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OS SINDICATOS NO BRASIL E O MODELO DE DEMOCRACIA AMPLIADA

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OS SINDICATOS NO BRASIL E O MODELO DE

DEMOCRACIA AMPLIADA

FELIPE PRATA MENDESDoutorando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Mestre em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do CESUPA e da Escola Superior de Advocacia da OAB/Pará.

Sócio fundador do Escritório Mendes Advocacia e Consultoria.

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EDITORA LTDA.

© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-003São Paulo, SP BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Outubro, 2018

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: GRAPHIEN DIAGRAMAÇÃO E ARTEProjeto de Capa: FABIO GIGLIOImpressão: FORMA CERTA

versão impressa — LTr 5974.0 — ISBN 978-85-361-9782-1 versão digital — LTr 9471.6 — ISBN 978-85-361-9870-5

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mendes, Felipe Prata

Os sindicatos no Brasil e o modelo de democracia ampliada / Felipe Prata Mendes. São Paulo : LTr, 2018.

Bibliografia.

1. Democracia 2. Organizações sindicais 3. Poder (Ciências sociais) 4. Política — Brasil 5. Sindicalismo — Brasil — História 6. Sindicatos — Brasil — História I. Título.

18-18780 CDU-34:331.105.44(81)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Sindicatos : Efetiva tutela dos interesses dos trabalhadores : Direito e política 34:331.105.44(81)

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A Deus.A minha família.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO — Suzy Elizabeth Cavalcante Koury .......................................... 9

PREFÁCIO — José Claudio Monteiro de Brito Filho ................................................. 11

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13

1. A EVOLUÇÃO DO SINDICALISMO NO BRASIL ............................................ 17

1.1 PERÍODO PRÉ-VARGAS ............................................................................ 17

1.2 A ERA VARGAS ........................................................................................... 21

1.2.1 A política sindical nos primeiros anos de Vargas ............................. 22

1.2.2 A Constituição de 1934 e a primeira chance de mudança ............... 26

1.2.3 O Estado Novo e a consolidação do modelo corporativista ............ 27

1.2.4 A Consolidação das Leis do Trabalho .............................................. 31

1.3 A REDEMOCRATIZAÇÃO, A CONSTITUIÇÃO DE 1946 E A SEGUNDA CHANCE DE MUDANÇA ............................................................................. 31

1.4 O PERÍODO PRÉ-DITATORIAL ................................................................... 34

1.5 O REGIME MILITAR E O RESSURGIMENTO DO MOVIMENTO OPE-RÁRIO .......................................................................................................... 35

1.6 O CAMINHO ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A TERCEIRA CHANCE DE MUDANÇA ................................................................................................... 37

2. DEMOCRACIA E SINDICALISMO .................................................................... 42

2.1 A CONCEPÇÃO HEGEMÔNICA DA DEMOCRACIA NO SÉCULO XX: O DISTANCIAMENTO ENTRE DEMOCRACIA E REALIDADE ...................... 42

2.2 A TEORIA DO ALARGAMENTO DO MODELO DEMOCRÁTICO ............... 45

2.3 AS DIMENSÕES E OS DILEMAS DA REPRESENTAÇÃO SINDICAL. ...... 51

2.4 DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E SINDICALISMO .................................. 57

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3. A POLÍTICA E AS RELAÇÕES DE PODER NOS SINDICATOS .................... 653.1 O PODER E AS ELITES .............................................................................. 663.2 A POLÍTICA, “O POLÍTICO” E O PODER .................................................... 693.3 OS SINDICATOS E A CRISE DE PODER ................................................... 73

4. O MODELO DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRO COMO OBSTÁ-CULO À DEMOCRACIA SINDICAL .................................................................. 774.1 A GLOBALIZAÇÃO E A CRISE DO SINDICALISMO ................................... 774.2 DIMENSÕES DA LIBERDADE SINDICAL ................................................... 814.3 O MODELO DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRO COMO OBSTÁ-

CULO À PLENA LIBERDADE SINDICAL .................................................... 844.3.1 Unicidade sindical. ........................................................................... 844.3.2 Sindicalização por categoria ............................................................ 904.3.3 Contribuição compulsória ................................................................ 93

