os quatro evangelhos - volume 3, j.-b. roustaing

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Page 1: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing
Page 2: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

ESPIRITISMO CRISTÃO

OU

REVELAÇÃO DA REVELAÇÃO

Os Quatro Evangelhos Seguidos dos mandamentos explicados em

espírito e em verdade

pelos Evangelistas assistidos pelos Apóstolos e Moisés

Recebidos e coordenados por

J.-B. ROUSTAING

Advogado na antiga Corte Imperial de Bordéus,

antigo bastonário

Muitas coisas tinha eu ainda para vos dizer; porém presentemente,

não as podeis suportar; quando vier o Espírito da Verdade, ele vos

ensinará toda a verdade; porquanto não falará por si mesmo, mas

dirá tudo o que houver escutado; anunciar-vos-á as coisas futuras e

me glorificará; por isso ele receberá do que está em mim e vo-lo

anunciará (JOÃO, XVI, vv. 12-13-14.)

Nada há secreto que não venha a ser conhecido, nada oculto que não

venha a ser descoberto e a aparecer publicamente. (MATEUS, X, v.

26; MARCOS, IV, vv. 22-23; LUCAS, VII, v. 17.)

É pelo fruto que se conhece a árvore. (MATEUS, XII, v.33.)

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA

DEPARTAMENTO EDITORIAL

Av. L-2 – Quadra 603 – Conjunto F

70803 – Brasília – DF – Brasil

Page 3: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

Sumário

MATEUS, Cap. XVII, vv. 14-21. – MARCOS, Cap. IX, vv. 14-30.

– LUCAS, Cap. IX, vv. 37-43 e Cap. XVII, vv. 5-6 ............................. 53

MATEUS, Cap. XVII, vv. 22-23. – MARCOS, Cap. IX, vv. 31-32.

– LUCAS, Cap. IX, vv. 44-45 .............................................................. 70

MATEUS, Capítulo XVII, vv. 24-27 ......................................................... 75

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 1-5. – MARCOS, Cap. IX, vv. 33-41.

– LUCAS, Cap. IX, vv. 46-50 .............................................................. 78

LUCAS, Capítulo IX, vv. 51-56 ................................................................. 85

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 6-11. – MARCOS, Cap. IX, vv. 42-50.

– LUCAS, Cap. XVII, vv. 1-2 .............................................................. 88

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 12-14. – LUCAS, Cap. XV, vv. 1-10 ............. 98

LUCAS, Capítulo XV, vv. 11-32 ............................................................. 104

LUCAS, Capítulo XVI, vv. 1-9 ................................................................ 111

LUCAS, Capítulo XVI, vv. 10-12 ............................................................ 116

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 15-17. – LUCAS, Cap. XVII, vv. 3-4 .......... 118

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 7-10 ............................................................ 125

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 11-19 .......................................................... 126

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 20-24 .......................................................... 130

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 25-37 .......................................................... 134

MATEUS, Capítulo XVIII, vv. 18-20 ...................................................... 144

MATEUS, Capítulo XVIII, vv. 21-35 ...................................................... 159

MATEUS, Cap. XIX, vv. 1-9 – MARCOS, Cap. X, vv. 1-9.................... 162

MARCOS, Cap. X, vv. 10-12. – MATEUS, Cap. XIX, vv. 10-12. .......... 174

MATEUS, Cap. XIX, vv. 13-15. – MARCOS, Cap. X, vv. 13-16.

– LUCAS, Cap. XVIII, vv. 15-17 ....................................................... 189

LUCAS, Capítulo XVIII, vv. 1-8 ............................................................. 191

LUCAS, Capítulo XVIII, vv. 9-14 ........................................................... 194

MATEUS, Cap. XIX, vv. 16-26. – MARCOS, Cap. X, vv. 17-27.

– LUCAS, Cap. XVIII, vv. 18-27 ....................................................... 196

MATEUS, Cap. XIX, vv. 27-30. – MARCOS, Cap. X, vv. 28-31.

– LUCAS, Cap. XVIII, vv. 28-30 ....................................................... 204

MATEUS, Capítulo XX, vv. 1-16 ............................................................ 211

Page 4: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

MATEUS, Cap. XX, vv. 17-19. – MARCOS, Cap. X, vv. 32-34.

– LUCAS, Cap. XVIII, vv. 31-34 ....................................................... 220

MATEUS, Cap. XX, vv. 20-28. – MARCOS, Cap. X, vv. 35-45 ............ 222

LUCAS, Capítulo XIX, vv. 1-10 .............................................................. 227

MATEUS, Cap. XX, vv. 29-34. – MARCOS, Cap. X, vv. 46-52.

– LUCAS, Cap. XVIII, vv. 35-43 ....................................................... 229

MATEUS, Cap. XXI, vv. 1-17. – MARCOS, Cap. XI, vv. 1-11 e 15-19.

– LUCAS, Cap. XIX, vv. 28-48 ......................................................... 232

MATEUS, Cap. XXI, vv. 18-22. – MARCOS, Cap. XI,

vv. 12-14 e 20-26 ................................................................................ 242

MATEUS, Cap. XXI, vv. 23-32. – MARCOS, Capítulo XI, vv. 27-33.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 1-8 ............................................................... 247

MATEUS, Cap. XXI, vv. 33-41. – MARCOS, Capítulo XII, vv. 1-9.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 9-16 ............................................................. 250

MATEUS, Cap. XXI, vv. 42-46. – MARCOS, Cap. XII, vv. 10-12,

– LUCAS, Cap. XX, vv. 17-19 ........................................................... 257

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 1-6 ................................................................ 261

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 7-11 .............................................................. 263

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 12-15 ............................................................ 264

MATEUS, Cap. XXII, vv. 1-14. – LUCAS, Cap. XIV, vv. 16-24 ........... 267

MATEUS, Cap. XXII, vv. 15-22. – MARCOS, Cap. XII, vv. 13-17.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 20-26 ........................................................... 273

MATEUS, Cap. XXII, vv. 23-33. – MARCOS, Cap. XII, vv. 18-27.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 27-40 ........................................................... 279

MATEUS, Cap. XXII, vv. 34-40. – MARCOS, Cap. XII, vv. 28-34.

– LUCAS, Cap. X, vv. 25-28 .............................................................. 284

LUCAS, Capítulo X, vv. 29-37 ................................................................ 290

LUCAS, Capítulo X, vv. 38-42 ................................................................ 293

MATEUS, Cap. XXII, vv. 41-46. – MARCOS, Capítulo XII, vv. 35-37.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 41-44 ........................................................... 295

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 1-7. – MARCOS, Cap. XII, vv. 38-40.

– LUCAS, Cap. XX, vv. 45-47 ........................................................... 297

MATEUS, Capítulo XXIII, vv. 8-12 ........................................................ 299

Page 5: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

MATEUS, Capítulo XXIII, vv. 13-22 ...................................................... 302

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 23-39. – LUCAS, Cap. XI, vv. 37-54

e Cap. XIII, vv. 31-35 ......................................................................... 304

MARCOS, Cap. XII, vv. 41-44. – LUCAS, Cap. XXI, vv. 1-4 ............... 312

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 1-14. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 1-13.

– LUCAS, Cap. XXI, vv. 5-19 ........................................................... 314

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 15-22. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 14-20.

– LUCAS, Cap. XXI, vv. 20-24 ......................................................... 324

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 23-28. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 21-23 .... 335

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 29-31. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 24-27.

– LUCAS, Cap. XXI, vv. 25-28 ......................................................... 340

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 32-35. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 28-31.

– LUCAS, Cap. XXI, vv. 29-33 ......................................................... 346

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 36-39. – MARCOS, Cap. XIII, vv. 32-37.

– LUCAS, Cap. XXI, vv. 34-38 ......................................................... 350

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 40-44. – LUCAS, Cap. XII, vv. 39-40 ......... 356

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 45-51. – LUCAS, Cap. XII, vv. 41-46 ......... 358

LUCAS, Capítulo XII, vv. 47-48 ............................................................. 361

MATEUS, Capítulo XXV, vv. 1-13 ......................................................... 362

LUCAS, Capítulo XII, vv. 35-38 ............................................................. 365

MATEUS, Cap. XXV, vv. 14-30. – LUCAS, Cap. XIX, vv. 11-27 ......... 366

MATEUS, Capítulo XXV, vv. 31-46 ....................................................... 374

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 1-13. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 1-9 ......... 383

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 14-19. – MARCOS, Capítulo XIV,

vv. 10-16. – LUCAS, Cap. XXII, vv. 1-13 ......................................... 388

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 20-30. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 17-26.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 14-23 ......................................................... 395

LUCAS, Capítulo XXII, vv. 24-30 .......................................................... 405

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 31-35. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 27-31.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 31-38 ........................................................ 408

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 36-46. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 32-42.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 39-46 ........................................................ 412

Page 6: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 47-56. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 43-52.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 47-53 ........................................................ 423

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 57-68. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 53-65.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 54-55 e 63-71 ........................................... 430

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 69-75. – MARCOS, Cap. XIV, vv. 66-72.

– LUCAS, Cap. XXII, vv. 56-62 ........................................................ 434

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 1-10 ...................................................... 437

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 11-26. – MARCOS, Cap. XV, vv. 1-15.

– LUCAS, Capítulo XXIII, vv. 1-25................................................... 439

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 27-30. – MARCOS, Cap. XV, vv. 16-19.... 446

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 31-32. – MARCOS, Cap. XV, vv. 20-21.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 26-31 ....................................................... 448

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 33-38. – MARCOS, Cap. XV, vv. 22-28.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 32-34 e 38 ............................................... 451

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 39-43. – MARCOS, Cap. XV, vv. 29-32.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 35-37 ....................................................... 454

MATEUS, Cap. XXVII, v. 44. – MARCOS, Cap. XV, v. 32.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 39-43 ....................................................... 456

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 45-50. – MARCOS, Cap. XV, vv. 33-37.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 44 e 46 .................................................... 459

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 51-56. – MARCOS, Cap. XV, vv. 38-41.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 45 e. 47-49 .............................................. 466

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 57-61. – MARCOS, Cap. XV, vv. 42-47.

– LUCAS, Cap. XXIII, vv. 50-56 ....................................................... 471

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 62-66 .................................................... 473

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 1-15 – MARCOS, Cap. XVI, vv. 1-11.

– LUCAS, Cap. XXIV, vv. 1-12 ......................................................... 477

MARCOS, Cap. XVI, vv. 12-13. – LUCAS, Cap. XXIV, vv. 13-35 ....... 506

MARCOS, Cap. XVI, v. 14. – LUCAS, Cap. XXIV, vv. 36-49 .............. 511

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 16-20. – MARCOS, Cap. XVI, vv. 15-20.

– LUCAS, Cap. XXIV, vv. 50-53 ....................................................... 516

Page 7: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

EVANGELHOS SEGUNDO MATEUS, MARCOS, LUCAS

REUNIDOS E HARMONIZADOS

CONTINUAÇÃO

“O Espírito é que vivifica; a carne

de nada serve; as palavras que vos

digo são espírito e vida”.

(JOÃO, Capítulo VI, v. 64.)

“A letra mata e o espírito vivifica”.

(PAULO, II Epíst. aos Coríntios,

Cap. III, v. 6.)

MATEUS, Cap. XVII, vv. 14-21. — MARCOS,

Cap. IX, vv. 14-30. — LUCAS, Cap. IX, vv. 37-43

e Cap. XVII, vv. 5-6

Lunático. — Fé onipotente. — Prece e jejum.

MATEUS: V. 14. Quando voltou para onde estava o povo,

chegou-se a ele um homem que, ajoelhando-se a seus pés, lhe disse:

— 15. Senhor, tem piedade de meu filho, que é lunático e sofre

cruelmente; muitas vezes cai, ora no fogo, ora na água. — 16. Já o

apresentei a teus discípulos, mas estes não o puderam curar. — 17.

Jesus respondeu: Oh! geração incrédula e perversa, até quando

estarei entre vós? até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino.

— 18. E tendo Jesus ameaçado o demônio, este saiu do menino, que

ficou no mesmo instante curado. — 19. Então os discípulos vieram

ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Porque não pudemos

nós expulsar esse demônio? — 20. Jesus lhes disse: Por causa da

vossa nenhuma fé; pois, em verdade vos digo que, se tivésseis,

Page 8: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

54 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis àquela montanha :

Passa daqui para ali, e ela passaria; nada vos seria impossível. — 21.

Não se expulsam os demônios desta espécie senão por meio da prece

e do jejum.

MARCOS: V. 14. Vindo ter com seus discípulos, viu Jesus que

grande multidão os cercava e que com eles alguns escribas

discutiam. — 15. Logo que deu com Jesus, todo aquele povo,

tomado de espanto e temor, correu a saudá-lo. — 16. Ele então lhes

perguntou: Que é o que discutíeis? — 17. Um homem do meio da

turba respondeu : Mestre, eu te trouxe meu filho que está possesso

de um Espírito mudo, — 18, o qual todas as vezes que dele se

apodera o atira ao chão e o menino espuma, range os dentes e fica

seco; pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas eles não

puderam. — 19. Jesus lhes disse: Oh! geração incrédula, até quando

estarei convosco? até quando vos sofrerei? Trazei-me o menino. —

20. Trouxeram-no; e, tanto que viu a Jesus, o Espírito o agitou e

atirou por terra, a estorcer-se no chão e a espumar. — 21. Jesus

perguntou ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? O

pai respondeu: Desde a infância; — 22, e o Espírito o tem muitas

vezes lançado ora à água, ora ao fogo, para fazê-lo perecer. Se

puderes alguma coisa, tem piedade de nós e socorre-nos. — 23.

Jesus lhe disse: Se puderes crer, tudo é possível àquele que crê. —

24. Logo o pai do menino exclamou, banhado em lágrimas: Senhor,

eu creio, ajuda a minha pouca fé. — 25. Jesus, vendo o povo

acorrer, ameaçou o Espírito impuro, dizendo: Espírito surdo e mudo,

eu te ordeno, eu: Sai deste menino e não entres mais nele. — 26. O

Espírito, soltando um grito e agitando violentamente o menino, saiu,

ficando este como morto, de sorte que muitos diziam: Morreu. —

27. Mas, tomando-lhe Jesus as mãos e erguendo-o, ele se levantou.

— 28. Quando Jesus voltou para casa, seus discípulos lhe

perguntaram em particular: Porque não pudemos nós expelir aquele

demônio? — 29. Jesus respondeu: Os demônios desta casta não

podem ser expulsos senão pela prece e pelo jejum. — 30. Dali

partindo, atravessaram a Galileia. Ele não queria que ninguém o

soubesse.

Page 9: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 55

LUCAS: V. 37. No dia seguinte, quando desciam do monte,

grande multidão lhes veio ao encontro; — 38, e eis que, do meio do

povo, um homem exclamou: Mestre, eu te suplico, olha para meu

filho: é o único que tenho. — 39. Um Espírito se apossa dele e o faz

subitamente gritar, atira-o por terra e o agita em violentas

convulsões, fazendo-o espumar e só o larga depois de o haver

esfarrapado. — 40. Pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas

eles não puderam. — 41. Jesus respondeu: Oh! geração infiel e

perversa, até quando estarei convosco e vos suportarei? Traze-me

aqui teu filho. — 42. Ao aproximar-se o menino, o demônio o atirou

por terra e o pôs em grandes convulsões. — 43. Jesus, tendo falado

ameaçadoramente ao Espírito impuro, curou o menino e o restituiu

ao pai.

XVII: V. 5. E os apóstolos disseram ao Senhor: Aumenta-nos a

fé. — 6. O Senhor lhes disse: Se tiverdes a fé do tamanho de um

grão de mostarda, direis a esta amoreira: Desenraiza-te e

transplanta-te para o mar e ela vos obedecerá.

N. 196. Estes versículos encerram uma das mais frisantes

provas da missão de Jesus e do seu poder. As palavras: “Eu te

ordeno, eu, que saias dele” — passam despercebidas à maioria

dos homens e no entanto contêm a mais formal demonstração

da superioridade do Cristo.

Do ponto de vista espírita, podeis, bons amigos, para bem

compreenderdes o fato que aqui se vos descreve, recorrer a um

símile, buscando-o no que ainda hoje ocorre entre vós.

Exatamente como o menino que pelo pai foi levado à presença

de Jesus, vós outros sois todos surdos-mudos e mesmos cegos.

As vossas enfermidades, provocadas por influências más, vos

arrastam a todos os perigos, ocasionam todas as vossas quedas.

E os discípulos do Mestre se veem impotentes para vos livrar

delas, por não terem a fé bastante forte, por não praticarem

bastante o jejum e a prece espirituais. (Dentro em pouco

explicaremos o que, segundo Jesus, deveis entender por prece

Page 10: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

56 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

e jejum espirituais.) Encarregados de expulsar para longe de

vós os “demônios” que vos subjugam, de vos libertar das

paixões, dos vícios, que vos lançam “ao fogo e à água”, para

que aí encontreis a morte, eles conservam, no fundo de seus

corações, o fermento desses mesmos vícios, dessas mesmas

paixões, que lhes cumpria combater. O resultado é que,

exorcizando apenas com a boca, o “demônio” ri dos esforços

que empregam e persiste na subjugação.

Fazei como Jesus, vós todos que quiserdes libertar vossos

irmãos da influência dos Espíritos malfazejos que os

dominam.

Orai e jejuai. Mas, compreendei bem a força da prece, a

ação do jejum. Prece não é a repetição de palavras mais ou

menos harmoniosas, mais ou menos sonoras, mais ou menos

humildes, ditas com os lábios para que subam ao Senhor.

Oh! Não será nas vossas bocas que ela encontrará o

necessário ponto de apoio para subir a Deus. Só no fundo de

vossos corações reside essa força de impulsão, pela ação da

qual a prece espiritual, pensamento puro, surto de amor e de

adoração, se evola de um só ímpeto para o trono do eterno.

Que importam as palavras! Que importa mesmo o

pensamento! O que é preciso é amor, é humildade, são os atos

da vossa vida, os quais, reagindo sobre os vossos pensamentos,

formem um todo perfeito, digno de aproximar-se da sede da

perfeição.

Jejuai, mas espiritualmente. Que importam ao Senhor os

alimentos que concorrem para o sustento da vossa matéria!

Que lhe importa o momento em que satisfaçais às vossas neces-

sidades materiais! Em tais casos, é a lei orgânica que se executa;

o Espírito nada de comum deve com ela ter. Jejuai pela

abstenção de pensamentos culposos, inúteis, frívolos sequer.

Jejuai pela sobriedade no satisfazerdes às vossas necessidades

materiais. Jejuai pela vossa modéstia, pela regularidade de

Page 11: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 57

vossos costumes, pela austeridade do vosso proceder. Jejuai,

sabendo impor-vos privações que não atentem contra o vosso

organismo e que possam espalhar um bálsamo salutar sobre o

organismo dos vossos irmãos. Jejuai, tirando, do que julgais

servos necessário, um pouco do que vos é supérfluo, para dá-

lo ao irmão a quem falta o indispensável ao sustento do corpo:

o pão, a roupa, ou o teto. Eis aí, amigos, quais são o jejum e a

prece que expelem o “demônio” da pior espécie, os

“demônios” que vos tornam surdos, cegos, mudos.

Não temos mais que explicar, à luz da ciência espírita, as

causas e os efeitos da subjugação exercida sobre o menino

trazido pelo pai à presença de Jesus. Nos Ns. 74 do 1o volume

e 120 do 2o demos, a este respeito, todas as explicações.

Quanto à falta de poder, nos discípulos, para expulsarem

aquele Espírito obsessor, a explicação desse fato se nos depara

no que lhes disse Jesus. Nas palavras do Mestre está a

explicação clara e precisa das causas que os impediam de

afastar o Espírito mau e muito sofredor que atuava sobre o

menino.

A fé, alavanca poderosa, capaz, como nenhuma outra, de

levantar o mundo, constitui o único meio de que podereis

lançar mão para tal fim. Da fé nasce a prece e esta, se, além de

fervorosa e perseverante, vem acompanhada, como há pouco

dissemos, do jejum espiritual, acaba sempre por tocar o

Espírito culpado, por o esclarecer e reencaminhar.

Jesus não precisou recorrer à prece porque, puro Espírito,

Espírito perfeito, investido da onipotência sobre os Espíritos

impuros, sua vida, aquela vida que os homens supunham

humana, decorria piedosamente aos olhos do Senhor e também

porque a sua missão era um ato de fé e de amor, uma prece

ativa e permanente, que o colocava (mesmo posta de lado a

sua superioridade espiritual) acima de todos os Espíritos, pela

força e pela persuasão.

Page 12: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

58 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Tratai de reconhecer bem a força da prece, de conhecer os

extraordinários recursos que podeis auferir dela, atraindo a vós

os Espíritos protetores da humanidade.

A prece, insistimos em dizê-lo mais uma vez, não é o que

supondes: uma reunião de palavras que se repetem todos os

dias, com determinado fim. Em tais condições, cedo ou tarde,

ela se torna maquinal.

A prece poderosa, a prece de Jesus são os atos da vida

sempre praticados com o pensamento em Deus, sempre repor-

tados a Deus; é um arroubo contínuo do pensamento, a todos

os instantes, sejam quais forem as ocupações do momento; é

uma aspiração incessantemente dirigida ao Criador, guiando a

criatura na prática da verdade, da caridade e do amor, em bem

do seu progresso intelectual e moral e do progresso de seus

irmãos, aspiração que a liberta das condições humanas,

fazendo reinar o Espírito sobre tudo que é matéria.

Vamos agora dar-vos algumas explicações especiais.

(Marcos, vv. 14-15). O povo, atraído pela simpatia, para junto

de Jesus, o esperava, desejoso de vê-lo praticar novo “milagre”.

Os escribas procuravam afastar dali a multidão, lançando a

Jesus as mesmas ridículas acusações que hoje vos são atiradas.

Em apoio do que diziam para convencê-la, apontavam a

tentativa infrutífera, que os discípulos haviam feito, de curar o

menino, mostrando-se impotentes para consegui-lo.

Ao chegar Jesus, a massa popular foi presa de forte

impressão. Os termos “espanto, temor”, usados nas traduções

dos Evangelhos, não exprimem, no que respeita à multidão, o

que se passou. Percorreu-a esse frêmito que faz pulsar com

força as artérias do homem, quando pressente que um fato

grave vai ocorrer. Foi essa situação indefinível o que, pelos

termos “espanto, temor”, se procurou exprimir.

Page 13: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 59

Quanto aos escribas, que eram, entre os Hebreus, os sábios,

esses pressentiam que Jesus levaria a efeito a libertação do

menino. Mas, da parte deles, ao pressentimento se misturava,

na realidade, o temor, porque muito os assustava o ascendente

cada vez maior do Cristo.

(Mateus, v. 15; Marcos, vv. 17-22). O pai do menino

subjugado disse a Jesus, conforme referem os Evangelistas:

“Senhor, tem piedade de meu filho, que é lunático e sofre

cruelmente; muitas vezes cai no fogo e muitas vezes na água.

— Senhor, eu te trouxe meu filho, que está possesso de um

Espírito mudo — e o Espírito o tem lançado muitas vezes ora

no fogo, ora na água, para fazê-lo perecer. Se puderes alguma

coisa, tem compaixão de nós e socorre-nos”.

O pai do menino dizendo primeiro: “ele é lunático” e

depois: “ele está possesso” “de um Espírito mudo”, exprimiu

sucessivamente as duas impressões, as duas opiniões sob cujo

império se achava e, impelido pelo ardente desejo de ver

curado o filho, chamava a atenção do Mestre para tudo o que,

pensava ele, poderia esclarecer o caso.

Tendes, nos Evangelhos, uma exposição de fatos que,

reunidos, formam a narrativa completa.

As palavras ditas pelo pai do menino e pelos discípulos não

foram trocadas de improviso. Houve discussão. Guardai bem

isto em mente e não procureis ver desmentidos onde só há uma

série de palavras, de acontecimentos, que, naturalmente, não

foram calcados uns nos outros.

Quando falais demoradamente sobre um assunto, porventura

vos conservais sempre dentro de determinadas linhas, empre-

gando sempre as mesmas palavras? A discussão não atravessa

diversas fases correspondentes à maneira por que ides

encarando os fatos?

Page 14: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

60 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Até ao momento em que Jesus chegou, ninguém vira no

estado do menino, que fora apresentado aos discípulos para

que estes o curassem, senão uma afecção material. Tinham-no

por lunático, atribuindo à ação das fases da Lua os efeitos que

nele se manifestavam. Na realidade, o menino estava sob a

influência de um Espírito obsessor. Entretanto, a suposição de

que a influência fosse lunar nada tinha de despropositada, uma

vez que, exatamente para dar lugar a essa suposição, para que

ninguém suspeitasse das verdadeiras causas do mal, aquele

Espírito provocava no menino os acessos em épocas

periódicas. Esse obsessor que, como sabeis, exercia a

subjugação sobre a sua vítima desde a primeira infância desta,

adotou o processo de provocar nela acessos periódicos, por

haver percebido o partido que podia tirar, fazendo crer a todos,

durante muito tempo, que se tratava de uma afecção material.

O pai do menino, quando o apresentou aos discípulos,

esperava uma cura material. Houve então, repetimos, grande

discussão. Os do séquito de Jesus, pelos seus esforços,

demonstravam ao homem que a influência dos astros não se

fazia sentir na criança, que o que ali havia era “possessão”,

subjugação dizemos nós. Só depois disso ele se decidiu a pedir

aos discípulos que lhe libertassem o filho, dando-o como

“possesso de um Espírito mudo”, isto é: subjugado por um

Espírito que, em virtude da subjugação e da ação fluídica, não

lhe permitia o uso da palavra.

Vê-se assim que, apresentando em seguida o menino a

Jesus como lunático e ao mesmo tempo como possesso de um

Espírito mudo, o homem procedeu, não só sob a influência das

suas primeiras e antigas impressões, mas também sob a da

discussão havida, que lhe sugeriu a ideia da obsessão, e ainda

sob a da verificada impotência dos discípulos para operarem a

cura. Ele, pois, obedecia simultaneamente à ideia que primeiro

Page 15: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 61

lhe acudira e às impressões e opiniões que a discussão lhe

dera. Foi debaixo desta dupla influência que disse a Jesus,

considerando o filho como lunático: “Ele cai muitas vezes no

fogo e muitas vezes na água”; e que disse a seguir, conside-

rando-o possesso de um Espírito mudo: “e o Espírito o tem

muitas vezes lançado, ora ao fogo, ora à água, para fazê-lo

perecer”. Isto acontecia porque o Espírito obsessor, pela sua

ação subjugadora, levava o menino a cometer imprudências.

(LUCAS, v. 39; MARCOS, v. 18). “Um Espírito se apodera

dele e o faz soltar de repente grandes gritos”.

Os gritos que o menino soltava de repente eram gritos de

pavor. Ele os soltava no momento em que sentia a

aproximação do inimigo, o obsessor, que lhe anunciava a sua

presença, a sua influência, por meio da ação fluídica que,

produzindo a combinação dos perispíritos, dava lugar à

subjugação e seus efeitos.

“Ele o atira por terra e o agita em convulsões violentas,

fazendo-o espumar. Todas as vezes que se apossa do menino o

atira por terra e o menino espuma, range os dentes e fica seco.

Só o deixa depois de o haver esfarrapado”.

A obsessão, a subjugação produzia no menino uma espécie

de epilepsia, por efeito da qual ele ficava inteiriçado, frio, com

a pele seca e os músculos tão contraídos, que formavam

saliências por todo o corpo.

(Mateus, vv. 16-17; Marcos, vv. 18-19; Lucas, vv. 40-41).

Falando a homens, Jesus empregava termos humanos à altura

das suas inteligências e de natureza a impressioná-los

fortemente.

A exclamação do Mestre era dirigida aos que não possuíam

a fé bastante forte, porquanto, se houvessem depositado mais

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62 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

confiança na sua palavra, teriam tido maior ascendente, teriam

sido auxiliados por ele, que lhes daria a ajuda e o concurso dos

Espíritos superiores, como já lhes tinha dado. De fato, como

sabeis, os discípulos já haviam produzido, dentro de certos

limites, fatos chamados “milagrosos”, quando foram por Jesus

enviados às cidades vizinhas, investidos do poder de curar os

enfermos e expulsar os demônios (Mateus, X, v. 8).

Estas palavras dirigidas aos discípulos: “Oh! geração

incrédula e infiel”, significavam que, não tendo confiança, eles

não obedeciam. Não esqueçais que a fé por si só pode fazer

“milagres”, mas que, em compensação, os que se desviam, os

que duvidam são privados de suas faculdades e arrastados a

desordens que, algumas vezes, não mais conseguem refrear.

Note-se ainda que tais palavras Jesus não as disse visando

unicamente os discípulos. Alcançavam todo o povo,

objetivando patentear-lhes o poder e a santidade daquele que,

com uma só palavra, ia libertar o menino.

(Marcos, v. 20). O Espírito obsessor fez sentir a sua

influência ao menino e este, pressentindo uma crise, soltou

gritos de terror. Jesus deixou que o Espírito obrasse segundo

os caprichos do seu livre-arbítrio, até ao momento em que lhe

disse: Eu te ordeno, eu, que saias dele e não voltes mais. Isto

teve a sua razão de ser. Jesus pudera ter ordenado ao Espírito

que se afastasse sem convulsionar o menino, mas então o fato

houvera perdido grande parte do seu prestígio aos olhos da

multidão. Não esqueçais que Jesus, obrando em benefício da

pessoa do menino, também obrava em benefício da massa

popular. Tudo era feito com o objetivo do bem geral.

(Marcos, v. 23). “Se puderes crer, todas as coisas são

possíveis àquele que crê”. Assim respondeu Jesus a isto que

lhe dissera o pai do menino : “Se puderes alguma coisa, tem

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 63

compaixão de nós e socorre-nos”. Aqui, notai-o bem, Jesus

falou por figura, como, aliás, ordinariamente sucedia. Mas,

dentro da figura, encontrareis a verdade. Que prodígios,

efetivamente, não pode a fé operar? que é o que não consegue

essa alavanca poderosa, essa força motriz, esse calor

fecundante?

Sim; àquele que crê tudo é possível, por isso que em torno

dele os Espíritos do Senhor se grupam para assisti-lo. Não

haja, porém, equívocos, nem falsas interpretações: a fé precisa

ser clarividente, instruída, previdente e sábia. Crer não é

aceitar de cabeça baixa todas as absurdidades místicas que

certos cérebros doentios engendram. Crer não é para o espírita

especialmente, pedir a assistência dos bons Espíritos para

puerilidades ou atos culposos. A fé precisa ser esclarecida,

pois que tem que caminhar sempre, com passo firme, pela

estrada que conduz a Deus; deve ser forte, pois tem que contar

consigo mesma para a obtenção do que seja justo que obtenha;

deve ser sábia, pois jamais deverá ultrapassar os limites

traçados à vontade e a meta que lhe é proposta.

(Marcos, v. 24). “Eu creio, Senhor, dizia, banhado em

lágrimas, o pai do menino, ajuda a minha pouca fé”.

Expansão de simplicidade e de humildade. O pai do menino

acreditava que Jesus tinha o poder de lhe atender à súplica,

mas, humilde, simples de coração, não se sentia bastante forte

na sua fé para merecer tal graça. Esse receio mesmo militava a

seu favor.

(Mateus, v. 18; Marcos, vv. 25-26). O grito estridente que,

sob a ação do Espírito obsessor, o menino soltou, foi devido ao

sofrimento e ao abalo violento que lhe produziu a separação

súbita e brusca dos dois perispíritos, que o obsessor combinara

para se verificarem a subjugação e seus efeitos.

Page 18: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

64 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

No momento em que cessou a subjugação, diz a narração

evangélica, o menino ficou como morto, de sorte que muitos

diziam ter ele morrido.

Os sinais de morte aparente que, para muitos, o menino

apresentava, eram devidos à lassidão produzida nele pelo

abalo que experimentara e de molde a salientar ainda mais, aos

olhos da multidão, o poder de Jesus.

Logo que o Mestre o segurou pelas mãos e o soergueu, ele

se levantou. Para obter esse resultado, Jesus lhe restabeleceu a

força fluídica, empregando a ação magnética. Como sabeis,

esta se produz por ato da vontade de quem atua. Qualquer

Espírito bem- intencionado poderia, pois, tê-la exercido.

(Mateus, v. 19; Marcos, v. 28). Porque não pudemos nós

outros expulsar aquele demônio? Qual a causa de não termos

podido expulsá-lo? Esta pergunta, que os discípulos dirigiam a

Jesus, vos mostra que já eles antes haviam curado doentes, ex-

pulsado Espíritos obsessores, livrado a muitos de subjugações.

Se não possuíssem já, dentro de certos limites, essa faculdade,

se não a houvessem já exercido, não se teriam espantado daque-

le insucesso, não teriam mesmo em caso algum tentado a prova.

O Mestre os preparava enquanto se achava na companhia

deles. Dentro da série e do encadeamento dos fatos, dos acon-

tecimentos, tudo tinha que concorrer e concorria para lhes de-

senvolver a fé e torná-los aptos ao desempenho da missão que

lhes seria confiada, quando Jesus terminasse o da sua na Terra.

Só quando eles entrassem a desempenhá-la ativamente, de-

pois de se terem tornado capazes de cumprir com segurança a

tarefa de que foram incumbidos, é que poderiam exercer, como

de fato exerceram, o poder de curar os enfermos e de expulsar

os maus Espíritos, sem que nenhum insucesso se verificasse,

graças à assistência, ao auxílio e ao concurso constantes e

ocultos dos Espíritos superiores.

Page 19: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 65

Deu-se com as faculdades dos discípulos o que se dará com

as dos médiuns atuais. Conservaram-se limitadas enquanto ti-

nham de girar dentro de um círculo acanhado e de súbito se de-

senvolveram, logo que o Mestre julgou oportuno o momento.

A mediunidade dos que, entre vós, servem de instrumentos

aos Espíritos está apenas em começo. Mas, contrariamente ao

que sucedeu na época dos discípulos, os vossos médiuns só

entrarão no gozo completo de suas faculdades mediúnicas

quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que

desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao

estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem

de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à

ordem comum dos fatos.

Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se

verificará. O Senhor disse: vigiai e orai, porquanto

desconheceis a hora em que soará retumbante a trombeta,

fazendo que de seus túmulos saiam os mortos. Quer dizer:

desconheceis a hora em que Deus fará que renasçam

materialmente na Terra os Espíritos elevados, incumbidos de

dar impulso às virtudes que eles descerão a pregar, praticando-

as em toda a sua extensão.

O chefe da Igreja católica, nessa época em que este

qualificativo terá a sua verdadeira significação, pois que ela

estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do

Cristo, o chefe da Igreja católica, dizemos, será um dos

principais pilares do edifício. Quando o virdes, cheio de

humildade, cingido de uma corda e trazendo na mão o cajado

do viajante, podereis dizer: “Começam a despontar os

rebentos da figueira; vem próximo o estio”.

Entendemos por missão superior aquela que objetiva a

regeneração da humanidade e que, pelo seu conjunto e pela

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66 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sua força, se estenderá, dominando a ação de todos os outros

missionários. Podeis daí deduzir facilmente que o Espírito que

desempenha uma missão superior está acima de todos quantos,

como ele, trabalham na realização de uma obra humana.

Debaixo da influência e da direção do Regenerador,

caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será

então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará

em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo.

Não há necessidade de que penetreis nos segredos do

futuro. Tudo quanto, com relação ao presente, cumpre que

conheçais vos é revelado.

(Mateus, v. 20; Lucas, XVII, vv. 5-6). Reportai-vos às

explicações que demos das seguintes palavras que Jesus

dirigiu ao pai do menino: Todas as coisas são possíveis àquele

que crê. Essas explicações bastam para que sejam

interpretadas, em espírito e verdade, estas outras palavras que

dirigiu aos discípulos: E nada vos seria impossível.

O que, porém, Jesus disse, disse-o figuradamente. Suas

palavras, está claro, não se aplicam ao ato material.

Proferindo-as, quis ele ensinar a seus discípulos que, com o

auxílio da fé, poderiam fazer, sobre si mesmos, coisas que

pareceriam tão impossíveis como serem obedecidos dizendo a

uma montanha: Passa daqui para ali, ou a uma árvore: Tira-

te daí e lança-te ao mar.

Não penseis que o Mestre, por aquele modo, prevenia os

discípulos e os homens dos fatos materiais que uns e outros

poderiam produzir. Isso fora antecipar a indagação das causas,

que importava se conservassem ainda ocultas.

Não; as palavras do Mestre encerravam um sentido oculto,

uma predição velada, mas não um aviso a respeito dos fatos

materiais que os discípulos mais tarde conseguiram realizar,

como já o tinham algumas vezes conseguido, inconsciente-

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 67

mente, dentro de certos limites, sem darem por isso. Para a

época atual, porém, para o espírita, uma vez que a nova

revelação viria pôr a descoberto o sentido daquelas palavras,

tinha Jesus em mente, com relação ao futuro, dar um aviso, a

fim de que a produção de tais fatos fosse obtida com conheci-

mento de causa. Para o espírita, pois, essas palavras têm um

sentido mais direto, porquanto lhe dão uma ideia do que pode

obter com o auxílio da fé; mas, repetimos, da fé clarividente,

esclarecida, forte e sábia, com o auxílio dessa poderosa

alavanca, dessa força motriz, desse calor fecundante.

As palavras ditas por Jesus e registradas por Lucas foram

pronunciadas em lugares e ocasiões diferentes daqueles em

que o foram as que constam da narração de Mateus. Mandamos

que as reunísseis aqui, para evitarmos repetições escusadas.

Os ensinamentos do Mestre eram, muitas vezes, os mesmos

quanto ao fundo, mas amiúde variavam de forma, para

estarem, de acordo com os lugares e o auditório.

(MATEUS, v. 21; MARCOS, v. 29). Esta casta de

demônios, disse Jesus aos discípulos, não se pode expulsar,

não se expulsa, senão pela prece e pelo jejum.

Quanto mais perversos forem os Espíritos impuros, tanto

mais necessidade têm os encarnados de se elevar para os

dominar. Um Espírito apenas transviado pode ser e é acessível

às advertências, aos conselhos, aos testemunhos de afeição.

Mas um grande culpado é sempre empedernido, só à força

sede. O que subjugava o menino era dos mais perversos.

Para vencer demônios dessa espécie não podeis empregar

senão a força moral que o encarnado só adquire pela elevação

moral e pela superioridade. E que é o que mais pode elevar o

vosso Espírito do que o jejum e a prece praticados espiri-

Page 22: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

68 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

tualmente e de coração, tais como, em nome do Mestre, vos

explicamos?

Quanto ao jejum, consiste ele em vos absterdes de pensa-

mentos culposos, inúteis, frívolos sequer, dos pensamentos,

segundo o disse Jesus, de adultério, de fornicação, de latro-

cínio, de roubo, de homicídio, de avareza, de felonia, de falso

testemunho, de dissolução, de inveja, de ciúme, de maledi-

cência, de orgulho, de egoísmo, de loucura, significando este

último termo todos os transbordamentos de paixões que

arrastam o Espírito a cair irrefletidamente nos mais abomináveis

excessos; em vos absterdes de todas as maldades, por palavras

e por atos; em vos absterdes, finalmente, de qualquer falta, por

mínima que pareça. E não é tudo. O jejum espiritual consiste

ainda em praticar a sobriedade na satisfação das necessidades

materiais, a sinceridade na modéstia, na regularidade dos

costumes, na austeridade do proceder; em praticar de todo o

coração, pelo pensamento, pela palavra e pelos atos, a

humildade, o desinteresse, o perdão e o esquecimento das

injúrias e das ofensas, o devotamento, a justiça, o amor e a

caridade, para com todos, na ordem material, na ordem moral

e na ordem intelectual, no lar doméstico e no seio da grande

família humana.

Quanto à prece espiritual, tornamos a dizer: ela não consiste

na repetição de palavras mais ou menos harmoniosas, mais ou

menos humildes, ditas com os lábios. A prece espiritual é o

arrebatamento de amor, de adoração, o pensamento puro que,

de um só ímpeto, se transporta ao trono do Eterno e que, por

efeito da humildade, pelos atos da vossa vida, reagindo sobre o

mesmo pensamento, dele faz um todo perfeito, digno de

aproximar-se da sede da perfeição.

N. 197. De que natureza era a falta que dera causa a ficar o

filho daquele homem sujeito, desde o seu nascimento para

expiá-la, a tão horrível subjugação?

Page 23: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 69

Por abuso de poder moral, numa existência precedente. É

fácil de perceber o sentido destas palavras. Não conheceis a

influência perniciosa que um Espírito desenvolvido, mas

perverso, pode exercer sobre homens de inteligência mais

fraca? Não temos, porém, que fazer aqui o histórico da

existência daquele Espírito, pois, se o fizéssemos, nos

afastaríamos muito do quadro que vos foi traçado.

N. 198. O Espírito obsessor fora vítima desse abuso de

poder moral?

Não; mas, pouco importa que o Espírito vítima tenha sido

este ou aquele. Entretanto, deveis compreender que o Espírito,

fraco, crédulo, que foi vítima do abuso de poder moral, não

incorreu por isso em grande culpabilidade e que o papel

desempenhado pelo obsessor do menino denotava uma

natureza perversa.

São relações que se estabelecem por analogia. A punição

atrai para junto do culpado aquele que virá a ser o instrumento

dela. Quer isto dizer que os guias do culpado sujeito a uma

expiação não se opõem à ação que sobre ele queira exercer

outro Espírito para o atormentar. Assim, aquele que se deixa

arrastar por seus maus instintos, se aferra ao que escolhe para

sua vítima, julgando-a indefesa. Dizemos — julgando-a,

porque, se ele tentasse ultrapassar os limites do sofrimento,

moral ou físico, que o paciente tenha de suportar, os Espíritos

superiores imediatamente o deteriam.

Page 24: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

70 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XVII, vv. 22-23. — MARCOS, Capítulo IX,

vv. 31-32. — LUCAS, Cap. IX, vv. 44-45

Predição, feita por Jesus, da sua morte e da sua ressurreição.

MATEUS: V. 22. Quando voltaram para a Galileia, Jesus lhes

disse: O filho do homem será entregue às mãos dos homens, — 23,

e estes lhe darão a morte, mas ele ressuscitará ao terceiro dia. Os

discípulos ficaram profundamente contristados.

MARCOS: V. 31. Ensinando a seus discípulos, dizia: O filho do

homem será entregue às mãos dos homens, que o farão morrer, mas

ele ressuscitará ao terceiro dia depois da sua morte. — 32. Os

discípulos, porém, não entenderam essas palavras suas e receavam

interrogá-lo.

LUCAS: V. 44. Todos pasmavam do grande poder de Deus e

como se mostrassem admirados do que ele fazia, disse a seus

discípulos: Guardai nos vossos corações o que vos vou dizer: O

filho do homem há de vir a ser entregue às mãos dos homens. — 45.

Mas os discípulos não entendiam essas palavras; tão veladas eram

que não as compreendiam; e tinham receio de o interrogar a tal

respeito.

N. 199. Estes versículos se explicam por si mesmos. Jesus

revelava de antemão os acontecimentos que se iam dar, a fim

de tocar mais fundamente o Espírito dos discípulos e de lhes

aumentar a fé. Predisse-lhes que habitaria “com os mortos”, a

fim de tornar mais frisante a “sua ressurreição”. Aquelas não

eram, de fato, para os discípulos, homens ignorantes mas

devotados, palavras cobertas com o véu do luto? O que

compreenderam foi que o Mestre se preparava para morrer. A

“ressurreição” não era um problema que eles se propusessem a

resolver. Consideravam-na fato tão extraordinário, que não se

detiveram um instante sequer procurando compreender como

poderia Jesus passar três dias longe deles.

Page 25: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 71

Acabamos de dizer, falando dos discípulos: “homens

ignorantes, mas devotados”. Notai que não dissemos: —

“Espíritos ignorantes”. É que, conquanto fossem Espíritos

elevados em missão, experimentavam os efeitos da lei da

encarnação, suportando a que haviam escolhido.

Podemos, por meio de uma comparação muito vulgar,

trivial mesmo, mas que dá uma ideia da pressão da matéria

sobre o Espírito, fazer-vos compreender aquela encarnação, do

ponto de vista do meio em que os discípulos tiveram que

nascer e viver e do ponto de vista do objetivo da missão que,

em seguida, lhes cumpria desempenhar.

Observai o que se passa com o molho de feno que é

submetido à compressão para torná-lo mais fácil de ser

expedido. Seu volume se reduz e seus filamentos, por assim

dizer, deixam de existir. Desde, porém, que seja submetido à

ação da umidade, readquire a sua liberdade, se distende

novamente e retoma o volume primitivo.

Se o Espírito, embora muito desenvolvido, sofre uma

encarnação em que tenha de ser ignorante, simples, mesmo

idiota, só encontra no corpo em que encarna um instrumento

pesado, indócil, incapaz de lhe servir para uma utilização que

corresponda ao seu desenvolvimento. É um piano cujas cordas

metálicas foram substituídas por cordas de cânhamo. Por mais

perfeito que seja o pianista, dele não tirará som algum.

Era absolutamente necessário à obra de Jesus que os

instrumentos de que se servia fossem ignorantes e

reconhecidos como tais. Mais retumbante viria a ser o

subsequente desenvolvimento de suas faculdades. O som, o

pensamento foram simplesmente devidos à substituição das

cordas de cânhamo por cordas sonoras.

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72 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Jesus prometera a seus discípulos que lhes enviaria o

“Espírito Santo”, isto é: a inspiração do céu, a direção superior.

Foi o que se deu quando, debaixo da influência e da ação dos

Espíritos superiores, eles sentiram que suas faculdades intelec-

tuais se desenvolviam, que o entorpecimento da matéria cere-

bral cedia lugar à lucidez e que suas faculdades mediúnicas

também se ampliavam, ajudando-os a vencer os obstáculos

que a matéria, por mais tênue que se mostre, opõe ao Espírito

mais elevado que se tenha revestido de um corpo carnal, como

os vossos.

Além do fluido vital que circula nas veias misturado ao

sangue, influindo nas suas qualidades e, por conseguinte, na

organização humana; além do fluido nervoso, que serve para

imprimir elasticidade aos músculos, aos nervos, às articulações,

auxiliando o movimento da máquina organizada, existe ainda

no homem o fluido espiritual, que serve para o desenvolvimento

da inteligência, envolvendo a matéria cerebral que recebe as

inspirações e tornando-a mais ou menos flexível, mais ou

menos apta a recolher essas impressões e a conservá-las.

Se vos fosse dado ver, observaríeis uma camada luminosa

estendida por sobre o cérebro, como uma espécie de verniz

sobre um quadro. É nessa camada de fluido que nós executamos

o trabalho de vos transmitir os pensamentos, trabalho de que

resulta para vós a inspiração e que, indo afetar consecutiva-

mente o fluido vital e o fluido nervoso, produz as mediunidades

psicográfica e psicofônica. Vosso cérebro, reservatório e sede

de impulsão e de direção dos fluidos espiritual, vital e nervoso,

é então, por assim dizer, a pilha galvânica que pomos em mo-

vimento e que transmite o abalo a todo o corpo, nas condições

que correspondam aos efeitos que se devam produzir.

Damos estas explicações para que compreendais como, sob

a influência e a ação dos Espíritos superiores que os assistiam

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 73

no desempenho de suas missões, as cordas de cânhamo se

mudaram, nos apóstolos, em cordas sonoras.

“Os discípulos ficaram profundamente contristados; mas,

não entendiam coisa alguma das palavras de Jesus: tão

ocultas lhes eram elas que não as compreendiam e receavam

interrogá-lo”.

Eles não compreenderam senão uma coisa: que corriam o

risco de perder o Mestre bem-amado. Já vos dissemos que um

véu espesso lhes encobria o sentido dos fatos a que Jesus se

referia quando falava da sua “morte”, da sua permanência “no

túmulo”, da sua “ressurreição”. Durante a missão terrena que

lhes fora confiada e para o cumprimento dessa missão, eles

não tinham que penetrar e conhecer, em espírito e verdade, o

sentido daquelas alusões do Cristo, pois que só à revelação

atual estava reservado desvendá-lo aos homens.

Ficaram profundamente contristados, porque acreditavam,

como era mister acreditassem (temo-lo explicado muitas

vezes) que Jesus pertencia à humanidade terrena pelo seu

invólucro corpóreo; que, portanto, sofreria realmente,

fisicamente, as dores, as torturas e o suplício de uma morte

real, material, violenta.

As palavras de Jesus tão ocultas lhes eram que eles não as

compreendiam. É que não compreendiam a natureza e o

objetivo do ato que, sob a aparência da morte, não seria mais

do que um exemplo de amor e de sacrifício, exprimindo os

sentimentos e a dor de uma mãe que vê seus filhos transviados,

rebeldes, cruéis e homicidas, mostrando pela prática do crime

desconhecerem o devotamento e o afeto maternais que elevam,

consolam e procuram salvar.

Receavam interrogar a Jesus, porque a “ressurreição”

quase instantânea, após uma morte que a seus olhos seria real,

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74 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

material, lhes povoava de dúvidas os Espíritos, quanto à

possibilidade de tal fato, mesmo como uni milagre. Essas

dúvidas é que lhes infundiam o temor de interrogarem o

Mestre sobre aquele ponto.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 75

MATEUS, Capítulo XVII, vv. 24-27

Jesus paga o tributo.

V. 24. Tendo eles vindo a Cafarnaum, os que recebiam o tributo

das duas dracmas se aproximaram de Pedro e lhe perguntaram: Teu

Mestre não paga as duas dracmas? — 25. Ele respondeu: Sim. Ao

entrarem em casa, Jesus lhe perguntou: Que te parece, Simão? De

quem recebem os reis da terra os tributos ou impostos? De seus

filhos ou dos estranhos? — 26. Pedro respondeu : Dos estranhos.

Jesus replicou : Então os filhos se acham isentos; — 27, mas, para

que não os escandalizemos, vai ao mar e lança o teu anzol; pega do

primeiro peixe que apanhares, abre-lhe a boca, que encontrarás

dentro um estáter1; toma-o e vai entregá-lo por mim e por ti.

N. 200. Nestes versículos há um ensinamento de submissão

dado aos homens. Eles ensinam que todos devem submeter-se

às leis que regem o seu país, por mais rigorosas e injustas que

lhes pareçam, até que sejam derrogadas pela ação dessa força

moral que se personifica na razão e na discussão ativas, sábias,

esclarecidas e perseverantes, força que, com o auxílio do

tempo, põe em foco a justiça e a verdade, fontes de toda

civilização verdadeira e de todo progresso.

Pedro, antes mesmo de haver falado a Jesus, respondeu —

sim, aos que cobravam o tributo, por estar certo de que o

Mestre cumpriria as obrigações do cidadão, isto é : do homem

pacífico que se submete às leis do seu país ainda que as tenha

por injustas e que elas o sejam realmente.

Querendo acentuar a injustiça do tributo que se lhes exigia,

perguntou Jesus a Pedro: “De quem cobram os reis da terra os

tributos ou impostos?

1 Moeda em ouro na Grécia antiga, correspondente a quatro dracmas.

Page 30: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

76 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

De seus filhos ou dos estrangeiros?” Respondendo Pedro:

“Dos estrangeiros”, Jesus lhe observou: “Então os filhos se

acham isentos deles”.

Os filhos, com relação aos reis da terra, eram os naturais do

país.

Ao passo que, para os Romanos, eram filhos os cidadãos de

Roma, sendo estrangeiros os povos subjugados, para os He-

breus, ao contrário, no país que aqueles haviam conquistado,

estrangeiros eram os conquistadores — o povo romano,

representado pelos seus procônsules2, e filhos os naturais do

país — os povos conquistados. Justo seria, portanto, que,

estando nas suas terras, os filhos do país não pagassem tributo.

Mas, ao mesmo tempo, ordena Jesus a Pedro que pague o

tributo, a fim de que (palavras suas) não os escandalizemos. É

que, sendo Hebreus, os discípulos desejariam encontrar um

pretexto para se forrarem às obrigações que lhes impunha o

poder estrangeiro. Não esqueçais que os judeus persistiam em

querer que o Mestre fosse um chefe temporal. Procedendo

daquele modo, Jesus lhes dava um exemplo de humildade e de

submissão às leis estabelecidas, embora fossem estas

rigorosas, injustas, e do mesmo passo demonstrou o seu poder

por “um milagre”.

“Vai ao mar, diz ele a Pedro, lança a tua linha, pega do

primeiro peixe que apanhares e abre-lhe a boca que encontrarás

dentro uma moeda de prata de quatro dracmas; toma-a e vai

entregá-la por mim e por ti aos que cobram o tributo”.

Acerca deste fato nada mais há que dizer, além do que já

sabeis relativamente a todos os que considerais milagrosos. Já

tivemos ocasião de dar-vos explicações gerais sobre os efeitos

dessa natureza, quando tratamos da pesca tida por miraculosa.

2 Antigo governador de uma província romana com autoridade de cônsul.

Page 31: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 77

Por ato da sua vontade e auxiliado pelo magnetismo

espiritual, o Espírito preposto à realização do fato com que nos

ocupamos, exercendo uma ação magnética, dirigiu para o

lugar, onde, no fundo do mar, se achava o estáter, os fluidos

que envolviam o peixe. Arrastado este, assim, para aquele

lugar pela corrente desses fluidos, o Espírito preposto,

acionando outra corrente magnética, fê-lo aspirar a moeda,

reconduziu-o à superfície das águas e o encaminhou para o

anzol que o tinha de fisgar como fisgou.

Ignorais, porventura, que o fundo do mar encerra muitos

tesouros que a cupidez humana ambicionaria, se os

conhecesse? Que há de surpreendente em que o peixe, que

teria de trazer à superfície do mar a moeda, haja sido, pela

ação das correntes magnéticas, impelido para o lugar onde ela

se achava e a tenha aspirado, ainda sob a ação de tais

correntes, dirigidas estas pelo Espírito que, desse modo, fez do

mesmo peixe o portador da dita moeda?

Quando disse a Pedro: Entrega-lhes essa moeda de prata

por mim e por ti, Jesus, como se vê, mandou pagar o tributo

por si e por Pedro, com exclusão dos demais apóstolos, que

certamente já o haviam pago a expensas da caixa comum.

Page 32: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

78 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 1-5. — MARCOS, Cap. IX,

vv. 33-41. — LUCAS, Cap. IX, vv. 46-50

Lição de caridade e de amor, de amparo ao fraco, de fé,

confiança, humildade e simplicidade.

MATEUS: V. 1. Naquela hora os discípulos se acercaram de

Jesus e lhe perguntaram: Quem julgas que é o maior no reino dos

céus? — 2. Jesus, chamando um menino, o colocou de pé no meio

deles, — 3, e lhes disse: Em verdade vos digo: se não vos

converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos

céus. — 4. Aquele, pois, que se fizer humilde e pequeno como este

menino, esse será o maior no reino dos céus. — 5. Aquele que

receber em meu nome um tal menino, a mim me recebe.

MARCOS: V. 33. Vieram a Cafarnaum e, quando chegaram a

casa, perguntou-lhes ele: De que vínheis tratando pelo caminho? —

34. Todos se calaram, por isso que tinham vindo a discutir sobre

qual deles era o maior. — 35. Jesus então se sentou, chamou os doze

apóstolos e lhes disse: Se algum quiser ser o primeiro, seja o último

de todos e o servo de todos. — 36. Em seguida, tomou de um

menino, colocou-o no meio deles e, depois de o beijar, — 37, disse-

lhes: Quem receber em meu nome a uma criança como esta a mim

me recebe e quem me receber não me recebe a mim, recebe sim

àquele que me enviou. — 38. Disse-lhe em seguida João : Mestre,

vimos um homem que expulsa os demônios em teu nome, mas que

não te segue; nós lhe proibimos. — 39. Jesus disse : Não lhe

proibais, porquanto não há ninguém que, tendo feito em meu nome

um milagre, possa depois dizer mal de mim; — 40, visto que quem

não é contra vós é por vós; — 41, e quem quer que em meu nome

vos dê de beber um copo d'água, por serdes do Cristo, não perderá,

eu vo-lo digo em verdade, sua recompensa.

Lucas: V. 46. Veio-lhes então à mente saber qual dentre eles era

o maior. — 47. Mas Jesus, vendo o que lhes ia nos corações, tomou

de um menino e o colocou perto de si; — 48, e lhes disse: Quem

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 79

quer que receba em meu nome esta criança me recebe e quem quer

que me receba recebe aquele que me enviou; porquanto, aquele que

entre vós for o menor esse é o maior. — 49. João, replicando, disse:

Mestre, vimos um homem que expulsa os demônios em teu nome e

nós lhe proibimos, pois que ele não te segue conosco. — 50. Jesus

lhe disse: Não lhe proibais, porque quem não é contra vós por vós é.

N. 201. Tomadas no seu conjunto, essas palavras de Jesus

encerram uma lição de caridade, de amor, de amparo ao fraco,

de fé, confiança, humildade e simplicidade. Não disse ele:

aquele que queira ser o primeiro seja o último de todos, o

servo de todos; aquele que dentre vós for o menor, esse é o

maior? Nessas palavras está tudo. Sede como a criança que

Jesus tomou nos braços.

Quer isto dizer: se, fracos como sois, tiverdes confiança

nele, encontrareis amparo; se fordes simples de coração,

achareis nele a chave de toda a ciência. Sede caridosos para

com os vossos irmãos e nele se vos deparará o mais admirável

tipo da caridade.

Segui o exemplo dado por Jesus. Sede as criancinhas que

ele em seus braços carrega. Sede humildes, compenetrados da

vossa ignorância e da vossa fraqueza. Sede brandos e

submissos, compenetrados de que tudo deveis esperar de quem

é mais poderoso do que vós. Sede, sobretudo, confiantes na

força dos possantes braços que vos sustêm e elevam à altura

do Mestre dos mestres.

Não procureis elevar-vos pelas vossas próprias forças: elas

vos trairão. Não acrediteis que valhais mais do que vossos

irmãos aos olhos de vosso pai. Não desejeis elevar-vos mais

do que eles; procurai, ao contrário, ajudá-los a se elevarem,

dando-lhes o melhor dos conselhos: o conselho do exemplo!

Page 34: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

80 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(Mateus, v. 1; Marcos, vv. 33-34; Lucas, v. 40). Foi o ciúme

que trouxe ao espírito dos apóstolos a ideia de saber qual

dentre eles era o maior, ideia que deu origem à discussão em

que se empenharam e que os levou a inquirirem de Jesus:

“Quem é o maior no reino dos céus?” depois de terem

guardado silêncio, quando o Mestre lhes perguntou: “De que

vínheis vós tratando pelo caminho”? Aquela ideia proveio do

Espírito encarnado, nasceu da tendência que lhe é natural.

Sabeis quão forte é, para o Espírito, a constrição da carne. O

mais elevado lhe sofre a influência.

Afigurava-se aos discípulos que Jesus tinha preferência por

um deles. Isso provocou entre os outros o ciúme, ciúme até

certo ponto desculpável por provir do amor imenso que

consagravam ao Mestre.

João não era o mais amado, era antes o que mais amava, o

que o impelia a se aproximar constantemente do Mestre, dando

lugar a que os outros pensassem que lhe coubera a melhor

parte.

Não vos admireis de que aos discípulos tenha Jesus pergun-

tado: “De que vínheis tratando pelo caminho”?, quando é

certo, como se vos diz, que ele via o que lhes ia nos corações,

antes que proferissem qualquer palavra. Lembrai-vos sempre

de que os discípulos acreditavam que o Mestre era homem

como eles, crença esta em que convinha permanecessem.

(MATEUS, v. 3). Se vos não converterdes, não entrareis no

reino dos céus.

Se vos não converterdes queria dizer: se não abandonardes

as ideias e tendências humanas. A carne leva ao orgulho, à

ostentação, à ambição. Imitai a simplicidade da criança.

Esperai tudo do mestre e não conteis nunca com o vosso

mérito próprio.

Não entrareis no reino dos céus : não chegareis à perfeição.

Page 35: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 81

(Marcos, v. 35). O Espírito que busca a preeminência está

imbuído de orgulho. Ora, sabeis que o orgulho tem que ser

abatido para ser destruído. É, pois, intuitivo que aquele que

procurar elevar-se acima de seus irmãos, por orgulho, terá que

sofrer a correspondente expiação, encarnando em condições

ínfimas. Esta a consequência inevitável.

(Mateus, v. 4). A humildade do coração e a simplicidade do

Espírito são o princípio e a fonte de todas as virtudes e abrem

o caminho que conduz a toda ciência, a todo progresso moral e

intelectual.

(Mateus, v. 5; Marcos, v. 37; Lucas, v. 48). “Aquele que em

nome de Jesus recebe a uma criança recebe ao mesmo Jesus”,

isto é: aquele que se põe ao alcance do fraco e do simples,

aquele que com este partilha o que possui, que o faz aproveitar

da inteligência, da força, da ciência que lhe foram outorgadas,

esse imita o Mestre, que fez outro tanto por todos vós. O que

assim procede atrai as bênçãos do Senhor e o Cristo se

compraz em lhe estar ao lado.

Quem, recebendo assim a uma criança, recebe a Jesus,

recebe também aquele que o enviou. Isto significa: aquele que

obedece à lei de amor, que Jesus trouxe à Humanidade,

solícito concede amparo, auxílio, proteção ao fraco e o

sustenta da maneira que lhe seja possível. O que procede assim

obedece à lei do Cristo e o Senhor lê no seu coração. Esse

recebe o pai, pois que não cogita dos serviços, dos proveitos

que possa auferir do seu procedimento. “A criança”, por

demasiado fraca, nenhuma retribuição lhe pode oferecer. Ele,

pois, se faz credor do seu reconhecimento, por amor do filho,

por amor, conseguintemente, do pai que o enviou. Esse, que

será o menor aos olhos dos homens, é, perante Deus, o maior

pela pureza da intenção, pela integridade da alma, pela

integridade da vida.

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82 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(Marcos, vv. 38-40; Lucas, vv. 49 e 50). Porque pretender

sofrear os impulsos da fé? Porque pretender forçar os homens

a caminharem por uma determinada senda que se lhes abriu,

quando podem, seguindo a que lhe fica paralela, chegar ao

mesmo fim? Já naquela época Jesus condenava a tirania

mística que vos diz: Crede como eu, adorai como eu, do

contrário sereis condenados às penas eternas.

Compreendei bem o alcance destas benfazejas palavras do

Mestre: “Porque o impedistes?” “Aquele que não é contra

mim (textual), é por mim”.

Sim, filhos bem-amados, aquele que segue os passos do

guia divino, que lhe admira as leis, mas que, não se

contentando com uma admiração estéril, as pratica, esse é pelo

Cristo, é seu irmão. E ele, o irmão mais velho, que entrou no

“reino do pai”, isto é: que atingiu a perfeição, lá prepara

lugares para os que caminham nas suas pegadas.

O Mestre não vos abriu uma única estrada. Onde quer que

se possa fazer o bem, aí descobrireis a marca de seus pés.

Segui-o sem vos inquietardes com os que vos queiram deter.

Expulsai, em seu nome, todos os “demônios” que tentam e

assaltam a humanidade. Começai por expeli-los dos vossos co-

rações e fareis “milagres” de fé e de amor, porquanto, obrando

em seu nome, estareis com Jesus e Jesus estará convosco. Dele

recebemos a incumbência de dizer-vos: Ide, ó bem-amados, a

graça do Senhor pousa sobre as vossas cabeças.

Repetindo estas palavras do Mestre: “Aquele que não é

contra mim é por mim”, dissemos acima serem elas textuais.

Com efeito, essas são, textualmente, as palavras que o Mestre

pronunciou.

Nada valem os erros cometidos pelos tradutores. Alguns as

tomaram num sentido genérico e traduziram: “Aquele que não

é contra vós é por vós”. Outros as tomaram num sentido parti-

cular e traduziram: “Aquele que não é contra nós é por nós”.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 83

O Espírito encarnado que expulsava os demônios em nome

do Mestre, sem pertencer ao número dos que, com os discípulos,

o seguiam, era um Espírito em missão. Não vos equivoqueis

quanto ao sentido destas palavras. Um Espírito pode estar em

missão, sem que por isso seja um Espírito superior.

O que desempenhava a missão a que aludimos era um

Espírito esclarecido, a quem os laços da carne não haviam

impedido de compreender a missão divina de Jesus. Animado

de uma fé viva e ardente, ia, por seu lado, pregando aos

homens que seguissem o Mestre de quem apenas ouvira falar.

Certo de que, apoiando-se no seu nome, atrairia para si as

graças do Senhor, expulsava os Espíritos impuros, sustentado

por Espíritos superiores, que lhe secundavam os esforços. Era

uma pedra isolada que servia para a construção do edifício,

como tantas outras houve, há hoje e haverá no futuro.

(Marcos, v. 41). “Fazei a caridade pelo amor de Deus”.

O amor de Deus é o amor por excelência, o amor universal,

razão por que se eleva acima de todas as influências da matéria

aquele que faz a caridade em toda a extensão de suas forças e

de seus meios, com o coração e o Espírito, na ordem material,

na ordem intelectual e na ordem moral, ao primeiro que

encontra, conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo.

O que desse modo pratica a fraternidade humana mais e

mais se aproxima do tipo divino, caminha cada vez mais perto

das pegadas do grande modelo, caminhando conseguintemente

para a perfeição, pois que se esforça por em si realizar esta

sentença de Jesus: “Sede perfeitos como é perfeito vosso pai

que está nos céus”.

N. 202. No v. 39 de Marcos, assim como em todos os

outros versículos dos Evangelhos, qual a verdadeira expressão

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84 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

que corresponda à das traduções latinas virtutem e à das

traduções francesas — miracies, tendo-se em vista a definição

que ao termo milagre dá a Igreja romana e do sentido que lhe

atribui, dizendo ser — uma derrogação das leis na natureza?

Milagre é a única palavra que, na linguagem humana, se

pode empregar para exprimir, do vosso ponto de vista, a ideia

de um ato que escapa ao âmbito das conhecidas leis da

natureza.

A vossa linguagem carece de um termo técnico que sirva

para revestir esse pensamento.

A Igreja romana devera definir o “milagre” como sendo um

ato que se efetuou pela vontade de Deus, segundo leis

verdadeiras e imutáveis da natureza, ainda desconhecidas dos

homens, mas existentes desde toda a eternidade, ato esse que

ela, e bem assim a ciência humana, será obrigada a reconhecer

como realizado sob a ação espírita, por efeito daquela vontade.

Page 39: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 85

LUCAS, Capítulo IX, vv. 51-56

Palavras de Tiago e João. — Resposta de Jesus.

V. 51. Como se aproximasse o tempo em que havia de ser

arrebatado do mundo, ele, de semblante resoluto, se pôs a caminho

para ir a Jerusalém. — 52. Enviou adiante alguns mensageiros que

de passagem entraram numa aldeia de Samaritanos a fim de lhe

prepararem pousada. — 53. Estes, porém, não o receberam por ter

ares de quem ia para Jerusalém. — 54. Vendo isso, seus discípulos

Tiago e João perguntaram: Senhor, queres digamos que o fogo desça

do céu e os consuma? — 55. Jesus, porém, voltando-se para eles, os

repreendeu, dizendo: Não sabeis de que espírito sois? — 56. O filho

do homem não veio para perder e sim para salvar os homens.

Dirigiram-se a uma outra aldeia.

N. 203. (V. 51). O tempo que se aproximava, tempo esse

em que Jesus tinha de ser arrebatado do mundo, era o

momento em que, pouco depois, ele desapareceu das vistas

humanas. O termo — ascensão — traduz bem o pensamento,

pois que, diante dos discípulos reunidos, ele se elevou nos ares

até que deixou de ser visto.

(V. 53). O fato de se haverem os Samaritanos recusado a

recebê-lo nada tem que vos possa espantar. Ignorais

porventura que os Samaritanos não partilhavam das ideias dos

Judeus propriamente ditos e que, para eles, o templo de

Jerusalém não tinha o prestígio que fascinava os Israelitas?

(V. 54). Foi sob a influência de ideias nacionalistas e sob o

império da tradição que João e Tiago, por inspiração própria,

pediram a Jesus fizesse descer o fogo do céu para consumir os

Samaritanos. Criam eles que a ruína daquela vila e de seus

habitantes encheria de espanto a toda gente e, pelo terror que

havia de inspirar, aumentaria o prestígio do Mestre. Cediam a

uma impressão retrógrada, em vez de acompanharem a

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86 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

marcha que Jesus lhes imprimia na senda do progresso. Essa a

razão por que ele os repreendeu, dizendo-lhes: O filho do

homem não veio para perder e sim para salvar as almas.

Como sempre, um exemplo de caridade. Atentai nestas

palavras de Tiago e de João, filhos de Zebedeu: Senhor, queres

digamos que o fogo desça do céu e os consuma?; atentai,

também, na resposta de Jesus:

“Ignorais de que espírito sois, porquanto o filho do homem

não veio para perder e sim para salvar as almas”; e lembrai-

vos do apelido que o Mestre, com a presciência que tinha do

futuro, dera a Tiago e a João, quando foi da vocação dos doze

apóstolos — o apelido de Boanerges, que quer dizer: filhos do

trovão.

Apropriada aos tempos e aos homens, a lei de Moisés era

dura e cruel.

Ensinamentos mais brandos se tornavam necessários, para

abrandar aquelas naturezas violentas, que já os séculos tinham

esclarecido. Fazia- se mister uma lei que lhes ensinasse o amor

em troca do ódio, o perdão em troca da injúria, o benefício em

troca da ofensa.

Jesus não viera abolir a lei, mas completá-la.

A lei de Moisés era como um desses blocos informes que o

mestre confia ao desbastador. Os séculos lhe haviam limado as

asperezas mais fortes, os ângulos mais agudos.

Veio Jesus e com o seu cinzel pleno de doçura, ainda que

vigoroso, lhe deu as formas e poliu os contornos. Por sobre a

sua obra passaram os séculos e a matéria amoleceu.

Chegou o momento de concluí-la. O Mestre toma do buril e

os traços mais delicados em breve aparecerão. Desses traços

feitos no mármore vai nascer o amor divino. No coração de

pedra vai penetrar o mesmo amor. E quando a obra estiver

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 87

acabada, quando o sopro do divino artista lhe houver trans-

fundido a vida, a estátua, animada, por todas as virtudes,

mostrará ao mundo que Jesus não veio abolir a lei, mas

justificá-la, tornando-a perfeita.

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88 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 6-11. — MARCOS, Capítulo IX,

vv. 42-50. — LUCAS, Cap. XVII, vv. 1-2

Evitar o escândalo. — É necessário que se deem

escândalos, é impossível que não se deem.

Mas, ai do homem que cause o escândalo.

MATEUS: V. 6. Aquele que escandalizar a um destes

pequeninos que em mim creem, melhor fora lhe pendurassem ao

pescoço uma mó de moinho e o lançassem ao fundo do mar. — 7.

Ai do mundo por causa dos escândalos, pois é necessário que

venham escândalos; ai, entretanto, do homem por quem vem o

escândalo. — 8. Se vossa mão ou vosso pé vos for motivo de

escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós. Mais vos vale entrar

na vida coxo ou estropiado do que com duas mãos e dois pés e ser

lançado no fogo eterno. — 9. Se vosso olho vos for motivo de

escândalo, arrancai-o e atirai-o longe de vós; mais vale entreis na

vida com um só olho do que com dois e serdes lançados na geena do

fogo. — 10. Tende muito cuidado em não desprezar a um destes

pequeninos, pois vos digo que seus anjos, no céu, veem sempre a

face de meu pai que está nos céus. — 11. Porque o filho do homem

veio salvar o que estava perdido.

MARCOS: V. 42. Aquele que escandalizar a um destes

pequeninos que creem em mim, mais valera lhe atassem ao pescoço

uma mó de moinho e o lançassem ao mar. — 43. Se vossa mão vos

é motivo de escândalo, cortai-a; mais vale entreis na vida com uma

só mão do que com duas e irdes para a geena do fogo que jamais se

extingue, — 44, onde o verme que os rói não morre e o fogo não se

apaga. — 45. Se vosso pé vos é motivo de escândalo, cortai-o; mais

vale entreis coxos na vida eterna do que com dois pés e serdes

precipitados na geena do fogo que jamais se extingue; — 46, onde o

verme que os rói não morre e o fogo nunca se apaga. — 47. Se

vosso olho vos é motivo de escândalo, arrancai-o; melhor será que

entreis no reino de Deus com um só olho do que com dois e serdes

precipitados na geena do fogo, — 48, onde o verme que os rói não

morre e o fogo jamais se extingue, — 49, pois todos terão que ser

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 89

salgados com fogo, como toda vitima tem que ser salgada com sal.

— 50. O sal é bom, mas, se se tornar insípido, com que temperareis?

Tende sal em vós e entre vós guardai a paz.

Lucas: V. 1. Disse Jesus a seus discípulos: É impossível que não

venham escândalos; mas ai daquele por quem vêm os escândalos. —

2. A esse melhor fora lhe atassem ao pescoço uma mó de moinho e o

lançassem ao mar, do que escandalizar a um destes pequeninos.

N. 204. (Mateus, v. 6; Marcos, v. 42; Lucas, v. 2). Aquele

que escandaliza a uma criança, aquele que, pelas palavras e

exemplos, arrasta um de seus irmãos, por mais ínfimo que o

julgue, a praticar o mal, seja por atos, seja por pensamentos, se

torna culpado perante Deus, não só da falta em que, assim

procedendo, incorreu, mas também das em que tenha feito

incorrer os outros e as expiará.

Destruí em vós todas as raízes do pecado, isto é, tudo o que

vos leve a infringir a lei divina; arrancai de vossos seres tudo o

que vos possa, de qualquer maneira, induzir ao mal. Tratai de

compreender bem o sentido figurado das palavras de Jesus: —

destruí nas vossas almas todas as causas do mal, qualquer que

seja o sofrimento humano que vos possa isso causar. Mais vale

que sofrais durante alguns dias da vossa miserável existência,

rompendo com os vícios, do que vos arriscardes a sofrer, por

séculos, na vida errante do Espírito culpado. Considerai que o

fogo, que devora, não se extingue, e que o verme, que rói, não

morre.

Imagens são estas de uma dor ardente, incessante, que

consome o Espírito, sem jamais o reduzir a cinzas; de uma

tortura de todos os instantes da sua vida na erraticidade, sem

que lhe sorria a esperança de ver-lhe o fim. A esperança é gota

d'água que cai nas terras áridas, é o maná que o faminto

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90 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

apanha do chão, é o bálsamo que se deita na chaga sangrenta.

O culpado não a pode sentir até que o arrependimento lhe haja

aberto o coração para aninhá-la.

(Mateus, v. 7; Marcos, v. 42; Lucas, v. 2). É impossível que,

no seio da humanidade, não se encontrem Espíritos menos

adiantados, ou mais obstinados no mal do que outros e que não

provoquem o escândalo pelos seus atos maus, pelos seus maus

conselhos e maus exemplos. Ai deles! melhor fora que,

reconhecendo a sua inferioridade moral, não houvessem

encarnado em meios muito elevados, em pontos, para eles,

muito civilizados do planeta, pois que seus vícios e sua

ignorância podem induzir ao mal os que os cercam e causar

escândalo, detendo a estes os passos e arrastando-os à queda.

Melhor fora que não houvessem encarnado, que tivessem

esperado acharem-se mais amadurecidos para uma vida

melhor, porquanto terão que sofrer o castigo correspondente

ao orgulho que os domina e aos seus maus pendores.

Prevenidos, que são, antes de encarnarem, das consequências

boas ou más da encarnação que pedem, cientificados de que as

más preponderarão, dadas as tendências naturais do Espírito,

os que se obstinam em reclamá-la aceitam de antemão a

solidariedade com a conduta que tiverem. Assinam uma letra

que hão de pagar no dia do vencimento.

Aos Espíritos é concedido escolherem livremente os

mundos onde queiram encarnar, contanto que não saiam dos

limites que lhes traça o grau do desenvolvimento que

atingiram. Um Espírito que sai da classe em que lhe compete

estar não o faz sem ser prevenido das consequências que lhe

pode acarretar a sua temeridade. Se essa mudança de classe

viesse a ser prejudicial aos outros homens; se, principalmente,

obedecesse a um propósito de viciosa maldade, tivesse por

único fim causar dano àqueles entre os quais o Espírito viria a

viver no mundo, ele seria impedido de sair da sua esfera, isto

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 91

é: de encarnar fora da categoria daqueles em cujo meio se

acharia entre seus iguais no adiantamento, na inteligência, na

moralidade.

Assim, essas encarnações de um Espírito entre outros de

ordem superior, relativamente à que ele ocupa, se originam de

duas causas: do desejo que tem o Espírito de progredir, desejo

temerário, mas sincero no momento em que escolhe a

encarnação; conveniência de ferir, para fazê-los progredir, ou

os povos, ou as famílias em cujo seio tais encarnações se

verificam. A intromissão desses seres inferiores no meio de

outros encarnados serve sempre para castigo, para expiação e,

por conseguinte, para o progresso dos que se tornam suas

vítimas e, mais ainda talvez, para o progresso dos que lutam

contra os maus exemplos, os maus conselhos e triunfam. Serve

também para a moralização e o progresso do Espírito inferior

que encarnou fora da sua classe. Pela sua convivência,

enquanto encarnado, com outros Espíritos de ordem mais

elevada, ele cria relações úteis, recebe na sua alma boas

sementes, que acabarão por germinar.

Nem sempre, pois, a faculdade do livre-arbítrio é absoluta

quanto à escolha das provas. Ela sofre limitações. Ao Espírito

que deseje progredir, por mais atrasado que seja, se deixa a

escolha dos meios de o conseguir. Apenas é guiado nessa

escolha. Mas o Espírito que, apesar de tudo, continua

perverso, esse sofre, oportunamente, o castigo e as provas que

lhe são infligidas. O que persevera no mal se vê constrangido a

esperar que lhe seja permitido reencarnar. Algumas vezes

mesmo não o quer, porém sofre à força a encarnação, como

meio de se desenvolver e depurar. então, encaminhado para

um meio de antemão escolhido para tal efeito, de modo que a

encarnação lhe aproveite e concorra ao mesmo tempo para o

adiantamento dos que o recebem em seu seio.

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92 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Assim, não diz a verdade quem afirma que o Espírito usa

sempre do livre-arbítrio quanto à faculdade de encarnar ou não

e quanto às provações, quaisquer que sejam na sua perversi-

dade, suas intenções e o fim malfazejo que se proponha atingir

pela reencarnação. O exercício livre daquela faculdade, a liber-

dade na escolha constituem a regra, é o que se dá na maioria

dos casos. Mas, há exceções, de harmonia com a natureza dos

que a tais exceções dão lugar. Se fora sempre voluntária a

encarnação de Espíritos endurecidos no mal, isso acarretaria

perturbações nas leis que regem o progresso de todos.

Viveis num meio composto de Espíritos inferiores em a sua

generalidade, num meio onde poucos se contam elevados.

Entre os primeiros, alguns há muito culpados, que cometem

escândalos. Ai deles! Porquanto terão que os expiar.

São uma pedra de toque para os que se acreditam com força

bastante a resistir às suas tentações, aos maus exemplos. Estes,

por seu turno, se os traiu a confiança que em si mesmos

depositavam, se não se mostram suficientemente fortes para

resistir, também terão que expiar, não só as faltas cometidas,

mas ainda o orgulho que os induziu a procurarem uma prova

mais difícil do que deveriam ser as suas.

Necessário é, portanto, que haja escândalos no mundo, pois

que é pelo contato com os vícios que as virtudes se fortalecem

e deles triunfam. Mas, ai dos que ocasionarem o escândalo!

Ai, também, ainda que menor lhes seja a culpa, dos que se

deixam levar até ao escândalo.

Doçura, fé, bons exemplos, tais as armas de que vós outros,

espíritas, vos deveis utilizar para propagar a nova revelação.

Bom êxito alcançareis, com elas, entre muitos de vossos irmãos.

Mas, nem todos se acham ainda amadurecidos. Deveis falar

desassombradamente das vossas crenças, assentá-las nas suas

bases. Fazei-o, todavia, com brandura e persuasão. Se, porém,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 93

encontrardes naturezas obstinadas (e as há muitas), deixai-as.

O tempo fará, ou nessa mesma existência, ou em outras, com o

auxílio da reencarnação, o que não tiverdes podido conseguir.

O futuro é longo: toda a eternidade se contém nele.

(Mateus, vv. 8-9; Marcos, vv. 43-48). Aquele que vive

engolfado nos vícios não entra na vida eterna. Após a morte do

corpo, terá uma existência espírita limitada e toda de

sofrimento. Dela só sairá, uma vez que se tenha arrependido,

para recomeçar, a título de provação e de expiação, uma nova

existência terrena.

Contrariamente, aquele que soube despojar-se das causas de

faltas a que poderia ser arrastado, esse entra na vida espírita

vendo desdobrar-se a seus olhos o futuro que lhe está

reservado. Entra, conseguintemente, no reino dos céus, isto é:

na senda que conduz à perfeição, pois que a Terra se lhe apaga

da vista, desde o momento em que o grau de pureza que haja

atingido lhe permita compreender a vida eterna, que é a vida

espírita — vida normal do Espírito na imensidade.

Chegado a esse ponto, pode dar-se que lhe cumpra passar

por uma nova existência na Terra. Essa, entretanto, não será

mais uma existência expiatória. Ser-lhe-á concedida para o

desempenho de uma missão, o que representa, para tal

Espírito, se ainda não atingiu a perfeição moral, uma prova. Se

já alcançou essa perfeição, a nova existência lhe servirá para

auxiliar a realização de um progresso científico, para realizá-lo

ele próprio, a fim de galgar, em adiantamento intelectual, o

grau a que ascendera em adiantamento moral.

O Espírito pode ser muito adiantado sob o ponto de vista

moral e muito ter ainda que avançar no tocante aos

conhecimentos, embora, por ter chegado desse lado a certa

altura, nada mais possa adquirir na Terra. Isto nada importa,

porque, primeiramente, o vosso mundo não é o único apro-

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94 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

priado às encarnações materiais. Conquanto nunca penseis

senão no minúsculo ponto em que habitais, inumeráveis se

reconhecerá que são os mundos daquela categoria, desde que

se considere serem inúmeras as diferenças, as condições várias

e os diversos graus através dos quais, por gradações insensíveis,

se vai da matéria compacta ao estado fluídico.

Em segundo lugar, os progressos que o Espírito possa impri-

mir às ciências, no vosso ou noutros mundos, quando vise um

fim humanitário, se decuplicam, para ele, com a sua volta ao

estado espírita. O que, na prisão de carne, esboçou, se aperfei-

çoa subitamente, desde que a liberdade lhe é restituída. O

artista, constrangido num espaço acanhado, modela a estatueta

cuja criação ideou, dá-lhe depois, quando vem a encontrar-se

livre daquele constrangimento, proporções gigantescas, visto

ter ao alcance das mãos todos os materiais necessários e em

torno de si o ar, o espaço e grandioso cenário.

(Marcos, v. 49). O fogo exprime emblematicamente a

expiação como meio de purificação e, portanto, de progresso

para o Espírito culpado.

O sal, entre os Hebreus, era o emblema da purificação de

toda vítima oferecida em oblata ao Senhor.

Jesus, a fim de ser compreendido das inteligências a que se

dirigia, compunha a sua linguagem figurada, recorrendo aos

costumes ou aos preconceitos e tradições hebraicas para as

comparações de que precisasse servir-se, conforme os casos.

Como sabeis, os Espíritos que faliram, os Espíritos

culpados, para se despojarem das impurezas morais, têm que

sofrer, nos mundos inferiores, com um fim de expiação, de

reparação e de progresso por meio de provações, a encarnação,

as reencarnações sucessivas, precedida cada uma destas, em

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 95

consequência da anterior, da expiação no mundo espírita, por

meio de sofrimentos e torturas morais apropriados e propor-

cionados aos crimes e faltas cometidos.

Uma vez purificados de tudo o que para eles e para seus

irmãos constituía “motivo de escândalo”, não mais têm que

“ser salgados com o fogo”, ou que ser precipitados na “geena

do fogo”, onde o verme que rói não morre e o fogo nunca se

extingue. Continuam a avançar pela senda do progresso moral

e intelectual, mediante reencarnações sucessivas, porém não

mais expiatórias. Reencarnam em mundos cada vez mais

elevados, moradas de paz e de felicidade, até que, por se haver

nulificado neles a influência da matéria, se tenham tornado

puros Espíritos.

(Marcos, v. 50). Tende valor próprio, mas que o mérito de

cada um não se torne fonte de discórdias, pois que o Senhor

poderia, pela natureza da encarnação, destruir esse mérito.

Ficareis sendo então como o sal que perdeu o sabor, isto é:

nulos.

Trate cada um de adquirir valor aos olhos de Deus e dos

homens. Se todos os vossos esforços tenderem a esse fim,

sereis forçosamente levados a progredir. Mas, não vos

orgulheis desse valor, visto que, por grande que o julgueis ou

que pareça aos outros homens, pouco sabor tem ele para Deus.

Não o façais perder esse pouco sabor, tornando-o insuportável

aos que vos rodeiam. Não esqueçais nunca que nada sois

diante do Ser supremo e que é somente tendo em vista o seu

juízo que deveis aspirar a tornar-vos alguma coisa. Não

procureis que os outros o percebam e ainda menos que o

admirem. Ao contrário, na humildade do vosso coração,

cuidai de aumentá-lo por forma tal que o vosso pai o julgue

bastante grande pelo progresso intelectual e sobretudo moral

que haja determinado em vossos irmãos e em vós mesmos.

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96 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(MATEUS, v. 10). Tende cuidado, dizia Jesus a seus

discípulos, em não desprezar a um destes pequeninos, pois vos

digo que seus anjos, no céu, veem sempre a face de meu pai,

que está, nos céus.

Não esqueçais que Jesus falava quase sempre por figuras.

Apresentava aos discípulos a infância como emblema da

pureza e da virtude. Ora, os Espíritos protetores dos homens

puros e virtuosos são Espíritos elevados que, pela sua mesma

elevação, mais se podem aproximar da luz. O estado de pureza

que atingiram lhes permite comunicar com os Espíritos mais

elevados, mensageiros dos puros Espíritos, dos Espíritos

perfeitos que “veem” Deus.

Mas, repetimo-lo, Jesus falava em estilo figurado. Os

Espíritos que se aproximam do Senhor e o “veem” são

extremamente elevados para descerem até à humanidade. Mais

geral e extensa é a missão que desempenham. Projetam sobre

os mundos as claridades que irradiam do Senhor e que nós vos

transmitimos diminuídas para que as possais suportar.

(MATEUS, v. 11). “O filho do homem veio salvar o que

estava perdido”.

Ao pronunciar estas palavras, Jesus compreendia no seu

pensamento o passado, a época em que falava e o futuro.

A lei fora dada aos homens para guiá-los, mas os homens

abusaram da lei. Não obedeciam mais aos mandamentos,

desfiguravam os preceitos e faziam das tradições o

fundamento de seus dogmas. Jesus viera salvar os que se

haviam extraviado, os que se tinham perdido. Abriu-lhes uma

estrada nova em seguimento da de que eles se tinham afastado.

Porém, também essa nova estrada ficou atravancada de

dogmas, de tradições, de interpretações, escombros do edifício

que o Mestre elevara a tão grande altura com extrema simpli-

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 97

cidade e clareza, proclamando entre os homens e para a huma-

nidade inteira que toda a lei e os profetas se contêm nestes dois

mandamentos: — amor a Deus acima de todas as coisas e

amar o próximo como a si mesmo, dos pontos de vista

material, moral e intelectual, mandamentos que implicam a

observância dos preceitos do Decálogo. Preceituando aos

homens a prática desse duplo amor, abstração feita de todos os

diversos cultos exteriores, prescrevia-lhes que não adorassem

o pai nem no alto do monte, nem em Jerusalém, que se

tornassem os adoradores que o pai quer ter, seus adoradores

em espírito e em verdade. Por este modo, todos se farão servos

e membros da Igreja do Cristo, cujo templo é o vosso planeta e

cujos fiéis são os que praticam aquele duplo amor, com

simplicidade de coração, humildade de espírito, desinteresse,

atividade e devotamento, trabalhando assim, pelo exemplo e

pela palavra, para que se cumpra a promessa do Mestre, a de

haver um só rebanho conduzido por um só “pastor”.

Jesus vem de novo em busca do que estava perdido, salvar

o que se perdera. Vem, por meio da nova revelação e por

intermédio dos Espíritos do Senhor, reconduzir à estrada, em

nome do Espírito da Verdade, o que se havia perdido. Cuidai,

desta feita, de não mais vos desviardes, pois que, quanto mais

avançais, com mais retidão deveis caminhar.

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98 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 12-14.

— LUCAS, Cap. XV, vv. 1-10

Ovelha desgarrada. — Dracma perdida.

MATEUS: V. 12. Que vos parece? Se um homem tem cem

ovelhas e uma delas se desgarra, ele não deixa as outras noventa e

nove nos montes para ir procurar a que se desgarrou? — 13. E se

acontece que a encontre, em verdade vos digo que essa ovelha lhe

dará mais alegria que as outras noventa e nove que não se

extraviaram. — 14. Assim, não é da vontade de meu pai que está

nos céus que pereça um só que seja destes pequeninos.

LUCAS: V. 1. Os publicanos e os pecadores se aproximaram de

Jesus para ouvi-lo. — 2. E os fariseus e os escribas murmuravam,

dizendo: Este homem recebe os pecadores e come com eles. — 3.

Jesus então lhes propôs esta parábola: — 4. Qual dentre vós aquele

que, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixará as outras

noventa e nove no deserto, para ir procurar a que se perdeu até achá-

la? — 5. E que, encontrando-a, não a carregará nos ombros cheio de

alegria? — 6. Esse tal, voltando a casa reúne seus amigos e vizinhos

e lhes diz: Congratulai-vos comigo, pois achei a minha ovelha que

se perdera. — 7. Eu vos digo que, igualmente, mais alegria haverá

no céu por ter um pecador feito penitência do que por causa de

noventa e nove justos que não precisam fazer penitência. — 8. Ou,

qual a mulher que, tendo dez dracmas e perdendo uma, não acende a

sua candeia, não varre a casa e não procura com cuidado a moeda

até a encontrar? — 9. Uma vez que a encontre, ela reúne suas

amigas e vizinhas e lhes diz: Regozijai-vos comigo, pois encontrei a

dracma que havia perdido. — 10. Do mesmo modo, haverá, eu vos

digo, grande júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faça

penitência.

N. 205. O pensamento que ditou a parábola da ovelha

desgarrada é o mesmo do da dracma perdida. Visam o mesmo

fim os ensinamentos que resultam de ambas. Somente a da

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 99

dracma perdida objetivava especialmente os pobres a quem

Jesus falava.

Ele viera em socorro dos que fraquejavam, ou que,

apavorados com os obstáculos do caminho, retrogradavam. O

pai de família cuida com ternura do filho doente e o coração se

lhe alvorota de ventura quando o vê restabelecido.

Foi o que fez o filho bem-amado do pai, durante a sua

missão terrena. Era o que fazia antes que descesse a desem-

penhar essa missão, desde que o homem surgiu no vosso

planeta, a cuja formação ele presidiu e do qual é o protetor, o

governador, o senhor. É o que continuou a fazer depois do

desempenho daquela missão e faz ainda agora, por intermédio

dos Espíritos do Senhor, dos enviados do pai, dos missionários,

encarnados e errantes, que, sob a sua direção, sempre traba-

lharam e trabalham pelo progresso da humanidade terrena.

Todos os seus cuidados, todo o seu amor se hão

concentrado e concentram nas suas “ovelhas”. Mas, sobre as

que sofrem, sobre as que um mau "pastor" deixou se

perdessem, é que mais ativamente se exerce a sua vigilância.

Ele as procura, fala para que lhe elas escutem a voz e grande é

a sua alegria quando a sua voz amorosa consegue ecoar no

coração daquele que se “perdera”. Oh! então, o bom pastor

corre para a ovelha que respondeu ao seu chamamento e,

tomando- a nos braços, a reconduz ao aprisco, para que não

mais se aparte do “rebanho”.

Compreendei bem o sentido e o alcance destas palavras de

Jesus:

“Eu vos digo que igualmente mais alegria haverá no céu

por ter um pecador feito penitência, do que por causa de

noventa e nove justos que não precisam fazer penitência. —

Do mesmo modo haverá, eu vos digo, grande alegria entre os

anjos de Deus, por um pecador que faça penitência”.

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100 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Jesus, aludindo à alegria de encontrar a ovelha desgarrada,

não procura desviar do bom caminho os “justos”. Entendei por

“justos”, não os que jamais fraquearam, porquanto não há,

encarnadas no vosso planeta, criaturas que nunca tenham

cometido faltas, mas os que deixaram de fraquear, ou, melhor,

os que fazem esforços sérios, constantes e porfiados por não

mais fraquejarem.

Muitos há que, não compreendendo o sentido e o alcance

dessas palavras do Mestre, lhes imputam o defeito de

concorrerem para destruir o amor do bem naqueles que se

esforçam por manter-se na senda do bem, com o lhes

apresentarem o culpado que se arrepende como mais precioso

do que o justo.

Não, elas exprimem tão-somente o carinho de Deus para com

todas as criaturas, carinho que lhe faz experimentar frêmitos

de alegria sempre que volta ao redil uma ovelha desgarrada.

Estas últimas palavras “carinho que lhe faz experimentar

frêmitos de alegria, etc.” — são simbólicas. O Senhor, pela sua

infalível previdência, sabe sempre que todos vós voltareis ao

seu seio, assim como sabe quando voltareis. Conseguintemente,

aquela alegria, aqueles frêmitos de alegria devem antes ser

atribuídos aos Espíritos encarregados de vos reunir. Vós, que

tendes tido algum de vossos filhos gravemente enfermo, não

experimentastes, quando o vistes curado, transportes de

ventura e de reconhecimento a Deus, transportes a que jamais

os outros filhos deram lugar? E todavia não consagrais àquele

mais amor do que a seus irmãos.

Dado que ele venha a crescer denotando tendências más,

enquanto que os irmãos se conservam no bom caminho, não

concentrareis todos os vossos esforços, toda a vossa solicitude

nesse filho que poderia transviar-se, perder-se, segundo a

maneira de ver do mundo? E, se os vossos esforços forem

coroados de êxito, dizei-nos: não experimentareis grande

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 101

alegria? Contudo, não lhe consagrais mais amor do que aos

outros. É que as dificuldades vencidas, as vitórias alcançadas

aumentam o valor da obra realizada.

Os que dizem que aquelas palavras de Jesus concorrem para

destruir o amor do bem nos que se esforçam por manter-se na

senda do bem, com o lhes apresentarem o culpado que se

arrepende como mais precioso do que o justo, esses não

compreendem nem o sentido, nem o alcance de tais palavras.

Não, cada um obtém sempre de conformidade com as suas

obras. Mas, a nós, Espíritos encarregados de vos reunir,

Espíritos aos quais Jesus dava a designação de “anjos de

Deus”, a nós que velamos sobre vós, como sobre as ovelhas

vela o pastor, que fazemos os maiores esforços por vos

arrebanhar sob as vistas do Mestre, a nós nos é permitido o

júbilo quando encontramos uma ovelha que se perdera e que

conduzimos ao aprisco.

Jesus disse e nós o repetimos: Não é da vontade de meu pai

que está nos céus que qualquer destes pequeninos pereça.

Nenhuma criatura do Senhor permanecerá afastada dele.

Todas, mais cedo ou mais tarde, virão reunir-se a seus pés.

Diante de vós se desdobra a eternidade. Trabalhai por

conquistar o lugar que vos está reservado na vida eterna.

Quanto mais depressa o obtiverdes, tanto mais rapidamente

entrareis nessa existência de felicidade, onde tudo é atividade,

caridade, amor, ciência e progresso.

Se os “príncipes da Igreja” houvessem querido compre-

ender as palavras de Jesus, não teriam insistido na “eternidade

das penas” nem na “queda dos anjos”, queda que lhes serviu

de base para o dogma da condenação eterna. É um duplo erro,

nascido da letra que mata e condenado pelo espírito que

vivifica. É um duplo erro que o progresso das inteligências e a

consciência moderna já condenaram como uma monstru-

osidade, uma falsidade, em face da onipotência, da justiça, da

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102 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

bondade e da misericórdia infinita de Deus; de Deus, o

supremo ser, o criador do universo, o soberano Senhor, pai de

todos e de tudo o que existe; de Deus, cujo amor universal,

infinito, abrange todas as suas criaturas; de Deus, que olha

com paternal afeto tanto para o oução, como para o rei da

terra. É um duplo erro que a nova revelação vem condenar, em

nome de Jesus, por intermédio dos Espíritos do Senhor, órgãos

do Espírito da Verdade.

N. 206. Dizem alguns: Na parábola da ovelha perdida e

encontrada, na alegria do pastor que acha de novo a ovelha que

ele tomara sob sua guarda e à qual ama, alguma coisa há de

comovente; ao passo que a alegria da mulher, que encontra

novamente a dracma que havia perdido, é um sentimento todo

material, que pouco interesse inspira. Com o primeiro assunto

se comporia um quadro encantador, o que não se conseguiria

com o segundo.

Os que assim se expressam não compreendem o pensa-

mento de Jesus, nem o fim que ele colimava. Deveriam refletir

e procurar compreender, antes de criticar a palavra do Mestre.

Jesus, como já dissemos, falava aos pobres, não o

esqueçais. O pensamento principal, dominante, na parábola da

dracma perdida, corresponde ao sentimento que domina a

classe pobre, para a qual a mais insignificante quantia tem uma

grande importância, pelas dificuldades que aos dessa classe se

deparam para obtê-la, sendo-lhes preciso ganhá-la penosa-

mente. O sentimento material que, naquela parábola, é apenas

o seu instrumento, tem grande interesse, porquanto ele visa

tornar compreensível à classe pobre que tudo que estiver

perdido, do ponto de vista espiritual, deve ser procurado com

ardor igual ao que a anima a procurar uma moeda de pequeno

valor e deve causar, quando encontrado, alegria igual à que

produz o achar-se a moeda que se perdera.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 103

Assim, o arrependimento por haver desprezado as virtudes

e, consequentemente, por haver cultivado os vícios, que as

substituíram, constitui para o homem o meio e o caminho

pelos quais “tornará a encontrar” o que perdeu. Esse

arrependimento fará ainda com que ele se sirva do que havia

perdido e que de novo encontrou para alimentar sua alma, a

fim de que progrida moral e intelectualmente.

Oh! Então, para nós, Espíritos do Senhor, “anjos de Deus”,

na frase do Mestre, grande será a alegria! Quanto temos

procurado a dracma perdida! Quanto somos felizes por a

termos encontrado e podermos dizer aos homens: Filhos, que

tanto amamos, ainda temos nas mãos a fonte do alimento que

sustenta, não o corpo perecível, mas a alma imortal, temos

com que vos alimentar, fortificar, engrandecer, até que estejais

bastante fortes para chegardes a Deus.

Falam de quadros e não podem admitir a alegria da mulher

que torna a encontrar a parte, que havia perdido, de seus

haveres! Olhai a pobre mãe cercada de míseros filhinhos e

cujo marido vai regressar do trabalho exausto de fadiga. Como

lhe há de ela dizer que uma das dez dracmas, tão penosamente

ganhas, esperança e meio de sustento da família, se perdeu?

Impossível. A mãe valorosa não se deixa abater pelo

desânimo. Procura, procura por fim acha a dracma perdida,

instrumento do bem-estar de seu marido e de seus filhinhos.

Que alegria poderá ser maior do que a sua? Pois não tem ela

de novo com que dar ao marido e aos filhos, durante todos

aqueles dias para os quais a moeda ganha assegurará a

alimentação, o pão que os sustentará e fortificará?

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104 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XV, vv. 11-32

Parábola do filho pródigo.

V. 11. Disse ainda: Um homem tinha dois filhos. — 12. O mais

moço disse ao pai: Meu pai, dá-me a parte que me há de tocar dos

teus bens. E o pai repartiu com os dois os seus bens. — 13. Poucos

dias depois, o filho mais moço reuniu tudo o que era seu, partiu para

um país estranho e muito distante e aí dissipou os seus haveres em

desregramentos e deboches. — 14. Quando já havia dissipado tudo,

grande fome assolou aquele país e ele começou a passar privações.

— 15. Foi então e entrou para o serviço de um dos habitantes do

país, o qual o mandou para uma sua fazenda a apascentar os porcos.

— 16. Aí, muito gostaria ele de encher a barriga com as landes que

os porcos comiam, mas ninguém lhes dava. — 17. Afinal, caindo em

si, disse: Quantos jornaleiros há, na casa de meu pai, que têm pão

em abundância, enquanto que eu aqui morro de fome! — 18.

Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e lhe direi: Meu pai, pequei

contra o céu e contra ti. — 19. Não mais sou digno de que me

chames teu filho; trata- me como a um dos teus jornaleiros. — 20. E

levantando-se, foi ter com o pai. Vinha ele ainda longe quando este

o viu e, tomado de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe

ao pescoço e o beijou. — 21. Disse-lhe o filho: Meu pai, pequei

contra o céu e contra ti; não sou mais digno de que me chames teu

filho. — 22. O pai disse, porém, a seus servos: Trazei-me depressa a

melhor das roupas e vesti-a nele; ponde-lhe um anel no dedo e

calçado nos pés; — 23, trazei também um novilho gordo e matai-o;

comamos e regozijemo-nos; — 24, pois que este meu filho estava

morto e ressuscitou; estava perdido e foi achado. E começaram a

festejar o acontecimento. — 25. O filho mais velho, que estava no

campo, ao aproximar-se de casa, ouviu música e rumor de dança. —

26. Chamou um dos servos e perguntou o que era aquilo. — 27. O

servo respondeu: É que teu irmão voltou e teu pai mandou matar um

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 105

novilho gordo por tê-lo recobrado são e salvo. — 28. O rapaz se

indignou e não queria entrar. O pai saiu e se pôs a lhe pedir que

entrasse. — 29. Ele, porém, disse: Já lá se vão tantos anos que te

sirvo, sem jamais haver transgredido ordem tua e nunca me deste

um cabrito para que eu me banqueteasse com meus amigos. — 30.

No entanto, ao regressar o teu outro filho, que esbanjou todos os

seus bens com meretrizes, logo lhe matas um novilho gordo. — 31.

Meu filho, disse o pai, estás sempre comigo e o que é meu é teu; —

32, mas, pelo que respeita a teu irmão, era preciso que nos

banqueteássemos e rejubilássemos, porquanto ele estava morto e

ressuscitou, estava perdido e foi achado.

N. 207. De há muito o pai de família repartiu entre vós os

bens que vos tocavam. Deu a cada um a sua parte. Que fizestes

delas? Em vez de lhe testemunhardes o vosso reconhecimento,

o vosso amor, esbanjastes os tesouros que ele vos entregou. A

parte que vos cabe na herança é a ciência, a virtude, a vida

eterna diante do Senhor. Perdestes, dissipastes esses tesouros

com as meretrizes e os companheiros de deboches, isto é, nos

vícios de toda espécie, em que vos chafurdastes. Depois, a

fome se fez sentir, pois que ela é grande no país em que

habitais. Compreendestes, então, que precisáveis “viver” e

procurais voltar à “casa paterna”. Não pareis no caminho, visto

que, por mais culpados e miseráveis que sejais, por mais

despidos que estejais, o “Pai de família” vos receberá de

braços abertos e seus servos se apressarão a festejar o regresso

do filho.

