisco do Sul), registra ataques s colnias Nova Itlia (Col. Demaria & Schuttel) e Santa Teresa, no centro-norte de Santa Catarina. Rosa (1905) registra ataques em Cambori e na Colnia Nova Itlia (Col. Demaria & Schuttel). Boiteux (1911) fornece maior quantidade de informaes a respeito dos Xokleng; embora parte destas informaes refiram-se aos Kaingang de Palmas, baseadas nos relatos de Telmaco Borba e Frei Lus de Semetille, a outra parte, baseada em informaes do Engenheiro Jacques Ouriques, contm importantes dados sobre o territrio ocupado pelo grupo, nomadismo, cultura material, alimentao e hbitos funerrios.
25
Boiteux (1939) relata ataques ocorridos poca da fundao da colnia Nova Itlia (Col. Demaria & Schuttel), em meados do sculo XIX. Ramos (1944), fala de ataques realizados pelos ndios poca da fundao de Lages, no Planalto de Santa Catarina, em meados do sculo XVIII. Cabral (1958) em obra sobre a fundao de Brusque, cita vrios ataques de ndios a colonos, ocorridos na regio entre 1860 e 1866. Por fim, as crnicas histricas municipais so obras geralmente escritas por pessoas sem formao acadmica em Histria e baseados em documentao fotogrfica, genealogias, entrevistas, registros
religiosos e civis e outros, traando desta maneira a crnica da evoluo da comunidade ou municpio a que pertencem. Apesar de muitas vezes apresentarem dados etnogrficos confusos, com informaes
mescladas de vrios grupos indgenas, uma pesquisa cuidadosa pode fornecer informaes sobre ataques de ndios, cultura material,
habitao e alimentao dos Xokleng. Entre estes autores, Gernhard (1901), escrevendo sobre as
colnias Dona Francisca, Hansa e Blumenau, fundadas no Vale do Itaja - SC, alm de referir-se a ataques ocorridos entre 1863 e 1880 na regio, apresenta ainda um quadro da cultura Xokleng, com alguns
detalhes sobre nomadismo, caa e coleta, armamento, estratgias de ataque e as maneiras que os colonos encontravam para evitar esses ataques. Marzano (1904), em obra sobre a fundao da colnia de Urussanga, sul de Santa Catarina, narra vrios ataques sofridos pela colnia
26
entre
1883
e
1885,
dando
ainda
algumas
informaes
sobre
fsico,
armamento e estratgias de ataque utilizadas pelos Xokleng. Stulzer (1973), Silva, E. (1975) e Vicenzi (1985) falam de
ataques ocorridos na regio de Jaragu do Sul, Corup e Rio dos Cedros, no incio da colonizao destes municpios do norte de Santa Catarina. Tambm Silva, J. (1972) relatam os ataques sofridos no incio da colonizao de Blumenau - SC. O segundo autor traz ainda algumas informaes sobre a cultura material e o nomadismo dos Xokleng. Dall'Alba (1973), alm de apresentar uma entrevista com um exbugreiro oferece dados sobre ataques ocorridos durante a colonizao do Vale do Rio Brao do Norte, no Sul de Santa Catarina. Dentro do grupo dos Relatos Etnogrficos, as primeiras
informaes disponveis so de Vasconcellos, 1884 (1912), onde este autor oferece dados sobre estratgias de ataque, armamento e rituais funerrios dos Xokleng, trazendo ainda um vocabulrio comparado
Kaingang, Kren, Botocudo Gigante e Portugus. Tavares (1912), publicou um relato baseado em informaes de
Pedro Andiro Nucl, Criana Xokleng capturada em 1905 por bugreiros, aos 8 anos de idade. Neste relato encontramos dados sobre alimentao, nomadismo, Xokleng. Zittlow & Bischoff (1915) publicaram uma reportagem sobre os armamento, rituais funerrios, habitao e fsico dos
Xokleng ento recm contatados em Rio Plate, Santa Catarina, onde se referem a ataques ocorridos no passado, descrevendo tambm os adornos,
27
pintura corporal, corte dos cabelos, armamento, perfurao dos lbios, vestimenta e objetos de transporte. Paula (1924) o trabalho mais completo sobre os Xokleng dentre os relatos pesquisados. Preparado para ser apresentado no XX Congresso Internacional de Americanistas, est baseado tanto em observaes do autor como tambm em dados organizados pelo Servio de Proteo ao ndio. Estas dizem respeito ao territrio do grupo, dados de
antropologia fsica, doenas, subsistncia, nomadismo, alimentao, habitao, estratgias de ataque e defesa, armamento, rituais
funerrios e organizao social. Entres (1929) traz dados sobre o territrio, armamento,
habitao, cultura material e alimentao, que podem ser aproveitados, embora estejam um tanto misturados com informaes referentes aos Kaingang. O autor apresenta ainda um relato do intrprete Geremia, capturado pelos Xokleng quando criana, tendo convivido com o grupo durante certo tempo. Neste relato tem-se outras interessantes
informaes. Kempf (1947) organizou e publicou um trabalho sobre os Xokleng do Rio Plate elaborado por um religioso franciscano na dcada de 1940. Este trabalho baseia-se em entrevista com dois talo-brasileiros
moradores de Rodeio, SC, que trabalharam oito anos no Posto Indgena de Rio Plate. Embora muitas vezes estas informaes sejam imprecisas e contraditrias, estrutura podem-se aproveitar dados sobre o territrio, cerimnia de
social,
habitao,
armamento,
alimentao,
perfurao de lbios e rituais funerrios. Dall'Alba (1973) inclui em sua obra uma entrevista com o bugreiro Ireno Pinheiro, a partir de cujas observaes podem-se visualizar28
informaes sobre a cultura material Xokleng, principalmente sobre armamento, habitao. Dentro do grupo de obras antropolgicas, Ploetz & Mtraux (1930) publicaram Meridional uma e obra comparativa Em entre aos os grupos G que do os Brasil autores utenslios, adornos, caa e coleta, alimentao e
Oriental.
relao
Xokleng,
consideram lingisticamente aparentados
aos Kaingang, denominam-nos
de Botocudo de Santa Catarina, Aweikoma ou Schokleng. Os dados a respeito dos Xokleng so baseados principalmente em Paula (1924), do trazendo grupo, ainda informaes material, sobre e o territrio Os
tradicional
cultura
religio
sociedade.
autores concluem que as grandes diferenas existentes em termos de cultura material entre os dois subgrupos G (Oriental e Meridional), demonstram que estes no formavam uma unidade cultural, tendo antes recebido influncias de todos os tipos, seno tendo antes origens e/ou raas diferentes. Outra concluso a que chegam os autores a de que a cultura dos G "...so compostas de elementos culturais muito antigos, edesprovidos de outros elementos prprios tribos mais evoludas."
