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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE CHARGES NO CONTEXTO DA

GEOGRAFIA

Autora: Luzanira Diniz da Silva 1

Orientador: Prof. Me. José Antonio da Rocha 2

Resumo: O presente artigo apresenta o resultado da implementação pedagógica do projeto: Leitura e interpretação de charge no contexto da Geografia, aplicada à turma do 9º ano, do Ensino Fundamental, no Colégio Estadual Dom Bosco, no município de Mariluz/PR; teve como objetivo central promover e conduzir a leitura de assuntos do contexto social, por meio do uso de charges, visando o senso discursivo e argumentativo do aluno, sua capacidade de produção textual escrita e artística. Justificou-se trabalhar com a charge por considerar que é um desenho que chama a atenção do leitor e representa questões do cotidiano através do humor, sendo um atrativo a mais para se viabilizar um estudo reflexivo e de socialização. O artigo descreve e analisa o processo da leitura em sala de aula e mostra as possibilidades que o gênero oferece para encaminhar a leitura de forma mais dinâmica e interativa nas aulas de Geografia. A intenção dessa proposta pedagógica é dar subsídios à prática docente e contribuir para a formação de leitores dos assuntos do espaço de vivência. Dessa forma, o trabalho foi elaborado com base em referencial teórico sobre a temática abordada e a partir de uma problemática vivenciada no âmbito escolar: o desinteresse pela leitura em sala de aula. Palavras-chave : Geografia. Leitura. Charge. Contexto. Socialização.

INTRODUÇÃO

Cabe inicialmente ressaltar que no atual contexto educacional o grande

desafio da prática docente é atrair os jovens à leitura em meio a tantos recursos

eletrônicos e tecnológicos oferecidos pelo mercado industrial; essa situação é

refletida no desinteresse e dificuldade dos alunos em analisar e interpretar um texto

e opinar sobre ele; isso tem sido evidente quando se propõe, no ensino da

Geografia, uma abordagem argumentativa e analítica de fatos ocorridos no meio em

sociedade.

1Professora integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), licenciada em Geografia. Educadora do Ensino Fundamental da rede pública do Estado do Paraná, lotada no Colégio Estadual Dom Bosco, no município de Mariluz/PR. E-mail: [email protected].

2Docente vinculado ao Colegiado de Geografia da UNESPAR, Campus de Campo Mourão/PR.

Na busca de contribuir com essa problemática vivenciada no âmbito escolar é

que o trabalho por meio da leitura de charges e materiais da mídia impressa foi

desenvolvido, a fim de motivar os alunos a buscarem, além das ilustrações do livro

didático, outras fontes de informações que estejam articuladas e relacionadas aos

conceitos básicos da Geografia e sejam relevantes na produção do conhecimento,

na vida escolar e social desses alunos; as Diretrizes Curriculares de Geografia

apontam que: “a escola deve incentivar a prática pedagógica fundamentada em

diferentes metodologias, valorizando concepções de ensino, de aprendizagem e

avaliação”. (PARANÁ, 2008, p. 15).

Desse modo, pretendeu-se conduzir a leitura dentro de uma metodologia de

ensino menos formal e mais diversificada, com atividades de leitura de charge,

projeção de imagens, produção textual escrita e artística, visando a socialização

coletiva de alguns assuntos abordados no gênero, como o político, econômico e

socioambiental, pois o aluno “não aprende somente com a transmissão de conteúdo,

mas sim, estabelecendo relações e conceitos com sua realidade e vivência”,

(LIBÂNEO, 1996, p.13), principalmente frente à apropriação e ocupação do homem

no espaço geográfico.

Então, cabe principalmente a escola e docentes promoverem atividades que

visem à leitura em qualquer nível de formação; a sala de aula deve ser um ambiente

onde os conteúdos teóricos propostos pela disciplina, sejam contextualizados e

sistematizados entre alunos e professor, e contemple a utilização de recursos

visuais tais como: imagens e/ou desenhos, no sentido de ampliar o ato da leitura e

tornar as aulas mais dinâmicas e interessantes no processo do ensinar e aprender

A questão é que no cotidiano escolar a leitura não tem sido frequente na

prática de estudos, muitas vezes pela desmotivação do professor, associada ao

desinteresse dos alunos, visto que grande parte, não tem o hábito de ler materiais

da mídia impressa, resultando numa abordagem alienada de ensino, sem a

formação de opinião.

