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Sindicalismo vermelho: a política sindical do PCB entre 1948 e 1952

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Artigo sobre os sindicatos do PCB de 48 a 52

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Sindicalismo vermelho: apolítica sindical do PCBentre 1948 e 1952

SINDICALISMO VERMELHO: A POLÍTICA SINDICAL DOPCB ENTRE 1948 E 1952

RESUMOEste artigo analisa a política sindical do Partido Comunista doBrasil PCB entre 1948 e 1952. Nele constata-se uma contradiçãoentre o conjunto das memórias dos militantes comunistas, queserviram de base para a construção de uma história do PCB, e osdocumentos produzidos por esse mesmo partido no períodoestudado. A política de construção de organizações detrabalhadores à margem da estrutura sindical oficial não tevecomo objetivo a construção de uma estrutura sindical paralela,de caráter permanente. Esta foi a forma encontrada para acumularforças no sentido de reconquistar os sindicatos oficiais. Apesardisso, este foi o período em que os comunistas chegaram maisperto de romper com o que se convencionou chamar de ideologiado populismo sindical. Porém, a conjuntura desfavorável para aclasse operária e os limites da crítica comunista à estrutura sindicalestatal impossibilitaram que os comunistas pudessem substituiressa estrutura corporativa e tutelada por outra assentada nosindicalismo livre.

PALAVRAS-CHAVEPartido Comunista do Brasil - PCB; Sindicalismo brasileiro;Populismo; Estrutura sindical

A POLÍTICA SINDICAL COMUNISTA NO GOVERNO

DUTRA - OS ANOS DE CHUMBO (1948-1950)

UMA INTRODUÇÃO

O período que vai de 1948 a 1952 é um dos mais obscurosda história do movimento sindical brasileiro. Raros foram ostrabalhos produzidos sobre esta fase. Mesmo as biografias eautobiografias de militantes e dirigentes do Partido Comunistado Brasil – PCB, tendem a relegar este período a um segundoplano, quando muito dedicando-lhe algumas poucas linhas.

Mas a principal característica desta produção consiste emuma avaliação, em geral, bastante negativa da política sindicalcomunista no período. As principais críticas se dirigem àstentativas de formação de associações profissionais “paralelas”aos sindicatos oficiais; tentativas que, segundo os críticos, nãoencontraram respaldo junto à classe operária e, por isso mesmo,foram as responsáveis diretas pela perda de influência doscomunistas junto aos trabalhadores urbanos.

Acredito que uma das razões para a constituição de umavisão tão negativa entre os militantes sindicais, e intelectuais deesquerda, foi a autocrítica elaborada posteriormente aosacontecimentos. Esta foi excessivamente dura e, sem dúvida,correspondeu a uma alteração substancial ocorrida na políticamais geral do partido e à sua gradual incorporação ao “pacto

Augusto César Buonicore1SINDICALISMO VERMELHO: A

POLÍTICA SINDICAL DO PCB

ENTRE 1948 E 19522

1 Historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp e membro doConselho de Redação da revista Debate Sindical. [email protected]

2 Este artigo é baseado na minha dissertação de mestrado intitulada Oscomunistas e a estrutura sindical corporativa (1948-1952): entre a reforma e aruptura, orientada pelo Prof. Dr. Armando Boito Junior, Instituto de Filosofiae Ciências Humanas, Unicamp, 1996.

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populista”, linha que se consolida com a declaração de março de1958. O que pretendo demonstrar neste artigo é que muitasdessas críticas foram unilaterais e merecem ser revisadas.

SINDICATOS OFICIAIS E ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS

A conjuntura que se inicia em 1947 e vai até o final de1950 caracterizou-se pelo rompimento do chamado pactopopulista, que tentou firmar-se no final do governo Vargas. Aconseqüência foi a exclusão, mais ou menos violenta, das massasurbanas, especialmente a classe operária, do jogo político, aindaque esta participação estivesse se dando de maneira subordinada.

A tentativa de incorporação desses setores populares,implementada por Vargas, foi abruptamente interrompida peloseu sucessor, com as intervenções nos sindicatos mais ativos, como fechamento das organizações intersindicais paralelas,Movimento Unificador dos Trabalhadores - MUT e Confederaçãodos Trabalhadores do Brasil - CTB; e com a cassação do registrodo principal representante dos setores mais organizados eavançados das classes trabalhadoras, o PCB.

A adesão do conjunto das classes proprietárias brasileiras,inclusive a burguesia industrial, à política antioperária de Dutra,com o seu apoio ativo à cassação da legalidade do partido e deseus parlamentares, levou os comunistas a afastarem qualquerpossibilidade do restabelecimento da consigna de “uniãonacional”, por eles defendida entre os anos de 1945 e 1946.

Outro fator que iria pesar decididamente para a alteraçãoda política comunista foi o início da guerra fria, e o crescimentodo perigo de uma nova guerra mundial. Diante desta novaconjuntura internacional que se abriu, o conjunto da burguesiabrasileira e o governo Dutra cerraram fileiras ao lado doimperialismo norte-americano, colaborando ativamente para oseu esforço de guerra contra a URSS. Isto fez acirrar ainda maisa repressão interna contra os comunistas brasileiros econseqüentemente contra o movimento operário em geral.

Tudo isto leva a uma mudança substancial da políticasindical dos comunistas brasileiros. A política sindical do PCBentre 1948 e 1950 caracterizou-se pela crítica mais acentuada àestrutura sindical brasileira. Foi, sem dúvida, a crítica maiscontundente que esta estrutura sofreu desde a sua consolidação

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na década de 40 do século XX. O próprio documento Enfrentar osProblemas da Revolução Agrária e Antiimperialista, mais conhecidocomo Manifesto de Janeiro de 1948, que se constituiria no principalguia para ação dos comunistas até 1950, já afirmava que a lutapelas reivindicações imediatas das massas trabalhadoras deveriaser organizada dentro das entidades sindicais já existentes ou,onde isso fosse impossível, dentro das novas organizaçõesprofissionais criadas nos próprios locais de trabalho.3

Aqui cabe destacar duas coisas. A indicativa de formaçãode associações profissionais estava vinculada à impossibilidadede atuação nos sindicatos existentes sob a intervenção doMinistério do Trabalho. A fórmula proposta é a constituição deassociações profissionais por local de trabalho e não por regiãoou categoria profissional. Não visavam assim, a princípio,concorrer com a representação sindical oficial existente.

O jornal A Classe Operária, órgão oficial do PCB, de 27 dejaneiro de 1948, não deixa dúvida quanto à política a ser seguidapelos comunistas:

Por mais que seja difícil o trabalho sindical, maisnecessário se torna a luta organizada, tenaz, paciente edecidida dos trabalhadores pela recuperação de seussindicatos, mobilizando-se dentro deles, quaisquer que sejamas suas diretorias (...). Mesmo em mãos da políciaministerialista (...) o sindicato continua a ser órgãodestinado a unificar as massas trabalhadoras na luta porsuas reivindicações econômicas. Por isso se torna obrigatóriaa presença dentro do sindicato de todos os trabalhadoresconscientes.4

O tom seria alterado nos meses seguintes, deslocando aênfase para a constituição de organizações por local de trabalhoe de associações profissionais, mas em nenhum momento seriaabandonada a diretiva de atuação nos sindicatos, no sentido dereconquistá-los.

3 PRESTES, L. C. Como enfrentar os problemas da revolução agrária eantiimperialista. Problemas, Rio de Janeiro, v. 2, n. 9, p. 18-42, abr. 1948.

4 A Classe Operária, Rio de Janeiro, 27 out. 1948.

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No documento Mobilizar Grandes Massas para Defender aPaz e Derrotar o Imperialismo e a Ditadura, publicado em agosto de1949, o dirigente nacional do PCB, Maurício Grabois advertecontra os desvios esquerdistas na interpretação da política sindicaldo Partido. Ele critica a posição assumida pelos membros dopartido que haviam abandonado os sindicatos oficiais. A militânciahavia compreendido muito esquematicamente a importância da criaçãodas associações profissionais e acabaram fundando essas organizaçõesna base de sindicatos nos quais ainda era possível atuar em defesados interesses das massas.

