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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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A FUNÇÃO HUMANIZADORA DA LITERATURA: A QUESTÃO DA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Profª Neide Biodere

Orientador: Dr. Paulo Roberto Almeida – UEL

RESUMO

Este trabalho foi produzido a partir da implementação didática do projeto do PDE, visando, inicialmente, pesquisar sobre a função humanizadora da literatura e a questão da variação linguística em obras literárias para a elaboração de uma produção didática, cuja aplicação foi realizada com a elaboração de atividades voltadas para a questão da variação linguística nos textos literários, por meio de análise crítica e exploração da função humanizadora da literatura em diferentes gêneros e, posteriormente, foi implementada no Colégio Estadual Bento Mossurunga de Ivaiporã, em uma turma de 3º ano do ensino médio. Na prática didático-pedagógica, por meio da leitura de diferentes textos literários buscou-se proporcionar aos alunos uma leitura crítica da realidade humana, em que o aluno olhasse para dentro de si, à sua volta e repensasse a sua vida e a vida das pessoas; uma reflexão sobre o fenômeno da variação linguística, em que fossem analisadas as diferentes modalidades de linguagem para que ampliassem a sua visão analítica em relação à linguagem e aos contextos sociais. Buscou-se, ainda, repensar a forma de ensinar a ler obras literárias, com o intuito de “didatizar” a leitura e experimentar uma proposta de trabalho pedagógico de literatura e linguística sem a contaminação das ideologias que empurram para um ensino marcado pela pressa; caracterizado por conteúdos condensados por meio de fragmentos de textos, com fórmulas para atingirem resultados para as seleções de vestibulares. Palavras-chave: Função humanizadora. Literatura. Variação linguística.

1 INTRODUÇÃO

O tema de estudo foi a literatura como ensino de leitura crítica e

humanizadora, por uma proposta de ensino que vise ao incentivo de leitura e à

leitura crítica, explorando a questão da variação linguística na linha de estudo da

Linguística aplicada e ensino de Língua Portuguesa, com o título “A função

humanizadora da literatura: a questão da variação linguística”, objetivando analisar

criticamente contextos e discursos dentro de vários textos literários.

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É importante no ensino aprendizagem de língua portuguesa o trabalho com

a leitura de textos literários em suas diferentes manifestações linguísticas, como

forma de propiciar aos alunos uma análise crítica sobre a realidade humana e uma

maior compreensão do fenômeno da variação linguística nas obras, com suas

especificidades discursivas usadas pelos personagens e como o narrador retrata

essas manifestações da língua nos diferentes contextos das obras. A leitura

crítica de diferentes textos literários, pode transformar e humanizar, fazer o aluno

olhar para dentro de si, olhar à sua volta e repensar a sua vida e a vida das

pessoas.

O ensino de literatura não está cumprindo seu principal objetivo que é

incentivar a leitura sensível e crítica, que transforme o leitor para que perceba todo

o jogo de palavras e compreenda as histórias, os temas poéticos e relacione com a

vida, com as pessoas, seus problemas. As aulas de literatura, em sua maioria,

baseiam-se em modelos ditados por livros didáticos que por sua vez se preocupam

em ensinar de forma rápida, por roteiros e modelos que cumpram com o

planejamento de conteúdos pré-estabelecidos e determinados pelas questões

cobradas em concursos e vestibulares.

Isso leva a um ensino superficial de leitura e de conhecimentos de língua

que não são eficazes para a formação do leitor crítico. Desta forma, este trabalho

se caracteriza pela elaboração de uma proposta de intervenção que promova a

leitura de textos literários, com enfoque na questão da variação linguística.

O trabalho teve como objetivo geral trabalhar com os alunos a questão da

variação linguísticas nos textos literários, por meio de análise crítica e exploração

da função humanizadora nos textos literários. Ainda foram estabelecidos os

objetivos de levar o aluno à reflexão, por meio de leituras e análises de obras

literárias, sobre as variantes da língua e a relação com os problemas sociais; criar

situações de produção de textos em que o aluno possa manifestar a sua

sensibilização sobre o preconceito linguístico e sua visão analítica em relação à

linguagem e aos contextos sociais.

A relevância do trabalho se confirma por ser a literatura um gênero textual

que educa e forma de maneira ampla, pois é completa em significados. Os textos

artísticos evocam sensações, trazem histórias que recriam a realidade, promovem

a fantasia tão necessária à vida humana. Assim, leitores se refletem e aprendem

por efeitos de comparações e distanciamentos, por relações e associações, pela

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imaginação que podem projetar através das leituras. Assim, como forma de atingir

a sensibilização, mexer com os sentimentos, os diferentes textos literários, com

suas marcas linguísticas, figuras de linguagem, imagens, com a riqueza sinestésica

são os textos que mais aproximam o ser humano de sua essência, de sua própria

realidade, por tratarem de temas humanos, metaforicamente, conforme nos aponta

Candido:

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório

por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo

arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se

combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um

elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e

implicando em uma atitude de gratuidade ( CANDIDO, 1972:53).

A literatura também é fundamental na educação, porque pode fazer com que

o leitor se torne mais crítico, para não ser uma pessoa ingênua que acredita nos

pensamentos impostos pela sociedade a qual está impregnada de diversos valores

e crenças e mais ainda pela força devastadora das ideologias do mundo do

consumo.

Por isso é preciso insistir com o trabalho de leitura voltado para os textos

literários e pensar sobre como fazê-lo, pois sabemos que há muita dificuldade em

fazer com que os alunos leiam e gostem de ler obras da literatura clássica.

Zilberman (1985) destaca que se a leitura está em crise é porque há algo

errado na maneira como está se ensinando. Ressalta, ainda, a preocupação sobre

como a leitura está sendo efetivada, pois muitos professores ficam presos aos

livros didáticos os quais, normalmente, trazem somente trechos de textos literários,

sem aprofundamentos.

Dessa forma, o ensino de língua portuguesa deve ser repensado em relação

aos estudos de literatura, pois é possível que dessa maneira estejamos

provocando reações contrárias das desejadas em relação à leitura.

A autora coloca que se é a literatura de ficção que permite e promove a

experiência mais ampla da leitura, a sua presença no âmbito do ensino provoca

transformações radicais, e revela a possibilidade de ruptura com os laços

ideológicos que convertem a escola em sala de espera de engrenagem burguesa.

(1985, p. 22).

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Os textos literários, por se constituírem textos carregados de linguagem

poética, carregam todas as sensações e desenvolvem as percepções humanas

para interpretações mais próximas dos sentimentos, seja da leveza ou da angústia.

Para Cândido (1972), a literatura da mesma forma que tem a capacidade de

promover a inteligibilidade também pode proporcionar a alienação, por carregar

ideologias e que, apesar de possuir autonomia, não se desliga da realidade e a

transforma também com seu poder de atuar sobre ela.

A literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando

nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

Os valores que a sociedade preconiza, ou os que consideram prejudiciais, estão

presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A

literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a

possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CANDIDO, 1989, p.