4.4 OS SINDICATOS E O “EFEITO HERANÇA” ............................................... 964.5 O SINDICALISMO NA PERSPECTIVA DE UMA DEMOCRACIA AMPLIADA 994.6 A NECESSIDADE DE MUDANÇA DA LÓGICA DA AÇÃO SINDICAL ......... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 115

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APRESENTAÇÃO

A ninguém é dado desconhecer a crise da democracia liberal, que se revela em múltiplos países, dentre eles o Brasil, por intermédio de manifestações populares contra os partidos políticos e a democracia parlamentar, que pode ser resumida na frase “não nos representam”.

Esse movimento também atinge os sindicatos no Brasil, que muitos traba-lhadores consideram não os representarem, revelando uma crise de legitimidade política, vez que a força e a representatividade deles dependem do reconhecimento dos que os integram.

Os sindicatos, por força constitucional, detêm a representação da categoria, porém, nem todas as organizações sindicais são, efetivamente, representativas. Apesar da unicidade, a base mínima igual a um município enseja a criação de novas entidades não representativas, fruto de desmembramento de outras estruturas sindicais, que não souberam conciliar as divergências para melhor atenderem aos interesses das categorias, agravando a ausência de legitimidade.

Lembre-se que, em março de 2014, o Brasil assistiu, durante a greve dos garis no Rio de Janeiro, em pleno Carnaval, a base de trabalhadores agir em dissonância com as decisões tomadas pela direção do sindicato e contrariamente ao que havia sido votado em assembleia, denotando a falta de representatividade e/ou legitimidade da entidade. Ao mesmo tempo, verificou-se o apoio da sociedade a este movimento, que, assim, legitimou-se.

Nesta obra atual, densa e oportuna, Felipe Prata Mendes constata exatamente a desorganização e a desarticulação do movimento operário, revelada pelo fato de os sindicatos não encontrarem meios eficazes para obterem a livre adesão dos trabalhadores, nem, tampouco, para organizarem uma luta coordenada contra os problemas econômicos e sociais.

Advoga o resgate da força reivindicativa dos sindicatos, por meio da capacidade de arregimentação de trabalhadores. Discute a representação sindical e a crise que os sindicatos enfrentam não para propugnar pelo seu desaparecimento, mas sim

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pela sua readaptação, com a ampliação de suas bases e a facilitação do acesso às suas estruturas.

Para alcançar esse desiderato, o autor enfrenta, por primeiro, a evolução do sindicalismo no Brasil e as relações de poder sobre as quais foram construídos os entes sindicais, estudando o modelo de organização sindical brasileiro, caracterizado pela contribuição compulsória — esta até a recente reforma da legislação trabalhista, pela Lei n. 13.467, em novembro de 2017, que condicionou o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos trabalhadores —, pela unicidade sindical e pela sindicalização por categoria.

Conclui que a crise de representatividade sindical apresenta uma dupla patolo-gia: a patologia da participação, sobretudo em vista da queda dramática do interesse dos trabalhadores em participar do cotidiano das relações sindicais e a patologia da representação, caracterizada pelo fato de que os trabalhadores se sentem cada vez menos representados pelos sindicatos.

Realizada essa análise, o autor propugna pela adoção de um modelo demo-crático ampliado aos sindicatos, que acrescente à abertura dos espaços físicos para deliberação, uma concreta possibilidade de participação dos trabalhadores na realização das escolhas que influenciarão o destino coletivo.

A discussão empreendida nesta obra tem grande relevância, na medida em que a ideia que perpassa a reforma trabalhista é a da prevalência da vontade das partes, do negociado pelo legislado, o que só é possível se houver sindicatos realmente representativos. Por essa razão, o autor defende que não cabia uma reforma trabalhista ampla sem que, antes, fosse promovida uma reforma sindical, com a revisão da dinâmica das relações sindicais e a progressiva ampliação dos canais democráticos na distribuição do poder entre os atores que a compõem, sob pena de aprofundar-se a crise de representação.