Diante dessa realidade, pergunta-se: como promover e conduzir a prática da

leitura e interpretação de charges no contexto de ensino da Geografia, objetivando

um ensino mais atrativo, reflexivo e participativo?

Baseado neste questionamento, essa intervenção pedagógica teve por

objetivo promover e incentivar a leitura utilizando-se do gênero discursivo charge3,

bem como dar respaldo ao trabalho docente para viabilizar um estudo mais reflexivo

e de socialização junto ao contexto de ensino da Geografia. Justificou-se trabalhar

com a charge por compreender que é um recurso visual atrativo ao aluno, uma vez

que a sua linguagem verbal (palavra) e não-verbal (imagem) possibilitam direcionar

a leitura e a compreensão de assuntos do contexto social com mais subsídios de

informação.

Esse trabalho foi desenvolvido com alunos do 9°ano, do período matutino, do

ensino fundamental, do Colégio Estadual Dom Bosco, no município de Mariluz/PR,

pela necessidade de desenvolver e resgatar a prática da leitura em sala de aula,

bem como contribuir para a formação de leitores críticos de assuntos veiculados

pelas esferas sociais e obter um melhor aproveitamento no ensino-aprendizagem da

Geografia.

O presente artigo apresenta uma descrição e análise do processo de trabalho

com a leitura de materiais da mídia impressa; destaca a interpretação do aluno em

relação ao contexto abordado na charge e na produção artística, com as

considerações finais sobre as possibilidades que o gênero oferece para encaminhar

a leitura.

É importante salientar que, no cotidiano escolar, a leitura torna-se mais

atraente a partir do momento em que o professor utiliza outros recursos pedagógicos

que estimulem o hábito da leitura e desperte o interesse dos alunos pelas atividades

a serem desenvolvidas e exploradas pelo professor.

1. A CHARGE COMO SUPORTE PEDAGÓGICO PARA LEITURA

A prática da leitura e interpretação possibilita colocar o aluno e professor em

contato com as diferentes fontes de pesquisa e informações veiculadas pela mídia

escrita e falada, tais como: jornais, revistas, livros, televisão, internet ou outros meios

de comunicação; muitos dos gêneros discursivos como as charges, notícias, tiras,

3A maioria das charges deste artigo foi gentilmente cedida pelo autor Tarley da Silva Andrade exclusivamente para esse trabalho.

histórias em quadrinhos, entre outros, são alguns dos gêneros que começaram a ser

veiculados nessas fontes de pesquisa; no livro didático aparecem como atividade

complementar, não só da Língua Portuguesa, mas das outras áreas do

conhecimento, como a Geografia; dessa forma, os gêneros discursivos vêm se

tornando objeto de ensino e de articulação junto às práticas pedagógicas escolares

e devem ser explorados para complementar e problematizar os conteúdos

disciplinares.

A proposta aqui de utilizar o gênero do discurso charge, como apoio

pedagógico e de mediação no ensino da Geografia, foi de contribuir com o processo

de leitura e entendimento dos conteúdos da disciplina junto às temáticas abordadas

no gênero, dentro de uma perspectiva reflexiva e participativa no ensino-

aprendizagem. Segundo Bronckart, “a apropriação dos gêneros é um mecanismo

fundamental de socialização e de inserção prática nas atividades comunicativas

humanas” (1999, p.103), ou seja, esse recurso pedagógico é essencial para

direcionar o plano de trabalho docente e possibilitar ao aluno ampliar seu

conhecimento diante das informações ou temas retratados no gênero. Nesse

sentido, toda informação diária veiculada pelos meios de comunicação, pode ser

vista como um conteúdo a ser dialogado e discutido sob vários ângulos no espaço

escolar, objetivando a construção do conhecimento; “com isso, entende-se a escola

como espaço do confronto e diálogo entre os conhecimentos sistematizados e o

conhecimento do cotidiano popular”. (PARANÁ, 2008, p. 21)

Então, o trabalho com a charge, teve como foco encaminhar a leitura e

interpretação das informações contidas nela, articulando-as com o contexto de

ensino da Geografia; a intenção foi levar os alunos a gostarem de ler e a refletirem,

por meio do humor e imagem, assuntos veiculados no gênero e sensibilizá-los diante

das questões sociais advindas da relação homem-espaço.