O fundamental para os comunistas era a organização porlocal de trabalho e as lutas pelas reivindicações econômicasimediatas dos trabalhadores. Afirma Grabois:

Partindo do princípio básico de nossa política sindicalde que a organização do proletariado deve repousar nasempresas, torna-se evidente que toda organização que tenhapor finalidade defender os interesses econômicos dostrabalhadores, seja qual for o seu nome, sindicato ouassociação profissional, cooperativa ou comissão, desde quese apóie na fábrica ou no local de trabalho, serve paraorganizar sindicalmente os trabalhadores. É na base deorganizações deste tipo que iremos estruturando omovimento sindical, utilizando os organismos existentes elutando pela criação de novos organismos sindicais nasempresas.5

Esta passagem deixa claro a duplicidade da políticasindical comunista. De um lado não se prende ao sindicalismooficial como única forma legítima de representação das classestrabalhadoras, por outro não propõe a supressão do sindicalismoexistente por um novo e, sim, um convívio entre ambos, e, porfim, a incorporação do último no primeiro.

Os comunistas, durante todo este período, apesar decriticarem mais duramente a estrutura sindical, sempreprocuraram intervir nela. Atuaram, certamente, na esperança dedestruí-la por dentro. Mas, na prática, sua ação ia no sentido de

5 GRABOIS, M. Mobilizar grandes massas para defender a paz e derrotar oimperialismo e a ditadura. Problemas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 20, p. 23-52,ago./set. 1949.

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reformá-la, democratizá-la, extirpando-a dos mecanismos maisdiscricionários e daquele que, segundo eles, seria o principalmecanismo para manutenção dos pelegos na direção dossindicatos: o imposto sindical. Pode-se afirmar que, para oscomunistas, a garantia de eleições livres para as direções sindicais,sem a intervenção direta do Ministério do Trabalho, e o fim doimposto sindical seriam condições suficientes para oestabelecimento da efetiva liberdade sindical.

A defesa da necessidade de atuação nos sindicatos oficias,inclusive os sob intervenção, significava a subordinação dostrabalhadores às direções ministerialistas. Ainda em 1948, a GazetaSindical já indicava aos militantes sindicais que se as juntasgovernativas não aceitarem o caminho indicado pelos trabalhadores, essasorganizações nas empresas deviam passar por cima dos sindicatos. E foiisto que, em geral, acabou acontecendo na quase totalidade dosmovimentos grevistas ocorridos no período.

A própria composição da CTB reflete, em parte, essaconcepção ampliada sobre o que seja uma organização sindical.Na resolução aprovada em sua 1ª Conferência Nacional ficouestabelecido que dela poderiam participar os atuais sindicatos, asorganizações operárias de caráter beneficente, cooperativa e social e, éclaro, as associações profissionais. Neste momento ainda não eradada nenhuma preferência pelos sindicatos oficiais. E nem poderiaser diferente, porque a quase totalidade da militância comunistaestava excluída dos sindicatos e concentrava a sua ação nasorganizações por locais de trabalho; excluir ou reduzir o papeldessas organizações dentro da CTB era excluir e reduzir o papeldesempenhado pelo movimento operário real que, mesmolimitado, passava por essas organizações, diante da completainatividade dos sindicatos ministerialistas.

ESVAZIAMENTO DOS SINDICATOS OFICIAIS

Ao contrário dos que afirmam existir um conflitopermanente entre a diretiva da direção do PCB para o abandonodos sindicatos oficiais e a aspiração das massas em atuar nossindicatos oficiais sob intervenção, podemos asseverar que todasas informações levantadas na imprensa sindical e comunista daépoca apontam para uma conclusão oposta. Constatamos umatendência acentuada de esvaziamento dos sindicatos por parte

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dos trabalhadores e especialmente das bases comunistas. Isto podeser sentido nas próprias declarações de militantes e dirigentescomunistas e socialistas do período.

As intervenções sindicais, no início de 1947, puseram umfim ao crescimento da sindicalização que vinha sendo observadoprincipalmente desde 1945. Não só o crescimento foi estancadocomo houve uma redução do número de sindicalizados, e istoteve vários motivos.

Desde dezembro de 1946, quando o Ministro do TrabalhoMorvan Figueiredo, respondendo a uma consulta de um sindicatode Juiz de Fora, autorizou as direções sindicais a suspender osassociados que insistissem em levar o sindicato a uma posição ilegal,ocorreu um processo de expurgo generalizado das liderançassindicais mais combativas, geralmente comunistas. Isto veio a seagravar depois do Decreto de 7 de maio de 1947 que abriu apossibilidade de intervenção em todos os sindicatos que haviamaderido à CTB.

Segundo o jornal Vanguarda Socialista, órgão oficial dadireção nacional do PSB, só no sindicato dos Metalúrgicos doDistrito Federal, mais de 900 trabalhadores foram sumariamenteexcluídos.6 O ex-líder metalúrgico e comunista, Agostinho deCarvalho, fala em cerca de 1.300 trabalhadores afastadoscompulsoriamente do sindicato sob acusação de seremcomunistas.7

O impacto das intervenções também levou ao afastamentoespontâneo de milhares de trabalhadores. Digo espontâneo poisnão havia esta diretiva por parte de nenhuma organização deesquerda mais expressiva, comunista, socialista ou trotskista.

Até mesmo no Sindicato dos Gráficos de São Paulo, noqual houve uma intervenção negociada, o que permitiu amanutenção, enquanto colaboradores, de membros da diretoriadestituída, houve uma redução significativa no número deassociados. Só em 1947, 722 associados deixaram de pertenceraos quadros do sindicato: 671 por atraso de pagamento, 42 porabandono de profissão (aqui se incluem os trabalhadores daImprensa Oficial desligados por decisão da nova diretoria, por

6 Vanguarda Socialista, Rio de Janeiro, 3 jan. e 15 nov. 1947.7 Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 1952.

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serem considerados funcionários públicos) e apenas 2 porfalecimento. Em 1948 foram eliminados mais 459 sócios.8

Pelas páginas de O Trabalhador Gráfico, Pedro Viadero,presidente cassado do sindicato, ex-comunista e colaborador dajunta governativa, afirmaria:

Empossada a junta governativa (...) os associadosinfluenciados talvez por elementos menos ponderados (...)deixaram a corporação, deixaram de freqüentar comoantigamente faziam (...) pode-se dizer mesmo que o sindicatoficou às moscas (...) A Junta governativa isolada do restoda corporação teve desde os primeiros momentos embargadosseus passos, pela indiferença e pelo descaso da maioria doscompanheiros.9

A política policialesca existente nos sindicatos também foiresponsável pelo esvaziamento dos sindicatos oficiais. Em SãoPaulo, no início de 48, vários motoristas e cobradores foram presospelos “tiras da ordem política”, quando tentavam entrar na sededo sindicato.10 Em março de 1948, a diretoria do Sindicato dosTêxteis de São Paulo solicitou a prisão de todos os elementos daComissão Municipal de Salários, eleitos pela categoria numaassembléia dentro do próprio sindicato. O que culminou comuma greve de protesto na fábrica Labor, na qual trabalhava umdos detidos.11 Não é de se admirar o alto nível de descréditodos trabalhadores em relação a estas organizações sob direçãoministerialista.

ASSOCIAÇÕES LIVRES E MOVIMENTO OPERÁRIO

Existe, em geral, uma visão bastante crítica em relação aopapel desempenhado pelas associações profissionais e asorganizações livres no movimento sindical brasileiro. A políticade formação dessas entidades livres é condenada por não ter

8 O Trabalhador Gráfico, São Paulo, 25 maio 1949, 7 fev. 1950 e ago. 1951.9 VIADERO, P. Tarefa de insensatos. O Trabalhador Gráfico, São Paulo, p. 8, 25maio 1949.

10 Hoje, São Paulo, 23 jan. 1948.11 Gazeta Sindical, Rio de Janeiro, 27 mar. 1948.

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conseguido aglutinar as massas trabalhadoras, e por ter isoladoas lideranças comunistas, facilitando a expansão das correntesministerialistas e trabalhistas.