Uma palavra final sobre o autor se impõe: Felipe Mendes integra a nova geração de estudiosos do Direito do Trabalho, à qual caberá levar adiante o trabalho de muito iniciado em defesa do direito e da Justiça trabalhista e, pelo compromisso e pelo brilho que tem revelado, certamente cumprirá com loas essa missão.

Belém, 17 de setembro de 2018.

Professora Dra. Suzy Elizabeth Cavalcante KouryDesembargadora Presidente do TRT da 8ª Região. Professora do Programa de Mestrado do CESUPA.

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PREFÁCIO

As relações coletivas de trabalho no Brasil encontram-se, atualmente, em mais um impasse. Tendo sobrevivido a diversas reconstruções, ainda que parciais, do ordenamento jurídico a cada nova Constituição, o modelo corporativista da organi-zação sindical adotado por Vargas na década de 1930, e concluído com a criação da Justiça do Trabalho — unicidade sindical, contribuição compulsória, competência normativa da Justiça do Trabalho — está em flagrante declínio.

Depois de um primeiro ataque ao modelo corporativista, com a atenuação da competência normativa, pela introdução da exigência do comum acordo para a instauração de instância em dissídio coletivo pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004, e que modificou o art. 114, § 2º, da Constituição da República de 1988, agora houve um segundo, quando a reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017) alterou a cobrança da contribuição sindical, tornando-a voluntária.

Essa alteração, já considerada pelo Supremo Tribunal Federal como não ofen-siva ao texto constitucional no julgamento de quase duas dezenas de ações diretas de inconstitucionalidade, deixou o que venho chamando de “tripé do sindicalismo brasileiro” com somente uma de suas bases intacta: a unicidade sindical.

Será ela capaz de sustentar esse modelo monopolista e autoritário, que vem servindo primeiro ao Estado, depois ao próprio movimento sindical, por quase 90 anos, tendo produzido uma aberração totalmente contrária às ideias de democracia e de pluralidade?

Difícil saber. Agarrados como estão a um modelo que favorece sua manutenção no poder, que impede qualquer tipo de oposição externa, ou a apresentação de uma nova proposta em separado, os dirigentes sindicais “oficiais” possivelmente tentarão driblar mais essa adversidade, tanto no lado profissional quanto no lado patronal, ainda que o cenário seja bem desfavorável: sem recursos e sem a possibilidade de intervenção do Estado — salvo no comum acordo — para a solução dos impasses, no plano coletivo, entre o trabalho e o capital.

Na verdade, é até possível que isso ocorra, pois, aos tomadores de serviços interessa defrontar-se com sindicatos profissionais fracos e sem capacidade de

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mobilização, como são no Brasil, regra geral, enquanto que, do lado dos trabalha-dores, depois de quase 90 anos de controle, não se vê ânimo suficiente na classe que vive do trabalho para tentar alterar uma situação desfavorável, que é o seu atrelamento impositivo à entidades monopolistas e que não atuam de maneira eficaz.

Caso assim ocorra, continuaremos a manter em nossas relações, no Brasil, com apoio no ordenamento jurídico, essa contradição só explicável pela vontade de uns poucos de manter o poder, ainda que sustentado em modelo ultrapassado: um país que consagrou em sua Constituição a pluralidade como regra, em todas as relações, mas que, em contrário, permite que uma forma de agrupamento muito importante, como é a das forças que sustentam o processo produtivo, ocorra em regime de monopólio.

Esse é, em curtas palavras, o pano de fundo do livro que ora prefacio.O autor, Felipe Prata Mendes, um jovem acadêmico, conhecedor como poucos

das relações coletivas de trabalho, e com base em pesquisa muito bem estruturada, discute o sindicalismo brasileiro dentro de um modelo de democracia ampliada.

Entre os grandes méritos do livro estão a apresentação, muito bem construída, de um panorama a respeito do sindicalismo, com destaque para a situação brasileira, em diversos aspectos: normativo, histórico, sociológico, mas, também, o que é o grande diferencial da obra, a discussão a respeito de nosso modelo sindical a partir das concepções de democracia, o que, além de ser inovador, revela uma conclusão devastadora a respeito do atraso do nosso modelo, e faz a todos entender a razão de tamanho descompasso entre as entidades sindicais e os agrupamentos profissionais e econômicos que representam.

