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Ana Paula Vilar Cruz OS EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS HIV/DOENTES DE AIDS ESTÃO AMPARADOS PELA GARANTIA DE EMPREGO NO BRASIL? Orientadora: Profª. Denise de Almeida Rio de Janeiro 2005 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

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Ana Paula Vilar Cruz

OS EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS

HIV/DOENTES DE AIDS ESTÃO AMPARADOS PELA

GARANTIA DE EMPREGO NO BRASIL?

Orientadora: Profª. Denise de Almeida

Rio de Janeiro

2005

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

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PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS

HIV/DOENTES DE AIDS ESTÃO AMPARADOS PELA

GARANTIA DE EMPREGO NO BRASIL?

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Direito do Trabalho.

AGRADECIMENTOS

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3

A Deus, pois sem sua proteção nada pode

ser feito;

Ao professor Maurício Pizarro, pela

importante ajuda e atenção;

À professora e orientadora Denise por sua

dedicação;

A todos os mestres desta Universidade

por terem contribuído para a minha

formação acadêmica e pessoal. Muito

obrigada.

DEDICATÓRIA

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4

Aos meus pais, por todo o apoio,

compreensão e amor oferecidos a mim

durante toda a minha vida;

Ao Otavio, meu namorado, por todos os

momentos que, com sua doçura, me deu

forças para superar minhas dificuldades e

tristezas;

Aos meus grandes amigos, por todos os

momentos de ternura;

À Anna, minha tia e melhor amiga, que

após 10 anos de saudades, permanece

viva em meu coração.

RESUMO

Sabe-se que a Aids é uma doença nefasta causada por um vírus

chamado de HIV o qual ataca e deprecia o sistema imunológico das pessoas

que, por infelicidade ou negligência, foram infectadas.

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Entretanto, apesar do número assustador de casos da doença não há

uma lei que regulamente ou resguarde os direitos de cunho trabalhista destas

pessoas, as quais se encontram em situação desfavorecida em relação às

outras saudáveis.

Em razão desta inexistência de lei específica no Brasil, a jurisprudência

e a doutrina divergem muito a respeito da possibilidade de concessão de

garantia no emprego ao empregado portador do vírus ou até mesmo ao doente

de AIDS.

Há quem entenda que não há que se falar em garantia de emprego ao

soropositivo e nem tão pouco ao doente de AIDS, eis que ao deferir-la, se

estaria ferindo o Princípio da Isonomia e o da legalidade. A segunda corrente

tem entendimento favorável à garantia de emprego aos portadores do vírus HIV

e aos doentes de AIDS quando há a prova de existência de discriminação e

preconceito contra os mesmos. Dentre estes, há alguns doutrinadores que

defendem a presunção da descriminação contra o soropositivo ou doente de

AIDS na dispensa imotivada por parte do empregador. Já a terceira corrente

entende a garantia no emprego como um benefício e direito somente daquele

no qual a AIDS já se manifestou.

Outra questão controversa estudada refere-se à exigência aos

empregados para que se submetam a exames anti-HIV, fato que, para uma

grande parte da doutrina, poderia resultar em dano moral na Justiça do

trabalho dado ao seu caráter meramente discriminatório.

Portanto, estas desgastantes discussões somente serão encerradas

quando houver no Brasil a redação de uma lei específica, a qual seja capaz de

assegurar claramente não só aos doentes de AIDS, mas também aos milhares

de portadores do vírus HIV os seus direitos trabalhistas.

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METODOLOGIA

Foram utilizadas, para a elaboração desta pesquisa, diversas fontes de

pesquisa, tais como: livros de doutrina na área do Direito do Trabalho, assim

como documentos expostos em sites jurídicos na internet. Esta monografia foi

elaborada de maneira teórica, não só por meio de consulta a livros doutrinários

clássicos e consagrados como também por meio de revistas de Direito do

Trabalho, publicadas mensalmente, e de análise de documentos como a Carta

Magna do Brasil, leis, Convenções Internacionais.

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Outra fonte de pesquisa muito importante para a feitura deste trabalho

foi o estudo de acórdãos, cedidos gentilmente pelo TRT 1ª Região e

apresentados no capítulo referente aos anexos, e da jurisprudência de diversos

Tribunais do Trabalho e do TST.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I

A AIDS E A SOCIEDADE – BREVES NOÇÕES 11

CAPÍTULO II

O PORTADOR DO VÍRUS HIV E O DOENTE DE AIDS 13

2.1 - Os direitos e garantias legais do doente 14 2.2 - A discriminação e seleção para o emprego 17

2.2.1 - O dano moral 24

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2.3 - Os exames médicos 27 CAPÍTULO III

A INTERRUPÇÃO E A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 32

CAPÍTULO IV

A GARANTIA DE EMPREGO E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 38

4.1 - A reintegração e a indenização 51

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 59

ÍNDICE 62

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

ANEXOS 64

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo oferecer um estudo mais aprofundado a

respeito da discriminação do portador do vírus HIV e do doente de AIDS em

sua relação de emprego, refletindo sobre qual seria o melhor e mais adequado

tratamento jurídico a ser conferido a essas pessoas.

A curiosidade de adquirir maiores conhecimentos a respeito da

situação jurídica trabalhista dos soropositivos e doentes de AIDS gerou a

escolha deste tema tão atual e interessante, porém consideravelmente

controvertido.

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O estudo deste tema é de extrema importância não só para o meio

acadêmico que diverge muito sobre o assunto, mas também para os milhares

de portadores do vírus e doentes os quais sofrem diariamente discriminações

não só no local aonde vivem como também em seus ambientes de trabalho

somente por portarem em seu organismo este nefasto vírus.

No entanto, a decisão quanto ao estudo deste tema não se deu apenas

pela relevância atual, mas também pela verificação da inexistência de lei

específica no Brasil que regulamente os direitos e deveres trabalhistas destes

empregados, os quais, devido a suas condições de saúde, se encontram em

posição de hiposuficiência em relação a outras pessoas saudáveis, as quais

estão plenamente aptas a concorrerem ao emprego que lhes convier.

Neste sentido, questiona-se se não seria necessária uma maior

proteção, de cunho trabalhista, a essas pessoas no que tange aos seus

empregos, os quais são capazes de garantir a sobrevivência de qualquer ser

humano.

Portanto, o empregado portador do vírus HIV ou o doente de AIDS teria

direito à garantia de emprego? Poder-se-ia realizar nos empregados exames

médicos admissionais ou de rotina cujo objetivo seja a detecção do vírus HIV?

Haveria a possibilidade de concessão de dano moral na Justiça do Trabalho

aos empregados que alegam despedia discriminatória? Estas são polêmicas

questões, as quais serão debatidas ao longo dessas páginas.

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CAPÍTULO I

A AIDS E A SOCIEDADE – BREVES NOÇÕES

A SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), também chamada

no Brasil de "Aids", sigla utilizada nos países de língua inglesa, é uma doença

causada por um vírus (HIV), que se transmite de diversas formas: através da

relação sexual com pessoas infectadas; através de transfusão de sangue,

estando este contaminado; através de seringas reutilizadas com sangue de

pessoas infectadas, entre outras possibilidades de contato entre o sangue do

indivíduo e o sangue contaminado.

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O vírus da Imunodeficiência Humana torna o sistema imunológico da

pessoa mais fraco, fazendo com que este não mais proteja o corpo humano da

maneira adequada contra vírus, bactérias e doenças. O HIV, descoberto em

1982, facilita, desta forma, o aparecimento de infecções e/ou neoplasias1, os

quais levam a pessoa a morte.

Apesar de, felizmente, terem sido descobertos vários medicamentos

que prolongam a manifestação desta doença e melhoram a condição de vida

de seus portadores, a Aids é ainda um dos males que mais assombra o mundo,

dada a sua inexistência de cura até o presente momento.

Os mais de 40 milhões de portadores deste nefasto vírus em todo o

mundo2 - dentre os quais 600.000 estão no Brasil3 - muitas vezes discriminados

por sua condição, precisam não só de atenção médica por meio de remédios e

consultas como também de um tratamento legislativo caracterizado pela edição

de leis específicas que resguardem seus direitos para que possam ter proteção

jurídica por meio do cumprimento e fiscalização legal.

O Brasil, de acordo com a OMS, é o quarto país em números absolutos

de casos de AIDS4. Este elevado número de pessoas contaminadas torna

absolutamente relevante a necessidade de proteção destes seres humanos,

contaminados em geral entre 20 e 40 anos de idade, frente à atitudes

discriminatórias

A verdade é que em pleno século XXI ainda se evidencia uma cultura

de preconceito acerca da AIDS, tornando as pessoas receosas quanto ao

convívio com portadores do HIV. Este receio se estende também às relações

de emprego, não só entre empregados e empregadores, mas como entre

1 BARROS, Alice Monteiro. A Aids no local de Trabalho. Um enfoque de Direito internacional e comparado. In: Revista do Direito do Trabalho nº 98. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2000. p.129 2Número de mortos e infectados por Aids no mundo bate recorde. Folha on line In: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u65953.shtml. Acesso: out. 2004 3Dados e pesquisas em DST e AIDS. Ministério da saúde. In http://www.aids.gov.br. Acesso: out.2004 4SANTIAGO, Mariana Ribeiro. A Aids e o direito fundamental ao Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho nº111 São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 147

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colegas, pois as pessoas contaminadas, em regra, estão em plena fase

produtiva.

A maioria da população brasileira sabe que em geral o trabalho ou,

melhor dizendo, o contato pessoal não traz risco de contaminação ou

transmissão da AIDS, mas, mesmo assim, não são poucas as situações de

discriminação ao empregado portador do vírus HIV e do doente de AIDS que,

muitas vezes, findam por acarretar uma despedida injusta.

CAPÍTULO II

O PORTADOR DO VÍRUS HIV E O DOENTE DE AIDS

Este capítulo tem por objetivo conceituar e diferenciar portador do vírus

HIV do doente de AIDS, pois podem receber tratamentos jurídicos distintos.

O portador do vírus HIV leva uma vida como a de qualquer indivíduo

normal, devendo, apenas, se prevenir para não contaminar outras pessoas,

além de tomar cuidados com sua própria saúde. Apenas o fato de um

empregado ser portador do HIV não retira sua aptidão para o trabalho, não o

torna prejudicado em termos de capacidade, não sofrendo a empresa com isso.

Para o juiz Marco Antônio Mendes5 o trabalhador portador do vírus da

AIDS, cuja doença ainda não se manifestou, pode também ser chamado de

5MENDES, Marco Antônio Miranda. Proteção Jurídica contra empregado com AIDS. In: Síntese Trabalhista nº142 Porto Alegre: Síntese, 2001.p.118

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soropositivo assintomático. Isto porque, de acordo com o Ministério da Saúde,

em média, a pessoa infectada pelo HIV demora entre 8 e 10 anos para

começar a desenvolver os sintomas de aids. Somente após este período de

manifestação da doença é que a mesma é notificada como um novo caso de

aids6.