113)

Faz-se, então, necessário repensarmos a forma de ensinar, aprimorar

nossas escolhas de obras e leituras e didatizar a leitura sem a contaminação das

ideologias que nos empurram para um ensino marcado pela pressa, que acredita

na condensação de conteúdos por meio de fragmentações de textos e fórmulas

que atinjam resultados para os concursos de vestibulares. É como se

trabalhássemos a leitura de textos literários por receita única, num roteiro e

sequência lógica para que o aluno pense que está aprendendo e memorizando os

períodos, estéticas e autores dos movimentos literários.

Neste artigo, são apresentados embasamentos teóricos sobre o tema, os

quais direcionaram para justificar a elaboração da pesquisa, do projeto, da unidade

didática a ser aplicada na escola, os materiais ofertados no GTR dirigidos aos

professores.

Destaca-se, também a discussão sobre a implementação, as respostas

encontradas para o problema que gerou este trabalho. A discussão gerada pela

implementação, pela recepção dos estudantes sobre material didático elaborado,

também sobre as discussões dos cursistas do GTR, professores da rede pública

participantes do curso ofertado levantam questões importantes para o ensino de

leitura, da literatura e da sociolinguística.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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A leitura é fundamental para a formação do estudante e a leitura de textos

literários constitui-se como conteúdo obrigatório nas diretrizes do ensino e deve ser

compreendida como um direito do homem. De acordo com os autores aqui

apresentados, é por meio da literatura que o homem consegue refletir sobre sua e

realidade e sobre a realidade dos outros.

Cândido (1989) estabelece a distinção entre “bens compressíveis” e “bens

incompressíveis estabelecendo que este conceito está ligado: “[...] a meu ver com o

problema dos direitos humanos, pois a maneira de conceber a estes depende

daquilo que classificamos como bens incompreensíveis, isto é, os que não podem

ser negados a ninguém. [...] Outros são compressíveis, como os cosméticos, os

enfeites, as roupas extras.” (1989, p. 110-111)

A literatura também deveria ser um bem incompreensível, já que ninguém

passa todo o seu dia sem recorrer à fruição da ficção e da poesia. Por isso, deveria

ser amparada e reconhecida como valor fundamental à humanização. É uma

manifestação de um povo, por isso é um artifício poderoso no processo

educacional, formando personalidades, não induzindo, fazendo-as viver e

compreender-se como sujeitos.

Para Cândido (1989), a literatura atua em nós por ser “forma de

conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente.” (1989, p. 114).

Ao propiciar a aprendizagem, a literatura torna-se um objeto humanizado. Segundo

o autor, essa função de atuar no desenvolvimento psicológico do ser humano deve-

se ao fato de que “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na

medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a

sociedade, o semelhante”. (1989, p. 117). A literatura também possui um papel

social. Em todas as suas modalidades, é um direito inalienável.

Faz-se necessário compreender que uma leitura crítica envolve a relação do

contexto com o texto veiculado, por isso é importante que a escola não negligencie

este bem incompreensível e faça a mediação mais adequada ao contexto do seu

público alvo, seja esterico ou pertencente à classe trabalhadora. A literatura deve

promover a dignidade, deve ser explorada para que o homem cresça, que faça

sentido para si mesmo e para o mundo.

Dessa forma, devemos direcionar nossas aulas privilegiando as

possibilidades de leituras aprofundadas, amplas, completas. O aluno deve ter a

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oportunidade de conhecer o contexto e a obra por inteiro, compreender o texto

ideologicamente. Sentir e perceber cada detalhe do texto, as variações da

linguagem, os personagens e suas características, as relações das imagens

produzidas e pelas sensações conseguir relacionar e associar com a vida.

Através da leitura e análise de textos literários podemos aproximar os temas

com a realidade social, estimulando a reflexão e a imaginação do indivíduo. Dessa

forma, o presente trabalho fundamenta-se nas DCE’s (2008), nas considerações

sobre o trabalho com a leitura em sala de aula de Zilberman (1986), tendo em vista

a função humanizadora inerente à leitura de textos literários assim como a função

formadora, capaz de transformar indivíduos em seres pensantes e críticos, como

postula Antonio Candido (1972).

Pela observação das aulas e dos alunos, constata-se a dificuldade de leitura

crítica de textos literários, com pouca intimidade com linguagem poética. O aluno

do ensino médio, em grande parte, não compreende a real importância da literatura

em sua aprendizagem. Tem consciência de que precisa saber sobre os períodos

literários, seus autores, obras e estética, porém não reconhece esse tipo de leitura

como essencial para a sua formação como estudante e como pessoa. Também

não consegue ter a dimensão da influência da leitura crítica de textos poéticos para

as relações sociais.

É possível pensar sobre essas questões observando o ensino de língua

portuguesa, observar como o ensino pelo livro didático trata o texto literário como

objeto de ensino da gramática ou de fórmulas para memorização dos movimentos

literário se como o próprio reconhecimento das variações linguísticas acaba sendo

pouco explorado dentro das obras literárias. Muitas vezes serve apenas para a

percepção de um personagem caricaturado como é visto nas reproduções

cinematográficas ou televisivas. As atividades nem sempre contemplam essas

variações como deveriam, mostrando como estão relacionadas a contextos

políticos e sociais, vinculadas também a uma estética e suas influências.

Zilberman (1986), preocupada com a questão da leitura em sala de aula, e

como melhorar tal impasse; recorre a Candido (1989), no que diz respeito àfunção

humanizadora inerente à leitura de textos literários, assim como a função

formadora capaz de transformar indivíduos em seres pensantes e críticos. Segundo

Candido (1972, apud DCES,2008), as leituras de textos literários são “de valor

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importantíssimo, por se ligar à vida social. A literatura é vista como uma arte que

transforma e humaniza o homem e a sociedade, e também formadora do sujeito.”

Candido (1989, p. 110), em seu artigo “Direitos Humanos e Literatura”,

ressalta a importância da literatura na sociedade, mostrando também, como

deveríamos agir sobre direitos humanos, pois pensar sobre tal assunto “tem um

pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é

também indispensável para o próximo”. É inerente ao ser humano acreditar que

seus direitos sempre são mais urgentes que os do outro. Assim, temos os bens

compressíveis, que seriam coisas, objetos de nosso interesse, sem ser algo

verdadeiramente necessário para nossa sobrevivência. E os bens incompressíveis,

que não podem ser negados a qualquer indivíduo, pois é algo de que precisamos,

que é necessário para termos uma vida digna, como por exemplo: a comida,

saúde, educação, e também a fruição da arte e da literatura, pois segundo o autor

Candido, ela age no subconsciente e no inconsciente do ser humano.

A literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação,

entrando nos currículos, sendo proposta cada um como equipamento intelectual e

afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que consideram prejudiciais,

estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação

dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,

fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CANDIDO,

1989, p. 113) Portanto, a literatura se torna indispensável na formação de

personalidade, emoções, expressões, reflexão, aquisição do saber, percepção da

complexidade do mundo, criatividade, criticidade de um indivíduo, desenvolvendo

“em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos

e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.” (CANDIDO, 1989, p.117).