Esse diferencial, aliado a um texto claro e muito bem escrito, estou seguro, tornará o livro, a partir de agora, uma referência obrigatória para os que se ocupam dessa tormentosa questão.

Belém-PA, setembro de 2018.José Claudio Monteiro de Brito Filho

Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Vice-Coordenador do PPGD-CESUPA.

Titular da Cadeira n. 26 da ABDT

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INTRODUÇÃO

A consolidação da ideia de democracia foi uma das conquistas mais importan-tes do século XX. Todavia, com o passar do tempo, percebeu-se que a democracia tinha passado de uma aspiração revolucionária, no século XIX, a um slogan adotado universalmente, mas vazio de conteúdo, no século XX.

A concepção hegemônica de democracia, adotada no século XX, não é mais capaz de, isoladamente, apresentar soluções diante da complexidade das relações sociais. Nesse sentido, urge o desenvolvimento de um modelo de democracia que, sem desqualificar a democracia representativa, complemente-a, promovendo um maior protagonismo dos atores sociais nas questões de relevância para a sociedade, dentre as quais se destaca a da representação dos trabalhadores.

Constata-se, atualmente, uma desorganização e uma desarticulação no movi-mento operário. Os sindicatos, em geral, não encontram meios eficazes para obter a adesão dos trabalhadores, tampouco para organizar uma luta coordenada contra os problemas econômicos e sociais. É necessário, nesse contexto, uma reformulação das relações sindicais, visando à efetiva tutela dos interesses dos trabalhadores.

A partir dessa apresentação contextual, coloca-se o seguinte problema: o resgate da força reivindicativa dos sindicatos pode ser alcançado por um modelo de democracia ampliada?

O objetivo geral do trabalho é propor, à luz do modelo de organização sindical adotado pela Constituição Federal de 1988 e a partir de uma revisão da dinâmica das relações sindicais no Brasil, se o modelo ampliado de democracia pode ser um meio de resgate da força reivindicativa dos sindicatos.

Os objetivos específicos são: analisar a trajetória do sindicalismo brasileiro; apresentar as bases do modelo de democracia ampliada; proceder a uma revisão da ideia de política, associada às estratégias voltadas para a construção e a manutenção das relações de poder; e propor a promoção de uma aproximação do sindicalismo de uma perspectiva democrática ampliada.

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Para enfrentar os aspectos envolvidos no problema proposto, a estrutura do tra-balho contempla, no primeiro capítulo, a apresentação da evolução do sindicalismo no Brasil, que é essencial para a compreensão do modelo de organização vigente, vez que permite que se constate que foi construído sobre relações de poder, o que ainda prevalece na atualidade.

No segundo capítulo, realizar-se-á a análise da concepção hegemônica de democracia, predominante no século XX, quando se consagrou a noção de que os instrumentos de representação, por meio dos agentes políticos, eram suficientes para a garantia da democracia, sendo dispensável a combinação deles com me-canismos de participação. Estudar-se-á a concepção hegemônica de democracia, adotada no século XX, por Schumpeter (1961), um dos seus principais expoentes, que resume o papel do cidadão à escolha de seus líderes.

Passar-se-á, então, a apresentar a teoria do alargamento do modelo demo-crático, que busca promover uma aproximação entre democracia e sociedade, tendo-se em mente que a democracia é um processo em constante construção, sendo impossível o alcance de um padrão ideal, porém, afigurando-se essencial que exista um contínuo questionamento, capaz de apontar insuficiências e de contribuir para o seu amadurecimento.

Ainda nesse capítulo, enfrentar-se-ão as discussões que envolvem o tema da representação, que é um mecanismo essencial para o bom funcionamento das democracias, com especial ênfase à relação entre os sindicalizados e os seus representantes, objeto principal desse estudo. Destacar-se-á, no contexto de sociedades complexas, a impossibilidade de que todas as pessoas participem da tomada de todas as decisões, o que justifica a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de representação, para que os interesses pessoais dos representantes não prevaleçam. Buscar-se-á, nesse sentido, enfatizar o caráter constitutivo da representação, uma vez que são os grupos os responsáveis por constituir seus interesses.

