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1 Os Perímetros Irrigados do Ceará: Os Grandes Projetos de Irrigação têm Impacto Sobre a Renda Local? Autoria: Paulo Araújo Pontes, Klinger Aragão RESUMO A irrigação no Nordeste tem sido incentivada por diversas políticas e instituições, principalmente do Nordeste, no intuito de modernizar a agricultura, aumentar a produção e, por fim, gerar renda em regiões economicamente estagnadas. No entanto, a prática da irrigação, exclusivamente, não é suficiente para promover um sistema sustentável aos agricultores, já que em muitos casos estes projetos dependem economicamente da tutela do Estado. Este estudo propõe realizar uma avaliação dos perímetros irrigados no Ceará, especificamente no que se refere aos impactos na renda do trabalho nas regiões que possuem perímetros irrigados. Optou-se por utilizar uma análise econométrica, com o objetivo de mensurar o efeito na renda dos trabalhadores do setor primário nos municípios que possuem perímetros irrigados e uma análise de correlação espacial da renda.

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Os Perímetros Irrigados do Ceará: Os Grandes Projetos de Irrigação têm Impacto Sobre a Renda Local?

 Autoria: Paulo Araújo Pontes, Klinger Aragão

 

RESUMO

 

A irrigação no Nordeste tem sido incentivada por diversas políticas e instituições, principalmente do Nordeste, no intuito de modernizar a agricultura, aumentar a produção e, por fim, gerar renda em regiões economicamente estagnadas. No entanto, a prática da irrigação, exclusivamente, não é suficiente para promover um sistema sustentável aos agricultores, já que em muitos casos estes projetos dependem economicamente da tutela do Estado. Este estudo propõe realizar uma avaliação dos perímetros irrigados no Ceará, especificamente no que se refere aos impactos na renda do trabalho nas regiões que possuem perímetros irrigados. Optou-se por utilizar uma análise econométrica, com o objetivo de mensurar o efeito na renda dos trabalhadores do setor primário nos municípios que possuem perímetros irrigados e uma análise de correlação espacial da renda.

 

1. INTRODUÇÃO

A região Nordeste do Brasil tem sido objeto de políticas e estratégias de desenvolvimento específicas em função de suas características edafoclimáticas, particularmente no que diz respeito às irregularidades climáticas que, com certa freqüência, comprometem a produção agrícola e, ainda, o abastecimento de água para consumo humano.

Para a vertente produtiva a irrigação apresenta-se como uma alternativa de redução de incertezas, permitindo uma produção programada, regular e, portanto, com menor grau de incertezas, o que permite maior geração de renda, emprego, produção e desenvolvimento, a partir de um nível tecnológico mais intensivo em capital e maior encadeamento com setores da economia formal. No entanto, o incentivo e a adoção desta tecnologia devem estar associados ao debate da sustentabilidade, em função de sua relação com importantes variáveis ambientais como a utilização de recursos naturais, especialmente água, além de sua potencial contribuição para a desertificação. Ou seja, a irrigação se apresenta como uma opção de incremento do nível de produção e renda, desde que observados os corretos preceitos técnicos e ambientais (SOUZA, 1994, apud Banco do Nordeste, 2001).

A prática da irrigação relaciona-se diretamente com avanços tecnológicos que visam a melhoria da produtividade, redução das incertezas climáticas e diversificação da produção. Porém, o processo produtivo somente se completa com a colocação do produto no mercado de acordo com os gostos e preferências do consumidor, representando, esta etapa, uma das principais fontes de risco da agricultura e causa comum de insucessos de muitos projetos de irrigação no Nordeste (ADIB, 1998).