[...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos

essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa

disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade

de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da

complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura

desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna

mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o

semelhante (CANDIDO, 1989, p. 117

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De acordo com Zilberman (1985), a escola pode transformar um indivíduo

habilitado à leitura em um leitor, ou não; pode também afastar a criança de

qualquer leitura. Em razão dessa contradição, não se trata apenas de valorizar a

leitura enquanto procedimento de apropriação da realidade, mas é preciso delimitar

o sentido do objeto através do qual ela se concretiza: a obra literária. Pois,

acreditando-se que o ato de ler, em decorrência de sua natureza, se reveste de

uma aptidão cognitivaque sem o texto que demanda seu exercício. (ZILBERMAN,

1985, p. 17).

A leitura de textos literários pode ser uma forma de diminuir preconceitos

linguísticos porque apresenta formas diferentes de manifestações linguísticas por

meio de contextos e personagens com suas histórias, seus conflitos, suas

performances. Em contato com essas variações é possível experimentar a língua

em seus inúmeros usos.

A linguagem, portanto, é mais uma maneira de integração e de aceitação dos membros que são incluídos de preencheram os requisitos ali apregoados. É um fato que se dá naturalmente e não uma escolha, o indivíduo incorpora sua marca linguística, sobretudo do meio em que vive. (ICHIKAWA, 2003, p.44)

De acordo com Cagliari (1989 apud ICHIKAWA, 2003. p. 44), os indivíduos

aprendem a variação linguística peculiar das comunidades em que moram, porém,

a sociedade se utiliza desses modos peculiares de se expressar para marcar

indivíduos e classes sociais pelo modo de falar. Esta atitude social revela os

preconceitos, pois marca diferenças linguísticas como índices de estigma ou

prestígio.

Tarallo (1986) coloca que a variação é vista pela sociedade como um “caos”

linguístico, em outras palavras, como um campo de batalha em que duas (ou mais)

maneiras de se dizer a mesma coisa se enfrentam em um duelo ou em um

combate sangrento de morte.

Ainda, considerando as DCES de Língua Portuguesa(2008), que são uma

referência aos professores e utilizadas como base no ensino e aprendizagem,

relatam que é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes

práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de

inseri-los nas diversas esferas de interação. Se a escola desconsiderar esse papel,

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o sujeito ficará à margem dos novos letramentos, não conseguindo se constituir no

âmbito de uma sociedade letrada. (DCES, 2008, p.48)

A partir dessas considerações foi desenvolvida a proposta de intervenção

com objetivos de contribuir com a leitura crítica dos alunos em questão,

promovendo oportunidades de experiências sensoriais e análises a partir de textos

literários selecionados. Esse trabalho teve a expectativa de atingir a consciência

dos alunos sobre a importância da leitura crítica e da humanização por meio de

textos literários. O nível de leitura desejado deve ser ampliado com a busca do

desenvolvimento de um olhar crítico para a questão da linguagem dos textos, com

foco nas variações linguísticas presentes nos textos, com o intuito de aproximar o

leitor da língua, pelo reconhecimento deste de que a língua é inventada pelo

homem mediante seu contexto e necessidade e que ela reflete a própria história do

homem.

3 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO

O trabalho de intervenção pedagógica, em busca de reconhecer-se

como uma ação sobre um objeto de estudo, visou identificar atividades que

contribuíssem com o desenvolvimento das capacidades de leitura e

interpretação, tendo como objetos de ensino o texto literário e a variação

linguística. Foi realizado no Colégio Estadual Bento Mossurunga, município de

Ivaiporã- Pr, com os alunos dos 3 º ano do Ensino médio do período noturno .

A organização dessas atividades resultou em uma unidade didática de

leitura orientada para que os alunos tivessem a percepção da leitura crítica de

textos literários que promovessem o reconhecimento da variação linguística e

que os estudantes também refletissem sobre suas leitura, como se sentiam em

relação a si mesmos e em relação aos outros. Para registrar os passos dessa

atividade utilizei como registro as aulas, os planos de ensino, as atividades

aplicadas, a observação dos alunos e seus depoimentos e o processo analítico

para avaliação dos dados.

Para efetivação do trabalho foram propostas as seguintes ações:

1. Elaboração de uma Unidade Didática com atividades que priorizem a

leitura e análise de textos literários, com enfoque na variação linguística;

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2. Apresentação do plano de trabalho à direção, equipe pedagógica e

professores do colégio;

3. Realização das atividades da Unidade didática;

Leitura de textos literários como contos, romances, poemas,

músicas;

Atividades de leitura para percepção da variação linguística nos

textos;

Realização de atividade prática de leitura que requeiram análise

crítica dos textos;

Filmagem de realização de algumas atividades;

Gravação de depoimentos

4. Socialização das atividades e resultados com os alunos envolvidos para

avaliação da pertinência do trabalho;

5. Socialização dos dados com equipe pedagógica e direção da escola e

demais colegas professores da escola.

Este trabalho de intervenção foi amparado teoricamente em Antônio

Cândido (1989), Regina Zilberman (1985), os quais defendem a leitura de

textos literários na escola e na formação do indivíduo como um direito do

homem e como forma de estimular no aluno o desejo de ler. Está também

norteado nas DCES (2008), que imprimem a concepção da importância e

obrigatoriedade da literatura para o ensino de leitura em Língua Portuguesa e

em outros autores que comungam com a concepção da importância da leitura

crítica e da humanização para a formação do estudante. E, embasado, ainda,

nas concepções da linguística de Fernando Tarallo (1986) e Marcos

Bagno(2008), que consideram o sujeito e a língua dentro de um contexto sócio

histórico.

3.1 OFERTA DO GTR: COMPARTILHANDO O PROJETO E A UNIDADE

DIDÁTICA COM OS PROFESSORES DA REDE

A partir do projeto e da unidade didática foi ofertado o curso do GTR,

que foi um momento de interação com os professores da rede estadual de

ensino público, cujas contribuições por meio das realizações das tarefas

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solicitadas permitiram reflexões específicas sobre a área de conhecimento do

projeto e também sobre o próprio trabalho desenvolvido e disponibilizado para

leitura e discussões.

O curso foi direcionado a partir de algumas questões elaboradas a partir

do problema de pesquisa que permitiram a criação da unidade de ensino para

o professor e para o aluno:

Como compreender a função humanizadora? Qual a sua importância

para o ensino de leitura dos textos literários? Como esse conhecimento

pode contribuir para a formação do aluno?

Como definir variações linguísticas e compreender a sua importância

para o ensino de língua portuguesa? Como compreender essas

variações nos textos literários e quais influências elas exercem para a

construção do sentido do texto?

É possível comparar o uso de variantes linguísticas em textos de

diferentes épocas como o poema de séculos atrás e músicas atuais?