No terceiro capítulo, seguindo a lógica de sustentação de uma concepção ampliada de democracia, apresentar-se-á uma revisão do conceito de política, na medida em que o resgate da força reivindicativa dos sindicatos perpassa pela produção de uma consciência política.

Demonstrar-se-á que a ideia de política não se manifesta apenas nas ativi-dades dos agentes políticos, que ocupam mandatos eletivos, mas está presente em todo lugar em que se constrói uma ordem de coisas, um conjunto de práticas, fazendo-se necessária uma extensão desse conceito, apta a permitir que a política seja compreendida no contexto das estratégias utilizadas nas relações de poder, para o alcance dos interesses envolvidos.

No quarto capítulo, analisar-se-á o modelo de organização sindical vigente no país, dada a sua importância para a criação e a manutenção de relações de poder no âmbito dos sindicatos. Serão apresentadas as estratégias utilizadas e se demonstrará que redundaram em graves problemas de representatividade sindical.

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Em seguida, discutir-se-á se a introdução da noção de democracia ampliada pode ser útil para uma mudança de perspectiva, salientando-se a existência de um elemento humano que envolve a democracia, que não se esgota na análise institucional. Nesse contexto, ganha importância a necessidade de mobilização dos trabalhadores, que são os maiores interessados na construção de uma democracia ampliada, no âmbito das relações sindicais.

A pesquisa desenvolvida é teórica, adotando, como metodologia, a revisão de literatura, por meio de levantamento bibliográfico, que abrange a utilização de livros e artigos científicos de autores nacionais e estrangeiros, buscando referências que contribuam, de forma relevante, para a abordagem do tema.

Uma análise adequada do tema tratado não pode se limitar a aspectos dog-mático-jurídicos, devendo ser abordados, também, sob uma perspectiva política, econômica e sociológica, vez que o estudo da ciência do Direito não pode ter como base, apenas, seu contexto, devendo buscar substrato em outros ramos do conhecimento. É preciso verificar os fatos e a valoração dada a eles pela socieda-de, pois só assim é possível entender a gênese da norma. Evidencia-se, assim, a obrigatoriedade de uma análise interdisciplinar, não só para entender as origens do problema, mas também, para buscar as soluções possíveis.

O estudo possui considerável importância acadêmica, tendo em vista a exis-tência de uma crise de representatividade sindical, caracterizada por um cenário em que, frequentemente, as decisões tomadas pela cúpula dos sindicatos não correspondem aos reais anseios dos representados.

Em novembro de 2017, entrou em vigor a nova legislação trabalhista, que tem como um dos principais alicerces a priorização das negociações coletivas sobre as fontes heterônomas em diversas situações, que versam, inclusive, sobre direitos fundamentais do trabalhador, como a remuneração e a jornada de trabalho.

Não há, porém, como tratar do tema, sem que se promova uma reflexão sobre o papel dos sindicatos.

Com efeito, o pressuposto da reforma é a existência de sindicatos realmente representativos das categorias profissionais, que negociem, com firmeza e indepen-dência, o que, sem qualquer dúvida, precisa ser garantido, propondo-se, para tanto, o seu alcance por meio da revisão da dinâmica das relações sindicais, fundada em uma ideia de democracia ampliada.

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A EVOLUÇÃO DO SINDICALISMO NO BRASIL

Muito embora a presente pesquisa não tenha uma ênfase histórica, é necessário recorrer aos elementos temporais para a adequada compreensão da realidade do sindicalismo nos dias atuais.

Ademais, a análise da evolução do sindicalismo permite que se perceba como a ausência de uma democracia real e de representação efetiva dos trabalhadores contribuiu para o panorama atual, cuja análise é o objeto central do estudo.