Portanto, o doente de AIDS apresenta um quadro clínico diferenciado,

pois seus sintomas físicos como a perda de peso, de cabelo e a constante

fraqueza ocasionada por constantes e sucessivas doenças são mais facilmente

verificados. Logo, situação é mais evidenciada do que a do portador do HIV,

uma vez que, como a pessoa está em fase mais avançada da doença, seu

sistema imunológico não mais responde adequadamente.

Esta denominação utilizada pelo Ministério da Saúde também é

utilizada por diversos juízes. Por exemplo, é entendimento da juíza Rosa Maria

Zuccaro7:

“Aids. Doença já manifestada. Quando o empregado já não é

simplesmente um portador do vírus HIV, ou seja, quando a

doença denominada aids já se manifestou, a dispensa sem

justo motivo é vedada [...] (grifei)”

Portanto, o único termo que se deve evitar é aidético, pois algumas

pessoas acreditam ser este possuidor de cunho pejorativo, isto é, vexatório e

discriminatórios. Será usado neste trabalho o termo doente de AIDS para

aquele que já desenvolveu a doença e os termos portador do vírus HIV, do

vírus da AIDS ou soropositivo.

2.1 – Os direitos e garantias legais do empregado com AIDS

6Dados e pesquisas em DST e AIDS. Ministério da saúde. http://www.aids.gov.br. Acesso:out.2004 7MENDES, Marco Antônio Miranda, apud ZUCCARO Rosa Maria Proteção. Jurídica contra empregado com AIDS op. cit p. 119

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Todos os empregados urbanos e rurais têm seus direitos expostos no

art. 7º da CRFB/88 e ao longo da CLT. No entanto, novas situações – como a

discriminação do soropositivo – não amparadas por estes diplomas legais

surgem constantemente, advindo daí a necessidade de se modificar ou editar

novas leis.

No entanto, é um tanto difícil elencar os direitos do empregado com

AIDS atualmente pois, infelizmente, ainda não existe no ordenamento jurídico

trabalhista brasileiro uma proteção específica em relação à discriminação

destas pessoas em suas relações de emprego.

Exatamente nesse sentido Marco Antonio Mendes8 afirma que ainda

não existe um instrumento específico para proteção do soropositivo contra a

demissão imotivada, espécie que figura ainda como direito potestativo do

empregador. Além disso, essa carência de instrumentos protetivos tem

dificultado muito o trabalho dos operadores do direito.

Já no entendimento de Mariana Santiago, a inexistência de leis

específica não pode ser empecilho à feitura da justiça, como se lê abaixo:

“...Mas nem por isso o juiz pode abster de julgar, sob o

fundamento de que a função do Judiciário é julgar e não

legislar, nem tão pouco prejudicar o ofendido, deixando-o à

margem da proteção do direito. O juiz não pode se eximir do

dever de julgar diante da lacuna da lei (art.4 º da LICC e art.

126CPC)”9

O uso de convenções internacionais como a nº 111 da OIT, da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração da reunião

consultiva sobre AIDS e local de trabalho e de analogias feitas por meio de leis

8 MENDES, Marco Antônio Miranda. Jurídica contra empregado com AIDS op. cit. p. 118 9 SANTIAGO, Mariana Ribeiro. A Aids e o direito fundamental ao Trabalho op.cit p. 150

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como a nº 9.029/95 são ótimos recursos para amenizar essa lacuna deixada

pela Lei Trabalhista brasileira.

Logo, de acordo com esses institutos internacionais, em especial a

Convençãonº111 da OIT em seu art 1º, que será mais detalhadamente exposta

na próxima seção, o empregado soropositivo tem o direito de não ser

discriminado em seu local de trabalho. Assim também entende a Constituição

Federal do Brasil em seu art.3ºIV c/c art.5º caput, ao garantir que todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Quanto aos direitos de cunho trabalhista, os empregados soropositivos

para AIDS podem, de acordo com o art. 20 XIII da lei 8.036/90 sacar seu fundo

de garantia por tempo de serviço. Além disto, a Declaração da reunião

consultiva sobre AIDS e local de trabalho feita pela OIT e OMS em sua seção

V, A e a lei 9.029/95 art. 2, I, se aplicada analogicamente, proíbem a feitura de

exames médicos para detecção do vírus HIV, o qual sequer deve ser

comunicado ao empregador, conforme seção V,B,3 da Declaração citada.

Para Maria Helena Diniz10, no caso de violação da intimidade do

empregado, devido à comunicação de sua doença ao empregador ou devido à

feitura de exame cujo intuito é a detecção do vírus HIV, o empregado tem

direito à indenização por dano moral causado (CRFB/88, art. 5º, X), pagando o

empregador uma indenização pecuniária.

Ademais, terá o doente de AIDS, quando atestada sua enfermidade

pelo INSS, direito ao auxílio – saúde, por força do art. 131, II da CLT, mesmo

que esteja desempregado por período inferior a 12 meses, pois o seu direito

vigora imediatamente após a sua filiação ao INSS, não havendo necessidade

de se aguardar nenhum prazo.

De acordo com o Regime Geral de previdência Social, arts. 27 e 262, a

AIDS é uma das doenças para a qual não se exige carência, isto é, não há

10 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002,p.194 - 203

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necessidade de um número mínimo de contribuições mensais para fazer jus

aos benefícios como auxílio doença ou até aposentadoria por invalidez.

Conforme art. 203 IV e V da CRFB/88, o doente de AIDS tem direito à

assistência social, também independentemente de contribuição à seguridade

social, recebendo um salário mínimo de benefício mensal.

Tem também o direito de efetuar o levantamento do PIS /PASEP, de

acordo com a Lei 7670/88, operacionalizada pela Caixa Econômica Federal.

Logo, o soropositivo tem direito a trabalhar em qualquer atividade,

desde que a mesma não ofereça riscos de contaminação, não devendo de

forma alguma se dispensado em decorrência de sua doença, ato

discriminatório que pode resultar, se aplicada a lei 9.029/95 em seu art. 4º I e II,

em reintegração do empregado ou indenização em dobro relativa ao período de

afastamento.

2.2 – A discriminação e a seleção para o emprego

O art. 1º da Convenção n º 111 da OIT conceitua a discriminação

nas relações trabalhistas, nos seguintes termos:

"Discriminação é a distinção, exclusão ou preferência fundada

em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência

nacional, origem social ou outra distinção, exclusão ou

preferência especificada pelo Estado-Membro interessado,

qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha

por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de

tratamento no emprego ou profissão."

Para Elisa Malta e Vera Carlos, ambas procuradoras do Trabalho de

São Paulo, a discriminação é vista da seguinte maneira:

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“Discriminação é o nome que se dá para a conduta, ação ou

omissão de estabelecer diferenças que violam o direito das

pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais

como a ração, o sexo, a opção religiosa e outros.”11

Na verdade torna-se difícil qualquer tentativa de conceituação da

discriminação em virtude de ser algo muito abrangente, mas a doutrina e a

jurisprudência têm indicado limites à sua efetividade. A rigor, toda seleção de

pessoal é uma forma de discriminação, pois são escolhidos, sob critérios, em

parte subjetivos, novos profissionais. Mas se puder ser comprovado que entre

estes critérios estão aspectos que não sejam essenciais ao exercício adequado

da função, existirá discriminação conforme a lei, amparada por princípios

jurídicos tais como a razoabilidade e a proporcionalidade.

As causas da discriminação residem, muitas vezes, no puro e simples

preconceito: um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude

de uma característica sua, determinada externamente, e identificadora de um

grupo ou segmento mais amplo de indivíduos, como a cor, o sexo, a

nacionalidade, a riqueza, etc. Mas pode, também, derivar de outros fatores

relativos a um determinado caso concreto ou específico, como o caso de portar

uma doença incurável.

A eliminação e o combate a todas as formas de discriminação são

medidas fundamentais para que possa ser garantido o pleno exercício dos

direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, enfim para que se

possa assegurar o pleno exercício da cidadania, próprio dos regimes

democráticos de direito. Um país que deseja ser ou aparentemente é

democrático não pode conviver com a discriminação e o preconceito.

A Constituição Brasileira estabelece o art. 3o como um dos objetivos da

República Federativa do Brasil:

11 MALTA, Elisa Maria Brant de Carvalho et CARLOS, Vera Lucia. A discriminação do portador do vírus HIV/ AIDS no emprego e seu direito à reintegração. In: Revista do Direito do Trabalho nº104 – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001 p.78

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"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação";

no art. 5o, incisos XLI e XLII, promete punir "qualquer

discriminação atentatória dos direitos e liberdades

fundamentais".

Visando coibir as várias espécies de discriminação nas relações de

trabalho, foi aprovada pela OIT a já citada anteriormente Convenção 111, na

42a reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra - 1958), que

entrou em vigor em 15.06.60.

Conforme entendimento dessa Convenção expresso no art.1º, par. 1º,

a, a discriminação deve ser vedada também no acesso à formação profissional,

na admissão no emprego e nas condições de trabalho, sendo ressalvadas as

exclusões ou preferências baseadas nas qualificações exigidas para um

emprego determinado.

Logo, a igualdade de tratamento e, conseqüentemente, a não -

discriminação devem ser os princípios basilares da seleção para o emprego.

Deve-se visar à escolha do candidato apto ao exercício das atividades levando

em consideração apenas critérios técnicos de avaliação. Não há de se conferir

relevância, portanto, em caracteres subjetivos do candidato, se estes não

tiverem relação com a função a ser desempenhada.

Entretanto, não é isso que ocorre em muitas ocasiões. A descoberta da

Síndrome pelo empregador de algum de seus empregados, provoca um súbito

sintoma de preconceito, de repulsa, dada a possibilidade de convivência com

um soropositivo no local de trabalho. Na maioria das vezes, ocorrem atos

discriminatórios e despedidas arbitrárias por se entender que o empregado

soropositivo é nada mais do que uma mácula no quadro funcional.

Essa discriminação constante, escondida por detrás do poder diretivo

do empregador, sofrida por empregados portadores do HIV ou doentes de

AIDS é bem explicitada por Sérgio Torres Teixeira o qual afirma que:

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“Dentro do âmbito das relações de trabalho, que se encontra

uma das mais ricas fontes de discriminação. Em virtude da

liberdade desfrutada pelo empregador no exercício de seu

poder diretivo empresarial, o respectivo terreno se torna fértil

para o surgimento de casos de práticas discriminatórias”.12

Além da Convenção nº 111, há também a nº 158 de 1982 que trata de

um dos principais temas da OIT: a dispensa de empregado. Este texto contém

normas gerais que são destinadas a proteger o trabalhador contra as

dispensas imotivadas, contra o uso arbitrário do poder de despedir pelo

empregador, e possui diversos signatários no mundo.

