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CADERNOS DE HISTÓRIA DA ARTE n.2 (2014) 107 Os primeiros retratos de matriz fotográfica nos cemitérios portugueses (1885-1890). Notas para uma biografia de Albino Pinto Rodrigues Barbosa Francisco Queiroz * , Nuno Borges de Araújo # , Catarina Soares * * CEPESE Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade; # CECS Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho [email protected] Resumo Neste artigo são abordados aqueles que consideramos ser os mais antigos exemplos, em Portugal, de retratos de matriz fotográfica especificamente destinados à colocação em túmulos. Em suporte de porcelana, e retocados, subsistem poucos destes retratos, cuja execução se deve a Albino Barbosa, artista praticamente ignorado na História da Arte Portuguesa, sobre quem apresentamos alguns contributos para a sua biografia. Abstract This paper addresses the oldest examples of Portuguese photographic type portraits, conceived for cemeteries. Porcelain made and retouched, there are still a few of these portraits by Albino Barbosa an artist almost ignored in the Portuguese Art History about whom we present some biographical notes. Introdução A introdução dos primeiros retratos fotográficos em cemitérios é um tema quase inexplorado pela historiografia em geral. 1 Não só porque é um tema marginal da já de si marginal historiografia sobre cemitérios, mas também por ser um tema marginal da própria História da Fotografia. Um dos factores que explica, em grande medida, o surgimento dos retratos fotográficos em cemitérios, prende-se com a necessidade de individualizar os finados, em circunstâncias onde estes não poderiam ser retratados de modo mais pomposo - como através de estátuas, bustos, ou mesmo medalhões em relevo. E a impossibilidade de serem retratados desse modo, não dependia necessariamente da questão monetária. É paradigmático o caso do jazigo das vítimas do incêndio no Teatro Baquet, no Cemitério de Agramonte, no Porto. O incêndio ocorreu em 1888 e quase todos os restos mortais ficaram irreconhecíveis, pelo que foi construído um grande jazigo comum, em forma de arca tumular, encimada por destroços do teatro e uma grande coroa de martírios, aludindo à morte trágica de largas dezenas de pessoas. Para a frente da mencionada arca tumular, e dentro do espaço do jazigo, foi previsto uma área ajardinada, de modo a que os familiares das vítimas do incêndio no Teatro Baquet pudessem colocar ali as suas memórias (Queiroz e Almeida, 2007-2008). Surgiriam algumas lápides, com fotografias dos falecidos nesse incêndio no que terá sido um dos primeiros jazigos em Portugal em que se recorreu a esta solução, e talvez mesmo o primeiro, sem ter forma de capela, em que vários retratos fotográficos foram colocadas num mesmo espaço, expostos às 1 Agradecimentos: Ana Margarida Portela Domingues, António Teixeira Lopes Cruz, Raquel Sá Lemos Guedes, Arnaldina Riesenberger (Câmara Municipal do Porto), José Filipe, Maria Jesús Blasco Sales, Esthercilia Collbató, Delfim Sousa (Casa-Museu Teixeira Lopes), Isabel Maria e Silva Barroso (Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto), João Barroca, e Ildikó Deák (Fundação Teleki László, Budapeste).

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Page 1: Os primeiros retratos de matriz fotográfica nos cemitérios ... · sobre cemitérios, mas também por ser um tema marginal da própria História da Fotografia. Um dos factores que

CADERNOS DE HISTÓRIA DA ARTE n.2 (2014)

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Os primeiros retratos de matriz fotográfica nos cemitérios portugueses (1885-1890). Notas para uma biografia de Albino Pinto Rodrigues Barbosa

Francisco Queiroz*, Nuno Borges de Araújo#, Catarina Soares* *CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade; #CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho [email protected]

Resumo Neste artigo são abordados aqueles que consideramos ser os mais antigos exemplos, em Portugal, de retratos de matriz fotográfica especificamente destinados à colocação em túmulos. Em suporte de porcelana, e retocados, subsistem poucos destes retratos, cuja execução se deve a Albino Barbosa, artista praticamente ignorado na História da Arte Portuguesa, sobre quem apresentamos alguns contributos para a sua biografia.

Abstract This paper addresses the oldest examples of Portuguese photographic type portraits, conceived for cemeteries. Porcelain made and retouched, there are still a few of these portraits by Albino Barbosa – an artist almost ignored in the Portuguese Art History – about whom we present some biographical notes.

Introdução

A introdução dos primeiros retratos fotográficos em cemitérios é um tema quase inexplorado pela

historiografia em geral.1 Não só porque é um tema marginal da – já de si marginal – historiografia

sobre cemitérios, mas também por ser um tema marginal da própria História da Fotografia.

Um dos factores que explica, em grande medida, o surgimento dos retratos fotográficos em

cemitérios, prende-se com a necessidade de individualizar os finados, em circunstâncias onde estes

não poderiam ser retratados de modo mais pomposo - como através de estátuas, bustos, ou mesmo

medalhões em relevo. E a impossibilidade de serem retratados desse modo, não dependia

necessariamente da questão monetária. É paradigmático o caso do jazigo das vítimas do incêndio no

Teatro Baquet, no Cemitério de Agramonte, no Porto. O incêndio ocorreu em 1888 e quase todos os

restos mortais ficaram irreconhecíveis, pelo que foi construído um grande jazigo comum, em forma

de arca tumular, encimada por destroços do teatro e uma grande coroa de martírios, aludindo à morte

trágica de largas dezenas de pessoas. Para a frente da mencionada arca tumular, e dentro do espaço

do jazigo, foi previsto uma área ajardinada, de modo a que os familiares das vítimas do incêndio no

Teatro Baquet pudessem colocar ali as suas memórias (Queiroz e Almeida, 2007-2008). Surgiriam

algumas lápides, com fotografias dos falecidos nesse incêndio – no que terá sido um dos primeiros

jazigos em Portugal em que se recorreu a esta solução, e talvez mesmo o primeiro, sem ter forma de

capela, em que vários retratos fotográficos foram colocadas num mesmo espaço, expostos às

1 Agradecimentos: Ana Margarida Portela Domingues, António Teixeira Lopes Cruz, Raquel Sá Lemos Guedes, Arnaldina Riesenberger (Câmara Municipal do Porto), José Filipe, Maria Jesús Blasco Sales, Esthercilia Collbató, Delfim Sousa (Casa-Museu Teixeira Lopes), Isabel Maria e Silva Barroso (Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto), João Barroca, e Ildikó Deák (Fundação Teleki László, Budapeste).

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intempéries. Estas lápides foram-se degradando, por efeito de abandono e sucessivos actos de

descuido e vandalismo. De algumas delas, não se vêem senão vestígios. Portanto, é hoje difícil

precisar o número de fotografias que ali foram colocadas como forma de retirar do anonimato alguns

dos inumados na arca tumular, visto que esta não levou qualquer inscrição que individualizasse os

restos mortais das vítimas do incêndio. Porém, há alguns anos, ainda podia ver-se ali duas fotografias

de falecidos nessa tragédia. Uma delas, encastrada em lápide muito simples de pedra lioz, numa

espécie de pequeno nicho redondo envolvido por um ornato em forma de coroa fúnebre, sendo tapado

com vidro o nicho que albergava a fotografia em formato carte-de-visite. Com o passar dos anos, esta

fotografia ficou imperceptível. A outra, terá sido impressa sobre porcelana, pelo que a imagem

fotográfica perdurou ao longo do tempo, embora o retrato já não se encontre no local há vários anos.

