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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA TUBARÃO, 2005

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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE:

ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

TUBARÃO, 2005

MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE:

ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ciên-cias da Linguagem. Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Fábio José Rauen

TUBARÃO, 2005

MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE:

ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do grau de Mestre em Ciências

da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Lin-

guagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão – SC, 01 de Julho de 2005.

______________________________________________________

Prof. Dr. Fábio José Rauen

Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________

Prof. Dra. Hilda Gomes Vieira

Universidade Federal de Santa Catarina

____________________________________________________

Prof. Dra. Mariléia Silva dos Reis

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Prof. Dr. Adair Bonini

Universidade do Sul de Santa Catarina

Ao meu esposo João Batista Pavei, meus filhos Bruno e Filipe e a minha mãe que mesmo longe continua presente.

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Dr. Fábio José Rauen, por ter me conduzido à conclusão deste trabalho, em cada passo, com a maior dedicação possível. Aos Professores: Dra. Hilda Gomes Vieira, Dra. Mariléia Silva dos Reis e Dr. Adair Bonini, pelas inestimáveis con-tribuições e críticas na qualificação desta dissertação. A meu marido, João Batista, pela paciência, apoio e cari-nho que teve comigo neste período. Ao meus filhos, Bruno e Filipe, que me entenderam e sou-beram compartilhar todas as minhas necessidades. Aos meus amigos pelo companheirismo e apoio em todas as dúvidas e incertezas desta longa caminhada.

RESUMO

Este estudo de caso analisou, com base na Teoria da Relevância, a influência do

título na interpretação da charge “Fome Zero” por dez alunos da 8ª série do ensino fundamen-

tal da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri do Município de Içara, SC, divididos em

grupo experimental (presença do título) e de controle. Conforme os dados do corpus, os con-

ceitos de forma lógica, explicatura e implicatura de Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston

(1988), permitiram descrever e explicar adequadamente os processos ostensivo-inferenciais

envolvidos na interpretação. Os resultados apontaram que o título exerceu influência categóri-

ca na interpretação, uma vez que se constituiu estímulo ostensivo explícito para modalizar

todas as interpretações do grupo experimental. Além disso, os dados permitiram afiançar que

as interpretações de ambos os grupos são consistentes com a presunção de relevância ótima,

desde que se considere na avaliação o preenchimento de suposições implícitas.

Palavras-chave: Pragmática, Teoria da Relevância, cognição, compreensão, in-

terpretação de charges.

ABSTRACT

This case study analysed, based on Relevance Theory, the influency of the title on

the comprehension of “Fome Zero” cartoon by ten third year high school students of 8ª série

do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri, Içara, SC, divided into

experimental (title presence), and control groups. According to the corpus, the Spencer and

Wilson’s (1986, 1995) and Carston’s (1988), concepts of logical form, explicature and impli-

cature let describing and explaining rightly the ostensive-inferential processes involved in the

interpretation. The results have demonstrated that the title has had categorical influence on the

interpretation, because it had constituted an explicit and ostensive stimulus to bias all experi-

mental group interpretations. Besides, the information let to ensure that the interpretation of

both groups is consistent with the presumption of relevance, since considered on the evalua-

tion the fulfilling of implicit assumptions.

Keywords: Pragmatics, Relevance Theory, cognition, comprehension, cartoons’

interpretation.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 9 2 REVISÃO TEÓRICA................................................................................................................................ 20

2.1 CONTEXTO TEÓRICO ............................................................................................................................ 20 2.1.1 Da teoria de código à teoria inferencial de Grice......................................................................... 21 2.1.2 Da teoria de Grice à Teoria da Relevância................................................................................... 28 2.1.3 Contexto e conhecimento mútuo.................................................................................................... 30 2.1.4 Inferências não-demonstrativas..................................................................................................... 33 2.1.5 Mecanismo dedutivo ...................................................................................................................... 35 2.1.6 Ambiente cognitivo e efeito contextual .......................................................................................... 41

2.2 A TEORIA DA RELEVÂNCIA .................................................................................................................. 44 2.2.1 Relevância e Princípio da Relevância ........................................................................................... 44 2.2.2 Intenção informativa e intenção comunicativa.............................................................................. 46 2.2.3 Comunicação ostensiva e inferencial ............................................................................................ 47 2.2.4 Forma lógica, explicatura e implicatura....................................................................................... 48

3 ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................................................ 54 3.1 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS........................................................................... 54 3.2 ANÁLISE DO CARTUM E DA CHARGE .................................................................................................... 57

3.2.1 O cartum........................................................................................................................................ 57 3.2.2 A charge: o título como divisor de águas? .................................................................................... 63

3.3 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO DE CONTROLE......................................................................................... 65 3.3.1 Análise da interpretação 1............................................................................................................. 65 3.3.2 Análise da interpretação 2............................................................................................................. 69 3.3.3 Análise da interpretação 3............................................................................................................. 71 3.3.4 Análise da interpretação 4............................................................................................................. 76 3.3.5 Análise da interpretação 5............................................................................................................. 79

3.4 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO EXPERIMENTAL ...................................................................................... 83 3.4.1 Análise da interpretação 1............................................................................................................. 83 3.4.2 Análise da interpretação 2............................................................................................................. 87 3.4.3 Análise da interpretação 3............................................................................................................. 90 3.4.4 Análise da interpretação 4............................................................................................................. 94 3.4.5 Análise da interpretação 5............................................................................................................. 97

4 CONCLUSÕES........................................................................................................................................ 100 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 105 ANEXO A – CÓPIAS DAS INTERPRETAÇÕES......................................................................................... 108

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1 INTRODUÇÃO

Promover um ensino conectado à realidade do aluno, respeitando sua individuali-

dade e favorecendo o seu desenvolvimento, este deve ser o caráter da educação numa perspec-

tiva sócio-histórica que vise à evolução do educando por intermédio da interação com o meio

e com os demais. Com base nesse ideal, foram formulados tanto os atuais Parâmetros Curricu-

lares Nacionais (PCNs, 2000) quanto a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC, 1998).

De acordo com tais pressupostos, no caso do ensino da Língua Portuguesa, faz-se

necessário trabalhar com a linguagem em sua dimensão concreta, onde a palavra deve estar

inscrita na realidade, ou seja, inserida no contexto do aluno. Desse modo, é preciso que a lin-

guagem faça sentido ao educando e que ele aprenda: a relacionar o que é tratado em sala de

aula com as suas experiências, com sua história; e a interpretar o que lhe é apresentado em seu

cotidiano. “É fazendo sentido que a linguagem opera sobre o sujeito, fornecendo-lhe uma i-

magem da história de sua sociedade” (PCSC, 1998, p. 55).

É a linguagem o instrumento de mediação entre o educando e o grupo em que este

está inserido. Por intermédio dela, acontece a interação com o outro e o conseqüente desen-

volvimento da subjetividade deste. O nível de progresso nas sociedades humanas pode ser

atribuído com razoável margem de segurança, à maior ou menor capacidade de comunicação

entre o povo, pois o próprio conceito de nação se prende à intensidade, variedade e riqueza

das comunicações humanas.

Assim, a linguagem é considerada toda comunicação compreensiva, de pessoa a

pessoa, sendo que linguagem é comunicação e porque os limites da linguagem constituem os

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limites do conhecimento. Para se ter uma boa comunicação, faz-se necessário o hábito da lei-

tura. Leitura é a arte de colher idéias (Penteado, 1969, p. 185) e interpretar símbolos gráficos,

de maneira a compreendê-los.

A leitura constitui uma das cinco atividades filológicas básicas: pensar, falar, ou-

vir, escrever e ler. Essas atividades lingüísticas são relacionadas entre si: o pensamento ex-

presso pela fala, transmitido pela audição, gravado pela escrita e interpretado pela leitura.

A tarefa do ouvinte/ leitor, nesse contexto, é construir hipóteses interpretativas a

partir do contato com um conjunto de suposições. Segundo Sperber & Wilson (apud SIL-

VEIRA e FELTES, 1999, p. 125-126), pressupõe-se que a comunicação seja efetivada pela

codificação e decodificação. Contudo, o exercício da leitura e da apreensão do conhecimento

necessita que uma terceira etapa seja cumprida: a interpretação1, a qual interessa à proposta

deste trabalho.

No tocante à interpretação, esta é eficaz quando alcança o conhecimento. No âm-

bito comunicativo, as regras lexicais associam os termos da linguagem a significados (e vice-

versa). As regras de restrição selecionam as possíveis combinações entre os termos da lingua-

gem, tendo em vista seus significados.

A mente humana funciona e processa informação. Há implicações contextuais on-

de as informações apresentadas processam-se no contexto das informações dos fenômenos

comunicacionais. Deve-se, então, levar em conta que a coesão e a coerência, nos moldes lin-

güísticos tradicionais, não são condições necessárias e suficientes para a textualidade, uma

vez que parece haver evidência de que são as relações de relevância que estão subjacentes à

1 Aqui há uma distinção entre uma interpretação, que é um processo de decodificação de significados e uma

outra forma de interpretação, esta advinda de inferências (de representações não-semânticas), visto que regras inferenciais não são regras de decodificação, embora necessitem delas para serem produzidas.

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boa formação do texto. Um código (palavra) faz parte da competência lingüística dos falantes

de um grupo social. Essa competência, ao associar sinais lingüísticos a significados (e vice-

versa), contribui para o processo comunicativo.

Sperber e Wilson centram o enfoque da relevância no enfoque do hiato existente

entre as representações semânticas das sentenças e os pensamentos realmente comunicados

pelos enunciados. Este deve ser preenchido não pela codificação, mas por inferência. A lin-

guagem, assim, deve estar subjacente à cognição humana e não ao código.

A tarefa do ouvinte (leitor/ receptor), nesse ínterim, é construir uma hipótese in-

terpretativa de um conjunto de suposições. Assim, a partir de um princípio comunicativo “de-

fault” de relevância – a suposição de que os seres humanos normalmente pretendem comuni-

car informações relevantes - poderá inferir a representação conceitual intencionada pelo falan-

te/ emissor (nesse caso, autor/ emissor).

Seguindo esse princípio, no ensino da Língua Portuguesa, a utilização de textos é

fator preponderante para se fazer a relação entre o cotidiano do aluno e os conhecimentos re-

passados pela escola. Dentre estes, estão inseridos exemplos concretos do uso da linguagem,

os ditos gêneros textuais. Entre os gêneros textuais, cabe destacar, ainda, a utilização na esco-

la da charge e do cartum.

CHARGES E CARTUNS

Entre a charge e o cartum, existem diversos aspectos semelhantes. Ambos, segun-

do Marques de Melo (1994, p. 168), são ramificações da caricatura, pois: contêm, por serem

peças humorísticas, uma crítica a uma determinada situação real ou a um costume ou situação

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social; reúnem, em sua constituição, elementos imagéticos/pictóricos e textuais; e têm objeti-

vos diversos.

Historicamente, cabe salientar que as charges e as caricaturas são herdeiras do

chamado jornalismo ilustrado2 surgido na Inglaterra e na França dos séculos XVIII e XIX.

Elas têm suas raízes na iconografia da Idade Média e na atividade dos ateliês de pintura dos

séculos XV e XVI (NERY, 2003, p. 1-3). O cartum, segundo Nery, era o estágio final da série

de esboços que serviriam para a realização das grandes obras renascentistas. Ao longo de seu

trabalho, a autora não diferencia cartuns e charges, asseverando que os mesmos adquirem um

formato que é familiar já no século XVII: representações pictóricas, freqüentemente legenda-

das, que satirizam uma personagem ou episódio de conhecimento público.

Essas estampas fundiam as conquistas técnicas do desenho, especialmente a pers-

pectiva, a um novo experimento: a caricatura, que é uma espécie de retrato exagerado de um

personagem específico, também subjacente à temporalidade e ao contexto, só é inteligível por

quem vivenciou a situação ou pelo estudioso que a utiliza como documento histórico (DAN-

TAS, 1998, p. 5).

Freqüentemente, a charge contém a viva expressão da opinião do jornal ou do car-

tunista sobre um fato ocorrido. Gurgel (2003, p. 2) destaca a distinção feita por Caruso entre car-

tum, charge e caricatura, comparando-os à fotografia. Rabaça e Barbosa (1978), em seu Dicioná-

rio de comunicação, definem a caricatura como “uma forma de arte que se expressa através do

2 Acerca da trajetória do chamado jornalismo ilustrado no Brasil, cabe fazer uma observação. De acordo com

Francisco das Chagas Frazão Costa Filho (2001, p. 2-17), o consumo de charge ou caricatura, não possuiu maior abrangência incorporada pelos jornais de cunho informativo. Do contrário, destacou-se por meio do surgimento de uma imprensa particular, especializada, em fins da primeira metade do século XIX. Os jornais, ou periódicos ilustrados (também revistas) não se limitavam na apresentação dos desenhos humorísticos, mas veiculavam outros assuntos como as abstrações filosóficas, metafísicas e poéticas. Porém, tinham a caricatura como destaque. A incorporação da ilustração, na imprensa periódica, refletia em grande parte os antagonis-mos políticos e os ideais republicanos e liberais, na segunda metade do século, bem como doutrinas filosófi-cas e cientificistas européias como o positivismo, o marxismo e o evolucionismo. Na imprensa caricata, o au-tor frisa que, em alguns casos, a linguagem jornalística esteve paralela ao estilo de desenho caricatural, uma

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desenho, da pintura, da escultura, etc., e cuja finalidade é o humor”. O cartum, aqui, seria como

uma máquina fotográfica focada no infinito. Por retratar uma realidade genérica, sua possibilidade

de compreensão é muito maior.

A charge, por sua vez, focaliza uma certa realidade, geralmente política, fazendo dela

uma síntese. Somente os que conhecem essa realidade a entendem. Desse modo, o cartum consti-

tui uma crítica de costumes, genérica e atemporal; já a charge é crítica a um personagem, fato ou

acontecimento político ou social específico, tendo, por sua natureza jornalística uma limitação

temporal (MARQUES DE MELO, 1991, p. 169).

Por vezes, pode ocorrer que a charge diga respeito a temas sociais mais amplos,

mas está sempre sujeita à temporalidade. Para Marques de Melo (1994, p. 164), há aqui uma

subdivisão básica, a qual denota uma ligação indireta com as notícias em destaque na edição

do jornal. Segundo o autor, o cartum não compõe um gênero jornalístico, uma vez que nem

sempre se refere a um fato que realmente ocorreu, centrando-se na dimensão crítica, sem, no

entanto, ter um caráter referencial e verídico.

Conforme Ferrara, os gêneros charge e cartum sempre trarão um estranhamento,

uma incongruência, o que ocasiona, a “quebra” dos esquemas cognitivos e culturais, provo-

cando o riso, uma vez que se testa, através da sátira, um conhecimento cultural (e, portanto,

contextual, enciclopédico) comum a um grupo. Nesse sentido, a interpretação de tais gêneros

implica uma relação entre uma representação presente e outras representações possíveis, e-

ventuais ou virtuais (cf. FERRARA, 1997, p. 6).

A referida quebra de esquemas já é esperada pelo receptor cujas inferências giram

em torno da crítica exposta na charge e no cartum, pois a crítica a um momento e/ou persona-

vez que não se tratava de um jornal informativo, mas sim de caráter crítico e literário. Assim, as críticas se revezavam, ora na estilização do desenho, ora nas conotações satíricas e jocosas do texto.

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gem específico e verídico e a sátira dos costumes de um grupo que desenvolvem, respectiva-

mente, é a essência desses gêneros (BARROS apud BRUNCKHARDT, 2001, p. 14-19).3

O TÍTULO COMO DIVISOR DE ÁGUAS

Nesta dissertação, escolheu-se a charge “Fome Zero” que se caracteriza como tal

precisamente pela presença de seu título (ver figura 1). Uma vez retiradas as entradas lexicais

“Fome Zero”, o restante da peça comunicativa comporta-se como cartum.

Esta pesquisa parte da hipótese de que a presença/ausência do título nessa peça

comunicativa gera efeitos de interpretação, uma vez que ausente a pista que vincula a mensa-

gem verbal e não-verbal, que compõe o cartum, com a questão política do Programa “Fome

Zero” do Governo de Luís Inácio Lula da Silva, o leque de interpretações do leitor tenderá a

ser mais amplo dada a sua atemporalidade.

Figura 1 – Charge Fome Zero (Revista Bundas, agosto de 2003)

3 Sobre a relação crítica-humor, Barros destaca a afirmação de Millôr Fernandes, para quem as abordagens hu-

morísticas servem não para fazer rir, mas para fazer pensar, para suscitar uma reflexão. Ela menciona tam-bém a opinião de Ziraldo, para quem o humor é um caminho para se conhecer a verdade, o que evidencia a dimensão crítica da charge e do cartum como peças de humor.

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O PROGRAMA FOME ZERO

No dia 30 de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o

Programa Fome Zero, carro-chefe da campanha eleitoral do então candidato do Partido dos

Trabalhadores. Inicialmente, o programa obteve ótima repercussão internacional, consistindo

numa política integrada de segurança alimentar para o país, abrangendo geração de emprego,

renda mínima, distribuição de alimentos e alfabetização de adultos. Para gerenciar as ações do

programa, foi criado o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome,

atualmente aglutinado ao Ministério do Desenvolvimento Social.4

O projeto propõe ações em diversas frentes, criando canais alternativos de comer-

cialização mais barata de alimentos, convênios com supermercados e sacolões, criação de

cooperativas de consumo, apoio à agricultura alimentar, incentivo à produção para autocon-

sumo, combate ao desperdício, aumento de renda através de política de emprego, reforma

agrária, programas bolsa-escola e renda mínima. Há ainda as ações específicas, como o cartão

de alimentação, através do qual cada família cadastrada recebe diretamente do governo o va-

lor de R$ 50,00 para serem gastos com gêneros alimentícios.

De acordo com dados do Governo Federal, ao longo de 2003, o Programa Fome

Zero teve o mérito de colocar o tema da fome na pauta política, como foco de um projeto na-

cional, além de propiciar a melhoria dos indicadores sociais dos 1.227 municípios em que ele

foi implantado. A medida viabilizou 110 mil pequenas propriedades mantendo estas famílias

no campo, através da aquisição de produtos agrícolas e de leite de pequenos produtores rurais.

4 O Instituto Ethos, entidade empresarial associada ao ‘Fome Zero’, afirma que, em julho de 2003, 46 milhões de

brasileiros vivem com menos de um dólar por dia, o que os torna oficialmente miseráveis.

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Mais de 17 mil cisternas para captação de água da chuva foram implantadas no semi-árido e a

qualidade da merenda em escolas, creches e entidades filantrópicas foi melhorada.

Além disso, a retomada do crescimento econômico e o aumento do consumo de

alimentos, roupas e calçados, como revela, por exemplo, uma pesquisa da Confederação Na-

cional da Indústria (CNI), pode ser um dos reflexos da melhoria dos programas sociais do

governo. A análise é do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ana-

nias. Segundo ele, somente os programas de transferência de renda repassam, todo mês, quase

R$ 3,5 bilhões às famílias necessitadas.5

A peça comunicativa em destaque, como se pode constatar, configura-se como

uma opinião crítica sobre o referido programa. A presença do Título “Fome Zero”, qualifi-

cando a peça como charge, por relacioná-la uma situação real específica, faz com que o leitor

construa o sentido a partir da interpretação que se faz de um fato noticiado (os baixos índices

de erradicação da fome atingidos pelo Programa Fome Zero, por exemplo). Assim, sua inter-

pretação é dependente da situação a que a peça faz alusão. Retirado o título, a peça comunica-

tiva é interpretada em sua configuração de cartum, ou seja, não estando subjacente a um dado

acontecimento, visto que este aborda uma situação genérica e já conhecida do leitor/receptor

(a miséria a que estão relegados milhares de brasileiros). Logo, o título “Fome Zero” pode-se

constituir como um “divisor de águas”.

