os “movimentos de cidadãos”: acção e activismo no contexto

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e-cadernos CES 04 | 2009 Representações sobre o aborto Os “Movimentos de Cidadãos”: acção e activismo no contexto do Referendo sobre a Despenalização do Aborto de 1998 André Pirralha Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/eces/243 DOI: 10.4000/eces.243 ISSN: 1647-0737 Editora Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Refêrencia eletrónica André Pirralha, « Os “Movimentos de Cidadãos”: acção e activismo no contexto do Referendo sobre a Despenalização do Aborto de 1998 », e-cadernos CES [Online], 04 | 2009, colocado online no dia 01 junho 2009, consultado a 04 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/eces/243 ; DOI : 10.4000/eces.243

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e-cadernos CES

04 | 2009

Representações sobre o aborto

Os “Movimentos de Cidadãos”: acção e activismono contexto do Referendo sobre a Despenalizaçãodo Aborto de 1998

André Pirralha

Edição electrónicaURL: http://journals.openedition.org/eces/243DOI: 10.4000/eces.243ISSN: 1647-0737

EditoraCentro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Refêrencia eletrónica André Pirralha, « Os “Movimentos de Cidadãos”: acção e activismo no contexto do Referendo sobre aDespenalização do Aborto de 1998 », e-cadernos CES [Online], 04 | 2009, colocado online no dia 01junho 2009, consultado a 04 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/eces/243 ; DOI :10.4000/eces.243

04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

177

OS “MOVIMENTOS DE CIDADÃOS”: ACÇÃO E ACTIVISMO NO CONTEXTO DO REFERENDO

SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO DE 1998

ANDRÉ PIRRALHA

DINÂMIA – CENTRO DE ESTUDOS SOBRE A MUDANÇA SOCIOECONÓMICA

Resumo: O debate sobre a despenalização do aborto é uma das questões mais contenciosas nas sociedades contemporâneas. Em Portugal, o referendo de 1998 foi um dos momentos críticos deste debate ao opor movimentos a favor e contra a despenalização do aborto, no contexto de uma consulta directa que pela primeira vez se realizou no país. Apesar dos principais partidos políticos não terem assumido uma posição oficial, um conjunto de movimentos independentes intervieram de forma bastante activa e tornaram-se os protagonistas da campanha de esclarecimento do referendo. Este artigo analisa a natureza e acção do conjunto destes movimentos, conhecidos como “Movimentos de Cidadãos”, ao nível das suas características, do seu protagonismo político e das suas motivações e relações com outros actores na arena pública. Palavras-Chave: Aborto, Referendos, Participação Política, «Movimentos de Cidadãos»

.

1. INTRODUÇÃO

A 28 de Junho de 1998, os portugueses foram pela primeira vez chamados às urnas para

votar num referendo. Mais de duas décadas depois do processo de consolidação

democrática, um dos mecanismos da chamada democracia directa foi, pela primeira vez,

utilizado para decidir uma das questões mais contenciosas das sociedades

contemporâneas: a despenalização do aborto. Desde o dia 25 de Abril de 1974 que a

questão do aborto vinha a ser discutida no espaço público, nas instituições políticas e nas

ruas, mobilizando opiniões tanto a favor como contra a despenalização. Embora depois

do ciclo de debates parlamentares decorridos no início dos anos 80, o problema tenha

estado ausente da actualidade política, uma nova série de discussões na Assembleia da

República, iniciada em 1997, voltou a trazer o debate entre defensores e opositores da

despenalização do aborto. No ano seguinte, um acordo político entre o líder do Partido

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

179

Por outro lado, a conflituosidade e polarização que a questão do aborto desperta

provoca tensões particularmente difíceis de resolver para os regimes democráticos