Por volta de 1888, ano do dito incêndio, a fotografia em Portugal era um dado adquirido para as

elites urbanas e começava mesmo a ser utilizada por franjas sociais menos abastadas – as mesmas que

não podiam pagar túmulos com retratos escultóricos, e para quem a fotografia poderia vir a ser a

solução ideal de individualização dos seus mortos, apresentando-os aos visitantes do cemitério

romântico. Porém – e o jazigo das vítimas do Teatro Baquet é disso um bom exemplo – a questão da

conservação das fotografias ao ar livre era problemática. Necessariamente, os fotógrafos portugueses

precisavam de oferecer serviços que respondessem a esta necessidade, e supomos que começaram a

fazê-lo precisamente a partir de finais da década de 1880, tendo a fotografia surgido na tumulária de

forma lenta, e nem sempre em suportes próprios para esta finalidade; nascendo também aqui a

fotografia sobre esmalte, que viria a ser tão popular no século XX, nos cemitérios portugueses.

Contudo, no caso de jazigos-capela, é de crer que já em meados da década de 1880 houvesse alguns

casos de colocação de fotografias nos formatos carte-de-visite (imagem fotográfica com cerca de 9x5,8

cm, colada num cartão com cerca de 10x6,3 cm) e cabinet card (imagem fotográfica com cerca de

15x10 cm, colada num cartão com cerca de 17x11 cm), ou mesmo em formatos maiores, inclinadas

sobre os respectivos altares, pois eram espaços protegidos do sol e da chuva, ainda que fossem

impróprios para a conservação de fotografias sobre suporte de papel.

Embora o tema necessite de ser pesquisado com muito maior profundidade, supomos que a utilização

de retratos fotográficos, ou de matriz fotográfica, sobre material cerâmico, nos jazigos de cemitérios

portugueses, começou a ser feita na segunda metade da década de 1880. Julgamos também que esse

gosto despertou mais cedo no Porto do que em Lisboa, e que um dos principais responsáveis pela

introdução de tal gosto foi Albino Pinto Rodrigues Barbosa, fotógrafo, retratista, pintor, encarnador

de santos, bem como professor de desenho (FIG. 1). Aliás, são deste artista alguns dos melhores

exemplos de retratos de matriz fotográfica existentes nos cemitérios da região do Porto, sendo

também os mais antigos que se conhecem do género em Portugal.

Note-se que Albino Pinto Rodrigues Barbosa colaborou com António Almeida da Costa, fundador da

Fábrica de Cerâmica das Devesas, em Vila Nova de Gaia (Domingues, 2003). Teria advindo daqui o

uso do suporte cerâmico nos seus retratos de matriz fotográfica, ainda que em porcelana, ao contrário

da maior parte das peças da Fábrica de Cerâmica das Devesas, que eram produzidas em faiança?

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Esboço biográfico de Albino Barbosa

Albino Pinto Rodrigues Barbosa nasceu em 23 de Agosto de 1854, no Lugar de Canelas de Cima da

freguesia de Canelas (concelho de Gaia). Era filho de Manuel Pinto (Barbosa) e de Maria Domingues

(da Conceição), ambos naturais de Canelas. Supomos que fosse de família humilde. Era neto paterno

de avós incógnitos, e neto materno de Francisco Domingues e de Maria Domingues, de Canelas de

Cima.2

Albino Pinto Rodrigues Barbosa casou em Mafamude (Gaia), no dia 4 de Fevereiro de 1878, sendo já

dado como pintor. A noiva foi Adelaide Teixeira Lopes de Meireles,3 residente na Rua da Bandeira,

em Mafamude, no que supomos fosse também a morada do pai, José Joaquim Teixeira Lopes, o

célebre estatuário que era sócio de António Almeida da Costa na Fábrica de Cerâmica das Devesas.

Este último, então residente na Rua do Laranjal, no Porto, também testemunhou o mencionado

casamento, juntamente com a sua mulher.4 Por conseguinte, é possível que Albino Barbosa estivesse

ligado à Fábrica de Cerâmica das Devesas. Aliás, quando se matricula no Instituto Industrial do

Porto, como aluno voluntário, em Novembro de 1881, declara-se "pintor" e residente nas Devesas,

assinando Albino Rodrigues Barbosa.

No Instituto Industrial do Porto, Albino Barbosa frequentou a "primeira e oitava cadeira",

correspondendo, a primeira, a noções de aritmética, álgebra, geometria e trigonometria, e, a segunda,

a noções de desenho linear, arquitectónico, e de ornato, e ainda de modelação; isto “para seguir o curso

de operário habilitado”. No ano seguinte, renovou a matrícula nas mesmas cadeiras, “para seguir o curso

de conductor d’obras públicas”.5 Porém, o seu talento artístico ter-se-á evidenciado e, tal como era

habitual na época, Albino Barbosa foi complementar a sua aprendizagem, na Escola de Belas Artes do

Porto, após passar “por um exame de lêr escrever e contar perante um jury da Academia”, no qual foi

aprovado com doze valores (19 de Outubro de 1883). Nesta escola, frequentou com aproveitamento a

aula de Desenho Histórico, nos anos lectivos de 1883-1884 a 1885-1886.6 Por essa altura, surge num

almanaque como “desenhador”, sob o nome Albino Pinto Barbosa, vivendo na Rua Marquês de Sá da

Bandeira, em Vila Nova de Gaia.7

2 Arquivo Distrital do Porto (A.D.P.), Paróquia de Canelas (Gaia), Baptismos, 1826-1858, fl. 214. 3 Nasceu em 17 de Novembro de 1860 e foi baptizada na Paróquia do Bonfim, da cidade do Porto. Cf. A.D.P., Paróquia de Mafamude, Casamentos, 1878, fls. 8-8v. No período em que Albino Barbosa estudou Desenho Histórico na Escola de Belas Artes do Porto, frequentaram esta mesma cadeira dois irmãos da sua mulher: António Teixeira Lopes e José Joaquim Teixeira Lopes Júnior, bem como um primo destes, Adriano Teixeira Lopes (natural de S. Mamede de Riba Tua, Alijó, filho de João Teixeira Lopes). Em 1887 - ano que se seguiu àquele em que Albino Barbosa terminou a frequência das Belas Artes - iniciou os seus estudos, na mesma aula, Emília Teixeira Lopes, irmã de Adelaide Teixeira Lopes. 4 A.D.P., Paróquia de Mafamude, Casamentos, 1878, fls. 8-8v. 5 Arquivo do Instituto Superior de Engenharia do Porto (A.I.S.E.P.), Registo de Matrículas no Instituto Industrial do Porto, n.º 436 (4 de Novembro de 1881) e n.º 189 (6 de Outubro de 1882). 6 Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (A.F.B.A.U.P.): Processo de aluno de Albino Pinto Rodrigues Barbosa, 1883/1885; Academia Portuense de Belas Artes, Livro n.º 161 (1865-1888), de matrículas da classe de ordinários da aula de Desenho Histórico, fl. 128, n.º 32 (22 de Outubro de 1883), fl. 138, n.º 25 (20 de Outubro de 1884), e fl. 148v., n.º 18 (14 de Outubro de 1885). 7 Almanaque do Porto, Porto, 1884, p. 168-169.