N. 208. Que se deve pensar da opinião dos que pretendem

que, em face dos vv. 14-18, ao pecador, que é o filho pródigo,

o arrependimento e a necessidade de voltar para casa paterna

vêm, não do amor do bem, mas do desejo de trocar os

tormentos da miséria pela satisfação do bem-estar?

O homem sempre esquece que o corpo oculta a alma e que,

nos ensinamentos de Jesus (salvo algumas exceções, aliás de si

Page 60: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

106 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

mesmas claras), o corpo não é senão a figura da alma. Ele

usava, com relação ao corpo, de palavras figuradas, que só se

devem aplicar à alma.

Sim, depois de haver esbanjado todos os tesouros que tinha

em si mesmo, tesouros de força, de ciência, de sabedoria;

depois de haver dissipado o seu tempo e a sua inteligência, o

filho pródigo sente a fome que o avassala. Faz-se o vácuo no

seu íntimo, domina-o invencível tédio e ele se põe ao serviço

das más paixões que o esgotam, sem que suas repugnantes

escórias o alimentem. Só então, sofrendo os efeitos da

miserável condição em que se encontra, pensa, cheio de

amargura, em tudo o que perdeu. Só então se lembra do pai, do

seu Deus, tão bom, tão terno, único capaz de lhe restituir os

tesouros perdidos.

Nesse momento, humilde e arrependido, dirige-se ao

Senhor, dizendo: Meu Deus, meu pai, pequei contra ti, julguei-

me bastante forte para, dispensando conselhos e proteção,

dispor à minha vontade das riquezas que me entregaste;

reclamei-as antes de tempo, quando delas ainda me não sabia

servir; esgotei-as, meu Deus, e agora eis-me aqui, despojado

de tudo, sem mais possuir a inteligência que guia, o amor da

ciência, que eleva, a força de lutar, que engrandece.

Tenho fome, devora-me a fome do futuro. Sinto que não me

criaste para viver nesta abjeção, as minhas aspirações te

buscam, só tu podes reparar as minhas perdas.

Oh! meu pai, abre teus braços paternais para acolher o filho

arrependido, restitui à minha alma a força, a inteligência, o

amor, a fim de que, compreendendo cada vez mais vivamente

as culpas em que incorri para contigo, cada vez mais me

esforce pelas reparar.

N. 209. Tendo-se em vista estas palavras de Jesus (Lucas,

XIV, vv. 24-35): “O sal é bom, mas se o sal se torna insípido,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 107

com que temperareis? Não servirá mais nem para a terra nem

para os adubos, e será, por isso, posto fora; que ouça aquele

que tiver ouvidos de ouvir”, qual o sentido e o alcance da

parábola do filho pródigo?

Aquele, que persevera no mal, que recusa ouvir qualquer

conselho, é como a semente estéril: não presta para ser lançada

à terra, porque nada produzirá; não presta para ser lançada na

estrumeira, porque, devendo o estrume auxiliar a vegetação da

terra, o grão estéril que nele se lance, além de inútil para a

germinação das outras sementes, ainda se apropriará de uma

parte dos sucos nutritivos, para não dar mais do que uma erva

abundante e efêmera, nociva ao resto da plantação, sem nada

de proveitoso colher para si mesma.

O homem que se obstina no endurecimento fica incapaz de

produzir frutos, isto é, de dar exemplos úteis à moralização de

seus semelhantes. Absorve os cuidados e a atenção dos que se

lhe consagram, ficando esses cuidados e atenções, que em

nada lhe aproveitam, de nenhuma utilidade para outros

homens de boa-vontade.

Eis porque essas criaturas serão postas fora, isto é,

desterradas para mundos inferiores, como se faz com a

semente má, que é lançada ao fogo. Aí, passarão, para elas,

eternidades de prantos e de gemidos, pois que eternidades de

séculos amontoados são necessárias ao desenvolvimento e ao

aperfeiçoamento das terras primitivas, são precisas para que

estas atinjam, não o grau de superioridade a que se hão de

elevar, mas, apenas o nível em que vos achais.

A conversão de um pecador causa grande alegria aos que o

amam e esperam, porém não elimina as consequências da

ofensa feita. Simplesmente as atenua.

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108 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

De fato, que é a expiação? A consequência do mal prati-

cado, o esforço para o reparar.

Qual o Espírito arrependido que não conserva, seja qual for

o perdão obtido, lembrança tanto mais amarga de suas faltas,

quanto maior se tenha manifestado a bondade do Senhor?

Qual o Espírito que não tentará fazer voluntária e alegre-

mente tudo o que possa por apagar os traços de um passado

que o aflige e por merecer os favores de que se sente objeto?

A consciência do homem honesto não lhe brada quando,

por um arrastamento qualquer, ele se afasta do caminho que

reconhece ser o único honroso? E qual o seu maior desejo,

senão o de reparar o mal que causou, apagando-o com o bem?

Ora, se isto é o que se dá com alguns de vós outros, que não

será em se tratando de Espíritos cujos sentidos alcançaram

uma sutileza e um desenvolvimento extremos?

A justiça do Senhor segue sempre o seu curso no tocante à

expiação e à reparação, que constituem, para o Espírito

culpado, as sendas da purificação e do progresso. Mas, aquele

que volta sobre seus passos consegue atenuar o futuro, não o

esqueçais nunca.

N. 210. Quais, na parábola, o objeto e o fim dos versículos

26-32, relativos ao filho mais velho do pai de família?

(vv. 26-27). A resposta do servo ao filho mais velho, que o

chamara para interrogá-lo, tem por fim mostrar o acolhimento

que o Senhor dispensa àquele cujo arrependimento é sincero,

as alegrias que lhe proporciona, os socorros espirituais que lhe

concede, por efeito desse arrependimento, que o coloca, em

condições de avançar, sem mais desfalecimentos nem paradas,

pela estrada de que se desviara.

(vv. 28-29-30). A réplica do filho mais velho do pai de

família, quando este lhe pedia que entrasse na sala da festa,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 109

tem por fim mostrar a tendência do homem para a inveja, para

o egoísmo, inveja e egoísmo que o levam a ter ciúmes do que é

feito a seus irmãos, considerando-se superior a estes. Aquela

resposta põe em destaque esse egoísmo e essa inveja. Não

percebendo as graças que cotidianamente lhe são dispensadas,

o homem inveja as que julga concedidas aos outros.

Que recompensa lhe deve o Senhor? Não basta lhe conceda

participar de suas graças? Notai que a festa celebrada por

motivo do regresso do rapaz nenhum compromisso envolve

com relação ao futuro, de nenhum trabalho, de nenhuma

obrigação o isenta. Festejam-lhe a volta, mas amanhã, amanhã,

ele terá que ocupar o seu lugar, que trabalhar e trabalhar com

tanto mais zelo e atividade, quanto maior tenha sido o lapso de

tempo durante o qual esteve paralisada a obra que lhe cumpre

executar.

(vv. 31-32). As palavras do pai ao filho mais velho têm por

fim mostrar a igualdade de todos perante Deus. O pensamento

é idêntico ao da parábola dos trabalhadores da última hora.

O pai de família fizera entre os dois filhos a partilha de seus

bens. Cada um recebera parte igual da herança. Mas o que não

se afastara de casa viveu sempre em comum com o pai (o que

é meu é teu), isto é, aproveitando das graças já outorgadas e

recebendo diariamente novas graças. Como, porém, o hábito o

tornara indiferente, não as percebe e então sente inveja do que

vê fazer-se aos que voltam a colocar-se na mesma categoria

em que ele se acha.

“Teu irmão estava MORTO e RESSUSCITOU, diz o pai,

estava PERDIDO e foi ACHADO”.

O Espírito culpado, que se obstina no mal, está morto, no

sentido de que o seu estado é o emblema da morte. A morte, na

acepção legítima da palavra, é a cessação de todo movimento;

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110 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

logo, numa, acepção figurada, é a cessação de todo progresso.

O arrependimento o ressuscita, pondo-o em estado de retomar

a sua marcha ascensional. É assim que ele estava perdido e

que foi achado.

Notas da Editora — A palavra landes, que se encontra no

versículo 16, foi substituída por outros tradutores por — alfarrobas,

bolotas, vagens.

A dádiva do anel indicava que o pai não recebia o filho como

escravo, visto que naquela época os escravos não podiam usar anéis.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 111

LUCAS, Capítulo XVI, vv. 1-9

Parábola do mordomo infiel.

V. 1. Disse também Jesus a seus discípulos: Havia um homem

rico que tinha um mordomo e este perante ele foi acusado de lhe

haver dissipado os bens. — 2. Ele o chamou à sua presença e lhe

disse: Que é o que ouço dizer de ti? Dá-me conta da tua

administração, pois que não poderás mais administrar meus bens. —

3. Disse então o mordomo de si para si: Que hei de fazer, uma vez

que meu amo me tira a administração de seus bens? Não sei cultivar

a terra e de mendigar tenho vergonha. — 4. Já sei o que farei, a fim

de que, quando me houverem tirado a mordomia, encontre pessoas

que me recebam em suas casas. — 5. Chamou cada um dos que

deviam a seu amo e perguntou ao primeiro: Quanto deves a meu

amo? — 6. O devedor respondeu: Cem medidas de óleo. Disse-lhe o

mordomo: Toma a tua obrigação, senta-te ali e escreve depressa uma

outra de cinquenta. — 7. Perguntou em seguida a outro devedor: E

tu quanto deves? Respondeu esse: Cem alqueires de trigo. Toma,

disse ele, o documento que me deste e escreve um de oitenta. — 8. E

o amo louvou o mordomo infiel por haver procedido com

atilamento; pois os filhos do século são mais avisados no gerir seus

negócios do que os filhos da luz. — 9. E eu vos digo: Empregai as

riquezas de iniquidade em granjear amigos, a fim de que, quando

elas vierem a faltar-vos, eles vos recebam nos tabernáculos eternos.

N. 211. A comparação que esta parábola encerra não tem

sido compreendida. Jesus o que disse foi: Se o amo louva o

administrador infiel que, para garantir o futuro, trata de fazer

amigos entre os devedores de seu amo, aumentando-lhe as

perdas, que não fará o Senhor por aquele que cuidou de

preparar amigos para a vida eterna, empregando as riquezas

humanas em praticar o bem, em socorrer seus irmãos,

granjeando assim o reconhecimento e a afeição destes? A

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112 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

afeição e o reconhecimento quase que não têm curso, é certo,

no seio da humanidade, mas, no mundo dos Espíritos, grandes

e vivos são esses sentimentos.

Repetimos: Por esta parábola Jesus não ofereceu um

exemplo, como o pretenderam a malevolência e a ignorância

dos que se apegam a cada uma das letras de cada versículo.

Formulou apenas uma comparação.

N. 212. Em face do que acabais de dizer, quais são, em

espírito, o sentido e o alcance do v. 8: E o amo louvou o

mordomo infiel por haver procedido com atilamento?

Nessas palavras está o seguimento da comparação. Se o

homem pode louvar o seu servidor por se haver mostrado

previdente, embora procedendo fraudulentamente e em

contrário aos interesses que lhe estavam confiados, quão mais

indulgente não se mostrará o Senhor para com aquele que

houver empregado, como acabamos de dizer, suas riquezas

humanas em fazer o bem, granjeando desse modo amigos

reconhecidos, cujas ações de graças subirão qual incenso aos

pés do Altíssimo !

Tampouco se devem tomar ao pé da letra as palavras —

riquezas de iniquidade — usadas apenas para mais fortemente

ser tocada a inteligência dos homens materiais da época.

Aquele termo, expressivo do desprezo, foi empregado para

fazer sentir ao homem o pouco apreço que deve dar aos bens

terrenos, bens estes que, para a maioria, têm sido, são, ou serão

fonte de ações más.

Naquela época, o que sabia tirar partido dos aconteci-

mentos, ainda que praticando uma ação má, era qualificado de

hábil, de inteligente, considerando-se, ao contrário, tolo o que

se deixava arrastar pela corrente.

Não é desgraçadamente dessa maneira que ainda alguns

homens do vosso tempo consideram as coisas?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 113

Jesus procurou tornar compreensível, vulgarizar este

pensamento que mais uma vez repetimos: Pois que o homem

não hesita em aprovar a previdência de um de seus

semelhantes, mesmo quando essa previdência se traduz por um

ato fraudulento do qual é ele vítima, que não fará o Senhor por

aquele de seus filhos que tiver sabido empregar os bens

perecíveis e perigosos da Terra na conquista de amigos que lhe

advoguem a causa e o ajudem a entrar no refúgio eterno?

Mesmo que esse tenha sido culpado, suas boas ações lhe serão

contadas e suavizarão a pena reservada aos maus.

Pois os filhos do século são mais avisados no gerir seus

negócios do que os filhos da luz.

Fácil é de apreender o sentido dessas palavras: O homem

pensa muito mais no seu futuro material do que no seu futuro

espiritual.

Mesmo entre os que têm luz e nutrem o desejo de elevar-se,

maior é o número dos indiferentes, que deixam fugir as

ocasiões de alcançarem as graças do Senhor, do que, entre os

mundanos, o número dos que se descuidam de bem

encaminhar seus negócios e de assegurar o seu futuro material.

N. 213. QUAIS SÃO, em espírito, o SENTIDO e o

ALCANCE do v. 9: Eu vos digo: Empregai as riquezas de

iniquidade em angariar amigos, a fim de que, quando elas

vierem a faltar-vos, eles vos recebam nos tabernáculos

eternos?

Já o temos dito: Jesus considera “riquezas de iniquidade”

os bens terrenos, tantas vezes causa de males para o homem.

Assim sendo, ele vos diz: empregai esse elemento de faltas e

de más ações ou de funestas cobiças — em fazer o bem; dessa

fonte de males — fazei que emanem o reconhecimento e o

amor e nela podereis dessedentar-vos, porquanto, se bem

sejam maus os vossos atos e numerosas as vossas faltas,

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114 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

achareis amigos gratos pelo bem que lhes houverdes feito, os

quais vos ajudarão a suportar as consequências daquelas faltas,

vos assistirão nas ocasiões dos desfalecimentos e, sem cessar,

implorarão para vós a misericórdia divina.

N. 214. Eis a critica que hão feito dessa parábola do

mordomo infiel: “Um homem pretende despedir o seu mordo-

mo, por haver, ao que se diz, esbanjado os bens que lhe tinham

sido confiados. Acresce que o mordomo, para se livrar de

dificuldades futuras, junta às suas passadas infidelidades a

seguinte notável tratantice: Chama os devedores de seu amo e

combina com eles restituir-lhes os documentos que haviam

firmado, em troca de outros de menor valor. Assim, quem

devia 100 passa a dever apenas 50 ou 80 e desse modo o

mordomo garante o seu futuro, adquirindo amigos. Ora, o amo

foi informado (não se declara como) do procedimento do seu

empregado. Que pensais vai ele fazer? Que vai punir o servidor

desonesto, ou, pelo menos, despedi-lo? De modo algum; a úl-

tima maroteira mudou todas as suas intenções. Tal é o apreço

em que tem aquilo a que se dá o nome de esperteza, que louva

o infiel mordomo por haver procedido com atilamento. Não se

nos diz se o conservou; mas, facilmente se depreende que sim.

A conclusão se aplica ao emprego dos bens mal adquiridos.

Porém, não foi, como vemos, de bens mal adquiridos que o

mordomo infiel lançou mão para salvar o seu futuro; mas de

bens que lhe não pertenciam; foi tão-somente de bens do seu

amo. O ato que praticou é um roubo, nem mais nem menos”.

A explicação, do ponto de vista cristão, é esta: que se deve,

por meio de esmolas dadas aos pobres, santificar as riquezas

mal adquiridas.

A explicação não vale mais do que a crítica. É mesmo pior,

por isso que a crítica não visa senão julgar pelas palavras e

não pelo espírito. O único meio de reparar os desvios da

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 115

consciência, pelo que respeita ao que se adquire mal, consiste

na restituição.

Muito vos há de custar conseguir que as massas aceitem o

espírito despojado da letra.

Uns se agarram à letra por ignorância, outros por hostili-

dade. Não buscar o sentido do pensamento, adstringir-se às

palavras, é uma arma segura (assim pelo menos o creem) para

destruir com o ridículo aquilo que são incapazes de compre-

ender. Não é que falte inteligência aos que procedem desse

modo pelo prazer de destruir. O que há é que de seus escritos

eles excluem a boa-fé, ou então, se boa-fé existe, são o orgulho

e a ideia preconcebida, senão a impotência para da letra

tirarem o espírito, o que os transvia nas suas interpretações.

Nada mais temos que dizer, além do que pela terceira vez

repetimos: Não há nesta parábola um exemplo a seguir, como

o pretenderam a malevolência e a ignorância dos que se

apegam a cada uma das letras de cada versículo. Há apenas

uma comparação. Compara-se o juízo do homem relativa-

mente a uma ação má, que lhe merece louvores por considerá-

la hábil e prudente, com o juízo de Deus acerca dos que se

esforçam por fazer o bem, o que milita a favor deles, ainda

quando precedentemente tenham cometido faltas.

Atenda-se aos tempos, aos costumes e aos homens, a quem

Jesus falava, servindo-se do manto da parábola; não se separe

a primeira parte da que vimos estudando da parte que se segue

e que vai ser explicada e tudo se tornará compreensível. Tudo

será compreendido em espírito e em verdade, desde que se

compenetrem das explicações que temos dado e das que

vamos dar e também desde que se abstenham de supor,

apoiando-se na “letra que mata”, que o sublime modelo tenha

pensado em legitimar ou sequer aplaudir o roubo, em

sancionar ou aprovar a fraude, as más ações.

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116 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XVI, vv. 10-12

Continuação da parábola do mordomo infiel.

V. 10. Aquele que é fiel nas pequenas coisas sê-lo-á. também nas

grandes; aquele que é injusto no pouco também o é no muito. — 11.

Ora, pois, se não houverdes sido fiéis no tocante às riquezas de

iniquidade, quem vos confiará as verdadeiras? — 12. Se não fostes

fiéis com o alheio, quem vos dará o que é vosso?

N. 215. Este último período da parábola põe a nu o

pensamento de Jesus. Tendo-se servido de um termo de compa-

ração que as massas pudessem apreender e compreender, em

seguida, desfaz para os que se deem ao trabalho de pensar, a

aparência, que nas suas palavras pretendam achar, de aprovação

ao proceder do servo infiel. Ao contrário disso, ele ataca o que

prevarica, não só com os bens celestes, como ainda com os

bens materiais, quando diz:

“Aquele que é infiel nas pequenas coisas, também o será

nas grandes”.

Quer isto dizer: Aquele que deseja caminhar nas veredas do

Senhor nunca transija com a sua consciência, nunca considere

uma falta qualquer como demasiado leve para lhe merecer

atenção, um defeito qualquer como de somenos importância

para cuidar de corrigir-se dele, porquanto o que assim fizer

pouco a pouco irá escorregando pelo declive. Prevaricador das

leis eternas nas pequenas coisas, esse o será, depois, nas

grandes.

Vigiai sem cessar sobre vós mesmos, de modo que os

vossos atos materiais sejam tão irrepreensíveis quanto os

vossos pensamentos.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 117

QUAL A EXPLICAÇÃO especial do v. 11: Se não

houverdes sido fiéis no tocante às riquezas de iniquidade,

quem vos confiará as verdadeiras?

Os bens do mundo, os bens terrenos, que são as riquezas de

iniquidade, no sentido de que se tornam, muitas vezes, fonte

de males para o homem, elementos de faltas e de ações más ou

de desregradas cobiças, não constituem um meio de

adquirirem os homens os bens eternos? Ora, se deles fizerdes

mau uso, atraireis a justiça do castigo, em vez de bênçãos e

recompensas.

A vossa vida humana é a chave com que abrireis as portas

do santuário. Essa chave, porém, sendo frágil como é, se

quebra nas mãos daquele que não a sabe conservar intacta.

Terá ele então que esperar se lhe confie uma outra, da qual

aprenda a servir-se melhor.

Qual a explicação especial do v. 12: Se não fostes fiéis com

o alheio, quem vos dará o que é vosso?

Os agravos que fizerdes a vossos irmãos, o mal de que

fordes causa recairão sobre vós. Assim como o bem pode

apagar o mal que o precedeu, também o mal pode deter

momentaneamente a eficácia do bem. Dizemos —

momentaneamente — porque a infinita misericórdia do Senhor

não deixa que se perca nenhuma parcela de bem, por ínfima

que seja. O mal muitas vezes prevalece e lhe paralisa os

efeitos, mas ao cabo de certo tempo o Senhor a toma em

consideração e vo-la leva em conta. Portanto, esperai sempre

sem desfalecimento, pois que o mal jamais apaga o bem que

foi feito e o bem atenua sempre o mal.

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118 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 15-17.

— LUCAS, Cap. XVII, vv. 3-4.

Palavras de Jesus destinadas a servir de transição,

relativas ao perdão e ao esquecimento das injúrias

e das ofensas, os quais, segundo ele o proclamou,

devem ser absolutos e sem condição

MATEUS: V. 15. Se contra ti pecou o teu irmão, vai e o

repreende, mas a sós com ele. Se te atender, tê-lo-ás ganhado. — 16.

Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas

pessoas, a fim de que tudo seja confirmado pela autoridade de duas

ou três testemunhas. — 17. Se também não as atender, comunica-o à

Igreja; e, se também à Igreja ele não atender, trata-o como gentio e

publicano.

LUCAS: V. 3. Tende cuidado convosco; se contra ti pecou o teu

irmão, repreende-o. Se se arrepender, perdoa-lhe. — 4. Se contra ti

ele pecar sete vezes no dia e sete vezes no dia te procurar para dizer:

Eu me arrependo — perdoa-lhe.

N. 216. (Mateus, vv. 15, 16 e 17). Se tiverdes de fazer a

algum de vossos irmãos qualquer reproche, esforçai-vos por

que ele se corrija, dizendo-lhe brandas e persuasivas palavras.

Jesus falando aos Judeus usava de uma linguagem que lhes

era adequada. Jamais atacava bruscamente os hábitos desse

povo rixento e rancoroso. Tal a razão por que os concitava a

recorrer a testemunhas e depois ao julgamento da Igreja nos

seus ajustes de contas.

Hoje, porém, o Mestre, por nosso intermédio, vos diz: Apa-

gai a falta do vosso irmão por todos os modos possíveis; esfor-

çai-vos para que ele se reconheça culpado, falando-lhe a sós.

Se persistir, se se mostrar insensível às vossas advertências,

tomai por testemunhas da sua obstinação os bons Espíritos que

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 119

velam por todos. Chamai-os em vosso auxílio, para que vos

reconduzam à paz e à concórdia.

Evitai tornar público o erro de vosso irmão, submetendo-o

ao juízo da Igreja. Antes de tudo: tendes a certeza de estardes

perfeitamente limpo da falta que, cometida pelo vosso irmão,

vos ofendeu? Tendes a certeza de que jamais a provocastes ou

incentivastes; de que jamais, pela vossa impaciência, pela

vossa aspereza, pela vossa má vontade, ostensiva ou oculta,

fostes causa de que o vosso irmão cada vez se transviasse

mais, em lugar de emendar-se?

Quando lhe falastes, porventura o fizeste com toda a

doçura, com toda a delicadeza indispensáveis para que a sua

suscetibilidade, o seu orgulho, ou mesmo a sua vergonha não

fossem despertados? Empregastes todos os possíveis esforços

para que ele não corasse em face de si mesmo?

E, se não procedestes assim, não receais ser, a vosso turno,

julgados pelos juízes que fostes procurar para julgar o vosso

irmão?

Oh! bem-amados! Escutai o que vos dizemos, a mandado

daquele que deu aos homens esse ensinamento: “Progredistes,

vossos sentimentos também têm que progredir; perdoai, portan-

to, com sinceridade, a ofensa recebida, ocultando-a dos estra-

nhos para que o vosso irmão não se vexe e eu, por minha vez,

vos perdoarei do mesmo modo por que houverdes perdoado”.

N. 217. QUE SENTIDO atribuía Jesus à expressão —

Igreja — que se lê no v. 17 de MATEUS?

Tendo-se em vista os tempos hebraicos e referindo-se aos

Hebreus, ele, por este termo, designava os homens esclare-

cidos que tinham as mesmas crenças.

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120 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Com relação aos tempos evangélicos e aos que se seguiram

até aos vossos dias, designava uma assembleia de cristãos.

Com referência a todos os homens, indicava os esclarecidos

pelas mesmas crenças.

Nesta frase desse mesmo v. 17: “e se também à Igreja ele

não atender, considera-o gentio e publicano”, QUE SENTIDO

se deve atribuir à expressão: gentio e publicano?

Esses termos foram usados na acepção de homem despre-

zível, que todos votam ao esquecimento. Eram vingativos aque-

les a quem Jesus falava. Portanto, conseguir que eles esque-

cessem e desprezassem as injúrias, esquecendo e desprezando

os que injuriavam, já representava uma conquista imensa.

N. 218. Será ao mesmo tempo cristão e espírita, no interesse

de um irmão, sujeitá-lo, com o fito de fazê-lo emendar-se, à

prova de ser primeiramente admoestado com brandura e em

segredo; de ser depois, se resistir, censurado diante de

testemunhas; e de, finalmente, se ainda não atender, ser levado

à presença da Igreja, isto é, de uma assembleia de verdadeiros

cristãos, de verdadeiros espíritas? Ou será preferível, uma vez

que ele nada queira ouvir em segredo, deixá-lo entregue à

cegueira, ao orgulho, à cobiça, ao ódio, deixá-lo fora da linha

de suas provações, no estado de gentio e de publicano?

Não. Não esqueçais que cada um tem seu fardo a carregar.

Não tenteis tirar publicamente a palha do olho do vosso ir-

mão. Se assim procederdes, em vez de o levardes a emendar-se,

vos arriscais a fazer que no fundo do seu coração se gere um

ressentimento, que lhe será muito pior do que a ofensa que

contra vós haja cometido. E, nesse caso, bem deveis compre-

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 121

endê-lo, seríeis responsáveis pela tempestade que fizésseis

desencadear-se no seu íntimo.

Oh! não vos equivoqueis relativamente às obrigações em que

vos achais uns para com os outros. Deveis estender-vos recipro-

camente as mãos; nenhum, porém, deve querer levantar o outro

com violência. Sustentai-vos uns aos outros, mas não vos afron-

teis mutuamente. Assim, pois, evitai sempre tornar públicos os

erros de vossos irmãos, para que eles não corem publicamente.

Do contrário, levá-los-eis, antes de tudo, a ocultá-los a si

próprios, impelidos pelo instinto humano, e desse modo os

fareis embrenhar-se mais a fundo pelo mau caminho.

Uma palavra branda, uma observação amistosa, feita sem

testemunhas, quase sempre conseguirá mais do que todas as

censuras que lhe dirigirdes, sobretudo se as formulardes

publicamente.

Se a vossa tentativa se malograr, que é o que tereis perdido?

Foram vãos os vossos esforços, mas não deram resultado

contrário ao que desejáveis. Não sereis responsáveis por se

haver o vosso irmão obstinado no mal.

Estendei-vos as mãos com brandura, amparai-vos, mas não

vos erijais em juízes uns dos outros, não forceis ninguém a

comparecer diante do areópago.

Mas, não há, entre os nossos contemporâneos, homens que,

entregues a si mesmos, jamais voltarão para a verdade e para o

bem e que, no entanto, voltariam, se se lhes aplicasse o processo

indicado por Jesus aos Hebreus, segundo os vv. 15, 16, 17?

Não. Com relação a esses, o objetivo não seria alcançado. O

tempo e os guias de cada um fazem a sua obra. O julgamento

coletivo, esse nada obteria dessas naturezas orgulhosas e

vingativas. Ao contrário: iria despertar no fundo dos seus

corações uma raiva surda, que os minaria.

Page 76: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

122 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Suas provas se tornariam mais eficazes? Não é melhor,

atento o interesse comum, esperar que a persuasão os ganhe

gradualmente do que a impor? Dar-se-á conheçais tão pouco

os homens que os julgueis capazes de se submeterem

sinceramente ao modo de ver de uma maioria? Não. Os que,

forçados pela voz pública, se confessam culpados, amaldiçoam

de todo o coração os acusadores e os juízes que os obrigaram a

corar de vergonha diante de todos. Resultará daí que as

provações se lhes tornem mais proveitosas? — Indulgência,

perdão, esquecimento, eis o juízo de Deus.

N. 219. QUAL O SENTIDO e o ALCANCE destas

palavras de Jesus (LUCAS, vv. 3 e 4): Tende cuidado

convosco; se contra ti pecou o teu irmão, repreende-o. Se se

arrepender, perdoa-lhe. Se contra ti ele pecar sete vezes no dia

e sete vezes no dia te procurar para dizer: “Eu me arrependo”

— perdoa-lhe?

Não deveis jamais guardar prevenção contra um irmão

vosso. Nunca, cedendo a um rancor que, em certos casos, do

ponto de vista humano, pode parecer legítimo, vos arrisqueis a

recalcar para o fundo do coração daquele que vos ofendeu o

seu sincero arrependimento. Aliás, já se não vos disse que

sereis julgados como houverdes julgado, que se vos fará

exatamente como houverdes feito aos outros?

Nunca olvideis que, frequentemente, não sete vezes no dia,

mas setenta vezes sete ofendeis à Majestade divina, transgredis

suas leis e tentais subtrair-vos à ação destas. Usai, pois, para

com os vossos irmãos, da benevolência de que tanta neces-

sidade tendes e dizei com sinceridade ao Senhor: “Perdoai as

minhas ofensas, como perdoo as de meus irmãos”.

N. 220. Por estas palavras dos vv. 3 e 4 de LUCAS: “Se ele

se arrepender”, será lícito entender-se que o ofendido, em cujo

coração deve o perdão sempre estar, nada tenha que declarar

Page 77: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 123

ao ofensor que não se arrependa, isto é, que, no tocante à ofensa,

persiste no seu orgulho e na sua cegueira?

Ninguém é obrigado a lançar em rosto ao seu ofensor um

perdão com que ele pouco se importa. O que cumpre ao

ofendido é tê-lo no coração, pronto a lhe dar expansão, quando

o ofensor se mostre arrependido.

N. 221. Que se deve AGORA pensar e fazer destas palavras

ditas aos Hebreus: “Não odeies de coração ao teu irmão, mas

repreende-o publicamente, a fim de que não fiques em pecado

contra ele”. (Levítico, 19, v. 17)?

A revelação e os conselhos eram adequados à época. Na sua

brandura, a lei do perdão se revestia de muita dureza, como

todas as leis aplicadas ao povo hebreu. Tinha o seu lado

caritativo, prescrevendo aos homens que se repreendessem

publicamente pelas faltas em que perseverassem depois de

admoestados em particular. Obrigando-os a se acautelarem

dessa humilhação, ela os tornava mais acessíveis aos esforços

dos que se empenhavam por melhorá-los. A disciplina e o

temor eram mais duros do que hoje, pela razão de que se

tratava de atuar sobre caracteres violentos, atrasados,

orgulhosos e vingativos.

Ainda agora vos dizemos: Repreende teu irmão pelas faltas

que cometa e que cheguem ao teu conhecimento, porquanto po-

des esclarecê-lo a respeito de um erro filho da ignorância, podes

detê-lo quando ainda se ache no alto de um declive forte, pelo

qual, se inconsideradamente nele se aventurar, rolará talvez até

ao fundo do abismo. Mas, que teus conselhos sejam fraternos,

dados em segredo e, quando possível, de modo indireto, a fim

de que não o humilhes e não o impeças, o que pode suceder, de

aproveitar do teu conselho, por efeito de revolta do seu

Page 78: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

124 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

orgulho. Se, pois, cauteloso e brando, corrige os erros, acarici-

ando; nunca o faças, empunhando o látego.

N. 222. Como conciliar as palavras que acabais de ditar

mediunicamente com as dos vv. 15, 16 e 17 de MATEUS?

Não vedes que era indispensável um laço para ligar a lei

antiga à nova? Poderiam acaso os homens romper de súbito

com suas ideias, suas crenças, seus preconceitos, suas

tradições? Jesus falou aos daquela época numa linguagem que

eles pudessem compreender. Era o plano inclinado por onde

escorregariam para esta moral tão doce e sempre tão cheia de

perdão. Confrontai o que vos acabamos de dizer e as palavras

a que aludis com a parábola da mulher adúltera. Verificai,

sondando os vossos corações, se, ao repreenderdes vosso

irmão, não merecíeis também ser repreendidos e, neste caso,

como sempre, aplicai-vos esta sentença: “Fazei aos outros o

que quiserdes que vos façam”.

Page 79: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 125

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 7-10

Cumprimento do dever com humildade e desinteresse, com o

sentimento de amor e gratidão ao Criador.

V. 7. Qual de vós o que, tendo um servo ocupado em lhe

lavrar a terra, ou em lhe apascentar os rebanhos, diz a esse

servo, ao voltar ele dos campos: Vem sentar-te à mesa? — 8.

Não lhe dirá antes: Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me, até

que eu tenha comido e bebido; depois comerás e beberás? —

9. E o amo deve porventura agradecimento ao servo por ter

feito o que lhe fora ordenado? — 10. Penso que não. Assim,

quando houverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei:

Somos servos inúteis; fizemos o que éramos obrigados a fazer.

N. 223. Quer isto dizer que nada sois em comparação com o

Senhor, que tem o direito de tudo exigir de vós, a quem tudo

foi dado. Não vos orgulheis, portanto, do que fizerdes tendo

em vista agradá-lo. Esforçai-vos por cumprir o vosso dever.

Sobretudo, não vos mova a isso unicamente a esperança de

uma recompensa. A preocupação do cumprimento do dever, o

reconhecimento para com Deus e a esperança de satisfazê-lo,

tais os sentimentos únicos que vos devem animar.

Page 80: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

126 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 11-19

Os Dez Leprosos.

V. 11. Ora, sucedeu que, dirigindo-se para Jerusalém, teve Jesus

que atravessar a Samaria e a Galileia. — 12. Ao entrar numa aldeia,

saíram-lhe ao encontro dez leprosos que pararam ao longe, — 13, e

lhe bradaram: Jesus, Mestre, tem piedade de nós. — 14. Assim que

os viu, Jesus disse: Ide mostrar-vos aos sacerdotes. E aconteceu que,

enquanto iam, ficaram limpos. — 15. Vendo-se curado, um deles

retrocedeu, glorificando a Deus em altas vozes. — 16. E se prostrou,

rosto em terra, aos pés de Jesus, rendendo-lhe graças. Esse era

samaritano. — 17. Perguntou-lhe Jesus: Os dez não ficaram limpos?

Onde estão os outros nove? — 18. Então, nenhum mais, senão este

estrangeiro, voltou para glorificar a Deus? — 19. E, dirigindo-se ao

estrangeiro, disse: Levanta-te, vai, tua fé te salvou.

N. 224. Aí tendes mais um fato que, para ensinamento dos

homens, se produziu, tendo Jesus em mente provar que não

basta a quem quer que seja haver nascido sob uma lei religiosa

qualquer, aceitar, praticar mesmo seus dogmas, para adquirir

méritos perante o Senhor.

Qual, daqueles leprosos, o que deu testemunho do seu reco-

nhecimento, rendeu graças a Deus pelo benefício que recebera?

Um cismático, que a lei repelia como estrangeiro. Entretanto,

sem a lei, mau grado à lei, que ele não aceitava, a fé o salvou.

Não esqueçais nunca este exemplo.

Quer estejais, quer não, submetidos à lei, todos sois filhos

do Altíssimo, filhos de Deus e todos lhe deveis o culto do

vosso reconhecimento, do vosso amor. A cada nova graça que

o Senhor vos conceda, fazei como o Samaritano: em vez de

prosseguirdes no caminho para dar cumprimento a uma

fórmula vã de culto exterior, retrocedei, vede o que éreis, o que

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 127

sois, o que o Senhor vos fez e prostrai-vos a seus pés num

ímpeto de reconhecimento e de amor.

Quanto à cura dos leprosos, já vos demos a tal respeito

suficientes explicações (N. 109, página 72 do 2o Volume). Não

temos que voltar ao assunto.

A cura se operou materialmente no momento mesmo em

que Jesus pronunciou as palavras: “Ide mostrar-vos aos

sacerdotes”.

Não vos admireis de que, só algum tempo depois de operada

a sua cura material, haja dado por ela o leproso samaritano.

Jesus regulara a ação dos fluidos e seus efeitos e foi sob a

influência espírita que o Samaritano apreciou a sua própria

cura. Impelido então pelo reconhecimento, voltou atrás.

Que pode haver de espantoso em que os leprosos só se

tenham inteirado de estarem curados algum tempo depois de

efetuada a cura? Alguém vos disse que eles já iam longe?

Jesus ainda se achava no local onde a cena se passara. Não

podiam, portanto, estar já muito distantes os leprosos, quando

o Samaritano deliberou voltar.

Como é, DIZEM, que Jesus, sabendo ser Samaritano o lepro-

so que voltou a lhe render graças, o aconselhou a ir mostrar-se

aos sacerdotes? Por um lado, não podia ignorar que esse

leproso preferiria fugir-lhes a ir mostrar-se aos sacerdotes e,

por outro lado, não ignorava que o ato que lhe recomendava ia

de encontro a todas as convicções do Samaritano.

Os que assim falam não compreenderam nem as palavras de

Jesus, nem o pensamento que as ditou. Mandando que fossem

apresentar-se aos sacerdotes, o Mestre falava a todo o grupo

dos leprosos. Aquela recomendação, porém, ele a fez somente

aos que, dentre os dez, obedientes à lei de Moisés, como

Judeus que eram, tinham que cumprir a formalidade de que se

trata. Não falou a cada um dos indivíduos. O Samaritano partiu

Page 82: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

128 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

juntamente com os outros, não para preencher a dita

formalidade, mas para voltar a sua casa. Foi então que o

reconhecimento se manifestou.

TAMBÉM DIZEM nada haver de censurável no procedi-

mento dos nove leprosos israelitas. Eles, como o Samaritano,

tinham igualmente fé em Jesus, tanto que disseram: “Jesus,

Mestre, tem piedade de nós”. Tomaram ao sério as palavras do

Mestre e, obedecendo-lhe, foram mostrar-se aos sacerdotes.

Sendo judeus, deram-se pressa, obedientes à ordem de Jesus,

em cumprir uma obrigação legal. Pensavam que, para

testemunhar obediência e reconhecimento ao seu benfeitor,

que consideravam um simples profeta, nada de melhor podiam

fazer do que, executando pontualmente a ordem recebida,

irem, sem voltar atrás, como o Samaritano, satisfazer às

prescrições legais, com o que acreditavam agradecer a Deus.

Tiveram fé, porém, reconhecimento, não. Deveis compre-

ender que Jesus conhecia o sentimento íntimo que ditava o

proceder de cada um e de antemão conhecia também o

ensinamento que havia de resultar do fato.

PRETENDEU-SE que Jesus se transformou numa espécie

de divindade diante da qual o Samaritano se foi prostrar; que,

assim, não é o culto de Deus o que se exige, mas o de Jesus.

Há aqui ainda um erro. Se os que assim argumentam hou-

vessem querido lembrar-se de que a cena se desenrolou no Ori-

ente e que lá era costume os inferiores se prosternarem diante

dos superiores, teriam compreendido o ato do Samaritano que,

reconhecendo embora a ação poderosa de Deus, não se julgou

menos devedor de gratidão para com aquele que o Senhor

considerara digno de lhe servir de intermediário junto dos

homens. Diverso não fora o procedimento dos outros leprosos,

Page 83: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 129

se o reconhecimento houvesse primeiro ocupado lugar em seus

corações.

Com o ser, para os leprosos, um profeta, Jesus, para eles,

era apenas um instrumento de que o Senhor se utilizava. A

Deus é que se dirigiam as ações de graças e não à personalidade

de Jesus. Se um soberano vos mandar por um de seus ministros

qualquer favor, o ministro não será como que um laço entre

vós e o rei que o enviou? E não é ao ministro que apresentais

os vossos agradecimentos para que ele os transmita ao sobe-

rano? Atentai no que disse Jesus, quando o Samaritano voltou

à sua presença: “Os dez não ficaram limpos? Onde estão os

outros nove? Então nenhum mais, senão este estrangeiro,

voltou para glorificar a Deus”? E o Mestre não disse sempre

aos homens que ele era o enviado do pai, que deste é que tudo

lhe vinha e que nada podia senão pelo pai?

PRETENDEU-SE também que os homens, em consequência

de suas falsas interpretações, de fato substituíram o culto de

Deus, Criador universal, UNO, único e indivisível, pelo culto

de Jesus transformado em divindade.

O fato com que nos vimos ocupando contribuiu para isso e

constituiu um dos elos dessa cadeia. Mas estes elos são

numerosos. O principal é o titulo de filho de Deus, que Jesus

dava a si mesmo, mal interpretado em face destas palavras que

foram tomadas ao pé da letra e entendidas segundo a letra:

“Meu pai”.

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130 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 20-24

O reino de Deus está dentro de nós.

V. 20. Como os fariseus lhe perguntassem: Quando vem o reino

de Deus? ele respondeu: O reino de Deus não virá de modo a que

possa ser notado. — 21. Não se dirá: Ele está aqui ou está ali,

porquanto o reino de Deus está dentro de vós. — 22. E disse aos

discípulos: Tempo virá em que querereis ver um dos dias do filho do

homem e não o vereis. — 23. Dir-vos-ão: Ei-lo aqui, ei-lo ali; não

vades, não os sigais; — 24, pois, tal como o relâmpago, que brilha

de um lado a outro do céu, assim será o filho do homem no seu dia.

N. 225. (V. 20). O reino de Deus o homem o traz em si

mesmo, pois que é no exercício de suas faculdades que se lhe

depara o meio de alcançá-lo, isto é: de atingir a perfeição

moral: Não virá de modo a ser notado, por isso que só

lentamente, de progresso em progresso, de ascensão em

ascensão, pode o homem aproximar o advento daquele reino.

Só a perfeição moral humana o fará vir. Nenhum brusco abalo

o trará. Só por um trabalho demorado, penoso, incessante o

homem o conquistará.

(V. 21). O reino de Deus não é um lugar circunscrito, qual o

imaginaram os homens. Não é uma habitação feliz, onde

logrem penetrar. É a imensidade na virtude. O reino de Deus

está em vós, está entre vós, mas não sabeis descobri-lo. O

reino de Deus é a união das almas depuradas. Depurai, pois, as

vossas, para o possuirdes.

(V. 22). E Jesus disse a seus discípulos: “Tempo virá em

que desejareis ver um dos dias do filho do homem e não o

vereis”. Estas palavras não eram dirigidas aos discípulos

unicamente, mas ao povo que os cercava e, por extensão, às

gerações então futuras que sentiram e sentem ainda o desejo de

ver renovados os atos de Jesus, para crerem depois que virem.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 131

O Mestre dava suas instruções aos que o cercavam e, dentre

estes, os discípulos eram sempre os que lhe ficavam mais

perto. Daí vem o ter o evangelista usado desta expressão: E

disse aos discípulos.

Apreendei bem o sentido daquelas palavras, que foram

igualmente pronunciadas para o futuro. Muitas vezes tem já o

homem aspirado à liberdade santa, filha do amor e da caridade.

Muitas vezes tem procurado em vão fazer que luza ainda um

daqueles dias em que Jesus pregava e exemplificava a sua

moral. Esse desejo o assalta sempre que ele compreende que o

único remédio para os males da humanidade consiste na

prática dos dois grandes preceitos do amor e da caridade —

prática que implica, dentro da unidade e da solidariedade, a da

justiça, do mútuo auxílio sob o ponto de vista do trabalho

material, moral e intelectual, assim como a prática da

fraternidade.

Aqueles dias, porém, não voltaram. Ainda os esperais, vós

outros espíritas, e para eles apelais com todas as vossas forças.

Muito, entretanto, tardarão ainda em vir, porque ainda não sois

bastante clarividentes, para a luz deles; porque os vossos

entendimentos ainda se não desapegaram das influências e dos

apetites da matéria, fontes do orgulho, do egoísmo, do

sensualismo e da sensualidade, de modo a poderem assimilar a

moral do filho do homem. Enfim, ainda não amadurecestes

suficientemente para essa era nova em que o filho do homem

volverá ao vosso meio e em que vereis renascer o seu dia.

(V. 23). Dir-vos-ão: “Ei-lo aqui, ei-lo ali; não vades, não

os sigais”. Estas palavras se aplicavam aos abusos que, no

correr dos tempos, viria a sofrer e sofreu a doutrina de Jesus,

com o emprego do seu nome e da sua autoridade para se

transviarem ou cegarem os fracos e os crédulos. Toda adição

feita à lei está fora da lei. Tudo o que se afastou do caminho

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132 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

traçado é transviamento. Tudo o que está fora da lei de amor e

de caridade é abuso. É abuso tudo o que esteja fora da lei de

fraternidade, de igualdade e de liberdade, pela justiça, pelo

amor e pela caridade, fontes de todo direito e de todo dever

recíprocos e solidários, a se exercerem e cumprirem sob os

auspícios e a prática do perdão, do esquecimento das injúrias e

ofensas, do devotamento da liberdade de consciência, da

liberdade da razão e de exame.

(V. 24). Pois, tal como o relâmpago, que brilha de um lado

ao outro do céu, assim será o filho do homem no seu dia. O

filho do homem personifica, a sua lei, a sua moral. No

momento oportuno, essa lei pura, suave, será despojada dos

falazes ornamentos com que a cobriram e se mostrará

repentinamente aos homens em toda a sua pureza. Sua luz

então, como a do relâmpago, brilhará de um extremo a outro

do horizonte. Nessa ocasião estará próximo a verificar-se entre

vós o predito advento do filho do homem.

Os falazes ornamentos com que cobriram a pura e suave lei

de Jesus são os aditamentos de culto externo que lhe fizeram,

despojando-a do culto espiritual; são tudo o que tendeu a

materializar o que está e não pode deixar de estar submetido à

inteligência e ao coração dos homens. A lei de Jesus foi feita

para a inteligência e para o coração. À inteligência e ao

coração ela se dirige e se dirigirá sempre.

O momento oportuno, de que falamos, em que essa lei pura

e suave, despida dos falazes ornamentos com que a cobriam,

se mostrará repentinamente aos homens em toda a sua pureza,

é a época em que se fará a reforma do pessoal dos cultos. Deus

proverá a isso mediante as encarnações necessárias de Espíritos

em missão, os quais conduzirão a humanidade a conhecer em

espírito e em verdade, o pai, o filho e o Espírito Santo.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 133

Essa reforma determinará o desaparecimento dos diversos

cultos externos que dividem e separam os homens e os levará à

união num culto único: o da adoração sincera do pai, Deus,

uno, indivisível, por meio da prece do coração e não dos lábios

somente, da prece espiritual, que tem por fundamento os atos

de uma vida íntegra e pura diante do Senhor; por meio do

jejum espiritual, pela prática do amor ao mesmo Deus acima

de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Semelhante

adoração se expressará ainda pelo amor, pelo respeito e pelo

reconhecimento para com o filho — Jesus, protetor e

governador do vosso planeta e da humanidade terrena, Jesus

por quem sois tudo o que sois.

Expressar-se-á também pela invocação e pelo apoio da sua

poderosa proteção; pela invocação feita a Deus e ao seu Cristo

para que conceda a suas criaturas o auxílio, o concurso e a

proteção do Espírito Santo, dos bons Espíritos. Tal reforma

dará cumprimento a estas palavras do Mestre: “Tempo virá em

que não será mais no cume do monte nem em Jerusalém que

adorareis o pai”.

Tornados então os verdadeiros adoradores que o pai

reclama, os homens o adorarão em espírito e verdade. E todos

esses lugares que designais pelos nomes de — sinagogas,

igrejas, mesquitas, templos, se tornarão indistintamente lugares

de reunião, de prece, de instrução, onde, impelidos pelos

sentimentos da humildade, do amor e da caridade, todos se

congregarão em assembleia para, sob a influência e a proteção

dos bons Espíritos, elegerem unanimemente o mais digno, o

mais esclarecido, o de maior merecimento para a ela presidir.

O Universo é o templo do Senhor. Não antecipemos o

futuro.

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134 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XVII, vv. 25-37

Sinais precursores da segunda vinda de Jesus.

V. 25. Mas é necessário que antes ele sofra muito e seja rejeitado

por esta geração. — 26. E, tal como sucedeu ao tempo de Noé,

assim sucederá nos dias do filho do homem. — 27. Comiam e

bebiam, os homens desposavam as mulheres e as mulheres tomavam

marido até ao dia em que Noé entrou na arca; veio então o dilúvio e

os fez perecer a todos. — 28. Semelhantemente sucedeu nos dias de

Ló: Comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e

edificavam. — 29. No dia, porém, em que Ló saiu de Sodoma,

choveu do céu fogo e enxofre, que os fez perecer a todos. — 30.

Assim será no dia em que o filho do homem aparecer. — 31. Nesse

dia, aquele que se achar no eirado e tiver dentro de casa seus haveres

não desça para os tirar de lá e do mesmo modo não volte atrás

aquele que estiver no campo. — 32. Lembrai-vos da mulher de Ló.

— 33. Todo aquele que procurar salvar a vida perdê-la-á, e todo

aquele que a perder salvá-la-á. — 34. Digo-vos que nessa noite, de

duas pessoas que estiverem no leito, uma será tomada e deixada a

outra; — 35, de duas mulheres que juntas estiverem moendo, uma

será tomada e deixada a outra; de dois homens que estiverem no

mesmo campo um será tomado e o outro deixado. — 36.

Perguntaram-lhe então os discípulos: Onde será isso, Senhor? — 37.

Respondeu ele: Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as

águias.

N. 226. Por essas palavras, cujo sentido e alcance, segundo

o espírito, ficaram intencionalmente velados pela letra, aludia

Jesus às condições, meios e fases da purificação e do progresso

do vosso planeta e da humanidade terrena e aludia também ao

que ocorrerá quando a lei de amor e caridade for praticada na

Terra, operando a regeneração da espécie humana.

Como sempre, ao proferir tais palavras, o Mestre apropriou

sua linguagem às inteligências e às necessidades da época, de

modo, porém, a impressionar os homens de então e as gerações

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 135

futuras, a preparar o advento da nova revelação, que viria,

quando os homens se houvessem tornado capazes de a

suportar, explicar e fazer compreensível, em espírito e em

verdade, como sucede atualmente, tudo o que ele disse.

As explicações especiais que vos vamos dar deverão levar-

vos à compreensão daquelas suas palavras.

(V. 25). Antes que a lei trazida por Jesus pudesse vigorar,

foi preciso que o legislador lhe apusesse o selo do seu amor.

Entretanto, repeliu-a a geração que a recebeu, como a de hoje

ainda a repele. É que muitos Espíritos, rebeldes ao tempo da

missão do Cristo, vivem de novo na Terra, sempre rebeldes.

Alguns apenas, discípulos de Jesus, lhe seguem as pisadas,

ainda que de bem longe, e procuram descobrir, no solo

conspurcado, as marcas deixadas por seus passos.

Acabamos de dizer: “Foi preciso que ele apusesse à sua lei

o selo do seu amor”. Jesus, que desceu à Terra para dar aos

homens o exemplo do devotamento sem restrições, teve que

levar esse devotamento aos seus limites extremos. Qual

efetivamente, para vós, o maior de todos os sacrifícios, senão

o da vida?

Por sua morte, ele vos ensinou a não ligar exagerada

importância à vossa existência, do mesmo modo que, pela sua

vida, vos mostrou que não deveis prodigalizá-la inutilmente. É

o que significa o cuidado que, para os homens, ele tinha, de

salvaguardar a sua, fugindo, todas as vezes que ela correu

perigo antes do momento em que, pela “morte”, remataria o

edifício que seu amor construíra.

Falando nós por esta forma da morte de Jesus, da preser-

vação da sua vida, dos perigos que esta correu, deveis entender

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136 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

que nada disso havia, senão segundo o modo de ver dos homens.

Falamos ainda colocados no ponto de vista humano das

crenças que existiam durante a sua missão terrena, crenças que

teriam de durar por muito tempo depois de cumprida aquela

missão e que duram ainda. Referimo-nos às crenças, por parte

de uns, numa origem de Jesus, humana, ordinária, como obra

de José e de Maria; por parte de outros, numa origem humana,

mas miraculosa, divina, do mesmo Jesus, que é então

considerado filho de Maria, por obra do Espírito Santo.

A origem do Mestre, extra-humana, mas de maneira alguma

milagrosa no sentido dado a esta expressão, origem, ao contrá-

rio, natural, de acordo com as leis universais e imutáveis esta-

belecidas por Deus desde toda a eternidade, vos é agora reve-

lada. Todavia, em face desta revelação que se vos faz daquela

origem, preciso é não esqueçais que, conquanto Jesus haja

tomado um corpo apenas semelhante ao vosso, mas não da

mesma natureza, lhe cumpria deixar que lhe atribuíssem uma

origem humana, lhe cumpria preencher, aos olhos dos homens,

até ao termo da missão, como ensino e exemplo, as obrigações

que a natureza humana e a lei de conservação impõem.

(vv. 26-27-28-29-30). Alegorias e alusões feitas por Jesus.

Ao tempo de Noé, os homens bebiam e comiam,

desposavam as mulheres e as mulheres tomavam maridos; ao

tempo de Ló, comiam, bebiam, compravam, vendiam,

plantavam e edificavam.

A negligência do homem o engolfava em seus hábitos

cotidianos e o impedia de ver os perigos que se acumulavam

sobre a sua cabeça, tanto o absorviam os interesses e cuidados

da vida material, tão longe se achava ele do pensamento e do

desejo de progredir, tão descuidado do progresso e do futuro

de seu Espírito.

Page 91: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 137

Desde a vinda de Jesus à Terra, o mundo caminhou sempre,

pouco se preocupando com o seu futuro. Caminha ainda pela

mesma estrada e nela continuará por muito tempo, até que os

homens, compreendendo a inutilidade do seu proceder

divorciado da moral do Mestre, cuidem de mudar de rumo.

Quanto ao dilúvio do tempo de Noé, a “Gênese” universa-

lizou fatos de natureza toda parcial. Como sabeis, pois que a

ciência humana o comprovou, aquele dilúvio não foi mais do

que um desses numerosos cataclismos que hão feito o vosso

globo passar do estado dos fluidos incandescentes ao estado

atual. Essa passagem se produziu por meio de transformações

sucessivas, acordemente com as leis naturais e imutáveis, por

efeito da vontade de Deus, sob a ação espírita que preside às

revoluções planetárias e à marcha progressiva e ascensional

dos mundos, das humanidades, de todas as criaturas do

Senhor.

Quanto à destruição de Sodoma, a ciência a explicou. Não

temos que entrar em minúcias a esse respeito. Naquela época,

havia na Terra um foco mais incandescente do que agora;

amiudados terremotos abriam na crosta terrena fendas por

onde se escapavam gases inflamados, matérias sulfurosas e be-

tuminosas. Essas matérias, arremessadas aos ares como projetis,

pela força de expansão dos gases, iam cair sobre os homens

tomados de espanto. A destruição de Sodoma resultou de uma

dessas erupções. Houve incêndio e afundamento do solo.

Por estas palavras: “Assim será no dia em que o filho do

homem aparecer”, Jesus estabeleceu uma comparação. Compa-

rou esse dia com o dilúvio porque, de fato, chegará um momento

em que todos os Espíritos materiais, todos os Espíritos carnais

serão expulsos do vosso planeta, onde só o Espírito terá que

reinar. Efetivamente, no advento do filho do homem, isto é, da

lei de amor e de caridade que ele personifica e que, praticada

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138 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

na Terra, determinará a regeneração da espécie humana, os que

se houverem conservado estacionários, deslumbrados pela luz

que de súbito lhes brilhará aos olhos e devorados pelo fogo do

remorso, serão varridos da Terra, sobre a qual, no tempo

predeterminado, descerá o ungido do Senhor.

Nesse momento, como já o explicamos, estará completa-

mente terminada a separação do trigo e do joio e os Espíritos

que ficarem habitando o vosso planeta terão entrado na fase

espírita. Já explicamos também que a separação será feita a

seu tempo e anunciamos estar próxima a época em que

começará.

Aqui nos referimos somente aos Espíritos que, até essa

época final de depuração, tenham tido permissão para

reencarnar na Terra, porquanto, já então, muitos outros mais

atrasados e rebeldes do que esses terão sido afastados dela.

Sim, os que até ao último momento se mostrarem

recalcitrantes e cujo banimento por isso se executará, ficarão

deslumbrados pela luz que de súbito lhes brilhará ante os olhos

e o fogo dos remorsos os devorará, que lhes será dado

compreenderem o que perdem, a fim de que vivo se lhes torne

o desejo de reconquistá-lo. De reconquistá-lo, sim, porque

todos têm que chegar à perfeição. Deus o quer. Ë a lei

imutável do progresso. Os Espíritos errantes, de ordem

inferior, dependem, por assim dizer, do planeta em que

encarnam. O mesmo, porém, não sucede com os Espíritos

totalmente libertos da matéria. Estes gozam da independência

e da liberdade de irem, conforme ao grau de sua elevação, de

um planeta a outro, de voltarem portanto ao planeta, já então

depurado, donde foram expulsos, banidos, por se mostrarem

recalcitrantes em consequência da sua inferioridade moral.

(Vv. 31-32). Que as preocupações materiais não dominem o

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 139

pensamento do homem, desde que haja compreendido que lhe

cumpre, sem mais demora, pensar no seu futuro espiritual.

Para avançar no caminho da espiritualidade, preciso é que

não olhe para trás, nem lamente os bens materiais que porven-

tura perca. A mulher de Ló, preocupada com os bens materiais

que abandonava no lugar do desastre, se demorou e foi vítima.

Segundo a tradição da “Gênese” (cap. XIX, v. 26), ela se

“transformou em estátua de sal”. Puerilidade de racontos. Foi

atingida pelo raio, sem ser atirada ao chão. Caiu depois reduzida

a cinzas, o que fez supusessem ter sido transformada numa está-

tua de sal que se derretera. Ingenuidade das eras primitivas.

As palavras alegóricas dos versículos 31 e 32, que tocaram

e impressionaram as inteligências dos que as ouviram e que

haviam de tocar as das gerações que se sucederam, Jesus as diri-

gia igualmente à vossa e às que se seguirão, porquanto estão

próximos agora os tempos em que começará a depuração da

Terra. Já desponta a aurora do advento do filho do homem, isto

é, da lei de amor e de caridade por ele personificada; já essa

aurora começa a tingir os horizontes do vosso planeta. Pensai,

pois, nas vossas almas. Não vos deixeis absorver pelas preocu-

pações, pelos cuidados, pelas paixões da vida material. Enchei-

vos de zelo e de solicitude pelo vosso progresso moral e intelec-

tual e pelo futuro dos vossos Espíritos, pelo progresso moral e

intelectual dos vossos irmãos e pelo futuro de seus Espíritos.

(V. 33). “Todo aquele que procurar salvar a vida perdê-la-á

e todo aquele que a perder salvá-la-á”.

Compreendei bem, em verdade, segundo o espírito envolto

e velado pela letra, o pensamento de Jesus, expresso aqui de

um duplo ponto de vista.

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140 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Aquele que só vive para o presente, aplicando todos os seus

esforços em conservar a existência corporal, chegará, por mais

que faça, ao termo dela, perdê-la-á portanto. Mas como, ao

perdê-la, não haja preenchido as condições necessárias, pois

que só cuidou de salvaguardar a matéria e não de salvar a

alma, ver-se-á obrigado a recomeçar. Assim aquela vida

perdida ele a achará de novo, reabrindo lhe a estrada que terá

de percorrer para alcançar o prêmio.

Aquele que trata de salvar a vida espiritual perderá a vida

material, mas tornará a achar, do outro lado do túmulo, a que

não tem fim. Perdendo uma, pelo pouco apreço que lhe deu

com o cuidar especialmente do progresso da sua alma, ganhará

a vida que ambicionava, a reencontrará para lá da morte.

É essa uma regra geral. Assim foi, assim será, em todos os

tempos, para todos, de conformidade com a lei imutável da

expiação, da reencarnação que, para todo Espírito que faliu,

constitui a escada santa que lhe cumpre subir, a fim de se

purificar, de se elevar e chegar à perfeição moral que conduz a

Deus.

As palavras alegóricas e veladas de Jesus, constantes deste

versículo, aludiam aos Espíritos atualmente encarnados, os

quais, por se conservarem atrasados, recalcitrantes, rebeldes,

na época da depuração do vosso planeta, onde, até então, se

lhes terá permitido reencarnar, serão afastados dele e

constrangidos à reencarnação em planetas inferiores, onde

terão que recomeçar, onde encontrarão de novo, abrindo-lhes

a estrada que lhes cumpre percorrer para alcançarem o prêmio,

a vida corporal, anteriormente perdida. Também esses, quando

se decidirem a salvar a vida espiritual depois de terem perdido

a corporal, reencontrarão, para lá da morte, a vida que

ambicionavam, a que não tem fim.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 141

(Vv. 34-35). Nem todos se acharão no mesmo grau de

adiantamento, na época da purificação do vosso planeta.

Conseguintemente, não poderão todos ser admitidos à mesma

existência. Ter-se-á que fazer uma escolha em todas as

condições humanas. a isto que Jesus alude, também alegórica

e veladamente, referindo-se aos Espíritos a quem se permitirá

a reencarnação na Terra, uma vez concluída a separação do

joio e do trigo.

(Vv. 36-37). A esta pergunta dos discípulos: “Onde será

isso, Senhor”? Dá Jesus a seguinte resposta evasiva: “Onde

quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias”.

Não devendo os apóstolos e os discípulos compreender,

segundo o espírito, o que o Mestre lhes acabava de dizer,

efetivamente não compreenderam e tomaram aquela resposta

no sentido de que Jesus não queria precisar o lugar.

O Mestre deu caráter evasivo à sua resposta pela mesma

razão por que falava usando de figuras emblemáticas, que se

podiam aplicar ao presente e ao futuro. Dizia aos homens o

que estes podiam suportar e da maneira por que deviam

suportar e ainda de modo a que, servindo suas palavras ao

presente, preparassem o futuro, até aos tempos em que a nova

revelação viria despojar o espírito da letra que intencional-

mente o envolvia e velava.

A nova revelação nós vo-la trazemos pela vontade do

Senhor onipotente, da parte do Cristo, em nome do Espírito da

Verdade.

Eis aqui, posto a nu, o pensamento do Mestre: Ele falava

então do vosso planeta, submetido à sua direção. Pela resposta

que deu aos discípulos deveis compreender que a superfície do

globo terreno tem que testemunhar a renovação que suas

palavras veladas visavam anunciar.

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142 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias

significa: que o progresso tem que atingir todos os pontos do

vosso planeta, a fim de que também este possa progredir, que

por toda parte onde haja na Terra humanidade, haverá

progresso e mudança, isto é: transformação física, moral e

intelectual. Haverá transformação física com relação aos

corpos, que, como o planeta, passarão progressivamente por

estados cada vez menos materiais e depois fluídicos. Haverá

transformação moral e intelectual com relação aos Espíritos.

Aquelas palavras significam também que, para realizar-se a

purificação que há de conduzir àquele progresso e àquela

mudança, onde quer que haja faltas haverá o castigo com o fim

paternal de melhoramento e de progresso, mediante expiações

na erraticidade e reencarnações sucessivas, até que o joio se

ache separado do trigo. Significam ainda que, onde quer que a

depuração se tenha completado, os Espíritos purificados se

reunirão.

O que do vosso planeta dizia Jesus se aplica, como lei geral,

natural e imutável, a todos os que, quais a Terra, saíram dos

fluidos incandescentes, tendo que seguir igualmente uma

marcha progressiva e ascensional. Esses planetas são os que,

conforme o explicamos nos Ns. 56 e seguintes, servem, uns ao

desenvolvimento das essências espirituais primitivas até que,

como Espíritos em formação, tenham chegado ao período

preparatório da humanização; outros às encarnações dos

Espíritos formados que faliram, encarnações estas que se

verificam segundo o grau da culpabilidade deles e nas

condições que o progresso desses Espíritos exige. Sob este

duplo aspecto, tais encarnações serão: ou primitivas, isto é, em

planeta ainda virgem do aparecimento do homem, ou em

planeta que, após esse aparecimento, adquiriu algum

progresso, passou por alguma mudança.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 143

N. 227. Desde o aparecimento do homem na Terra se hão

dado numerosas revoluções planetárias parciais e nesses

cataclismos raças humanas devem ter desaparecido, fósseis

humanos devem jazer enterrados nas camadas geológicas.

Entretanto, até ao presente3, mal se descobriram vestígios

desses fósseis humanos e assim mesmo, no campo da ciência

humana, se discute e contesta o resultado das explorações

recentemente feitas.

Esta é uma questão que sai do quadro que vos foi traçado.

Nem todos os cataclismos que revolveram o globo em que

habitais foram testemunhados pelo homem. Muitos lhe haviam

conformado a superfície antes que este aí surgisse. O homem

fóssil existe parcialmente. Mas, a natureza do arcabouço

humano não sendo tão forte, e longe está de o ser, quanto a dos

animais contemporâneos do seu aparecimento na Terra, muito

pouco resta dele. As explorações se ampliarão e as descobertas

da Ciência crescerão. Porém, a tal respeito, nada mais nos cabe

dizer, pois que não estamos para vos fazer, aqui, um curso de

História Natural.

3 Esta questão foi proposta no mês de Dezembro de 1864.

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144 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XVIII, vv. 18-20

Poder de ligar e desligar dado por Jesus aos apóstolos.

— Sua presença onde duas ou três pessoas se acharem

reunidas em seu nome.

V. 18. Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será

ligado no céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no

céu. — 19. Também vos digo que, se dois dentre vós se reunirem na

terra, aquilo que pedirem lhes será concedido por meu pai que está

nos céus. — 20. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em

meu nome, aí estarei eu no meio deles.

N. 228. (V. 18). Já explicamos o que deveis entender pelo

poder de ligar e desligar que Jesus declarou terem os seus

apóstolos. Reportai-vos ao que dissemos atrás.

Os discípulos de Jesus já eram esclarecidos e ainda o

haviam de ser mais quando lhes fosse dada toda a luz, nos

limites da missão terrena de cada um. Já de si mesmos

elevados, inspirados e guiados pelos Espíritos superiores, eles

se achavam em condições de julgar com sabedoria, com

acerto, da moralidade, dos sentimentos dos homens. Não

sabeis, por exemplo, que Pedro condenou a Ananias?4

É que, advertido misteriosamente, isto é, como médium

audiente, pelos Espíritos superiores, da perfídia do mesmo

Ananias, Pedro se achou em estado de julgá-lo com segurança.

A perspicácia dos apóstolos, que todos eram médiuns

inspirados, audientes, resultava da elevação pessoal deles e dos

avisos que recebiam de seus guias espirituais.

Depois de lhes haver declarado: “Em verdade vos digo:

tudo o que ligardes na Terra será ligado no céu”, Jesus não

4 Atos dos Apóstolos, cap. V, vv. 1-10.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 145

acrescenta: “Em verdade também vos digo que tudo o que os

vossos descendentes, na sucessão dos tempos, ligarem na

Terra será igualmente ligado no céu; e tudo o que desligarem

na Terra será desligado no céu”. O Mestre só se dirige aos

apóstolos e não a seus “sucessores” degenerados!

Abstração feita dos cultos externos, entre os sucessores dos

Apóstolos (Judeus e Gentios) alguns houve, como entre vós

alguns ainda há, que, pela sua santidade e por suas faculdades

mediúnicas, com a assistência e o concurso dos bons Espíritos,

de seus guias espirituais, podem colocar-se em estado de ligar

e de desligar, no verdadeiro sentido destas palavras, que já vos

mostramos qual seja. Mas, quão reduzido é o número desses!

(Vv. 19-20). Ao proferir estas palavras: “Também vos digo

que, se dois dentre vós se reunirem na Terra, aquilo que

pedirem lhes será concedido por meu pai que está nos céus”,

Jesus se dirigia a homens piedosos, cujos pensamentos e

aspirações buscavam o céu. Assim, pois, falava do ponto de

vista das graças celestes e não do das mesquinhas

preocupações da vossa humanidade.

Promete aos que se reúnam em seu nome que o que

pedirem lhes será concedido por Deus. Já não o tendes

verificado muitas vezes por experiência própria?

Mas, para que Deus escute as preces que se lhe dirigem, pre-

ciso é que sejam feitas, não com os lábios, e sim com um senti-

mento profundo e santo; que aquele ou aqueles que pedem o

façam com a ardente confiança de que serão ouvidos, de que

serão atendidos. É preciso ainda — escusado nos parece

lembrá-lo — que santo e justo deve ser o espírito da súplica.

Muitos dirão: “Temos pedido, animados de todos esses senti-

mentos, e nada obtivemos”. Sabeis porventura se era oportuna

a vossa súplica? Sabeis se o que pretendíeis com tanto afã não

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146 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

vos seria de resultados desastrosos? Sabeis se o vosso pai não

vos atendeu para a vida eterna, quando lhe pedíeis uma graça

temporal?

(V. 20). Jesus promete estar com aqueles que se reunirem

em seu nome. Quando estiverdes dois ou três reunidos, assim

como quando fordes mil, o Senhor virá até vós e seu ouvido

estará aberto aos vossos rogos.

Mas, para que tal se dê, é indispensável que estejais verda-

deiramente reunidos em seu nome, isto é, com o desejo de lhe

seguir a lei, animados reciprocamente do amor a Deus acima

de tudo e ao próximo como a vós mesmos, esforçando-vos de

modo sério e perseverante por proceder com os outros como

quereríeis que procedessem convosco, decididos a fazer pelos

outros, material, moral e intelectualmente, o que desejaríeis

vos fizessem.

Já conheceis a influência atrativa que exercem os fluidos

simpáticos. Eles são o laço que aproxima, um do outro, Espí-

ritos, senão da mesma ordem, pelo menos animados dos mes-

mos sentimentos, dos mesmos gostos, dos mesmos pendores.

Tais fluidos se atraem uns aos outros por analogia de

espécie, de natureza, estabelecendo as relações entre os

Espíritos. Quando, pois, obedecendo ao mesmo pensamento,

concorrendo para uma mesma obra, alguns homens se reúnem,

as simpatias que eles atraem se lhes vêm grupar em torno.

Assim, às reuniões de homens frívolos e vãos acorrem

Espíritos vãos e frívolos.

Se, portanto, intimamente unidos pelo amor a Deus, vos

reunis para a obtenção de suas graças, se formais uma cadeia

simpática, bastante sólida, aquele para cuja proteção apelais

acode ao vosso chamado, no sentido de que seus emissários

vos cercam, vos banham nos eflúvios de amor que implorais.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 147

Não deduzais daí seja preciso que vos aglomereis num certo

ponto para que as graças do Senhor afluam. Ah! são tão raros

os homens animados de bons sentimentos, do verdadeiro

sentimento de amor, que, quando se reúnem, ainda que em

pequeno número, há sempre entre eles tíbios, indiferentes, ou

indignos. O Senhor, porém, sabe contar suas ovelhas e caras

lhe são as cabeças fiéis.

N. 229. Em nome da Igreja romana, o texto do v. 20 é

entendido sob diversos pontos de vista. Em primeiro lugar,

para fazerem de seus concílios uma arma, considerando-os

como meio, superior a quaisquer outros, de se obter a verdade,

a sã e legítima interpretação das sagradas escrituras, dizem:

“Que respeito não devem merecer os concílios nos quais toda a

Igreja se acha reunida, na pessoa de seus pastores, para

esclarecimento da verdade, reforma dos costumes,

estabelecimento da disciplina e interpretação das santas

escrituras! — Cegos são os que preferem ou equiparam seus

sentimentos aos dessas santas assembleias”!

Nesse instante e quando ia eu prosseguir, fui interrompido.

A mão do médium, fluidicamente impelida, escreveu isto, em

resposta:

Detende-vos aqui. Jesus disse: “Onde duas ou três pessoas

estiverem reunidas em meu nome, eu aí estarei entre elas”.

Jesus sabia quão difícil é reunirem-se os homens em grande

número, animados dos mesmos sentimentos e do mesmo

espírito.

Não tendes mais do que perguntar à Igreja em que concílio

uma só questão religiosa se resolveu por unanimidade, sem

discussão, sem controvérsias, muitas vezes acerbas.

Ora, se nos concílios, compostos de “homens de Deus”,

“infalíveis” em seus julgamentos, os pareceres eram diversos;

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148 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

se membros desses mesmos concílios mantinham suas

opiniões contra a maioria triunfante, quais as influências que

guiavam os do sacro colégio?

Desde que controvertidas se mostram as opiniões nos

concílios, por que meio se há de determinar o que é inspirado

pelo “Espírito Santo” e o que o é por “Satanás”?

Dirão: pela sabedoria humana, pela experiência, pelo estudo,

pelas tradições.

Respondei-lhes vós: pela razão. Continuai.

Acrescentam: “Só a Igreja pode ter e tem a verdade; só ela,

reunida em concílio, é infalível, pois que só ela é assistida e

inspirada pelo Espírito Santo”.

Respondei à Igreja: Infalível só Deus o é. Vossos pastores,

quer isolados, quer reunidos em concílio, são tão falíveis

quanto os outros homens, sujeitos, como estes, às boas

influências, que vêm do Espírito-Santo, e às más, que vêm de

Satanás. Essas influências eles as atraem conforme à natureza,

boa ou má, de seus sentimentos, pensamentos e inclinações.

Se os vossos pastores, quando reunidos em concílio, fossem

infalíveis, por terem a assisti-los e inspirá-los, a lhes guiar o

juízo o Espírito Santo, haveria entre eles unidades de vistas,

suas decisões seriam unânimes e assinaladas todas pelo cunho

da caridade, da tolerância e do amor universal.

Não nos objeteis que a infalibilidade está com a maioria dos

membros dos vossos concílios. Como o provareis?

Ao contrário, a minoria deles é que tem marchado, como

ainda hoje é a minoria dos que compõem a vossa comunidade

que marcha nas pegadas do Mestre; que deu e dá, não por pala-

vras, mas pelos pensamentos e pelos atos, exemplos de doçura,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 149

de humildade, de desinteresse, de frugalidade, de temperança,

de sobriedade, de castidade, de paciência, de resignação, de

caridade e de amor para com todos. Quais, dentre os da maioria

dos vossos concílios, os que, imitando os apóstolos e os seus

primeiros imitadores, hão exemplificado a abnegação e o devo-

tamento, a tolerância e a fraternidade para com todos os homens

igualmente (Judeus e Gentios), abstração feita dos cultos exter-

nos, chamando-os todos a si e lhes dizendo do fundo do coração:

Não temos senão um pai, que está nos céus, não temos senão

um senhor e mestre — o Cristo e todos somos irmãos?

Não era na maioria dos membros dos vossos concílios que

se encontravam o orgulho, a ambição, o fanatismo, a intole-

rância, muitas vezes o egoísmo e não raro a incredulidade?

Quem então os assistia e inspirava, quem lhes presidia às

decisões — o Espírito Santo, isto é, os bons Espíritos, os

Espíritos de luz e de verdade, ou, ao contrário, Satanás, isto é,

os maus “Espíritos, os Espíritos de erro e de mentira”?

Em segundo lugar, hão dito, para afastar da revelação espí-

rita os homens, que só Satanás teve e tem o poder de se comu-

nicar, que só ele se comunica mediunicamente com os deste

mundo.

Não vos detenhais com essas puerilidades interesseiras,

monstruosas em si mesmas, devidas à ignorância ou à má-fé, e

que são desmentidas não só pelas tradições históricas, pelos

fatos ocorridos em todos os tempos e entre todos os povos,

como também pelas sucessivas revelações que o Senhor vos

tem enviado. A lei natural é imutável da atração magnética,

assim no domínio espiritual como na esfera material, não

existiu sempre, de toda a eternidade?

Não é sob a influência atrativa dos fluidos simpáticos que

em todos os tempos se verificaram as relações entre os Espíritos

errantes e os encarnados, que estes e aqueles foram e são

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150 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

atraídos uns para os outros, desde que os mesmos sentimentos

e pensamentos, os mesmos gostos e inclinações existem nuns e

noutros?

Não é em virtude da atração que esses fluidos exercem uns

sobre os outros por analogia de espécie, de natureza, que o

encarnado, conforme sejam bons ou maus seus sentimentos,

pensamentos, gostos e pendores, atrai a si, pela inspiração, as

boas, ou más influências ocultas, ou, pelas comunicações

mediúnicas, as ostensivas?

A comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal,

a ação mediúnica, oculta ou ostensiva, consciente ou incons-

ciente, não existiram sempre? Não foram o instrumento e o

caminho de todas as revelações feitas aos homens? Não foram

elas que desde a origem dos tempos, desde a mais remota

antiguidade até aos dias de hoje, inspiraram aos homens a

ideia da sua origem espírita, as da imortalidade da alma e da

divindade?

Não são elas que os têm trazido sempre sujeitos às boas e às

más influências, conforme às condições morais de cada um;

que lhes infundiram as crenças politeístas, preparatórias do ad-

vento do monoteísmo; que os levaram a fazer de todas as virtu-

des, como de todas as paixões e de todos os vícios, Deuses?

Não serviram para preparar entre os “Gentios”, com o

auxílio de Espíritos encarnados em missão, a crença

esclarecida na imortalidade da alma, na unidade divina, no

monoteísmo, na reencarnação?

Porque, ao povo hebreu, atrasado e supersticioso, mas desti-

nado a constituir-se o depositário da crença monoteísta, para

transmiti-la às gerações futuras, proibiu Moisés que inter-

rogasse os mortos, que lhes pedisse a verdade, senão para

preservá-lo de ser, pelos Espíritos inferiores e impuros que o

cercavam, desviado da senda por onde lhe cumpria enveredar?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 151

E Moisés, bem como, depois dele, os profetas prepostos ao

advento da era nova do monoteísmo, não se comunicavam,

pela ação mediúnica, tanto oculta quanto ostensiva, com o

“Espírito Santo”, isto é, com os Espíritos bons, com os

Espíritos superiores, que os assistiam, inspiravam e guiavam,

em nome do Senhor?

A comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal,

existente desde todos os tempos, antes mesmo que Moisés

viesse desempenhar a sua missão, antes que a Igreja católica

instituísse os dogmas da queda dos anjos, do demônio, de

Satanás, da condenação eterna, não continuou a verificar-se até

aos dias que correm?

Ao longo da marcha dos séculos não se vos deparam

marcos que vos dizem: “Parai aqui e encontrareis traços de

fatos idênticos aos que vos surpreendem; escavai, procurai e

muitos outros descobrireis, que as chamas das fogueiras, os

instrumentos de tortura e os cárceres furtaram ao

conhecimento dos homens”?

Onde, senão nessa comunicação entre os mundos espiritual

e corporal, tem ido a Igreja buscar os elementos de

beatificação dos que viveram no seu meio e que a influência

mediúnica não fez sair do círculo de seus ensinos dogmáticos,

de seus mandamentos humanos? Daquela comunicação entre

os mundos visível e invisível não tirou a Inquisição tantas

vezes motivo para condenar à morte pelas torturas, ou nas

fogueiras, os que a seu ver estavam, por efeito da influência

mediúnica, fora do redil da Igreja?

O Espiritismo, lei natural e imutável estabelecida por Deus

de toda a eternidade, pelo simples fato da sua existência, real,

ou considerado como sendo apenas a comunicação entre o

mundo espiritual e o mundo corporal, não é uma revelação

nova. Não deveis tomar esta denominação como indicando que

se vos há explicado um mistério recém-importado para vos

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152 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

reconduzir, não. Trata-se tão-somente de uma ampliação dada

hoje ao que sempre existiu. A liberdade de consciência, de que

hoje gozais, permitiu que fatos outrora abafados se pudessem

grupar, formando um conjunto que vos atraísse a atenção.

Porém, essa amplificação das relações entre as almas livres e

as prisioneiras não constitui uma revelação nova. O

Espiritismo vos traz uma revelação, não pelo simples fato de

existir, repetimos, mas pelas explicações que vos dá, em

espírito e verdade, das vossas origens e fins e pelos meios que

vos proporciona de chegardes a esses fins.

Negar a ação mediúnica, oculta ou patente, do Espírito

Santo, isto é, dos Espíritos bons, dos Espíritos de luz e

verdade, sobre os homens; negar a comunicação entre eles e

estes; não admitir, como comunicação do mundo espiritual

com o mundo corporal, senão a de "Satanás", isto é, dos

Espíritos maus, dos Espíritos do erro e da mentira, equivale a

rejeitar todo o passado da humanidade terrena, as tradições de

todos os fatos que ela registrou, todas as revelações que vos

têm sido sucessiva e progressivamente trazidas, o Antigo e o

Novo Testamentos, os fatos, que um e outro relatam, de

manifestações espíritas, de comunicação dos "anjos", isto é,

dos bons Espíritos, dos Espíritos purificados, com os homens.

Como foi, senão por uma manifestação espírita, por uma

comunicação do mundo espiritual com o corporal, que Deus

enviou a Moisés, no Sinai, as tábuas da lei, o Decálogo?5

De que modo, senão por meio de uma manifestação espírita,

de uma comunicação do mundo espiritual com o mundo

corporal, foi o Messias anunciado a Abraão e depois aos

Hebreus pelos profetas de Israel? Que eram estes, senão

médiuns inspirados, audientes, instrumentos inconscientes dos

5 Ver o que a este respeito se diz nas explicações dos

Mandamentos.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 153

Espíritos do Senhor? De que modo, senão por aquele, Jesus,

Espírito, puramente Espírito, perfeito, visualmente encarnado,

para os homens, lhes trouxe, desempenhando a sua missão

terrena, a boa nova, a lei de amor, a regeneradora doutrina, que

não era sua mas daquele que o enviara? De que maneira, senão

por uma manifestação espírita, lhes fez ele, proferindo palavras

proféticas também veladas, a velada revelação do futuro do

vosso planeta e da sua Humanidade? Por que maneira outra

lhes prometeu o advento do Consolador, que é o Espírito

Santo, do Espírito da Verdade e, conseguintemente, das comu-

nicações dos bons Espíritos, dos Espíritos purificados, com os

homens, nos tempos predeterminados pelo Senhor, tempos

cujos sinais se produziram outrora, se produzem hoje e se

produzirão cada vez mais na Terra?

Negar a ação mediúnica, oculta ou manifesta, do Espírito

Santo, ou seja: dos bons Espíritos, dos Espíritos de luz e de

verdade, sobre os homens e não admitir, como comunicação

do mundo espiritual com o corporal, senão a de “Satanás”, ou

seja: dos Espíritos maus, dos Espíritos de erro e de mentira, é

insultar a justiça, a bondade e a misericórdia infinitas de Deus;

é negar a sua sabedoria infinita, a sua providência e a ação

desta entre os homens, negando ao mesmo tempo a lei

imutável do progresso, que rege o universo inteiro e que vos

conduzirá à perfeição, lei essa da qual a do sofrimento, da

expiação, constitui uma modalidade de que a vossa

humanidade ainda necessita, no período de inferioridade moral

em que ainda se acha o vosso planeta.

Em terceiro lugar, dizem: Se os bons Espíritos, órgãos do

Espírito da Verdade, podem comunicar-se com os homens,

igualmente o podem os maus, mentirosos, hipócritas inteli-

gentes e hábeis, anjos de trevas, transformando-se em anjos de

luz. Falível de si mesma a razão humana e, portanto, incapaz

de, com exatidão, distinguir da mentira e do erro a verdade,

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154 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

nas comunicações mediúnicas, impossível se torna saber se a

comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal é

obra da verdade, ou se, ao contrário, é obra de erro e mentira,

uma vez que o homem não tem meios de saber com certeza se

o Espírito que se comunica é órgão do Espírito Santo, do

Espírito da Verdade, ou de “Satanás”.

Esta objeção inquina igualmente de incerteza as decisões

dos concílios, que se dizem estar sob a inspiração do Espírito

Santo. Como acima vos fizemos notar, desde que não há entre

os membros da Igreja, quando reunidos em concílio, unani-

midade de sentimentos, de pensamentos, de vontade, de

aspirações, há dupla influência: uma boa, a outra má. Quais os

que recebem a boa? Tal a questão a resolver.

Para as inspirações da Igreja, como para as dos médiuns, há

um critério infalível: a consciência, que exerce a sua ação

fiscalizadora por meio da razão, verdadeiro testemunho de

Deus entre os homens.

Esquadrinhai a história dos papas, dos concílios e buscai

nos julgamentos proferidos os sentimentos de abnegação, de

desinteresse, de amor universal que lhes presidiram às

decisões. Quando os houverdes encontrado podereis dizer:

Isto emanou verdadeiramente do “Espírito Santo”.

Para as comunicações particulares, a pedra de toque é a

mesma. Onde quer que se vos deparem o amor e a caridade

abatendo o orgulho, a avareza, a ambição, os vícios que

disputam a posse da humanidade e a dilaceram, podereis dizer:

“Isto provém dos bons Espíritos do Senhor; foi o Espírito

Santo quem inspirou os médiuns”.

Na ordem espiritual, pelo que concerne às verdades de

além-túmulo que vos são espiriticamente reveladas, bem como

pelo que toca às verdades que surgem no campo da ciência

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 155

humana, há também o mesmo critério infalível: a consciência,

que exerce a sua ação governativa por meio da razão e que,

mediante as contradições, sob a ação do progresso dos tempos

e das inteligências, assegura a vitória de todas as verdades e

determina a condenação de tudo o que seja erro ou mentira.

Não esqueçais as palavras, já por nós explicadas, que

Simeão pronunciou no templo, falando de Jesus, que é a luz do

mundo, o caminho, a verdade, a vida, o Cristo de Deus, o

Espírito da Verdade, por ser desta a personificação, o

complemento e a sanção: “Este menino que aqui vedes vem

para ruína e ressurreição de muitos em Israel, para ser alvo

das contradições dos homens”.

As revelações são sucessivas e progressivas. Cada uma

explica e desenvolve a que a precedeu e é explicada e

desenvolvida pela que a segue. Cada uma é sempre apropriada

ao estado das inteligências e às necessidades da época e vem

pela vontade de Deus para, segundo a sua presciência e

sabedoria infinitas, conduzir a humanidade pela senda

ascensional do progresso.

Assim como, sob o regímen da lei antiga, houve Moisés e

os profetas, que eram médiuns, inspirados, audientes, videntes,

conforme a natureza e as exigências da missão que lhes cabia

na execução da obra progressiva; assim como, para a revelação

que o Cristo vos trouxe, houve os apóstolos, os discípulos, que

também eram médiuns, inspirados, audientes, ou videntes,

conforme as condições e as necessidades da missão que lhes

tocara na grande obra de regeneração da humanidade terrena;

hoje, igualmente, para a revelação que, em nome do Espírito

da Verdade, vos trazem os Espíritos do Senhor, há e haverá

cada vez mais, no futuro, médiuns de confiança, fiéis, e missio-

nários encarnados para, com o concurso desses médiuns, rece-

berem mediunicamente e espalharem a luz e a verdade. Dis-

semos que, no futuro, haverá cada vez mais médiuns, porque,

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156 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

como já tivemos ocasião de vos declarar, Deus nada espera

dos efeitos do “acaso”. Tudo tem sido, é e será preparado

pelas encarnações necessárias.

As verdades espiriticamente reveladas serão alvo das contra-

dições, como sucede com todas as verdades que surgem entre

os homens. Mas, das contradições, como sempre acontece no

seio da humanidade, é que sairá, com o progresso dos tempos

e das inteligências, pela ação contínua do vosso desenvol-

vimento físico, moral e intelectual, o triunfo para aquelas

verdades.

Auxiliando-vos nessa empresa, tereis a ação, ora oculta, ora

patente, dos Espíritos purificados que, sob a direção do

Mestre, trabalham pelo vosso progresso, mediante inspirações

e comunicações mediúnicas, e tereis também os Espíritos que

virão encarnar com a missão de defender essas verdades e de

vos levar a reconhecê-las como tais. Eles vos levarão a

reconhecê-las, pela liberdade do Senhor, que vem a ser:

liberdade de consciência, liberdade de razão, liberdade de

exame. Efetivamente, como também já tivemos ocasião de

dizer, a liberdade do Senhor implica, para vós, o uso livre da

razão, a apreciação dos fatos e das coisas, a aplicação da

ciência, a marcha progressiva em todos os assuntos, mas tudo

isso com inteira simplicidade de coração, com humildade de

Espírito, desinteresse e desejo de progredir, tendo por guias

únicos o amor de Deus acima de tudo e o amor ao próximo

mais do que a si mesmo.

Em quarto lugar, dizem finalmente: “Todos se devem abster

de qualquer comunicação com o mundo espiritual, de quaisquer

comunicações mediúnicas, atendo-se todos à revelação trazida

por Moisés, à revelação trazida pelo próprio Jesus quando

desempenhou a sua missão terrena, às interpretações que a

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 157

Igreja deu a essa dupla revelação e repelindo a revelação

espírita”.

Porventura a revelação que Moisés trouxe impediu o

aparecimento dos numerosos profetas que surgiram em Israel,

todos esses Espíritos em missão, médiuns inspirados e guiados

pelos Espíritos do Senhor, tendo todos por objetivo reconduzir

os Israelitas às crenças puras, libertando-os dos laços com que

os tinham presos a tradição e a ambição dos levitas?

A segunda revelação, que aceitastes porque a vistes predita

no Antigo Testamento, não vos anunciou, por sua vez, que em

si não trazia aos homens a última palavra, pela razão de não se

achar a inteligência destes em estado de a compreender? — Há

mil e oitocentos anos não se têm erguido profetas, quais os de

Israel, anatematizando as heresias introduzidas nos Evan-

gelhos tão brandos e simples de Jesus? Combates não se

travaram entre os enviados que pregavam a lei pura e a ela

queriam voltar e os que a tinham falseado e queriam mantê-la

falseada pelas práticas materiais, pelos dogmas, pelos

mandamentos humanos?

E ainda agora não vedes os sinais dos tempos? Na segunda

revelação Jesus predisse e prometeu aos homens que, nos

tempos do “fim do mundo”, do céu cairiam as estrelas e as

virtudes do céu se abalariam; que, em seu nome, o pai lhes

enviaria o Consolador, que é o Espírito Santo, o qual lhes

ensinaria todas as coisas e lhes lembraria quanto ele dissera;

que o Espírito da Verdade viria e que, quando viesse, lhes

ensinaria toda a verdade, porquanto não falaria por si mesmo e

sim diria o que houvesse escutado; que lhes anunciaria as

coisas porvindouras e que seria o mesmo Espírito da Verdade

quem o glorificaria.

Os tempos preditos chegaram. Os Espíritos do Senhor

(virtudes dos céus que se abalaram, estrelas que do céu caem

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158 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

ao mesmo tempo sobre todos os pontos do vosso planeta,

consolador que é o Espírito Santo, o Espírito da Verdade)

estão vindo preparar e realizar o fim do mundo do erro e da

mentira, glorificar a Jesus, recordar-vos tudo o que este disse,

explicando, em espírito e verdade, e desenvolvendo os seus

ensinamentos, ensinar-vos progressivamente toda a verdade e

anunciar-vos as coisas que hão de vir.

A terceira revelação, que assim vos trazem os Espíritos do

Senhor, enviados pelo pai em nome de Jesus, vos é feita na

medida do que podeis suportar e continuará progressivamente

a ser feita, na medida do que vos for sendo possível receber.

Ainda agora, não acrediteis que tendes a revelação integral.

Os Espíritos do Senhor vêm preparar o novo advento de Jesus

que, quando fordes capazes e dignos de recebê-lo, vos virá

mostrar sem véu a verdade, da qual ele é, como Espírito da

Verdade, o complemento e a sanção.

Nota da Editora — Na época em que essa obra foi transmitida,

ainda não havia sido criado o dogma da infalibilidade papal. — W.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 159

MATEUS, Capítulo XVIII, vv. 21-35

Perdão das injúrias e ofensas.

Parábola dos dez mil talentos.

V. 21. Então, aproximando-se dele, Pedro lhe perguntou: Senhor,

perdoarei a meu irmão todas as vezes que pecar contra mim? Fá-lo-

ei até sete vezes? — 22. Respondeu Jesus: Não te digo até sete

vezes, mas até setenta vezes sete. — 23. Por isso o reino dos céus se

assemelha a um homem rei que quis tomar contas aos seus servos.

— 24. Tendo começado o ajuste, apresentou-se lhe um que lhe devia

dez mil talentos6. — 25. Como não tivesse com que os pagar,

ordenou seu senhor que fossem vendidos ele, a mulher, os filhos e

tudo quanto possuía, para pagamento da dívida. — 26. Aquele

servo, porém, lançando-se lhe aos pés, lhe suplicava: Senhor, tem

paciência comigo e tudo te pagarei. — 27. O senhor, então,

compadecido dele, o mandou embora e lhe perdoou a dívida. — 28.

Dali saindo, entretanto, aquele servo encontrou um companheiro que

lhe devia cem denários7 e, agarrando-o, lhe dizia, a sufocá-lo: Paga

o que me deves. — 29. O companheiro, lançando-se lhe aos pés, lhe

rogava: Tem paciência comigo e tudo te pagarei. — 30. O outro não

quis; foi- se dali e mandou metê-lo no cárcere até que pagasse o que

devia. — 31. Vendo os outros servos, seus companheiros, o que se

passava, ficaram muito contristados e foram contar ao senhor o que

havia ocorrido. — 32. Então o senhor o chamou e lhe disse: Servo

mau, eu te perdoei, porque me pediste, toda a tua divida; — 33, não

devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como tive de

ti? — 34. E, irritado, o entregou aos verdugos até que pagasse toda a

sua dívida. — 35. Assim também fará convosco meu pai celestial, se

cada um de vós não perdoar a seu irmão do intimo do coração

6 Um talento tinha o valor aproximado de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros),

moeda brasileira, em 1952. Em 2015 o valor aproximado é R$ 2,00 (dois reais). 7 Moedas de prata do valor de 20 centavos.

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160 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

N. 230. Nunca leveis em conta a ofensa, ó bem-amados.

Sede sempre prontos a perdoar tantas vezes quantas vos

ofenderem. Seja infatigável a vossa indulgência.

Não esqueçais que o Senhor vos julgará do mesmo modo

por que houverdes julgado os vossos irmãos. Saldai, pois,

todas as suas dívidas, dai-lhes tempo para pagá-las, como o

Senhor lhes dá.

Não esqueçais que vós, que haveis recebido ofensas, que

sois credores dos vossos irmãos, tendes ofendido a vosso pai e

lhe deveis muito mais do que vos devem. Se, portanto, quereis

que para convosco use ele de misericórdia, sede misericor-

diosos. Se quereis que ele esqueça, esquecei. Repeti continua-

mente, no fundo dos vossos corações, esta sentença tão grande

e que constitui a chave de todos os ensinos: “Não façais a

outrem o que não desejaríeis que vos fizessem”.

Lembrai-vos sempre desta outra ainda mais extensa: “Fazei

aos outros tudo o que quereríeis que vos fizessem”.

Estas palavras encerram o amor fraterno com o máximo de

devotamento.

Para fazer ressaltar a necessidade do perdão das ofensas e

apontar, sob forma material, intencionalmente veladas, as

consequências da falta ou da recusa do perdão, Jesus recorreu

a uma parábola apropriada aos tempos e às inteligências, capaz

de tocar e impressionar as massas populares.

“E o Senhor, irritado, disse ele, entregou o servo mau aos

algozes, até que pagasse o que devia”. E acrescentou: “assim

também meu pai celestial fará convosco, se cada um de vós

não perdoar do íntimo da alma a seu irmão”.

Se não relevardes aos vossos irmãos suas dívidas, se

fizerdes sobre eles cair o peso da vossa cólera, o peso de suas

faltas, o Senhor, juiz reto, usará de represálias. A sua

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 161

indulgência não se estenderá por sobre aquele que não tenha

sabido ser indulgente. Sim, a falta ou a recusa de perdão das

ofensas é egoísmo, secura de coração, muitas vezes efeito do

orgulho, vícios estes que são raízes fortes para o crescimento

da carne. Esforçai-vos, pois, por arrancá-los. Eles constituem

casos de expiação e de reencarnações e um obstáculo a que o

Espírito saia dos mundos inferiores, o que só se dará quando

se houver tornado capaz de perdoar sempre, incessantemente,

do fundo da alma a seu irmão.

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162 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XIX, vv. 1-9 — MARCOS, Cap. X, vv. 1-9

Divórcio. — Casamento.

MATEUS: V. 1. Tendo acabado de dizer essas coisas, Jesus

deixou a Galileia e foi para os confins da Judéia, além Jordão. — 2.

Grandes multidões o acompanharam e ali curou ele os doentes. — 3.

Dele se acercaram os fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: E

lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer causa? — 4.

Respondeu Jesus: Não tendes lido que aquele que no princípio criou

o homem o criou macho e fêmea e disse: — 5. Por isto o homem

deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só

carne? — 6. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Não separe,

pois, o homem o que Deus uniu. — 7. Replicaram eles: Como é

então que Moisés mandou que desse carta de repúdio à mulher e a

despedisse? — 8. Respondeu Jesus : Por causa da dureza de vossos

corações é que Moisés vos permitiu repudiásseis vossas mulheres;

mas, no princípio não foi assim. — 9. Eu, porém, vos digo que

aquele que repudiar sua mulher, a não ser por motivo de adultério, e

casar com outra, comete adultério, assim como aquele que casar

com uma mulher repudiada, também comete adultério.

MARCOS: V. 1. Dali partindo, veio Jesus para os confins da

Judéia, além Jordão; de novo as multidões se reuniram em torno

dele, que recomeçou a ensiná-las, como costumava. — 2. Chegaram

então alguns fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: E licito a

um homem repudiar sua mulher? — 3. Ele, respondendo, perguntou:

Que vos prescreveu Moisés? — 4. Responderam-lhe eles: Moisés

permitiu despedir a mulher, dando-lhe carta de repúdio. — 5. Jesus

lhes replicou: Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés

vos escreveu esse mandamento. — 6. Porém, desde o princípio do

mundo, Deus os fez macho e fêmea. — 7. Por essa razão o homem

deixará pai e mãe e se ligará à. sua mulher. — 8. E serão dois numa

só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. — 9. Não

separe, pois, o homem o que Deus uniu.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 163

N. 231. Já vos demos (1o Volume, N. 84, Página 432)

algumas explicações sobre a união do homem e da mulher.

Chegou o momento de as completarmos.

Em resposta às duas questões que sucessivamente lhe

propuseram os fariseus, Jesus, dando aos homens um

ensinamento, se externa, de modo velado, sobre a união do

homem e da mulher, do ponto de vista da lei divina e do das

leis humanas, das leis civis. Respondendo à primeira pergunta,

que lhe dirigiram nestes termos: “É lícito ao homem repudiar

sua mulher, por qualquer causa”? diz ele aos fariseus:

“Não tendes lido que aquele que no princípio criou o

homem o criou macho e fêmea” e que disse: “Por isto, o

homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois

numa só carne”?

E acrescentou: “Assim, já não são dois, mas uma só carne.

Não separe, pois, o homem o que Deus uniu”.

Proferindo essas palavras, Jesus atendia ao presente e

preparava o futuro. Só como consequência e efeito da

depuração moral da humanidade, elas se cumprirão

integralmente. Por enquanto, continuam sendo palavras ditas

para o futuro. As forças da civilização e do progresso vos têm

preparado para essa obra de depuração moral. O progresso se

operou penosamente, lentamente, mas operou-se. Aproximam-

se os tempos, se bem estejam ainda muito distantes — em que

o homem não mais terá que separar o que Deus uniu.

Cada revelação, como sabeis, apropriada sempre ao estado

das inteligências e às necessidades da época, tem por objeto e

por efeito servir ao presente e preparar o futuro. O véu que

cobre cada uma delas tem que ser sucessiva e progressiva-

mente levantado pelas que se lhe seguirem.

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164 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Assim, à vossa humanidade foi dado o que ela então podia

suportar. Dá-se lhe atualmente o que suportar ela pode e o que

puder ir suportando lhe irá sendo dado, na proporção do

desenvolvimento do seu progresso moral e intelectual, até ao

dia em que Jesus, vosso protetor, governador e mestre, Espírito

da Verdade, como complemento e sanção desta, vo-la vier

mostrar sem véu.

A revelação que trazemos vos vem explicar e tornar

compreensíveis, em espírito e verdade, o sentido e o alcance

das palavras do Cristo.

Já nos Ns. 55, 56 e seguintes vos fizemos notar o caráter

emblemático da criação segundo a Gênese. A formação do

homem e da mulher8, saindo uma e outro das mãos do Criador,

como das do oleiro saem as estatuetas de barro, é apenas um

emblema representativo da união íntima do macho e da fêmea.

Figurou-se que só os dois foram criados, a fim de se não

separarem.

Moisés, por intuição e revelações mediúnicas, conhecia a

origem da alma. Inspirado e guiado pelos Espíritos superiores,

revelou, veladamente, o que sabia da origem humana.

Apresentando o homem e a mulher como saídos das mãos do

Criador, dava maior importância, quer à obra, quer à queda

dos dois e rasgava imensos horizontes ao desejo de coisa

melhor. Dizendo que Deus criou à sua imagem o homem e que

o criou macho e fêmea, realçava-os a seus próprios olhos',

dava-lhes a aspiração do bem, a consciência do que poderiam

ser. Ele conhecia, repetimos, a origem da alma, sabia que esta,

saída pela vontade de Deus do princípio universal, tem que

chegar, progredindo incessantemente, a um estado de pureza

que, por assim dizer, a assimila ao Criador.

8 Gênese, Capítulo I, v. 27 e Capítulo II, vv. 17, 21, 22, 23, 24.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 165

Lembrando as palavras emblemáticas da Gênese e

acrescentando: “Assim, já não são dois, mas uma só carne;

não separe, pois, o homem o que Deus uniu”, mostra Jesus o

caráter de indivisibilidade de que, segundo a lei divina, se deve

revestir a união do homem e da mulher, para cumprirem os

dois, em comum, unidos os corpos e as almas, todos os

deveres decorrentes dessa união na peregrinação terrena.

A lei divina não é somente de ordem material, é também de

ordem moral. O casamento, sob o ponto de vista da natureza

humana, não é mais do que a união de dois corpos para a

reprodução. Não se entreguem eles ao deboche, não se

maculem, sofram a ação das leis animais da natureza a que

pertencem, e a justiça do Senhor não os atingirá.

Mas, ao lado da lei divina de ordem material, que instituiu a

união livre dos sexos para cumprimento da de reprodução em

todos os reinos da natureza, está a lei divina de ordem moral,

isto é, a lei do amor, que vedes a se executar em todos os reinos

da natureza, de acordo com a do progresso. No reino animal,

observareis aquela lei afirmando-se primeiramente sob a forma

da promiscuidade; depois, manifestando em certas espécies os

sinais precursores da união intima dos corpos e das almas e,

portanto, do cumprimento destas palavras da Gênese, relativas

ao homem e à mulher: Serão dois numa só carne.