2. A LINGUAGEM DO GÊNERO DISCURSIVO CHARGE NA PRÁT ICA DE

ENSINO E NA GEOGRAFIA

Como suporte para prática da leitura e interpretação do contexto social e/ou

geográfico, utilizou-se aqui a linguagem do gênero discursivo charge; Bakhtin (1992,

p.350), descreve que é por meio da linguagem que “se acumulam formas de visão e

compreensão de determinados aspectos do mundo”; ainda sobre o uso da

linguagem como fonte de informação, os parâmetros Curriculares Nacionais de

Geografia indicam que “a Geografia trabalha com imagens, recorre a diferentes

linguagens na busca de informações e como forma de expressar suas

interpretações, hipóteses e conceitos”. (BRASIL, 1998, p. 33).

A charge é um gênero do discurso motivador que chama a atenção do leitor,

pelos detalhes presentes no desenho, que aliados ao seu conteúdo humorístico,

favorecem a compreensão do assunto impresso nela e despertam a curiosidade e o

interesse de quem a lê e a interpreta.

Diante do exposto, considera-se que trabalhar com a charge é viabilizar a

pesquisa sobre o gênero e levar o leitor ao conhecimento e apreciação de suas

características estruturais, para dessa forma, aproveitá-la como possibilidade de

condução à compreensão dos contextos sociais abordados pelo gênero,

articulando-os com os conteúdos propostos por uma disciplina escolar. Em relação

a isso, Schneuwly e Dolz, descrevem que “trata-se de aprender a dominar o

gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber

compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela”. (2004, p.80).

Assim, defende-se a ideia que, a partir do momento em que o estudante

consegue se inserir, enquanto sujeito participante no processo de ensino,

especialmente por meio de atividades significativas, tende a ter mais interesse pelas

aulas e pela área disciplinar e, consequentemente mais facilidade na aquisição do

conhecimento.

É necessário lembrar que muitas charges são apresentadas dentro da

linguagem verbal e da linguagem não-verbal; a esse respeito Cereja; Magalhães

explicam que “a linguagem verbal tem por unidade a palavra, e a não-verbal, o

gesto, o movimento, a imagem”. (2004, p.230); juntas, as linguagens oferecem mais

subsídios de informação ao leitor para viabilizar a leitura dos temas sociais

veiculados no gênero.

Dessa forma, a charge representa um importante instrumento de

comunicação no espaço escolar e social; isso tende a colaborar para que os

conceitos e/ou conteúdos da Geografia sejam problematizados e refletidos pelos

envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. A esse respeito, as Diretrizes

Curriculares Estaduais de Geografia, apontam que:

As charges podem ser utilizadas para a problematização dos conteúdos da Geografia; [...] problematizar a abrangência dos conteúdos desse campo do conhecimento, bem como reconhecer os impasses e contradições existentes, são procedimentos fundamentais para compreender e ensinar o espaço geográfico no atual período histórico. (PARANÁ, 2008, p. 50-81).

Portanto, no atual contexto de ensino da Geografia, é preciso considerar que

o estudo do espaço geográfico não se limite somente à descrição do espaço físico,

muitos são os fatores de compreensão, há que se levar em conta a interação e

ocupação do homem nesse espaço; dessa forma esta proposta pedagógica visou

contribuir para a leitura no âmbito escolar e no ensino da Geografia, por meio do uso

do gênero charge dentro de uma perspectiva crítica, na intenção de contribuir para a

contextualização das questões do espaço social; ainda nessa concepção, as

Diretrizes Curriculares de Geografia enfatizam que, no ensino da Geografia

Contemporânea, ler e interpretar o espaço geográfico exige entendê-lo “como

espaço produzido e apropriado pela sociedade” (PARANÁ, 2008, p. 51).

3. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROCESSO DA LEITURA COM A CHARGE

Baseado nos referenciais teóricos sobre a utilização de charges no contexto

de ensino da Geografia desenvolveu-se um trabalho por meio de charges de jornais

e revistas, no sentido de introduzir a prática da leitura e interpretação de notícias de

materiais da mídia impressa, objetivando o aprimoramento na habilidade da leitura e

a coleta de dados para esse artigo.