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Em Março de 1889, Albino Barbosa expôs pintura no salão do Ateneu Comercial do Porto, ao lado de

Silvestro Silvestri, Tomás Costa, Silva Porto, António Molarinho, António Couceiro, e outros

artistas ligados à Escola de Belas Artes do Porto, embora nem todos tenham ficado propriamente

conhecidos como pintores.8 Aliás, dois anos depois, Albino Pinto Barbosa volta a ser dado, não como

pintor, mas como desenhador.9 Embora continuasse a residir em Vila Nova de Gaia, terá mudado de

casa várias vezes.10

Na Exposição Agrícola e Industrial de Gaia de 1894, Albino Barbosa participou com quadros e

paisagens, tendo também concorrido, no ano seguinte, a uma exposição de pintura promovida pelo

Ateneu Comercial do Porto (Leão, 2005: 22-23). Nesta época, dedicava-se igualmente à encarnação de

santos. Em Maio de 1892, um jornal local alude-lhe nestes termos:

O muito afamado pintor e nosso amigo snr. Albino Pinto Rodrigues Barboza (…), acaba de pintar, maravilhosamente, uma imagem de Nossa Senhora do Amparo, destinada a um templo das nossas ilhas. Está em exposição na igreja dos Congregados, no Porto. Vale a pena ir ali ver até onde chega a perícia d'aquelle talentoso e modesto artista.11

A modéstia e a ligação à arte sacra, como encarnador de imagens, viriam a marcar o percurso de

Albino Barbosa nos anos seguintes. Um Cristo morto e um Cristo com a cruz às costas, executados

em 1896 pelo escultor e santeiro João de Afonseca Lapa, foram ambos pintados por Albino Barbosa.

Destinavam-se à Igreja do Senhor do Calvário, em S. Martinho de Mouros, Resende (Leão, 2005:

102-103). Porém, outras referências fazem supor que a colaboração entre os dois não seria regular.

Aliás, eram de geração diferente.

Numa notícia de 30 de Janeiro de 1898, alusiva à festa do Senhor da Boa Morte, em Mafamude,

refere-se que a imagem fora pintada nessa altura pelo “grande artista” Albino Pinto Barbosa (Costa,

2001: 360). No início do século XX, Albino Barbosa tinha oficina própria, mas era estreito

colaborador do escultor e santeiro José Fernandes Caldas. Duas imagens existentes em Pelotas, no

Brasil (sendo uma delas de Santa Luzia), foram executadas em 1901 por Fernandes Caldas, contando

com a ajuda do pintor Albino Barbosa.12 Por outro lado, em 1904, o Bispo da Guarda pediu aos fiéis

um contributo para adquirir uma imagem de Nossa Senhora da Conceição de Lourdes, que se havia

encomendado ao escultor Fernandes Caldas e ao pintor Albino Barbosa (Figueiredo, 2008). Por volta

de 1908-1909, foi também Albino Barbosa quem pintou uma imagem de S. Joaquim, esculpida em

8 O Tempo, n.º 74, Lisboa, 18 de Março de 1889, p. 2. 9 Annuario do Commercio e Almanach Commercial de Lisboa para 1891, Lisboa, 1891, p. 311. 10 Em 1892, Albino Barbosa vivia "em frente à capella do Senhor do Padrão", em Mafamude (O Grilo de Gaya, 29 de Maio de 1892). O Recenseamento de 1894, feito em Abril desse ano, aponta-o como pintor e morador no Lugar dos Pereiretas (Costa, 2001: 326). Dois anos depois, residia ainda na Rua dos Pereiretas (Anuário Comercial de Portugal, 1896, p. 948). Porém, segundo um almanaque do Porto para o ano de 1897, morava já no Lugar do Torne, sendo professor de desenho, retratista e pintor (Guimarães, 1995: 26). 11 O Grilo de Gaya, 29 de Maio de 1892. 12 Note-se que Fernandes Caldas acrescentou, à sua assinatura, a indicação "Portugal – V. N. de Gaya", indiciando que a obra foi encomendada propositadamente para o Brasil, tendo sido colocada no local em 1903 (Botelho e Portela, 2010: 53).

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madeira pelo dito Fernandes Caldas.13 Outra referência aponta Albino Barbosa como “o melhor

auxiliar de Fernandes Caldas”, por ser “mestre nas encarnações e pinturas a óleo”.14

Albino Barbosa sempre foi um artista discreto. Porém, uma obra deu-lhe notoriedade: a imagem da

Rainha Santa Isabel, encomendada pela Rainha D. Amélia para substituir a preexistente imagem da

padroeira da cidade de Coimbra. Em 1896, e precisamente a pretexto de se noticiar a feitura da nova

imagem da Rainha Santa, a imprensa alude elogiosamente a Albino Barbosa como um "modesto e um

retrahido", vivendo "no isolamento de uma pequenina terra de província, em Villa Nova de Gaya". Além

disso, diz-se claramente que o seu nome era "até hontem, salvo para um restricto número de amigos e de

creaturas do «métier», inteiramente desconhecido".15 Segundo o crítico de arte António Arroio, seu

contemporâneo, e ainda a propósito da imagem da Rainha Santa:

a pintura, applicada pelo artista Albino Barbosa (…), revela extremo cuidado e respeito pela obra de modelação, porque em nada lhe perturba os planos constructivos, nem diminue a pureza das linhas; todas as partes vistas por transparencia e todas as sombras se harmonisam perfeitamente com a forma esculptural, sem nunca lhe alterarem o modelado ou os contornos (Arroyo, 1899: 176).

Apesar da parte escultórica se dever ao seu cunhado, António Teixeira Lopes,16 que nela trabalhava

em 1896,17 Albino Barbosa beneficiou tanto da boa fama da obra, que usou a dita imagem para um

anúncio publicitário à sua oficina, a qual, em 1908, situava-se na Rua General Torres, n.º 709, em Vila

Nova de Gaia. Curiosamente, no anúncio só se refere pintura e douramento de imagens. Num anuário

desse ano, Albino Barbosa dá-se como pintor e encarnador. Porém, supomos que tenha sido também

fotógrafo. Na imagem que complementa o supramencionado anúncio, podemos ver o monograma

"AB" (FIG. 2). Conhecemos mais publicações da época com esta mesma marca de fotógrafo, cujo

formato das letras parece decalcar as maiúsculas iniciais da assinatura de Albino Barbosa.

Infelizmente, não está estudada esta faceta de Albino Barbosa. É possível que tenha sido ele o autor

de fotografias representando a família Teixeira Lopes, e até representando peças da Fábrica de

13 Brasil-Portugal, Vol. 10, 1909, p. 359. Veja-se também Album phototypico das esculpturas religiosas em madeira de

J. Fernandes Caldas: pintadas na officina de Albino Barbosa: precedidas das apreciações da Imprensa Periódica, Porto, A. J. de Sousa, 1913. 14 Lusíada: revista ilustrada de cultura, arte, literatura, história, crítica, Vol. 3, 1956, p. 139. 15 Branco e Negro, n.º 17, 26 de Julho de 1896, p. 15. 16 O famoso “Santo Isidoro” de António Teixeira Lopes foi também pintado por Albino Barbosa. A propósito, encontrámos um testemunho sobre os "santos de madeira" encarnados "pelo Sr. Albino Barbosa, que era um respeitável artista, de barbas brancas e cunhado de Teixeira Lopes, em cujas oficinas" se podia contemplar "as imagens lindas que lá havia, a da Rainha Santa, a de Santo Isidro ou as dos Corações de Maria, com eles ao vivo fora do peito". Cf. O Ocidente, Vol. 64, 1963, p. 262. 17 Nas suas memórias, António Teixeira Lopes refere: “Terminei a estátua em madeira, começando então o problema da pintura, em verdade bastante difícil. Todo o meu receio era que ficassem violentas as cores, endurecendo a escultura; era preciso, indispensável mesmo, afastar os velhos processos dos santos encarnados, com tintas berrantes. Tive então a boa fortuna de achar em meu cunhado, Albino Barbosa, um colaborador valiosíssimo que, neste trabalho, pôde mostrar bem evidentemente o seu talento e a sua dedicação para comigo. Albino Barbosa ensaiou e conseguiu um trabalho inteiramente novo, sobretudo nos bordados do manto em relevo e com aplicação de pedras, em cabochons que se mandaram fazer de propósito. Conseguiu tirar um belo efeito, e o êxito dessa pintura foi completo, dando depois lugar a que outros pintores, seus colegas, o imitassem, empregando o mesmo processo, mal copiado em quantos santos se fizeram para aí” (LOPES, 1968: 170).