A união do homem e da mulher virá a ser ao mesmo tempo

livre e indissolúvel, de conformidade com o sentido que, em

espírito e em verdade, têm aquelas emblemáticas palavras da

Gênese, lembradas por Jesus aos fariseus. Tal união virá a ser

ao mesmo tempo livre e indissolúvel perante Deus, de acordo

com a lei natural, pela união inalterável e solidária dos corpos

e das almas. E dará livremente frutos de justiça e de castidade,

sob a ação da lei do amor, praticando os dois que assim se

unirem, ambos criaturas independentes, livres e responsáveis,

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166 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

todos os deveres que lhes impõem, tanto o estado conjugal,

quanto a paternidade e a maternidade com relação aos Espíritos

que encarnarem como seus filhos, para se submeterem a novas

provas.

A esta outra pergunta dos fariseus:

“Como é então que Moisés mandou que desse carta de

repúdio à mulher e a despedisse”?

Jesus respondeu:

“Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos

permitiu repudiásseis vossas mulheres; mas no principio não

era assim”.

A princípio, a carta de divórcio só podia ser dada à mulher

estéril, por ser a esterilidade considerada uma deformidade

oculta.

Em tempos mais remotos, quando a ambição, o desejo de

acumular riquezas ainda não escravizavam o homem, pouco

lhe importava que a sua companheira fosse ou não estéril. Ele

satisfazia às exigências da animalidade e nada mais buscava.

Quando se lhe fez sentir a necessidade de formar sociedade,

quando os povos pastores surgiram, ou, pelo menos, quando se

desenvolveram, a multiplicidade dos filhos se tornou uma

riqueza. A partir de então é que a mulher estéril começou a ser

perseguida, mesmo eliminada.

À vista dos abusos a que dava lugar esse anseio pelo

aumento das populações, Moisés autorizou o divórcio, se bem

que nessa época não existissem mais os motivos que faziam

outrora desejada a multiplicidade dos filhos. É que o homem,

orgulhoso de tudo, entrara a considerar como mérito seu,

pessoal, o lhe dever a vida maior ou menor número de entes

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 167

humanos. A mulher estéril passou, pois, a ser vítima de todos

os maus tratos.

Cumprindo, porém, evitar a dissolução legal dos costumes,

praticada abusivamente à sombra da carta de divórcio,

porquanto cada homem se acreditava no direito de tomar e

abandonar uma mulher logo que houvesse saciado a sua

luxúria, Jesus pronunciou estas palavras que, como todas as

que proferiu, tinham que produzir frutos no futuro:

“Eu, porém, vos digo que aquele que repudiar sua mulher,

a não ser por motivo de adultério, e casar com outra comete

adultério, assim como também comete adultério aquele que

casar com uma mulher repudiada”.

Ainda agora, entre vós outros, homens civilizados, mas não

depurados, a carta de divórcio, se fosse dada arbitrariamente,

ao capricho do homem, não constituiria um pretexto para a

libertinagem, uma fonte de dissolução legal dos costumes?

Dizendo que se não separasse o que Deus unira, o Cristo

cortou cerce o abuso do século em que desceu à Terra e pôs

óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Mas, ele não

condenou dois Espíritos antipáticos a se desencaminharem

reciprocamente.

De acordo com a lei divina, não deveis constranger

fisicamente dois Espíritos antipáticos a se acotovelarem

diariamente. Mas, também não se deve aproveitar dessa

faculdade como pretexto para o desregramento. Isto em nada

contraria as palavras de Jesus. Ele disse: “Não separeis o que

Deus uniu”. Porém, não disse: Forçai a viver em comum os

que não se podem aproximar sem se excitarem mutuamente à

prática de faltas, transgredindo a lei de caridade.

O divórcio não pode existir e não existe perante o Senhor,

senão quando um Espírito, pelos seus exemplos ou palavras,

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168 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

impele ao mal um outro com quem antipatize, porque então,

na ordem moral, há adultério. Os corpos do homem e da

mulher nada valem aos olhos do Senhor, no sentido de que

Deus, ao formar o homem e a mulher, cogitou do espírito e

não do corpo, mero instrumento, para aquele, das suas

provações terrenas, na senda da reparação e do progresso. O

Espírito, portanto, é que o homem e a mulher devem preservar

de máculas. Sendo um ou outra adúltero, não induz o Espírito

que lhe está unido a cometer falta idêntica e isso quer o

primeiro seja adúltero, isto é, violador da lei de Deus, de

corpo, por entregar-se aos abusos da carne, quer o seja de

espírito, por transgredir, com seus exemplos e palavras, a lei

de justiça, de amor e de caridade? Não será melhor separar os

galhos da árvore do que deixar que esta dê maus frutos?

Notai que entre vós o casamento perde todo o caráter

sagrado que deve ter e não passa, na maioria dos casos, da

execução de um contrato comercial, no cumprimento de cujas

obrigações as duas partes contratantes se mostram mais ou

menos escrupulosas.

Ele está submetido a legislações humanas, a leis civis,

derivadas da missão terrena de Jesus, como das que Moisés

deu ao povo hebreu. Mutáveis, por natureza, como tudo o que,

na ordem moral e intelectual, emana da vossa humanidade

essencialmente perfectível, essas leis variam de conformidade

com os tempos, com os lugares e com o progresso das

inteligências. Têm por objeto reprimir, corrigir os abusos e

fazer-vos avançar. Essa obra progressiva, mau grado às

oscilações, ou às resistências reacionárias, se executa, sob os

auspícios das sucessivas revelações, pela impulsão, oculta ou

patente, consciente ou inconsciente, que lhe dão os Espíritos

do Senhor, providência de Deus entre vós, e os Espíritos

encarnados em missão.

Page 123: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 169

Até aos vossos dias se hão sucedido as leis civis sobre o

divórcio e o casamento, emanadas da renovação social de

1789, que foi um dos mais gloriosos passos da humanidade na

estrada do progresso. Elas sofreram as inevitáveis variações

devidas sempre à luta incessante entre as influências progres-

sistas e as influências reacionárias, mas a lei do progresso é

imutável, como tudo o que vem de Deus.

A lei sobre o casamento precisa ser, depois de profunda

meditação, refeita nos moldes da lei natural perante Deus.

Mas, para isso, cumpre que as paixões e a cupidez do homem

tenham cedido lugar a sentimentos mais elevados. Cumpre que

a missão do homem e da mulher seja compreendida no que

tem de santo e de grande aos olhos do Senhor. Cumpre que

homem e mulher compreendam os deveres imensos que

assumem, quando aceitam a responsabilidade do casamento,

deveres sagrados aos quais não lhes é permitido esquivar-se,

deveres cuja satisfação Deus protege com o seu amor, porque

eles consagram as leis da natureza.

A sociedade, porém, está ainda muito submetida aos precon-

ceitos, aos abusos, aos vícios, para que semelhante reforma se

possa realizar. Entretanto, cada dia traz o seu grão de areia,

que se sobrepõe ao precedente. E esses grãos de areia acabarão

por formar uma muralha impenetrável aos vícios da humani-

dade. Esperai, pois, que o progresso se opere, não vos arris-

queis, com o apressá-lo demasiado, a destruir o bem adquirido.

Homens, tornai-vos o que deveis ser — filhos do Senhor.

Suas bênçãos então descerão sobre vós e não mais tereis que

separar o que Deus uniu.

Sim, a união do homem e da mulher tem que ser e será o

que, em nome do Senhor, Moisés veladamente anunciou,

declarando: “Serão dois numa só carne”, palavras estas que o

Cristo sancionou, dizendo: “Assim, já não são dois, mas uma

só carne; não separe, pois, o homem o que Deus uniu”.

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170 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Como consequência e resultado da vossa depuração moral e

sob a influência espírita, o casamento tem que ser e será uma

escolha livre, aceita livremente diante de Deus e que

livremente se manterá até à morte de um dos cônjuges, Será

um acordo e um apoio mútuos, que nada poderá romper. Será

um concurso nas provações e a firme vontade de, mesmo

depois de interrompido na Terra, conservá-lo na erraticidade e

nessa vida, para vós futura, na qual, como o disse Jesus, não há

“marido e mulher”, porquanto a união contraída na Terra

constituirá um laço forte a unir, na eternidade, os que o

formaram por uma simpatia para sempre inalterável.

Durante largo tempo, a bênção religiosa foi o único ato de

consagração do casamento e ainda o será. Nas épocas

anteriores à vinda de Moisés, nessas épocas remotas, os pais e

os esposos invocavam a bênção do Senhor. Nos tempos

hebraicos, que se seguiram àquela vinda, até ao aparecimento

de Jesus na Terra, já se tendo estabelecido um formalismo

patriarcal, a bênção religiosa tomou um caráter mais ostensivo.

Fazia-se mister convidar os parentes e os amigos. Começou aí

o orgulho do brilhantismo das núpcias.

Após o advento do Cristo, a bênção nupcial, nos primeiros

tempos do Cristianismo, naquela época da revivescência da fé,

revestiu caráter mais religioso. O sacerdote implorava para os

jovens nubentes a bênção do Pai de todas as criaturas. Mas,

pouco a pouco, esse uso degenerou em hábito. O sentimento

da fé viva, que reunia na Igreja todos os que se interessavam

pelos noivos, com o fim de, juntando suas preces, torná-las

mais poderosas, cedeu lugar à sede do fausto, ao orgulho do

luxo e da ostentação, corruptor de todos os sentimentos da

humanidade.

As núpcias se tornaram ensejo para festas, para exposição

de riquezas. Ninguém mais se preocupava com a simpatia dos

Page 125: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 171

assistentes, com o fervor das preces que dirigiriam ao protetor

do fraco. Passou-se a escolher os convivas dentre os felizes. A

bênção do sacerdote se tornou mera formalidade.

No período, em que ides entrar, se bem se ache ele ainda

muito distante, o homem será levado a invocar, no silêncio da

natureza e na sinceridade da consciência, para si e para a sua

companheira, as bênçãos do Senhor, pedindo com humildade a

graça de suportarem corajosamente as provas, a força de se

elevarem moralmente, mais do que materialmente, a si e aos

filhos que lhes incumbirá encaminhar na vida. Mas, para isso,

nada de fausto, nada de ruído; apenas as preces dos pais, dos

amigos escolhidos, o silêncio e a sombra, a pureza do coração

e a esperança em Deus.

A união do homem e da mulher será então, perante Deus,

de conformidade com a lei natural, ao mesmo tempo a união

livre de dois corpos para a reprodução e a união indissolúvel

de dois Espíritos pelo laço divino da lei do amor.

Oh! Homens orgulhosos dos vossos costumes, da vossa

sociedade, quão velha e horrenda ela é! quão pouco tem os

méritos que lhe supondes! Múmia coberta de relíquias

douradas e que oculta sua podridão e suas vergonhas sob

farrapos de rendas e seda!

Todavia, ainda por muito tempo será assim, pois que só

gradual e progressivamente a humanidade será levada ao nível

de depuração moral em que o Espírito, purificado, não

precisará mais de freios, porquanto buscará espiriticamente a

companheira que lhe convenha e, guiado pelo amor e pela

caridade, não mais se desfará dela como de um objeto que se

torne sem serventia.

Qual dentre vós não cederia à tentação da luxúria? Qual

dentre vós se mostraria bastante forte sobre si mesmo para não

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172 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

abandonar a mãe de seus filhos por um capricho de ocasião?

Qual dentre vós, mulheres tão orgulhosas das vossas virtudes,

a que se achará isenta do desejo de uma mudança?

A ignorância e a sequestração, de um lado, e, de outro, o

excesso de liberdade e a desmoralização, tais os fundamentos

das vossas torpezas 9.

Compreendeis agora que se faz mister passem sobre vós

muitos séculos para polir todos esses calhaus que resvalaram

na lama e para fazer sair deles o diamante que há de brilhar ao

sol?

N. 232. Qual deveria ser a regra de conduta dos espíritas a

quem fosse recusada a bênção religiosa de acordo com o culto

externo da seita no seio da qual a reencarnação os tivesse feito

nascer?

Que necessidade tendes dos homens para a invocação da

bênção religiosa, que eles vos recusam? Rendei homenagem

ao Criador, implorai a sua bênção e esta descerá sobre vós.

Estais cercados de levitas — os bons Espíritos, os mensageiros

divinos, sempre prontos a vo-la dar em nome do Senhor.

Já vos dissemos: De conformidade com a lei natural e

abstração feita de qualquer formalismo religioso, o casamento,

aos olhos de Deus, consiste no acordo livre, livremente aceito

e, até à morte de um dos cônjuges, mantido pela união dos dois

corpos para a reprodução e pela das almas para a execução da

lei de amor e de caridade e cumprimento de todos os deveres

que aquela união lhes impõe reciprocamente e com respeito

aos filhos, que ambos terão de encaminhar na vida.

Importa, porém, não esquecer que o fruto, seja qual for, só é

bom quando maduro. Ora, conquanto vosso Pai não julgue os

9 Ver adiante o n. 233 relativo aos vv. 10, 11e 12 de MATEUS.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 173

atos humanos como vós os julgais, evitai o escândalo.

Conformai-vos, tanto quanto seja humanamente possível, com

as leis que vos regem, assim no que concerne à bênção

religiosa, como com relação ao casamento na ordem civil.

Ficai certos de que essas leis se modificarão quando as vossas

naturezas se houverem modificado. Pretender hoje pôr em

prática a lei, aos olhos de Deus, natural, pela união ao mesmo

tempo livre e indissolúvel, antes que a depuração moral da

humanidade haja preparado e implantado o regímen dessa

união, fora querer comer as uvas apenas terminada a floração

da parreira. Esperai pela maturação.

Se a intolerância e a cegueira levarem os homens a vos

recusar a bênção religiosa que eles ministram, mostrai-lhes

que, descendo sobre vós a bênção que implorastes ao Criador e

que vos foi dada, em seu nome, pelos levitas que vos cercam

— os bons Espíritos, os mensageiros divinos, e praticando vós

o casamento segundo a lei natural perante Deus, em vós se

cumpriram estas palavras de Jesus: “Já não são dois, mas uma

só carne; não separe, pois, o homem o que Deus uniu”.

Se fordes obrigados a dá-lo, depois de fazerdes o que seja

humanamente possível por evitar o escândalo, esse exemplo

ficará sendo uma baliza plantada para orientar a marcha da

humanidade na estrada do futuro, que há de ver cumpridas as

palavras, que vos vimos de explicar em espírito e em verdade,

proferidas pelo Mestre.

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174 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MARCOS, Cap. X, vv. 10-12.

— MATEUS, Cap. XIX, vv. 10-12.

Resposta de Jesus à pergunta que lhe dirigiram os discípulos

acerca das condições do casamento. Os que são eunucos

desde o ventre materno e que assim nasceram. — Os que

foram feitos eunucos pelos homens. — Os que se fizeram

eunucos por causa do reino dos céus.

MARCOS: V. 10. Em casa, os discípulos o interrogaram de novo

a esse respeito. — 11. Disse-lhes ele: Se um homem deixa sua

mulher e casa com outra comete adultério por causa da primeira. —

12. E se uma mulher deixa o marido e casa com outro também

comete adultério.

MATEUS: V. 10. Disseram-lhe então os discípulos: Se tal é a

condição do homem com relação à esposa, não convém casar. — 11.

Jesus lhes disse: Nem todos compreendem esta palavra, mas sim

aqueles a quem isso é dado. — 12. Porque, há os que do ventre

materno nasceram eunucos; há os que foram feitos eunucos pelos

homens e outros há que a si mesmo se fizeram eunucos por causa do

reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.

N. 233. O que Jesus dissera aos fariseus acerca do que deve

ser a união do homem e da mulher segundo a lei divina

chamara a atenção dos discípulos, de sorte que, uma vez a sós

com o Mestre, o interrogaram de novo a esse respeito. Jesus

então, ratificando o que anteriormente havia dito, respondeu:

“Se um homem deixa sua mulher e casa com outra comete

adultério por causa da primeira; assim como, se uma mulher

deixa o marido e casa com outro, também comete adultério”.

Jesus, assim falando, tinha em mente aludir à época de

progresso e de depuração moral em que, modificadas as vossas

leis como consequência da modificação das vossas naturezas,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 175

a união do homem e da mulher será ao mesmo tempo livre e

indissolúvel, segundo a lei natural, à face de Deus, porque será

a reunião de dois corpos para a reprodução e a ligação de duas

almas pelo laço divino da lei do amor. Nessa época, o homem

que abandonar a mulher e esposar outra será declarado

adúltero, isto é, infrator da lei natural perante Deus, pela

violação do acordo livre, livremente aceito, para ser mantido

livremente até à morte de um dos dois.

Tendo esse sentido e esse alcance, as palavras do Mestre

não podiam ser compreendidas pelos discípulos. Só o haviam

de ser, em espírito e em verdade, pelas gerações futuras, nos

tempos preditos da nova revelação. É o que se evidencia da

observação que os discípulos fizeram: “Se tal é a condição do

homem com relação à esposa, não convém casar”.

Não vos admireis de que hajam dito isso. Encarnados, eles

se achavam sob a influência dos preconceitos hebraicos.

Encarando o casamento apenas do ponto de vista das satis-

fações sensuais, consideravam um embaraço a obrigação de

conservar a mulher que tivessem escolhido, houvesse o que

houvesse.

Aquela observação serviu para mostrar que muitos

acreditam falar sempre por si mesmos e, no entanto, falam pela

inspiração que recebem.

Os discípulos acreditavam falar por inspiração própria.

Entretanto, haviam recebido a inspiração e a ela obedeciam,

tanto mais facilmente quanto era conforme às ideias que lhes

advinham dos preconceitos sob cuja influência se achavam.

Foram induzidos a externar essa ponderação, porque suas

palavras abririam ensejo a que Jesus desse, como deu, um

novo ensinamento que, entregue veladamente às interpretações

humanas, serviria àquela época e, por efeito da ação do tempo,

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176 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

do progresso das inteligências e dos esforços e lutas do pensa-

mento, preparariam o futuro. Esse ensinamento, que se desti-

nava a ser explicado e desenvolvido pela revelação atual,

quando fossem chegados os tempos, tinha por objetivo indicar

aos homens, fazendo-lhes compreender os motivos de incapa-

cidade ou de abstenção do casamento, a maneira por que hão

de proceder para praticar, de acordo com a lei divina, a união

simultaneamente livre e indissolúvel do homem e da mulher.

“Nem todos, disse Jesus aos discípulos, compreendem esta

palavra, mas sim aqueles a quem isso é dado. Porque, há os

que do ventre materno nasceram eunucos, há os que foram

feitos eunucos pelos homens e há outros que a si mesmos se

fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Entenda-o quem

puder entender”.

Aqui tendes, em espírito e em verdade, o sentido dessas

palavras. Jesus, por nosso intermédio, vo-lo revela.

Como sabeis, o Espírito, quando reveste o corpo de carne,

já tem feito a escolha de suas provações. Bem deveis, portanto,

compreender (e a esse respeito já vos demos explicações nos

números 2 e 3 do 1o volume) que, antes de começar uma nova

existência terrena, ele está destinado à vida de família ou à

esterilidade. Os arrastamentos da carne também são muitas

vezes uma prova de que lhe cumpre esforçar-se por sair

vitorioso. Não é dado, pois, a todos enveredar pelo casamento.

“Há eunucos que o são desde o ventre materno e que assim

nasceram”.

Espíritos há, conforme acabamos de dizer, que, ao fazerem

a escolha de suas provações, se impõem, como uma delas, a

resistência às tentações da carne. Há outros que, ao contrário,

se sujeitam, por provação, aos desejos veementes da carne e

tomam um corpo incapaz de corresponder às exigências do

Espírito. Dizemos às exigências do Espírito — porque, como

não ignorais, o Espírito “material” concorre para as sensações

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 177

carnais e muitas vezes a imprudência do Espírito é que arrasta

o corpo a abusos perniciosos. Não tendes o exemplo de Espí-

ritos errantes perseguidos sem cessar pela concupiscência que,

não podendo ser satisfeita, constitui para eles uma tortura?

Pode dar-se que na encarnação que se seguir essas

tendências subsistam. O Espírito sofre então o castigo corporal

da impossibilidade de ceder a tais inclinações.

Por “espírito material” entendei aquele cujos pendores são

todos para a matéria e que lhe sentem a influência mesmo

quando dela desprendidos, isto porque o perispírito corresponde

sempre ao desenvolvimento espiritual. O de um Espírito pouco

adiantado, sujeito, conseguintemente, às atrações da matéria, é

muito espesso e bastante aproximado, embora o não vejais, das

matérias que compõem os vossos corpos. Assim, o Espírito

desencarnado nessas condições pode perfeitamente ser

considerado material, no sentido de que seus gostos, pendores

e constituição perispirítica muito próximos estão da matéria.

Compreendem, portanto, aqueles que do ventre materno

saíram eunucos, aqueles cuja natureza os mantém por essa

forma excluídos das exigências da carne, a causa e o objetivo

de tal provação, que eles próprios escolheram. Não lhes assiste

o direito de, visando quaisquer interesses pessoais, condenar a

viver sob o seu jugo uma mulher, qual pássaro privado da

liberdade. A natureza humana e suas necessidades constituem

um meio que o homem tem para progredir e do qual lhe

cumpre tirar proveito. Tudo pode servir para o progresso

humano, contanto que este seja bem dirigido.

Esses Espíritos, que como eunucos encarnam, faliram gra-

vemente em existências anteriores, cedendo aos mais culposos

transviamentos da carne, esquecidos do que deve ser a união

animal segundo a lei divina, olvidados dos deveres da vida de

família. Esforçando-se por triunfar da prova, eles, na causa de-

terminante da impotência que lhes é infligida, têm que haurir a

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178 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

inteligência e a força necessárias para vencerem essas tendên-

cias, esses desejos da carne, para fazerem de tal impotência,

que de outra forma seria uma tortura, meio de depuração

moral, de progresso. Assim, pela predominância do Espírito

sobre a matéria e por uma vida de castidade, irão preparando-

se para se tornarem capazes do casamento e da vida de família,

segundo a lei natural aos olhos de Deus, noutra existência.

Haverá nessa prova alguma coisa de molde a vos

surpreender? Não vejais no curso dos acontecimentos

humanos senão fatos destinados a apagar faltas passadas e a

vos manter em guarda contra fatos futuros.

“Outros há que os homens fizeram eunucos”.

A castração era de uso corrente na época em que Jesus

falava aos homens, uso esse que se conservou por muito tempo

depois e que ainda se observa em certos países. Alguns sofrem

essa operação para adquirirem belas vozes, ou para se

tornarem guardas a quem se possam confiar sem temor as

mulheres de um harém. Outros são castrados por vingança.

Incluí, entre os que os homens fizeram eunucos, aqueles que se

tornaram impotentes por efeito de precoces desregramentos

devidos aos conselhos e aos exemplos maléficos, ou ainda aos

abusos praticados pelo homem com a criança. Uma educação

perniciosa, o vício a que o menino é arrastado, ou por si

mesmo ou pela ação malévola do homem, também conduzem

àquela funesta consequência. Vergonhas da humanidade, que

se refletem sobre a vida inteira, enervando e neutralizando as

forças geradoras. Não conheceis homens desses? Não são eles

os eunucos da vossa civilização?

Que tão bárbaros costumes, tão odiosos atos, todas essas

vergonhas da humanidade desapareçam do vosso planeta!

Aqueles que os homens fizeram eunucos pela violência, pelo

crime, não devem ver nesse fato senão uma expiação destinada

a apagar faltas do passado e, como consequência de tal

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 179

expiação, uma prova a suportarem. Aqueles que os homens

tornaram os eunucos da civilização, esses que reconheçam

terem falido gravemente nas suas provas.

Abstenham-se do casamento uns e outros, bem como os que

nasceram eunucos, e tirem da causa da impotência a que se

veem condenados a inteligência e a força necessárias para ven-

cerem as tendências, os desejos da carne, para fazerem de tal

impotência, que de outra forma seria uma tortura, meio de depu-

ração moral, de progresso, meio de se prepararem, pela predo-

minância do Espírito sobre a matéria e por uma vida de casti-

dade, para se tornarem, noutra existência, capazes do casamento

e da vida de família, segundo a lei natural aos olhos de Deus.

“Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus”.

Só devem procurar constituir família os que se sintam

bastante fortes para aceitarem, de acordo com a lei divina, as

condições da união animal. Não cogite de constituí-la aquele

que se sinta leviano e inconstante, que não reconheça em si

inclinação para a vida de família, que, numa palavra, não se

sinta suficientemente forte para resistir às tentações da carne,

aos desfalecimentos da humanidade. Não cogite do casamento

esse, porque arrastará na sua queda a companheira a quem se

haja unido e os filhos que lhe tenham nascido.

Dos sofrimentos e mesmo das faltas que aquela e estes

viessem a cometer em virtude dos exemplos recebidos, terá ele

que dar conta. Está visto que aqui nos referimos tanto à mulher

como ao homem. Faça-se eunuco, renunciando aos seus

desejos, aquele que se achar em tais condições.

Só se fizeram eunucos por causa do reino dos céus os que,

não se sentindo com forças para cumprir os deveres que lhes

impõem o casamento, a família, renunciaram e renunciam a

uma e outro, preferindo combater seus desejos a arrastar outras

criaturas à devassidão. Eis porque nem o homem, nem a

mulher devem realizar tão sério ato, senão quando se

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180 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

reconheçam com forças para levá-lo a bom termo, seja estéril

ou fecundo o casamento. Aquele que, estéril num ponto, é

fecundo noutro, vem a falir nas suas provas, propagando o

espírito de libertinagem e pregando a revolta contra as

provações. Grande é a responsabilidade dos que atraem a si

Espíritos culpados, para os erguer e encaminhar, para os fazer

progredir. Mas também grande é a ventura dos que bem

compreenderam o seu encargo no casamento e na família. A

estes, tendo reconduzido ao aprisco ovelhas desgarradas, o

pastor considera bons servidores.

“Entenda-o, disse Jesus, quem puder entender”!

Jesus assim se exprimiu porque, de um lado, não deviam

suas palavras ser tomadas unicamente no sentido próprio, mas

também num sentido figurado, sentido este em que poderiam

ser bem ou mal compreendidas; de outro lado, ele não queria

que, desenvolvendo o seu pensamento, seu discurso tomasse

uma forma precisa. Os tempos, os preconceitos, os costumes e

o estado das inteligências da época exigiam que aquelas

palavras fossem veladas, a fim de que pudessem, repetimo-lo,

servir ao presente e preparar o futuro. Tudo, até mesmo os

abusos que se deram e que hoje vos assinalamos, tem a sua

razão de ser, no encadeamento dos sucessos humanos, das

interpretações humanas, como condição e meio do progresso

moral e intelectual.

Nem todos compreenderam as palavras do Mestre. Houve

quem tomasse no seu sentido próprio estas: “Há os que se

fizeram eunucos por causa do reino dos céus”. Como

Orígenes10

que, julgando-se a isso autorizado, se fez eunuco,

10

(Nota de Luiz Alexandre) Orígenes de Alexandria (185 d.C. – 253 d.C.):

Um dos maiores teólogos e escritores do começo do cristianismo, foi ordenado como Padre grego. Além dos trabalhos teológicos, dedicou-se ao estudo e à discussão da filosofia, em especial Platão e os filósofos estóicos. Acreditava existir três formas de interpretar a Bíblia: 1

a literal, 2

a

Moral e 3a Espiritual. A interpretação espiritual é a mais importante e a mais

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 181

para colocar-se ao abrigo da calúnia, quando, encarregado de

instruir os fiéis de Alexandria, os homens e as mulheres

acorriam em multidão à sua escola, alguns outros quiseram

mutilar-se ou ser mutilados, visando com isso responder ou

forrar-se a falsas acusações de imoralidade. Outros, impelidos

por um fanatismo cego, foram levados a mutilar-se com o fim

de porem termo aos ímpetos da natureza.

Também houve os que tomaram em sentido figurado

aquelas palavras e as interpretaram erroneamente, vendo no

estado de continência voluntária e perpétua o meio, por

excelência, de ganharem o reino dos céus. Dessa interpretação

errônea se originaram os votos de celibato dos padres e de

todas as ordens religiosas e monásticas dos dois sexos.

Tudo tem a sua razão de ser, repetimos mais uma vez, até

mesmo os abusos que hoje assinalamos.

As associações religiosas foram a salvaguarda dos primeiros

tempos. No seio delas se refugiavam os fracos, os perseguidos;

as ciências e as artes se desenvolviam ao abrigo das violências

dos homens e dos poderosos. Eram asilos abertos a tudo quanto

a brutalidade houvesse destruído. Desde, porém, que foram

difícil de ser feita. A forma como lemos a Bíblia indica também o nosso estágio de amadurecimento espiritual e nossa capacidade intelectual. Defendia a tese da pré-existência da alma e a doutrina Paligenética (da Reencarnação) como o fora anteriormente para Pitágoras, Sócrates, Platão, e toda a tradição órfica grega até Plotino. Conforme os indícios desta doutrina em Malaquias 4:5-6; Marcos 1:2-8; Lucas 1:11-17; Mateus 17:9-13; João 1:10-11 e em João, 3:1-15. Divulgava abertamente os seus conhecimentos – e por razão disto, foi perseguido pela vertente católica romana. Ambas as teses foram condenadas pelo imperador Justiniano no Segundo Concílio de Constantinopla, realizado em 553 d.C. Em 231 d.C., Orígenes foi forçado a abandonar Alexandria devido à perseguição do bispo Demétrio. Foi morar em Cesaréia, na Palestina, onde prosseguiu suas atividades com grande sucesso. Mas nem mesmo lá ele encontraria a paz, pois logo veio à onda de perseguição aos cristãos ordenada por Décio. Lá, Orígenes foi preso e torturado barbaramente, o que lhe causou a morte.

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182 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

desaparecendo as causas que as fizeram surgir, elas deveram

ter sido modificadas.

Não condenamos as associações de homens ou de mulheres

que, não se sentindo com a energia necessária para viverem no

turbilhão do mundo, buscam, no silêncio do retiro, a sombra e

a calma indispensáveis ao cultivo e ao desenvolvimento das

faculdades úteis a todos e cuja expansão o rumor da vida

mundana não permite. Mas, preciso é que essas comunidades

se constituam pela comunidade de sentimentos, de gostos, de

desinteresse, de generosidade, que sejam estufas onde as

plantas delicadas encontrem a temperatura propícia a se

desenvolverem, de modo a poderem espalhar pelo mundo os

frutos maduros e saborosos que produzam num meio

favorável. Preciso é que a liberdade seja grande, que

nenhuma cadeia os traga forçadamente presos, que o mesmo

desejo de progredir os ligue e que todos quantos,

desenvolvidos no silêncio, se sentirem bastante fortes para

voltarem à vida de família, tenham a liberdade de fazê-lo,

quando bem lhes pareça. Queremos a liberdade de espírito e

de ação, sempre usada em proveito de todos e posta ao serviço

do progresso de todos.

Contai entre os fanáticos ou os egoístas os que se

sequestram para fugir às leis naturais e que, esquivando-se aos

encargos da família, caem, à sombra do claustro e sob a capa

da piedade, em desregramentos piores do que quantos, na sua

torrente, arrastam os desgraçados que se acham imersos nos

vícios das vossas sociedades. Dizemos piores, porque esses

tais não têm escusa admissível, uma vez que, na maioria dos

casos, a preguiça, o egoísmo, ou outro qualquer sentimento

pessoal são o que os impele a semelhante gênero de vida,

improdutivo para si próprios e para todos. Membros inúteis da

grande família humana, ramos mortos que prejudicam a saúde

da árvore, secando a seiva dos galhos vivos que os cercam,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 183

eles não trabalham “para o reino dos céus” e o sacrifício a que

se votam, infrutífero para todos, se lhes torna uma causa de

condenação.

N. 234. Interpretando as palavras de Jesus (MATEUS, vv.

10, 11, 12), especialmente estas: “Há os que se fizeram

eunucos por causa do reino dos céus”, muitos se têm delas

valido para dizerem e ensinarem — “que o estado de

continência voluntária e perpétua, tomado para agradar a Deus,

é um dom do próprio Deus e constitui a única virgindade que

ele se compromete a recompensar; — e que Jesus aprovou os

votos, implícitos ou explícitos, de celibato e os aconselhou”,

sendo isso o que levou a Igreja a fazer do celibato uma

condição obrigatória para os padres e os membros das ordens

monásticas e religiosas de ambos os sexos.

O ponto de partida era bom; falsa, porém, a aplicação. Pela

inteligência, que vos demos, das palavras de Jesus, para que as

entendais em espírito e verdade, deveis perceber que a Igreja

não as compreendeu e lhes deu falsa aplicação.

Sim, o celibato voluntário é agradável ao Senhor, quando

promana de um sentimento puro e desinteressado. Desde que

não se sintam fortes para cumprir dignamente, com a

abnegação e o desinteresse necessários, os deveres que a

constituição da família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus,

o homem e a mulher, abstendo-se de a constituírem, qualquer

que seja o sacrifício material, carnal, que isso lhes custe. Quer

um, quer outro, porém, deve ter e conservar sempre a

liberdade de se encaminhar para o matrimônio, para a vida de

família, logo que se sinta com força bastante para cumprir,

segundo a lei divina, as obrigações que daí decorrem. Em se

verificando tal condição, enveredar por aquele caminho

representa ao mesmo tempo uma necessidade e um dever, pois

que será a consagração das leis da natureza.

Page 138: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

184 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Repetimos: o homem e a mulher que não sentirem em si a

força de cumprir dignamente, com a abnegação e o desin-

teresse precisos, os deveres que a família impõe, fazem bem,

aos olhos de Deus, em se absterem de a constituir, qualquer

que seja o sacrifício material, carnal, que isso lhes custe. Mas,

que essa abstenção não venha a subtrair da grande família

humana um número considerável dos seus membros; que não

se torne uma coroa que cause orgulho, sob a influência

deletéria, ou do misticismo, ou da preguiça, ou do fanatismo,

ou da ambição, ou do egoísmo. Para que serviria em tal caso?

Para alimentar no coração o orgulho, o desvario e para

fortalecer uma confiança ilusória.

Não disse Moisés que Deus fizera ouvir estas palavras :

“Não é bom que o homem esteja só”? Não, não é bom que o

homem esteja só, porque, em contraposição a um que saiba

dominar a carne, mil outros sucumbirão na sombra sob o seu

jugo e se tornarão hipócritas.

Homens, sois solidários uns com os outros, devei- vos

auxílio e amparo mútuos. Não desmancheis, pois, a obra de

Deus. À obra, indolentes, à obra! Tendes o dever de trabalhar

para o empreendimento geral; estais na obrigação de trazer a

vossa gota d’água para o rio que corre sem cessar.

A Igreja se extraviou, interpretando as palavras de Jesus no

sentido de fazer do celibato perpétuo, por voto explícito, uma

obrigação imposta ao padre e aos membros das ordens

religiosas e monásticas dos dois sexos; de prescrever, por voto

implícito, ao homem ou à mulher que se sentem fortes

bastantes para o casamento, para a vida de família, que se

furtem às leis naturais, que se sequestrem, como meio de

ganhar o reino dos céus.

Jesus prometia recompensa à virgindade, mas a virgindade

que, constantemente livre de querer é oriunda de um senti-

mento puro e desinteressado, no sentido que vos acabamos de

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 185

revelar, das suas palavras, se mostre ativa e produtiva. Jamais

ele prometeu recompensa alguma à preguiça, à indolência.

Entre vós, alguns conquistaram a palma do triunfo. Quantos

outros, porém, a viram cair a seus pés, reduzida a pó, justo no

momento em que supunham poder arrebatá-la!

Assim, condenais, em nome de Jesus, o celibato que a

Igreja impôs, como condição e regra, ao padre, a título de

ensinamento da lei evangélica que o divino modelo resumiu

nestes dois mandamentos, que declarou encerrarem, para todos

os homens (Judeus e Gentios) toda a lei e os profetas: amar a

Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo?

Sim, três vezes sim. Já o temos dito: os padres devem

poder, como os outros homens, buscar o casamento, a vida de

família, uma vez que se sintam fortes bastante para lhe

cumprirem as obrigações perante Deus, de acordo com a lei

natural. Devem dar o exemplo de todas as virtudes que

pregam.

Ora, quais são os frutos do celibato perpétuo, desde que

seja imposto, obrigatório? Para muitos — a hipocrisia nas

dissoluções ocultas que os arrastamentos da carne produzem e

que a faculdade de casar, de constituir família, teria evitado,

mediante a união conformemente à lei divina. Não raro, os

frutos de tal celibato são a ignomínia e a condenação que a

justiça humana inflige, quando a luz da publicidade e das

provas se projeta sobre essas devassidões.

Como praticam eles as leis da família? Na maioria dos

casos, afastados de seus lares, com os corações fechados às

afeições tão doces do interior, levam uma vida factícia, que só

desenvolve e alimenta o egoísmo, o orgulho e lhes estiola as

faculdades da alma.

Servidores inúteis, criam para si uma tarefa inútil. Não

compreendendo a lei, fazem a lei.

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186 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Guias cegos, eles conduzem seus guiados pelas trevas em

que caminham. Falamos aqui dos que são padres, como outros

são escritores, sapateiros, músicos, ou o que quer que seja, e

para os quais o sacerdócio é um meio de saírem da esfera

rasteira em que deveriam viver, um estrado para galgarem o

primeiro degrau da escada tão perigosa das honrarias e da

fortuna.

Longe de nós o pensamento de acusar o pastor humilde que

apascenta suas ovelhas no campo da verdade e com a

sinceridade no coração, seja qual for a sua ignorância, seja

qual for o caminho falso por onde se tenha embrenhado. A

intenção, quando pura, purifica os atos. Para esses, a coroa

será tecida com as flores que os orgulhosos acreditavam por si

mesmos colher.

Combatam com valor e permaneçam no campo de batalha

os que se sintam fortes contra a carne, mas fracos ante as

obrigações da família, porquanto, se se retirarem da luta, como

poderão ser vitoriosos?

Cada um deve experimentar-se a si mesmo e jamais

enveredar por um caminho, qualquer que este seja, senão com

o firme e consciente propósito de ir até ao fim.

Que se deve pensar das ordens religiosas que praticam a

hospitalidade, a caridade, e às quais o celibato também é

imposto?

A cada um, de acordo com as suas obras. A obra é

consequência do pensamento. O egoísmo não pode produzir

senão frutos mirrados.

Essas ordens terão que se sumir ou se modificar em

consequência do advento da era nova, por efeito da sua

influência e da sua atividade, pela conquista da liberdade sob

as irradiações da luz que a revelação espírita atual vem

projetar, explicando e ampliando, em espírito e verdade, o

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 187

pensamento de Jesus, oculto nestas palavras: “Há os que se

fizeram eunucos por causa do reino dos céus”?

Sumir-se, não; modificar-se, sim. Porque, ao contrário,

vereis as associações de caridade se constituírem e se

multiplicarem ao infinito. Mas, então, elas seguirão a rota

simples e generosa que devem seguir, trabalhando pelo bem

geral, na liberdade do Senhor, sob os auspícios e a ação das

leis de liberdade, de solidariedade e fraternidade humanas, e

não pelo bem de cada individualidade, o que afinal é usura

mística, reprovada pelo Criador.

N. 235. PRETENDEU-SE que os versículos 10, 11, 12, de

MATEUS eram uma interpolação, praticada por algum Gnós-

tico ou Maniqueu, que se aproveitou de uma palavra relativa

ao casamento para introduzir, no texto evangélico, um pretenso

testemunho em favor das opiniões da sua seita acerca do

celibato ou mesmo da castração. ACRESCENTOU-SE: que o

ardoroso misticismo desses sectários e também dos cristãos,

cujas ideias se aproximavam das deles, não recuava sequer

ante esta última e terrível consequência; que a história de Ori-

gens é por demais conhecida para que seja preciso recordá-la;

que Justino, em sua primeira Apologia (XXIX), cita o exemplo

análogo de um mancebo de Alexandria que, para responder às

acusações de imoralidade que lhe faziam, quis submeter-se à

mutilação, sendo, porém, impedido de levar a efeito esse

propósito, graças ã oposição do magistrado romano; E QUE a

algum místico dessa espécie se deve atribuir a intercalação

dos vv. 10, 11 e I2 no Evangelho de Mateus.

Semelhantes interpretações só se podem atribuir à

orgulhosa ignorância dos materialistas ou à dos homens que

não sabem compreender o pensamento do Cristo, por

incapazes de levantar o véu da letra que intencionalmente,

como convinha, cobriu o espírito. O orgulho, o desejo de criar

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188 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

novidades sempre arrastam o homem. Desprovido de sentimen-

tos puros, únicos que lhe podem dar luz, ele envereda pelo

caminho tenebroso. Todavia, como já vos temos dito, todos os

desmentidos opostos às verdades recebidas também atingem

os erros e as falsidades aceitas e, assim, sempre servem.

Quando soar a hora, a verdade se erguerá pura e vitoriosa,

deixando o solo a seus pés juncado de erros e falsidades que,

em torno dela, desmoronarão. Não temais, pois, os ataques de

todos esses livres pensadores, cuja liberdade consiste em tudo

destruir irrefletidamente, em destruir o que são incapazes de

substituir. Eles semeiam e vós colhereis.

A resposta de Jesus aos discípulos vos foi por nós, em seu

nome, explicada e desenvolvida, em espírito e verdade. O que

estava secreto está agora conhecido, o que estava oculto está

agora descoberto.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 189

MATEUS, Cap. XIX, vv. 13-15. — MARCOS, Cap. X,

vv. 13-16. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 15-17

A humildade, fonte de todas as virtudes, de todos

os progressos, caminho único que leva à perfeição.

MATEUS: V. 13. Apresentaram-lhe então algumas crianças para

que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Como os discípulos as

repelissem com palavras rudes, — 14, Jesus lhes disse: Deixai as

crianças; não as impeçais de vir a mim, porquanto dos que se lhes

assemelham é que é o reino dos céus. — 15. E, depois de lhes impor

as mãos, dali se afastou.

MARCOS: V. 13. E lhe apresentavam crianças para que as

tocasse. Os discípulos, porém, repeliam com palavras rudes os que

as apresentavam. — 14. Vendo isso, Jesus se indignou e lhes disse:

Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porquanto o

reino dos céus é dos que forem tais como eles. — 15. Em verdade

vos digo que aquele que não receber, como a uma criança, o reino de

Deus, nele não entrará. — 16. E, abraçando as crianças e lhes

impondo as mãos, as abençoava.

LUCAS: V. 15. Alguns também lhe traziam crianças para que as

tocasse. Vendo isso, os discípulos os repeliam com rudeza. — 16.

Jesus, porém, as chamou para junto de si e disse: Deixai vir a mim

as crianças, não o impeçais, porquanto o reino de Deus é dos que

forem como as crianças. — 17. Em verdade vos digo que aquele que

não receber, como a uma criança, o reino de Deus, nele não entrará.

N. 236. Já vos demos (N. 201, 3o Volume) explicações

suficientes a este respeito. Jesus repetia essas palavras a fim de

que se gravassem na memória dos discípulos. Era sempre o

mesmo pensamento, expresso em termos diferentes, em

ocasiões e lugares diversos. A simplicidade de coração e a

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190 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

humildade de espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o

meio e o caminho de se alcançarem as virtudes, a depuração, o

progresso, que levam à pureza, à perfeição.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 191

LUCAS, Capítulo XVIII, vv. 1-8

Parábola da viúva e do mau juiz.

LUCAS: V. 1. Disse-lhes também esta parábola, a fim de

mostrar que é preciso orar sempre e não se cansar de o fazer:

— 2. Havia, em certa cidade, um juiz que não temia a Deus,

nem se importava com os homens. — 3. Havia também, na

mesma cidade, uma viúva que frequentemente o procurava,

dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. — 4. Ele

por muito tempo não a quis atender; mas, por fim, disse de si

para si: Se bem que eu não temo a Deus e não considero os

homens; — 5, todavia, pois que esta viúva me importuna, far-

lhe-ei justiça, para que afinal não me venha a fazer qualquer

afronta. — 6. Ouvi, acrescentou o Senhor, o que disse esse

mau juiz. — 7. Como deixará Deus de fazer justiça a seus

eleitos, que para ele apelam dia e noite, como suportará que

indefinidamente os oprimam? — 8. Em verdade vos digo que

cedo lhes fará justiça. Supondes, porém, que, quando o filho

do homem vier, achará na terra fé?

N. 237. Apresentasse-vos como exemplo um homem sem

princípios, sem fé, e que cede unicamente à importunação da

viúva para lhe fazer justiça. Notai que se diz apenas justiça.

Com mais forte razão deveis esperar que o Senhor atenda às

vossas súplicas perseverantes e fervorosas, uma vez que justas

sejam.

O Espírito não está sujeito às limitações do tempo, só o

corpo suporta os instantes da sua duração. Não vos preocupe,

portanto, a demora com que sejam deferidos os vossos rogos.

Nenhuma só das vossas palavras se perde. Lá onde o tempo

não tem limites se vos depararão os efeitos delas.

(V. 7). Cada um obterá conforme as suas obras, quando for

chegado o tempo. Dando-se a cada um de acordo com as suas

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192 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

obras, a cada um justiça é feita: ao justo, a recompensa; ao

culpado, o castigo. Graças à revelação espírita, já conheceis,

em espírito e verdade, o sentido e o alcance destas palavras: —

recompensa e castigo.

(V. 8). A justiça do Senhor se executa incessantemente.

Cuidem os que lhe quiserem sentir os doces efeitos de se

colocar entre os escolhidos, o que, aqui, significa — os que

seguem as pegadas do Mestre.

O filho do homem foi e é, entre vós, a personificação da sua

doutrina moral. O Cristo aludia à nova era, predita, do

Espiritismo, do advento do espírito, era que se abre diante de

vós e que tem por fim preparar a vinda do mesmo Cristo, em

todo o seu fulgor espírita, como soberano visível para as

criaturas depuradas e existentes na Terra, também depurada.

Aludia a essa era nova que, pela revelação espírita, vem

restabelecer a lei tal como dele emanou.

Estas palavras: “Supondes, porém, que, quando o filho do

homem vier, encontrará fé na Terra”? significam que, quando

a lei pura, personificada pelo filho do homem, for trazida pelos

Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, não

haverá uma fé geral. Podeis julgá-lo por vós mesmos: O filho

do homem volta a restabelecer entre vós o seu reino; encontra

ele na Terra fé?

Tem-se pretendido que nenhuma ligação existe entre essas

palavras: “Supondes, porém, que, quando o filho do homem

vier, encontrará fé na Terra”? E AS QUE AS PRECEDEM:

“Em verdade vos digo que cedo lhes fará justiça”.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 193

Os que assim pensam não refletem que, ao contrário,

aquelas palavras se ligam diretamente à justiça que será feita

aos escolhidos, isto é: aos que, tendo fé, fé verdadeira,

traduzida em obras, seguem as pegadas de Jesus e aos que, não

tendo fé ativa, produtora de obras de justiça, de amor e de

caridade, se afastam daquelas pegadas e oprimem os esco-

lhidos, perseguindo-os física ou moralmente. Em não havendo

na Terra fé, haverá castigo. Uma coisa é consequência da

outra.

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194 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XVIII, vv. 9-14

Fariseu e publicano

V. 9. Propôs também a seguinte parábola a alguns que confiavam

em si mesmos, considerando-se justos, e desprezavam os outros: —

10. Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o

outro publicano. — 11. O fariseu, de pé, orava, dizendo

intimamente: Meu Deus, graças te dou por não ser como os outros

homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como

este publicano. — 12. Jejuo duas vezes na semana e pago o dizimo

de tudo o que possuo. — 13. O publicano ficara de longe, não

ousava sequer elevar os olhos para o céu; mas, batendo nos peitos,

dizia: Meu Deus, tem piedade de mim, pecador. — 14. Digo-vos que

este voltou justificado para sua casa e não o outro; porque, todo

aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha

será exaltado.

N. 238. No orgulho tem o homem o seu mais encarniçado

inimigo, por ser o que mais se lhe infiltra no coração e o que

mais obstinadamente se lhe agarra.

Peca por orgulho todo aquele que, seja no que for, se julgue

superior ao seu irmão.

Que merecimento tem ele perante o Senhor? Em ser um

rigoroso observador da lei não faz mais do que cumprir estrito

dever. Incorre, pois, em grave falta querendo, por assim dizer,

impor ao seu Criador a obrigação de levar em conta o mérito

que se atribui a si mesmo. Peca contra a caridade, julgando

mal o seu irmão, pois que, sejam quais forem as aparências, o

irmão, por muito miserável, culpado mesmo, que pareça, pode

ter o coração mui puro, pode, quando menos, possuir a

humildade que lhe permite uma justa apreciação de si mesmo e

o coloca em condições de reprimir em si o mal.

Page 149: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 195

Sede severos convosco, brandos e indulgentes com os

outros.

“O publicano voltou para casa justificado”. É que fizera

justiça a si próprio, reconhecendo a sua enfermidade. Estava,

portanto, no caminho do bem. Um mal reconhecido deixa de

existir, a partir do momento em que se lhe aplica o remédio.

O fariseu não foi justificado, porque fizera ato de orgulho e

faltara à caridade para com um de seus irmãos, em vez de

fazer ato de humildade perante o Senhor, por motivo das suas

faltas, ainda que mínimas fossem.

“Aquele que se exalta será humilhado e o que se humilha

será exaltado”. Constituindo o orgulho uma falta grave, o que

se exalta será punido. Sendo a humildade sincera o melhor

agente da reforma, o progresso será a sua consequência.

Page 150: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

196 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XIX, vv. 16-26. — MARCOS, Cap. X,

vv. 17-27. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 18-27

Parábola do mancebo rico.

MATEUS: V. 16. Eis que um mancebo, dele se aproximando, lhe

disse: Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna?

— 17. Jesus lhe respondeu : Porque me chamas bom? Bom só Deus

o é. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. — 18.

Perguntou-lhe o mancebo: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás,

não cometerás adultério, não furtarás, não darás falso testemunho;

— 19, honra a teu pai e a tua mãe e ama a teu próximo como a ti

mesmo. — 20. Retrucou o mancebo: Todos esses mandamentos

tenho guardado desde a minha juventude; que mais me falta? — 21.

Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis,

dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me.

— 22. Ao ouvir essas palavras, o mancebo se retirou triste, porque

muitos eram os bens que possuía. — 23. Disse então Jesus a seus

discípulos: Em verdade vos digo que difícil é um rico entrar no reino

dos céus. — 24. Digo-vos mais ainda: É mais fácil passar um

camelo por um fundo de agulha do que um rico entrar no reino do

céu. — 25. Ouvindo isto, seus discípulos, muito espantados,

perguntaram: Quem pode então ser salvo? — 26. Jesus, fitando

neles o olhar, disse: Impossível é isto para os homens, mas para

Deus tudo é possível.

MARCOS: V. 17. E, indo ele pela via pública, um homem veio a

correr e, ajoelhando-se lhe aos pés, lhe falou assim: Bom Mestre,

que devo fazer para alcançar a vida eterna? — 18. Disse Jesus:

Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão somente Deus. —

19. Conheces os mandamentos: não cometerás adultério, não

matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não praticarás

fraude, honra a teu pai e a tua mãe. — 20. Ao que o homem

retrucou: Mestre, todas essas coisas tenho eu observado desde a

minha mocidade. — 21. Jesus, olhando para ele com amor, lhe

disse: Falta-te ainda uma coisa: vai, vende tudo o que possuis,

dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 197

segue-me. — 22. Mas o homem, aflito com aquelas palavras,

se retirou triste, pois possuía grandes riquezas. — 23. Jesus,

olhando à volta de si, disse a seus discípulos: Quão difícil é

que entrem no reino de Deus os que possuem riquezas! — 24.

E como os discípulos se mostrassem espantados com as suas

palavras, ele lhes repetiu: Filhinhos, quão difícil é que entrem

no reino de Deus os que confiam nas riquezas! — 25. Mais

fácil é que um camelo passe por um fundo de agulha do que

entrar um rico no reino de Deus. — 26. Maior ainda se tornou

o espanto dos discípulos, que uns aos outros diziam: Quem

pode então ser salvo? — 27. Jesus, porém, fitando-os, disse:

Isto para os homens é impossível, mas não para Deus, a quem

tudo é possível.

LUCAS: V. 18. Um homem de destaque o interrogou por

esta forma: Bom Mestre, que hei de fazer para ganhar a vida

eterna? — 19. Respondeu-lhe Jesus: Porque me chamas bom?

Ninguém é bom senão somente Deus. — 20. Conheces os

mandamentos: não matarás, não cometerás adultério, não

furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua

mãe. — 21. Replicou o homem: Todos esses mandamentos

tenho guardado desde a minha mocidade. — 22. Ouvindo isso,

disse-lhe Jesus: Ainda uma coisa te falta: vende tudo o que tens, dá-

o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. —

23. O homem, porém, tendo escutado essas palavras, se entristeceu,

pois que era muito rico. — 24. Vendo Jesus que ele ficara triste,

disse: Quão, difícil é que os que possuem riquezas entrem no reino

de Deus! — 25. Mais fácil é um camelo passar por um fundo de

agulha do que um rico entrar no reino de Deus. — 26. Os que o

ouviam lhe disseram: Quem pode então ser salvo? — 27.

Respondeu-lhes Jesus: O que é impossível para os homens é

possível a Deus.

N. 239. O mancebo, impelido por uma influência espírita a

ir ter com Jesus, tinha que servir de exemplo e de lição aos

que o cercavam.

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198 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Naquela circunstância, como sempre que era conveniente

ou oportuno, Jesus recorreu a imagens e locuções materiais,

com o fim de tocar e impressionar fortemente as inteligências

da época, de servir ao presente e preparar o futuro, de extirpar

o egoísmo e o apego aos bens terrenos, de preparar o advento

do espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido

todos os seus frutos.

(Mateus, vv. 16-17; Marcos, vv. 17-18; Lucas, vv. 18-19).

Com esta observação “só Deus é bom”, Jesus proscrevia de

antemão toda a divindade que os homens, sabia-o ele pela sua

presciência, lhe haviam de atribuir. Dá a entender (e deveram

tê-lo notado mais cedo) que, conquanto se cognominasse de

filho de Deus, conquanto o anjo o tivesse designado por filho

do Altíssimo na revelação feita a Maria, ele não se considerava

Deus, de quem, falando mais tarde, disse ser o Único Deus

Verdadeiro, Uno, Indivisível, Criador Incriado, que cria, mas

não pelo fracionamento da sua essência. Se assim não fora, o

qualificativo de bom lhe pertencia a ele Jesus, que era bom por

excelência, entre e acima dos homens. Dá, pois, a entender que

é filho de Deus ou filho do Altíssimo (o que vem a ser o

mesmo, porquanto o Altíssimo é Deus) no sentido das palavras

pronunciadas pelo profeta (Salmo 81, vv. 1-6) e que se

aplicam igualmente a todos os Espíritos criados. Dá a

entender, finalmente, que, em face do monoteísmo do Deus de

Israel, ninguém poderia chamar-lhe Deus, senão no sentido de

tais palavras, colocando-o segundo o politeísmo antigo, na

categoria “dos Deuses”, sem que, entretanto, ele deixasse de

ser, como todos os Espíritos criados, filho do Altíssimo (do

Deus dos Deuses, conforme ao Salmo citado).

A vida eterna, que, do ponto de vista espírita, é a vida

normal e final do Espírito, este não a ganha senão quando haja

atingido a perfeição moral, senão quando, chegado à condição

de puro Espírito, liberto de todas as influências da matéria,

Page 153: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 199

vem a achar- se em relação direta com o seu Criador,

podendo, então, dizer, como Jesus: “Meu pai e eu somos um”.

(Mateus, vv. 18-19-20-21; Marcos, vv. 20-21; Lucas, vv.

20-21-22). Jesus lembra os mandamentos a que os homens

devem obedecer, dados por Moisés aos Hebreus, e que se

resumem no seguinte: jamais fazer aos outros o que não

quisermos que nos façam, observando o Decálogo e abstendo-

nos de praticar, por pensamento, por palavra e por obra,

qualquer deslealdade, de cometer qualquer fraude contra os

nossos irmãos, material, moral, ou intelectualmente; — fazer

aos outros tudo quanto quereríamos que nos fizessem, amando

o nosso próximo como a nós mesmos, praticando para com ele

a justiça, a caridade material e moral, o devotamento e a

renúncia de si mesmo.

O sacrifício imposto ao mancebo tinha por fim mostrar, não

que ninguém possa chegar a Deus senão despojando-se de

todos os bens humanos, mas apenas que nenhum fruto produz

a prática das virtudes e dos mandamentos, se não é escoimada

de egoísmo e santificada pela caridade. A caridade e o esque-

cimento de si mesmo faltavam àquele mancebo. Por isso foi

que Jesus lhe disse: “Ainda te falta uma coisa”, velando com a

letra da imposição de um sacrifício absoluto dos bens

humanos, para melhor tocar as inteligências dos homens

materiais a quem falava, o espírito do ensinamento moral que

a revelação espírita, cujos órgãos somos, explicaria às

gerações vindouras, quando estas se mostrassem capazes de o

suportar. Esse ensinamento era o de que onde está o tesouro lá

também está sempre o coração.

(Mateus, vv. 22-23-24; Marcos, vv. 23-24-25; Lucas, vv.

23-24-25). Jesus, que lia o pensamento do seu interlocutor, lhe

pressentira a tristeza. Daí vem o ter escolhido o momento em

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200 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

que ele se dispunha a retirar-se para dirigir aos discípulos estas

palavras, que o mancebo ouviu antes de se afastar dali:

“Quão difícil é que os que possuem riquezas entrem no

reino de Deus, no reino dos céus”.

E acrescentando ao que dissera esta imagem material:

“Mais fácil é que um camelo, ou um cabo, passe por um fundo

de agulha, do que entrar um rico no reino de Deus, no reino

dos céus”, ele o fez para tocar e impressionar fortemente a

inteligência das massas, proclamar que fora da caridade não há

salvação e também para preparar as gerações futuras a

compreenderem, pela revelação espírita, que a riqueza

constitui, para o homem, uma das provas mais temíveis, um

obstáculo absoluto a todo progresso moral, quando, nas suas

mãos, não se torna um instrumento e um meio de praticar a

caridade e o amor para com seus irmãos.

Da riqueza se originam geralmente o egoísmo e o apego aos

bens terrenos. E o homem não pode progredir rapidamente

sem ser por meio da caridade, da abnegação, da renúncia de si

mesmo.

A justiça se contém nos limites do justo e do injusto, do

direito e do ilegal. Aquele que pratica a justiça no sentido

humano nem sempre pratica a caridade. Aquele, porém, que

pratica a justiça e a misericórdia pratica a caridade, pois que a

misericórdia é una com a caridade.

A caridade não tem limites, deve estar sempre pronta a todo

sacrifício útil aos outros e deve ser sempre impessoal. Com as

mãos sempre estendidas para todos os sofrimentos, para todas

as necessidades, cumpre-lhe ir ao encontro destas e daquelas,

prevê-las, adivinhá-las. Sua ação incessante deve fazer-se

sentir não só sobre os homens, mas também sobre os animais,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 201

por mais ínfimos que pareçam. A caridade é a providência

oculta no fundo do coração do homem, a espalhar de lá seus

benefícios por sobre a natureza inteira. Fazei aos outros o que

quereríeis que vos fizessem, porque então não lhes fareis o que

não quiserdes que vos façam.

O devotamento é uma consequência da caridade. Especi-

ficamo-lo para imprimir mais força à explicação, visto que os

homens limitam a caridade à esmola que dão do que lhes

sobra.

A renúncia de si mesmo decorre, como o devotamento, da

caridade. Podeis praticar a caridade sem devotamento, mas,

em tal caso, ela será estéril. A verdadeira caridade sai do

coração e o devotamento a acompanha sempre. Mas, não

podeis ser devotados aos vossos irmãos sem a renúncia de vós

mesmos, porquanto penosos sacrifícios necessariamente vos

impõe o devotamento que tenha por móvel a caridade, feita

com sinceridade de coração. É uma trilogia inseparável.

Tampouco é possível que a caridade seja desacompanhada

do desinteresse. Do ponto de vista material, a verdadeira

caridade é e deve ser desinteressada. Não só deve ser praticada

sem o objetivo de qualquer remuneração, porque em tal caso

perde o direito ao título de caridade, como não deve sequer

objetivar as recompensas celestes, porque então ainda será

egoísmo. A doce caridade tem que ser praticada colimando o

bem que possa produzir, as conversões que possa operar por

amor do próximo e não de si mesmo. Quem dá ao pobre,

qualquer que seja a sua pobreza, seja de ordem material, de

ordem moral, ou de ordem intelectual, empresta a Deus.

Guardai-vos, ó bem-amados, de contar com juros de

usurários, pois que então perderíeis o vosso capital.

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202 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Sim, a caridade deve ser devotada, desinteressada, ativa,

valorosa e praticada com a renúncia de si mesmo; deve possuir

todas as virtudes e todas as coragens; ir aos campos de batalha,

por sob o chuveiro das balas, socorrer os moribundos e os

feridos, exortá-los ao arrependimento; deve ocultar-se nas

pocilgas, para fazer brilhar ai uma centelha que aqueça os

corações e ilumine as inteligências; subir os degraus dos

tronos, para dizer a verdade e rasgar a venda com que o

orgulho ou a lisonja cobrem os olhos dos que cingem uma

coroa; deve apanhar da lama o pobre a quem falta o pão de

cada dia; deve, usando de palavras brandas, abater o orgulho

do poderoso; fortalecer a coragem e a energia do fraco; deve

ter os olhos constantemente abertos e voltados para todos os

lados, a fim de descobrir os sofrimentos, as fraquezas, as

faltas, morais ou físicas, e dispor de mil mãos sempre prontas

a socorrê-los.

(Mateus, vv. 25-26; Marcos, vv. 26-27; Lucas, vv. 26-27).

À vista do diálogo que vinha de travar-se entre Jesus e o

mancebo, profundamente espantados das palavras que o

Mestre acabava de lhes dirigir e sobretudo da imagem material

de que se servira e que lhes parecia querer significar que a

entrada “no reino de Deus, no reino dos céus” estava para

sempre interdita a todo homem rico, mesmo quando houvesse,

como aquele mancebo, guardado os mandamentos,

perguntaram os discípulos: Então, quem pode ser salvo? — Ao

que, fitando-os, respondeu Jesus: “Isto é impossível para os

homens, mas não para Deus, porquanto a Deus tudo é

possível; o que é impossível aos homens é possível a Deus”.

O espanto dos discípulos nasceu do fato de não terem eles,

que só atentaram na letra, percebido senão as dificuldades da

conquista do reino doa céus. Não perceberam os meios

concedidos para se vencerem tais dificuldades e alcançar-se o

objetivo. Quem pode então salvar o homem?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 203

E, se só Deus o pode salvar, para que servem as obras e a

fé? — Esta questão tem sido formulada muitas vezes.

Pode porventura o homem, na sua curta existência, depurar-

se bastante para se salvar? Poderão seus atos ser tão bons e sua

fé tão viva que lhe assegurem a salvação?

Quem o pode então salvar, desde que só a perfeição o

levará aos pés do Senhor?

Quem o pode então salvar, senão Deus, pai terno e

indulgente, que concede tempo a todos para se purificarem,

que releva ao mau servo a dívida até que ele a possa pagar?

Que concede às suas criaturas o tempo, agente poderoso, com

cujo auxílio chega o homem a alcançar a meta, por mais

afastado que dela se ache e por mais escabrosa que seja a

estrada que lhe cumpra percorrer? Só Deus é bom, só Deus

salva, porque só Deus tem indulgência e longanimidade, só

Deus tem nas suas mãos a duração do tempo.

O homem carece de capacidade para julgar por si mesmo

do grau de pureza que lhe é necessário para elevar-se. Só Deus

pode julgar. À revelação espírita estava reservado esclarecer,

aos olhos de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor,

órgão do Espírito da Verdade, o sentido das palavras de Jesus

veladas pela letra e indicar os meios que Deus concede a seus

filhos para vencerem as dificuldades e atingirem o fim. Esses

meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio

expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e

apropriada às faltas cometidas, depois e por fim gloriosa,

dando entrada ao Espírito no reino de Deus, no reino dos céus,

isto é: permitindo-lhe atingir a perfeição moral.

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204 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XIX, vv. 27-30. — MARCOS, Cap. X,

vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 28-30

Resposta de Jesus a Pedro. — Os doze tronos. — As doze

tribos de Israel. — Apostolado. — Amor purificado. —

Humildade é perseverança na senda do progresso.

MATEUS: V. 27. Pedro então lhe perguntou: Eis aqui estamos

nós que tudo deixamos e te seguimos; que recompensa será a nossa?

— 28. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos digo que vós, que me

seguistes, quando, ao tempo da regeneração, o filho do homem

estiver assentado no trono da sua glória, também estareis assentados

em doze tronos a julgar as doze tribos de Israel. — 29. E todo aquele

que abandonar, pelo meu nome, casa, ou irmão, ou irmã, ou pai, ou

mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, receberá o cêntuplo e terá por

herança a vida eterna. — 30. Mas, muitos que foram dos primeiros

serão os últimos e muitos que foram dos últimos serão dos

primeiros.

MARCOS: V. 28. Pedro então lhe observou: Aqui estamos nós

que tudo deixamos e te seguimos. — 29. Disse Jesus: Em verdade

vos digo que ninguém há que deixe, por mim e pelo Evangelho,

casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos e terras, — 30, que,

presentemente, neste século mesmo, não receba, com as

perseguições, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, pais,

filhos e terras, e, no século futuro, a vida eterna. — 31. Mas, muitos

dos que tenham sido primeiros serão últimos e muitos dos que

tenham sido últimos serão primeiros.

LUCAS: V. 28. Disse então Pedro: Aqui estamos nós que tudo

deixamos e te seguimos. — 29. Respondeu-lhes Jesus: Em verdade

vos digo não haver ninguém que deixe, pelo reino de Deus, casa, ou

pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, — 30, que, ainda nos tempos

presentes, não receba muito mais e, no século futuro, a vida eterna.

N. 240. (Mateus, vv. 27-28). Os apóstolos, quando ainda em

missão na Terra, eram assim prevenidos do progresso de seus

Espíritos. Tendo, como encarnados ao tempo do aparecimento

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 205

do Cristo, cooperado na obra de regeneração da humanidade,

eles continuarão ao serviço do Mestre até ao momento em que

os homens hajam compreendido a marcha de suas existências.

Ministros das vontades do Justo, já presente mente eles

“julgam” as tribos de Israel, pois que presidem ao progresso

do vosso planeta. Atuando sobre os Espíritos prepostos à vossa

guarda, são os intermediários entre Jesus e os Espíritos que de

vós se aproximam, tal como, no que respeita ao planeta em

que habitais, Jesus é o intermediário entre o Senhor e eles, que

só excepcionalmente se comunicam, no desempenho de uma

missão espiritual.

O tempo da regeneração é aquele em que a revelação

espírita regenerará os homens, pondo-lhes desnudas ante os

olhos as verdades que até então eles só puderam conhecer

cobertas pela parábola, sob o véu da letra.

O tempo em que “o filho do homem estará assentado no

trono da sua glória” será a época em que todas as frontes

forçosamente se curvarão, sob as irradiações da luz espírita,

diante daquele que há de ser o único pastor do rebanho que o

Senhor lhe confiou.

Estas palavras referentes aos apóstolos — “Também vós

estareis assentados em doze tronos”, traçam uma alegoria

destinada a tornar compreensível o grau de elevação a que

terão chegado, naquela época, os ministros de Jesus.

“A julgar as doze tribos de Israel”. Essas doze tribos

simbolizam as divisões de povos ainda implantadas na Terra.

Os Judeus, preocupados sempre com a sua nacionalidade,

não davam atenção senão ao que pessoalmente lhes dizia

respeito e Jesus apropriava sua linguagem à época e ao meio

em que falava.

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206 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

A expressão “a julgar” (as doze tribos de Israel) não tinha

o alcance que hoje lhes dais: Jesus a empregou muitas vezes

em sentidos diversos, de acordo com a ordem de ideias ou de

revelações que teve de apresentar veladamente.

Aqui, julgar significa: governar, dar a cada um conforme às

suas obras e méritos. Os apóstolos julgam as doze tribos de

Israel, isto é: os povos confiados à vigilância deles, no sentido

de que velam para que se verifiquem as provações e expiações

a que tais povos se acham sujeitos. Podem, conseguintemente,

ser considerados como juízes que aplicam aos culpados as

penas que a lei, personificada em Deus, lhes impõe; aplicam o

castigo. Ora, a expiação, o remorso são os castigos e os

Espíritos que superintendem às expiações lhes determinam a

natureza.

Não deturpeis o nosso pensamento: não dizemos que

aqueles Espíritos determinem o gênero das provações que o

culpado deva suportar, voltando à Terra. O Espírito, como

sabeis, tem, regra geral, a liberdade de as escolher. A

intervenção daqueles Espíritos se cinge em vigiar que elas

estejam sempre em relação com as forças do culpado, de modo

que não haja para este a impossibilidade de triunfar. A ação

deles se exerce sobretudo na execução da pena infligida ao

culpado no estado espírita. Os remorsos deste, corporificados

na visão de suas faltas, os quadros cruéis que o perseguem e

que, por assim dizer, lhe cravam de contínuo as lâminas

aceradas de uma recordação, já de si cruel, tal a obra da

vontade dos Espíritos que “julgam as tribos de Israel”.

Eles apropriam o castigo à natureza do crime e ao

endurecimento do culpado e os Espíritos bons, porém menos

elevados, que vos cercam, velam, prepostos que são a esse

encargo, pela execução do castigo. Esta, conforme já

explicamos, se dá por meio de visões fluídicas, produzidas

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 207

pelas combinações de fluidos que esses Espíritos operam,

visões que são, para o delinquente, quadros animados de uma

ilusão completa. Nada se faz sem causa. O remorso leva ao

arrependimento e este ao desejo de reparar e de progredir.

Temos agora que vos chamar a atenção para um ponto

importante.

“Em verdade vos digo que vós que me seguistes, quando o

filho do homem, ao tempo da regeneração, estiver assentado

no trono da sua glória, também estareis assentados em doze

tronos a julgar as doze tribos de Israel”.

Estas palavras, cujo sentido e alcance ora conheceis,

despojado da letra, o espírito, Jesus as dirigiu: tanto aos onze

apóstolos que se conservariam fiéis, como a Judas Iscariotes

que, sabia-o ele de antemão, viria a traí-lo, falindo gravissima-

mente à sua missão. Provam elas, portanto, que, nos séculos

futuros, ao tempo da regeneração, Judas estará em situação

igual à dos outros onze, provando, conseguintemente, que vias

e meios de purificação e de progresso moral e intelectual lhe

estavam reservados e lhe seriam proporcionados, com o

auxílio do tempo, como a todos os Espíritos culpados,

consistindo na expiação e na reencarnação que, conforme já

dissemos, constituem o inferno, o purgatório, a reparação e o

progresso.

Aquelas palavras proclamaram previamente a falsidade do

dogma humano, ímpio e monstruoso, da eternidade das penas

para o Espírito culpado; desse inferno eterno que, segundo a

Igreja romana, tragou para toda a eternidade a Judas Iscariotes,

que essa mesma Igreja considera o maior dos réprobos,

condenado eternamente ao inferno eterno que ela instituiu.

Não vos falamos aqui senão dos doze apóstolos porque,

tendo que explicar as palavras de Jesus, não nos quisemos

afastar da limitação que lhes ele traçará, dirigindo-se aos

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208 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Hebreus. Ele se referia apenas aos doze: a estes circuns-

crevemos as nossas referências.

Não vades, por isso, cair em erro a tal respeito. Ainda aqui

mister se faz que vos esclareçamos. Quando explicamos as

palavras de Jesus relativas aos doze tronos, não tivemos em

mente dizer-vos que só os doze discípulos seriam chamados a

desempenhar aquelas funções em torno do Mestre. Os

Espíritos bem-aventurados, cujo número é para vós incal-

culável, têm todos suas missões, seus encargos. Todos velam

com solicitude pelo vosso progresso e facilitam o adianta-

mento dos que, chegados ao ponto de só estarem sujeitos a

encarnações não materiais, tenham que progredir nos mundos

fluídicos.

(Mateus, v. 29; Marcos, vv. 29-30; Lucas, vv. 29-30).

Também são figuradas as palavras de Jesus constantes destes

versículos. Devem ser compreendidas, entendidas segundo o

espírito; mas, desgraçadamente, os homens se obstinam em

tomá-las unicamente à letra. Como exemplo, Jesus apontou

aqueles sacrifícios por serem os maiores que o homem possa

fazer. Todos os que, em obediência à lei de amor ao seu Deus,

à de devotamento aos seus irmãos, fizeram um sacrifício

qualquer, serão recompensados por um progresso rápido. De

modo que, já desde este mundo, encontrarão centuplicado

aquilo de que se houverem despojado.

Os que abandonarem os encantos da família para seguir a

lei de Jesus e difundi-la, para levar a boa nova a outras

famílias que a ignoravam, acharão para si, no seio destas, pais,

mães, irmãos, irmãs, amigos; acharão corações simpáticos e

reconhecidos. Isso não sucederá sempre, mas muitas vezes se

dará! Para esses, a família se acrescerá de todos os membros

que eles conseguirem reunir: a família de Deus, família

imensa, à qual todos devem consagrar a ternura e a dedicação

que o filho consagra ao pai, à mãe, aos irmãos, ou às irmãs.

Page 163: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 209

Demasiado egoísta é ainda o homem para compreender essa

extensão do amor; para compreender que este sentimento se

fortifica e cresce em ardor com o se dividir e disseminar pelas

massas. Não, não acrediteis na anulação dos sentimentos que a

família particular de cada um lhe inspira. Eles se vos depa-

rarão, ao contrário, mais vivos e mais puros, porém menos

exclusivistas.

Deus é nosso pai. Todos somos seus filhos e nos devemos

amar com ardente amor, dedicando-nos uns aos outros, sacri-

ficando alegremente a nossa própria felicidade à felicidade dos

nossos irmãos.

Amai, amai, pois que esta é a única lei regeneradora. O

amor é a. fonte donde brotam todas as virtudes com que deveis

fertilizar a vossa existência, tornando-a capaz de dar bons

frutos. O amor é a fonte onde a alma hauriu a vida em Deus. O

amor é o rio eterno que a leva a se diluir em Deus. Amai a

Deus acima de tudo, amai os vossos irmãos mais do que a vós

mesmos.

Não vos equivoqueis quanto ao sentido destas palavras:

“que leva a alma a se diluir em Deus”. O amor não vos une

àquele a quem amais? O amor é o sentimento puro que reina

por sobre todas as coisas, que tudo aproxima da divindade,

toda ela — amor. neste sentido que a alma se diluirá em Deus:

aproximando-se dele cada vez mais, todavia conservando

sempre, na eternidade e no infinito, a sua individualidade e a

sua imortalidade.

(Mateus, v. 30; Marcos, v. 31) Depois de dar a Pedro,

usando de uma linguagem figurada, a resposta constante dos

vv. 29 e 30 de Marcos, acrescenta Jesus: “Mas, muitos dos que

tenham sido os primeiros serão os últimos e muitos dos que

tenham sido os últimos serão os primeiros”.

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210 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

O amor, que traz dentro de si a humildade e a caridade, para

ser verdadeiro, eficaz, frutuoso, reclama atividade e perseve-

rança na senda do progresso, objetivando em cada criatura o

seu próprio aperfeiçoamento e o de seus irmãos. Ora, muitos

dos que se houverem posto a caminho antes dos outros

chegarão últimos ao fim, por não terem avançado com

perseverança naquela senda. São eles os que contam consigo

mesmos e julgam caminhar com mais segurança e passar

adiante de seus irmãos. Esses verão seus passos obstados pelo

orgulho e retardada, conseguintemente, a sua marcha. E o que

foi assim no passado, assim é no presente e será no futuro.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 211

MATEUS, Capítulo XX, vv. 1-16

Parábola da vinha e dos trabalhadores

da primeira e da última hora.

V. 1. O reino dos céus se assemelha a um homem, pai de família,

que ao amanhecer saiu a assalariar trabalhadores para a sua vinha.

— 2. Tendo convencionado com os trabalhadores pagar por dia um

denário a cada um, mandou-os para a vinha. — 3. Saiu de novo por

volta da hora terceira11

e vendo outros na praça desocupados, — 4,

disse-lhes: Ide também para minha vinha e vos pagarei o que for

justo. — 5. Eles foram. À hora sexta e à hora nona, o pai de família

saiu novamente e fez o mesmo. — 6. Por volta da undécima hora,

tornou a sair e, encontrando mais alguns, desocupados, lhes disse:

Porque passais aqui ociosos o dia todo? — 7. Responderam-lhe eles:

Porque ninguém nos assalariou. Disse-lhes então: Ide também

trabalhar na minha vinha. — 8. Ao anoitecer disse o dono da vinha

ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário,

começando pelos últimos e acabando pelos primeiros. — 9.

Apresentaram-se os que tinham vindo para o trabalho por volta da

hora undécima e cada um recebeu um denário. — 10. Chegando a

vez dos que foram assalariados em primeiro lugar, pensavam eles

que receberiam mais do que os outros; porém, não receberam senão

um denário cada um. — 11. Então, ao receberem a paga,

murmuravam contra o pai de família, dizendo: — 12. Estes, que

foram os últimos, trabalharam apenas uma hora e tu os igualas a nós,

que suportamos o peso do dia e do calor. — 13. Respondendo a um

deles, disse o dono da vinha: Meu amigo, nenhum agravo te faço;

não convieste comigo em receber um denário? — 14. Toma o que te

é devido e vai-te embora; a mim me apraz dar a este, que foi dos

11

Os Judeus como os Romanos dividiam às doze horas do dia em quatro

partes cada uma de três horas. Essas quatro partes se designavam por hora primeira, hora terceira, hora sexta, hora nona, correspondendo à primeira às seis horas da manhã de agora, a terceira as nove, a sexta ao meio-dia e a nona às três da tarde.

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212 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

últimos, tanto quanto a ti. — 15. Ou não me é permitido fazer o que

quero? Acaso, mau é o teu olho porque sou bom? — 16. Assim, os

primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, pois que

muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.

N. 241. Temos que vos explicar, de dois pontos de vista

distintos, a significação e o objetivo destas palavras: do ponto

de vista dos Hebreus e mesmo dos cristãos que tiveram de

viver sob o reinado da letra até ao advento da nova revelação

que espiriticamente se vos faz, que vos trazemos; e do ponto

de vista do espírito que esta revelação vos vem trazer, dando-

vos a inteligência do pensamento de Jesus, encoberto pela

parábola, a fim de servir àquela época e às que se seguiriam e

preparar o advento do espírito.

Apreciemo-las do ponto de vista da letra. Jesus estabelece

um paralelo entre os Judeus, chamados ao conhecimento de

Deus desde as primeiras idades, e os Gentios, que pela

pregação foram levados a esse conhecimento.

Numa época em que o orgulho dos que formavam as

camadas superiores dos Judeus erguia alta barreira entre estes

e todos os que não se achavam submetidos à lei de Moisés,

cumpria abater aquele sentimento em uns e do mesmo passo

animar os esforços dos outros. Era mister encher de esperança

e de coragem os pecadores que se arrependiam. Necessário se

tornava rebaixar a presunção dos que criam ser os únicos

merecedores das graças do Senhor, por terem nascido Hebreus

e não Gentios. Finalmente, urgia tocar fortemente aquelas

inteligências, a fim de as impressionar.

Foi neste sentido e objetivando esse resultado que Jesus

disse: “Assim, os primeiros serão os últimos e os últimos serão

os primeiros, pois que muitos são os chamados, mas poucos os

escolhidos”.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 213

Jesus houvera podido explicar pela reencarnação as

diferenças nos números das horas de trabalho dos obreiros e a

igualdade dos salários, das recompensas. Mostraria então que

os trabalhadores da primeira hora, os que foram em primeiro

lugar assalariados, se conservaram estacionários em muitas

existências, ao passo que os da última hora trabalharam com

zelo e atividade pelo seu adiantamento. Assim, no fim do dia,

chamados uns e outros a receber o salário, as recompensas,

pelo trabalho feito, isto é, pela soma de progresso realizado, as

pagas tiveram que ser iguais, porquanto, tendo todos

produzido a mesma soma de trabalho, todos tinham direito ao

mesmo salário, à mesma recompensa. Jesus pudera ter dado

essa explicação, mas o tempo ainda não chegara.

Essa a razão por que, notai-o bem, ele intencionalmente

conserva na obscuridade da parábola a soma de trabalho

executado por cada um dos trabalhadores e não diz palavra a

respeito, deixando à revelação espírita, então futura e

prometida, o encargo de explicar o seu pensamento segundo o

espírito.

Disse Jesus porventura que os trabalhadores da primeira

hora foram diligentes; que não perderam tempo, embora

fatigados e tendo diante de si longas horas para o trabalho;

que, no fim do dia, haviam feito mais do que os da última

hora, os quais, sentindo-se atrasados, se deram pressa em

concluir a sua tarefa, de modo a poderem dizer ao dono da

vinha: “Senhor, fiz toda a tua vontade”?

Não. Os trabalhadores contratados em primeiro lugar,

quando murmuravam contra o pai de família por lhes haver

mandado pagar tanto quanto aos da última hora, não alegaram

ter feito mais trabalho do que estes, nem que houvessem

adiantado mais do que os outros a obra. Não falam senão do

trabalho dos últimos, senão do tempo durante o qual estes

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214 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

trabalharam. Limitam-se a ponderar que estiveram na vinha

suportando todo o peso do dia e do calor. Os últimos, disseram

eles, não trabalharam mais do que uma hora e lhes pagas como

a nós que suportamos o peso do dia e do calor. Daí vem que o

pai de família, cujas palavras deveis sempre interpretar de

conformidade com a justiça (porquanto deveis buscar sempre a

justiça nas obras de Deus, nas palavras de Jesus), responde:

“Meu amigo, nenhum agravo te faço; não convieste comigo

em receber um denário pelo teu dia de trabalho? Toma, pois, o

que te é devido e vai-te embora”.

Estas palavras que Jesus põe na boca do pai de família: “A

mim me apraz dar a este, que foi dos últimos, tanto quanto a ti.

Ou não me é permitido fazer o que quero? Acaso mau é o teu

olho porque sou bom”? Tinham por fim impedir que a inveja

se desenvolvesse entre os homens, animar os que, por terem

adquirido tardiamente o conhecimento das verdades

evangélicas, temessem não lhes assistir direito às recompensas

prometidas aos que adquirissem esse conhecimento desde a

primeira hora.

Patenteados pela nova revelação o pensamento de Jesus, o

espírito da parábola, desembaraçada esta do véu da letra, ela

se reporta à obra dos Espíritos desde o instante da sua criação

espírita, isto é, desde o momento em que, investidos do livre-

arbítrio, foram, por terem falido, chamados a encarnar na Terra

e a progredir aí pelas reencarnações. Um trabalhou durante

séculos pelo seu adiantamento e sofreu muitas encarnações,

mas negligentemente, deixando que os acontecimentos

seguissem o seu curso; enquanto que outro, de criação mais

recente, se lançou cheio de zelo no caminho do progresso.

Ambos chegarão juntos ao termo da jornada, igualados os seus

valores. Ambos, conseguintemente, poderão ter direito ao

mesmo prêmio. Notai que, na parábola, o trabalhador da última

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 215

hora não se recusara ao trabalho, esperava-o e, logo que foi

chamado, se ergueu alegre, para desempenhar a sua tarefa.

Deveis compreender que as diversas horas em que os

trabalhadores foram assalariados pelo dono da vinha para

trabalhar nela, assim como aquele fim do dia, momentos em

que todos foram reconhecidos com direito a igual salário, não

passam de divisões apropriadas à inteligência dos que ouviam

o ensinamento. No tocante à eternidade não há divisão de

tempo. Foi uma alusão às diversas classes de Espíritos; às

épocas em que eles, uns criados posteriormente a outros e

chamados todos a começar cada um a sua obra, se encontram

no mesmo nível de progresso realizado, cabendo-lhes,

portanto, a mesma recompensa. Os mais antigos na ordem da

criação sofreram necessariamente maior número de

encarnações do que os mais recentemente criados, pela razão

de que, por vezes, se deixaram ficar estacionários ou

trabalharam pelo seu próprio adiantamento com menos

atividade do que os que se puseram ao trabalho depois deles,

mas que juntos com os primeiros atingiram a meta, por terem

trabalhado com mais zelo e caminhado sem descanso pela

estrada do progresso.

Trabalhadores da última hora, não temais aproximar-vos do

pai de família. Não temais empreender a tarefa a que vos

convida, certos de que ele não considerará o tempo que

houverdes gasto em desempenhá-la e sim o zelo e a boa-

vontade de que derdes prova.

Mas, para receberdes o salário, ó vós que ficastes na praça

pública até à última hora, preciso é não recuseis corresponder

ao seu chamado; preciso é não digais todas as vezes que o pai

de família chama os trabalhadores de boa-vontade: “Mais

tarde, ainda não estamos dispostos; o dia é longo, ardente o sol

e convidativo o repouso; esperemos, para começar o trabalho,

Page 170: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

216 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

pela frescura da tarde”. Tende cuidado! Pois com a frescura

vem a sombra, que vos poderá envolver e então já não será

tempo de começar. Ver-vos-eis forçados a aguardar que um

novo dia vos venha encontrar, desde os seus primeiros albores,

na praça pública, à espera do trabalho.

Trabalhadores diligentes que começastes a vossa tarefa ao

nascer do Sol, rejubilai pela bondade do Senhor. Sua

generosidade se estende por sobre aqueles que nada de melhor

haviam podido fazer, como se estende sobre vós! Não deiteis

olhar invejoso para o que ele concede aos vossos irmãos. Que

injustiça cometeu convosco a sua bondade? O pai de família,

que com seus filhos reparte o que possui, não dá a todos

porções iguais?

Não invejeis nunca a sorte de vossos irmãos, visto

ignorardes as causas que determinam os efeitos, visto não

saberdes se aquele que por último foi chamado a trabalhar na

vinha não se teria mostrado mais valoroso do que vós, se logo

ao romper do dia houvesse escutado a voz do dono dela.

Executai a vossa tarefa e, se puderdes, auxiliai vossos

irmãos na execução das suas, e bendizei do pai de família que

mais atende à intenção do que à obra, por isso que as vossas

obras quase sempre são más.

Deveis agora estar em condições de compreender o sentido

e o objetivo destas palavras de Jesus: “Assim, os últimos serão

os primeiros e os primeiros serão os últimos, pois que muitos

são os chamados, mas poucos os escolhidos”.

Do ponto de vista da letra, essas palavras, de que o Mestre

se serviu, tirando uma conclusão da parábola e aplicando-a,

não tiveram por objetivo estabelecer duas classes: uma dos

escolhidos, outra dos réprobos, pois que todos os trabalha-

Page 171: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 217

dores, quer os primeiros, quer os últimos, têm que receber e

receberão do pai de família o mesmo salário, sob a única

condição de o haverem merecido igualmente uns e outros, “no

fim do dia”, e com a única diferença de que os últimos o

ganharam em menos tempo do que os primeiros, porque em

menos tempo do que estes adiantaram tanto quanto eles a obra

do Mestre. Todos, pois, que foram chamados hão de ser

escolhidos. Mas, entre os chamados, há poucos escolhidos,

porque muitos se atrasam ou perdem o tempo e não executam

suas tarefas, sendo poucos os que trabalham com zelo e

atividade na obra que o Mestre lhes propôs. Assim é que os

últimos serão os primeiros e que os primeiros serão os últimos.

Assim é também que há muitos chamados e poucos escolhidos.

Segundo o espírito, estas palavras, de modo geral, se

referem aos sentimentos íntimos que inspiram os atos e lhes

dão valor real perante o Senhor, pelo amor, pela humildade,

pelo desinteresse que demonstrem. Aquele que se exalça será

humilhado e aquele que se humilha será exalçado.

Os primeiros chamados ao conhecimento da verdadeira lei,

que é a lei de justiça, amor e caridade, pregada por Jesus aos

homens, os primeiros colocados na senda da verdade serão os

últimos a chegar ao fim, se em vez de seguirem a linha reta,

enveredarem pelos caminhos tortuosos. O percurso, então, se

tornará para eles longo e a estrada que tomaram os reconduzirá

ao ponto de partida. Ao contrário, os que, começando por

último, caminharem sempre e ativamente para a frente, che-

garão sem delongas ao fim.

Os Espíritos que, chamados a percorrer a estrada do

progresso, ficarem, de quando em quando, estacionários, ou só

avançarem lenta e negligentemente pela via das encarnações,

das provações (esses formam o maior número), conquanto

sejam dos primeiros chamados, na ordem da criação, serão os

Page 172: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

218 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

últimos escolhidos, isto é: os últimos a chegar à perfeição

moral. Contrariamente, os que tiverem caminhado constante-

mente com zelo e atividade (esses são em menor número)

serão escolhidos em primeiro lugar, ainda que sejam dos

últimos na ordem da criação, dos últimos, portanto, chamados,

isto é: dos últimos a entrar na senda do progresso.

N. 242. Esta parábola tem sido objeto de críticas e, para

demonstrarem que é APÓCRIFA, dizem: Não é a justiça que

preside à remuneração devida a cada um pelas suas obras, mas

apenas o arbítrio do Senhor. Verdade é que neste caso ele se

contenta com pagar o mesmo salário aos trabalhadores, tanto

da primeira, como da undécima hora. Mas, de acordo com o

seu princípio: “Não me é lícito fazer o que quero? poderia

igualmente dar dez e cem vezes mais aos últimos do que aos

primeiros. Ora, quem ousaria sustentar que seja lícito governar

com tal princípio qualquer sociedade, ainda que de escravos”?

Ignorantes, que nunca vedes senão a letra, ou que, quando

buscais o espírito, tudo revestis do vosso, procurai sempre e

encontrareis a justiça nas obras de Deus, procurai sempre e

encontrareis a justiça nas palavras de Jesus. E, se as quiserdes

interpretar, não o façais com o vosso parti-pris (opinião), mas

com a vossa consciência.

A resposta a essa crítica da parábola já vos foi dada: está

em tudo quanto acabamos de dizer acerca do seu sentido e do

seu objetivo. Perscrutem, os que criticam, a linguagem de que

usava Jesus e os motivos que tinha para dela usar. Perscrutem

o pensamento que o Mestre ocultava sob o manto da parábola,

sob o véu da letra, do ponto de vista da criação espírita

considerada em espírito e verdade, da marcha do Espírito na

senda do progresso, mediante as sucessivas encarnações, verão

que não há arbítrio, nem capricho, e sim justiça. Ainda uma

vez exemplificamos: Um Espírito, cuja primeira encarnação na

Page 173: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 219

Terra remonta a mil anos, só logrou, até agora, chegar à

categoria dos habitantes da Nova-Holanda; um outro, que

revestiu o seu primeiro invólucro material há apenas trezentos

anos, já pode ser classificado entre os Lapônios. Não é claro

que este último mereceu mais do que o outro que o precedeu

na via das encarnações terrenas?

Suponde que, em vez de avançar tão depressa, o segundo

não haja progredido mais do que o bastante para viver entre os

Novos Holandeses. Estarão ambos no mesmo grau de

encarnação. Longe de haver motivo para se atacar a justiça do

Senhor pela igualdade dos salários pagos aos dois, não haveria

antes razão para se julgar que o último devera ser melhor

remunerado? Admiti, porém, que o primeiro, com o tempo,

alcançou um grau mais elevado, ao passo que o segundo fica

um grau abaixo do daquele. Não será justo que ambos recebam

a mesma recompensa, desde que o segundo trabalhou,

relativamente, tanto quanto o primeiro?

Page 174: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

220 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XX, vv. 17-19. — MARCOS, Cap. X,

vv. 32-34. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 31-34

Predição do sacrifício do Gólgota.

MATEUS: V. 17. Subindo para Jerusalém, Jesus chamou de

parte os doze discípulos e lhes disse: — 18. Vamos para Jerusalém e

o filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos

escribas, que o condenarão à morte. — 19. Entregá-lo-ão aos

Gentios para que seja escarnecido, flagelado e crucificado. E ele ao

terceiro dia ressuscitará.

MARCOS: V. 32. Subindo eles a estrada de Jerusalém, Jesus

lhes ia à frente, o que enchia de espanto e de temor os que o

seguiam. Ele então chamou de parte novamente os doze discípulos e

começou a predizer-lhes o que estava para lhe acontecer. — 33.

Subimos, como vedes, para Jerusalém e o filho do homem será

entregue aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciãos,

que o condenarão à morte e o entregarão aos Gentios. — 34.

Escarnecê-lo-ão, cuspir-lhe-ão no rosto, açoitá-lo-ão, tirar-lhe-ão a

vida e ele ressuscitará ao terceiro dia.

LUCAS: V. 31. Em seguida, Jesus, tomando de parte os doze

apóstolos, lhes disse: Eis que vamos para Jerusalém e tudo que os

profetas escreveram acerca do filho do homem se cumprirá; — 32,

pois que será entregue aos Gentios, será escarnecido, açoitado e

cuspido. — 33. E, depois que o tiverem flagelado, lhe darão a morte

e ele ressuscitará ao terceiro dia. — 34. Eles, porém, nada

compreenderam; aquelas palavras lhes eram um segredo; não

entendiam o que lhes era dito.

N. 243. Jesus, nessa ocasião, repetiu a predição que já

fizera12

da sua “morte” e da sua “ressurreição”, acrescen-

tando e precisando novas particularidades.

12

Mateus, XVI, v. 21; XVII; vv. 21-22. — Marcos, VIII, v. 31; IX, v. 30. —

Lucas, IX, vv. 22 e 44-45.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 221

Não há o que comentar nessas palavras, que são positivas.

Jesus, predizendo-os, fundamentava os acontecimentos que

iam ocorrer e desse modo dava maior peso a suas palavras e

fortalecia a confiança na sua missão, pois que suas afirmativas

se robusteceriam desde que os fatos as confirmassem. As

narrações dos evangelistas se completam umas às outras. Os

diversos informes que eles transmitiram são resultados da

profecia de Jesus àquele respeito, profecia da qual cada um

refere uma parte.

Os discípulos não compreenderam dessa vez melhor do que

das precedentes o sentido exato das palavras do Mestre. Não

atinavam, já o dissemos, com o que poderia ser “ressurreição”

de Jesus. Tinham o entendimento obscurecido quanto a esse

ponto, a fim de que os fatos pudessem ocorrer sem obstáculos.

Os apóstolos, diz um dos evangelistas, muito admirados e

receosos seguiam o Mestre, quando a caminho de Jerusalém. É

que temiam os sacerdotes e os principais Judeus, sentindo que

seria mais difícil escapar-lhes.

Page 176: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

222 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XX, vv. 20-28.

— MARCOS, Cap. X, vv. 35-45

Filhos de Zebedeu. — A humildade e o devotamento para com

todos são a fonte e o meio único de toda elevação. — Nunca

alimentar no coração a inveja. — Seguir o exemplo de Jesus e

fazer esforços por andar nas suas pegadas.

MATEUS: V. 20. Aproximou-se dele então a mãe dos filhos de

Zebedeu com seus filhos e o adorou, dando mostras de querer pedir-

lhe alguma coisa. — 21. Jesus lhe perguntou: Que queres? —

Manda, disse ela, que estes meus dois filhos se assentem um à tua

direita, outro à tua esquerda, no teu reino. — 22. Retrucou-lhes

Jesus: Não sabeis o que pedis. Podeis porventura beber o cálice que

eu tenho de beber? Responderam eles: Podemos. — 23. Disse-lhes

ele: Na verdade, bebereis o cálice que eu hei de beber; quanto,

porém, a terdes assento à minha direita ou à minha esquerda, não

está nas minhas mãos dar-vo-lo; isso só é dado àqueles para quem

meu Pai o preparou. — 24. Ouvindo aquilo, os dez outros apóstolos

se encheram de indignação contra os dois irmãos. — 25. Mas, Jesus

os chamou e disse: Sabeis que os príncipes das nações dominam os

povos; que os grandes exercem seu poder sobre eles. — 26. Assim,

porém, não há de ser entre vós outros: aquele que entre vós queira

ser o maior seja o que vos sirva; — 27, seja o vosso servo aquele

que quiser ser o primeiro entre vós; — 28, a exemplo do filho do

homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua

vida pela redenção de muitos.

MARCOS: V. 35. Acercaram-se então dele Tiago e João, filhos

de Zebedeu, e lhe disseram: Mestre, queremos nos faças tudo o que

te pedirmos. — 36. Perguntou-lhes Jesus: Que quereis que eu vos

faça? — 37. Concede, disseram eles, que, na tua glória, nos

assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda. — 38. Jesus

lhes observou: Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que eu

hei de beber e receber o batismo com que eu serei batizado? — 39.

Responderam os dois: Podemos. Replicou Jesus: Na verdade,

bebereis o cálice que eu hei de beber e sereis batizados com o

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 223

batismo com que eu o serei. — 40. Quanto, porém, a vos sentardes à

minha direita ou à minha esquerda, não está nas minhas mãos vo-lo

conceder; isso será dado àqueles para quem meu Pai o haja

preparado. — 41. Ao ouvirem o que pediam Tiago e João, os dez

outros apóstolos se tomaram de indignação contra eles. — 42. Jesus,

porém, os chamou e lhes disse: Sabei que os que têm autoridade

sobre os povos exercem dominação sobre estes; que seus príncipes

os tratam com império. — 43. Assim, entretanto, não deve ser entre

vós; o que quiser ser o maior tem que se fazer vosso servo; — 44, e

o que quiser ser o primeiro tem que ser o servidor de todos. — 45.

Porque, o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir

e dar a vida pela redenção de muitos.

N. 244. (Mateus, vv. 20-21; Marcos, vv. 35-36-37).

Insignificante é a diferença que se nota entre essas duas

versões, que, aliás, se completam.

A mãe de Tiago e João estava com eles, assim como outras

muitas mulheres que, acompanhando seus filhos e irmãos,

seguiam a Jesus. Ela e eles dirigiam sucessivamente a palavra

ao Mestre. A resposta deste, porém, foi dada aos dois

discípulos, como era natural. Ainda aqui, como em todos os

casos semelhantes, cada uma das narrações evangélicas

explica e completa a outra.

Entre os povos da antiguidade, com um alcance ainda maior

do que entre vós, a direita era o lugar de honra e a esquerda,

conquanto o fosse também, relativamente aos demais

convidados, implicava uma certa inferioridade. Ora, Tiago e

João, ao formularem o pedido que fizeram, se colocavam, de

acordo com as suas ideias mundanas, nos primeiros lugares

para as honras celestiais, logo depois de Jesus, que eles

consideravam o anfitrião do festim celeste a que todos seriam

convidados. Cumpre não tomar as palavras ao pé da letra, mas

como figurativas da categoria que os dois desejavam ocupar.

Page 178: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

224 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(Mateus, vv. 22-23; Marcos, vv. 38-39-40). “Não sabeis o

que pedis; podeis beber o cálice que hei de beber, receber o

batismo que hei de receber”?

Por estas palavras aludia Jesus ao sacrifício em que ele

seria a vítima e não à água que João Batista lhe derramara

sobre a cabeça. Logo que Tiago e João lhe respondem:

Podemos, ele acrescenta: “Na verdade bebereis o cálice que

hei de beber, receber o batismo que hei de receber”?

aludindo, de modo geral, ao martírio que os apóstolos em sua

maioria haviam de sofrer, a exemplo do Mestre.

“Quanto, porém, a terdes assento à minha direita ou à

minha esquerda, não está nas minhas mãos dar-vo-lo; isso só

é dado àqueles para quem meu Pai o preparou”.

Por estas palavras Jesus faz ressaltar a supremacia divina

com relação a qualquer outro Espírito, por mais elevado que

seja. Faz ver que ninguém mais senão Deus sabe quando o

Espírito é bastante puro para se sentar “à direita” ou “à

esquerda” do Mestre. Faz sentir que só Deus, que é uno, que é

onipotente, que é o único cuja soberania é absoluta como rei

dos reis, senhor dos senhores, pode admitir qualquer das suas

criaturas, ou repeli-la, até que a sua purificação seja completa.

Não sabeis o que “pedis”, disse Jesus a Tiago e João. Efeti-

vamente, na condição de encarnados, enquanto desem-

penhavam suas missões terrenas, eles eram incapazes de

compreender o sentido e o alcance do que pediam, assim

como, em espírito e em verdade, o sentido e o alcance das

respostas que lhes foram dadas, de compreender as regras e as

condições, estabelecidas desde toda a eternidade pela vontade

imutável de Deus, para o progresso do Espírito, para sua

marcha ascensional colimando a perfeição.

Page 179: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 225

(Mateus, vv. 24-28; Marcos, vv. 41-45). Diante da

indignação de que se encheram os outros dez apóstolos contra

Tiago e João, Jesus, chamando-os para perto de si, lhes deu o

ensinamento simples e conciso, constante desses versículos,

ensinamento que todos deveis compreender, objetivando

encaminhar o homem para a humildade, para o desinteresse e a

renúncia de si mesmo, para o devotamento a todos.

Essa lição deu frutos entre os discípulos e os primeiros

cristãos. Os homens, porém, a perderam de vista, deixaram de

a praticar desde o dia em que, passados os tempos apostólicos,

fizeram da Igreja do Cristo um reino deste mundo, pactuando

com as potências da Terra, ou, por vezes, lutando contra elas,

caminho pelo qual foram levados ao orgulho, à ambição, à

dominação e à intolerância, aos abusos, às aberrações, aos

excessos que aquelas fontes de erros e de paixões fazem jorrar.

Chegaram os tempos em que as palavras do Mestre se têm

de cumprir e tornar verdade prática, em que aquele que quiser

ser entre vós o maior estará sempre pronto a servir aos seus

irmãos, será o servo de todos.

Espíritas, primeiros pioneiros da era de regeneração, dai aos

vossos irmãos o exemplo da humildade, do desinteresse, da

renúncia e do devotamento. Reuni os materiais esparsos e

preparai a reconstrução da Igreja do Cristo, sobre os

fundamentos inabaláveis e indestrutíveis da liberdade, da

igualdade e da fraternidade, pela prática do amor, da justiça e

da caridade recíprocas e solidárias. Esses fundamentos lançou-

os o próprio Jesus, proclamando estarem toda a lei e os

profetas no duplo mandamento do amor a Deus, vosso

Criador, e ao próximo como a vós mesmos. A prática desse

duplo mandamento consiste na observância das leis de justiça,

de amor e de caridade, implicando a das leis do trabalho e do

progresso, pelo aperfeiçoamento próprio e de seus irmãos.

Page 180: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

226 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Preparai a reconstrução dessa Igreja do Cristo, que tem por

templo o vosso planeta e cujos fiéis serão todos os homens,

sem embargo dos diversos cultos exteriores que agora os

separam e dividem.

Oh! Homens, irmãos nossos bem-amados, tornai- vos todos

discípulos de Jesus, esforçando-vos, pela compreensão e pela

prática, em espírito e verdade, de seus ensinamentos e

exemplos, por andar nas suas pegadas.