Como essas comparações podem contribuir para o incentivo à leitura

crítica e como essas leituras podem sensibilizar para a compreensão da

função humanizadora da literatura?

Os professores puderam expor suas angústias em relação ao ensino de

literatura, as dificuldades que enfrentam, atualmente, em levar os estudantes a

lerem criticamente e, principalmente lerem textos da literatura clássica.

Concordaram que é preciso insistir e demonstraram muito interesse em

aperfeiçoar estudos sobre essa área.

Pelas respostas dos cursistas, foi possível ter uma ideia de como veem

o problema discutido pela pesquisa, destacando-se as dificuldades sobre o

ensino de leitura, as deficiências das bibliotecas das escolas, a influência

negativa da mídia em relação ao consumo; a falta de aperfeiçoamento

específico para os professores de Língua Portuguesa. Também, destaca-se o

preconceito linguístico como causa de baixa autoestima dos estudantes e

motivo até de reprovações em disciplinas.

Os docentes contribuíram de forma relevante para a elaboração deste

artigo, pois pelos textos, pelas propostas didáticas que disponibilizaram nas

tarefas é possível afirma que reconhecem a fragilidade do ensino nessa área e

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que se colocam no processo dessas falhas que são cometidas em aulas, pois é

consensual que trabalhar com literatura não é tarefa simples, exige do

professor muitas leituras e estudos, o que não é incentivado pelo sistema atual

de ensino. Dessa forma, o professor atua como repassador dos livros didáticos,

dos fragmentos elaborados para serem lidos pelos estudantes e ainda, do uso

da literatura para ensinar a gramática.

Essas considerações feitas por eles confirmam que é preciso repensar o

ensino de leitura, de produção textual, de leitura, de língua portuguesa,

aderindo às concepções da linguística textual, que considera o texto e o

contexto da língua e que reconhece o sujeito sócio e historicamente em seu

discurso. Todas essas análises dos professores remetem às pesquisas sobre a

importância de trabalhar didaticamente a literatura e a língua portuguesa de

forma geral pensando em propostas que promovam a reflexão sobre a própria

língua, que compreendam a língua em seu contexto e que considerem acima

de tudo o ser humano como centro do processo. É importante ensinar a

interpretação por meio de análise crítica de textos literários, fazendo com que

os alunos pensem sobre a realidade do homem e suas manifestações

linguísticas, que compreendam como estas são retratadas nas obras, com suas

especificidades para que reconheçam manifestações de poder e alienação,

discriminação e posicionamentos. Essas leituras críticas podem transformar e

humanizar pela capacidade de causar a reflexão, fazer o aluno olhar para

dentro de si, olhar em sua volta e repensar a sua vida e a vida das pessoas.

Também é importante o reconhecimento dos temas discutidos pela

literatura em outros textos de outros tempos e em outras formas e discursos e

linguagens para que comparem as várias formas de manifestações e percebam

como a literatura manifesta opiniões e promove reflexões.

4 CONSTRUINDO AS RESPOSTAS

Cândido (1989, p. 110), em seu artigo “Direitos Humanos e Literatura”,

destaca a importância da literatura na sociedade, demonstrando também como

deveríamos agir sobre direitos humanos, pois pensar sobre tal assunto “tem um

pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós

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é também indispensável para o próximo”. Pois é próprio do ser humano

acreditar que seus direitos sempre são mais urgentes que do outro.

Assim, temos os bens compressíveis, que seriam coisas, objetos de

nosso interesse, sem ser algo verdadeiramente necessário para nossa

sobrevivência. E os bens incompressíveis, que não podem ser negados a

qualquer indivíduo, pois é algo de que precisamos, que é necessário para

termos uma vida digna, como por exemplo: a comida, saúde, educação, e

também a fruição da arte e da literatura, pois segundo Candido, ela age no

subconsciente e no inconsciente do ser humano. Na citação a seguir, Candido

mostra de forma clara a importância desta (organizar a escrita, porque está

igual ao texto original).

... é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação. Se a escola desconsiderar esse papel, o sujeito ficará à margem dos novos letramentos, não conseguindo se constituir no âmbito de uma sociedade letrada. (DCES, 2008, p.48)

Daí importância do reconhecimento das variações da língua em

contextos literários, porque o autor de textos de literatura retrata a essência

buscando aproximar ao máximo do personagem, caracterizando-o e nessa

caracterização também entra o sua fala, o seu discurso, o que compõe o

personagem em sua ideologia, sua crença, seu contexto sócio econômico.

Para se compreender bem esse complexo fenômeno de variação é

interessante o uso do texto literário, já que é rico em recursos e porque reflete

a própria realidade, criando mundos possíveis, espelhando a diversidade da

linguagem e a multiplicidade da sociedade. Por meio do texto literário, o

professor de língua materna pode refletir junto com o aluno sobre os recursos

linguísticos da obra, ampliando-lhe a competência linguística.

A conscientização da variação linguística capacita o aluno a dar mais

verossimilhança a um texto construído por ele, por exemplo, em que haja

diversidade de vozes de personagens e de lugares sociais. De posse da

diversidade de recursos linguísticos, a produção textual passa a ser atividade

criativa de exposição da variação linguística. Nela, o aluno perfaz o caminho

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“uso > reflexão > uso”, proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.

(1998, p. 40)

A variação linguística nos textos literários configura-se assunto abordado

em outras ocasiões por linguistas brasileiros. Dino Pretti, em Sociolinguística:

Os Níveis da Fala – Um Estudo Sociolinguístico do Diálogo Literário (1977), já

a fundamentou nos pressupostos teóricos da sociolinguística em textos do

Romantismo e do Modernismo brasileiro. Outro que o fez foi Uchôa (2002),

num trabalho de linguística aplicada voltado para o ensino da variação. Para

entrarmos na seara da literatura e da variação linguística, orientamo-nos por

ambos.

Primeiramente, fundamentaremos nossa reflexão sobre variação

linguística e sobre seu uso literário, utilizando como base teórica autores como

Herculano de Carvalho, Eugenio Coseriu, Dino Pretti, Carlos Eduardo Falcão

Uchôa e Travaglia. Em seguida, analisaremos alguns textos literários e

diálogos possíveis dos mesmos com textos musicais.

Os objetivos desta unidade foi levar os estudantes a perceberem os

elementos que a determinam a linguagem, afetando a matéria linguística. O

principal intuito é, a partir da consciência da variação, que determinada forma

linguística goza no seio da comunidade, orientar o educando a perceber que a

língua pode ser um elemento de poder e de discriminação e, que a partir dessa

consciência perceba o quanto ela é humana e o quanto influencia em

determinados contextos. Também, o propósito é levar o estudante a adequar

sua linguagem aos diversos contextos, interlocutores e temas. Com isso,

estaremos contribuindo para que os alunos tornem-se “poliglotas” em sua

própria língua, como propôs Bechara (2004), cooperando assim para o

desenvolvimento de sua competência linguístico-comunicativa, item relevante

para sua cidadania. Por fim, para dialogar e contribuir com o trabalho do

docente de língua materna, sugerimos um modo de trabalhar tal conto em sala

de aula, privilegiando a diversidade de vozes e de opiniões, preconizando

consciência dos elementos condicionantes da variação. Isso nos permitirá

observar que há lugar tanto para a língua popular (a qual é muito relevante na

literatura) , quanto para a padrão nas aulas de língua, sem prescindir da

importância desta para a desenvoltura social do educando.