A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO

Para a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995), a interpretação

não pode se circunscrever apenas a uma dimensão de decodificação ou a uma dimensão

5 Dados obtidos no site: www.fomezero.gov.br.

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inferencial. Para os autores, ambas dimensões são complementares e desempenham um papel

importante no processo de interpretação: a inferência opera a partir da decodificação.

A decodificação dos elementos verbais e não-verbais de um texto compõe o pri-

meiro passo em direção à interpretação. Além disso, é preciso associar os elementos decodifi-

cados com o conhecimento enciclopédico. O processo interpretativo pressupõe a intersecção

entre o conteúdo do texto e o conhecimento anterior que o leitor possui, ou seja, seu contexto

cognitivo. Porém, nem um nem o outro, dissociados, são capazes de construir a interpretação.

Tal premissa é corroborada por Blass no artigo Relevance theory (1990, p. 8).

The most important type of cognitive effect achieved by processing an input in a context is a contextual implication, a conclusion deducible from the input and the context together, but from neither input nor context alone. For example, on seeing my train arriving, I might look at my watch, access my knowledge of the train time-table, and derive the contextual implication that my train is late (which may itself achieve relevance by combining with further contextual assumptions to yield further implications).

A interpretação de um texto, como destacam Silveira e Feltes (1999, p. 77), é algo

altamente dependente do contexto cognitivo, dado que esse conhecimento intervém na tarefa

do leitor/receptor, cabendo a ele recuperar adequadamente, através de processos inferenciais,

a intenção pretendida pelo autor. Ao exemplificar como ocorre a interpretação de charges à

luz da Teoria da Relevância, as autoras (p. 90) destacam que, pelo fato de expressar uma opi-

nião, a charge já se torna intrinsecamente interpretativa. Isso se dá pela releitura que a charge

promove acerca de uma realidade estabelecida no tempo e no espaço; e, por sua natureza jor-

nalística, inscrita na realidade. O atrativo da charge para esse fim é a utilização de elementos

imagéticos/pictóricos como aliados do input verbal. Essa combinação caracteriza o estímulo

ostensivo que fundamenta o processo de interpretação, marcadamente inferencial.

A interpretação de ambos, cartum e charge, exige a combinação da decodificação

do estímulo ostensivo (verbal e não-verbal) com o conhecimento enciclopédico do leitor. É

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essa combinação que fundamenta a interpretação e, dado que a charge se caracteriza por um

input privilegiado adicional (o título), que vincula a peça comunicativa com um fato específi-

co, esse input deve exercer significativa influência no output interpretativo.

Para a interpretação, assumiu-se que a tarefa do ouvinte (leitor/receptor) é cons-

truir hipóteses interpretativas de um conjunto de suposições a partir de um princípio comuni-

cativo default de relevância – a suposição de que os seres humanos normalmente pretendem

comunicar informações relevantes. Para Sperber e Wilson, o ato de comunicar consiste em

requisitar a atenção de outrem por meio de um estímulo ostensivo. Desse modo, comunicar é

implicar que determinada informação comunicada é relevante, o que, segundo Silveira e Fel-

tes garante a relevância ótima. Aqui, os interesses dos componentes do processo comunica-

cional (falante/autor e ouvinte/leitor/receptor) são levados em conta para a presunção da rele-

vância ótima, uma vez que o princípio de relevância torna manifesto, através da ostensão, a

intenção do falante (e no caso da charge, do autor e/ou do veículo de comunicação em infor-

mar, cabendo à audiência realizá-la).

Com base nesse pressuposto, Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston (1988) hi-

potetizam três níveis representacionais para a interpretação, quais sejam: a) o nível forma ló-

gica (dependente da decodificação); b) o nível da explicatura (enriquecimento da forma lógica

por meio de processos pragmáticos de complementação); e, c) o nível da implicatura (elabo-

ração de suposições derivadas da combinação das informações explicadas com o conhecimen-

to enciclopédico do ouvinte/leitor).6 Precisamente essa trajetória é que pode fundamentar a

análise do produto interpretativo da charge e do cartum, de modo a descrever e a explicar a

provável influência do título nesse processo.

6 Sobre os níveis representacionais, veja-se o capítulo a seguir.

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OBJETIVO DO TRABALHO

Isso em mente, o objetivo geral desta dissertação é: analisar, por meio da Teoria

da Relevância, a influência do título na interpretação de uma charge intitulada ‘Fome Zero’

por alunos da 8a série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri do

Município de Içara, SC.

Do ponto de vista operacional, esta pesquisa pretende, sob a perspectiva da Teoria

da Relevância, averiguar como ocorre a interpretação da charge “Fome Zero” por dois grupos

de alunos da 8a série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri,

Içara, SC, analisando as referidas interpretações com base nos conceitos de forma lógica, ex-

plicatura e implicatura de Sperber e Wilson (1986,1995) e Carston (1988).

Para dar conta dessa tarefa, esta dissertação possui mais três capítulos dedicados:

à exposição da Teoria da Relevância (capítulo dois); à apresentação da análise dos dados (ca-

pítulo três); e, à elaboração das conclusões (capítulo 4).

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2 REVISÃO TEÓRICA

Partindo dos estudos de Filosofia da Linguagem, sobretudo os realizados por Paul

Grice por intermédio da noção de implicaturas, a Pragmática abriu uma nova perspectiva para

a abordagem do processo comunicacional. Nesse caminho, surge a Teoria da Relevância de

Dan Sperber e Deirdre Wilson (1986, 1995). Este capítulo procura apresentar a Teoria e foi

dividido em três seções. Na primeira seção, apresenta-se o contexto teórico de onde emerge a

questão da relevância. Na segunda seção, apresenta-se a teoria propriamente dita, demons-

trando de que modo a relevância é buscada e alcançada em processos mentais. Na terceira

seção, apresentam-se os níveis representacionais desde a forma lógica, lexical e gramatical-

mente determinada, até a forma proposicional da implicatura, passando pelo enriquecimento

da forma lógica ou explicatura.

2.1 CONTEXTO TEÓRICO

Esta seção visa apresentar as teorias de comunicação baseadas na codificação e

decodificação das mensagens e a Teoria de Grice, que se constituem como o contexto teórico

de onde surge a Teoria da Relevância. Além disso, essa seção apresenta os fundamentos cog-

nitivos da Teoria da Relevância.

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2.1.1 Da teoria de código à teoria inferencial de Grice

Veja-se o enunciado a seguir num momento em que é aguardada uma ação diante

de algo, que dispositivos permitem interpretá-lo adequadamente?

(1) (A) Precisamos interpretar essa charge?

Uma solução plausível seria buscar o mecanismo de decodificação. Esta aborda-

gem é denominada Modelo de Código. Neste, a idéia central é a de que a comunicação se re-

sume a codificar e decodificar mensagens, não se requerendo, para isso, nenhuma habilidade

comunicativa ou cognitiva adicional. Na visão de Silveira e Feltes (1999, p. 19) “Essa idéia

está presente no conceito de conteúdo de uma mensagem como algo que nela está contido”.

Contudo, sabe-se que a comunicação humana não funciona assim. Num exemplo

hipotético, no qual um aluno aguarda ansioso que a professora lhe dê instrução acerca de uma

atividade a ser feita em sala de aula, ele pode se encontrar em dúvida mesmo após a professo-

ra já haver explicado o que deveria ser feito. Então, questiona:

(1) (A) Precisamos interpretar a charge?

E ela responde:

(B) O que você acha?

Analisando a resposta da professora sob a perspectiva do modelo de código, dian-

te de uma pergunta fechada, caberia a ela duas respostas, conforme fosse ou não necessário

interpretar a charge.

(B’) Sim; ou

(B”) Não;

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Todavia, a resposta (B) aparentemente não responde a questão e se trata de um comportamen-

to que não se explica somente pela decodificação da mensagem.

A resposta da professora exige do aluno uma habilidade interpretativa que envolve

um raciocínio inferencial. Esse fenômeno impossível de tratamento a partir do modelo de có-

digo é abordado por Grice (1967, 1975), cabendo ao aluno inferir qual é a mensagem implíci-

ta na fala da professora.

Para Grice, nesse exemplo, o aparato teórico do modelo de código não explica es-

se processo comunicacional, porque a conversação ocorre com base no princípio de coopera-

ção, cuja formulação é a que se segue.

Princípio de Cooperação: Faça sua contribuição conversacional tal como é reque-rida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversa-cional em que se está engajado.

Na concepção griceana do processo de comunicação, os indivíduos são orientados

por meio desse princípio, que é desenvolvido em máximas e submáximas dispostas em quatro

categorias, a seguir.

Máximas Conversacionais

I. Categoria de qualidade: esta máxima diz respeito a se falar somente o que se a-credita ser verdadeiro. “Procure afirmar coisas verdadeiras”.

(a) Não diga aquilo que você acredita ser falso.

(b) Não afirme algo para o qual você não possa fornecer evidencia adequada.

II. Categoria de quantidade: esta máxima refere-se a contribuição de ambos os in-terlocutores no processo comunicacional.

(a) Faça sua contribuição tão informativa quanto é requerido.

(b) Não diga aquilo para o qual você não dispõe de evidencia adequada

III. Categoria de relação: seja relevante

IV. Categoria de maneira: seja claro.

(a) Evite obscuridade de expressões.

(b) Evite ambigüidade.

23

(c) Seja breve.

(d) Seja ordenado.

O aluno, no exemplo em questão, faz uma implicatura conversacional particulari-

zada, porque sua interpretação do que a professora queria dizer com aquilo que disse é sobre-

maneira dependente do contexto. Supondo-se que ele se distraiu com algo enquanto a profes-

sora dava as instruções e, diante do fato de ter recebido a charge, ele pode inferir que ela não

tinha explicado o exercício a ser feito com a charge. Todavia, numa situação análoga, ela po-

deria pela entonação de voz, mostrar-se irritado ao responder “O que você acha?”, nesse caso

o aluno poderia inferir que deveria interpretar a charge.

Há três tipos de implicaturas de Grice: a) implicatura conversacional particulari-

zada – quando a interpretação do enunciado depende da situação comunicativa; b) implicatura

conversacional generalizada – quando a interpretação do enunciado depende de pistas lingüís-

ticas; e, c) implicatura convencional – quando o significado lingüístico dos enunciados contri-

bui direta e decisivamente para a interpretação adequada do contexto.

Neste trabalho, cabe atentar aos exemplos que aludem às máximas de Grice, para

compreender de que modo se dão as implicaturas a partir do contexto em que estas ocorrem.

1 – Máxima da Qualidade

(2) (A) Você sabe qual é a função de Carlos no jornal?

(B) Carlos é chargista.

(A) infere que (B) está respeitando a máxima de qualidade, dizendo algo que sabe

ou acredita ser verdadeiro.

2 – Máxima da Quantidade

(3) (A) Os alunos já foram?

(B) Alguns saíram.

24

(A) infere que (B), se está respeitando a máxima de quantidade, implicou que nem

todos saíram, ou que alguns ficaram.

(4) (A) Qual é a cor da casinha do cachorro nesta charge?

(B) Amarela.

(A) infere que (B) implica que a casinha é totalmente amarela.

(5) (A) Você tem quantos professores?

(B) Três.

Depreende-se que (B) está implicando “três e somente três”.

3 – Máxima da Relação

(6) (A) Você vai fazer a interpretação hoje à tarde?

(B) Não, preciso trabalhar.

(A) infere que (B), se está respeitando a relevância na sua negativa, implica que

precisa trabalhar naquela tarde e que isto é a causa mais relevante de não fazer a interpretação.

4 – Máxima de Modo

(7) (A) Por que Carlos está triste?

(B) Ele não fez a prova e reprovou.

(A) depreende que (B), se está respeitando a ordem do que disse, está implicando

que Carlos não fez a prova e então reprovou.

(8) (A) Carlos vai participar do concurso sobre charges?

(B) É possível que sim.

(A) infere que (B), se está respeitando a máxima da clareza, está implicando “não

é necessário que ele participe”.

Esses exemplos parecem ser, sem dúvida, casos de implicatura conversacional

standard, à medida que não são convencionais, nem quebram, explicitamente, máximas. Ca-

be, entretanto, a pergunta crucial. Como (A) infere que (B) pretende implicar (Q) se (B) não

25

deu sinais positivos disso? Uma resposta razoável para isso seria essa: “(A) julgou que (B)

deveria estar implicando (Q), caso contrário, ele estaria desrespeitando as máximas”. Alguém

poderia fazer a objeção de que, ao dizer que a casinha do cachorro da charge era amarela, (B)

não estaria deixando de oferecer a informação requerida, desde que não houvesse outra cor.

Em um caso clássico definido no texto original de Grice, o interlocutor (A) é ca-

paz de inferir uma implicatura conversacional por julgar que (B) está respeitando a máxima

“seja relevante” ou, pelo menos, o princípio da cooperação. O exemplo abaixo é ilustrativo:

(9) (A) Você me chamou?

(B) Sim, preciso saber mais sobre o programa ‘Fome Zero’.

Aqui, (A) está autorizado a inferir que (B) precisa da informação naquele momen-

to, embora ele não tenha dito isso. Ocorre que (A) julga que, se (B) o chamou e disse que pre-

cisa da explicação, seu enunciado será relevante se quiser implicar (Q) “preciso da informa-

ção agora”.

Grice observa que os exemplos de quebra de supermáxima de relação são mais ra-

ros. Consideremos os diálogos abaixo:

(10) (A) Que horas são?

(B) Não há mais tempo para fazermos a interpretação?

Nesse caso, (A) julga que o enunciado de (B) parece ser irrelevante para a sua

pergunta, mas como acredita que ainda, assim, ele está cooperando, busca a implicatura que

(B) deve estar transmitindo e infere que (B) deve estar implicando que, se ainda houvesse

tempo, (A) não deveria perguntar a hora. Parece ser o típico exemplo de implicatura conver-

sacional por quebra. Mas veja-se uma situação menos típica.

(11) (A) Que horas são?

(B) Já bateu o sinal.

26

Aqui, (A) percebe que (B) não respondeu um enunciado relevante a menos que ele

(B) queira implicar algo. Efetivamente, (A) infere que (B) quis implicar que já era mais de

9h:30min. Esse exemplo parece ser um pouco diferente do anterior, à medida que dá a im-

pressão de ter sido uma quebra mais fraca da relevância.

Examinemos mais algumas implicaturas que poderiam ser inferidas a partir da

mesma máxima.

(12) (A) Você viu o que aconteceu?

(B) A professora chegou e Carlos guardou a revista.

Aqui, (A) julga que a segunda oração do enunciado complexo de (B) parece não

ser relevante em relação à primeira a não ser que, com ela, (B) queira implicar algo. De fato,

(A) infere que (B) implicou que Carlos não queria que a professora o visse lendo a revista em

sala de aula.

(13) (A) Carlos estava no grupo de Fernanda?

(B) Não, estava no grupo de Marta.

(14) (A) Carlos estava no grupo de Fernanda?

(B) Não, estava no grupo de Pedro.

Nesses dois casos, a resposta de (B) demonstra que ele inferiu a implicatura de-

corrente da acentuação de (A) sobre Maria em (13) e sobre João em (14), por julgá-la (a acen-

tuação) relevante para o conteúdo da pergunta de (A).

Cabe analisar mais detidamente essas diversas situações, as quais parecem recair

na máxima de relação. Em (9), (A) infere a implicatura “preciso obter mais informações sobre

o ‘Fome Zero’ agora”, ao julgar a relevância, como relação entre o conteúdo do enunciado de

(B) e seu ato comunicativo. Tanto é verdade que “agora” é uma expressão indicial de tempo

acrescida ao dito. Caso (B) não tivesse pretendido implicar “agora” seu enunciado não seria o

mais relevante possível, tendo em vista a irrelevância do ato comunicativo. “Preciso obter

27

mais informações sobre o ‘Fome Zero’” diz “algo” que se torna mais relevante porque é uma

“dúvida” a ser respondida naquele momento.

Em (10), (A) julga que (B) disse algo irrelevante, porque o conteúdo de seu

enunciado parece não ter conexão semântica com o enunciado dele (A). Entretanto, ao

considerar que (B) está cooperando, (A) infere a implicatura “não há mais tempo para

fazermos a interpretação”, que é relevante para o tópico de sua conversação, embora não o

seja para o conteúdo de sua pergunta. Aqui, a relevância, como relação enunciado tópico da

conversação, pode estar sugerindo a mudança do tópico.

No exemplo (11), (A) julga que a resposta de (B) não é totalmente relevante no

que se refere ao conteúdo de sua pergunta; mas, ao julgar a implicatura “já são mais de

9h30min”, conclui que aquele era o enunciado mais relevante possível para (B) sem quebrar a

máxima da qualidade. Nesse caso, a relevância é vista como relação entre o conteúdo dos e-

nunciados de (A) e (B), dentro do mesmo tópico, e o princípio da cooperação.

Em (12), (A) julga que o enunciado complexo de (B) parece não conter uma rele-

vância intra-enunciativa, a partir da relação entre o conteúdo semântico da primeira e da se-

gunda partes. A partir disso é que depreende a implicatura. A relevância, aqui, é vista como

relação necessária entre as partes de um mesmo enunciado.

Já no caso de (13) e (14), a relevância é vista a partir da relação necessária entre a

acentuação de um enunciado e seu conteúdo. Observa-se que, aqui, a relação entre a forma da

expressão e o dito é externa ao conteúdo semântico.

O que se pretende em última análise demonstrar, é que, mesmo no caso da rele-

vância tomada como supermáxima da categoria de relação, a implicatura surge para harmoni-

zar relações entre funções diversas do jogo comunicativo:

( 9 ) Relação entre o dito e o ato comunicativo;

(10) Relação entre o dito e o tópico da conversação;

28

(11) Relação entre o dito e o princípio da cooperação;

(12) Relação no Intradito (dito versus dito); e,

(13 – 14) – Relação entre a forma e o conteúdo do dito.

Dentro do modelo griceano, as implicaturas podem ser produzidas mediante dois

tipos de comportamento comunicativo. Ou o falante, ao dizer (E) sugere (Q), por estar respei-

tando as máximas e o princípio da cooperação, ou o falante, ao dizer (E) sugere (Q), por estar

desrespeitando as máximas sem deixar de estar obedecendo ao princípio da cooperação. No

primeiro caso, chamamos de implicaturas do tipo standard; no segundo caso, do tipo quebra.

O papel da relevância parece ser diferente em cada um dos casos.

Para Sperber e Wilson, há três ordens de impropriedade da distinção de Grice em

com respeito à interpretação inferencial. Primeiro, porque o lingüista não considera o enrique-

cimento da forma lógica como inferência em nível explícito. Segundo, porque Grice apenas

expõe como se comunicam as atitudes proposicionais, não considerando o explícito e o implí-

cito alusivo a elas. Por fim, porque Grice não releva os graus de explicitude de um enunciado.

Vejamos, então, qual a alternativa proposta pela Teoria da Relevância.