Em nome do Mestre nós vos repetimos: aquele que, entre

vós, quiser ser o maior seja o servo de todos, a exemplo do

filho do homem, que veio para vossa regeneração, mostrando a

todos a senda da perfeição moral na humildade, no

desinteresse, na renúncia de si mesmo, no devotamento a

todos, absoluto, levado até ao sacrifício da vida.

Jesus declarou: “O filho do homem não veio para ser

servido, mas para servir e dar sua vida pela redenção de

muitos”. Disse “de muitos” e não “de todos” porque, ao

tempo da purificação do vosso mundo, Espíritos rebeldes e

obstinadamente culpados haverá que serão afastados desse

planeta e mandados para outros de categoria inferior, onde

terão que expiar e progredir sob as vistas de outro Cristo de

Deus. Os degredados serão, nós o esperamos, em número

reduzido, porquanto o caminho está aberto a todos. Todos

tendes o livre-arbítrio e a lei do amor para vos guiar nesse

caminho, de modo a que o percorrais com segurança e sem

desvio.

Jesus não estabeleceu duas categorias, uma de “eleitos”,

outra de “réprobos”. Compreendei toda a grandeza do sentido

das palavras do Mestre. Nem todos chegarão ao fim debaixo

da mesma direção, mas todos hão de chegar.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 227

LUCAS, Capítulo XIX, vv. 1-10

Conversão de Zaqueu.

V. 1. Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. — 2.

Vivia ali um homem, chamado Zaqueu, que era dos principais entre

os publicanos, rico — 3, e que procurava ver a Jesus para o

conhecer, o que não podia conseguir devido à multidão, pois que ele

era de muito baixa estatura. — 4. Correndo então adiante de todos,

subiu a um sicômoro para o ver, porquanto por ali havia Jesus de

passar. — 5. Chegando ao lugar onde ele se achava, Jesus levantou

os olhos, o viu e lhe disse: Zaqueu, desce depressa, porque é preciso

que eu fique hoje em tua casa. — 6. Zaqueu desceu a toda pressa e o

recebeu com alegria. — 7. Todos os que isso presenciaram murmu-

ravam, por ter ele ido hospedar-se em casa de um homem pecador.

— 8. Entretanto, Zaqueu, prostrando-se diante do Mestre, lhe disse:

Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se nalguma

coisa defraudei a alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo. — 9. Sobre o

que, disse Jesus: Hoje entrou nesta casa a salvação, pois este

também é filho de Abraão. — 10. Porque, o filho do homem veio

buscar e salvar o que estava perdido.

N. 245. Fáceis são de aprender-se as consequências deste

fato.

Jesus viera em socorro dos que se perdiam. Sua moral

persuasiva frutificava em alguns corações e os que tratavam de

a pôr em prática eram salvos, pois entravam no caminho do

progresso rápido e contínuo.

A moral de Jesus, sempre pura, sempre confortante, esteve

e ainda está sob as vossas vistas. Ouvis os que a pregam, mas,

infelizmente, na vossa maioria, não procurais aplicá-la a vós

mesmos. De quem a culpa: dos que falam ou dos que ouvem?

Fazei como Zaqueu, ó bem amados: Dai-vos pressa em

preparar a vossa casa, para nela receberdes o Senhor. Preparai

Page 182: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

228 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

a depuração do vosso planeta, purificando-vos. Escutai e

aplicai as palavras de Jesus. Reparai sem demora os danos que

porventura tenhais causado aos vossos irmãos, quer por

palavras quer por atos. Voltai-vos seriamente para vós

mesmos e podereis, como Zaqueu, ouvir, repercutindo

suavemente no fundo de vossos corações, as palavras do

Mestre.

Sereis também, como Zaqueu, “filhos de Abraão”. Para os

Judeus, estas palavras — “filho de Abraão” — significavam:

“herdeiro do céu”. Todo aquele que volve ao bom caminho é,

pois, desse ponto de vista, “um filho de Abraão”.

Na passagem que estamos apreciando, Jesus repete estas

palavras: “O filho do homem veio buscar e salvar o que estava

perdido”. Já explicamos (N. 204, v. 11 de Mateus) o sentido e

o alcance delas.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 229

MATEUS, Cap. XX, vv. 29-34. — MARCOS, Cap. X,

vv. 46-52. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 35-43

Cura dos cegos de Jericó.

MATEUS: V. 29. Saindo eles de Jericó, grande multidão

acompanhou a Jesus. — 30. E eis que dois cegos que se achavam

sentados à beira da estrada, ouvindo dizer que Jesus por ali passava,

se puseram a clamar: Senhor, filho de David, tem compaixão de nós!

— 31. O povo os repreendia, mandando que se calassem; porém,

eles clamavam cada vez mais alto: Tem compaixão de nós, Senhor,

filho de David! — 32. Jesus então parou, chamou-os e lhes

perguntou: Que quereis que eu vos faça? — 33. Responderam os

dois: Que se nos abram, Senhor, os olhos. — 34. Compadecido

deles, Jesus lhes tocou os olhos e, no mesmo instante, ambos

recobraram a vista e o seguiram.

MARCOS: V. 46. Estiveram depois em Jericó. Ao sair daí Jesus,

acompanhado dos discípulos e de grande multidão, um cego, de

nome Bartimeu, filho de Timeu, estava sentado à beira da estrada,

esmolando. — 47. Tendo ouvido dizer que Jesus Nazareno por ali

passava, começou a clamar : Jesus, filho de David, tem compaixão

de mim! — 48. Muitos o ameaçavam para que se calasse, porém ele

clamava ainda mais alto: Filho de David, tem piedade de mim! —

49. Jesus então parou e mandou que o chamassem. Alguns o foram

chamar, dizendo: Tem confiança, levanta-te que ele te chama. — 50.

Bartimeu, atirando para o lado a capa, de um salto foi ter com Jesus.

— 51. Perguntou-lhe este: Que queres que eu te faça? O cego

respondeu: Mestre, faze que eu enxergue. — 52. Disse-lhe então

Jesus: Vai, tua fé te salvou. No mesmo instante ele enxergou e foi

seguindo a Jesus pela estrada.

LUCAS : V. 35. Sucedeu que, ao aproximar-se Jesus de Jericó,

estava um cego sentado à beira do caminho, pedindo esmola. —

multidão que passava, perguntou o que era aquilo. — 37. Disseram-

lhe que era Jesus de Nazaré quem por ali passava. — 38. Logo

Page 184: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

230 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

clamou ele: Jesus, filho de David, compadece-te de mim! — 39. Os

que iam à frente o repreendiam, para que se calasse; ele, porém,

clamava cada vez mais forte: Filho de David, tem compaixão de

mim! — 40. Jesus parou e mandou que lhe trouxessem o cego. Ao

aproximar-se este, perguntou-lhe: — 41. Que queres que te faça?

Respondeu ele: Senhor, faze que eu veja! — 42. Jesus lhe disse: Vê;

tua fé te salvou. — 43. Imediatamente, o que era cego viu e foi

seguindo a Jesus, glorificando a Deus. E todo o povo, tendo visto

aquilo, louvava a Deus.

N. 246. Há aqui dois fatos de cura, um relatado por Marcos

e Lucas, outro por Mateus. Jesus não permaneceu sempre na

cidade de Jericó, depois de ali haver entrado e pedido

hospitalidade a Zaqueu. Ao contrário, saiu muitas vezes para

instruir o povo. Foi assim que operou a dupla cura, em

ocasiões diversas. Isto, aliás, nenhum valor tem, nem

consequência. Que importa, realmente, tenha sido ao entrar em

Jericó ou ao sair de lá que os fatos se hajam dado? Que

influência pode essa circunstância exercer sobre os mesmos

fatos? Não vos detenhais nunca em minúcias pueris.

Quanto às curas, já vos explicamos (2o Volume, Pág. 152)

como se operavam.

Jesus as produziu por ato exclusivo da sua vontade e pela

ação de seu poder magnético.

Nenhuma necessidade tinha ele de tocar os olhos dos cegos

para os curar da cegueira. Tocando-lhes os olhos, mostrava aos

discípulos o que lhes cumpria fazer.

Operando a cura do outro cego, Bartimeu, filho de Timeu,

só com o pronunciar estas palavras: “Vai, tua fé te salvou”,

quis impressionar fortemente as massas, mostrando aos

homens o poder de que dispunha e também o amparo e

benefícios que uma fé sincera e ardente pode esperar do

Senhor.

Page 185: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 231

Homens, que sois cegos do coração e da inteligência, dizei

com fé: “Senhor, que nossos olhos se abram”, e recobrareis a

vista moral e espiritual. Dizei com fé: “Mestre, faze que eu

veja” e vereis, porquanto a luz espírita clareará as trevas que

vos envolvem, projetando o fulgor de seus raios na estrada reta

e segura que tendes de percorrer.

Page 186: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

232 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXI, vv. 1-17. — MARCOS, Cap. XI, vv. 1-11

e 15-19. — LUCAS, Cap. XIX, vv. 28-48

Entrada de Jesus em Jerusalém. — Mercadores expulsos do

templo. — A casa do Senhor é casa de oração e não, pelo

tráfico, um covil de ladrões. Predição da ruína de Jerusalém.

MATEUS: V. 1. Quando se aproximavam de Jerusalém, ao

chegarem a Betfagé, perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois

de seus discípulos, — 2, dizendo-lhes: Ide a essa aldeia que vos está

defronte e lá encontrareis amarrada uma jumenta com o seu

jumentinho; desamarrai-a e trazei-mos. — 3. Se alguém vos disser

qualquer coisa, respondei que o Senhor precisa deles e logo vo-los

deixarão trazer. — 4. Ora, tudo isso aconteceu, para que se

cumprisse o que fora dito pelo profeta: — 5. “Dizei à Filha de

Sião”13

: Eis que vem a ti o teu rei, cheio de doçura, montado numa

jumenta e trazendo o jumentinho da que está sob o jugo. — 6. Os

discípulos foram e fizeram como Jesus lhes ordenara. — 7.

Trouxeram a jumenta com o jumentinho, cobriram-nos com suas

vestes e o fizeram montar. — 8. Da multidão muitos então

estenderam pelo caminho suas roupas, enquanto outros cortavam

ramos de árvores e os espalhavam pela estrada. — 9. E a turba toda,

tanto os que iam a frente como os que vinham atrás, clamava:

Hosana ao filho de David! Bendito o que vem em nome do Senhor!

Hosana nas maiores alturas! — 10. Quando ele entrou em

Jerusalém, a cidade toda se abalou e perguntavam: Quem é este? —

11. A multidão respondia: É Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia.

— 12. Jesus entrou no templo de Deus e expulsou todos os que ali

vendiam e compravam; derribou as mesas dos cambistas e os bancos

dos que vendiam pombas, — 13, dizendo- lhes: Está escrito: “Minha

casa será chamada casa de oração”. E fizestes dela um covil de

ladrões. — 14. Vieram então ao templo cegos e coxos e ele os

curou. — 15. Vendo, porém, as maravilhas que ele operava e

13

Jerusalém era edificada no monte Sião.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 233

ouvindo os meninos que clamavam no templo: Hosana ao filho de

David, os príncipes dos sacerdotes e os escribas se indignaram, —

16, e lhe perguntaram: Ouves o que eles dizem? Respondeu-lhes

Jesus: Sim. E nunca lestes isto: “Da boca dos meninos e das

criancinhas que ainda mamam tiraste perfeito louvor”? — 17. E,

deles se apartando, retirou-se da cidade e foi para Betânia, onde

passou a noite.

MARCOS: V. 1. Quando se aproximavam de Jerusalém, ao

chegarem a Betânia, perto do monte das Oliveiras, despachou dois

de seus discípulos, — 2, dizendo-lhes: Ide àquela aldeia que está em

frente de vós; ao entrardes nela, encontrareis amarrado um

jumentinho no qual ainda ninguém montou. Desamarrai-o e trazei-

me. — 3. Se alguém vos perguntar: Que fazeis? respondei: O Senhor

precisa dele, e logo vo-lo deixarão trazer aqui. — 4. Partiram os dois

discípulos e acharam o jumentinho, numa encruzilhada, amarrado do

lado de fora de uma porta e o desamarraram. — 5. Alguns dos que

por ali estavam lhes perguntaram: Que fazeis? Porque desamarrais

esse jumentinho? — 6. Eles responderam como Jesus lhes

determinara e os que os haviam interpelado deixaram que o

levassem. — 7. Levaram então eles o jumentinho, cobriram-no com

suas capas e Jesus montou-o. — 8. Muitos também estenderam suas

vestes ao longo do caminho, enquanto outros cortavam ramos de

árvores e os espalhavam por onde ele passava. — 9. E tanto os que

iam à frente, como os que o seguiam clamavam: Hosana! — 10.

Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino, que vemos

chegar, do nosso Pai David! Hosana nas alturas! — 11. Tendo

entrado em Jerusalém, Jesus foi ao templo e, depois de tudo haver

observado, como já fosse tarde, se retirou para Betânia com os doze

apóstolos. — V. 15. Tendo voltado a Jerusalém, Jesus entrou no

templo, donde expulsou os que ali vendiam e compravam; derrubou

as mesas dos cambistas e os bancos dos que vendiam pombas. —

16. Não permitia que ninguém andasse pelo templo carregando

qualquer vaso. — 17. E ensinava dizendo: Não está escrito que a

minha casa será, entre todas as gentes, chamada casa de oração? E,

no entanto, fizestes dela um covil de ladrões. — 18. Ouvindo isso,

os príncipes dos sacerdotes e os escribas cogitavam do modo por

que o haviam de perder, pois o temiam porque o povo se mostrava

Page 188: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

234 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

maravilhado da sua doutrina. — 19. Ao cair da tarde saiu ele da

cidade.

LUCAS: V. 28. Depois de ter assim falado, Jesus, à frente de

todos, tomou o caminho de Jerusalém. — 29. Ao aproximar-se de

Betfagé e de Betânia, junto do monte chamado das Oliveiras,

despachou dois de seus discípulos, — 30, dizendo-lhes: Ide àquela

aldeia que nos está fronteira; ao entrardes lá, encontrareis amarrado

um jumentinho no qual nunca ninguém montou; desamarrai-o e

trazei-me. — 31. Se alguém vos perguntar: Porque o soltais?

respondei assim: Porque o Senhor precisa dele. — 32. Partiram os

dois emissários e encontram o jumentinho como lhes fora dito. —

33. Quando o desamarravam, perguntaram os donos: Porque

desamarrais esse jumentinho? — 34. Responderam: Porque o

Senhor precisa dele. — 35. Levaram-lhe então, cobriram-no com

suas vestes e fizeram Jesus montá-lo. — 36. E muitos estendiam

suas capas por onde ele passava. — 37. E quando ia começando a

descer o monte das Oliveiras, a turba de seus discípulos começou,

transportada de alegria, a louvar a Deus em altas vozes por todas as

maravilhas que tinham presenciado, dizendo: — 38. Bendito o rei

que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas! — 39.

Então, dentre o povo, alguns fariseus lhe disseram: Mestre faz com

que teus discípulos se calem. — 40. Ao que ele respondeu: Eu vos

declaro que, se estes se calassem, clamariam as próprias pedras. —

41. Já perto de Jerusalém, ao contemplar a cidade, Jesus chorou por

ela, dizendo: — 42. Ah! se ao menos neste dia que ainda te é

concedido conhecesses aquele que te pode trazer a paz! Mas, por

ora, tudo isto se conserva oculto aos teus olhos! — 43. Porque,

desditosos dias te virão, em que teus inimigos levantarão trincheiras

ao teu derredor, te porão cerco e te apertarão de todos os lados; —

44; em que te deitarão por terra, bem como a quantos de teus filhos

estão dentro de ti, não deixando em ti pedra sobre pedra, por não

teres conhecido o tempo da tua visitação. — 45. E, tendo entrado no

templo, começou a expulsar os que ali vendiam e compravam,

dizendo-lhes: — 46. Está escrito que minha casa é casa de oração; e

dela fizestes um covil de ladrões! — 47. E todos os dias ensinava no

templo. Entrementes, os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os

maiorais do povo cogitavam de eliminá-lo. — 48. Não achavam,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 235

porém, o que lhe haviam de fazer, porquanto o povo ficava como

que suspenso, ouvindo-o.

N. 247. A humildade praticada por Jesus constitui sempre o

objetivo do ensinamento em geral. Nem pompa, nem luxo teve

a sua entrada em Jerusalém, que se tornou triunfal apenas pelo

entusiasmo que suas virtudes despertaram na multidão. Ele era

sempre modesto e simples, como a moral que pregava e

exemplificava.

Não vos preocupeis com as diferenças que se notam nas

narrações, a propósito do animal que Jesus montou. De

nenhum modo influem sobre os fatos. A escolha recaiu no

jumentinho, por ser a cavalgadura do pobre. Foi escolhido um

animal novo e ainda não montado, para mostrar que o mais

indomável facilmente se pode curvar ao jugo do Mestre.

“Jesus expulsou do templo os vendilhões”. Oh! Jesus,

entrasses tu em todos os lugares onde tudo são mercadorias,

onde o ouro deslumbra e paga a oração e o perdão, resgata os

crimes e faz das bênçãos do Senhor vil objeto de comércio!

Disse ele: “Está escrito que minha casa é casa de oração; e

dela fizestes um covil de ladrões”. O pensamento, que estas

palavras do Mestre exprimiam, compreendendo a época em

que foram ditas e o futuro, é este: Desconfiai dos que vendem

o perdão e as graças, dos que exploram a credulidade e a

ignorância, porquanto cometem roubo, vendendo o que lhes

não pertence, o que não têm nem mesmo para si.

A turba dos discípulos, tanto os que iam à frente de Jesus,

como os que o seguiam, clamava: Hosana! Oh! deixai que

suas vozes se elevem ao Senhor. Elas abafarão os queixumes

da Terra. Hosana àquele que traz a paz aos humildes e aos

pequeninos, que curva a fronte dos soberbos e dos orgulhosos!

Page 190: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

236 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(Mateus, vv. 1, 2, 3, 6, 7; Marcos, vv. 1-7; Lucas, vv. 28-

35.). As narrações evangélicas, já o temos dito e repetimos, se

completam umas às outras. A jumenta estava com o

jumentinho; este acompanhava a mãe. Jesus montou o

jumentinho, mas, conquanto só deste precisasse, mandou

buscar uma e outro, porque as tradições e as profecias se

tinham que ligar aos acontecimentos da era messiânica.

Marcos e Lucas só falaram do jumentinho por ser o que servira

ao Rei que fazia a sua entrada em Jerusalém.

Para que compreendais a previsão de Jesus, a sua

presciência do que, cumprida a ordem que dera, se ia passar

entre os dois discípulos e os donos da jumenta e do

jumentinho, basta o conhecimento que ora tendes da sua

natureza, da sua origem e da sua missão superior e que

saibais, como sabeis, que tudo fora de antemão previsto e

preparado pelas encarnações14

, a fim de que os fatos

ocorressem, como era mister, acordemente com as

necessidades daquela missão. Em Jesus, a visão a distância

decorria das mesmas causas em virtude das quais lhe era dado

ler os pensamentos dos homens. É que era sempre Espírito,

debaixo daquela aparência corporal humana que tomara,

revestindo um perispírito tangível. Para vós, que sofreis a

encarnação material, qual ela é atualmente para a humanidade

terrena, isso só se pode dar pela influência mediúnica dos

vossos guias. E assim será até ao momento em que a matéria

se torne bastante sutil para que o Espírito lhe possa vencer os

entraves.

14

A palavra encarnações, embora não dê sentido perfeito à frase, é a que

se encontra no texto original. — Nota da Editora.

Page 191: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 237

Os donos da jumenta e do jumentinho, deixando que os

levassem, foram a isso impelidos pelos seus guias, cederam à

inspiração recebida, sem que tivessem a tal respeito nenhuma

ideia assentada.

Conhecendo aqueles Espíritos, que haviam encarnado com

o fim de concorrerem para que se verificasse o fato em

questão, atinente à missão que ele desempenhava;

conhecendo-lhes o grau de adiantamento e a docilidade às

inspirações de seus guias, Jesus teve a presciência do que se ia

passar.

(Mateus, vv. 4 e 515

, Isaías, Cap. LXII, vv. 1, 2 e 11;

Zacarias, Cap. IX, v. 9). Estas palavras do evangelista, assim

como as dos profetas Isaías e Zacarias, só pela revelação que

atualmente vos é dada e que então era futura, predita,

prometida, haviam de ser explicadas segundo o espirito, em

espírito e verdade. Sob o véu da letra, elas encerravam uma

alusão à graduação espírita de Jesus, rei vosso, que para o

meio de vós desceu. Ele é vosso rei, por isso que é, preposto

por Deus, o protetor e o governador do vosso planeta, a cuja

formação presidiu, encarregado do seu desenvolvimento, do

seu progresso e de conduzir à perfeição a humanidade que o

veio habitar.

(Mateus, vv. 8-9; Marcos, vv. 8-9; Lucas, versículos 36-37-

38). As palavras de louvor e de alegria, que a multidão, à

frente e em seguimento de Jesus, proferia, eram sugeridas ao

espírito popular por influência dos Espíritos do Senhor.

(Lucas, vv. 39-40). A manifestação tinha que se produzir.

Se os homens, obedecendo à própria vontade, se houvessem

oposto a que ela se produzisse, os Espíritos que cercavam o

15

Ver também João, Capítulo XII, vv. 14-15.

Page 192: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

238 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Mestre teriam feito que se ouvissem vozes entoando louvores

ao “filho de David”, àquele que, aos olhos dos homens, era

filho de David.

(Lucas, vv. 41-42-43-44). Eram proféticas as palavras de

Jesus referentes à sorte reservada a Jerusalém, porquanto

tinham que estar acordes com os sucessos vindouros.

Antevendo aquela sorte, ele se aproveitava dos fatos que

ocorriam, para que as inteligências fossem impressionadas

quando os acontecimentos previstos se realizassem. Com

relação aos filhos de Jerusalém, aquelas palavras, do ponto de

vista espírita, eram também alegóricas, indicando veladamente

a sorte que aguardava os Espíritos rebeldes à voz do Senhor.

Vós espíritas sabeis que o culpado que faliu nas suas provas

tem que expiar e que as faltas de uma encarnação recaem

amiúde sobre muitas das que se seguem. Eis porque Jerusalém

viria a amargar o seu endurecimento. Seus filhos, Espíritos

rebeldes, tiveram que expiar seus crimes e sua cegueira

voluntária.

(Mateus, vv. 10-11). Quando Jesus entrou em Jerusalém

toda a cidade se abalou. Sim, enorme era a surpresa dos que o

viam tão humilde e cercado de tão grande multidão. A fama o

precedera, mas o que todos esperavam ver era um doutor

orgulhoso do seu saber e trazendo após si longo cortejo.

Perguntavam: “Quem é este”? Desde muito tempo se

haviam todos esquecido do menino que no templo ensinava

aos doutores.

A multidão que o acompanhava respondia: “É Jesus, o

profeta de Nazaré da Galileia”. Jesus nunca disse que era

Deus. Seus discípulos é que, influenciados pela época, pelos

preconceitos e pelas tradições populares, pelo estado das

inteligências, pelos fatos ocorridos e pelas aspirações do

momento, foram levados a atribuir ao Cristo a divindade,

depois de finda a sua missão terrena. Mas, isso só se deu

Page 193: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 239

porque, firmando-se nestas palavras que ouviram de sua boca

— filho de Deus, meu pai que está no céu, etc. — e tendo em

vista os “milagres” por ele realizados, especialmente o fato

“miraculoso” da sua “ressurreição” e suas aparições depois

desta, não admitindo que a outrem, senão somente a um Deus

encarnado, fosse possível realizar todas aquelas coisas

milagrosas, eles tudo tomaram ao pé da letra, como era

necessário, para atrair as massas.

A fim de destruir os ídolos, fazia-se mister um Deus visível,

palpável. Ora, o deísmo inteiramente espiritual não satisfaria,

não produziria esse resultado. Foi preciso então proceder de

acordo com os tempos, com as condições e as necessidades do

progresso humano.

Logo que outras se tornaram essas necessidades, quantas

vozes se elevaram a combater o princípio da “Trindade”, que

representava um esforço feito, em face do monoteísmo, por

conservar a unidade na pluralidade e que só tomando um

caráter panteísta lograva escapar ao politeísmo! Quantas se

elevaram a combater o sacrifício de Deus imolando-se a si

próprio para satisfazer à sua própria vingança e resgatar,

perante si mesmo, homens que ele podia condenar ou perdoar,

por ato exclusivo de sua vontade! Porém, não censureis. Na

marcha do tempo e do progresso humano, tudo tem sua razão

de ser, segundo a presciência e a sabedoria infinitas do Senhor.

A nova revelação, que vos trazemos, vem dizer-vos o que

até aos dias de hoje os homens foram incapazes de suportar.

Despojando da letra o espírito, ela vos vem explicar, em

espírito e verdade, quem é Jesus-Cristo16

.

16

Ver, sobre a divindade que os homens atribuíram ao Cristo, o Evangelho

de João, Nº 1, referente aos versículos 1 e 2 do capítulo I e a explicação desses versículos em espírito e verdade.

Page 194: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

240 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

(Mateus, vv. 12-16; Marcos, vv. 11 e 15-18; Lucas, vv. 45-

48). Todo tráfico tendo por objetivo o reino de Deus constitui

uma impiedade.

Lançai o olhar para os tempos hebraicos. Os Judeus

resgatavam suas faltas por meio de sacrifícios e os mercadores

lhes forneciam as vítimas, os vasos com perfumes, o que tudo

era trazido para o templo e aí vendido. Depois, o negócio se

ampliou, as transações comerciais se instalaram na casa de

Deus. As Bolsas dos tempos de agora, com as suas baixezas,

tiveram um modelo no templo de Israel.

Repetimos com Jesus: “Está escrito: Minha casa será

chamada por todos os povos casa de oração; e fizestes dela

um covil de ladrões”. O Espírito da Verdade vem dar

cumprimento a essas palavras do Mestre, substituindo o

reinado da letra que mata, pelo do espírito que vivifica.

Tempo virá e já veio para vós espíritas, como para todos os

homens que hão compreendido e praticam, abstraindo de

cultos exteriores, a lei de amor, tempo virá em que não mais se

adorará o pai no alto do monte, nem em Jerusalém; em que os

homens o adorarão em espírito e verdade; em que, por todas

as nações, a Terra será chamada “casa de oração”.

Com a prudência e a habilidade do oculista que, operando a

catarata, prepara o cego para ver a luz, os Espíritos do Senhor,

como mensageiros do Espírito da Verdade, como missionários,

encarnados e errantes, vêm e virão levantar progressivamente

o véu que rouba aos olhares dos homens a verdade, a fim de

que o que era secreto seja conhecido e o que estava oculto se

torne patente. Eles vêm e virão encaminhar os homens,

mediante a prática da humildade, do desinteresse, da justiça,

do amor e da caridade, da renúncia de si mesmos, da

indulgência, do perdão e do olvido das ofensas e das injúrias,

do devotamento entre todos e por todos, para a verdadeira

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 241

fraternidade, que só ela pode estabelecer e estabelecerá entre

todos, com sinceridade, a igualdade e a liberdade, pela

reciprocidade e pela solidariedade, efetivando desse modo a

regeneração humana, que o Mestre predisse e prometeu.

Quando a unidade fraternal estiver consumada, o reino de

Deus estará estabelecido. Então, no vosso planeta depurado

(nova Jerusalém), aparecerá em todo o seu fulgor espírita,

como soberano visível para as criaturas igualmente

purificadas, o vosso protetor e governador, Jesus, vosso mestre

e vosso rei. Então, reboará também o brado imenso que,

regenerados, tornados verdadeiramente irmãos, os homens, em

conjunto e em uníssono, soltarão, como outrora a multidão que

o precedia e acompanhava por ocasião da sua entrada em

Jerusalém: Bendito seja o rei que vem em nome do Senhor!

Paz seja no céu e glória nas alturas!

E os Espíritos que houverem preparado e efetuado a

regeneração, a purificação do vosso planeta e da humanidade,

farão de novo ouvir o cântico dos anjos que conduziram os

pastores ao estábulo de Belém: Glória a Deus no mais alto dos

céus e paz na terra aos homens de boa-vontade!

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XII, 12:29.

Page 196: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

242 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXI, vv. 18-22.

— MARCOS, Cap. XI, vv. 12-14 e 20-26

Parábola da figueira que secou.

MATEUS: V. 18. Pela manhã, ao voltar para a cidade, teve fome,

— 19, e, vendo uma figueira à beira do caminho, dela se aproximou,

mas não achou ali senão folhas. Disse-lhe então: Nunca mais nasça

fruto de ti. No mesmo instante a figueira secou. — 20. Vendo isso,

os discípulos diziam entre si, tomados de assombro: Como secou

num instante! — 21. Disse-lhes então Jesus: Em verdade vos digo,

que, se tiverdes fé e não hesitardes em vosso coração, não só fareis

isto a uma figueira, mas ainda se disserdes a este monte: Tira-te daí

e lança-te no mar, assim se fará. — 22. E obtereis tudo o que com fé

pedirdes na vossa prece.

MARCOS: V. 12. No dia seguinte, ao saírem de Betânia, ele teve

fome, — 13, e divisando ao longe uma figueira que tinha folhas, foi

ver se acharia nela alguma coisa. Aproximando-se, porém, nada

achou senão folhas, pois que não era tempo de figos. — 14. Disse-

lhe então: Nunca mais coma alguém fruto de ti; o que por seus

discípulos foi ouvido. V. 20. Na manhã seguinte, ao passarem por

ali, viram eles que a figueira secara até à raiz. — 21. Pedro,

lembrando-se da palavra do Cristo, disse: Olha, Mestre, como a

figueira que amaldiçoaste secou. — 22. Respondeu-lhe Jesus: Tende

fé em Deus. — 23. Em verdade vos digo que aquele que disser a

este monte: Tira-te dai e lança-te no mar, sem hesitar no seu

coração, crente, ao contrário, de que se cumprirá o que houver dito,

verá que assim será feito. — 24. Por isso vos digo: Quando orardes,

crede que obtereis o que pedis e assim sucederá. — 25. Mas, quando

vos puserdes a orar, se alguma coisa tiverdes contra alguém,

perdoai-lhe, a fim de que vosso pai, que está nos céus, também vos

perdoe os pecados. — 26. Porque, se não perdoardes, também vosso

pai, que está nos céus, não perdoará os vossos pecados.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 243

N. 248. Não confundais nunca, nas narrações evangélicas,

as palavras de Jesus, os atos por ele praticados, as diversas

manifestações espíritas que se produziram desde o instante em

que o seu aparecimento na Terra foi anunciado, preparado e

realizado, até o termo da sua missão terrena, o que tudo os

evangelistas relataram debaixo da influência mediúnica, como

tinha que ser, — com as apreciações, as opiniões, as

impressões dos homens, respeito à personalidade do Mestre, à

sua natureza, à sua origem, às suas palavras e aos seus atos.

Jesus quis dar uma lição a seus discípulos. Da narrativa de

Marcos consta que naquele momento não se achavam na

estação dos figos. Ora, sabendo Jesus que a árvore nenhum

fruto tinha, outra coisa não visou senão relembrar, aos

apóstolos e a quantos o seguiam, estes ensinamentos: que a

árvore que não dá frutos é condenada; que, em tempo algum,

deve o homem ser estéril; que jamais deve deixar de dar

frutos, trabalhando sem cessar pelo seu progresso, pelo seu

adiantamento, pelo progresso e adiantamento de seus irmãos.

Jesus, repetimos, dava a seus discípulos uma lição prática.

A figueira nada significa, o fato é tudo. Estivesse lá em lugar

de uma figueira uma parreira e do mesmo modo teria sido

fulminada. Jesus tinha que atuar sobre as inteligências e não

sobre a matéria.

Ó homens materiais, que não compreendeis senão o que vos

parece matemático, para Jesus a árvore não passou de um meio

de que ele se serviu a fim de tornar compreensível aos homens

que lhes cumpre dar frutos em todas as épocas. Os discípulos,

que ignoravam a ciência do mundo, mas já tinham a percepção

das coisas espirituais, compreenderam, tanto que não disseram

ao Mestre: Porque fulminas esta árvore que não pode dar

frutos, uma vez que não estamos na estação própria?

limitando-se a dizer: Como secou num instante!

Page 198: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

244 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Ao que Jesus respondeu: A fé tudo pode. Isto não equivalia

a dizer que a vontade forte fora a causa determinante do fato

que os surpreendia?

O exemplo que ele deu visava tocar a imaginação dos que o

seguiam, fazendo-lhes compreender a necessidade de não

serem estéreis em tempo algum; destinava-se a ensinar-lhes o

poder e a força da vontade, se apoiada na fé. Cumpria que,

quando não mais na Terra estivesse, eles fossem instrumentos

simultaneamente dóceis e inconscientes dos Espíritos do

Senhor, que os assistiriam no desempenho de suas missões.

Dizendo à figueira, onde só folhas encontrara: Nunca mais

de ti nasça fruto, e fazendo que a árvore secasse

imediatamente, apenas teve em mira, não o esqueçais, atentos

o estado das inteligências e as necessidades da época, bater

forte para ser compreendido.

Longe vinham ainda os tempos em que as suas palavras e o

fenômeno operado haviam de ser explicados em espirito e

verdade. As massas, portanto, muito materiais, precisavam ser

impressionadas materialmente.

Vós, espíritas, compreendereis o fenômeno e de que modo a

figueira secou subitamente. A uma ordem mental de Jesus e

por efeito de sua vontade, os Espíritos prepostos ao que

concerne à vegetação retiraram da seiva, por uma ação

instantânea, juntamente com a essência espiritual, que foi

levada para outro ponto, os fluidos que dão a vida e os fluidos

necessários à vegetação material.

O efeito produzido pela subtração dos fluidos vitais foi

idêntico ao que produz o vento do deserto que seca toda planta

sobre que sopra. Os discípulos notaram imediatamente a ação

exercida sobre a árvore e, no dia seguinte, ainda se detiveram a

lhe verificarem os efeitos.

Page 199: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 245

Assim é que as duas narrações evangélicas se completam

reciprocamente, com duas ordens distintas de palavras, de

diálogos, de ensinamentos.

Compreendei igualmente o espírito destas palavras, oculto

também sob o véu da letra: Nunca mais nasça fruto de ti. Elas

encerram a condenação do dogma católico da ressurreição dos

corpos. O que se deu com a figueira, que subitamente secou,

dá-se com o homem que, alvejado pelo anjo da libertação

quando menos o espera, morre de súbito, sem haver produzido

nenhum fruto. Porventura, uma vez seco, vosso corpo ainda

produz novos frutos? Não. Mas o vosso Espírito, não continua,

ao contrário, por meio da expiação na erraticidade e depois por

meio da reencarnação, a sua marcha pela senda do progresso?

A figueira que secou não mais podia dar frutos, porém, o

princípio espiritual, como acabamos de dizer, fora para outro

ponto, a fim de continuar a sua marcha progressiva dentro da

unidade infinita em que tudo — pela vontade de Deus, criador

universal, inteligência suprema e eterna — procede do

infinitamente pequeno e culmina no infinitamente grande, sob

a vigência das leis gerais e imutáveis, que se aplicam e

executam pela ação espírita, leis que são da essência mesma

do Criador Incriado e constituem o que chamais “as leis da

natureza”.

A parábola da figueira que secou teve por objeto concitar o

homem a utilizar a existência terrena, que o Senhor lhe

concede para expiar, reparar e progredir, com o auxílio e o

amparo do seu anjo guardião e dos bons Espíritos.

Essa parábola adverte o homem de que o Espírito culpado

que, até à época em que se operar a separação do joio e do

bom grão, permanecer surdo às inspirações do seu anjo guardião

e dos bons Espíritos, rebelde, não obstante acharem-se lhe

abertas as sendas da expiação, da reparação e do progresso,

não mais dará frutos na Terra.

Page 200: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

246 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Será rechaçado para mundos inferiores, correspondentes ao

grau da sua culpabilidade e às necessidades do seu progresso,

do seu adiantamento.

Jesus vos mostrou, de um lado, a esperança permanente de

melhorar o homem e a perseverança dos Espíritos, a quem essa

obra está confiada, em intercederem a favor do culpado, até

que consigam fazê-lo chegar à condição de dar frutos; de

outro, a natureza ingrata e seca, que nenhum esforço será

capaz de modificar e que, por isso, cumpre seja afastada de um

meio onde a sua conservação só poderia ser nociva.

Quanto ao sentido simbólico, segundo o espírito, das

palavras que Jesus dirigiu a seus discípulos, conforme aos vv.

20-22 de Mateus, e a Pedro, conforme aos vv. 23-26 de

Marcos, já recebestes as explicações necessárias, às quais vos

deveis reportar. Não temos que voltar a esse ponto.

Page 201: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 247

MATEUS, Cap. XXI, vv. 23-32. — MARCOS, Cap. XI,

vv. 27-33. — LUCAS, Cap. XX, vv. 1-8

Reposta de Jesus aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e

aos anciãos do povo. Parábola dos dois filhos.

MATEUS: V. 23. Tendo vindo ao templo e estando a ensinar,

chegaram-se a ele os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo e

lhe perguntaram: Com que autoridade fazes estas coisas e quem te

deu este poder? — 24. Respondeu Jesus: Também eu vos farei uma

pergunta e, se me responderdes, dir-vos-ei com que autoridade faço

estas coisas. — 25. Donde era o batismo de João? do céu ou dos

homens? Eles, porém, discorriam assim entre si: — 26. Se

respondermos que era do céu, ele nos dirá: Porque então não lhe

destes crédito? Se respondermos que era dos homens, teremos que

temer o povo, pois que João era tido por todos como profeta. — 27.

Responderam então a Jesus: Não sabemos. Replicou-lhes ele: Não

vos direi tampouco com que autoridade faço estas coisas. — 28.

Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao

primeiro, disse-lhe: Meu filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. —

29. Ao que o filho respondeu: Não quero. Mais tarde, entretanto,

tocado de arrependimento foi. — 30. Dirigindo-se ao outro filho,

disse-lhe o homem a mesma coisa. Este respondeu: Eu vou, Senhor,

e não foi. — 31. Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro,

disseram eles. Observou-lhes então Jesus: Em verdade vos digo que

os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus. —

32. Porquanto, João veio a vós pelo caminho da justiça e não o

acreditastes, ao passo que os publicanos e as meretrizes creram nele.

Vós, nem mesmo depois de ver isso, fizestes penitência, nem

ficastes inclinados a crê-lo.

MARCOS: V. 27. Voltaram novamente a Jerusalém. E, andando

Jesus pelo templo, dele se aproximaram os príncipes dos sacerdotes,

os escribas e os anciãos. — 28. E lhe perguntaram: Com que

autoridade fazes estas coisas? Quem te deu o poder de fazer o que

fazes? — 29. Respondeu-lhes Jesus: Também eu vos farei uma

Page 202: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

248 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

pergunta; respondei-me e depois então vos direi com que autoridade

faço estas coisas. — 30. O batismo de João era do céu ou dos

homens? respondei-me. — 31. Eles se puseram a raciocinar entre si

deste modo: Se respondermos que era do céu, ele dirá: Porque,

então, não o crestes? — 32. Se dissermos que era dos homens,

teremos que temer o povo; porque todos consideravam João

verdadeiramente um profeta. — 33. A vista disso, responderam a

Jesus: Não sabemos. Jesus lhes retrucou: Nem eu tampouco vos

direi com que autoridade faço estas coisas.

LUCAS: V. 1. Sucedeu que certo dia estando Jesus no templo a

ensinar e a anunciar o evangelho ao povo, lá se reuniram os

príncipes dos sacerdotes e os escribas com os anciãos. — 2. E lhe

falaram nestes termos: Dize-nos com que autoridade fazes estas

coisas? ou: quem te deu esse poder? — 3. Respondeu-lhes Jesus:

Também eu vos farei uma pergunta. Respondei-me: — 4. O batismo

de João era do céu ou dos homens? — 5. Eles, consultando-se

mutuamente, diziam entre si: Se respondermos que era do céu, ele

nos dirá: Porque então não crestes nele? — 6. Se dissermos que era

dos homens, todo o povo nos apedrejará, pois está convencido de

que João era profeta. — 7. Responderam, portanto, que não sabiam

donde era. — 8. Replicou-lhes Jesus: Então, também não vos direi

com que autoridade faço estas coisas.

N. 249. Jesus se dirigia aos que, tendo sido testemunhas dos

atos de João, não se renderam à evidência. Não tendo

compreendido em que fonte hauria ele a sua força, ainda

menos compreenderiam e admitiriam o testemunho da sua

palavra.

Se lhes respondera que o poder lhe vinha de Deus, houvera

provocado os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os

fariseus a apressarem o momento em que a sua missão

terminaria. É o que deixou claramente transparecer, evitando

responder diretamente à pergunta que lhe fora feita.

Page 203: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 249

Promessas realizáveis no futuro e estímulo para o presente

encontrareis ainda nestas palavras do Mestre: “os publicanos e

as meretrizes vos precederão no reino dos céus”. Esses são os

filhos rebeldes que tardam em ir trabalhar na vinha do Senhor,

que só vão tardiamente, quando arrependidos, mas que vão.

Enquanto que vós, orgulhosos, que destes na Igreja os

primeiros passos, que dissestes: “Vou, Senhor”, mas ficastes

parados, que haveis mesmo, muitas vezes, retrogradado,

chegareis tarde, muito tarde ao reino dos céus, pois que será

mister compreendais a vossa falta. Tereis que ir para “a vinha

do Senhor”, tereis que trabalhar nela com ardor, a fim de

recuperardes o tempo perdido. Quando chegardes, os

publicanos e os de má vida, que se arrependeram a tempo, que

cumpriram a sua tarefa, lá estarão desde muito à vossa espera

para vos estenderem as mãos e vos ajudarem a transpor a

entrada.

Ouçam os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os

fariseus, vossos contemporâneos, que tenham ouvidos de

ouvir.

Page 204: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

250 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXI, vv. 33-41.

— MARCOS, Capítulo XII, vv. 1-9.

— LUCAS, Cap. XX, vv. 9-16

Parábola da vinha e dos vinhateiros.

MATEUS: V. 33. Ouvi outra parábola: Um homem pai de

família havia que plantou uma vinha. Cercou-a com uma sebe,

cavou no interior um lagar, edificou uma torre, arrendou a vinha a

alguns agricultores e partiu para longe. — 34. Aproximando-se a

estação dos frutos, mandou ele seus servos aos vinhateiros para

receberem os frutos que lhe cabiam. — 35. Os vinhateiros, porém,

agarraram os servos, feriram a um, mataram a outro e a outro

apedrejaram. — 36. De novo o dono da vinha mandou outros servos

em maior número do que os primeiros e os vinhateiros os trataram

do mesmo modo. — 37. Mandou por último seu próprio filho,

dizendo: A meu filho eles terão respeito. — 38. Mas, ao vê-lo, os

vinhateiros disseram entre si: Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo e

ficaremos donos da sua herança. — 39. Agarraram-no, lançaram-no

fora da vinha e o mataram. — 40. Ora, quando o dono da vinha vier,

que fará àqueles agricultores? — 41. Responderam-lhe: Aniquilará

os malvados como merecem, arrendará a vinha a outros vinhateiros,

que, nas épocas próprias, lhe entreguem os frutos.

MARCOS: V. 1. Começou depois Jesus a lhes falar por

parábolas: Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe,

cavou no interior um lagar, edificou uma torre, arrendou a vinha a

uns vinhateiros e retirou-se para longe. — 2. Chegado o tempo da

colheita, mandou um de seus servos aos vinhateiros, para receber o

que lhe deviam do fruto da vinha. — 3. Os vinhateiros, porém,

agarraram o servo, deram-lhe pancada e o enxotaram sem coisa

alguma. — 4. Mandou-lhes de novo outro servo e também a este

feriram na cabeça e o afrontaram de toda sorte. — 5. Tornou a

mandar outro servo; a este mataram; mandou-lhes muitos; mataram

a uns e espancaram a outros. — 6. Mas, como ainda lhe restava um

filho a quem ele muito amava, mandou-o por último, dizendo: Meu

Page 205: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 251

filho eles respeitarão. — 7. Porém, os vinhateiros disseram uns aos

outros: Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo e será nossa a herança.

— 8. E o agarraram, mataram e puseram fora da vinha. — 9. Que

fará o dono desta? Virá, exterminará os vinhateiros e a outros a

entregará.

LUCAS: V. 9. E começou a dizer ao povo esta parábola: Um

homem plantou uma vinha, arrendou-a a uns vinhateiros e se

ausentou do país por longo tempo. — 10. Na ocasião própria

mandou um servo aos vinhateiros para que estes lhe dessem do fruto

da vinha. Os vinhateiros, porém, o espancaram e recambiaram sem

coisa alguma. — 11. Mandou outro servo. A este também

espancaram, ultrajaram e despediram com as mãos vazias. — 12.

Mandou ainda um terceiro, que os vinhateiros feriram e expulsaram

da vinha. — 13. Considerou então o dono da vinha: Que farei?

Mandarei meu filho muito amado. Talvez que, vendo-o, lhe tenham

respeito. — 14. Mas, ao vê-lo, os vinhateiros disseram entre si: Este

é o herdeiro; matemo-lo para que fique sendo nossa a herança. —

15. E o puseram fora da vinha e o mataram. Que lhes fará o Senhor

da vinha? — 16. Virá, exterminá-los-á e a dará a outros. Ouvindo

isto, disseram os príncipes dos sacerdotes: Deus tal não permita.

N. 250. O povo de Israel constitui o emblema da parábola.

Ele é a vinha que o Senhor plantou. A sebe de que a cercou

representa os cuidados que tomou para conservar a lembrança

do seu nome entre os Hebreus.

O lagar que o pai de família cavou é uma expressão

alegórica, empregada para completar o pensamento e mostrar

que nada fora esquecido, a fim de que a vinha produzisse o

que devia produzir. Porquanto, produto da vinha não é

somente o fruto que se colhe na época da maturação e que se

estraga se não é utilizado nas condições necessárias à

conservação do que ele encerra em si mesmo, o suco, que se

extrai espremendo-o e macerando lhe a parte material,

perecível, a fim de tirar dela o espírito, que não se altera e

Page 206: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

252 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

eternamente dura. Veladamente, o lagar era, para os Judeus,

como para os outros homens, o emblema da provação, da

expiação, da reencarnação.

A torre seria a habitação indestrutível dos vinhateiros, se

eles houveram cuidado devidamente da vinha, o lugar seguro

onde conservariam o suco da uva, se, pelo trabalho, lhe

houveram sabido dar as propriedades e a pureza de que

necessitava para ser ali armazenado.

A estação do amadurecimento dos frutos indica a época em

que os Judeus deveram ter produzido frutos de justiça, dignos

de serem colhidos para a eternidade.

Os servos do dono da vinha são os profetas, que repeti-

damente vieram fazer sentir aos homens que não estavam

trilhando o caminho que lhes fora traçado. Aproximava-se a

sazão dos frutos quando, tendo recebido as instruções neces-

sárias ao seu adiantamento, cumpria aos homens aproveitar-se

delas, de modo que produzissem bons frutos.

Quanto ao bem-amado filho do pai de família, pronto em

sacrificar, aos olhos dos homens, a sua vida, para levar ao pai

os frutos maduros da sua vinha, não precisais que vo-lo

indiquemos.

Os Judeus são os vinhateiros revoltados, dos quais o Senhor

retira a sua proteção, por isso que destruíram o que lhes corria

o dever de amar e respeitar.

Este é o herdeiro, dizem os vinhateiros da parábola, vamos,

matemo-lo e a herança será nossa. Pensamento material, que

não permite veja o homem mais do que o instante da sua vida

atual e os atos que lhe concernem, ocultando-lhe as conse-

quências que advirão do seu proceder, não lhe deixando

abertos senão os olhos da matéria, pois que lhe fecha

violentamente os da alma.

Page 207: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 253

Aquelas palavras tiveram por fim mostrar a todos a cegueira

dos que, recusando dar a Deus o que é de Deus, repelindo todas

as advertências que lhes foram feitas e ainda o são, pensavam

nada terem que recear daquele a quem ofendiam e ainda

ofendem com a ingratidão e o endurecimento que demonstram.

Dissemos: “que lhes foram e ainda são feitas” e “daquele a

quem ofendiam e ainda ofendem”. Os a quem se aplicavam es-

sas palavras da parábola estão, em parte, reencarnados na Terra.

O que elas objetivavam mostrar a todos se aplica a esses, como

a vós outros. A geração daquele tempo não passou, conforme o

disse Jesus nestes termos: “Esta geração não passará sem que

tenhais visto vir o filho do homem na sua glória”17

.

Segundo a parábola, não houve mudança de vinhateiros até

ao momento em que o filho do pai de família foi "morto".

Sucederam-se, até então, os servos, os enviados do Senhor e

não os vinhateiros.

O povo judeu representa os vinhateiros até à morte aparente

de Jesus. A partir do termo da missão terrena do Mestre, a

vinha foi retirada do poder dos “maus” vinhateiros e dada a

“outros”. Vós, cristãos, substituístes os Judeus e fostes até ao

presente os novos vinhateiros. A vinha que o Senhor vos

arrendou é a humanidade inteira do vosso planeta, Judeus e

Gentios. A sebe com que a cercou é a lei de amor, que o seu

filho bem-amado, a mandado seu, veio pregar aos homens pela

palavra e pelo exemplo, lei essa destinada a unir-vos todos,

abstração feita dos cultos, sejam quais forem, que se pratiquem

no monte ou em Jerusalém.

Os novos vinhateiros foram e serão todos aqueles a quem

foi dado o encargo de cultivar a vinha, trabalhando, material,

moral e intelectualmente, para seu progresso pessoal pelo

aperfeiçoamento próprio e para o progresso coletivo pelo

17

Mateus, Capítulo XXIV, vv. 3 e 34. — Lucas, Capítulo XXI, v. 32.

Page 208: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

254 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

aperfeiçoamento de seus irmãos, fazendo que, pelo ensino e

pela prática da fraternidade, a vinha produza frutos de justiça e

de caridade, de ciência e de amor.

O lagar, que serviu e há de servir para desses frutos tirar-se

o suco, espremendo-se lhes a parte material e perecível, para

deles extrair-se o espírito que não se altera e dura eternamente,

foi sempre e é a reencarnação. Esse o único meio de que

dispõe o Espírito que faliu “para ver”, como o disse Jesus sob

o véu da letra, o “reino de Deus”, isto é, em espírito e

verdade, o único meio que há, para ele, de realizar a

purificação e o progresso, mediante os quais chegará à

regeneração, que o levará à perfeição moral.

A torre é o vosso planeta que, uma vez depurado, se tornará

a habitação indestrutível dos vinhateiros que tiverem cuidado

da vinha, o lugar seguro onde eles depositarão o suco da uva

quando lhe houverem dado, pelo trabalho, a propriedade e a

pureza de que necessita para ser guardado nela.

Os novos vinhateiros, que, sob o véu da letra, tomaram

conta da vinha durante a era cristã até aos vossos dias, depois

de, por algum tempo, tê-la feito produzir frutos na época,

própria, acabaram por pensar, como os primeiros de quem

foram os sucessores, que lhes ela pertencia. Em cada nova

estação, menor era a colheita e, afinal, chegaram ao ponto de a

vinha quase nada mais produzir.

O pai de família manda novamente seus servos para

reclamarem os frutos que lhe são devidos. Não recuseis

recebê-los, não repilais os servos, missionários encarnados e

errantes, que, enviados do Senhor, vêm, em nome do Mestre,

reencaminhar vos à prática da sua moral simples e sublime,

pois que vos vêm ensinar progressivamente toda a verdade,

conduzir, pelas vias da justiça, da caridade, da ciência e do

amor, à unidade fraternal. Não repilais esses servos, órgãos do

Page 209: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 255

Espírito da Verdade, porquanto, se os repelirdes, a justiça do

Senhor cairá sobre vós e seu filho virá, é certo, mas para

expulsar da vinha os vinhateiros culpados, isto é, que não lhe

apresentarem os frutos que deveram ter colhido. Então é que

se ouvirão "prantos e ranger de dentes". Aprendei bem o

sentido destas últimas palavras. Elas se aplicam aos que

rejeitarem esta terceira explosão do amor do seu Criador, O

filho do homem prometeu voltar na sua glória, para escolher

os filhos do pai de família, os bons trabalhadores da vinha.

Quando chegar o tempo de ultimar-se a regeneração do

vosso planeta (e ele não vem longe), os homens serão

separados, conforme vos foi dito. Os bons irão para a direita

do Senhor, isto é, permanecerão no planeta terreno, prestes a

tornar-se um dos mundos superiores. Os maus se verão

colocados à sua esquerda: serão mandados para os lugares de

trevas, isto é, serão primeiramente submetidos à expiação na

erraticidade, depois rechaçados para planetas inferiores. Assim

se operará a separação do joio e do bom grão, que completará

a depuração da terra.

Deveis contar que vereis renovar-se a raça material do

vosso globo e essa renovação não se pode efetuar senão por

meio da destruição da matéria compacta que vos envolve e que

será substituída progressivamente, pouco a pouco, pela

essência que recobrirá os vossos Espíritos, essência que se irá

tornando cada vez menos material e aproximando cada vez

mais do estado fluídico.

Não creias, todavia, que essa mudança se opere de um

momento para outro. Para o Senhor, vós o sabeis, o tempo não

tem limites: ontem e amanhã são para ele a mesma coisa.

Cada fase dessa renovação será assinalada pelo que

chamais — calamidades públicas, flagelos. Essa a ocasião em

que os maus vinhateiros serão expulsos. O dono da vinha é o

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256 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Senhor. Ele virá quando o seu reino se implantar em todos os

corações. Só então estará entre vós. O Senhor é Deus, que

reina nos corações dos puros.

Page 211: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 257

MATEUS, Cap. XXI, vv. 42-46. — MARCOS, Cap. XII,

vv. 10-12, — LUCAS, Cap. XX, vv. 17-19

Continuação da parábola da vinha e dos vinhateiros.

— Jesus, pedra angular.

MATEUS: V. 42. Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes isto nas

Escrituras: “A pedra que os edificadores recusaram se tornou pedra

angular; obra foi isto do Senhor, maravilhosa aos nossos olhos”? —

43. Eis porque declaro que o reino de Deus vos será tirado e dado a

um povo que dele colha frutos. — 44. Aquele que se deixar cair

sobre essa pedra se despedaçará e aquele sobre quem ela cair ficará

esmagado. — 45. Ouvindo essas palavras, os príncipes dos

sacerdotes e os fariseus conheceram que era deles que Jesus falava.

— 46. Quiseram então apoderar-se deste, mas temeram o povo, que

o considerava um profeta.

MARCOS: V. 10. Nunca lestes esta passagem da Escritura: “A

pedra que os que edificavam rejeitaram se tornou a pedra principal

do ângulo. — 11. Foi o Senhor quem fez isso, que os nossos olhos

contemplam maravilhados”? — 12. Eles procuravam meio de

prendê-lo, pois perceberam que a eles se referia Jesus nessa

parábola, mas, como temessem o povo, lá o deixaram e se retiraram.

LUCAS: V. 17. Mas, Jesus, fitando-os, lhes perguntou: Que quer

então dizer esta palavra da Escritura: “A pedra que os que

edificavam recusaram veio a ser a pedra angular. — 18. Todo aquele

que cair sobre essa pedra se despedaçará e ficará esmagado aquele

sobre quem ela cair”? — 19. Os príncipes dos sacerdotes e os

escribas tiveram gana de lhe deitarem as mãos naquele mesmo

instante, pois perceberam que aquela parábola fora dita com relação

a eles, mas recearam do povo.

N. 251. Essas palavras proferidas sob o manto da parábola

abrangiam a época em que foram ditas e o futuro. Aplicam-se

aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos fariseus do

vosso tempo, como se aplicavam aos de então.

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258 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Jesus se referia, assim, à época humana em que eles viviam,

como à em que viveis.

Ele personifica a moral, a lei de amor que pregou aos

homens pela palavra e pelo exemplo; personifica a doutrina

que ensinou e que, sob o véu da letra, é a fórmula das

verdades eternas, doutrina que, como ele próprio o disse, não é

sua, mas daquele que o enviou. Ele é a pedra angular.

Os que rejeitam a pedra que se lhes oferece para a construção

do edifício que os há de abrigar na eternidade, rejeitam a pedra

angular, aquela que os sustentará. Contra ela se despedaçarão.

Os Judeus repeliram a Jesus, o enviado, o ungido do

Senhor. Despedaçaram-se de encontro a essa pedra, que havia

e há de resistir aos séculos dos séculos.

Não a rejeiteis, a vosso turno, porquanto a mesma sorte vos

aguardará.

O Espiritismo não é a personificação do Cristo; é, porém, a

expressão do seu pensamento, a continuação e a conclusão da

sua obra. Tendo soado a hora em que o reinado do espírito que

vivifica substituirá o da letra que mata, Jesus, depois de ter

estado entre vós, vos envia o Espírito da Verdade, por

intermédio dos Espíritos do Senhor, missionários errantes e

encarnados. Ele vos envia e vos enviará sucessivamente os

servos do pai de família.

Não vos choqueis contra essa pedra fundamental do edifício

da vossa felicidade eterna; não vos condeneis às trevas, despe-

daçando-vos contra ela. Não busqueis a “morte”, porquanto,

para o Espírito, a retrogradação das faculdades materiais de

que ele se serve, seu sepultamento nos sepulcros de carne

constituem o “inferno” com todos os seus horrores e todas as

suas torturas.

Page 213: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 259

Na linguagem da parábola, disse Jesus aos príncipes dos

sacerdotes, aos escribas e aos fariseus: “O reino de Deus vos

será tirado e dado a outro povo que dele colha frutos”.

Sim, o reino de Deus foi, é e será tirado a todos os que, na

vossa humanidade, foram, são e vieram a ser orgulhosos, egoís-

tas, ou materialistas, por isso que o orgulho, o egoísmo, a cupi-

dez, o sensualismo, a intolerância, a ambição, o fanatismo, o

materialismo, a predominância da matéria, ou a escravização

aos apetites materiais são outros tantos obstáculos ao progresso,

ao desenvolvimento do Espírito e ao seu aperfeiçoamento.

O reino de Deus foi, é e será dado aos que, ainda não tendo

visto a luz, não têm estado em condições de compreender; aos

que entraram, entram e entrarão, sinceramente, em a nova

estrada que o Cristo abriu e para a qual o Espírito da Verdade

vos vem encaminhar, ajudando-vos ao mesmo tempo a

percorrê-la de modo seguro e sem desvios; aos que, tendo

vivido “fora da Igreja”, pouco importa em que tempo,

entraram, entram e entrarão, abstraindo de cultos exteriores, no

santuário do justo, pela prática da lei de amor; aos que se

prosternaram, prosternam e prosternarão, cheios de humildade

e reconhecimento, ante a grandeza do Criador, produzindo

assim frutos de justiça e de caridade.

Novos vinhateiros, homens, irmãos nossos, quem quer que

sejais, Judeus e Gentios, cristãos, espíritas, a vinha que vos foi

arrendada é a humanidade inteira. Fazei-a produzir frutos e

estai sempre prontos, em cada nova sazão, a entregá-los aos

servos que o Senhor vos envia e enviará com o encargo de

recebê-los. O mandamento prescreve que “vos ameis uns aos

outros”. Pela palavra e pelo exemplo, ensinai aos vossos

irmãos da Terra que no progresso coletivo se encontra a

condição do progresso pessoal de cada um. Ensinai- lhes que a

cada um será dado de acordo com suas obras. Trabalhai

ativamente e sem cessar pela união fraternal de todos os

Page 214: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

260 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

homens, pelos congregar em torno da vossa bandeira, tendo

esta por lema — amor e caridade.

Agitai por sobre as vossas cabeças o facho da luz espírita, a

fim de que ela projete cada vez mais longe o seu brilho, a fim

de que seus raios atinjam todos os pontos do planeta e

esclareçam a humanidade acerca de suas origens, de seus fins,

de seus destinos. Ensinai e propagai, pela palavra e pelo

exemplo, a lei de amor, os modos e os meios de praticá-la,

material, moral e intelectualmente. Preparai dessa maneira o

advento do espírito e a vinda dos tempos preditos e

prometidos, em que não mais se adorará o pai sobre o monte

ou em Jerusalém; dos tempos em que, tendo rejeitado todos os

mandamentos humanos e não obedecendo, abstração feita de

cultos exteriores, senão aos mandamentos de Deus, que,

conforme o proclamou o seu Cristo, encerram toda a lei e os

profetas, os homens serão adoradores do pai em espírito e em

verdade; dos tempos em que, sendo todos um pela comunhão

dos pensamentos, dos corações e dos atos, estreitamente

unidos pela prática do amor e da fraternidade, todos se

reunirão em nome de Jesus, que então estará entre todos, para

praticarem a adoração do Criador pela prece e pela instrução

em comum, sob a presidência do mais digno, do de maior

mérito pelo seu adiantamento moral e intelectual. A esse a

presidência será deferida por voto unânime, visto que, então, o

“Espírito Santo” se achará com os que o escolherem, todos

verdadeiros membros da Igreja do Cristo.

Page 215: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 261

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 1-6

Cura de um hidrópico, em dia de sábado,

na casa de um dos principais fariseus.

V. 1. Tendo Jesus entrado em certo sábado na casa de um dos

principais fariseus para comer, os que lá estavam se puseram a

observá-lo. — 2. Defronte dele se achava um homem hidrópico. —

3. E Jesus, dirigindo-se aos doutores da lei e aos fariseus, perguntou:

É licito curar em dia de sábado? — 4. Todos guardaram silêncio.

Jesus então, pondo a mão no homem, o curou e mandou embora. —

5. Disse-lhes em seguida: Qual de vós, cujo boi ou jumento caiu

num poço, não o tirará logo daí por ser dia de sábado? — 6. A isto

nada puderam responder.

N. 252. O hidrópico, como diz o evangelista, estava

defronte de Jesus. Os doutores da lei, os, fariseus e quantos o

rodeavam observavam o Mestre. Aquele doente eles o

trouxeram para ali com o fim de tentarem a Jesus e de o

apanharem em falta. Se, obedecendo aos generosos impulsos

do seu coração, curasse o hidrópico, acusá-lo-iam de violar o

sábado. Se, por escrupulosa observância do sábado, não o

fizesse, acusá-lo-iam de negligente em praticar uma boa ação.

Já vos explicamos tudo com relação ao sábado. Também já

recebestes as explicações necessárias para poderdes

compreender a cura do hidrópico. Operou-a o poder magnético

de que Jesus dispunha, como sabeis.

Os homens se obstinam em não pesquisar as causas para

comprovar e compreender os efeitos. Qual a causa originária

da hidropisia? Um empobrecimento do sangue, cujo quilo

diminui, sendo substituído pelas partes aquosas que ele

contém. E esse empobrecimento resulta de uma alteração dos

princípios vitais, por efeito de privações ou de excessos.

Page 216: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

262 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Bem dirigida, a ação magnética humana pode deter os

progressos dessa decomposição do sangue e mesmo fazê-la

cessar, mas só com tempo e perseverança, porquanto os

instrumentos ainda não são bastante puros para não alterarem

ou apoucarem, pelo seu contato, os fluidos de que dispõem.

Jesus, magnetizador perfeito, empregava os princípios

curativos em toda a sua pureza e, conseguintemente, no seu

máximo grau de eficácia. Não se vos disse que a tumefação

produzida pela enfermidade cessou inopinadamente. Disse-se

apenas que a enfermidade foi curada. O mal fora destruído; o

equilíbrio se restabeleceu como consequência da ação

magnética exercida, da ação dos fluidos de que Jesus

impregnara o organismo do doente.

Operada a cura, mandou ele embora o homem. O mal

chegara a uma de suas últimas fases e a fraqueza obstava a que

o hidrópico fizesse qualquer esforço. Dissemos acima que ele

fora levado para ali propositadamente. Jesus, entretanto, o

mandou embora. É que lhe dera forças para se retirar e esse era

o prelúdio da cura visível: a desinchação.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 263

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 7-11

Ocupar o último lugar. — Humildade.

V. 7. Notando, em seguida, que os sacerdotes escolhiam os

primeiros lugares à mesa, propôs-lhes esta parábola: — 8. Quando

fores convidado para alguma boda, não tomes o primeiro lugar, para

não suceder que, havendo entre os convidados pessoa de mais

consideração do que tu, — 9, aquele que te convidou a ti e a essa

pessoa venha dizer-te: Dá a este esse lugar; e te vejas constrangido a

ir, envergonhado, ocupar o último lugar. — 10. Ao contrário,

quando fores convidado, vai e toma o último lugar, a fim de que

aquele que te convidou, quando chegar, te diga: Amigo, senta-te

mais para cima; o que será para ti uma glória diante de todos os que

contigo estiveram à mesa. — 11. Porquanto, todo aquele que se

exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado.

N. 253. “Humildade”.

Jesus repete amiúde, sob diversas formas, em ocasiões e

lugares diferentes, a lição da humildade, pois que a humildade

é a fonte de todas as virtudes, de todo o progresso e de toda a

elevação moral e intelectual, sendo o orgulho, ao contrário, o

vício mais difícil de desarraigar do coração do homem e a

causa principal dos vícios que degradam o Espírito, assim

como das suas quedas e das perdas que sofre.

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264 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo XIV, vv. 12-15

Convidar os pobres, os estropiados,

os coxos e os cegos. — Desinteresse.

V. 12. Disse também ao que o havia convidado: Quando deres

algum jantar ou ceia, não convides teus amigos, nem teus irmãos,

nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos, para não suceder que

também eles te convidem por sua vez e assim te retribuam. — 13.

Ao contrário, quando deres algum festim, convida os pobres, os

estropiados, os coxos e os cegos. — 14. E bem-aventurado serás

porque esses não têm com que te retribuir; Deus é quem te retribuirá

na ressurreição dos justos. — 15. Ao ouvir essas palavras, disse-lhe

um dos que estavam à mesa: Bem-aventurado aquele que comer do

pão no reino de Deus.

N. 254. Desinteresse! O homem está sempre propenso a só

pensar em si. O mais das vezes, o bem que faz não passa de

um empréstimo, do qual espera auferir largos juros.

Esquadrinhai a maior parte dos atos humanos e descobrireis no

homem o desejo de ser pago do bem praticado, seja pelo

reconhecimento do beneficiado, seja pelos elogios do mundo,

seja pelo merecimento que julgue adquirir desse modo aos

olhos de Deus. Estes móveis, particularmente o último, podem

ser nobres, mas não devem ser exclusivos. Nunca, entendei

bem, nunca deveis cogitar do proveito que possais tirar de uma

boa ação, de um bom pensamento. Deveis sempre ter por

objetivo principal dar testemunho do vosso reconhecimento ao

Senhor.

Efetivamente, que responderíeis ao vosso filho, que não

cumprisse um só de seus deveres para convosco ou para com

seus irmãos ou irmãs, sem vos ir imediatamente dizer: “Fiz

isto; que me darás em recompensa”? — Sem dúvida lhe

responderíeis: “A principal recompensa está em haveres

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 265

cumprido o teu dever. Procedendo como procedeste, cumpriste

uma pequena, uma insignificante parte das tuas obrigações.

Porque hás de tirar ao teu procedimento todo o valor,

exagerando lhe o mérito e reclamando a retribuição dele, em

obediência a um pensamento de orgulho ou de egoísmo”?

Não vos atenhais à letra que mata, buscai sempre o espírito

que vivifica, nas palavras de Jesus. Ele não pensou em

condenar as relações de família, de amizade. Apenas ensinou a

prática do desinteresse, por toda parte e constantemente, no

seio da grande família humana. Ensinou que os festins da

caridade material, que sustenta o corpo, dando-lhe alimento,

vestes e abrigo, assim como os da caridade moral, que

alimenta e desenvolve a alma, devem substituir o luxo, a

ostentação e o orgulho desses festins que se originam do

interesse calculado, da vaidade, ou da sensualidade, nos quais

se dissipa o supérfluo devido aos pobres que, material, moral e

intelectualmente, carecem do necessário.

Jesus apropriava sua linguagem às inteligências de homens

materiais, a fim de as abalar e impressionar fortemente.

“Bem-aventurado serás, disse ele, porque os pobres, os

aleijados, os coxos e os cegos não têm com que te retribuir;

Deus é quem te retribuirá na ressurreição dos justos. Ao ouvir

isso, diz o Evangelho, um dos que estavam à mesa disse: Bem-

aventurado aquele que comer do pão no reino de Deus”.

Perfeitamente compreensíveis são estas palavras. Do ponto

de vista humano, aludem aos que participam da vida feliz dos

justos. Para homens materiais, qualquer pensamento se reporta

à matéria. Daí o apresentar-se ao espírito do Judeu a ideia dos

festins celestes.

A ressurreição do justo é o seu regresso à pátria. Aquele,

que, durante a sua peregrinação humana, viveu submisso às

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266 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

vontades do Senhor, será por este recebido, quando voltar à

pátria. Para o Espírito, a ressurreição do justo consiste em

libertar-se ele da necessidade de volver aos mundos inferiores

de provações e expiações; consiste em ascender a mundos

superiores ao vosso.

Page 221: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 267

MATEUS, Cap. XXII, vv. 1-14.

— LUCAS, Cap. XIV, vv. 16-24

Parábola das bodas e dos convidados que se escusam.

MATEUS: V. 1. Falando de novo por parábolas, disse-lhes Jesus:

— 2. O reino dos céus se assemelha a um rei que celebrou as bodas

de seu filho. — 3. Mandou que seus servos fossem chamar os

convidados para a festa; estes, porém, não quiseram ir. — 4.

Mandou outros servos recomendando-lhes que dissessem de sua

parte aos convidados: O meu banquete está preparado; estão mortos

os meus bois e os meus cevados; tudo está pronto; vinde às bodas.

— 5. Mas, eles nenhum caso fizeram do convite e lá se foram, este

para sua casa de campo, aquele para seu negócio; — 6, enquanto

outros agarraram os servos, os ultrajaram e mataram. — 7. O rei, ao

saber do ocorrido, se encolerizou e, enviando seus exércitos,

exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. — 8. E

disse aos seus servos: De fato, o banquete das bodas está preparado,

mas aqueles a quem convidei não foram dignos da festa. — 9. Ide,

pois, às encruzilhadas e chamai para as bodas todos os que

encontrardes. — 10. Saíram os servos pelos caminhos e ruas e

reuniram todos os que encontraram, bons e maus, de sorte que a sala

da festa se encheu de convivas. — 11. Entrou em seguida o rei para

ver os que estavam à mesa e, dando com um que não trajava a veste

nupcial, — 12, lhe perguntou: Amigo, como entraste aqui sem a

veste nupcial? O interpelado guardou silêncio. — 13. Disse então o

rei a seus servos: Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas

exteriores; aí haverá pranto e ranger de dentes. — 14. Porque,

muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.

LUCAS: V. 16. Disse-lhes então Jesus: Um homem preparou

uma grande ceia e convidou a muitas pessoas. — 17. A hora da ceia,

mandou que um servo fosse dizer aos convidados que viessem, pois

que tudo estava pronto. — 18. Todos, como de comum acordo,

começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei uma quinta e

preciso ir vê-la; peço-te que me dês por escusado. — 19. Comprei

cinco juntas de bois e vou experimentá-las, disse outro. Rogo-te que

me dês por escusado. — 20. Casei-me, disse um terceiro, e por isso

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268 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

não posso ir. — 21. Voltando o servo, tudo relatou a seu Senhor.

Encolerizado, disse então o pai de família ao servo: Vai já às praças

e ruas da cidade e traze para aqui os pobres e estropiados, os coxos e

os cegos. — 22. Disse-lhe depois o servo: Senhor, está feito o que

ordenaste e ainda há lugar para outros mais. — 23. Retrucou-lhe o

Senhor: Vai por essas estradas e veredas e aos que encontrares

obriga a entrar, a fim de que se encha minha casa. — 24. Porque, eu

vos declaro, nenhum daqueles homens que foram convidados

provará da minha ceia.

N. 255. Idênticos são o sentido e o fundamento das

parábolas das bodas do filho do rei e da ceia do pai de família,

se bem tenham sido ditas em ocasiões e lugares diferentes.

Reunimo-las aqui para evitar repetições e também porque se

completam. O sentido de ambas é análogo ao da parábola da

vinha e dos vinhateiros.

O Senhor é o rei que casa o filho e convida os vizinhos, é o

pai de família que convida muitas pessoas para uma grande

ceia. Ele chama a si os que, instruídos no conhecimento do seu

nome, têm que se reunir, sem demora, ao seu derredor, a fim

de partilharem das alegrias da vida eterna.

Os que não atendem ao chamado são os que, ouvindo a voz

dos seus enviados, não lhes respondem e os repelem. A justiça

divina se exerce então contra esses ingratos que, por sua vez,

são repelidos, até que hajam compreendido e expiado suas

faltas.

O servo do pai de família é mandado pelas ruas e praças da

cidade - em busca dos pobres, dos estropiados, dos coxos e dos

cegos para os levar a tomar parte na grande ceia. E, tendo

levado os que encontrou, como ainda houvesse muitos

lugares vazios, saiu de novo a percorrer os caminhos e as

veredas com a missão de obrigar todos os que encontrasse a

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 269

entrar na sala do festim, a fim de que a casa do pai de família

se enchesse.

Todos, sejam quais forem, hão de participar do festim

celeste que proporciona ao Espírito abundante alimento,

proporcionando-lhe adiantar-se moral e intelectualmente;

tornar-se rico de coração e de inteligência, pela humildade,

pelo saber, pela caridade e pelo amor; recobrar a liberdade de

suas faculdades e a de caminhar pela senda do progresso;

recobrar a visão espiritual da alma e ver cada vez mais a luz;

avançar com passo firme e em linha reta para a perfeição.

Mas, para ser-se admitido na sala do festim, preciso se faz,

como o diz a parábola das bodas do filho do rei, estar revestido

do traje nupcial.

Os servos do rei percorrem, a mandado seu, as

encruzilhadas, para chamar os bons e os maus. Sejam bons ou

maus os que eles forem encontrando, todos são convidados a

participar do banquete das núpcias. Cumpre, porém, que, para

entrarem na sala da festa, previamente dispam suas vestes

manchadas. É essa uma condição absoluta. Quem quer que não

a preencha será rechaçado para as trevas exteriores, isto é, para

os planetas inferiores, para longe das venturosas moradas onde

o Espírito, revestido do traje nupcial pela regeneração,

continua a se depurar até ao momento em que, havendo

atingido a perfeição, terá vestido a túnica imaculada, único

traje com que poderá penetrar no palácio eterno: nos espaços,

nas regiões puras, nas esferas celestes, divinas, onde só os

puros Espíritos habitam e às quais só eles têm acesso. Aquele

o único traje com que poderá o Espírito aproximar-se do foco

da onipotência.

Dizendo que, depois de haverem seus servos arrebanhado

todos os que tinham encontrado, bons e maus, depois de estar

cheia a sala, o rei só achou um conviva que não trazia a veste

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270 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

nupcial, quis Jesus mostrar, sob o manto da parábola, que, nos

tempos da regeneração, quando todos indistintamente forem

chamados, quase todos compreenderão a felicidade que se lhes

oferece. Quis mostrar que apenas uma insignificante minoria

se manterá obstinada em resistir aos esforços dos servos de

Deus para lhes vestir o trajo de núpcias, antes que entrem na

sala do festim.

“Disse então o rei a seus servos: Atai-o de pés e mãos e

lançai-o nas trevas exteriores; aí há prantos e ranger de

dentes”.

Isso sucederá tanto aos que, tendo acudido ao chamado, não

se puserem nas condições de se apresentarem dignamente ao

Senhor, como aos que recusarem comparecer às bodas. Mais

culpado mesmo do que estes é o que ouve a voz dos

mensageiros e responde: “Eis-me aqui” e não se torna digno de

apresentar-se diante daquele que o chama.

Estas palavras da parábola das bodas do filho do rei:

“Porque, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos”,

não se referem unicamente ao que foi expulso por não estar

dignamente vestido. Referem-se também a todos os que

anteriormente haviam cerrado os ouvidos e o coração à voz

que os chamava.

Não esqueçais, ó vós todos que procurais explicar o sentido

das palavras de Jesus, que, aplicando-se aos tempos então

vindouros, elas apresentavam um cunho de atualidade e de

positividade, de molde a ferir os espíritos materiais a quem ele

falava. O Mestre, veladamente, apontava os benefícios da

reencarnação. Se dissera, naquela época: "Os que, apanhados

nas encruzilhadas, vestiram com alegria os trajes nupciais

eram os mesmos que anteriormente haviam recusado entrar na

sala do festim das bodas, os mesmos que feriram, maltrataram

e mataram os enviados do Senhor”; se dissera: “Os pobres, os

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 271

estropiados, os coxos e os cegos trazidos das ruas e praças da

cidade para a sala do banquete; os que, encontrados nas

estradas e veredas, se viram obrigados a entrar para que a casa

do pai de família se enchesse, foram os mesmos que,

anteriormente convidados para a ceia do pai de família pelos

seus servos, que lhes diziam estar tudo pronto, recusaram

comparecer”, ter-lhe-iam retrucado: “Para que nos havemos de

apressar? A sala do festim das bodas nos está sempre aberta,

não deixaremos de, afinal, saborear a ceia, pois que dia

chegará em que nos virão buscar para dela participarmos”.

Aqueles espíritos materiais eram incapazes de compreender

que, não obstante ter sido lícito dizer-se com relação à

humanidade terrena: “Muitos são chamados, mas poucos

escolhidos”, todos os chamados, com o correr do tempo, que

bem se pode considerar uma eternidade, têm que ser

escolhidos. Eram incapazes de compreender as condições, os

meios, os caminhos pelos quais, chamado, como todos os

outros, o Espírito pode chegar e chegará a ser escolhido. Não

lograriam perceber que isso se dá sob a ação das leis imutáveis

do sofrimento, da expiação, do progresso, que se opera pelo

renascimento, conduzindo o Espírito culpado, através da

escala ascendente das vidas sucessivas e progressivas, das

terras primitivas aos mundos de provações e expiações, destes

aos mundos regeneradores, onde ele enverga o traje de núpcias

para entrar nos mundos felizes. Daí, revestido da túnica

imácula, isto é, tendo atingido a perfeição moral, eleva-se aos

mundos celestes ou divinos e se torna um dos eleitos de Deus,

tomando lugar entre os puros Espíritos.

Ainda não soara a hora da revelação espírita. Muitos

séculos era preciso que se escoassem, para chegarem os dias

de hoje, os tempos preditos da regeneração, que o Espírito da

Verdade agora prepara.

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272 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

A parábola das bodas do filho do rei e a da grande ceia do

pai de família se aplicavam aos Judeus e, correlativamente, aos

Gentios, conforme o compreendiam os primeiros. Os Judeus,

como vizinhos do Senhor, eram os convidados. Os Gentios

eram os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos que, bons

e maus, foram arrebanhados nas praças e nas ruas da cidade,

nas estradas e nas veredas. Aplicam-se também à vossa época,

em que os que já deveram ter acudido à voz dos servos, que há

tantos séculos os chamam, permanecem surdos e indiferentes;

e se aplicam ainda aos que o Espírito da Verdade vem apanhar

em todos os lugares, para os reunir num só corpo, num só

pensamento, para os revestir, em suma, do uniforme da pureza,

que será em todos idêntico.

Este agora é o momento em que, na sala inteira, “só um”

será achado indigno de aí permanecer. Quer isto dizer que,

relativamente ao número dos que responderão felizes ao

convite que lhes é feito, muito poucos deixarão de esforçar-se

por se tornarem dignos de participar do festim.

Nota da Editora — Ao traduzirem os versículos 7, de Mateus, e

21, de Lucas, cada tradutor usou de um verbo diferente: encolerizar,

irritar, indignar, etc. — W.

Page 227: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 273

MATEUS, Capítulo XXII, vv. 15-22.

— MARCOS, Capítulo XII, vv. 13-17.

— LUCAS, Capítulo XX, vv. 20-26

Deus e César.

MATEUS: V. 15. Retirando-se dali, os fariseus foram reunir-se

em conselho, a fim de o surpreenderem no que dissesse. — 16.

Mandaram então seus discípulos com os herodianos dizer a Jesus:

Mestre, sabemos que és sincero e veraz, que ensinas o caminho de

Deus na verdade, sem te preocupares com quem quer que seja,

porque não consideras nos homens as pessoas. — 17. Dize-nos,

pois, qual o teu parecer: É lícito pagar a César o tributo, ou não? —

18. Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Hipócritas,

porque me tentais? — 19. Mostrai-me a moeda com que se paga o

tributo. Apresentaram-lhe um denário. — 20. Perguntou ele: De

quem são estas imagens e esta inscrição? — 21. De César,

responderam- lhe. Disse-lhes então Jesus: Pois dai a César o que é

de César e a Deus o que é de Deus. — 22. Ouvindo isto, encheram-

se de admiração e, deixando-o, se retiraram.

MARCOS: V. 13. Querendo surpreendê-lo em falta por alguma

de suas palavras, mandaram ter com ele alguns fariseus e

herodianos, — 14, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és sincero

e veraz e que não se te dá de quem quer que seja, porquanto não te

preocupas com a qualidade das pessoas, mas que ensinas o caminho

de Deus pela verdade. É lícito paguemos o tributo a César, ou não

lhe devemos pagar? — 15. Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia,

disse: Porque me tentais? Deixai-me ver um denário. — 16. Deram-

lhe a moeda e ele perguntou: De quem são esta imagem e esta

inscrição? Responderam eles: De César. — 17. Disse então Jesus:

Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Todos

ficaram tomados de admiração.

LUCAS: V. 20. Sempre a espreitá-lo, mandaram emissários

insidiosos para que, fingindo-se de homens de bem, o apanhassem

por alguma de suas palavras, a fim de o entregarem à jurisdição e à

Page 228: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

274 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

autoridade do governador. — 21. Esses emissários o interrogaram

deste modo: Mestre, sabemos que só dizes e ensinas o que é reto,

que não te preocupas com as pessoas, mas que ensinas o caminho de

Deus na verdade. — 22. É-nos lícito pagar ou não o tributo a César?

— 23. Jesus, percebendo-lhes a astúcia, disse: Porque me tentais? —

24. Mostrai-me um denário. De quem são a efígie e a inscrição que

ele traz? Responderam: De César. — 25. Disse então Jesus: Pois dai

a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. — 26. Não

podendo repreender-lhe nenhuma das palavras diante do povo,

admirados da sua resposta, calaram-se os emissários.

N. 256. Estas palavras, mau grado a tudo o que se haja dito,

provam que Jesus não viera pregar a subversão social, mas

apenas o progresso moral. O homem pode e deve aliar seus

deveres de cidadão aos seus deveres para com o Criador. O

respeito às leis lhe é um dever e muitas vezes uma provação.

Aplique-se ele, portanto, a abrandar as que tanto lhe pesam,

a aliviar o jugo que suporta com tanto sofrimento e tantas

queixas, tanta insubordinação e revolta, trabalhando, pelo seu

próprio proceder, para as modificar e tornar mais suaves.

Trabalhe cada um pela sua própria reforma, assim o potentado

como o artista humilde e o jugo por si mesmo se despedaçará.

Passará a ser leve, o homem não mais o sentirá e as leis se

tornarão brandas para todos, pois que todos caminharão

retamente pela senda que lhes é traçada, sem que nenhum

precise de ser compelido violentamente a retomá-la.

Se vos pesam as autoridades a que estais sujeitos, se as leis

vos parecem arbitrárias, queixai-vos, ó homens, de vós

mesmos. Não são as revoluções, nem o desmoronamento dos

tronos, nem a violação das leis que outorgam a liberdade.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 275

A liberdade nasce do respeito, do cumprimento do dever, da

pureza de coração, do amor e da caridade, que implicam a

justiça, o respeito a si mesmo e aos outros.

Quando compreenderdes a força destas virtudes, se bem

praticadas, amor e caridade; quando compreenderdes os

caminhos e os meios de pô-las em prática nos seus princípios

fundamentais e nas suas consequências, sob todos os aspectos

e em todas as suas aplicações, na ordem física, na ordem

moral e na ordem intelectual, com relação à sociedade, à

família e ao indivíduo; quando submeterdes àquelas virtudes

todos os vossos atos e pensamentos, tereis resolvido o grande

problema da liberdade para todos, tereis alcançado o objetivo

pelo qual tanto sangue haveis feito correr inutilmente e tanto

sangue ainda correrá.18

Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras,

causadoras de todas as desordens sociais, que derribam os reis

e esmagam os povos, são filhas do amor e da caridade. Só

dessa união santa fareis nascer e viver eternamente a

fraternidade, a igualdade e a liberdade.

N. 257. Diante das revoluções e transformações que se

operam nas diferentes fases da vida dos povos e dos governos,

como conciliar estas palavras: “Dai a César o que é de César”

com estas outras: “e a Deus o que é de Deus”?

Detende-vos um momento e refleti: Porventura já chegastes

ao ponto que haveis de galgar? Não tendes que vos renovar

para atingirdes a meta?

Se já hoje bem compreendêsseis as coisas, a obra de

redenção não seria deferida para amanhã. Atentai, porém, na

vossa cegueira, ó homens que vos julgais tão esclarecidos!

18

Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de agosto de

1863.

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276 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Ainda sois dos que fazem correr o sangue para fertilizar a

terra, dos que desencadeiam a guerra para obter a paz, dos que

ateiam o incêndio para construir. Cegos, cegos, já chegastes ao

ponto donde podeis ver o vosso caminho? Surdos, já chegastes

ao ponto donde podeis atender aos vossos interesses reais? Ah!

se escutásseis as nossas vozes, se praticásseis o amor, a

caridade que vos pregamos, não mais entre as vossas mãos

brilharia o ferro, nem o fogo crepitaria ; não mais entre vós o

sangue correria nos valados, nem as searas seriam taladas, nem

os horrores da fome vos levariam a ceifar o grão e a flor, o

carvalho e o arbusto!

Mas, respondei: sois caridosos? uns aos outros vos amais?

praticais o amor a Deus acima de tudo e o amor ao próximo

como a vós mesmos?

As palavras de Jesus: “Dai a César o que é de César e a

Deus o que é de Deus” eram ditas para o futuro. Muitos

séculos ainda haviam de escoar-se antes que elas fossem bem

compreendidas e bem praticadas. Ainda não o são. Cumprir-

se-ão quando vós e César derdes a Deus o que é de Deus,

praticando o duplo amor ao mesmo Deus e ao próximo. Assim

será que, pela prática da fraternidade, criareis, para todos e

entre todos, a igualdade e a liberdade, na paz, na ordem e na

hierarquia, que então terá seu fundamento, seu principio e suas

regras unicamente no grau de pureza adquirida, de progresso

moral e intelectual realizado.

N. 258. Será acertado dizer-se que na sociedade cristã tal

como se constituiu sob Constantino, com o dualismo e o

antagonismo da Igreja e do Estado, o preceito — “Dai a César

o que é de César e a Deus o que é de Deus” — foi o princípio

em cujo nome o poder temporal combateu e venceu as

pretensões do poder espiritual; em cujo nome, portanto, se

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 277

decidiu, no mundo cristão, a vitória das crenças sociais e dos

interesses práticos sobre as crenças e os interesses místicos?

Se tivessem compreendido as palavras de Jesus, o poder

temporal do papa não houvera existido, não haveria “príncipes

da Igreja”, nem se teriam dado os conflitos que se deram entre

esses príncipes e os da Terra. Tampouco as discórdias, o ódio,

a guerra teriam devastado os filhos do Senhor.

Se houvesse compreendido as palavras de Jesus, a Igreja,

sem jamais se afastar das sendas da humildade, do desinteresse

e do amor, teria sempre dado a César o que é de César e a

Deus o que é de Deus, dando o exemplo de todas as virtudes e

do cumprimento de todos os deveres para com Deus e para

com os homens, tanto do ponto de vista social, como dos da

família e dos indivíduos. Teria sempre vivido em harmonia

com César, ensinado às nações, exortando e concitando os

homens, Judeus e Gentios, pela palavra, mas sobretudo pelo

exemplo, à prática da tolerância, da caridade, da justiça e do

amor em todos os terrenos, material, moral e intelectual;

exortando e concitando os homens, pela palavra, mas

sobretudo pelo exemplo, ao trabalho, ao estudo, ao progresso

pessoal e ao progresso coletivo, por meio da ciência, da

humildade, do desinteresse e do amor; exortando e concitando-

os à pesquisa da verdade, dentro da liberdade que o Senhor

concedeu ao homem e que vem a ser, como apanágio do livre-

arbítrio, a liberdade do pensamento, de apreciação e, portanto,

de consciência, de razão, de exame; exortando e concitando

desse modo os homens à pesquisa da verdade, do duplo ponto

de vista das revelações sucessivas e progressivas e das leis da

Natureza, deixando que assim se cumprissem estas outras

palavras de Jesus-Cristo, que é o caminho, a verdade, a vida e

que havia de servir de alvo às contradições dos homens:

“Nada há secreto que não venha a ser conhecido e nada oculto

que não venha a ser descoberto e a aparecer publicamente”.

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278 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Mas, não censureis. O que se deu teve a sua razão de ser,

tinha que ocorrer, como condição e meio do progresso

humano, sob o império e o véu da letra, e preparou o advento

da era espírita, mediante as lutas que se travaram na sucessão

dos tempos e mediante as criações do passado. E o que ainda

se não verificou se cumprirá sob o império do espírito.

Cumpri-lo-á a Igreja do Cristo, inspirada e guiada pelo

Espírito da Verdade.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 279

MATEUS, Cap. XXII, vv. 23-33. — MARCOS, Cap. XII,

vv. 18-27. — LUCAS, Cap. XX, vv. 27-40

Saduceus. — Ressurreição. — Imortalidade da alma. — Sua

sobrevivência ao corpo. — Sua individualidade após a morte.

MATEUS: V. 23. Naquele dia, vieram ter com ele alguns

saduceus, que negam a ressurreição, e lhe propuseram a questão

seguinte: — 24. Mestre, Moisés disse: Em morrendo algum homem

sem deixar filho, case seu irmão com a viúva e dê sucessão a seu

irmão. — 25. Ora, havia entre nós sete irmãos: o primeiro casou e

morreu sem descendência, deixando sua mulher a seu irmão. — 26.

O mesmo sucedeu ao segundo, ao terceiro, a todos até ao sétimo. —

27. Por último, depois dos sete, morreu a mulher. — 28. Na

ressurreição, de qual deles será ela, uma vez que todos a tiveram por

esposa? — 29. Jesus lhes respondeu: Estais em erro, por não

compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus. — 30. Na

ressurreição, nem os homens terão esposas, nem as mulheres

maridos: umas e outros serão como os anjos de Deus no céu. — 31.

Pelo que toca à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus

vos disse: — 32. Sou o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de

Jacob? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos. — 33.

Ouvindo isso, o povo se admirava da sua doutrina.

MARCOS: V. 18. Vieram depois ter com ele alguns saduceus,

que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: — 19. Mestre,

Moisés nos deixou escrito que, se morrer algum homem deixando a

esposa sem filhos, o irmão do morto case com a viúva e dê sucessão

àquele. — 20. Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou e morreu

sem deixar filhos. — 21. O segundo casou com a viúva do irmão e

também morreu sem deixar filhos, sucedendo o mesmo ao terceiro.

— 22. E assim, sucessivamente, os sete a tiveram por esposa e

nenhum deixou descendência. Por último, também a mulher morreu.

— 23. Ao tempo da ressurreição, quando todos ressuscitarem, de

qual deles será ela mulher, uma vez que os sete a tiveram por

esposa? — 24. Respondeu Jesus: Não vedes que errais, por não

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280 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus? — 25. Porque,

ao ressuscitarem dentre os mortos, nem os homens terão mulheres,

nem as mulheres maridos: umas e outros serão como os anjos nos

céus. — 26. Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de

Moisés o que Deus lhe disse na sarça: “Eu sou o Deus de Abraão, o

Deus de Isac, o Deus de Jacob”? — 27. Ora, Deus não o é dos

mortos, mas dos vivos. Estais, pois, em grande erro.

LUCAS: V. 27. Chegaram depois alguns dos saduceus, que

negam a ressurreição, e lhe perguntaram: — 28. Mestre, Moisés não

deixou escrito: Se algum homem casado morrer sem deixar filhos,

case o irmão dele com a viúva e descendência dê ao irmão que

morreu? — 29. Ora, sete irmãos havia e o primeiro, que era casado,

morreu sem deixar filhos. — 30. O segundo casou com a viúva e

também morreu sem deixar filhos. — 31. Desposou-a o terceiro e

em seguida os outros quatro sucessivamente, sem que nenhum

deixasse descendência. — 32. Por fim morreu também a mulher

depois de todos eles. — 33. Portanto, na ressurreição, de qual dos

sete será ela mulher, uma vez que com todos foi casada? — 34.

Jesus lhes respondeu: Os filhos deste século se casam e são dados

em casamento; — 35, mas, aqueles que forem julgados dignos do

século vindouro e da ressurreição dos mortos, esses não casarão,

nem serão dados em casamento, — 36, porquanto, não mais poderão

morrer, visto se terem tornado iguais aos anjos e serem filhos de

Deus, porque são filhos da ressurreição. — 37. E que os mortos hão

de ressuscitar, Moisés o mostrou quando, na sarça, chamou ao

Senhor Deus de Abraão, Deus de Isac, Deus de Jacob. — 38. Ora,

Deus não o é dos mortos e sim dos vivos, pois que todos para ele são

vivos. — 39. Tomando então a palavra, disseram alguns dos

escribas: Mestre, respondeste bem. — 40. E, desde então, ninguém

mais se atreveu a lhe fazer perguntas.

N. 259. Não são, por si mesmos, compreensíveis estes

versículos? A palavra de Jesus não está neles clara e precisa,

ensinando a fé na vida eterna, escoimado esse sentimento de

tudo o que entende com a matéria?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 281

A “ressurreição” é a volta definitiva do Espírito à sua pátria

eterna. Ela se verifica quando o Espírito atingiu um grau de

elevação tal, que não mais se vê constrangido a habitar

mundos materiais, onde a reencarnação se opera segundo as

leis da reprodução, conforme ainda acontece no vosso planeta.

Aquele, que haja transposto essas fases de encarnações

materiais, não mais pode morrer. Em tão elevadas condições, a

encarnação, ou melhor, a incorporação se efetua por obra do

Espírito, que então baixa ao planeta fazendo nele o seu

aparecimento, como o explicamos no N. 14 do 1o Volume.

Quando o Espírito, que chegou à condição de habitar os

mundos superiores, se afasta daquele onde estiver habitando e

retorna à vida espírita, o que então se dá é apenas uma

mudança de condição; não se dá a morte no sentido humano

em que Jesus falava e como ainda agora o entendeis na Terra.

As expressões — “os anjos de Deus no céu” — “os anjos

que estão nos céus” — aos quais se assemelharão, se igualarão

os mortos, uma vez “ressuscitados”, e os homens, uma vez

que tenham sido julgados dignos de participar da “ressurreição

dos mortos”, uma vez que se tenham tornado “filhos da

ressurreição”, “filhos de Deus”, indicam os bons Espíritos que

galgaram as condições elevadas de que acabamos de falar e os

puros Espíritos.

Vós, espíritas, deveis compreender estas palavras que Jesus

dirigiu aos saduceus:

Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes, no livro de

Moisés, o que Deus lhe disse na sarça: “Eu sou o Deus de

Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob — Ora, Deus não o

é dos mortos e sim dos vivos, pois que todos para ele são

vivos”.

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282 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Elas se explicam por si mesmas. Fazendo que um Espírito

superior dissesse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus

de Isac, o Deus de Jacob”, não mostrou o Senhor que Abraão,

Isac e Jacob existem? Se a alma ou Espírito não sobrevivesse

ao corpo, teria ele falado desse modo? Por aquelas palavras

dirigidas a Moisés, Deus proclamara e Jesus, lembrando-as,

proclamava de novo aos saduceus, aos discípulos e a todos os

homens, a sobrevivência da alma, sua imortalidade e sua

individualidade após a morte do corpo; proclamava a vida

permanente e imortal dos Espíritos, que todos vivem, quer no

estado corporal, quer no estado espírita, sob os olhares do

Pai. Ele preparava as gerações futuras a compreenderem que a

vida espírita é a vida primordial e normal do Espírito; que o

que chamais “morte” não é mais do que a cessação, para o

Espírito, de um exílio temporário, cujo termo chega quando

este se despoja do corpo material, que, para ele, não passa de

uma veste de provações, de expiação, de progresso, veste que

apenas determina uma modificação momentânea na sua vida

normal. De um modo como de outro, o Espírito vive sempre

sob as vistas de Deus, pois que a morte mais não é do que um

passo mediante o qual ele volta da vida corporal à vida

espírita.

Os saduceus eram os materialistas da época. Consideravam

Deus como o arquiteto que constrói o edifício, o homem como

a pedra que a ação do tempo reduz a pó.

Não observais entre vós análogas inconsequências, homens

que admitem a crença em Deus, e negam a existência da alma

e sua imortalidade?

N. 260. Considerando o que diz o v. 26 de MARCOS:

“Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de

Moisés o que Deus lhe disse na sarça: Eu sou o Deus de

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 283

Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob”? Como se produziu

essa manifestação relatada no Êxodo (Cap. III, vv. 1-6)?

Deus, como já o temos dito, não se comunica ele próprio

com os homens. Houve uma manifestação espírita. Não se vos

diz que Moisés viu a Deus, mas que o ouviu. O Espírito

superior, que o Senhor incumbiu dessa manifestação, tomou

uma forma luminosa, não uma forma humana; produziu uma

luz deslumbrante.

Moisés era médium de efeitos físicos, audiente e vidente.

Ainda quando, porém, não o fosse, as coisas se teriam passado

da mesma forma. O Espírito que chegou à perfeição, que se

tornou puro Espírito, é senhor, como sabeis, da natureza e de

todos os fluidos, deles dispondo à sua vontade, de acordo com

as necessidades e as circunstâncias. Foi com o auxílio dos

fluidos, de fluidos sônicos e de outros, que aquele Espírito

superior realizou a manifestação. Reunindo-os e concentrando-

os, assimilando seu perispírito às regiões terrenas, produziu o

som da palavra humana articulada e uma luminosidade ofus-

cante, com a aparência de uma fogueira. Essa luminosidade foi

que fez crer a Moisés que a sarça ardia sem se consumir. Foi o

perispírito do Espírito incumbido da manifestação que figurou,

com o emprego dos fluidos que reunira, o incêndio da sarça.

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284 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXII, vv. 34-40. — MARCOS, Cap. XII,

vv. 28-34. — LUCAS, Cap. X, vv. 25-28

Amor de Deus e do próximo.

MATEUS: V. 34. Mas os fariseus, tendo sabido que ele fizera

calar os saduceus, se reuniram em conselho; — 35, e um deles, que

era doutor da lei, para o tentar fez esta pergunta: — 36. Mestre, qual

é o grande mandamento da lei? — 37. Respondeu Jesus: Amarás o

Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo

o teu entendimento. — 38. Este é o maior e o primeiro mandamento.

— 39. E o segundo, semelhante ao primeiro, é: Amarás o teu

próximo como a ti mesmo. — 40. Toda a lei e os profetas se contêm

nestes dois mandamentos.

MARCOS: V. 28. Então, um dos doutores da lei, que ouvira a

discussão e vira quão bem Jesus respondera aos saduceus, se

aproximou e lhe perguntou: Qual é o primeiro de todos os

mandamentos? — 29. Respondeu Jesus: O primeiro de todos os

mandamentos é este: Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o único

Deus. — 30. E amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de

toda a tua alma, de todo o teu entendimento, de todas as tuas forças.

Este o primeiro mandamento. — 31. O segundo, semelhante ao

primeiro, é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há

outro mandamento maior do que estes. — 32. Disse-lhe então o

doutor da lei: Na verdade, Mestre, disseste bem que Deus é um só,

que nenhum outro há além dele; — 33, e que o amá-lo de todo o

coração, de todo o entendimento, de toda a alma e com todas as

forças, e bem assim o amar o próximo como a si mesmo é coisa de

maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. —

34. Vendo Jesus que o escriba replicara sabiamente, disse-lhe: Não

estás longe do reino de Deus. E desde então ninguém mais se

atreveu a lhe fazer perguntas.

LUCAS: V. 25. Então, levantando-se, perguntou-lhe um doutor

da lei, para o tentar: Mestre, que hei de fazer para ter a vida eterna?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 285

— 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é que está escrito na lei? De que

modo a lês? — 27. Respondeu aquele: Amarás o Senhor teu Deus,

de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e

de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti

mesmo. — 28. Jesus lhe observou: Respondeste muito bem; faze

isso e viverás.

N. 261. Amai o Senhor vosso Deus acima de tudo: a Ele,

origem e vida de tudo o que é, a Ele, o pai bondoso e justo de

tudo o que vive, o juiz reto de todas as vossas ações.

Amai o Senhor vosso Deus acima de tudo, porquanto nesse

amor haurireis forças para cumprir todos os vossos deveres,

para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da

alma, a quem ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor

que vos aquece os corações, engendra a fé e produz a caridade.

Amai o vosso próximo como a vós mesmos, porquanto, se

não possuirdes o sentimento grandioso da fraternidade, não

praticareis os atos a que ele dá lugar, sereis ramos secos. Do

amor a Deus nascem a submissão, a resignação, a esperança.

Praticá-lo consiste em obedecer às leis divinas.

Do amor ao próximo, como a si mesmo, nasce a caridade,

sem a qual não fareis boas obras.

A caridade está no socorro que deveis prestar aos vossos

irmãos pela vossa inteligência, pelo vosso coração, pela vossa

mão direita, deixando esta a outra na ignorância do que fez.

Sede brandos e humildes, para serdes caridosos, pois que o

orgulho afastará de vós o “pobre”, tornando-lhe penoso,

qualquer que seja a sua pobreza, o auxílio material, moral ou

intelectual, que lhe dispensardes.

Sede brandos e humildes, para serdes caridosos, pois que a

brandura e a humildade atraem os mais inacessíveis, animam

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286 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os mais

gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a vossa

brandura e a vossa humildade, porque então já não sereis

caridosos.

Quando socorrerdes o pobre a quem falte o pão, não lhe

façais ver que dais do vosso supérfluo; não lhe deixeis

perceber que cumpris um dever. Ao contrário, dizei-lhe: “Meu

irmão, sou feliz por poder vir hoje em teu auxílio. Peço não me

esqueças quando, por tua vez, me puderes socorrer”.

Quando socorrerdes o pobre, cuja inteligência se ache

mergulhada em trevas, não lhe deixeis perceber até onde chega

a vossa luz. Não o ofusqueis, nem o humilheis. Dizei-lhe:

“Meu irmão, bem pouco sei; mas estou pronto a te ensinar o

que sei, se o ignorares. Faze outro tanto comigo, pois bem me

podes recompensar do mesmo modo”.