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Cerâmica das Devesas, nomeadamente para inclusão em algum dos vários catálogos que a fábrica

publicou.

Albino Barbosa foi um artista tão respeitado, pela sua sensibilidade e talento, que era poupado,

mesmo quando alguém se atrevia a criticar a arte do seu famoso cunhado António Teixeira Lopes: em

1904, numa apreciação ao modo como António Teixeira Lopes concebera o monumento a Eça de

Queiroz, em Lisboa, alude-se a Albino Barbosa nestes termos:

O sr. Teixeira Lopes (…) lá esculpiu cuidadosamente, na base do monumento, as suas queridas rosinhas, que se não sabe se querem indicar flores esquecidas e já estratificadas da manifestação, ou se cahiram dos cabellos desatados da mulher que elle também teve o cuidado de desgrenhar numa abundante cabelleira, que lhe rola pelas costas (…). Aquellas rosas tão meigas, devem ter sobrado das da Rainha Santa e falta-lhes só a encarnação delicada de Albino Barbosa (Pinto, 1904).

Portanto, foi como pintor de santos que Albino Barbosa passou aos anais da Arte Portuguesa, ainda

que seja hoje quase desconhecido dos historiadores. Contudo, supomos que Albino Barbosa foi tão ou

mais talentoso noutras áreas, nomeadamente como pintor de azulejos.

Em 1914, Albino Barbosa e a sua mulher estiveram presentes no funeral de Emília de Jesus Costa,

consorte do já mencionado António Almeida da Costa. No ano seguinte, no próprio funeral de

António Almeida da Costa, via-se uma coroa com os dizeres “Albino Barbosa – Por gratidão”.18 Esta

expressão indica uma relação de certa dependência face ao versátil industrial António Almeida da

Costa. Portanto, é possível que Albino Barbosa, além de ter passado a sua juventude a pintar para a

Fábrica de Cerâmica das Devesas, tenha continuado a colaborar com esta fábrica já depois de ser

artista formado e reconhecido. Pode ter sido até o autor de vários painéis figurativos em azulejos,

subsistentes em edifícios da Fábrica de Cerâmica das Devesas e dos seus proprietários. Porém, este

tema não está ainda estudado, assim como não se encontra minimamente estudada a maior parte da

sua obra. De qualquer modo, na viragem do século XIX para o século XX, Albino Barbosa pintou

mesmo azulejos, que terão sido cozidos nos fornos da Fábrica de Cerâmica das Devesas. Nessa época,

pode até ter pintado outras peças de produção desta fábrica, que não azulejos. José Queiroz refere

mesmo que, entre os decoradores ceramistas do seu tempo, destacava-se Albino Barbosa, “de elevado

valor”, tendo começado este género de pintura em 1894 (Queiroz, 1907: 133-134).

Do mencionado ano de 1894, é o retrato que Albino Barbosa pintou sobre azulejos, mostrando uma

menina à janela, sua possível parente, pois pertence à coleção particular de um descendente da família

Teixeira Lopes. Desse ano, e com a mesma técnica, são também os retratos que Albino Barbosa

pintou dos seus cunhados José Teixeira Lopes, e António Teixeira Lopes. Estes dois retratos

apresentam semelhanças flagrantes, de estilo, com as peças que analisamos neste artigo, as quais, pela

18 Em 1918, Albino Barbosa esteve também presente no funeral do seu sogro, José Joaquim Teixeira Lopes, sendo dado como "talentoso pintor". Devemos todos estes dados, sobre a presença de Albino Barbosa em funerais, à pesquisa de Ana Margarida Portela Domingues, os quais não chegaram a ser incluídos na sua dissertação de Mestrado.

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sua datação, permitem concluir que as experiências de Albino Barbosa como pintor sobre suporte

cerâmico já haviam começado, pelo menos, cerca de dez anos antes.

Albino Barbosa faleceu de miocardite crónica, com 65 anos de idade, numa casa da Rua Soares dos

Reis, em Vila Nova de Gaia, no dia 24 de Julho de 1920. Não deixou bens, nem fez testamento, tendo

sido sepultado no Cemitério de Mafamude. Sua mulher Adelaide Teixeira Lopes de Meireles, de

quem teve vários filhos, faleceria apenas em 23 de Dezembro de 1946.19

Os retratos que Albino Barbosa executou para cemitérios

Até agora, pudemos já localizar onze retratos em cemitérios portugueses, executados por Albino

Barbosa a partir de matrizes fotográficas. Não apresentam todos dimensões iguais, ainda que a

diferença seja pouco significativa. São de formato oval, em porcelana, orlados por uma fina faixa

pintada a dourado. Os retratados surgem de busto a três quartos, pintados a preto sobre fundo

branco. Cada peça apresenta uma ligeira convexidade na face pintada, não sabemos se por uma

questão de filiação no modelo de retrato em miniatura herdado da joalharia – que teve continuidade

na fotografia, já que muitos retratos carte-de-visite dessa época apresentavam solução semelhante,

ainda que em papel fotográfico20 – de modo a permitir um melhor visionamento a quem estava

posicionado de forma oblíqua face ao retrato.

O primeiro conjunto de três retratos assinados por Albino Barbosa subsiste no interior do jazigo-

capela n.º 20 do Cemitério de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, provavelmente erigido à volta de

1876-1877 (FIG. 3). Um desses retratos data de 1885 e, provavelmente, corresponde a Maria

Margarida da Fonseca Oliveira (26-12-1818 / 16-11-1876), trasladada a 3 de Setembro de 1877 para

este jazigo, mandado erigir em sua memória. Outro retrato, executado em 1886, dirá respeito a José

António de Oliveira (21-01-1822 / 29-12-1877), negociante, natural de Fonte Arcada (concelho de

Penafiel) e marido da dita Maria Margarida da Fonseca Oliveira, natural de Santa Marinha de Vila

Nova de Gaia. O terceiro retrato neste jazigo, executado por Albino Barbosa em 1885 ou 1886,21

corresponderá ao caixeiro Joaquim António de Oliveira (15-11-1844 / 06-02-1870), um dos três

filhos do supramencionado casal, que faleceu solteiro.22

Dos que subsistem e pudemos localizar, este será o maior e o mais antigo conjunto de retratos

pintados por Albino Barbosa: dentro do jazigo-capela, em frente ao gavetão respectivo e presos por

um ou por dois espigões metálicos, estes retratos tornavam desnecessário o recurso a cartes-de-visite

em cima do altar, que eventualmente acabariam por amarelecer e perder contraste e não permitiam

individualizar o gavetão onde estavam os restos mortais do retratado. Neste conjunto de retratos

19 Para ambos os casos, baseámo-nos em certidões dos respectivos assentos de óbito. 20 Com a designação de “Cameo portrait” (Retrato Camafeu). O relevo era produzido na imagem oval prensando-a dentro de um molde metálico. 21 Não foi possível o acesso ao interior da capela, para confirmar a data. 22 Foram consultados os assentos de óbito dos três retratados por Albino Barbosa, neste jazigo, os quais encontram-se em A.D.P., Paróquia de Santa Marinha (Gaia), tendo as seguintes referências: 6 de Fevereiro de 1870, http://pesquisa.adporto.pt/viewer?id=828383, registo n.º 21; 16 de Novembro de 1876, http://pesquisa.adporto.pt/viewer?id=828389, registo n.º 278; 29 de Dezembro de 1877, http://pesquisa.adporto.pt/viewer?id=828390, registo n.º 231.