(Barreiros, 1998; Gutmann e Thompson, 1996). O debate sobre o aborto é extremamente

disputado e é algo muito próximo dos indivíduos, embora decorra num ambiente de

escassa informação nova (Jelen e Wilcox, 2003). Os movimentos que aqui abordamos,

apesar das inovações impostas pelo carácter particular do referendo, inscrevem-se no

conjunto de mobilizações que marcaram a discussão do aborto em Portugal nas últimas

décadas. Deste modo, a análise que se segue procura também avançar um contributo

para o estudo dos movimentos cívicos ligados ao debate sobre a despenalização do

aborto. Nas secções seguintes traçamos a evolução destes movimentos e a sua relação

com a emergência e actuação dos “Movimentos de Cidadãos”. Ao longo deste processo,

prestamos particular atenção às ligações intrínsecas entre o contexto político e a acção

destes movimentos, bem como às interacções que estabeleceram entre si. Este texto tem

por base a investigação desenvolvida para elaboração de uma dissertação de mestrado1,

alicerçada em análise documental, análise de imprensa e entrevistas a vários activistas

destes movimentos.

2. O PROCESSO POLÍTICO DA QUESTÃO DO ABORTO: 30 ANOS DE DEBATE SOBRE

DESPENALIZAÇÃO EM PORTUGAL

As origens do debate sobre a despenalização do aborto em Portugal remontam ao

período revolucionário do 25 de Abril de 1974. Então, alguns movimentos formados

durante o período de ebulição social pós-revolucionária ergueram a bandeira da

despenalização da interrupção voluntária da gravidez por oposição à lei vigente desde o

séc. XIX, que a considerava um crime punível com pena de prisão2. Não que antes o

problema do aborto fosse inexistente mas, até aí, o regime autoritário não permitia que se

abordassem temáticas relacionadas com questões sexuais e reprodutivas. No entanto, ao

contrário de Espanha e Itália, países que também conheceram regimes autoritários, a

legislação não foi alterada pela ditadura para corresponder a uma visão ideológica de

carácter fascista. Nesses casos, os regimes proibiram o aborto no seguimento das suas

políticas demográficas de aumento de mão-de-obra destinada a fins económicos e

militares. Na Itália, a lei considerava o aborto na secção dos crimes contra a

1 Com o título “Os “Movimentos de Cidadãos”: Organização e Activismo no Referendo do Aborto de 1998”, desenvolvida no âmbito II Curso de Mestrado em Política Comparada: Instituições e Cidadania, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob orientação de Pedro Magalhães. 2 Para seguir com detalhe a história dos movimentos pela despenalização do aborto em Portugal ver Manuela Tavares (2000, 2003). Pelo contrário, em relação aos movimentos que se posicionaram contra a despenalização, não se conhecem análises sistemáticas.

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

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que a questão do aborto esteve virtualmente ausente da actualidade política. Este tipo de

movimentos “single-issue”, isto é, exclusivamente dedicados ao tema da despenalização

do aborto (Staggenborg, 1991) definhou ao mesmo tempo que a sua principal

reivindicação esteve longe da opinião pública. Contudo, algumas organizações de

carácter mais permanente e de âmbito mais alargado, não abandonaram o tema e

continuaram a promover acções que visavam chamar a atenção da classe política e da

opinião pública para a exigência da despenalização. Neste sentido, uma das iniciativas

mais relevantes deu-se logo no início da década de 90, quando algumas mulheres foram

intimadas a realizar exames médico-legais a fim de determinar a prática do crime de

aborto (Tavares, 2003). A partir deste episódio, a Associação para o Planeamento da

Família (APF) criou um grupo de trabalho juntamente com a União de Mulheres

Alternativa e Resposta (UMAR) e a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ),

com o objectivo de voltar a debater o problema do aborto. Deste pequeno grupo, surgiu

uma plataforma mais alargada que ficou conhecida como MODAP - Movimento de

Opinião pela Despenalização do Aborto em Portugal, e ao qual vieram a aderir

numerosas organizações, na sua maioria movimentos de mulheres, sindicatos e alguns

sectores de partidos de esquerda (Tavares, 2003)3.