Quando socorrerdes o pobre que precisa de conforto para o

seu coração, não lhe deixeis sentir que emprestais para que se

vos pague no cêntuplo o que adiantastes. Dizei-lhe: “Amo-te,

porque és filho de meu pai; amo-te, porque sofres. Tuas

lágrimas me fazem chorar, tuas dores me mortificam. Ama-me

como te amo. Faze que eu em ti encontre o eco do que em

mim vibra, porquanto só no amor acharemos a coragem e a

força de caminhar para Aquele que é todo amor. À volta dele e

nele está a fonte do amor, que mana em jorros inumeráveis, a

nos inundar da sua frescura. Se me amas, sou feliz de te amar”.

Nunca deixeis que os vossos inferiores, sejam de que

natureza forem, percebam que tendes consciência da vossa

superioridade. Nunca lhes deixeis compreender que dais justo

valor ao serviço que lhes prestais, ao amor que lhes dedicais,

porque esse serviço lhes pesaria e esse amor os chocaria.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 287

Amar a Deus acima de tudo é submeter-se a todas as suas

leis, que todas se resumem na do amor; é amar o próximo

como a si mesmo.

Amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todo o

entendimento, de todas as forças, é amá-lo de todo o

pensamento, é amá-lo acima de tudo e amar a todas as coisas

por amor dele.

Chamamos a vossa atenção para as palavras que Jesus

dirigiu ao doutor da lei e para a resposta deste, resposta que o

Mestre sancionou, proclamando-lhe a sabedoria nestes termos:

Não estás longe do reino de Deus.

Sim, não está longe do reino de Deus, isto é, está em via

dos rápidos progressos que conduzem à perfeição moral aquele

que crê que o Senhor Deus de Israel é o único Deus, que um

só Deus existe, uno, indivisível, que nenhum outro além dele

há. Não está longe do reino de Deus aquele que o ama acima

de tudo e ama o próximo como a si mesmo; aquele que

compreende que esse duplo amor vale muito mais do que todos

os holocaustos, todos os sacrifícios. Esse não está longe do

reino de Deus, porque é adorador do pai em espírito e

verdade, visto que ama a todos os homens como sendo todos

irmãos seus e procede para com todos como irmão deles,

abstração feita dos cultos exteriores. É adorador do pai em

espírito e verdade, porque pratica aqueles dois mandamentos,

reconhecendo que neles estão toda a lei e os profetas, que eles

constituem, portanto, integralmente, a lei divina em seu

princípio e suas consequências, a única e verdadeira religião

de Deus, a religião universal que há de levar a Humanidade à

unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela solida-

riedade na fraternidade.

Amar a Deus acima de tudo e o próximo como a si mesmo

é coisa de muito maior valia do que todos os holocaustos e

todos os sacrifícios. Em qualquer época, no tempo dos

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288 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Hebreus, como depois e nos vossos dias, as exterioridades do

culto, seja este qual for, nada valem perante Deus. As obras

tudo são.

Nesses dois mandamentos se contêm toda a lei e os

profetas. Praticando-os, material, como intelectual e moral-

mente, o homem é levado ao cumprimento de todos os seus

deveres no seio da grande família humana, debaixo de todos os

pontos de vista, social, familiar e individual.

Faze isso e viverás. As obras levam prontamente à vida

eterna, a essa vida em que o Espírito, caminhando nas vias da

perfeição moral, não mais sofre a morte, libertado que está dos

laços da matéria, das constrições da carne.

Citando estas palavras do Deuteronômio, Capítulo VI, v. 4:

“Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o único Deus” e dizendo

ao doutor da lei: Respondeste sabiamente — e não estás longe

do reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de

dizer, isto é, que, “na verdade, não há senão um só Deus, que

outro não há além dele”.

Desse modo Jesus recusava, se eximia de toda divindade

como Cristo, proclamando, para base do Cristianismo, que

Deus é uno, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para

Israel.

Sim, Jesus nunca pretendeu divinizar-se. Notai que por

nenhuma de suas palavras ele jamais conferiu a si mesmo o

título de Deus, ao passo que elas muitas vezes se referem a um

Deus único, como, por exemplo, quando declarou que seu pai

era maior do que ele e quando, dirigindo-se a Deus por estas

últimas e solenes palavras proferidas pouco antes da hora do

sacrifício, disse: “Tu, meu pai, que és o único Deus

verdadeiro”! (João, VIII, v. 3).

As necessidades da época, temo-lo dito, exigiam que esta

questão ficasse como ficou, até ao momento em que as

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 289

inteligências se achassem bastante desenvolvidas para

aceitarem os mistérios da missão de Jesus e bastante humildes

para não exigirem que o próprio Deus se houvesse abaixado

até aos homens, a fim de lhes resgatar as faltas.

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290 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

LUCAS, Capítulo X, vv. 29-37

Parábola do Samaritano.

V. 29. O doutor da lei, porém, querendo parecer justo, perguntou

a Jesus: E quem é o meu próximo? — 30. Jesus, tomando a palavra,

lhe disse: Um homem, que descia de Jerusalém para Jericó, caiu nas

mãos de salteadores, que o despojaram, o espancaram e se foram,

deixando-o semimorto. — 31. Aconteceu que pelo mesmo caminho

desceu um sacerdote, que o viu e passou de largo. — 32. Do mesmo

modo, um levita, que também foi ter àquele lugar, viu o homem e

igualmente passou de largo. — 33. Um samaritano, porém, seguindo

o seu caminho, veio onde estava o homem e ao vê-lo se encheu de

compaixão. — 34. Aproximou-se dele, pensou-lhe as feridas,

deitando nelas óleo e vinho, colocou-o sobre a sua alimária e o levou

para uma hospedaria, onde cuidou dele. — 35. No dia seguinte, tirou

dois denários e os deu ao hospedeiro, dizendo: Trata desse homem;

na minha volta te pagarei tudo quanto despenderes a mais. — 36.

Qual dos três te parece que tenha sido o próximo daquele que caiu

nas mãos dos salteadores? — 37. Respondeu o doutor da lei: O que

para com ele usou de misericórdia. Pois vai, disse-lhe Jesus, e faze o

mesmo.

N. 262. Deus olha igualmente, com paternal carinho, para

todos os seus filhos, quaisquer que sejam a pátria onde

nasceram, o idioma que falem, o culto que professem.

Homens, todos vós sois irmãos. Praticai, pois, a caridade

uns com os outros, a caridade do espírito e do coração, a

caridade por atos.

Não repilais a nenhum dos vossos irmãos, por valerem suas

ações menos do que as vossas. Não condeneis nunca, nunca,

ouvi bem, porque então faríeis como os fariseus, os levitas, os

principais Judeus.

Imitai o bom Samaritano. Socorrei a todos os que de

socorro precisarem, sem inquirirdes das causas de suas quedas,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 291

sem indagardes se podem caminhar direito, quando os

houverdes levantado. Começai por socorrê-los. Depois, se vos

repelirem, afastai-vos, mas conservando-vos sempre prontos a

vir de novo em socorro deles, sem agastamento, sem ideias

preconcebidas. Não vos limiteis a providenciar para que o

ferido seja tratado: tratai-o vós mesmos, primeiramente como

o permitirem os meios de que dispuserdes, na medida das

vossas forças, dos vossos sentimentos, da vossa inteligência. E

logo que as vossas ocupações o consentirem, voltai a tratá-lo

pessoalmente. Se o pobrezinho recair, ainda que por culpa sua,

demonstrai-lhe tanta doçura, tanta paciência, tanta boa-

vontade, que ele não tema confiar-se aos vossos cuidados.

Assim fazendo, dar-lhe-eis firmeza aos passos hesitantes, força

ao cérebro enfraquecido, calor e vida ao coração paralisado.

Estudai atentamente a parábola do bom Samaritano,

porquanto, quaisquer que sejam os ensinamentos tirados desse

exemplo que Jesus vos ofereceu e os comentários sobre ele

feitos, sempre achareis aí o que aprender, o que meditar. Tratai

de apreendê-lo e de o pôr em prática.

Duplo fim teve Jesus com essa parábola, em que figurou o

Samaritano, que era, ao ver dos Judeus, o herético, o infiel, o

repelido, o réprobo, a praticar a caridade, e em que

apresentou, faltos de caridade, o sacerdote, o levita, os

ortodoxos, terminando por dizer ao doutor da lei: “Vai e faze o

mesmo”. Quis, primeiramente, mostrar aos homens que, sejam

eles quais forem, são todos irmãos; que o orgulho é causa de

queda, por tornar cega a criatura com relação aos seus deveres;

que, perante Deus, não há heréticos, nem ortodoxos; que a

única via de salvação é a caridade. Quis proscrever e reprovar,

para aquele momento e para sempre, o dogmatismo e a

intolerância que derivam da diversidade e do antagonismo de

crenças e de cultos externos; proclamar que a fé sem obras

nada vale, que a fé, aos olhos de Deus, não está em dogmas

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292 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

humanos, frutos exclusivos das orgulhosas interpretações dos

homens, mas sim toda na caridade, que implica a prática da

justiça, do amor, da misericórdia. Em segundo lugar, objetivou

condenar, de antemão, esta máxima da Igreja Romana: Fora

da Igreja não há salvação e, condenando-a, consagrar, como

única verdadeira, esta: Fora da caridade não há salvação.

Efetivamente, não há salvação fora da caridade que se

exerça e pratique por amor a Deus acima de tudo e por amor

ao próximo como a si mesmo, seja quem for o próximo:

conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo. Não disse ele:

Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai

pelos que vos perseguem ou vos caluniam?

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 293

LUCAS, Capítulo X, vv. 38-42

Jesus em casa de Marta. — Ninguém deve preocupar- se

demasiado com as necessidades do corpo. Dever de se aliarem

os cuidados do corpo aos que o Espírito reclama. — O

alimento espiritual jamais se deteriora.

V. 38. E aconteceu que Jesus, tendo-se posto a caminho com seus

discípulos, entrou numa aldeia; e uma mulher de nome Marta o

recebeu em sua casa. — 39. Tinha ela uma irmã chamada Maria,

que, sentada aos pés do Senhor, lhe escutava a palavra. — 40.

Marta, que muito atarefada andava no arranjo da casa, parando

diante de Jesus lhe disse: Senhor, não se te dá que minha irmã me

deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude. — 41. O Senhor, porém,

respondeu: Marta, Marta, tu te azafamas e perturbas a cuidar de

muitas coisas. — 42. Entretanto, uma só é necessária. Maria

escolheu a parte melhor, que lhe não seria tirada.

N. 263. Em consequência de os terem os homens falsa-

mente interpretado segundo a letra, estes versículos hão

servido para autorizar a vida religiosa, com exclusão de todos

os cuidados materiais. Esse não foi o pensamento do Mestre.

Marta se preocupava mais do que devia com os cuidados do

corpo, esquecida de que só o necessário bastaria.

De condição modesta, queria oferecer a Jesus uma

hospedagem magnífica. Foi por isso que o Mestre a

repreendeu.

O homem tem o dever de velar pela conservação do seu ser.

É essa uma lei absoluta, que não lhe é dado abrogar (anular).

Mas, não lhe assiste o direito de sacrificar ao supérfluo os

cuidados que o Espírito requer.

Jesus disse: “Nem só de pão vive o homem”. Sabei,

portanto, aliar o cuidado de que necessita o vosso corpo aos

que o vosso Espírito reclama. Uns e outros podem emparelhar,

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294 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sem prejuízo algum, desde que sejam atendidos com critério.

A Maria a primeira ideia que acudira foi, naturalmente, a de

aproveitar os ensinamentos de Jesus. Quando duas neces-

sidades se vos fazem sentir, não tratais de atender antes de

tudo à mais premente?

Nada de exclusivismos, nem num caso, nem no outro.

“Maria, disse Jesus, escolheu a parte melhor, que lhe não

será tirada”. É que o alimento espiritual jamais se perde. Esse

alimento é um grão cujas raízes se prolongam sempre.

Para Maria, como para todos, naquele momento, Jesus

trazia um corpo material qual os vossos e não tinha os gostos e

as necessidades humanas, contentando-se com pouco. Porque

havia ela de se preocupar com inúteis cuidados materiais?

Jesus, como sabeis, só fazia refeições diante dos homens, e

isso mesmo na aparência apenas e não na realidade, quando

precisava dar uma lição ou exemplo.

Page 249: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 295

MATEUS, Cap. XXII, vv. 41-46.

— MARCOS, Capítulo XII, vv. 35-37.

— LUCAS, Cap. XX, vv. 41-44

O Cristo, Senhor de David.

MATEUS: V. 41. Como estivessem os fariseus reunidos, Jesus

lhes perguntou: — 42. Que vos parece do Cristo? De quem é ele

filho? Responderam-lhe os fariseus: De David. — 43. Replicou-lhes

Jesus: Como é, então, que David, em Espírito, lhe chama seu

Senhor, dizendo: — 44. Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à

minha direita até que eu tenha reduzido teus inimigos a te servirem

de escabelo para os pés? — 45. Ora, se David lhe chama seu Senhor,

como é ele seu filho? — 46. Ninguém lhe pôde responder palavra,

nem mais ousou alguém, desde aquele dia, interrogá-lo.

MARCOS: V. 35. Ensinando no templo, disse Jesus: Como

dizem os escribas que o Cristo é filho de David? — 36. Pois o

próprio David não disse, inspirado PELO Espírito Santo: Disse o

Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza

teus inimigos a escabelo de teus pés? — 37. Ora, se David lhe

chama seu Senhor, como é ele seu filho? Grande multidão se

comprazia em ouvi-lo.

LUCAS: V. 41. Mas Jesus lhes perguntou: Como dizem que o

Cristo é filho de David, — 42, quando o próprio David diz no livro

dos Salmos: Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita,

— 43, até que eu reduza teus inimigos a te servirem de escabelo

para os pés? — 44. Ora, se David lhe chama seu Senhor, como é ele

seu filho?

N. 264. Fazendo essa observação, tinha Jesus por fim: 1º

dar a ver aos homens que nenhum laço carnal o unia a David,

nem, portanto, à sua descendência; que não pertencia à

Humanidade; 2º mostrar a distância que havia entre o Espírito

de David e o do Cristo de Deus.

Page 250: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

296 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Quaisquer que fossem a humildade, a doçura, o

desprendimento de Jesus, não vos deveis esquecer da sua

origem. Ele é o vosso Senhor e também o nosso. É o filho de

Deus, não, porém, do ponto de vista de que vós outros,

cristãos, o considerastes, isto é, como sendo o próprio Deus.

Ele é uma das suas criaturas, filho do Altíssimo, filho de Deus

e irmão dos homens, como qualquer Espírito criado. É vosso

irmão, mas puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e

imaculada e, como tal, vosso Senhor, vosso Mestre.19

A questão que Jesus propôs aos fariseus e à qual ninguém

pôde responder, só a nova revelação a resolveria plenamente,

porque só ela daria a conhecer aos homens, em espírito e em

verdade, a natureza e a origem do Cristo, sua missão, sua

autoridade, seus poderes com relação ao vosso planeta e à

humanidade terrestre, o modo e as condições em que se

verificou o seu aparecimento na Terra para dar cumprimento à

sua missão terrena.

Estas palavras alegóricas: “Disse o Senhor a meu Senhor:

Senta-te à minha direita até que eu reduza todos os teus

inimigos a te servirem de escabelo para os pés, isto é, até que

se haja completado a obra de regeneração”, diziam respeito,

veladamente, à missão de Jesus que, com relação ao vosso

planeta, ocupa a direita do Pai, por ser, como é, o encarregado

do progresso da Terra, o Espírito que a protege e governa no

tocante à sua depuração e à sua transformação física, e bem

assim no tocante à depuração e à transformação física, moral e

intelectual da sua Humanidade.

19

Ver o que foi explicado a este respeito no 1o. Volume, Ns. 55 e

seguintes.

Page 251: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 297

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 1-7.

— MARCOS, Cap. XII, vv. 38-40.

— LUCAS, Cap. XX, vv. 45-47

Orgulho e hipocrisia dos escribas e dos fariseus. — Ouvi-los,

porém não os imitar.

MATEUS: V. 1. Falou então Jesus ao povo e a seus discípulos,

— 2, dizendo: Na cadeira de Moisés se sentaram os escribas e os

fariseus. — 3. Observai e fazei, pois, o que eles vos disserem, porém

não os imiteis nas suas obras, porquanto dizem, mas não fazem. —

4. Atam pesados e insuportáveis fardos e os colocam sobre os

ombros dos homens e no entanto nem ao menos com o dedo os

querem tocar. — 5. Todas as suas ações eles as praticam para serem

vistos pelos homens; daí o alargarem seus filactérios20

e alongarem

suas franjas. — 6. Querem os primeiros lugares nos banquetes e os

primeiros assentos nas sinagogas. — 7. Gostam de que os saúdem

nas praças públicas e de que os homens lhes chamem mestres.

MARCOS: V. 38. E lhes dizia, segundo o seu modo de ensinar:

Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com amplas vestes e

de ser saudados nas praças públicas; — 39, de ocupar os primeiros

assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; — 40,

que devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Com

mais rigor serão eles julgados.

LUCAS: V. 45. Diante de todo o povo que o ouvia, disse ele a

seus discípulos: — 46. Guardai-vos dos escribas, que querem andar

com longas vestes, que gostam de ser saudados nas praças públicas,

de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares

nos banquetes; — 47, que devoram as casas das viúvas, simulando

longas orações. Maior condenação eles receberão.

20

É o nome dado a duas caixinhas de couro, cada qual presa a uma tira de

couro de animal puro, dentro das quais está contido um pergaminho com os quatro trechos da Torá. O mesmo é usado como amuleto para proteção. Também são chamados de Tefilin (em hebraico , com raiz na palavra tefilá, significando “prece”).

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298 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

N. 265. Em todos os tempos, houve sempre doutores que

pregam e ensinam, mas não praticam a moral que preconizam.

Aí está o escolho.

A semente que dessa forma lançam pode cair em bom

terreno e produzir. Mas, também amiúde se perde, porquanto o

exemplo constitui o melhor ensinamento.

Poderá o discípulo que preparardes queixar-se da severidade

dos costumes que lhe impondes, se a observar nos vossos? Se

vos vir indulgente para com os outros, deixará ele de compre-

ender a indulgência? Se lhe fizerdes ver como se pratica a

caridade, não será mais pronto em se mostrar caridoso? Não

amará a seus irmãos, se com ele praticardes o amor?

Entretanto, não desanime aquele que prega e não pratica.

Trate de aplicar a si mesmo o que ensina por palavras e

chegará a exemplificar os seus preceitos. E, assim, mais

facilmente atrairá as massas, pois que nada é tão eloquente

quanto o exemplo.

Não imiteis os escribas e fariseus orgulhosos. Tornai leve o

fardo dos vossos irmãos, mostrando-lhes, por vós mesmos,

como se pode carregá-lo sem fadiga.

Dar-se-á que o Cristianismo, mas, sobretudo o Catolicismo

não haja produzido os frutos evangélicos, que deviam

produzir, porque, tanto no passado, como no presente, estas

palavras do Mestre: “Observai e fazei o que vos disserem,

porém não os imiteis nas suas obras, porquanto dizem, mas

não fazem” se tornaram frequentemente aplicáveis aos que hão

pregado e ensinado a sua moral, aos escribas e fariseus que lhe

tomaram a cadeira, como aos escribas e fariseus que pregavam

e ensinavam sentados na cadeira de Moisés?

Sim, de certo. É que mais fácil é falar do que obrar.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 299

MATEUS, Capítulo XXIII, vv. 8-12

Nenhum homem deve desejar ou aceitar o título ou

o apelido de mestre. — Deus, único pai. O Cristo, único

doutor, único mestre. Os homens, irmãos todos.

V. 8. Não queirais vós, porém, ser chamados mestres, porquanto

um ÚNICO mestre tendes e todos sois irmãos. — 9. A ninguém na

terra chameis vosso pai, porquanto um ÚNICO pai tendes, que está

nos céus. — 10. Nem vos deis o título de doutores, porquanto não

tendes mais que um só doutor e um só mestre — o Cristo. — 11.

Aquele que é o maior entre vós será vosso servo; — 12, porquanto,

o que se exaltar será humilhado e o que se humilhar será exaltado.

N. 266. Este ensino, que Jesus deu a seus discípulos e a

todos os homens, assim se resume: Humildade, fraternidade.

Ele interdizia a todos os homens daquela época e do futuro

o uso do título de pai, que só cabe a Deus, e bem assim o de

mestre, que só compete ao Cristo, como protetor e governador

do vosso planeta, o único, como tal, encarregado dos vossos

destinos. Só por orgulho e farisaísmo pode o homem, como

fazia outrora, usurpar ainda aqueles títulos.

Não vos deixeis empolgar pelo orgulho; não procureis

colocar-vos acima de vossos irmãos, fazendo- lhes sentir a

vossa superioridade; nunca incenseis inconsideradamente

aqueles que julgardes mais elevados do que vós, porquanto, se

os colocais acima do lugar que lhes compete, fareis nascer

neles o orgulho, com as suas desastrosas consequências, do

mesmo modo que o despertareis em vós, se vos elevardes.

Page 254: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

300 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Também nunca vos rebaixeis, nem vos humilheis diante dos

vossos irmãos, pois que só a Deus deveis o vosso incenso e a

vossa admiração. Fazei justiça, com sinceridade, a quem

justiça for devida, mas que nenhum sentimento de abjeta

servilidade vos penetre, pois que o vosso orgulho se revoltaria

no fundo do vosso coração e faríeis nascer o orgulho no do

vosso irmão.

Não esqueçais que quem se tem em alta estima torna-se

desprezível, pois a estima de si mesmo é considerada como

exagerada apreciação do valor próprio, tendência que todos os

encarnados descuidosamente deixam se lhes desenvolva no

íntimo e que os arrasta a uma dupla falta: a de se orgulharem

do mérito que julgam ter e a de votarem desprezo aos outros,

considerando-os inferiores a si. Esse desprezo muitas vezes se

disfarça com as aparências da bonomia, da condescendência,

da proteção, mas nem por isso deixa de ser o que é. Tal

sentimento se reflete sobre os que o aninham. Descei todos ao

fundo das vossas consciências e lá encontrareis esse fermento

que queremos destruir. Tão difícil é para o homem uma justa

apreciação de si mesmo, que nenhum de vós poderá julgar-se

capaz de fazê-la. Conseguintemente, nunca vos acrediteis mais

dedicado, nem mais caridoso, nem mais probo, nem mais

sábio, nem mais apto do que este ou aquele, ou do que o

conjunto dos vossos semelhantes, porque, se lhes levais

vantagem por qualquer daquelas qualidades, dar-se pode que,

com relação a outras, vos acheis muito abaixo deles.

A justa apreciação de si mesmo deve sempre dar ao homem

criterioso a convicção de que lhe cumpre trabalhar por destruir

em si o que é mau, por cultivar o que é bom, por adquirir o

melhor. Não olvideis que aquele que se eleva está perto de

cair. Não tenteis, pois, o vosso próximo, provocando nele os

ímpetos do orgulho, que poderiam perdê-lo. Sede equitativos,

mas nunca sejais lisonjeadores.

Page 255: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 301

Aquele que for o maior entre vós será vosso servo. Se o

orgulho o dominar, ele virá a ser vosso servo quando, ao

recomeçar a sua prova, tiver que se humilhar.

Aquele que se exalta será humilhado e aquele que se

humilha será exaltado. Aquele que tenta elevar-se acima dos

outros, fazer sentir a sua superioridade, é sempre impelido por

um sentimento de orgulho. No dia da retribuição, terá que o

expiar, do mesmo modo que o humilde de coração (mas não

apenas de lábios) terá que receber a sua recompensa.

Page 256: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

302 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXIII, vv. 13-22

Escribas e fariseus hipócritas.

V. 13. Mas, ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que fechais

aos homens o reino dos céus, pois nem entrais nem deixais que

entrem os que desejam entrar. — 14. Ai de vós, escribas e fariseus

hipócritas, que, com as vossas longas orações, devorais as casas das

viúvas: mais rigoroso será por isso o vosso julgamento. — 15. Ai de

vós, escribas e fariseus hipócritas, que rodeais o mar e a terra para

fazer um prosélito e que, depois de o terdes feito, o tornais

duplamente mais merecedor da Geena do que vós. — 16. Ai de vós,

guias cegos que dizeis: Jurar um homem pelo templo nada é, mas

aquele que jurar pelo ouro do templo fica obrigado a cumprir o seu

juramento. — 17. Estultos e cegos! Qual o que vale mais: o ouro, ou

o templo, que santifica o ouro? — 18. Jurar pelo altar, dizeis, nada é,

mas aquele que jurar pela oferenda que está sobre o altar fica

obrigado a cumprir o seu juramento. — 19. Cegos! Que é o que mais

vale: a oferenda, ou o altar que santifica a oferenda? — 20. Quem,

pois, jura pelo altar jura por este e por tudo o que sobre ele está; —

21. Quem jura pelo templo jura por este e por aquele que o habita;

— 22. Quem jura pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que

nele está assentado.

N. 267. Ai dos que, afastando-se da senda traçada pelo

Justo, dela desviam os que se esforçam por trilhá-la, a fim de

os induzir aos erros que propagam.

Ai dos que se abrigam por detrás de uma fé que não têm, a

fim de abusarem da credulidade dos homens e desta se

aproveitarem para a consecução de seus fins!

Ai dos que, aparentando ter fé, arrastam para suas veredas e

fazem cair nos seus desregramentos os que delas se conser-

vavam afastados.

Page 257: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 303

Ai dos pérfidos e dos hipócritas, que mercadejam com as

suas orações e vendem as graças do Senhor, assim como a

entrada na morada divina!

Ai deles, pois verão quão falsos eram seus caminhos e

sentirão quão criminosos eles próprios foram. O remorso e a

expiação lhes virão curvar as frontes orgulhosas e dobrar os

joelhos inteiriçados!

Cegos guias de cegos, que emaranhais os homens numa teia

inextricável de puerilidades culposas, bem sabeis, ó guias de

Israel, guias das ovelhas do pastor, bem sabeis que as leis

mesquinhas e arbitrárias que decretais são cadeias pesadas que

tolhem os passos daqueles que devíeis fazer avançar, que os

detêm na sua marcha. E vós outros, cegos também, e que, no

entanto, para verdes a luz bastaria abrísseis os olhos, porque

vos submeteis a um jugo que a razão repele?

Não jureis, oh! Não jureis raça fraca, nem pelo altar, nem

pelo templo, nem pelo céu. Não jureis que não tendes forças

para cumprir os vossos juramentos. Sejam simples as vossas

palavras. Dizei apenas: Sim, sim; não, não. Os sentimentos

verdadeiros não precisam de palavras fortes para se

exprimirem. A simplicidade é companheira da verdade.

Não jureis, não façais juramento e não exijais que vossos

irmãos jurem. Sabeis se eles poderão cumprir o que juraram?

Sede simples nas vossas palavras como nos vossos atos. Tende

por vossa garantia, assim diante dos homens, como diante de

Deus: — a pureza do coração.

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304 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 23-39. — LUCAS, Cap. XI,

vv. 37-54 e Cap. XIII, vv. 31-35

Doutores hipócritas que têm o coração viciado

e enganam os homens pelos atos exteriores,

que os afastam da luz e da verdade.

MATEUS: V. 23. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que

pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e não vos

importais com o que há de mais importante na lei: a justiça, a

misericórdia e a fé, coisas estas que devíeis praticar sem omitir as

outras. — 24. Guias cegos, que coais um mosquito e engolis um

camelo! — 25. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que limpais

por fora o copo e o prato e que, entretanto, estais por dentro cheios

de rapina e de imundícias! — 26. Fariseus cegos, limpai primeiro o

interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo.

27. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que vos assemelhais a

sepulcros caiados, que por fora parecem belos aos homens, mas que

por dentro estão cheios de ossadas e podridões! — 28. Assim

também vós: exteriormente pareceis justos aos homens, mas por

dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. — 29. Ai de vós,

escribas e fariseus hipócritas, que erigis túmulos aos profetas, que

adornais os monumentos dos justos e dizeis: — 30. Se vivêramos

nos dias de nossos pais, não os teríamos acompanhado no

derramamento do sangue dos profetas. — 31. Testificais, assim,

contra vós mesmos, que sois filhos daqueles que mataram os

profetas. — 32. Enchei, pois, a medida de vossos pais. — 33.

Serpentes, raça de víboras! Como podereis escapar da condenação à

Geena? — 34. Eis porque vos vou enviar profetas, sábios e escribas

que a uns matareis e crucificareis e a outros açoitareis nas vossas

sinagogas e perseguireis de cidade em cidade. — 35. É para que

sobre vós venha todo o sangue inocente que há sido derramado na

terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho

de Baraquias, a quem matastes entre o templo e o altar. — 36. Em

verdade vos digo que tudo isto virá cair sobre esta geração. — 37.

Ah! Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que

te são enviados! Quantas vezes tenho querido reunir teus filhos,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 305

como a galinha reúne debaixo das asas os seus pintos, e não

quiseste! — 38. Eis que deserta vos será deixada a casa. — 39.

Porque, eu vos declaro que desde agora não mais me vereis, até que

digais: Bendito seja o que vem em nome do Senhor.

LUCAS: XI, v. 37. E estando a falar, um fariseu o convidou para

jantar. Ele lhe entrou em casa e tomou lugar à mesa. — 38.

Começou então o fariseu a dizer de si para si: Porque não se lavou

ele antes de comer? — 39. Disse-lhe então o Senhor: Vós, os

fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso intimo

está cheio de rapina e de iniquidade. — 40. Insensatos! Aquele que

fez o que está por fora não fez também o que está por dentro? — 41.

Entretanto, dai de esmola o que tendes e eis que todas as coisas se

vos tornarão limpas. — 42. Mas, ai de vós fariseus, que pagais o

dízimo da hortelã, da arruda, de todas as ervas e desprezais a justiça

e o amor de Deus! Estas coisas, porém, é que devia primeiro

praticar, sem omitirdes as outras. — 43. Ai de vós, fariseus! Que

gostais das primeiras cadeiras nas sinagogas e de que vos saúdem

nas praças públicas. — 44. Ai de vós, que sois como os sepulcros

que não aparecem e por sobre os quais andam os homens sem o

saberem. — 45. Observou-lhe então um dos doutores da lei: Mestre,

falando assim, também a nós outros nos afrontas! — 46. Respondeu

Jesus: Ai, também de vós, doutores da lei, que carregais os homens

de fardos que eles não podem suportar e nos quais não tocais sequer

com a ponta do dedo. — 47. Ai de vós, que erigis túmulos aos

profetas, quando foram vossos pais que os mataram. — 48. Certo,

dais assim testemunho de que concordais com as obras de vossos

pais, pois que estes os mataram e vós lhes construís os túmulos. —

49. Por isso mesmo disse a sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei

profetas e apóstolos e a uns eles matarão e a outros perseguirão, —

50, para que a esta geração se peça conta do sangue de todos os

profetas, derramado desde o princípio do mundo, — 51, desde o

sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar

e o templo. Sim, eu vos declaro que a esta geração contas serão

pedidas. — 52. Ai de vós, doutores da lei, que vos apoderastes da

chave da ciência e que não entrastes e impedistes a entrada aos que

queriam entrar. — 53. Como desta maneira lhes falasse, começaram

os fariseus e os doutores da lei a insistir fortemente com ele,

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306 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

importunando-o com perguntas sobre muitos assuntos, — 54,

armando-lhe assim ciladas com o fim de nalguma de suas palavras

acharem motivo para o acusar.

LUCAS: XIII, v. 31. Naquele mesmo dia, alguns fariseus lhe

vieram dizer: Retira-te, vai-te daqui, porque Herodes te quer matar.

— 32. Respondeu-lhes Jesus: Ide dizer a essa raposa que hoje e

amanhã ainda tenho que expulsar os demônios e curar os enfermos e

que no terceiro dia serei consumado. — 33. Todavia, cumpre que eu

caminhe ainda hoje, amanhã depois de amanhã, porque não convém

que um profeta morra fora de Jerusalém. — 34. Jerusalém!

Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te são

enviados! Quantas vezes quis reunir teus filhos como a galinha

reúne debaixo das asas os seus pintos não quiseste! — 35. Eis que

deserta vos será deixada a vossa casa. E eu vos digo em verdade que

não mais me vereis até que digais: Bendito o que vem em nome do

Senhor!

N. 268. (MATEUS, v. 23; LUCAS, XI, v. 42). “Ai de vós,

escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã,

do endro e do cominho, da arruda de todas as ervas e que

omitis, negligenciais o que há de mais importante na lei: a

justiça e o amor de Deus, a misericórdia e a fé; coisas estas de

que devíeis cuidar primeiro, sem omitirdes as outras”.

Tratai de bem compreender o valor destas palavras de Jesus,

vós que vendeis as orações, vós que as comprais, vós que

fazeis doações às igrejas e aos conventos, pensando que assim

resgatais vossas faltas e pagais a Deus a sua justiça. Compre-

endei-as bem, pois que fazeis como os escribas e os fariseus

hipócritas, limitando-vos à prática de atos exteriores, proster-

nando-vos diante dos vossos altares, curvando as frontes com

aparente humildade, mas conservando os corações cheios de

fel, de orgulho, de inveja, e confiando no número das orações

que murmurastes distraidamente, no das genuflexões que

executastes, no das esmolas que deitastes nos mealheiros das

Page 261: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 307

igrejas, sem atentardes em que esses números se apagam à

menor falta de caridade que os vossos corações denotem.

Não vos curveis tantas vezes nos templos, mas curvai-vos,

uma vez por outra, sobre o desgraçado que encontrardes caído,

para o levantardes. Não vos ajoelheis tantas vezes no chão dos

vossos templos, porém, elevai com mais fé, reconhecimento e

amor os vossos corações ao Senhor. Não lanceis no tesouro do

templo, com tanta ostentação, o dízimo das plantas inúteis que

cultivais, mas, antes, abri mão, ocultamente, do dinheiro da

viúva, do órfão, do pobre.

Entretanto, não vos isenteis dos deveres que os vossos

cultos impõem, porquanto ainda agora, como ao tempo dos

Hebreus e até que estejais bastante adiantados moral e

intelectualmente, bastante purificados para não mais adorardes

o pai no monte ou em Jerusalém, para serdes adoradores do pai

em espírito e verdade, é necessário que tenhais um freio.

Fazei, porém, de modo que o cumprimento de tais deveres seja

uma homenagem sincera, sinceramente prestada ao grande Ser

que reina sobre o Universo e não a marcha monótona e regular

da máquina que funciona, porque tem que funcionar. Não vos

limiteis às práticas exteriores dos vossos cultos, omitindo,

negligenciando a adoração verdadeira e a caridade do coração

e dos atos, as quais, quando praticadas, constituem o amor a

Deus, a justiça, a misericórdia e a fé.

(Mateus, vv. 24-28; Lucas, XI, vv. 38-41, 43 e 52). As

palavras de Jesus constantes destes versículos também

abrangiam, de acordo com o seu pensamento, a época em que

eram proferidas e o futuro, sendo ainda aplicáveis aos tempos

atuais. Ai dos que, limitando-se aos atos exteriores da fé,

cobrindo-se com manto de hipocrisia, não praticam as virtudes

que pregam aos outros. Ai deles, pois que se condenam a si

mesmos, por suas próprias bocas se acusam perante o Senhor!

Page 262: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

308 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Ai dos que fazem para si uma capa de boas obras fementidas,

que a tanto equivalem as boas obras aparentes, com o fim

exclusivo de as impor aos homens, e que, assim ocultando as

iniquidades que lhes pejam as consciências, atraem os outros e

os enganam pelos semblantes que lhes apresentam.

Ai dos que, sabendo onde está a verdade, dela afastam seus

irmãos, para que não se torne conhecida, para que suas

iniquidades não sejam, conseguintemente, patenteadas! Ai dos

que, sabendo onde está a luz, a escondem, para que seus raios

desapareçam e as deformidades de suas almas não sejam vistas

por seus irmãos.

Ai dos que, tendo-se apoderado da chave da ciência, nela

não penetraram e lhe vedam a entrada aos que desejariam

entrar. Ai desses, porquanto os que conhecem a verdade têm

que viver segundo os seus ensinamentos. Eles possuem a

chave: se não entram no caminho que se lhes abre diante dos

passos e desse caminho desviam os que lhes cumpria conduzir

por ele, duplamente culpados se tornam.

Ai dos que, conhecendo a verdade, a velam ou mascaram, a

fim de poderem mais facilmente encaminhar o homem para as

sendas tenebrosas, por onde eles próprios enveredam. São

aparentemente escrupulosos; são-no para suas consciências e

para as de seus discípulos. No fundo, porém, a iniquidade é

que os impele. Incapazes de seguirem o caminho da verdade,

afastam dele os que desejariam trilhá-lo, dizendo-lhes:

“Segui-nos, só nós conhecemos o caminho mais seguro; quem

não nos acompanha os passos se perde”. Oh ! ai deles, ai

desses guias cegos de um rebanho de cegos! Terão que dar

conta de todas as ovelhas que houverem perdido, de todas as

que hajam impedido de salvar-se! Ai dos que ocultam a luz!

Sua claridade viva os cegará!

Page 263: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 309

Ai dos hipócritas, dos falsários, dos velhacos, que ensinam

como verdades o que sabem ser erros, que abrem estradas

tenebrosas pelas quais não quereriam aventurar-se, no sentido

de que não abrigam em seus corações os princípios que

impõem aos outros. Ai deles, porque se condenam por si

mesmos diante do Senhor! Põem sobre os ombros de seus

irmãos um fardo pesado e não consentem em suportar o menor

embaraço. Mentem aos homens, mas não podem mentir ao

Senhor. E o Senhor lhes pedirá severas contas de suas ações

desde o começo dos séculos, desde o começo de suas

iniquidades.

(Mateus, vv. 29-39; Lucas, XI, vv. 47-51; e XIII, vv. 31-

35). Dizendo o que consta destes versículos, aludia Jesus à

morte e às perseguições que os profetas tinham sofrido, ao

sacrifício que breve se consumaria no Gólgota, às perse-

guições, ao martírio e à morte que os apóstolos, os discípulos,

os primeiros cristãos viriam a sofrer, aos esforços que ele

fizera para reunir as ovelhas em torno do cajado do bom

pastor, à destruição de Jerusalém, à dispersão dos Judeus e,

finalmente, à época alegórica do fim do mundo, isto é, à época

em que, operada pela depuração e transformação do vosso

planeta e da humanidade terrena a regeneração desta, vindo o

vosso protetor, governador e mestre em toda a sua glória, os

homens (Judeus e Gentios), regenerados, clamarão, num brado

uníssono de amor, como outrora a multidão que o acompa-

nhava à sua entrada na cidade santa: Bendito o que vem em

nome do Senhor.

Chamamos a vossa atenção muito especialmente para estas

palavras do Mestre:

MATEUS, vv. 35 e 36: É para que sobre vós venha todo o

sangue inocente que há sido derramado na terra, desde o

sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de

Page 264: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

310 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Baraquias, a quem matastes entre o templo e o altar. EM

VERDADE VOS digo que tudo isto virá sobre esta geração.

— LUCAS, XI, vv. 50 e 51: Para que a esta geração se peça

conta do sangue de todos os profetas, derramado desde o

principio do mundo, desde o sangue de Abel até o sangue de

Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo. Sim, eu vos

declaro que a esta geração contas serão pedidas.

Estas palavras, no seu sentido oculto, se referem à

reencarnação. Deus é infinitamente justo para não punir nos

descendentes as faltas dos ascendentes, se aqueles não foram

cúmplices destes. Jesus, pois, falava assim porque os que

haviam matado os profetas ali estavam na sua presença,

dispostos a derramar, segundo o modo de ver dos homens, o

sangue do Cristo. Eles teriam, portanto, que prestar contas de

todo o sangue que anteriormente haviam derramado e de todo

o que ainda derramariam. Mistérios são estes da reencarnação,

única chave que nos permite penetrar o sentido das palavras do

Mestre e harmonizar a justiça do Senhor com a sua bondade.

Se souberdes procurar, encontrareis sempre, nos ensinamentos

de Jesus, dominando-os, esse pensamento, pronto a ser

desvendado logo que o momento chegasse.

O sangue que os Hebreus derramaram corria sempre, vindo

a cair, por meio da reencarnação, sobre a cabeça de seus

descendentes segundo a carne, mas efetivamente sobre a

cabeça dos que o tinham vertido em suas existências

anteriores, até que ficassem purificados pelo fogo.

Não tomeis aqui esta palavra no seu sentido literal, mas sim

na sua significação simbólica, a de que o fogo tudo purifica. O

fogo era considerado como o princípio purificador, como o

agente destinado a fazer subir aos pés do eterno os perfumes

do incenso e o ardor dos sacrifícios. Essa a razão por que a

todo o instante se fala do fogo para purificar os pecadores.

Page 265: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 311

Trata-se do fogo moral dos remorsos, da expiação, que leva o

Espírito culpado ao arrependimento e ao desejo de reparar suas

faltas, à purificação pela reparação e pelo progresso.

Page 266: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

312 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MARCOS, Capítulo XII, vv. 41-44.

— LUCAS, Capítulo XXI, vv. 1-4

O Óbolo da Viúva.

MARCOS: V. 41. Tendo-se sentado defronte do gazofilácio21

,

observava Jesus como o povo deitava ali o dinheiro. Muitos dos que

eram ricos deitavam grandes quantias. — 42. Veio, porém, uma

viúva pobre que deitou apenas duas pequenas moedas, equivalentes

a um quadrante22

19. — 43. Chamando então seus discípulos, Jesus

lhes falou assim: Em verdade vos digo que esta pobre viúva mais

deitou no gazofilácio do que todos os outros; — 44, porquanto,

todos os outros deram do que lhes sobrava, ao passo que ela, da sua

mesma indigência, deu tudo o que possuía, tudo o que tinha para seu

sustento.

LUCAS: V. 1. Olhando, viu Jesus os ricos a lançarem suas

dádivas no gazofilácio. — 2. Viu também uma viúva pobre deitar ali

duas pequenas moedas. — 3. Disse então: Em verdade vos digo que

esta pobre viúva deu mais do que todos os outros, — 4, porquanto,

os outros fizeram a Deus a oferta do que lhes superabundava, ao

passo que ela, da sua pobreza, deu tudo o que lhe restava para seu

sustento.

N. 269. Estes versículos dispensam comentários. Facil-

mente compreensível é a lição que, por aquelas palavras, deu

Jesus aos homens. Toda caridade é meritória, quando feita

com desinteresse, sem orgulho, nem ostentação. Maior, porém,

do que a do rico que dá do que tem em abundância, sem de

21

Espécie de mealheiro, ou arca, onde, no templo, se deitavam as ofertas. 22

Moeda do valor aproximado de um centavo.

Page 267: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 313

nada se privar, é a dádiva daquele que dá o que lhe é

indispensável a outro a quem falta o necessário. Esse se acha

mais adiantado na via da caridade do coração. Daí vem que o

óbolo da viúva e do pobre pesam mais na balança de Deus do

que o ouro do rico.

Page 268: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

314 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 1-14. — MARCOS, Cap. XIII,

vv. 1-13. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 5-19

Respostas de Jesus à pergunta que lhe fizeram os discípulos

acerca do seu advento e do fim do mundo, bem como sobre os

sinais prenunciadores de uma e outra coisa. — Guerras. —

Sedições. — Pestes. — Fomes. — Falsos profetas. —

Afrouxamento da caridade. — Perseguições. — Assistência do

Espírito Santo. — Língua e sabedoria dadas por Deus. —

Paciência. — Perseverança.

MATEUS: V. 1. Tendo saído do templo, Jesus se ia embora,

quando dele se aproximaram os discípulos para lhe fazerem notar as

edificações do templo. — 2. Disse-lhes ele então: Estais vendo tudo

isto? Em verdade vos digo que aqui não ficará pedra sobre pedra que

não seja derribada. — 3. E estando sentado no monte das Oliveiras,

os discípulos o cercaram e assim lhe falaram em segredo: Dize-nos

quando sucederão estas coisas e qual será o sinal de tua vinda e do

fim do mundo. — 4. Jesus respondeu: Vede que ninguém vos

engane, — 5, pois que muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou

o Cristo, e a muitos enganarão. — 6. Haveis de ouvir falar de

guerras e rumores de guerra. Vede bem, não vos turbeis, porquanto é

necessário que assim aconteça, mas não será ainda o fim; — 7, pois,

nação se levantará contra nação, reino contra reino, e haverá pestes,

fomes terremotos em diversos lugares. — 8. Todas estas coisas,

porém, são apenas o princípio das dores. — 9. Sereis então

entregues à tribulação e vos matarão; todas as nações vos odiarão

por causa do meu nome. — 10. Ao mesmo tempo muitos se hão de

escandalizar e se trairão uns aos outros e uns aos outros se odiarão.

— 11. Muitos falsos profetas se levantarão e seduzirão a muitos. —

12. E, porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará.

— 13. Aquele, entretanto, que perseverar até ao fim, será salvo. —

14. E este Evangelho do reino será pregado por todo o orbe para dar

testemunho a todas as nações. Então virá o fim.

Page 269: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 315

MARCOS: V. 1. Ao sair Jesus do templo, disse-lhe um de seus

discípulos: Olha, Mestre, que pedras e que edifícios! — 2.

Respondeu-lhe Jesus: Vês todos estes grandes edifícios? Serão de tal

modo destruídos que não ficará pedra sobre pedra. — 3. E como

tivesse ido sentar-se no monte das Oliveiras, defronte do templo,

Pedro, Tiago, João e André o interpelaram em particular, desta

forma: — 4. Dize-nos quando acontecerão estas coisas e qual será o

sinal de que estão prestes a cumprir-se? — 5. Entrou então Jesus a

lhes dizer: Vede que ninguém vos seduza. — 6. Muitos virão em

meu nome, dizendo: Sou eu o Cristo e enganarão a muitos. — 7.

Quando ouvirdes falar de guerras e de rumores de guerras, não vos

perturbeis, pois é necessário que isso aconteça; mas ainda não será o

fim. — 8. Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino;

haverá por diversos lugares terremotos e fomes. Estas coisas serão

apenas o começo das dores. — 9. Estai atentos, pois vos hão de

entregar aos concílios e de açoitar nas sinagogas. Haveis de

comparecer perante os reis e governadores por minha causa, para

lhes dardes testemunho de mim. — 10. Mas é preciso que primeiro o

Evangelho seja pregado a todas as nações. — 11. Quando vos

conduzirem para vos entregarem, não premediteis o que haveis de

dizer; dizei o que vos for inspirado no momento mesmo; porquanto,

não sois vós quem fala e sim o Espírito Santo. — 12. Então o irmão

entregará seu irmão à morte e o pai entregará o filho; os filhos se

levantarão contra os pais e lhes darão a morte. — 13. Sereis odiados

de todos por causa de meu nome. Mas aquele que perseverar até ao

fim será salvo.

LUCAS: V. 5. Como alguns lhe falassem do templo, referindo-se

às belas pedras e aos magníficos donativos23

, que o ornavam, disse

Jesus: — 6. Tempo virá em que isto que vedes será de tal modo

destruído que não ficará pedra sobre pedra. — 7. Perguntaram-lhe

então: Mestre, quando sucederá isso e qual será o sinal de que essas

coisas vão começar a cumprir-se? — 8. Ele respondeu: Vede que

não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome dizendo:

Sou eu o Cristo; e esse tempo se aproxima; guardai-vos de os seguir.

23

Estes donativos eram, entre outros, o painel de ouro que o Rei Ptolomeu

ofereceu e a parreira de ouro oferecida por Herodes, o Grande. (N. do T.)

Page 270: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

316 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

— 9. Quando ouvirdes falar de guerras e sedições, não vos assusteis,

porquanto cumpre que primeiro tais coisas sucedam, mas o fim não

virá logo. — 10. E acrescentou: Levantar-se-á nação contra nação,

reino contra reino; — 11, haverá grandes terremotos, pestes e fomes

em diversos lugares; aparecerão coisas espantosas e no céu grandes

prodígios. — 12. Antes, porém, de tudo isso, prender-vos-ão e vos

perseguirão, entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas

prisões, levando-vos à presença de reis e governadores por causa do

meu nome. — 13. Servirá isso para dardes testemunho da verdade.

— 14. Gravai nos vossos corações que não tendes que premeditar do

como respondereis; — 15, pois que vos darei uma boca e uma

sabedoria a que os vossos inimigos não poderão resistir nem

contradizer. — 16. Sereis entregues mesmo pelos vossos pais,

irmãos, parentes e amigos e a alguns de vós morte será dada. — 17.

Todos vos odiarão por causa do meu nome. — 18. Mas, nem um só

cabelo das vossas cabeças se perderá. — 19. Pela vossa paciência

possuireis vossas almas.

N. 270. (Mateus, vv. 1-2-3; Marcos, vv. 1-2-3-4; Lucas,

vv. 5-6-7). As palavras ditas por Jesus, respondendo a esta

pergunta dos discípulos: Mestre, quando sucederão estas

coisas e qual será o sinal da tua vinda e do fim do mundo?

tiveram por escopo manter os povos sempre alerta, a

pressentirem os acontecimentos que teriam de ocorrer na

marcha ordinária dos séculos. Tiveram por fim pôr em guarda,

não os apóstolos diretamente, mas as gerações que se haviam

de suceder. Eram alegóricas no sentido de que, pela letra,

apresentavam aqueles sucessos como um encaminhamento

para o fim do planeta, ao passo que, segundo o espírito, em

verdade, aludiam a fases de progresso, de depuração, de

transformação da Terra e da Humanidade e à vinda do mesmo

Jesus, em todo seu fulgor espírita, ao vosso mundo então

purificado, como visível soberano de seus habitantes,

igualmente purificados.

Page 271: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 317

Tudo era apropriado aos tempos e às necessidades da

época. O mesmo se dá com relação à em que viveis. A verdade

está no que se vos diz, mas, em certos casos, não o está

completa. Nem tudo se vos revelou ainda, pois que ainda não

estais suficientemente amadurecidos. As revelações correspon-

dem sempre às necessidades do momento e preparam os

tempos vindouros. O homem repele isto, porque o seu orgulho

lhe diz que ele se acha apto a compreender tudo e com forças

para tudo receber. Não quer admitir que apenas saiu da infân-

cia e que só pouco a pouco, depois que haja aberto mão de

todas as frivolidades, o véu irá sendo gradualmente levantado,

para lhe deixar ver progressivamente a verdade.

(Mateus, vv. 4 e 5; Marcos, vv. 5, 6; Lucas, v. 8). Estas

palavras: “Vede que ninguém vos engane; pois que muitos

virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e a muitos

enganarão”, se referiam, no pensamento de Jesus, àquela

época e ao futuro. Aplicam-se aos tempos atuais e aos que hão

de vir.

Aplicam-se aos que delas fazem uma arma, aos que tomam

a si o encargo de conduzir os povos ao Senhor e que os

encaminham por falsas veredas.

Tranquilizem-se os homens: aquele que lhes foi enviado,

que se lhes manifestou com um corpo humano aparente, não

os abandonou. Ninguém dirá: “Eu sou aquele que, por vós,

cumpre o sacrifício do Gólgota”.

Haverá Cristos, já os tem havido. No sentido próprio dessa

palavra, aqui alegoricamente empregada, por Cristos deveis

entender — Espíritos enviados ao vosso planeta em missão

relativamente superior. Já os houve, pois que Espíritos,

relativamente superiores, em missão, eram todos os que, desde

a mais remota antiguidade que possais alcançar, impeliram a

Page 272: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

318 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Humanidade à realização de um progresso, todos os que se

elevaram acima das massas e as dominaram pelas suas

virtudes, pelo seu saber, pelo seu gênio, qualquer que tenha

sido para com eles a ingratidão dos homens. A superioridade

desses missionários, porém, era sempre relativa ao centro

onde encarnavam.

Cristos haverá e os que como tais vierem terão grandes

poderes, grande autoridade, mas nenhum se inculcará como

sendo o Messias, Cristo de Deus, vosso protetor, governador e

mestre. Reconhecê-los-eis, ó homens, vendo-os, a exemplo de

Jesus, elevar-se acima das massas pela prática da humildade,

da renúncia de si mesmos, do devotamento, da caridade e do

amor e pregar pelo exemplo a solidariedade e a fraternidade

entre todos, abrindo, alargando, para a Humanidade, a estrada

do progresso físico, moral e intelectual.

O Salvador do mundo executa a sua obra. Aproxima-se o

tempo, disse ele, em que muitos virão em meu nome, dizendo:

Eu sou o Cristo; vede bem, guardai-vos de segui-los. Estas

suas palavras aludiam aos tempos que se seguiriam e a todos

os que, declarando-se munidos de plenos poderes outorgados

pelo Senhor, desviavam, desviam e ainda desviarão os servos

de Deus do caminho que a ele conduz. Desconfiai desses

Cristos hipócritas, desses falsos profetas, que impõem aos

homens leis mentirosas, que os afastam do culto espiritual,

para os mergulhar nos abusos da matéria, que se obstinam em

manter o reinado da letra que mata contra o advento do

espírito que vivifica.

Desses é que o homem precisa afastar-se, a esses é que não

deve seguir, porquanto do contrário será por eles levado ao

caminho da perdição, caminho que não tem termo e cujo

percurso lhe será preciso recomeçar constantemente, até que

Page 273: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 319

encontre a estrada reta e segura conducente ao átrio do templo

eterno, que não pode ser destruído.

(Mateus, vv. 6-7-8; Marcos, vv. 7-8; Lucas, vv. 9-10-11).

“Haverá, disse Jesus, guerras, rumores de guerras, sedições;

ver-se-ão povos levantar-se contra povos, reinos contra reinos;

haverá, em diversos lugares, pestes, fomes, terremotos”. Não

foi sempre assim e não o é ainda agora?

“Coisas espantosas aparecerão”. As coisas espantosas que

Jesus tinha em mente e a que suas palavras aludiam são as

abominações que naquela época os homens praticavam e as

que praticariam no futuro. A História não vos fornece disso

muitos exemplos?24

“Grandes prodígios aparecerão no céu”. Em se atentando

no espírito e no objetivo dessas palavras ressalta que Jesus não

falava de sinais materiais. Uma falsa interpretação do que ele

disse é que deu lugar a que se considerassem as revoluções de

certos planetas como anúncio do fim do mundo. Os prodígios

que se haviam e se hão de ver no céu são as influências sob

que vos achareis, como vos tendes achado muitas vezes,

influências opostas, que serviram, servem e servirão para

desenvolver o raciocínio e o livre-arbítrio e para pôr o Espírito

em condições de, no futuro, discernir melhor.

Tal é a explicação geral. Não concluais, porém, daí que

nenhuns sinais materiais, como efeitos mediúnicos de ordem

física, devessem produzir-se no céu.

Jesus predisse a ruína de Jerusalém. Conforme a História

vos transmitiu, durante um ano inteiro foi visto sobre aquela

cidade um cometa, que aparentava a forma de uma espada, ao

24

Estas palavras eram mediunicamente ditadas no mês de agosto de

1863.

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320 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

mesmo tempo que em toda a província, antes do nascer do Sol,

se viam, atravessando as nuvens, carros cheios de guerreiros.25

O cometa, para os homens, tinha a forma de espada. Os

cometas, como sabeis, sempre afetaram mais ou menos essa

conformação, terminando em ponta para os que os observam

da Terra. Essa forma alongada é que deu origem à crença de

que a configuração daquele a que nos referimos era a de uma

espada.

A aparição de cometas é frequente. Sempre os houve mais

ou menos visíveis para os homens.

Quanto aos carros cheios de guerreiros, atravessando as

nuvens, o que havia nesse caso eram manifestações espíritas,

efeitos de mediunidade naqueles que as viam. Essas

manifestações tinham por fim abalar os Espíritos encarnados,

despertando-lhes a atenção. Assim como são frequentes os

cometas, também as visões mediúnicas se produzem

frequentemente entre vós.

“Não vos turbeis, disse Jesus, porquanto é necessário que

assim aconteça, mas não será ainda o fim; será apenas o

começo das dores”.

Tudo aquilo não aconteceu e não acontecerá ainda? Não foi

necessário e não o é ainda agora, dadas a inferioridade física

do vosso planeta, a inferioridade moral e intelectual da

humanidade terrena?

Todas aquelas coisas não são ainda necessárias para que

chegue o fim, pela execução das leis imutáveis do progresso,

do desenvolvimento, da transformação, tanto planetária como

da Humanidade e de tudo o que vive sobre a Terra, o que tudo,

segundo a sabedoria infinita do Criador, provém do

infinitamente pequeno e atinge o infinitamente grande?

25

Ver, com efeito, Joséphe — De Bello Judeorum, liv. 6, v. 3.

Page 275: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 321

(Mateus, vv. 9-13; Marcos, vv. 9-13; Lucas, vv. 12-17). São

alegóricas todas as palavras do Mestre constantes destes

versículos, isto é: nenhuma delas se aplica taxativamente e

exclusivamente aos apóstolos. Não lhes disse Jesus que eles

veriam aquelas coisas — o seu advento e o fim do mundo — e

que a geração a que pertenciam não passaria sem que tais

coisas tivessem acontecido? Por aqui se evidencia que a ideia

da reencarnação dominava o pensamento do Mestre. Ora, suas

palavras não passarão. Assim, a geração de Espíritos, a quem

ele anunciava aqueles sucessos, vê-los-ão realizar-se.

Ao aproximar-se o termo da sua missão terrena, Jesus

repete a seus apóstolos as instruções e advertências que lhes

dera ao começá-la. Têm cabida aqui as explicações que a tal

respeito já recebestes (N. 139). Não precisamos reproduzi-las;

reportai-vos a elas.

Ele, em mente, aludia às perseguições a que se veriam

sujeitos os que se afastassem dos caminhos forçados, isto é:

dos falsos caminhos que lhes seriam impostos. E não sois

testemunhas das perseguições que, desde o tempo dos

apóstolos até hoje, se desencadearam contra todos os que hão

procurado descobrir a verdade, sentindo que esta não era tal

como queriam que eles a aceitassem?

Aludia também às perseguições religiosas que ainda se pra-

ticam em muitas partes26

, embora para vós já tenham deixado

de existir, e que estão na iminência de recomeçar, mesmo entre

os povos mais civilizados. É questão apenas de ocasião. O

menor pretexto servirá para desencadear paixões, por enquanto

adormecidas. Não vos predizemos guerras religiosas como as

que já houve. Referimo-nos a vinganças particulares, a per-

seguições disfarçadas. Exercê-las-ão os que, sentindo abalado

26

Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de agosto de

1863.

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322 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

o pedestal que para si construíram, se atiram contra todos os

que sejam suspeitados de querer derribá-lo.

(MATEUS, vv. 11 e 12). Muitos falsos profetas se

levantarão, disse Jesus, e seduzirão a muitos. E, porque

abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará.

Alusão a todos os doutores da lei que surgiriam desfi-

gurando lhe os ensinos, falseando-lhe as palavras, para lhes

dar uma interpretação contrária à lei de Deus, porém mais

conforme às suas necessidades, aos seus interesses pessoais e

às suas ambições.

A maioria se transviou acompanhando esses falsos profetas

e se afastou da senda que deveram trilhar. A minoria, os que

procuram manter-se nas sendas do amor e da caridade, sem

pagar o tributo de submissão àqueles falsos profetas, foram e

ainda são infamados, repelidos por eles e seus discípulos,

manietados pelas cadeias que lhes impõem.

(LUCAS, v. 18). Mas, disse também Jesus, nem um só

cabelo das vossas cabeças se perderá.

Qualquer que seja a sorte da matéria, o. Espírito triunfará.

(LUCAS, v. 19). Pela vossa paciência possuireis vossas

almas.

Pela vossa paciência sereis senhores de vós mesmos e não

cometereis nenhum ato, nem direis palavra alguma, que vos

possam prejudicar o adiantamento do Espírito.

(MATEUS, v. 14; MARCOS, v. 10). E este Evangelho do

reino será pregado por todo o orbe para dar testemunho a todas

as nações.

As verdades que Jesus ensinou se disseminarão. A fé em

Deus, o amor e a caridade hão de envolver o mundo. Bem

vedes por aí quão distantes estais do momento predito pelo

Mestre. Entretanto, o Espiritismo foi dado ao mundo para

Page 277: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 323

fazer chegar mais depressa esse momento, impelindo os

homens, sejam eles quais forem, seja qual for o culto a que

obedeçam, a receber a boa-nova, a ouvir com alegria a

pregação do Evangelho da paz e do amor.

Então virá o fim.

Virá o fim, porque, praticando sinceramente todos os

homens a lei de amor, trabalhando com ardor, em comum,

pelo progresso de todos e de cada um, o Espírito se desligará

mais prontamente da matéria, que, por sua vez, mudará de

natureza, acompanhando a marcha ascensional do Espírito.

Page 278: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

324 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 15-22. — MARCOS, Cap. XIII,

vv. 14-20. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 20-24

Abominação da desolação no lugar santo. — Males extremos.

— Cerco de Jerusalém.

MATEUS: V. 15. Quando, pois, virdes implantada no lugar santo

(entenda-o quem ler) a abominação da desolação predita pelo

profeta Daniel, — 16, então fujam para os montes os que estiverem

na Judéia — 17, e o que se achar no eirado não desça para tirar de

sua casa qualquer coisa, — 18, e o que estiver no campo não volte

para tomar a capa. — 19. Ai das mulheres então grávidas e das que

amamentarem nesses dias. — 20. Pedi que a vossa fuga não se dê no

inverno nem num dia de sábado; — 21, pois que então a tribulação

será tal como nunca houve desde o principio do mundo até o

presente, nem haverá jamais. — 22. E se não se abreviassem esses

dias, ninguém se salvaria; mas, por amor dos escolhidos, eles serão

abreviados.

MARCOS: V. 14. Mas, quando virdes implantada a abominação

da desolação onde não deve estar (entenda-o quem ler), então fujam

para os montes os que estiverem na Judéia; — 15, o que estiver no

eirado não desça para tirar de casa qualquer coisa; — 16, e o que

estiver no campo não volte para tomar a sua capa. — 17. E ai das

mulheres então grávidas e das que amamentarem nesses dias. — 18.

Pedi que a vossa fuga não se dê no inverno; — 19, pois que a grande

tribulação desses dias será tal como nunca houve desde o princípio

da criação do universo até agora, nem haverá jamais. — 20. E se o

Senhor não abreviasse esses dias, nenhum homem se salvaria; mas,

por causa dos eleitos, que escolheu, ele os abreviou.

LUCAS: V. 20. Quando virdes Jerusalém cercada por exércitos,

sabei que então a sua desolação está próxima. — 21. Os que a esse

tempo se acharem na Judéia fujam para os montes; retirem-se os que

estiverem dentro da cidade e nela não entrem os que se acharem nas

suas cercanias; — 22, pois esses serão os dias da vingança, a fim de

Page 279: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 325

que se cumpra tudo o que está na Escritura. — 23. Ai das mulheres

então grávidas e das que amamentarem! porquanto oprimida de

males será a terra e a cólera pesará sobre este povo. — 24. Muitos

cairão a fio de espada, muitos serão levados em cativeiro para todas

as nações e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que se cumpram

os tempos das nações.

N. 271. As palavras de Jesus, segundo Mateus e Marcos,

foram tomadas ao pé da letra e não em espírito e verdade, no

seu sentido próprio, isto é, como alusivas aos vícios de que

cumpre a Humanidade se depure e aos abalos físicos por que a

Terra tem de passar para sua depuração e transformação, que

se hão de efetuar em correspondência com a depuração e a

transformação moral e física da mesma Humanidade.

Aproximam-se os tempos, é certo, pois a abominação da

desolação (entenda o que lê aquele que ler) se acha implantada

onde não devera estar e se estende por sobre os homens. Os

vícios se ocultam à sombra dos átrios dos templos. A luxúria, a

avareza, a inveja, o orgulho, o luxo se apoderaram dos

corações, que só deveram abrigar o amor de Deus e do

próximo.

Ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem,

pois que as criancinhas estarão confiadas a esses guias infiéis

que lhes profanam as inteligências juvenis, semeando nelas

frutos de iniquidade.

Ai de vós, pois que se aproxima o inverno, a áspera estação,

em que aumentará o vosso sofrimento. Pedi ao Senhor que o

afaste por mais algum tempo, a fim de terdes o de revestir-vos

de roupas quentes, antes de nele entrardes. Não pareis no

caminho, não saiais donde estejais; não façais provisões

próprias da matéria. Executai o vosso trabalho onde o Senhor

vos haja colocado.

Page 280: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

326 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Não olheis para trás, apressai-vos em concluir a vossa

tarefa, a fim de que ela esteja terminada quando chegar o

tempo premarcado.

Profundamente vos engolfastes nas trevas e poucos dentre

vós teriam podido sair delas, se o Senhor não vos houvesse

enviado a luz. Sede, portanto, do número dos justos, que hão

de ser salvos, isto é: do número dos que, em vez de serem

rechaçados para mundos inferiores, serão admitidos a

acompanhar a marcha ascensional do espírito do vosso planeta

regenerado.

Preparai-vos de antemão as roupagens da caridade e do

amor, que vos preservarão dos rigores do frio e não temais que

o inverno vos surpreenda.

Dai-vos pressa em executar a vossa obra, seja qual for e on-

de a tiverdes começado, a fim de que esteja concluída quando

dela o Senhor vos pedir conta. Ide e enchei-vos de coragem,

pois que os dias de sofrimento foram abreviados. O Senhor

vos mandou o amparo, que vos ajudará a transpô-los, a luz que

vos clareará a estrada, o bálsamo que vos curará as feridas.

(Mateus, vv. 16-18; Marcos, vv. 14-16). Estas palavras de

Jesus se referem aos revolvimentos físicos que o vosso planeta

sucessivamente experimentará para entrar numa nova fase.

Aludem aos tremores de terra, que se produzirão em certas

partes do globo terráqueo. Os que forem surpreendidos por

esse flagelo não terão tempo, nem possibilidade, de fugir. Será

inútil que o tentem.

(Mateus, vv. 19-21; Marcos, vv. 17-29). Que esses aconte-

cimentos não vos colham sem que estejais espiritualmente em

guarda, sem que estejais preparados para suportar essas

calamidades, inevitáveis numa renovação planetária.

O frio sucederá ao calor e o inverno ganhará a natureza

toda. O fogo consumirá o que o gelo não haja destruído. A

Page 281: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 327

transformação mediante a qual o vosso planeta, depois de

passar do estado material a estados sucessivamente menos

materiais, atingirá o estado fluídico, não se operará, assim

como a transformação pessoal, instantaneamente.

Para lá chegardes, a natureza dos elementos que vos

compõem mudará parcialmente e, para que o equilíbrio não

deixe de existir, toda a massa tem que se deslocar e mudar

gradualmente de direção, conseguintemente de atmosfera, em

busca de um meio próprio sempre a equilibrá-la. Afastando-se

do centro gradualmente, pelo seu deslocamento, a esfera

terrestre irá pouco a pouco se avizinhando do meio que terá de

ocupar no momento da vossa transformação.27

A renovação planetária, a dos reinos da Natureza e a da

Humanidade se operarão parcialmente e sucessivamente, de

modo progressivo e contínuo. Porventura percebeis

diariamente, pelas revoluções anuais do vosso globo e pelas

crises planetárias preparatórias do seu progresso e da sua

transformação, a distância que percorreis e que vos afasta do

centro onde ele haure o calor e a fecundidade?

Por efeito do seu afastamento desse centro o resfriamento

se irá fazendo sentir nos pontos menos expostos aos raios do

Sol, os gelos alargarão seus domínios e a fermentação interior

da Terra provocará explosões, que expelirão de seu seio as

matérias primárias, as quais abrem assim para si uma saída, a

fim de se perderem na imensidade, deixando que a densidade

da Terra se torne gradativamente a que é necessário ela tenha

27

É assim que, nos termos da revelação velada feita a João (Apocalipse,

Cap. V, v. 11) “a terra e o céu fugirão” — progressivamente — “e que não mais se encontrará sequer o lugar que antes ocupavam”, quando estiver terminada a ascensão do vosso planeta às regiões superiores, depois às regiões dos fluidos puros. O que se dará, por efeito desse deslocamento e dessa ascensão depois, está indicado, também veladamente, pelas palavras de Jesus que os evangelistas registaram.

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328 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

no meio que virá a ocupar. Se houvéssemos de explicar os

fatos que se darão, preciso nos seria criar palavras novas com

que designássemos as matérias primárias a que aludimos.

Designá-las-emos pelos nomes de lava, betume, asfalto,

matéria vulcânicas, para que o espírito humano compreenda,

pelo que lhe está sob as vistas, o que em tempo dado poderá

acontecer.

Os homens de então, mais elevados e purificados do que

hoje, não terão, na sua maioria, as mesmas necessidades que

agora, pois que as necessidades humanas se modificarão como

a atmosfera.

Será esse o momento em que, refugiando-se nos pontos

ainda habitáveis para a Humanidade, os encarnados menos

adiantados procurarão um asilo que só encontrarão no

progresso moral.

Dissemos: na sua maioria, porque haverá sempre, como

sempre houve, graus diversos de adiantamento entre as

criaturas. Podem porventura as necessidades dos mais

adiantados ser as mesmas que as dos inferiores? Não há ainda

entre vós, que tão imperfeitos sois, tribos que dia a dia tendem

a desaparecer? É que a civilização humana se estende como

uma rede e está prestes a colhê-los todos. É que também o

progresso moral irá avançando de povo em povo, esmagando

os mais recalcitrantes até que igualmente enveredem pelo

caminho que todos hão de percorrer. Compreendei bem isto:

mesmo quando houverdes alcançado o grau de adiantamento

planetário que vos está prometido, haverá sempre diversos

graus de inteligência, de saber, de perfeição entre os homens.

Só os que obstinadamente se recusarem a progredir serão

excluídos, até que se tenham penitenciado pela expiação, pela

reparação e pela realização do progresso relativamente

necessário a serem admitidos.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 329

Não esqueçais, porém, que tais acontecimentos não serão

obra de um dia, mas de séculos, que as raças humanas que hão

mudado tanto a partir da formação do vosso planeta, ainda têm

que mudar, por isso que, na Natureza, tudo é harmonia.

Comparai os homens do meio em que viveis com os de certas

partes da Terra, os quais parecem deserdados; comparai esses

desgraçados, que mais têm do macaco que do homem, com o

encarnado que se vos descreveu qual ele é quando se trata de

Espírito que, por haver falido, sofre pela primeira vez a

encarnação nos mundos de provação28

; acompanhai todas as

fases por que lhe foi preciso passar e fareis uma ideia das fases

outras pelas quais ainda passará.

Estas palavras de Jesus: “Ai das mulheres então grávidas e

das que amamentarem”, consideradas do ponto de vista das

revoluções físicas, inevitáveis para a renovação planetária, não

objetivavam mais do que pôr em destaque a grandeza dessas

calamidades, que não pouparão nem a criancinha de peito,

nem o nascituro, que ferirão as mães nas suas mais caras

esperanças.

“Pedi que a vossa fuga não se dê no inverno, nem num dia

de sábado”.

Tendes aí uma figura. O sábado é o dia do repouso, o

inverno é uma estação rigorosa. Proferindo essas palavras,

tinha Jesus em mente concitar os homens a orarem ao Senhor,

a fim de não serem improvisamente surpreendidos na

preguiça; a estarem prontos sempre a ver chegar o instante de

comparecerem perante ele, de modo a não terem que suportar

o sofrimento, a expiação.

“Pois que a grande tribulação desses dias será tal como

nunca houve desde o principio da criação do universo até

agora, nem haverá jamais”.

28

Ver Ns. 56-58 do 1o Volume, págs. 287-312.

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330 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Tendo em vista aquelas catástrofes e reportando-vos ao

que já vos foi dito sobre a depuração e a transformação que se

hão de efetuar, deveis compreender as palavras acima do

seguinte modo: desde que se formou o globo em que habitais,

suas transformações não têm ido além de um aperfeiçoamento

da matéria, ao passo que as que se hão de produzir

transformarão progressivamente essa mesma matéria em

substâncias fluídicas apropriadas às necessidades dos novos

corpos humanos. Maior, portanto, do que as até então sofridas

será a aflição desses dias vindouros, quer do ponto de vista das

subversões físicas parciais, da natureza e do caráter delas,

quer do ponto de vista das consequências que dai advirão

para os Espíritos obstinadamente rebeldes ao progresso, ou

retardatários, os quais, ao tempo daquela depuração e

transformação, se verão afastados do vosso e relegados para

planetas inferiores.

Não esqueçais, todavia, que o Senhor jamais privará qual-

quer de seus filhos, por pequenino que seja, por mais culpado

que possa ser, da faculdade e dos meios de se tornar melhor.

Os que forem exilados deixarão de encarnar no vosso planeta,

mas as suas reencarnações sucessivas seguirão seu curso, se

bem que em outros meios, até que, tendo-se emendado, os

culpados hajam merecido, pelo relativo progresso moral e

intelectual que conseguiram realizar, voltar à primitiva pátria.

(MATEUS, v. 22; MARCOS, v. 20). E se o Senhor não

abreviasse esses dias, ninguém se salvaria; mas, por causa dos

eleitos, que escolheu, ele os abreviou.

Estas palavras de Jesus, compreendidas em espírito e não

segundo a letra, tiveram por fim assinalar a proteção que o

Senhor dispensa aos que seguem os caminhos por ele traçados

e o apoio que podem dar a seus irmãos.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 331

Dizendo que o Senhor abreviou esses dias por causa dos

eleitos, que ele mesmo escolheu, e que, se os não tivesse abre-

viado, ninguém se salvaria, compôs Jesus uma imagem que,

apropriada àquele momento, o era também à preparação do

futuro; formulou um exemplo, uma comparação. Havia nessa

imagem um encorajamento, um motivo de modificação, no

sentido de que os eleitos, isto é: os que seguem o caminho do

Senhor trabalhem com infatigável zelo pelo progresso dos que

lhes são inferiores, auxiliando assim o adiantamento de todos.

A transformação planetária é uma consequência da

transformação moral dos Espíritos, de acordo com as leis

imutáveis e eternas do progresso físico, moral e intelectual. Há

solidariedade geral. Na ação de Deus nada há de incerto, nem

de arbitrário. O futuro, que para ele não existe, se desenrola a

seus olhos tal como para vós o instante presente.

Melhorando-se e trabalhando pelo adiantamento uns dos

outros, os homens concorrem para o cumprimento das

promessas que Deus há feito por intermédio de seus messias,

de seus enviados especiais. Se, ao contrário, chegados os

tempos da transformação, os homens (o que fora impossível)

houvessem permanecido todos no mal, sem dele quererem sair,

seriam todos rechaçados para mundos inferiores, substituindo-

os na Terra outros Espíritos, cujo adiantamento estivesse de

harmonia com o grau de progresso realizado pelo planeta.

Desse modo, nenhum se salvaria. Compreendei bem o sentido

sempre poético e imaginoso das palavras de Jesus, o objeto e o

fim dessas palavras hipotéticas, apropriadas aos tempos e às

inteligências e destinadas a frutificar sob o reinado da letra e a

preparar o advento do reinado do espírito.

Compreendei bem, igualmente, as nossas palavras. Não vos

dissemos que tais catástrofes, inevitáveis em se tratando de

uma renovação planetária, se houvessem de produzir simulta-

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332 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

neamente. Os séculos nada são para aquele que os deixa cair

do seu pensamento: — o eterno, o criador de tudo o que existe.

Estais no declive, caminhais para o fim, mas não se vos diz:

“Será amanhã; isso durará de um sol a outro”.

Não vos acabrunheis com a perspectiva dessas catástrofes;

antes, preparai-vos para delas sairdes vencedores, isto é:

purificados, tendo deixado o homem velho entre os destroços

do velho mundo e renascendo no planeta renovado. Não vos

preocupeis mais do que convenha com o que há de suceder

materialmente. Esforçai-vos por preparar o futuro da

Humanidade, trabalhando pela melhoria do seu presente.

Deixai ao Senhor o cuidado de enviar à Terra os que venham,

no momento oportuno, rasgar o véu que vos obscurece as

inteligências. Tendes um quadro traçado para a vossa ação e

dele não deveis sair; permanecei dentro de seus limites, que

vos oferecem campo bastante para muito desenvolvimento,

para que exerçais vossas faculdades e a vossa boa-vontade.

(Lucas, vv. 20-24). Em suas preleções, Jesus englobava

com os acontecimentos próximos ou de atualidade os que ele

divisava num futuro distante e a forma daquelas preleções

obstava intencionalmente a que se pudesse discernir o que era

presente do que era vindouro. Assim é que, respondendo à

pergunta que lhe fizeram os discípulos, resposta que Mateus

(vv. 1-3), Marcos (vv. 1-4) e Lucas (vv. 5-7) registraram, Jesus

reunia no seu pensamento a Jerusalém hebraica e, figura-

damente, o mundo.

Em suas respostas proféticas, referentes à Jerusalém e aos

Judeus e que se nos deparam nas narrações de Mateus e de

Marcos, escritas sob a influência mediúnica, o mundo se acha

figuradamente representado como tendo que suportar, em

proporções relativas, o cerco, as calamidades e a destruição

preditas para a cidade amada dos Judeus. Na narração de

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 333

Lucas, também feita sob a influência mediúnica, aquelas

respostas apresentam um sentido figurado e um sentido

próprio. De acordo com o primeiro, elas alcançam o futuro e,

de conformidade com o segundo, se referem especialmente à

Jerusalém hebraica.

Apropriadas sempre ao meio em que ele se encontrava, as

palavras de Jesus tinham um sentido profético e, para a

maioria dos homens, oculto, que só ao tempo da era nova do

Cristianismo do Cristo, da era espírita, havia de ser, progres-

sivamente, compreendido em espírito e verdade. Enquanto que

os Judeus só pressentiam, naquelas palavras, as catástrofes que

lhes ameaçavam a cidade santa, os cristãos, os crentes viam

nelas e devem ver sempre as fases por que tem de passar a

Humanidade. Tal como a Jerusalém hebraica, o mundo, a

Humanidade hão de suportar muitas vicissitudes, muitos

assaltos. O terror se espalhará entre vós, pois que os inimigos

que deveis temer se reunirão em maior número para vos

assaltarem. Esses inimigos são os vossos vícios. Não vos

deixeis abater, defendei-vos valorosamente. A Jerusalém atual

será destruída, mas uma outra “reconstruireis”, eterna, cujos

felizes habitantes nada mais terão que recear. O tempo, a

reencarnação, o progresso dentro da marcha dos aconteci-

mentos planetários e humanos, executarão a obra de reno-

vação, assim na ordem física, pelo que toca à Terra, como na

ordem física e moral, pelo que concerne à Humanidade.

“E Jerusalém, disse Jesus, será pisada pelos Gentios, até

que se cumpram os tempos das nações”.

Essas palavras figuradas se referiam à época que mediaria

entre a em que eram pronunciadas e a que começa pela nova

era do Cristianismo do Cristo, do advento do espírito, na qual

seus ensinos seriam restabelecidos em toda a pureza.

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334 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

O tempo das nações se terá cumprido quando estiver

implantado no mundo terrestre o reinado universal da lei do

amor e da caridade, que se há de estender qual manto para

cobrir todos os filhos da Terra e conduzi-los, pela recipro-

cidade e pela solidariedade, à unidade fraternal.

Page 289: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 335

MATEUS, Capítulo XXIV, vv. 23-28.

— MARCOS, Capítulo XIII, vv. 21-23

Falsos Cristos. — Falsos profetas.

MATEUS: V. 23. Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo;

ou: Ei-lo ali! Não acrediteis; — 24, porque falsos cristos e falsos

profetas surgirão e farão grandes maravilhas e operarão prodígios

tais que, se fora possível, enganariam até os escolhidos. — 25. Vede

que de antemão eu vo-lo predisse. — 26. Se, pois, vos disserem: Ele

lá está no deserto! Não saiais, ou: Está no interior da casa! não

acrediteis; — 27, porque, como o relâmpago que parte do Oriente e

se mostra até no Ocidente, assim será a vinda do Filho do homem.

— 28. Onde quer que esteja o corpo, aí se reunião as águias.

MARCOS: V. 21. Se então alguém vos disser: Eis aqui o Cristo!

Ou: Ei-lo ali! Não o creiais. — 22. Porque, falsos cristos e falsos

profetas se levantarão, que farão prodígios e portentos que, se fora

possível, enganariam os próprios eleitos. — 23. Estai, pois, de

sobreaviso; eis que todas as coisas eu vos predisse.

N. 272. Essas palavras encerravam um aviso aos homens,

para que estivessem em guarda contra os que, em nome do

Cristo, tentariam por todos os meios desviá-los da lei de amor

e de caridade que ele pregou.

Pronunciou-as Jesus, antevendo as dissidências que as

ambições humanas originariam na sua igreja, fundada sobre o

amor, e que arrastariam os homens ao egoísmo, ao orgulho e a

todos os sentimentos materiais que os levaram até a negar a

Deus.

A propósito de análogas advertências, já recebestes as

explicações que caberiam aqui relativamente aos vv. 23, 26, 27

e 28 de Mateus, ao v. 21 de Marcos. Não há necessidade de as

repetirmos. Reportai-vos a essas explicações.

Page 290: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

336 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

A época que Jesus designou não se acha encerrada entre

determinados limites, como muitos o compreenderam e ainda

o compreendem, aferrados à letra.

No curso dos acontecimentos, terão os homens, como o

tendes vós hoje, que combater as más influências que os

cercam, influências que já se fazem e continuarão a fazer-se

sentir sobre vós.

São “falsos cristos”, “falsos profetas” todos os que vos

queiram escravizar as consciências, impondo-lhes um culto

diverso do que Deus criou: o do amor universal. Quando eles

vos disserem: o “Cristo está aqui, ou está ali”, não os escuteis.

Ainda por muito tempo procurarão desviar-vos do caminho

reto e puro. Não os escuteis, não os sigais. Até ao dia em que

Jesus aparecerá na sua glória, isto é: em que todos os homens

tiverem sido levados a praticar a sua lei, ouvireis dizer: “o

Cristo está aqui, o Cristo está ali”. Não vos deixeis prender por

palavras mentirosas.

Já explicamos o sentido que deveis dar a estas palavras

alegóricas: o “Cristo está aqui, o Cristo está ali”, e já vos

indicamos os meios de reconhecerdes os que usaram e usam de

semelhante linguagem.

Buscando o verdadeiro sentido das palavras do Mestre, não

esqueçais nunca que ele se dirigia a orientais e que envolvia

sempre o seu falar numa imagem apropriada a lhe modificar o

sentido, de acordo com as inteligências dos que o ouviam, dos

que eram então e dos que mais tarde seriam chamados a

compreendê-lo, primeiro segundo a letra, depois segundo o

espírito, por efeito da ação do tempo e do progresso.

Vós mesmos, por não serdes bastante fortes, ainda não

compreendeis a palavra messiânica despida de todos os véus.

No que se vos diz está a verdade, porém não totalmente desen-

Page 291: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 337

volvida em certos casos. Não se vos dá o sentido completo de

algumas passagens, porque seria necessário se precisassem

acontecimentos, que ainda devem permanecer envoltos na

dúvida e na incerteza, até que, pelo cultivo da fé, vos tenhais

tornado suficientemente fortes para tudo ver e tudo ouvir.

Não olvideis que estais preparando os caminhos para aquele

que há de vir e que o Mestre enviará, a fim de esclarecer as

inteligências e inteiramente despojar da letra o espírito.

Sim, se alguém vos disser: “O Cristo está aqui ou está ali”

não o acrediteis; porque falsos cristos e falsos profetas

surgirão, os quais farão prodígios e portentos tais, que, se fora

possível, enganariam até os escolhidos.

Também estas palavras do Mestre eram referentes aos

tempos que mediaram entre a da sua missão terrena e a época

em que a lei de amor, que constituiu objeto de seus ensinos e

exemplos e da qual disse não ser doutrina sua, mas daquele

que o enviara, for compreendida e praticada em toda a sua

pureza. Referem-se ainda aos esforços que foram e serão

tentados para desviar os homens da obediência pura e simples

às leis de Deus e do seu enviado e para força-los a se

submeterem a um código de origem humana — desfiguração

da mais grandiosa e mais simples moral que eles possam

esperar. Referem-se, igualmente, aos esforços empregados

pelos pastores infiéis e às ciladas urdidas aos rebanhos, a fim

de os fazer enveredar por falsos caminhos.

Jesus, nessa passagem, aludia a tudo quanto se fez, faz e

fará para apartar da luz os homens e encaminhá-los para as

trevas, quaisquer que sejam os meios empregados.

Assim, pois, todos os que vos afastam da prática, do amor e

da caridade, que desnaturam o código admirável que o Cristo

vos legou, são falsos cristos, falsos profetas. Não os escuteis.

Page 292: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

338 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

As influências ocultas se unem sempre às influências huma-

nas; mas, Jesus, ao proferir as palavras com que nos ocupa-

mos, não pensou em fazer qualquer referência especial às

primeiras. Iniciando-vos nos segredos de além-túmulo, nos

mistérios do mundo invisível, na natureza, na causa dos

fenômenos espíritas, nos efeitos mediúnicos, quer de ordem

material, quer de ordem moral, a revelação e a ciência espíritas

vos ensinam que esses fenômenos, esses efeitos, que a igno-

rância dos homens tomou por prodígios, por milagres, consi-

derando-os uma derrogação das leis da Natureza, não são mais

do que uma aplicação destas leis e que tanto os podem pro-

duzir as más como as boas influências ocultas, com o auxílio

de faculdades orgânicas especiais, que o mais indigno, do

mesmo modo que o mais digno dos encarnados, pode possuir.

A revelação e a ciência espíritas vos ensinaram assim que a

simples produção de fenômenos espíritas, de efeitos

mediúnicos, de maneira alguma constitui o criterium pelo qual

se possa e deva reconhecer a moralidade e a veracidade do

homem. Já mostramos os únicos caracteres pelos quais

podereis e devereis reconhecer os verdadeiros Cristos, os

verdadeiros profetas.

Aquilo que havia de parecer grandes prodígios e portentos

aos homens a quem Jesus se dirigia e às gerações que se

sucederiam até aos vossos dias, em que aos olhos de todos

brilha a luz espírita, não seria e não é de molde a vos enganar,

pois que estais avisados e vos achais agora esclarecidos.

Tende por falsos cristos, por falsos profetas, como

instrumentos, conscientes ou inconscientes, que são, de más

influências, de influências de erro e de trevas, todos os que,

operando extraordinários prodígios, “grandes portentos”,

sejam quais forem os fenômenos espíritas, os efeitos

mediúnicos por eles produzidos, tentarem divorciar-vos da

Page 293: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 339

prática do amor e da caridade, da prática dos ensinamentos e

exemplos do Mestre, da lei simples e pura que ele vos legou.

Não os acrediteis, não os sigais.

Page 294: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

340 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 29-31. — MARCOS, Cap. XIII,

vv. 24-27. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 25-28

Predição dos acontecimentos de ordem física e de ordem

moral que precederão o advento de Jesus em todo o seu

esplendor espiritual e predição desse advento.

MATEUS: V. 29. Logo depois da tribulação desses dias, o sol se

escurecerá, a lua não dará sua claridade, as estrelas cairão do céu e

as virtudes dos céus se abalarão. — 30. Então aparecerá no céu o

sinal do Filho do homem e todas as tribos da terra gemerão e

chorarão e verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu com

grande poder e majestade. — 31. E ele enviará seus anjos, que farão

ouvir a voz retumbante de suas trombetas e reunirão dos quatro

ventos, de um extremo a outro dos céus, os seus eleitos.

MARCOS: V. 24. Mas, nesses dias, após toda essa tribulação, o

sol se escurecerá, a lua não dará sua claridade, — 25, as estrelas

cairão do céu e as virtudes que nos céus estão se abalarão. — 26.

Ver-se-á então o Filho do homem vindo nas nuvens com grande

poder e glória. — 27. E ele enviará seus anjos a reunir seus eleitos,

dos quatro ventos, do extremo da terra ao extremo do céu.

LUCAS: V. 25. E haverá sinais no sol, na lua, nas estrelas e, na

terra, consternação das nações aturdidas pela confusão em que as

porá o bramir tumultuoso do mar e das ondas. — 26. Mirrarão de

terror os homens na expectação das coisas que sobrevirão ao mundo

todo; pois as virtudes do céu se abalarão. — 27. Ver-se-á então o

Filho do homem vir sobre uma nuvem com grande poder e

majestade. — 28. Quando, porém, estas coisas começarem a

suceder, erguei a cabeça e olhai para o alto, pois que se aproxima a

vossa redenção.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 341

N. 273. (Mateus, v. 29; Marcos, vv. 24 e 25; Lucas, vv. 25 e

26). Por essas palavras deu Jesus, veladamente, um novo aviso

dos acontecimentos de ordem física e de ordem moral que hão

de suceder, até ao momento em que o reinado de Deus se

achará implantado em todos os corações.

No tocante à ordem física, aludia às revoluções parciais e

sucessivas que ocasionarão a transformação do vosso planeta.

Nada, entretanto, se produzirá bruscamente em a Natureza.

Assim como os séculos transcorridos vos trouxeram onde vos

achais, também muitos séculos hão de transcorrer antes que

atinjais o ponto que vos está predito e prometido.

O globo terreno, que, como todos, saiu dos fluidos

incandescentes e impuros, isto é: carregado de substâncias

destinadas à matéria, tem que, despojado de todos os

princípios materiais, imergir nos fluidos puros. A fim de lá

chegar, tem que seguir, quanto à decomposição da matéria, a

mesma progressão que seguiu para sua composição. Antes,

porém, já tereis passado por uma imensa modificação,

porquanto, para atingirdes a pureza, haveis de passar, vós, por

todos os progressos físicos e morais, e o vosso planeta por

todos os progressos físicos. Esses progressos se efetuarão

parcialmente, por crises preparatórias. Renovar-se-ão as raças

humanas pela encarnação de Espíritos mais bem preparados,

renovar-se-ão as condições materiais da Terra pela destruição

dos princípios primitivos e pelo surto gradual de outros. Do

mesmo modo que até aos vossos dias os habitantes do mundo

terreno se desenvolveram à medida que ele se ia preparando

para lhes suprir as necessidades e sofria as transformações

necessárias, a Terra atual será, igualmente, posta em condições

de se apropriar às necessidades dos Espíritos purificados, que

voltarão a habitá-la quando aquelas necessidades houverem

sofrido as modificações progressivas por que devem passar.

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342 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

O globo terráqueo oferecerá então condições diferentes de

vida para a Humanidade e, ao mesmo tempo, diferentes serão,

em diversos pontos da sua superfície, as condições de seus

habitantes, no que respeita ao invólucro humano. A diferença

dessas condições decorrerá da do adiantamento moral e

intelectual dos Espíritos e corresponderá às porções

modificadas do planeta.

É o que se verifica em todos os orbes. Qualquer que seja o

grau de adiantamento dos Espíritos, uns há mais adiantados do

que outros e que auxiliam o progresso dos que lhes são

inferiores. As condições obedecem à relatividade do grau de

adiantamento.

Observando as diversas raças que atualmente povoam a

Terra, se bem as condições físicas ainda sejam materiais para

todos, deparar-se-vos-á uma imagem fiel da situação acima

descrita na distância que separa, por exemplo, o selvagem da

Oceania, os Esquimós, do homem da Europa civilizada. Este,

prosseguindo na sua marcha regular pela via do progresso, será

o primeiro a entrar nas novas fases.

No curso dos acontecimentos planetários, progressivos e

sucessivos, as essências espirituais ainda não suficientemente

adiantadas, apenas aptas para o desenvolvimento material,

serão afastadas do planeta terreno e substituídas por outras nos

meios apropriados a essa substituição. Mas, quando a Terra

chegar ao ponto fluídico que terá de atingir, as crises que a

levaram a esse ponto terão destruído, em grande parte, as sedes

materiais onde o Espírito primitivo se desenvolve. Pouco a

pouco se irá fazendo, paralelamente ao progresso do homem,

uma nova classificação na marcha gradual, quanto aos

diversos reinos da Natureza e quanto à habitação terrena.

A alusão veladamente feita ao escurecimento do sol, à

desaparição da luz da lua, entende com o fato, que se há de

Page 297: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 343

verificar, de a Terra se ir afastando daqueles dois astros que a

iluminam. Quando depurada, ela se terá afastado do centro

onde ora gravita, e então esplenderá de luz.

Com relação aos acontecimentos de ordem moral, as estrelas

que cairiam do céu, as virtudes celestes que se abalariam, já se

abalaram e começaram a descer para junto de vós, “a fim de,

segundo o modo de falar figurado de Jesus, fazerem aparecer

no céu o sinal do filho do homem”. Esse sinal é a lei de amor e

de caridade que ele personifica, iluminada pela luz espírita; é a

revelação trazida pelo próprio Jesus aos homens, mas

explicada e desenvolvida pelo Espírito da Verdade.

Essas estrelas, essas virtudes celestes, luzes do Senhor,

Espíritos protetores dos homens, vos trazem as claridades do

céu e as fazem chegar aos vossos olhos. Cada vez em maior

número se abalarão essas estrelas, essas virtudes que têm de

descer até vós, pois que, quanto mais vos elevardes, tanto mais

de vós se aproximarão os Espíritos elevados e farão luzir aos

vossos olhos claridades desconhecidas, que neste momento

vos ofuscariam.

(Mateus, v. 30; Marcos, v. 26; Lucas, v. 27). O sinal do

filho do homem, que, segundo a predição de Jesus, há de

aparecer no céu, é o advento do reinado do amor e da caridade.

O joio será então completamente separado do trigo. Esse o

momento em que, regenerada, a Humanidade estará pronta

para receber em seu coração o reino do Senhor. Nessa época,

sim, é que um só será o pastor, a cujos pés todas as ovelhas se

prostrarão e, diante das grandes graças que terão recebido,

chorarão tanto de reconhecimento e alegria como de pesar por

haverem desconhecido a mão paternal que as dirigia. Não

esqueçais o sentido figurado das palavras de Jesus: são

alegóricas as lágrimas que todas as tribos, todos os povos

derramarão.

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344 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

“E verão o filho do homem vir sobre as nuvens do céu com

grande poder, grande majestade e grande glória”. Quando

tiverem os olhos bastante puros para isso, verão a Jesus em

todo o seu fulgor espírita. Vê-lo-ão vir, ele, o protetor e

governador do vosso planeta, vosso Mestre, ao seu reino,

preparado para tornar-se um dos reinos do pai, como

habitação de puros Espíritos.

(Mateus, v. 31; Marcos, v. 27). Toda criatura, seja qual for

a região em que habite, está sob os olhos do Senhor; nenhuma

pode escapar ao seu olhar penetrante. Não espere nenhum de

vós, portanto, fugir à sua justiça. Em chegando o dia da

remuneração, cada um pagará a sua dívida. Sim, cada um a

paga parcialmente, mas alguns há que fazem prestações

maiores do que as dos outros. Alguns há que procedem de boa-

vontade, enquanto outros contam desviar a atenção do credor

que os espera. Outros ainda há que, tendo chegado depois de

vós, não podem estar no mesmo ponto. A justiça do Senhor

fará as contas a cada um com equidade; cada um, pois,

receberá de conformidade com seus méritos e, sobretudo, com

a sua boa-vontade.

“Ele enviará seus anjos, que farão ouvir a voz retumbante

de suas trombetas e reunirão dos quatro ventos, de um

extremo a outro dos céus, do extremo da terra ao extremo do

céu, os seus escolhidos”.

Nenhuma intenção especial há nestas palavras de Jesus, que

dois dos evangelistas repetiram sob a influência mediúnica. O

termo céu, já o sabeis, deve ser entendido como significando o

espaço. Mateus fala dos Espíritos que, disseminados pelo espa-

ço, têm que habitar a Terra. Marcos reúne todas as categorias.

Deveis compreender que, quando estiverem percorridas as

fases de renovação do vosso planeta, muitos dentre vós se

acharão purificados de todas as máculas, terão conseguin-

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 345

temente despido as velhas roupas e aguardarão que praza ao

Senhor dar-lhes vestes novas. Outros, ao contrário, atrasados

no seu progredir, precisarão passar pelas últimas fases, para

acabarem de se purificar e ainda estarão encarnados por

ocasião das últimas revoluções planetárias. Com respeito a

esta posição última é que Marcos fala daquele modo, não que

as renovações se devam operar sobre a matéria viva, mas

porque, ao se produzirem as derradeiras crises, muitos dentre

vós ainda pisarão o solo em que hoje pisais.

Dissemos: “não que as renovações se devam operar sobre a

matéria viva”. Isto significa que as mudanças que se hão de

realizar no organismo humano não se efetuarão repentinamen-

te no curso das existências materiais. Elas se operarão gradual-

mente e sempre por meio das reencarnações, que trarão, a cada

fase nova, uma modificação para melhor e um aligeiramento

da matéria humana. Tais modificações, como obra de cada

encarnação, só pela reencarnação virão a dar-se. É o progresso

da matéria em paralelismo com o do Espírito.

(Lucas, v. 28). Quando estas coisas começarem a suceder,

disse Jesus, erguei a cabeça e olhai para o alto, pois que se

aproxima a vossa redenção. A palavra redenção é aqui

empregada e deve ser entendida, de acordo com o pensamento

do Mestre, no sentido de regeneração.

Sim, a vossa regeneração está próxima, porquanto, para

prepararem o advento do reinado do amor e da caridade, os

Espíritos protetores dos homens, luzes do Senhor, começaram

a descer para o meio de vós. Os messias, isto é: os enviados

especiais vão suceder-se entre vós, secundados pelos Espíritos

em missão. Vão suceder-se igualmente, por obra dos tempos e

dos séculos, os acontecimentos planetários, consequentes ao

vosso progresso moral, para o efeito da depuração e da

transformação progressiva da Terra.

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346 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 32-35. — MARCOS, Cap. XIII,

vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 29-33

Parábola da figueira. — Predição da era nova do

Cristianismo do Cristo, da era espírita. — Espíritos haverá

que, encarnados ao tempo em que Jesus falava, verão,

reencarnados na Terra, as coisas por ele preditas para a

depuração e a transformação do planeta e da humanidade

terrenos. — A Terra passará, mas as palavras de Jesus não

passarão.

MATEUS: V. 32. Aprendei uma parábola tomada à figueira:

Quando seus ramos já estão tenros e as folhas brotam, sabeis que

vem próximo o estio. – 33. Assim, também, quando virdes todas

essas coisas, sabei que o Filho do homem está próximo, está à porta.

— 34. Em verdade vos digo que esta geração não passará, sem que

todas essas coisas se cumpram. — 35. Passarão o céu e a terra, mas

as minhas palavras não passarão.

MARCOS: V. 28. Aprendei uma parábola tomada à figueira.

Quando seus ramos já estão tenros e as folhas brotam, sabeis que

vem próximo o estio. — 29. Assim, também quando virdes que

essas coisas acontecem, sabei que o Filho do homem está próximo,

está à porta. — 30. Em verdade vos digo que esta geração não

passará sem que todas essas coisas se tenham cumprido. — 31.

Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.

LUCAS: V. 29. E lhes propôs em seguida esta comparação: Vede

a figueira e as outras árvores: — 30. Quando começam a dar frutos,

sabeis que próximo vem o estio. — 31. Assim também, quando

virdes que essas coisas sucedem, sabei que está próximo o reino de

Deus. — 32. Em verdade vos digo que esta geração não passará sem

que todas essas coisas se cumpram. — 33. Passarão o céu e a terra,

mas as minhas palavras não passarão.

Page 301: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 347

N. 274. (Mateus, vv. 32-33; Marcos, vv. 28-29; Lucas, vv.

29, 30 e 31). Jesus se serviu da parábola, da comparação com a

figueira e as outras árvores apenas para exprimir e desenvolver

pensamentos que acabara de externar sobre o aparecimento do

sinal do filho do homem no céu, sobre a proximidade da vossa

redenção. Teve por fim aquela parábola, aquela comparação

chamar mais vivamente a atenção dos que o ouviam,

impressioná-los mais fortemente pelo que ele ia acrescentar,

prender a atenção das gerações que haviam de suceder-se,

sobretudo das que, como a vossa, veriam despontar no

horizonte, com a nova revelação, o predito advento do Espírito

da Verdade e estavam destinadas a compreender, em espírito e

em verdade, as palavras do Mestre.

Não percais de vista o que já vos dissemos acerca do reino

de Deus, acerca do Filho do homem, como personificação da

sua moral, e acerca do progresso físico do vosso planeta e da

Humanidade, sempre em correspondência com o vosso

progresso moral e intelectual, do qual aquele foi, é e será o

fruto, a consequência, e compreendereis que, “se o reino de

Deus está próximo”, “se o filho do homem está próximo”, um

e outro o estarão cada vez mais e, portanto, o reinado do amor

e da caridade, à proporção que se forem realizando as coisas

preditas, tanto de ordem moral, como de ordem física. Mais

próximos também irão estando, por conseguinte, a depuração e

a transformação completas do vosso planeta e da Humanidade.

(Mateus, v. 34; Marcos, v. 30; Lucas, v. 32). “Em verdade

vos digo que esta geração não passará sem que todas essas

coisas se tenham cumprido”. Estas palavras, cujo espírito fora

intencionalmente deixado oculto pelo véu da letra, como todas

as palavras alegóricas que o Mestre proferiu acerca do seu

advento futuro e “do fim do mundo” e ainda como todas as

suas outras palavras proféticas, constantes nos Evangelhos, e

as que foram ditas a João na ilha de Patmos, tinham por

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348 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

objetivo manter em dúvida, em expectativa, atentas, a geração

a quem ele se dirigia e as que se sucedessem até aos vossos

dias. Era isso uma condição e um meio de progresso para a

Humanidade.

O verdadeiro sentido daquelas palavras só havia de ser

apreendido nos tempos atuais, então futuros, da nova

revelação, que vos é dada no momento em que a Humanidade

se mostra capaz de comportá-la.

Tomadas segundo a letra que mata, essas palavras condu-

ziriam ao absurdo, a uma falsidade que o tempo houvera pa-

tenteado. Em verdade, segundo o espírito que vivifica, Jesus,

pronunciando-as, falava da geração de Espíritos que vivendo

então na Terra, encarnados, nela viveram mais tarde e tornarão

a viver, reencarnados, quando a Terra atravessar as últimas

fases da sua transformação física e a humanidade terrena as

últimas da sua transformação física e moral. De fato, aquela

geração não passará sem que estejam cumpridas todas as

coisas preditas, porque muitos Espíritos que, na condição de

encarnados, a ela pertenciam, viverão de novo, reencarnados,

por ocasião de se cumprir tudo que o Mestre predisse.

Já o dissemos e repetimos: Mistérios são estes da reencar-

nação, única, chave com que se pode penetrar o sentido das

palavras de Jesus, de seus ensinamentos. Em tudo quanto ele

disse, encontrareis sempre reinando e pronto a desvendar-se,

chegada a ocasião, o pensamento da reencarnação. “Passarão

o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão”. Tudo

o que é de ordem física, no espaço, na imensidade, com

relação ao vosso, como a todos os mundos, passa pelo cadinho

da criação. Quer isto dizer que, de acordo com as leis de

destruição, de reprodução e de progresso, tudo se renova,

depura e transforma, percorrendo a escala do infinitamente

Page 303: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 349

pequeno ao infinitamente grande, na vida e na harmonia

universais.