(Ploetz & Mtraux, 1930: 233). Em relao aos Xokleng, em particular, os autores tm o mrito de haver reunido em uma sntese as informaes disponveis poca. Schaden (1937) publicou pequeno trabalho descritivo onde procurou reunir diversos dados a respeito dos Xokleng, principalmente sobre territrio, filiao tnica, cultura material, estratgias de caa, dados da antropologia fsica, sociedade as informaes so confiveis, e religio. De maneira geral, de apresentarem algumas
apesar
discrepncias em relao aos dados de outros pesquisadores. Isto se d29
provavelmente devido a distores existentes nos relatos empregados pelo autor. Neste texto so ainda abordadas as mudanas da cultura material tradicional Xokleng provocadas pelo aldeamento no Posto
Indgena de Rio Plate, ento em Ibirama, decorrentes do contato com a sociedade nacional. Henry (1942), baseando-se em pesquisas de campo efetuadas entre 1932 e 1934 no posto indgena de Rio Plate, em Santa Catarina,
publicou o principal trabalho existente sobre a sociedade Xokleng tradicional, descrevendo desde a organizao social e econmica at a cultura material do grupo, fixando-se e ainda nas questes Baldus de
parentesco,
rituais,
psicolgicas
lingsticas.
(1954)
apresenta vrias crticas a este trabalho, embora sempre realando a sua importncia. Entre estas crticas, destacamos a de que o autor reuniu indiscriminadamente informaes da cultura Xokleng passada,
obtida atravs de informantes ndios, com suas prprias observaes particulares, sem fazer distino entre os diferentes valores que estes dados encerram. Apesar deste problema e do fato de que algumas de suas anlises estejam hoje ultrapassadas, como por exemplo a anlise psicolgica do grupo, este um importante trabalho, continuamente citado em todas as obras posteriores sobre os Xokleng. Henry (1964) discute neste artigo a nomenclatura dos Xokleng, considerando a denominao correta do grupo como sendo Kaingang, j que as lnguas de ambos os grupos so aparentadas. O Autor aborda ainda nesta obra os problemas inerentes transio de uma cultura baseada na caa e coleta para a agricultura, sugerindo meios para facilitar este processo.
30
Gurios (1945), estudando comparativamente os idiomas Xokleng e Kaingang, opta pelo parentesco entre as duas lnguas, embora tenha destacado a exigidade dos vocabulrios que teve disposio. Schaden, F. (1946), apresenta em cinco artigos, diversos aspetos dos Xokleng, desde a sua cultura tradicional, at os problemas
enfrentados pelo grupo durante os momentos iniciais do contato. Hanke (1947), a publicou respeito um dos trabalho Xokleng etnocntrico de Ibirama, e eivado qual de
generalizaes
no
ainda
procurou levantar hipteses sobre a arqueologia da regio, que hoje se revelam ultrapassadas. Nesta obra, a autora apresenta ainda dados sobre a cultura material, sociedade e religio Xokleng que, estudados com cautela, podem ser utilizados. Encontram-se ainda transcritas
nesta obra algumas lendas Xokleng que, devido a referncias pesca e erva-mate, contato. Nimuendaj discutem as & Gurios (1948), em por correspondncia Gurios publicada, chegando parecem possuir influncias guaran ou Kaingang ps-
concluses
publicadas
(1945),
Nimuendaj concluso de que o Xokleng um dialeto Kaingang, embora bastante diferenciado, e que suas culturas apresentam diferenas
evidentes, no devendo, portanto, serem tratadas como do mesmo grupo. Mtraux (1947), tratando de rituais de sepultamento dos ndios da Amrica do Sul, refere-se aos rituais de cremao e enterramento
Xokleng, baseando-se nas informaes de Henry (1945). Schaden, F. (1958) publicou um esboo comparativo entre os grupos Xokleng e Kaingang, apresentando vrias diferenas culturais
31
existentes entre ambos, embora sem defender nenhuma posio a respeito do parentesco entre os grupos. Mtraux (1963) publicou um trabalho sobre os Kaingang, entre os quais inclui os Xokleng. Nesta obra, compara dados a respeito das divises tribais, atividades de subsistncia, cultura material,
nomadismo, organizao social e outros aspectos da cultura do grupo, baseando-se grandemente em Henry (1941). Hicks (1966) defende, neste artigo, que a existncia de nove itens culturais contrastantes entre os Xokleng (chamados pelo autor de Aweikoma) e os Kaingang, demonstra uma diferena fundamental entre as duas sociedades, sendo estas essencialmente diferentes. Forno (1966) publicou um artigo sobre peas lticas classificadas como Xokleng (Aweikoma, segundo o autor) existentes no Instituto de Antropologia da Universidade de Turim. A partir das ilustraes, notase que estas peas lticas so arqueolgicas, provenientes de diversos stios pr-histricos existentes na regio Sul do Brasil e
dificilmente atribuveis a qualquer grupo indgena histrico. O autor traa ainda um breve painel cultural do grupo Xokleng, baseado em Henry (1941) e Mtraux (1946), bastante mesclado com dados dos
Kaingang de So Paulo e Paran. Santos (1971b) publicou um trabalho no qual relaciona as
evidncias sobre a existncia de ndios Xokleng arredios na Serra do Tabuleiro, na regio Centro-Sul de Santa Catarina. Santos (1973), em tese de doutoramento sobre os Xokleng do Sul do Brasil, enfoca principalmente o histrico dos confrontos do grupo indgena com a sociedade nacional, com a conseqente aculturao dos Xokleng remanescentes destes conflitos, freqentemente violentos. Em32
dois
captulos,
o
autor
aborda
a
cultura
tradicional
do
grupo,
trazendo informaes sobre a cultura material, organizao social, religio e outros aspectos da cultura Xokleng, baseados principalmente em Paula (1924) e Henry (1941). Khne (1979) publicou um trabalho comparativo sobre a agricultura entre os grupos Kaingang e Xokleng (chamados Lakran pelo autor) e outros grupos G. A pequena parte, que se refere aos Xokleng, baseada em Henry (1964). Khne (1980), em outra publicao, relaciona as atividades de pesca, coleta e domesticao de animais entre G, incluindo dados sobre os Xokleng baseados em Henry (1964) e Mtraux (1946). Sullivan & Moore (1990), em trabalho sobre a expresso artstica Xokleng a partir do contato com a sociedade nacional, descrevem
artefatos do grupo existentes em colees do Texas Memorial Museum, American Museum of Natural History, Greg Urban Collection e Museum of American Indian, nos Estados Unidos da Amrica. A Bibliografia sobre os Xokleng apresenta ainda muitos trabalhos versando sobre os problemas enfrentados pelo grupo para adaptar-se sociedade nacional, como por exemplo Santos (1964, 1969, 1972) e
Demarquet (1963). Como no nos ocuparemos deste tema nesta monografia, aconselhamos aos interessados consultarem Baldus (1954, 1968) e
Hartmann (1984), para uma bibliografia crtica sobre o tema. A informao produzida por estes autores encontra-se organizada no captulo 4.