Por essa razão, não será enfrentado o contexto histórico do sindicalismo no mundo, mormente porque, como destaca Brito Filho (2015, p. 60), no Brasil, o sindicalismo nasceu em momento posterior ao do movimento europeu, o que se explica pelo desenvolvimento tardio do capitalismo em nosso país, que se deu a partir dos anos 1930, quando os países europeus já haviam produzido a Primeira e a Segunda Revoluções Industriais(1).

1.1 PERÍODO PRÉ-VARGAS

Nos tempos do Império (1822-1889), havia uma ausência quase que total de qualquer iniciativa de organização operária. Moraes Filho (1978, p. 182) afirma que isso se deve ao contexto da sociedade escravocrata, em que a densidade populacional era escassa, não havendo um terreno fértil para a organização coletiva de trabalhadores.

O Brasil do século XIX era um país fundamentalmente rurícola, uma vez que a indústria só começou a crescer no final do século, utilizando mão de obra barata, como a dos ex-escravos.

(1) Para um estudo aprofundado da questão, ver Mello (2009).

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A Constituição de 1824 não continha nenhum dispositivo que tratasse dos direitos sociais dos trabalhadores, seja na perspectiva individual, seja na coletiva.

Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, esse cenário começou a se modificar.

Delgado (2015, p. 134) destaca que as primeiras associações de trabalhadores livres surgiram no final do século XIX, como as ligas operárias e as sociedades de socorro recíproco, dentre outras, que, mesmo não se constituindo na forma de sindicatos(2), já revelavam uma experiência associativa.

A primeira Constituição republicana, de 1891, não tinha nenhum dispositivo específico tratando dos sindicatos. Garantia, porém, no art. 72, § 8º, o direito de associação e reunião a todos os cidadãos, previsão esta que legitimou, sob o ponto de vista jurídico, as embrionárias formas de mobilização operária.

No que diz respeito à legislação infraconstitucional, a primeira menção expressa aos sindicatos adveio com o Decreto n. 979, de 1903(3), que previu a possibilidade de sindicalização dos trabalhadores rurais. Esse pioneirismo explica-se pelo fato de que, na época, o Brasil era um país de formação essencialmente agrícola, em que as poucas manifestações de trabalho organizadas ocorriam no âmbito rural.

Em 1907, com o Decreto n. 1.637(4), o direito de constituição de sindicatos foi estendido a todos os trabalhadores, inclusive aos profissionais liberais.

Segundo Moraes Filho (1978, p. 186), nesse primeiro momento, não se tinha em vista a formação de um espírito propriamente sindicalista, de luta e de resistência profissional. A criação dos sindicatos objetivava promover um senso de colaboração, com a prestação de assistência mútua entre os seus integrantes.

Consoante os dois decretos, os sindicatos eram pessoas jurídicas de direito privado, bastando, para a aquisição de personalidade jurídica, o registro nos cartórios

(2) Segundo Nascimento (2015, p. 100), a palavra “sindicato” teve seu uso generalizado a partir de 1903. (3) O art. 1º do Decreto estabelecia: “É facultado aos profissionais da agricultura e indústrias rurais de qualquer gênero organizarem entre si sindicatos para o estudo, custeio e defesa de suas terras. Já o art. 2º continha a seguinte redação: “A organização dos sindicatos é livre de quaisquer restrições ou ônus, bastando, para obterem os favores da lei, depositar no cartório do registro das hipotecas do direito respectivo, com a assinatura e responsabilidade dos administradores, dois exemplares dos estatutos, da ata de instalação e da lista dos sócios, devendo o escrivão de registro enviar duplicata à Associação Comercial do Estado em que se organizarem os sindicatos.(4) Art. 1º: “É facultado aos profissionais de profissões similares ou conexas, inclusive as profissões liberais, organizarem entre si sindicatos, tendo por fim o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e dos interesses profissionais de seus membros”.Art. 2º: “Os sindicatos profissionais constituem-se livremente, sem autorização do Governo, bastando para obterem os favores da lei, depositar, no cartório do registro de hipotecas do distrito respectivo, três exemplares dos estatutos, da ata da instalação e da lista nominativa dos membros da diretoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direção da sociedade ou da gestão dos seus bens, com a indicação da nacionalidade, da idade, da residência, da profissão e da qualidade de membro efetivo ou honorário.