Não temos dúvidas, e vários depoimentos o comprovam,de que uma grande parte destas organizações livres aglutinarampequena parcela de trabalhadores. Mas não podemos absolutizarestas informações e negar a importância destas entidades naorganização e no impulsionamento das lutas dos trabalhadoresurbanos naquele período. Não podemos, de forma alguma,concordar que a política de formação de organizações livres, emgeral, fosse a principal responsável pela perda de influência doscomunistas junto aos trabalhadores urbanos.

Através de muitas destas entidades, os comunistasconseguiram acumular forças o que lhes permitiu ganhar aseleições para as diretorias de importantes sindicatos. Em muitosdeles, venceram, mas foram impedidos de tomar posse graças àinterferência direta do Ministério do Trabalho.

A vitória da oposição, apoiada pelos comunistas, noSindicato dos Metalúrgicos em São Gonçalo, foi sustentada pelaCaixa Beneficente da Indústria Hime, a principal base dessesindicato. A oposição vitoriosa nas eleições para a diretoria doSindicato dos Hoteleiros do Distrito Federal tinha por base aantiga Comissão Pró-Liberdade Sindical dos Trabalhadores emHotéis e Restaurantes; o mesmo ocorreria com o Sindicato daCarris Urbanos do Distrito Federal, no qual a oposição organizadaatravés da Associação Unificadora dos Trabalhadores da Lightvenceu a eleição no final de 1950. Nestes dois últimos casos oscomunistas foram impedidos de tomar posse.

Na cidade de Conselheiro Lafaiete, a chapa apoiada pelaAssociação Profissional dos Trabalhadores das Minas venceu aeleição no sindicato da categoria. Em São Paulo, a União dosBancários esteve por trás da chapa vitoriosa no Sindicato dosBancários. Neste mesmo estado, a oposição, que se organizavaatravés do Comitê Gráfico pela Autonomia Sindical, sobhegemonia socialista, venceu a eleição no Sindicato dos Gráficosem 1951; embora esta tivesse sido impedida de tomar posse.

No Sindicato dos Metalúrgicos do Distrito Federal, nabase do qual existia uma Comissão de Defesa Sindical eorganizações livres nos locais de trabalho, como a Caixa Pró-Natal da Indústria Ipiranga, a oposição só não venceu a eleiçãosindical pelas constantes interferências do Ministério do Trabalho

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que impediram sistematicamente a realização do pleito até 1952.Os comunistas venceram as eleições no Sindicato dos Transviáriosde Porto Alegre e no Sindicato dos Têxteis do Distrito Federal,onde havia associações organizadas em algumas fábricas têxteis.

Além das associações já citadas, várias outras associaçõesprofissionais tiveram um papel importante na manutenção daorganização dos trabalhadores urbanos. Destacam-se a Associaçãodos Trabalhadores do Arsenal da Marinha; a União dosFerroviários da Sorocabana e a União dos Funcionários Públicose Autárquicos do Estado de São Paulo; essas três últimas categoriasestavam proibidas de se organizarem em sindicatos oficiais.

Através de muitas dessas associações, os trabalhadoresforam mobilizados para participar das assembléias sindicaisdirigidas pelos ministerialistas, e conseguiram fazer aprovarresoluções mais avançadas, que apontavam para a efetivamobilização dos trabalhadores, para a recusa de instauração dedissídios coletivos. Em muitos casos conseguiram até a destituiçãodas juntas governativas e a indicação de novas diretorias. Emboraessas vitórias fossem efêmeras, devido à conjuntura adversa, elasmostram a representatividade de que gozavam as liderançascomunistas, e suas organizações, junto aos trabalhadores urbanos.

AS ORGANIZAÇÕES LIVRES E AS GREVES

Existe uma tendência entre os estudiosos do movimentosindical brasileiro de rebaixar o nível de ação das massas operáriasa partir de 1948 até pelo menos 1952. A compreensão equivocadade que a repressão do governo Dutra e a política sindical do PCBimobilizaram o movimento operário, levou a que muitos autoresdesconsiderassem este período rico da história das lutas operáriasem nosso país. De fato, a conjuntura que vai de 1947 a 1950 émarcada, de maneira geral, pelo refluxo das lutas operárias,especialmente quando comparada com o período imediatamenteanterior de 1945-1946. Mas a presente pesquisa leva a crer que épreciso relativizar este refluxo.

A nova posição assumida pelos comunistas, após janeirode 1948, de priorizar a construção de organizações livres nasempresas para a luta por reivindicações imediatas, especialmenteaumentos salariais, também corresponderia, em parte, àsaspirações da classe operária que tinha seu poder aquisitivo

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rapidamente corroído pela inflação que ultrapassava, segundo arevista Problemas, os 120% nos dois primeiros anos do governoDutra. Tal conjuntura levaria à eclosão de inúmeros e importantesmovimentos grevistas a partir 1948.

Segundo levantamento pela imprensa comunista, mais de100 greves eclodiram naquele ano e atingiram, segundo JoverTelles, acima de 250 mil trabalhadores. O móvel da grandemaioria destas greves foi a luta por aumentos de salários.

Embora as greves tivessem atingido a maioria dascategorias e se espalhado por diversos Estados brasileiros, elasse destacam entre os ferroviários, mineiros e têxteis. Nestessetores eclodiram os maiores movimentos, quer pela suaabrangência (região atingida e número de trabalhadores emgreve), quer pela sua duração e pelos efeitos que causaram sobrea luta das demais categorias, impulsionando-as.

Neste período a ênfase do discurso das lideranças sindicaiscomunistas foi alterada. A pressão sobre o governo e o parlamentopassou para um segundo plano, os comunistas passaram então aconcentrar suas energias na livre negociação entre patrões eempregados sem intermediações do Ministério do Trabalho. Omecanismo do dissídio coletivo, tão empregado pelos comunistasaté 1947, passa a ser repudiado.

O ano de 1949 foi marcado por um refluxo das lutasgrevistas no país. Somam-se, através da imprensa comunista, cercade 50 greves. Ou seja, o número de greves cairia pela metade emrelação ao ano anterior, a queda no número de grevistas seriaainda maior. O ano de 1950 conheceu um certo afluxo domovimento grevista, embora continuasse bem abaixo do nívelatingido em 1948. Foi constatada a existência de 76 movimentosde paralisação.

Uma das características do movimento grevista ocorridoentre 1948 e 1950 foi a predominância das greves localizadas porempresas, a quase não existência de greves por categoria ougreves generalizadas que envolvessem diversas categorias detrabalhadores. A quase totalidade das greves deu-se por razõesde ordem econômica, em torno de reivindicações como aumentode salários, pagamento do abono de Natal e do descanso semanalremunerado, e contra o atraso nos pagamentos.

Outra característica comum a todo este período (1948-1950) é a não participação dos sindicatos oficiais nessesmovimentos grevistas. Em todas as greves ocorridas no período,

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quando constatado algum tipo de organização, eraminvariavelmente comissões internas por empresas ou, em menormedida, associações profissionais. Foram raríssimos os casos departicipação de diretorias de sindicatos oficiais nas lutasreivindicatórias das categorias. Em geral, as posições dossindicatos ministerialistas se dividiam entre a condenação abertada greve, inclusive colaborando com a repressão aos grevistas, eo desconhecimento completo do movimento.

Por outro lado, podemos constatar a presença decomissões de trabalhadores nas principais greves deste período.As comissões se dividiam naquelas mais permanentes que eramcomissões de empresa, ou comissões mais fluidas: aquelas desalários ou de reivindicações que existiam em função das lutasque surgiam. Geralmente onde existiam comissões de empresasminimamente organizadas era formada uma comissão salarialdurante as mobilizações.

As associações profissionais também tiveram um papelimportante em diversas greves ocorridas até 1952. A Associaçãodos Trabalhadores de Barretos, que congregava trabalhadoresde diversas categorias, dirigiria uma importante greve noFrigorífico Anglo em abril de 1951, o que custaria o seufechamento em maio de 1951.

