os moralistas

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL Disciplina: Análise Semiótica do Texto Verbal e Não Verbal Professora: Tatiana Farias Aluna: Mariana dos Santos Martins (matrícula: 201304072207) O objeto de análise que eu escolhi foi o conto “Os moralistas”, retirado do livro “As mentiras que os homens contam” e foi escrito pelo jornalista Luis Fernando Veríssimo, conhecido por suas crônicas e textos de humor. O livro apresenta diversos contos em que homens contam mentiras para suas esposas, namoradas ou amigos com todo tipo de intenção. A mentira faz parte do nosso cotidiano e mentimos por diversos motivos: seja para não magoar alguém, para não levarmos uma bronca, para convencer ou seduzir alguém. Em alguns casos podem ser realmente prejudiciais, com proporções trágicas. Algumas mentiras não mudam em nada nossas vidas, mas podem garantir o título de um time de futebol formado por amigos. O futebol que é motivo de orgulho para a maioria dos brasileiros. É sabido que o futebol é um esporte muito popular, é o mais popular de todos principalmente entre os homens. O futebol é jogado em todo lugar, por todas as classes sociais e sua fórmula de disputa e imprevisibilidade provoca grande atração pelo esporte. Porque o futebol é tão importante para os brasileiros? Por vários motivos: é o esporte mais popular e mais fácil de se praticar, pode ser jogado em qualquer lugar e só é necessário uma bola, o resto pode ser improvisado; está relacionado a diversão e a socialização, é comum ver

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Page 1: Os Moralistas

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

Disciplina: Análise Semiótica do Texto Verbal e Não Verbal

Professora: Tatiana Farias

Aluna: Mariana dos Santos Martins (matrícula: 201304072207)

O objeto de análise que eu escolhi foi o conto “Os moralistas”, retirado do livro “As

mentiras que os homens contam” e foi escrito pelo jornalista Luis Fernando Veríssimo,

conhecido por suas crônicas e textos de humor. O livro apresenta diversos contos em que

homens contam mentiras para suas esposas, namoradas ou amigos com todo tipo de intenção.

A mentira faz parte do nosso cotidiano e mentimos por diversos motivos: seja para não

magoar alguém, para não levarmos uma bronca, para convencer ou seduzir alguém. Em

alguns casos podem ser realmente prejudiciais, com proporções trágicas. Algumas mentiras

não mudam em nada nossas vidas, mas podem garantir o título de um time de futebol formado

por amigos. O futebol que é motivo de orgulho para a maioria dos brasileiros.

É sabido que o futebol é um esporte muito popular, é o mais popular de todos

principalmente entre os homens. O futebol é jogado em todo lugar, por todas as classes sociais

e sua fórmula de disputa e imprevisibilidade provoca grande atração pelo esporte. Porque o

futebol é tão importante para os brasileiros? Por vários motivos: é o esporte mais popular e

mais fácil de se praticar, pode ser jogado em qualquer lugar e só é necessário uma bola, o

resto pode ser improvisado; está relacionado a diversão e a socialização, é comum ver

agremiações de futebol se misturarem com as de carnaval; é a representação do nosso país, o

futebol brasileiro é conhecido em qualquer lugar do mundo e os brasileiros se identificam

com seus jogadores; e os brasileiros estão convictos de que são os melhores nesse esporte,

tornado-o mais popular e cativante.

Agora, tente imaginar o mundo sem mentiras, os políticos cumprindo suas promessas,

não haveria traição e nem segredos, todos falando o que realmente pensam. Seria perfeito,

mas também, surgiriam verdades inconvenientes, as pessoas simplesmente diriam o que

pensam de você, da sua roupa ou do seu cabelo, sem se importar se isso te magoaria ou não. A

mentira não é esse monstro que todos pintam, é necessária para a convivência em sociedade.

Precisamos das pequenas mentiras no nosso dia a dia para tornar a vida suportável. Se minha

mãe não tivesse mentido sobre vários alimentos, como por exemplo, dizendo que era frango,

quando na verdade era couve-flor, talvez, hoje eu apenas comeria frango. Provavelmente,

Page 2: Os Moralistas

naquela época essa era uma verdade que eu não estava pronta para encarar e tanto a vida dela

quanto a minha seriam um inferno. Omitimos uma verdade quando acreditamos que ela pode

causar mais problemas do que uma mentira. Como dizia a música “Mensagem” da Maria

Bethânia “quanta verdade tristonha ou mentira risonha uma carta nos traz”, na dúvida ela

rasgou a carta sem ler. E porque mentimos? Mentimos para conseguir coisas que de outra

forma não obteríamos. Mentimos para não sofrermos consequências de nossos atos. Mentimos

para manipular o comportamento do outro de forma que seja vantajoso para nós mesmos.

Mentimos para manter a harmonia da vida em sociedade. Como fizeram os amigos de Paulo

no conto “Os moralistas”.