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existente no Cemitério de Santa Marinha, aquele que representa a mulher apresenta-se

particularmente ornamentado, não só pela própria indumentária e jóias, mas também por apresentar

uma grinalda na parte inferior, pontuando o malmequer e o amor-perfeito, além da hera. Quer este

retrato feminino, quer os retratos daqueles que supomos serem o marido e o filho, emergem de um

fundo cinza com um ligeiro dégradé, e, além da fina faixa pintada a dourado, na orla, existe ainda uma

tarja negra a complementar esta mesma orla, possivelmente com a função de assinalar o luto.

Um segundo conjunto de retratos assinados por Albino Barbosa, existia no interior do jazigo-capela

n.º 142 da secção 19 do Cemitério de Agramonte (FIG. 4).23 A mais antiga fotografia que se conhece

deste interior, mostra já estes retratos descontextualizados. Ainda assim, supomos que representem

José Luís Novais e a sua mulher Francisca Albina Delgado, pois foram os primeiros concessionários

do dito jazigo, erguido em 1882.24 José Luís Novais, filho de Vicente Novais e de Rosa da Cunha, era

negociante, tendo falecido em 4 de Fevereiro de 1908. Sua mulher, Francisca Albina Delgado, faleceu

em 31 de Janeiro de 1910. Era filha do professor de música Manuel Estanislau Delgado, natural de

Évora, que foi também cantor e mestre de capela. A mãe de Francisco Albina Delgado era Maria

Albina Canedo, por sua vez filha de um célebre mestre de capela do Porto: João Alves Pereira

Canedo.25

Quer José Luís Novais, quer a sua mulher Francisca Albina Delgado, faleceram muitos anos depois

dos retratos que Albino Barbosa executou. Por conseguinte, supondo que foram mesmo eles os

retratados, fica a dúvida sobre se os retratos foram colocados no jazigo logo após a execução, ou se

foram guardados em casa e colocados no jazigo apenas após a morte de ambos. Assinados por Albino

Barbosa em 1886, ambos os retratos emergem de um fundo cinza, em que se notam sugestões de

vegetação. A mulher, devido à inclinação para a esquerda dos ombros, surge com o rosto voltado à

direita, vendo-se um dos brincos, embora com o olhar de frente para o espectador. Também neste

retrato, Albino Barbosa acrescentou uma grinalda policroma, em que pontua a hera e o amor-perfeito,

apesar da escolha das flores ter sido diversa da que o artista fez para o retrato feminino existente no

Cemitério de Santa Marinha, já que surge, por exemplo, uma rosa. O retrato masculino, por sua vez,

apresenta o rosto e os ombros inclinados para a direita. Ambos os retratos medem cerca de

23x15,8cm.

Refira-se que, no verso destes retratos, Albino Barbosa pintou os números 2 (no do homem) e 4 (no

da mulher). Sabemos que alguns dos retratos analisados neste artigo não contêm qualquer numeração

no tardoz. Mesmo assim, é possível que os aludidos números correspondam à ordem pela qual Albino

23 Por volta de 2002, estando o dito jazigo abandonado e na iminência de concessão a outra família, por sugestão do primeiro co-autor deste artigo foram os retratos recolhidos pela Câmara Municipal do Porto. 24 A concessão data de 8 de Novembro de 1881. Porém, só em finais de Abril do ano seguinte deram entrada no jazigo-capela os restos mortais do negociante Manuel José Novais, falecido em 7 de Dezembro de 1881 e irmão de José Luís Novais. 25 Maria Albina Canedo faleceu viúva em 8 de Maio de 1896, tendo ficado sepultada neste jazigo, assim como ficou também o seu filho, António Estanislau Delgado Canedo, compositor, violinista e chefe de orquestra, falecido em 11 de Abril de 1899. Estes dados, assim como os da nota anterior, baseiam-se nos livros de enterramentos referentes ao Cemitério de Agramonte, existentes no Arquivo Histórico Municipal do Porto (A.H.M.P).

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Barbosa foi pintando os primeiros retratos deste género e, por conseguinte, o primeiro pintado por

Albino Barbosa pode ter sido o já referido retrato de Maria Margarida da Fonseca Oliveira, existente

no Cemitério de Santa Marinha, visto ser o único que encontrámos de 1885.

Também no Cemitério de Agramonte, mas na capela n.º 15 da secção 5, existe outro retrato pintado

por Albino Barbosa, que o assinou em 1886 (FIG. 5). A capela apresenta uma estética bastante tardia,

face ao ano da concessão do terreno para jazigo, sendo de supor que, antes da capela, terá aqui

existido um jazigo mais simples. As marcas da oxidação e as mazelas, possivelmente resultantes de

uma queda, sugerem que o retrato possa ter estado originalmente ao ar livre e fixado a um pequeno

monumento tumular, neste mesmo jazigo, ou num outro.

A retratada é Inocência Augusta Teixeira Guimarães (27-10-1862 / 29-08-1880), que terá falecido

solteira. Emergindo do típico fundo cinza com um certo dégradé, Inocência surge com o rosto voltado

para a direita, apesar da posição frontal dos ombros. Apresenta-se com o cabelo entrançado e

enrolado na nuca, com grande destaque para as rendas do colo do vestido e para o colar com cruz.

Contrariamente aos retratos femininos anteriormente mencionados, este não apresenta qualquer

grinalda.

No interior do jazigo-capela, existem dois outros retratos sobre o que parece ser porcelana, mas são

fotográficos, sem pintura. Embora sejam dos mais antigos do género nos cemitérios portugueses,

tudo indica que são posteriores aos que Albino Barbosa pintou, e podem ter sido ambos executados já

para colocação no interior da dita capela, aquando do falecimento de um dos retratados: Inocência

Amália Teixeira Mourão (10-12-1837 / 12-04-1906), filha de António Pinto Roberto Mourão e de

Ana Amália Teixeira. O outro retrato é o do seu marido e farmacêutico de 1ª classe, Rodrigo António

Machado Guimarães (20-08-1837 / 22-06-1886), um dos fundadores do Hospital Dona Maria Pia, em

1883.26 O casal uniu-se em 10 de Agosto de 1861, e deixou três filhos: a já referida Inocência -

retratada por Albino Barbosa em 1886, António, e o médico homeopata Rodrigo António Teixeira

Guimarães.