2.1.2 Da teoria de Grice à Teoria da Relevância

Tendo como base o modelo inferencial de Grice (1975), Sperber e Wilson (1986,

1995) desenvolvem uma teoria da comunicação particularmente voltada para a compreensão

de enunciados, a Teoria da Relevância. O termo relevância aqui, não equivale ao termo ordi-

nário ‘relevância’.

29

We are not trying to define the ordinary English word ‘relevance’. ‘Relevance’ is a fuzzy term, used differently by different people, or by the same people at different times (SPERBER; WILSON, 1995, p. 119).

O termo refere-se à relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos e esforço de processamento,

que explica como os indivíduos interpretam informações em contextos comunicativos.

O aspecto distinto entre a teoria de Grice e a de Sperber e Wilson é o de que, para

Grice, tudo o que não é explicitado num enunciado é uma implicatura. Ele destaca três tipos

de implicaturas: as decodificadas são as ‘implicaturas convencionais’, as inferidas são as

‘não-convencionais’, e as que se assemelham às da Teoria da Relevância são as ‘conversacio-

nais’. Grosso modo, as implicaturas ‘conversacionais’ de Grice são as ‘implicaturas’ de Sper-

ber e Wilson, e as ‘convencionais’ de Grice, as explicaturas de Sperber e Wilson.

Para Sperber e Wilson, a impropriedade da teoria de Grice em relação à interpre-

tação inferencial se dá por três razões: em primeiro lugar porque o lingüista não considera o

enriquecimento da forma lógica como inferência em nível explícito; em segundo lugar, por-

que Grice apenas expõe como se comunicam as atitudes proposicionais, sem considerar o

explícito e o implícito alusivos a elas; e, em terceiro, porque não releva os graus de explicitu-

de de um enunciado. Sobre a explicitude da comunicação, postulam:

Generally speaking, we see the explicit side of communication as richer, more infer-encial, and hence more worthy of pragmatic investigation than do most pragmatists in the Gricean tradition (SPERBER; WILSON, 1995, p. 183).

Sperber e Wilson, então, partem da concepção de comunicação de Grice, na qual

o ouvinte calcula as intenções do falante por meio de inferências, acrescentam a essa concep-

ção uma faceta cognitiva e a reinterpretam à luz da Teoria da Relevância.

Cabe ressaltar, no entanto, que, embora a comunicação puramente inferencial e-

xista, e o modelo inferencial é produtivo para dar conta de algumas formas de comunicação, a

maioria das situações comunicativas implica a utilização de um código. Sobre isso, Sperber e

30

Wilson defendem que uma teoria inferencial forte de comunicação é empiricamente inade-

quada (1995, p. 27). Mesmo que houvesse uma teoria de comunicação unicamente inferencial,

haveria de existir um código, como um conjunto de convenções a ser compartilhado por todos

que participam do processo comunicacional.

Por isso, os autores defendem a utilização complementar das duas modalidades de

comunicação, codificada/decodificada e inferencial. Nesse sentido, a Teoria da Relevância

descreve os fenômenos de compreensão de mensagens em geral, e não especificamente das

mensagens verbais. A informação relevante num ato comunicativo pode não ser transmitida

lingüisticamente, ou tão-somente lingüisticamente.7

2.1.3 Contexto e conhecimento mútuo

Na proposta de Sperber e Wilson, o contexto está intrinsecamente relacionado

com os ambientes cognitivos. Diferentemente da hipótese de que é uma pré-condição para a

compreensão, o contexto vai sendo construído no curso do processo comunicacional. Consti-

tui-se, então, como o conjunto de premissas – informações mentalmente representadas – utili-

zado na interpretação de enunciados.

Essa concepção não é compatível com os modelos fundamentados no código e

com a hipótese do conhecimento mútuo na qual o contexto é uma pré-condição para a com-

preensão. A idéia de um contexto dado é rejeitada por Sperber e Wilson, sobretudo pela

7 Como não poderia deixar de ser, dadas as circunstâncias das interpretações das charges produzidas pelos gru-

pos experimental e de controle, os atos comunicativos analisados neste trabalho foram explicados a partir da linguagem verbal e da não-verbal.

31

inviabilidade psicológica de pressupor a certeza de conhecimentos compartilhados entre fa-

lante e ouvinte para o êxito da comunicação.

O contexto é, em essência, um subconjunto de suposições sobre o mundo do ou-

vinte, que foi adquirido no decorrer da vida e renovado a cada processamento de informação.

Ele afeta, e mesmo determina, a sua compreensão do mundo. Essas suposições mentalmente

representadas interagem com a informação recentemente encontrada no ambiente cognitivo e

dá origens a mudanças de crenças e comportamentos. O contexto, então, pode incluir infor-

mação por intermédio do ambiente físico, das suposições armazenadas na memória de curto

prazo do ouvinte e das suposições armazenadas na enciclopédia mental. Daí supor que o con-

texto não é de todo dado de antemão, antes vai se renovando no processo comunicativo.

Em outras palavras, os autores defendem a condição de ambientes cognitivos

mutuamente manifestos, em vez do conhecimento mútuo no processo comunicativo. O co-

nhecimento mútuo implica uma certeza relativa à mutualidade de conhecimento entre os fa-

lantes, especificamente sobre suposições contextuais envolvidas na enunciação. E como esta

certeza não pode ser garantida, a hipótese desta manifestabilidade mútua não pode ser susten-

tada. Um esquema para possíveis checagens dessas informações seria este:

(i) F sabe que P;

(ii) O sabe que P;

(iii) F sabe que (ii);

(iv) O sabe que (i);

(v) F sabe que (iv);

(vi) O sabe que (iii);

e, assim, indefinidamente.

Veja-se o diálogo da charge:

(15) (A) Mãe, fazia tempo que a gente não comia carne, né? Guarda os ossinho que eu vô jogá pro cachorro!

(B) Cachorro!

32

Na charge, quando o menino senta-se à mesa para almoçar, ele e mãe trocam al-

gumas palavras, e ele diz a mãe que guarde os ossos para o cachorro e a mãe lhe responde

através de uma única palavra “Cachorro!”. Esse exemplo ilustra algo muito comum na comu-

nicação do dia-a-dia: as falhas na comunicação. No momento em que a mãe responde “Ca-

chorro!”, percebe-se que há um salto de sentido entre a primeira proposição e a segunda. Isso

talvez por ela estar servindo no almoço o cachorro ou, o que é mais provável, ela ter proposi-

talmente mudado a direção do assunto a fim de evitar frustrações no filho.

Na concepção de Silveira (1997), o ocorrido na charge pode ser considerado uma

falha na comunicação. Sobre isso a autora explica.

A interpretação do comportamento comunicativo, como a interpretação da evidência em geral, está sempre sujeita a risco, uma vez que há sempre formas alternativas de interpretar um ato comunicativo de evidência, mesmo quando todos os procedimen-tos corretos para a interpretação são aplicados. Mesmo a melhor hipótese seleciona-da pode não ser a correta, isto é, a pretendida pelo comunicador, e a comunicação pode falhar (SILVEIRA, 1997, p. 133).

Nesse caso, mesmo havendo um conhecimento mútuo de informações entre o fi-

lho e a mãe, este conhecimento não daria conta de fazer com que a mãe acessasse o conjunto

de suposições perfeitas para aquela situação, a não ser que a fala do menino fosse mais explí-

cita. Sobre a não apreensão da hipótese pretendida pelo falante, Sperber e Wilson dizem.

On this approach, failures in communication are to be expected: what is mysterious and requires explanation is not failure but success (1995, p. 45).

Segundo os autores, duas pessoas podem compartilhar as mesmas informações,

mas, a partir delas, fazerem suposições diferentes. A manifestabilidade mútua constitui-se

numa abordagem mais plausível ao defender que esses falantes são capazes de inferir as

mesmas suposições, mas não necessariamente têm a obrigação de fazer isso. Nesse caso, em-

bora a condição da manifestabilidade mútua seja mais plausível com atos comunicativos que

33

ocorrem na comunicação diária, é forte para explicar não apenas o sucesso da comunicação,

mas também as freqüentes falhas comunicacionais. O exemplo (15) ilustra o que os autores

reconhecem, o fato de a comunicação envolver indeterminâncias e poder falhar, como ocorre

no nosso dia-a-dia.

A aplicabilidade de um conhecimento mútuo na interpretação, mesmo por meio de

esquemas de checagens, revela algumas restrições, quais sejam: primeiro, tomaria um tempo

que excederia a rapidez efetiva dos processos de produção e compreensão de um enunciado;

segundo, não daria garantias de que a comunicação seria bem-sucedida; terceiro, o fato de

duas pessoas olharem para a mesma coisa, e poderem identificá-la de modos diferentes e não

reconhecer ou compreender os mesmos fatos; e, por último, embora possível definir os con-

textos potenciais restringidos pelo conhecimento mútuo, restaria ainda a incógnita sobre como

o contexto real é selecionado ou atualizado.

2.1.4 Inferências não-demonstrativas

O modelo de comunicação por ostensão de Sperber e Wilson é um modelo essen-

cialmente inferencial e estritamente ligado à ciência cognitiva. Partindo do pressuposto de que

o processo comunicativo apóia-se na cognição humana, os autores defendem duas hipóteses

gerais sobre o processo de compreensão inferencial. Em primeiro lugar, descrevem esse pro-

cesso como não-demonstrativo, uma vez que, sob as melhores circunstâncias, a comunicação

pode falhar: o ouvinte pode não decodificar ou não deduzir a intenção comunicativa do falan-

te. O ouvinte pode, entretanto, construir uma suposição com base na evidência provida pelo

34

comportamento ostensivo do comunicador, e esta suposição, por sua vez, pode ser confirma-

da, mas não provada.

A segunda hipótese geral sobre o processo de compreensão inferencial refere-se

ao fato de ela ser central, em vez de local. Nessa concepção, os autores utilizam-se do pressu-

posto teórico de Fodor (1983), que postula que, enquanto os processos locais – inputs percep-

tuais ou periféricos – são livres de contexto e sensíveis apenas à informação contextual de

algum domínio específico, os globais têm acesso livre a toda informação conceitual armaze-

nada na memória.

Nesse caso, no processo de compreensão inferencial, qualquer informação concei-

tualmente representada disponível para o ouvinte pode ser usada como uma premissa para

obtenção de conclusão. É o que ocorre nos processos dedutivos. Eles têm livre acesso à in-

formação contextual, ou seja, não partem somente de premissas fixadas, são considerados

globais.

A mente, numa concepção fodoriana8, é descrita como sistemas modulares que

envolvem sistemas de input, porque funcionam no sentido de enviar informação aos processos

centrais. E cabe aos processos centrais, por sua vez, integrar entre si essas informações advin-

das dos diferentes módulos. Tanto os sistemas de inputs como os sistemas centrais são com-

putacionais porque realizam operações de inferência (SILVEIRA e FELTES, 1999, p. 135).

Enfim, a Teoria da Relevância leva em conta a existência necessária de um

processamento central de pensamentos. Enquanto estudos são realizados particularmente no

8 Os autores divergem de Fodor em alguns aspectos: (a) para os autores, os módulos não são totalmente impene-

tráveis, pois seus outputs podem ser submetidos ao mecanismo central e estes podem submeter seus outputs ao módulo, em movimentos sucessivos e continuados, diacronicamente, na história do processo interpretati-vo. Dessa forma, os processos pragmáticos não são modulares, visto que a pragmática se preocupa em expli-car como a tarefa do ouvinte pode ser realizada; (b) os autores discordam do cepticismo de Fodor quanto ao tratamento científico dos processos centrais, pois defendem a compreensão inferencial como um processo global que envolve a formulação e a confirmação de hipóteses, embora com algumas diferenças em relação à teorização científica (SILVEIRA; FELTES, p. 145-147).

35

nível dos sistemas de percepção, muito pouco é conhecido sobre os processos de pensamento

denominados centrais. Os fundamentos teóricos dos estudos de Sperber e Wilson evidenciam

uma forte relação entre lógica e cognição no tratamento das inferências não-demonstrativas,

por meio dos mecanismos formais e cognitivos.

2.1.5 Mecanismo dedutivo

No processo interpretativo, conforme a Teoria da Relevância, a mente passa por

um mecanismo dedutivo para dele derivar conclusões implicadas, quando da efetivação do

modelo ostensivo-inferencial. Considerando as particularidades cognitivas da compreensão

humana, esse mecanismo hipotetizado pelos autores – para elucidar as habilidades inferenci-

ais espontâneas – explica os componentes lógico-cognitivos que constituem a base da nature-

za essencialmente inferencial da comunicação humana.

Nesse mecanismo dedutivo, o processo de compreensão é não-demonstrativo, uma

vez que não pode ser provado, apenas confirmado. E as inferências seguem um cálculo não-

trivial onde

a verdade das premissas torna a verdade das conclusões apenas provável, através de um processo de formação de hipóteses – que supõe raciocínio criativo, analógico e associativo – e de confirmação de hipóteses – que se ajusta ao conhecimento de mundo do indivíduo e às evidências disponíveis a ele (SILVEIRA; FELTES, 1999, p. 34).

Cabe ressaltar, porém, que o mecanismo dedutivo utilizado na comunicação hu-

mana não é um sistema lógico, no sentido da lógica pura. Ele é, na verdade, computacional,

36

limitado em suas operações não somente pelas regras dedutivas que aplica, exclusivamente

interpretativas, mas também pelo modo como as aplica.

Vejamos como se dá a aplicabilidade dessas regras dedutivas. Durante o processo

comunicativo, algumas suposições se tornam mais ou menos manifestas para falante e ouvinte

– obviamente, nem sempre as mesmas para um e outro. Esse conjunto de suposições, embora

apenas mentalmente representado, fornece as informações necessárias para a comunicação,

que são as informações contextuais.

No processo comunicativo, o processamento dedutivo de informação toma como

input o conjunto de suposições acessível ao ouvinte (informações contextuais) e sistematica-

mente dele deduz todas as conclusões possíveis. Isso porque cada suposição é formada por

conceitos – constituintes pequenos sensíveis às regras dedutivas.

Segundo Sperber e Wilson, os conceitos são uma espécie de endereço ou de “eti-

queta” que ligam a informação que está sendo processada às informações de natureza lógica,

enciclopédica e lexical. As informações de natureza lógica, constituídas por um conjunto

finito, pequeno e constante de regras dedutivas que se aplica às formas lógicas das quais são

constituintes, são de caráter computacional.9 A entrada enciclopédica consiste nas informa-

ções sobre a extensão ou denotação do conceito – objetos, eventos e/ou propriedades que o

instanciam; são de caráter representacional e variam ao longo do tempo e de indivíduo para

indivíduo. E a entrada lexical consiste de informações lingüísticas sobre a contraparte em lin-

guagem natural do conceito – informação sintática e fonológica, de caráter representacional.

Nessa perspectiva, as regras dedutivas são sensíveis aos conceitos, encarregados

de acessar as informações de natureza lógica, enciclopédica e lexical que aparecem na propo-

sição que está sendo processada no decorrer do ato comunicativo.

37

Esses conceitos, estruturados em conjuntos, constituem as suposições que utiliza-

mos na interpretação de enunciados. Sobre isso, os autores esclarecem.

It seems reasonable to regard logical forms, and in particular the proposition forms of assumptions, as composed of smaller constituents to whose presence and struc-tural arrangements the deductive rules are sensitive. These constituents we will call concepts. An assumption, then, is a structured set of concepts (SPERBER; WIL-SON, 1995, p. 85).

Assim, a construção do conteúdo de um enunciado envolve habilidade para não só

identificar as palavras que o constituem, como também para recuperar os conceitos a elas as-

sociados e também aplicar as regras dedutivas às suas entradas lógicas.

No momento, então, em que um conjunto de suposições é colocado na memória

de um dispositivo dedutivo, todas as regras dedutivas acopladas à entrada lógica (referentes a

ele) são acessadas. Vejamos o exemplo a seguir:

(16) (A) O Presidente Lula promete acabar com a fome.

(B) O povo está passando fome.

(C) Então o Presidente Lula está enganando o povo.

A conclusão por dedução (1a) acontece por dois motivos. Em primeiro lugar, por-

que este mecanismo é equipado por um conjunto finito, pequeno e constante de regras deduti-

vas que se aplica às formas lógicas das quais são constituintes. E, em segundo lugar, porque

(este mecanismo) permite derivar conclusões advindas de premissas construídas no curso do

processamento, e não necessariamente premissas pré-fixadas.10

As regras dedutivas pertencem a duas classes formalmente distintas, chamadas de

analíticas e sintéticas. Uma regra analítica toma como input uma só suposição de uma

9 Para Sperber e Wilson, computacional é um sistema capaz de transformar um conjunto de representações em

outro conjunto de representações, conforme alguma regra ou procedimento. 10 Nesse caso, em se seguindo a lógica padrão, a conclusão (1c) não seria plausível, uma vez que não deriva

diretamente das premissas (1a-c). ‘O Presidente Lula está enganando o povo’ deveria constituir uma premissa já localizada em (1), o que não é o caso. Todavia, sabemos que, inferencialmente, (4a-c) mantém uma ligação implícita.

38

coordenada, por exemplo, a eliminação do “e”. Uma regra sintética toma como input duas

suposições separadas, por exemplo, a regra modus ponendus ponens,11 que toma uma suposi-

ção condicional e seu antecedente como inputs.

Sobre a implicação analítica os autores dizem:

A set of assunptions P analytically implies an assumption Q if and only if Q is one of the final theses in a deduction in which the initial theses are P, and in which only analytic rules have applied (SPERBER; WILSON, 1999, p. 104).

A propriedade dessas implicações é reflexiva, de tal forma que cada uma delas

implica a si mesma. Assim, qualquer conclusão obtida de um conjunto inicial de suposições

por derivação no qual apenas regras analíticas são usadas é dito analiticamente implicado por

aquele conjunto de suposições. Assim, toda implicação que não é analítica será sintética. So-

bre a sintética os autores dizem:

A set of assunptions P synthetically implies an assunption Q if and only if Q is one of final theses in a deduction in which the initial theses are P, and Q is not an ana-lytic implication of P (SPERBER e WILSON, 1999, p. 104).

Na prática, isso significa que uma implicação sintética é o resultado da derivação

de pelo menos uma regra sintética.

Assim, Sperber e Wilson defendem a existência apenas de regras de eliminação do

tipo modus ponendo ponens e eliminação do “e”. Elas produzem conclusões não-triviais que

esclarecem como se dá o processo de transição das premissas às conclusões. Na interpretação

4 do Grupo Experimental o estudante ao analisar a charge produz a seguinte fala:

(17) Lula é igualzinho a todo político.

De acordo com a Teoria da Relevância, essa conclusão foi alcançada por meio da regra (3):

11 Para maiores esclarecimentos sobre as regras de eliminação do “e” e do modus ponendo ponens, conferir em

Rauen, 2002, p. 42.

39

(18) Input: (i) P Q

(ii) P

Output: Q

Em (3), dada uma relação de implicação entre duas proposições, quando a primei-

ra é afirmada P, segue-se necessariamente a segunda Q. A regra de eliminação da implicação,

demonstrada em (3), modus ponendo ponens, toma como input o conjunto de premissas for-

mado por P e Q e como output o conseqüente do condicional P Q, ou seja, Q, o qual faz

parte do conjunto de premissas iniciais. Vejamos (4):

(19) O povo está passando fome.