33
Documentao Arqueolgica
Os estudos de arqueologia pr-histrica na Regio Sul do Brasil no se desenvolveram de maneira homognea. Embora o litoral sul-
brasileiro tenha sido pesquisado de forma mais ou menos constante desde a dcada de 40, foi somente a partir do Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas (PRONAPA), na dcada de 60, que os trabalhos tornaram-se mais intensos nesta regio, expandindo-se tambm para
reas do interior dos estados do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, possibilitando a elaborao de seqncias culturais e
cronolgicas para as ocupaes pr-histricas desta regio (Mendona de Souza, 1991). Porm, mesmo com este avano, a regio de Mata Atlntica que ocupa os contrafortes da Serra Geral, desde as proximidades do Litoral at as bordas do Planalto das Araucrias, englobando o extremo norte do Rio Grande do Sul, grande parte do estado de Santa Catarina e o Sul do Paran, s foi prospectada de maneira ocasional, possuindo mesmo hoje alguns poucos levantamentos de stios arqueolgicos e mais raras ainda escavaes e dataes. Apesar da precariedade dos dados, estes trabalhos vieram mostrar que a regio rica em testemunhos
arqueolgicos como sinalaes rupestres, casas subterrneas, aterros, stios abertos cermicos e pr-cermicos, galerias subterrneas,
abrigos-sob-rocha com vestgios de habitao e sepultamentos, e outros (Rohr, 1973). O primeiro autor a publicar dados sobre a regio foi Piazza
(1966), que realizou um levantamento arqueolgico nos municpios de So Joaquim e Urubici, em Santa Catarina, localizando oito grutas com
vestgios de ocupao
pr-histrica e um stio aberto cermico, alm
de obter notcias sobre outros stios arqueolgicos da regio. Nas grutas foram encontrados sepultamentos, material ltico diverso e, em trs casos, gravaes rupestres. Carvo recolhido pelo autor na gruta "Casa de Pedra", em prospeco ali realizada, deu uma datao de 1040 A.D. Piazza (1967) publica uma nota prvia com os resultados de outro levantamento arqueolgico na regio do Vale do Rio Itaja, em Santa Catarina, onde localizou cinco grutas com sepultamentos, duas com vestgios de ocupao (material ltico) e trs stios abertos com
material ltico (pontas de flecha, batedores, raspadores, lminas de machado, mos-de-pilo, perfuradores, seixos trabalhados e lascas. Em um destes stios tambm foram encontrados restos de cestaria. Baseado no fato de no ter sido encontrada cermica, o autor conclui que "pode-se para efeito de discusso, aceitar a tese de que a cermica dosXokleng atual - uma nica pea - seja fruto de contato cultural recente ..." (Piazza, 1967:43).
Rohr
(1967)
tambm
realizou
levantamentos
arqueolgicos
em
Urubici, Santa Catarina, localizando casas subterrneas, montculos de sepultamentos e furnas com sepultamentos. Na ocasio, o autor escavou uma rea de 128 m de um stio aberto pr-cermico (SC-VI-13),
instalado em um pntano, situado no sop de uma elevao a 500 m do rio Itaja do Sul. A escavao revelou duas camadas de ocupao. Uma delas estava a 60 cm de profundidade e era composta por seixos rolados e artefatos de pedra, fibra vegetal e madeira, s vezes parcialmente carbonizadas, encontrados formando nesta uma base foram de cabana. de Os artefatos lticos
camada
lminas
machado,
batedores,
35
amoladores, quebra-coquinhos e lascas, confeccionados em basalto e slex. Os artefatos de origem vegetal encontrados foram tranados de fibra de imb (Philodendronsp.),
cordas
e
restos
de
cascas,
e
artefatos de n de pinho. No segundo piso de habitao, a 80 cm de profundidade, encontrouse cascalho trazido do rio e artefatos lticos semelhantes aos do nvel anterior, embora bastante mais decompostos. As amostras de
carvo recolhidas a 60 cm. foram datadas em 3.000 A.P. (Rohr, 1984). Ainda situados neste na trabalho, o autor do rio escavou Itaja montculos do Sul, de terra,
margem
esquerda
encontrando
estruturas de barro preenchidas com terra, alm de carvo, a uma profundidade de 30 a 50 cm. Piazza (1969) apresenta ainda resultados de prospeces
realizadas na rea dos
"campos de Lages", na regio das nascentes dos
rios Pelotas e Canoas, no Planalto sul-catarinense. Ali localizou cinco casas subterrneas, quatro abrigos sob-rocha, trs stios
cermicos, um stio ltico aberto, um stio de petrglifos e dois stios-oficina com polidores fixos. Baseado neste levantamento,
estabeleceu quatro fases arqueolgicas para a regio, sendo duas prcermicas (fase Cotia e Urubici) e duas ceramistas (fases Xaxim e Ibirama). Rohr (1971) do publicou Planalto extensos Catarinense, levantamentos totalizando de stios meses de
arqueolgicos
trs
trabalhos de campo entre 1966 e 1971. Os 67 stios registrados situamse a uma altitude entre 400 e 1200 metros, constituindo-se de cinco stios com gravaes rupestres, quinze stios de sepultamento em
36
abrigos
sob-rocha,
quatorze
casas
subterrneas,
dezenove
galerias
subterrneas, cermicos e
oito terreiros de antigas aldeias, dois stios abertos cinco pr-cermicos, localizados nos municpios de
Urubici, Petrolndia, Rancho Queimado, Atalanta, Imbuia, Ituporanga, Bom Retiro, Alfredo Wagner, Lages e So Joaquim. Duas casas subterrneas foram escavadas (SC-Urubici-10 e SC-
Urubici-11), foram feitas prospeces em terreiros de antigas aldeias e coletas sistemticas de material arqueolgico em superfcie. Nas casas subterrneas, o material arqueolgico encontrado era composto de cermica predominantemente sem decorao, embora tambm tenham ponteada sido e encontrados ungulada. pices, O poucos material fragmentos ltico lascas, com decorao era incisa, de
lascado
composto
raspadores, raspadores
batedores,
talhadeiras,
bigornas,
e lascas confeccionadas em diabsio, slex, siltito e
riolito. O material ltico polido era composto de facas, alisadores e raspadores em folhelho e siltito. Nos terreiros de antigas aldeias foram encontrados restos de
fogueiras contendo carvo vegetal, fragmentos cermicos sem decorao e material ltico. Segundo o autor, estas aldeias"achavam-se
localizadas em pontos altos e estratgicos e estavam guarnecidas por uma paliada protetora, que se manifesta, ainda hoje, pela coroa de terra circular ao redor do topo do morro"
(Rohr, 1971:19).