Mas, as palavras de Jesus, órgão do Senhor onipotente,

não passarão, porque são imutáveis e eternas, como eternas e

imutáveis são, na ordem física, na ordem moral e na ordem

intelectual, a lei do progresso, para o Espírito, e as leis naturais

na ordem material e na ordem fluídica. Elas não passarão,

porque são ao mesmo tempo princípio fundamental, condição

e meio de progresso nos mundos inferiores de provações e

expiações, como são o caminho único que pode levar o

homem aos mundos superiores, preparando-lhe o acesso a

esses mundos e fazendo-o penetrar neles.

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350 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 36-39. — MARCOS, Cap. XIII,

vv. 32-37. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 34-38

Desconhecida é a hora em que se darão os acontecimentos

preditos para a depuração da Terra e da humanidade terrena.

O homem não pode nem deve procurar devassar os segredos

do futuro, mas deve estar sempre pronto a comparecer diante

do Senhor e a se tornar digno de evitar tudo quanto há de

suceder, trabalhando desde já, ativa e continuamente, pela

sua purificação e pelo seu progresso.

MATEUS: V. 36. Mas, do dia e da hora ninguém o sabe, nem os

anjos do céu, senão só o pai. — 37. Assim como foi nos dias de

Noé, assim será também no advento do Filho do homem. — 38.

Assim como nos dias anteriores ao dilúvio os homens comiam e

bebiam, casavam e davam seus filhos em casamento, até ao dia em

que Noé entrou na arca, — 39, sem pensarem no dilúvio senão

quando este veio e os levou a todos, também assim será no advento

do Filho do homem.

MARCOS: V. 32. Mas, do dia ou da hora, ninguém o sabe, nem

os anjos no céu, nem mesmo o Filho, senão só o Pai. — 33. Vede

bem: vigiai e orai, pois não sabeis quando chegará esse tempo. —

34. É como se um homem, partindo em viagem para longe, deixasse

a casa entregue a seus servos, designando a cada um o que tinha de

fazer e determinando ao porteiro que vigiasse. — 35. Vigiai, pois,

visto que não sabeis quando virá o dono da casa, se de tarde, se à

meia- noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, — 36, a fim de

que, chegando de repente, não vos encontre a dormir. — 37. O que

vos digo a vós, a todos digo: Vigiai.

LUCAS: V. 34. Tende-vos, pois, em guarda, para não suceder

que os vossos corações se tornem pesados por efeito dos festins e da

embriaguez e pelos cuidados desta vida e que aquele dia vos

sobrevenha repentinamente; — 35, porquanto, como um laço, ele

apanhará todos os que habitam sobre a face da terra. — 36. Assim,

vigiai e orai todo o tempo, a fim de que mereçais evitar todas as

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 351

coisas que hão de acontecer e possais comparecer diante do Filho do

homem. — 37. Ele de dia ensinava no templo; e, de noite, saindo, se

retirava para o monte chamado das Oliveiras. — 38. E todo o povo

acorria de manhã cedo ao templo para o ouvir.

N. 275. (Mateus, v. 36; Marcos, v. 32). “Do dia e da hora

ninguém o sabe, nem os anjos do céu, nem mesmo o filho,

senão só o pai”.

Dizendo isso, quis Jesus que os homens compreendessem

quão orgulhoso e inútil é o pretenderem sondar o futuro, que

só Deus conhece. Ao mesmo tempo, quis infirmar desde logo a

ideia da divindade que, pela sua presciência, sabia lhe haviam

os homens de atribuir, ideia cuja duração só seria permitida

pelo tempo que necessário fosse à transformação do culto

material em culto espiritual.

Deus releva sempre os erros que, em matéria de crenças,

são cometidos de boa-fé. Unicamente o orgulho e a hipocrisia,

a felonia e a mentira são punidos, porquanto só as faltas

tornam culpada a criatura.

Assim, Deus releva o erro que de boa-fé cometem os que

creem na divindade do Cristo. Para esses, a luz se fará mais

tarde. Os que, porém, se apoiam na divindade atribuída a Jesus

e se esforçam por sustentá-la sem nela crerem, rejeitando

conscientemente a nova revelação que os Espíritos do Senhor,

órgão do Espírito da Verdade, trazem aos homens da parte de

Deus, esses são exploradores do Cristianismo, são velhacos e

hipócritas. Longa e dolorosa expiação os aguardará.

Sempre de par caminham o bem e o mal no vosso planeta,

que ainda se conta entre os mundos inferiores, e o mal é

muitas vezes empregado para conduzir ao bem, no sentido de

que a mão paternal do Senhor susta os maus efeitos que do mal

adviriam e faz que ele produza bons frutos. Assim é que,

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352 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

quando o desenvolvimento moral e intelectual tornou possível

que os homens contemplassem a verdade sem véu, nem

disfarce, embora houvessem mantido o erro, o Senhor permitiu

que deste uma grande luz jorrasse, que de súbito a claridade

se fizesse. Quer dizer que, aparecendo subitamente aos

homens, despojada do que a ocultava de suas vistas, a verdade

brilhou com fulgor mais vivo do que brilharia se eles se

houvessem habituado pouco a pouco a vê-la na sua pureza. A

revelação atual é que vem levantar o véu que a escondia.

Jesus, repetimos, quis desde logo infirmar a ideia da

divindade que lhe seria atribuída, porquanto, se ele fosse Deus,

por ser uma fração, embora indivisível, do próprio Deus; se

fosse igual a Deus, saberia tanto quanto Deus.

O que, pois, o Mestre teve em vista ao proferir aquelas

palavras foi que os homens compreendessem que, seja qual for

a extensão do seu poder e da sua presciência, com relação aos

Espíritos que o cercam, ele não pode nunca ser igualado a

Deus; que, por grande que seja a sua perfeição, não deixa de

ser um Espírito criado e não pode, conseguintemente, igualar-

se àquele que o criou, ao Criador Incriado — Deus.

Teve, portanto, em vista mostrar que, seja qual for a sua

elevação, seja qual for a altura em que se ache colocado na

hierarquia espírita, ao Espírito não é dado igualar, em ciência e

em poder, àquele de cuja vontade tudo procede.

Praticou assim um ato de humildade, ele, que é o maior

entre os maiores do vosso planeta.

Imitai essa humildade, ó homens fúteis, e não tenteis

igualar-vos ao que reina sobre todas as coisas, com o

pretenderdes devassar os segredos do futuro. Dessa pretensão

só vos adviriam confusão e vergonha. Se, buscando penetrar

mais longe do que vos é permitido, nos mistérios da vida real,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 353

vos deixardes levar por vão orgulho, o espírito do erro e da

mentira de vós se apossará e caireis em erros fatais.

Espíritas, bem sabeis quais os perigos que vos ameaçam, se

ousardes sondar tais profundezas. Não vos abalanceis a essa

aventura inconsideradamente. Que um vão orgulho, repetimos,

não vos impila a querer ir mais longe do que os vossos irmãos,

na penetração de segredos que ainda vos não é dado devassar.

A cada dia basta o seu labor. Contentai-vos com a parte que

vos coube e deixai aos que hajam de vir depois de vós o

trabalho que lhes cumpre executar.

(Mateus, vv. 37-39). As palavras de Jesus constantes destes

versículos, intencionalmente veladas como o exigiam a época,

e o estado das inteligências, úteis então e preparatórias do

futuro, encerram uma alusão ao dilúvio de Noé, único que se

admitia naquele momento, em que certas verdades tinham que

permanecer ocultas ainda por muito tempo. Esse dilúvio não

foi mais do que uma renovação parcial da Terra, uma das

fases de transformação do vosso mundo e de seus habitantes,

necessária ao aparecimento de outros produtos. Sendo tudo

harmonia em a Natureza, desde que a organização humana se

modificou, também os produtos do solo se modificaram, como

se modificarão de futuro, acompanhando a evolução do

planeta.

Até que a renovação deste se ache completa, os aconte-

cimentos seguirão seu curso de acordo com as condições da

encarnação de cada um, variando pouco a pouco as

encarnações, conforme o exigir a transformação correlativa do

planeta. Ora, como essa variação tem que ir sendo parcial, pois

que tudo se há de efetuar dentro da ordem e da sabedoria que

regem o Universo, alguns pontos da Terra receberão Espíritos

mais adiantados, cujas encarnações, conseguintemente,

corresponderão ao grau de adiantamento por eles alcançado;

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354 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

enquanto que outros encarnarão em condições quase idênticas

às vossas atualmente.

(Marcos, vv. 33-37; Lucas, vv. 34-36). Proferindo as

palavras que estes versículos registram, bem como ao

pronunciar as dos vv. 37, 38 e 39 de Mateus, quis Jesus

concitar os homens a trabalharem pelo seu progresso,

vencendo os excessos da matéria. Exortava-os, com esse

objetivo, a se manterem de contínuo alerta, na expectativa de

todas aquelas coisas de que ele falava deixando-as ocultas pelo

véu da letra, e que anunciava como podendo verificar-se a

cada instante, num futuro próximo. Queria o Mestre forçá-los

a uma vigilância incessante sobre si mesmos, a um ardor

constante no progredir e a depositarem inabalável esperança

nas promessas do Senhor.

O Espírito deve estar sempre diante do Senhor pela prece.

Deve orar pelo seu adiantamento e pelo de seus irmãos

encarnados como ele. Deve, quando livre da carne, orar por

todos e a prece então se torna um ato. Não penseis que quando

Jesus lhe recomenda que ore, que ore sem cessar, exija do

homem ou do Espírito que esteja sempre em oração, na

acepção que dais a esta palavra. A prece eficaz consiste nas

boas obras, que devem, como um amém agradável ao Senhor,

rematar as vossas orações verbais. Orai, orai sem cessar para

atenuar os rigores do julgamento, porquanto, rematando com a

prática de boas obras as vossas preces, vos revestis de um

manto virginal aos olhos do Senhor.

Estas palavras do Mestre: “Assim, vigiai e orai a todo

momento, a fim de que mereçais evitar todas essas coisas que

hão de acontecer e possais aparecer diante do filho do

homem”, bem como estas outras: “Esta geração não passará

sem que todas essas coisas se hajam realizado”, contêm uma

alusão necessária à reencarnação dos que, retardados, viverão

Page 309: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 355

de novo na Terra e habitarão os pontos dela onde se hão de

produzir os cataclismos oriundos da transformação planetária.

Aludem também à posição dos que se houverem

suficientemente adiantado para estar habitando mundos

superiores, por ocasião de tais acontecimentos, prontos a

voltarem à Terra, a fim de lhe auxiliarem a marcha

ascensional, na época em que ele de novo aparecerá, mas dessa

vez em todo o seu fulgor espírita, no planeta terreno depurado

e transformado.

Page 310: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

356 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 40-44.

— LUCAS, Cap. XII, vv. 39-40

O homem deve estar sempre alerta. — Palavras muitas vezes

repetidas por Jesus com referência à separação do joio e do

trigo

MATEUS: V. 40. Então, de dois homens que estiverem no

campo, um será tomado, o outro será deixado. — 41. De duas

mulheres que estiverem moendo num moinho, uma será tomada e a

outra deixada. — 42. Portanto, vigiai; pois não sabeis a que hora

virá o Senhor. — 43. Mas, sabei que se o pai de família soubesse a

que hora viria o ladrão certamente vigiaria e não deixaria que lhe

arrombassem a casa. — 44. Estai vós, conseguintemente, preparados

sempre, porquanto à hora que menos pensardes virá o Filho do

homem.

LUCAS: V. 39. Ora, sabei que, se o pai de família soubera a que

hora viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que lhe

arrombassem a casa. — 40. Estai, pois, vós outros vigilantes, pois o

Filho do homem virá à hora que não pensais.

N. 276. (Mateus, vv. 40 e 41.) Já explicamos estas palavras

que Jesus proferiu diversas vezes, em ocasiões e lugares

diferentes. Reportai-vos a essas explicações. Uns hão de

aproveitar da regeneração, outros, porém, serão mandados para

planetas inferiores. Sim, uma parte avançará enquanto a outra

se conservará indigna de participar das novas encarnações.

(Mateus, vv. 42-44; Lucas, vv. 39-40.) Jesus insiste e frisa a

incerteza do dia e da hora dos acontecimentos, quer de ordem

física, quer de ordem moral, que predissera, a fim de que os

homens estejam cada vez mais alertas e vigilantes. Observai

que poucos ainda29

veem os sinais dos tempos, da era nova do

29

Estas palavras foram mediunicamente escritas no mês de agosto de

1863.

Page 311: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 357

Cristianismo do Cristo, da era espírita, da aurora da regene-

ração da Humanidade.

A obra do progresso segue a sua marcha; mas, não sabeis

até onde ela tem que ir, nem quando quererá o Senhor dar a

última demão na da regeneração humana. Tende-vos, portanto,

em guarda, prontos, pois bem pode acontecer que sejais

surpreendidos improvisamente. E o Senhor rejeitará os

servidores indolentes que não tiverem sabido esperá-lo.

Page 312: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

358 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXIV, vv. 45-51.

— LUCAS, Capítulo XII, vv. 41-46

Parábola do servo fiel e prudente e do mau servo.

MATEUS: v. 45. Quem julgais que é o servo fiel e prudente ao

qual seu senhor confiou os outros servos seus para que a tempo dê

de comer a todos? — 46. Feliz desse servo, se o seu senhor, quando

vier, achar assim fazendo. — 47. Em verdade vos digo que lhe

confiará todos os seus bens. — 48. Mas, se aquele servo, por ser

mau, disser consigo mesmo: “Meu senhor tardará em vir” — 49, e

se puser a maltratar os companheiros e a comer e beber com os que

se embriagam; — 50, seu senhor virá num dia em que ele não o

espera e numa hora que ele não sabe qual seja; — 51, o SEPARARÁ

dos outros e fará partilhar da sorte dos hipócritas; é ai que haverá

prantos e ranger de dentes.

LUCAS: V. 41. Pedro então lhe perguntou: Senhor, esta parábola

tu a dizes para nós outros somente ou também para todos? — 42.

Respondeu o Senhor: Quem julgas que seja o dispenseiro fiel e

prudente, que o Senhor estabeleceu sobre seus outros servos, para

que, no devido tempo, distribua por estes a ração de trigo? — 43.

Feliz desse servo se o Senhor, quando vier, o achar assim fazendo.

— 44. Em verdade vos digo que lhe confiará a gestão de todos os

seus bens. — 45. Mas, se esse servo disser no seu intimo “Meu

Senhor tardará em vir” e começar a espancar os outros servos e

servas, a comer, a beber a embriagar-se, — 46, virá o senhor desse

servo num dia em que ele o não espera, a uma hora em que não

cuida, o SEPARARÁ dos outros e fará partilhar da sorte dos infiéis.

N. 277. Estas palavras de Jesus, apropriadas, como todas as

que ele pronunciou, aos tempos, e às inteligências, se aplicam

aos que tomaram o encargo de dirigir seus irmãos, de os

conduzir pelo caminho do progresso, de espargir sobre eles a

luz.

Page 313: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 359

Felizes dos que, “servos, dispenseiros fiéis e prudentes”,

distribuírem a tempo e a hora o alimento, dando a cada um sua

ração de trigo, isto é: que espalharem por aqueles de cuja

direção se tenham incumbido a luz e a verdade, à medida que

forem reveladas, acompanhando o progresso dos tempos,

auxiliando, pela palavra, mas principalmente pelo exemplo, a

marcha das gerações para a realização de tal progresso, em vez

de as desviar desse caminho. Grande recompensa terão. Verão

abrir-se cada vez mais, diante de seus passos, a estrada que,

levando à perfeição, dá acesso ao trono do Senhor onipotente,

que então os fará partícipes da sua inteligência, do seu saber e

do seu amor, na vida e na harmonia universais.

Os que, porém, abusam da sua autoridade, da confiança de

que são indignos, para transviar os que deviam ser por eles

guiados; para mais apertar a venda nos olhos dos que deviam

ser por eles esclarecidos e se entregam às voluptuosidades

humanas, lançando mão de bens nos quais não deveriam

sequer tocar, esses serão severamente punidos.

“Maus servos”, são mais culpados e mais castigados serão

do que os outros, pois que assumem responsabilidade maior e,

assim, terão que sofrer, além do castigo de suas próprias faltas,

o das de que tenham sido causadores. Quanto mais viva e forte

brilhar a luz, mais retumbante e alta ecoará a voz do Senhor e

mais terríveis serão as contas que terão de prestar esses servos

indignos, aos quais competia guiar, dirigir, instruir os que lhes

estavam confiados. Mais lhes foi dado, mais lhes será pedido.

Sim, aquele que se incumbiu de ser guia de seus irmãos

maior responsabilidade tem. Ela faz pressupor um valor mais

elevado. Se, portanto, em vez de cuidar dos que se lhe acham

entregues, os despreza; se, em vez de guiá-los, os detém no

caminho; se, em vez de os esclarecer, lhes aperta sobre os

Page 314: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

360 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

olhos a venda, impossibilita-os de avançar e de executar a obra

do Mestre.

Oh! A esse servo infiel, que tinha a seu cargo o encami-

nhamento de outros mais fracos, severas contas serão tomadas.

Pagará não só o mal que houver feito, mas também o mal que

tenha induzido outros a praticar, o mal que não haja impedido,

podendo-o. Será mandado para o meio dos infiéis e aí,

servindo de guia a “cegos”, tendo que falar a “surdos”, lamen-

tará amargamente não haver desempenhado a missão de que se

encarregara, quando se achava entre seres inteligentes, capazes

de o compreenderem. Ah! Então é que se ouvirão “prantos e

ranger de dentes”, pois que, exilado em mundos inferiores, o

Espírito sofrerá tanto mais, quanto mais adiantado tenha sido

no planeta terreno.

Oh! Poderosos da Terra, quem quer que sejais que pedistes

e obtivestes a missão de dirigir vossos irmãos pela senda do

progresso físico, moral e intelectual, o que acabamos de dizer,

explicando, segundo o espírito, as palavras do Mestre,

referente a coisas de ordem espiritual, também se vos aplica,

no tocante às coisas de ordem temporal, do ponto de vista,

assim da recompensa, como do castigo.

Page 315: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 361

LUCAS, Capítulo XII, vv. 47-48

A culpabilidade e a responsabilidade do Espírito

são proporcionais aos meios postos a seu

alcance para se instruir e à luz que recebeu.

V. 47. Esse servo, que conheceu a vontade do seu Senhor e que,

entretanto, não se preparou, nem fez o que seu Senhor queria, será

duramente açoitado. — 48. Aquele, porém, que, sem conhecer a

vontade do seu Senhor, fez coisas merecedoras de castigo, receberá

menos açoites. Muito será pedido àquele a quem muito foi dado e

aquele a quem muito tenha sido confiado maior conta terá que

prestar.

N. 278. Facilmente se compreende que aquele que comete

uma falta, depois de ter sido avisado para estar vigilante, mais

culpado é do que outro que do mal que pratica apenas tem

consciência, sem formar desse mal uma ideia precisa.

Tal a razão por que, quanto mais a luz brilha aos vossos

olhos, quanto mais ensinamentos e conselhos recebeis, tanto

mais culpados sois, se vos afastais do caminho que vos é

traçado. Muito será pedido àquele a quem muito foi dado. A

esse cumpre que faça frutificar o que se lhe confiou. A boa

semente nele lançada tem que produzir, em toda a extensão do

seu desenvolvimento moral e intelectual, na proporção de cem,

sessenta, quarenta por um.

Jesus, na sua linguagem sempre apropriada às inteligências

dos homens materiais que o ouviam, lhes apresenta sempre a

imagem de um castigo material.

Page 316: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

362 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXV, vv. 1-13

Parábola das virgens loucas e das virgens prudentes.

V. 1. Então, o reino dos céus será semelhante a dez virgens que,

tomando de suas lâmpadas, saíram a receber o esposo. — 2. Mas,

cinco dentre elas eram loucas e cinco prudentes. — 3. As primeiras,

tomando de suas lâmpadas, não levavam consigo azeite. — 4. As

prudentes, porém, levavam azeite em seus vasos, juntamente com as

lâmpadas. — 5. Como o esposo tardasse em chegar, começaram

todas a toscanejar e por fim adormeceram. — 6. À meia-noite se

ouviu este brado: Eis aí vem o esposo! Saí ao seu encontro. — 7.

Todas aquelas virgens se levantaram e prepararam suas lâmpadas.

— 8. Disseram então as loucas às prudentes: Dai-nos do vosso

azeite, pois que as nossas lâmpadas se estão apagando. — 9. Ao que

as prudentes responderam: Para que não suceda faltar-nos ele a nós e

a vós, ide antes aos que o vendem e comprai-o para vós. — 10. Mas,

enquanto elas o foram comprar, chegou o esposo. As que estavam

preparadas entraram com ele para as bodas e a porta se fechou. —

11. Por fim, chegaram as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor,

abre-nos a porta. — 12. Ele, porém, respondeu: Em verdade vos

digo que não vos conheço. — 13. Portanto, vigiai, pois não sabeis o

dia nem a hora.

N. 279. Uns não compreenderam esta parábola e outros lhe

falsearam o sentido e o objetivo.

Dizendo-a, teve Jesus em mente obrigar os homens a estar

sempre alerta, fazer-lhes compreender que não devem deixar

para o último momento o cuidado de sua reforma, do seu

progresso, porquanto talvez seja tarde.

As virtudes de uns em nada podem servir para resgatar os

vícios de outros. Aos vossos irmãos podeis dar o amparo dos

vossos conselhos e exemplos, mas não podeis repartir com eles

o vosso óleo, isto é: o mérito das vossas obras, mérito que

só reverte em benefício daquele que as pratica.

Page 317: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 363

Trabalhe, pois, cada um pela sua própria reforma, pelo seu

próprio adiantamento. O indiferente ou o leviano verá que,

quando supuser chegado o momento de se entregar a esse

trabalho, quando se estiver dispondo a começá-lo, bem pode

acontecer soe a hora do seu comparecimento perante o juiz e

ele então será colhido de surpresa.

Não, não acuseis a Jesus de haver ensinado a prática do

egoísmo. Compreendei que apenas quis que vos resguardásseis

da indolência, que vos leva a diferir para o dia seguinte o ato

que ele vos concita a executar no mesmo instante; da

negligência, que vos induz a descansar no mérito dos "santos",

das intercessões monásticas, das absolvições clericais, como

assecuratórias da vossa salvação, quando é certo que só as

vossas obras pessoais vo-la podem garantir.

(vv. 6-13). Não querendo desanimar os que não hajam

tomado antecipadamente suas precauções, eles são mandados

aos que os podem socorrer.

Aqui, as virgens prudentes sentem que o mérito que

possuem apenas lhes basta. Dele não podem dispor em favor

de ninguém. E, quando o pudessem, o de que dispõem se

tornaria insuficiente. Urge o tempo e elas, que vão ser

chamadas, se sentem incapazes de auxiliar, com o que têm, as

que necessitam de auxílio. As virgens descuidosas, que por sua

vez sentem quão erradas andaram, deixando de fazer provisão,

só resta se dirigirem aos que lhes possam dar os conselhos

necessários.

Os que vendem o óleo próprio a encher as lâmpadas vazias

são os bons Espíritos do Senhor. Eles efetivamente vos

vendem esse óleo, por isso que, fazendo-vos progredir, a seu

turno progridem. Tudo, assim, é comutativo entre vós e eles.

Page 318: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

364 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

O preço que cobram está no progresso que vos fazem

realizar, de acordo com a lei de mutualidade e de solidariedade

fraternais. Se, porém, tardarem em lhes pedir socorro, em lhes

pedir o óleo que alimentará a luz, sem a qual as virgens não

podem entrar com o esposo, elas não chegarão a tempo. E

quando julgarem que suas lâmpadas se acham suficientemente

abastecidas, a sala do banquete estará fechada.

Quer isto, em verdade, dizer que, quando os Espíritos

indolentes e desidiosos, vendo aproximar-se a época da

regeneração, observando os progressos realizados por seus

irmãos, quiserem caminhar ao lado destes, não conseguirão

acompanhá-los e serão detidos no limiar da nova habitação,

vendo-se forçados a realizar, num planeta inferior, o progresso

que se descuidaram de fazer na Terra.

Vigiai, portanto, ó homens, pois não sabeis em que dia e a

que hora o esposo chegará: o dia e a hora da regeneração, o dia

em que o Senhor virá.

Page 319: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 365

LUCAS, Capítulo XII, vv. 35-38

Vigiar. — Estar pronta a receber a Jesus por

ocasião da sua segunda vinda.

V. 35. Cingidas estejam as vossas cinturas e acesas tende nas

mãos as vossas candeias. — 36. E assemelhai-vos aos que esperam

que seu Senhor volte das bodas, para, quando chegar e bater à porta,

logo lhe abrirem. — 37. Bem-aventurados os servos que o Senhor,

ao chegar, encontre vigilantes; em verdade vos digo que ele se

cingirá, fará se ponham à mesa e virá servi-los. — 38. Quer chegue

na segunda vigília, quer na terceira, se assim os achar, bem-

aventurados são esses servos.

N. 280. Estai sempre vigilantes. Estai sempre preparados a

comparecer diante do vosso Senhor e a recebê-lo quando lhe

apraza vir, ou mandar-vos emissários seus.

O Mestre veio e os apóstolos estavam prontos para recebê-

lo. Grande foi a satisfação. Mas ele voltará. Vai adiantada a

noite, a segunda vigília começa pela era nova a que Jesus, em

mente, aludia. Ele vos manda emissários, órgãos do Espírito

da Verdade, que vêm preparar a sua vinda. Estai, pois, atentos

para a terceira vigília, que ele vos quer encontrar velando por

vós mesmos e prontos a recebê-lo, purificados e luminosos

pelo mérito das vossas obras, que vos tornarão as almas

resplendentes de luz pura e fulgurante em presença do Senhor.

Ele vos fará sentar à mesa e vos servirá. Quer dizer que vos

mostrará a verdade sem véu e vos levará à perfeição.

Page 320: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

366 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXV, vv. 14-30.

— LUCAS, Capítulo XIX, vv. 11-27

Parábola dos talentos. — Servo inútil.

— Parábola dos dez marcos.

MATEUS: v. 14. Porque, é assim como um homem que, tendo

de partir para longe, chamou seus servos e lhes entregou os bens que

possuía. — 15. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um,

de acordo com a capacidade de cada um, e partiu sem mais demora.

— 16. Foi-se o que recebera cinco talentos, entrou a negociar com

eles e ganhou outros cinco. — 17. O mesmo fez o que recebera dois

e ganhou dois. — 18. Mas, o que apenas um havia recebido lá se foi

com ele, cavou um buraco no chão e aí escondeu o dinheiro do seu

Senhor. — 19. Depois de muito tempo, voltou o Senhor daqueles

servos e os chamou a contas. — 20. Veio o que recebera cinco

talentos e, apresentando-lhe outros cinco, disse: Senhor, tu me

entregaste cinco talentos; aqui estão mais cinco que ganhei. — 21.

Disse-lhe o seu Senhor: Muito bem, servo bom e fiel, pois que foste

fiel em poucas coisas, estabelecer-te-ei sobre muitas; entra na

alegria do teu Senhor. — 22. Veio em seguida o que recebera dois

talentos e disse: Senhor, tu me entregaste dois talentos; aqui estão

mais dois que com eles ganhei. — 23. Disse o seu Senhor: Muito

bem, servo bom e fiel, pois que foste fiel em poucas coisas,

estabelecer-te-ei sobre muitas; entra na alegria do teu Senhor. — 24.

Veio por fim o que só um talento recebera e disse: Senhor, sei que és

um homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes onde não

espalhaste. — 25. Temendo-te, fui-me e escondi na terra o teu

talento; aqui tens o que te pertence. — 26. Seu Senhor respondeu:

Servo mau e preguiçoso, pois que sabias que ceifo onde não semeei,

que colho onde não espalhei, — 27, devias ter entregado o meu

dinheiro aos banqueiros e, assim, à minha volta, eu receberia o que é

meu com juros. — 28. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem

dez. — 29. Porque, a todo o que tem se dará e terá em abundância; e

àquele que não tem será tirado até o que pareça ter. — 30. E o servo

inútil lançai-o nas trevas exteriores; aí haverá prantos e ranger de

dentes.

Page 321: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 367

LUCAS: v. 11. Tendo eles ouvido isso, Jesus, continuando, lhes

propôs uma parábola, a propósito de se achar perto de Jerusalém e

pensarem todos que o reino de Deus se manifestaria imediatamente.

— 12. Disse, pois: Um homem de alta linhagem partiu para um pais

longínquo, a fim de tomar conta de um reino e depois voltar. — 13.

Chamou dez servos seus, deu-lhes dez marcos de prata e disse:

Ponde-os em giro até à minha volta. — 14. Mas, como os de seu

país o odiavam, mandaram após ele uma embaixada para lhe dizer:

Não queremos sejas quem nos governe. — 15. Com efeito, voltou o

homem, depois de haver tomado posse do reino, e mandou chamar

os servos a quem dera o dinheiro, a fim de saber quanto cada um

fizera render. — 16. Veio o primeiro e disse: Senhor, teu marco

rendeu dez marcos. — 17. Respondeu-lhe o Senhor: Muito bem,

servo bom; porque foste fiel no pouco, terás poder sobre dez

cidades. — 18. Veio o segundo e disse: Senhor, teu marco rendeu

cinco marcos. — 19. O Senhor lhe respondeu: Tu governarás cinco

cidades. — 20. Veio outro e disse: Senhor, aqui está o teu marco,

que conservei guardado num lenço. — 21. Tive medo de ti, porque

és homem severo, que tiras de onde não puseste e ceifas onde não

semeaste. — 22. Respondeu-lhe o Senhor: Servo mau, pelas tuas

próprias palavras eu te julgo: sabias que sou homem severo, que tiro

donde não pus e ceifo onde não semeei; — 23, porque, então, não

colocaste o meu dinheiro num banco, a fim de que, quando eu

chegasse, o recebesse com juros? — 24. E disse aos que estavam

presentes: Tirai-lhe o marco e dai-o ao que tem dez. — 25.

Observaram-lhe: Senhor, esse já tem dez marcos. — 26. Pois eu vos

digo que a todo aquele que já tem ainda se dará mais e esse terá em

abundância e que, àquele que não tem, até o que tem lhe será tirado.

— 27. Quanto aos meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse

sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha presença.

N. 281. Já vos temos dito que não se fala na mesma

linguagem a todos os homens. Assim é que as parábolas de

Jesus, repetidas muitas vezes, com pequenas variantes, são,

quanto ao fundo, ao sentido, as mesmas, porém sempre

apropriadas ao entendimento daqueles que as escutavam.

Page 322: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

368 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Isso se verifica também com a parábola dos talentos e do

servo inútil, bem como com a dos dez marcos.

Nesta última, Jesus faz uma alusão especial (vv. 11, 12, 14

e 17) primeiramente à lei que ele viera trazer ao mundo, à

ingratidão dos homens que a repeliram, falseando-a ou dela se

isentando; depois, aos castigos que aguardarão os endurecidos,

se, apesar de tudo, perseverarem no egoísmo e no orgulho.

Quanto à ordem que o rei dá para que lhe tragam os súditos

revoltados, a fim de que sejam executados na sua presença, o

que com isso quis Jesus foi aludir à sentença de banimento que

será proferida contra os que permanecerem endurecidos,

quando chegar o momento das retribuições gerais. Essa alusão

é idêntica à que se encontra (Mateus, v. 30) nas suas palavras

relativas ao servo inútil, que será lançado nas trevas exteriores,

isto é: que será afastado do vosso e degredado para planeta

inferior a esse, quando se operar e concluir a separação do joio

e do trigo.

Essa ameaça do rei, materializada pelos Judeus, que,

ouvindo-a, a tomaram segundo a letra e não segundo o

espírito, assim como o que foi dito com relação ao servo inútil

era de molde a enchê-los de temor.

À parte as variantes que vimos de apontar, as duas

parábolas, na substância e no sentido, são idênticas. As

explicações dadas respeito a uma servem para a outra. Essa a

razão por que aqui se acham reunidas, embora tenham sido

formuladas em ocasiões e lugares diversos.

Com ambas se deu o mesmo que com a das virgens loucas e

das virgens prudentes: uns não as compreenderam, outros lhes

falsearam o sentido e o alcance.

Todas as críticas, variando em seus efeitos, derivam de uma

mesma causa. Ë que, quando o sentido parabólico do ensino

Page 323: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 369

embaraça a crítica, apegam-se à letra; quando o embaraço

vem da letra, procura-se um sentido oculto. Desse modo é que

se obscurecem, falseiam, ou desnaturam o sentido e o objeto

das parábolas de Jesus.

Tratem de ler com mais atenção, isentos de ideias

preconcebidas, os que desejam destruir, sem compreenderem a

causa secreta que os impele, sem verem o alvo que hão de

atingir, mau grado à vontade que os anima. E, se com isso não

sofrer demasiado o orgulho que os domina, apelem,

intimamente, para aquele que abre as inteligências e

compreenderão melhor. Mas, para esses o momento ainda não

chegou.

Presentemente30

, eles se ocupam em derribar um edifício

que estava prestes a ruir. Atiram ao solo, em desordem, os

materiais, sem cogitarem do que possa daí resultar, sem pre-

verem a confusão que há de nascer de tal revolvimento, sem se

apiedarem das naturezas fracas que ainda se abrigam sob as

abóbadas da velha igreja. Derribam e derrocam. Chegado o

momento, os que lhes sucederem virão apartar pedra por

pedra, escolher os materiais bons, separar os imprestáveis e

reconstruir, sobre bases inabaláveis, o edifício onde todos os

homens irão haurir o amor, a caridade, a fé e a esperança.

Não esqueçais (nunca o recomendaremos bastante) que

todas as parábolas de Jesus, tendo, segundo o espírito, um

sentido velado, de aplicação às épocas vindouras, tinham que

ser, pelos homens que as escutavam, compreendidas segundo a

letra, tinham, portanto, que ser aplicadas a fatos materiais

correspondentes à época e às inteligências desta. Assim, pois,

tomai sempre todas as parábolas de Jesus no seu sentido

velado e profético e também debaixo do ponto de vista

30

Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de agosto de

1863.

Page 324: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

370 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

material aplicável, quer pelo exemplo, quer pelas expressões,

às inteligências da época.

Eis aqui a explicação, em espírito e em verdade, da dos

talentos e da dos dez marcos, as quais, repetimos, salvo as

variantes que já vos assinalamos, são idênticas no fundo e no

sentido.

O Senhor não exige, não reclama de cada um de vós senão

o que é justo, atentas as vossas capacidades e a vossa fraqueza

humana. Mas, quer que façais todos os esforços por progredir.

Dentro de vós colocou o gérmen: desenvolvei-o.

Não vos apegueis, para adormecerdes na preguiça, à

desculpa de que tendes menos faculdades do que vossos

irmãos. Não alegueis que não sois aptos, que fostes

deserdados, que o Senhor exige tanto das suas criaturas que

jamais vos seria possível satisfazê-lo; que, ao contrário,

poderíeis desmerecer ainda mais, se tentásseis esforços inúteis;

que vos poderíeis transviar e atrair em maior escala o que

chamais a sua cólera e que é apenas a sua justiça.

O Senhor é justo e equitativo. Se é certo que não vos achais

todos no mesmo ponto; se é certo que pareceis não ter todos o

mesmo número de “talentos”, não menos certo é que podeis

chegar, pela vossa perseverança, a merecer que maior quantia

vos seja confiada. Todos partistes do mesmo ponto, todos ao

mesmo ponto chegareis. Mas, entre vós, uns há mais

preguiçosos do que outros. A esses o Senhor tirará o “talento”,

o marco que possuem.

Quer dizer que, não podendo caminhar de par com os bons

servos, eles serão transferidos para outros meios, onde suas

disposições lhes bastem. Estes outros meios, está claro, serão

inferiores ao em que se encontravam. Doer-lhes-á então terem

Page 325: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 371

perdido a posição em que estavam e mais rude será o trabalho

que terão de executar para reconquistá-la.

Jesus não pretendeu dar a entender que o Senhor, justo em

tudo, faz que os servos ativos tirem proveito da falta de virtude

e de atividade dos servos incapazes. Quis tão-somente

significar que os primeiros, por terem mais, andarão mais

depressa e quinhão maior obterão das graças do Senhor.

Falando do terceiro servo, o Mestre alude a esses Espíritos

malévolos que, para encobrirem suas próprias faltas, procuram

atribuir faltas aos outros. Longe estava do pensamento do “fi-

lho” acusar o “pai”. A resposta que ele põe na boca do Senhor

tem esta significação: “Pois que me julgas exigente e ríspido,

capaz de colher onde não semeei, de exigir o que não dei,

como pudeste adormecer sem nada tentar para me satisfazer?

Não é evidente que devias, uma vez que te não consideravas

bastante forte para, por ti só, o conseguires, buscar o amparo

dos que pudessem ajudar-te? Eles te teriam levado ao ponto de

me restituíres com juros o que te dei, isto é: de progredires”.

Os banqueiros, segundo o espírito, são os que podiam

desenvolver no terceiro servo o amor do progresso e,

conseguintemente, segundo a letra, conseguir os juros que o

Senhor exige do seu servo. Por banqueiros deveis entender, de

acordo com o sentido oculto da parábola, os que podem

auxiliar o progresso de seus irmãos na Terra e no espaço:

Espíritos encarnados e errantes.

Compreendei também essas mesmas palavras de Jesus do

ponto de vista material, aplicável, pelo, que exprimiam e pelo

exemplo que continham, às inteligências da época. A lei de

Moisés proibia os empréstimos a juros, assim como a

escravidão. Era uma lei protetora dos Hebreus contra os

próprios Hebreus. Dessa circunstância nasceram os abusos

contra os estrangeiros. Por efeito de uma interpretação

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372 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

capciosa, entendia-se que a proibição só existia de Hebreu

para Hebreu, mas não de Hebreu para com o estrangeiro e

assim toda a exação, considerada culposa quando praticada

contra um Hebreu, era tida por justa, se praticada contra um

estrangeiro. Notai que aqui não se trata de banco, do ponto de

vista da vossa época, e sim de troca, transação, que permitia

ao que recebia em depósito uma certa soma operar com ela,

trocando-a por mercadorias quaisquer e partilhando dos lucros,

mais ou menos igualmente, com o dono dos fundos.

Considerai os mil artifícios inventados pela cupidez para

fraudar as leis; atentai no que se passa em torno de vós e

compreendereis que houvesse quem recebesse fundos e sobre

eles pagasse juros, ou que os fizesse render conforme as

necessidades da época.

Quanto às palavras constantes nos vv. 29 de Mateus e 26 de

Lucas, são idênticas às de que Jesus já anteriormente usara na

parábola do semeador. Recebestes acerca dessas palavras as

explicações necessárias nas que vos demos em o N. 164 do 2°

Volume, à Pág. 316. Nada temos que acrescentar. Reportai-vos

a elas.

Claros são, pois, o sentido e o objetivo das parábolas dos

talentos e dos dez marcos. Estais em condições de lhes

compreenderdes o sentido velado e profético, que é o seguinte:

O pensamento de Jesus, ao propô-las, abrangia a época da

sua missão terrena, seu regresso às regiões superiores após o

sacrifício do Gólgota, a época preparatória da sua volta ao

planeta terrestre, época que é a era nova do Cristianismo do

Cristo, a era do espírito, e a época mesmo dessa volta. Ele

adverte os homens de que lhes cumpre, trabalhando com

atividade, empregando esforços sérios e porfiados, prosseguir

no desenvolvimento de seu progresso moral e intelectual.

Adverte-os de que cada um tem e terá que prestar contas, que a

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 373

cada um contas serão pedidas das faculdades que recebeu do

Senhor, faculdades que todos podem e devem fazer que

rendam, que todos podem e devem desenvolver, tendo para

ajudá-los nisso os “banqueiros”, isto é: todos os que lhes

podem auxiliar o progresso na Terra e no espaço e cujo

amparo importa que busquem.

Previne-os de que para o desempenho dessa tarefa têm eles,

os homens, o tempo preciso, a expiação e a reencarnação,

porquanto, como sabeis, o joio há de crescer ao lado do trigo

até que se verifique a regeneração, cuja hora e cujo dia

ninguém sabe quando chegarão. Previne-os de que, nessa

época, os Espíritos que ainda se conservarem culpados ou

rebeldes, preguiçosos e ignorantes, orgulhosos ou egoístas,

incapazes ou indignos de participarem da regeneração, serão

afastados da Terra e mandados para planetas inferiores; de

que, para esses, grandes serão a dor e os remorsos, longa a

expiação e mais rude o labor pela reconquista da posição que

perderam. Avisa-os de que os que houverem trabalhado pelo

seu progresso, na medida de suas capacidades, serão, de

acordo com as obras que tenham praticado e sobretudo de

acordo com a boa-vontade de que hajam dado mostras,

recompensados na classificação que se fará nesse período de

regeneração e de purificação em vosso planeta depurado e

regenerado.

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374 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXV, vv. 31-46

Depuração pela separação do joio e do trigo, apresentada sob

a figura emblemática de um juízo final

V. 31. Quando o filho do homem vier na sua majestade

acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no trono da sua glória.

— 32. E, reunidas todas as gentes na sua presença, separará uns dos

outros, como o pastor aparta dos cabritos as ovelhas. — 33. Porá as

ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. — 34. Dirá então

o rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu pai,

entrai na posse do reino que vos está preparado desde o principio do

mundo; — 35, pois, tive fome e me destes de comer, tive sede e me

destes de beber, era forasteiro e me recolhestes; — 36, estive nu e

me vestistes, estive enfermo e me visitastes, estive encarcerado e me

fostes ver. — 37. Dir-lhe-ão, então, os justos: Senhor, quando foi

que te vimos faminto e te demos de comer; ou com sede e te demos

de beber? — 38. Quando foi que te vimos sem teto e te recolhemos,

ou nu e te vestimos? — 39. Quando foi que te vimos enfermo, ou

preso, e te fomos visitar? — 40. O rei responderá : Em verdade vos

digo que, todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos

mais pequenos, a mim o fizestes. — 41. Aos que estiverem à sua

esquerda dirá em seguida: Apartai-vos de mim, malditos, para o

fogo eterno, que está preparado para o diabo e seus anjos; — 42,

pois, tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes

de beber; — 43, era forasteiro e não me recolhestes; estive nu e não

me vestistes; enfermo e preso e não me visitastes. — 44. Também

esses perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos faminto, com

sede, forasteiro, nu, enfermo ou encarcerado e não te assistimos? —

45. Ele lhes responderá : Em verdade vos digo que, quantas vezes o

deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, tantas o deixastes

de me fazer a mim. — 46. E irão estes para o suplicio eterno e os

justos para a vida eterna.

N. 282. Estas palavras de Jesus serviram de base a todas as

crenças e a todas as interpretações humanas. Apropriadas aos

tempos e às inteligências, tinham elas que servir, atento o

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 375

passado de todos os povos, para aquele momento e tinham que

preparar o futuro. Tomadas ao pé da letra, foram mal

compreendidas e falsamente interpretadas. Mas, tudo tem a sua

razão de ser na marcha do progresso para a depuração e

transformação assim dos mundos, como das humanidades.

Elas vos vão ser explicadas em espírito e verdade.

Pintando para os seus discípulos um quadro imponente do

juízo final, quis Jesus deixar nas inteligências uma impressão

inapagável.

A homens que habitualmente tremiam diante dos juízes e

que mal eram contidos pelas leis, se bem fossem estas de

extrema dureza, preciso era que se apresentasse um quadro

impressionante e material do “julgamento” a que teriam de ser

sujeitos e das consequências desse julgamento.

Dissemos acima: “A homens que habitualmente tremiam

diante dos juízes”. Em Israel, os grandes sacerdotes do templo

eram os juízes, pois que de todos os delitos conheciam. As

sentenças arbitrárias que proferiam eram frequentemente

terríveis. Entretanto, não impunham o respeito à lei.

(Vv. 31 e 32). Quando o filho do homem vier na sua

majestade acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no

trono de sua glória e, reunidas todas as gentes na sua presença,

separará uns dos outros, como o pastor aparta dos cabritos as

ovelhas.

Supuseram tratar-se do “fim” de tudo e reuniram os

acontecimentos. Essas palavras são simbólicas. Jesus falava

das épocas que se hão de suceder, até ao momento em que a

luz suave e verdadeira virá iluminar o mundo.

O trono da glória de Jesus é a época em que todos os povos

estarão sob o jugo da sua lei. Seu trono se achará então

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376 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

firmado no fundo dos corações de todas as criaturas e os

anjos do Senhor o cercarão e descerão ao meio destas.

Não começou já esse período? O trono do Salvador não está

sendo preparado para recebê-lo? Os anjos do Altíssimo não

descem já até vós para vos ensinar a cantar a. glória do

Onipotente, preparando-vos, por meio da prática da justiça, da

caridade e do amor, para o advento do espírito; abrindo-vos,

pelo progresso moral, todas as fontes do progresso intelectual;

ensinando-vos a ser brandos e dedicados aos vossos irmãos?

As gentes não se encontram todas reunidas sob as vistas do

Salvador e não vedes que se há materializado uma palavra

simbólica, como o são todas as dos Evangelhos?

Não se procede, desde a origem dos tempos, à separação?

Desde o aparecimento do homem na Terra, os Espíritos que

pelo seu progresso têm merecido habitar os meios mais

elevados do vosso mundo, ou mundos superiores ao vosso, hão

ascendido a esses meios ou a esses mundos. Do mesmo modo,

os Espíritos culpados têm sido, de acordo com o grau de

culpabilidade e com as necessidades do progresso que devem

realizar, mandados, como castigo, como expiação, para os

meios inferiores do vosso planeta, ou para planetas inferiores

ao vosso. Até hoje foi consentido que o joio crescesse ao lado

do trigo e o será até à época em que, havendo de efetuar-se a

regeneração, se tenha operado progressiva e sucessivamente a

depuração do planeta terreno. Nessa época, a separação estará

completamente feita: aos Espíritos culpados, refratários ao

progresso, não mais será permitido reencarnar na Terra. Só aos

que se houverem tornado capazes, dignos de avançar pela

estrada da regeneração, será isso permitido, sendo eles

colocados nas condições que lhes forem necessárias. É a essa

separação que Jesus aludia.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 377

Ela estará inteiramente concluída quando o vosso planeta

entrar nas fases da sua fluidificação.

Quanto à determinação da época dessa separação, que se

interpretou falsamente como sendo um fato único, súbito e

instantâneo, não passou de uma figura. Para a realização de

semelhante obra, que é progressiva e sucessiva, não pode

haver época predeterminada segundo a maneira humana de

calcular. Essa época corresponde ao período que precederá a

depuração completa da Terra.

Jesus voltará ao mundo, quando a Humanidade estiver

prestes a atingir a perfeição moral e ela aclamará a sua vinda,

entoando este cântico de júbilo, de alegria, imenso e unânime:

Bendito o rei que vem em nome do Senhor.

(Vv. 33 e 34, 41 e 46). Igualmente simbólicas são as

palavras do Mestre, constantes destes versículos e apropriadas,

pela letra, às inteligências, que convinha fossem por elas

trocadas e impressionadas. Os Espíritos que se houverem

regenerado na Terra, bem como os que, suficientemente

purificados e adiantados, tenham vindo de outros mundos para,

nas condições que lhes forem necessárias, habitar o vosso

planeta regenerado, a fim de nele progredir e participar da sua

marcha ascensional, esses é que estarão “à direita do rei”, é

que serão os “justos” chamados a “entrar na posse do reino

que lhes foi preparado desde a constituição do mundo”. Serão

os benditos do pai, porque terão trabalhado ativamente pelo

seu progresso pessoal e pelo progresso coletivo. Deus abençoa

os que trabalham pelo seu próprio adiantamento e pelo de seus

irmãos. A bênção desce sobre aqueles cujas obras a atraem.

O lugar reservado aos eleitos, isto é: aos merecedores, aos

dignos, são as regiões elevadas onde todo Espírito, logo que

atinja a maioridade espiritual, entrará na posse da parte da

herança que lhe está destinada desde a sua origem.

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378 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Os justos irão para a vida eterna. Caminharão pela via do

progresso para a perfeição que lhes dará, na eternidade, a vida

espírita, isentando-os de toda e qualquer encarnação, uma vez

que se tenham tornado puros Espíritos.

Os que estiverem “à esquerda do rei”, os “malditos”, irão

“para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos, para

o suplício eterno”. Os Espíritos culpados irão para lugares

onde eternamente se sofre, seja no estado de erraticidade no

espaço, seja no de encarnação. São de expiação esses lugares,

mas também de provas e de progresso, e constantemente se

renovam, por meio de depurações e transformações lentas e

gradativas, como igualmente se renovam as categorias dos

Espíritos que os habitam. São mundos inferiores, preparados

para os Espíritos culposos, no sentido de servirem para

habitação deles, que figuradamente se designam pelos nomes

de “diabo” e de “anjos do diabo”, conformemente ao grau de

culpabilidade de cada um. Tais mundos constituem para esses

Espíritos um “inferno” e, ao mesmo tempo, um “purgatório”,

como meio de expiação, de reparação e de progresso. Tal é o

espírito. Velando-o pela letra, Jesus intencionalmente deu o

ensino sob um aspecto material, tendo em vista que ele ia

passar sucessivamente através de gerações bárbaras, que

precisavam ser aterrorizadas para se deixarem domar.

Teve assim a sua razão de ser o dogma humano da

eternidade das penas, como fruto do reinado da letra,

necessário por certo tempo, até que a Humanidade se houvesse

adiantado bastante na senda do progresso moral e intelectual.

Não vos foi dito: A letra mata e o espírito vivifica? Palavras

proféticas eram estas, destinadas a ser compreendidas e

aplicadas nos tempos preditos em que o espírito viria

esclarecer a letra e dar-lhe o verdadeiro sentido. Esses tempos

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 379

chegaram. O Espírito da Verdade, por meio da nova revelação,

vos vem ensinar a verdade, despojando da letra o espírito.

Sim, fictícias são as ameaças do fogo eterno, do suplício

eterno, como expressão de uma condenação eterna proferida

contra o Espírito culpado. Jamais estiveram no pensamento de

Jesus.

Os banidos serão degredados para os lugares de trevas,

serão rechaçados para os mundos de expiação, onde o prin-

cípio do mal reina soberanamente e onde se verão condenados

a viver por séculos no meio da desgraça e das dores. Sim, é aí

que se ouvem prantos e ranger de dentes; é aí que um fogo

inextinguível requeima o Espírito, porquanto, deportado, pela

sua perversidade, para essas desgraçadas terras, ele guardará a

lembrança do que haja perdido e acreditará que o perdeu para

sempre. Daí se originam as chamas que o devorarão, daí nas-

cem os demônios que o torturarão com o seu contato aviltante

— as dores, que serão morais para a sensibilidade do Espírito,

mas que também se tornarão, de certo modo, materiais pelos

sofrimentos físicos inerentes a tais encarnações, sofrimentos

que mais acerbos são para aquele que é punido pela sua

reincidência, isto é: que se vê degredado, quando pudera ter

progredido e gozar da paz do Senhor.

Mas, a mão paternal de Deus se estende sobre esses pobres

exilados como sobre todos e com o correr dos séculos a paz

acabará por entrar neles com o remorso do seu endurecimento

e o desejo da reparação. Será isso efeito da onipotência do

Senhor, expressa na lei imutável do progresso e da perfecti-

bilidade por ele estabelecida desde toda a eternidade e que se

executa sob os auspícios da sua justiça, da sua bondade e da

sua misericórdia infinitas.

Dissemos há pouco, falando do Espírito banido: Ele

guardará a lembrança do que haja perdido e acreditará que o

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380 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

perdeu para sempre. Isso entendei-o, se dá no estado de

erraticidade. O Espírito, livre dos entraves da carne, compre-

ende a sua posição, vê suas faltas. Poderá iludir-se durante

algum tempo, mas, passado o período de dilação, como nada

de arbitrário, ou que pareça tal, pode o Espírito ver na

execução dos desígnios divinos, todo o seu passado se

desenrolará às suas vistas e, assim como lhe será dado julgar

da justiça da condenação, também lhe será possível apreciar a

justiça da recompensa concedida aos bons obreiros.

Compreendei igualmente que, mesmo na condição de

encarnado, o Espírito banido experimenta um mal estar

indefinível, mas que lhe causa sofrimento e dá uma impressão

de superioridade com relação aos outros e, portanto, do

aviltamento relativo da sua posição.

(Vv. 34 e 40). Pelas palavras, que estes versículos

registraram, Jesus se exime da divindade que as falsas

interpretações humanas lhe atribuiriam, declarando-se irmão

de todos os homens, dos mais pequeninos dentre estes, filhos

todos, como ele, do pai onipotente; declarando-se Espírito

criado como eles, saído do mesmo princípio, tendo tido a

mesma origem. Por outro lado, dando a si próprio o título de

“rei”, indica, sob o véu que ficava reservado à revelação atual

levantar, a sua posição espírita como protetor e governador do

vosso planeta, encarregado do vosso progresso e de vos

conduzir à perfeição.

(Vv. 35 a 40 e 41 a 45). Estando prestes a deixar a Terra,

que ele viera subtrair ao erro, às superstições, aos vícios,

trazendo-lhe a luz, lançando as bases fundamentais da

regeneração humana, traçando e abrindo as sendas do

progresso, Jesus, depois de haver prevenido os homens da

separação do joio e do trigo, dos bons e dos maus, lhes diz

claramente em que se fundará a separação dos “cabritos” e das

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 381

“ovelhas”. Não será porque tenham professado ou deixado de

professar tal ou tal crença, adotando tal ou tal doutrina, pra-

ticado tal ou tal culto exterior, mas por terem ou não praticado,

no terreno material, no terreno moral e no terreno intelectual, o

amor e a caridade com todos. Os que assim o tiverem feito são

os que passarão “à sua direita”, ficando “à sua esquerda” os

que se houverem esquecido de assim proceder.

Jesus não se ocupou com os que, não contentes de não

terem feito o bem, hajam praticado o mal. A situação desses,

mais grave ainda, estava implicitamente compreendida no que

já ele dissera dos outros; não precisava ser mencionada.

Portanto, o que ressalta nítida e formalmente de todos os

ensinamentos do Mestre é que deveis procurar constantemente

ser caridosos, tornar-vos, por todos os meios possíveis, úteis

aos vossos irmãos. E cada um, qualquer que seja a sua pobreza

material, o pode sempre, ao menos moralmente, no meio em

que se ache colocado, pelo exemplo e pelos conselhos, cuja

inspiração encontrará nas palavras do Salvador, se bem as

compreender.

Ressalta ainda que — fora da caridade e do amor não há

salvação, isto é: não há progresso, nem adiantamento; que só

pela caridade e pelo amor podeis progredir e avançar; que,

sejam quais forem as vossas crenças, as vossas doutrinas, os

vossos cultos exteriores e as práticas materiais desses cultos,

enquanto não praticardes a caridade e o amor, enquanto, pois,

permanecerdes escravizados ao orgulho e ao egoísmo, assim

como aos vícios e paixões que de um e outro decorrem,

estareis e continuareis sujeitos à expiação em mundos

inferiores, às encarnações expiatórias nesses mundos.

Vimos de dizer, aludindo à prática do amor e da caridade:

“no terreno material, no terreno moral e no terreno

intelectual”. As palavras de Jesus, de acordo com o seu

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382 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

pensamento, se aplicam ao Espírito e ao corpo, como sendo,

para o Espírito, no estado de encarnação, instrumento e meio

de provas, de reparação e de progresso. Conseguintemente, é

do duplo ponto de vista das necessidades e socorros que

afetam, assim o corpo como o Espírito, que deveis praticar o

amor e a caridade com os vossos irmãos.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 383

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 1-13.

— MARCOS, Cap. XIV, vv. 1-9

Perfume derramado sobre a cabeça de Jesus

MATEUS: V. 1. Tendo acabado de proferir todos esses

discursos, disse Jesus a seus discípulos: — 2. Sabeis que daqui a

dois dias se celebrará a Páscoa e o filho do homem será entregue

para ser crucificado. — 3. A esse tempo reuniram-se os príncipes

dos sacerdotes e os anciãos do povo na sala do sumo pontífice

chamado Caifás, — 4, e se consultaram para se apoderarem de Jesus

à traição e lhe tirarem a vida. — 5. Mas, diziam: Durante a festa,

não, para que não se suscite algum tumulto entre o povo. — 6. Ora,

estando Jesus em Betânia, na casa de Simão o leproso, — 7,

aproximou-se dele uma mulher trazendo um vaso de alabastro com

precioso perfume e lhe derramou sobre a cabeça, quando estava à

mesa. — 8. Ao verem isso, seus discípulos se indignaram e disseram

consigo: Para que este desperdício? — 9. Esse perfume podia ser

vendido por bom dinheiro, que se daria aos pobres. — 10.

Percebendo neles este pensamento, disse-lhes Jesus: Porque

molestais a esta mulher, que no que fez comigo praticou uma boa

obra? — 11. Pobres, tê-los-eis sempre convosco, ao passo que nem

sempre me tereis a mim. — 12. Derramando sobre o meu corpo este

perfume, ela o ungiu para ser sepultado. — 13. Em verdade vos digo

que, onde quer que, no mundo inteiro, for pregado este Evangelho,

narrado também será, em sua memória, o que esta mulher acaba de

fazer.

MARCOS: V. 1. Dois dias depois vinha a Páscoa com os pães

ázimos e os príncipes dos sacerdotes e os escribas procuravam meio

de se apoderarem de Jesus à traição e de o matarem. — 2. Mas

diziam: No dia da festa, não, para que não se levante algum tumulto

entre o povo. — 3. Estando Jesus em Betânia sentado à mesa na casa

de Simão, o leproso, ai veio uma mulher com um vaso de alabastro

cheio de precioso perfume de nardo e, quebrando o vaso, lhe

derramou o perfume sobre a cabeça. — 4. Alguns dos presentes,

indignados com isso, diziam entre si: Para que desperdiçar assim

este perfume? — 5. Bem podia ele ser vendido por mais de trezentos

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384 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

denários, os quais seriam dados aos pobres. E murmuravam contra a

mulher. — 6. Jesus então lhes disse: Deixai-a; porque a molestais?

Com o que ela fez praticou uma boa obra, — 7, porquanto, pobres

tê-los-eis sempre convosco e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes

bem, mas a mim nem sempre me tereis. — 8. Ela fez o que lhe era

possível: embalsamou-me antecipadamente o corpo para a sepultura.

— 9. Em verdade vos digo que, onde quer que no mundo todo se

pregue este Evangelho, narrado também será, em sua memória, o

que ela fez.

N. 283. De novo a seus discípulos anuncia Jesus sua

“morte”, segundo o modo de ver dos homens, e também, de

maneira precisa, a sua crucificação. Aquela mulher foi, por

influência espírita, impelida a fazer o que fez, porque o seu ato

se prestava a pôr em relevo a presciência do Mestre quanto a

essa morte, a essa crucificação, pois que, ao verificar-se o

acontecimento predito, todos se lembrariam daquele ato e das

palavras que ele proferira com relação ao futuro.

Quebrando o vaso de alabastro cheio de precioso perfume e

derramando-o sobre a cabeça de Jesus, ela rendia uma

homenagem ao Senhor.

Ainda cegos pela matéria, os discípulos só compreendiam

os fatos materiais.

Repreendendo-os pelas suas murmurações, Jesus lhes fez

compreender que nem sempre bastam os sacrifícios que apenas

visam a matéria; que o homem precisa saber impor-se

sacrifícios tendo em vista também o Espírito.

A escolha de perfumes para essa lição, obedeceu à razão de

que, pela natureza que lhes é essencial, eles dão a ver que os

sacrifícios que se hajam de fazer, tendo-se em vista o Espirito,

não devem ser buscados unicamente nas coisas de ordem

material, mas também nas de ordem espiritual.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 385

“Não molesteis a essa mulher; deixai-a, disse Jesus; e

acrescentou: o que ela acaba de fazer é uma boa obra; em

verdade vos digo que, onde quer que no mundo inteiro for

pregado este Evangelho, narrado também será, em memória

sua, o que ela fez”.

Sim: era um ato de amor e de desinteresse, um sinal da

vitória do Espírito sobre a matéria.

“Pobres, disse ainda Jesus, tê-los-eis sempre convosco, ao

passo que nem sempre me tereis a mim”.

Estas palavras do Mestre não foram compreendidas em

espírito e verdade.

No que lhe concerne, ele alude ao seu apare- cimento na

Terra, aos tempos e à duração desse aparecimento, para o

desempenho da sua missão terrena, acorde aquela duração com

as necessidades dessa missão. Alude também à duração da sua

vida, humana ao ver dos homens.

Os que tomam sempre as suas palavras do ponto de vista

das necessidades humanas, sem se lembrarem de que, antes de

tudo, ele considerava as necessidades espirituais, falsearam

estas: Pobres, tê-los-eis sempre convosco, atribuindo-lhe o

pensamento, a afirmação, tão absurda e falsa, quão fatalmente

retrógrada, de que a pobreza material há de ser sempre,

eternamente, apanágio da Terra, da humanidade terrena.

Falando dos pobres da Terra, Jesus não aludia especial-

mente àqueles que carecem de bens materiais, mas de todos

quantos se encontram num estado de inferioridade qualquer,

que necessita do auxílio, do concurso, do amparo dos homens

de boa-vontade. Suas palavras se referem às condições dos

Espíritos, que uns são inferiores a outros em inteligência. Ele,

pois, se referia não só aos que são materialmente pobres, mas

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386 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

também aos que o são moralmente e sobretudo aos pobres de

inteligência.

No vosso planeta ainda inferior e em via de progresso, bem

como em todos os outros igualmente inferiores, sendo a po-

breza, tanto a material quanto a moral, uma consequência das

provações, sempre haverá pobres de uma e outra categoria, até

que esteja concluída a separação do joio e do trigo, isto é, que

a depuração da Terra e da humanidade esteja completamente

terminada pela separação dos bons e dos maus.

Lembrai-vos, porém, do que já diversas vezes temos dito:

que da elevação de um planeta não decorre o nivelamento das

faculdades.

Entre vós sempre haverá pobres, ainda quando do vosso

mundo hajam desaparecido tanto a pobreza material, como a

pobreza moral. Qualquer que seja o grau de depuração do

planeta terreno, aí haverá sempre, num ponto ou noutro,

Espíritos depurados, bons, mas menos adiantados do que

outros. Esses são os intelectualmente pobres, aos quais os ricos

em inteligência, em saber, darão com abundância o que

possuem. Já o temos dito e não devereis esquecer que, do

ponto de vista intelectual, há sempre, entre os Espíritos,

hierarquia, no tocante à ciência universal, mesmo quando

todos tenham atingido a perfeição moral.

A pobreza material deixará de existir na Terra quando

dentre vós desaparecerem todas as enfermidades morais, que

tendes de expiar renascendo continuamente. Despojai-vos,

portanto, dos vossos vícios, quer advenham da carne, quer do

Espírito, que deve dominar a matéria, pois que do contrário os

felizes de hoje talvez sejam os pobres de amanhã.

O desaparecimento, a cessação completa da pobreza

material, de maneira que cada um viva folgadamente do seu

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 387

labor, será um sonho enquanto a vossa depuração moral não

houver suavizado as vossas futuras expiações. As associações,

as instituições de beneficência que mantendes são boas,

porque provam, em vós o desejo de fazer o bem, de socorrer

vossos irmãos. Mas, sem desprezardes

os socorros materiais, esforçai-vos por socorrer o moral dos

homens. Podereis então dizer que a miséria material cessará

no planeta terreno, quando dele for expulsa a miséria moral.

A esse tempo, prestando-se os homens mútuo e esclarecido

auxílio, todos em comum trabalharão na obra comum. Quão

longe, porém, está essa era bendita em que haveis de entrar!

Preparai-vos, não obstante, para ela e fazei com esse

objetivo todos os esforços, organizando, com os corações

cheios de humildade e desinteresse, de justiça, de amor e de

caridade, sociedades para o trabalho de ordem material, de

ordem moral e de ordem intelectual. Que os “ricos” deem

abundantemente aos "pobres", trazendo cada um a tais

associações o tributo das faculdades de que possam dispor, a

fim de que se espalhem e desenvolvam a educação e a

instrução moral e intelectual, explicando aos homens e

fazendo- lhes compreender: o amor a Deus acima de tudo e o

do próximo como a si mesmos, as maneiras e os meios de

praticar-se esse duplo amor, de praticar-se, observando a

liberdade na ordem e a ordem na liberdade, o máximo de

mutualidade, de solidariedade, de fraternidade, fonte e regra de

todos os direitos e deveres, máxima que se formula nestes

termos: um por todos e todos por um, em todas as associações,

de qualquer natureza que sejam — comerciais, industriais,

agrícolas, morais e intelectuais, compreendidas no rol destas

últimas as literárias, as religiosas e as científicas, em todas as

esferas da atividade humana: individual, comum ou social.

Page 342: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

388 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 14-19.

— MARCOS, Capítulo XIV, vv. 10-16.

— LUCAS, Cap. XXII, vv. 1-13

Pacto de traição feito por Judas lscariotes com os príncipes

dos sacerdotes. Lugar escolhido para a Páscoa.

MATEUS: V. 14. Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes,

foi ter com os príncipes dos sacerdotes, — 15, e lhes disse: Que me

quereis dar? Eu vo-lo entregarei. Convencionaram dar-lhe trinta

moedas de prata. — 16. Desde então, Judas procurava uma

oportunidade para entregar Jesus. — 17. Ora, no primeiro dia dos

pães ázimos vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde

queres que preparemos o que é preciso para comermos a Páscoa? —

18. Respondeu-lhes Jesus: Ide à cidade, a casa de um tal homem e

dizei-lhe: O Mestre te manda dizer: o meu tempo está próximo; em

tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos. — 19. Os

discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa.

MARCOS: V. 10. Então, Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter

com os príncipes dos sacerdotes para lhes entregar Jesus. — 11.

Ouvindo-o, eles se alegraram, prometeram dar-lhe dinheiro e Judas

se pôs à espreita de uma oportunidade para o entregar. — 12. No

primeiro dia dos pães ázimos, que era quando se imolava o cordeiro

pascal, disseram a Jesus os discípulos: Onde queres que vamos

preparar o que é necessário para comer-se a Páscoa? — 13. Chamou

ele então dois dos discípulos e lhes disse: Ide à cidade; lá

encontrareis um homem carregando um cântaro d’água: segui-o. —

14. Dizei ao dono da casa onde ele entrar que o Mestre lhe manda

perguntar: Onde o aposento em que hei de comer a Páscoa com

meus discípulos? — 15. Ele vos mostrará um amplo cenáculo

mobiliado. Preparai aí o que for necessário. — 16. Os discípulos

partiram, foram à cidade e acharam tudo como lhes ele havia dito e

prepararam a Páscoa.

LUCAS: V. 1. Estava próximo a festa dos pães ázimos, que se

chama a Páscoa. — 2. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas

procuravam um meio de tirar a vida a Jesus, mas temiam o povo. —

Page 343: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 389

3. Ora, Satanás entrou em Judas, cognominado Iscariotes, que era

um dos doze; — 4, e Judas foi e se entendeu com os príncipes dos

sacerdotes e os capitães das guardas do templo sobre o modo de lhes

entregar Jesus. — 5. Alegraram-se todos e ajustaram com ele dar-lhe

dinheiro. — 6. Judas prometeu e começou a procurar uma

oportunidade de lhes entregar o Mestre, sem que o povo o soubesse.

— 7. Chegou afinal o dia dos pães ázimos, em que se devia imolar a

Páscoa. — 8. Jesus despachou a Pedro e João, dizendo-lhes: Ide

preparar tudo para comermos a Páscoa. — 9. Eles perguntaram:

Onde queres que a preparemos? — 10. Respondeu Jesus: Ao

entrardes na cidade, encontrareis um homem carregando um cântaro

d’água; acompanhai-o até à casa onde ele entrar; — 11, e dizei ao

dono da casa: O Mestre te manda perguntar: Onde o compartimento

em que hei de comer a Páscoa com meus discípulos? — 12. E ele

vos mostrará uma grande sala mobiliada; preparai aí o que for

necessário. — 13. Os dois foram e acharam tudo como ele lhes

dissera e prepararam a Páscoa.

N. 284. Aproximava-se o momento de se cumprirem as

coisas preditas e Jesus, falando daquele modo aos discípulos,

confirmava as predições já feitas. Enviados por ele, Pedro e

João encontram o homem que lhes fora indicado e tudo se

passa como ele anunciara. Já recebestes (N. 246 deste volume)

a explicação desses fatos, que se verificavam em Jesus, de

presciência, de visão a distância, bem como a da influência

oculta que concorria para que eles se produzissem. Reportai-

vos a essa explicação.

Habituados a tais fatos, os apóstolos a princípio pouca

atenção lhes prestaram. Mais tarde, porém, voltando a

considerar todas aquelas predições, elas lhes deram, e também

aos seus primeiros discípulos, a confirmação da presciência e

da missão de Jesus.

Quanto à traição de Judas, essa não resultou de uma predes-

tinação. Aceitá-la como tal, aceitando as interpretações que da-

quele fato resultaram, importaria em negar a justiça de Deus.

Page 344: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

390 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Judas, que era um Espírito desejoso de adiantar-se, mas

orgulhoso e por demais confiante nas suas forças, pedira, antes

de encarnar, que lhe fosse concedido participar da obra do

Cristo, esperando tirar dessa participação abundantes e

preciosos frutos. Em vão seus guias lhe fizeram ver os

escolhos contra os quais iria chocar-se. Em vão lhe disseram

ser ainda muito fraco para suportar tão grande peso e lhe

mostraram que, obumbradas suas resoluções e esperanças pela

carne, os sentimentos de inveja e de cobiça despertariam e o

arrastariam inevitavelmente a uma queda, que tanto mais

perigosa lhe seria, quanto mais obstinado ele perseverasse no

seu propósito. A nada quis atender.

Jesus conhecia a Judas e lhe aceitara o concurso. A lição

terrível que o esperava fá-lo-ia sair afinal purificado de todos

os vícios que ainda o dominavam. Foi tendo em vista esse

futuro, patente a seus olhos, que o Mestre consentiu naquele

ato de Judas. Porque, ficai certos, nada ocorre sem que ao

acontecimento presida um princípio de eterna justiça, de

inefável amor.

Judas era orgulhoso, invejoso e amante do luxo. Pesava-lhe

a sua posição humilde e pobre. Ofuscava-o a auréola que

cercava Jesus, a quem não podia perdoar que por aquela forma

atraísse a atenção de todos. O orgulho, a inveja e o amor do

luxo lhe trouxeram, como consequência, a cupidez, a

hipocrisia, a inclinação ao roubo31

.

Pobre humanidade! que ainda te obstinas em caminhar nas

pegadas de Judas, que ainda com tanta dificuldade suportas os

reflexos de glória, de fama, de estima, que aureolam alguns

dos teus membros! Pobres homens! quanto vos torturais por

achar oportunidade de vender aquele contra quem nutris

íntimo sentimento de inveja, cujas causas e consequências a

31

Ver: Evangelho de João, Capítulo XII, v. 6.

Page 345: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 391

vossa consciência não ousa reconhecer! quantos dentre vós se

esforçam por fazer que desmereçam na opinião pública

aqueles de vossos irmãos que julgais se elevam imereci-

damente no conceito dos outros homens! com quantos artifí-

cios vos pondes à espreita do momento em que lhes deitareis a

mão e os entregareis aos sacerdotes, aos escribas e aos fariseus

da vossa época, procurando descobrir, traiçoeira e cuidado-

samente, o lado fraco, as faltas dos que desejais sacrificar,

colocando-os, em seguida, desnudos diante dos que também

aguardam um instante favorável para deles se apoderarem !

Oh! empregai de preferência os recursos da vossa tão pers-

picaz inteligência em descobrir meios de ocultar a todos os

olhares as faltas, reais ou aparentes, dos vossos irmãos. Ho-

mens! não façais como Judas. Ah! não sabeis quão terrível é a

expiação daquele que “vende” o “justo”, que trai a seu “mes-

tre”. Não digais: “A culpa não é minha; esse que quero fique

perdido perante a opinião pública, esse cuja reputação solapo

soturnamente, cujas fraquezas eu, oculto nas sombras, esprei-

to, para expô-las à luz meridiana, às vistas de todos, este não é

um justo, não é meu mestre”. Que sabeis a tal respeito? Estás

bem certo tu, Judas orgulhoso, que sucumbes a uma inveja

surda, estás bem certo de que ele não é teu mestre, isto é: de

que, se estivesses em seu lugar, não falirias mais gravemente?

Queridos irmãos, desconfiai todos, todos sem exceção, de

vós mesmos, pois que estais sempre prontos a dar entrada a

“Satanás”, ao “demônio” do orgulho e da inveja e muito pron-

tamente sucumbis às suas sugestões. Guarde-vos o Senhor,

porquanto a queda é fácil, mas o reerguimento é terrível!

Os discípulos, dizem os Evangelhos, fizeram o que Jesus

lhes determinara, tudo se passou como lhes fora dito e prepa-

raram tudo para que ele celebrasse a Páscoa com os doze,

portanto com Judas Iscariotes também o qual, sabia-o ele, o

havia de trair.

Page 346: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

392 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

A propósito dos versículos que se seguem aos de que

estamos tratando, vamos explicar-vos, segundo o espírito que

vivifica, quais foram o motivo e o fim que Jesus teve em mente

para celebrar com seus discípulos a ceia pascal, não numa

sinagoga ou num templo construído pelos homens, mas num

amplo cenáculo todo mobiliado, ceia que, como cumpria

acontecesse, serviu, sob o império e o véu da letra, de base a

um culto exterior e que foi, em espírito e em verdade, um ato

puramente espiritual, emblemático, cujo sentido, alcance e

aplicação faremos conhecer.

N. 285. Nestas frases: “Quanto à traição de Judas, essa não

resultou de uma predestinação. Aceitá-la como tal, aceitando

as interpretações que daquele fato resultaram, importaria em

negar a justiça de Deus” — COMO SE DEVEM ENTENDER

as palavras: aceitando as interpretações que daquele fato

resultaram?

Segundo as explicações que os homens deram desses fatos,

Judas houvera sido de antemão escolhido e entregue ao

“demônio”; fora criado para cometer o crime que praticou; sua

alma fora vil, baixa, invejosa, cúpida, sanguinária, unicamente

para que se cumprissem as profecias do Antigo Testamento.

Quão manifesta, entretanto, é a justiça de Deus no ato daquele

Espírito presunçoso, que pede para cooperar na grande obra e

que, apesar de todas as observações, de todos os conselhos, se

obstina em levar por diante a orgulhosa tentativa, confiando

mais na sua presunção do que na presciência daquele sob cuja

inspiração seus guias lhe declaravam: Tu vais falir. Quão

patente se mostra, ao mesmo tempo, naquele ato, a mão paternal

sempre estendida para o filho indócil, a fim de o levantar após

a queda, que lhe serviria de ensinamento e lhe faria germinar

no coração a salutar humildade que aí não encontrara até então

acesso!

Page 347: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 393

Oh! Como é grande esse Deus que permite que o filho

culpado encontre, na sua própria indignidade, o ponto de apoio

que o ajudará a subir para a perfeição!

Oh! Quanto é bom aquele que está sempre pronto a perdoar

ao que sinceramente se arrepende, que pensa com suas mãos

benfazejas as chagas dos nossos corações culpados, que nelas

derrama o bálsamo da esperança e as cicatriza com o auxílio

da expiação!

Bendito sejas tu, meu Deus!

JUDAS ISCARIOTES.

DIANTE DESSA INESPERADA MANIFESTAÇÃO, diri-

gimos ao Espírito de Judas ESTAS PALAVRAS: Nós te agra-

decemos o te teres assim manifestado, tu que faliste pedindo

uma missão superior às tuas forças. “Deus, em sua bondade,

em sua misericórdia infinitas, permitiu que te reerguesses e tu

te regeneraste no cadinho do arrependimento, do remorso, da

expiação, da reencarnação, do tempo e do progresso. E te

tornaste um dos auxiliares humildes, ativos e dedicados do

Cristo, que te prometera, como aos outros onze apóstolos fiéis,

que “beberias e comerias à sua mesa” no seu reino e que te

assentarias num dos doze tronos para julgar as doze tribos de

Israel”32

. Grandiosa lição essa, “fonte” de esperança e de

coragem para todos, a todos ensinando que, por maior que seja

o crime ou a falta da criatura, jamais é tão grande quanto a

bondade de Deus.

A mão do médium, fluidicamente impelida, no mesmo

instante e espontaneamente, escreveu ISTO:

O amor do Senhor se estende por sobre todas as suas

criaturas. Vinde, pois, a ele, cheios de confiança. Não são os

32

Ver, para compreensão do sentido destas palavras, o N. 240, neste

volume.

Page 348: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

394 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

inocentes os que precisam de perdão. Não são os fortes os que

precisam de amparo. Vinde, filhos que chorais as vossas faltas,

o Senhor vos enxugará as lágrimas. Vinde, filhos fracos e

enfermos, o Senhor vos dará parte maior e mais ativa do seu

amor. Vinde confiantes. Como vós, também nós falimos.

Como vós, também fomos culpados, amargamos as nossas

faltas e expiamos os crimes que cometêramos e as fraquezas

que nos fizeram sucumbir, por meio de longo e penoso labor,

numa série extensa de existências humanas, que prepararam e

realizaram a nossa purificação, graças à qual o Senhor nos

admitiu a gozar da sua alegria.

Imitai-nos, portanto, irmãos bem-amados. Todos tendes,

mais ou menos, o que expiar, tendes que pedir perdão. Vinde

com confiança aos pés do vosso pai, confessai vossas faltas

perante o seu tribunal. O juiz é reto, o juiz é justo, mas

também é pai. Sua indulgência há de sempre prevalecer sobre

sua justiça; suas sentenças ele as profere sempre dentro dos

limites das vossas forças. É credor paciente e brando; esperará

que possais pagar a vossa dívida.

Oh! Vinde! Possa a mão que vos entendemos sustentar-vos,

fazendo-vos compreender que em nós achareis grandes

tesouros de amor.

Como dissestes, Judas é hoje um Espírito regenerado no

crisol do arrependimento, do remorso, da expiação, da reencar-

nação e do progresso. Tornou-se um dos auxiliares humildes,

ativos e devotados do Cristo. Este exemplo vos mostra que não

deveis nunca repelir qualquer de vossos irmãos e ainda menos

excluí-lo da paz do Senhor.

MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOÃO

assistidos pelos apóstolos.

JOSÉ DE ARIMATÉIA, — SIMÃO DE CIRENE.

Page 349: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 395

MATEUS, Capítulo XXVI, vv. 20-30.

— MARCOS, Capítulo XIV, vv. 17-26.

— LUCAS, Capítulo XXII, vv. 14-23

Ceia pascal. — Jesus prediz a traição de Judas.

MATEUS: V. 20. Chegada que foi a tarde, Jesus se sentou à

mesa com seus discípulos. — 21. E, enquanto estes comiam, disse:

Em verdade vos digo que um de vós me trairá. — 22. Os discípulos,

profundamente contristados, começaram um a um a perguntar-lhe:

Serei eu, Senhor? — 23. Respondeu ele: O que comigo põe a mão

no prato, esse é o que me entregará. — 24. O filho do homem, na

verdade, se vai, conforme ao que está escrito a seu respeito, mas ai

daquele por quem o filho do homem será entregue! Melhor lhe fora

não haver nascido. — 25. Então Judas, o que o traiu, lhe perguntou:

Mestre, sou eu? Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste. — 26. Estando

todos a comer, Jesus pegou do pão, o abençoou, partiu e deu aos

discípulos, dizendo-lhes: Tomai e comei: isto é o meu corpo. — 27.

E, tomando do cálice, rendeu graças e o passou aos doze, dizendo:

Dele bebei todos. — 28. Este é o meu sangue, o sangue da nova

aliança, que por muitos será derramado para remissão dos pecados.

— 29. Digo-vos que desta hora em diante não mais tornarei a beber

deste fruto da videira, até ao dia em que o beberei de novo convosco

no reino de meu pai. — 30. E, entoando o cântico de ação de graças,

saíram para o monte das Oliveiras.

MARCOS: V. 17. Chegada a tarde, foi Jesus para lá com os

doze. — 18. Estando todos à mesa comendo, disse ele: Em verdade

vos digo que um de vós, que comigo come, me entregará. — 19.

Começaram eles então a entristecer-se e a perguntar, cada um por

sua vez: Serei eu? — 20. Respondeu-lhes Jesus: um dos doze, que

mete comigo a mão no prato. — 21. Na verdade o filho do homem

vai-se, conforme a seu respeito está escrito; mas ai daquele por

quem o filho do homem será entregue, melhor lhe fora não haver

nascido. — 22. Enquanto comiam, Jesus pegou do pão, o abençoou,

partiu e lhes deu, dizendo: Tomai, e isto é o meu corpo. — 23,

Page 350: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

396 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Pegando do cálice, rendeu graças e deu- lhes e todos beberam dele.

— 24. Disse ele então: Isto é o meu sangue, o sangue da nova

aliança, que será por muitos derramado. — 25. Em verdade vos digo

que não mais beberei deste fruto da videira, até ao dia em que o hei

de beber de novo no reino de Deus. — 26. E, entoado o cântico de

ação de graças, saíram para o monte das Oliveiras.

LUCAS: V. 14. Chegada a hora, Jesus se pôs à mesa com os

doze apóstolos, — 15, e lhes disse: Ardentemente desejei comer

convosco esta Páscoa, antes de padecer, — 16, porquanto vos

declaro que não tornarei mais a comê-la até que ela se cumpra no

reino de Deus. — 17. Depois, pegou do cálice, rendeu graças e

disse: Tomai-o, passai-o entre vós; — 18, pois vos declaro que não

tornarei a beber do fruto da videira, até que venha o reino de Deus.

— 19. Em seguida, tomou do pão, rendeu graças, o partiu e passou

aos discípulos, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado:

fazei isto em memória de mim. — 20. Terminada a ceia, tomou

igualmente do cálice e disse: Este cálice é a nova aliança em meu

sangue, que se derramará por vós. — 21. Entretanto, a mão daquele

que me trai está comigo a esta mesa. — 22. O filho do homem, na

verdade, vai-se, conforme está determinado, mas ai do homem, por

quem ele será traído! — 23. Começaram então os apóstolos a

perguntar uns aos outros qual deles iria fazer isso.

N. 286. Nenhuma ideia material devem despertar nos

vossos Espíritos a ceia de Jesus com os apóstolos e a

comunhão para a qual convida ele os homens. Naquela

ocasião, servindo-se dos símbolos do pão e do vinho, que

compara ao seu corpo e ao seu sangue, o Mestre fez um último

e solene apelo à fraternidade entre todos. Assentados todos à

mesa do festim, todos tendes que vos servir igualmente do

mesmo alimento e beber pelo mesmo cálice. O Senhor marcou

o lugar que deveis ocupar e indicou os alimentos que vos

sustentarão. Uni-vos, pois, na vida, como os onze discípulos

fiéis se uniram em torno do Mestre, ligados por um único

sentimento: o amor ao Pai, o amor ao Salvador, o amor aos

vossos irmãos. Compartilhai do mesmo sacrifício, repartindo

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 397

entre vós o pão que Jesus vos passa. Lembrai-vos de que esse

pão tem que ser o mesmo para todos, pois que o sacrifício do

Salvador se verificou para servir de exemplo a todos. Ao

passardes de mão em mão o cálice, lembrai-vos de que a

bebida que ele contém se destina a dessedentar todos os que se

acham sequiosos, visto que seu sangue o Salvador derramou

por todos.

Fazei com os vossos irmãos transviados, sejam eles os mais

perversos, o que fez Jesus com o duodécimo discípulo —

Judas. Embora soubesse que este o havia de trair, que era um

irmão falso, um discípulo prevaricador, Jesus permite que ele

se sente à mesa com os onze discípulos fiéis, que participe

com estes do mesmo alimento, que beba pelo mesmo cálice,

isto é: admite-o a escutar, a receber o último apelo feito à

fraternidade entre todos. É que Judas era então a ovelha

desgarrada, que mais tarde o bom pastor carregaria aos ombros

e reconduziria ao aprisco. Ao aproximar-se o momento em que

ia deixar a Terra, bem como do alto da cruz, Jesus não teve

para Judas que o traíra e entregara, nem para os que o

insultavam e flagelavam, senão uma palavra de perdão:

Perdoa-lhes, meu pai; eles não sabem o que fazem.

Judas, que ouvira a voz do Mestre e o não escutara, presa

de remorsos, quando ainda na Terra, e arrastado pelos

remorsos ao suicídio, encontrou o perdão após a morte, sob a

ação de um arrependimento sincero e profundo e do ardente

desejo de expiar e reparar sua falta.

Depois de passar por sofrimentos e torturas morais

apropriados e proporcionados à culpa em que incorrera, aos

crimes que praticara, ele viu abrir-se diante de si a via da

reencarnação, que o é da purificação e do progresso. Como

todos, com o tempo, com os séculos, com o auxílio das

provações e da expiação, pôde, por efeito da onipotência de

Deus, da sua justiça, da sua bondade da sua misericórdia

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398 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

infinitas, sair e saiu daquela via, purificado pela humildade,

pelo desinteresse e pelo amor.

Retomou assim o seu lugar no banquete em companhia dos

outros discípulos e hoje, com estes, convida todos os seus

irmãos transviados a virem, com e como ele, sentar-se à mesa

do Mestre.

Fazei com todos os vossos irmãos transviados o que fez

Jesus com o duodécimo discípulo — Judas: reconduzi-os ao

bom caminho, opondo à injúria, à ofensa, à traição — a

doçura, a paciência, o silêncio, que o Mestre opôs ao ato de

Judas, ao proceder dos que o insultavam e dos seus algozes.

Não tenhais, para os vossos irmãos transviados, senão, como

Jesus, palavras de perdão. Encaminhai os mais perversos,

exemplificando lhes a caridade e o amor, perseverando, para

com eles, na prática do amor e da caridade. Aos que se

constituírem, vossos inimigos, aos que vos odiarem, fazei o

bem. Orai pelos que vos perseguem ou vos caluniam.

Desenvolvendo neles, por essa forma, o sentimento do

verdadeiro, do justo, do bom, preparai-os a virem um dia

convosco, sob a ação do arrependimento, do desejo de reparar

e de progredir, tomar lugar no banquete pascal, isto é: no

banquete da fraternidade universal.

O pão e o vinho não são mais que símbolos. Jesus nunca

lhes pretendeu dar aplicação material. Porém, ainda aqui, o

que ocorreu tinha que ocorrer, pois que para a matéria só a

matéria. Uma simples comemoração fora de todo estéril. Era

mister impressionar os homens, levando-os a se considerarem

sepulcros onde todos os dias o Cristo viria sepultar-se!

sepulcros caiados por fora, e, na sua maioria, indignos de

servir de altar de propiciação. Já de há muito, entretanto, as

inteligências se preparam para abandonar à matéria o que é

matéria e dar ao espírito o que é do espírito, restabelecendo o

verdadeiro objetivo da comemoração da Páscoa.

Page 353: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 399

A rotina, a cegueira, a obstinação, que até agora

mantiveram o erro, hão de cair.

Bom é, entenda-se, que o homem consagre um dia a essa

grande recordação. Bom é que, de idade em idade, a

lembrança da dedicação daquele excelso modelo, que até vós

se abaixou, sirva para que vos eleveis até ele, a fim de que se

aproxime rapidamente o instante em que, reunidos todos nas

esferas superiores, possais de novo receber de suas benditas

mãos o pão de vida, o cálice de eternidade.

Bom é consagreis um dia a essa recordação, apelando séria

e profundamente para aquele que vela sem cessar pela

humanidade terrena, pedindo-lhe com instância e ardor, do

íntimo d’alma, o pão e o vinho que cumpre partilheis com os

vossos irmãos, passando-lhes o cálice das bênçãos,

entregando-lhes a parte que lhes caiba do pão de vida.

Rogai, pois, ao que abençoa o pão e o cálice que os abençoe

novamente, antes que convosco os distribua. Será bom que o

dia comemorativo fique consagrado a um apelo mais sério e

mais fervoroso àquele que vos convida para a sua mesa,

fazendo-se esse apelo por meio da prece, do estudo, das boas

obras, da instrução em comum, das exortações ao bem em

todos os sentidos.

Não há necessidade de que vos expliquemos versículo por

versículo. Bastam às explicações, que vos temos dado, do ato

no seu todo, do pensamento que presidiu à sua realização.

As diferenças que apresentam as narrações do fato em nada

comprometem a exatidão dos narradores, visto que as

narrativas se explicam e completam umas pelas outras. Cada

evangelista referiu a conversação que se travou durante a ceia

e na qual Jesus, não empregando sempre as mesmas palavras,

insistiu repetidas vezes na externação do mesmo pensamento,

a fim de bem gravá-lo no coração de seus discípulos.

Page 354: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

400 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Naquela ocasião, como em tantas outras (mais do que

nunca deveis ter isto bem presente), Jesus apropriou sua lin-

guagem às inteligências e às necessidades da época, de modo a

atender à de então a preparar o futuro. Porque, o reinado da

letra, como meio e condição de progresso, tinha que preparar e

conduzir a humanidade ao advento do espírito, cujos primeiros

sinais começam a brilhar desde o Oriente até o Ocidente.

A Páscoa é um símbolo, nada mais que um símbolo. É o

selo aposto por Jesus aos ensinamentos que ministrara pela sua

palavra. É a confirmação da lei do amor e da união que devem

reinar entre os homens. É a suprema lição do Mestre. É o

derradeiro e solene apelo por ele feito à prática da lei do amor

e da união e, portanto, à fraternidade universal, meio único de

operar- se a regeneração humana, senda de libertação.

Implantando o reinado de Deus no vosso mundo, a

fraternidade fará que, de acordo com a lei ascensional do

progresso e da harmonia universal, a Terra se torne reino do

pai: uma dessas esplêndidas moradas que, na sua casa — a

imensidade, o infinito — só os Espíritos purificados habitam,

moradas onde tudo é amor, união, liberdade e progresso.

Jesus baixou ao convívio de seus discípulos para lhes dar

ensinamentos verbais capazes de os impressionar, tendo

sempre o cuidado de ligar esses ensinos aos fatos e às

tradições do Antigo Testamento.

Não voltará ao meio deles senão quando a semente que

plantou e que vem germinando há tantos séculos se tenha

tornado árvore coberta de galhos carregados de frutos. Quer

isto dizer que ele não voltará, visível aos homens, senão

quando houverdes atingido tal grau de desenvolvimento, que

lhe seja possível manifestar-se sem que precise recorrer a uma

encarnação especial, qual a de que se serviu, encobrindo a sua

natureza espiritual com um corpo fluídico tangível, em relativa

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 401

harmonia com o vosso planeta, a fim de que os homens o

pudessem ver.

N. 287. Dissestes: “O pão e o vinho não são mais que

símbolos. Jesus nunca lhes pretendeu dar aplicação material.

Porém, ainda aqui, o que ocorreu tinha que ocorrer, pois que

para a matéria só a matéria”. Quais o sentido e o alcance

dessas palavras?

Sabeis que os primeiros discípulos de Jesus, cumprindo a

recomendação expressa nas derradeiras palavras do Mestre, se

reuniam para, em comum, fazerem um repasto comemorativo

do último em que com ele haviam tomado parte. Conheceis

igualmente as cenas escandalosas que mais tarde se deram

nessas reuniões. Em vez da fraternidade que devia reinar entre

todos, imperava o orgulho e o rico devorava a sua refeição

faustosa junto do pobre que com avidez o contemplava. O

cálice deixara de ser um só para todos os lábios e a bebida de

ser uma só para todos os corações. Para uns, o cálice se enchia

de vinho e de mel, enquanto que para outros continha fel e

vinagre. Os cristãos tiveram que pôr termo a esses abusos e

instituíram a “comunhão”, tendo por símbolos o pão e o vinho.

Era ainda um repasto em que o mesmo pão se repartia por

todos e em que todos os lábios se umedeciam no mesmo cálice.

Tempos depois, a dificuldade de se reunirem em grande

número, os obstáculos que se lhes antepunham, os perigos que

corriam, forçaram os cristãos a simplificar o repasto fraterno.

Foi então que instituíram a “comunhão”, dada pelo sacerdote

ao discípulo que se apresentava para recebê-la. Era sempre o

mesmo pão repartido, o mesmo cálice a passar de uns a outros.

Chegou-se afinal a substituir o pão pela hóstia, que mais

facilmente se conservava e se ocultava, sendo preciso. Só ao

sacerdote se tornou permitido beber no cálice, a fim de se

evitar a lentidão dos repastos anteriores e os embaraços que

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402 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sempre ocasionavam os aprovisionamentos do vinho que se

fazia preciso fornecer à comunhão dos fiéis. Essas transfor-

mações se foram operando sucessivamente no curso das

perseguições de que os cristãos eram vítimas em Roma.

Vedes que tiveram sua razão de ser. Pouco importava o

modo de realização do ato material comemorativo, uma vez

que o ato espiritual era praticado com fé, tendo todos o

objetivo de se aproximarem, pelo pensamento e pelo coração,

daquele que o instituíra, todos animados do desejo ardente, da

resolução firme de se esforçarem séria e continuadamente por

marchar nas suas pegadas.

Se tomaram as palavras do Mestre ao pé da letra para lhes

darem uma aplicação material e se, apesar do que ele dissera:

“Fazei isto em minha memória”, essa aplicação material pro-

duziu o dogma humano da “presença real”, da “transubstan-

ciação”, causa de intermináveis controvérsias, foi isso devido a

que o homem se atém sempre à crosta superficial, sem cogitar

da seiva que lhe dá vida; a que sempre quer dominar, fazer

prevalecer a sua ideia, sem se lembrar de que a sua ideia ainda

é uma forma material de que ele reveste um ato espiritual e de

que a forma pouco importa desde que o espírito permaneça o

mesmo.

A vós outros, espíritas, que compreendeis em espírito e

verdade as palavras do Mestre, já dissemos o que é a Páscoa e

como deve ser celebrada, segundo o espírito que vivifica: pela

prece, mas prece de coração e não dos lábios apenas, prece que

tenha por base os atos de uma vida íntegra e pura aos olhos do

Senhor, de uma vida humilde, ativa e consagrada ao bem de

todos os membros da grande família humana; pelas boas obras

praticadas com sinceridade, humildade e caridade, de acordo

com a lei de amor; pelo estudo, pela instrução em comum,

pelas exortações ao bem, assim no terreno material, como no

terreno moral e no intelectual.

Page 357: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 403

Mas, não podeis extirpar de um só golpe todas as ideias.

Deixai, portanto, aos que, cristãos e espíritas, buscam o

espírito na forma, a satisfação passageira que encontram no

ato material. Não despedaceis de súbito esse jugo, porque os

que estão habituados a suportá-lo fugiriam espavoridos.

Esperai que o tempo, a razão, o amor e a caridade abram todos

os corações, todas as inteligências e espiritualizem todos os

homens.

Eis porque dizemos hoje a todos quantos o espírito ainda

não libertou completamente da letra: aquele que se julgue no

dever de aproximar-se do Mestre por esse ato material,

pratique-o; mas, reconhecendo valor unicamente no ato

espiritual. Homens, que praticais os ritos cristãos, não vos

envergonheis de aproximar-vos da “mesa santa”, pois sejam

quais forem as profanações a que ela tenha sido exposta,

sempre a podeis santificar pelo sentimento com que dela vos

avizinhardes. Não coreis de vir, curvada a fronte, prostrar-vos

aos pés do sacerdote que vos apresenta a hóstia "consagrada".

Não atenteis no homem, não vos preocupeis com a matéria;

elevai vossas almas a Deus, lembrai-vos das virtudes

praticadas pelo Mestre; escutai-lhe a voz, que ainda vos prega

a mesma e perfeita moral que pregou outrora; olhai para a

senda luminosa que ele vos abriu e iluminai-a, seguindo-o.

Qualquer que seja a forma, considerai unicamente o fundo.

Qualquer que seja a mão que vos ofereça o pão, vede somente

a Jesus que vos repete: Fazei isto em minha memória.

Espíritas, que ainda buscais o espírito na forma, que

encontrais felicidade em vos aproximardes, por meio de uma

comemoração material, daquele que comeu com os discípulos

a ceia pascal, simbolizando nesta a lei de amor e de unidade,

de fraternidade entre todos, podeis sem temor praticar o ato

material sob cuja aparência se oculta um pensamento

espiritual. Mas, se não fordes atraídos para esse repasto

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404 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

espiritual pelos sentimentos a que ele serve de símbolo,

abstende-vos. É esse o vosso dever, pois o contrário seria

hipocrisia.

Cristãos, quem quer que sejais — romanos, gregos, ou

protestantes — praticai o ato material comemorativo, se as

exigências do vosso coração, ou mesmo os hábitos da vossa

infância a isso vos impelem. Mas, não o pratiqueis nunca

preocupados com a opinião dos homens. Não transijais com a

vossa consciência. Suportai, se for preciso, a censura injusta;

porém, sejam puras as vossas ações, ditem-nas a verdade e o

amor. Para trás, para trás o covarde, que mais valor dá à

consideração dos homens do que à tranquilidade da sua

consciência, que mais teme a censura dos homens do que a da

sua própria consciência!

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 405

LUCAS, Capítulo XXII, vv. 24-30

Orgulho. — Ambição. — Dominação. — Interditos.

V. 24. Suscitou-se depois entre eles uma contenda sobre qual

deveria ser reputado o maior. — 25. Jesus então lhes disse: Os reis

das nações as tratam com império e os que sobre elas exercem

autoridade são chamados benfeitores. — 26. Não seja assim entre

vós: ao contrário, aquele que for entre vós o maior faça-se como o

mais pequeno e seja aquele que manda igual ao que serve. — 27.

Porque, qual é o maior, o que está à mesa ou o que serve? Não é o

que está à mesa? Entretanto, eu me acho entre vós como o que serve.

— 28. Vós, porém, sois os que haveis permanecido comigo nas

minhas tentações; — 29, por isso, eu vos preparo o reino, como meu

pai me preparou, — 30, para que comais e bebais à minha mesa no

meu reino e vos senteis sobre tronos, a fim de julgardes as doze

tribos de Israel.

N. 288. Ninguém, há de ser excluído, ninguém será

repelido. Mas, também ninguém se há de considerar superior a

seu irmão e ambicionar lugar mais elevado.

(V. 24). A discussão que se travou entre os discípulos,

quando cogitaram de saber qual deles deveria ser considerado

o maior, é, no fundo, análoga ao pedido que a Jesus dirigiram

os filhos de Zebedeu e a mãe deles, pedido que causou

indignação aos dez outros apóstolos (N. 244, deste volume) e

deu lugar à resposta e aos ensinamentos que o Mestre, nesta

outra ocasião, repetiu, usando apenas de termos diferentes.

Tais discussões surgiam amiúde entre os discípulos, porque,

não obstante a missão que desempenhavam, eles se achavam

sob o império da carne, sofrendo-lhe os desfalecimentos.

(Vv. 25-27). A resposta de Jesus consignada nestes versí-

culos já foi explicada pelo que vos dissemos no ponto acima

indicado. Reportai-vos a essas explicações. Repetiremos, en-

tretanto: esta resposta encerra um ensinamento simples e

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406 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

conciso, de molde a induzir o homem à humildade, ao desin-

teresse e à renúncia de si mesmo. Como tudo o que importe

infração da lei de amor, de caridade e de fraternidade, o orgu-

lho constitui uma barreira que se ergue entre o homem e Deus.

(Vv. 28-30). Não tomeis aqui o termo “tentações” na sua

acepção vulgar. Segundo o espírito, velado pela letra, ele

significa, com relação a Jesus: tribulações, provas, a que

qualquer outra natureza que não a sua houvera sucumbido.

Do ponto de vista humano, aquela expressão indica os

sarcasmos, as perseguições que lhe moviam seus inimigos e

que, aos olhos dos homens, eram para ele tribulações e provas.

Jesus falava a seus discípulos, não o esqueçais, e objetivava,

empregando o termo tentações, deixar uma arma com que de

futuro se pudesse combater a divindade que mais tarde os

homens lhe haviam de atribuir.

Sois, disse Jesus, os que haveis permanecido comigo nas

minhas tentações; por isso eu vos preparo o reino, como meu

pai me preparou.

Os apóstolos fiéis eram Espíritos adiantados, mas ainda não

perfeitos.

Jesus trazia aos homens os meios de progredirem, tal como

o Senhor lhe dera a ele e a todos os outros Espíritos os meios

de se elevarem.

Assim como, até então, os Espíritos que tinham querido

perseverar no bem, inclusive o seu, haviam tido a assistência

dos Espíritos superiores prepostos à obra do adiantamento

deles, também os apóstolos seriam auxiliados e guiados, para

atingirem a perfeição que ambicionavam e pela qual tantos

esforços faziam.

Jesus, Espírito protetor e governador do vosso planeta,

único encarregado do vosso progresso, vos prepara o reino,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 407

como a seus apóstolos, dando-vos a assistência de Espíritos

relativamente superiores, prepostos ao vosso desenvolvimento,

auxiliando-vos e encaminhando-vos para a perfeição que

ambicionais. Esforçai-vos, pois, por consegui-la e, quando a

houverdes atingido, quando vos houverdes tornado servidores

ativos e devotados do pai, reunidos todos, repartiremos

convosco o pão espiritual e beberemos pelo cálice da vida

eterna.

Quanto a estas palavras (v. 30): “e vos senteis sobre tronos

para julgardes as doze tribos de Israel”, reportai-vos às

explicações que já vos demos a esse respeito (N. 240, deste

volume).

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408 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXVI, vv. 31-35.

— MARCOS, Capítulo XIV, vv. 27-31.

— LUCAS, Capítulo XXII, vv. 31-38

Predições de Jesus. — Predição da negação de Pedro.

MATEUS: V. 31. Disse-lhes então Jesus: Para todos vós serei

esta noite uma ocasião de escândalo, pois está escrito: Ferirei o

pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão. — 32. Mas, depois

que eu haja ressuscitado, vos precederei na Galileia. — 33. Disse-

lhe Pedro: Ainda quando sejas para todos uma ocasião de escândalo,

nunca o serás para mim. — 34. Replicou-lhe Jesus: Em verdade te

digo que, esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes.

— 35. Retrucou-lhe Pedro: Ainda que me seja preciso morrer

contigo, não te negarei. O mesmo disseram os outros discípulos.

MARCOS: V. 27. Disse-lhes então Jesus: Ser-vos-ei a todos esta

noite uma ocasião de escândalo, pois está escrito: Ferirei o pastor e

as ovelhas se dispersarão. — 28. Mas, depois de haver ressuscitado,

irei adiante de vós à Galileia. — 29. Pedro lhe observou: Ainda

quando sejas para todos um motivo de escândalo, não o serás para

mim. — 30. Jesus lhe replicou: Em verdade te digo que, hoje

mesmo, à noite, antes que o galo tenha cantado duas vezes, tu me

terás negado três. — 31. Pedro, com mais veemência, insistiu: Ainda

que me seja preciso morrer contigo, não te negarei. O mesmo

disseram os outros.

LUCAS: V. 31. Disse ainda o Senhor: Simão, Simão, Satanás

vos reclamou a todos para joeirar-vos como se faz ao trigo. — 32.

Eu, porém, roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu,

quando te houveres convertido, fortalece teus irmãos. — 33.