Esta mesma convenção em seu art. 6º explica que nem as ausências

temporárias do empregado ao serviço, provocadas pelas enfermidades

advindas do HIV, autorizam a dispensa com causa justificada. Ademais, o

artigo 10 dá preferência à anulação da despedida e à readmissão, como meios

de reparação da terminação injustificada.

O direito ao trabalho no Brasil é, sem dúvida, parte do que se chamou

de Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988. Este é o entendimento

advindo da interpretação dos capítulos referentes ao tema. Os direitos sociais

previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, as quais têm por

principais características a imperatividade e a inviolabilidade em relação à

vontade das partes contraentes da relação trabalhista.

O artigo 6º da CRFB/88 define o trabalho como direito social, mas nem

este nem o art. 7º trazem uma norma expressa conferindo o direito ao trabalho.

Este advém do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho (art. 1º,

IV, 170 e 193 da CF), que reconhecem o direito social ao trabalho como

condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois,

da dignidade da pessoa humana, fundamento, também da República

Federativa do Brasil (art. 1º, III da CF). Logo, se juntam o direito individual ao

livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao

12 TEIXEIRA. Sérgio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: LTR, 1998 p.373

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trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e

formação profissional, à livre escolha do trabalho, assim como à relação de

emprego (art. 7º, I) e o seguro-desemprego, que visam, entre outros, à

melhoria das condições sociais dos trabalhadores.

Aprovada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é

um dos mais importantes documentos já propostos em função de proteção dos

direitos dos seres humanos enquanto homens livres, racionais e sociáveis. Em

seus artigos, encontram-se espelhadas referências de proteção à intimidade e

ao trabalho, fazendo este parte da dignidade humana.

O art. XXIII, desta Declaração Internacional, assegura que "todo o

homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, à condições justas

e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego".

Em decorrência deste direito à condições justas de trabalho e à

proteção contra o desemprego e a pobreza, por conseqüência, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), através da chamada Declaração de Consenso

em sua seção V, A, definiu que a detecção do HIV não deve ser exigida, em

hipótese alguma, para pessoas que solicitam emprego. Isto quer dizer que o

trabalhador não está obrigado a informar ao empregador sobre sua situação

relativa ao HIV e que a infecção por si só não significa limitação para o

trabalho, não configurando a contaminação motivo para demissão.

No entanto, no Brasil, essa dignidade do homem, apregoada nestas

duas declarações citadas acima, vem sendo brutalmente afetada por atitudes

preconceituosas contra os soropositivos. Se todas as leis e convenções

internacionais fossem realmente seguidas, todos os homens deveriam sentir-se

realmente integrados na sociedade em que vivem, sem sofrerem

discriminações de qualquer ordem.

A verdade é que a lei deve ser instrumento regulador da vida social,

que necessita tratar igualmente todos os cidadãos e não ser uma fonte de

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21

privilégios ou perseguições, sendo este o conteúdo absorvido pelo princípio da

isonomia e utilizado pelos textos constitucionais normativos vigentes.

Um instrumento importante que tem sido capaz de regular a vida social

dos portadores do vírus HIV e doentes de AIDS é a Lei nº 9.029/95, a qual

abrange primeiramente as gestantes, em caso especial de relação de emprego

rescindida por ato discriminatório por parte do empregador, ante a gravidez de

empregada, ou candidata ao emprego. Este diploma legal vem sendo usado

analogicamente contra as mais variadas discriminações sofridas no emprego,

não se restringindo, portanto, à apenas aquelas sofridas pelas empregadas

gestantes.

No Brasil, embora ainda não existam leis específicas sobre a AIDS e a

discriminação no âmbito laboral, há ferramentas legais utilizadas por alguns

juizes de forma eficaz contra a discriminação do trabalhador doente ou

infectado. Sendo assim, tendo em vista o cunho protetivo do Direito do

Trabalho ao hiposuficiente, empregado, contra quaisquer tentativas de abuso

por parte do empregador, alguns juristas vêm aplicando métodos de

hermenêutica a esta lei tanto na admissão de portadores de vírus da AIDS,

quanto durante o contrato de trabalho, e por ocasião da rescisão. Eis o artigo

1º da lei 9.029/95:

“Artigo 1º - Fica proibida a adoção de qualquer prática

discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de

emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem,

raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas,

neste caso, as hipóteses de proteção ao previsto no inciso

XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal”.

Não só esta Lei nº 9.029/95 funciona como base para aplicações

referentes à analogia e aos demais itens de interpretação da norma jurídica,

como também a Lei nº 7.670/88 que versa sobre concessão de licença para

tratamento de saúde. Vejamos o entendimento de decisão expedida pelo

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:

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“A Lei Federal n. º 7670/88 estende aos portadores da doença

(AIDS) a concessão de licença para tratamento de saúde nos

termos da Lei n. º 1711 (arts. 104 e 105), então vigente,

aplicável aos funcionários públicos. Interpretação com

supedâneo no art. 8º da CLT que faculta ao julgador valer-se,

para razões de decidir, dos princípios da equidade e da

analogia”.(TRT 2ª T, RO 02900168036).

Tendo em vista todos os fatos e disposições explicados neste capítulo,

faz-se necessário garantir tanto ao doente de SIDA quanto ao portador do HIV

a não discriminação em sua atividade laboral, quer no ingresso na empresa,

quer na sua dispensa. Agir conforme os preceitos constitucionais e convenções

internacionais representa a preservação digna da vida de qualquer ser

humano, seja ele doente ou saudável.

Além disso, de acordo com o art. 32 da Lei 7.853/89 cabe às entidades

sindicais e ao Ministério Público do Trabalho ajuizar as ações judiciais para

exigir o cumprimento das normas de proteção contra as práticas

discriminatórias ao trabalhador deficiente, isto é, doente, pois este deve ser

protegido contra toda exploração e todo tratamento discriminatório, abusivo ou

degradante.

É importante salientar que qualquer interessado discriminado pode

ofertar denúncia ao Ministério Público do Trabalho, por meio de suas

Procuradorias Regionais, o qual poderá negociar administrativamente,

diretamente com o empregador no sentido de corrigir as situações que

infringem as normas antidiscriminatórias ou, caso não obtendo resultado

satisfatório, poderá ajuizar ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho.

2.2.1- O dano moral

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De acordo com Mauro César de Souza, ex-juiz do TRT 15ª Região

dano moral pode ser conceituado da seguinte forma:

“Dano moral é aquele de natureza não material que atinge a

personalidade, a esfera íntima, afetiva e valorativa do lesado

(ou herdeiros sucessores), abalando o sentimento e

ocasionando dor emocional, saudade, depressão, mágoa,

tristeza, angústia, sofrimento – pretium doloris, preço da dor”.13

Para Cahali14 o dano moral deve ser classificado como tudo aquilo que

molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores

fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade

em que está integrado.

Portanto, o dano moral é aquele que ataca ferozmente o que a pessoa

tem de mais importante, a sua moral, a sua dignidade. A Própria CRFB/88 em

seu art.5º, X resguarda o seguinte:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Essa alternatividade de dano material ou moral prevista no art. citado a

cima causava grande polêmica até o STJ editar a súmula 37, a qual permite a

cumulação de danos morais e materiais desde que provenientes do mesmo

fato, pois cada uma das indenizações tem pressupostos próprios. A

indenização por dano moral é um instrumento de coibição de práticas

discriminatórias, servindo para educar os homens a respeitarem-se.

No entanto, há divergências no que concerne ao rol Constitucional do

art. 5º, X ser exaustivo ou não. Para Ives Gandra filho15 o dano moral deve ser

aquele descrito na Constituição, sito é, apenas contra a honra, imagem e

13 SOUZA, Mauro César Martins. Dano moral no Direito do Trabalho Brasileiro e a AIDS (HIV).In: Justiça do trabalho nº 231 Rio Grande do Sul:HS Editora LTDA, 2003.p, 15 14 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998, p.20

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intimidade da pessoa. De acordo com seu entendimento viola a CRFB/88

conceder dano moral decorrente de sofrimento psicológico.

Já o posicionamento do STJ16 é de que a indenização por dano moral

objetiva atenuar o sofrimento, físico ou psicológico, decorrente de ato danoso,

que atinge aspectos íntimos e sociais da personalidade humana, sendo

equivocada a posição que considera exaustivo ao art.5º, X da CRFB/88.

Portanto, havendo sofrimento psicológico do empregado tanto em

virtude de infecção pelo vírus da AIDS por culpa do empregador quanto devido

à discriminação por portar o vírus ou, pode o empregado pleitear danos morais.

Outra hipótese para a concessão da indenização ocorre pela ofensa à

intimidade do empregado, isto é, o empregador que requisita exames com a

finalidade de identificar o vírus da AIDS e/ou divulga a doença, quebrando seu

dever de sigilo sujeita-se à reparação por danos morais17.

Eis alguns entendimentos jurisprudenciais acerca da admissibilidade de

indenização por danos morais:

“Comprovada a discriminação ao trabalhador portador do vírus

da imunodeficiência humana (HIV), aplicam-se os preceitos da

Lei nº 9.029/95, com a sua readmissão e o reconhecimento de

dano moral” (TRT 12ª R, RO 10.159/1999, Ac 00428/2001 da

1ªT, Rel. juiz C. A. Godoy. Julgado em 18.12.2000)grifei.

“O empregador responde pela indenização do dano moral

causado ao empregado, porquanto a honra e a imagem de

qualquer pessoa são invioláveis (art. 5º, X CRFB/88). Esta

disposição assume maior relevo no âmbito do contrato laboral,

porque o empregado depende de sua força de trabalho para

15SOUZA, Mauro César Martins apud MARTINS, Ives Gandra. Dano moral no Direito do Trabalho Brasileiro e a AIDS (HIV). op.cit. p. 17 16SOUZA, Mauro César Martins apud STJ. Dano moral no Direito do Trabalho Brasileiro e a AIDS (HIV) op. cit.p.17 17MENDES, Marco Antonio Miranda. Proteção Jurídica contra a discriminação do empregado com AIDS. op. cit. p..123

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sobreviver... A dor moral deixa feridas abertas e latentes que

só o tempo, com vagar, cuida de cicatrizar, mesmo assim, sem

apagar o registro.”(TRT 3ª R, RO 03608/94, Ac. Da 2ª T, Rel.