Os temas e/ou contextos destacados nas charges para análise desse artigo

foram: político, econômico e socioambiental, com descrição do processo de trabalho

em sala de aula e apresentação da produção do aluno.

Antes de iniciar o trabalho com a charge, os alunos foram questionados

acerca do uso de materiais da mídia impressa para leitura; constatou-se que a

maioria não tem o hábito de ler jornais ou revistas; poucos revelaram gostar da

leitura de livros de romance e aventura, preferem ler textos com imagens e figuras,

justificaram ser “mais legal e interessante”; muitos só lêem quando é trabalho da

escola; demonstraram interesse por textos e mensagens nas redes sociais, ficando

evidente a preferência deles quanto a esse tipo de leitura, bem como a necessidade

de se buscar outros materiais ilustrativos que motivem e conduzam a leitura na

escola, sendo o que propõe essa intervenção pedagógica.

Em relação ao conhecimento dos alunos sobre a charge, alguns a

compararam com tiras, outros com desenho animado, até arriscaram dizer: “é uma

caricatura, aqueles desenhos surreais, com coisas e rostos distorcidos”; enfim,

aqueles que conheciam sabiam do humor e ironia, descrevendo: “são desenhos

engraçados que brincam com a política e com a cara das pessoas”, e já tinham visto

na internet ou em algum livro didático, mas pouco em jornais e revistas, pois não

costumavam ler esses materiais.

Diante das observações dos alunos que conheciam a charge, já se percebia,

pela descrição dos detalhes do desenho, a indicação do humor “desenhos

engraçados” e a compreensão do contexto social, “o político”; cabe aqui retomar

Souza e Machado que afirmam: “os detalhes presentes no desenho da charge vão

influenciar e auxiliar na compreensão do sentido proposto na imagem”. (2005, p.61-

63).

Constatada a não leitura de materiais da mídia impressa pela grande maioria

dos alunos, deu-se início ao processo da leitura com a introdução de notícias de

jornais e revistas para que todos tivessem a oportunidade de ler os assuntos em

destaque; muitos tiveram que ler na íntegra a notícia para saber do que se tratava,

outros somente pela manchete do jornal foram capazes de descrevê-la; nessa etapa

de estudos a exposição docente sobre os possíveis contextos sociais veiculados

pela mídia e possivelmente numa charge, foi essencial para favorecer uma melhor

análise e compreensão por parte do aluno em relação às informações contidas nas

notícias dos materiais distribuídos em sala de aula.

Para conduzir ao entendimento e socialização dos contextos retratados numa

charge, bem como da sua linguagem verbal e não-verbal, foram projetadas imagens

de charges na TV Pendrive; nessa dinâmica, muitos alunos se limitaram à descrição

dos detalhes estruturais da charge, sem a emissão de opinião, em contrapartida

outros foram capazes de reconhecer e relatar sobre o contexto e a linguagem

apresentados no gênero, alegando que “os sinais, as expressões ajudaram nesse

reconhecimento”; mesmo assim, ainda se percebia dificuldades nos alunos em

extrair informações da imagem; porém os comentários e as impressões dos alunos

foram aproveitados para a sistematização e organização das ideias sobre o contexto

abordado, ou seja, “no ensino da Geografia, deve-se considerar o conhecimento

prévio dos alunos para relacioná-lo ao conhecimento científico no sentido de superar

o senso comum”. (PARANÁ, 2008, p. 75).

A proposta de produzir um texto por meio da leitura da imagem da charge não

agradou muito aos alunos, pois achavam que era só para ler e desenhar e não para

escrever; então, para dar suporte à produção textual do aluno e levá-lo à

compreensão do conteúdo chargístico, palavras que contemplavam o tema em

estudo foram lançadas à turma visando à organização do texto; mesmo com as

palavras e as charges em mãos, as produções foram bem limitadas, com textos

descritivos e frases repetitivas, sem argumentação, resultado do não acesso ou

interesse por notícias da mídia escrita e falada; sobre isso Souza e Machado

reforçam que: “[...] não é difícil encontrar alunos que não têm acesso a jornais,

revistas e como consequência, não conseguem ler e apreender o sentido de uma

charge”. (2005, p.62-63).

Na leitura de charge somente com a linguagem não-verbal (imagem),

observou-se dificuldades de interpretação de alguns alunos sobre a temática

proposta, porém com a discussão e socialização do tema junto ao coletivo, foi

possível ampliar a participação desses alunos na identificação e entendimento do

contexto abordado para análise.