Em “Os moralistas”, o personagem Paulo é goleiro do time de futebol formado por

amigos. Os times são definidos pelo estado civil de cada jogador entre solteiros e casados.

Paulo é integrante do time dos casados junto dos seus amigos e é considerado um bom

goleiro, importante para o time. Mas Paulo decidiu se divorciar da esposa, Margarida, e a

separação o impediria de continuar no time dos casados, dando a possibilidade de Paulo

integrar o time dos solteiros, o que poderia prejudicar o desempenho do time dos casados no

campeonato daquele verão. Os amigos de Paulo então decidem fazê-lo mudar de idéia,

desistindo do divórcio ou pelo menos adiar essa decisão até que os amigos pudessem escalar

outro goleiro. Apesar da satisfação de Paulo pela solidaridade dos amigos, ele não entende a

insistência dos amigos em convencê-lo a desistir do divórcio. Para fazer Paulo mudar de idéia

seus amigos usam argumentos moralistas e até mesmo concordando com atitudes tomadas

pela Margarida contra eles, como não permitir que os amigos frequentem a casa deles estando

alcoolizados. Questionam a sua relação com a sociedade, convencendo-o de que não seria

aceito socialmente e que o convívio em um ambiente familiar seria inadequado. Pois a

condição de divorciado poderia abalar o modelo de família tradicional dos demais amigos do

time, o que poderia causar algum tipo de trauma nos filhos dos amigos.

E é exatamente isso que os amigos de Paulo fazem pela integridade de uma paixão

nacional, pelo time de futebol, mentem porque é conveniente para eles, por benefício próprio.

Os amigos de Paulo não sabem até aonde essa mentira irá interferir na vida de Paulo, pode ser

que ele desita de se divorciar e continuar casado com a Margarida a vida toda. Mentem até

para eles mesmos argumentando convicções moralistas que eles na verdade não tem. O mais

importante é que o Paulo continue sendo o goleiro do time dos casados.

Page 3: Os Moralistas

OS MORALISTAS

Luis Fernando Veríssimo

— Você pensou bem no que vai fazer, Paulo?

— Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás.

— Olhe lá, hein, rapaz...

Paulo está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim que souberam

do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel. A solidariedade lhe faz bem. Mas

não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam que ele não se

acertava com a mulher.

— Pense um pouco mais, Paulo. Reflita. Essas decisões súbitas...

— Mas que súbitas? Estamos praticamente separados há um ano!

— Dê outra chance ao seu casamento, Paulo.

— A Margarida é uma ótima mulher.

— Espera um pouquinho. Você mesmo deixou de freqüentar nossa casa por causa da

Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e expulsou todo mundo.

— E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser expulsos.

— Outra coisa, Paulo. O divórcio. Sei lá.

— Eu não entendo mais nada. Você sempre defendeu o divórcio!

— É. Mas quando acontece com um amigo...

— Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa importantíssima. Acho

que a família merece qualquer sacrifício.

— Pense nas crianças, Paulo. No trauma.

— Mas nós não temos filhos!

— Nos filhos dos outros, então. No mau exemplo.

— Mas isto é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do mundo. Hoje, o

divórcio é uma coisa comum. Não vai mudar nada.

— Como, não muda nada?

— Muda tudo!

— Você não sabe o que está dizendo, Paulo! Muda tudo.

— Muda o quê?

Page 4: Os Moralistas

— Bom, pra começar, você não vai poder mais freqüentar as nossas casas.

— As mulheres não vão tolerar.

— Você se transformará num pária social, Paulo.

— O quê?!

— Fora de brincadeira. Um reprobo.

— Puxa. Eu nunca pensei que vocês...

— Pense bem, Paulo. Dê tempo ao tempo.

— Deixe pra decidir depois. Passado o verão.

— Reflita, Paulo. É uma decisão seriíssima. Deixe para mais tarde.

— Está bem. Se vocês insistem...

Na saída, os três amigos conversam:

— Será que ele se convenceu?

— Acho que sim. Pelo menos vai adiar.

— E no solteiros contra casados da praia, este ano, ainda teremos ele no gol.

— Também, a idéia dele. Largar o gol dos casados logo agora. Em cima da hora. Quando não

dava mais para arranjar substituto.

— Os casados nunca terão um goleiro como ele.

— Se insistirmos bastante, ele desiste definitivamente do divórcio.

— Vai agüentar a Margarida pelo resto da vida.

— Pelo time dos casados, qualquer sacrifício serve.

— Me diz uma coisa. Como divorciado, ele podia jogar no time dos solteiros?

— Podia.

— Impensável.

— É.

— Outra coisa.

— O quê?

— Não é reprobo. É réprobo. Acento no "e".

— Mas funcionou, não funcionou?

Texto extraído do livro "As Mentiras que os Homens Contam", Editora Objetiva - Rio de

Janeiro, 2000, pág. 41.