Respondeu-lhe Pedro: Senhor, estou pronto a ir contigo, assim para

a prisão, como para a morte. — 34. Disse-lhe então Jesus: Declaro-

te, Pedro, que não cantará hoje o galo, sem que três vezes tenhas

negado que me conheces. E perguntou-lhe em seguida: — 35.

Quando vos mandei sem bolsa, sem alforje e sem sandália,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 409

porventura vos faltou alguma coisa? — 36. Eles responderam: Nada.

Disse-lhes então Jesus: Pois, agora, tome a sua bolsa e o seu alforje

aquele que os tiver; e aquele que não o tenha venda a sua capa e

compre uma espada. — 37. Porque, eu vos declaro ser preciso

também que em mim se cumpra isto que está escrito: Ele foi

incluído no rol dos celerados; porquanto, o que de mim foi

profetizado está prestes a cumprir-se. — 38. Eles disseram: Senhor,

aqui estão duas espadas. Respondeu-lhes Jesus: Basta.

N. 289. Jesus dá a ver, de antemão, a seus discípulos quão

frágil é a vontade humana e quão pouco deve o homem contar

com as suas próprias forças. Dizendo a Pedro: “Roguei por

ti”, mostra a todos que só na prece pode o homem encontrar

amparo. Naquela ocasião, nenhum o compreendeu, tanto que

nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos

faliram no momento do perigo. Foi uma lição para o futuro.

Algumas explicações especiais se fazem necessárias.

(Lucas, v. 31). Dirigindo a Pedro estas palavras: “Simão,

Simão, Satanás vos reclamou a todos' para joeirar-vos como

se faz ao trigo”, aludia Jesus à influência que sobre aquele

apóstolo exerceria o temor dos acontecimentos que poderiam

dar-se, aos maus pensamentos que lhe germinavam no coração

e que, por vezes, o faziam deplorar ter enveredado por aquele

caminho. Eram pensamentos fugazes, que não chegavam a

corporificar-se, mas que não escapavam ao olhar do Mestre.

Pedro compreendia que um grande perigo os ameaçava, a eles

e ao Mestre, e a fraqueza humana lhe fazia nascer no íntimo,

de quando em quando, um vago sentimento de pesar por se

haver exposto de tal modo.

(Lucas, vv. 35-36). As palavras constantes destes versículos

objetivavam manter os discípulos em guarda contra os aconte-

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410 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

cimentos que sobreviriam e fazer-lhes compreender que se

aproximava o momento da luta. Falando-lhes da necessidade

de se proverem de alforje, bolsa, espada, queria compreen-

dessem que iam entrar em ação e que cumpria se armassem, a

fim de poderem resistir aos ataques. Vede que ainda essas

palavras do Cristo são simbólicas, pois quando Pedro faz uso,

uso material, de uma arma material, ele lhe ordena:

“Embainha a tua espada, porquanto quem com a espada fere,

com a espada será ferido”. Isto é de molde a vos provar que,

naquele instante, Jesus mais uma vez falava figuradamente a

seus discípulos, que o não compreenderam de pronto.

Em espírito, o que ele assim lhes dizia era: “Aproxima-se o

momento em que ireis percorrer a Terra. Viajores, tomai

cuidado, para não serdes colhidos de surpresa. Despojai-vos de

todas as paixões humanas, de todos os impulsos pessoais, de

todos os interesses materiais. Jamais busqueis no caminho do

céu um degrau para subirdes às coisas da Terra. Sabeis qual o

fim da viagem que ides empreender; tomai, pois, todas as

precauções, para que nada vos falte. Fazei provisão de

ensinamentos, de moral e de exemplos. Sereis atacados, armai-

vos para a defesa. As únicas armas, porém, de que devereis

utilizar-vos são o amor e a caridade”.

Contendo um ensino, as palavras de Jesus eram ditas

intencionalmente para servirem àquele momento e ao futuro.

Assim, todos os que se esforçam por marchar nas pegadas do

Mestre, por imitar a seus fiéis discípulos no apostolado da era

nova, todos são apóstolos e se devem armar como os apóstolos

do Cristo.

(LUCAS, vv. 37-38). “Pois vos declaro ser preciso que em

mim se cumpra também isto que está escrito: Ele foi incluído

no rol dos celerados; porquanto o que de mim foi profetizado

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 411

está prestes a cumprir-se. Eles disseram: Senhor, aqui estão

duas espadas. Respondeu-lhes Jesus: Basta”.

Basta: preciso é que os acontecimentos materiais se

cumpram. As espadas não passavam de pretexto para um

ensinamento. Não houvesse mais do que uma e bastara.

Dissemos ainda há pouco: os apóstolos não apreenderam o

sentido figurado das palavras de Jesus. Os sucessos é que lhes

haviam de abrir o entendimento. De fato, eles, os apóstolos,

bem como a multidão, receberiam mais uma vez exemplos de

caridade, de paciência e de poder, no que ia passar e passou

com a prisão do Mestre, com o ato de Pedro contra Malco e

com a cura operada neste.

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412 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 36-46. — MARCOS, Cap. XIV,

vv. 32-42. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 39-46

Jesus no horto de Getsêmani. — Palavras e ensinamentos

dirigidos aos discípulos. — Ele ensina os homens a morrer,

depois de lhes haver ensinado a viver, objetivando o progresso

do Espírito. — Aparição do anjo com um duplo fim: convencer

os homens de que era aparente a condição humana que eles

consideravam real em Jesus e na qual haviam de acreditar

enquanto durasse a sua missão terrena e acreditariam, sob o

véu da letra, até ao advento do Espírito; e prepará-los para,

na época desse advento, reconhecerem que deviam pôr de

lado a divindade que as interpretações humanas lhe teriam

atribuído

MATEUS: V. 36. Em seguida foi Jesus com eles a um horto

chamado Getsêmani e disse a seus discípulos: Sentai-vos aqui,

enquanto vou ali orar. — 37. E, levando consigo Pedro e os dois

filhos de Zebedeu, começou a se entristecer e angustiar. — 38.

Disse-lhes então: Minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e

velai comigo. — 39. E, afastando-se um pouco, se prostrou com o

rosto em terra e entrou a orar, dizendo: Meu Pai, se é possível, passe

de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como o

queiras tu. — 40. Veio depois ter com seus discípulos e,

encontrando-os a dormir, disse a Pedro: Pois quê! Não pudestes

velar comigo uma hora! — 41. Vigiai e orai, a fim de não cairdes

em tentação; o Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.

— 42. De novo se afastou deles e segunda vez orou, dizendo: Meu

Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua

vontade. — 43. Voltando outra vez a ter com eles, novamente os

achou dormindo, pois que tinham pesados de sono os olhos. — 44.

Deixando-os, foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas

palavras. — 45. Em seguida, veio ter ainda com os discípulos e lhes

disse: Dormi agora e repousai; eis que chegou a hora em que o filho

do homem será entregue às mãos dos pecadores. — 46. Levantai-

vos, vamos; aproxima-se aquele que me há de entregar.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 413

MARCOS: V. 32. Foram em seguida para um horto chamado

Getsêmani, onde ele disse a seus discípulos: Sentai-vos aqui,

enquanto vou orar. — 33. E, tomando consigo a Pedro, Tiago e

João, começou a ser presa de pavor e angústia. — 34. Disse-lhes

então: Minha alma está triste até à morte. Ficai aqui e vigiai. — 35.

E, afastando-se um pouco, se prostrou em terra, rogando que, se

fosse possível, passasse dele àquela hora. — 36. Dizia: Abá, pai,

tudo te é possível; afasta de mim este cálice; todavia, faça-se não o

que eu quero, mas o que tu queiras. — 37. Foi ter com os discípulos

e, achando-os a dormir, disse a Pedro: Dormes Simão? Pois quê!

Não pudeste velar uma hora! — 38. Vigiai e orai, a fim de que não

entreis em tentação. O Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne

é fraca. — 39. Afastou-se de novo e orou, repetindo as mesmas

palavras. — 40. Voltando, encontrou-os novamente a dormir, pois

pesados de sono tinham os olhos, e sem saberem o que lhe

respondessem. — 41. Voltou terceira vez e lhes disse: Dormi agora

e descansai. Basta! é chegada a hora: eis que o filho do homem vai

ser entregue às mãos dos pecadores. — 42. Levantai-vos, vamos;

vem perto aquele que me há de entregar.

Lucas: V. 39. Saindo dali, foi como costumava, para o monte das

Oliveiras e seus discípulos o seguiram. — 40. Lá chegando, disse-

lhes: Orai, para que não entreis em tentação. — 41. Afastou-se deles

cerca de um tiro de pedra, ajoelhou-se e orou, dizendo: — Pai, se

quiseres, afasta de mim este cálice; entretanto, faça-se não a minha

vontade, mas a tua. — Apareceu-lhe então um anjo do céu a

confortá-lo. Ele, presa de agonia, com mais instância orava. —

Veio- lhe um suor como de gotas de sangue que corriam até o chão.

— 45. Terminada a sua prece, levantou-se, foi ter com os discípulos

e os achou dormindo em consequência da tristeza que os

acabrunhava. — 46. Disse-lhes então: Porque dormis? Levantai-vos

e orai, para não sucumbirdes à tentação.

N. 290. Jesus desceu ao meio dos homens para lhes ensinar

a viver e a morrer, tendo em vista o progresso do Espírito.

Todos os seus atos, todas as suas palavras tiveram esse

objetivo.

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414 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Depois de lhes haver ensinado a viver, foi ao horto de

Getsêmani, no monte das Oliveiras, ensinar-lhes a morrer.

Tudo o que ali se passou ocorreu unicamente como

ensinamento, como exemplo dados aos homens.

Deveis compreendê-lo assim, lembrando-vos da origem e

da natureza de Jesus, origem e natureza que agora vos são

reveladas e que “fazem conhecer” quem é o filho.

Deveis igualmente compreender que o que se deu tinha que

ser assim, lembrando-vos de que os homens então acreditavam

ser puramente humana, tal qual a vossa, a origem de Jesus.

Tudo, pois, tinha que ser e foi nos fatos como nas palavras,

apropriado a essa crença.

Todos os fatos, todas as palavras do Mestre, durante a sua

missão terrena, se encadeavam de forma a que servissem para

aquele momento, a que preparassem o futuro e conduzissem a

humanidade, com o correr dos séculos, através do reinado da

letra, à nova revelação, ao advento do espírito.

(Mateus, vv. 36 e 37; Marcos, vv. 32-34; Lucas, v. 39.)

Jesus se fez acompanhar dos três discípulos que já levara

consigo ao Tabor para a transfiguração e a aparição de Elias e

Moisés. Eram eles Pedro, Tiago e João. Chamou-os nova-

mente por serem, como já o explicamos (N. 194, Pág. 472 do

2o Volume), os que apresentavam disposições físicas mais

favoráveis a se tornarem mediunicamente aptos à manifestação

espírita que se ia produzir com especialidade à aparição do

anjo.

Minha alma, disse-lhes Jesus, está numa tristeza mortal.

Estas palavras, que ficariam como um ensinamento, tiveram

por fim fazer que os três discípulos compreendessem e, por

seu intermédio, os homens, que, pressentindo o que ia suceder,

ele buscava em Deus a força de que precisava.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 415

Ficai aqui: Tendes que testemunhar o que se vai passar.

Velai comigo: Tendes que ouvir e ver, tendes que narrar o que

houverdes visto e ouvido e que deva ser conhecido dos

homens, transmitido às gerações futuras, explicado e

compreendido de acordo com as interpretações humanas,

apropriadas às inteligências e necessidades de cada época,

interpretações que serão dadas primeiramente segundo a letra,

depois, nos tempos preditos, segundo o espírito.

(Mateus, vv. 39-44; Marcos, vv. 35-40; Lucas, v. 40-42).

Os atos e palavras de Jesus, registrados nestes versículos,

foram praticados e ditas para os homens em geral, como

ensino, como exemplo. Foram-no também para servirem de

lição aos apóstolos e aos que de futuro viessem a ser

discípulos do Mestre divino. A uns e outros mostravam

aqueles atos e palavras a submissão que lhes cumpre

demonstrar sempre nas maiores angústias; a fé e a resignação,

que lhes não devem nunca faltar, quaisquer que sejam suas

provações, quaisquer que sejam os sofrimentos que lhes

estejam reservados; a vigilância que precisam exercer

constantemente sobre si mesmos, para não falirem; e o socorro

eficaz da prece, poderoso cordial da alma.

“Vigiai e orai, disse Jesus aos três discípulos, a fim de que

não entreis em tentação, de que não caiais em tentação, de

não sucumbirdes às tentações. O Espírito está pronto, mas a

carne é fraca”.

O Espírito está sempre pronto a conceber tanto as obras

boas, como as obras más. A carne, porém, desfalece e o

Espírito não a sabe dominar.

Os três discípulos não dormiam um sono ordinário, como o

entendeis. O deles era um sono físico, mas não moral. Quer

dizer que, conservando-se sujeito ao corpo, o Espírito percebia

as sensações deste último. Achavam-se nesse estado de

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416 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

entorpecimento exterior, que apresenta todas as aparências do

sono e permite que o Espírito acompanhe, como se os visse

através de um véu, os atos que se praticam em redor de si e

ouça o rumor que se faça, as palavras que se pronunciem. O

corpo então dormita e repousa, mas o Espírito, que se não

desprendeu, tudo percebe pelos órgãos materiais entorpecidos,

produzindo sobre o cérebro, o que ele percebe, o efeito de um

sonho.

Aquele sono foi, em Pedro, Tiago e João, efeito da fadiga e

da vigília. Não vos sucede às vezes cair no estado em que os

três se acharam e que vimos de descrever? Não dormiam;

viram e ouviram. Quando Jesus se aproximava deles, os olhos

se lhes tornavam pesados sob a influência magnética, a fim de

motivar o conselho que lhes dava o Mestre.

Dizendo sempre a mesma coisa, Jesus três vezes foi ter com

eles e não uma apenas, para lhes gravar melhor nos corações e

na memória aquelas palavras, que tinham de ser por eles

citadas quando referissem o que se passara, tinham de ser

registradas pelos evangelistas, que atravessar os séculos e

chegar a todas as gerações humanas.

(LUCAS, v. 43.) “Apareceu-lhe então um anjo do céu a

confortá-lo; e ele, presa de agonia, com mais instância

orava”.

Aos que admitem a divindade de Jesus, o Cristo, pergunta-

se: Deus precisava de amparo? Não trazia ele em si mesmo a

sua força?

Aos que negam as manifestações espíritas e consideram

Jesus um homem como os outros, com uma veste de carne

igual às dos demais homens, pergunta-se: Como se há de

admitir que um anjo do Senhor se tenha mostrado a Jesus-

homem e aos três apóstolos? Não, os que negam as

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 417

manifestações espíritas não podem admitir isso e desde então,

se foi Jesus quem deu ciência dessa manifestação a seus

discípulos, ele era um impostor. Como, porém, nada prova que

o Mestre lhes tenha falado de tal coisa, aquela manifestação

não passou de pura invencionice dos discípulos. Mas, com que

fim a teriam estes inventado, uma vez que procuravam

estabelecer uma divindade na qual, como o reconhecerá quem

se coloque no ponto de vista dessa classe de contraditores, eles

não podiam deixar de crer?

Aos espíritas que acreditam nas manifestações, mas que

pretendem, ou creem que o Mestre era um homem como

qualquer outro, com uma veste de carne igual à deles,

perguntaremos: Como é que, podendo dar-se todos os fatos

concernentes a Jesus, só o seu nascimento não podia deixar de

ser um ato inteiramente humano? Mas, neste caso, são falsas

as revelações que o anjo fez a Maria e depois a José!

Se Jesus tivesse sido fruto de uma união humana, falso seria

o mistério que lhe cerca o nascimento. Ora, admitir a mentira,

a falsidade, com relação a este fato, fora deixar livre o campo

para admiti-la em todos os outros casos. Atente o espírita

nessa consequência e veja em que situação ela o coloca diante

dos que negam as manifestações espíritas, dos que declaram

fabulosa a obra evangélica, da qual só aceitam, capricho-

samente, o que lhes convém à incredulidade admitir. Abra o

espírita os olhos à luz da nova revelação que vos trouxemos,

da revelação da revelação, que vem cumprir e não destruir,

explicar e não rejeitar; que, pondo o espírito no lugar da letra,

vem explicar aos homens, em espírito e em verdade, a origem

e a natureza de Jesus, de que modo e em que condições se deu

o seu aparecimento na Terra.

Sendo puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e

imaculada, protetor e governador do planeta terreno, a maior

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418 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

essência, depois de Deus, respeito à Terra, mas não a única do

mesmo grau na imensidade, na hierarquia espiritual e dos

mundos; tendo apenas um corpo de natureza perispirítica, que

lhe facultava a plena consciência da sua origem, que não tolhia

a completa independência e a liberdade do seu Espírito, que

lhe deixava ter exata consciência da sua missão e do seu poder,

bem como a certeza do porvir; sendo sempre Espírito, podia

Jesus receber outro amparo que não o do próprio Senhor? Sua

mesma elevação não o colocava acima dos desfalecimentos

humanos?

Compreendei, portanto, que, estando superior aos terrores

humanos, Jesus quis apenas dar aos homens um exemplo de

submissão nas maiores angústias. E que o exemplo foi

proveitoso, podeis verificá-lo. De fato, verificá-lo-eis no

espetáculo dos mártires, avançando para o suplício sem

experimentarem sequer aquela agonia moral de que falam os

discípulos, referindo-se ao Mestre, agonia que eles tomaram

por um fato real, quando era apenas aparente, não passando de

um ensinamento, de uma lição.

Não esqueçais que Jesus colocava sempre sob as vistas dos

homens exemplos práticos da moral que pregava.

Qualquer que seja o invólucro que lhe atribuam, admirai em

Jesus o Espírito. Não vos dividais, ó espíritas! Homens, quem

quer que sejais, que ainda não sois acessíveis à luz da nova

revelação, deixai de lado os fragmentos do vaso e recolhei

cuidadosamente o perfume que ele encerrava, porquanto os

que o respiram a vida eterna. Sim, a aparição do anjo se

produziu, como todos os outros fatos que a precederam e

seguiram. Todos se produziram como ensinamento e exemplo

dados aos homens, a fim de lhes provarem que Deus ampara

sempre os que para ele apelam com fé e resignação e lhes

envia a força de que necessitam; a fim de lhes fazerem

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 419

compreender que, como já temos dito, sejam quais forem suas

provações, sejam quais forem os sofrimentos que lhes estejam

reservados, eles acharão sempre no amparo que o Senhor lhes

concede a força de que careçam.

A aparição do anjo tinha que ser e foi visível para os três

discípulos, por efeito da mediunidade de vidência que eles

possuíam. Para todos não teria sido visível. Essa a razão por

que Jesus levou consigo apenas Pedro, Tiago e João, que eram

os mais aptos a ver.

(LUCAS, v. 44). “Veio-lhe um suor como de gotas de

sangue, que corriam até ao chão”.

Foi um efeito fluídico que se produziu em presença dos três

discípulos e que se lhes tornou mediunicamente visível, qual

sucedera com a aparição do anjo.

Esse efeito fluídico simbolizava o sangue que Jesus,

devassando o futuro, via que seria derramado em seu nome!

Tal manifestação nada tem de “maravilhosa” para aquele

que já se iniciou na ciência espírita, na história das manifes-

tações espíritas, que regista, com o cunho da autenticidade,

efeitos análogos. Estes podem produzir-se e ainda se

produzirão em vossos dias aos olhos de médiuns videntes.

A esses efeitos fluídicos da parte dos Espíritos

correspondem efeitos análogos da parte dos encarnados, dos

que, como vós, sofrem a encarnação humana. São, em tais

casos, efeitos materiais, que nada têm de extraordinários, que

a ciência dos homens comprovou e comprova como fenô-

menos de patologia, a que dão o nome de suor de sangue. Os

anais médicos os registam em grande número. Lembrai-vos

em particular, como caso histórico, do das duas moças

conhecidas pela designação de Estigmatizadas do Tirol.

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420 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Repetimos: tudo o que se passou unicamente ocorreu como

ensino, como exemplo para os homens.

Que fez Jesus? Retirou-se para orar a sós? Formulou a sua

prece apenas com os lábios ou mentalmente? Não; e é esta

uma observação que podeis fazer e que não fazem os que

negam a todo transe. Leva consigo três de seus discípulos e,

afastando-se um pouco, mas permanecendo à distância de ser

visto e ouvido, se prostra e exprime em voz alta seus temores,

suas angústias, sua submissão.

Cegos! Pois ainda não compreendeis que Jesus, o modelo

que vos deu o exemplo da vida, naquela hora extrema dava o

exemplo da morte, mostrando a seus discípulos como deve o

homem submeter-se às vontades do Senhor, sejam quais forem

as angústias que experimente?

Seus discípulos adormeceram. Também não vedes uma

lição nesse “sono”, que lhes não fez perder um só que fosse

dos atos, uma só das palavras do Mestre?

Oh! Mestre bem-amado, bendito modelo, como são suaves

os teus exemplos! como é fortalecedora a tua palavra!

Jesus! Quem poderá dizer que desde o estábulo, onde

surgiste aos olhos da humanidade, até a cruz, donde irradias

por sobre o mundo, tiveste um momento de fraqueza, um

instante de desfalecimento?

Quem poderá dizer que um segundo houve da tua passagem

pela Terra que não consagrasse a instruir os homens pela

palavra e pelo exemplo?

Meigo Mestre do mundo, ensina de novo a estes ingratos a

se prostrarem diante do Senhor; faze de novo que jorrem de

tua boca adorável as palavras de submissão e devotamento que

eles devem repetir.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 421

Não vos deixeis vencer pelo sono, vós outros, discípulos,

que seguis o Mestre, que lhe ouvis a voz, pois que o momento

se aproxima. Todos deveis orar e vigiar, para vos manterdes

em guarda contra os vossos inimigos visíveis e invisíveis: os

vícios da humanidade, os maus conselhos, as más seduções, as

más influências ocultas. Em guarda contra vós mesmos, por

meio de constante vigilância sobre os vossos pensamentos,

sobre as vossas palavras e os vossos atos, nada tereis que

temer dos outros, sejam eles encarnados ou errantes.

Jesus, até ao último instante, foi um exemplo para os

homens. Se, aos olhos de seus discípulos, não houvesse

experimentado as angústias por que passa o homem em

presença da morte, seria o mesmo o reconhecimento da

humanidade, que então não compreendia, como ainda em geral

não compreende, senão as provações físicas, os sofrimentos

físicos? Não teríeis todos dito, até mesmo vós, sem a nova

revelação que vos vem explicar, em espírito e verdade, as

palavras do Mestre, que vos vem dar a conhecer “quem é o

filho”, assim como a sua missão inteiramente espiritual e o

objetivo dessa missão, não teríeis todos dito: “Era-lhe fácil

devotar-se, afrontar o suplício e mesmo a morte, visto que a

sua natureza o punha em condições de triunfar dos sofrimentos

que nos abatem”?

Certo ninguém houvera dito, e nem mesmo vós, sem esta

nova revelação, direis: “Se é real que os sofrimentos físicos o

não podiam atingir, não menos real é que ele experimentava

sofrimentos morais, a angústia de ver, desenrolando-se diante

de seus olhos, um futuro tão pouco produtivo para os homens.

Via correr o sangue que em seu nome os homens derramariam.

Esse o sangue que seus discípulos viram a lhe escorrer pelo

rosto como suor e que lhes deu a perceber que, quando o

homem eleva o coração a Deus, impelido pelo sentimento de

amor, a fim de lhe pedir forças para suportar as provações, o

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422 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Senhor manda, ao que nele confia, mensageiros que lhe trazem

a consolação e a esperança de que precise”.

E Jesus, puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e

imaculada, que se achava acima e fora da humanidade terrena,

descendo até vós, não desempenhava, em bem do progresso

dos homens, uma missão superior, toda de devotamento e de

amor, permeada de dores morais?

(Mateus, vv. 45 e 46; Marcos, vv. 41 e 42; Lucas, vv. 45 e

46). Basta, disse ele. A lição estava dada aos apóstolos e aos

que os imitariam. O ensinamento e o exemplo estavam dados

aos homens. Que estes tirem dele proveito.

“A hora chegou, levantai-vos, vamos”. É preciso que os

acontecimentos materiais se cumpram.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 423

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 47-56. — MARCOS, Cap. XIV,

vv. 43-52. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 47-53

Beijo de Judas. — Um dos que acompanhavam a Jesus corta a

orelha de um dos do séquito do sumo sacerdote e Jesus o cura.

— Fuga dos discípulos.

MATEUS : V. 47. Ainda ele não acabara de dizer isso, eis que

chega Judas um dos doze, e com ele grande turba armada de espadas

e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos

do povo. — 48. Ora, o que o traía lhes havia dado um sinal, dizendo:

Aquele em quem eu der um ósculo, esse é que é: prendei-o. — 49.

E, aproximando-se de Jesus, disse: Salve, Mestre! e o beijou. — 50.

Jesus lhe perguntou: Amigo, a que vieste? Logo avançaram outros,

que se lançaram sobre Jesus e o prenderam. — 51. Um então dos

que estavam com Jesus, levando a mão à espada, a desembainhou e,

brandindo-a contra um servo do sumo sacerdote, lhe cortou uma

orelha. — 52. Jesus, porém, lhe disse: Embainha a tua espada, pois

que todos os que empunharem a espada à espada perecerão. — 53.

Acaso julgas que não posso rogar a meu pai e que ele não me

mandará imediatamente mais de doze legiões de anjos? — 54.

Como, porém, se cumprirão as escrituras, que declaram dever ser

assim? — 55. E, no mesmo instante, dirigindo-se à turba, disse:

Aqui viestes armados de espadas e varapaus para me prender, como

se eu fora um ladrão. Entretanto, todos os dias, assentado entre vós,

estava eu ensinando no templo e não me prendestes. — 56. Z que

tudo isto acontece para que se cumpram as escrituras dos profetas.

Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram.

MARCOS: V. 43. Ele ainda falava quando chegou Judas, um dos

doze, acompanhado de grande tropa de gente armada de espadas e

varapaus, mandada pelos sumos sacerdotes, pelos escribas e pelos

anciãos. — 44. Ora, o traidor lhes havia dado um sinal, dizendo:

Aquele em quem eu der um ósculo, esse é que é, prendei-o e levai-o

com segurança. — 45. Tanto, pois, que chegou, dirigiu-se a Jesus e

disse: Mestre, eu te saúdo; e lhe deu um beijo. — 46. Logo deitaram

as mãos a Jesus e o prenderam. — 47. Um dos presentes

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424 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

desembainhou a espada e, golpeando um servo do sumo sacerdote,

lhe cortou uma orelha. — 48. Jesus então lhes disse: Viestes

armados de espadas e varapaus para me prender, como se eu fosse

um ladrão. — 49. Todos os dias estava convosco no templo

ensinando e não me prendestes. É que é preciso que as escrituras se

cumpram. — 50. Então, abandonando-o, seus discípulos fugiram

todos. — 51. Seguia-o um mancebo, coberto unicamente com um

lençol, e os soldados o prenderam. — 52. Ele, porém, largando o

lençol, lhes fugiu nu das mãos.

LUCAS: V. 47. Falava ele ainda, quando surgiu uma turba, vindo

à sua frente um dos doze apóstolos, o que se chamava Judas, o qual

se chegou a Jesus para o beijar. — 48. Jesus o interpelou assim: Pois

que, Judas, com um ósculo entregas o filho do homem? — 49.

Vendo os que o rodeavam o que ia acontecer, disseram: Senhor, se

os passássemos à espada? — 50. E um deles com um golpe decepou

a orelha direita de um servo do sumo sacerdote. — 51. Jesus, porém,

disse: Deixai-os, basta; e, tocando a orelha do ferido, a curou. — 52.

Depois, dirigindo-se aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do

templo e aos anciãos que tinham vindo prendê-lo, disse: Viestes

armados de espadas e varapaus como contra um ladrão. — 53.

Entretanto, todos os dias estava eu convosco no templo e nunca me

deitastes as mãos. É que esta é a vossa hora e o poder das trevas.

N. 291. São fatos históricos que não reclamam comentários.

Somente, não percais de vista (já o temos dito muitas vezes)

que aqui, como sempre, as narrações dos quatro evangelistas33

se explicam e completam umas pelas outras.

Eis, concordadas todas quatro, a narrativa integral dos fatos,

tal como se passaram, no conjunto e nas particularidades.

Judas, ao aproximar-se de Jesus para o oscular, disse:

Mestre, eu te saúdo! Jesus lhe respondeu: Meu amigo, que

vieste buscar aqui? Ao mesmo tempo, os que acompanhavam a

Judas avançaram. Jesus lhes veio ao encontro e perguntou: A

33

Ver: João, Capítulo XVIII, vv. 1-12.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 425

quem buscais ? Eles responderam : A Jesus de Nazaré. Jesus

retrucou: Sou eu. Todos recuaram e caíram por terra. Segunda

vez Jesus lhes perguntou: A quem buscais? Eles responderam :

A Jesus de Nazaré. Jesus lhes replicou: Já vos disse que sou

eu: e, pois que é a mim que buscais, deixai que estes se vão.

Dirigindo-se a Judas disse: Pois que, Judas! entregas o filho do

homem com um beijo!

Os que rodeavam a Jesus, vendo o que ia suceder, disseram:

Senhor, se os passássemos à espada? E Simão Pedro, levando

a mão à espada, a desembainhou e, de um golpe, cortou a

orelha direita de um dos servos do sumo sacerdote, o de nome

Malco. Jesus, voltando-se para Pedro, disse: Embainha a tua

espada, pois que os que puxarem da espada pela espada

perecerão. E, tocando com a mão a orelha de Malco, o curou.

Continuando, disse ainda: Pensas que não posso rogar a meu

pai e que este não me mandaria aqui, de pronto, mais de doze

legiões de anjos? Mas, não é preciso que eu beba o cálice que

meu pai me deu? Como se cumpririam as escrituras que

declaram que isto tem que ser assim? Em seguida, falando à

multidão que os Judeus mandaram para prendê-lo, aos

príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo, aos anciães,

que com ela vieram, disse: Aqui viestes armados de espadas e

paus para me prender, como se eu fora um ladrão. Entretanto,

todos os dias me tínheis sentado entre vós no templo a ensinar

e não me prendestes. É que é preciso que as escrituras se

cumpram. É que esta é a vossa hora e o poder

“das trevas”. Então, os soldados, os oficiais e a gente

mandada pelos Judeus se apoderaram dele e o amarraram.

Tudo isso se passou assim, a fim de que se cumprisse tudo

quanto os profetas escreveram. Nessa ocasião, os discípulos de

Jesus o abandonaram e fugiram todos. Entre os que seguiam a

Jesus ia um mancebo coberto unicamente com um lençol e

fugiu nu das mãos dos que o tinham prendido.

Page 380: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

426 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Lembrai-vos de que Jesus, quando estes fatos ocorriam, era

tido por um homem igual aos demais, de que lhe cumpria

deixar que essa crença humana subsistisse e compreendereis o

motivo e o fim da linguagem de que usou, das palavras que

dirigiu assim a Judas, como aos que o acompanhavam.

É exato que, debaixo da influência mediúnica, João, dentro

do quadro que lhe fora traçado, diz, na sua narração evangélica

(XVIII, v, 4), que Jesus sabia tudo o que lhe havia de

acontecer.

É que então já se divulgara e espalhara pela multidão a

revelação, que o anjo fizera a Maria e a José e que se

mantivera secreta durante a missão terrena do Mestre, da

concepção e do “nascimento” deste, tidos ambos por “divinos

e milagrosos” pelo homens, que os não podiam explicar nem

compreender em espírito e verdade.

É que então a crença na divindade de Jesus já havia

germinado no pensamento dos homens e criara raízes nas

inteligências.

Tudo o que se deu com relação à prisão de Jesus, ao ato de

Pedro contra Malco e à cura deste, assim como as palavras que

Jesus dirigiu a Judas, a Pedro e depois aos que formavam o

séquito daquele, foram, conforme já o temos dito, um exemplo

de caridade, de paciência e de poder.

Quanto à queda dos primeiros que avançaram para se

apoderarem de Jesus, ela resultou de uma ação fluídica

exercida pelos Espíritos que cercavam o Mestre. Em todos os

tempos houve, como há em vossos dias, exemplos desses

efeitos, notadamente quando um subjugado é, pelo seu

obsessor, atirado ao chão. Assim foi que aquele efeito físico se

produziu. No meio de uma multidão qualquer, sempre se

encontram organizações que mediunicamente podem ser

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 427

utilizadas, em havendo necessidade. Sabeis também que os

Espíritos superiores não precisam recorrer a esses meios e

podem, sem o auxílio nem o concurso dos fluidos

animalizados tomados aos encarnados, atrair a si os fluidos de

que necessitem.

Quanto à cura da orelha de Malco, o que se voz diz é que,

tendo-a tocado Jesus, ela se curou. A orelha fora cortada, mas

não totalmente; não fora decepada. Jesus a curou detendo, pela

ação magnética, a efusão do sangue. A emissão de certos

fluidos magnéticos pode impedir a circulação do sangue,

desviá-la ou ativá-la e esses efeitos se podem obter tanto com

o magnetismo humano, como com o magnetismo espiritual. O

magnetizador humano, auxiliado, se preciso, por Espíritos

benfazejos, poderia, em certos casos, obter o mesmo resultado.

Tais fatos serão estudados e aplicados quando houver passado

o tempo da ignorância voluntária.

Quanto às palavras de Jesus a Pedro: “Embainha a tua

espada, pois que todos os que puxarem da espada pela espada

perecerão”, encerravam um ensinamento para os apóstolos e

para seus discípulos, para os que quisessem ser ou tornar-se

seus sucessores, para os que mais tarde se diriam tais e, em

geral, para todos os homens daquela época e do futuro.

Proferindo-as, mostrava-lhes o Mestre que jamais deveriam

defender com violência e com armas materiais a doutrina

moral que ele personifica, quaisquer que fossem as agressões,

quaisquer que fossem seus agressores. Mostrava-lhes que

unicamente morais deveriam ser sempre as armas que

empregassem. Significava-lhes que, segundo a lei de talião,

serão punidos os que, usando de armas materiais, derem prova

de que desprezam seus ensinamentos, exemplos e manda-

mentos. Elas continham igualmente uma advertência aos que,

de futuro, se diriam e constituiriam diretores da Igreja do

Cristo, dando-lhes a ver que jamais deveriam fazer deste

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428 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

mundo um reino para si, empunhando armas materiais como

instrumentos de justiça humana, ou de defesa contra os ataques

exteriores.

Quanto a estas últimas palavras dirigidas aos príncipes dos

sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciães do povo:

“Todos os dias estava eu convosco no templo e não me

prendestes. Ë que esta é a vossa hora e o poder das trevas”,

elas não envolvem nenhuma ideia de fatalismo, com relação

àqueles a quem Jesus as endereçava. Afirmam, ao contrário, o

uso do livre- arbítrio, por parte destes, e exprimem apenas que

lhes fora deixada a liberdade de êxito, a eles que até então

tinham tido obstados os seus intentos.

“Entre os que seguiam a Jesus ia um mancebo coberto

unicamente com um lençol. Os soldados o prenderam; ele,

porém, largou o lençol e lhes fugiu nu das mãos”.

A presença desse mancebo tinha uma razão de ser;

encerrava, segundo o espírito, um ensinamento. Previsto e

preparado fora tudo quanto houvesse de concorrer para a

realização da obra que o Mestre descera a executar,

desempenhando a sua missão terrena.

O Espírito do mancebo, antes de encarnar, aceitara a missão

de servir de instrumento e meio para a lição que resultaria da

sua presença ali. Assim, sob a inspiração do seu guia e

protetor, “impelido pelo espírito”, ele se foi colocar, coberto

apenas com um lençol, entre os do séquito de Jesus, na ocasião

em que este ia ser preso e conduzido ao pretório. De sorte que,

por influência espírita, se deu aquilo que havia de suceder.

Aquele mancebo, que, envolto num lençol, seguia a Jesus,

simbolizava a lei antiga, que trazia consigo o emblema da

morte. Detida no seu curso, ela se despoja de suas insígnias e

se mostra tal qual o Senhor a fez.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 429

Imitando o mancebo que acompanhava a Jesus, deixai vós

todos os vossos lençóis nas mãos dos incrédulos que procuram

deter-vos os passos. Despojai-vos das insígnias da morte.

Estais envoltos em fraudes, maldades e vícios. É esse o lençol

que vos cobre, porquanto, perante Deus, sois corpos mortos.

Abandonai esse invólucro fúnebre; abandonai-o nas mãos dos

que tentam deter-vos os passos na senda do progresso moral.

Apresentai-vos nus diante do Senhor, isto é, levando

unicamente um coração puro, tal como ele vo-lo deu.

Acompanhai o Cristo no seu trajeto para o pretório e deixai

pelo caminho os vossos vícios, causa de sua ida até lá, pois

que o que o fere e flagela são os vossos crimes, transgressões e

faltas. As vossas desobediências à lei de justiça, de amor e de

caridade são os insultos que ele recebe.

Segui a Jesus, caminhando pelas sendas que vos traçou,

quando desempenhava a sua missão terrena. Mostrando-lhes

os frutos produzidos pelos sofrimentos morais que lhe

causastes, à sua passagem pela Terra, abrandareis esses

sofrimentos.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XVIII, vv. 1-14.

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430 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 57-68. — MARCOS, Cap. XIV,

vv. 53-65. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 54-55 e 63-71

Jesus levado à presença do sumo sacerdote. Jesus ultrajado e tido

por merecedor de condenação à morte.

MATEUS: V. 57. Os que prenderam a Jesus o levaram à casa de

Caifás, sumo sacerdote, onde se achavam reunidos os escribas e os

anciães. — 58. Pedro o acompanhou de longe até ao pátio da casa do

sumo sacerdote e, tendo ai entrado, sentou-se entre os servos, para

ver o fim de tudo aquilo. — 59. Enquanto isso, os príncipes dos

sacerdotes procuravam um testemunho falso contra Jesus, para lhe

darem a morte. — 60. Nenhum acharam que bastasse, não obstante

se terem apresentado muitas testemunhas falsas. Por fim,

apareceram duas, — 61, que declararam: Este disse: Posso destruir o

templo de Deus e reedificá-lo em três dias. — 62. Então,

levantando- se, disse o sumo sacerdote: Nada respondes ao que

contra ti depõem estas testemunhas? — 63. Mas, Jesus se conservou

calado. O sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro, pelo Deus vivo,

que nos digas se és o Cristo, o filho de Deus. — 64. Jesus

respondeu: Tu o disseste: eu o sou; entretanto, declaro-vos que mais

tarde vereis o filho do homem assentado à direita da majestade de

Deus e vindo sobre as nuvens do céu. 65. Então, o sumo sacerdote

rasgou as vestes, dizendo: Ele blasfemou; que mais necessidade

temos de testemunhas? Acabastes de ouvir a blasfêmia. — 66. Que

vos parece? Responderam: É réu de morte. — 67. Então, uns lhe

cuspiram no rosto e lhe deram murros; outros o esbofetearam,

dizendo: — 68. Cristo, profetiza-nos, dize quem foi que te bateu.

MARCOS: V. 53. E levaram Jesus à casa do sumo sacerdote,

onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes, escribas e

anciãos. — 54. Pedro o acompanhou de longe até ao átrio da casa do

sumo sacerdote, onde, com os que ali estavam, se sentou perto do

fogo a aquecer-se. — 55. E os príncipes dos sacerdotes e todo o

conselho procuravam testemunhos contra Jesus, para lhe darem a

morte; e não achavam. — 56. Muitos depunham falsamente contra

ele, mas seus depoimentos não eram suficientes. — 57. Alguns se

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 431

levantaram e deram contra ele um falso testemunho nestes termos:

— 58. Ouvimo-lo dizer: Destruirei este templo edificado pela mão

dos homens e reconstruirei, em três dias, um outro, que não será

feito pela mão dos homens. — 59. Mas, mesmo esse testemunho

ainda não era suficiente. — 60. Então, levantando-se em meio do

Sinédrio, o sumo sacerdote interrogou a Jesus assim: Nada

respondes ao que estes depõem contra ti? — 61. Mas ele se

conservou calado; nada respondeu. Tornou o sumo sacerdote a lhe

perguntar: És o Cristo, filho do Deus bendito? — 62. Jesus lhe

respondeu: Eu o sou; e vereis um dia o filho do homem sentado à

direita da majestade de Deus e vindo sobre as nuvens do céu. — 63.

Logo o sumo sacerdote, rasgando as vestes, disse: Que mais

necessidade temos de testemunhos? — 64. Ouvistes a blasfêmia que

ele proferiu; que vos parece? Todos condenaram como réu de morte.

— 65. Alguns então começaram a cuspir nele, e a lhe tapar o rosto, a

lhe dar murros, dizendo: Profetiza e dize quem te bateu! E os criados

lhe davam bofetadas.

LUCAS: V. 54. Logo o prenderam e levaram à casa do sumo

sacerdote. Pedro o seguia de longe. — 55. E como os que ali

estavam acendessem um fogo no meio do pátio e se sentassem ao

derredor, Pedro também se sentou entre eles. — 63. Os que

guardavam a Jesus dele zombavam e lhe davam pancadas. — 64.

Vendando-lhe os olhos, batiam-lhe nas faces e diziam: Adivinha,

quem é que te bateu? — 65. E, blasfemando, lhe dirigiam muitas

injúrias. — 66. Logo que foi manhã, os anciães do povo, os

príncipes dos sacerdotes e os escribas se reuniram e, tendo feito

comparecer Jesus perante o conselho assim formado, lhe disseram:

Se és o Cristo, dize-nos. — 67. Respondeu-lhes ele: Se eu disser que

sou, não me acreditareis; — 68, e, se vos interrogar, não me

respondereis, nem me deixareis partir. — 69. Mas, desde agora o

filho do homem estará sentado à direita do poder de Deus. — 70.

Então perguntaram todos: És, portanto, o filho de Deus? Ele

respondeu: Vós mesmos o dizeis, eu o sou. — 71. Eles exclamaram:

Que mais necessidade temos de testemunhos, uma vez que nós

mesmos o ouvimos da sua própria boca?

Page 386: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

432 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

N. 292. Do ponto de vista histórico, nenhuma explicação se

faz precisa. Os fatos aí estão patentes.

Do ponto de vista espírita, já por várias vezes temos dito

qual o sentido que se deve dar às palavras — filho de Deus —

quando pronunciadas ou aceitas por Jesus.

“Eu o sou”, respondeu o Mestre ao sumo sacerdote,

dirigindo-se, porém, a toda a assembleia. E vereis o filho do

homem assentado à direita da majestade de Deus, vindo sobre

as nuvens do céu. Bem compreensível vos deve ser, em

espírito e verdade, o sentido destas palavras do protetor e

governador do vosso planeta. Nelas tendes mais uma alusão,

velada, à reencarnação. Encerram também uma alusão

àqueles, dentre os que as escutavam, cujos Espíritos,

aproveitando a regeneração conseguida, reencarnados, vivendo

de novo na Terra, o verão quando ele, em todo o seu fulgor

espírita, como soberano, visível às criaturas depuradas, descer

novamente ao vosso planeta, igualmente depurado.

Quanto às palavras dirigidas aos anciães do povo judeu, aos

príncipes dos sacerdotes e aos escribas, do mesmo modo

deveis compreendê-las facilmente, em espírito e verdade.

Foram pronunciadas, colocando-se Jesus no ponto de vista dos

homens. Significam: desde agora, conhecidos serão os atos do

filho do homem, seu poder, sua posição.

E, com efeito, esse conhecimento não se espalhou e

desenvolveu pela ação das interpretações humanas, do

progresso gradual dos tempos e das inteligências, sob o

império da letra, que preparou o advento do espírito?

E a nova revelação, dando-vos a conhecer quem é o filho,

iluminando com a sua luz suave e pura a casta e grandiosa

Page 387: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 433

figura de Jesus, não vem mostrar que se acham justificadas,

desde o momento em que foram proferidas até os vossos dias,

estas proféticas palavras que, no futuro, o serão de igual

maneira: Mas, desde agora, o filho do homem estará

assentado à direita da majestade de Deus?

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434 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 69-75. — MARCOS, Cap. XIV,

vv. 66-72. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 56-62

Negativa de Pedro

MATEUS: V. 69. Pedro entretanto estava sentado fora, no átrio.

Uma criada se aproximou dele e disse: Tu também estavas com

Jesus da Galileia. 70. Ele, porém, o negou diante de todos,

declarando: Não sei o que dizes. — 71. Saindo ele dali para o

vestíbulo, uma outra criada, que o viu, disse aos que lá se achavam:

Este também estava com Jesus de Nazaré. — 72. Pedro o negou

segunda vez, jurando: Não conheço esse homem. — 73. Pouco

depois alguns que por ali estavam se dirigiram a Pedro e lhe

disseram: Certamente tu também és um daqueles, pois até a tua fala

o indica. — 74. Ele então se pós a proferir imprecações e a jurar que

não conhecia aquele homem. Imediatamente cantou o galo. — 75.

Pedro se lembrou do que Jesus lhe havia dito: Antes que o galo

cante, tu me negarás três vezes. Saiu e chorou amargamente.

MARCOS: V. 66. Estando Pedro em baixo, no átrio, uma das

criadas do sumo sacerdote ali foi, — 67, e, vendo-o a se aquecer, o

encarou e disse: Tu também estavas com Jesus de Nazaré. — 68. Ele

o negou, dizendo: Não o conheço, nem sei o que dizes. E, saindo

para entrar no vestíbulo, cantou o galo. — 69. A criada, vendo-o de

novo, disse aos que por ali estavam: Este é um daqueles. — 70. Ele

o negou pela segunda vez. Pouco depois, os que ali se achavam

diziam a Pedro: Com certeza tu és um daqueles, pois que também és

galileu. — 71. Ele então começou a praguejar e a jurar: Não

conheço esse homem de quem falais. — 72. Logo cantou o galo pela

segunda vez e Pedro se lembrou do que lhe dissera Jesus: Antes que

o galo cante duas vezes, tu me terás negado três. E se pôs a chorar.

LUCAS: V. 56. Uma criada, que o viu sentado ao lume, o

encarou e disse : Este também estava com aquele homem. — 57.

Mas Pedro o negou, dizendo: Mulher, não o conheço. — 58. Daí a

pouco, um outro, vendo-o, disse: Tu também és daqueles.

Respondeu Pedro: Homem, não sou. — 59. Cerca de uma hora

depois, outro afirmava: Certamente este andava com ele, pois que

Page 389: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 435

também é galileu. — 60. Pedro respondeu: Homem, não sei o que

dizes. Ato contínuo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. 61. O

Senhor então, voltando-se, olhou para Pedro e este se lembrou do

que o Senhor lhe dissera: Antes que o galo cante, tu três vezes me

negarás. — 62. Dali saindo, Pedro chorou amargamente.

N. 293. Contando com as próprias forças, Pedro se

adiantara demais. Não procurara o único ponto de apoio que o

pudera sustentar: a prece. Deixara-se levar pela confiança em

si mesmo e, mau grado ao aviso de Jesus, não se pusera em

guarda.

Grande foi o seu remorso, pois que nele houve apenas

fraqueza e não falta. Assim nos exprimimos, porque da sua

parte houve tão-somente falta de previdência, de desconfiança

de si mesmo, porém não traição premeditada, fruto da covardia

e do egoísmo. Ninguém se despoja da covardia e do egoísmo,

como tira uma roupa incômoda. Pedro, ao deixar a casa do

sumo sacerdote, reconheceu o seu erro e se dispôs a repará-lo.

Essa a distinção que se deve fazer entre a fraqueza e a

culpabilidade.

Dificilmente pode o culpado reparar, no curso de uma

existência, uma falta durante ela cometida. Ao passo que o

fraco pode adquirir a força de que careça. Eis porque são

quase sempre temerários os vossos juízos. Eis porque às vezes

condenais o que o Senhor desculpa e desculpais o que ele

reprova.

Não vos detenhais nalgumas diferenças que os textos

evangélicos, nesta passagem, apresentam. São futilidades.

Atentai, sim, nos fatos capazes de aumentarem a fé, de

convencerem os incrédulos e não em minúcias pueris.

Já o temos dito: essas diferenças, sem nenhuma

importância, se explicam pela condição de Espíritos

encarnados dos narradores, condição que mais ou menos

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436 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

dificulta as relações mediúnicas diante de informações

colhidas aqui e ali. Já o sabeis, as narrações dos quatro

evangelistas se explicam e completam umas pelas outras.

Há todavia um ponto acerca do qual é necessário que vos

esclareçamos.

Quando o galo cantou, o Senhor, diz Lucas, vv. 61 e 62,

voltando-se, olhou para Pedro e este se lembrou do que o

Senhor lhe dissera: “Antes que o galo cante, tu três vezes me

negarás”. Dali saindo, Pedro chorou amargamente.

No momento em que o galo cantou, Jesus não estava perto

de Pedro. Mas, naquele instante, Pedro sentiu uma impressão

fluídica que, por efeito de mediunidade, a que podereis dar o

qualificativo de “mental”, lhe recordou as palavras de Jesus,

fazendo-o ao mesmo tempo ver o semblante doce e calmo do

Mestre, que se limitava a lhe dirigir um olhar triste, quando

com a ingratidão era pago da afeição que lhe testemunhara. Na

ocasião em que Pedro o negava e cantava o galo, fato que

predissera, Jesus, para que ele não deixasse passar

despercebido esse momento, se voltou para o ponto em que o

apóstolo se achava, com a vontade de que este se lembrasse e

o visse. Houve, da parte de Jesus, ação magnética a distância,

ação cujos efeitos observais entre vós, mas em grau muito

inferior, e houve da parte de Pedro vidência.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XVIII, vv. 1:27.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 437

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 1-10

Arrependimento e morte de Judas.

— Lugar do seu suicídio e da sua sepultura.

V. 1. Pela manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e anciães do

povo se reuniram em conselho contra Jesus para o entregarem à

morte. — 2. Depois de o manietarem, levaram-no e o entregaram ao

governador Pôncio Pilatos. — 3. Então, Judas, que o traíra, vendo

que Jesus fora condenado, tocado de arrependimento, tornou a levar

as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciães,

— 4, e lhes disse: "Pequei, entregando o sangue inocente. Mas eles

responderam: Que nos importa? Isso é lá contigo. — 5. E Judas,

depois de arremessar no templo as moedas, se retirou e foi enforcar-

se. — 6. Os príncipes dos sacerdotes tendo apanhado as moedas,

disseram: Não nos é lícito deitá-las no cofre do templo, porque são

preço de sangue. — 7. Depois de o deliberarem em conselho,

compraram com elas o campo de um oleiro, para servir de cemitério

a forasteiros. — 8. Por isso aquele campo se ficou chamando, até ao

dia de hoje, Hacéldama, isto é: campo do sangue. — 9. Cumpriu-se

assim o que fora dito pelo profeta Jeremias: “Tomaram as trinta

moedas de prata, preço daquele que com eles os filhos de Israel

apreçaram, — 10, e as deram pelo campo de um oleiro, como me

ordenou o Senhor”.

N. 294. São fatos, mas que, confrontados os termos do v. 18

do Cap. 1o dos Atos dos Apóstolos com os do v. 7 de Mateus,

reclamam explicações, que tornem conhecidos, de modo

completo, os pormenores, historicamente exatos do que houve

com relação ao que se passou entre Judas e os príncipes dos

sacerdotes, à compra do campo que se chamou Hacéldama, à

morte de Judas e ao lugar da sua sepultura.

Judas levou as trinta moedas de prata aos príncipes dos

sacerdotes e aos anciães. Não tendo estes querido recebê-las,

Page 392: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

438 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

ele as atirou no templo e foi enforcar-se num campo onde lhe

acharam o cadáver em estado de putrefação bastante

adiantada. Ao terem conhecimento desse fato, os príncipes dos

sacerdotes e os anciães, que haviam apanhado as moedas

atiradas por Judas no templo, conceberam a ideia de comprar

aquele campo para cemitério dos forasteiros e para nele ser

enterrado o cadáver de Judas, uma vez que entre os Israelitas

não se concediam as honras da sepultura religiosa ao suicida.

Compraram, pois, com as trinta moedas o campo, que se

ficou chamando Hacéldama, e lá enterraram o cadáver de

Judas.

Nos Atos dos Apóstolos, onde se diz que o campo foi

adquirido por Judas com o preço do seu pecado, e que ele,

depois de o haver comprado, lá se enforcou, houve um erro de

narração, devido aos comentários feitos a propósito dos fatos

que Mateus relatara, mas ainda não escrevera, e a propósito do

lugar do suicídio de Judas e do sepultamento, aí, do seu

cadáver.

Pedro foi dos que pensaram que Judas comprara o campo

com o fruto de seu pecado e que ali se enforcara. Essa opinião,

que se firmou no Espírito de Pedro e da qual Lucas, como

narrador, se fez eco, nasceu do fato de se haver Judas

enforcado naquele campo e de ter sido nele enterrado. Destas

circunstâncias concluíram, primeiro, que o campo lhe

pertencia, visto ser costume entre os Hebreus preparar cada

um, de antemão, a sua última morada; segundo, que ele o

adquirira com o que ganhara da sua traição.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 439

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 11-26.

— MARCOS, Capítulo XV, vv. 1-15.

— LUCAS, Capítulo XXIII, vv. 1-25

Jesus diante de Pilatos.

— Jesus é entregue para ser crucificado.

MATEUS: V. 11. Jesus foi levado à presença do governador e

este o interrogou assim: és o rei dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus:

Tu o dizes. — 12. As acusações, porém, que lhe faziam os príncipes

dos sacerdotes e os anciães nada respondeu. — 13. Pilatos então lhe

perguntou: Não ouves de quantas coisas estes te acusam? — 14.

Jesus nem uma só palavra disse em resposta, do que grandemente se

admirou Pilatos. — 15. Ora, o governador costumava, no dia da

festa da Páscoa, dar liberdade a um preso que o povo indicasse. —

16. E naquela ocasião tinha ele em seu poder um de grande fama,

chamado Barrabás. — 17. Perguntou, pois, Pilatos à multidão ali

reunida: Qual dos dois quereis que eu vos solte, Barrabás, ou Jesus,

apelidado o Cristo? — 18. É que sabia que só por inveja lhe tinha

sido este último entregue. — 19. Nesse ínterim, quando ele se

achava sentado no tribunal, sua esposa lhe mandou dizer: Não te

envolvas no caso desse justo, pois que hoje, em sonho,

estranhamente atormentada fui por sua causa. — 20. Mas os

príncipes dos sacerdotes e os anciães persuadiram o povo a pedir

fosse solto Barrabás e Jesus condenado à morte. — 21. Assim,

perguntando-lhes o governador: Qual dos dois quereis que vos solte?

Responderam: Barrabás. — 22. Objetou-lhes Pilatos: Que hei de,

então, fazer de Jesus, a quem chamam o Cristo? Responderam

todos: Seja crucificado! — 23. O governador insistiu: Que mal,

porém, fez ele? Com mais força clamaram, em resposta: Seja

crucificado! — 24. Vendo Pilatos que nada conseguia, que, ao

contrário, o tumulto se tornava cada vez maior, mandou vir água,

lavou as mãos diante do povo e disse: Sou inocente do sangue deste

justo; isso é lá convosco. — 25. Todo o povo lhe respondeu: Caia

sobre nós e sobre nossos filhos o seu sangue. — 26. Pilatos logo pôs

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440 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Barrabás em liberdade e, depois de haver mandado açoitar Jesus, o

entregou à multidão para ser crucificado.

MARCOS: V. 1. Logo pela manhã reuniram-se em conselho os

príncipes dos sacerdotes, os anciães, os escribas e todo o Sinédrio e,

manietado que foi Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos. — 2.

Este lhe perguntou: És o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu dizes.

— 3. E como os príncipes dos sacerdotes o acusassem de muitas

coisas, — 4, disse-lhe Pilatos: Nada respondes? Vê de quantas

coisas te acusam. — 5. Jesus, porém, nada mais respondeu,

causando isso admiração a Pilatos. — 6. Ora, costumava este, pela

Páscoa, soltar um preso cuja liberdade o povo pedisse. — 7. E na

ocasião um havia, de nome Barrabás, que num motim, com outros

sediciosos, praticara um homicídio. — 8. Acorrendo então a turba ao

pretório se pôs a pedir-lhe que fizesse o que costumava fazer. — 9.

Perguntou Pilatos: Quereis que vos solte o rei dos Judeus? — 10.

Ele bem sabia que só por inveja havia sido Jesus levado à sua

presença pelos príncipes dos sacerdotes. — 11. Estes, porém,

concitaram o povo a pedir que antes fosse solto Barrabás. — 12.

Inquiriu então Pilatos: Que quereis nesse caso que eu faça do rei dos

Judeus? — 13. Clamaram os da turba: Crucificai-o! — 14. Pilatos

obtemperou: Mas que mal fez ele? Clamando com mais força,

responderam-lhe: Crucificai-o! — 15. À vista disso, Pilatos, que

desejava satisfazer ao povo, soltou-lhe Barrabás e, depois de, por

sua ordem, ter sido Jesus açoitado, o entregou para ser crucificado.

LUCAS: V. 1. Toda a assembleia se ergueu e levou Jesus a

Pilatos. — 2. E se puseram a acusá-lo desta forma: Este homem nós

o encontramos a subverter o povo, proibindo se paguem os tributos a

César e dizendo ser o Cristo e rei. — 3. Pilatos o interrogou: És o rei

dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes. — 4. Observou então

Pilatos aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: Nenhuma culpa acho

neste homem. — 5. Aqueles, porém, com mais insistência,

afirmavam: Ele subleva o povo com a doutrina que vem espalhando

por toda a Judéia, desde a Galileia, onde começou, até aqui. — 6.

Pilatos, ouvindo falar da Galileia, perguntou se aquele homem era

galileu. — 7. Quando soube que era da jurisdição de Herodes,

Page 395: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 441

mandou-o a este, que na ocasião também se achava em Jerusalém.

— 8. Ao ser-lhe apresentado Jesus, Herodes muito satisfeito ficou,

pois de longo tempo desejava vê-lo, tanto tinha ouvido falar dele;

contava que o veria fazer algum milagre. — 9. Dirigiu-lhe muitas

perguntas, mas a nenhuma Jesus respondeu. — 10. Os príncipes dos

sacerdotes e os escribas presentes o acusavam com muita

insistência. — 11. Herodes, cercado da sua corte, o tratou com

desprezo e, escarnecendo dele, vestiu-lhe uma túnica branca e o

recambiou para Pilatos. — 12. Naquele dia, Herodes e Pilatos, de

inimigos que eram antes, se tornaram amigos. — 13. Pilatos

convocou os príncipes dos sacerdotes, os anciães e o povo, — 14, e

lhes disse: Vós me apresentastes este homem como sublevador do

povo e eis que, tendo-o interrogado na vossa presença, nele

nenhuma culpa achei das de que o acusais; — 15, nem tampouco

Herodes, a cuja presença o mandei. Nada tem ele feito, parece-me,

que o torne passível de morte. — 16. Assim, depois de o castigar,

soltá-lo-ei. — 17. Ora, como ele tivesse que soltar, pela festa da

Páscoa, um criminoso, — 18, todos à uma entraram a bradar: Morra

este e solta-nos Barrabás. — 19. Este fora preso por causa de uma

sedição havida na cidade e de um homicídio que cometera. — 20.

Pilatos, desejando livrar a Jesus, lhes falou de novo. — 21. A

multidão, porém, se pós a clamar: Crucifica-o, crucifica-o! — 22.

Pela terceira vez Pilatos perguntou: Mas que mal fez ele? Não lhe

acho culpa alguma que mereça a morte. Mandá-lo-ei, portanto,

castigar e o soltarei. — 23. Mas eles insistiam, pedindo em altos

brados que Jesus fosse crucificado, e seus clamores a todo momento

recrudesciam. — 24. Afinal, Pilatos ordenou se fizesse o que eles

pediam. — 25. Ao mesmo tempo soltou o que fora preso por causa

da sedição e do homicídio, conforme lhe exigiam e permitiu que de

Jesus fizessem o que quisessem.

N. 295. A diversidade que se nota entre o texto de Lucas e

dos outros evangelistas não vos deve surpreender, nem deter.

Como sabeis, cada um deles tinha que entrar em

particularidades especiais. Assim, o que um relata sumaria-

mente outro refere descendo a minúcias. É desse modo que as

narrações sempre se explicam e completam reciprocamente.

Page 396: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

442 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Diante de Pilatos, a uma só das suas perguntas consente

Jesus em responder; à que entendia com a soberania por ele

exercida sobre os Judeus, soberania moral e espiritual, a cujo

respeito Pilatos nenhuma dúvida tinha, não porque admitisse a

missão do Mestre, mas porque não descobria, na vida nem nos

atos daquele que lhe apresentavam como criminoso e

revoltado contra o poder dos Césares, qualquer coisa que

pudesse dar causa ao clamor público. Impelido por um

sentimento secreto, tenta salvar o acusado. Ainda mais, tendo-

lhe dito sua mulher que, em sonho, vira Jesus a se elevar,

luminoso, da cruz e o mundo a se cobrir de trevas, ele procura

pôr-se a salvo da responsabilidade do julgamento, mandando

apresentar Jesus ao sucessor de Herodes. Contava que dessa

maneira satisfaria às exigências da sua posição política e à sua

consciência. Mas, o sucessor de Herodes não quis arcar com as

consequências de uma condenação capital. Indeciso quanto ao

que devesse fazer, indignado com a falta de atenção e de

submissão de Jesus à dignidade de um representante dos

Césares, inflige-lhe um castigo infamante e o devolve a

Pilatos, que era o instrumento que tinha de funcionar.

Nenhuma explicação se faz necessária acerca do que

ocorreu na presença de Pilatos e do que se passou entre este e

Jesus, constituindo os fatos principais narrados por Mateus,

Marcos e Lucas. A apresentação de Jesus ao sucessor de

Herodes não foi mais do que um incidente, que nenhuma

influência teve sobre aqueles fatos.

Precisamos apenas chamar a vossa atenção sobre pontos

relativos ao Herodes da ocasião, à mulher de Pilatos e ao

próprio Pilatos.

(Lucas, vv. 7-11). Com relação ao sucessor de Herodes:

Ele se indignou com a falta de atenção e de submissão de Jesus

à dignidade de um representante dos Césares, porque a todas

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 443

as suas perguntas opôs Jesus o silêncio, negando-se

obstinadamente a lhe responder. Dissemos que, por isso,

infligiu ao Mestre um castigo infamante. De fato, tratando-o

com desprezo e dele zombando, o sucessor de Herodes

mandou que lhe vestissem uma túnica branca, porque branca

era a túnica dos Augustos, dos príncipes a quem tocava a

sucessão do trono, ou que aspiravam a sentar-se nele.

Cobrindo-o com aquelas vestiduras, tratava a Jesus como um

louco, como um em quem a ambição produzira a loucura.

O sucessor de Herodes, acrescentamos, o mandou de novo a

Pilatos, que era o instrumento que tinha de funcionar. Em

Jerusalém, ele se achava fora da sua jurisdição, ao passo que

dentro da de Pilatos estava o lugar onde se levantara contra

Jesus a acusação.

(Lucas, v. 12.) “Naquele dia Herodes e Pilatos, diz o

evangelista, de inimigos que antes eram, se tornaram amigos”.

Isso foi a consequência da troca de atenções havida entre

ambos, das mostras de deferência que cada um dera à

autoridade do outro.

(Mateus, v. 19.) Com relação à mulher de Pilatos: O que

ela tomara por um sonho em que “estranhamente atormentada

havia sido por causa de Jesus” e que a decidira a mandar dizer

ao marido, quando este se achava no seu trono, presidindo ao

tribunal: Não te envolvas no caso desse justo, fora uma

manifestação, um aviso espírita, que se produziram achando-se

ela, não a dormir, como se lhe afigurara, mas num estado de

torpor magneto-espírita.

Como sabeis, pelo que toca ao desprendimento do Espírito,

diversos graus apresenta o sono sonambúlico causado pelo mag-

netismo humano. O mesmo se dá quando o estado sonambúlico

resulta da ação do magnetismo espiritual. Este, como aquele,

quando ocasiona um desprendimento incompleto, produz

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444 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

apenas a lucidez, levando ao êxtase quando determina a

emancipação completa da alma.

A lucidez, que assim, por meio do magnetismo espiritual,

os Espíritos prepostos deram à mulher de Pilatos, lhe facilitou

a compreensão do quadro que diante de suas vistas os mesmos

Espíritos puseram. De tal maneira operaram estes, que ela

acreditou, como já explicamos, ter, em sonho, visto Jesus a se

elevar luminoso da cruz e o mundo a se cobrir de trevas.

Com esse aviso espírita, dado à mulher de Pilatos, quis o

anjo guardião deste, tendo-o Deus permitido, lembrar-lhe que

lhe cumpria escolher entre a justiça e a verdade de um lado e o

orgulho e a cobiça de outro.

O recado que recebeu da esposa mais lhe firmou no Espírito

o desejo de salvar a Jesus.

Com relação a Pilatos: Quando nele se manifestava o

desejo de libertar a Jesus, influenciava-o o sentimento íntimo

da inocência do Mestre, sentimento ao qual, porém, se

contrapunha o temor de ser prejudicado na sua posição

política. Esse temor predominou.

Tudo fora, como se vê, preparado e conduzido, sob a

influência e a ação espíritas, para que a inocência do justo e a

iniquidade da sua condenação mais impressionassem os

homens da época e as futuras gerações.

(Mateus, v. 11; Marcos, v. 2; Lucas, v. 3). Ao comparecer

Jesus na sua presença, Pilatos lhe perguntou: És o rei dos

Judeus? Foi essa a primeira interrogação que lhe fez. Por que?

Primeiramente, porque essa era a principal acusação que

lançavam ao Mestre, procurando com ela os seus acusadores

atemorizar os Romanos. Em segundo lugar, porque grande

surpresa lhe causou semelhante acusação feita a Jesus, cujo

aspecto era o que havia de mais oposto a tão alta pretensão.

Page 399: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 445

Respondendo: Tu o dizes, Jesus falou do ponto de vista

espiritual. Para bem se compreenderem e apreciarem o sentido,

o alcance e o objetivo dessa resposta, preciso é que não seja

isolada destas palavras já por ele proferidas: “Em verdade vos

digo que doravante não mais me vereis, até ao dia em que

digais: Bendito o rei que vem em nome do Senhor”! (Lucas,

XIX, v. 38 e XIII, v. 35).

Unicamente por escárnio, Pilatos, depois que Jesus lhe

respondeu — Tu o dizes, duas vezes lhe deu o título de rei dos

Judeus. A seu ver, Jesus era um Espírito fraco, mais presa de

loucura que de ambição.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XVIII, 28:40; e

João, Capítulo XIX, 8:15.

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446 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 27-30.

— MARCOS, Capítulo XV, vv. 16-19

Flagelação. — Coroa de espinhos. — Ultrajes Insultos.

MATEUS: V. 27. Depois, os soldados do governador

conduziram Jesus ao pretório e em torno dele se reuniu toda a

coorte. — 28. Despiram-no de suas roupas e o cobriram com um

manto escarlate. — 29. Em seguida teceram uma coroa de espinhos

entrelaçados e lhe puseram na cabeça, colocando-lhe na mão direita

uma cana. E, ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo:

Salve, rei dos Judeus! — 30. Cuspiam-lhe no rosto e, tirando-lhe da

mão a cana, com ela lhe batiam na cabeça.

MARCOS: V. 16. Os soldados então o levaram ao pátio do

pretório e aí reuniram toda a coorte. — 17. Revestiram-no com um

manto de púrpura e lhe puseram na cabeça uma coroa de espinhos

entrelaçados, que eles mesmos teceram. — 18. E começaram a

saudá-lo assim: Salve, rei dos Judeus! — 19. Batiam-lhe na cabeça

com uma cana, cuspiam-lhe no rosto e, ajoelhados diante dele, o

adoravam.

N. 296. Sempre ensinamento e exemplo dados aos homens.

Nos ultrajes que Jesus suportou, na paciência e na resignação

com que tudo sofreu se vos depara a linha de proceder que

deveis seguir.

Não vos enfileireis nunca entre os que acusam e insultam,

qualquer que seja a aparência de direito que tenham para assim

fazer, porquanto podeis estar cegos e acusar e insultar a um

inocente. Fracos são os sentidos humanos e vos enganam

muitas vezes. Este, que vos parece culpado e o é para os

homens, pode ser justo aos olhos de Deus. Abstende-vos, pois,

visto que, na maioria dos casos, por demais fracos são os

vossos sentidos e obtusa a vossa inteligência para julgardes

com acerto.

Page 401: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 447

Se vos virdes alvo da zombaria, do escárnio dos vossos

irmãos, por mais injustas que sejam suas opiniões e seus atos a

vosso respeito, oponde-lhes sempre a paciência e a doçura.

Não vos esforceis por demonstrar aos cegos os princípios e

as propriedades da luz. Perdereis o vosso tempo. Firmai-vos na

pureza das vossas intenções, na pureza da vossa consciência e

dos vossos atos e ficai certos de que tereis sempre no Senhor

um juiz equânime.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XIX, 1:7.

Page 402: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

448 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 31-32. — MARCOS, Cap. XV,

vv. 20-21. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 26-31

Jesus conduzido ao lugar do suplício. — Simão de Cirene o

ajuda a carregar a cruz. — Palavras que dirige às mulheres

que o lamentavam e pranteavam.

MATEUS: V. 31. Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o

manto escarlate, vestiram-lhe de novo suas roupas e o levaram para

ser crucificado. — 32. Ao saírem da cidade, encontraram um

homem de Cirene, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz

com Jesus.

MARCOS: V. 20. Depois de o terem assim escarnecido, tiraram-

lhe o manto de púrpura e lhe vestiram de novo suas vestes, feito o

que o levaram para ser crucificado. — 21. E como por ali passasse

um Cirineu, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo, o qual

voltava do campo, o obrigaram a carregar a cruz com Jesus.

LUCAS: V. 26. Quando o iam conduzindo, pegaram de um certo

Simão, Cirineu, que vinha do campo, e o obrigaram a carregar

também a cruz atrás de Jesus. — 27. Seguia-o grande multidão de

povo e de mulheres, que o lamentavam e pranteavam. — 28. Jesus,

voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por

mim; chorai por vós mesmas e por vossos filhos; — 29, porque dias

virão em que se dirá: Ditosas as estéreis, ditosos os ventres que

nunca geraram e os seios que nunca amamentaram. — 30. Pôr-se-ão

todos então a dizer aos montes: Caí sobre nós; e às colinas: Cobri-

nos. — 31. Porque, se isto fazem com o lenho verde, que farão com

o lenho seco?

N. 297. Jesus, depois de haver sido objeto do escárnio e das

jogralidades de todos, foi manietado para ser conduzido ao

suplício. Pilatos o entregou aos Judeus, que ansiavam por lhe

dar a morte. Mas os soldados do Tetrarca eram os guardas do

preso e os executores da sentença. Cumpria-lhes vigiar o

condenado, a fim de que não escapasse pela fuga, nem lhes

fosse arrebatado à força. Essas as ordens militares que os

Page 403: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 449

soldados tinham. Até ao último momento, até que os

malfeitores crucificados houvessem exalado o último suspiro,

eles eram obrigados a velar pelo cumprimento da sentença.

Penosa foi a marcha de Jesus. Não tinha ele que mostrar

aos homens até onde podiam chegar a resignação e a

submissão?

Nem uma só queixa, nenhum protesto lhe saíram dos lábios.

Não digais: “Era-lhe fácil; a carne nada sentia”.

Jesus, naqueles momentos, sofria, sofria muito no seu

coração pelo endurecimento dos homens. Sofria por ver que

séculos e séculos teriam que passar sobre as vossas cabeças,

antes que o batismo do espírito vos purificasse. Sofria, vendo

quantos sofrimentos o futuro reservava a seus irmãos, aos

quais votava amor tão ardente que, para lhes mostrar o

caminho que devem trilhar, consentiu em perlustrá-lo34

.

Experimentava as angústias que dilaceram o coração da

mãe extremosa que vê transviados, criminosos, seus filhos

diletos; que vê prestes a caírem sobre eles os rigores da lei;

que lhes brada: “Vinde a mim, vinde a mim e eu vos salvarei;

arrependei-vos e obterei o perdão para vós”, e os vê surdos, a

lhe voltarem as costas para prosseguirem no funesto caminho.

Ela não sofre, é certo, na sua carne, a carinhosa mãe; seus

ossos não são despedaçados. Mas, todas as fibras do seu

coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a

aflição pelo futuro de seus bem-amados !

34

Nota da Editora — Ver Nº 287 de “O Consolador”, de Emmanuel.

Page 404: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

450 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Sim, Jesus sofria, sofria no seu amor e sofre ainda, quando

vos vê endurecidos. Amenizai esse sofrimento com o vosso

amor e a vossa submissão, único bálsamo capaz de cicatrizar

as chagas que a vossa ingratidão e os vossos crimes abriram.

No que disse às mulheres que o pranteavam e lamentavam,

aludia figuradamente à destruição de Jerusalém, assim como

às calamidades, que a necessidade da depuração e da transfor-

mação do vosso planeta e da humanidade terrena faz inevitá-

veis, calamidades que de futuro ocasionarão a destruição da

vossa Jerusalém moderna, do vosso mundo, a fim de que uma

nova cidade e um templo indestrutível sejam reconstruídos.

Porque, disse Jesus, se isto fazem com o lenho verde, que

farão com o lenho seco?

Estas locuções — lenho verde e lenho seco — eram

proverbiais entre os Judeus, que por elas designavam os justos

e os pecadores. Se daquela forma tratavam o justo, de que

modo seriam tratados os pecadores? Essas palavras Jesus as

proferiu também figuradamente, a fim de impressionar, assim

os que tivessem de as ouvir quando repetidas fossem, como os

que mais tarde viessem a lê-las, mostrando a uns e a outros a

sorte reservada ao culpado que despreza o Justo e a moral

sublime que ele personifica.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XIX, vv. 16:22.

Page 405: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 451

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 33-38.

— MARCOS, Cap. XV, vv. 22-28.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 32-34 e 38

Crucificação de Jesus e dos dois ladrões.

Palavras por ele ditas como ensinamento e exemplo.

MATEUS: V. 33. Chegaram assim ao lugar chamado Gólgota,

que quer dizer — lugar do Calvário (ou da caveira), — 34, e lhe

deram de beber vinho misturado com fel. Ele, porém, tendo-o

provado, não o quis beber. — 35. Depois de o terem crucificado,

repartiram entre si as suas vestes, tirando sortes; a fim de que se

cumprisse o que fora dito pelo profeta: Repartiram entre si as

minhas vestes e sobre a minha túnica deitaram sortes. — 36. E,

sentados, ali o ficaram guardando. — 37. Por cima da sua cabeça

puseram escrito o motivo da sua condenação, nestes termos: Este é

Jesus, o rei dos Judeus. — 38. Com ele também foram crucificados,

um à sua direita, outro à sua esquerda, dois ladrões.

MARCOS: V. 22. E o levaram a um lugar, chamado Gólgota,

que quer dizer — lugar do Calvário, — 23, e lhe deram de beber

vinho misturado com mirra, mas ele não o tomou. — 24. Depois de

o terem crucificado, entre si repartiram suas vestes, tirando sortes

sobre elas, para verem o que a cada um tocaria. — 25. Era a hora

terceira35

, quando o crucificaram. — 26. O motivo da sua

condenação foi indicado por esta inscrição: O rei dos Judeus. — 27.

Com ele também crucificaram dois ladrões, um à sua direita, outro à

sua esquerda. — 28. Cumpriu-se assim esta palavra da Escritura: E

entre os malfeitores foi incluído.

LUCAS: V. 32. Com ele eram levados dois criminosos, para

também serem executados. — 33. Quando chegaram ao lugar

chamado Calvário, aí o crucificaram a ele e aos dois ladrões, um à

sua direita, outro à. sua esquerda. — 34. Dizia Jesus: Pai, perdoa-

lhes, que eles não sabem o que fazem. Em seguida, repartiram entre

35

Nove horas da manhã.

Page 406: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

452 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

si suas vestes, tirando sortes. — 38. Puseram-lhe acima da cabeça

esta inscrição, em grego, latim e hebreu: Este é o rei dos Judeus.

N. 298. Vistes como foi Jesus conduzido ao suplício.

Chegado ao Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, ficou

submetido às leis que então regulavam as execuções pela

crucificação. Sua boca não se abre para proferir o mais ligeiro

murmúrio. É que lhe cumpria dar aos homens, até ao

derradeiro instante, o exemplo — da moderação nos atos e nas

palavras; da submissão às leis, por mais iníquas que pareçam;

do respeito aos seus executores, por mais ínfimos que sejam os

agentes destes. A verdade, porém, tinha que se fazer ouvida e

brilhar, mesmo no alto da cruz onde o justo fora pregado. Ele é

o “rei dos Judeus”, o rei da Terra, pois que procede dos céus.

É o rei dos habitantes da Terra, porquanto seu reino não é

deste mundo e não pode, de forma alguma, fazer sombra aos

reis deste orbe impuro.

Cumpria-lhe dar o exemplo da misericórdia e do perdão aos

insultadores e aos algozes que a ignorância e as más paixões

desvairaram. Quando o crucificam, profere palavras destinadas

a abrir, no presente e no futuro, como abriram no passado, as

sendas do progresso moral: Pai, perdoa-lhes, que eles não

sabem o que fazem.

Foram os Judeus que, por vontade própria, o crucificaram,

mas o ato material foram os Romanos que o executaram. A

multidão reclamou a entrega de Jesus e Pilatos atendeu-a, no

sentido de conceder que lhe fosse dada "morte". E a turba,

ávida de espetáculos daquela natureza, o acompanhara,

bramindo e injuriando-o. Ele, porém, estava entregue aos

soldados romanos, que eram os que tinham o encargo de

executar a sentença proferida e que de fato a executaram.

N. 299. Tem-se pretendido que há uma contradição entre as

narrativas de MATEUS e MARCOS e a de LUCAS, consis-

tindo em que, segundo aqueles dois primeiros evangelistas,

Page 407: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 453

foram os soldados romanos que levaram a efeito a

crucificação, ao passo que, segundo o último, foram os Judeus.

Mantemos o que acabamos de dizer: Foram os Judeus que,

moralmente, condenaram a Jesus, sendo Pôncio Pilatos quem

materialmente proferiu contra ele a sentença de morte. Do

mesmo modo, os Judeus, que o acompanharam ao Gólgota,

foram os que presidiram ao seu suplício. Mas, materialmente,

foram os soldados romanos que executaram a sentença,

desempenhando o papel do carrasco quando executa a

condenação à morte sentenciada pelo tribunal do júri.

As duas narrativas têm que ser explicadas e completadas uma

pela outra, visto que, no seu conjunto, elas obedeceram ao pro-

pósito de destacar o ato moral do ato material, salientando-os.

Lucas tomou a ação dos Judeus sob o seu aspecto moral,

pois que, moralmente, foram os Judeus que condenaram a

Jesus.

Esse evangelista assim procedeu considerando que,

sobretudo naquele caso, o ato moral, puramente moral, muito

pior era do que o ato material. Os soldados romanos não foram

mais do que instrumentos passivos. Alguém há, porventura,

que responsabilize o cutelo, que cai sobre a cabeça do

inocente, pela sentença iníqua que o condenou? O peso da

condenação cai todo sobre os juízes ou sobre o júri que se

transviaram e não sobre o carrasco ou sobre o cutelo de que

este se serviu.

Mateus e Marcos atentaram somente no ato material. A

narrativa de João (cap. XIX, vv. 14-18 e 23), que não deve ser

isolada das dos três primeiros evangelistas, abrangeu o ato

moral, e o ato material, o ato moral, dizendo (v. 18) que os

Judeus crucificaram a Jesus; o ato material, dizendo (v. 23) que

os soldados executaram a crucificação.

Page 408: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

454 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 39-43.

— MARCOS, Cap. XV, vv. 29-32.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 35-37

Blasfêmias. — Zombarias. — Insultos.

MATEUS: V. 39. E os que por ali passavam, abanando a cabeça,

blasfemavam-no, — 40, dizendo: Tu, que destróis o templo de Deus

e o reedificas em três dias, porque não te salvas a ti mesmo? Se és o

filho de Deus, desce da cruz. — 41. Do mesmo modo os príncipes

dos sacerdotes, com os escribas e os anciães, o escarneciam,

dizendo: — 42. Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo;

se é o rei de Israel, que desça agora da cruz e nós lhe acreditaremos.

— 43. Ele põe toda a sua confiança em Deus; livre-o Deus agora, se

o ama, pois que ele disse: Sou o filho de Deus.

MARCOS: V. 29. Os que passavam, abanando as cabeças,

blasfemavam-no, dizendo: Olá, tu, que destróis o templo de Deus e

o reedificas em três dias, — 30, salva-te a ti mesmo e desce da cruz.

— 31. Também os príncipes dos sacerdotes e os escribas o

escarneciam, dizendo entre si: Ele a outros salvou, entretanto não

pôde salvar-se a si mesmo. — 32. Que o Cristo, o rei de Israel, desça

agora da cruz para que vejamos e creiamos.

LUCAS: V. 35. O povo que, ali reunido, contemplava aquela

cena e bem assim os anciães zombavam dele, dizendo: Ele que

salvou a outros, salve-se a si mesmo agora, se é o Cristo, o eleito de

Deus. — 36. Também o insultavam os soldados, que dele se

aproximavam e lhe ofereciam vinagre, — 37, dizendo: Se és o rei

dos Judeus, salva-te a ti mesmo.

N. 300. Estes versículos vos mostram ainda a ingratidão e a

loucura dos homens, sempre prontos a insultar aqueles a quem

mais deviam respeitar. Encerram também um aviso aos

insultadores e incrédulos de hoje, que rejeitam a revelação

espírita e, portanto, a missão espiritual do Cristo, como

rejeitaram no passado a sua missão terrena.

Page 409: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 455

Os sumos sacerdotes, os escribas, os fariseus, os anciães,

Espíritos orgulhosos, atrasados e culpados, o povo, que em

torno deles se agrupava, e os transeuntes, um e outros

dominados por eles, eram incapazes de compreender a

necessidade, o motivo e o fim daquela missão que, preparada

desde longos séculos, se cumpria, segundo a presciência e a

sabedoria infinitas de Deus, de maneira a servir à época de

então, a preparar o futuro e a conduzir a humanidade, através

da era cristã, sob o império e o véu da letra, da capa do

mistério e do prestígio do milagre, a era do Cristianismo do

Cristo, à era espírita, que se abre diante de vós, ao advento do

Espírito da Verdade, que, por intermédio dos Espíritos do

Senhor e da nova revelação, vem, despojando da letra o

espírito, tornar conhecido o que teve de ficar e ficou secreto

até aos vossos dias, pôr a nu o que até hoje teve de permanecer

e permaneceu oculto.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XIX, vv. 23:37.

Page 410: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

456 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVII, v. 44.

— MARCOS, Cap. XV, v. 32.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 39-43

Palavras que Jesus dirigiu a um dos dois ladrões,

ao que é chamado o bom ladrão.

MATEUS: V. 44. Os mesmos impropérios lhe dirigiam os dois

ladrões que com ele haviam sido crucificados.

MARCOS: V. 32. Também os que com ele haviam sido

crucificados lhe dirigiam palavras injuriosas.

LUCAS: V. 39. Um dos ladrões também crucificados blasfemava

contra ele dizendo: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós. —

40. Mas o outro, repreendendo-o, disse: Nem ao menos sofrendo o

mesmo suplício temes a Deus mais do que os outros! — 41.

Entretanto, nós o sofremos justamente, pois que recebemos o castigo

que mereceram os nossos crimes, ao passo que este nenhum mal fez.

— 42. E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando chegares

ao teu reino. — 43. Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que

hoje estarás comigo no paraíso.

N. 301. Estes versículos se conciliam perfeitamente. As

narrativas de Mateus e de Marcos encontram na de Lucas o

seu complemento histórico, do mesmo modo que esta última,

para estar completa, precisa que a precedam as duas outras. A

principio, os dois ladrões, ambos criminosos e maus, fazem

coro com os príncipes dos sacerdotes, os anciães, os escribas,

os transeuntes e a multidão, nos ultrajes que lançavam a Jesus.

Depois, continuando um deles a blasfemar contra este, pede-

lhe que demonstre o seu poder por um milagre, que também os

salve. Se és o Cristo, disse, salva-te a ti mesmo e a nós.

Tocado pela doçura, pela bondade de Jesus, que respondia

rogando pelos culpados aos insultos que lhe atiravam, o outro

ladrão compreendeu que no Mestre alguma coisa havia que o

colocava acima da humanidade. Aproximando-se lhe o momen-

Page 411: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 457

to em que a libertação restitui ao Espírito a luz, esse malfeitor

entreviu a verdade, ainda que confusamente, e não hesitou em

implorar misericórdia àquele em quem reconhecia maior poder

para as coisas do céu, do que para as da terra. E Jesus lhe

responde por esta forma animadora: Em verdade te digo que

hoje mesmo entrarás comigo no paraíso.

Estas palavras hão dado e ainda dão motivo a muitas

interpretações falsas e suscitaram muitas controvérsias.

Elas não significam que aquele, cuja vida fora cheia de

rapinagem e de faltas, pelo simples fato de se arrepender,

ficasse isento de toda expiação, de toda reparação. Significam

tão-somente que, a partir daquele instante, ele entraria na

senda do progresso, que o conduziria rapidamente ao bem.

Efetivamente, para o Espírito, o paraíso não é o que o

homem imaginou: um lugar de beatífico êxtase, sem objetivo,

sem esperança de coisa melhor. É, ao contrário, a entrada na

senda luminosa que proporciona ao culpado entrever o prêmio

reservado aos esforços do trabalhador. É a compreensão do

futuro, junta ao desejo ardente de o alcançar.

Essa senda, esse paraíso, onde o sofrimento causado pelo

remorso das faltas cometidas constitui uma alegria para o

Espírito que compreende o progresso que está ao seu alcance

realizar, é que Jesus promete àquele que, na linguagem

humana, ficou apelidado de “bom ladrão”. Ele entraria nesse

paraíso desde que, do alto da sua glória, o mesmo Jesus, por

intermédio dos bons Espíritos, lhe mostrasse o caminho a

percorrer e a felicidade que ao seu termo o esperava.

N. 302. Sobre essas palavras de Jesus a Igreja Católica

erigiu o seu sistema da condenação e da graça, da indulgência

concedida à fé, independentemente das obras, colocando o

malfeitor apelidado de “bom ladrão” no número dos bem-

Page 412: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

458 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

aventurados, pelo simples fato de se haver arrependido

sinceramente, de haver demonstrado o que ela chama: a

contrição perfeita.

Falsa interpretação das palavras do Mestre, que ela, não as

compreendendo segundo o espírito, tomou ao pé da letra.

Acabamos de dizer: Aquelas palavras de Jesus significam:

“No momento em que eu torne a ocupar o lugar que me

compete, voltando à natureza espiritual que me é própria, tu

entrarás na vida espiritual; verás distintamente, assim o

caminho que te cumpre seguir, como a meta que terás de

alcançar”.

O arrependimento é, com efeito, um meio de chegar ao fim,

de chegar à expiação produtiva, à atividade nas provações, à

perseverança no objetivo. É uma venda que se rasga e que,

permitindo ao cego ver a luz brilhante que tem diante de si, o

enche do desejo de possuí-la. Mas, isso não o exime de

perlustrar o seu caminho. Ele passa a ver melhor os obstáculos,

consegue transpô-los mais rapidamente e com maior destreza e

atinge mais prontamente o fim colimado. Nunca, porém, vos

esqueçais desta sentença. A cada um de acordo com as suas

obras. As boas apagam as más. Todavia, o Espírito culpado

não pode avançar, senão mediante a reparação.

Page 413: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 459

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 45-50.

— MARCOS, Cap. XV, vv. 33-37.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 44 e 46

Morte de Jesus, no entender dos homens.

MATEUS: V. 45. Desde a hora sexta36

até a hora nona37

toda a

Terra se cobriu de trevas. — 46. Por volta da hora nona, exclamou

Jesus em alto brado: Eli, Eli, lamma sabachtani! isto é: Meu Deus,

meu Deus, porque me desamparaste? — 47. Alguns dos que por ali

estavam, ouvindo isso, disseram: Ele chama por Elias. — 48. E logo

um deles correu, tomou de uma esponja, ensopou-a em vinagre e,

colocando-a no extremo de uma cana, lhe apresentou para que

bebesse. — 49. Outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias o

vem libertar. — 50. De novo soltou Jesus um grande brado e rendeu

o Espírito.

MARCOS: V. 33. Chegada a hora sexta, toda a terra se cobriu de

trevas até à hora nona. — 34. À hora nona, exclamou Jesus num alto

brado: Eloi, Eloi, lamma sabachtani! que quer dizer: Meu Deus,

meu Deus, porque me abandonaste? — 35. Ouvindo isso, disseram

alguns dos circunstantes: Eis que ele chama por Elias. — 36. Um

deles então correu, ensopando uma esponja em vinagre e, espetando-

a numa cana, lhe apresentou para que bebesse, dizendo: Deixem,

vejamos se Elias vem tirá-lo da cruz. — 37. Jesus soltou um grande

brado e rendeu o Espírito.

LUCAS: V. 44. Era quase à hora sexta; toda a terra se cobriu de

trevas até à hora nona. — 46. Jesus então, clamando em altas vozes,

disse: Meu Pai, nas tuas mãos entrego a minha alma. E, tendo dito

isso, expirou.

N. 303. As palavras de Jesus foram falsamente

interpretadas. Como podia ele, que desempenhara sua missão,

ser abandonado pelo Senhor?

36

Meio Dia 37

Três Horas da Tarde

Page 414: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

460 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

As palavras que o divino modelo pronunciou, no momento

em que, deixando na cruz o invólucro perispirítico tangível,

que trazia, com a aparência do corpo humano, retomou a sua

plena liberdade espiritual, foram estas: Senhor, tudo está

cumprido, eis-me aqui! De ordem dele, nós vo-las repetimos

textualmente.

Para que compreendais donde se originou a falsa

interpretação dada às suas palavras, como essa interpretação se

introduziu nas narrativas evangélicas de Mateus e de Marcos,

como se produziram as de Lucas e de João, temos que vos

explicar o que realmente ocorreu, restituindo desse modo aos

fatos, também por ordem do Mestre, a exatidão histórica.

Logo depois de haver dirigido àquele dos dois malfeitores

cognominado o “bom ladrão” as palavras cujo sentido e

alcance agora conheceis em espírito e verdade, Jesus, como

dizem ,os evangelistas, soltou um grande brado, a fim de atrair

a atenção do povo para seus “últimos momentos”, atraindo-a

para os fenômenos que, ao mesmo tempo, iam produzir-se. Os

dois ladrões se puseram a gemer, os discípulos elevaram suas

vozes em exclamações de imensa dor e todos esses estertores

d’alma se reuniram formando um só clamor.

Foi quando chegara ao máximo a agitação tumultuosa de

toda aquela turba sacudida por tão diversos sentimentos que

Jesus, repetimos, disse: Senhor, tudo está cumprido, eis-me

aqui. A esse tempo, o ladrão, que pouco antes falara movido

pelo arrependimento, buscando num ímpeto o seu Criador,

dirigindo-se a Deus, exclamou: Eli, Eli, lamma sabachtani!

Isto é: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?

Alguns, mas não todos, atribuíram a Jesus essas palavras. De

modo que a incerteza entrou a reinar sobre o que efetivamente

dissera ele, cuja exclamação se perdera no espaço, de envolta

com o rumor produzido pela agitação da turba, que se via

presa das maiores preocupações.

Page 415: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 461

Tinha que ser assim, como dentro em pouco vos

explicaremos. Tudo tem sua razão de ser.

Mais tarde surgiram os comentários, originando-se destes

as versões que se introduziram nas narrações evangélicas.

Desde que estudais a ciência espírita, ainda não

compreendestes que o melhor médium, isto é: o mais

maleável, o mais dócil dos instrumentos, pode, em certos

casos, ficar entregue a si mesmo, embora dominado pela

sobre-excitação mediúnica, de tal sorte que é a sua própria

natureza que atua pessoalmente, quando ele ainda se julga sob

a influência espiritual?

Assim é que, em certos casos, os apóstolos referiram os

fatos sob a impressão da sua maneira de ver pessoal, ao passo

que, em outros, os fatos lhes eram, a bem dizer, postos,

mediunicamente, debaixo das vistas.

Assim é também que os evangelistas Mateus, Marcos,

Lucas e João, embora mantidos em estado de sobre-excitação

mediúnica, ficaram entregues a si mesmos, quanto ao

aproveitamento, para as suas narrativas, dos diversos informes

em curso, relativamente às palavras atribuídas a Jesus, e

relataram os fatos de acordo com as versões que adotaram,

guiados pelo seu critério pessoal. A narrativa mais próxima da

verdade é a de João, que, em meio dos clamores, do ruído, das

agitações, se conservara perto da cruz.

Dissemos e repetimos que tudo tem a sua razão de ser.

Mateus e Marcos, orientados pelas impressões de Pedro,

adotaram a versão que atribuía a Jesus estas palavras: “Eli,

EU, lamma sabachtani”? isto é: Meu Deus, meu Deus, porque

me abandonaste?

Dentro do quadro que lhes fora mediunicamente traçado,

Jesus tinha que parecer aos homens, sob o véu da letra, um ser

excepcional, misterioso, impossível de definir-se, participando

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462 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

ao mesmo tempo da natureza humana e da divindade, um

homem revestido da libré material, um profeta concebido no

seio de Maria virgem por obra do Espírito Santo, o filho de

Deus, o Santo de Deus, o irmão de seus discípulos, o rei dos

Judeus, gozando da onipotência no céu e sobre a terra.

Mateus e Marcos, conquanto mantidos em estado de sobre-

excitação mediúnica, ficaram entregues a si mesmos, porque

era preciso deixar à opinião um ponto pelo qual fosse ela

reconduzida ao princípio material (ainda que relativo) de

Jesus. Aquela frase constituiu para os homens, durante largo

tempo, uma prova irrecusável de que Jesus sofrera

materialmente e, de certo modo, fraqueara sob o guante da

dor, o que desculpava as fraquezas humanas em face da prova.

A versão falsa, que Mateus e Marcos reproduziram sob o

influxo pessoal da natureza que lhes era própria, isentos da

influência mediúnica, foi também um meio de contrabalançar

a crença na divindade do Cristo em as controvérsias a que essa

divindade daria lugar, controvérsias necessárias a preparar as

inteligências para receberem a revelação atual que, despojando

da letra o espírito, vos faz conhecer, em espírito e em verdade,

“quem é o filho”.

Escrevendo dentro do quadro que mediunicamente lhe tinha

sido traçado, mas entregue, nesse caso, a si mesmo, Lucas

adotou, de acordo com o critério de Paulo, que via no Cristo o

mediador entre Deus e os homens, a versão segundo a qual

foram estas as palavras que Jesus pronunciara: “Pai, às tuas

mãos entrego a minha alma”.

Escrevendo igualmente dentro do quadro que lhe fora

mediunicamente traçado, de maneira a fornecer às interpre-

tações humanas segundo a letra os elementos da crença na

divindade do Cristo, fornecendo ao mesmo tempo os elemen-

tos apropriados à retificação dessa crença, quando do advento

do espírito, e apropriados a servirem de base à nova revelação,

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 463

que viria dar a conhecer a natureza e a origem do filho, sua

posição com relação ao pai, João, entregue, nesse caso, a ai

mesmo adotou, com o que pudera apanhar, a versão que

inculcava, como proferidas por Jesus naquele momento, estas

palavras:

“Tudo está cumprido”38

.

As versões que Lucas e João adotaram exprimiam, em

termos diferentes, o mesmo pensamento que as palavras

textualmente proferidas pelo Mestre expressavam. Ambas

traduziam um exemplo de submissão e de amor: Jesus, ao

apresentar-se ao Senhor depois de tudo cumprido, lhe depunha

nas mãos a sua alma.

Jesus, dizem as narrações evangélicas, rendeu o Espírito,

expirou. Estas duas locuções têm o mesmo sentido, o mesmo

alcance — o da volta do Espírito à vida espírita, readquirindo

a liberdade no espaço, que é a sua pátria.

Não há comparação possível entre o regresso de Jesus e o

dos vossos Espíritos. Para vós, a encarnação material humana

representa um exílio que sofreis a título de expiação, de

provação. A vida vos é arrebatada, tirada. Quando a tendes

deixado, não a podeis retomar; só por meio da reencarnação

podeis ter uma nova existência. Sejam quais forem os esforços

que façais durante a vida terrena, a vossa natureza humana

sempre vos arrasta a algum desfalecimento, quando não a

faltas; de sorte que, ao regressardes à vida espírita, sempre vos

achais sujeitos a julgamento, a um arrependimento mais ou

menos penoso, conforme o grau da culpabilidade.

A volta de Jesus à vida espírita era inteiramente diversa da

vossa. Disse-o ele próprio39

, aludindo ao sacrifício do Gólgota,

38

João, Capítulo XIX, vv. 28 e 30. 39

João, Capítulo X, vv. 17-18.

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464 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

aos fatos e circunstâncias atinentes à sua missão terrena, tanto

anteriores como posteriores àquele sacrifício.

Ele deixava a vida para a retomar; ninguém lhe podia

arrancar, ou tirar, e ninguém lhe arrancou, ou tirou; era ele

quem por si mesmo a deixava; foi ele que por si mesmo a

deixou; tinha o poder de a deixar e o de a retomar. Ele, pois,

não sofria a encarnação material, humana, tal como a sofreis.

Sua ausência da pátria espiritual não era, portanto, como se dá

convosco, um exílio. De fato, frequentemente, muito

frequentemente, quando, presidindo seu Espírito ao governo

do vosso mundo, julgavam que se havia retirado para orar na

solidão, ele pairava sobre o vosso universo, regrando, com

sabedoria, todas as coisas e fazendo executar as ordens do

soberano Senhor.

No Gólgota, ninguém lhe arrancou, ou tirou a vida. Ele por

si mesmo a deixou, no momento em que seu Espírito,

retomando a sua inteira liberdade, abandonou na cruz o

invólucro que revestira, de natureza perispirítica, tangível com

a aparência do corpo humano. E, “de acordo com o

mandamento que recebera de seu pai”, ele a retomou para

reaparecer, operando o que se chamou a sua "ressurreição", e

concluir a missão terrena que descera a desempenhar.

Deixou-a, por si mesmo, definitivamente, quando,

terminada aquela missão, realizou o fenômeno conhecido pelo

nome de ascensão, despindo-se em definitivo daquele

invólucro, restituindo os elementos fluídicos que o

compunham às regiões a que haviam sido tomados. Puro de

toda falta, nenhuma expiação precisava sofrer, nada tinha que

lamentar. Ele, o justo, voltava à pátria como juiz e não como

acusado.

Quanto às trevas que, a partir da hora sexta até à nona,

cobriram a Terra foram, como daqui a pouco explicaremos,

fazendo-vos compreender de que modo se operou o

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 465

obscurecimento do céu, um extraordinário efeito físico,

produzido por poderosa ação espírita, destinado a impressionar

grandemente as massas e a repercutir fortemente nas gerações

futuras.

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466 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 51-56.

— MARCOS, Cap. XV, vv. 38-41.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 45 e. 47-49

Rasga-se o véu do templo. — Tremor de terra

.— Aparição dos mortos. — Obscurecimento do Sol.

— Palavras do centurião.

MATEUS: V. 51. E eis que o véu do templo se rasgou em dois

de alto a baixo; a terra tremeu e as pedras se fenderam. — 52. Os

sepulcros se abriram e muitos corpos de santos, que neles dormiam

o sono da morte, ressuscitaram. — 53. E, saindo dos túmulos depois

da sua ressurreição, vieram à cidade santa e apareceram a muitas

pessoas. — 54. O centurião e os que com ele estavam de guarda a

Jesus, observando o terremoto e tudo o que se passava, se encheram

de grande medo e disseram: Este era verdadeiramente filho de Deus.

— 55. Lá se achavam, observando as coisas de longe, muitas

mulheres, que desde a Galileia acompanhavam a Jesus, assistindo-o

com o necessário. — 56. Entre elas estavam Maria Madalena, Maria

mãe de Tiago e de José e a mãe dos filhos de Zebedeu.

MARCOS: V. 38. E logo o véu do templo se rasgou em dois de

alto a baixo. — 39. O centurião que estava em frente da cruz, ao ver

que, soltando aquele brado, Jesus expirara, disse: Verdadeiramente

este homem era filho de Deus. — 40. Lá se achavam também

algumas mulheres tudo observando de longe, entre elas Maria

Madalena, Maria, mãe de Tiago o menor e de José, e Salomé, — 41,

as quais seguiam a Jesus quando este andava pela Galileia,

assistindo-o com o necessário; e estavam lá ainda muitas outras que

com ele tinham subido a Jerusalém.

LUCAS: V. 45. Escureceu-se o sol e o véu do templo se rasgou

de meio a meio. — 47. Vendo o centurião o que sucedera, glorificou

a Deus, dizendo: Na verdade, este homem era justo. — 48. Toda a

multidão dos que assistiam àquele espetáculo, vendo o que

acontecia, se retirava batendo nos peitos. — 49. Todos os que

conheciam a Jesus e as mulheres que o seguiam desde a Galileia lá

estavam também, observando de longe o que se passava.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 467

N. 304. Não conseguireis abrir os olhos aos que teimam em

conservá-los fechados. Não conseguireis que admitam os fatos

espíritas os que negam toda influência ultra mundana.

Os fenômenos concernentes à aparente morte de Jesus

foram devidos à ação dos Espíritos que o cercavam em

número, para vós, incalculável.

Era preciso que aquelas massas ignorantes e grosseiras

fossem tomadas de espanto. Era preciso fossem tocados os

sentidos materiais daquelas gentes, totalmente materializadas.

E, com efeito, o tremor de terra parcial, provocado por uma

combinação de fluidos e o vapor que, por instantes,

obscureceu a luz do dia fizeram mais do que os "milagres"

que, por bondade e caridade, Jesus operara durante três anos.

O obscurecimento do Sol, as trevas que cobriram a Terra

foram obtidos pela reunião e combinação de fluidos opacos,

sob a ação dos Espíritos prepostos à produção do fenômeno.

O tremor de terra, apenas parcial, se deu na região do

planeta onde se encontravam os Judeus que, com seu ódio e

seus sarcasmos, haviam perseguido a Jesus e se fez sentir no

templo onde os sacerdotes e os Judeus mais eminentes se

tinham reunido após o suplício. Foi um fato puramente

espírita, devido à ação de Espíritos prepostos, mediante

simples combinação de fluidos próprios para produzirem

abalos. Os tremores de terra que, na ordem material das coisas,

são crises planetárias que ocorrem na execução da obra de

transformação progressiva do globo terráqueo, se originam de

abalos vulcânicos mais ou menos violentos, conforme o

propulsor está mais ou menos afastado, mais ou menos

profundamente enterrado. Os abalos, porém, que se fizeram

sentir no momento em que Jesus “expirava” não resultaram de

causas diversas das que produzem a sacudidura de um móvel,

ou de um aposento, provocando o deslocamento das peças do

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468 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

mobiliário que nele existam. A ação ali foi mais forte, mas os

agentes eram os mesmos.