Nos stios abertos pr-cermicos foram coletados, em superfcie, pontas de flecha, pingentes, alisadores, facas, raspadores, furadores, formes, ncleos e resduos de lascamento confeccionados em slex lascado ou polido, alm de lminas de machado e mos-de-pilo
37
confeccionadas em diabsio polido. Alguns poucos artefatos de arenito tambm foram recolhidos. Ainda sobre estes stios, o autor no tem certeza de que de representem uma ocupao o solo, pr-cermica, podem ter j que os as
trabalhos
lavoura,
removendo
destrudo
evidncias cermicas. Quanto ao stio aberto cermico, nele foi coletada cermica
predominantemente sem decorao, com apenas um caco decorado. Piazza & Eble (1968) realizaram uma prospeco em stio cermico
situado s margens do Rio Plate, em Ibirama, SC (SC-VI-09). Em um corte de 1m foram coletados 215 fragmentos cermicos sem decorao, de cor cinza e preta, que os autores associaram ao grupo Xokleng, que est instalado em um posto indgena nas proximidades. Os autores
afirmam ainda que esta cermica poderia ser "fruto de contato culturalrecente, com outros grupos G - os Kaingang"
(Piazza & Eble, 1968:8). existentes, busca neste
Eble
(1973a),
reunindo
as
informaes
trabalho traar uma sntese da arqueologia do Vale do rio Itaja, em Santa Catarina, procurando levantar questes como o contato entre grupos humanos do litoral e do Planalto, as possibilidades de trabalho criadas pela pesquisa etnogrfica e a possibilidade de utilizao de analogias etnogrficas na arqueologia da regio, baseando-se nos
Xokleng, entre outros. Eble (1973b) publica um projeto de pesquisa em que defende as possibilidades de utilizao da analogia etnogrfica para fazer a ligao entre grupos G histricos, como os Xokleng, com culturas prhistricas territrio. cujos stios arqueolgicos esto localizados no mesmo
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Piazza (1974), fazendo um levantamento dos stios arqueolgicos do Planalto de Canoinhas, Santa Catarina, localizou na regio seis stios arqueolgicos (stios-habitao em abrigos sob-rocha, e stiosoficina abertos), englobados na Fase Tai. Segundo o autor, nos
stios-oficina, situados ao ar livre, o material arqueolgico ocorre at 30 cm de profundidade, enquanto que nos stios-habitao,
instalados em abrigos sob-rocha, os estratos arqueolgicos chegam at 2,5 metros de espessura. A indstria ltica composta por pontas de flecha de quartzo, calcednia e arenito endurecido, apresentando ainda lascas e raspadores em arenito. As dataes obtidas para a fase so AD 1290 e AD 1660 (SI-537 e 536). Reis (1980) apresenta, em dissertao de mestrado os resultados de suas pesquisas sobre as estruturas subterrneas do Planalto
Catarinense, compreendendo reas desde os campos de Lages at o Oeste de Santa Catarina. Na regio dos Campos de Lages, a autora localizou 36 stios arqueolgicos (estruturas subterrneas) situados nos
municpios de Lages e Bom Retiro. Em um destes stios (SC-CL-9), foram escavadas duas estruturas subterrneas, sendo recolhidos fragmentos cermicos e peas lticas. Rohr (1982) publica um levantamento arqueolgico na regio do municpio de Urussanga, Sul de Santa Catarina, localizando quinze stios arqueolgicos (14 stios abertos e um stio de sepultamentos em abrigo sob-rocha). Os stios apresentavam material ltico lascado, predominantemente raspadores, em quartzo, facas e destacando-se lascas com pontas ou sem de flecha, Em
alisadores,
trabalho.
diabsio lascado e polido foram recolhidos machados, mos de pilo, quebra-coquinhos e outros artefatos.