Juiz Sebastião Oliveira. In síntese Trabalhista 64/78).grifei

Portanto, de acordo com os entendimentos trazidos por meio das

jurisprudências citadas acima, é perfeitamente cabível o pedido de danos morais se

tiver ocorrido dispensa em decorrência de discriminação em virtude do empregado

portar o vírus ou já estar doente de AIDS ou de tratamento vexatório ou humilhante

contra os mesmos.

O foro cabível para essa ação será a Justiça do Trabalho, pois o dano foi

decorrente da relação de trabalho. Essa é a inteligência do art. 114, caput da CRFB/88

e da seguinte jurisprudência:

“Cabível o ajuizamento de demanda tendente ao recebimento

de indenização por dano moral, compete a Justiça do trabalho

processá-la e julgá-la, sempre que o dano alegado e

comprovado tenha decorrido das relações de trabalho havidas

entre as partes, hipótese em que se impõe a condenação do

responsável pelo dano, consoante preconizam as disciplinas

contidas nas regras insculpidas no inciso X e no par. 1º do

art.5º e no art. 114 ad CF/88”.(TRT 15ª R, RO 3732/1994, Ac

2593/1996. Rel Juiz Luís Carlos da Silva, in SOUZA, Mauro

César Martins. Dano moral no Direito do Trabalho Brasileiro e a

AIDS (HIV) op. cit.p.21)

A grande questão após o ajuizamento da ação é quantificar o dano. As verbas

devem ser suficientes para compensar as dores e os constrangimentos que o lesado

sofreu e para, ao mesmo tempo, punir o agente. Para o juiz Bittar18, a quantificação do

dano deve ficar a cargo do juiz, o qual deve levar em consideração a gravidade do

dano, a situação do lesante, a condição do lesado, preponderando a idéia de

sancionar o lesante.

18 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. In: Revista do advogado nº44, São Paulo: AASP, out.1994, p.24

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Portanto, é perfeitamente cabível a indenização por dano moral na Justiça do

Trabalho, devendo o valor da mesma ser capaz de apenar o ofensor, mas sem

enriquecer sem causa o ofendido e seus familiares. A quantificação da mesma deve

ser feita levando em consideração os artigos 944 a 946 do Código Civil de 2002.

2.3 – Os exames médicos

A Declaração da reunião consultiva sobre AIDS e o local de trabalho,

formulada pela OMS e associada com a OIT sugere na seção V, A que não se

deva exigir a investigação do HIV/AIDS prévia à contratação, como parte da

avaliação da capacitação do empregado ao trabalho e nem anterior à tarefa

que ele desempenhará na empresa. Logo, o exame anti-HIV não pode constar

de lista de pré-requisitos para ingresso em qualquer emprego e, mesmo sendo

soropositivo, o empregado, de acordo com a seção V, B, 3 dessa Declaração

Internacional, não está obrigado a informar sua condição na admissão, e nem

em momento algum.

De acordo com a seção II, par. 4º da Declaração citada acima, na

grande maioria dos ofícios ou profissões e das situações laborais, o trabalho

não acarreta nenhum riso de contaminação ou transmissão do vírus HIV, seja

de um empregado para outro, seja de um empregado para um cliente ou de um

cliente para empregado.

Além disso, com o intuito de proteger o empregado que é vítima de

tantas discriminações em virtude de sua doença, o Conselho Federal de

Medicina do Brasil editou a Resolução 1.359/92. Este instituto assevera no art.

3º que os médicos quando prestam serviços à empresa estão proibidos de

revelar ao empregador o diagnóstico do empregado ou candidato ao emprego,

cabendo-lhe informar exclusivamente aspectos ligados à capacidade ou não de

exercer determinada função.

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Logo, o empregador não pode, de maneira alguma, exigir exame anti-

HIV de qualquer candidato, no ato da admissão. Não poderia ser diferente, eis

que o artigo 168 da CLT demonstra que o exame admissional tem em vista a

avaliação da capacidade laborativa do empregado na função.

Se por acaso exigir o exame, o empregador estará infringindo normas

éticas e legais, visto que violará o direito à intimidade do candidato, que poderá

negar-se à realização do teste na admissão, eis que o artigo supramencionado

é claro em estabelecer que a avaliação deve visar a apuração física e mental

do empregado para a função que deva exercer, e não dicas sobre sua

intimidade.

Além disso, o artigo 12 da Declaração dos Direitos do Homem dispõe

que:

“Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na

sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a

ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à

proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

Levando-se me conta o artigo acima mencionado e que a

soropositividade é um dado confidencial, a exigência de exame anti-HIV seria

uma interferência na vida privada e na reputação do empregado. Entretanto,

esta regra comporta exceção que visa à proteção da comunidade e a não

proliferação deste nefasto vírus. As pessoas que já desenvolveram a Síndrome

ou mesmo aquelas que são apenas soropositivas em relação ao vírus não

podem atuar em laboratórios que manipulam, ou têm, entre suas funções,

contato com amostras de sangue humano por apresentar perigo de contágio.

Portanto, nesses casos, não há discriminação, ou invasão à intimidade

alheia, quando, de acordo com determinados pré-requisitos, exige-se a

apresentação de testes de ausência do vírus HIV no sangue do candidato.

Nesses casos, o que é permitido averiguar é a possibilidade de contágio e a

capacidade laborativa, profissional do candidato ao emprego.

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Por isso, quando estiver comprovado cientificamente o risco de

transmissão do vírus HIV no local de trabalho, torna-se necessário proteger os

clientes e outros empregados contra uma possível infecção, adotando critérios

que permitam recorrer a provas de investigação do vírus, as quais deverão

limitar-se aos que exercem funções que os exponham ao perigo de transmitir o

vírus ou de ser infectados por ele. Caso o candidato ao emprego não esteja em

condições físicas ou mentais de executar as funções sem constituir um perigo

para os demais, torna-se inviável estender-lhe as medidas citadas, pois a

pessoa não possui "qualificação exigida para o emprego".19

Mesmo nos casos em que há possibilidade de contágio, é mister que o

empregado tome ciência do exame e autorize a realização do mesmo. Este é o

entendimento de Alice Monteiro de Barros, juíza do TRT 3ª Região que afirma

o seguinte:

“Se, entretanto, houver possibilidade de transmissão e

contágio, na função que o empregado for executar, a exigência

de investigação do vírus procede, mas nunca clandestinamente

e sem autorização do empregado”.20

Quanto à obrigatoriedade de exame pré-admissional, de confirmação

de que o candidato ao cargo não é portador do vírus HIV por parte da

Administração Pública, vale o que é referido e determinado pela Portaria

Interministerial nº 869, de agosto de 1992, em referência à admissão em

cargos públicos em nível federal. A referida Portaria dita que é proibida,

terminantemente proibida, a exigência de testes para admissão em cargos em

âmbito do Serviço Público Federal, em que o objetivo seja a detecção da

presença do vírus HIV.

Portanto, a não ser naqueles casos em que a própria função exija a

comprovação de saúde, não se pode exigir testes de HIV, em nenhuma

profissão, com a intenção de averiguar a existência de aidéticos na equipe de

19 BARROS, Alice Monteiro. A Aids no local de trabalho. Um enfoque de Direito internacional e comparado.op.cit p.135

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trabalho. Testes como estes, se forem obrigatórios, ou forem originários de

algum tipo de ameaça ou sanção são considerados discriminatórios e podem

dar ensejo a rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme artigo 483,

letra "e", da CLT.

Além disso, a exigência de exame de HIV seria infundada, eis que

existem doenças, tais como câncer e diabetes, esta última sendo uma das

maiores causas de mortes no mundo, para as quais não são exigidos testes

específicos de detecção. A exigência de testes anti-HIV, nesse contexto, seria

pura manifestação de preconceito, de desrespeito ao indivíduo como pessoa,

em sua intimidade.

É bom ressaltar que a capacidade laborativa do empregado não diminui

com a soropositividade, salvo casos de doentes em fase terminal. Em sendo

assim, os Portadores do vírus da Aids podem ser candidatos à admissão, em

nada colocando em risco a vida e a saúde de outros empregados.

A Declaração da Reunião Consultiva sobre AIDS e Local de Trabalho

acrescenta em sua seção III, par. 1º que as pessoas soropositivas, sem

sintomas da doença, devem ser tratadas como qualquer empregado e as que

apresentam sintomas ou enfermidades relacionadas com o HIV deve-se atribuir

o mesmo tratamento do empregado enfermo.

Ademais, o trabalho tem a função de inserção social, a qual deve ser

cumprida integrando a pessoa ao meio social, e não a segregando, a ponto de

não conseguir mais emprego por simples preconceito. Urge ao direito, como

meio de controle e regulamentação social, repugnar o tratamento

discriminatório, condenando os empregadores que requisitam exames anti-HIV

com o intuito de segregar, humilhar e até despedir em virtude do resultado do

exame o portador ou o dente desta tão dolorosa doença.

20 idem p.133

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CAPÍTULO III

A INTERRUPÇÃO E A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE

TRABALHO

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A suspensão é o meio pelo qual se desobrigam as partes quanto ao

cumprimento do contrato, durante certo período de tempo. Já a interrupção

acarreta a inexecução provisória da prestação do serviço, não atingindo outras

cláusulas contratuais. Neste caso, o empregador deve remunerar o

empregado, sem que este lhe preste serviços, ou seja, ocorre a contagem do

tempo de serviço.

Portanto, interrupção e suspensão do contrato de trabalho referem-se à

paralisação temporária da prestação dos serviços e o que difere uma figura da

outra são os efeitos que produzem. Na suspensão, denominada suspensão

total, o empregado deixa de trabalhar temporariamente e, nesse período, o

empregador deixa de pagar-lhe os salários, sendo que o período de

afastamento não conta como tempo de serviço. Na interrupção, considerada

suspensão parcial, o empregado deixa de trabalhar temporariamente, todavia,

o empregador paga-lhe os salários e o período de afastamento conta como

tempo de serviço. Esta é a regra geral.

Nesse diapasão, a legislação brasileira, na CLT, consagra a norma, ao

impor a suspensão do contrato de trabalho durante o período em que o

empregado perceber, da instituição de Previdência Social a que está

compulsoriamente filiado, Auxílio-doença. É o entendimento do artigo 476 e do

magistrado Marco Antonio Miranda Mendes abaixo citado:

“Para assegurar a saúde do empregado, a lei estabelece que

durante o tempo em que estiver afastado do serviço, para

tratamento médico, o contrato de trabalho tem seus efeitos

interrompidos e até suspensos, sendo os primeiros 15 dias

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considerados como interrupção e os subseqüentes, de

suspensão”.21

Portanto, a suspensão contratual, a qual corresponde à licença não

remunerada a que alude o artigo 476 da CLT, só se configura com a concessão

do Auxílio-doença, previsto no sistema previdenciário. Com a concessão, o

empregador não mais remunera o empregado, o qual recebe benefício da

Previdência, com o que perdurará a inexecução contratual.

