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18 Dinheiro 23/09/2015 FOTO: JAVA TARSIS, JOAO CASTELLANO / AG. ISTOE Entrevista| James Fishkin, professor da Universidade de Stanford propõe a orientar a população pela busca por soluções de pro- blemas estruturais, desde sanea- mento básico até benefícios tra- balhistas. Em recente visita ao Brasil, a convite do Instituto Atuação, de Curitiba, Fishkin avaliou o atual momento políti- co mundial e afirmou que, quan- to mais instruído o povo, mais forte estará a democracia. Confira, a seguir, sua entrevista: “Os políticos estão cada vez mais distantes das pessoas” Por André JANKAVSKI O americano James Fishkin, professor da Universidade de Stanford, é considerado um dos maiores defensores da democracia no campo acadêmico. Ele é o líder do Centro para Democracia Deliberativa de Stanford, uma entidade que já elaborou 70 projetos em 23 países e em diversas empresas. A organização se

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Page 1: “Os políticos estão cada vez mais distantes das pessoas”cdd.stanford.edu/mm/2015/02/entrevista-os-politicos.pdf · O magnata americano Donald Trump é o líder das intenções

18 Dinheiro 23/09/2015 FOTO: Java Tarsis, JOaO CasTELLaNO / aG. isTOE

Entrevista|James Fishkin, professor da Universidade de Stanford

propõe a orientar a população pela busca por soluções de pro-blemas estruturais, desde sanea-mento básico até benefícios tra-balhistas. Em recente visita ao Brasil, a convite do Instituto Atu ação, de Cu ritiba, Fishkin avaliou o atual momento políti-co mundial e afirmou que, quan-to mais instruído o povo, mais forte estará a democracia. Confira, a seguir, sua entrevista:

“Os políticos estão cada

vez mais distantes das

pessoas”Por André JANKAVSKI

O americano James Fishkin, professor da Universidade de Stanford, é considerado um dos maiores defensores da democracia no campo acadêmico. Ele é o líder do Centro para Democracia Deliberativa de Stanford, uma entidade que já elaborou 70 projetos em 23 países e em diversas empresas. A organização se

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“As redes sociais aumentam a participação

popular, mas há momentos em

que os discursos são muito

polarizados”

Manifestações de junho de 2013 foram popularizadas com a ajuda de redes sociais como Facebook e Twitter

sendo usadas para disseminar o medo e a intolerância. Com os últimos ataques terroristas em Paris e nos EUA, perce-bemos um aumento dos ataques aos refugiados na rede, onde até crianças foram ameaçadas. A mobilização que nós focamos é mais organizada e menos polarizada. Queremos que as pessoas debatam e não simplesmente concor-dem umas com as outras. Ao mesmo tempo, a internet nos ajuda com os pro-gramas de chamadas de voz e vídeo, que aproxima pessoas de diferentes regiões e barateia o processo.

DINHEIRO – A internet tem aumentado essa polarização?FISHKIN – Hoje, se alguém quer debater sobre políticas públicas ou, simples-mente, se manter mais informado, pro-cura falar com as pessoas que já conhe-ce. Pior: vai atrás daqueles que concor-dam com ele. Afinal, é mais fácil falar sobre a previsão do tempo com uma pessoa que discorda de você, do que fazer um debate sensato. A internet, em alguns momentos, estimula essa divi-são. As pessoas preferem ir aos portais com os quais elas se identificam em vez de buscarem entender o que o outro lado pensa. E o que acontece? Ninguém tem a menor ideia do que motiva e defende aquele que pensa diferente. Uns consi-deram os outros alienígenas e vice-ver-sa. Porém, em alguns momentos, eles

até em algumas das nações mais pobres da África. Pensávamos que na China não seria possível por conta do modelo políti-co do país, mas já realizamos diversos debates lá e foram muito bem acolhidos pela população e autoridades.

DINHEIRO – Quais foram os maiores êxitos?FISHKIN – Não existem maiores êxitos, mas bons exemplos do poder de transfor-mação. Uma intervenção no Japão, em 2011, exemplifica isso muito bem. Naquele ano, houve uma discussão a respeito da previdência japonesa. A maioria, cerca de 59%, defendia que ela deveria ser privati-zada, ligada a resultados financeiros, e os outros afirmavam que era assunto do governo. Depois dos debates, o percentual de apoiadores à iniciativa privada se inverteu e foi derrotada com 35% da pre-ferência. Os aposentados preferiram a segurança de receber o seu dinheiro todo o mês do que ficar à mercê de variáveis macroeconômicas que poderiam aumen-tar ou não os seus subsídios. Tudo isso foi muito bem discutido na época. DINHEIRO – Como as redes sociais podem ajudar nessa democratização?FISHKIN – As redes sociais podem aumen-tar a participação popular, mas há momentos em que os discursos são pola-rizados. Podemos acompanhar discus-são sobre direitos humanos, feminismo e afins, porém também vemos as redes

DINHEIRO – O senhor ajudou a desenvolver a democracia deliberativa, uma metodolo-gia que cria pequenos grupos para discutir problemas macroeconômicos. Como isso funciona?JAMES FISHKIN – Reunimos grupos ale-atórios de, mais ou menos, 300 pessoas. Dividimos os participantes de acordo com a proporção da região: mesma quantidade de ricos e pobres, negros e brancos, homens e mulheres. Fornecemos também materiais desenvolvidos com os mais diversos pontos de vista, tendo cui-dado para não exercer qualquer tipo de influência. Nesse ambiente, mediado por alguém que não dá qualquer opinião sobre o assunto, o tempo de fala para cada pessoa é igual, então um aprende com o outro. Na maioria das vezes, a classe média aprende com o pobre.