A Associação dos Trabalhadores Urbanos de São Pauloestaria por trás de uma greve realizada em novembro de 1949 oque também lhe custaria a ocupação policial de sua sede e o seufechamento sob acusação de tentativa de reorganização comunista.12

A LUTA CONTRA O IMPOSTO SINDICAL

A partir de janeiro de 1948, os comunistas passam aencaminhar a campanha contra o imposto sindical. Em 27 defevereiro, o dirigente nacional do PCB, João Amazonas, expõeno jornal Imprensa Popular a opinião do partido sobre a cobrançado imposto.

12 MARANHÃO, R. Sindicatos e democratização. São Paulo: Brasiliense, 1979.p.102.

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Os trabalhadores não têm interesse em mantersindicatos por esse meio. Afinal o que está aí não é sindicatona verdadeira expressão do termo (...) Os mesmos são órgãosde colaboração com o Estado Brasileiro que não é senãoinstrumento de dominação de classe dos grandeslatifundiários, banqueiros e industriais ligados aoimperialismo. É evidente que se os trabalhadores foremorganizados na dependência desse Estado não poderão lutarnem defender seus interesses.13

Aproveitando-se de um parecer do Juiz da 1ª Vara daFazenda Pública, Alcindo Pinto Falcão, que considerouinconstitucional a cobrança do imposto sindical, os comunistasfortalecem a sua campanha. Segundo o parecer, com apromulgação da nova Constituição, os sindicatos deixaram defazer parte da organização do Estado e passaram a ser entidadesde direito privado. Roberto Morena, secretário geral da CTB,afirma: As vultuosas somas arrecadadas através do imposto sindical foramsempre empregadas para manter esses simulacros de “sindicatos” que vêmdesde o Estado Novo até agora (...) Com a liquidação dessa taxa, jáinconstitucional, será anulada, em grande parte, a interferência do Estadonas organizações de classe.14

O impacto da decisão do Juiz da 1ª Vara da FazendaPública levou alguns patrões, pressionados pelos seusempregados, a suspenderem o desconto do imposto sindical. OMinistério do Trabalho não perde tempo e, apoiado pelosministerialistas, ameaça com multas os empregadores que nãodescontarem o imposto sindical.15

Nos primeiros meses de 1948, até março, podemos notara receptividade da campanha empreendida pelos comunistascontra o imposto sindical. No dia 15 de março, logo após a decisãodo juiz, os cerca de 100 operários da Fundição Luporine, noDistrito Federal, entregaram um memorial com a assinatura daquase totalidade dos funcionários. Diante da recusa dos patrões

13 AMAZONAS, J. Ninguém pode pagar o imposto sindical. Imprensa Popular,Rio de Janeiro, p. 1 e 2, 27 fev. 1948.

14 MORENA, R. Primeiro passo para a autonomia sindical. Imprensa Popular,Rio de Janeiro, p. 1 e 5, 4 mar. 1948.

15 Gazeta Sindical, Rio de Janeiro, 24 mar. 1948.

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em acatar a solicitação, eles promoveram uma paralisação deprotesto de uma hora dentro da fábrica.

A reação do Sindicato dos Metalúrgicos foi imediata nosentido de pressionar a empresa pelo desconto do imposto sindicale de denunciar o operário comunista, José Lellis, como principalinstigador do movimento. Lellis foi demitido e o imposto acabousendo descontado.

Os memoriais corriam todas as categorias. Apenas nojornal comunista carioca Imprensa Popular de março de 1948pudemos constatar a movimentação em mais de 20 empresas (ouseções de empresas).

Porém o parecer do Juiz da 1ª Vara da Fazenda Públicafoi um tropeço do judiciário que não se repetiria. O TribunalFederal de Recursos acabou fixando jurisprudência em sentidocontrário, admitindo como constitucional e válida a cobrançaobrigatória do imposto sindical.16

A campanha contra o imposto sindical seria retomada noinício de 1949; a partir de então não mais se colocaria qualqueresperança na utilização da justiça para barrar a sua cobrança e osmandados de segurança não são mais sugeridos, a não ser comoforma de desmascarar a justiça de classe. Afirma Bacelar Couto:

Os trabalhadores não podem ter ilusões de que oparlamento (...) nem o judiciário, mero apêndice do governo,venha reconhecer como ilegal o imposto sindical, fazendosuspender o seu desconto compulsório. A ditadura precisadeste imposto da corrupção para reforçar a sua política deopressão e de intervenção nos sindicatos, para sustentarsua corte de pelegos.17

No final de 1948, o deputado comunista Pedro Pomarhavia apresentado um projeto extinguindo o imposto sindical. Aposição dos comunistas em relação a este projeto revela bem adescrença no parlamento existente em suas fileiras naquelaconjuntura. Para os comunistas, o projeto de Pomar visava, antes

16 MORAES FILHO, Evaristo. O problema do sindicato único no Brasil. São Paulo:Alfa-Ômega, 1978. p. 281-282.

17 BACELAR COUTO, A. L. Como lutar contra o imposto sindical. A ClasseOperária, Rio de Janeiro, 12 mar. 1949.

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18 A Classe Operária, Rio de Janeiro, 12 mar. 1949.19 A Classe Operária, Rio de Janeiro, 14 maio 1949.

de mais nada, desmascarar os falsos democratas que teriam, maisuma vez , que despir-se de suas roupagens liberais e votar pelamanutenção do imposto.18

Segundo o jornal A Classe Operária, trabalhadores decentenas de empresas fizeram entregas de memoriais aos patrõesexigindo o não desconto do imposto sindical.19 Houve uma únicanotícia de greve contra o imposto sindical, que foi na FábricaVaram, a qual paralisou por duas horas e meia. Mas, mesmo nestagreve, pudemos constatar a presença de outras reivindicações,como a de aumento de salários.

A luta pelo fim do imposto sindical constituía-se como ocentro da estratégia sindical comunista. Segundo eles, opeleguismo não poderia sobreviver sem as taxas compulsórias.O fim do imposto sindical levaria necessariamente os pelegos ase esforçarem para ampliar o quadro de associados e a buscarematender minimamente os interesses econômicos dostrabalhadores. Assim abrir-se-ia espaço para que de novo ossindicatos pudessem se encher de trabalhadores, facilitando aatuação dos sindicalistas mais combativos.

UNICIDADE E LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL

Em agosto de 1948, a Gazeta Sindical publica um longoartigo que, pela primeira (e única) vez, aborda o problema daunicidade sindical, colocando-a como obstáculo à verdadeiraliberdade sindical. O artigo, sem dúvida, é único, mas mostra asdificuldades internas que atravessava a concepção comunistasobre a liberdade sindical. O artigo assinado por Carlos Araújoafirma:

Para os trabalhadores de todos os países do mundo,liberdade sindical significa: a) Organização livre deinterferência do Estado (...) c) direito de fundar novosindicato no caso de discordar da orientação do existente(...) o Projeto Mangabeira de Lei Sindical embora no seu

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20 ARAÚJO, C. Porque lutamos contra o Projeto Mangabeira de Lei Sindical.Gazeta Sindical, Rio de Janeiro, p. 3, 15 ago. 1948.

21 Gazeta Sindical, Rio de Janeiro, 1. quinz. nov. 1949.

artigo 4º assegure essas liberdades, o nega na prática quandoregulamenta a aplicação do imposto sindical.20

No entanto a possibilidade legal da pluralidade sindicalnão voltaria mais a ser colocada, pelo menos de maneira explícita,como condição necessária para instauração da liberdade sindical,como foi exposta por Carlos Araújo em agosto de 1948. Tudoindica que a posição assumida por ele não correspondia à posiçãooficial da direção do PCB. Na primeira quinzena de novembrode 1949, ao definir liberdade sindical, a mesma Gazeta Sindicalafirmaria:

Compreende-se pois por liberdade sindical o direito quetem o trabalhador, como cidadão, de agrupar-se ou associar-se em sindicatos ou outro qualquer tipo de associaçãoprofissional para a defesa comum de seus direitos sociais ede seus interesses econômicos e políticos (...) cabe ainda odireito de unicamente dirigir os seus órgãos de classe, elegersuas diretorias, controlar seus atos e elaborar os estatutosatendendo as particularidades de cada corporação (...)Quanto ao trabalhador individualmente não deve estarsujeito à contribuição obrigatória, como é o caso do impostosindical, e ter livre direito de filiar-se ou não ao sindicato.21

Como podemos notar, desaparece o direito de fundar novosindicato no caso de discordar da orientação do existente. Agora elesreduzem o conceito de liberdade sindical à extinção do impostosindical, eleições livres para as diretorias sindicais, ao direito deelaboração dos seus estatutos e de organização por locais detrabalho. Portanto, nas conjunturas de 1948 a 1950, a políticacomunista não escapa de uma contradição. Em geral aponta paraa necessidade da mais ampla liberdade sindical, mas apenastangencialmente aborda o problema da investidura sindical, quetem como substrato a “carta de reconhecimento sindical”.