A suspensão do contrato de trabalho só se efetiva a partir da data em

que o empregado passa a receber, da Previdência Social, o auxílio-

enfermidade. Isso quer dizer que, sendo remunerados integralmente os

primeiros quinze dias do afastamento por doença, o contrato está interrompido.

Não se faz óbice algum ao se falar em período de interrupção do

contrato de trabalho nos quinze primeiros dias do afastamento que decorre de

doença. Como se fala em interrupção, fala-se em contagem de tempo de

serviço, percepção de salário pago pela empresa.

Revela Arnaldo Sussekind em sua obra Instituições de Direito do

Trabalho:

"No que tange à enfermidade do empregado ou incapacidade

biológica de natureza presumidamente transitória, seja ou não

resultante do trabalho, incumbe ao empregador pagar-lhe o

salário integral durante os primeiros quinze dias de

afastamento, configurando-se, neste caso, a interrupção da

prestação de serviço".22 (grifei)

Após esse prazo, persistindo a incapacidade para o exercício da

correspondente função, cumprirá ao INSS a concessão do auxílio-doença,

ficando o contrato do empregado suspenso. Neste caso é vedada a dispensa

21 MENDES, Marco Antônio Miranda. Proteção Jurídica contra a discriminação do empregado com Aids .op. cit. p.118. 22 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 01 São Paulo:Ltr,1999 p. 506

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imotivada por parte do empregador, mesmo que o afastamento ocorra durante

o prazo de aviso – prévio, ainda que indenizado23.

“EMENTA: CONTRATO DE TRABALHO SUSPENSO.

JUSTA CAUSA. CABIMENTO. Os dispositivos legais

pertinentes à matéria (art.s 475 e 476 da CLT e 43 e 63 da Lei

8213/91) ao proclamarem a ocorrência da suspensão

contratual durante o afastamento do trabalhador após o 15º dia

do gozo do benefício previdenciário, obstaculizam apenas a

resilição imotivada e não a resolução, especialmente quando

comprovadamente derivada de ato de improbidade do obreiro.

Inconcebível, na verdade, é a manutenção de empregado

desonesto no quadro funcional. Recurso do Reclamante a que

se nega provimento para manter a r. sentença de primeiro grau

pelos seus próprios e jurídicos fundamentos”. (TRT 10ª.

Região, RO-2681/96, Relator JUIZ RICARDO ALENCAR

MACHADO, Ac. 3a. T./98).(grifei)

“Em caso de recebimento do auxílio doença ocorre a

suspensão do contrato de trabalho, tem-se que o ato de

demissão do empregador deveria ter seus efeitos suspensos a

partir do referido benefício Previdenciário. Assim, no decorrer

do aviso prévio, ocorrendo suspensão ou interrupção com vista

a tratamento de saúde, o contrato não se extingue no prazo

fixado, sendo devida a complementação do auxílio-doença até

o fim do período do benefício.” (TST – RR 104288/1994 – 5ª T.

Rel. Ministro Armando de Brito )

Portanto, o principal dos efeitos contratuais da suspensão consiste na

reserva do posto de trabalho durante determinado período de tempo. Além

disso, o artigo 471, da CLT, garantiu que se, durante o período de suspensão

do contrato de trabalho, tenham sido atribuídos novas vantagens à categoria do

23 MENDES, Marco Antônio Miranda. Proteção Jurídica contra a discriminação do empregado com Aids .op. cit. p.118

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empregado, na respectiva empresa, terá ele direito a tais vantagens a contar

do dia em que, cessada a causa do seu afastamento, volta ao serviço.

Com relação ao prazo para o retorno do empregado ao serviço, deverá

ele, ressalvadas as exceções admitidas em lei, corresponder ao período de 30

dias, contados da data em que cessou a causa suspensiva, porquanto, fluído

esse tempo, será configurado abandono de emprego.

No caso do empregado que já manifesta a doença, o final da

suspensão contratual estaria caracterizado pela esperada cura do doente, o

qual, recuperado, poderia ocupar, ou seu antigo posto, se compatível com seu

estado de saúde, ou outra função, onde pudesse continuar a prestação de

serviços.

No entanto, a situação é diferente no que diz respeito à utilização da

suspensão e/ou interrupção de contrato de trabalho por parte dos portadores

do vírus HIV. Tendo em vista que esses empregados ainda não manifestaram a

doença não fazem jus a se utilizarem deste instrumento. Esse instrumento

jurídico inespecífico à questão da AIDS - pois pode ser usado em virtude de

qualquer enfermidade - apesar de poder ser utilizado em socorro do doente, é

incapaz de proteger o soropositivo assintomático24.

Já no caso de aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o

trabalho é presumidamente de caráter permanente.

É o que diz o artigo 475, da CLT:

“O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso

o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de

previdência social para a efetivação do benefício.

§ lº. Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e

sendo a aposentadoria cancelada, ser-lhe-á assegurado o

direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria,

24 idem

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35

facultado, porém ao empregador, o direito de indenizá-lo por

rescisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e

478 salvo na hipótese de ser ele portador de estabilidade,

quando a indenização deverá ser paga na forma do art. 497.”

Segundo entendimento de Arnaldo Süssekind - doutrinador que,

diferentemente do magistrado Marcos Mendes, não acredita na possibilidade

de garantia de emprego ao portador e doente de AIDS - se a recuperação não

for total ou o segurado for declarado apto apenas para o exercício de trabalho

diverso do que habitualmente realizava na empresa, o empregado não terá a

obrigação de readmiti-lo25.

A empresa só estará, portanto, obrigada a readmitir o empregado

quando a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado além de ser

total para a função que habitualmente exercia, verificar-se durante a suspensão

do contrato de trabalho; isto é, na fluência dos cinco anos em que esteve

afastado dos serviços da empresa usufruindo o benefício previdenciário

resultante da sua incapacidade (Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez).

Portanto, em estando o contrato de trabalho suspenso, com a

concessão do auxílio doença pela previdência, o empregador não pode se

valer de seu poder diretivo e demitir o empregado doente. Como não há

execução do contrato de trabalho por ele estar suspenso, o empregador deve

guardar a vaga correspondente ao seu empregado enfermo, não podendo

despedir o empregado, salvo por justa causa, nesse período, caso contrário é

perfeitamente possível a reintegração.

25 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. op.cit. p. 507

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36

CAPÍTULO IV

A GARANTIA DE EMPREGO

A priori, é conveniente, para o melhor entendimento deste capítulo e

do trabalho, se conceituar a estabilidade:

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“A estabilidade é o direito que o empregado tem de

permanecer no emprego ainda que contra vontade do

empregador, ou seja, nada mais é que a impossibilidade de

dispensa do trabalhador, exceto nas hipóteses expressamente

delimitadas em lei”.26

No entanto, o termo estabilidade só é hoje utilizado para os antigos

empregados decenais cujos direitos estão previstos no capítulo referente à

estabilidade, no art. 492 da CLT.

Vale lembrar que após a promulgação da CRFB/88, o regime de

adoção do FGTS foi estendido a todos os trabalhadores, eliminando, portanto a

antiga possibilidade de escolha entre a estabilidade decenal e o regime do

FGTS, salvo nos casos de direito adquirido.

Portanto, a verdadeira estabilidade era a que era adquirida quando o

empregado tivesse mais de dez anos na empresa. As outras “estabilidades”

previstas na CLT são provisórias, isto é duram durante um determinado

período, por isso são chamadas por alguns doutrinadores como Zangrando e

os procuradores, autores do conceito transcrito de estabilidade, de provisórias.

No entanto, a terminologia utilizada por esta monografia vai ao

encontro do entendimento do ilustre estudioso Sergio Pinto Martins que afirma

que “a garantia de emprego é, porém, o nome adequado para o que se chama

estabilidade provisória, pois, se há estabilidade, ela não pode ser provisória”.27

Logo, as garantias de emprego previstas em nosso ordenamento

Jurídico são as seguintes:

a) a relativa ao diretor ou representante sindical bem

como seus suplentes, conforme art.8ºVIII da CRFB/88

e art.543, par.3º da CLT;

26 MALTA, Elisa Maria Brant et CARLOS,Vera Lúcia. A discriminação do trabalhador portador do vírus da AIDS/HIV no emprego e seu direito à reintegração.op.cit. p.76 27 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 19 ed.São Paulo:Atlas,2004, p.420

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b) a relativa ao Cipeiro e ao seu suplente, inteligência do

art.10,II,a do ADCT e enunciado 339 do TST;

c) a relativa à gestante, conforme art. 10,II,b do ADCT;

d) a relativa aos empregados eleitos diretores das

sociedades cooperativas, conforme art. 55 da lei

5764/71;

e) a relativa ao membro do conselho curador do FGTS,

de acordo com o art.3, par.9º da lei 8036/90;

f) a relativa ao Segurado da Previdência Social que

sofreu acidente de trabalho, conforme art. 118 da lei

8213/91;

g) a relativa aos trabalhadores do Conselho Nacional de

Previdência Social, conforme art.3, par.7º da lei

8213/91;

h) a relativa aos empregados de economia mista e de

empresas públicas, durante o período eleitoral,

inteligência do art.81 da lei 8713/93;

i) a relativa aos representantes dos empregados

membros da Comissão de Conciliação Prévia,

conforme art.10,II,a da ADCT e art. 625-b, par.1º da

CLT;

j) a relativa ao menor aprendiz, quando estiver em

processo de aprendizagem, de acordo com o Dec.-lei

8622/46 arts.8, par.2º e 11, par.2º e CLT art. 433, I e II;

k) a estabelecida em contratos individuais ou coletivos,

conforme precedente SDI nº 40.

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Como foi visto acima, o portador do vírus HIV assim como o doente de

AIDS não estão expressamente elencados no rol dos empregados com direitos

a garantias de emprego. Não teriam eles direito a tal garantia?

A corrente defendida por Sérgio Pinto Martins assevera que o

empregado portador do vírus da Aids ou aquele em que a doença já se

manifestou não possui garantia de emprego, porquanto não existe previsão

legal neste sentido. Além disso, considera que o empregador tem o direito

potestativo de despedir seu empregado, desde que o indenize com todas as

verbas devidas.28

Neste mesmo sentido tem - se a seguinte jurisprudência:

"Nem a Constituição Federal, nem a Lei Ordinária (Lei

n.9.029/95), contemplam o empregado, portador do vírus HIV,

com qualquer garantia de emprego ou estabilidade. Assim, a

constatação de eventual prática discriminatória no

despedimento autoriza a compensação com indenização em

razão de dano moral, mas jamais a reintegração”.(TRT 2ª Reg.,

RO-02940419307, Rel. Juíza Maria Inês Santos Alves da

Cunha).