39
O stios
autor
levanta
ainda
a
hiptese ser os
de
que
os
ocupantes dos
destes e
arqueolgicos
poderiam
antepassados
Xokleng
Kaingang histricos. Baseados nos dados recuperados por estes pesquisadores, diversas snteses e listagens de stios arqueolgicos foram feitas por outros pesquisadores. A listagem dos stios arqueolgicos de Santa Catarina mais completa a de Rohr (1984), enquanto que as snteses regionais existentes so as de Rohr (1973), Prous & Piazza (1977), Schmitz (1991) e Prous (1992). A partir dos dados apresentados, pode-se perceber uma
diferenciao geogrfica em relao aos stios arqueolgicos da rea em estudo, com determinados stios se mostrando mais freqentes nas reas mais altas do Planalto e outros mais freqentes nas reas
baixas, cobertas com Mata Atlntica. Como a informao produzida no muito abundante, ela vem
sintetizada a seguir. No Planalto, os stios que ocorrem so os seguintes: Galerias Subterrneas: estes stios arqueolgicos, exclusivos do Planalto, apresentam-se na forma de tneis escavados por populaes pr-histricas nas encostas de elevaes, podendo apresentar sales,
respiradouros e vrias sadas. Gravaes rupestres foram percebidas nas paredes de uma destas galerias, tendo sido ainda encontrados
fragmentos cermicos similares aos das casas subterrneas no interior de outras, segundo Rohr (1971).
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Casas Subterrneas: estes stios arqueolgicos so encontrados predominantemente nos contrafortes da Serra Geral e no Planalto SulBrasileiro, geralmente em altitudes acima de 400 metros, embora
existam notcias de ocorrncias prximas ao Litoral, conforme Rohr (1971, 1984). Apresentam-se como depresses no terreno, de tamanho e profundidade varivel, ocorrendo tanto isoladamente como em grupos. No existem dataes para estes stios arqueolgicos no Estado de Santa Catarina, mas dataes obtidas no Rio Grande do Sul vo desde 2.000 AP at a poca do descobrimento, segundo Schmitz & Becker
(1991). Quanto sua utilizao, escavaes realizadas no Rio Grande do Sul parecem comprovar seu uso como habitao, embora ainda no se possa afirmar o mesmo para os stios existentes em territrio
catarinense, segundo Reis (1980). Nas pesquisas realizadas nesta rea, o principal vestgio arqueolgico recolhido no interior das casas subterrneas compe-se de fragmentos cermicos associados s tradies Taquara e Itarar, juntamente com material ltico lascado e polido. Rohr (1971) percebeu tambm gravaes rupestres na parede de uma das estruturas subterrneas por ele escavada. Terreiros de Aldeias: estes stios arqueolgicos, at o momento exclusivos do Planalto, apresentam-se como reas niveladas no cume de elevaes, limitadas por um rebordo de terra. Sondagens efetuadas nestes stios aqueolgicos revelaram artefatos lticos e cermica
atribuvel tradio Itarar. Abrigos Sob-Rocha com Vestgios de Habitao: estes stios, at o momento localizados apenas no Planalto e seus contrafortes,
caracterizam-se por locais abrigados das intempries junto a paredes rochosos, onde percebem-se vestgios de ocupaes humanas pr-
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histricas. Os stios at o momento prospectados so pr-cermicos, podendo estar relacionados com a Tradio Umbu. As dataes existentes para um destes stios, segundo Piazza (1974), so de AD 1290 e AD 1660. Abrigos Sob-Rocha com Gravaes Rupestres: localizados at o
momento unicamente no Planalto, so caracterizados por apresentarem figuras geromtricas esculpidas em baixo-relevo nas paredes de locais abrigados de paredes rochosos. Os motivos destas gravaes podem ser tringulos, paralelogramos com retas paralelas cruzadas em seu
interior, linhas curvas, crculos e pontos. Em abrigos desta natureza, at o momento, no foram percebidos vestgios de habitao. Grutas e Abrigos Sob-Rocha com Sepultamentos: geralmente situados prximos a cascatas, embora predominem no Planalto, tambm podem ser encontrados em reas baixas, cobertas de Mata Atlntica, conforme Rohr (1982). Caracterizam-se pela presena de sepultamentos humanos,
algumas vezes acompanhados por cermica, pontas lticas ou adornos confeccionados em pedra, dente ou concha. Stios Abertos Pr-Cermicos: modernamente freqentes no
Planalto, caracterizam-se por manchas escuras no solo, onde concentrase o material arqueolgico, geralmente composto de pontas lticas e outros artefatos elaborados em pedra lascada e polida. As pontas
lticas que ocorrem nestes stios podem ser associadas Tadio Umbu. O nico stio aberto pr-cermico escavado, o stio arqueolgico de Alfredo Wagner, no se enquadra perfeitamente nesta categoria, j que no foram encontradas pontas lticas. Este stio est datado em 3.000 AP. Cabe dizer ainda, a respeito dos stios abertos pr-cermicos,
42
que, ao menos em alguns casos, o uso intensivo do arado pode ter destrudo os vestgios cermicos porventura existentes, mascarando
assim o stio arqueolgico. Stios Abertos Cermicos: tambm modernamente freqentes no
Planalto, estes stios apresentam-se de maneira semelhante aos stios abertos pr-cermicos, apresentando porm cermica semelhante das casas subterrneas e possivelmente associada s Tradies Taquara ou Itarar. Tambm lascado e polido. Na Regio de Mata Atlntica, os stios arqueolgicos tpicos so os seguintes: Stios Abertos Pr-Cermicos: estes stios so caracterizados por concentraes elevaes de material a ltico lascado ou polido ou no em pequenas apresentar encontra-se presente nestes stios material ltico
prximas
cursos
d'gua,
podendo
colorao diferenciada do solo no local. O material arqueolgico mais freqente o ltico, composto por pontas lascadas em quartzo,
calcednia, slex ou arenito silicificado, que podem ser associadas Tradio Umbu. Como estes stios geralmente possuem sua rea revolvida para a lavoura, no pode ser descartado que uma parte deles possa ter possudo cermica. Alguns em poucos alguns fragmentos destes stios, cermicos parecem
semidesagregados,
encontrados
confirmar este fato. Stios Abertos por Cermicos: apresentarem estes vestgios stios cermicos arqueolgicos atribuveis
caracterizam-se
Tradio Itarar. Tem sido localizados, com alguma freqncia, na regio de Mata Atlntica do norte de Santa Catarina. Infelizmente no
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foi possvel obter outros dados a respeito destes stios. Cabe aqui a afirmao de que parte dos stios que atualmente so classificados como pr-cermicos, possam ser futuramente includos neste grupo, com o aprofundamento das pesquisas. Quanto a relaes entre estes stios arqueolgicos, pode-se
perceber que as casas subterrneas e as galerias subterrneas podem apresentar em comum tanto a cermica como a presena de gravaes rupestres, estas por sua vez semelhantes s encontradas em alguns abrigos momento sob-rocha. no foram Com exceo dos abrigos a sob-rocha, cermica onde at o
coletados
artefatos,
encontrada
nos
terreiros de aldeias, e em stios abertos cermicos, semelhante das casas subterrneas, podendo ser classificada como pertencente s tradies Taquara e Itarar. Estes stios, ainda, so praticamente exclusivos do Planalto, ocorrendo geralmente em altitudes acima de 400 metros. Os abrigos sob-rocha com vestgios de habitao, pr-cermicos, com pontas lticas atribuveis Tradio Umbu, at o momento foram localizados unicamente nos Contrafortes do Planalto. A presena de pontas lticas da Tradio Umbu tambm trao comum aos stios
abertos do Planalto e da Regio de Mata Atlntica, com exceo do stio arquelgico de Alfredo Wagner, onde no foram localizadas pontas lticas em associao estratigrfica. Ainda em relao ao perodo prcermico, cabe frisar que a ausncia de levantamentos amplos e a quase inexistncia de escavaes no permite maior avano nas associaes. Stios arqueolgicos abertos cermicos so encontrados tanto na regio do Planalto como na regio de Mata Atlntica, sendo a cermica
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nele encontrada, atribuvel s tradies Taquara ou Itarar. Porm, as mesmas objees existentes em relao ao perodo pr-cermico, tais como a necessidade de ampliao dos levantamentos arqueolgicos e de escavaes, so vlidas para este perodo. Por fim, os abrigos sob-rocha no com sepultamentos e seus tm sido
encontrados
preferencialmente
Planalto
contrafortes,
ocorrendo esporadicamente em reas mais baixas da Mata Atlntica. Como at o momento ainda no foram estudados, sobre eles no se podem fazer maiores consideraes.