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A POLÍTICA SINDICAL COMUNISTA NOS PRIMEIROS ANOS DO SEGUNDO

GOVERNO VARGAS – OS ANOS DE TRANSIÇÃO (1951-1952)

O PCB E O NOVO GOVERNO DE VARGAS

Os comunistas, embora considerassem o governo Vargasuma continuação do governo Dutra, também compreenderamque este novo governo contava com a confiança de importantessetores das classes trabalhadoras. Portanto, se quisessem manteralguma relação com as massas getulistas, deveriam tomar certoscuidados com os ataques a serem desferidos contra Vargas.

Para os comunistas, o calcanhar-de-aquiles do novogoverno eram as suas promessas que, segundo eles, jamaispoderiam ser cumpridas. Isso levaria a um rápido desgaste deVargas e ao conseqüente aumento da influência dos comunistasjunto a suas bases populares. Em um dos primeiros documentosda direção nacional do PCB, após a posse de Getúlio, afirmava-se:

Existe uma flagrante contradição entre o caráter dogoverno de Getúlio e o que dele esperam as massas (...) Ogoverno Vargas será rapidamente desmascarado, se atuarmosde maneira a não nos isolarmos dos setores populares queainda têm ilusões na demagogia getulista, isto é, se atuarmosa base de fatos concretos da conduta de Getúlio, a base daluta direta das massas pela paz, por aumento de salários,contra a carestia, contra o aumento dos aluguéis (...) contraa assiduidade de 100%, etc.22

Os comunistas, desde a posse do novo governo,aproveitando-se de uma tendência espontânea das massastrabalhadoras, passaram a incentivar a formação de comissõesde trabalhadores para reivindicar diretamente a Getúlio Vargas.Acreditavam que esta seria a melhor maneira de desmascarar ademagogia getulista junto às suas bases operárias.

22 PCB. Resolução do Pleno do Comitê Nacional do Partido Comunista doBrasil, de fevereiro de 1951. As tarefas atuais dos comunistas na luta pelapaz e pela independência nacional. Problemas, Rio de Janeiro, v. 4, n. 33, p. 3-12, mar./abr. 1951.

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VARGAS E AS INTERVENÇÕES SINDICAIS

Durante a sua campanha eleitoral, Vargas havia criticadoas intervenções sindicais promovidas no governo Dutra eprometera entregar os sindicatos para os trabalhadores atravésde eleições livres. Após eleito à presidência da República, poucosdias antes da posse, Vargas recebeu uma comissão de jornalistasdo Distrito Federal que exigiu que fosse empossada a diretoriaeleita do seu sindicato, que havia sido impedida de assumir pornão ter apresentado o “atestado ideológico”. Vargas respondeu:Que atestado é esse? No meu governo não havia isso. E se comprometeuem garantir a posse de todos os eleitos.23

Sem dúvida a surpresa de Vargas não se justificava. Opresidente eleito, mais do que saber da existência do atestado,havia sido aquele que o instituíra em 1939 e o manteria quandoda elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

Poucos dias após a posse de Vargas uma comissão detrabalhadores visitou o Ministro do Trabalho Danton Coelho eexigiu dele a imediata posse das diretorias eleitas e nãoempossadas. Aproveitou também a ocasião para cobrar doministro o fim do “atestado ideológico”. A resposta de DantonCoelho mostraria claramente todos os limites da política deliberalização dos sindicatos implementada por Vargas, atravésdo Ministério do Trabalho. Afirma o ministro: Sou inteiramentecontrário ao atestado de ideologia. Apenas não permitirei que nenhumcomunista tome parte das direções sindicais (...) Os trabalhadores terãoo direito de escolher seus dirigentes sindicais contanto que não sejamcomunistas.24

Danton Coelho deixava claro qual era sua visão sobre aliberalização dos sindicatos brasileiros. Ele proporia uma aberturagradual, e controlada, que pudesse resgatar a confiança dostrabalhadores nas instituições sindicais oficiais, renovando os seusquadros e dando-lhes um maior dinamismo. Mas, ao mesmotempo, impediu (ou dificultou ao máximo) o ingresso doscomunistas nas direções dos sindicatos oficiais, pelo menos nosmais importantes.

23 Voz Operária, Rio de Janeiro, 3 fev. 1951.24 Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 16 fev. 1951.

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VARGAS E A REPRESSÃO AO MOVIMENTO SINDICAL

No seu primeiro ano de governo, Vargas não só nãorevogou o “atestado ideológico”, como se utilizou amplamentedele para tentar manter os comunistas fora dos principaissindicatos. A Portaria n. 36, de 1º de maio de 1951, do Ministrodo Trabalho que convocava as primeiras eleições sindicais nogoverno Vargas, em seu Artigo segundo, referia-se explicitamenteà necessidade do cumprimento do Artigo 530 da CLT, referenteao “atestado ideológico”. O que o ministro fez de novo foideterminar que a exigência do “atestado ideológico”, que era decompetência do Departamento de Polícia Política e Social, passassea ser competência do próprio Ministério do Trabalho.

O Ministério do Trabalho continuaria sem empossarvárias diretorias eleitas, como a dos sindicatos dos marceneirose dos trabalhadores em curtume do Distrito Federal.Continuavam também sob intervenção, depois de anuladas aseleições que deram a vitória às chapas apoiadas pelos comunistas,os sindicatos da Carris Urbanos e dos hoteleiros do DistritoFederal.

O Ministério do Trabalho também colocará sobintervenção os sindicatos dos marceneiros e dos têxteis de SãoBernardo do Campo, que estavam dirigindo uma greve geraldas duas categorias. Outra medida do Ministério foi dissolver ascomissões de salários que foram formadas, através de assembléiasgerais, nos sindicatos dos metalúrgicos, dos hoteleiros, dosmarceneiros e da Carris Urbanos do Distrito Federal, todashegemonizadas por comunistas.

Na eleição, ocorrida no início de 1951, para a diretoriado Sindicato dos Operários Navais seria negado o registro dachapa presidida pelo comunista Irineu José de Souza. Durante agreve dos metalúrgicos em Belém do Pará, ocorrida em julho de1951, o Ministério do Trabalho determinou o fechamento, porum prazo de seis meses, do Sindicato dos Metalúrgicos de Belém.

As intervenções e a repressão eram seletivas e visavam,fundamentalmente, desorganizar a ação dos comunistas no seiodo movimento sindical. Vargas pretendia “entregar” os sindicatosaos trabalhadores, como já havia afirmado o seu ministro dotrabalho, contanto que esses trabalhadores não fossemcomunistas.

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O governo, além de patrocinar intervenções exemplaresnos sindicatos sob direção não ministerialista, em muitosmomentos, reprimia duramente as suas manifestações,principalmente quando elas passavam a fugir do controle doMinistério do Trabalho e representavam uma ameaça para seuprojeto de incorporação da classe operária.

Em abril de 1951, a polícia de Vargas impediu a realizaçãoda Segunda Conferência Sindical dos Trabalhadores do DistritoFederal, que seria promovida pela Associação Sindical dosTrabalhadores do Distrito Federal - ASTDF. Várias manifestações,não oficiais, em comemorações do 1º de Maio de 1951, foramreprimidas.