Se o Presidente Lula promete acabar com a fome então Lula é igual a todo político

O Presidente Lula promete acabar com a fome

Lula é igual a todo político.

No caso (4), dada uma relação de implicação entre as proposições ‘O Presidente

promete acabar com a fome’ e ‘O povo está passando fome’, quando a primeira é afirmada,

segue-se necessariamente a segunda. Assim, lembrando-se da maioria dos políticos, e de que

eles enganam o povo, e vendo que o Presidente Lula promete acabar com a fome, mas o povo

está passando fome, o estudante pode ter concluído que ele é igual a todos os políticos por

meio da regra dedutiva modus ponendo ponens.

Em (5), apresento a eliminação do “e”, a partir da regra:

(20) Input: P e Q

Output: P

Eliminando-se a conjunção “e”, em (5), que liga as duas proposições coordenadas,

cada uma das proposições isoladamente é verdadeira. Assim em (6):

(21) Lula é igual a todo político e Lula promete acabar com a fome.

Lula é igual a todo político.

40

A partir da regra de eliminação, em (6), o estudante pode supor que “Lula é igual

a todo político” e também que ‘todo político promete acabar com a fome’. Ambas suposições,

mesmo separadas, consistem em verdades para o estudante.

Para os autores, uma vez que as regras de eliminação apresentam caráter interpre-

tativo, a mente se utiliza delas na compreensão dos atos comunicativos. O conteúdo das pre-

missas, então, submetido a essas regras é analisado e explicado num cálculo dedutivo, indo

além das propriedades puramente formais das suposições. Assim, ao enunciar (7c), da inter-

pretação da charge o aluno 5 do grupo experimental diz:

(22) (a) O presidente Lula promete acabar com a fome.

(b) O povo está passando fome.

(c) Lula é igual a todo político.

É possível que o estudante tenha acessado as potenciais suposições armazenadas

na memória:

Estudante1: Os políticos enganam o povo.

Estudante2. Lula também engana o povo.

Estudante3: Os políticos fazem promessas e não as cumprem.

Estudante4: Lula também faz promessas e não as cumprem.

E concluído

Estudante5 Conclusão Implicada: Lula é igual a todo político.

Nesse caso, potencialmente, o estudante teria motivos para associar o Presidente

Lula aos políticos que fazem promessas ao povo e os enganam.

Como foi visto, as conclusões por dedução aconteceram porque o mecanismo

dedutivo é equipado por um conjunto de regras que se aplica às formas lógicas das quais são

constituintes e porque permite derivar conclusões de premissas construídas no curso do

41

processamento. É bem visível, pois, que o modelo cognitivo da Teoria da Relevância é essen-

cialmente dedutivo.

Assim, por realizarem uma grande economia na estocagem de representações con-

ceituais do mundo, por se portarem como uma ferramenta que refina as representações con-

ceituais do mundo e denuncia inconsistências e imprecisões nas representações conceituais, as

regras dedutivas de processamento são consideradas, pelos autores, uma hipótese empírica.

2.1.6 Ambiente cognitivo e efeito contextual

Durante o processo comunicativo, algumas suposições se tornam mais ou menos

manifestas para falante e ouvinte. Esse conjunto de suposições manifestas em graus diversos

constitui o que os autores chamam de ambiente cognitivo. Embora esse ambiente cognitivo

seja um conjunto de suposições mentalmente representado e considerado verdadeiro, ele for-

nece a informação necessária para a comunicação. Num ato comunicativo, o que se visa é à

alteração dos ambientes cognitivos dos interlocutores.

O efeito contextual consiste no tipo de resultado que um estímulo recentemente

recebido tem de produzir, já interagindo com algumas das suposições pré-existentes no siste-

ma cognitivo, para poder ser considerado relevante para o sistema.

Nesse sentido, as relações de relevância, por meio de inferências, modificam e a-

perfeiçoam o conjunto de representações do mundo armazenado na memória dos indivíduos.

Esse processo, além de evitar um acúmulo dispendioso de informações para o raciocínio,

42

proporciona o efeito contextual,12 que consiste na alteração de crenças do indivíduo, base do

processo comunicativo.

Uma informação só será relevante para o ouvinte nos seguintes casos: se houver

uma combinação dela com as suposições que o ouvinte já tem sobre o mundo, e dessa combi-

nação resultar uma nova suposição; ou se essa informação nova der mais evidência a uma já

existente; ou ainda se essa informação contradisser uma já existente, resultando, nesse caso,

na eliminação da mais fraca.

Na interpretação de uma charge, esses efeitos têm fator preponderante, visto o ca-

ráter crítico do estímulo. Em outras palavras, uma suposição só será relevante se houver efei-

tos contextuais, que podem ocorrer por meio de implicação contextual, do fortalecimento (ou

enfraquecimento) de suposições e da eliminação de suposições contraditórias.

No caso da implicação contextual, suposições nascem da soma da combinação de

informações novas e velhas. As informações velhas formam o conjunto de suposições que

constituem o ambiente cognitivo do indivíduo. A informação nova (P – os elementos dispos-

tos na charge, por exemplo) inscreve-se no contexto de suposições (C – informações anterio-

res sobre pobreza e fome para ambos os grupos, e, para o grupo experimental, informações

adicionais sobre o Programa ‘Fome Zero’). Essa inscrição é chamada de contextualização de

P em C.

No caso do fortalecimento, há um fortalecimento de suposições já existentes. A-

qui, não se obtém uma informação nova derivada, apenas se reforça (ou se enriquece) uma

informação já existente.

12 Segundo os autores, por que o efeito contextual implica mudanças e aprimoramento nas crenças do indivíduo,

ele é um efeito cognitivo. Por este motivo, na edição de 1995, a expressão ‘efeito contextual’ passa a ser substituída por ‘efeito cognitivo’. Optei pela expressão antiga.

43

Por fim, no enfraquecimento ou na eliminação, a suposição nova entra em con-

tradição com as suposições existentes e, conforme sua força, pode enfraquecer o conhecimen-

to anterior ou eliminá-lo. Em outras palavras, a eliminação de suposições ocorre quando entre

duas suposições contraditórias a mais fraca (a que se tem menos evidência) é descartada.

O ser humano pode obter informações de quatro diferentes formas: por input per-

ceptual – através de evidências de fontes sensórias (visual, auditiva, olfativa, tática, etc); por

input lingüístico – através da decodificação de sinais lingüísticos; pela ativação de suposições

estocadas na memória ou esquemas de suposições (completados com suposições contextuais);

e, por deduções – processo pelo qual se derivam as suposições adicionais.

Os efeitos contextuais alteram o conhecimento sobre o mundo armazenado na

memória do indivíduo. Em sua produção, há dispêndio de energia mental. No que se refere ao

esforço de processamento, os fatores dominantes são a complexidade lingüística e acessibili-

dade do contexto.

Ao interpretar um enunciado, a seleção do contexto é parte do processo de inter-

pretação e é direcionada pela busca da relevância no processamento de informação. Nenhuma

suposição é relevante em si mesma, pois deve envolver pessoas com suas individualidades,

podendo diferir de pessoa a pessoa em diferentes circunstâncias. Nesse trabalho, isso poderá

ser visto nas interpretações da charge realizadas pelos dos grupos, a partir da explicatura.

44

2.2 A TEORIA DA RELEVÂNCIA

A Teoria da Relevância é uma abordagem pragmático-cognitiva que parte da idéia

de que prestamos atenção naquilo que nos interessa, isto é, que vem ao encontro de nossos

interesses ou que se ajusta às circunstâncias do momento.

Sperber e Wilson (1986, 1995) basearam-se no modelo inferencial de Grice. O

modelo de Grice destacou a complexidade do conceito de relevância e sua importância dentro

do quadro de uma abordagem pragmática, propondo a noção de relevância como a única má-

xima da categoria de relação, expressa pela fórmula “Seja Relevante”.

A relevância de um enunciado é encontrada mediante seu confronto com informa-

ções antigas, o contexto. A visão de que o contexto é formado pelas proposições explicita-

mente expressas no mesmo discurso, mesmo que confirmada em muitos casos, em outros de-

monstra ser incompleta, pois uma suposição nova pode necessitar do acesso a outras proposi-

ções, que não as imediatamente anteriores a ela, para produzir efeitos no contexto.

2.2.1 Relevância e Princípio da Relevância

A relevância consiste na relação entre uma suposição e um contexto. É considera-

do um critério de consistência que permite escolher a suposição apropriada para uma interpre-

tação adequada. Então, uma informação é relevante para o ouvinte na medida em que ela se

combina com as suposições que este tem sobre o mundo, resultando numa nova suposição.

45

Porém, para que haja essa relevância, dois fatores se constituem essenciais: o efeito e o esfor-

ço de processamento. Assim:

a) uma suposição é relevante em um contexto na medida em que seus efeitos contex-tuais neste contexto sejam grandes;

b) uma suposição é relevante num contexto na medida em que o esforço requerido para seu processamento neste contexto seja pequeno.

Essa definição implica a condição necessária e suficiente para que uma suposição

seja relevante num contexto e tenha algum efeito contextual. De uma maneira geral, no pro-

cesso interpretativo de mensagens, a mente opera de modo produtivo ou econômico, no senti-

do de alcançar o máximo de efeitos com um mínimo de esforço.

Nesse caso, para um ato comunicativo ter êxito, é necessário que atraia a atenção

do ouvinte. Cabe ao emissor ostensivo, portanto, comunicar ao ouvinte que o estímulo que

está utilizando é relevante para este, é a presunção da Relevância Ótima. Assim, vejamos:

a) o conjunto de suposições {I}, que o comunicador pretende tornar manifesto ao destinatário, é relevante o suficiente para merecer que o destinatário processe o es-tímulo ostensivo;

b) o estímulo ostensivo é o mais relevante que o comunicador poderia ter usado para comunicar {I}.

Partindo daí, os autores formulam o Princípio da Relevância, segundo o qual,

todo ato de comunicação ostensiva comunica a presunção de sua própria Relevância Ótima.

Desse Princípio pode-se deduzir que: a) ele se aplica a todas as formas de comunicação; b) os

indivíduos cujo ambiente cognitivo o comunicador está tentando modificar são os destinatá-

rios do ato da comunicação; e c) ele não garante que a comunicação, apesar de tudo, seja

sempre bem-sucedida.

46

Em outras palavras, o Princípio da relevância se fundamenta na seguinte idéia: o

emissor dirige ao receptor uma informação ostensiva e rica em efeitos contextuais a ponto de

ela merecer a atenção deste receptor. Tal informação, segundo Silveira e Feltes (1999, p.53),

cria a presunção de que o emissor tentou alcançar efeitos contextuais adequados, “sem impor

ao ouvinte um esforço injustificável para alcançá-los em sua tentativa de identificar a intenção

do falante por trás da ostensão”. Assim, o ato comunicativo é otimamente relevante.

Em suma, o modelo proposto por Sperber e Wilson defende a existência de duas

propriedades da comunicação humana. Em primeiro lugar, que deve haver uma ostensão por

parte do comunicador e uma inferência por parte do ouvinte. Em segundo lugar, que a inten-

ção de alcançar efeitos cognitivos baseia-se numa relação entre efeitos contextuais e esforço

de processamento implicando, assim, diferentes graus de relevância.

2.2.2 Intenção informativa e intenção comunicativa

Os autores consideram a intenção um estado psicológico que traz consigo conteú-

dos mentalmente representados. Nessa perspectiva, o ato comunicativo implica duas intenções

por parte do falante - a informativa e a comunicativa – cujas pretensões consistem em in-

formar o ouvinte de algo (intenção informativa); e informar o ouvinte sobre a intenção infor-

mativa do falante (intenção comunicativa).

A partir disso, é possível dizer que a intenção comunicativa é em si mesma uma

intenção informativa de segunda ordem: para que esta seja satisfeita, é preciso que aquela

seja reconhecida. Embora se tenha de reconhecer que uma intenção comunicativa pode ser

47

satisfeita sem que a correspondente intenção informativa o seja. (SILVEIRA; FELTES, 1999,

p. 111). Em outros termos, a satisfação da intenção comunicativa do falante consiste:

(a) na intenção informativa: tornar manifesto (ou mais manifesto) para o ouvinte

um conjunto de suposições; e,

(b) na intenção comunicativa: tornar mutuamente manifesta ao ouvinte e ao emis-

sor que o emissor tem esta intenção comunicativa.

A intenção informativa é manifesta por intermédio de um estímulo ostensivo.

Uma suposição entre aquelas que o falante torna manifestas é a suposição de que o estímulo

merece ser processado, merece atenção do ouvinte. Quando o ouvinte percebe o estímulo, ele

o percebe com essa garantia de merecer atenção, ou seja, com a garantia de que ele é relevan-

te. Sendo a verdadeira intenção comunicativa a intenção de ter uma intenção informativa re-

conhecida, os autores sugerem o seguinte critério para chegar às hipóteses sobre a intenção do

comunicador: os seres humanos prestam atenção ao mais relevante fenômeno disponível.

Nesse caso, enquanto a intenção (a) é informativa, (b) constitui-se como a inten-

ção comunicativa, ou seja, a intenção de que a intenção informativa seja reconhecida. De a-

cordo com a teoria, mesmo em circunstâncias em que a intenção informativa não seja satisfei-

ta, a intenção comunicativa o pode ser.

2.2.3 Comunicação ostensiva e inferencial

A comunicação verbal propriamente dita ocorre quando se reconhece que o falan-

te está dizendo algo a alguém. Entendendo que os seres humanos prestam atenção ao fenôme-

no disponível mais relevante, esse modelo de comunicação defende a existência de duas

48

propriedades da comunicação humana: ser ostensiva, da parte do comunicador, e ser inferen-

cial, da parte do ouvinte. Os fenômenos que estão no foco de atenção do ouvinte – via osten-

são do estímulo-enunciado – podem originar suposições e inferências no nível conceitual.

Comunicar por ostensão, assim, é produzir um certo estímulo com o objetivo de

tornar manifesto (ou mais manifesto), tanto para o comunicador como para o ouvinte, que ele

pretende tornar mutuamente manifesto (ou mais manifesto) um conjunto de suposições. Inter-

pretar por inferência, por sua vez, é construir suposições com base na evidência provida pelo

comportamento ostensivo do comunicador, já que esse processo comunicativo envolve opera-

ções interpretativas de caráter inferencial por parte do ouvinte.

Assim, a comunicação ostensivo-inferencial consiste em fazer manifesta nossa

intenção de fazer manifesta uma determinada informação a um destinatário. A comunicação

inferencial e a comunicação ostensivo fazem parte, pois, de um único processo, porém vistos

de pontos de vistas diferentes: o do agente que efetua a ostensão e o do destinatário que efetua

a inferência.

2.2.4 Forma lógica, explicatura e implicatura

Para Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston (1988), a descrição e a explicação

dos níveis de compreensão acontecem desde a forma lógica, lexical e gramaticalmente deter-

minada (explicada pela gramática), até a forma proposicional da implicatura (obtida por meio

de inferências). Essa trajetória pode ser dividida em três níveis representacionais, quais sejam:

a) o nível da forma lógica, na dependência da decodificação; b) o nível da explicatura, em que

49

a forma lógica é desenvolvida através de processos inferenciais de natureza pragmática; e c) o

nível da implicatura, que parte da explicatura para a construção de inferências pragmáticas.

Conforme os autores, no ato comunicativo, uma das funções dos sistemas de en-

trada (perceptual, lingüístico) consiste em transformar as representações sensoriais em repre-

sentações conceituais, a fim de que todas passem a ter o mesmo formato, independentemente

da modalidade sensorial de que derivam.

Nesse processo, portanto, a mente envolve propriedades lógicas e não-lógicas. À

cognição interessa a propriedade lógica, denominada pelos autores de forma lógica. Uma

forma lógica, então

is a well-formed formula, a structured set os constituents, which undergoes formal logical operations determined by its structure” (SPERBER; WILSON, 1995, p. 72).

O que a distingue de outras operações formais é o fato de a forma lógica conservar o valor de

verdade, em princípio. Por esse motivo, ela permite implicações e contradições, nas relações

entre diversas outras representações mentais.

Os autores ainda classificam a forma lógica como proposicional e não-

proposicional. Enquanto a forma lógica proposicional é sintaticamente bem formada e seman-

ticamente completa, a forma lógica não-proposicional é sintaticamente bem formada, mas

semanticamente incompleta. Assim, no processo comunicativo, a mente é capaz de, ao rece-

ber uma informação em nível não-proposicional, enriquecê-la inferencialmente por meio da

designação de referência e desambiguação, ou com base na informação contextual, desenvol-

vendo-se esquemas de suposição organizados na memória enciclopédica, e transformá-la em

forma lógica proposicional.

No momento em que uma sentença em linguagem natural é enunciada, os sistemas

de input lingüístico automaticamente a decodificam em sua forma lógica, ou num conjunto de

50

formas lógicas (em caso de ambigüidade) que o ouvinte normalmente deverá ser capaz de

esperar completar na forma proposicional supostamente intencionada pelo falante.

Veja-se o exemplo a seguir, onde Ana responde para Pedro se João havia ou não

ido ao Banco pagar um boleto que só podia ser pago em uma agência. Pedro e Ana estão em

casa às 21 horas, e a agência está fechada, de modo que se João não houvesse ido ao Banco, a

conta não teria sido paga e Pedro deveria pagar juros de mora.

(23) Ele foi lá.

Assim que ouve Ana dizer (24) num dado momento, o enunciado se decodificará

com a forma lógica não-proposicional da oração (25), que pode completar-se para produzir a

forma proposicional (26), que pode, por sua vez, integra-se a uma atitude proposicional (27):

(24) /elI foy ‘la/

(25) ele foi lá (forma lógica não-proposicional).

(26) ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje] (forma lógica proposicional).

(27) [Ana afirma que] ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje] (recuperação da atitude proposicional do falante).

Nesse caso, uma representação semântica foi escolhida, completada e enriquecida

para produzir a forma proposicional expressa pelo enunciado. Partindo do termo implicatura,

de Grice (1975), Sperber e Wilson (1986,1995) e Carston (1988) chegam a um nível pragmá-

tico da comunicação humana, que se situa entre a decodificação lingüística e a implicação

contextual: a explicatura. Em outras palavras, entre os dois pólos – dito e implicado – ocorre

um nível intermediário, o de conteúdo explícito. Enquanto a implicatura é uma suposição im-

plicitamente comunicada, a explicatura é uma suposição explicitamente comunicada.

É no nível da explicatura, portanto, que as operações pragmáticas, envolvendo a-

tribuição de referência, desambiguação, resolução de indeterminâncias, interpretação de

51

linguagem metafórica, enriquecimentos devido a elipses, entre outras, concentram-se e são

recuperadas por inferência.

Ao ouvinte cabe recuperar essas operações pragmáticas, que estão no nível da ex-

plicatura, de três modos, quais sejam: do contexto, da forma proposicional do enunciado e da

atitude proposicional expressa pelo falante. Sabendo-se, pois, que o contexto vai sendo cons-

truído no curso do processo comunicativo, e que a forma proposicional é sintaticamente bem

formada e semanticamente completa, resta, então, definir a que se referem os autores ao citar

a ‘atitude proposicional do falante’.