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Coseriu (2004) estabelece que a competência em linguagem depende

sempre de sua tríplice dimensão: os níveis do saber linguístico dos falantes,

presentes em cada ato comunicativo. Consideramos, portanto, pertinente que o

ensino de língua seja fundamentado nos três níveis do saber linguístico, a

saber: o nível universal; o histórico e o de sistemáticas do português.

Travaglia (2004) chama atenção para o papel da variação da linguagem

no ensino de língua portuguesa, preconizando que sua presença contribui para

suprimir preconceitos e para instrumentalizar 3306 Cadernos do CNLF, Vol.

XIV, Nº 4, t. 4 o educando na adequação de sua linguagem aos diversos

contextos comunicativos exigidos socialmente. Sendo assim, é de suma

importância trabalhar a variação em sala de aula, cuja consciência por parte do

aluno tornar-se-á útil no desenvolvimento de sua competência linguística.

3.2 O projeto de intervenção e a realidade escolar

Todo projeto de intervenção a ser aplicado em uma escola deve partir de

uma realidade, de um contexto. É preciso saber quem somos? Em primeiro

lugar conhecer a sociedade caracterizada como a sociedade da informação

pelo fácil acesso à comunicação e às novas tecnologias. Porém, essa

gratuidade é cobrada em forma de falta de sensibilidade, de compreensão, de

raciocínio lógico, de criatividade, de solidariedade e humanidade. As pessoas

acreditam que detêm o conhecimento pela facilidade do acesso, mas é

importante pensarmos sobre esse conhecimento, como ele chega e como é

recebido.

Este projeto foi pensado a partir de realidades escolares por onde fiz

minha trajetória como professora, mais especificamente cabe ao contexto do

Colégio Estadual Bento Mossurunga, onde os estudantes pertencem a uma

classe social mais baixa, privada de atividades culturais. Também, o aluno

possui característica de desânimo pelos estudos e baixa autoestima. A maioria

já migrou de colégio várias vezes, buscando identificação com ambiente

escolar e possibilidades de aprovação.

O estudante, hoje, em sua maioria, é inserido nessa sociedade, é o

indivíduo que convive com o materialismo e o consumismo imediato. Aprender

para ele também passa a ser apenas cumprimento de etapas por aprovação.

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Assim, perde-se o verdadeiro sentido do aprender, que é saber e conhecer

para aperfeiçoar-se como ser humano. “A sociedade da informação informa

bem menos do que se imagina, assim como a globalização engloba as pessoas

e povos bem menos do que se pretende. Na sociedade da mercadoria,

mercadoria vem antes.” (DEMO, 2000). Assim, o nosso aluno é alguém

buscando conhecimento sem saber como encontrá-lo, pois repete muitas vezes

comportamentos sociais de indiferença aos estudos, já que para ele, estudar é

apenas obter resultado.

A família hoje se transformou, tem novas características, o que não

muda nada em termos de sua importância social. Porém, a forma como a

família lida com as questões da educação dos filhos surpreende os

personagens da escola. Observamos que as famílias não sabem como

resolver situações novas ou conflitos e acabam transferindo suas

responsabilidades para a escola. Há uma insegurança na voz dos pais sobre

como educar os seus filhos e por outro lado, muita alienação em relação ao

amparo físico e afetivo. É possível dizer que a família não tem a consciência de

sua verdadeira responsabilidade sobre os filhos. De acordo com (BOSSA,

1995), fatores da vida psíquica podem atrapalhar o bom desenvolvimento dos

processos cognitivos, e a relação com a aquisição de conhecimentos e com a

família, na medida em que atitudes parentais influenciam sobremaneira na

relação do indivíduo com o conhecimento. Sabemos que só se aprende quando

existe o desejo de aprender. Assim, é essencial que os pais incentivem esse

desejo.

A escola atual reproduz ainda um modelo de fragmentação de

conteúdos, pelo modelo tradicional de divisão de disciplinas, aproveitamentos

das mesmas e resultados quantitativos. Isso reflete em atitudes de afastamento

e desmotivação dos estudantes, pois não há envolvimento real nas tarefas, nas

atividades. Só é possível aprender verdadeiramente quando não apenas se

reproduz uma intenção do professor, é preciso ter um motivo que remete o

indivíduo àquele conhecimento para atender o seu desejo de fazer. Para

aprender é preciso se envolver de tal forma que se constate o verdadeiro

motivo de estar fazendo uma tarefa.

O professor, nesse contexto, é a figura que ainda tenta acreditar nesse

modelo, contudo sabe que ele não funciona mais, pois constata em suas aulas

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a falta de ânimo dos alunos em aprender e frustra-se muitas vezes com as

atitudes dos estudantes de desrespeito para com ele. É possível que esse

mesmo professor ainda não tenha compreendido a realidade escolar e por isso

também sofre as consequências de um ensino que cai no vazio. Era um

modelo que funcionava em outros períodos históricos, em outro modelo de

sociedade.

Este projeto, intitulado “A função humanizadora da literatura: a questão

da variação linguística” foi pensando como uma forma de levar os estudantes

a analisarem criticamente textos literários para que consigam observar as

mensagens e críticas neles contidos, pois em minha carreira de professora,

pude trabalhar em vários contextos escolares, em contextos onde os

estudantes pertenciam a classes sociais mais pobres e que possuíam poucas

experiências culturais e em contextos onde os estudantes faziam parte de

classes sociais um pouco mais privilegiada culturalmente e, o que sempre

constatei é que em todas elas os estudantes carecem de sensibilidade para

entender as questões universais e locais, inclusive questões nas quais estão

envolvidos. Os ambientes se repetem em relação à falta de sensibilidade e o

individualismo sempre acaba perseverando.

No Colégio Estadual Bento Mossurunga, onde implementei o projeto, a

realidade é de uma classe social pobre culturalmente, pois os estudantes

trabalham para sobreviver e estudam com poucas perspectivas de

continuidade dos estudos. Não acreditam em si mesmos como estudantes,

acham que não têm potencial para realizar um curso superior em uma

universidade pública e não conseguiriam pagar uma universidade privada. Daí

a falta também de estímulo para estudar e demonstram esse desânimo durante

as aulas. Porém, ao trabalhar com a literatura, poemas e crônica, durante as

discussões sempre percebo maior interesse por parte dos mesmos, pois

quando são discutidos problemas, questões em que se veem ou que veem

pessoas próximas a eles, conseguem interagir e refletir.