Houve também uma repressão seletiva aos movimentosgrevistas. O primeiro grande confronto entre o governo Vargase um movimento grevista deu-se em maio de 1951, quando dagreve dos ferroviários da Rede de Viação do Rio Grande do Sul,na qual cerca de 18 mil grevistas paralisaram as ferrovias doEstado. Diante do impasse nas negociações, os governos estaduale federal enviaram tropas do exército contra os grevistas.

A greve nacional dos aeronautas e aeroviários, que seiniciou em 3 de dezembro de 1951 e atingiu os principais estadosbrasileiros, foi uma das provas de fogo da política de liberalizaçãodos sindicatos tentada por Vargas. Embora não houvesseintervenção direta nos sindicatos, e suas diretorias fossemmantidas, Vargas, através de um decreto, declarou intervençãofederal nas empresas de aviação, sob a alegação de que aparalisação estaria acarretando gravíssimos prejuízos aos interessesnacionais. Em seguida os grevistas foram convocados pelaAeronáutica para prestar serviços considerados fundamentais.Esta intervenção branca e a repressão que se seguiu determinaramo fim da greve.25

Em 2 de maio de 1951, o governo suspendeu as atividadesda Associação dos Trabalhadores de Barretos e iniciou o processojudicial para dissolvê-la. Esta entidade havia dirigido umaimportante greve na cidade, a do frigorífico Anglo, o que tinhacustado a prisão do presidente da associação. Outro caso gravede atentado à organização livre dos trabalhadores, e que sedestacou por sua truculência, foi o fechamento da Associação dos

25 A Classe Operária, Rio de Janeiro, 1 nov. 1951.

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Trabalhadores do Arsenal da Marinha. No dia 19 de outubro de1951, a polícia ocupou a sede da associação, dissolveu umaassembléia e prendeu cerca de 80 operários. Vários deles ficarampresos durante meses, alguns, como o presidente da Associação,ficaram incomunicáveis e posteriormente denunciaram teremsofrido torturas.26

A Portaria n. 48, baixada pelo Ministro do TrabalhoSegadas Viana em maio de 1952, ainda mantinha, na prática, aexigência do atestado de ideologia para os candidatos quedesejassem concorrer às eleições sindicais. A portaria mantinha aexigência de uma declaração de próprio punho dos candidatos,afirmando que os mesmos não estavam inclusos nos casos deinegibilidade apontados na CLT em seus capítulos específicos sobreeleições sindicais, que estabelecem a necessidade de atestadosde ideologia.27

No discurso de 1º de maio de 1952, Vargas reafirmou seuobjetivo de abertura sindical controlada, que impedisse o ingressodos comunistas na estrutura sindical oficial, mas pudesserejuvenecê-la com novos quadros operários menos desgastados.28

Em julho de 1952, em um discurso feito aos portuários santistas,Vargas reforçou a sua posição sobre a necessidade de oxigenar aestrutura sindical oficial com novos operários, ao mesmo tempoque buscava isolar os comunistas:

Eu bem sei que, quando está para se realizar uma eleiçãosindical, surgem naturalmente dois ou três candidatos (...)é muito fácil eliminar o contendor que tenha possibilidadede vencer, indicando-o como comunista à polícia. Daí,muitas vezes, serem fichados como comunistas trabalhadoresque nunca participaram dessas atividades. Os próprioscolegas, às vezes, levam à polícia uma indicação caluniosa,tachando-o como pertencente ao movimento comunista.29

O discurso de Vargas buscava ganhar o apoio dostrabalhadores portuários, colocando-se ao lado dos “verdadeiros”

26 Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 20 out. 1951.27 Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 13 maio 1952.28 VARGAS, Getulio. O governo trabalhista do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,

1954. v. 2, p. 456.29 Ibid., v. 3, p. 167-168.

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líderes da classe, que muitas vezes são acusados injustamente decomunistas. Na verdade o discurso de Vargas reforçava, sub-repticiamente, a opinião de que os “verdadeiros comunistas” nãopoderiam estar dentro da estrutura sindical.

Depois de aproximadamente um ano de votado pelaprimeira vez na Câmara Federal, o Senado aprova, em agostode 1952, o projeto de lei abolindo o atestado de ideologia. E nodia 1º de setembro Vargas sanciona a nova lei. Mesmo depois deaprovada, o Ministro do Trabalho Segadas Viana ainda afirmouque o atestado ideológico estava há muito tempo abolido e o queele exigia e continuaria exigindo era uma simples declaração doscandidatos de que não professam ideologias contrárias ao regime.30

O fim do atestado ideológico, apesar da declaração doMinistro do Trabalho, representa o início da mudança de posiçãodo governo Vargas em relação ao movimento operário e sindical.Uma mudança no sentido da radicalização da política populista,que terá como ponto alto a indicação de João Goulart para oMinistério do Trabalho em junho de 1953.

O PCB E A SINDICALIZAÇÃO DE VARGAS

No seu famoso discurso feito em primeiro de maio de1951, no Estádio do Vasco da Gama, Getulio Vargas tentava umanova aproximação com os trabalhadores urbanos. Nele o governoexprime o seu grande projeto de incorporação da classe operáriaaos sindicatos oficiais e não esconde os seus verdadeiros objetivos:

Preciso de vós, trabalhadores do Brasil (...); preciso devossa união; preciso que vos organizei solidamente emsindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso aolado do governo, para que este possa dispor de toda força deque necessita para resolver os vossos próprios problemas (....)O sindicato é a vossa arma de luta, vossa fortaleza defensiva,o vosso instrumento de ação política.31

Ou seja, Vargas conclama os trabalhadores a ingressaremnos sindicatos oficiais para apoiar o governo, dando-lhe a base

30 Gazeta Sindical, Rio de Janeiro, 2. quinz. set. 1952.31 VARGAS, Getulio, op. cit., v. 1. p. 324-327.

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social necessária para a realização de seu projeto. A incorporaçãoda classe operária torna-se então fundamental para reequilibrara correlação de forças dentro do Estado e na sociedade em favordas correntes industrialistas. Mas a integração da classe operáriaao Estado deveria ser necessariamente subordinada aosinteresses da própria burocracia de Estado. Isso explica amanutenção, e a utilização seletiva, dos mecanismos restritivos erepressivos da CLT.

Após o apelo de Vargas para o ingresso em massa dostrabalhadores nos sindicatos oficiais, os comunistas reforçarama sua política de retomada destes sindicatos e, ao mesmo tempo,acentuaram as suas críticas à política sindical do governo. AfirmaJoão Amazonas no seu artigo Pela Paz, pela Libertação Nacional,publicado na revista Problemas de julho/agosto de 1951:

Devemos chamar os trabalhadores para ingressarem nossindicatos com a finalidade de lutarem ativamente por suasreivindicações e arrancá-las das mãos dos pelegos e doMinistério do Trabalho. Dentro dos sindicatosministerialistas, a luta pela liberdade sindical deve serrealizada através de campanhas pela convocação deassembléias de massa, por eleições livres, pelo direito dossindicatos em se agruparem nas Uniões Sindicais e sefiliarem abertamente à CTB. Simultaneamente devem lutarpela organização sindical dos trabalhadores nos próprios locaisde trabalho, reforçar as associações profissionais, pois aunidade e a organização sindical têm, nas empresas, o seuponto de apoio fundamental.32

A direção da CTB, afinada com a direção do PCB, tambémrespondeu ao apelo à sindicalização feito por Vargas. Em ummanifesto dirigido aos trabalhadores brasileiros, datado de 8 dejunho de 1951, a direção da CTB conclamou os trabalhadores aingressarem “em massa” nos sindicatos, e criarem ConselhosSindicais nos locais de trabalho. Conclui o documento: Liguemosa luta do Conselho Sindical da empresa com a luta dentro dos sindicatos

32 AMAZONAS, J. Pela paz, pela libertação nacional. Problemas, Rio de Janeiro,v. 4, n. 35, p. 6-44, jul./ago. 1951.

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e não haverá pelego ou Ministério do Trabalho capaz de submeter omovimento sindical brasileiro.33

A partir do segundo semestre de 1951, os comunistaspassam a incentivar a formação dos conselhos, ou comissõessindicais, nas empresas. A concepção que se tinha sobre essesconselhos era de que eles deveriam gradualmente integrar-se àestrutura sindical oficial como elo entre as diretorias sindicais eas bases operárias. No final de 1952 os comunistas iniciam umacampanha visando a “legalização” das comissões de fábricas,transformando-as em comissões sindicais.34

A AUTOCRÍTICA SINDICAL DE JUNHO DE 1952

O documento Ampliar a Organização e a Unidade da ClasseOperária aprovado na reunião da direção nacional do PCB emjulho de 1952 abriria uma nova fase na política sindical do PartidoComunista do Brasil.