Este foi o primeiro movimento centrado no problema da despenalização do aborto

desde os debates parlamentares da década de 80. A sua principal reivindicação era o fim

do quadro repressivo da lei, propondo a indicação de aborto a pedido da mulher até ao

prazo de 12 semanas. Pouco tempo depois desta iniciativa, a APF levou a cabo a

realização de um inquérito aos hospitais portugueses com a intenção de apurar de que

modo o quadro legal sobre o aborto, instituído em 1984 (Lei nº 6/84), estava a ser

aplicado. Este estudo, subscrito pelo MODAP e apresentado em 1993, foi a primeira

tentativa de conhecer aprofundadamente a situação do aborto legal em Portugal. A partir

dos dados recolhidos, o relatório constatou que o aborto legal representava “uma parte

ínfima das Interrupções Voluntárias da Gravidez praticadas em Portugal, pelo que grande

maioria delas são feitas ilegalmente” (APF, 1993: 20). As razões para este panorama tão

desolador eram principalmente devidas à inexistência de recursos e serviços

especializados nos estabelecimentos de saúde e também à elevada incidência do

recurso à objecção de consciência por parte dos médicos (APF, 1993: 23). Estas

conclusões vieram fortalecer o argumento mais recorrente dos defensores da

3 Faziam parte desta plataforma as seguintes organizações: Associação ABRIL, Associação de Mulheres Socialistas, APF, Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Departamento de Mulheres do PS, Departamento de Mulheres da UDP, Comissão de Mulheres da CGTP, Comissão de Mulheres da UGT, Grupo Ser Mulher, MDM, Organização de Mulheres Comunistas, Sindicato dos Médicos do Sul e a UMAR.

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

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Portugal sentiram nesta altura, um dia em que a promessa de mudança foi

repentinamente afastada.” (Vilar, 1999).

2.2 OS MOVIMENTOS CONTRA A DESPENALIZAÇÃO

A história da emergência do movimento contrário a despenalização do aborto é, em

vários aspectos, diferente dos seus opositores. Ao contrário destes últimos que, como

vimos, surgiram no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 e se

mantiveram activos até à década de 90, o movimento contra a despenalização esteve

pouco presente na sociedade portuguesa até à ronda de debates parlamentares que

decorreu entre 1982 e 1984. Contudo, quando a ameaça da alteração da lei do aborto se

tornou eminente, deram-se imediatamente as primeiras mobilizações neste campo

activista. Durante a discussão parlamentar de 1982, a exigência da manutenção do

quadro penal repressivo sobre o aborto estava bem representada na Assembleia da

República pelos partidos mais à direita, o PSD e o Centro Democrático Social (CDS),

como aliás ficou patente nos debates parlamentares. No entanto, quando o contexto

político se alterou com a eleição de um Governo socialista dois anos depois, podemos

observar uma mobilização muito maior dos opositores à alteração da lei, particularmente

saliente na grande manifestação pela vida de 19846. Estas acções foram, em grande

medida, impulsionadas pela Igreja Católica, dada a inexistência de um movimento

organizado em torno da oposição à despenalização do aborto. A única excepção, e fruto

deste período de contestação, foi o MDV - Movimento de Defesa da Vida. Não obstante,

esta organização nunca se constituiu enquanto movimento “single-issue”, pautando a sua

intervenção através de um discurso abrangente que incluía várias questões ligadas aos

temas sexuais e reprodutivos.

Entre 1985 e 1995 não deu entrada na Assembleia da República qualquer projecto-

lei sobre o aborto e foi só com as eleições legislativas de 1995 que o contexto político

mudou radicalmente para aqueles que se opunham à despenalização. Apesar da questão

ter permanecido ausente da campanha eleitoral, à partida a maioria de esquerda no

Parlamento viabilizava a aprovação de qualquer proposta saída da área do PS. O PCP,

único partido com representação parlamentar que se referiu à situação do aborto em

Portugal no seu programa eleitoral (PCP, 1995), prestaria também o seu apoio a uma

solução que integrasse a despenalização até às 12 semanas de gravidez. Perante este

cenário, quando o PCP anunciou o seu projecto-lei de 1997, sendo pouco depois seguido

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

185

Como afirmou um activista deste movimento em entrevista, antes de tudo o mais, o JPV

foi a «expressão política na sociedade portuguesa daqueles a quem repugna o aborto».