Ocorre que, para outros, a despedida de empregado, pelo fato de ser

ele portador do vírus da AIDS, fere o princípio da igualdade de tratamento e o

da não-discriminação, que têm sede constitucional. Neste sentido, leia-se o

seguinte julgado:

"AIDS. Discriminação. Danos morais. O trabalhador, portador

do vírus HIV, que passou a ser tratado pelo superior

hierárquico de a coisa e estorvo, em virtude de doença de que

padece, faz jus à indenização por danos morais sem qualquer

margem de dúvidas. É inafastável a repugnância que nos toma

conta quando sabemos existir em nossa sociedade, muitas

vezes próximas ao nosso convívio, pessoas com mentalidade

28 idem, p.433

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tão medíocre e comportamento tão desumano e pequeno,

ocupando cargos e dirigindo vários subordinados. Estes, sem

dúvidas, são portadores dos males do século, a falta de

solidariedade e respeito pelo ser humano. Recurso provido por

unanimidade." (TRT 24ª Reg.,RO-1.594/97, Rel. Juíza Geralda

Pedroso).

A garantia de emprego ao empregado portador do vírus da AIDS

poderia se justificar também tendo por base o princípio da garantia do

emprego, previsto no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal, e no equilíbrio do

mais fraco na relação capital-trabalho.

De modo diverso, sendo o empregado despedido por justa causa,

devidamente comprovada, não há que se falar em discriminação, posto que o

referido empregado estará sendo tratado como os demais. Para essa mesma

corrente defendida por Marco Antonio Miranda Mendes29, exceto nesta

hipótese – despedida por justa causa – a dispensa de empregado portador do

vírus da AIDS é tida como arbitrária, por decorrer de ato de abuso de poder do

empregador.

Portanto, basicamente, existem duas correntes que divergem acerca

da concessão de estabilidade ao empregado portador e doente de AIDS. A

primeira é a defendida por autores mais tradicionais como Sergio Pinto,

Arnaldo Süssekind e Carlos Zangrando. Esses autores se atêm ao raciocínio

de que a possibilidade de garantia de emprego estaria condicionada á

existência de norma legal que conferisse expressamente esta garantia.

Zangrando afirma que “Salvo disposição em norma coletiva de trabalho, até

esta data não há qualquer instrumento que confira ”estabilidade” ao portador do

HIV.”30

Já, para outros autores (Marco Antonio Mendes, Maurício Hands, Alice

Monteiro de Barros, Mauro César de Souza), que se basearam em

29MENDES, Marco Antonio Miranda. op. cit.p.119 30ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Resumo do Direito do Trabalho –6ªed – Rio de Janeiro:Ed.Trabalhistas, 2003.p.536

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experiências de Direito Comparado, “o único remédio eficaz para sanar o

comportamento ilícito do empregador em certas situações seria a determinação

jurídica da reintegração”.31

A garantia de emprego para esta corrente seria a única forma de

impedir o abuso do direito potestativo de demitir inerente ao empregador, assim

como seria um meio eficaz para que fossem evitadas despedidas obstativas de

recebimento de benefícios previdenciários e discriminatórias.

A possibilidade de caracterização da arbitrariedade na despedida

decorreria da interpretação sistemática de determinadas normas legais: A

Convenção nº 111 da OIT que proíbe a discriminação no emprego e a Lei nº

9.029/95em seu art.1º, que veda o rompimento do contrato de trabalho por ato

discriminatório do empregador. Estes instrumentos jurídicos garantiriam ao

empregado discriminado o direito à reintegração.

Apesar de não existirem normas específicas quanto à garantia de

emprego há algumas decisões a favor de sua concessão:

“AIDS – Portadora de HIV tem direito à estabilidade no

emprego – Dispensa imotivada presumida discriminatória –

Reintegração determinada. Os direitos à vida, à dignidade

humana e ao trabalho, levam à presunção de que qualquer

dispensa imotivada de trabalhadora contaminada com o vírus

HIV é discriminatória e atenta contra os princípios

constitucionais esculpidos nos arts. 1º, incs. III e IV, 3º, inc. IV,

5º, caput, e inc. XLI, 170, 193. A obreira faz jus a estabilidade

no emprego enquanto apta para trabalhar, eis que vedada a

despedida arbitrária (art. 7º, inc. I, da Constituição Federal).

Reintegração determinada enquanto for apta a trabalhar.

Aplicação dos arts. 1º e 4º, inc. I da Lei n.º 9.029, de 13 de abril

de 1995 (cf. CLT, art. 8º c/c CPC, art. 126, c/c LICC, art. 4º). Os

riscos da atividade econômica são da empresa empregadora

31RANDS, Maurício.Direito do Trabalho e AIDS.In:Revista LTR legislação do trabalho nº 04 – São Paulo:LTr, 1998 p. 479

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(CLT, art. 2º), sendo irrelevante eventual queda na produção,

pois a recessão é um mal que atinge todo o país.” ( 3ª Turma

do TRT da 15ª Região, no acórdão n.º 29.060/2000-SPAJ, de

agosto de 2000)

“Portador do vírus HIV – Despedimento injusto – Presunção de

discriminação – Reintegração. O despedimento injusto de

empregado portador do vírus HIV, ainda que assintomático,

presume-se discriminatório e, como tal, não é tolerado pela

ordem jurídica pátria, impondo-se, via de conseqüência, sua

reintegração. Referências: Constituição Federal, arts. 3º, IV, e

7º, XXXI (TRT – 3ª R no RO n.º 16.691/1994 – Ac. Da 3ª T –

Rel. Juiz Levi Fernandes Pinto – in DJ-MG de 05.09.95).”

“AIDS – Reintegração – Despedida arbitrária e discriminatória.

A aplicação da Lei n. º 9.025/95 de maneira analógica não tem

o condão de atritar com as normas constitucionais garantidoras

dos direitos "mínimos" dos trabalhadores, na medida em que,

aqui, não se vislumbra simples despedida arbitrária, mas sim

despedida arbitrária e discriminatória. Equivoca-se a

embargante ao considerar que a decisão sumária lesiona

preceito de ordem constitucional, uma vez que este órgão

julgador tão-somente cuidou, e de forma bastante cautelosa,

para que a Carta Magna deste País restasse devidamente

observada e respeitada. Logo, tem-se que a própria

Constituição Federal que proíbe de maneira inequívoca, no

caput do seu art. 5º, qualquer espécie de discriminação.

Depreende-se, pois, daí, que a supracitada norma também

alcança as relações de trabalho (TST, no ED-RR n.º

217.791/1995-3 – Ac. Da 2ª T – Rel. Min. Valdir Righetto – in

DJU de 22.05.98).”

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Contrariamente a essas decisões tem – se o seguinte entendimento

proferido por uma turma do TST:

“...se a lei concedesse estabilidade apenas ao aidético, estaria

ferindo o princípio da isonomia previsto com todas as letras na

Constituição Federal(CF art.5º, I) e seríamos forçados a

estender a estabilidade a todos os portadores de doenças

infecto-contagiosas, que fossem consideradas infames”(TST,

5ª t., rr 287.010/1996-8, REL. Ministro Nelson Daiha, DJ de

24.9.1999)

Logo, para o ministro seria inadmissível por nosso ordenamento

jurídico a concessão de garantia de emprego para todos os portadores de vírus

ou doenças graves como a AIDS, posto que a limitação ao poder do

empregador de dissolver o contrato de trabalho, em regra, há de ser

implementada através da imposição do dever de indenizar.

Além disso, embora a Constituição de 1988 tenha abordado preceitos

que, em princípio, garantiriam os direitos aos aidéticos, no que tange à

proteção contra dispensa arbitrária, atos discriminatórios e assistência estatal

no fornecimento de medicamentos, é muito debatido pela doutrina, e também

pela jurisprudência, o teor programático (lei que necessita de outra lei que a

regulamente para que possa produzir efeitos) de tais normas inseridas na Carta

Magna.

Assim, Sérgio Pinto Martins afirma sobre ao artigo 5º XLI da CRFB/88

cujo teor é a punição de atos discriminatórios:

“Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada [. . .],

que só produzirá efeito quando da edição de lei ordinária que

vier a versar sobre o tema. Logo, não há nenhuma

impossibilidade da dispensa do aidético, com fundamento

nesse dispositivo legal, que não é auto-aplicável". 32

32 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. op.cit. p.434

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Um documento muito importante para mostrar decisões sobre o tema

pode ser encontrado na Declaração da Reunião Consultiva sobre AIDS e o

Local de Trabalho, formulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS),

associada com a OIT. Diz ela na seção II, par. 4º que, na maioria dos casos de

contaminação de empregados, os soropositivos não se tornam incapacitados

para o trabalho, pois a doença não representa perigo de contágio, salvo raras

exceções. Acrescenta, ainda, na seção III, par. 1º que as pessoas infectadas

devem ser tratadas como qualquer outra no ambiente de trabalho, devendo

aqueles que já desenvolveram a doença ser tratados como empregados

enfermos. Desta forma, poderia surgir aí uma terceira corrente, a que confere

garantia de emprego somente ao empregado no qual a AIDS já se manifestou,

explicada mais a frente.

Para a corrente que defende a concessão de garantia de emprego

tanto ao soropositivo quanto ao doente, a despedida sem motivação do

empregado infectado pelo vírus HIV, desde que o empregador tenha

conhecimento da contaminação, é sempre ser tida como arbitrária, e em

conseqüência ineficaz, pois o priva não só do convívio com os seus colegas de

trabalho, o que já é uma insidiosa discriminação, mas também pode levá-lo a

perder a proteção do Sistema de Seguridade Social.

Para essa corrente defendia também pelas procuradoras do Trabalho

de São Paulo Elisa Maria Malta e Vara Lúcia Carlos33, a Lei 9.029/95 não

conteria preceitos diretos sobre a situação dos portadores do vírus HIV, mas

haveria nela artigos que poderiam ser utilizados à luz da Constituição, numa

interpretação extensiva e analógica, em favor de trabalhadores soropositivos.

Assim, o artigo 1º desta lei proíbe qualquer prática discriminatória e

limitativa de acesso à relação de emprego ou à sua manutenção por motivo de

sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Esta

enumeração seria meramente exemplificativa, donde se deduziria a sua

aplicação também no caso de trabalhadores soropositivos.

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O artigo 4º da mesma lei veda o despedimento discriminatório e

concede ao empregado(a) despedido(a) optar entre a reintegração no

emprego, com garantia do pagamento dos salários de todo o período de

afastamento ou receber uma indenização correspondente ao dobro da

remuneração do período de afastamento. Nesses termos, muitos juízes têm se

socorrido dessa interpretação para garantir o retorno ao trabalho aos

empregados HIV positivos com o objetivo de anular as despedidas

discriminatórias ou determinar à empresa praticante da dispensa que pague a

indenização.