DINHEIRO – Mas isso funciona na prática ou vira uma discussão de classes? Os que tiveram mais acesso à educação não se sobressaem nos debates?FISHKIN – Funciona e é muito mais informativo. Os ricos pensam que sabem como o pobre vive, mas, na verdade, não fazem a mínima ideia do que é ser pobre. Por conta da informação e da televisão, os pobres sabem exatamente como a classe média e os ricos vivem. Então, muitas vezes, os que possuem curso superior não têm o conhecimento de como resolver o problema do outro, já que nunca viveram naquelas condições. Com a metodologia, conseguimos apro-ximar pessoas que nunca estariam jun-tas antes. As pessoas começam a ter mais contato com a realidade e passam a ter mais informações sobre o diferente, o desconhecido. Elas criam argumentos e enriquecem umas as outras. O povo consegue decidir por ele mesmo.

DINHEIRO – Essa metodologia pode ser aplicada em qualquer lugar?FISHKIN – Sim, menos em lugares que estão em conflito. Precisamos de espaços calmos para discussão, mas já aplicamos esse tipo de metodologia em países desen-volvidos como Japão e Estados Unidos

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públicos de educação, segurança e saúde funcionam, mas as pessoas não são livres para escolherem seus comandan-tes e nem de darem opiniões políticas. Em outros países, acontece o oposto. Então, é necessário encontrar um deno-

minador comum entre esses modelos políticos e que haja alguma convergência.

DINHEIRO – Em alguns países, como nos EUA e no Brasil, estão surgindo movimentos mais conservadores. Como o sr. analisa essa onda? Estamos mais conservadores do que antes?FISHKIN – Há uma diferen-ça entre democracia liberal e democracia. A liberal está preocupada em proteger os direitos individuais das pessoas. Ela segue a ten-dência da maioria, mesmo que essa maioria esteja reprimindo a minoria. Mussolini, Hitler e Napoleão faziam referen-dos, mas eles não eram democratas. O que está acontecendo nos Estados Unidos, com a liderança de Donald Trump no Partido Republicano, é algo que nem boa parte dos america-

nos está entendendo o que ocorre.

DINHEIRO – Como o senhor vê o processo de impeachment no Brasil? A pesquisa deli-berativa poderia auxiliar nesse caso?FISHKIN – Não acompanho de perto o caso, mas é visível que o governo está passando por dificuldades. Os escân-dalos, juntamente com as manifesta-ções e a economia em crise, o pressio-nam ainda mais. A pesquisa deliberati-va poderia trazer um cenário mais real para a discussão. Não abordaria somente a visão da oposição, mas pro-porcionaria um diálogo entre diferen-tes pontos de vista. Isso traria resulta-dos construtivos.

têm opiniões similares em diversos pon-tos, mas não ficam sabendo pela simples falta de conversa.

DINHEIRO – Mas por que esse problema não ocorre na democracia deliberativa?FISHKIN – As pessoas passam a ter a oportunidade de discutir com outras de diferentes pontos de vista. Elas pre-cisam ter acesso às melhores informa-ções possíveis, não a boatos ou falsidades. Quando você oferece isso, a população vai dis-cutir entre si e chegar a um acordo. E o melhor de tudo é que você conse-gue alcançar um resul-tado científico de toda aquela discussão. Então, de forma bem simples, é isso o que a democracia deliberativa faz. Deixa as pessoas debaterem e chegarem a uma solução por elas mesmas.

DINHEIRO – Esse modelo pode ser replicado em empresas?FISHKIN – Não só pode como já é. O modelo é usado dentro das empre-sas e para elas. Muitas companhias de energia elétrica, por exemplo, já consultaram a popula-ção nesses moldes para saber qual seria a melhor forma de produzir eletricidade. No Texas, depois da pesquisa deliberativa, o percentual de pessoas que aceitaram pagar mais pela energia eólica, menos poluente, passou de 50% a 85%. Além disso, a metodologia pode ser aplicada com os próprios funcionários a respeito dos erros cometidos pela empresa e até mesmo possíveis benefícios. Atuamos em algumas companhias, mas não posso citar os nomes.

DINHEIRO – Como o senhor enxerga o atual momento político mundial?FISHKIN – Os políticos estão cada vez mais distantes das pessoas. Se você olhar as taxas de aprovação dos legisladores

dos países democráticos ao redor do mundo, são muito baixas. A média é em torno de 11 e 12%.

DINHEIRO – Por que isso está ocorrendo?FISHKIN – Os representantes não estão

Entrevista| James Fishkin

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20 Dinheiro 23/12/2015 FOTO: Brian Snyder/reuTerS

FOTO:

”A liderança de Donald Trump é algo que nem boa parte dos americanos

está entendendo”

entregando as políticas que eles deveriam entregar para os seus eleitores. A elite política faz mais por ela do que pelo povo que representa. Isso pode ser visto no Japão, passando pela Europa e EUA, até chegar na América Latina, especialmente no Brasil. O problema é sistêmico.

DINHEIRO – O senhor enxerga uma solução para esse problema?FISHKIN – Eu acredito na democracia, mas não vejo uma solução em específico para servir como salvação. Existem várias formas da democracia e não há exemplo perfeito. A solução, então, pode vir da junção desses sistemas imperfei-tos. Cingapura, por exemplo, é um auto-ritarismo benevolente. Lá, os sistemas

O magnata americano Donald Trump é o líder das intenções de voto nas primárias republicanas, com 41% da preferência

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