Porém, o desafio para o JPV era enorme. Em primeiro lugar, a sua capacidade para

influenciar directamente o resultado da votação parlamentar era muito reduzida. Por outro

lado, o facto de ser um movimento recém-formado fazia com que a sua estrutura

organizativa fosse pouco desenvolvida e, sobretudo, com menos activistas face ao

movimento concorrente, há mais tempo organizado no terreno. No entanto, estas

debilidades organizativas foram ultrapassadas principalmente através da utilização de

tácticas inéditas a este tipo de movimentos, como o recurso directo e pago aos meios de

comunicação social. De facto, o que caracterizou este movimento nesta fase foi a

capacidade demonstrada em passar a sua mensagem à opinião pública, recorrendo

frequentemente à utilização de imagens da vida intra-uterina10. Esta estratégia de

penetração nos meios de comunicação social permitiu estabelecer-se como o opositor

mais reconhecido às propostas de despenalização do aborto que então se discutiam,

conquistando um espaço até ai vazio e que permitiu retirar vantagens em termos de

capacidade de mobilização.

Com a reprovação dos projectos-lei no debate parlamentar de 1997, e embora não

tenha tido uma influência directa na arena institucional, o JPV alcançou o seu principal

objectivo. Mas as imediatas reacções, quer do PCP quer da JS, de voltar a debater a

questão no ano seguinte, impulsionaram o JPV para um conjunto de transformações

organizativas que mudaram a natureza do movimento e permitiram manter os seus

apoiantes mobilizados. Após os debates parlamentares de 1997, o JPV transforma-se

numa associação legalizada de modo a responder à necessidade de manter viva a onda

de mobilização que tinham conseguido alcançar. Apesar da importância crítica das

organizações que apoiaram o movimento na sua génese, neste momento havia

condições para manter um movimento dedicado a combater a anunciada despenalização

do aborto.

Embora a noção de sucesso de um movimento seja tipicamente medida em termos

de reformas substantivas, é consensual que existem consequências da acção dos

movimentos que se estendem para além dos aspectos puramente políticos (Giugni,

1999). No caso do JPV, para além da onda de optimismo alcançada com a não

aprovação dos projectos-lei e a criação de um novo movimento, conseguiram ainda

10 De destacar alguns anúncios televisivos e a publicação em jornais diários de um anúncio com a fotografia de um feto e a mensagem "João, 12 semanas, acha mesmo legal matá-lo?", bem como o envio para todas as bancadas parlamentares de cópias do filme “The Silent Scream”, bastante utilizado pelos movimentos contra a despenalização do aborto nos Estados Unidos.

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

187

3. A EMERGÊNCIA DOS «MOVIMENTOS DE CIDADÃOS»

O dia 14 de Maio de 1998 foi a data limite para a formalização no Tribunal Constitucional

da intenção de participar na campanha de esclarecimento do referendo. Houve vários

grupos que tentaram recolher as cinco mil assinaturas exigidas pela lei orgânica para se

qualificarem enquanto grupos de cidadãos eleitores. No entanto, apenas sete

conseguiram a aprovação e consequente inscrição no quadro de participantes da

campanha, a saber: Movimento Sim pela Tolerância; Juntos Pela Vida; Vida Norte;

Aborto a pedido? Não!; e Plataforma Solidariedade e Vida. A grande maioria destes

movimentos teve origem nas organizações já presentes no debate sobre a

despenalização do aborto. Os requisitos formais exigidos para participar na campanha

retiraram alguma da espontaneidade verificada nas mobilizações ocorridas durante os

debates parlamentares. A recolha de assinaturas e de fundos, e o próprio planeamento

da campanha, fizeram com que, desde o início, se manifestasse a necessidade de uma

organização mínima que permitisse ultrapassar estas barreiras iniciais. De fora da

campanha de esclarecimento ficaram alguns movimentos cívicos pré-existentes,

essencialmente de inspiração católica, tais como o Movimento dos Estudantes Católicos,

a Juventude Operária Católica, o movimento Nós Somos Igreja e o Movimento

Internacional de Mulheres Cristãs (Freire e Baum, 2001).