Portanto, para estes profissionais é perfeitamente cabível a aplicação

do tema da garantia de emprego ao empregado que se apresenta como doente

de Aids, ou que apenas contraiu a Síndrome, sendo a Lei 9.029/95 aplicada de

forma analógica.

Além disso, o "caput" do artigo 7º da CRFB/88 dispõe que "são direitos

dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de

sua condição social (...) (grifei)". Para esta corrente, o termo "além de outros"

abre margem para um rol exemplificativo de direitos. O artigo 7º estaria apenas

determinando o mínimo de direitos básicos aos trabalhadores, urbanos e rurais,

podendo outros direitos ser previstos por lei ordinária.

Portanto, existem três diferentes posições acerca do cabimento da

garantia de emprego aos empregados portadores do vírus HIV e doentes de

AIDS.

A primeira corrente de pensamento postula que não há que se falar em

garantia de emprego ao soropositivo e nem tão pouco ao doente de AIDS, eis

que ao deferir-la, se estaria ferindo o Princípio da Isonomia. Além disso, não há

lei que defina expressamente a reintegração deste tipo de empregado, o que,

conforme o Princípio da Legalidade, em que não há direito sem lei que o

defina, não lhe conferiria tal direito. Logo, o Juiz não poderia investir-se na

33 MALTA, Elisa Maria Brant de Carvalho et CARLOS, Vera Lúcia. A discriminação do Trabalhador portador do vírus HIV/AIDS no emprego e ser direito à reintegração. op.cit. p.80

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condição de legislador, e mandar reintegrar o aidético ao emprego, sob pena

de estar desvirtuando a função do Poder Judiciário, e violando o Princípio da

Separação dos Poderes, harmônicos e independentes entre si.

Ainda sobre o princípio da igualdade diz o artigo 5o, caput, da

Constituição Federal:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos

termos seguintes” (grifei).

Baseado neste princípio, os doutrinadores e magistrados, já citados

nesse capítulo, adeptos desta primeira corrente afirmam que constituiria uma

desigualdade arbitrária conceder estabilidade ao portador do vírus HIV, em

face de não haver precedentes de se conceder para portadores de outras

doenças, como é o caso da lepra, câncer etc.

A segunda corrente, defendida por alguns juízes como José Novis

Cesar e Dóris Castro Neves, adota o entendimento favorável à garantia de

emprego não só para o portador do vírus HIV e para o doente de AIDS, mas

também para outros portadores de doenças similares quando há a prova de

existência de discriminação e preconceito contra os mesmos.

“Embora seja certo que os princípios constitucionais de tutela

da dignidade da pessoa humana e da igualdade( arts.1º, III, 3º

e 5º, caput) bem como a lei nº9.029/95, impedem que o

empregado portador do vírus HIV seja despedido

arbitrariamente, é indispensável para o pleito de reintegração

no emprego que fique demonstrada a intenção discriminatória

do empregador.”(TRT 1ª R. RO. nº 4979/00 6ªT.Juiz Relator

CD. José Carlos Novis Cesar)

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“Empregado portador da Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida. Comprovado que a dispensa se deu em decorrência

da doença – de cunho fatal e deprimente, marcada pelo

preconceito e pela discriminação social –, tem-se por

caracterizado o ato arbitrário e atentatório ao respeito e à

dignidade humana. O comportamento patronal esperado

consistia na entrega ao empregado do atestado necessário à

obtenção, junto à Previdência Social, do auxílio-doença, de

modo a possibilitar a suspensão do contrato de trabalho, nos

termos do art. 476 consolidado e impossibilitar a dispensa do

reclamante. A adoção imotivada de conduta diversa não pode

ser indiferente ao direito, impondo-se a declaração da nulidade

do ato, sob pena de o sacramentar esta Justiça Especial”. (TRT

– 1ª R – 6ª T – RO nº 22135/95 – Relª. Juíza Dóris Castro

Neves – DJRJ 06.07.98 – pág. 148).

Há ainda uma sub - divisão neste segundo entendimento, pois alguns

estudiosos como a advogada Mariana Santiago e o MPT defendem a

presunção da descriminação contra o soropositivo ou doente de AIDS na

dispensa imotivada por parte do empregador, não sendo necessária a prova a

ser apresentada pelo empregado.

“A despedida do portador do vírus HIV sem justo motivo,

quando o empregador tiver conhecimento da doença do

trabalhador é presumidamente discriminatória e atenta contra o

direito ao trabalho do indivíduo...”.34

“O despedimento injusto de empregado portador do vírus HIV,

ainda que assintomático, presume-se discriminatório e, como

tal, não é tolerado pela Ordem Jurídica Pátria...” (TRT, 3ª R.

RO 16691/94, Ac. 3ªT. Rel, Juiz Levi Fernandes Pinto, julgado

em 26.07.1995)

Assim sendo, para esta vertente, presente neste segundo entendimento, “a

presunção de que vem a ser discriminatória e arbitrária a despedida do empregado

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portador do vírus HIV, mesmo que assintomático, sugere a inversão do ônus da prova,

já prevista no nosso Código de Defesa do Consumidor”.35 Isto que dizer que deverá

haver garantia de emprego com a conseqüente reintegração ao emprego se o

empregador não conseguir provar que sua atitude não foi de cunho discriminatório.

A terceira corrente, defendida por alguns juízes como a Drª Rosa Maria

Zuccaro, postula a garantia no emprego como um benefício e direito daquele

no qual a AIDS já se manifestou. Levanta-se a hipótese da expectativa de

direito aos benefícios do auxílio doença em referência à suspensão do contrato

de trabalho. A dispensa sem justa causa seria proibida por impedir a

concessão dos direitos previdenciários, sejam estes a aposentadoria e o

auxílio-doença, como se vê abaixo:

“AIDS. Doença já manifestada. Quando o empregado já não é

simplesmente um portador do vírus HIV, ou seja, quando a

doença denominada Aids, já se manifestou, a dispensa sem

justo motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela

doença letal, é vedada, pois se caracteriza como obstativa ao

percebimento do Direito Previdenciário contido na Lei nº 7.670,

de 8 de setembro de 1988. É sobejamente sabido que o

empregado gravemente enfermo, com doença letal em

desenvolvimento, não pode ser demitido. O art. 476 da CLT é

claro ao informar que o empregado que está em auxílio-doença

ou auxílio-enfermidade é considerado em licença remunerada,

durante o prazo desse benefício. Não se pondere no sentido de

que o autor estava em seguro-doença ou auxílio-enfermidade,

uma vez que a reclamada impediu-lhe a obtenção desse

benefício quando o demitiu. Não pode a reclamada obstar o

reclamante de perceber o benefício previdenciário e talvez a

aposentadoria.” (TRT 2ª Região, Proc. 02920254140 – Ac

7ªT.35453/94 –Rel. Juíza Rosa Maria Zuccaro. DO 08.09.1994

in Revista de Direito do Trablho 98/2000.p. 140).

34 SANTIAGO, Mariana Ribeiro. A Aids e o direito Fundamental ao trabalho. op.cit p.151 35 MALTA. Elisa et CARLOS, Vera. A discriminação do Trabalhador portador do vírus HIV/AIDS no emprego e ser direito à reintegração op. cit. p.84

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Como último comentário é mister que se deixe registrado que esta grande

divergência doutrinária e jurisprudencial poderá ser minimizada em breve devido à

tramitação de um projeto de Lei Ordinária (PLS 0267/99) que propõe uma alteração na

CLT com o intuito de conferir “incondicional estabilidade ao empregado portador de

vírus HIV”.36

4.1 – A reintegração e a indenização

Como anteriormente dito, o emprego dos métodos de hermenêutica

jurídica, no caso dos soropositivos despedidos arbitrariamente, poderiam para

alguns ser resolvidos com a aplicação analógica da Lei nº 9.029/95, que atinge

primeiramente a gestante. Assim, ficaria sendo aplicável aos trabalhadores

acima mencionados o tema sobre que versa o artigo 4º da referida Lei; a opção

entre a readmissão, com o ressarcimento de todo o período de afastamento, ou

a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida

monetariamente e acrescida de juros legais.

A parcela da doutrina que defende esse direito à reintegração ou à

indenização expõe o seguinte ponto de vista, ensinados pelas procuradoras do

Trabalho da 2ª Região:

“...no que concerne aos trabalhadores soropositivos desligados

pelo empregador sem justa causa, por discriminação ou

preconceito, sem razão objetiva, socialmente injustificada,

arbitrária, obstativa à aquisição do auxílio- doença pela

Previdência Social, torna o ato patronal passível de anulação

perante a Justiça do Trabalho, podendo o empregado postular

a anulação da dispensa e a sua conseqüente reintegração no

36 MENDES, Marco Antônio Miranda. Proteção Jurídica contra a discriminação do empregado com AIDS. op. cit. p.122

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emprego, inclusive com pedido de concessão de tutela

antecipada.”37(grifei)

Portanto, a reintegração ou a indenização em dobro seria uma sanção,

uma conseqüência advinda da despedida discriminatória, portanto, ilegal. Veja

– se abaixo jurisprudências sobre o tema:

“Rescisão do contrato de trabalho - portador do vírus da aids -

discriminação - art. 3º, IV, CF - reintegração - poder de cautela

do juiz - Ao virulento alastramento do vírus HIV no mundo

correspondeu ampla divulgação dos seus sintomas, de forma

que as características físicas de sua manifestação já são de

conhecimento das camadas esclarecidas. O caráter

discriminatório do portador dessa doença é notório e de

repercussão mundial. Incorrendo razão disciplinar, econômica

ou financeira para o despedimento do soro positivo, é flagrante

a discriminação que atenta contra o art. 3º, IV, da Constituição

Federal. Se a empresa, transcorridos os 15 dias de interrupção

contratual fundada em atestados médicos, transfere o

empregado enfermo aos cuidados do INSS mediante

expedição da competente documentação que habilita à

percepção do Auxílio-doença, não pode mais despedi-lo

imotivadamente, enquanto perdurar a suspensão do contrato

de que trata o artigo 476 da CLT. O fato de o empregado ter ou

não dado entrada aos papéis junto ao órgão previdenciário, em

razoável espaço de tempo, é questão que afeta exclusivamente

à burocracia e seus conhecidos entraves, não interferindo na

situação que se instalou em razão da moléstia. A imediata

reintegração do soropositivo, determinada em sentença

originária, objetiva tão somente evitar o perecimento do direito

reconhecido, ante a inquestionável presença do periculum in

mora, não raro concretizado em desenlace no curso da

demanda. Essa determinação, aliás, está legalmente

respaldada no poder geral de cautela do juiz.”( TRF 2ª R. - Ac.