Segundo Sperber e Wilson, além de os enunciados expressarem uma forma propo-

sicional explícita, eles a expressam de um modo lingüisticamente determinado. A esse modo

lingüisticamente determinado de expressar alguma coisa eles denominam atitude proposicio-

nal, como ‘dizer’, ‘perguntar’, etc. Por exemplo, o ouvinte inferirá que o enunciado se trata

apenas de uma enunciação, se este apresentar uma entonação descendente. No entanto, se essa

entonação apresentar um perfil ascendente, o ouvinte inferirá que se trata de um enunciado

interrogativo. Assim, embora o modo de dizer algo esteja codificado lingüisticamente, da

mesma maneira que a forma lógica do enunciado determina parcialmente a forma proposicio-

nal expressada, o modo determina parcialmente a atitude proposicional expressada. Cabe ao

ouvinte, portanto, identificar esta atitude proposicional.

Nesse caso, a tarefa de um ouvinte é complexa: além de identificar um conjunto

de intenções informativas do falante, usando como premissas uma descrição do comporta-

mento do falante, da atitude proposicional junto com informação contextual, ele tem de desig-

nar uma forma proposicional única ao enunciado (selecionando uma entre as representações

semânticas designadas pela pragmática), designar um referente para cada expressão referen-

cial e especificar a contribuição de termos vagos. No caso da ambigüidade, o ouvinte

52

possivelmente terá de construir um conjunto de formas lógicas a fim de conferir a que melhor

se ajusta ao enunciado.

No caso do exemplo (23), Pedro tem de recuperar os referentes das entradas lexi-

cais ‘ele’e ‘lá’ de modo a explicitá-las como ‘João’ e ‘à agência bancária’. Além disso, deve

preencher a elipse das coordenadas temporais, possivelmente com algo como ‘hoje’ ou ‘no

horário do atendimento bancário’. Repare-se que todos esses preenchimentos são governados

pelo princípio de relevância que preconiza que Ana está oferecendo o estímulo mais relevante

possível de acordo com suas habilidades e preferências, de modo que espera o máximo de

efeitos contextuais com o mínimo de esforço justificável. Desse modo, a primeira interpreta-

ção consistente com o princípio é aquela onde Ana afirma para Pedro que João foi à agência

bancária no dia do enunciado, hoje, e em horário apto para pagar o boleto.

Obviamente, isso pode falhar. Ana poderia ter apostado na ida de João, ou seja,

confiando que ele teria ido, mas não tem evidência para tanto. Nesse caso, sua intenção é a-

calmar Pedro. Ela poderia querer dizer que ele foi lá, mas o estabelecimento bancário foi e-

quivocado. Ela poderia querer dizer que João foi à agência correta, mas depois do expediente.

Todavia, todas essas possibilidades de explicitação são mais fracas e, provavelmente, não

teriam sido recuperadas por Pedro.

O próximo nível representacional é a implicatura. Uma implicatura é uma supo-

sição comunicada, mas não de forma explícita. A implicatura é recuperada por referência às

expectativas manifestas do falante sobre como seu enunciado deveria atingir relevância ótima.

Assim, numa troca verbal, uma implicatura é derivada da ambientação do enunci-

ado, mais especificamente, da explicitação (explicatura) desse enunciado, no ambiente cogni-

tivo do intérprete. Nesse caso, essa explicatura entra no mecanismo dedutivo como uma nova

53

suposição e compõe uma premissa implicada de uma regra de eliminação. O produto dessa

regra de eliminação é uma conclusão implicada (a implicatura).

No nosso exemplo, imagine-se que Pedro possua o conjunto (mínimo) de suposi-

ções prévias (28). Ao ouvir (23) e explicitá-la como em (27), no mecanismo dedutivo, (27)

passa a compor uma premissa numa derivação sintética por modus ponens, de modo a gerar

(29) ou mesmo (30). Veja-se

(28) S1 – O boleto vence hoje.

S2 – O boleto só pode ser pago na agência bancária.

S3 – Atraso no pagamento do boleto gera juros de mora

S4 – João ficou de pagar o boleto hoje.

(23) ele foi lá.

(27) Ana afirma que] ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje].

(29) S5 – Se Ana afirma que João foi ao banco hoje, então João pagou o boleto (premissa implicada por modus ponens).

S6 – Ana afirma que João foi ao banco hoje.

S7 – João pagou o boleto (conclusão implicada (implicatura) por elimina-ção da premissa antecedente).

(30) S5 – Se Ana afirma que João foi ao banco hoje, então João não pagará juros de mora (premissa implicada por modus ponens).

S6 – Ana afirma que João foi ao banco hoje.

S7 – João não pagará juros de mora (conclusão implicada (implicatura) por eliminação da premissa antecedente).

Nesse caso, a suposição do pagamento do boleto ou mesmo a suposição do não

pagamento dos juros de mora possa ser a intenção (o ser acerca do que) o enunciado de Ana

tratava. Em outras palavras, ao dizer “Ele foi lá”, Ana queria dizer “João pagou o boleto” ou

mesmo “Pedro, você não vai pagar juros”.

A utilização dessa metodologia de análise será a tônica nas análises que se seguem

no próximo capítulo, de modo a recuperar pelas pistas lingüísticas dos enunciados da interpre-

tação, as estratégias de compreensão dos informantes e a observar o viés do título da charge

nessas estratégias.

54

3 ANÁLISE DOS DADOS

Este capítulo foi dividido em quatro seções. Na primeira seção, apresentam-se os

procedimentos de coleta e de análise dos dados. Na seção seguinte, analisa-se o cartum/charge

que se constitui material de base para as interpretações. Nas duas seções seguintes, apresen-

tam-se as interpretações do grupo de controle e do grupo experimental.

3.1 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Esta dissertação consiste num estudo de caso com características experimentais.

Enquanto estudo de caso, os resultados visam à generalização naturalística (RAUEN, 2002);

enquanto experimentação, manipula-se uma variável independente, a ausência do título no

texto de base com vistas à observação de sua influência sobre a variável dependente, a inter-

pretação dos estudantes.

A dissertação, do ponto de vista operacional, defende a hipótese de que os concei-

tos de forma lógica, explicatura e implicatura, com base na teoria da Relevância de Sperber e

Wilson (1986) e Carston (1988), permitem uma descrição empírica de processos ostensivo-

inferenciais no processo de interpretação da charge/cartum.

55

Considerando-se que o Grupo Experimental interpretou a charge completa, e o

Grupo de Controle interpretou a charge enquanto cartum (sem o título que expressa seu víncu-

lo com a notícia), do ponto de vista dos resultados, a hipótese de trabalho foi a de que o título

exerceria influência na interpretação, uma vez que se constituiria estímulo ostensivo suficien-

temente explícito para modalizar os enunciados do Grupo Experimental.

Em outros termos, enquanto as interpretações do Grupo Experimental seriam dire-

cionadas para o vínculo entre o cartum e a notícia (característica essencial de sua caracteriza-

ção como charge), a interpretação dos estudantes do Grupo de Controle, de forma consistente

com o Princípio de Relevância, seria influenciada exclusivamente pelos aspectos do cartum,

de forma a se manifestar uma dispersão temática, uma vez que o estímulo ostensivo restrito ao

cartum permitiria a geração de inferências mais amplas.

Para operacionalizar o experimento, foi solicitado a dois grupos de cinco estudan-

tes da 8ª série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri, de Içara-

Santa Catarina, a elaboração de uma interpretação contendo até 10 linhas. Esta turma de 8ª

série é composta por 25 alunos e a seleção dos dez para participarem do experimento aconte-

ceu da seguinte forma. A professora de Língua Portuguesa pretendia recuperar a nota dos alu-

nos que estavam com média abaixo de 7.0 e como somente nesta turma havia 10 alunos com

notas abaixo de 7.0 esta turma foi selecionada e foi sugerido a eles uma nova avaliação. No

dia marcado para a avaliação ficaram na sala dez alunos que participaram do experimento e os

demais foram atendidos na biblioteca da escola pela supervisora que aplicou uma atividade de

leitura.

Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um formulário. Na parte su-

perior do formulário, apresentou-se a charge ‘Fome Zero’. A charge escolhida é de autoria de

Rinaldo e foi retirada da revista: “Bundas”, nº 18, de agosto de 2003. Na parte inferior, foi

56

destinado um espaço pautado para a elaboração das interpretações. A tarefa foi realizada no

dia 21 de junho de 2004, no período matutino, às 7h 45min, sendo reservado para sua execu-

ção o equivalente a 1 hora/aula.

Os cinco estudantes que compuseram o Grupo experimental receberam o formulá-

rio com a charge completa, isto é, além da área reservada ao cartum (desenho e textos dos

balões), foi explicitado o título da charge. Os cinco alunos que compuseram o grupo de con-

trole receberam apenas os elementos do cartum.

Coletados os dados, transcreveram-se as interpretações, dividindo-as em sentenças

que, por sua vez, foram enumeradas. Com base nesse corpus foram aplicados os conceitos de

forma lógica, explicatura e implicatura na tentativa de explicar os processos de inferência

necessários para a elaboração dos textos.

Para dar conta da análise dos dados, foram estabelecidos os seguintes procedimen-

tos. Em primeiro lugar, houve a depreensão das suposições derivadas do input lingüístico e do

input não-lingüístico da charge. Em seguida, procedeu-se a depreensão das suposições deriva-

das do input lingüístico das interpretações do Grupo Experimental e do Grupo de Controle.

Mais adiante, compararam-se as suposições derivadas do input lingüístico e não-lingüístico da

charge com as suposições derivadas do input lingüístico das interpretações do Grupo Experi-

mental e do Grupo de Controle. Por fim, elaborou-se a avaliação da influência do título da

charge nas suposições derivadas do input lingüístico das interpretações do Grupo Experimen-

tal e do Grupo de Controle.

Para dar conta dessas tarefas, num primeiro momento analisou-se o material de

base, de modo a descrever e explicar o cartum para, posteriormente, analisar o valor agregado

do título “Fome Zero” e a conseqüente qualificação do cartum enquanto charge. Mais adiante,

analisam-se as interpretações do grupo de controle e do grupo experimental.

57

3.2 ANÁLISE DO CARTUM E DA CHARGE

Esta seção foi dividida em duas etapas distintas. A primeira trata da análise do

cartum; a segunda toma em consideração o título “Fome Zero”. A análise das duas peças co-

municativas segue o modelo de Silveira e Feltes (1999, p. 91-95).

3.2.1 O cartum

No grupo de controle, a pesquisadora, enquanto docente de língua portuguesa das

turmas analisadas: apresentou a tarefa de interpretação, distribuiu o instrumento de coleta de

dados e leu as instruções. Além de solicitar que os alunos preenchessem o cabeçalho, solicitou

que os mesmos fizessem uma interpretação relacionada à charge de autoria de Rinaldo, que se

apresentava abaixo. Cabe destacar que, para os dois grupos, o estímulo foi apresentando como

uma charge, independentemente da distinção técnica dos termos. Coube aos alunos elaborar

uma interpretação por escrito com um único parágrafo de até 10 linhas.

Como já expresso, o cartum sob análise consiste na apresentação da charge “Fome

Zero” de Rinaldo, omitindo-se seu título. A seguir, apresenta-se o cartum que serviu de base

para as interpretações do grupo de controle.

58

Figura 2 – Cartum decorrente da omissão do Título “Fome Zero” da charge homônima de Rinaldo (2003).

Considerando-se apenas o cartum e a tarefa solicitada, cabe-se ressaltar que um

conjunto de suposições já está sendo acionado por quem o interpreta. Esse processo antecede

a elaboração da interpretação propriamente dita e constitui-se caminho para ativá-la.

Veja-se um conjunto mínimo:

S1 – A figura é uma charge;13

S2 – A charge se refere a algo do cotidiano;

S3 – A charge pode ser interpretada;

S4 – A charge é de Rinaldo;

S5 – A charge traz crítica;

S6 – A charge é engraçada.

No que se refere aos estímulos ostensivos, o cartum apresenta imagens pictóricas

não verbais e estímulos verbais. Observem-se as suposições decorrentes de um conjunto mí-

nimo de inputs visuais.

S7 – A cena ocorre numa cozinha.

S8 – As personagens são pobres.

S9 – A mãe serviu carne ao filho.

S10 – O filho está comendo um pedaço de carne. 13 A rigor, trata-se de um cartum. Relembre-se que para os dois grupos não há essa distinção.

59

S11 – Há uma casinha de cachorro.

S12– Há uma coleira aberta.

S13– O cachorro não está na casinha.

Tomado esse conjunto mínimo, pode-se observar o estímulo ostensivo verbal do

menino/filho, a saber:

Filho – “Mãe, fazia tempo que a gente não comia carne, né? Guarda os ossinho que eu vô jogá pro cachorro!”

Este estímulo é composto por duas sentenças. Veja-se a primeira.

Sentença 1 – Mãe, fazia tempo que a gente não comia carne, né?

Explicatura da sentença 1 – Mãe, fazia tempo que a gente [mãe e filho] não comia carne, né [não é verdade]?

Onde:

(i) a gente [mãe e filho] – atribuição de referente à entrada lexical a gente por remis-são aos personagens do cartum, ou seja, à mãe e ao filho.

(ii) né [não é verdade] – complementação da entrada lexical devido ao conhecimento enciclopédico sobre a função da expressão fática “né” em diálogos.

Essa proposição aciona um conjunto de suposições que são originadas do input

lingüístico em confronto com as suposições estocadas na memória enciclopédica. Além disso,

essa proposição realça elementos do input visual. Veja-se um conjunto mínimo.

S14 – As personagens são pobres – suposição reforçada pelo input lingüístico, dado que pessoas pobres consomem pouca carne.

S15 – A mãe serviu carne ao filho – suposição reforçada pelo input lingüístico.

S16 – O filho está comendo um pedaço de carne – suposição reforçada pelo input lin-güístico.

Essa proposição permite derivar a seguinte implicatura:

S20 – O filho <possivelmente> come carne com prazer/com vontade.

Essa suposição é implicada pelo input lingüístico. Veja-se.

S17 – Fazia tempo que o filho não come carne (suposição advinda do input lingüísti-co).

60

S18 – Carne é um alimento saboroso e caro (suposição advinda do conhecimento en-ciclopédico).

S19– Se fazia tempo que o filho não comia carne e carne é um alimento saboroso e caro, então o filho <possivelmente> come carne com prazer/com vontade (premissa implicada por modus ponens complexo).14

S20 – O filho <possivelmente> come carne com prazer/com vontade (conclusão im-plicada por eliminação dos antecedentes).

Veja-se a segunda sentença:

Sentença 2 – Guarda os ossinho que eu vô jogá pro cachorro!

Explicatura da sentença 2 – “Guarda ∅ [Mãe] os ossinho [da carne] que [= por-que] eu [o filho] vô jogá ∅ [os ossinhos da carne] pro cachorro!”

Onde:

(i) Guarda ∅ [Mãe] – preenchimento do material elíptico por meio da remissão à in-terlocutora do filho, ou seja, à mãe;

(ii) Guarda ∅ [Mãe] os ossinho [da carne] – atribuição de referente à entrada lexi-cal ossinho por meio da memória enciclopédica de que carnes podem ser oferecidas com ossos;

(iii) Guarda ∅ [Mãe] os ossinho [da carne] que [= porque] – atribuição de função explicativa à entrada lexical que em função do conteúdo proposicional da segunda parte do enunciado;

(iv) Guarda ∅ [Mãe] os ossinho [da carne] que [= porque] eu [o filho] – atribuição de referente à entrada lexical eu por remissão ao agente do enunciado, ou seja, ao fi-lho;

(v) Guarda ∅ [Mãe] os ossinho [da carne] que [= porque] eu [o filho] vô jogá ∅ [os ossinhos da carne] pro cachorro! – preenchimento da variável lógica: jogar (filho, x, pro cachorro), tal que x é a entrada lógica para algo que deva ser jogado para o cachorro, no caso, “os ossinhos da carne”.

Essa proposição, igualmente, aciona um conjunto de suposições. Veja-se um con-

junto mínimo.

S21 – Há uma casinha de cachorro.

S22 – Há uma coleira aberta.

S23 – O menino conversa com a mãe.

S24 – O alimento servido é carne com osso.

14 Modus ponens complexo consiste numa implicação sintética que sucede a eliminação do “e”. No caso, antes da

aplicação do modus ponens, uma das suposições coordenadas pelo “e” é eliminada: Se P e Q R; Se P R; R ou Se P e Q R; Se Q R; R.

61

Na terceira sentença, a mãe responde a solicitação de seu filho para guardar os os-

sos para o cachorro de estimação.

Sentença 3 – “Cachorro?”

Uma possível interpretação para essa resposta é a de que ela ecoa a explicatura da

sentença 2:

Explicatura da sentença 3 – ∅ [você [o filho] vai jogar os ossinhos da carne] ∅ [para qual] Cachorro?

Nessa forma lógica proposicional, pode-se ver as explicaturas abaixo:

(i) [você [o filho] vai jogar os ossinhos da carne] – atribuição de referência em função da forma lógica proposicional do enunciado do filho;

(ii) [Para qual] Cachorro – atribuição de referência de destino aos ossinhos da carne que o filho está comendo em função da remissão à forma lógica proposicional do enunciado do filho.

A resposta da mãe aciona um conjunto de inferências. É justamente esse conjunto

de inferências que permite estabelecer o humor no cartum. O leitor, diante do inusitado da

resposta da mãe, vê-se impelido a estabelecer uma implicatura que seja consistente com o

princípio de relevância, dado que o estímulo ostensivo da mãe foi produzido com a garantia

de relevância.

Veja-se uma possibilidade:

S25 – Há uma casinha de cachorro – (suposição advinda do input visual);

S26 – Há uma coleira aberta – (suposição advinda do input visual);

S27 – Se há uma casinha de cachorro e há uma coleira aberta então o cachorro <pos-sivelmente> não está na casinha – (premissa implicada por modus ponens comple-xo);

S28 – O cachorro <possivelmente> não está na casinha – (conclusão implicada por e-liminação dos antecedentes);

S29 – A mãe não sabe para qual cachorro dar os ossinhos da carne – (suposição ad-vinda do input lingüístico);

S30 – Se a mãe não sabe para qual cachorro dar os ossinhos da carne e o cachorro <possivelmente> não está na casinha então a mãe <possivelmente> cozinhou o ca-chorro – (premissa implicada por modus ponens simples);

62

S31 – A mãe <possivelmente> cozinhou o cachorro – (conclusão implicada por eli-minação dos antecedentes).

Não há plenas garantias de que essa implicatura (e suas variantes similares tais

como: (a) a criança está comendo o cachorro; (b) o cachorro está na panela; (c) os ossinhos

são do cachorro) seja verdadeira. Poder-se-ia bem pensar que:

S32 – O cachorro <possivelmente> fugiu.

S33– O cachorro <possivelmente> morreu (foi atropelado). e, portanto, a mãe não pode deixar os ossinhos para o cachorro da casa por esses motivos.

No entanto, a conclusão implicada de que o cachorro foi cozido parece ser a mais

consistente com o princípio de relevância, em especial para o leitor maduro e que é proficien-

te na leitura de cartuns e charges e, desse modo, alguém que espera haver humor nessas pro-

duções. As conclusões implicadas de morte acidental ou de fuga do animal não garantem esse

efeito humorístico. O importante nessa questão é que o enunciado ostensivo da mãe, por meio

de um único item lexical, aciona um conjunto complexo de implicaturas. Esse enunciado au-

menta o esforço cognitivo para a interpretação e, ao fazê-lo, produz efeitos contextuais mais

ricos, o que permite o dito efeito humorístico.