O projeto foi pensado para trazer essas leituras que promovem reflexões

fundamentais sobre temas importantes universal, regional e local, e ainda,

sobre como os personagens são retratados pelos autores, como a linguagem

utilizada marca as personagens histórica-social e politicamente. Dessa forma,

as análises de conteúdo e de linguagem permitirão aos estudantes discussões

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sobre temas sociais, analisar como os autores literários trazem essas reflexões

em suas obras em épocas e estilos diferentes, perceber as variantes

linguísticas e suas formas de poder e discriminação social.

Este trabalho foi elaborado a partir de uma realidade social e escolar,

pois é preciso considerar que para aprender o estudante necessita se

sensibilizar mais com as questões da sociedade e com indivíduos como os

quais se relaciona, perceber o lugar onde vive, suas características. Para isso,

acima de tudo ele precisa se conhecer melhor, olhar para dentro de si para

depois se colocar no lugar do outro.

A função educativa da literatura, de acordo com CÂNDIDO (1989), é

muito mais complexa do que pressupõe um ponto de vista estritamente

pedagógico, pois a literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia

oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa,

— o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme os interesses dos grupos

dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Destaca que a literatura

age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela, — com

altos e baixos, luzes e sombras. Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos

moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo fascinados pela sua força

humanizadora e temerosos da sua indiscriminada riqueza.

Dessa forma, o projeto contribuiu com essa realidade geral envolvendo

escola, seus atores e principalmente os estudantes. O projeto de intervenção,

inserido em uma realidade pode transformá-la e, neste caso, transformar por

meio de leitura literária com o intuito de humanizar e capacitar linguisticamente

os estudantes.

5 ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

É importante observar a recepção dos estudantes quanto à leitura dos

textos selecionados e quanto à interpretação dos enunciados das atividades,

pois não é fácil preparar um material didático sem a visão real da recepção.

Assim, quando aplicados os exercícios propostos de leitura e produção, foi

possível constatar que em alguns momentos os estudantes tiveram autonomia

para responder, porém, em determinados momentos, na leitura de alguns

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enunciados era sempre preciso fazer intervenções mais detalhadas, ler

novamente, explicar com outras palavras ou ilustrações.

A partir da apresentação do projeto e sensibilização sobre o tema, os

estudantes se prontificaram a participar e realizar as atividades. Assim,

começamos com as leituras e as propostas de analises.

Esse problema é antigo, esbarramos na questão do nível de leitura dos

estudantes e no nível de leitura do produtor textual, ambos são motivos para a

reflexão sobre os problemas de leitura e escrita. Se por um lado quem elabora

o texto deve se preocupar com o receptor, no caso, o autor de materiais

didáticos deveria conhecer melhor o estudante e seu nível de compreensão de

leitura.

5.1 Respostas dadas pelos estudantes

Na primeira atividade proposta, os estudantes pesquisaram sobre Lima

Barreto, o contexto histórico do período em que escreveu o texto, leram a

crônica “Uma outra, do autor e realizaram os exercícios, os quais foram

direcionados para a análise crítica do texto. A essas questões apresentadas, os

estudantes não tiveram dificuldades, responderam, interagiram com o texto e

alguns estudantes disseram que eram mais fáceis que as atividades do livro

didático que usavam. Exemplo de questões: 1-Qual o tipo de narrador da

crônica? Quais suas características?2-Na crônica, o autor estabelece a

diferença entre o papel do doutor e a das pessoas comuns. Como apresenta

essa divisão?3-Como as variantes da língua são demonstradas nessa divisão?

Dê exemplos.3-Qual a crítica presente no texto?4-Explique o significado das

expressões do texto: a) “É doutor e basta, mesmo que seja em filosofia e letras,

coisas muito parecidas com comércio e navegação.” b) – “Pois não! Que doutor

é esse que não sabe abrir porteira? Não foi essa a reflexão do caboclo?”.

Nessa atividade, foram nove exercícios, com variedade de questões

discursivas e de múltipla escolha. Constatei bastante interesse dos estudantes

sobre o texto e facilidade para ler e responder os exercícios, o que talvez se

deva ao fato de ser uma crônica, um gênero de texto curto, de linguagem

simples. Alguns estudantes solicitaram mais explicações sobre alguns

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enunciados de questões, o que remete ao fato de leitura de vocabulários e

maior compreensão do que realmente era para fazer na atividade.

Na segunda atividade, os estudantes foram ao laboratório de informática

pesquisar sobre os autores dos textos propostos e ouvir as músicas propostas

para análises. Eles receberam a orientação didática para ler e analisar os

textos musicais percebendo as variantes linguísticas de contextos, inclusive

percebendo as diferenças sociais marcadas pela linguagem. Também foi

chamada a atenção para a época que distinguia alguns elementos importantes

na discussão temática. Era importante que eles conseguissem relacionar os

textos com a crônica de Lima Barreto, analisando a intertextualidade, que se

dava pela linguagem e tema.

A atividade teve resposta bastante positiva dos estudantes, primeiro

pelas músicas Cálice – de Criolo e a música Cálice de Miltom Nascimento. No

início, ouviram as músicas, compararam a sonoridade, a letra, os contextos em

que cada uma foi escrita para depois realizar as questões. Também, analisar

os textos quanto ao diálogo estabelecido entre os textos permitiu reflexões

importantes sobre as diferentes realidades dos contextos, principalmente sobre

o período político e social de cada sociedade vigente e a variante linguística

também foi observada pelos estudantes pela diferença de estilo musical,

época, contexto político e social. Já, os temas não se diferenciaram muito, pois

o calar nas duas músicas refere-se à falta de liberdade de expressão ou de

poder viver uma vida livre de repressões.

Depois, estabelecer a intertextualidade com o tema da crônica “Uma

outra”, estudada anteriormente, também foi uma atividade bem pensada, pois

não houve dificuldade por parte dos estudantes em interpretar, já que os textos

abordam diferenças sociais, repressão e suas consequências.

Didaticamente, a aula foi prazerosa, segundo eles, mas surgiram

algumas dificuldades para responderem as questões relacionadas à

compreensão. Essas dificuldades exigiram a atenção e maiores explicações

para eles, em alguns momentos até, foi preciso explicar individualmente.

Porém, foi possível pensar em aperfeiçoar os enunciados e também, pelo

interesse dos estudantes, constatei a importância dessa preparação e

orientações didáticas. A relação entre escolha do conteúdo, seleção de textos

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para aplicá-los e a didatização tornam-se questões inseparáveis ao se planejar

um material didático.

Na outra proposta, a atividade III, o trabalho foi mais amplo e complexo,

exigiu muito mais intervenções de minha parte, pois mesmo planejada dentro

de um tempo, foi preciso contar com a disposição dos alunos para ler a obra, a

qual foi disponibilizada a todos. Foi desafiador, porque em uma turma que não

tem o hábito de ler, foi preciso estimular, explorar as leituras em sala de aula,

solicitar complementações em horários complementares aos de aulas.