A charge que contemplava as duas linguagens: verbal (palavra) e não-verbal

(imagem), ofereceu mais detalhes de informações para a leitura e entendimento do

seu conteúdo, bem como para a produção textual escrita; os comentários dos alunos

eram: “desse jeito, professora, ficou mais fácil ler e escrever sobre o assunto”; notou-

se mais interesse da turma em realizar a produção do texto e leitura do mesmo à

turma; houve quem abordasse o assunto, discordando ou concordando com o texto

do colega, apresentando questionamentos e posições pessoais, sendo esse o

objetivo do trabalho contribuir com a formação de leitores críticos no meio escolar e

em sociedade.

Ao analisar o processo de trabalho com a leitura, até esse momento,

constatou-se um grande avanço, pois diante das diferentes opiniões sobre o mesmo

assunto, os alunos já não eram tão indiferentes e passivos ao contexto abordado; a

troca de informações e a socialização coletiva deram maior subsídios à leitura e à

interação entre os alunos e professor.

Na produção de charge com o tema “Desmatamento”, os alunos foram

orientados a produzirem o desenho de uma charge, usando a linguagem verbal e

não-verbal. Cabe mencionar que a leitura e interpretação prévia de charges dentro

do contexto socioambiental em sala de aula, bem como a análise de notícias de

jornais, projeção de imagens, serviram de referencial e suporte à essa produção

artística; dessa forma, houve mais empenho e entusiasmo dos alunos na produção,

uma vez que o tema havia sido explorado e discutido com todos,com isso, tinham

mais dados e informações para representar o tema no papel; muitos conseguiram

estruturar o desenho com as características de uma charge; alguns desenhos se

limitaram a uma paisagem, poucos sem expressões de humor, crítica ou denúncia

como se apresenta uma charge, mas cada qual com expressões e vestígios que

configuravam o tema; todos os desenhos foram expostos à turma, com as

considerações dos alunos e professor.

Ainda dentro da produção de charge os alunos foram direcionados a

desenhar uma charge com um tema de suas escolhas e, também, dentro da

linguagem verbal ou não-verbal; a pretensão foi observar a habilidade individual do

aluno em definir e representar livremente um tema qualquer, sua capacidade

artística e argumentativa frente a essa representação, tendo em vista as atividades

já realizadas com a leitura e interpretação em sala; no primeiro momento ficou

evidente a ansiedade e a dúvida da turma sobre qual tema estabelecer na produção,

mas mesmo assim, todos se empenharam em realizar a atividade proposta; dentre

os temas escolhidos, destacaram-se o aquecimento global, a política, a saúde

pública, futebol, etc...; a justificativa dos alunos foi a seguinte: “esses assuntos

aparecem com frequência nos livros didáticos, na televisão e nas redes sociais”;

alguns desenhos tinham poucas informações, sem muitos detalhes de ironia e

humor como os de uma charge, porém cada qual com características próprias que

evidenciavam o tema representado; ao final todos puderam apresentar à turma suas

produções e emitir opiniões sobre seus temas.

Durante o processo de trabalho com a leitura, observou-se um envolvimento

maior dos alunos em sala de aula e com os colegas, uma vez que foram propostas

atividades diferenciadas para se conduzir a leitura; toda intervenção pedagógica

com leitura de charges, imagens, notícias em jornais e revistas, a produção textual e

artística, foram de suma importância para promover a socialização e a

contextualização de assuntos do espaço de vivência dentro do contexto de ensino

da Geografia.

3.1 LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: CONTEXTO POL ÍTICO

Considerando que a leitura tem sido pouco praticada no âmbito escolar e

somada ao desinteresse da maioria dos alunos por notícias veiculadas pelas esferas

de comunicação, viu-se o reflexo disso nas dificuldades encontradas por alguns

alunos em retirar informações do contexto da charge.

Em relação ao contexto político da charge abaixo, veja a análise4 feita pelos

alunos A e B, quando questionados:

“O que a charge abaixo quer informar ao leitor?”

ALUNO A : “Quer informar para as pessoas não gastarem exageradamente e

não jogarem papéis no chão”.