A irrigação no Nordeste tem sido incentivada por diversas políticas e instituições no intuito de modernizar a agricultura, aumentar a produção e, por fim, gerar renda em regiões economicamente estagnadas. A partir do final do século XIX e início do século XX foi instituída a Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS que posteriormente se transformou em Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, criadas, já em 1948, a Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco – CHESF e a Comissão do Vale do São Francisco, que foi substituída pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Franciso – CODEVASF, além da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, em 1959. Tais instituições eram responsáveis pela execução da política de irrigação delineada com a instituição do Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário – GEIDA, com o Programa Plurianual de Irrigação, além do Programa de Integração Nacional, que financiou a primeira fase do Programa Nacional de Irrigação, seguidos pelos dois Planos Nacionais de Desenvolvimento, em 1972 e 1979, e entre esses dois o Programa de Desenvolvimento do Nordeste - POLONORDESTE, em 1974. Mais recentemente foi criado o Programa de Irrigação do Nordeste – PROINE, em 1986, e instituído o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada no Nordeste, em 1996. (BANCO MUNDIAL, 2004; SILVA, 2006; BRASIL, 2008)

No entanto, a prática da irrigação, exclusivamente, não é suficiente para promover um sistema sustentável aos agricultores, já que em muitos casos estes projetos dependem economicamente da tutela do Estado. A irrigação pública, segundo Brasil (2008), sempre teve forte suporte da esfera federal de governo com muitos projetos não tendo alcançado as metas estabelecidas e não apresentando condições de sustentabilidade.

 

O grande volume de inversões e os custos para operação e manutenção dos projetos de irrigação, frente aos resultados e impactos apresentados, contrapõem o potencial produtivo e os resultados projetados nos estudos de viabilidade desses projetos, suscitando questionamentos sobre a sustentabilidade e a eficiência dos perímetros como indutores de desenvolvimento regional. O desempenho de alguns projetos de irrigação, inclusive no Estado do Ceará, têm sugerido que os benefícios não estão ocorrendo na dimensão esperada, o que é sinalizado pelo endividamento dos produtores e baixa ocupação dos lotes.

Nesse sentido, Brasil (2008) afirma que mesmo dispondo de uma infra-estrutura de irrigação financiada com recursos públicos, em grande parte ociosa, os produtores não competitivos desses projetos exibem resultados insatisfatórios e ausência de retorno desses investimentos para a sociedade. Percebe-se, de acordo com Dourado et al (2006), que os usuários dos perímetros mostram preferência em permanecer indefinidamente assistidos pelo poder público, tendo assimilado vínculos de dependência e paternalismo. Segundo esses autores mesmo em perímetros com bom nível de administração e desenvolvimento agrícola a manutenção da infra-estrutura não vem acompanhando esse desenvolvimento, resultando em comprometimento das obras e equipamentos de irrigação de uso comum, dada a resistência dos produtores em assumir os investimentos necessários para reabilitação dos sistemas, o que, por sua vez, força a intervenção do poder público na condição de proprietário dessa infra-estrutura. Os governos, segundo Johnson (1997) apud Dourado et al (2006) têm se mostrado incapazes de cobrar as despesas efetuadas com operação e manutenção (OM) dos usuários dos perímetros.

Em parte, essa situação é entendida pela estrutura de custos fixos que praticamente não é alterada e independe dos níveis de ocupação e produção, fazendo com que a subutilização dos perímetros o tornem onerosos e, em alguns casos, inviáveis. Deve-se atentar, ainda, segundo Banco Mundial (2004), para a possibilidade de que as reais repercussões dos investimentos sejam encobertas por ineficiências na operação de mercados domésticos de produtos e fatores, associados aos sistemas de produção e comercialização dos bens e serviços.

As expectativas geradas no nível local e estadual pelos projetos de irrigação implantados, segundo Brasil (2008), faz com que haja uma transferência de responsabilidades entre os poderes públicos sem que nenhuma das esferas queira assumir o ônus político de interromper o fluxo de recursos para aqueles que se mostrem ineficientes.

Justificado pelo contexto apresentado, este estudo propõe realizar uma avaliação dos perímetros irrigados no Ceará, especificamente no que se refere aos impactos na renda do trabalho nas regiões beneficiadas com esse tipo de equipamento. Assim, optou-se por utilizar uma análise econométrica, com o objetivo de mensurar o efeito na renda dos trabalhadores do setor primário nos municípios que possuem perímetros irrigados e uma análise de correlação espacial da renda.