Quanto aos partidos políticos, apenas o CDS-PP e o Partido Popular Monárquico

(PPM) - assumiram uma posição oficial pelo Não. O PS e o PSD optaram por não ter

nenhuma posição oficial e todos os restantes partidos parlamentares e extra-

parlamentares defenderam o Sim.

3.1 OS “MOVIMENTOS DE CIDADÃOS” PELO SIM

O primeiro movimento a assumir a intenção de participar na campanha de esclarecimento

foi o movimento “Sim pela Tolerância”, defensor do Sim. Logo no dia 2 de Março de

1998, pouco menos de um mês depois da convocação do referendo, em conferência de

imprensa, este recém-criado grupo afirmou a sua discordância com a realização da

consulta pública, embora não restasse outra alternativa que não fosse participar na

campanha15. Na formação deste novo movimento, duas personagens foram chave na

tentativa de unificar todo o campo activista favorável à despenalização do aborto: Helena

Roseta e Manuela Tavares. Logo após a votação parlamentar, os contactos entre estas

duas activistas estabeleceram a necessidade de construir um movimento unitário,

15 Público, 03/03/1998

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

189

um conjunto de infra-estruturas necessárias (...). Isto durou quase um mês e foi um

tempo muito difícil. (Entrevista a Manuela Tavares, 2006).

A participação do PS era fundamental não só pela importância no apelo ao voto da

sua base eleitoral, mas também na cedência de meios que se revelavam fundamentais

para levar a cabo uma campanha de âmbito nacional. Com a decisão do PS de não

tomar posição oficial, o “Sim pela Tolerância” ficou com a sua capacidade de mobilização

seriamente afectada. Apesar da participação empenhada da JS e de vários deputados, a

máquina eleitoral socialista acabou por ficar de fora da campanha do referendo, num

contexto onde todos os “Movimentos de Cidadãos” dependiam de meios próprios. Para

além disso, mesmo tendo sido o primeiro grupo a apresentar a intenção de participar na

campanha de esclarecimento, esteve durante muito tempo paralisado devido a

intermináveis plenários e discussões com todos os membros do movimento - por vezes

chegaram a ser mais de cem - sobre questões organizativas como os estatutos ou o

“Secretariado Executivo Nacional”17. Este último órgão tinha a função de coordenar todo

o movimento e a sua composição denota a tentativa de integrar as várias sensibilidades

políticas e organizativas dentro do movimento18. No entanto, a sua constituição veio dar

origem a um documento crítico, por parte de outros elementos do movimento, a uma

escassa semana antes do início da campanha, onde se criticava o peso excessivo de

militantes de partidos nesse órgão e o facto da cúpula ser “demasiado grande para poder

dirigir efectivamente a campanha”19. Este peso organizativo tornou o funcionamento

prático do movimento muito difícil e fez com que a sua campanha, efectivamente, só se

iniciasse um mês antes da data do referendo20. Para além destas questões organizativas,

surgiram conflitos sobre a linha estratégica que o movimento deveria assumir e sobre as

pessoas que deveriam estar na linha da frente, tal como Helena Pinto recordou:

Também havia questões de protagonismo pessoal porque as pessoas estavam

muito desconfiadas, se aparecia aquela pessoa ou outra. Havia divergências e por

isso saiu depois uma plataforma que era de compromisso, com uma linha

estratégica que também não era muito clara, mas foi o que foi possível conseguir.

Havia pessoas que não queriam que se falasse dos direitos das mulheres, que

17 Entrevista a Manuela Tavares, 2006. 18 O Secretariado Executivo Nacional era constituído pelos seguintes elementos: Miguel Portas, Francisco Louçã, Helena Roseta, António Galamba, Marcos Perestrelo, Ana Maria Mesquita, Gomes Mota, Manuela Tavares, Margarida Botelho, Maria José Alves, Luís Pedro Martins, Adelaide Pereira, Eduardo Maia Costa e Marques Perestrello. 19 Diário de Notícias, 05/06/1998 20 Entrevista a Duarte Vilar, 2006.