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4 O QUE CONHECEMOS DOS XOKLENG
I Economia, Sociedade, Cultura
Denominao e Localizao do Grupo
Os Xokleng so um grupo indgena de lngua G, localizado dentro da rea cultural Tiet-Uruguai, segundo a classificao de Galvo (1979). Entre indgena, os diversos hoje autores h que trabalharam sobre com qual este grupo
ainda
divergncias
denominao
representaria efetivamente
o nome tribal. Podem ser encontradas na
bibliografia denominaes como Bugre, Botocudo, Aweikoma, Schokleng, Xocrm, Xokleng, Lakran e Kaingang, todos para referir-se ao mesmo grupo, atualmente aldeado na Reserva Indgena de Ibirama, em Santa Catarina. Neste trabalho usaremos a denominao Xokleng por ser esta,
atualmente, a mais empregada. A respeito das discusses sobre este problema, ver Hicks (1966) e Santos (1973). Outro problema paralelo a este o da filiao dos Xokleng ao grupo Kaingang. Como os Xokleng so linguisticamente aparentados com os Kaingang (Gurios, 1945; Nimuendaj & Gurios, 1948; Henry, 1964), alguns pesquisadores optaram por consider-los como uma subtribo
Kaingang (Ploetz & Mtraux, 1930; Mtraux, 1963; Henry, 1964). J outros pesquisadores (Schaden, E., 1937; Baldus, 1952; Hicks, 1966), analisando tanto a terminologia de parentesco como outros aspectos culturais de ambos os grupos, terminaram por optar pela diferenciao entre Xokleng e Kaingang. Hicks (1966: 845) chega a afirmar que "aevidncia etnogrfica, constituindo-se de nove tens confirmados e uma possibilidade de contrastes culturais (...) demonstram a existncia de uma diferena fundamental entre a sociedade Kaingang e a sociedade
Aweikona".
Tambm
Salzano
(1964)
e
Salzano
&
Sutton
(1965),
comparando
geneticamente os grupos sangneos dos Xokleng e Kaingang, percebem uma diferenciao entre os dois grupos indgenas. Apesar de este problema ainda no estar definitivamente
resolvido, com base nestes ltimos trabalhos consideraremos os Xokleng como um grupo distinto dos Kaingang, embora apresentem algumas
semelhanas culturais e lingsticas.
Territrio Histrico Ocupado pelo Grupo
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O territrio tradicional dos Xokleng a regio de Mata Atlntica (Floresta Ombrfila Densa), localizada desde o litoral at os
contrafortes do planalto sul-brasileiro, incluindo tambm reas do Planalto caracterizadas pela presena de Araucria (Floresta Ombrfila Mista). Segundo territrio Atlntida as informaes coincidir mais com a antigas, transio o limite da sul do de seu Mata das
parece para
vegetao na
formaes
estacionais
semideciduais,
regio
cidades riograndenses de Torres e Osrio. Nesta regio Seidler (1941) conta terem freqentemente ocorrido ataques de ndios a colonos
europeus ali estabelecidos, por volta de 1835. Na borda Norte do Planalto Riograndense, em reas de Araucria, Matos (1858) ou e Saldanha desde (1871) a referem-se at o rio existncia Canoas, de que ndios possui
"Bugres
Tupis"
regio
nascentes no Planalto Catarinense, nos anos de 1796 e 1797. Lima (1863:52), em memria sobre a colnia paranaense de
Guarapuava, datada de 1842, relata que a nao "dos Xokrens (situa-se)entre os rios Iguau e Uruguai", falando ainda dos freqentes ataques
ocorridos Vila de Lages, poca de sua fundao. Sobre estes ataques tambm h referncias em Ramos (1944), traando assim os
limites norte e oeste do territrio no qual existem dados sobre a presena dos Xokleng. Dentro desta rea, limitada ao norte pelo Rio Iguass, nas
proximidades de Guarapuava, no Paran, ao sul pela regio de mata atlntica nas proximidades de Torres e Osrio, no Rio Grande do Sul, a leste pela faixa de vegetao costeira e a oeste pelas regies de
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campos, prximos a Lages, que comeam a surgir notcias de ataques de ndios s primeiras povoaes surgidas, durante o sculo XVIII, ataques que vo se intensificando com o aumento do processo
colonizatrio. No mapa apresentado a seguir, esto localizados os ataques
realizados pelos Xokleng a povoaes catarinenses, entre os anos de 1834 e 1927. Para verificar os nomes das localidades e as datas dos ataques, consultar o Anexo III.Nomadismo
Neste buscando
territrio, suprir sua
os
Xokleng
deslocavam-se de
continuamente, de caa e
subsistncia
atravs
atividades
coleta. Este nomadismo bastante citado nos documentos histricos, que registram mesmo um "movimento pendular" entre o litoral e o
planalto, com ntidas caractersticas estacionais. Segundo informaes existentes nas Fallas dos Presidentes da Provncia de Santa Catarina, FPP-9 (1847), FPP-12 (1849), FPP-13 (1850), FPP-26 (1869), os ataques levados a efeito contra os moradores das localidades litorneas
ocorrem nos meses de vero. Estes relatos so confirmados tambm por outras fontes existentes a respeito de ataques realizados pelos Xokleng a localidades
catarinenses, estando esta tendncia ilustrada no grfico a seguir.