37 MALTA, Elisa Maria Brant de Carvalho et CARLOS, Vera Lúcia. A discriminação do

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unân. da 8ª T., publ. Em 17/05/95 - RO 029.404.592-79 - Rela.

Juíza William Nogueira - Metalúrgica Varb Indústria e Comércio

Ltda. X Espólio de Dirceu Machado da Silva.)

“ Rescisão do contrato de trabalho - portador do vírus HIV -

despedimento injusto - presunção de discriminação - O

despedimento injusto de empregado portador do vírus HIV,

ainda que assintomático, presume-se discriminatório e, como

tal, não é tolerado pela ordem jurídica pátria, impondo-se, via

de conseqüência, sua reintegração. Referências: Constituição

Federal, arts. 3º, IV, e 7º, XXXI”. (TRT 3ª R. - Ac. unân. da 3ª T,

publ., em 15/12/95 - RO 16.691/94 - Rel. Juiz Levi Fernandes -

Associação dos Servidores da Assembléia Legislativa de Minas

Gerais X Isabella D’ Amices Campos).(grifei)

Sérgio Pinto Martins, em discussão sobre o tema espelha a seguinte

visão, contrária à reintegração do empregado: “Não há lei determinando

estabilidade ao aidético e, por conseqüência, o direito de ser reintegrado em

sua anterior função na empresa, salvo na hipótese de estar suspenso o

contrato de trabalho”.38

Segundo este doutrinador clássico, primeiramente, deve ser evitada

qualquer posição emocional sobre a matéria, devendo a lide ser sempre

decidida em consonância com os ditames da lei e de acordo com a prova

produzida nos autos. Ao indeferir-se a garantia de emprego a estes

trabalhadores, não se estaria ferindo o princípio da isonomia. O dispositivo

constitucional consagrador desse princípio não seria destinado ao julgador e

sim ao legislador. Além disso, não existiria possibilidade de se cogitar de

violação ao princípio da igualdade posto que não há lei determinando a

reintegração do portador do HIV.

Trabalhador portador do vírus HIV/AIDS no emprego e ser direito à reintegração op cit.p.82 38 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. op.cit. p.433

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Ademais, o inciso XLI do art. 5º da Carta Magna estabelece que a "lei

deverá punir qualquer discriminação dos atos atentatórios aos direitos e

liberdades fundamentais". Todavia, tal dispositivo constitucional para a corrente

defendida por Sergio Pinto seria considerado de eficácia limitada e como ainda

não editada a lei ordinária que o regulamente, não haveria nenhuma

possibilidade de reintegração dos empregados doentes de AIDS com base em

tal preceito. O último argumento desta corrente se firma no sentido de não

existir no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma legal que conceda

estabilidade ao trabalhador portador do vírus HIV ou mesmo do doente de

AIDS, o que impede de acolher eventual pedido neste sentido. Conforme o

princípio da legalidade, descrito no art. 5º, II da CRFB/88 “Ninguém está

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Logo, se não há lei que preveja expressamente a reintegração ou indenização

do empregado doente de AIDS o empregador não está obrigado a fazê-lo.

Realmente, não há norma determinando a garantia de emprego aos

portadores do vírus HIV ou aos doentes de Aids e, por conseqüência, o direito

de ser reintegrado em sua anterior função na empresa fica prejudicado para

alguns doutrinadores. Sérgio Pinto afirma o seguinte:

“Caso se entenda de modo diverso, qualquer trabalhador

doente poderá se julgar no direito de ser reintegrado no

emprego, mesmo não havendo suspensão do contrato de

trabalho, com o argumento de ser estável, bastando para tanto

ter sido demitido pelo empregador”.39

Carlos Zangrando, adepto do mesmo pensamento citado acima leciona

o que o empregado não tem direito a ser reintegrado, posto que não possui

garantia de emprego.

“Ressalte-se que o empregado que por acaso venha a sofrer

de alguma doença ou mal considerável (p.ex. AIDS), mas que

39 idem. p.435

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não seja equiparado por lei ao acidente de trabalho, não goza

de estabilidade”.40

Logo, a questão da possibilidade ou não de reintegração do empregado

portador do HIV ou doente de Aids, intimamente ligada à existência ou não de

garantia de emprego, é um tema muito discutido. Não há uma única posição ou

mesmo uma corrente majoritária na doutrina talvez porque se faça necessária

uma maior discussão e, até mesmo, uma efetiva regulamentação sobre o tema.

CONCLUSÃO

40 ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Resumo do Direito do Trabalho. op. cit. p.533

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A relação do portador do vírus HIV ou do doente de AIDS com seu

empregador e seus colegas em seu ambiente de trabalho é algo muito

controvertido. A doutrina, conforme o exposto neste trabalho, diverge muito a

respeito da concessão de garantia de emprego a esses trabalhadores.

Este tema deve ser analisado sempre conforme o caso concreto para

que sejam evitadas injustiças como conceder estabilidade no emprego a um

empregado portador do vírus que está apto ao trabalho, reintegrando-o no

emprego somente por sofrer dessa doença, ou despedir empregado em fase

terminal, esse sim com grandes chances de não mais ser empregado

novamente, obstaculizando o seu recebimento de licença para tratamento

médico, auxilio doença ou aposentadoria.

Não há de se ter posições radicais acerca do tema e sim analisar cada

caso. A verdade é que o simples fato de o empregado ser portador do vírus da

AIDS em nada prejudica sua capacidade de trabalho. Ele continua apto a

desenvolver atividade produtiva, de maneira a contribuir com a sociedade. Este

empregado não deve ser tratado de forma diferente em relação aos demais

empregados, pois não está doente, apenas possuindo o vírus dentro de si, que

pode se manifestar décadas depois de seu contágio.

Já o empregado que se encontra em fase desenvolvida da doença

deve receber tratamento diferenciado, tendo em vista que precisa estar

trabalhando para que possa dar entrada e receber sua licença para tratamento

de saúde.

Nos tempos atuais de desemprego e miséria é bem verdade que o

empregador deveria sempre evitar demitir seus empregados quer eles

possuam alguma doença quer sejam sadios. Infelizmente, vive-se uma época

em que há muita procura por emprego e poucas vagas disponíveis. Por isso, o

ideal seria que antes de demitir o empregado doente de AIDS este pudesse ser

transferido para uma outra função na empresa onde pudesse apresentar um

melhor rendimento.

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O que não é admissível é haver discriminação, pois o convívio social e

profissional com um empregado portador da Aids ou com o doente não

representa qualquer situação de risco de contaminação na imensa maioria dos

casos. Além disso, a prevenção da infecção no local de trabalho se dá pela

correta informação e pelos procedimentos preventivos pertinentes e não com o

afastamento do trabalhador somente por ser portador do vírus.

O empregador, em casos de tomar conhecimento da presença de

algum empregado portador do vírus da AIDS no local de trabalho, deve agir

segundo os preceitos da ética e do sigilo, proporcionando ao trabalhador

infectado ou ao doente o atendimento próprio e adequado sem nunca o

discriminar em virtude de sua doença. No caso do empregado ser dispensado

por ter a doença restará caracterizada a dispensa discriminatória, sendo

cabível a reintegração deste ou a indenização em dobro, além de danos

morais.

No entanto, não há como se presumir a discriminação como uma parte

da doutrina defende. Para esta ocorrer há de ser exteriorizada por meio de atos

claros os quais sejam capazes de menosprezar ou humilhar a pessoa por sua

doença. Logo, se a dispensa não se der em razão de discriminação, não há de

se falar em reintegração, pois caso contrário estar-se-ia legislando e

interferindo no direito potestativo do empregador de despedir seu empregado.

Além disso, não devem existir exigências de exames pré - admissionais

ou no curso do contrato que visem a detectar a presença do vírus da AIDS,

pois ferem a intimidade e não medem a capacidade para o trabalho do

empregado. Estes exames, salvo nos casos de profissionais que atuam na

área da saúde, são discriminatórios, pois além de não haver razão para sua

existência, não medem a capacidade laborativa do empregado.

Portanto, o empregador não poderá utilizar-se de quaisquer medidas

discriminatórias que possam ferir a dignidade de seu empregado, muito menos,

em virtude da doença, despedi-lo, caracterizando, somente neste caso, uma

despedida discriminatória e muitas vezes obstativa. No caso do empregado

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não mais atender aos anseios da empresa, poderá sim ser despedido, com

respaldo na CLT, não caracterizando discriminação. Desde que reste provado

que o mesmo não vinha cumprindo com as suas obrigações laborais e que sua

saída da empresa não seja resultado de discriminação evidenciada por meio de

comentários ou condutas de colegas e/ou superiores é cabível, embora

evitável, a dispensa do portador do vírus da AIDS.

Quanto à pessoa que já manifestou a doença, a conduta mais acertada

parece ser aquela que mantém o empregado na empresa para que este possa

requerer o auxílio doença e, posteriormente, a aposentadoria por invalidez,

benefícios estes só concedidos na constância do contrato de emprego. Por

tanto, para que se evite uma despedida obstativa destes benefícios bem como

a impossibilidade de se empregar novamente deve-se manter o empregado

doente de Aids em seu emprego, interrompendo o seu contrato de trabalho.

Desta forma, o Direito do Trabalho estará cumprindo sua função social e

combatendo a discriminação contra estas pessoas.

Ao final deste trabalho, resta salientar que infelizmente inexiste um

diploma legal específico acerca dos direitos destes empregados. Por isso, é

mister e indispensável a redação de uma lei específica que garanta claramente

a estas milhares de pessoas seus direitos pois, somente desta forma, a

discussão acerca da garantia de emprego dos portadores do vírus HIV e dos

doentes de Aids estará encerrada.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 07

SUMÁRIO 08

INTRODUÇÃO 09

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CAPÍTULO I

A AIDS E A SOCIEDADE – BREVES NOÇÕES 11

CAPÍTULO II

O PORTADOR DO VÍRUS HIV E O DOENTE DE AIDS 13

2.1 - Os direitos e garantias legais do doente 14

2.2.- A discriminação e a seleção para o emprego 17

2.2.1 - O dano moral 24

2.3 - Os exames médicos 27

CAPÍTULO III

A INTERRUPÇÃO E A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 32

CAPÍTULO IV

A GARANTIA DE EMPREGO E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 38

4.1 - A reintegração e a indenização 51

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 59

ÍNDICE 62

ANEXOS 64

FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós – Graduação “Lato Sensu”

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Título da Monografia: OS EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS

HIV/DOENTES DE AIDS ESTÃO AMPARADOS PELA GARANTIA DE

EMPREGO NO BRASIL?

Data da entrega: Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 2005.

Autora: Ana Paula Vilar Cruz

Avaliado por: Conceito:

_______________________, _______de____________________ de

ANEXOS