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

191

tornou-se necessário diferenciar este posicionamento do que estava a ser submetido a

consulta popular. Deste modo, poucos meses antes da votação, alguns membros do JPV,

em conjunto com outros activistas, decidiram dividir-se e formar a PSV, de forma a criar

uma alternativa a todos aqueles que apenas consideravam inadequada a despenalização

do aborto proposta no referendo. Um dos elementos fundadores do JPV e membro inicial

desta plataforma foi bastante claro quanto a esta intenção: “A ideia foi encontrar uma

base ideológica suficientemente ampla que respondesse àquilo que era perguntado no

Referendo. No Referendo não se perguntava se era a favor do aborto, perguntava-se se

era contra ou a favor da liberalização do Aborto.” (Entrevista a activista dos Movimentos

JPV e PSV).

Esta estratégia permitiu ter do seu lado vários nomes de partidos políticos e

personalidades que não se reviam nas posições do JPV, frequentemente adjectivadas de

radicais e que, mesmo assim, se posicionavam contra a despenalização do aborto. Ao

contrário do JPV, a única coisa que unia os seus elementos era a defesa da alternativa

Não na pergunta da consulta popular e, portanto, impedir “o aborto livre até às dez

semanas, a simples pedido da mãe”22. Esta estratégia permitiu agregar vários deputados

do PSD e do CDS-PP. No entanto, a colaboração com estes partidos não se ficou por

aqui, uma vez que, para além da participação do próprio líder do PSD nos tempos de

antena da PSV, ambos cederam parte do seu tempo de antena a este movimento, não

obstante a ausência de posição oficial por parte dos sociais-democratas. Tudo isto fez

com que a PSV se distinguisse por ser um movimento expressamente político, de âmbito

nacional, formado para participar na campanha do referendo, tal como outro activista

esclareceu: “Aparecendo uma forma de ter de lidar com este problema no campo político

era importante criarmos instrumentos políticos. A plataforma era simplesmente isso, (...)

um serviço prestado aos que estavam no terreno.”

O segundo movimento pelo Não com uma natureza nacional foi o próprio JPV. Para

além da intervenção directa na criação da PSV, este grupo reuniu as assinaturas

necessárias para ele próprio integrar a campanha de esclarecimento do referendo, num

prolongamento lógico da actuação que vinha a desenvolver desde a sua emergência. O

JPV continuava a defender os mesmos princípios que o tinham caracterizado durante o

período dos debates parlamentares, isto é, uma posição de princípio contra o aborto em

quaisquer circunstâncias. Na sua declaração de princípios lançada exclusivamente para o

referendo, defendia que a vida se iniciava na concepção e que a legislação então em

discussão visava fomentar

22 Declaração de princípios da Plataforma Solidariedade e Vida, 1998.

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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança

193

tipo de acções era revestido de um certo carácter festivo, o que marcou uma diferença

muito grande para com o tipo de campanha que o Sim desenvolveu27. Como observou

um activista do “Sim pela Tolerância”, a campanha pela despenalização acabou por ser

muito mais monótona devido ao próprio discurso que diferenciava as facções: “Fizemos

uma campanha cinzenta porque não se pode fazer uma campanha festiva para legalizar

o aborto. O Não festejava a vida. O Sim não tinha nada de festivo.”

Porém, é importante notar que a campanha dos movimentos do Não foi dirigida a

partir das conclusões de uma sondagem encomendada pelo JPV à Universidade

Católica, em Dezembro de 1997, com o objectivo de conhecer as “representações

subjectivas” sobre o aborto. Neste estudo, uma das conclusões mais relevantes e que

mais consubstanciou a campanha destes movimentos foi a influência que o contacto

visual com imagens de fetos tem nas atitudes dos indivíduos em relação ao aborto, onde

se concluiu que “as pessoas que já viram a imagem de um feto são menos favoráveis à

liberalização” (Braga da Cruz, 1998).