Os resultados sugerem que a implantação dos perímetros irrigados não gerou impactos na renda dos trabalhadores nos municípios analisados, nem contribuiu para promover o surgimento de forças que promovessem a formação de um cluster do tipo Alto-Alto.

 

Dessa forma esse artigo está organizado em cinco seções, sendo a primeira essa introdução. Na segunda seção é apresentado um breve histórico sobre a implantação de perímetros irrigados no Ceará. No terceiro tópico discorre-se sobre a metodologia e a base de dados empregada nesse ensaio e, na seção seguinte, apresentam-se os resultados encontrados. Por fim, no sexto tópico, são tecidos alguns comentários finais.

2. PERÍMETROS IRRIGADOS NO CEARÁ

Segundo dados do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS e da Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará, existem 14 perímetros irrigados federais e 16 estaduais, conforme pode ser vobservado na Tabela 1. Os perímetros federais somam 113.509,71 hectares (ha) sendo aproximadamente 56 mil ha de área de sequeiro e 52.821 de áreas irrigáveis.

Deve-se observar que os primeiros perímetros irrigados foram instalados ainda na década de 1970, sendo o mais antigo implantado no ano de 1970 no município de Tauá. Na década de 1970 os perímetros federais criados permitiram a irrigação de uma área superior a 20 mil hectares, perfazendo mais de 39% da área irrigável nesses perímetros

Observa-se, ainda na Tabela 1, que na década de 1980, houve o incremento de apenas 8,6 mil hectares de área irrigada e, na década de 1990, não foi intalado nenhum perímetro irrigado federal no Ceará. Isso pode ser uma consequência do fato das políticas de desenvolvimento regional terem sido relegadas a segundo plano, nesse período, dada a prioridade para as políticas de estabilidade monetária (MONTEIRO ET ALII, 1986).

Por fim, os dois maiores perímetros, em área irrigável, Baixo Acaraú e Tabuleiro de Russas, só iniciaram suas operações na década de 2000. Esses dois perímetros juntos correspondem a 44% da área irrigável dos perímetros irrigados federais. Assim, pode-se supor que nessa última década esse tipo de política voltou a ser utilizado como instrumento para a promoção do desenvolvimento regional.

 

TABELA 1: Perímetros Irrigados Federais no Ceará

Perímetro Irrigado Município Início

operação

Área desapropriada

(ha)

Área sequeiro (ha)

Área Irrigável

(ha)

Araras Norte Varjota e Reriutaba 1988 6.407,39 3.182,39 3.225,00

Ayres De Souza Sobral 1977 8.942,80 7.784,80 1.158,00

Baixo-Acaraú Acaraú, Bela Cruz, Marco 2001 9.612,72 - 8.335,00

Curu-Paraipaba Paraipaba 1975 12.347,00 4.347,00 8.000,00

Curu-Pentecoste Pentecoste e São Luiz do

Curu 1975 5.016,00 3.836,00 1.180,00

Ema Iracema 1973 352,03 310,03 42,00

Forquilha Forquilha 1979 3.327,13 3.066,13 261,00

Icó-Lima Campos Icó 1973 10.583,18 6.320,18 4.263,00

Jaguaribe-Apodi Limoeiro do Norte 1989 13.229,20 7.836,20 5.393,00

Jaguaruana Jaguaruana 1977 343,08 141,08 202,00

Morada Nova Morada Nova 1970 11.025,12 6.692,12 4.333,00

Quixabinha Mauriti 1972 530,35 237,35 293,00

Tabuleiros de Russas Russas, Limoeiro do

Norte e Morada Nova 2003 18.915,00 3.148,7 14.508,00

Várzea Do Boi Tauá 1975 12.878,71 12.248,71 630,00 Fonte: DNOCS, elaboração própria.