A obra Bruzundangas foi explorada visando a várias questões, temas,

linguagem, espaços e tipos de personagens. Todos eles pensados para que o

estudante observasse e analisasse as diferenças linguísticas relacionadas ao

contexto e também aos personagens.

As leituras foram realizadas pelos estudantes, em sala de aula e extra

sala de aula, por isso nem todos conseguiram ler, houve uma porcentagem de

60% deles que conseguiram realizar a leitura completa, os outros 40% somente

leram o que foi solicitado em sala de aula, o que comprometeu um pouco o

nível de compreensão e respostas das questões.

Porém, o objetivo foi atingido em relação à leitura, pois foram verificadas

as respostas das questões e, mesmo os que não haviam lido a obra por inteiro,

conseguiram buscar as repostas no texto em sala de aula, claro que essas

respostas não atingiram a expectativa de resposta ideal, mas pode-se afirmar

que conseguiram atingiram um nível intermediário de respostas.

Na atividade IV, que foi elaborada para que o estudantes analisassem

fragmentos de textos literários, estabelecendo a relação temática e a

intertextualidade linguística por meio das características das variantes da

linguagem. Foi solicitada a leitura das obras na íntegra e pesquisassem sobre

o período literário em que as obras foram escritas para que conheçam um

pouco mais sobre a influência do período histórico-político-social e das

estéticas predominantes. Foram também disponibilizadas referências para

leituras e também materiais expositivos sobre o período e sobre o autor.

Foi solicitada a análise da questão da variação linguística no fazer

literário a partir de dois fragmentos de textos literários importantes de nossa

literatura: do poema Y-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, composto em 1851,

peça literária e reconhecida como monumento representante do indianismo no

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movimento romântico no Brasil e o fragmento do romance Feitiço da ilha do

Pavão, de João Ubaldo Ribeiro (1997).

Os estudantes demonstraram interesse no reconhecimento das

variantes linguísticas e também sobre o posicionamento do índio mediante o

sofrimento e a opressão, na visão romântica do narrador. Foram levantadas

questões sobre o indianismo, os problemas do Brasil em relação ao índio e

comparação da visão sobre o índio nos diferentes momentos históricos e

literários.

Durante as leituras e manifestações dos estudantes sobre como veem

os índios, constatei visões preconceituosas e de falsos estereótipos sobre o

índio que vive nas comunidades locais. Alguns estudantes demonstraram

acreditar que o índio é preguiçoso e viciado em bebidas e drogas por vontade

própria, o que sabemos não ser uma visão exclusiva desses estudantes e sim

de uma boa parte da sociedade brasileira.

Após algumas leituras e discussões alguns afirmaram mudar de opinião

e justificaram penar assim devido ao desconhecimento sobre a verdade

referente ao histórico social do índio brasileiro. Nesse conhecimento podemos

dizer que a literatura dá uma grande contribuição, pois mesmo em uma visão

romântica, mesmo não tocando em assuntos de opressão e dominação, de

desvalorização de cultura, não coloca o índio de forma desprestigiada e, em

contextos mais realistas e modernistas, reflete sobre o verdadeiro problema do

índio no país.

Na proposição V, que foi a uma análise intertextual de poemas que

tratavam de variantes linguísticas de formas diferentes, foi pedido aos

estudantes que analisassem as questões a fim de perceberem que no primeiro

texto o autor aborda indiretamente a diferença linguística pela própria

manifestação comunicativa, e que no no segundo texto, o autor discute a

própria metalinguagem na manifestação linguística de uma variação genuína e

simples e, assim, foram apresentadas informações sobre os autores Patativa

do Assaré, sobre o seu analfabetismo, e como sua obra atravessara o mundo e

se tornara conhecida e importante para o mundo.

Também, foram propostos exercícios para que analisassem o diálogo

entre a poesia e as músicas sertanejas de raiz dos autores Anacleto Rosas

Junior e Arlindo Pint “A cruz do caminho” e “Chico Minero” de Tonico e Tinoco,

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as quais abordam também uma variante específica da língua e que retratam de

forma poética essa variante no estilo de música caipira. Esperava-se que o

aluno percebesse o quanto uma variante retratada sem preconceito e com

sensibilidade valoriza a linguagem e um meio social e o objetivo foi atingido,

pois os estudantes responderam as questões dentro das repostas esperadas e

ainda comentaram o quanto essas músicas são valorizadas até hoje.

Dessa forma, o resultado foi atingido em relação à leitura em todas as

atividades, tanto no que se esperava sobre a função humanizadora da literatura

quanto sobre as variações linguísticas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho permitiu uma grande reflexão sobre a função

humanizadora da literatura e sobre as variações linguísticas, cumprindo seu

principal objetivo e ainda acrescentou importantes reflexões referentes à

didatização da leitura literária a partir das contribuições dos professores no

GTR e ainda mais com as observações das atividades realizadas pelos

estudantes que participaram da implementação.

Em resposta às indagações iniciais que suscitavam estudos para a

compreensão da função humanizadora, sobre qual a sua importância para o

ensino de leitura dos textos literários e como esse conhecimento pode

contribuir para a formação do aluno, é possível afirmar que basta ler textos

literários, buscar contextos, analisar o texto do ponto de vista do narrador,

observar quem são os personagens, seus sentimentos, seus problemas, suas

expressões, manifestações discursivas. Orientar o estudante a interagir com o

texto, analisando os problemas e temas destacados, as ideologias, a filosofia

presente, todas essas tarefas pertinentes à aula de literatura é colocar em

prática o que diz CANDIDO( ), quando se refere à literatura como um direito à

formação do homem, quando coloca a importância da leitura literária para a

libertação e luta contra a alienação. (complementar)

Também foi possível responder às questões voltadas para a

sociolinguística que se voltavam para a definição de variações linguísticas e

compreensão de sua importância para o ensino de língua portuguesa e de

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como a compreensão dessas variações nos textos literários pode influenciar

na construção do sentido do texto pelo leitor. Essas indagações foram sendo

respondidas à medida que os estudos foram se aprofundando pelas buscas

dos autores pesquisadores da área, mas à luz da prática, nas intervenções

pedagógicas, os estudantes, ao questionarem as diferenças, ao responderem

às atividades e demonstrarem que entenderam, comprovaram e responderam

o que se propunha inicialmente. Definições existem e são facilmente

exemplificadas em contextos diferenciados nos romances, nos poemas, nas

músicas, nas crônicas. A importância da compreensão das diferenças explica

as opções de escolha lexical do narrador, aproxima o leitor da personagem e o

leva a pensar em si mesmo, em como se expressa e por que se expressa

dessa maneira e em que isso influencia em sua comunicação e em sua vida. O

que tudo isso tem a ver com sua personalidade e sua história de vida.