As pedras se fenderam, dizem os Evangelistas.

Este fenômeno foi igualmente um efeito físico, resultante

das mesmas causas, obtido pelos mesmos meios e pelos

mesmos agentes que produziram o terremoto parcial.

E o véu do templo se rasgou em dois de alto. a baixo.

Este outro efeito físico, devido, como os demais

fenômenos, à ação oculta, direta, dos Espíritos do Senhor, se

verificou ao mesmo tempo que o abalo sentido naquela parte

da superfície da terra, onde estava o templo.

Não digam os incrédulos que os Espíritos do Senhor,

prepostos à realização de tais fenômenos, se serviam de meios

indignos de seus caracteres e de sua elevação: que faziam

truanices.

Responderemos de antemão a esses críticos que negam ou

censuram o que não compreendem. O Senhor pôs nas mãos de

seus agentes os meios necessários à direção dos mundos, à

conversão dos homens e esses meios são empregados de

acordo com as circunstâncias e as necessidades da época.

Os sepulcros se abriram e muitos corpos de santos, que

neles dormiam o sono da morte, ressuscitaram e, saindo de

seus túmulos, vieram à cidade santa e apareceram a muitas

pessoas.

A narração evangélica, feita sob a influência mediúnica,

reproduziu, como cumpria que se suceda, a apreciação

humana, dando o caráter de “milagroso” a um fato que não

passara de simples manifestação espírita, de uma aparição,

apenas visível, de Espíritos, e rodeando-o das circunstâncias

Page 423: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 469

“maravilhosas” que lhe atribuíram a ignorância e os

preconceitos dos homens da época, incapazes de

compreenderem e explicarem o aludido fato e crentes numa

ressurreição corporal, por efeito da volta do Espírito ao

cadáver retomado à sua decomposição, ou reconstituído com o

pó. Dessa ignorância e desses preconceitos partilhavam, no

tocante à ressurreição, os apóstolos e os evangelistas, na

condição de encarnados.

Os Espíritos que se manifestaram tomaram de empréstimo

aspectos facilmente reconhecíveis e, portanto, mais de molde a

impressionar os homens. Dizemos — tomaram de empréstimo,

porque não foram Espíritos elevados os que agiram em tais

manifestações e sim Espíritos prepostos àquele efeito,

Espíritos bons, mas de ordem relativamente inferior.

Os Espíritos elevados, cujos aspectos os Espíritos prepostos

tomaram, Espíritos aqueles que, na linguagem material

apropriada aos tempos e às necessidades da época, se

designaram por “corpos de santos”, eram os profetas e os que,

por uma existência austera e reta, se haviam imposto à

admiração pública.

Essa parte da narrativa evangélica, despojado da letra o

espírito, se reduz, em espírito e verdade, a isto: Espíritos se

tornaram visíveis aos homens.

Foram vistos por muitas pessoas: Pelas que inconscien-

temente possuíam a faculdade mediúnica da vidência.

O centurião e os que com ele estavam guardando a Jesus,

testemunhas que foram do terremoto e dos outros fenômenos

que sob suas vistas se produziram no momento em que o

Cristo soltou um grande brado, se viram presas de extremo

pavor. Elevando então o pensamento a Deus, cuja “cólera” se

manifestava, segundo o modo de ver deles, contra a iniquidade

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470 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

do suplício, exclamaram: “Na verdade este homem era justo;

— ele era verdadeiramente filho de Deus”.

Estas duas expressões — Justo e Filho de Deus —

correspondiam a um mesmo pensamento. A segunda ainda não

era considerada do ponto de vista da descendência, que mais

tarde, sob o reinado da letra, deu origem ao dogma humano da

divindade do Cristo, como corolário das interpretações dos

homens.

Page 425: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 471

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 57-61.

— MARCOS, Cap. XV, vv. 42-47.

— LUCAS, Cap. XXIII, vv. 50-56

José de Arimatéia desce da cruz o

corpo e o deposita no sepulcro.

MATEUS: V. 57. À tarde, um homem rico da cidade de

Arimatéia, de nome José, que também era discípulo de Jesus, — 58,

foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos mandou que lhe

entregassem. — 59. José tomou do corpo, envolveu-o num lençol

branco, — 60, e o depositou num sepulcro novo, que para si

mandara abrir na rocha e, tendo arrastado uma grande pedra, com

ela tapou a entrada do túmulo e se retirou. — 61. Sentadas junto do

sepulcro estavam Maria Madalena e a outra Maria.

MARCOS: V. 42. Pela tarde, como fosse parasceve (que quer

dizer — véspera de sábado), — 43, José de Arimatéia, ilustre

membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus,

resolutamente foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. — 44.

Pilatos, admirando-se de que este já tivesse morrido, chamou o

centurião e o interrogou. — 45. Afirmando-lhe o centurião que sim,

ele deu o corpo a José. — 46. Este o tirou da cruz, o envolveu num

lençol que comprara e o depositou num sepulcro que fora aberto na

rocha; rolou uma pedra e a colocou à entrada do sepulcro. — 47.

Maria Madalena e Maria, mãe de José, viram onde o corpo foi

depositado.

LUCAS: V. 50. Eis que um varão de nome José, membro do

Sinédrio, homem justo e bom, — 51, que não assentira na resolução

de seus colegas, nem no que estes haviam praticado, que era filho de

Arimatéia, cidade da Judéia, e também esperava o reino de Deus, —

52, foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. — 53. Tirou-o da

cruz, envolveu-o num lençol e o depositou num sepulcro talhado na

rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. — 54. Era dia da

parasceve (ou seja da preparação) e já raiava o sábado. — 55. As

mulheres, que desde a Galileia acompanhavam a Jesus, seguindo a

Page 426: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

472 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

José, viram o sepulcro e que o corpo daquele fora ali depositado. —

56. De regresso, prepararam aromas e bálsamos, depois do que,

passaram o sábado sem fazer coisa alguma, como mandava a lei.

N. 305. São fatos históricos que dispensam comentários. O

corpo de Jesus é deposto no sepulcro e os acontecimentos vão

continuar o seu curso.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XIX, 38:42.

Page 427: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 473

MATEUS, Capítulo XXVII, vv. 62-66

Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus

chumbam a pedra que fechava a entrada

do sepulcro. Guardas são aí postados.

MATEUS: V. 62. No dia seguinte ao da parasceve (da

preparação), os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reuniram,

foram ter com Pilatos, — 63, e lhe disseram: Senhor, lembramo-nos

de que aquele impostor, quando vivo, afirmou: Depois de três dias

da minha morte, ressuscitarei. — 64. Manda, portanto, que o

sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, para não suceder que

venham seus discípulos, lhe furtem o corpo e depois digam ao povo:

Ressuscitou dentre os mortos, pois que este último embuste seria

pior do que o primeiro. — 65. Pilatos lhes respondeu: Aí tendes

guardas, ide e guardai-o como entenderdes. — 66. Eles se foram e,

para garantirem o sepulcro, selaram-lhe a pedra e lhe puseram

guardas.

N. 306. Os Judeus haviam percebido a importância das

palavras de Jesus e a voz íntima de suas consciências lhes

fazia temer que fossem verdadeiras tais palavras.

A guarda do sepulcro foi confiada a soldados da milícia

romana.

Os Judeus não tinham exército nem comando militar, de

sorte que só com autorização do tetrarca que governava a

província podiam empregar a força armada.

O que disse Pilatos (v. 65) equivalia a isto: Tendes soldados

à vossa disposição; consinto.

Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, que sabiam haver

Jesus dito que “ressuscitaria” três dias depois de sua “morte”,

tinham o maior interesse em lhe conservar o corpo como

elemento de prova, a fim de poderem confundir o Mestre e

seus discípulos, mostrando-o ao povo, caso estes últimos

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474 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

tentassem espalhar o boato da ressurreição. Disporiam assim

de uma arma segura para combater e aniquilar os inimigos da

fé que professavam, desmascarando-lhes a impostura.

Tomaram por isso todas as precauções para uma vigilância

eficaz, esperando que, acabada a festa do sábado, pudessem

dar os passos necessários no sentido de confiar à autoridade o

encargo de vigiar a gruta e de, assim, lhes salvaguardar os

interesses. Começaram colocando agentes da sua confiança de

emboscada nas proximidades da cruz.

José de Arimatéia julgava estar fazendo tudo em segredo,

mas os agentes dos sacerdotes o espreitavam. Uns foram

informar a seus amos do que estava ocorrendo, enquanto

outros permaneceram de guarda à gruta, a fim de se

certificarem de que ninguém mais penetrara lá. Isto, aliás,

estaria em desacordo com os costumes dos Hebreus, que

consideravam o sábado inviolável, sobretudo para a prática de

um ato tido por impuro, como era reputado o contato com um

corpo morto.

Assim, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, quando

foram falar a Pilatos, sabiam muito bem que o corpo estava no

sepulcro e que ninguém de lá o tirara, nem os discípulos, nem

outra qualquer pessoa. E foi precisamente porque o sabiam,

que, depois de terem dito a Pilatos: “Senhor, lembramo-nos de

que aquele impostor, quando vivo, declarou: Ao cabo de três

dias ressuscitarei”, eles acrescentaram: “Manda, portanto, que

o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, para não suceder

que venham seus discípulos, lhe roubem o corpo e depois

digam ao povo: Ressuscitou dentre os mortos, pois que este

último embuste seria pior do que o primeiro”.

Voltando ao sepulcro, com a escolta de soldados que

Pilatos os autorizara a empregar como guardas, trataram de

verificar se o corpo ainda lá estava e o viram. Só depois de o

Page 429: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 475

verificarem é que selaram a chumbo a pedra e distribuíram as

sentinelas. Exatamente porque tinham verificado que o corpo

estava no sepulcro foi que, quando alguns dos guardas lhes

relataram “o que ocorrera” (Mateus, XXVIII, vv. 11, 12 e 13),

os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reuniram aos

anciães e deliberaram dar grande soma de dinheiro aos

soldados para que espalhassem que “os discípulos de Jesus

tinham ido ao sepulcro durante a noite e haviam carregado

com o corpo, enquanto eles, os soldados, dormiam”. Valendo-

se desse suborno, fizeram correr o boato de que o corpo fora

roubado do sepulcro, depois de apostos neste os selos e de

montada a guarda.

O corpo, conseguintemente, estava no sepulcro quando eles

lá foram.

Reflitam nisto os demolidores tão obstinados quão inábeis,

que pretendem ter sido insuficientes e tardias as precauções

tomadas pelos Judeus e declaram que, antes de haverem estes

posto em prática as suas medidas de previdência, aos

discípulos sobrara tempo para subtraírem o corpo de Jesus,

desde que o quisessem.

Supõem esses demolidores que os príncipes dos sacerdotes

e a horda inimiga, que assistiram "aos últimos momentos" de

Jesus, tenham sido tão ingênuos que nenhuma precaução

hajam tomado, uma vez que se viam obrigados a esperar que a

festa do sábado acabasse, para poderem dar os passos

necessários no sentido de serem a vigilância da gruta e a

salvaguarda de seus interesses confiados à autoridade?

Imaginam que os que se mostraram tão empenhados em

evitar a fraude não tenham tido o cuidado de verificar se o

corpo estava no sepulcro, antes de o fecharem e de lhe selarem

a abertura? Ter-se-iam mostrado, em tal caso, muito bisonhos

e confiantes aqueles sacerdotes que, por ofício, deviam

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476 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

conhecer todas as felonias humanas; aqueles fariseus tão

orgulhosos; aqueles escribas tão doutos!

Se eles não tivessem seguido secretamente os passos de

José de Arimatéia, não em pessoa, mas por agentes de

confiança, a fim de saberem onde e em que condições o corpo

se achava depositado, o pedido que fizeram a Pilatos fora,

quando menos, uma inépcia.

Efetivamente, se os Judeus, que tanto porfiaram em

sacrificar a Jesus, que o perseguiam até depois de "morto", se

houvessem descuidado de seguir os passos de José de

Arimatéia, de exercer e manter sobre o sepulcro uma

vigilância tal que os assegurasse de que ninguém ali penetrara

depois do sepultamento, um desazo, uma tolice, eis o que pelo

menos houveram cometido, indo pedir no dia seguinte que o

sepulcro fosse guardado até ao terceiro dia, para não suceder

que os discípulos lá fossem e roubassem o corpo.

Que outra coisa seria senão rematada tolice irem eles, sem

terem até então exercido qualquer vigilância, sem terem sequer

verificado previamente se o corpo permanecia lá, postar

guardas ao sepulcro e selar a pedra que o fechava?

Qual desses demolidores encarniçados e inábeis se

confessaria tão confiante, tão crédulo, tão... (não queremos

aplicar o termo que aqui se poderia empregar) que fosse fechar

uma porta, depois de já se haver escapado o preso, sem ao

menos verificar o estado do local?

A quem quer provar demais acontece muitas vezes chegar a

resultado contrário ao que se propunha obter.

Page 431: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 477

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 1-15.

— MARCOS, Cap. XVI, vv. 1-11.

— LUCAS, Cap. XXIV, vv. 1-12

Visita de Maria Madalena e das outras mulheres ao sepulcro.

— A pedra que lhe fechava a entrada é encontrada com os

selos partidos e derribada. — Aparição dos anjos às mulheres.

— Narrativa que os guardas fazem, do que se passara, aos

príncipes dos sacerdotes. — Estes subornam os guardas. —

Aparição de Jesus a Maria e às outras mulheres. — Narrativa

que estas fazem aos discípulos. — Pedro e João, à vista do que

elas contam, visitam o sepulcro.

MATEUS: V. 1. Passada aquela semana, ao raiar do primeiro dia

da semana seguinte40

, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o

sepulcro. — 2. Houve de súbito um grande terremoto, pois que um

anjo do Senhor desceu do céu, removeu a pedra posta à entrada do

sepulcro e se sentou sobre ela. — 3. Seu semblante tinha o brilho

dum relâmpago e suas vestes eram brancas como a neve. — 4. Tal

pavor causou ele aos guardas que estes ficaram como mortos. — 5.

Dirigindo-se às mulheres, disse o anjo: Vós outras nada temais,

porquanto sei que procurais a Jesus, que foi crucificado, — 6. Ele

aqui não está, pois que ressuscitou, como o dissera. Vinde e vede o

lugar onde o Senhor fora colocado. — 7. Dai-vos pressa em ir dizer

a seus discípulos que ressuscitou. Ele vos precederá na Galileia; lá o

vereis; eu vo-lo predigo. — 8. Elas partiram apressadamente do

sepulcro, amedrontadas, mas ao mesmo tempo cheias de

contentamento e correram a dar a notícia aos discípulos. — 9. E eis

que Jesus lhes surgiu diante e disse: Salve! Elas se aproximaram

dele, abraçaram-se lhe aos pés e o adoraram. — 10. Disse-lhes então

Jesus: Nada temais; ide dizer a meus irmãos que vão para a Galileia,

que lá me verão. — 11. Enquanto elas iam indo seu caminho, alguns

40

O Domingo

Page 432: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

478 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

dos guardas foram à cidade e referiram aos príncipes dos sacerdotes

tudo o que sucedera. — 12. Estes se reuniram em conciliábulo com

os anciães e deram grande soma de dinheiro aos soldados, — 13,

recomendando-lhes que dissessem: Seus discípulos vieram durante a

noite e o roubaram enquanto nós dormíamos. — 14. Se isto chegar

aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos e vos

garantiremos..— 15. Os soldados receberam o dinheiro e fizeram

como lhes fora recomendado. E, até hoje, essa versão que eles

espalharam, tem curso entre os Judeus.

MARCOS: V. 1. Passado o dia de sábado, Maria Madalena e

Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para

embalsamarem a Jesus. — 2. E no primeiro dia da semana, tendo

partido muito cedo, chegaram ao sepulcro ao nascer do sol. — 3.

Diziam entre si: Quem nos há de remover a pedra da entrada do

sepulcro? — 4. Mas, olhando, deram com a pedra, que era muito

grande, já removida. — 5. Entrando no sepulcro viram, sentado do

lado direito, um mancebo envolto num alvo manto e ficaram muito

espantadas. — 6. Ele, porém, lhes disse: Não vos assusteis. Buscais

a Jesus de Nazaré, que foi crucificado; ele ressuscitou; não está aqui;

vede o lugar onde o puseram. — 7. Mas, ide dizer a seus discípulos

e a Pedro que ele vos precederá na Galileia. Lá o vereis, conforme

ele o disse. — 8. Elas logo saíram do sepulcro e dali fugiram, pois

que as haviam assaltado o espanto e o medo. Nada a ninguém

disseram, tal o pavor de que se achavam possuídas. — 9. Jesus, que

ressuscitara de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu

primeiramente a Maria Madalena, da qual expulsara sete demônios.

— 10. E ela foi levar a noticia aos que haviam andado com ele, os

quais estavam aflitos e chorosos. — 11. Eles, porém, ouvindo-a

dizer que Jesus estava vivo e que fora visto por ela, não o

acreditaram.

LUCAS: V. 1. Mas, no primeiro dia da semana, foram elas muito

cedo ao sepulcro, levando os aromas que haviam preparado. — 2. E

encontraram removida a pedra que fora colocada à entrada do

Page 433: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 479

sepulcro. — 3. Entraram em seguida neste e lá não acharam mais o

corpo do Senhor Jesus. — 4. E como diante disso ficassem

consternadas, eis que lhes surgiram dois homens vestidos de

refulgentes roupagens. — 5. Mostrando-se elas amedrontadas, a

olhar para o chão, disseram-lhes eles: Porque procurais entre os

mortos aquele que está vivo? — 6. Ele não está aqui; ressuscitou.

Lembrai-vos do que vos declarou, quando ainda se achava na

Galileia, — 7, dizendo: Cumpre que o filho do homem seja entregue

às mãos dos pecadores, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia.

— 8. Elas então se lembraram das palavras de Jesus. — 9. Ao

voltarem do sepulcro, referiram tudo isso aos onze apóstolos e a

todas as demais pessoas. — 10. As que narraram todas essas coisas

aos apóstolos eram Maria Madalena, Joana, Maria mãe de Tiago e as

outras que com essas estavam. — 11. Aos apóstolos, porém, o que

elas diziam se figurou um devaneio e não lhes deram crédito. — 12.

Pedro, entretanto, se levantou e correu ao sepulcro e, abaixando-se,

só viu o lençol no chão. Voltou, maravilhado do que sucedera.

N. 307. As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas,

confrontadas com a de João (Cap. XX, vv. 1-18), da qual não

devem ser separadas, se completam reciprocamente. Debaixo

da influência espírita, cada evangelista conservava a

independência da natureza que lhe era peculiar. Eis como se

explica que, escrevendo eles de acordo com as versões

correntes e por inspiração, de um lado varie quanto à forma,

embora permaneça o fundo sempre o mesmo, a narração de

fatos que ocorreram sob suas vistas e, de outro lado, que o que

haja de incompleto ou de omisso em a narração de um seja

mencionado, sob a ação mediúnica, nas dos outros. É nesse

sentido que cada evangelista teve a sua parte na narrativa.

Daí resulta que, coordenando e pondo em concordância as

dos quatro, os fatos vêm a ficar estabelecidos de modo

integral, assim no conjunto, que nas minúcias.

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480 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Ao que todos então acreditavam, como cumpria que

acontecesse (os motivos já os temos exposto), Jesus se achava

revestido de um invólucro material humano, tal qual os

vossos, de sorte que, também na opinião de todos, ele sofrera

morte real, como a sofreis.

A presença das mulheres no sepulcro era esperada e o

embalsamamento do corpo, sobre o qual iam derramar

perfumes, tinha que se efetuar logo que despontasse o sol do

primeiro dia da semana por vir. (Marcos, XVI, v. 1; Lucas,

XXIII, vv. 55-56).

Passado o dia de sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de

Tiago e de Salomé, Joana e as outras que com elas andavam

juntas partiram alta madrugada, quando o dia mal começava a

alvorecer e chegaram ao sepulcro ao nascer do sol, levando os

aromas que haviam comprado e preparado para o

embalsamamento do corpo de Jesus. (Mateus, XXVIII, v. 1;

Marcos, XVI, vv. 1.2; Lucas, XXIII, vv. 55-56 e XXIV, v. 1).

Diziam entre si: Quem nos tirará a pedra da entrada do

sepulcro? (Marcos, v. 2).

De repente, um grande terremoto se fez sentir e no mesmo

instante a pedra que fechava a entrada do sepulcro, quebrados

os selos que lhe haviam aposto, foi atirada para o lado. De tal

pavor se encheram os guardas, que ficaram como mortos.

Então, as mulheres viram (elas e não os guardas, pois só elas

eram médiuns videntes e, além disso, audientes) um anjo do

Senhor (um Espírito superior), cujo semblante resplandecia

qual relâmpago e cujas vestes eram alvas como a neve, que,

tendo descido do céu, se assentara sobre a pedra por ele

removida do lugar. (Mateus, XXVIII, vv. 2, 3 e 4). É o que as

narrações de Marcos, Lucas e João, incompletas pela omissão

dos pormenores, referem dizendo: que Maria Madalena e

Maria, mãe de. Tiago e de Salomé, olhando, deram com a

pedra, que era muito grande, já removida (Marcos, XVI, v. 4);

Page 435: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 481

“que as mulheres encontraram removida a pedra que fora

colocada à entrada do sepulcro” (Lucas, XXIV, v. 2), — “que

Maria Madalena viu que a pedra fora tirada do sepulcro”

(João, XX, v. 1).

O anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Vós nada temais,

porquanto sei que procurais a Jesus, que foi crucificado. Ele

aqui não está, pois que ressuscitou, como o dissera. Vinde e

vede o lugar onde o Senhor fora colocado. Dai-vos pressa em

ir dizer a seus discípulos que o Mestre ressuscitou. Ele vos

precederá na Galileia; lá o vereis, eu vo-lo predigo. (Mateus,

XXVIII, vv. 5, 6 e 7). Entrando no sepulcro (com o anjo que

lhes acabara de falar), viram elas outro anjo (um Espírito), que

tomaram por um mancebo, sentado do lado direito do

sepulcro, envolto num alvo manto, e ficaram muito

espantadas. (Marcos, XVI, v. 5).

É o que Lucas refere na sua narração, incompleta pela

omissão de pormenores, e segundo a qual as mulheres

entraram, em seguida, no sepulcro. Este em seguida quer dizer:

depois de haver sido tirada a pedra e de lhes terem aparecido,

subitamente, vestidos de brilhantes roupagens, dois anjos ou

Espíritos que, perturbadas, elas tomaram por dois homens.

(Lucas, XXIV, vv. 3-4).

Tendo penetrado no sepulcro, não acharam lá o corpo do

Senhor Jesus, o que lhes causou grande consternação. E como,

por efeito do medo que de todas se apoderou, ficaram imóveis

a olhar para o chão, os dois anjos (ou Espíritos) lhes disseram:

“Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo? Ele

não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos do que vos declarou

quando ainda se achava na Galileia, dizendo: Cumpre que o

filho do homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja

crucificado e ressuscite ao terceiro dia”. Elas então se

lembraram das palavras de Jesus. (Lucas, XXIV, vv. 3-8). O

anjo que estava sentado à direita do sepulcro, como que a

Page 436: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

482 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

guardar-lhe a entrada, lhes disse: Não vos assusteis. Buscais a

Jesus de Nazaré, que foi crucificado; ele ressuscitou; não está

aqui; vede o lugar onde o puseram. Mas, ide dizer a seus

discípulos e a Pedro que ele vos precederá na Galileia. Lá o

vereis, conforme o disse. (Marcos, XVI, vv. 6 e 7).

Elas saíram imediatamente do sepulcro, amedrontadas, mas,

ao mesmo tempo, cheias de contentamento e fugiram, pois que

as haviam assaltado o espanto e o medo. Nada a ninguém

disseram, tal o pavor de que se achavam possuídas. Correram a

noticiar, a contar tudo aquilo aos discípulos, aos onze

apóstolos e a todas as demais pessoas. (Mateus, XXVIII, v. 8;

Marcos, XVI, v. 8; Lucas, XXIV, v. 9).

Maria Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago e as outras

que com estas andavam é que referiram todos aqueles fatos aos

apóstolos. (Lucas, XXIV, v. 10). Para fazerem a narrativa,

separaram-se, tomando diversas direções.

Maria Madalena saiu a correr e foi ter com Simão Pedro e

com o outro discípulo a quem Jesus amava e lhes disse:

Roubaram do sepulcro o Senhor e não sabemos onde o

puseram. Imediatamente, Pedro e o outro discípulo saíram e

foram ao sepulcro, ambos a correr. O outro discípulo, porém,

correndo mais do que Pedro, chegou primeiro. Abaixou-se e

viu no chão o lençol, mas não entrou. Chegou em seguida

Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro. Viu o lençol

que lá estava, bem como o sudário, que haviam posto sobre o

rosto de Jesus. O sudário, entretanto, não se achava junto com

o lençol e sim dobrado a um canto. Então, o outro discípulo,

que primeiro chegara; entrou também, viu e acreditou. Em

seguida, ambos voltaram para casa. (João, XX,. vv. 2-10).

Segundo a narração de Lucas, incompleta pela omissão dos

pormenores, embora lhes parecesse, assim como a João, um

devaneio o que Maria Madalena lhes contara e não lhe dessem

Page 437: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 483

crédito, Pedro se levantou e correu ao sepulcro. Ai se abaixou

(como o fizera João que chegara primeiro do que ele), para

observar antes de entrar e só viu o lençol que estava no chão.

Regressou à casa (depois de haver entrado no sepulcro),

admirado do que sucedera. (Lucas, XXIV, v. 12).

Mas, Maria Madalena (que voltara ao sepulcro com Pedro e

João) ficou da parte de fora a chorar. Chorando, ela se abaixou

para olhar dentro do sepulcro e viu dois anjos vestidos de branco

e sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um do lado

da cabeça, o outro do lado dos pés. Disseram-lhe eles: Mulher,

porque choras? — Maria respondeu: É que levaram daqui o

meu Senhor e não sei onde o puseram. Acabando de dizer isso,

ela se voltou e viu a Jesus de pé, mas sem saber que era ele.

Jesus então lhe disse: Mulher, porque choras? A quem procu-

ras? Ela, pensando que fosse o jardineiro, respondeu: Senhor,

se foste tu que o tiraste daqui, dize-me onde o puseste e eu o

levarei comigo. — Jesus disse apenas: Maria. Logo ela se

virou e exclamou: Rabboni! que quer dizer: Mestre. Jesus lhe

observou: Não me toques, pois que ainda não subi a meu pai.

Mas, vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte que:

Eu subo a meu pai e vosso pai, ao meu Deus e vosso Deus.

É o que refere Marcos, na sua narração incompleta pela

omissão dos pormenores, nestes termos: “Jesus, que

ressuscitara de manhã cedo no primeiro dia da semana,

apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual expulsara

sete demônios”. (Marcos, XVI, v. 8).

Tendo ido levar a noticia dessa aparição de Jesus aos que

com ele haviam andado, então aflitos e chorosos (Marcos,

XVI, v. 10), Maria Madalena, que se separara das outras

mulheres para correr em busca de Pedro e de João, as

encontrara de novo. E eis que Jesus lhes surgiu pela frente e

disse: Salve! Elas se aproximaram dele, abraçaram-se lhe aos

pés e o adoraram.

Page 438: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

484 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Disse-lhes então Jesus: “Nada temais; ide dizer a meus

irmãos que vão para a Galileia, que lá me verão”. (Mateus,

XXVIII, vv. 9-10).

Enquanto elas iam indo seu caminho, alguns dos guardas

foram à cidade e referiram aos príncipes dos sacerdotes o que

sucedera. Estes se reuniram em conciliábulo com os anciães e

deram grande soma de dinheiro aos soldados, recomendando-

lhes que dissessem: “Seus discípulos vieram durante a noite e

o roubaram, enquanto dormíamos”. E acrescentaram: “Se isto

chegar aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos e vos

garantiremos”. Os soldados receberam o dinheiro e fizeram o

que lhes tinha sido recomendado. E, até hoje, essa versão, que

então se espalhou, tem curso entre os Judeus. (Mateus, XVIII,

vv. 11-15).

Chegadas as mulheres onde se achavam os discípulos,

Maria Madalena tomou a palavra para narrar as duas aparições

de Jesus e tudo o que tinha visto e ouvido. Por ter sido a única

a relatar os fatos, só a ela se referem as narrativas de Marcos e

de João. Incompletas pela omissão dos pormenores, essas

narrativas dizem apenas o seguinte: “Maria Madalena foi, pois,

contar aos discípulos que vira o Senhor e que este lhe dissera

aquelas coisas”. (João, XX, v. 18). “E ela foi levar a notícia

aos que haviam andado com ele, os quais se achavam aflitos e

chorosos. Eles, porém, ouvindo-a dizer que Jesus estava vivo e

que fora visto por ela, não o acreditaram”. (Marcos, XVI,

vv. 10-11).

Tal é, coordenados os diversos fatos que cada evangelista

relatou isoladamente, a narração completa do que então

ocorreu.

O grande tremor de terra, de que acima se fala, consistiu

num forte abalo produzido no ponto em que se achavam os

guardas e as mulheres. A ignorância deles e delas a respeito

Page 439: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 485

dos efeitos fluídicos e o pavor de que foram presas os levaram

a atribuir esse abalo a um terremoto.

Tal manifestação, que pode e deve parecer pueril aos

“espíritos fortes”, teve por fim encher de assombro os guardas

do sepulcro e imprimir mais força ao que era um "prodígio"

para eles, que viam tomadas de igual pavor as mulheres ali

vindas em busca do corpo de Jesus, quando houvessem de dar

testemunho dos fatos aos príncipes dos sacerdotes e depois no

trato com os outros homens.

O abalo, considerado um tremor de terra, e o derribamento

da pedra foram dois atos simultâneos, produzidos fluidica-

mente por Espíritos prepostos a tais efeitos físicos, de acordo

com a vontade do anjo ou Espírito superior.

O abalo dado ao solo, bem como o descolamento da pedra e

a sua deslocação, pela força atrativa dos fluidos combinados

para esse resultado, nenhuma admiração podem causar aos que

compreendem os efeitos que os Espíritos do Senhor produzem.

Não lhes podem causar mais admiração do que o fato de se

abrir por si só a porta da prisão de Pedro e do que o

despedaçamento das correntes que o prendiam41

.

Quanto aos que negam a todo transe, o dia deles chegará e

para eles também se fará a luz. Mas, a esses ainda não fomos

enviados. Sempre que haja no homem uma ideia precon-

cebida, não se deve procurar violentá-lo para que a abandone e

sim esperar, do seu livre- arbítrio, do tempo e da reencarnação

que, com a expiação e a reparação, é via e meio de progresso

moral e intelectual, se lhe abram os olhos para a luz.

Somos mandados aos obreiros de boa-vontade. Arroteamos

as terras áridas, por mais secas e duras que sejam. Mas, deixa-

mos ao tempo o trabalho de pulverizar os rochedos, cuja

dureza atual resistiria aos nossos esforços.

41

Atos dos Apóstolos, Cap. V, vv. 18-19 e 22-23; Cap. XII, vv. 3-10.

Page 440: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

486 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Temos por missão preparar os materiais esparsos, reuni-los

um a um e dispô-los para aquele que dará bases sólidas às

vossas crenças. Não tenteis penetrar o sentido destas nossas

palavras. A seu tempo serão compreendidas. Não iremos mais

longe.

Ainda não sois mais do que trabalhadores inábeis.

Entretanto, trabalhais para a obra do futuro. Não desanimeis

porque sejam repelidos ou recebidos com zombarias e

sarcasmos os vossos esforços. Caminhai sempre. Oferecei

abrigo aos que se vejam despojados de suas crenças e sem

saberem onde encontrar a esperança e as consolações.

Apresentai-lhes o facho da frouxa claridade que os ajudará a

avançar para a luz, que não deixará após si mais sombra

alguma.

As aparições dos anjos ou Espíritos a Maria Madalena e às

outras mulheres, quando se deu o descolamento e o

derribamento da pedra que vedava a entrada do sepulcro e

quando elas entraram neste, assim como a que só Maria

Madalena viu, foram simples aparições visíveis e audíveis.

Foram audíveis no sentido de que as mulheres desempenharam

a função de médiuns videntes e audientes, a fim de escutarem

o que, pelos Espíritos, lhes fosse dito ou comunicado em cada

uma daquelas aparições.

As repetições e insistências empregadas pelos anjos no seu

falar, antes que as mulheres tivessem entrado no sepulcro e

depois que entraram, não devem ser de molde a vos

surpreender. O terror que lhes causaram aqueles fenômenos

tão repentinos e estranhos, o abalo do solo, que tomaram por

um grande tremor de terra, o descolamento e o derribamento

da pedra, as aparições sucessivas dos anjos não as haviam

lançado em grande consternação, numa perturbação profunda?

Nessa situação cheia de emoções tão diversas para elas, que

eram simples, ignorantes, ingênuas e amorosas, não se fazia

Page 441: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 487

mister tranquilizá-las, consolá-las e gravar-lhes na memória o

que tinham de relatar aos discípulos? Logo depois de terem

ouvido os dois anjos, não saíram do sepulcro tomadas de medo

e ao mesmo tempo de grande contentamento? Depois, não

fugiram espavoridas, aterrorizadas, sem nada dizerem a

ninguém, tal o pavor de que se achavam possuídas?

A primeira aparição de Jesus a Maria Madalena foi

simplesmente visível e audível, mas não tangível.

Maria não reconheceu de pronto a Jesus, porque este, no

primeiro momento, não se lhe apresentou com o aspecto sob

que ela até então o vira. Ele usara, para lhe falar, de uma voz

que lhe era desconhecida. Em seguida, retomou a que Maria

tantas vezes escutara e que, impressionando-a, a fez voltar-se

de novo. Então o Mestre lhe mostrou o semblante que tinha

habitualmente. Proibiu-lhe que o tocasse, porque só teria

encontrado o vácuo, porquanto a aparência humana que diante

dela estava era impalpável para o homem. Fenômenos são

estes que se hão produzido em todos os tempos, de acordo com

as leis da Natureza e que nada têm de surpreendentes. Os que

já se iniciaram na ciência espírita sabem que mesmo os

Espíritos inferiores os podem produzir, tornando-se visíveis e

audíveis a pessoas dotadas das faculdades mediúnicas de

vidência e de audiência. Maria Madalena, já o dissemos,

possuía essas faculdades.

Procedendo assim, da primeira vez que apareceu a Maria,

quis Jesus, poupando-a à perturbação e à surpresa, prepará-la

para o reconhecer, para guardar a impressão do seu aspecto e

conservar na memória a lembrança das palavras que cumpria

fossem por ela repetidas.

Sua segunda aparição às mulheres, aparição que a anterior a

Maria Madalena preparara, foi uma aparição visível e tangível

e ainda audível. Jesus se lhes apresentou visível e tangível, tal

qual elas o haviam conhecido, com a aparência da corporei-

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488 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

dade humana, vestido como sempre o viram. Do mesmo modo

que as aparências de pedra, de granizo e neve, de chuva, de

quaisquer outras coisas da mesma natureza têm para os

médiuns o valor material do objeto ou do corpo representado,

também o Espírito que, quando se torna tangível em condições

materiais, toma a aparência de uma criatura humana vestida,

aparência necessária a lhe comprovar a identidade, dá às suas

vestes o aspecto e a consistência da própria matéria, como faz

com o corpo. Combinar os fluidos para que apresentem a

forma e a cor dos estofos humanos não é mais difícil do que

combinar os que constituem o corpo.

No que o médium, inconsciente de suas faculdades, haja

visto e ouvido mediunicamente, não há uma opinião de que ele

tenha sido de antemão imbuído, e sim a consciência de um

fato do qual não só guarda a lembrança, mas em que também

acredita, como se fora realidade.

A ciência espírita vos explica os fenômenos de aparição que

o Mestre operou naqueles dois casos sucessivos. Não é certo

que até os Espíritos inferiores os podem produzir? Como

pretender-se que não os pudesse operar Jesus, com aquela

aparência de corporeidade humana, que não era mais do que

um corpo fluídico, de natureza perispirítica, que ele retomara

para realizar o seu reaparecimento chamado "ressurreição" e

ao qual podia, à sua vontade, dar ou retirar a tangibilidade?

Chamamos a vossa atenção para as palavras que ele

proferiu, assim quando apareceu só a Maria Madalena, como

quando apareceu a esta e às outras mulheres. Essas palavras

excluem expressamente a divindade que os homens lhe

atribuíram. Se, ao mesmo tempo, as confrontarmos com todas

as outras por ele ditas, também sob o véu da letra, acerca da

sua natureza, da sua origem, da autoridade e dos poderes que

seu pai e vosso pai, seu Deus e vosso Deus lhe outorgara;

acerca do lugar donde descera à Terra e ao qual voltaria,

Page 443: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 489

veremos que elas encerram, sob o véu da letra, um dos

elementos destinados a servir de base à nova revelação, que

havia de vir e vem hoje dar-vos a conhecer quem é o filho.

“Ainda não subi a meu pai”, disse ele a Maria Madalena.

Ainda estou entre os homens, “ressuscitado”, vivo.

“Vai ter com Meus Irmãos e dize-lhes de minha parte que:

Eu subo a Meu Pai e Vosso Pai, ao Meu Deus e vosso Deus”.

“Ide, disse a Maria Madalena e às outras mulheres, dizer a

MEUS IRMÃOS que vão à Galileia; que lá me verão”.

Aos discípulos chama seus irmãos, proclamando assim não

ser o Criador Incriado, mas uma das suas criaturas, uma

criatura cujo pai, cujo Deus são os mesmos que os dos

discípulos, os de Maria Madalena e os das outras mulheres;

criatura que, semelhantemente a todas as demais, como

essência espiritual, teve, na origem da sua criação, que se

perde na noite das eternidades, o mesmo ponto de partida42

.

Prepara seus discípulos para o acontecimento da

“ascensão” e para a indicação do lugar onde ele, “filho de

Deus” pela sua pureza perfeita; ele, em cujas mãos o pai

depositara todas as coisas; ele, “o caminho, a verdade, a

vida”; ele, que viera do alto, que viera do céu, que está

“acima de todos”; ele, que do céu descera, se havia de “elevar

para o céu”.

Meditai sobre a visita das mulheres ao sepulcro; sobre as

aparições que lhes fizeram os anjos ou Espíritos superiores;

sobre as palavras que lhes dirigiram, antes que tivessem

entrado e depois que entraram no sepulcro; sobre a reaparição

dos anjos a Maria Madalena, quando esta se deixou ficar do

lado de fora do sepulcro, a chorar; sobre o que então lhe

42

Ver o que ficou dito, nos Ns. 55 e 56 do 1o Volume, sobre a genealogia

de Jesus e sobre a origem do Espírito.

Page 444: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

490 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

disseram; sobre a aparição de Jesus a ela e depois a ela e às

outras mulheres e sobre o que lhes disse; meditai sobre tudo

isso vós todos que vedes aproximar- se o momento, para vós

ainda tão cruel, da morte e suave se vos tornará a ideia de

restituir à terra o corpo que ao seu seio tem que voltar; e

reconhecereis que o túmulo se vos abre para dar passagem ao

vosso Espírito, que se elevará radioso para o “céu” — sua

verdadeira pátria, para essa imensidade que vos cerca e na qual

encontrareis a atividade, a vida, o amor sem fim.

E vós, que vos acercais dos sepulcros para lançar sobre os

vossos mortos esse perfume da alma que vos corre dos olhos,

oh! não choreis mais. Olhai e vereis diante de vós um anjo

luminoso, guardando a entrada da tumba. Escutai-o

atentamente e ouvireis uma voz amiga que vos diz: “Não

choreis; aquele a quem buscais não está aqui; caminha à

vossa frente; cedo ireis a ele juntar-vos e ele próprio se

mostrará aos vossos olhares”. Oh! Crede, crede e esperai, vós

todos a quem a dor acabrunha, vós que perdeis os que vos são

caros. Crede e caminhai para diante com confiança, que bem

depressa os vereis.

Do ponto de vista histórico, os fatos concernentes à ida de

alguns dos guardas à cidade, à exposição que do ocorrido

fizeram aos príncipes dos sacerdotes, à reunião que estes e os

anciães realizaram, à deliberação que tomaram e executaram,

são reais e ainda de natureza a confirmar a exatidão dos

anteriores, que os guardas também relataram, isto é: o forte

abalo havido na região onde eles e as mulheres se achavam, a

deslocação e o derribamento da pedra, o desaparecimento do

corpo, que já não estava no sepulcro quando a pedra foi

deslocada e derribada.

Que é o que os guardas relataram aos príncipes dos

sacerdotes? Disseram-lhes: Vós e os fariseus selastes,

chumbando-a, a pedra do sepulcro, depois de terdes verificado

Page 445: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 491

que o corpo lá estava; a terra tremeu; a pedra, por uma ação

invisível, foi deslocada, deslocada e derribada; o sepulcro

ficou aberto e o corpo desaparecera; o lençol estava no chão e

o sudário que haviam posto sobre a cabeça de Jesus se achava,

dobrado, a um canto.

Esses fatos os soldados os referiram como tendo o caráter

de um prodígio, de um milagre43

, porquanto o descolamento, a

deslocação e o derribamento da pedra se deram sem a

intervenção de nenhuma ação humana e o corpo, que eles

tinham por material, por humano, como os vossos, não podia

desaparecer, uma vez que lá estava quando os príncipes dos

sacerdotes e os fariseus selaram a pedra do sepulcro, que

nenhuma semelhança oferecia com os mausoléus que construís

para os vossos corpos. Os túmulos, naquela época, consistiam

simplesmente em escavações feitas por mãos de homens na

rocha e dentro das quais os corpos eram depositados sobre

uma pedra a isso destinada, segundo o costume hebraico de

enterrarem o morto numa escavação, ou feita pela mão do

homem, ou natural.

Se os príncipes dos sacerdotes e os anciães não se

houvessem persuadido da veracidade da narrativa dos guardas

e não estivessem amedrontados, em vez de lhes darem grande

soma de dinheiro para lhes imporem silêncio, mais sensato

fora acusá-los de velhacaria, de mentira, de traição. Não o

fizeram, porém, porque o terror se apoderara deles.

Assim, os que não tinham hesitado em derramar (eles pelo

menos acreditavam que o haviam feito) o “sangue” do justo,

não ousaram acusar os soldados. É que compreenderam que,

se responsabilizassem os guardas por aqueles fatos, dariam a

estes muito maior publicidade. Preferiram então abafar aquela

ocorrência que lhes era de tanta gravidade. De tanta gravidade,

43

E não teriam ainda hoje, para vós, esse caráter, se a nova revelação não

tivesse vindo explicar tudo segundo o espírito, em espírito e verdade?

Page 446: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

492 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sim, porque justificava as palavras proféticas de Jesus e

confirmava sua missão. Pilatos nenhuma providência tomou.

Que importava ao tetrarca que o corpo de Jesus houvesse ou

não desaparecido?

Dissemos acima: “Em vez de darem aos soldados grande

soma em dinheiro para lhes imporem silêncio”; e:

“Preferiram então abafar aquela ocorrência, que lhes era de

tanta gravidade”.

Aos soldados não foi imposto que se abstivessem de dar

publicidade ao fato; mas que, contraditando os boatos de

“ressurreição”, que podiam ser espalhados, a explicassem

“dizendo que os discípulos tinham ido ao sepulcro durante a

noite e roubado o corpo, enquanto eles dormiam”.

Semelhante alegação, mais fácil de imaginar do que de

sustentar, não chega a ser uma impostura, porque se desmente

a si mesma pela sua absurdidade, como o deveis compreender.

Dentro em pouco, explicar-nos-emos a tal respeito.

Quanto à incredulidade dos discípulos, há a considerar o

seguinte: Tantas dificuldades materiais apresentava a saída da

gruta, que os discípulos, para os quais só havia a

“ressurreição” corporal, ou seja — a “ressurreição” material,

voltando o Espírito a um corpo humano igual ao deles, corpo

que assim volvia do estado de cadáver à vida, não podiam

admitir que Jesus houvesse conseguido sair daquela gruta.

Consideraram, pois, a narrativa de Maria Madalena e das

outras mulheres como uma fantasia de imaginação e não lhes

deram crédito quando, pela boca da Madalena, disseram que

Jesus estava vivo e que o tinham visto.

João, que fora com Pedro ao sepulcro, que o vira vazio, que

vira no chão o lençol e a um canto, dobrado, o sudário que

haviam posto sobre a cabeça de Jesus, acreditou.

Page 447: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 493

Pedro que, como João, também vira tudo isso, voltou para

casa “admirado do que sucedera”, isto é: procurando a

solução de tal problema, para ele incompreensível.

Os outros discípulos, que nada tinham visto e que nenhum

crédito davam ao que diziam as mulheres, se conservaram

incrédulos.

Qual foi a “ressurreição” de Jesus? Como se deu? De que

modo se operaram, por meio e em consequência dessa

“ressurreição”, as sucessivas aparições do Mestre às mulheres

e aos discípulos?

A revelação nova, que vos trazemos, dá solução a essa

problema, até hoje incompreensível e insolúvel para os

homens. E, com essa solução, iluminadas pelo espírito as

trevas da letra, ela apresenta, numa luminosa harmonia, todos

os fatos evangélicos, desde o instante em que o anjo anunciou

a Maria e a José o aparecimento de Jesus na Terra, até a época

da sua chamada ascensão, época em que, terminada a sua

missão terrena, ele desapareceu definitivamente das vistas

humanas.

A presença de Jesus entre vós, durante todo aquele lapso de

tempo, foi, com relação a vós outros, uma aparição espírita,

visto que, pelas suas condições fluídicas, completamente fora

dos moldes da vossa organização, seu corpo era harmônico

com a sua natureza espiritual, mas também relativamente

harmônico com a vossa esfera, a fim de lhe ser possível

manter-se longo tempo sobre a Terra no desempenho da

missão com que a ela baixara.

O corpo, aparentemente humano, de natureza perispirítica,

mas tangível, que Jesus deixara na cruz e que José de

Arimatéia depositou no sepulcro, aí ficou até ao momento em

que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, na presença e

Page 448: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

494 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

com o auxílio dos soldados romanos que eles ali haviam posto

como guardas, selaram a pedra que lhe fechava a entrada.

Selada a pedra, Jesus, fazendo cessar a tangibilidade,

chamou ao espaço aquele corpo aparente no estado fluídico e

lhe conservou os princípios constitutivos prontos a se reunirem

à sua vontade, tal como se dera muitas vezes, conforme o

temos explicado, sempre que o supunham no deserto, na

solidão, no monte a orar, quando a realidade é que nessas

ocasiões seu Espírito pairava por sobre o vosso universo,

regulando, com sabedoria, todas as coisas e provendo à

execução das ordens do Soberano Senhor.

Foi assim que o corpo de Jesus, que não era um corpo

humano material como os vossos, mas fluídico, de natureza

perispiritual, desapareceu do sepulcro, estando chumbada a

pedra que o fechava, de modo que não mais se achava lá

quando se deu a deslocação e o derribamento da pedra.

Para aparecer, sucessivamente, primeiro a Maria Madalena,

depois a esta e às outras mulheres, em seguida aos dois

discípulos que iam a caminho da aldeia de Emaús e ainda aos

dez apóstolos, de uma feita, e, de outra, aos onze, Jesus

retomou aquele corpo de natureza perispirítica, que, para os

homens, constituía a sua vida, vida que ele podia deixar e

retomar à sua vontade, atuando sobre os seus princípios

constitutivos, aos quais aquela mesma vontade imprimia as

aparências necessárias a servir ao presente e a preparar o

futuro.

Foi assim que se deu, “pela manhã”, a “reaparição” de

Jesus, chamada “ressurreição”. Também foi assim que se

deram as suas aparições sucessivas, umas mediunicamente

audíveis e visíveis, ou apenas visíveis e tangíveis; outras

visíveis e tangíveis para todos, semelhantes às que ele operara

anteriormente, quando desempenhava a sua missão terrena,

Page 449: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 495

quando, entre os apóstolos, os discípulos e a multidão,

aparentemente vivia a vida humana.

Como haveis de compreender, desnecessário se tornou que,

até ao terceiro dia após o enterramento, o corpo aparente de

Jesus permanecesse no sepulcro, colocado sob a guarda dos

soldados romanos desde o momento em que os príncipes dos

sacerdotes e os fariseus selaram a pedra que lhe fechava a

entrada.

Se acontecesse (hipótese que não podia ocorrer e não

ocorreu) que, antes do terceiro dia, os príncipes dos sacerdotes

e os fariseus, para se certificarem de que o corpo ainda lá

estava, mandassem abrir o sepulcro, Jesus faria que ali o

encontrassem. Ele, que tinha o poder de deixar a vida e de a

retomar, que a deixara por si mesmo, que dissera: Ninguém me

tira, que constituíra aquele corpo aparentemente humano, que

o abandonara na cruz com todas as aparências de haver sofrido

morte real e que o retirara do sepulcro, dissociando-lhe os

elementos constitutivos, ele, no caso figurado, o houvera

reconstituído dentro do sepulcro, com as mesmas aparências

que apresentava no Gólgota, na ocasião em que José de

Arimatéia lá o depositou e em que a pedra fora selada sob as

vistas dos príncipes dos sacerdotes, dos fariseus e dos

soldados.

Esta revelação (reflitam nisto os homens e saibam

compreendê-lo) não constitui um sistema que se lhes procure

impor à credulidade. É uma luz que mostramos ao espírito

humano, chegados que são os tempos de esclarecê-lo, a fim de

que todos os dissidentes de boa- vontade se congreguem sob ,o

mesmo estandarte.

Esta revelação, que podeis intitular de — revelação da

revelação e que, repetimos, mostra aos homens todos os fatos

evangélicos numa harmonia luminosa, no primeiro momento

encontrará grande oposição. Porém, quanto mais os Espíritos

Page 450: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

496 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sérios estudarem a questão, tanto mais compreenderão a sua

razão de ser e verão que, fora dela, nada pode ser, nem é,

admissível.

Em se atribuindo a Jesus um corpo terrestre, material,

humano como os vossos e uma morte real, como a sofreis, na-

da, com efeito, pode ser e nada é admissível, quer se considere

corporal a “ressurreição”, operando-se pela volta do Espírito a

um cadáver humano, quer seja considerada uma simples

aparição do Espírito que irrevogavelmente deixou, pela morte,

o seu corpo terreno e perecível, como são os vossos.

Os apóstolos acreditaram e tinham que acreditar na

ressurreição corporal. Esta era a única que eles podiam

compreender, porquanto era a única, para eles, possível, de

acordo com o estado das inteligências, com as tradições e os

preconceitos da época. Para eles, Jesus trazia um corpo

material, humano como os seus, e a morte do Mestre no

Gólgota fora real. O cadáver, José de Arimatéia o havia

depositado no sepulcro. Entregue este à guarda dos soldados

romanos e selada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos

fariseus a pedra que o fechava, o corpo lá ficara encerrado. Na

manhã do terceiro dia a pedra fora deslocada e derribada, não

estando mais no sepulcro o corpo, quando se deram essa

deslocação e esse derribamento. Como havia podido

desaparecer? De que modo pudera Jesus, cujo corpo, segundo

eles, era material, humano como os seus, embora ressuscitado,

sair do sepulcro, talhado na rocha, estando chumbada a pedra

que o fechava?

O fato lhes era incompreensível, insolúvel o problema. Dai

a incredulidade que manifestaram. Essa incredulidade, porém,

tinha que ser vencida, pois, do contrário, a que se reduziria o

apostolado deles? Haveria o de Paulo, o apóstolo dos Gentios?

A que ficaria reduzida a missão terrena do Mestre, do enviado

celeste?

Page 451: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 497

Por um conjunto de fatos concatenados, que mutuamente se

apoiavam, Jesus lhes deu todas as provas de que precisavam

para se convencerem. Esses fatos, apropriados àquela época,

do ponto de vista da ressurreição corporal, única que então

podia ser compreendida e aceita, asseguravam o futuro. A luz

fraca que, sob o véu da letra, eles difundiam, era de molde a

preparar a humanidade terrena para a viva claridade que a

nova revelação, por nós trazida ao mundo agora, quando

chegaram os tempos, lhe faria brilhar aos olhos.

Não obstante a narrativa que as mulheres fizeram do que se

passara, quando foram em visita ao sepulcro; não obstante a

narração, feita por Maria Madalena, das duas aparições de

Jesus, uma a ela somente, outra a ela e às demais mulheres, e

do que dissera o Mestre, a incredulidade dos discípulos

subsistiu. Consideraram aqueles fatos como um devaneio delas

e não acreditaram que Jesus estivesse “vivo”, “ressuscitado”.

Ficara-lhes, entretanto, a impressão recebida.

A aparição de Jesus a Pedro, depois aos dois discípulos que

iam para a aldeia de Emaús, a exposição, por eles feita, das

circunstâncias em que essa aparição se dera, do que lhes

dissera o Mestre, de tudo o que ocorrera, lhes abalou a

incredulidade. Contudo, ainda não acreditavam.

Finalmente, Jesus lhes apareceu a todos muitas vezes. Só

então, diante das provas que lhes ofereceu e às quais Lucas e

João se referem nas suas narrativas, eles se convenceram.

Mas, ignorando a natureza do corpo de Jesus, a existência

da tangibilidade, desconhecendo-lhe as causas e os efeitos,

assim como o fenômeno espírita, que já vos explicamos, da

desaparição dos alimentos, acreditaram na ressurreição

corporal.

O fato predominou de modo a não deixar lugar para o

raciocínio. Tudo aquilo que se lhes afigurava impossível se

Page 452: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

498 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

sumiu, para eles no “milagre”, que daí por diante o homem

não mais havia de procurar compreender, nem explicar.

Esta ideia se radicou em seus Espíritos desde que, no

momento da chamada “ascensão”, viram o Mestre elevar-se,

“milagrosamente”, no entender deles, para o céu e desaparecer

numa nuvem, que aos seus olhares o ocultou.

Assim se passaram as coisas, porque assim tinha que ser,

para que a missão de Jesus frutificasse naquela época e no

futuro. Essa crença dos discípulos teve sua razão de ser. Ao

homem de então foi dado o que ele podia suportar e às

gerações futuras o que elas poderiam suportar e debater, sob a

influência incessante da lei do progresso, por entre os esforços

e as lutas do pensamento, até ao advento da em nova, que

diante de vós se abre.

A crença dos apóstolos tinha que servir e serviu de base às

controvérsias e às contradições humanas que se suscitaram no

correr dos tempos. Essas controvérsias, que atualmente só

conduzem ou à fé cega, ou à incredulidade, prepararam,

através dos séculos, os Espíritos para receber e suportar a

revelação nova.

A crença numa ressurreição corporal, pela volta do Espírito

de Jesus a um corpo material humano, igual aos vossos,

tornado cadáver por efeito da morte real, qual a sofreis, essa

crença, transitória por natureza, como todas as opiniões e

interpretações humanas, produziu seus frutos.

Hoje, constitui erro manifesto, em face dos progressos

realizados, e se tornou inadmissível, condenada como está pelo

princípio da imutabilidade das leis da natureza, por todos os

fatos evangélicos que, iluminados com a luz da ciência

espírita, servem de base e de fundamento à nova revelação

para explicar, segundo o espírito, em espírito e verdade, o que

foi a “ressurreição” de Jesus, como se operou com aquele

Page 453: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 499

corpo, formado, segundo a letra, por obra do Espírito Santo,

isto é: excluídas toda e qualquer ação, toda e qualquer obra

humana, pela aplicação e apropriação de leis naturais diversas

das que presidem à reprodução na Terra.

As leis naturais são imutáveis, como imutável é a vontade

de Deus que as formulou desde toda a eternidade. Deus,

portanto, nunca as derroga.

De acordo com essas leis, quando, em consequência da

morte real, o Espírito deixou o corpo material humano de que

se revestira e que constituía a sua vida, segundo a maneira de

ver dos homens, esse corpo, transformado em cadáver,

pertence irrevogavelmente à Terra e, a não ser pela

reencarnação, o Espírito não poderá reviver corporalmente.

Logo, se Jesus tivesse tido um corpo material, como os

vossos, impossível fora que esse corpo não se achasse mais,

morto ou vivo, no sepulcro, quando a pedra que o fechava foi

deslocada e derribada, Impossível fora que houvesse

desaparecido de um sepulcro cavado na rocha, dele houvesse

saído, estando chumbada a pedra que o tapava. Fora

impossível que, com semelhante corpo, Jesus desaparecesse

da vista dos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús44

,

achando-se com eles à mesa. Fora impossível que houvesse

conseguido introduzir-se, entrar, penetrar no aposento onde

seus discípulos se tinham reunido, surgir no meio deles que, de

medo dos Judeus, ali se encontravam a portas fechadas.

Se estivesse revestido de um corpo humano, idêntico aos

vossos, como, com tal corpo, houvera Jesus podido, no cume

da montanha de Nazaré, escapar-se, passando por entre eles,

das mãos dos Judeus que, enfurecidos, o levaram preso até

àquela altura, para o atirarem dali abaixo?45

44

Evanuit ex oculis eorum. (LUCAS, Capítulo XXIV, vv. 29-30). 45

Ver a explicação dada em o N. 70, Pág. 376 do 1o Volume.

Page 454: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

500 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Como, com tal corpo, houvera podido livrar-se, sair46

das

mãos dos Judeus que o cercavam dentro do templo, na galeria

de Salomão, munidos de pedras para o lapidarem?

Ora, o que teria sido impossível, com um corpo terreno

igual aos vossos, foi possível e natural, com um corpo

fluídico, de natureza perispirítica, que Jesus podia, à sua

vontade, tornar visível ou invisível, ao qual podia dar ou retirar

a tangibilidade, como e quando lhe aprouvesse. O que só com

um corpo desses era possível, pôde-o Jesus: fazê-lo

desaparecer do sepulcro, aberto na rocha, estando selada a

chumbo a pedra que lhe tapava a entrada; sumir-se da vista dos

discípulos que iam para Emaús, estando com eles à mesa;

surgir e permanecer entre seus discípulos, no aposento onde

estes, de medo dos Judeus, se achavam reunidos a portas

fechadas.

A natureza, que agora vos é revelada, do seu corpo tudo

explica, de acordo com a ciência espírita. Explica o fato

ocorrido no cume da montanha de Nazaré e o que ocorreu no

templo, na galeria de Salomão. Explica, por meio da

ressurreição e como consequência desta, o desaparecimento do

corpo de dentro do sepulcro, as aparições sucessivas a Maria

Madalena e às outras mulheres, a Pedro quando voltava do

sepulcro, aos dois discípulos que iam para Emaús e aos

apóstolos muitas vezes. Explica ainda a sua ascensão para as

regiões etéreas, concluída a sua missão terrena.

Igualmente inadmissível é a “ressurreição” se considerada

como simples aparição do Espírito que, por efeito da morte

real, deixou o seu corpo material, idêntico aos vossos.

Conformemente a essa hipótese humana, o corpo de Jesus

teria sido um corpo terrestre qual os vossos e, pela morte,

passara ao estado de cadáver.

46

Exivit de manibus eorum. (João, Capítulo X, vv. 23, 24, 31 e 39).

Page 455: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 501

Mas, então, impossível fora que esse cadáver houvesse

desaparecido do sepulcro talhado na rocha, estando chumbada

a pedra que lhe fechava a entrada, que não se achasse mais ali,

quando essa pedra foi deslocada e derribada. Entretanto, ele lá

não estava mais, havia desaparecido.

O simples fato desse desaparecimento afasta e condena

aquela hipótese humana.

Se o cadáver estivesse no sepulcro quando se deu a

deslocação e o derribamento da pedra, teria caído

forçosamente em poder dos soldados romanos e dos príncipes

dos sacerdotes; teria sido apresentado ao povo, aos apóstolos,

aos discípulos que, iludidos com as sucessivas aparições,

proclamavam a “ressurreição” do Mestre. E Jesus, desde

logo, não seria, para toda gente, mais do que um impostor, que

prometera “ressuscitar” e não cumprira a promessa. Em se

dando tal coisa, que seria feito dos apóstolos? Teriam

desempenhado seus apostolados, sofrido o martírio, as

torturas, os suplícios, afirmando e sustentando que o Mestre

ressuscitara? E a missão terrena de Jesus que valor ficaria

tendo?

O corpo deste, dissemos, se fosse material como os vossos,

teria forçosamente caído nas mãos dos soldados romanos e dos

príncipes dos sacerdotes. Para que isso não sucedesse fora

mister que o tivessem raptado.

Notai, porém, que esta suposição de um rapto, de uma

subtração por mãos humanas é a negação de todos os fatos

evangélicos, que se encadeiam no seu conjunto e nos seus

pormenores, relativos: — à presença do corpo no sepulcro

quando a pedra que o fechava foi selada pelos príncipes dos

sacerdotes e pelos fariseus, na presença e com o auxílio dos

soldados destacados para guardá-lo; — ao desaparecimento do

corpo estando selada a pedra; — à deslocação e ao

derribamento desta; — à ausência do corpo no sepulcro

Page 456: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

502 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

quando esta foi deslocada e derribada; — ao reaparecimento

chamado “ressurreição”.

O corpo não podia ser raptado. Por quem o seria? Por

quaisquer homens? Pelos discípulos? Esta hipótese, já o

dissemos e repetimos, cai por si mesma, tal a sua absurdidade.

Por outros homens que não os discípulos, nem os príncipes dos

sacerdotes, nem os fariseus, nem os principais Judeus? Mas,

então, qual o móvel, por que motivo, com que interesse, com

que fim?

Em que ocasião os discípulos ou outras quaisquer pessoas o

raptariam? Não poderia ser senão após o ter José de Arimatéia

depositado no sepulcro e antes ou depois de selada a pedra.

Poderia o rapto dar-se antes de selada a pedra? Não. Em o

N. 306 já mostramos que não podia ser e não foi antes de

tomada essa precaução pelos príncipes dos sacerdotes.

Poderia dar-se depois? Mas, como? À revelia dos soldados

prepostos à guarda do sepulcro, ou com a conivência deles?

A revelia dos soldados e da sentinela sempre vigilante era

impossível. A suposição de um rapto quando todos os soldados

dormiam, não suporta exame. É, além de impossível, absurda.

Com a conivência dos soldados? Mas, as ordens recebidas,

a honra e as responsabilidades militares não poriam obstáculos

a que os soldados romanos praticassem gratuitamente esse ato

culposo? Doutro modo, como haviam de os discípulos, que

eram pobres, pescadores, mendigos sem pão e sem teto,

corrompê-los, a peso de ouro, por forma a contarem com a

discrição e a participação deles, uma vez que, admitido se

prestassem ao suborno, fácil lhes seria obter dos príncipes dos

sacerdotes, dos mais eminentes Judeus e dos fariseus enorme

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 503

recompensa, se afirmassem e provassem que o corpo de Jesus

fora subtraído por mãos humanas?

E os discípulos, que contavam com uma ressurreição

corporal, iriam fazer-se autores ou cúmplices de uma tramoia

para, em seguida, afirmarem e sustentarem mentirosamente

que aquela ressurreição se dera, citando todos os fatos

circunstanciais que lhe dizem respeito? Teriam sido capazes de

afirmar e sustentar sua crença, suportando o martírio, todas as

torturas, os maiores suplícios, se essa crença tivesse por base a

mentira, se eles se tivessem apoderado furtivamente do

cadáver e o houvessem enterrado secretamente?

Repetimos: a insinuação de um rapto efetuado pelos

discípulos, de qualquer maneira e em qualquer ocasião, se

desfaz pela sua própria absurdidade.

Outros, que não os discípulos, nem os príncipes dos

sacerdotes, nem os fariseus, nem os mais graduados Judeus,

teriam ousado correr os azares e os graves perigos de

corromper a peso de ouro, sem motivo e sem interesse, os

soldados, quando é indubitável que, dado fossem estes

suscetíveis de corrupção, poderiam, no caso, levando por

diante a indigna especulação, obter nova e maior paga com o

afirmarem e provarem que o corpo de Jesus fora subtraído por

mãos humanas, com o entregarem mesmo, operada a

subtração, os autores dela aos príncipes dos sacerdotes, aos

fariseus e aos Judeus mais eminentes?

Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus poderiam ter sido

os que praticassem o rapto?

Mas, se eles tivessem roubado o corpo de Jesus, tê-lo-iam

feito, não para o destruírem, para o aniquilarem pelo fogo ou

de outro modo, e sim para desmascararem as pretensões, tanto

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504 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

dos discípulos, como do Mestre. Toda a conveniência, pois,

tinham eles em conservar o corpo, como documento probante

da impostura daqueles. Tê-lo-iam feito desaparecer para

impedirem que os discípulos o subtraíssem, mas então, com

um objetivo único: mostrar ao povo aquele corpo mutilado, em

decomposição, porquanto, para eles, como para todos os

homens da época e das que se seguiram até aos dias da

revelação atual, o corpo de Jesus era terreno, igual aos outros

corpos humanos, caso os discípulos pretendessem espalhar o

boato da “ressurreição”. Desmascarar lhes a impostura, possuir

arma segura contra os inimigos da fé que professavam, tal a

única razão que eles teriam para roubar o corpo, antes que os

discípulos o subtraíssem.

Fizeram, porém, isso? Perseguiram os discípulos por

fomentarem erros entre o povo? Apresentaram prova de

embuste contra eles? Não. Subornaram os soldados para que

imputassem o desaparecimento do corpo de Jesus a seus

discípulos. Mas, mesmo por este fato, que era uma

transgressão das leis, o da violação da sepultura, os discípulos

foram perseguidos? Não. Não eram, todavia, a indulgência,

nem a longanimidade que paralisavam os braços dos juízes de

Israel. Era o terror, pois eles estavam plenamente convencidos

de que o corpo não fora roubado e que, no entanto,

desaparecera!

À luz da verdade agora revelada, tudo, como se vê, no

conjunto dos fatos relativos à “ressurreição” do Cristo, é

harmonia perfeita. Nenhum dos problemas concernentes a essa

“ressurreição” a revelação nova deixa sem solução.

E esta hipótese da parte dos Espíritas: — Se o corpo de

Jesus tivesse sido um corpo terrestre — e se os anjos ou

espíritos superiores tivessem podido torná-lo invisível, levá-lo

e o tivessem levado — no momento mesmo em que a pedra foi

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 505

erguida e derrubada, seria a priori, inadmissível e falsa; ela

deve, com efeito, ser afastada como tal, — em presença da

revelação feita pelo anjo a Maria, depois a José; revelação que

então seria mentirosa, que não o pode ser, emanando de um

enviado de Deus, e que deve ser interpretada, explicada

segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade,

segundo o curso de leis da natureza e não rejeitada. (Ver supra,

3o Volume, Págs. 417-418; — 1

o Volume, Págs. 153 a 168;

191 a 208; 242 a 248; 282 a 307; 338 a 374; — 4o Volume,

Págs. 82 a 86; 104 a 107; 111 a 119).

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XX, 1:18.

Nota da Editora — Este último parágrafo, omitido pela revisão

nos originais da obra francesa, foi reposto pelo próprio J.-B.

Roustaing, conforme carta por ele dirigida à “Revue Spirite”, de

Allan Kardec, e ai registada a págs. 31/32 do número de janeiro de

1867.

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506 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MARCOS, Cap. XVI, vv. 12-13.

— LUCAS, Cap. XXIV, vv. 13-35

Aparição de Jesus aos dois discípulos que iam

para a aldeia de Emaús. — Jesus, estando com eles

à mesa, lhes desaparece das vistas.

MARCOS: V. 12. Depois disso, apareceu sob outra forma, a dois

deles que iam para o campo. — 13. Os dois foram comunicá-lo aos

outros discípulos que também lhes não deram crédito.

LUCAS: V. 13. No mesmo dia, iam dois deles a caminho de uma

aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios47

, —

14, falando um com o outro de tudo o que se tinha passado. — 15.

Aconteceu que, indo os dois assim a conversar e discutir, Jesus se

aproximou deles e os foi acompanhando. — 16. Mas os olhos de

ambos foram como que fechados, a fim de o não poderem

reconhecer. — 17. E Jesus lhes perguntou: De que ides falando um

com o outro a caminhar e porque estais tristes? — 18. Um deles,

chamado Cleofas, respondeu: Serás tu o único forasteiro em

Jerusalém que não saiba o que ali se tem dado nestes dias? — 19.

Jesus retrucou: Que foi? Eles responderam: O que sucedeu a Jesus

de Nazaré, que foi um profeta poderoso em obras e palavras diante

de Deus e de todo o povo, — 20, e de que maneira os príncipes dos

sacerdotes e os anciães o entregaram para ser condenado à morte e o

crucificaram? — 21. Ora, nós esperávamos fosse ele quem

resgatasse a Israel; entretanto, já hoje é o terceiro dia depois que

todas essas coisas se deram. — 22. Verdade é que algumas

mulheres, das que conosco estavam, nos encheram de espanto,

porque, tendo ido de madrugada ao sepulcro, — 23, voltaram

dizendo não terem achado o seu corpo e terem visto anjos que lhes

disseram estar ele vivo. — 24. Alguns dos nossos também foram ao

sepulcro e acharam que era assim como as mulheres haviam dito,

mas a ele não o encontraram. — 25. Exclamou então Jesus: Oh!

estultos e de corações tardos em crer tudo que os profetas

47

O estádio era uma medida itinerária de 185 metros.

Page 461: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 507

anunciaram! — 26. Não importava que o Cristo sofresse todas essas

coisas e assim entrasse na sua glória? — 27. E, a começar de

Moisés, referiu-se a todos os profetas, explicando-lhes o que dele se

achava dito em todas as escrituras. — 28. Ao aproximarem-se da

aldeia para onde se dirigiam, deu ele a perceber que ia para mais

longe. — 29. Os dois, porém, o constrangeram a parar ali, dizendo:

Fica conosco, pois que é tarde, o dia já vai declinando. Jesus entrou

com eles. — 30. Estando os três à mesa, Jesus tomou do pão,

abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu. — 31. Nesse momento os

olhos se lhes abriram e ambos o reconheceram. Logo, porém, ele

desapareceu de suas vistas. — 32. Um ao outro disseram então: Não

é que se nos abrasavam os corações quando ele nos vinha falando

pelo caminho, a nos explicar as escrituras? — 33. No mesmo

instante ergueram-se, voltaram para Jerusalém e foram ter com os

onze apóstolos que se achavam reunidos, juntamente com os que os

acompanhavam. — 34. E disseram: Realmente o Senhor ressuscitou

e apareceu a Simão. — 35. E narraram o que lhes sucedera em

caminho e como o tinham reconhecido quando ele partia o pão.

N. 308. A aparição de Jesus aos dois discípulos, que eram

inconscientemente médiuns videntes e audientes, foi visível,

tangível e audível.

De certo percebeis as fases dessa aparição e os meios pelos

quais se produziu, assim como a desaparição do Mestre, da

vista dos dois discípulos, quando com estes se achava à mesa.

A ciência espírita vos faculta elementos para tudo compre-

enderdes e explicardes a esse respeito.

Para o fim de aparecer aos dois discípulos e de caminhar ao

lado deles pela estrada, Jesus tornou tangível o seu corpo

fluídico, de natureza perispirítica.

Os olhos de ambos, diz o evangelista, foram como que

fechados, a fim de não o poderem reconhecer. Quer isto dizer

que Jesus se lhes apresentou com uma fisionomia diferente da

Page 462: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

508 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

que eles conheciam e estavam acostumados a ver. Só quando

se achou à mesa na companhia dos dois, os olhos destes se

abriram e eles o reconheceram. É que só nesse momento a

figura habitual do Mestre se lhes mostrou, só então o Cristo se

lhes apresentou como eles o conheciam e tinham sempre visto.

Quanto ao fato de o ouvirem os dois discípulos, já o expli-

camos no N. 307, tratando das aparições a Maria Madalena e

às outras mulheres. Não era fácil a Jesus conseguir que os dois

ouvissem o que lhes ele queria dizer, sem precisar para isso de

recorrer à palavra articulada, só com o fazer que seus

pensamentos repercutissem tão profundamente no íntimo de

ambos que os levassem a supor que estavam ouvindo com o

sentido material?

Tais fatos são comuns. Não sentis às vezes que vos tocam,

sem que entretanto mão alguma material pouse sobre vós? Não

escutais por vezes um ruído, sem que, entretanto, descubrais

ao vosso derredor coisa alguma que o possa produzir?

Os dois discípulos, que eram, inconscientemente, médiuns,

não só videntes, mas também audientes, receberam a

impressão das palavras de Jesus e acreditaram que as tinham

escutado, como sucede quando supondes que alguém vos falou

enquanto dormíeis.

Fora inútil pronunciar palavras, para falar-lhes, uma vez

que bastava aquele outro meio, mais natural, dadas as

disposições especiais dos dois discípulos.

Para mais os impressionar, para melhor gravar em seus

Espíritos o que lhes dissera foi que Jesus lhes falou antes de se

dar a conhecer e nas circunstâncias que precederam ao seu

reconhecimento por parte deles, estando os três à mesa; e foi

também que tomou do pão, o partiu e abençoou, no momento

Page 463: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 509

em que os dois o reconheceram, desaparecendo lhes das vistas

em seguida.

Apenas sobre dois pontos do colóquio havido entre Jesus e

os discípulos convém chamemos a vossa atenção, dando-vos

explicações que vos façam compreender lhes o sentido, em

espírito e verdade.

Não era preciso, disse-lhes Jesus, “que o Cristo sofresse

todas essas coisas e assim entrasse na sua glória?” Por estas

palavras, aludia ele à natureza humana que lhe atribuíam. Para

aqueles dois discípulos, como para os apóstolos e o povo, ele

era um homem igual aos outros, “um profeta poderoso em

obras diante de Deus e diante dos homens” e ao qual haviam

estes de atribuir mais tarde a divindade. A crença humana

nessa divindade tinha, como sabeis, que subsistir, sob o

império e o véu da letra, até que a natureza e a origem

espirituais de Jesus, sua posição espírita com relação a Deus e

ao vosso planeta, a natureza do corpo de que se revestira, a fim

de aparecer e estar na Terra, fossem, segundo o espírito,

desvendadas pela revelação nova, pela revelação da revelação,

que hoje vos é trazida. Jesus, ignorado dos homens até ao dia

em que ressuscitou, lhes fez então sentir sua influência e sua

proteção. Só a partir desse momento seu nome e sobretudo

suas obras se tornaram conhecidos e divulgados pela Terra.

Ao aproximarem-se da aldeia para onde se dirigiam, deu

ele a perceber que ia mais longe. Se, sem esperar que o

convidassem, houvera entrado onde os dois depois entraram,

Jesus lhes teria igualmente ferido a imaginação por meio do

que se ia seguir; mas, dando a perceber que ia mais longe, pôs

em prova a caridade deles para com um desconhecido que a

noite surpreenderia em viagem. Assim, houve no fato uma

lição e um exemplo dados aos homens.

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510 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Para ser reconhecido, no momento em que partia o pão,

Jesus fez que cessasse a tangibilidade do seu corpo fluídico e

deu a este os traços, a aparência humana que eram familiares

aos dois discípulos e, restituindo-lhe, sob esse novo aspecto, a

tangibilidade, partiu o pão.

Para lhes desaparecer das vistas, novamente fez que

cessasse a tangibilidade do seu corpo de natureza perispirítica,

e o tornou invisível, voltando esse corpo, como já muitas vezes

temos explicado, ao espaço, onde ficou até à aparição

subsequente. Tudo, no tocante ao seu reconhecimento pelos

dois discípulos, à partição do pão e à desaparição, tudo foi

instantâneo e se passou quando o Mestre se achava com eles à

mesa.

A maneira por que Jesus partiu o pão lhes lembrou o que já

de outras vezes fizera na presença deles. E isso ocorreu,

repetimos, no momento em que o Mestre retomou

instantaneamente o seu aspecto habitual.

A aparição a Pedro se verificou quando este, voltando da

visita que fizera ao sepulcro, procurava a solução do problema

que lhe era incompreensível. Foi uma aparição simples, isto é:

apenas visível. Jesus apareceu e desapareceu de repente à vista

mediúnica, de Pedro, pois, como sabeis, esse apóstolo era

médium vidente.

Page 465: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 511

MARCOS, Cap. XVI, v. 14.

— LUCAS, Cap. XXIV, vv. 36-49

Aparição de Jesus aos apóstolos.

MARCOS: V. 14. Ele apareceu, finalmente, aos onze quando

estavam à mesa e lhes exprobou a incredulidade e a dureza dos

corações, por não terem crido nos que tinham visto que ele

ressuscitara.

LUCAS: V. 36. Quando ainda falavam desses fatos, Jesus se

apresentou no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco; sou eu;

não temais. — 37. Eles, porém, espantados e perturbados,

imaginaram estar vendo um Espírito. — 38. Disse-lhes então Jesus:

Porque vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos

corações? — 39. Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que

sou eu mesmo; apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não

tem carne, nem ossos, como vedes que tenho. — 40. E, dizendo isso,

lhes mostrou as mãos e os pés. — 41. Como, todavia, ainda não

acreditassem, tantos eram neles a alegria e o espanto, Jesus lhes

perguntou: Tendes aqui alguma coisa que se possa comer? — 42.

Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado e um favo de mel. —

43. Ele comeu diante de todos e, pegando do que sobrara, lhes deu;

— 44, dizendo: Lembrai-vos de que, quando ainda estava convosco,

eu vos disse ser necessário se cumprisse tudo quanto de mim fora

escrito na lei de Moisés, nas profecias e nos Salmos. — 45. No

mesmo instante lhes abriu o espírito, a fim de que compreendessem

as Escrituras. — 46. E lhes disse: Assim é que, estando isso escrito,

importava que o Cristo sofresse e ressuscitasse dentre os mortos ao

terceiro dia; — 47, e que em seu nome se pregasse a penitência e a

remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém.

— 48. Ora, sois testemunhas destas coisas. — 49. Vou mandar-vos

o dom de meu pai, que vos foi prometido; permanecei, entretanto, na

cidade, até que sejais revestidos do poder do alto.

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512 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

N. 309. Nos atos de Jesus nada há que vos deva surpreender.

Não lhe cumpria firmar nos homens a ideia de que seu corpo

era de natureza material, humana? Não lhe cumpria, para

incrementar neles o reconhecimento que seu "sacrifício" devia

inspirar, pôr materialmente esse sacrifício ao alcance da

inteligência de homens materiais?

Deixasse ele que a sua origem espírita fosse compreendida,

mostrasse-se a seus discípulos sob uma forma meramente

fluídica e aqueles homens supersticiosos ficariam aterrados.

Lembrando-se da proibição que tinham de evocar os mortos,

acreditariam haver transgredido as prescrições das leis de

Moisés. E, então, Jesus seria classificado entre os espectros

que saem dos túmulos e incluído na categoria humana. A

tangibilidade, porém, cujas causas e existência eles ignoravam,

lhes impressionou os Espíritos, impedindo que tal se desse.

Jesus, portanto, para os convencer, lhes forneceu todas as

provas necessárias, inclusive a de tomar alimentos, que

desapareceriam pela maneira que já muitas vezes vos

explicamos.

Admiti que ele se houvesse mostrado tal qual era. Que de

explicações não fora preciso dar! E quais teriam sido as

consequências?

Que arma perigosa não viera a ser nas mãos dos homens de

então a ciência espírita, da qual vós mesmos tão triste uso

ainda fazeis?

Preciso era fosse cega a fé, até que os olhos da alma se

tornassem bastante fortes a poderem abrir-se para a luz.

Aqui, como em todos os casos idênticos, as narrações

evangélicas se explicam e completam reciprocamente. As de

Marcos e Lucas não devem ser separadas da de João (cap. XX,

vv. 19-23 e 24-29).

Page 467: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 513

Marcos se limita a mencionar a aparição de Jesus aos onze

apóstolos, sem se ocupar com as sucessivas aparições

verificadas antes do momento da chamada ascensão e com o

modo por que se produziram.

A que Lucas aqui relata é a primeira que João também

refere (cap. XX, vv. 19-23). As duas narrações se completam

mutuamente. Apenas, Lucas omitiu a aparição que se produziu

oito dias depois, estando presente Tomé. Em consequência

dessa omissão foi que deu como presente os onze, por ocasião

da de que trata no ponto que estamos apreciando. Tomé viu o

Mestre, como os dez outros apóstolos. Mas, conforme narra

João, só o viu quando daquela segunda aparição, realizada oito

dias após a primeira. Não vos detenhais, porém, nessas

minúcias pueris e secundárias, de nenhuma importância para a

obra de regeneração que Jesus veio executar, desempenhando

a sua missão terrena.

Estas palavras de Marcos, (v. 14): “E lhes exprobrou a

incredulidade e a dureza dos corações por não terem crido nos

que tinham visto que ele ressuscitara”, registram a exprobração

que Jesus dirigiu, de modo geral, aos onze apóstolos, em razão

de não terem dado crédito ao que lhes referiram Maria

Madalena e as outras mulheres, assim como os dois discípulos

que iam para Emaús, e, de modo especial, a Tomé, por não ter

acreditado no que lhe relataram os outros apóstolos.

Chamamos a vossa atenção para dois pontos. “Jesus se

apresentou no meio dos discípulos, estando eles reunidos, no

lugar onde se achavam, a portas fechadas, de medo dos

Judeus”. Quer isso dizer que ali entrou, penetrou, se introduziu

com o seu corpo fluídico, tal qual sucede nos casos. de

aparições de Espíritos quaisquer, e que, instantaneamente, no

momento mesmo em que se tornava visível a todos, deu ao seu

corpo aparente a tangibilidade.

Page 468: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

514 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

“A paz seja convosco”, disse, “não temais”. Eles, porém,

espantados e perturbados, “imaginavam estar vendo um

Espírito”. Disse-lhes então Jesus: Porque vos turbais e se

levantam tantas dúvidas em vossos corações?

Os discípulos ignoravam a existência da tangibilidade e as

suas causas, mas tinham conhecimento das aparições de

Espíritos.

Na ocasião em que Jesus se lhes apresentou daquele modo,

ainda estavam sob a impressão do que tinham ouvido acerca

das aparições a Pedro e aos dois que iam para Emaús, das

aparições a Maria Madalena e às outras mulheres. Assim

sendo, ao verem o Mestre surgir de súbito no meio deles,

estando fechadas as portas, ficaram perturbados e tomados de

assombro. Cada um mentalmente perguntava a si mesmo se

seria de fato Jesus “ressuscitado”, ou, se, ao contrário, seria a

aparição de um Espírito qualquer, excluída toda ideia de

ressurreição. Dada a perturbação em que se achavam, esta

última hipótese era a que predominava em seus Espíritos.

Foi então que Jesus, como se vos disse, lhes deu, por fatos e

palavras, todas as provas necessárias a convencê-los.

Era mister que assim procedesse, a fim de atender àquela

época e preservar, salvaguardar o futuro, para a revelação

atual, então vindoura, que ao mesmo tempo explicaria, assim

os fenômenos que se produziram quando da aparição de que

tratamos, como a natureza do corpo que ele tomou para

desempenhar a sua missão terrena.

Disse-lhes ele também: “Vou mandar-vos o dom de meu

pai, que vos foi prometido; permanecei, entretanto, na cidade

até que sejais revestidos do poder do alto”. Dessa maneira, sob

o véu da letra, o Mestre os prevenia de que lhes enviaria em

Page 469: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 515

breve, debaixo da forma visível de línguas de fogo, os

Espíritos superiores que os assistiriam no desempenho de suas

missões. Esse é que era o dom do pai, o poder do alto.

Recomendava-lhes igualmente que, quando os houvesse

deixado, elevando-se para o céu, quando houvesse assim

desaparecido das vistas humanas, voltassem a Jerusalém e lá

permanecessem até que fossem revestidos daquele poder do

alto.

Nota da Editora — Convém ver: João, Capítulo XX, vv. 19-31

Page 470: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

516 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 16-20.

— MARCOS, Cap. XVI, vv. 15-20.

— LUCAS, Cap. XXIV, vv. 50-53

Novas e sucessivas aparições aos discípulos. Volta de Jesus à

natureza espiritual que lhe era própria, nas regiões etéreas,

volta essa chamada: ascensão — Concordância estabelecida a

esse respeito entre as narrações evangélicas, que se explicam

e completam umas pelas outras.

MATEUS: V. 16. Partiram, pois, os onze discípulos para o monte

da Galileia, onde Jesus lhes determinara que se achassem. — 17. E,

vendo-o lá, eles o adoraram, se bem que alguns ainda tivessem

dúvidas. 18. Aproximando-se, porém, deles, disse-lhes Jesus: Todo

poder me foi dado no céu e na terra. — 19. Ide, pois, e ensinai a

todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito

Santo; — 20, instruindo-os na observância de todas as coisas que

vos tenho prescrito e ficai certos de que estarei convosco até à

consumação dos séculos.

MARCOS: V. 15. E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o

Evangelho a toda criatura. — 16. O que crer e for batizado será

salvo; mas o que não crer será condenado. — 17. Aos que crerem

acompanharão estes milagres: expulsarão os demônios em meu

nome, falarão novas línguas; — 18, pegarão nas serpentes e, se

beberem qualquer bebida mortal, esta nenhum mal lhes fará;

imporão as mãos nos enfermos e estes sararão. — 19. Depois de lhes

ter assim falado, o Senhor Jesus ascendeu ao céu, onde está

assentado à direita de Deus. — 20. Os discípulos partiram e

pregaram por toda parte, cooperando com eles o Senhor e

confirmando lhes a palavra pelos atos que se lhes seguiam.

LUCAS: V. 50. Depois do que, levou-os fora dali a Betânia e,

erguendo as mãos, os abençoou. — 51. E sucedeu que, enquanto os

abençoava, se afastou deles e se elevou ao céu. — 52. Quanto a eles,

depois de o terem adorado, voltaram a Jerusalém cheios de alegria.

Page 471: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

OS QUATRO EVANGELHOS (III) 517

— 53. E estavam sempre no templo louvando e bendizendo a Deus.

AMEN.

N. 310. Ainda aqui as narrações evangélicas de Mateus,

Marco e Lucas não devem ser isoladas umas das outras, nem

da aparição de Jesus à margem do lago de Tiberíades (João,

cap. XXI, vv. 1-22). Coordenando-as e pondo-as em

concordância, elas têm que ser explicadas e completadas umas

pelas outras.

Após a sua segunda aparição aos discípulos, achando-se

presente Tomé (João, XX, vv. 24-29), Jesus os conduziu a

Betânia, onde, erguendo as mãos, os abençoou (Lucas, v. 50).

Aí é que lhes determinou fossem para o monte da Galileia,

onde o veriam novamente (Mateus, v. 16). Lá, na Galileia, foi

que, abençoando-os, deles se separou. Foi ainda lá que os

discípulos, ao verem-no, o adoraram e que ele se elevou para o

céu. De lá é que eles, depois de o terem adorado, voltaram a

Jerusalém, cheios de alegria. (Lucas, v. 51; Mateus, v. 17;

Lucas, v. 53).

Quando os discípulos, partindo de diversos pontos, iam a

caminho da Galileia, a fim de aí se reunirem, foi que, à

margem do lago Tiberíades, se deu a aparição de Jesus a

Simão Pedro, a Tomé apelidado Dídimo, a Natanael nascido

em Caná na Galileia, aos filhos de Zebedeu e aos dois outros

discípulos, os quais todos tinham ido pescar juntos.

As palavras de Jesus, que Mateus (vv. 18, 19, 20) e Marcos

(vv. 15-19) registraram, ele as pronunciou no monte. Depois

de as haver proferido, foi que ergueu as mãos e os abençoou e

que, abençoando-os, se elevou para o céu. (Marcos, v. 19;

Lucas, vv. 50-51).

Em seguida, após terem adorado a Jesus, os discípulos

voltaram a Jerusalém, conforme narra Lucas (v. 52), omitindo,

como os outros evangelistas, quanto se passou depois da

Page 472: Os Quatro Evangelhos - Volume 3, J.-B. Roustaing

518 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

ascensão48

, e que tudo, sob a influência mediúnica, seria

inserto em a narrativa dos Atos dos Apóstolos. Exceção feita

da estada no monte das Oliveiras, que mais tarde teve menção,

foram omitidos os pormenores daquele regresso49

, por

secundários e inúteis, do ponto de vista do que tinha de ser

transmitido aos homens da época e às futuras gerações.

Nem todas as aparições de Jesus, assim como nem tudo o

que ele fez os evangelistas relataram minuciosamente. Só

narraram o que era preciso, para que a missão terrena do

Mestre desse os resultados que devia dar, produzisse os frutos

que devia produzir, então e no futuro. João vos preveniu disso.

(Cap. XX, v. 30 e XXI, v. 25).

Foi julgado bastante que os homem soubessem, além do

que consta nas narrações evangélicas50

, que Jesus, durante

quarenta dias após a ressurreição apareceu aos apóstolos e lhes

falou do reino de Deus.

Para se separar deles, de cada vez que lhes aparecia, o

Mestre, bem o deveis compreender, fazia o que tantas vezes

fizera, antes do sacrifício do Gólgota.

Diz Mateus (v. 17) que os onze apóstolos, ao verem Jesus,

no monte, o adoraram, se bem que alguns ainda se achassem

duvidosos. Estas últimas palavras, como bem o deveis

compreender igualmente, não se referiam aos apóstolos, que

todos já então estavam convencidos e que, ao verem-no, o

adoraram.

Os onze não se encontravam sós no monte. Seguira-os uma

multidão de pessoas. Algumas destas, que da “ressurreição” de

Jesus e de suas sucessivas aparições só sabiam o que tinham

48

Atos dos Apóstolos, Capítulo I, vv. 10 e 11. 49

Idem, Capítulo I, v. 12. 50

Idem, Capítulo I, v. 3.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 519

ouvido dizer, que nada ainda tinham visto, é que se mostravam

duvidosos. Mas, o que iam ouvir e ver, sendo de molde a

confirmar, de maneira frisante, o que lhes fora dito, dissiparia

nelas toda a dúvida e lhes daria a fé que já animava os

apóstolos.

Aproximando-se dos discípulos e dirigindo-se a todos eles,

Jesus lhes disse:

Todo poder me foi dado no céu e na terra.

Assim falando, aludia, segundo o espírito, à sua posição,

como protetor e governador do vosso planeta, à onipotência

que lhe fora dada sobre todos os Espíritos encarnados e

errantes.

“Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em

nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, instruindo-os na

observância de todas as coisas que vos tenho prescrito e ficai

certos de que estarei convosco até à consumação dos

séculos”.

Feito em nome do Pai, o batismo invocava o Ser supremo

que, no infinito e na eternidade, preside a todos os universos.

Em nome do Filho, chamava a atenção sobre aquele que vela

pela sorte do vosso planeta, filho de Deus pela sua pureza

perfeita, vosso Senhor pelo seu poder. Em nome do Espírito

Santo, constituía um apelo dirigido à inteligência secreta que

procede do Criador e se vos manifesta, por intermédio dos

bons Espíritos, nos efeitos espíritas, ensinando-vos, em

espírito e em verdade, a justiça, o amor e a caridade, todas as

virtudes e todos os deveres, de ordem material, de ordem

moral e de ordem intelectual, inspirando-vos a prática desses

deveres e virtudes, trazendo-vos a luz e a verdade, por

inspiração e comunicação mediúnica.

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520 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Dissemos acima: por intermédio dos bons Espíritos.

Efetivamente, por Espírito Santo deveis entender os Espíritos

bons, quaisquer que sejam o grau de elevação que hajam

alcançado e a categoria a que pertençam na hierarquia espírita.

A má inspiração ou a má comunicação não podem provir de

um bom Espírito. Estes, quando não são bastante elevados

para vos darem a luz e a verdade na medida do que possais e

devais receber e suportar, têm a ampará-los e auxiliá-los

Espíritos mais elevados e que, a seu turno, se preciso for,

receberão amparo e auxílio dos Espíritos superiores, segundo a

escala hierárquica. É assim que, vindo de Deus por intermédio

dos puros Espíritos, que dele a recebem diretamente, a

inspiração vos é transmitida através duma escala descendente.

Ou, então, os Espíritos bons se eclipsam diante dos mais

elevados do que eles, dos que o sejam bastante para eclipsá-

los, pois que os bons Espíritos, seja qual for a posição que

ocupem na hierarquia espírita, são sempre os órgãos da

verdade relativa à inteligência do homem, na medida do que

este pode suportar e compreender. O erro e a mentira, tendo

por fim enganar os homens, são apanágio exclusivo dos

Espíritos maus, dos Espíritos inferiores, dos Espíritos de

trevas.

O batismo era o símbolo material da aliança entre os

cristãos.

O batismo que Jesus prescrevia a seus discípulos que

administrassem era, ao mesmo tempo, da água e o do Espírito

Santo. O primeiro só se administrava, como símbolo, ao adulto

consciente de seus atos. O segundo se seguia ao outro, de

acordo com o mérito do neófito. A assistência dos bons

Espíritos era sempre invocada, em tal caso, sob a designação

de Espírito Santo, pelos que batizavam.

O da água, transitório, como símbolo material, que é, de

aliança sob o reinado da letra, precursor do advento do

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 521

espírito, tem que cessar e desaparecer, para que subsista

unicamente o do Espírito Santo, que o homem dará a si mesmo

alcançando a assistência, a proteção e a inspiração dos bons

Espíritos, pela observância ou pelo esforço constante para

observar, segundo o Espírito da Verdade, todos os

mandamentos de Jesus.

Estas palavras: “E ficai certos de que estarei sempre

convosco até à consumação dos séculos”, disse-as Jesus com

referência a sua missão de Espírito protetor e governador da

Terra, missão que começou quando da formação do vosso

planeta e ultrapassará os séculos dos séculos.

Elas compreendiam a época de então e o futuro.

Aplicavam-se e se aplicaram, anteriormente à sua missão

terrena, como se aplicam hoje e se aplicarão no futuro, a todos

os que, abstração feita da diversidade dos cultos exteriores,

praticarem ou se esforçarem constantemente por praticar o

amor ao Criador e o amor ao próximo como a si mesmos,

mediante a humildade do Espírito, a simplicidade do coração,

a abnegação, o devotamento, a caridade para com todos, no

terreno material, no terreno moral e no intelectual, pois que

assim e só assim é que os homens são verdadeiramente

discípulos de Jesus.

A missão, que o Mestre confiou a seus discípulos, de irem

instruir todos os povos e ensinar-lhes a observância de tudo o

que lhes ele prescrevera, não constituiu naquele momento e

não se destinava a constituir jamais, nem hoje, nem no futuro,

um monopólio, ou um privilégio para alguns.

O seu pensamento foi, em espírito e em verdade, dirigir

então, como ainda agora dirige, um apelo a todos os homens

de boa-vontade, feita abstração dos cultos exteriores e dos

costumes, um convite para que instruam os povos acerca de

tudo quanto concerne ao progresso do espírito humano,

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522 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

progresso moral, físico e intelectual, ensinando-lhes, pela

palavra e pelo exemplo, todos os seus mandamentos que,

constituindo toda a lei e dos profetas, se resumem neste: amar

a Deus acima de todas as coisas e amar o próximo como a si

mesmo. Duplo mandamento é este dado aos homens a fim de

que, praticando-o em espírito e verdade, em toda a sua

extensão e sob todos os seus aspectos, todos sejam um pela

solidariedade e pela fraternidade, amando-se uns aos outros,

cada um procedendo sempre com os outros, em quaisquer

circunstâncias, como quereria que para consigo todos

procedessem.

“Ide por todo o mundo, disse Jesus a seus discípulos,

pregar o Evangelho a toda criatura”.

Façam os homens os esforços que fizerem para restringir a

luz, só deixando que brilhem os raios de que eles queiram

dispor, a palavra do Mestre tem que se estender e se fazer

ouvida por sobre todos os pontos do globo terráqueo. Mas,

para que dê frutos, para que seja aceita, preciso é lhe sirva de

apoio uma fé viva, forte, inabalável. Necessário é que um vão

orgulho não estabeleça entre os homens diferenças de credos,

de dogmas, de religião.

O Cristianismo do Cristo é um só e único para a

humanidade que habita o vosso planeta e consiste na prática da

caridade sob todas as formas. Aquele que atinge esse ponto

difícil é cristão, cristão segundo o Cristo, e do número dos que

verdadeiramente caminham nas sendas por ele traçadas.

“O que crer e for batizado será salvo, mas o que não crer

será condenado”.

Ser batizado (ato material, destinado a dar à matéria um

sinal visível, hoje — ato moral) é colocar-se a criatura,

verdadeiramente, sob a proteção de Deus, sob a do Mestre,

protetor e governador do planeta, e sob a influência, a

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 523

inspiração dos bons Espíritos do Senhor. Mas, para que esse

batismo exista, para que seja recebido, mister se faz que quem

o pede tenha fé. Sem esta, de que lhe ele serviria? A fé, irmã

da esperança e, como esta, filha da caridade e do amor; a fé

que conduz às obras, a fé aliada às obras e consumada nelas.

Aquele que crê desse modo é salvo. Quer dizer: não tendo

mais que sofrer a expiação reservada ao Espírito culposo, a

reencarnação expiatória, vê abrir-se para si, pela reencarnação

em um mundo mais elevado do que o planeta onde até então

encarnara, novas veredas de purificação e progresso.

O que não crê desse modo, o que não pratica a moral simples

e sublime que Jesus personifica, é “condenado”. Quer isto dizer

que, depois de haver sofrido, na erraticidade, a expiação pro-

porcionada e apropriada às faltas ou aos crimes cometidos, so-

fre a reencarnação, expiatória, com o fim de reparar aqueles cri-

mes e faltas e progredir, recomeçando o que deixou por fazer.

“Aos que crerem acompanharão estes milagres: expulsarão

os demônios EM MEU NOME”.

Porque terão a assistência, o auxílio, o concurso dos

Espíritos superiores, sustentados estes, se for preciso, pelos

puros Espíritos, os quais todos têm poder de afastar dos

obsidiados e subjugados, instantaneamente, os maus Espíritos.

“Falarão novas línguas”.

Tornando-se médiuns falantes pela influência e ação

fluídica dos bons Espíritos.

“Pegarão nas serpentes e, se beberem qualquer bebida

mortal, esta nenhum mal lhes fará”.

Anulando, os Espíritos protetores, por meios fluídicos, a

ação mortífera do veneno, empregando, invisivelmente, com

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524 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

esse fim, fluidos apropriados a tal efeito. Não neguem, nem

zombem disto os vossos fisiologistas e químicos, que se

julgam tão sábios, mas que ainda ignoram completamente a

natureza dos fluidos, suas propriedades ativas, suas

combinações e os efeitos dessas combinações.

Longe estão e ainda por largo tempo estarão longe de

conhecer o poder e o segredo da criação na ordem fluídica.

Muito tem a humanidade terrena que trabalhar, que

progredir, que adquirir moralmente e intelectualmente, antes

de lá chegar. Cada vez mais ireis aprendendo, à medida que,

com humildade de espírito, simplicidade de coração, caridade,

amor e desejo de progredir, fordes avançando, pelo trabalho,

nas sendas da luz, da ciência, da verdade e, por conseguinte,

na do conhecimento das leis naturais que regem os fluidos,

suas propriedades de ação e seus efeitos.

“Imporão as mãos nos enfermos e estes SARARÃO”.

Pela assistência e pelo concurso invisíveis dos bons

Espíritos, que podem, conforme aos casos, usar dos fluidos

purificadores, regeneradores, ou fortificantes, apropriados à

cura instantânea. Por efeito da vontade do homem e mediante

a imposição das mãos, o magnetismo humano atua, sob a

influência e a ação oculta do magnetismo espiritual.

Eram de atualidade essas palavras de Jesus (Marcos, vv. 17

e 18), ou, pelo menos, alcançavam um futuro então próximo e

se cumpriram. Dão disso testemunho os Atos dos Apóstolos.51

Eram e ainda são palavras de futuro, pois que os fatos de

que os apóstolos foram os autores se reproduzirão, a seu

tempo, entre vós.

51

Atos dos Apóstolos, Cap. I, v. 1:4; Cap. III, vv. 1-11; Cap. V, vv. 12-16;

Cap. VI, v. 8; Cap. IX, vv. 31-42; Cap. XIV, vv. 7-17; Cap. XIX, vv. 11-12; Cap. XXVIII, vv. 3-10.

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OS QUATRO EVANGELHOS (III) 525

Jesus se elevou para o céu e entrou numa nuvem que o

ocultou às vistas deles52

.

Jesus se elevou na imensidade do espaço, privando o seu

corpo fluídico da tangibilidade, mas conservando- o sempre

visível. Quando desapareceu na nuvem que, sob a ação

espírita, se formara de fluidos opacos e que o ocultou às vistas

dos que presenciavam o fato, ele restituiu às regiões donde os

tirara os fluidos que eram os elementos, os princípios

componentes daquele corpo de natureza perispirítica, visível e

tangível sob a aparência do corpo humano e que constituía a

sua vida segundo o modo de ver dos homens, corpo que, para

estes, era material e que lhe servira a ele para desempenhar na

Terra a sua missão superior.

“Elevou-se assim para o céu, onde está sentado à direita da

majestade de Deus”.

Deveis compreender que o lugar ocupado por Jesus não é o

que os homens lhe designaram para permanecer inerte na

eternidade. A direita, aqui, indica o lugar de honra, de acordo

com as vossas ideias humanas. Encarregado do vosso

desenvolvimento e do vosso progresso, Jesus continua, como

um dos primeiros ministros de Deus, a desempenhar na

imensidade a sua missão de protetor e governador do vosso

planeta, tendo por objetivo a depuração e transformação deste

e da humanidade que o habita.

Depois de haver, como já o explicamos, levado o globo

terráqueo do estado fluídico incandescente ao período material

que ainda está atravessando, ele baixou à Terra com o corpo

fluídico, apto a longa tangibilidade, de harmonia com a sua

natureza espiritual, mas também relativamente harmônico

com o vosso planeta.

52

Atos dos Apóstolos, Capítulo I, v. 9.

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526 OS QUATRO EVANGELHOS (III)

Conforme prometeu e predisse e o disseram aos discípulos

“os dois homens vestidos de branco que repentinamente se

apresentaram diante deles”53

, isto é: os dois Espíritos

superiores que lhes foram enviados, Jesus virá de novo à

Terra, descendo do céu da mesma forma que os discípulos o

viram para lá subir: no estado espírita; “descendo do céu

sobre nuvens”, mas, dessa vez, “com grande majestade”: —

em todo o seu fulgor espírita. Isso se dará quando houver

levado o planeta e a humanidade terrenos (como também já

vos explicamos) do período material ao extremo limite do

período fluídico puro, quando estiverdes perto de atingir a

perfeição. Tendo-se tornado verdadeiramente “o seu reino”, o

planeta em que habitais será levado por ele para as regiões dos

fluidos puros, onde ficará constituindo “um dos reinos do pai”,

aos quais só têm acesso os puros Espíritos, que só eles os

podem habitar.

Fim dos três primeiros Evangelhos

Nota da Editora — Convém ver: João, XXI, 1:25.

53

Atos dos Apóstolos, Capítulo I, vv. 10-11.