3. METODOLOGIA E DADOS

Para análise econométrica da implantação dos perímetros irrigados no Ceará optou-se pelo método conhecido como diferenças em diferenças, que consiste, basicamente, em mensurar o Efeito Médio do Tratamento (ATE) da adoção de um determinado programa ou política pública, ou seja, a influência média que uma determinada ação terá sobre a variável dependente de interesse. Esse efeito pode ser medido de acordo com a equação 1.

(1)

Dessa forma o ATE é dado pela diferença das médias do rendiment entre o momento inicial e final do indivíduo tratado menos a diferença do rendimento médio do indivíduo do grupo de controle nos dois momentos da análise. Deve-se considerar que a equação 1 é uma média incondicional, sendo possível condicionar essa média às características observáveis do indivíduo, como proposto na equação 2.

(2)

Dessa forma a equação que será estimada é a seguinte:

(3)

 

em que, Idade é a idade do trabalhador e DEi é um conjunto de variáveis dummies para o grau de instrução do indivíduo, em que menos de 8 anos de instrução e sem instrução é o grupo de referência. Nesse modelo o coeficiente de maior interesse será o α3, que mensura o efeito médio do tratamento, considerado, nesse artigo, como o incremento na renda do trabalho após a implantação do perímetro irrigado. Para maiores detalhes desse método ver Lee (2005).

Optou-se, ainda, por realizar o teste econométrico com a população ocupada apenas no setor primário, que, no censo de 2010, corresponde às divisões 1 e 2 da seção A da CNAE 2.0 e, no censo de 2000, corresponde as divisões 1 e 2 da seção A da CNAE 1.0. Adicionalmente testou-se para toda a PEA (População Economicamente Ativa) dos municípios selecionados.

Complementarmente ao método econométrico, descrito acima, optou-se por analisar se existe alguma correlação espacial na renda do setor primário nos municípios cearenses, utilizando-se do indicador local de correlação espacial (LISA), definido por Anselin (1995). Espera-se, com esse indicador, identificar se a renda no setor primário dos municípios analisados segue um padrão de autocorrelação do tipo High-High, ou seja, se o perímetro irrigado tem contribuído para a homogeneidade na renda do setor primário da região. O índice é calculado pela fórmula apresentada abaixo

(4)

sendo xi e xj a renda do trabalho no setor primário em relação aos desvios da média ( ). Os resultados serão apresentados em um mapa.

As bases de dados utilizadas foram os microdados dos censos demográficos de 2000 e 2010, sendo selecionadas as variáveis relacionadas à renda do trabalho principal, idade, grau de instrução e setor de atividade do indivíduo, conforme mencionado acima. Os municípios que serão analisados são aqueles cujo Perímetro de Irrigação foi instalado na década de 2000, sendo possível identificar dois perímetros nessa situação, que são os do Baixo Acaraú e o Tabuleiro de Russas. O primeiro perímetro está localizado nos municípios de Acaraú, Marco e Bela Cruz e o segundo nos municípios de Russas, Limoeiro do Norte e Morada Nova. Tendo em vista que, nos municípios de Limoeiro do Norte e Morada Nova já existiam perímetros irrigados instalados em anos anteriores eles foram excluídos da análise.

Como controle foram escolhidos municípios vizinhos àqueles pertencentes ao perímetro irrigado, seguindo a lógica que municípios vizinhos possuam características ambientais parecidas, ao passo que se fossem escolhidos municípios distantes as condições ambientais poderiam diferir daquelas observadas nos municípios com irrigação. Assim, para o perímetro do Baixo Acaraú foram escolhidos, para o grupo de comparação os municípios de Amontada, Itarema, Morrinhos, Santana do Acaraú e Senador Sá, já no perímetro de Tabuleiro de Russas foram escolhidos os municípios de Palhano e Quixeré. Na Figura 1 é possível observar a localização dos municípios selecionados, sendo destacado em negrito os municípios que estão nos perímetros em análise e em cinza os municípios de comparação.