ALUNO B : “Quer mostrar que os políticos estão jogando dinheiro fora e que

temos que saber em quem votar, pois existe muita corrupção no governo”.

Na análise da charge, o aluno A limitou suas considerações somente pelos

detalhes do desenho, pois no seu “entender”, o dinheiro e papéis apresentados na

charge, representam uma questão econômica e uma questão ambiental pelo

dinheiro jogado fora e o lixo jogado ao chão, sendo duas questões sociais que

podem ser trabalhadas pela Geografia, porém o contexto político não foi observado

pelo aluno; já o aluno B teve uma visão mais ampla em relatar sobre o contexto

político nela retratado, uma vez que retirou informações e emitiu opinião pessoal

sobre tal contexto; cabe lembrar que a charge ora analisada foi apresentada

4As respostas dos alunos referentes às questões propostas para a leitura das charges foram transcritas com algumas correções gramaticais.

somente com a linguagem não-verbal (imagem), sendo fator de limitação para o

leitor na identificação do contexto.

3.2 LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: CONTEXTO ECO NÔMICO

Na leitura da charge a seguir os alunos foram questionados:

“Do que se trata a charge abaixo? Faça uma análise pessoal do seu conteúdo:”

FONTE:http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/uploads/2/471consumo.jpg. Acesso em 15/10/2014.

Muitos associaram a imagem à prisão de um homem que está com medo;

houve quem só descrevesse os detalhes: “trata-se de um homem que está com uma

corrente no pé, preso a uma televisão, usando uma grade tipo colar e um jornal na

mão escrito medo”, sem nenhuma análise pessoal e reflexiva; porém, os alunos A e

B tiveram um olhar mais crítico e fizeram as seguintes observações sobre o contexto

retratado na charge:

ALUNO A: “Trata-se do gasto exagerado e que de alguma forma as pessoas

estão presas a isso e a televisão ilude para que se gaste cada vez mais”; segue:

“pode-se gastar o salário de um mês em um dia e com coisas desnecessárias”.

ALUNO B: “Mostra como as pessoas são influenciadas pela propaganda na

televisão e jornais, levando-as a comprarem coisas e coisas, mesmo até sem terem

condições”.

Todas as respostas foram socializadas em sala com a mediação do professor,

para complementar a análise do aluno sobre o real contexto em análise; essa

estratégia metodológica viabilizou e permitiu que novas ideias e sugestões fossem

descritas pelos alunos sobre a temática da charge.

3.3 PRODUÇÃO DE CHARGE: CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL

Dentro do contexto socioambiental, o tema proposto para se representar a

charge foi o desmatamento; alguns desenhos pareciam meras paisagens, porém

com detalhes que expressavam o tema; muitos desenhos contemplavam a

linguagem verbal e não-verbal; a denúncia, crítica e o humor foram destacados na

maioria das representações artísticas, conforme se observa no desenho da aluna A:

CHARGE DA ALUNA A: TEMA DESMATAMENTO

Fonte: Produção da aluna: tema: Desmatamento, 2015.

A aluna diante do desenho argumentou: “temos que salvar nossas florestas,

enquanto há tempo”, “vejo as pessoas fazendo corte de árvores”, e ainda justificou:

“o mundo precisa respirar melhor”; relatou à turma que a sua intenção foi alertar e

denunciar as queimadas e o corte ilegal de árvores. Nessa atividade todos puderam

expor os desenhos e suas opiniões sobre a temática representada.

3.4 PRODUÇÃO DE CHARGE: TEMA LIVRE

Como o tema do desenho era de escolha do aluno, foram representados

diferenciados assuntos, como já destacados anteriormente como a saúde pública,

política, aquecimento global, futebol, etc..., cada qual com suas características e

limitações. Em análise das produções dos alunos, haviam desenhos elaborados em

forma de história em quadrinhos e releitura de outras charges; os desenhos

semelhantes à estrutura de uma charge expressavam uma denúncia ou alerta,

conforme apresentado pela aluna B:

CHARGE DA ALUNA B: TEMA DE ESCOLHA: AQUECIMENTO GLO BAL

Fonte: Produção da aluna: Tema: Aquecimento global, 2015.