49
Mapa 1
50
Segundo o relatrio do Engenheiro Jacques Ouriques baseado em depoimentos de crianas Xokleng aprisionadas por bugreiros (Boiteux, 1911:71), eles:"vivem em continua emigrao de serra acima para serra abaixo, conforme tempo do pinho na zona do Planalto ou de outros fructos nas zonas maritimas. No s os fructos procuram, nestas correrias, como a caa que com elles apparece mais fcil e abundante".
Tambm na FPP-47 (1911) h referncia de que os Xokleng vivem em contnua movimentao ao longo da Serra Geral. Existem tambm indcios de que os Xokleng, em um perodo de tempo passado, teriam vivido em aldeias fixas no Planalto, onde praticariam a horticultura (Henry, 1941; Santos, 1973). Quanto a esta informao, alm de breve nota de Entres (1929), no encontramos outros dados a respeito. Paula (1924:119) afirma que os Xokleng so "uma tribu que viveessencialmente de caa e, portanto, nmade, sempre em transito pelas
florestas, procura e persiguio da mesma".
Outros autores, que citam o nomadismo dos Xokleng, so D'Almeida Coelho (1856), Tavares (1912), Entres (1929), Ploetz & Mtraux
(1930), Schaden, F. (1946) e Kempf (1947). O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas at oito famlias (Paula, 1924) para diferentes partes do territrio, buscando assim intensificar a caa e a coleta, tanto vegetal como animal. Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros, no litoral, para realizar ataques a colonos. As FPP-29 (1872), FPP-44 (1866) e FPP-46 (1905), informam que o nmero de ndios que participavam destes
ataques variavam entre trinta e cinquenta indivduos.
51
O grande grupo s se reunia para a festa da perfurao dos lbios das crianas do sexo masculino, uma vez ao ano. Segundo Paula
(1924:128), estas festas se faziam "todos os annos em fins de dezembroou janeiro".
Durante os meses de outono e inverno (abril, maio e junho), estes grupos deslocavam-se para as matas de araucrias das bordas do
Planalto meridional para a coleta do pinho e para caar os animais atrados regio por estes frutos (Paula, 1924).
Padro de Assentamento
Informaes sobre o padro de assentamento Xokleng nos so dadas por diversos autores: Paula (1924:121-122), afirma que:"Constroem os Botocudos seus acampamentos com ranchos de varas finas, umas fincadas ao lado das outras a pouca distancia, que so vergadas em forma de arco e presas suas pontas em uma pesada vara horizontal, geralmente fixa em duas arvores na altura de um homem. A forma do tecto de abobada, sendo coberto por folhas de coqueiro, cahet ou xaxim; deixam sempre um vo lateral de mais ou menos um metro sem fechar pra que possam observar tambm o que se passa atras do rancho, evitando assim uma possvel surpreza. O fogo sembre feito sob a parte aberta do rancho, zelando continuamente os indios para que este no se apague. Destina-se cada um destes ranchos para uma s famlia. Todos os demais ranchos so distribuidos regularmente em linha, agrupados parallelamente de dois a oito, formando assim o acampamento. Quando ha circunstancias que os obrigam a permanecer em um determinado ponto por maior espao de tempo (colheitas de pinhes, festas, etc...), constrem seus ranchos com mais perfeio e capricho, em maior tamanho, ligando as coberturas de dois ranchos fronteiros, de modo que as varas arcadas de cada rancho no fiquem ligadas a uma vara horizontal, mas umas s outras, formando ento uma abobada perfeita. Nestes grandes ranchos habitam varios casaes pertencentes
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mesma familia, tendo para si cada casal o seu fogo, que fica situado no meio do grande rancho. Como os pequenos, tambm estes, altura de aproximadamente um metro do solo, ficam abertos lateralmente. Formam-lhes o travesseiro uma larga faixa de terra que acamam no interior dos ranchos, de ambos os lados. Todo o cho dos ranchos forrado com folhas e xaxim, sobre as quaes se deitam. Dormem os casaes parentes uns ao lado dos outros, descanando a cabea sobre a alta faixa de terra j referida, e com os ps sempre voltados para o fogo. No tecto dos ranchos, penduram suas armas, cestos, roupas e demais utensilios sendo os pequenos objetos guardados na palha."
Tavares (1910:282-283) informa que:"Poucos dias se demoram no logar onde fazem aldeamento, mas vo mudando de pouso, ao passo que lhes escasseia a caa. As palhotas so feitas de paus e cobertas de ervas, nem se incomodam a desmancha-las, quando mudam de residencia. Durante o dia espalham-se pelas mattas em procura de alimento; a noite juntam-se todos no rancho (...)".
Jacques Ouriques (Boiteux, 1911:71-72) afirma que os ranchos:"So provisorios, e em logares incertos. Feitos de varas que, muitas vezes, nem cortam, contentando-se em arcal-as pelas extremidades superiores, so cobertas de palmas de jeriv, jissra, ou mesmo de ramos de arbustos. Pela disposio dos fogos, cujos vestgios se tm podido observar, costumam deitar-se com os ps voltados para o meio do rancho, ateando pequenas fogueiras nos intervalos que ficam entre as solas de duas filas de dormentes".
Entres (1929), baseando-se em um informante capturado em criana pelos Xokleng, fala que em cada local de pouso, aps um dia de
caminhada, eram levantados os ranchos. Em locais ricos em caa, o acampamento acampamento poderia mais ficar montado como por na vrias semanas. das No caso de de
estvel,
ocasio
festividades
perfurao dos lbios das crianas, constituam-se tambm mundus e estacas para a defesa.