Continuando no Cemitério de Agramonte - possivelmente, o mais cosmopolita do Porto, à época em

que Albino Barbosa pintou as peças analisadas neste artigo - passemos aos retratos de Ana Adelaide

Mendes (16-03-1846 / 22-07-1886), filha do proprietário Joaquim Mendes Magalhães e de Ana

Antónia da Silva (todos de Cambres, Lamego), e do seu marido Eduardo Coelho (25-02-1843 / 16-

07-1903), empregado comercial, filho de José Fernandes Coelho e de Maria de São José Viana

Fernandes.27 Encontram-se no jazigo n.º 325 da secção 10 do dito cemitério, cuja concessão foi feita

em 1889 a Eduardo Coelho, na época viúvo e morador na Rua de Santo António, no Porto, embora a

26 Rodrigo António Machado Guimarães, filho de Rodrigo António Machado Guimarães e de Emília Rosalina de Almeida, foi secretário do dito hospital para crianças pobres, cuja primeira pedra do edifício se colocou no ano da sua morte. A instituição possui um retrato seu a óleo. Estes dados, assim como os demais dados sobre os pais de Inocência Augusta Teixeira Guimarães, foram extraídos dos livros de enterramentos, e, sobretudo, dos livros de registo de testamentos (A.H.M.P), com as seguintes referências: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/11257/ (Inocência Amália Teixeira Mourão) e http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/21191/ (Rodrigo António Machado Guimarães). 27 Estes dados foram extraídos dos livros de enterramentos do respectivo cemitério (A.H.M.P).

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sua mulher Ana Adelaide tenha falecido na Rua de Cedofeita, deixando um filho.28 Ambos os retratos

encontram-se em muito mau estado de conservação, posicionando-se numa larga estela de cabeceira,

datável de 1890 (FIG. 6). Ainda se consegue perceber que ambos foram assinados e datados por

Albino Barbosa, embora sem se visualizar o ano com segurança. O de Eduardo Coelho parece datar

de 1890; o de Ana Adelaide Mendes Coelho talvez seja de 1889. Nestes retratos, em que se verifica

uma acentuada degradação nas sombras, a aparente estrutura da imagem na zona dos rostos sugere

tratar-se de autênticas fotografias, e não de retratos pintados com base em fotografias.

Note-se que a estela na qual foram fixados os retratos, saiu da oficina Costa & Rocha, da Rua do

Laranjal, n.º 175, no Porto; ou seja, a oficina de mármores de António Almeida da Costa e Feliciano

Rodrigues da Rocha, dois dos três sócios da Fábrica de Cerâmica das Devesas, sendo o outro sócio o

já referido José Joaquim Teixeira Lopes.

No jazigo n.º 835 da secção 15 do Cemitério de Agramonte, existia também um retrato, que o

primeiro subscritor deste trabalho encontrou caído e desfeito em cacos, por volta de 2002, e que

recolheu, para posterior restauro (FIG. 7). É possível que a queda se tenha devido à pressão colocada

na peça pela oxidação dos espigões metálicos que a prendiam ao granito do pequeno pedestal deste

jazigo simples. O retrato apresenta o rosto voltado para a direita, mas com o olhar dirigido para o

espectador. Enquadra-se num fundo despojado de tom cinza, tendo como único adorno uma pequena

flor na lapela da casaca. O retrato mede 23x15,8 cm e a sua espessura é de 3,5 mm nas bordas, com

um máximo de 1 cm na parte central. No tardoz, não existe qualquer inscrição.

Atendendo à epígrafe no pedestal, o retratado poderia ser o negociante Arsénio de Sousa, falecido em

2 de Julho de 1887.29 Contudo, Albino Barbosa assinou o retrato com o ano de 1886: teria Arsénio de

Sousa encomendado a peça ainda vivo? Arsénio de Sousa tinha um irmão, António de Sousa, que

faleceu solteiro e era marítimo de profissão. A sua data de morte, 21 de Junho de 1886, sugere que

tenha sido ele o retratado por Albino Barbosa. Refira-se que eram ambos filhos de Manuel José de

Sousa e de Rosa da Assunção (falecida em 28 de Junho de 1900) e que a concessão do jazigo foi feita

em 1905, a José Maria de Almeida e Cunha, morador na Rua dos Caldeireiros, a pretexto deste poder

sepultar a sua mulher, Amélia de Sousa, irmã de António de Sousa e de Arsénio de Sousa, falecida em

2 de Maio desse ano.30 Portanto, o retrato pintado por Albino Barbosa é bastante anterior à

construção do jazigo onde se encontrava antes de ter caído.

Ainda no Cemitério de Agramonte, no jazigo n.º 254 da secção 14, podemos ver mais um retrato

pintado por Albino Barbosa. Representa Antónia Maria de Oliveira, natural de Braga (S. Lázaro),

filha de Félix António de Oliveira e de Rosa Maria. Ela faleceu em 27 de Setembro de 1887, sem

28 Estes dados foram extraídos do assento de óbito (A.D.P), de 22 de Julho de 1886, na Paróquia de Cedofeita, com a seguinte referência http://pesquisa.adporto.pt/viewer?id=781677 (registo n.º 301), e ainda do assento de enterramento de Eduardo Coelho (A.H.M.P.). Através do seu assento de enterramento, sabemos que Eduardo Coelho terá sido também casado com Maria Matilde. 29 Por certo, o mesmo que, em 1878, tinha loja de ferragens na Rua dos Caldeireiros, 45-47, no Porto. 30 Estes dados foram extraídos dos livros de enterramentos do respectivo cemitério (A.H.M.P).

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testamento, sendo dada com 46 anos (FIG. 8).31 Pouco mais de dois meses depois, é concedido o

terreno para a construção do túmulo onde este retrato se encontra, aposto no eixo da cabeceira. O

retrato foi assinado por Albino Barbosa ainda em 1887. Está bastante degradado, não sendo possível

identificar os adornos que o pintor terá utilizado. Ora, a retratada era a primeira mulher do já

referido Feliciano Rodrigues da Rocha, sócio de António Almeida da Costa e de José Joaquim

Teixeira Lopes, na Fábrica de Cerâmica das Devesas, e ainda na subsidiária oficina de mármores

existente no Porto, na Rua do Laranjal, n.º 175, onde Antónia Maria de Oliveira vivia e onde

faleceu.32

O último retrato que aqui podemos apresentar, assinado por Albino Barbosa, foi destinado ao jazigo

n.º 29 da divisão 2 do Cemitério da Lapa, também situado no Porto (FIG. 9). O mausoléu é um

simples pedestal com cruz, obra da oficina Amatucci. A concessão é de 1866 e os nomes mais antigos

associados ao jazigo são os de Joana Emília da Rosa (15-08-1793 / 21-09-1863) e de sua irmã Maria

Emília da Rosa. O jazigo terá sido mandado fazer pelos filhos, Pedro Luís de Azevedo e Troca, e

Manuel Clementino de Azevedo e Troca, residentes no Maranhão, Brasil. O retrato pintado por

Albino Barbosa não se encontra fixado ao mausoléu, mas numa moldura sobre almofada, tudo em

pedra mármore e colocado mais tarde, apresentando, a dita moldura, uma roseira em relevo. Com o

passar dos anos, o retrato acabou por destacar-se da moldura em pedra. A julgar pela inscrição,

representa Ermelinda Rosa de Almeida Costa (06-09-1860 / 03-02-1887). Este retrato em porcelana,

assinado por Albino Barbosa em 1889 - encontrando-se, no tardoz da peça, o seu nome completo,

data e local de execução - tem 28 cm de altura por 20 cm de largura; uma espessura de 3,5 mm, nas

bordas, e cerca de 8,5 mm, no centro (FIG. 10). É, portanto, ligeiramente mais largo, e também mais

fino, do que alguns mais antigos mencionados acima (daqueles que pudemos medir). A superfície

pintada encontra-se em mau estado. Porém, é possível identificar os contornos da face, um brinco, e

as rendas sob a gola, estando o rosto voltado para a direita, em contraponto com a linha dos ombros,

sendo frontal o olhar. Do lado direito da composição, surgem as quase inevitáveis flores, não em

grinalda, mas em pequeno ramo.