Nesse desenho a aluna justificou que viu na televisão alguns pinguins, quase

mortos, à beira da praia, uma imagem que segundo ela: “nunca saiu da sua mente”,

por isso, resolveu representar a realidade ambiental e dos animais da Antártida, com

a intenção de “alertar as pessoas sobre o calor excessivo e o aquecimento global”,

fenômeno que vem prejudicando, não só as pessoas, mas também os animais e o

meio natural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se com esse trabalho viabilizar e estimular o hábito da leitura de

materiais da mídia impressa, em especial de charges no contexto de ensino da

Geografia e propor novas estratégias pedagógicas para o trabalho docente e para as

diversas disciplinas curriculares

Dentro das estratégias e ações da implementação do projeto com a leitura, é

importante destacar que o uso da charge como subsídio de análise e interpretação

dentro dos estudos da Geografia, foi de suma importância para retomar e

problematizar os conteúdos da disciplina, o que possibilitou a socialização e a

interação em sala de aula.

Então com a perspectiva de dinamizar a leitura em sala de aula, desenvolveu-

se um trabalho de incentivo à leitura visando a habilidade do aluno na produção

textual escrita, artística e discursiva dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Durante o processo da leitura foi percebido as diferentes opiniões da turma

referente a um mesmo assunto retratado na charge e as dificuldades de muitos

alunos em retirar informações sobre os temas abordados no gênero, duas situações

que requerem uma constante intervenção pedagógica; por isso, o emprego de

materiais da mídia impressa e falada, como suportes metodológicos, é essencial e

necessário para se ampliar a visão e o senso crítico do aluno, para que o mesmo

não seja alienado às ideologias impostas pela sociedade.

A proposta da leitura e interpretação de assuntos do espaço de vivência foi de

refletir e debater sobre as questões socioambientais, econômicas, políticas, entre

outras e mostrar que essas questões são decorrentes da dinâmica homem-espaço,

sendo passíveis de discussão e reflexão no ensino da Geografia. Portanto, na

escola, há que se ter um trabalho pedagógico que viabilize o uso de materiais

veiculados e impressos pelas esferas tecnológicas e de comunicação, uma vez que

tais esferas registram fatos e acontecimentos do espaço social, assim como é

retratado numa charge; dessa forma, o emprego desse gênero do discurso em sala

de aula, direcionou a leitura de maneira mais conceitual e crítica, o que permitiu aos

alunos irem além da mera descrição dos detalhes e expressões registrados no

desenho para a retirada de informações sobre o assunto abordado.

Compreende-se, então, que diante dos resultados com o trabalho da leitura

por meio da charge, essa prática se faça presente no âmbito educacional e seja um

referencial de direção às outras áreas do conhecimento, pois o incentivo à leitura

deve ser contínuo e interdisciplinar, de forma que haja um estudo mais reflexivo,

dinâmico e menos cansativo.

É importante ressaltar que, diante das inovações tecnológicas, o desafio do

professor está em como estimular e desenvolver a leitura em sala de aula, fato que

vem distanciando, consideravelmente, os jovens à leitura de notícias sobre o meio

de vivência. Nesse conceito, buscou-se associar notícias cotidianas ao ensino da

Geografia, por meio do uso de jornais, revistas e imagens de charges, no sentido de

explorar outras maneiras para promover e conduzir a leitura diária na escola, bem

como contribuir com a formação de leitores críticos e informados sobre o espaço

produzido e ocupado pela sociedade, e assim, possam atuar, nesse espaço, de

forma consciente e cidadã.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem . São Paulo: Hucitec, 1992. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF, MEC/SEF, 1998. BRONCKART. J.P. Atividade de Linguagem, textos e discursos- por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Cortez, 1999. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Tereza Cochar. Português: linguagens/literatura, gramática e redação. 2. ed. São Paulo: Atual. 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Exigências Educacionais Contemporâneas e Meios de Comunicação . São Paulo: Ática, 1996. PARANÁ. Secretaria de Educação do Estado. Diretrizes Curriculares da Educação Básica . Geografia. Curitiba, 2008. SCHNEUWLY, B.e DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola . Trad.Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. SOUZA, Maria Irene Pellegrino de Oliveira; MACHADO, Rosemari Passos Baltazar. O verbal e não verbal na produção dos efeitos de sentido no gênero charge. In: CRISTÓVÃO, Vera L. Lopes; NASCIMENTO, Elvira Lopes (Orgs). Gêneros Textuais : Teoria e Prática II. Palmas e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005, p. 59-74.