 

Figura 1: Municípios com perímetros irrigados instalados na Década de 2000 e

municípios adjacentes Fonte: Elaboração própria

Dada a seleção dos municípios é possível constatar, pela inspeção da Tabela 2, que os municípios onde foram implantados perímetros irrigados possuíam renda média, entre os trabalhadores dos setores primários, no ano de 2000, muito próxima à verificada nos municípios de seu entorno. Já em 2010, os municípios com perímetro irrigado possuíam uma renda média ligeiramente superior à verificada nos municípios sem perímetro.

Relativamente à população observa-se que, em 2000, havia 1.014 pessoas trabalhando no setor primário dos municípios com irrigação e, em 2010, havia 1.638 pessoas. Constata-se, ainda, que nos municípios sem perímetro irrigado houve um incremento maior no número de pessoas trabalhando no setor primário, que saltou de 831 pessoas, em 2000, para 1.921, em 2010.

 

Tabela 2: Renda média e população ocupada no setor agrícola dos municípios selecionados (R$ de 2010)

Renda População Situação Município

2000 2010 2000 2010

Acaraú 146,80 216,60 284 543

Bela Cruz 122,62 152,18 259 434

Marco 163,36 324,20 128 158

Russas 163,48 436.83 343 503

Irrigados

Total 148,36 277,54 1.014 1.638

Amontada 289,58 163,00 75 313

Itarema 127,67 230,55 177 295

Morrinhos 100,73 281.88 109 220

Palhano 197,42 259,11 21 166

Quixeré 170,89 429,44 193 432

Santana do Acaraú 117,10 222,88 212 203

Senador Sá 106,94 137,87 44 292

Não Irrigados

Total 146,76 257,72 831 1.921Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010

Analisando-se em separado cada perímetro irrigado, ver Tabela 3, é possível constatar que a renda média dos trabalhadores do setor primário dos municípios com e sem irrigação, da Região do Baixo Acaraú, apresentam valores muito próximos, tanto em 2000 como em 2010. Assim, não é possível afirmar que a instalação do perímetro irrigado contribuiu para a elevação da renda local.

Tabela 3: Diferença de Renda dos trabalhadores do setor primário entre municípios com irrigação e sem irrigação no Baixo Acaraú (R$ de 2010)

Ano Não Irrigados Irrigados Diferença 137,48*** 140,62*** 3,14

2000 (20,26) (9,97) (22,03)

201,47*** 206,94*** 5,47 2010

(8,59) (10,33) (13,32) 63,99*** 66,32*** 2,33

Diferença (22,00) (14,36) (25,75)

Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010 Notas: Erros padrões entre parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Já no perímetro de Tabuleiro de Russas, vide Tabela 4, é possível observar que houve um maior crescimento da renda do município de Russas, entre 2000 e 2010, que foi beneficiado pelo perímetro irrigado, do que nos municípios de controle. Esse indicio sugere que a instalação do perímetro irrigado contribuiu para o incremento da renda do trabalho no setor primário desse município, entretanto são necessário testes adicionais para comprovar ou refutar essa hipótese.

 

Tabela 4: Diferença de Renda dos trabalhadores do setor primário entre municípios com irrigação e sem irrigação em Russas (R$ de 2010)

Ano Não Irrigados Irrigados Diferença

2000 173,49***

(14,27) 163,47***

(7,44) -10,01 (14,68)

2010 382,16***

(20,02) 436,82***

(20,06) 54,66** (28,55)

Diferença 208,67***

(24,58) 273,35***

(21,39) 64,68** (32,11)

Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010 Notas: Erros padrões entre parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Esses primeiros resultados são um indicativo de possíveis impactos na renda devidos à implantação do perímetro irrigado, principalmente no perímetro de Russas. A próxima secção destina-se a testar, com uso de instrumental econométrico, essa hipótese.