Mas a interpretação de um cartum não se restringe a esse efeito humorístico. O

cartum ganha importância em função das inferências que vão além de sua interpretação stricto

sensu. O que se quer com a ironia de se comer o cachorro de estimação? Note-se que a ausên-

cia de um vínculo explícito com determinada notícia amplifica essas possibilidades de inter-

pretação. Poder-se-ia vincular o cartum com a situação de famílias pobres, mas não necessari-

amente com nenhum evento histórico em particular. Esse vínculo pode ser garantido com a

aposição de um título, como é o caso da charge que lhe deu origem.

63

3.2.2 A charge: o título como divisor de águas?

Reveja-se a charge de Rinaldo:

Figura 3 – Charge de Rinaldo (2003), no seu formato original com o Título “Fome Zero”.

Considerando-se agora a charge, cabe ressaltar que um conjunto de suposições já

está sendo acionado por quem a interpreta. Esse conjunto antecede a elaboração da interpreta-

ção propriamente dita e constitui-se caminho para ativá-la. Veja-se um conjunto mínimo:

S1 – A figura é uma charge;

S2 – A charge se refere a algo do cotidiano;

S3 – A charge pode ser interpretada;

S4 – A charge é de Rinaldo;

S5 – A charge é engraçada.

S6 – A charge traz crítica;

S7 – Se a charge traz crítica, então a charge <possivelmente> é uma crítica ao Pro-grama “Fome Zero”.

S8 – A charge <possivelmente> é uma crítica ao Programa “Fome Zero”.

Vale dizer que para o grupo que recebe a charge, a mesma conclusão implicada:

S9 – A mãe <possivelmente> cozinhou o cachorro.

64

ou mesmo suas variantes:

S10 – O cachorro <possivelmente> está na panela.

S11 – A criança <possivelmente> está comendo o cachorro.

S12 – Os ossinhos <possivelmente> são do cachorro.

Contudo, a conclusão implicada deve ser interpretada à luz da suposição de que:

S8 – A charge <possivelmente> é uma crítica ao Programa “Fome Zero”.

Combinadas essas suposições, o leitor pode gerar a seguinte inferência básica:

S8 – A charge <possivelmente> é uma crítica ao Programa “Fome Zero”.

S13 – Se a charge <possivelmente> é uma crítica ao Programa “Fome Zero”, então a criança <possivelmente> está comendo o cachorro por falta de alimentos (suposição derivada do conhecimento enciclopédico sobre charges);

S14 – A criança <possivelmente> está comendo o cachorro por falta de alimentos (suposição derivada de uma implicatura da charge);

S15 – Se a figura <possivelmente> é uma crítica ao Programa “Fome Zero” e a crian-ça <possivelmente> está comendo o cachorro por falta de alimentos, então o Pro-grama Fome Zero <possivelmente> é ineficiente (premissa implicada por modus po-nens complexo);

S16 – O Programa Fome Zero <possivelmente> é ineficiente (conclusão implicada por eliminação dos antecedentes).

Obviamente, há outras formas de encadear essa inferência. É possível pensar em

suposições derivadas do conhecimento enciclopédico do que venha a ser “Programa Fome

Zero” e delas retirar conclusões implicadas similares.

Por exemplo, poder-se-ia acionar, entre outras, as suposições de que:

S17 – O programa ‘Fome Zero’ tem a finalidade de acabar com a desnutrição;

S18 – O programa ‘Fome Zero’ é do Governo Lula;

S19 – O programa ‘Fome Zero’ é um Programa populista;

S20 – O programa ‘Fome Zero’ se destina a famílias pobres.

Cada uma dessas prováveis suposições poderia ser levada em conta em inferências e gerar

conclusões implicadas variantes. De qualquer forma, dada a característica crítica da charge, é

razoável supor que o texto sugere que o Programa tem problemas e não atinge seus objetivos.

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Pelo que se expôs nessa seção, as suposições acionadas são influenciadas pela a-

posição do título. É razoável antever que leitores racionais repliquem essas diferenças. As

duas próximas seções se dedicam a analisar essa intuição.

3.3 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO DE CONTROLE

3.3.1 Análise da interpretação 1

O estudante 1 do Grupo de Controle elaborou a seguinte interpretação.

A mãe está muito preocupada com a panela na mão, porque quem está lá dentro é seu cachorro. Ela não sabe como irá contar para o seu filho que a carne que ele esta-va comendo era para quem ele queria dar os ossos. O menino foi para a escola e a mãe, muito apavorada, resolveu ir comprar um outro cachorro parecido com o de seu filho. Quando ele voltou da escola lá estava o cachorro e os dois brincaram muito e vendo aquilo ela ficou muito feliz que o filho não notou nada.

Sentença 1 do texto.

Sentença 1 – A mãe está muito preocupada com a panela na mão, porque quem está lá dentro é seu cachorro.

Explicatura da sentença 1 – A mãe está muito preocupada com a panela na mão, porque quem [o cachorro] está lá dentro [na panela] é seu [da mãe/do menino] ca-chorro. 15

Interpretação da sentença 1.

S1 – O menino está comendo carne (do input visual e lingüístico).

S2 – Se S1 então S3 (premissa implicada).16

15 Na análise das interpretações dos estudantes, serão omitidos os enriquecimentos pragmáticos que compõem a

explicatura de cada sentença.

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S3 – A mãe cozinhou carne (conclusão implicada).

S4 – A mãe está com a panela na mão (do input visual).

S5 – Faz tempo que o menino não comia carne (do input lingüístico).

S6 – O menino pede para guardar os ossinhos para o cachorro (do input lingüístico).

S7 – A mãe disse “Cachorro?”, quando o filho pediu os ossos.

S8 – A expressão facial da mãe é de espanto (do input visual).

S9 – A coleira do cachorro está aberta (do input visual).

S10 – Se S5 e S9, então S11 (premissa implicada)

S11 – O cachorro está dentro da panela (conclusão implicada).

S12 – Se S11, então S13 (premissa implicada)

S13 – A mãe está muito preocupada (conclusão implicada).

Sentença 2 do texto.

Sentença 2 – Ela não sabe como irá contar para o seu filho que a carne que ele esta-va comendo era para quem ele queria dar os ossos.

Explicatura da sentença 2 – Ela [a mãe do menino] não sabe como irá contar para o seu [da mãe] filho que a carne que [carne] ele [o menino/filho] estava comendo era ∅ [a carne do cachorro] para quem [para o cachorro] ele [o menino/filho] queria dar os ossos.

Na sentença 2, houve as seguintes implicaturas.

S14 – A mãe está muito preocupada, porque o cachorro está dentro da panela (con-clusão implicada).

S15 – Se S14, então S16 (premissa implicada).

S16 – A mãe não sabe como irá contar para o seu filho que o filho está comendo o cachorro (conclusão implicada).

Sentença 3 do texto.

Sentença 3 – O menino foi para a escola e a mãe, muito apavorada, resolveu ir comprar um outro cachorro parecido com o de seu filho.

Explicatura da sentença 3 – O menino foi para a escola e a mãe [do menino], mui-to apavorada, resolveu ir comprar um outro cachorro parecido com o [cachorro] de seu filho.

Na sentença 3, emergem as seguintes suposições.

S17 – O menino foi para a escola (da memória enciclopédica).

16 Nas análises que se seguem, as suposições que compõem as premissas implicadas serão substituídas pela ex-

pressão “S”, de suposição, e o indicador de ordem da suposição na análise.

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S18 – O filho gosta do cachorro (da memória enciclopédica).

S19 – O filho ficará triste (da memória enciclopédica).

S20 – S18 e S19 então S21 (premissa implicada).

S21 – A mãe resolveu ir comprar um outro cachorro parecido com o cachorro de seu filho (conclusão implicada).

Sentença 4 do texto.

Sentença 4 – Quando ele voltou da escola lá estava o cachorro e os dois brincaram muito e vendo aquilo ela ficou muito feliz (porque) que o filho não notou nada.

Explicatura da sentença 4 – Quando [ao chegar em casa] ele [o menino] voltou da escola lá [na casinha do cachorro] estava o cachorro [comprado pela mãe] e [então] os dois [o menino e o cachorro] brincaram muito e [então] [a mãe] vendo aquilo [o menino e o cachorro brincando] ela [a mãe] ficou muito feliz que [porque] o filho não notou nada [não percebeu que o cachorro que ela cozinhou foi substituído por um outro cachorro com as características do primeiro cachorro].

Vejam-se as suposições dessa sentença.

S21 – A mãe resolveu ir comprar um outro cachorro parecido com o cachorro de seu filho (conclusão implicada da sentença anterior).

S22 – Se S21, então S23 (premissa implicada).

S23 – A mãe comprou um cachorro igual ao primeiro cachorro do filho (conclusão implicada).

S24 – Se S23, então S25 (premissa implicada).

S25 – O cachorro estava na casinha (da memória enciclopédica).

S26 – O menino voltou da escola (da memória enciclopédica).

S27 – Crianças e cachorros brincam (da memória enciclopédica).

S28 – O menino e o cachorro brincaram muito (da memória enciclopédica).

S29 – Se S28 então S30 (premissa implicada).

S30 – O menino não percebeu a troca dos cachorros (conclusão implicada).

S31 – Se S30 então S32 (premissa implicada).

S32 – A mãe viu o menino e o cachorro brincarem muito (conclusão implicada).

S33 – Se S32 então S34 (premissa implicada).

S34 – A mãe ficou feliz (conclusão implicada).

Nesta interpretação, chama atenção a relevância da expressão de preocupação que

o estudante atribui à figura da mãe (input visual). Essa atribuição <provavelmente> desenca-

deou um conjunto de inferências que visou explicar o porquê dessa preocupação. No caso, o

estudante foi capaz de inferir que ela deriva do fato de a mãe ter cozido o cachorro,

68

interpretação consistente com o estímulo ostensivo e <provavelmente> aquela última preten-

dida pelo autor da charge.

É justamente em função da emergência do item lexical “preocupada” que toda ar-

gumentação se sustenta a partir da primeira sentença. O estudante atribui a preocupação em

função do drama de contar/não contar que o cachorro de estimação havia sido cozido. Vale

destacar que essa atitude parece incompatível com o conjunto de conhecimentos da criança.

Em função disso, o estudante infere uma solução ao drama, fazendo com que a mãe saia à

compra de um cachorro substituto, a despeito de essa ação ser incompatível com a situação de

pobreza da família (afinal, por que a mãe tivera cozido o cachorro?). Nesse particular, o estu-

dante, com base em seu conhecimento enciclopédico, propõe que a compra ocorra na ausência

do filho. No caso, a ausência mais compatível é a ida à escola.

Quando ele retorna, a mãe já havia comprado o cachorro substituto e, para seu alí-

vio, o filho não percebe a troca. Emerge em sua mente a suposição de que crianças brincam

com seus animais de estimação. Em função dessa suposição, a mãe fica feliz diante do desfe-

cho da história. No mundo mítico do intérprete, é possível que a troca seja perfeita.

Em primeiro lugar, fica o registro, fundamental, de que este estudante captou ade-

quadamente a inferência da charge apesar de qualquer estímulo ostensivo sobre o Programa

“Fome Zero”. Se isso está correto, sua compreensão é consistente com a intenção do autor.

No que se refere à interpretação, basicamente, ela visou solucionar o conflito da mãe (proje-

ção provável do conflito do estudante, para quem, supostamente, seria inadmissível a solução

de cozinhar o cachorro, apesar do desespero da fome). Em função disso e a despeito da incoe-

rência da situação-problema e da situação-solução, a mãe compra um novo animal e a criança

não percebe a troca.

Veja-se a interpretação do segundo estudante do grupo de controle.

69

3.3.2 Análise da interpretação 2

O estudante 2 do Grupo de Controle elaborou a seguinte interpretação.

Eles não tinham mais comido carne e depois de muinto (muito) tempo eles compra-ram carne e a mãe estava preparando e quando o filho estava comendo e falou para guardar os ossinhos porque ele queria dar para o cachorro. A mãe enquanto prepara-va mais comida, falou “cachorro”. Certamente a mãe não sabia que o filho tinha um cachorro e o cachorro estava brincando na rua.

Veja-se a sentença 1 do texto.

Sentença 1 – Eles não tinham mais comido carne e depois de muinto (muito) tempo eles compraram carne e a mãe estava preparando e quando o filho estava comendo e falou para guardar os ossinhos porque ele queria dar para o cachorro.

Explicatura da sentença 1 – Eles [a mãe e o filho] não tinham mais comido carne e [então] depois de muinto (muito) tempo eles [a mãe e o filho] compraram carne e a mãe estava preparando ∅ [a comida/a carne] e [então] quando o filho estava comen-do [a comida/a carne] e ∅ [o filho/o menino] falou para guardar os ossinhos [da car-ne que o menino comia] porque ele [o menino] queria dar ∅ [os ossinhos] para o ca-chorro [do menino].

Interpretação da sentença 1.

S1 – Mãe e filho são pobres (do input visual).

S2 – Carne é um alimento caro (da memória enciclopédica).

S3 – O filho não tinha comido carne há muito tempo (do input lingüístico do meni-no).

S4 – Se S3, então S5 (premissa implicada).

S5 – Mãe e filho não tinham comido carne há muito tempo (conclusão implica-da).

S6 – Se S5, então S7 (premissa implicada).

S7 – A mãe e o filho compraram carne (conclusão implicada).

S8 – Se S7, então S9 (premissa implicada).

S9 – A mãe está cozinhando carne (conclusão implicada).

S10– O menino está comendo carne com ossos (do input visual).

S11 – Há uma casinha de cachorro (do input visual).

S12 – Se S11, então S13 (premissa implicada).

S13 – O menino tem um cachorro (conclusão implicada).

S14 – O menino queria dar os ossinhos para o cachorro (do input lingüístico).

S15 – Se S14, então S16 (premissa implicada).

S16 – O filho gosta do cachorro (conclusão implicada).

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Sentença 2 do texto.

Sentença 2 – A mãe enquanto preparava mais comida, ela falou “cachorro”.

Explicatura da sentença 2 – A mãe enquanto [durante o momento em que servia o alimento] preparava mais comida, ela [a mãe] falou “cachorro”.

A sentença 2 deve ser vista em conjunto com a sentença 3.

Sentença 3 – Certamente a mãe não sabia que o filho tinha um cachorro e o cachor-ro estava brincando na rua.

Explicatura da sentença 3 - Certamente [Com certeza]a mãe não sabia que o filho tinha um cachorro e o cachorro estava brincando na rua.

Interpretação das sentenças 2 e 3.

S17 – A mãe do menino preparava mais comida (do input visual e lingüístico).

S18– A mãe falou “cachorro” (do input lingüístico).

S19– A mãe parece preocupada/admirada (do input visual).

S20 – Se S18 e S19, então S21 (premissa implicada).

S21 – Certamente, a mãe não sabia que o filho tinha um cachorro (conclusão implicada).

S22 – Há uma casinha de cachorro no pé do menino (do input visual).

S23– Se S22, então S24 (premissa implicada).

S24 – Havia antes um cachorro na casa (conclusão implicada).

S25 – O menino quer dar os ossinhos para o cachorro (do input lingüístico).

S26 – Se S25, então S27 (premissa implicada).

S27 – O menino trouxe/conseguiu um cachorro (conclusão implicada).

S28 – A coleira está aberta (do input visual).

S29 – Se S28, então S30 (premissa implicada).

S30 – O cachorro estava brincando na rua (conclusão implicada).

A interpretação do estudante 2 revela que ele não foi capaz de inferir que a mãe

havia cozido o cachorro. Isso em mente, a emergência da suposição de que a família é mise-

rável não ocorre. Sem dúvida, essa emergência tem a ver com o estímulo ostensivo do título

“Fome Zero”, ausente no grupo de controle. Nesse contexto cognitivo, para este estudante, é

plausível a inferência de que a mãe havia comprado carne.

71

Todavia, o estudante tem de lidar com o estímulo ostensivo “Cachorro” e com o

input visual de espanto da mãe. A primeira suposição consistente com o princípio de relevân-

cia foi a de que a mãe ainda não sabia que o filho trouxera/conseguira um cachorro novo. Fica

implícito que a família já tivera um cachorro, provavelmente em função da presença dos estí-

mulos ostensivos visuais da casinha e da coleira aberta. Novamente, coerente com o conjunto

de suposições enciclopédicas do estudante, se a coleira está aberta, é porque o cachorro está

na rua.

Essa interpretação, como se vê, não capta as inferências pretendidas pelo autor da

charge, possivelmente em função da ausência do título. Essa ausência faz com que o estímulo

adquira um caráter vago não encontrado na charge. Esse caráter vago permite a condução de

soluções interpretativas diferentes. Nesse caso, resta saber se a solução encontrada pelo estu-

dante foi adequada. Observando a interpretação à luz das três categorias de análise, contatou-

se que a interpretação encontrada foi absolutamente plausível (exceção seja feita ao fato de

que, no mundo real, teria sido difícil admitir que a mãe não soubesse da existência do novo

animal de estimação).

Veja-se a interpretação do estudante 3.

3.3.3 Análise da interpretação 3

O estudante 3 do Grupo de Controle elaborou a seguinte interpretação.

Zé disse para sua mãe que fazia tempo que eles não comiam carne, a sua mãe man-dou ele ir comprar carne. Zé, um menino que quase não mentia, pegou e foi procu-rar, ele procurou, procurou, mas o dinheiro não era suficiente para comprar a carne. Ele chegou bem quietinho, pegou o cachorro e levou no seu amigo que matava boi e

72

pediu para que ele matasse o cachorro, o matador matou e o menino levou para sua casa.

Veja-se cada uma das sentenças dessa interpretação.

Sentença 1 – Zé disse para sua mãe que fazia tempo que eles não comiam carne, a sua mãe mandou ele ir comprar carne.

Explicatura da sentença 1 – Zé [o menino] disse para sua [do menino/de Zé] mãe que fazia tempo que eles [a mãe e o menino/ Zé] não comiam carne, a sua [do meni-no/de Zé] mãe mandou ele [o menino/ Zé] ir comprar carne.

Interpretação 1 do texto 3.

S1 – Zé está comendo carne (do input lingüístico).

S2 – Zé pede para dar os ossinhos da carne para o cachorro (do input lingüístico).

S3 – Se S1, e S2, então S4 (premissa implicada).

S4 – A mãe de Zé cozinhou carne (conclusão implicada).

S5 – Zé disse para a mãe de Zé que fazia tempo que eles não comiam carne (do input lingüístico).

S6 – Se S4, e S5, então S7 (premissa implicada).

S7 – A mãe de Zé manda Zé comprar carne (conclusão implicada).

Observe-se a sentença 2.

Sentença 2 – Zé, um menino que quase não mentia, pegou e foi procurar, ele procu-rou, procurou, mas o dinheiro não era suficiente para comprar a carne.

Explicatura da sentença 2 – Zé [o menino], um menino que quase não mentia,17 pegou [o dinheiro para comprar a carne] e [então] foi procurar [a carne], ele [Zé] procurou [a carne com o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino], procurou [a carne com o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino], mas o dinheiro [da car-ne que a mãe do menino deu ao menino] não era suficiente para comprar a carne.

Interpretação 2 do texto 3.

S8 – Zé é um menino bom (da memória enciclopédica).

S9 – Se S8, então S10 (premissa implicada).

S10 – Zé era um menino que quase não mentia (conclusão implicada).

S7 – A mãe de Zé manda Zé comprar carne (conclusão implicada da sentença anteri-or).