Ainda, foi possível comparar o uso de variantes linguísticas em textos

de diferentes épocas como o poema de séculos atrás e músicas atuais,

analisar como essas comparações podem contribuir para o incentivo à leitura

crítica e como essas leituras podem sensibilizar para a compreensão da função

humanizadora da literatura por meio da proposta didática. Apesar de ser um

trabalho realizado em pouco tempo, com um pequeno material didático, foram

respondidas a essas questões, pois as comparações e diálogos entre os textos

utilizados permitiram essas análises, já que os estudantes demonstraram que

os textos eram agradáveis e interessantes, só não os conheciam anteriormente

por falta de oportunidade.

Essas leituras sensibilizam, não é possível mensurar o quanto, mas é

possível observar, ouvir depoimentos, explorar produções textuais solicitadas

pós leituras dos textos. Foram textos com grandes cargas de emoção, de

sentimentos verdadeiros, como o exemplo da proposta, contrariando a ordem

de que os estudantes, no geral, produzem textos assujeitados, apenas para

cumprir a solicitação do professor.

Podemos perceber o grau de sensibilidade pelo tema “Você tem medo

de quê?”, proposta explorada após o estudo do ritual de morte do índio no texto

Juca Pirama. Conforme trechos abaixo, podemos constatar criatividade,

sensibilidade e como os estudantes se colocaram no texto:

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“ O meu medo não é muito comum, não é medo de ladrão, de morrer,

de ficar sem emprego...., o meu medo anda comigo o tempo todo, ele está

dentro de mim me torturando, ele me diz o que devo e não devo ser e me faz

assim insegura, fraca, parece que não consigo ser eu mesma” (J.M)

“ Eu tenho muito medo de ficar só, de depender de alguém, porque já

me sinto velha, já fico muito sozinha. Sempre fui uma pessoa de fazer de tudo

e tenho muito medo de não conseguir um dia ser assim”...(M.A)

“Me considero muito corajoso, mas tem algo que me dá muito medo,

entrar numa pira e não voltar, sair de mim e fazer alguma coisa tão ruim que

nunca mais eu possa me perdoar, algo que não tenha volta. ” (R.S)

“Meu medo é diferente do medo da maioria das pessoas, porque não

tenho medo de morrer, aliás não tenho medo de quase nada, mas tem um

medo que me assusta, é o medo de não ser aceito do jeito que eu sou” (A.P)

E foram muitos que, ao ler e avaliar, percebi a linguagem sensível,

consegui ver a dor, a insegurança, os sentimentos verdadeiros sendo

retratados de forma que me projetavam à compreensão de quem eram eles e

essas produções demonstravam e comprovavam que a função humanizadora

foi atingida com esses estudantes, pois antes eles não se manifestavam assim

nos textos, todas as produções realizadas anteriormente não atingiam essa

linguagem sensível, muito próxima de cada um deles.

Também, constatei a não rejeição de leitura dos textos por eles, pelo

contrário, interagiram discutindo os textos e as temáticas. Isso leva a crer que

se mudarmos a forma de trabalhar, é possível atingir resultados muito positivos

de transformação de leitores. É como se eu mesma duvidasse do resultado que

iria atingir.

As falas desses estudantes, anteriormente, eram de que não tinham

condições de fazer um vestibular, ninguém se inscrevera no ENEM por total

desconhecimento sobre o tipo de prova e objetivos dessa seleção. Não tinham

ideia do que o ENEM poderia representar em suas vidas. E era unânime na

turma que eles não iriam continuar os estudos porque achavam que já tinham

chegado longe demais. Porém, o que vi após os estudos propostos foi uma

mudança de discurso entre eles. Parece que já estão dispostos a tentarem

vestibulares, buscar a continuidade dos estudos e até uma estudante que se

considerava velha para estar ali, sem perspectivas de continuar, por ser

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empregada doméstica, decidiu que não iria mais parar, iria pelo menos realizar

um curso técnico subsequente.

É certo que não se pode afirmar que somente as intervenções

pedagógicas realizadas por meio do projeto atingiu essa mudança de

comportamento e pensamento dos estudantes e também, é importante

destacar que eles, hoje, não têm essa consciência da mudança e o que a

determinou, mas para mim, que já estava trabalhando com eles e que percebia

a falta de ânimo, a falta de autoconfiança e falta de autonomia para buscar um

futuro acadêmico ou aperfeiçoamento profissional, foi uma constatação

inquestionável.

E as maiores provas para mim, como professora, dessa mudança, eram

as falas espontâneas que mudaram de “já cheguei longe demais, para mim o

ensino médio já é muito”; “faculdade é muito difícil, não é para mim não”; já

estou muito velha, não vale mais a pena continuar estudando”; “mas o que é

mesmo o ENEM, nem ficamos sabendo quando foi a inscrição”. E assim eram

as conversas”; para “Onde tem o curso de agronomia, Professora? Eu quero

mesmo é ser aprender essa profissão”; “Professora, como faz para se

inscrever no curso técnico em eletrotécnica? Eu adoro mexer com essa parte”;

“Professora, você acha que é muito difícil o curso de direito, será que eu

consigo?”.

E foram muitas as conversas que me indicaram o quanto eles estavam

diferentes, o quanto conseguiram entender por meio dos textos que leram que

somos seres humanos, que temos problemas, mas que eles podem ser

resolvidos. Aprenderam pelos exemplos dos personagens que a discriminação

tem que ser combatida, mas que temos que começar pela eliminação da auto

discriminação, e que só assim podemos diminuir o preconceito, a desigualdade

entre as pessoas.

Também, foi possível aprender, pelos ensinamentos das variantes

linguísticas contidas nos textos, que a língua é dinâmica e que está a serviço

do homem, pois é ele que a cria e a usa. Sendo assim, as diferenças se

justificam por vários fatores. Mais uma vez o preconceito precisa ser

combatido, pois a Inteligência não se mede pelas diferentes formas de uso da

língua e sim pela capacidade que o indivíduo possui de aprender, adequar e

ajustar a linguagem para fazer-se compreender. Dessa forma, quem não

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compreende pode ser julgado menos competente do que quem não se faz

compreender ou vice versa.

Quando nos orientamos pelos pesquisadores que nortearam o trabalho,

temos uma ideia da importância dessas áreas do conhecimento para a

formação do estudante, mas quando interagimos com essas teorias,

elaborando material didático, aplicando esse material ao público que mais nos

interessa como docentes, temos a certeza de que o que os teóricos afirmam é

a mais pura verdade científica, é a ciência em seu estado mais avançado, pois

se a literatura está para o homem e este para a literatura dentro dos direitos

humanos, conforme CANDIDO (1989). Se a linguística aplicada, na sua

especificidade das variantes linguísticas apanham o homem em sua ideologia,

sua crença, sua cultura, sua condição sócio econômica, sua história de vida,

ela está para o homem também como o homem está para ela. Então, a

mudança pode acontecer a partir de práticas pedagógicas nessa área do

ensino.

Essas práticas merecem a nossa total atenção e dedicação como

pesquisadores e professores, pois o avanço científico e tecnológico precisam

acontecer e caminhar junto com o homem humanizado.

REFERÊNCIAS

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Page 29: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas

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