Ermelinda Rosa de Almeida Costa era a governanta de Pedro Luís de Azevedo e Troca. Embora fosse

filha de José António de Almeida Costa e de Maria Rosa Salgado, e irmã de um Joaquim António de

Almeida Costa, residente no Brasil,33 não lhe descortinámos parentesco com António Almeida da

Costa, fundador da Fábrica de Cerâmica das Devesas.

31 Estes dados foram extraídos dos livros de enterramentos do respectivo cemitério (A.H.M.P), e ainda de A.D.P., Paróquia de Santo Ildefonso, Porto, Óbitos, 1887, fl. 98, registo n.º 385. 32 Feliciano Rodrigues da Rocha e Antónia Maria de Oliveira tiveram vários filhos, seis dos quais estudaram na Escola de Belas Artes do Porto, nos anos seguintes àqueles em que ali estudou o próprio Albino Barbosa: Abílio de Oliveira Rocha (1886/1893) - amigo de Albino Barbosa, como o documenta um prato com dedicatória existente na Casa-Museu Teixeira Lopes, António de Oliveira Rocha (1886/1889), Feliciano de Oliveira Rocha (1891/1898), Ernesto de Oliveira Rocha (1891/1896), Alberto de Oliveira Rocha (1896/1900), e Antero de Oliveira Rocha (1898/1899). Alguns destes nomes viriam a estar ligados também à indústria cerâmica, noutras fábricas, que não a das Devesas. 33 Baseámo-nos no seu testamento (A.H.M.P.), cuja referência digital é a seguinte: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/10839/

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Conclusão

No Cemitério de Házsongárd, em Cluj-Napoca (Transilvânia, Roménia), encontrámos retratos

policromos sobre suporte cerâmico, de aspecto fotográfico e, embora não assinados nem datados,

sensivelmente da mesma época daqueles que foram executados por Albino Barbosa. Porém, estes

constituem uma excepção, por presumivelmente existirem somente no interior de uma das mais

elitistas construções tumulares do cemitério.34 Assim, julgamos oportuno fazer aqui um paralelismo

sobretudo com Filippo Severati (1819-1892) que, usando uma fórmula inventada pelo seu amigo

pintor, Paul Balze (1815-1884) e apresentada no Salon de Paris, em 1863; logo nesse ano decidiu

pintar um retrato de matriz fotográfica destinado ao Cemitério de Campo Verano, em Roma. Neste

caso, a aceitação viria a ser de tal ordem que, apenas no dito cemitério, existem cerca de 250 peças do

mesmo tipo, executadas por Severati ao longo dos anos que se seguiram, e praticamente até ao ano da

sua morte (Blasco, 2006: 427-448). Embora a técnica usada por Severati não fosse de sua invenção, o

uso massivo que lhe deu no principal cemitério de Roma, terá sido mérito seu. A técnica consistia na

cópia minuciosa de retratos fotográficos para placas pintadas policromamente “in ismalto su lava”,

geralmente ovais ou redondas. A técnica era bastante eficaz, como o comprova o excelente estado de

conservação da maior parte das peças. Filippo De Sanctis, seu discípulo, tentou copiá-lo, mas com

resultados bastante inferiores. Severati fazia questão de assinar as obras, mencionando o ano e a

técnica usada (Cardilli, 1995: 20-21). Tal como Albino Barbosa fez alguns anos depois, Severati

assinava geralmente acima de um dos ombros dos retratados. Ainda assim, não temos provas de que

Albino Barbosa conhecesse o trabalho de Severati. Por outro lado, a técnica usada por Albino Barbosa

era diferente.

Se, numa observação macroscópica, torna-se claro que os retratos de Severati são pintados, nos de

Albino Barbosa é menos evidente a fronteira entre a percepção da matriz fotográfica e o trabalho de

desenho e pintura.

Nalguns dos que supomos ser os primeiros retratos de Albino Barbosa para cemitérios, como os de

José Luís Novais e de sua mulher Francisca Albina Delgado (ambos de 1886 – fig. 4), embora seja

clara a matriz fotográfica, é bem visível um aturado trabalho manual. De forma menos evidente, a

intervenção manual do artista está claramente presente nos retratos de Arsénio (ou de António) de

Sousa (executado em 1886 – fig. 7), de Inocência Augusta Teixeira Guimarães (executado em 1886 –

fig. 5), e de Ermelinda Rosa de Almeida Costa (executado em 1889 – fig. 9). Numa primeira

observação ao retrato de Antónia Maria de Oliveira Rocha (executado em 1887 – fig. 8), a imagem

aparenta ser fotográfica. Porém, observando-se em detalhe, particularmente no rosto, tudo indica

tratar-se de um minucioso trabalho a pincel. Já no caso dos retratos do casal Ana Adelaide Mendes

Coelho (cuja data de execução parece ser 1889 – fig. 6, à esquerda) e Eduardo Coelho (executado

34 Referimo-nos aos nove retratos existentes no interior do grandioso mausoléu da família Bethlen, de autor não identificado, mas provavelmente discípulo de Miklós Barabás, um célebre pintor retratista húngaro do período romântico.

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possivelmente em 1890 – fig. 6, à direita), as imagens do rosto, mesmo ampliadas, aparentam ter uma

estrutura fotográfica, e apenas mostram ligeiros retoques a pincel nos cabelos, bigode e roupa. Estas

imagens de produção mais tardia por parte de Albino Barbosa, encontrando-se colocadas no exterior,

apresentam uma acentuada perda de pigmento nas sombras, tornando visível a base de porcelana,

aparentemente como resultado de um processo erosivo por exposição aos elementos.

Numa época em que, nas principais metrópoles, as técnicas de execução de retratos fotográficos sobre

porcelana estavam já razoavelmente difundidas, não é claro se estamos perante uma resistência do

artista plástico em usar uma técnica puramente fotográfica ou perante a falta de condições e domínio

técnico para a executar.35 Seja como for, o conjunto de retratos cemiteriais sobre porcelana com

matriz fotográfica executados por Albino Barbosa revela, na diversidade das suas características, uma

experimentação técnica e uma evolução aparentemente datada. Os retratos mais antigos evidenciam a

importância do trabalho de pincel e do desenho a crayon e, os mais recentes, apresentam

características que os aproximam das imagens puramente fotográficas. Provavelmente, mais do que

uma opção do cliente, estamos perante uma evolução técnica que parte do domínio das técnicas do

desenho e da pintura, próprias da sua formação académica, para o gosto e as práticas dominantes

aquando da introdução da técnica fotográfica nos retratos cemiteriais.

No presente estado da investigação, não dispomos ainda de informações seguras que nos permitam

esclarecer cabalmente a forma como estas imagens foram executadas. A matriz fotográfica é

indubitável, mas não é ainda claro se ela foi decalcada, projectada, ou mesmo transferida na emulsão

para o suporte de porcelana e totalmente coberta pelo trabalho de pintura. Nos textos estrangeiros

que conhecemos sobre esmaltes fotográficos e pintura sobre porcelana, publicados ainda antes do

período em que Albino Barbosa executou os retratos em análise, bem como em estudos mais recentes

sobre estas técnicas, não é referida nenhuma técnica fotográfica ou mista que resultasse em imagens

com estas características. Uma análise XRF (Espectrografia de Fluorescência de Raios X) de algumas

áreas das imagens, ajudaria certamente a esclarecer se, sob o trabalho de pintura e crayon existem

vestígios de sais de prata, carvão, ou pigmentos usados nos processos fotográficos sobre porcelana.