S11 – Se S7, então S12 (premissa implicada).

S12 – A mãe deu dinheiro para comprar carne (conclusão implicada).

17 Resta saber se a seqüência lexical “um menino que quase não mentia” é irônica ou não. Argumentos em favor

de uma interpretação descritiva são apresentados na análise da interpretação.

73

S13 – Se S12, então S14 (premissa implicada).

S14 – O menino pegou o dinheiro para comprar carne (conclusão implicada).

S15 – Se S14, então S16 (premissa implicada).

S16 – O menino procurou a carne com o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino (conclusão implicada).

S17 – O menino procurou muito a carne com o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino (da memória enciclopédica).

S18 – Se S17, então S19 (premissa implicada).

S19 – O dinheiro que a mãe do menino deu ao menino para comprar a carne não é suficiente para comprar a carne (conclusão implicada).

S20 – Se S19, então S21 (premissa implicada).

S21 – O menino não pôde comprar a carne porque o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino para comprar a carne não é suficiente para comprar a carne (conclu-são implicada).

Observe-se, finalmente, à sentença 3.

Sentença 3 – Ele chegou bem quietinho, pegou o cachorro e levou no seu amigo que matava boi e pediu para que ele matasse o cachorro, o matador matou e o menino le-vou para sua casa.

Explicatura da sentença 3 – Ele [o menino] chegou bem quietinho [à casa], [o me-nino/Zé] pegou o cachorro e [o menino/Zé] levou [o cachorro] no seu [do menino/de Zé] amigo que [o amigo do menino/de Zé] matava boi e [então] [o menino/Zé] pediu para que ele [o amigo do menino/de Zé] matasse o cachorro [do menino/de Zé], o matador [amigo do menino/de Zé] matou [o cachorro do menino/de Zé] e o menino levou [a carne do cachorro do menino/de Zé]] para sua [do menino/de Zé] casa.

A sentença 3 encerra os seguintes raciocínios.

S10 – Zé era um menino que quase não mentia (conclusão implicada da sentença 2).

S22 – Zé não queria desagradar a mãe de Zé (conclusão implicada).

S23– Se S10 e S22, então S24 (premissa implicada).

S24 – Zé tinha obrigação de trazer a carne (conclusão implicada).

S21 – O menino não pôde comprar a carne porque o dinheiro que a mãe do menino deu ao menino para comprar a carne não é suficiente para comprar a carne (conclu-são implicada da sentença 2).

S25 – Se S21, então S26 (premissa implicada).

S26 – O menino resolveu matar o cachorro (conclusão implicada).

S27 – A mãe do menino não a carne do cachorro (conclusão implicada).

S28 – Se S27, então S29 (premissa implicada).

S29 – A mãe do menino não podia saber da origem da carne (conclusão implicada).

S30 – Se S29, então S31 (premissa implicada).

S31 – O menino chegou bem quietinho à casa do menino para o menino pegar o cachorro do menino (conclusão implicada).

74

S32 – Se S26, então S33 (premissa implicada).

S33 – Alguém deve matar o cachorro (conclusão implicada).

S34 – O menino conhece um amigo do menino que mata boi (da memória enci-clopédica).

S35 – Se S33 e S34, então S36, S37 e S38 (premissa implicada).

S36 – O menino pede ao amigo do menino que mata boi para que o amigo do menino que mata boi mate o cachorro do menino (conclusão implicada).

S37 – O amigo do menino que mata boi mata o cachorro do menino (conclusão implicada).

S38 – O menino leva a carne do cachorro para a casa do menino (conclusão im-plicada).

Na primeira sentença do texto, o terceiro intérprete atribui um nome ao menino:

“Zé” (vale dizer que ele atribui o item lexical “Zé” como referente para o input visual do me-

nino). A partir dessa personagem, a criança cria uma história inusitada para a cena, na qual a

mãe de Zé pede ao menino que ele compre carne. A pista para a inferência realizada está na

própria estrutura lingüística da sentença. Ela toma o input lingüístico da charge, onde o intér-

prete diz que fazia tempo que ambos não comiam carne como antecedente do preparo da co-

mida. Desse modo, a interpretação consistente com o estímulo ostensivo foi a de que, diante

do pedido de Zé, a mãe pede a ele que compre carne.

Na sentença 2, chama atenção a seqüência lexical: “um menino que quase não

mentia”. Essa seqüência abre duas possibilidades de interpretação. De um lado, pode ser to-

mada como ironia. Nesse caso, “quase não mentir” pode ser tomado como: “mentir sempre”.

Outra possibilidade é a seqüência ser tomada como descritiva. Nesse caso, a criança quer ex-

plicitar o fato de que Zé é um menino bom. Isso permite antecipar que as ações de Zé possam

ser desculpadas antecipadamente.

Nesse caso, está-se diante de duas suposições cuja força dependerá dos inputs

posteriores. Na própria sentença 2, há uma pista em favor da segunda interpretação. A criança

afirma que o dinheiro que a mãe lhe oferece (inferência possível a partir da explicatura da

sentença) não é suficiente para a compra da carne. Instala-se aqui o complicador da narrativa.

75

A resolução do conflito implica o sacrifício do cachorro de estimação. Fica implí-

cito que o menino tem a obrigação de trazer a carne e não desagradar sua mãe. Para a criança,

apesar do drama ético de matar o cachorro, isso é um imperativo. O menino não está agindo

por impulso próprio, ele está constrangido pela insuficiência de dinheiro.

Esse drama fica explícito na seqüência lexical: “Ele chegou bem quietinho”. Por

que colocar essa seqüência? É razoável supor que a mãe não aprovaria a origem da carne e

que ela não deveria saber que Zé havia tomado a decisão de matar o cachorro. Tais suposições

funcionam como premissas para a atitude de pegar o cachorro na surdina. Resta, então, expli-

car como fazer a troca. Em sua memória, aciona-se a suposição de que ele conhecia um “ami-

go que matava boi”. Nesse caso, era só pedir a ele para que fizesse o serviço.

Essa interpretação, admite-se, não é convencional. Ela transfere para o menino a

decisão de matar o cachorro de estimação. Além disso, para o analista considerá-la plausível,

é preciso lidar com as aparentes incongruências da solução encontrada pelo sujeito em função

dos inputs lingüísticos e visuais da charge. No que diz respeito às falas do menino, a primeira,

a que se refere ao tempo em que eles não comiam carne, é interpretada como causa de toda a

narrativa; a segunda, a de que ele pede para a mãe guardar os ossinhos, só pode ser interpreta-

da como um elemento de distração. A reação da mãe, a surpresa, o tom de pergunta e a entra-

da lexical: “Cachorro?”, só fazem sentido num contexto em que ela, provavelmente, já se dera

conta de que o cachorro há tempo não está na casinha. Supõe-se, no entanto, que o intérprete

não se deu conta de todos esses detalhes. Para ele, e congruente com a primeira interpretação

consistente com o primeiro princípio de relevância, bastou identificar em Zé a causa da morte

do cachorro e perseverar nessa interpretação.

Observe-se, agora, a interpretação 4.

76

3.3.4 Análise da interpretação 4

O estudante 4 do Grupo de Controle elaborou a seguinte interpretação.

Ela ficou muito assustada quando o filho dela pediu para guardar os ossinhos para o cachorro. Já fazia um tempo que eles não comiam carne, ela resolveu assar o cachor-ro para comer no almoço. O filho dela não sabia que a mãe dele estava assando o ca-chorro e a mãe não sentil (sentiu) nenhum gosto diferente na comida. E ele, como estava gostando da comida, ele foi comendo, até que sobrou (sobraram) tantos ossos e quando ele foi dar os ossos para o cachorro, o cachorro não estava na coleira. O fi-lho dela ficou muito triste porque a mãe tinha assado o cachorro que era o único a-migo dele.

Veja-se agora a sentença 1 do texto 4.

Sentença 1 – Ela ficou muito assustada quando o filho dela pediu para guardar os ossinhos para o cachorro.

Explicatura da sentença 1 – Ela [a mãe] ficou muito assustada quando o filho dela [da mãe] pediu para guardar os ossinhos [da carne] para o cachorro.

Essa sentença pode ser assim interpretada.

S1 – O filho está comendo carne com ossos (do input visual e lingüístico).

S2 – O menino tem um cachorro (do input visual e lingüístico).

S3 – O menino pede para a mãe guardar os ossos para o cachorro (do input lin-güístico).

S4 – A mãe disse “Cachorro?” (do input lingüístico).

S5 – A expressão facial da mãe é de espanto (do input visual).

S6 – Se S5, então S7 (premissa implicada).

S7 – A mãe ficou muito assustada (conclusão implicada).

Observe-se a sentença 2 do texto 4.

Sentença 2 – Já fazia um tempo que eles não comiam carne, ela resolveu assar o ca-chorro para comer no almoço.

Explicatura da sentença 2 – Já fazia um tempo que eles [mãe e filho] não comiam carne, ela [a mãe] resolveu assar o cachorro para comer no almoço.

Veja-se a respectiva interpretação.

S1 – O menino está comendo carne (do input visual e lingüístico).

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S8 – Carne é um alimento caro (memória enciclopédica).

S9 – O menino diz para a mãe que fazia tempo que eles não comiam carne

(do input lingüístico).

S10 – Mãe e filho são pobres (do input visual e lingüístico).

S11 – O cachorro não está na coleira (do input visual).

S12 – A mãe não tem nada para o almoço (memória enciclopédica)

S13 – As mães fazem qualquer coisa para alimentar o filho (memória enciclopédica)

S14 – Se S11, S12e S13 então S15 (premissa implicada).

S15 –A mãe assou o cachorro para comer no almoço (conclusão implicada).

Observe-se, agora a sentença 3.

Sentença 3 – O filho dela não sabia que a mãe dele estava assando o cachorro e a mãe não sentil (sentiu) nenhum gosto diferente na comida.

Explicatura da sentença 3 – O filho [o menino] dela [a mãe] não sabia que a mãe dele [do menino] estava assando o cachorro [do menino] e a mãe [do menino] não sentil (sentiu) nenhum gosto diferente na comida.

A sentença 3 pode ser assim interpretada.

S16 – O menino está almoçando (do input visual e lingüístico).

S17 – Os filhos confiam nas mães (da memória enciclopédica).

S18 – Se S16 e S17, então S19 (premissa implicada).

S19 – O menino não sabia que sua mãe assou o cachorro (da memória enciclopédica).

S20 – Carne de cachorro deixa gosto diferente na comida (da memória enciclopédi-ca).

S21 – A mãe não sentiu nenhum gosto diferente na comida (da memória enciclo-pédica).

Veja-se a sentença 4.

Sentença 4 – E ele, como estava gostando da comida, ele foi comendo, até que so-brou (sobraram) tantos ossos e quando ele foi dar os ossos para o cachorro, o cachor-ro não estava na coleira

Explicatura da sentença 4 – E ele [o menino], como estava gostando da comida [o cachorro assado], ele [o menino] foi comendo [o assado], até que sobrou (sobraram) tantos ossos [da carne] e [então] quando ele [o menino] foi dar os ossos [da carne/do assado] para o cachorro [do menino], o cachorro [do menino] não estava na coleira.

E, agora, sua interpretação.

S22 – Sobraram muitos ossos (do input visual).

S23 – Se S22, então S24.

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S24 – Ele comeu uma grande quantidade do assado (do input visual).

S25– Se S24, então S26.

S26 – O menino gostou da comida (conclusão implicada).

S27 – O menino quer dar os ossinhos para o cachorro (do input lingüístico).

S28 – A coleira está aberta (do input visual).

S29 – Se S28, então S30 (premissa implicada).

S30– O cachorro não estava na coleira (conclusão implicada).

Veja-se, por fim, a sentença 5.

Sentença 5 – O filho dela ficou muito triste porque a mãe tinha assado o cachorro que era o único amigo dele.

Explicatura da sentença 5 – O filho dela [da mãe] ficou muito triste porque a mãe [do menino] tinha assado o cachorro [do menino] que era o único amigo dele [do fi-lho/do menino].

E, por sua vez, sua respectiva interpretação.

S30– O cachorro não estava na coleira (conclusão implicada da sentença anterior).

S31 – Se S31, então S33 (premissa implicada).

S32 – O menino perguntou onde estava o cachorro (conclusão implicada)..

S33 – A mãe estava assustada (do input visual).

S34 – Se S32 e S33, então S35 (premissa implicada).

S35 – A mãe contou que tinha assado o cachorro (conclusão implicada).

S36 – Se S35, então S37 (premissa implicada).

S37 – O filho ficou muito triste porque o cachorro era o único amigo do filho.

Ao analisar a interpretação do quarto aluno do grupo de controle, destaca-se a sa-

liência perceptual do input visual da mãe. O aluno fixa sua atenção na expressão de susto da

mãe quando o seu filho pede que os ossinhos sejam guardados para o cachorro. O estímulo

ostensivo da primeira sentença, por si mesmo, permite implicar que o estudante já havia de-

tectado a inferência de que a carne oferecida pela mãe era a do cachorro de estimação do me-

nino. Na seqüência, influenciado pelos inputs visuais (a forma como a criança se dedica a

comer a carne e a situação de pobreza), o intérprete infere que havia tempo que eles não co-

miam carne e explicita que a mãe havia assado o cachorro.

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O estudante, então, prende sua atenção na inocência do menino na sentença 3.

Mais uma vez, sua atenção se fixa nos inputs visuais: a sobra dos ossos, a coleira aberta e a

ausência do cachorro. Por fim, na sentença 4, o estudante explicita o desfecho da narrativa,

inferindo que a mãe confessa sua atitude e que o menino ficou muito triste, dado que o ca-

chorro era seu único amigo.

Veja-se a análise da interpretação 5.

3.3.5 Análise da interpretação 5

O estudante 5 do Grupo de Controle elaborou a seguinte interpretação:

O menino não havia visto que o seu cachorro não estava mais ali. Quando chegou na hora do almoço, ele falou para a sua mãe que (eles) não comiam carne há muito tempo. A mãe arrependida não sabia que ele tinha trazido até a casinha do cachorro. O menino sem saber pede (pediu) para que a mãe guarde os ossinhos para o cachorro que já havia sido devorado.

Veja-se, então, à análise de cada sentença.

Sentença 1 – O menino não havia visto que o seu cachorro não estava mais ali.

Explicatura da sentença 1 – O menino não havia visto que o seu [do menino] ca-chorro não estava mais ali [na coleira, em sua casinha].

Veja-se os processos inferenciais dessa sentença.

S1 – O menino quer dar os ossinhos para o cachorro (do input lingüístico)

S2 – A coleira está aberta (do input visual).

S3 – Se S2 então S4 (premissa implicada).

S4 – O cachorro não está mais preso na coleira/na casinha.

S5 – Se S1 e S4 então S6 (premissa implicada).

S6 – O menino não havia visto que o cachorro não estava mais na colei-ra/casinha (conclusão implicada).

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Veja-se a próxima sentença.

Sentença 2 – Quando chegou na hora do almoço, ele falou para a sua mãe que não comiam carne há muito tempo.

Explicatura da sentença 2 – Quando chegou na hora do almoço, ele [o menino] fa-lou para a sua [do menino] mãe que [o menino e a mãe] não comiam carne há muito tempo.

A sentença traduz a inferência de que a cena ocorre no almoço e, no mais, relata a

primeira fala do menino, a saber: “Mãe, fazia tempo que a gente não comia carne, né? Guarda

os ossinho que eu vô jogá pro cachorro!”:

S7 – O menino está na mesa comendo (do input visual).

S8 – A mãe está com a panela na mão (do input visual).

S9 – Se S7 e S8, então S10 (premissa implicada).

S10 – É hora do almoço (conclusão implicada).

Veja-se, agora, a sentença 3:

Sentença 3 – A mãe arrependida não sabia que ele tinha trazido até a casinha do ca-chorro

Explicatura da sentença 3 – A mãe arrependida [de ter cozido o cachorro] não sa-bia que ele [o menino] tinha trazido [para o pé da mesa] até a casinha do cachorro [para dar os ossinhos para o cachorro].

A sentença 3 traduz os seguintes processos inferenciais:

S11 – Casinhas de cachorro não ficam no pé da mesa (da memória enciclopédica).

S12 – Se S11 então S13 (premissa implicada).

S13 – A casinha do cachorro não ficava no pé da mesa (conclusão implicada).

S14 – Há uma casinha no pé da mesa (do input visual).

S15 – Se S13 e S14 então S16 (premissa implicada).

S16 – O menino tinha trazido a casinha do cachorro para o pé da mesa (conclu-são implicada).

S17 – Se S16 então S18 (premissa implicada).

S18 – O menino tinha trazido a casinha do cachorro para o pé da mesa <prova-velmente> para dar os ossinhos para o cachorro (conclusão implicada).

S19 – A expressão facial da mãe é de susto (do input visual).

S20 – Se S19 então S21(premissa implicada).

S21 – A mãe não sabia que o menino tinha trazido a casinha do cachorro para o pé da mesa <provavelmente> para dar os ossinhos para o cachorro (conclusão implicada).

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S22 – A mãe fala “Cachorro?” (do input lingüístico).

S23 – Se S22, então S24 (premissa implicada).

S24 – A mãe <provavelmente> cozinhou o cachorro (conclusão implicada).

S25 – Se S24, então S26 (premissa implicada).

S26 – A mãe está arrependida por ter cozido o cachorro (conclusão implicada).

Observe-se a quarta sentença dessa interpretação.

Sentença 4 – O menino sem saber pede (pediu) para que a mãe guarde os ossinhos para o cachorro que já havia sido devorado

Explicatura da sentença 4 – O menino sem saber [que a carne que ele estava co-mendo era a carne do cachorro] pede (pediu) para que a mãe [do menino] guarde os ossinhos [da carne] para o cachorro que [o cachorro] já havia sido devorado [pela mãe e pelo filho].

Nessa sentença, há a seguinte inferência:

S27 – O menino está comendo a carne (do input visual e lingüístico).

S28 – O menino quer guardar os ossinhos da carne para o cachorro (do input lingüís-tico).

S29 – Se S27 e S28, então S30 (premissa implicada).

S30 – O menino não sabe que a carne que ele estava comendo era a carne do cachor-ro (conclusão implicada).

A sentença 1 dessa interpretação revela que a primeira interpretação consistente

com o princípio de relevância foi a de que o menino só poderia querer dar os ossinhos para o

cachorro se não soubesse que o cachorro não mais estava preso na coleira da casinha. Esse

raciocínio inferencial decorre do paradoxo entre os inputs lingüístico (possibilidade de dar os

ossinhos) e visual (impossibilidade em função da ausência do cachorro). A sentença 2 contri-

bui com a inferência de que a situação ocorre na hora do almoço.

A sentença 3 revela todo um complexo de inferências. Em primeiro lugar, a supo-

sição de que casinhas de cachorro não ficam no pé da mesa emerge da memória enciclopédica

e sustenta a conclusão implicada de que a casinha do cachorro não ficava no pé da mesa. Co-

mo, pelo input visual, a criança constata que há uma casinha no pé da mesa, isso autoriza a

82

inferência de que o menino tinha trazido a casinha do cachorro para aquela posição, prova-

velmente para dar os ossinhos para o cachorro.