Apesar de constatar o avanço da lutas operárias,particularmente após 1950, o documento considera que essasestariam ainda bastante aquém das necessidades da conjuntura.As principais causas apontadas pelos comunistas seriam,fundamentalmente, a falta de unidade e a precária organização doproletariado.35

A avaliação que os comunistas faziam sobre o papeldesempenhado pelo governo Vargas e pela estrutura sindicaloficial, era de que eles seriam instrumentos de desorganizaçãodos trabalhadores. Contraditoriamente, pelo menos um dosaspectos da política sindical dos comunistas, naquele momento,vem ao encontro dos interesses de Vargas, que é justamente adiretiva de “encher os sindicatos” de trabalhadores. Oscomunistas não se cansaram de afirmar que, embora

33 Cf. conclamação da CTB em manifesto de 8 de junho de 1951. Aos sindicatos!Voz Operária, Rio de Janeiro, p. 8, 16 jun. 1951.

34 PCB. Resolução do Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil, dejulho de 1952, sobre a organização e unidade da classe operária. Ampliar aorganização e a unidade da classe operária. Problemas, Rio de Janeiro, v. 5, n.42, p. 10-21, set./out. 1952.

35 Idem.

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aproveitando-se de uma iniciativa governamental, os objetivosde Vargas e os deles eram fundamentalmente diferentes. Ogoverno queria levar os trabalhadores para os sindicatos a fimde controlá-los, e os comunistas para unificá-los e encaminhá-lospara a luta por seus interesses imediatos, desmascarando a políticademagógica de Vargas.

No balanço sobre o desenvolvimento da sua políticasindical desde o início de 1948, a direção do PCB é bastante crítica.Essa “autocrítica” que passaria a ser a palavra final dos comunistassobre a política sindical predominante no período que vai de1948 a 1950 é bastante instigante e serviu de base para toda aprodução teórica posterior sobre a política sindical do PCB noperíodo. E em certo sentido parece, à primeira vista, demonstraruma contradição entre os documentos oficiais do PCB publicadosentre 1948 e 1950 e os verdadeiros interesses desse partidodurante o período. Afirma o documento:

Não colocamos (...) de maneira justa o problema daunidade do movimento operário (...) A própria diretiva daorganização nas empresas, acertada em princípio, para serjusta deveria apresentar claramente como tarefa precípuade tais organismos reforçar a luta dos trabalhadores e levá-los à conquista de seus sindicatos e não à criação de novasassociações profissionais ou de uma nova organizaçãosindical no país.

Colocamo-nos, na realidade, contra a organizaçãoexistente no país, a do Ministério do Trabalho, e quisemos,na prática, criar outro movimento sindical, independente,apoiado nas associações profissionais e nas organizações deempresas, sem que existissem condições para isso (...) Istolevava, como efetivamente levou, ao abandono do trabalhonos sindicatos, sem que simultaneamente, tivéssemosconseguido maior êxito na criação de associações profissionaiscapazes de levar, como supúnhamos possível, a organizaçõesindependentes do proletariado”.36

Esta última afirmação é bastante estranha visto que essaposição jamais foi explicitada durante o período que vai de 1948

36 Idem.

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a 1952. Pelo contrário, os documentos oficiais e oficiosos dopartido sempre negaram a possibilidade de formação de umaestrutura sindical paralela permanente que visasse substituir aestrutura sindical oficial. Todos os documentos do períodotendiam a afirmar o caráter provisório dessas organizações livres.

Sem dúvida, a posição mais crítica à estrutura sindicaloficial, e as medidas práticas tomadas pelos comunistasconstruindo associações profissionais e comissões de empresas,mobilizando contra o imposto sindical e o dissídio coletivo,fizeram com que parcelas importantes de sua militância seafastassem dos sindicatos oficiais, que já ofereciam pouco ounenhum espaço de participação.

De fato, não houve um projeto consciente, estabelecidoatravés de um programa, para a construção de um outro movimentosindical, independente, apoiado nas associações profissionais e nasorganizações de empresas. Nada existe nos documentos oficiais, ouna imprensa comunista, que aponte nessa direção. Embora, repito,a prática cotidiana da militância comunista pudesse destoar dapolítica geral, ela não podia conduzir a construção de outraestrutura sindical pela falta de uma programa claro que aembasasse; pelo contrário, a linha política geral adotada, enunciadaem todos os documentos, conduzia, mesmo através de “zigue-zagues”, a uma outra direção: a conquista dos sindicatos oficiais.

O documento de junho de 1952, embora afirmasse que aestrutura sindical oficial desempenhava um papel desorganizador,contraditoriamente afirma também que é nos sindicatosministerialistas, apesar de todas as restrições que entravam odesenvolvimento do movimento sindical (...), que devemos ver, nascondições atuais de nosso país, o caminho para realizar a organização daclasse operária.

O documento constata ainda, um ano após a conclamaçãopara sindicalização em massa, uma resistência acentuada damilitância comunista em acatar as diretivas de atuar nos sindicatosoficiais sob intervenção:

Mas essa orientação não vem sendo aindasuficientemente aplicada por todo o partido. Persistemincompreensões que se manifestam, de um lado, naresistência que muitos comunistas opõem ainda à tarefa deingressar nos sindicatos e neles trabalhar ativamente, deoutro, na aceitação passiva das arbitrariedades do governo

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no movimento sindical, na adaptação comodista às condiçõesexistentes, sem maior esforço para levar os operáriossindicalizados a lutarem concretamente pela liberdade epela independência.37

A nova tática, esboçada desde o início de 1951, que propõeuma aproximação com as bases sociais do getulismo queingressavam massivamente nos sindicatos, não poderia deixarde ser uma política de frente única, com as direções sindicaisministerialistas menos burocratizadas e mais próximas dasaspirações das massas trabalhadoras.

No ano de 1952 constatamos uma tendência doscomunistas em procurar formar chapas unitárias para concorreràs eleições sindicais. No seu artigo sobre as eleições sindicaisconvocadas pelo Ministério do Trabalho em meados de 1952, JoãoAmazonas afirma:

Nesta luta não se trata de atacar este ou aquele grupode operários cujas opiniões divergimos. Isto seria ajudar adivisão almejada pelo ministério. A luta não é entre ostrabalhadores, mas dos trabalhadores contra a interferênciaministerialista (...) Torna-se, assim, urgente, organizarchapas unitárias, amplas, capazes de reunir a grande maioriados sindicalizados (...).38

Com o documento de junho de 1952 vai se consolidandouma nova linha sindical, com o abandono da política de construçãode associações profissionais livres e a priorização da atuação nossindicatos oficiais. Essas alterações já vinham se desenhandodesde as eleições sindicais do final de 1950 e ganhariam novoimpulso após maio de 1951, com o início da campanha pelasindicalização em massa, que abriu um novo espaço para oreingresso dos comunistas na estrutura sindical oficial. Odocumento de junho representa uma sistematização da experiênciapassada, considerada no geral negativa, e numa elaboração maisacabada de uma nova linha sindical, menos crítica à estruturasindical corporativa.

37 Idem.38 AMAZONAS, J. Sobre as eleições sindicais. A Classe Operária, Rio de Janeiro,

p. 3, 1 jun. 1952.

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UNIÕES SINDICAIS E AS ESTRUTURAS VERTICAIS

Os comunistas passam a defender iniciativas voltadas aaglutinar os sindicatos oficiais em torno de lutas específicas edas uniões sindicais permanentes. Esta unificação dar-se-ia depreferência horizontalmente, ferindo a legislação sindicalbrasileira, mas também poderia, e deveria, dar-se através dasorganizações verticais, por categorias profissionais, através dasfederações e confederações sindicais já existentes.