4. O PÓS-REFERENDO

A maioria dos movimentos que se formaram para participar na campanha do referendo

terminou no dia 28 de Junho de 1998 com a vitória do Não à despenalização. Contudo,

as consequências da mobilização dos movimentos que aqui abordámos não se sujeitam,

grosso modo, a este limite temporal. Muito pelo contrário, foi precisamente no período

pós-referendário que emergiram algumas das conclusões mais relevantes. Para além da

participação directa na definição da política pública sobre o aborto, a campanha do

referendo de 1998 apresentou-se como uma excelente oportunidade para os

“Movimentos de Cidadãos”, então criados, e para os movimentos pré-existentes que os

integravam, de fortalecer a sua base de apoio. A grande visibilidade que conseguiram

alcançar trouxe oportunidades de recrutar activistas, criar lideranças e estruturas

organizativas mais sólidas. Porém, os movimentos diferiram entre si na extensão em que

tiraram partido dessas possibilidades.

Do lado dos opositores à despenalização, a mobilização do referendo de 1998

provocou um aumento no número de associações e organizações de apoio social e à

maternidade um pouco por todo o país28. Dos quatro “Movimentos de Cidadãos”, apenas

27 A imprensa do período oficial de campanha é fértil em exemplos deste tipo. Iniciativas como concentrações em Fátima, gincanas de carrinhos de bebé, distribuição de flores e balões à porta de maternidades ou a organização de “cordões humanos” pela vida são constantes no relato sobre a campanha dos movimentos pelo Não. Esta caracterização contrasta com os mais “monótonos” relatos de debates, acções de esclarecimento e algumas distribuições de propaganda por parte do “Sim pela Tolerância”. 28 Expresso, 26/06/1999

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195

Já o movimento “Sim pela Tolerância” não encontrou razões para prolongar a sua

existência após o referendo e os seus activistas voltaram às organizações que o

constituíam. A sua natureza diversificada, congregando diferentes associações e

organizações com âmbito e objectivos diversos, impediu a evolução para um estatuto

mais permanente embora tenha criado laços de entendimento que foram perpetuados

pela revitalização da Plataforma Pelo Direito de Optar, que desempenhou um papel

bastante activo durante a sucessão de julgamentos de mulheres pelo crime de aborto nos

anos seguintes. No entanto, a outro nível, o movimento teve uma contribuição decisiva na

formação do Bloco de Esquerda, que resultou da coligação política entre três partidos

membros do “Sim pela Tolerância”. Este novo partido acabaria por ter grande importância

no restante trajecto que acabou por conduzir à despenalização do aborto no referendo de

2007.

5. CONCLUSÃO

Neste artigo procurou-se analisar a natureza e acção dos movimentos que se

organizaram para participar na campanha de esclarecimento do referendo de 1998 sobre

a despenalização do aborto. Se, em grande medida, o objectivo dos referendos é

aproximar os cidadãos dos mecanismos de decisão política, verificamos que a

intervenção dos cidadãos não se processa somente através do voto. Os referendos, em

particular durante o período de campanha, oferecem oportunidades de participação

política aos cidadãos, de forma individual ou constituídos em movimentos, que

dificilmente existiriam de outro modo. O caso do referendo de 1998 é ilustrativo da

vitalidade de uma sociedade civil que, apesar de frequentemente considerada apática,

demonstrou o desejo de participar mais na condução dos assuntos políticos, mesmo se a

participação eleitoral não tenha sido muito elevada. Convém, no entanto, referir que este

foi o primeiro referendo realizado em Portugal e, por conseguinte, todos os seus

intervenientes – partidos políticos, movimentos, eleitores – desconheciam por completo

as características e exigências específicas que este tipo de consulta popular impõe. Mas

mesmo se considerarmos efémera este súbito aumento de participação, o que fica da

nossa análise permite-nos afirmar que os referendos podem também ter efeitos

importantes na reconfiguração do espaço de confrontação política. Na história do debate

sobre a despenalização do aborto em Portugal, é muito visível a demarcação entre um

antes e depois do referendo de 1998. Estas diferenças tornam-se ainda mais óbvias ao

olharmos para o desenvolvimento dos dois campos activistas que se confrontaram. Neste

sentido, uma das linhas mais interessantes de investigação futura que retiramos deste

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