53
Ainda
sobre
estas
estruturas
de
defesa,
Paula
(1924:123-124),
afirma que os Xokleng:"Guarnecem as imediaes dos seus acampamentos, quando suspeitam uma possvel agresso, escavando profundos fojos at dois metros ou mais crivados de agudissimos estrepes nas paredes, e fixando ainda, no centro, uma lana (...) tal a arte com que disfaram estes fojos por meio de frageis varinhas, que so cobertas com folhagem, que aos prprios indios no possivel reconhece-los sem prvia sciencia (...) Alm destes fojos, so os seus acampamentos sempre guarnecidos de trincheiras construdas, como evidente, sempre em ptimas posies."
A respeito dos abrigos, Henry (1964) afirma que sua construo trabalho basicamente feminino, embora os homens possam preparar a estrutura do rancho. No eram feitos buracos para fixar os esteios, mas estes eram simplesmente cravados no solo. Schaden, E. (1937:25) afirma que:"faz alguns annos, tive a oportunidade de visitar, no meio da mata, um local abandonado por estes ndigenas. Ele era constitudo por duas cabanas e o contedo delas foi levado por colonizadores brancos."
Schaden, F. (1946), observou que os Xokleng viviam em paraventos oblquos, nos quais a fogueira ficava acesa continuamente. Kempf (1947:27) fala que:"de galhos, ramos e folhagens os ndios constoem as suas choas que no passam de simples abrigos em forma de meia-gua assentada sobre o solo na parte inferior. Estes abrigos medem aproximadamente 20 m. de comprimento. Cada famlia ocupa um lugar determinado. Sendo a tribo mais numerosa, fazem dois abrigos um em frente do outro na distncia de mais ou menos 50 a 100 metros. Quando constroem quatro habitaes a planta da aldeia assume a configurao de um quadrado retangulo. Permanecem acampados na mesma regio por trs meses ou mais, conforme a abundncia de caa. Nas migraes as mulheres so obrigadas a carregar todos os trastes e utenslios."
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Dall'Alba (1973) entrevistou o ex-bugreiro Ireno Pinheiro, que afirmou sobre os acampamentos Xokleng, terem os abrigos cerca de sete metros de comprimento, estando os acampamentos instalados em reas planas. O tamanho dos ranchos variava conforme o nmero de ndios. Dentro do abrigo, h uma fogueira no centro, deitando-se os moradores com os ps voltados para o fogo. O cho do abrigo forrado com folhas de xaxim. No limpam a rea do acampamento. Para a construo dos abrigos, fincam varas no cho, de largura varivel, vergadas e
amarradas at a altura desejada. Este abrigo coberto por palha tranada, sendo aberto em um dos lados. Segundo Henry (1964:172), na construo das casas e instalao do acampamento colaboravam tanto os homens como as mulheres.
Padro de subsistncia
O
nomadismo
estacional
uma
caracterstica
essencial
dos
Xokleng, estando este nomadismo ligado s atividades de caa e coleta, que obrigam o grupo a um deslocamento mais ou menos constante dentro do territrio por eles ocupado. Chamamos este nomadismo de estacional porque o deslocamento dos grupos para reas do litoral ou do planalto est ligado s estaes do ano em que os frutos esto maduros,
atraindo tambm as diversas espcies de mamferos e aves que deles se alimentam. Estas atividades ao de mesmo caa tempo e em coleta que o geralmente grupo de eram feitas se
simultaneamente;
caadores
deslocava em busca de caa, iam coletando mel, larvas e frutos, que tanto podiam ser consumidos imediatamente como levados posteriormente
55
ao acampamento. Diversos autores tratam deste tema. Tavares (1910:278) afirma que"Os botocudos alimentam-se de caa (antas, macacos, porcos e aves) que matam frechadas, de palmitos crs e cozidos, pinhes do Pinheiro do Paran."
Em
relao
caa,
os
Xokleng
eram
caadores
generalizados,
embora dessem preferncia a determinadas espcies animais, como a anta (Tapirus terrestris), o caititu (Tayassu tajacu), o queixada (Tayassupecari),
o
bugio
(Allouata
sp.)
o
mico
(Cebus
apela)
e
diversas
espcies de cervdeos. (Paula, 1924; Henry, 1964). Entre os mamferos, existem informaes de que no caariam o tatu (Dall'Alba, 1973) e a capivara (Kempf, 1947). Quase todas as aves seriam caadas e
consumidas, parecendo serem exceo apenas as aves aquticas (Henry, 1964). Quanto s tcnicas de caa, Paula (1924:119) afirma que, na
caada de anta, "procuram o rastro, seguindo-o depois, cautelosamente,com uma pericia inegualavel, chegando mansamente e surpreendendo a anta na "cama" onde a flecham."
Uma espcie de armadilha usada para caar antas descrita por Entres (1929:21), como "Tranqueira de anta": Esta consistia em
diversas rvores, derrubadas em ambas as margens de um rio, onde tenham sido localizadas pegadas do animal. Acossada pelos caadores, a anta, buscando se refugiar na gua, fica impedida de mergulhar devido aos galhos das rvores derrubadas, sendo ento morta com flechas ou lanas.
56
Paula (1924:119) afirma que:"caada de grande monta para elles representa a dos porcos do matto, "gma". Alm de muito apreciarem a sua carne, enthusiasma-os a espectativa de matal-os sempre em grande numero. Encontrando vestigios de porcada, seguem-os cuidadosamente at encontral-os, atacando-os. Feito isto, em se tratando de uma grande manada, os indios, com mulheres, creanas e tudo que lhes pertence, seguem-n'a s vezes muitas semanas consecutivas. Atacam os porcos sempre que podem, matando sempre tanto quanto lhes possvel".
Segundo
o
mesmo
autor,
os
cervdeos
so
caados
de
maneira
anloga s antas, enquanto que onas so caadas no cho, com lanas ou flechas. Os micos e bugios, tambm muito apreciados, eram caados com flechas. A este respeito Henry (1964) afirma que a tcnica preferida dos Xokleng era perseguir a caa at acu-la, sendo ento abatida a
flechadas ou, mais raramente, a golp