4. RESULTADOS

Analisando-se, em primeiro lugar, os resultados de correlação espacial do método LISA verifica-se, pela Figura 2, que não existe nenhum padrão de correlação espacial entre os municípios que possuem perímetros irrigados e aqueles selecionados para comparação, tanto em 2000 como em 2010. Essa mesma observação também é válida quando se considera apenas os municípios que possuem perímetros irrigados.

A única aglomeração do padrão alto-alto identificada, tanto no ano de 2000 como em 2010, ocorre na Região Metropolitana de Fortaleza. Já no ano de 2000 verifica-se um padrão do tipo baixo-baixo no município de Granja, próximo ao perímetro irrigado do Baixo Acaraú. No ano de 2010, não houve nenhuma aglomeração do tipo baixo-baixo.

Relativamente aos resultados das regressões, cujos resultados são apresentados na Tabela 5, observa-se, na Coluna 1, que para o perímetro irrigado do Baixo Acaraú, o coeficiente de interesse, referente a variável de interação (Ano*Tratamento) não apresenta valor significativo e, ainda com a inclusão das variáveis explicativas (Educação e Idade), resultados apresentados na Coluna 2, esse resultado não se altera. O fato do coeficiente não ser significativo indica que a população ocupada em atividades primárias, nos municípios do Baixo Acaraú beneficiados com perímetros irrigados, apresentou um incremento de renda similar aos municípios de controle. Assim, pode-se concluir que a implantação desse perímetro não contribuiu para o incremento da renda do trabalho nos setores primários. Essa conclusão se mantém quando se analisa toda a PEA, ver Colunas 3 e 4.

No perímetro irrigado do Município de Russas, Colunas 5 a 8, constata-se, também, que o coeficiente da variável de interação não foi estatisticamente diferente de zero, ou seja, assim como no Baixo Acaraú, o perímetro irrigado não contribuiu para o incremento da renda da população beneficiada.

De uma forma geral, as variáveis explicativas utilizadas apresentaram valores significativos e com sinais esperados em todos os testes econométricos, isto é, a renda aumenta com o incremento da experiência do indivíduo, dada pela idade, e com seu nível

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educacional. Além disso, pode-se afirmar que houve um incremento na renda do trabalho, entre os anos de 2000 e 2010, dados pelo coeficiente da variável Ano que é positivo e significativo.

2000 2010

Metodologia: LISA

Classificação Cor

Não significativo

Alto-Alto

Alto-Baixo

Baixo-Baixo

Baixo-Alto

Figura 2: LISA para a renda do setor primário dos municípios cearenses Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010

Um dos fatores que podem estar contribuindo para a não obtenção dos resultados esperados, quando é estabelecido o perímetro irrigado, é a baixa qualificação da população empregada nos setores selecionados que, dado que nos municípios com irrigação, 76% das pessoas ocupadas em atividades primária possuíam menos de 8 anos de instrução, em 2010, como pode ser verificado na Tabela 6. Deve-se ressaltar que nos municípios de controle esse percentual é um pouco inferior.

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Tabela 5: Diferenças em Diferenças da renda nos perímetros irrigados

Baixo Acaraú Russas

Somente Agrícolas PEA Somente agrícolas PEA Variáveis

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) 0,773*** 0,643*** 0,974*** 0,670*** 1,026*** 0,957*** 1,001*** 0,843***

Ano (0,0500) (0,0502) (0,0293) (0,0276) (0,0631) (0,0625) (0,0380) (0,0351) 0,0158 0,0248 -0,0113 -0,00126 0,0632 0,0606 0,230*** 0,206***

Tratamento (0,0552) (0,0537) (0,0323) (0,0294) (0,0685) (0,0670) (0,0380) (0,0348) -0,0559 -0,0391 -0,00547 0,0376 0,0326 0,0106 0,00357 -0,00988

Ano*Tratamento (0,0709) (0,0690) (0,0418) (0,0381) (0,0839) (0,0820) (0,0461) (0,0421)