Estes trabalhos de Albino Barbosa, não podendo ser rigorosamente designados como retratos

fotográficos para cemitérios, são precursores da sua introdução em Portugal, no uso de uma matriz

fotográfica, traduzindo a evolução de um gosto que revela a aceitação do retrato fotográfico numa

área, até então, dominada pelo retrato escultórico. Não se trata, pois, de uma prática colectiva no

âmbito do retrato cemiterial português, mas de um caso singular, sem paralelos contemporâneos

conhecidos.

Por tudo o que acabámos de expor, levanta-se a possibilidade de Albino Barbosa ter pintado alguns

destes retratos para cemitérios graças a relações de amizade, de proximidade, profissionais, ou outras;

35 A invenção da técnica de impressão foto-cerâmica sobre porcelana, também designada por "fotografia vitrificada" ou "esmalte fotográfico" (não confundir com fotografia esmaltada, que é uma técnica de acabamento de impressão fotográfica sobre papel), nos anos cinquenta do século XIX, é atribuída a Lafon de Camarsac, em Application de l'héliographie aux arts céramiques, aux émaux, à la joaillerie et aux vitraux ou transformation des dessins photographiques en peintures vitrifiées, de 1855.

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e que nunca tenha sido seu objectivo sustentar-se com este tipo de trabalho. Para se poder tirar

conclusões seguras, será ainda necessário conhecer melhor o perfil de alguns dos retratados, e suas

famílias, além de uma biografia mais aprofundada de Albino Barbosa. De qualquer modo, podemos

desde já adiantar que Albino Barbosa quis generalizar esta técnica de retrato, visto ter sido feita

publicidade à mesma. Com efeito, em Janeiro de 1887, foi publicada em Braga a seguinte notícia:

Pintura – retratos O snr. José Vicente de Salles, morador na rua de S. Geraldo n.º 19, é agente n'esta cidade do snr. Albino Barbosa, que executa retratos esmaltados em porcelana, indeleveis e destinados a mausoleus e sepulturas. Estes retratos são copiados de boas photographias, desenhos, ou pinturas das pessoas que já não existem. É um genero de trabalho desconhecido ainda em Portugal; pódem vêr se algumas amostras em casa do snr. Antonio Luiz, pintor, na rua de S. Marcos.36

Note-se que José Vicente de Sales era um pintor, restaurador e fotógrafo que, vindo de Vila Nova de

Gaia, se estabeleceu em Braga. Note-se, ainda, que são muitos raros os anúncios à prática de

fotografia impressa sobre porcelana para fins cemiteriais, em Portugal. Além do supracitado anúncio

ao trabalho de Albino Barbosa, apenas temos conhecimento de que a firma de fotógrafos portuenses

Peixoto & Irmão, estabelecidos na Rua do Almada, n.º 294, nos seus cartões fotográficos de finais do

séc. XIX (s.d.), anunciou fazer impressões fotográficas sobre louça, vidro e porcelana, etc., não

mencionando se, entre estas últimas, se incluíam retratos para cemitérios. Por outro lado, em 1894, F.

Cruz, proprietário da "Photographia do Povo" e de um atelier de pintura na rua dos Cutileiros, n.º 10,

em Tavira, anunciou fazer coroas para jazigos, com ou sem retrato.37

No actual estado da investigação, não é ainda possível perceber qual a real influência de Albino

Barbosa no surgimento da fotografia nos cemitérios portugueses, e nos do Porto, em particular. Sob o

olhar actual, os retratos da sua autoria marcam uma viragem no modo como o retrato passou a estar

presente nos cemitérios portugueses, mas é aparentemente estranho que ele não tenha executado

mais obras do género. Aliás, apesar da publicidade, não encontrámos ainda em Braga qualquer retrato

em porcelana assinado por Albino Barbosa. Parece ter sido um pioneiro, com uma técnica nova, mas

que não colheu grande aceitação, apesar do requinte das peças.

Apenas no início do século XX, quase vinte anos depois das primeiras experiências de Albino

Barbosa, o retrato fotográfico começará a ser habitual em todos os principais cemitérios portugueses,

permitindo a uma certa classe média urbana mostrar a imagem da sua própria condição, uma vez que

não podia suportar os custos exorbitantes da execução de estátuas ou bustos dos defuntos, assim

como de mausoléus em cantaria finamente lavrada. Os retratos de matriz fotográfica demorarão a

generalizar-se nos cemitérios portugueses e, aqueles que cronologicamente se seguirão aos de Albino

Barbosa, deixarão de ser pintados e retocados com ornamentos (no caso dos retratos femininos), além

de que passarão a ter geralmente dimensões mais reduzidas.

36 O Commercio do Minho, ano VI, n.º 2072, Braga, 27 de Janeiro de 1887, p. 2. 37 A Sentinela, ano 3, n.º 16, Tavira, 25 de Novembro de 1894, p. 4.

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Contudo, uma técnica parecida de retrato, com peças de dimensão semelhante, ainda que

esteticamente muito diferentes, voltaria a surgir nos cemitérios portugueses cerca de trinta anos

depois, também de forma muito localizada, quer em termos geográficos, quer quanto ao tipo e

número de clientes que a solicitaram para colocação nos seus jazigos. Referimo-nos aos retratos de

finados que foram pintados na Fábrica de Louça de Sacavém, nas primeiras três décadas do século

XX, os quais estão também a ser alvo de estudo.

As poucas menções bibliográficas que existem a Albino Pinto Rodrigues Barbosa, apontam-no

meramente como colaborador da família Teixeira Lopes, ou do escultor Sousa Caldas, também ele da

mesma "escola" de escultores e estatuários de Gaia. Porém, Albino Barbosa não se limitou a gravitar

junto à Fábrica de Cerâmica das Devesas, aos Teixeira Lopes ou a santeiros de Gaia que requeriam os

seus serviços de encarnador de imagens. Os retratos que Albino Barbosa concebeu demonstram bem

como ele trouxe contributos inovadores, quer à fotografia, quer à pintura sobre suporte cerâmico.

Contudo, falta-nos ainda um inventário sistemático da sua obra.

Bibliografia

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FIG. 1. Albino Barbosa (retrato publicado em 1896, no periódico "Branco e negro").

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FIG. 2. Anúncio de Albino Barbosa, de 1908.

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FIG. 3. Albino Barbosa; retratos de Maria Margarida da Fonseca Oliveira, José António de Oliveira e

Joaquim António de Oliveira, respectivamente; cemitério de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia,

jazigo-capela n.º 20.

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FIG. 4. Albino Barbosa; retratos de José Luís Novais e de sua mulher Francisca Albina Delgado;

provenientes do cemitério de Agramonte, jazigo-capela n.º 142 da secção 19.

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Fig. 5 – Albino Barbosa; retrato de Inocência Augusta Teixeira Guimarães; cemitério de Agramonte,

jazigo-capela n.º 15 da secção 5.

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FIG. 6. Albino Barbosa; retratos do casal Eduardo Coelho e Ana Adelaide Mendes; cemitério de

Agramonte, jazigo n.º 397 da secção 10.

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FIG. 7. Albino Barbosa; retrato de Arsénio de Sousa, ou de António de Sousa; proveniente do

cemitério de Agramonte, jazigo n.º 835 da secção 15.

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FIG. 8. Albino Barbosa; retrato de Antónia Maria de Oliveira; cemitério de Agramonte, jazigo n.º

254 da secção 14.

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Fig. 9 e Fig. 10 – Albino Barbosa; frente e tardoz do retrato de Ermelinda Rosa de Almeida Costa;

proveniente do cemitério da Lapa, jazigo n.º 29 da divisão 2.