Entre 1948 e 1950, os comunistas praticamentedesconheceram a existência das estruturas sindicais verticais,chegando mesmo a denunciá-las como mais um instrumento decontrole e divisão do movimento operário brasileiro. Pelocontrário, o documento de junho de 1952,

recomenda às organizações do Partido que não poupemesforços para ajudar os trabalhadores na conquista dasfederações sindicais existentes. As atuais federações foramcriadas com o objetivo de manter o proletariado dividido,mas agrupam alguns sindicatos, se forem dirigidos poroperários honestos, poderão ser úteis ao proletariado emsua luta pela conquista de unidades do movimento sindical.39

Mas a prioridade dos comunistas continuaria sendo aorganização horizontal dos trabalhadores através de uniõessindicais regionais. Nessas uniões, os sindicatos oficiaiscomeçaram adquirir um papel mais destacado, mas as associaçõesprofissionais continuaram a ter alguma participação pelo menosaté o final de 1952. Os comunistas buscaram agilizar o processode realização de encontros sindicais e a impulsionar a formaçãode uma nova central sindical que, eles defendiam, deveria terpor base a CTB.

A partir de 1952 ganha corpo a campanha contra aassiduidade integral. Para coordenar a ação dos sindicatos foiformada a Comissão Intersindical contra a Assiduidade Integral- Ciscai. As articulações estaduais culminaram na realização deuma Convenção Nacional da Ciscai que seria realizada entre os

39 PCB, Res. do Com., jul. 1952, op. cit., p. 10-21.

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dias 15 e 18 de novembro, com a participação de 89 sindicatos e179 delegados, representando nove Estados.

Os comunistas comemoraram a realização desse congressocomo mais um passo na conquista da liberdade sindical. Teriasido ele o primeiro congresso realizado nestes últimos sete anossem qualquer bafejo do poder público e sem a intervenção policial-ministerialista e, por isso, seria um marco histórico nodesenvolvimento do sindicalismo brasileiro.

A proposta vitoriosa no congresso, segundo oscomunistas, deu à Ciscai uma organização em âmbito nacionalcapaz de realizar, num breve período, um Congresso Nacionalde Trabalhadores que, apoiado em todas as organizações sindicaisbrasileiras e nas massas assalariadas, apresentou envergadurasuficiente para a criação da Central Sindical Nacional. OCongresso elegeu uma direção nacional com forte influênciacomunista.40

Portanto, os comunistas não abandonaram a idéia deformação de uma estrutura horizontal congregando sindicatosde várias categorias profissionais, embora aqui com um adendoimportante: pouco a pouco as organizações livres (associaçõesprofissionais e comissões de empresas) passaram a ser excluídasdessas intersindicais.

UMA LINHA SINDICAL EM TRANSFORMAÇÃO

A partir do final do ano de 1950 e, principalmente, após aposse de Vargas, em 1951, com o início do processo de liberalizaçãoda estrutura sindical, os comunistas iniciam uma inflexão na suapolítica sindical.

Já afirmamos que, entre 1948 e 1950, nunca constou doprograma sindical comunista a proposta de construção de outraestrutura que fosse paralela à estrutura sindical oficial. Areconquista dos sindicatos oficiais sempre fora um dos objetivoscentrais de sua política sindical.

Mas afirmamos também que a proposta de construção deorganizações livres por local de trabalho e de associaçõesprofissionais desvinculadas da estrutura sindical, na prática

40 Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 20 nov. 1952.

Sindicalismo vermelho...

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acabaram por constituir verdadeiros embriões de um sindicalismolivre. As campanhas ousadas contra o imposto sindical, utilizando-se inclusive do instrumento da greve, as denúncias contra aJustiça do Trabalho e os dissídios coletivos, em nome da livrenegociação entre patrões e empregados, acabaram produzindoprofundas fraturas na ideologia populista no interior da militânciaoperária hegemonizada pelos comunistas. Talvez aquipudéssemos constatar uma tensão entre o programa geral, o fima ser atingido (a conquista dos sindicatos oficiais) e o métodoempregado (construção de associações profissionais), que poderiaapontar em outro sentido.

Digo poderia porque não foi isso que acabou prevalecendo.No geral, a ação dos comunistas, construindo organizações livrespor local de trabalho e associações profissionais, não desembocouna construção de uma nova estrutura sindical e, sim, colaboroupara o acúmulo de forças, num período bastante repressivo, quepermitiu a volta dos comunistas à direção dos sindicatos oficiais.Portanto não creio, como defendem os comunistas no pós-1952,que essas diretivas tivessem enfraquecido as suas posições dentrodo movimento operário e sindical e facilitado a ação dosministerialistas. Quer na perspectiva de construir um “novosindicato”, quer na perspectiva de tomar o sindicato parareformá-lo, as diretivas adotadas por eles entre 1948 e 1951estavam adequadas.

Em 1951 começavam a se criar novamente as condições,como havia ocorrido em 1945-1946, para o reingresso doscomunistas nos sindicatos oficiais, e à realização do objetivo maiorjá indicado desde 1948. Por conseguinte, não se justificava mais amanutenção das associações profissionais livres (onde jáexistissem sindicatos reconhecidos) ou mesmo das comissões deempresas autônomas. Segundo os comunistas, ainda em 1952,tratava-se agora de “minar” a estrutura sindical “por dentro”.

O ingresso dos comunistas nos sindicatos oficiais, inclusivenas cúpulas das federações, coincidiria com uma alteração de suavisão sobre a estrutura sindical. Eles passariam gradualmente amudar sua posição sobre o imposto sindical, defendendo-oprimeiramente para os não sindicalizados e depois passando adefendê-lo integralmente, como um instrumento defortalecimento dos sindicatos.

Os comunistas arrefeceriam suas críticas à justiça dotrabalho e aos dissídios coletivos, passando mesmo, em alguns

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casos, a defendê-los, considerando-os benéficos para as categoriasmenos organizadas. Alterariam também a sua posição sobre aunicidade sindical, passando a assumir uma posição de defesaaberta de sua manutenção, considerando-a uma conquista dostrabalhadores e um dos pontos positivos da legislação de 1931 eda CLT.

Por fim, as críticas às experiências de 1949-1951 tornar-se-iam ainda mais contundentes, conforme a política geral(estratégia) e a tática do PCB se deslocavam para o “centro” efortaleciam a sua influência dentro da estrutura sindical oficial,inclusive no Ministério do Trabalho, integrando o partido ao“pacto populista”, linha que se consolidou com a Declaração sobrea Política do Partido Comunista, de março de 1958.41

41 PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO. PCB: vinte anos de política (1958-1959): documentos. São Paulo: Ciências Humanas, 1980. p. 3-27.

RED TRADE UNIONISM: THE BRAZILIAN COMMUNISTPARTY’S TRADE UNION POLICY BETWEEN 1948 AND 1952

ABSTRACTThis article analyses the Brazilian Communist Party´s - PCB tradeunion policy between 1948 and 1952. The author shows that thereis a contradiction between the communist militants’ recollectionswhich were the basis for the PCB’s history and the party’s oficialdocuments from the period. The policy of building workers’organizations outside the official trade union structure, was notintended to create a parallel union structure on a permanent basis.This was a way found to build up sufficient force to win over theofficial unions. Even so, this was the period when the communistswere closer to breaking with the so-called ideology of tradeunionist populism. Nevertheless, the unfavourable situation forthe workers and the limits to the communists’ criticism of thestate trade union structure prevented the communists fromsubstitute this corporative and controlled structure by anotherbased on the free trade unionism.

KEYWORDSBrazilian Communist Party - PCB; Brazilian trade unionism;Populism; Trade union structure

Reunião entre sindicalistas e grevistas durante greve na mina de MorroVelho. [Sede do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração deOuro e Metais Preciosos de Nova Lima]. [Nova Lima, MG], 1948.

GROSSI, Yone de Souza. Mina de Morro Velho: a extração do homem: umahistória de experiência operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 168.