0,0108*** 0,0152*** 0,00388*** 0,00929***Idade

(0,00113) (0,000705) (0,00145) (0,000765) 0,287*** 0,464*** 0,234*** 0,279*** De 8 a 10 anos de

estudos (0,0584) (0,0288) (0,0606) (0,0271) 0,716*** 0,895*** 0,441*** 0,560*** De 11 a 14 anos de

estudos (0,0734) (0,0277) (0,0712) (0,0240) 1,725*** 1,856*** 1,422*** 1,446***

Nível Superior (0,279) (0,0495) (0,234) (0,0476)

-0,547*** -0,950*** -0,329*** -0,963*** -0,330*** -0,500*** -0,146*** -0,584*** Constante

(0,0399) (0,0568) (0,0231) (0,0327) (0,0538) (0,0753) (0,0320) (0,0405) Observações 3.288 3.288 11.593 11.593 1.622 1.622 6.787 6.787 R-quadrado 0,120 0,169 0,158 0,303 0,282 0,316 0,248 0,372

Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010, elaboração própria. Notas: Erros padrões entre parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

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Tabela 6: Percentual de trabalhadores por nível de Educação (em %) 2000 2010

Nível Instrução Munícipios irrigados

Municípios controle

Munícipios irrigados

Municípios controle

Menos de 8 anos e sem instrução 89,6 88,2 76,0 73,9

De 8 a 10 anos de Educação 2,6 3,6 15,1 16,4

de 11 a 14 anos de Educação 1,5 0,9 8,2 9,4

Nível Superior 0,1 0,0 0,6 0,3 Fonte: IBGE, Censo 2000 e 2010, elaboração própria.

Dada essa baixa qualificação pode-se supor que os trabalhadores nos setores primários não estão habilitados a trabalhar com as novas tecnologias, decorrentes do uso da irrigação, o que, por consequência, limita a possibilidade deles se beneficiarem dessa técnica inovadora na Região. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que, adicionalmente aos investimentos nos sistemas de irrigação, são necessárias políticas públicas que promovam a melhoria na qualificação dos trabalhadores nas regiões beneficiadas a fim de incrementar a produtividade deles.

5. CONCLUSÃO A implementação de perímetros irrigados visando o desenvolvimento de determinadas regiões, em especial do Nordeste, tem sido avaliada sob a ótica da eficiência e efetividade. Alguns estudos apontam para o não alcance das metas estabelecidas e a inviabilidade de grande parte desses projetos. Os resultados obtidos nesse estudo de certa forma corroboram tais constatações, visto que os projetos de irrigação não foram capazes de gerar um padrão de correlação espacial positiva nos municípios dos perímetros irrigados analisados e seus municípios vizinhos, ou seja, a implantação de tais projetos não foram capazes de elevar o nível de renda do setor primário do município sede dos projetos e, menos ainda, causar externalidades em sua vizinhança. No entanto, percebe-se que no período anterior à implementação dos perímetros havia uma correlação alto-alto da renda do setor primário em alguns municípios da mesorregião do Jaguaribe que não se repetiu em 2010, quando se apresentou uma relação alto-alto nos municípios de Limoeiro do Norte e Tabuleiro do Norte, que pode estar associado ao perímetro já existente no município que se soma aos efeitos do perímetro irrigado implementado.

A renda do setor primário como também da população de forma geral não apresentou diferença significativa entre os municípios com e sem perímetro irrigado, o que reforça os estudos citados anteriormente que afirmam que esses projetos não têm alcançado seus objetivos. A constatação de que a inclusão da variável educação não altera o resultado remete ao fato de que o nível de escolaridade é similar e baixo em toda região, incluindo os municípios com e sem perímetro irrigado.

Esse ensaio reitera as conclusões de outros estudos de que a instalação de projetos de irrigação, isoladamente, não são suficientes para garantir desenvolvimento das regiões onde se instalam, devendo se considerar o nível de educação da população e o modelo desses projetos.

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6. BIBLIOGRAFIA

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