Essa interpretação da criança confronta-se com o input visual da expressão facial

de susto da mãe. A interpretação consistente, então, é a de que a mãe não sabia que o menino

tinha trazido a casinha do cachorro. Essa suposição é reforçada pelo input lingüístico: “Ca-

chorro?”, o que leva a implicar inferencialmente que a mãe <provavelmente> cozinhou o ca-

chorro. Essa implicatura é autorizada pela entrada lexical “arrependida”, uma vez que o arre-

pendimento só faz sentido se houvesse um desconforto entre a decisão de cozinhar o cachorro

e a cena de ver a casinha perto da mesa. Nessa cena, vale dizer que há uma incongruência no

fato de a criança ter trazido a casinha e não ter percebido a ausência do cachorro. Entretanto,

justamente é essa a inferência sustentada pela criança.

A sentença 4, por fim, confirma a suposição de que o intérprete percebeu a infe-

rência de que a carne que estava sendo oferecida à criança era a do cachorro. Isso é constatado

pela seqüência lexical “o cachorro que já havia sido devorado”. Além disso, o intérprete de-

fende que o menino não sabia o fato. Ela infere isso, provavelmente acionando os inputs visu-

al e lingüístico de que o menino estava comendo a carne, e sua vontade de dar os ossinhos da

carne para o cachorro, em função do input lingüístico. Dessa combinação de suposições, e-

merge a conclusão implicada de que o menino não sabe que a que ele estava comendo era a

carne do cachorro.

Vejam-se, agora, as cinco interpretações do grupo experimental.

83

3.4 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO EXPERIMENTAL

3.4.1 Análise da interpretação 1

O estudante 1 do Grupo Experimental elaborou a seguinte interpretação.

Todo mundo já temia que o Programa ‘Fome Zero’ não seria eficaz o tanto para ma-tar a fome de todos os brasileiros. Na verdade, eu acho que a única solução é traba-lho para o povo. Segundo dados, há milhões e milhões de brasileiros miseráveis, e não vai ser um caminhão de comida que vai resolver o problema. Tenho certeza que não é fácil reerguer um país do jeito que está o Brasil, mas com esforço e menos cor-rupção tudo anda! Boa sorte, Lula! Você tem condições de salvar estas pobres pes-soas da maior dor, a fome!

Veja-se a sentença 1 do texto 1.

Sentença 1 – Todo mundo já temia que o Programa ‘Fome Zero’ não seria eficaz o tanto para matar a fome de todos os brasileiros.

Explicatura da sentença 1 – Todo mundo [os brasileiros] já temia que o Programa ‘Fome Zero’ não seria eficaz o tanto para ∅ [o Programa ‘Fome Zero’] matar a fome de todos os brasileiros.

Interpretação da sentença 1 do texto 1:

S1 – A charge é uma crítica ao Programa “Fome Zero” (do conhecimento enciclopé-dico e do input lingüístico).

S2 – O menino diz que faz tempo que não comem carne (do input lingüístico).

S3– O menino está comendo carne (do input visual).

S4 – O cachorro não está na coleira (do input visual).

S5 – Se S3 e S4, então S6

S6– A criança está comendo o cachorro por falta de alimentos (conclusão implicada).

S7 – Se S1 e S6, então S8 (premissa implicada).

S8 – O Programa “Fome Zero” não será eficaz (conclusão implicada).

S9 – O programa “Fome Zero” objetiva matar a fome de todos brasileiros pobres (da memória enciclopédica).

S10 – Há um grande número de miseráveis (da memória enciclopédica).

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S11– Se S9 e S10, então S12 (premissa implicada).

S12 – O Programa “Fome Zero” não matará a fome de todos os brasileiros (con-clusão implicada).

Observe-se a Sentença 2 do texto 1:

Sentença 2 – Na verdade, eu acho que a única solução é trabalho para o povo.

Explicatura da sentença 2 – Na verdade, eu [o estudante] acho que a única solução [para o problema da fome no Brasil] é [o governo] [oferecer] trabalho para o povo [brasileiro que passa fome].

Essa sentença enseja as seguintes suposições:

S12– O Programa Fome Zero não matará a fome de todos os brasileiros (conclusão implicada).

S13 – Se S12, então S14 (premissa implicada).

S14– A única solução é oferecer trabalho para o povo (conclusão implicada).

Sentença 3 do texto 1.

Sentença 3 – Segundo dados, há milhões e milhões de brasileiros miseráveis, e não vai ser um caminhão de comida que vai resolver o problema!

Explicatura da sentença 3 – Segundo dados [de algum centro de pesquisa/de algu-ma fonte de pesquisa], há milhões e milhões de brasileiros miseráveis [no Brasil], e não vai ser um caminhão de comida [do Programa Fome Zero] que [um caminhão de comida do Programa Fome Zero] vai resolver o problema [da fome do povo brasilei-ro].

Interpretação 3 do texto 1.

S15 – Há milhões e milhões de brasileiros miseráveis passando fome (da memó-ria enciclopédica).

S16– Há poucos alimentos para um grande número de miseráveis (da memória enci-clopédica).

S17– Se S15 e S16, então S18 (premissa implicada).

S18 – Não vai ser um caminhão de comida que vai resolver o problema da fome (conclusão implicada).

Sentença 4 do texto 1.

Sentença 4 – Tenho certeza que não é fácil reerguer um país do jeito que está o Bra-sil, mas com esforço e menos corrupção tudo anda!

Explicatura da sentença 4 – ∅ [o estudante] Tenho certeza [de] que não é fácil re-erguer um país [Brasil] do jeito [com pessoas passando fome] que [com pessoas pas-sando fome] está o Brasil [país], mas com esforço e menos corrupção tudo [o país se reergue/a fome diminui] anda [no Brasil].

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Interpretação da sentença 4 do texto 1.

S15 – Há milhões e milhões de brasileiros miseráveis passando fome (da memória enciclopédica).

S19 – Se S15, então S20 (premissa implicada)

S20 – Não é fácil reerguer o Brasil (conclusão implicada).

S21 – O governo Lula com o Programa Fome Zero ainda não se esforçou o suficiente (da memória enciclopédica).

S22 – O governo Lula ainda possui corrupção (da memória enciclopédica).

S23 – Se S21 e S22, então S24 (premissa implicada).

S24 – O Programa Fome Zero com mais esforço e com menos corrupção tem condições de eliminar a fome (conclusão implicada).

Sentença 5 do texto 1.

Sentença 4 – Boa sorte, Lula, você tem condições de salvar estas pobres pessoas da maior dor, a fome!

Explicatura da sentença 4 – Boa sorte Lula! você [Presidente Lula] tem condições de salvar estas pobres pessoas [povo brasileiro] da maior dor, a fome!

Interpretação da sentença 5 do texto 1.

S25 – O presidente Lula tem competência (da memória enciclopédica).

S26 – Se S25, então S27 (premissa implicada).

S27 – O presidente Lula tem condições de salvar as pessoas da fome (conclusão implicada).

O estímulo ostensivo da charge reforça a suposição factual do estudante para

quem há milhões de brasileiros passando fome, dado que ele capta a conclusão implicada de

que a mãe havia assado o cachorro. Essa suposição serve de premissa implicada para a con-

clusão implicada de que o Programa Fome Zero não será eficaz. Justamente essa conclusão

emerge na forma lógica da sentença. Para o estudante, o Programa não matará a forme de to-

dos os brasileiros.

Na sentença seguinte, admitindo-se a conclusão implicada da sentença anterior

como premissa implicada, emerge a conclusão implicada de que a solução para a fome no

Brasil passa pela oferta de trabalho (a questão do emprego).

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Na sentença 3, como suporte ao argumento, o estudante explicita que “segundo

dados” (quais?) “Há milhões e milhões de brasileiros miseráveis passando fome”. Essa incon-

gruência, muitos passando fome e pouca ação governamental serve como premissa implicada

para a conclusão de que “Não vai ser um caminhão de comida que vai resolver o problema da

fome”. Essa conclusão implicada gera o ambiente para modalizar a ineficácia da sentença 1.

Não se trata dizer que o Programa não será eficaz, mas o Programa em seu estágio atual.

Essa abertura permite ao estudante modalizar o argumento trazendo de sua memó-

ria suposições factuais relacionadas com a má administração pública, desigualdade social,

corrupção, etc. Todas essas suposições servem de premissa para a conclusão implicada de que

“Não é fácil reerguer o Brasil”. Desse modo, ambienta-se uma nova conclusão implicada a de

que “O Programa Fome Zero com mais esforço e com menos corrupção tem condições de

eliminar a fome”, que, do ponto de vista do código, é uma contradição.

Em outras palavras, não havendo consideração das premissas implicadas que fo-

ram destacadas nessa análise, o texto é incoerente. Sua coerência ocorre implicitamente e ca-

beria ao docente, diante da avaliação dessa interpretação, reforçar a questão da explicitação

das premissas no texto. Segundo a Teoria da Relevância, quanto mais explícitos os elementos

do estímulo ostensivo, mais pistas, ou pistas mais seguras, o input lingüístico fornece para

guiar a relevância. No caso, está-se diante de um típico exemplo em que o texto “ficou na

cabeça do autor” e o esforço de processamento aumenta.

A sentença 5, por fim, introduz um tom ufanista à interpretação. O autor exime o

Presidente Luís Inácio Lula da Silva das falhas do Programa, mas isso ocorre implicitamente.

Fica implícito também que as falhas ou decorrem da má-administração ou da corrupção.

87

3.4.2 Análise da interpretação 2

O estudante 2 do Grupo Experimental elaborou a seguinte interpretação:

A charge faz uma crítica sobre o programa ‘Fome Zero’, que não está adiantando nada, porque muitas pessoas estão ainda passando fome. Isto foi uma promessa do governo do atual presidente, Lula, como uma forma de se eleger. Mas quem sabe nos próximos anos este programa pode adiantar. Ou esta foi apenas mais uma pro-messa de governador. Isto deve ser tudo uma ilusão.

Veja-se a sentença 1 do texto 2.

Sentença 1 – A charge faz uma crítica sobre o programa ‘Fome Zero’, que não está adiantando nada, porque muitas pessoas estão ainda passando fome.

Explicatura da sentença 1 – A charge faz uma crítica sobre o programa ‘Fome Ze-ro’, que [o Programa Fome Zero] não está adiantando nada [não está acabando com a fome do povo brasileiro], porque muitas pessoas [o povo brasileiro] estão ainda passando fome [no Brasil].

Interpretação da sentença 1 do texto 2.

S1 – Charges são textos críticos (da memória enciclopédica).

S2 – O filho diz que faz tempo que não comem carne (input lingüístico).

S3 – O cachorro não está na coleira (input visual).

S4 – Se S2 e S3, então S5 (premissa implicada).

S5 – O cachorro está sendo servido no almoço (conclusão implicada).

S6 – O programa “Fome Zero” objetiva matar a fome de todos brasileiros pobres (da memória enciclopédica).

S7 – Se S1, S5 e S6, então S8 (premissa implicada).

S8 – A charge faz uma crítica ao Programa “Fome Zero” (conclusão implicada).

S9 – Os meios de comunicação divulgam a miséria (a fome) pela qual passa grande parte de brasileiros (da memória enciclopédica).

S10– O Presidente assumiu há três anos e o Programa “Fome Zero” continua na pro-messa (da memória enciclopédica).

S11– O Programa “Fome Zero” atinge baixos índices de erradicação da fome (memó-ria enciclopédica).

S12– Se S11, então S13 (premissa implicada).

S13– O Programa “Fome Zero” não resolve o problema da fome (conclusão im-plicada).

Sentença 2 do texto 2.

88

Sentença 2 – Isto foi uma promessa do governo do atual presidente, Lula, como uma forma de se eleger.

Explicatura da sentença 2 – Isto [O programa Fome Zero] foi uma promessa do governo do atual presidente, Lula, como uma forma de se [Lula] eleger [presidência da república].

Interpretação da sentença 2 do texto 2.

S14 – O Programa “Fome Zero” não é eficaz contra a fome (da memória enciclopédi-ca).

S15 – Os miseráveis estão comendo até cachorro (do input visual).

S16 – Se S14 e S15, então S17 (premissa implicada).

S17 – O Programa “Fome Zero” foi uma promessa de governo (conclusão impli-cada).

S18 – Se S17, então S19 (premissa implicada).

S20 – O Presidente Lula usou o Programa Fome Zero como uma forma de se e-leger (conclusão implicada).

Sentença 3 do texto 2.

Sentença 3 – Mas quem sabe nos próximos anos este programa pode adiantar.

Explicatura da sentença 3 – Mas quem sabe nos próximos anos este programa [O Programa “Fome Zero”] pode adiantar [resolver o problema da fome].

Interpretação da sentença 3 do texto 2.

S21 – O programa “Fome Zero” tem uma tarefa longa (da memória enciclopédica)

S22 – O governo Lula tem pouco tempo (da memória enciclopédica).

S23 – Se S21 e S22, então S24 (premissa implicada).

S24 – quem sabe Nos próximos anos o Programa “Fome Zero” pode resolver o problema da fome (conclusão implicada).

Sentença 4 do texto 2.

Sentença 4 – Ou esta foi apenas mais uma promessa de governador.

Explicatura da sentença 4 – Ou esta [proposta de acabar com a fome] foi apenas mais uma promessa de governador [do Presidente Lula].

Interpretação da sentença 4 do texto 2.

S25 – O Programa “Fome Zero” não é eficaz (memória enciclopédica).

S26 – O Programa “Fome Zero” <possivelmente> é uma farsa (conclusão implicada).

S27 – Se S26, S27, então S28 (premissa implicada).

89

S28 – O Programa “Fome Zero” é mais uma promessa do Presidente Lula (con-clusão implicada).

Sentença 5 do texto 2.

Sentença 5 – Isto deve ser tudo uma ilusão.

Explicatura da sentença 5 – Isto [o Programa “Fome Zero”] deve ser tudo uma ilu-são.

Interpretação da sentença 5 do texto 2.

S29 – O Programa “Fome Zero” é uma farsa (da memória enciclopédica).

S30 – O povo brasileiro foi enganado (da memória enciclopédica).

S31 – Se S29 e S30, então S32 (premissa implicada).

S32 – O Programa “Fome Zero” é mais uma ilusão (conclusão implicada).

A suposição explícita de que a charge é uma crítica ao Programa Fome Zero é

muito significativa nessa interpretação. Ela é uma conclusão implicada que decorre de pelo

menos três espécies de premissas: de que as charges são textos críticos, de que a crítica se

refere ao Programa Fome Zero, e de que as personagens passam fome. A primeira é uma su-

posição factual derivada da memória enciclopédica do estudante. A segunda suposição foi

reforçada pelo input lingüístico do título da charge. A terceira decorre dos elementos do car-

tum dado que, obviamente, o estudante foi capaz de captar a conclusão implicada de que a

mãe cozinhou o cachorro. Essa conclusão se fortalece com o final da sentença, onde o estu-

dante atesta que “O Programa “Fome Zero” não resolve o problema da fome”, como justifica-

tiva para a crítica exposta na charge.

Essa ineficácia emerge agora como uma das premissas implicadas para a conclu-

são implicada de que “O Programa ‘Fome Zero’ foi uma promessa de governo”. A outra, jus-

tamente é a do paradoxo da cena da charge, ou seja, a de que essa família não deveria ter co-

zido o cachorro se o Programa Fome Zero fosse eficaz. No final da sentença 2, o estudante

reforça seu argumento: “O Presidente Lula usou o Programa Fome Zero como uma forma de

90

se eleger”, demonstrando que mesmo antes de ser governo, o Programa foi uma promessa

eleitoral.

Nas sentenças seguintes, repete-se a modalização do argumento. O estudante a-

meniza a crítica, defendendo que o Programa pode funcionar (Mas quem sabe nos próximos

anos este programa pode adiantar); e de que a sua percepção do Programa enquanto blefe elei-

toral passa a depender desse resultado futuro (Ou esta foi apenas mais uma promessa de go-

vernador). A última sentença, por fim, retoma o argumento da promessa agora qualificada

como “ilusão” (O Programa “Fome Zero” é mais uma ilusão). Como na interpretação anterior,

parece haver uma indecisão sobre a força do argumento, talvez pelo temor de sua exposição

na avaliação escolar.

3.4.3 Análise da interpretação 3

O estudante 3 do Grupo Experimental elaborou a seguinte interpretação:

A mulher no fogão assustada porque o filho dela falou: “os ossinhos eu vou jogar pro cachorro”. O menino está desnutrido e fazia tempo que não comia carne. Essa família era muito pobre e o menino estava em último grau de desnutrição. O presi-dente Lula implantou esse Programa ‘Fome Zero’ para as pessoas pobres parar (pa-rarem) de passar fome no Brasil. O presidente Lula implantou esse programa ‘Fome Zero’ para ajudar as pessoas pobres do Brasil, porque eles passam fome e as crianças ficam desnutridas porque não têm nada para comer.

Sentença 1 do texto 3.

Sentença 1 – A mulher no fogão assustada porque o filho dela falou: “os ossinhos eu vou jogar pro cachorro”.

Explicatura da sentença 1 – A mulher [a mãe do menino] [está] no fogão assustada porque o filho dela falou: “ os ossinhos [os ossos da carne que está comendo] eu vou jogar pro cachorro”.

91

Interpretação da sentença 1 do texto 3.

S1 – O menino fala que vai jogar os ossinhos para o cachorro (conclusão impli-cada).

S2 – A expressão facial da mãe é de espanto (do input visual).

S3 – O cachorro não está na casinha (do input visual).

S4 – Se S2 e S3 então S5 (premissa implicada).

S5 – O cachorro está sendo servido ao menino (conclusão implicada).

S6 – Se S5 então S7 (premissa implicada)

S7 – A mulher no fogão está assustada (conclusão implicada).

Sentença 2 do texto 3.

Sentença 2 – Ela não sabe como irá contar para o seu filho que a carne que ele esta-va comendo era para quem ele queria dar os ossos.

Explicatura da sentença 2 – Ela [a mãe do menino] não sabe como irá contar para o seu [da mãe] filho que a carne que ele [o menino/filho] estava comendo era ∅ [a carne do cachorro] para quem [para o cachorro] ele [o menino/filho] queria dar os ossos.

Interpretação da sentença 2 do texto 3.

S8 – Quando o menino fala para sua mãe que quer guardar os ossinhos para o ca-chorro ela responde assustada “Cachorro!” (do input lingüístico).

S9– O cachorro não está na casinha (do input visual).

S10– Se S8 e S9 então S11 (premissa implicada).

S11 – O menino está comendo o cachorro no almoço (conclusão implicada).

S12 – Se S6 e S11 então S13 (premissa implicada)

S13– A mãe do menino não sabe como contar ao menino que o cachorro está sendo servido no almoço (conclusão implicada).

Sentença 3 do texto 3.

Sentença 3 – O menino está desnutrido e fazia tempo que não comia carne.

Explicatura da sentença 3 – O menino está desnutrido e fazia tempo que [o meni-no] não comia carne.

A sentença 3 deve ser vista em conjunto com a sentença 4.

Sentença 4 – Essa família era muito pobre e o menino estava em último grau de desnutrição.

Explicatura da sentença 4 – Essa família [O menino e sua mãe] era muito pobre [a família não tem as mínimas condições de sobrevivência, falta-lhes o mínimo

92

necessário “o alimento”.] e o menino estava em último grau de desnutrição [pela a-parência física].

Interpretação da sentença 4 do texto 3.

S14 – Na charge o menino apresenta-se fisicamente com braços e pernas finíssimos ligados a um corpo que parece uma caveira (do input visual).

S15 – Fazia tempo que não comia carne (input lingüístico).

S16 – Se S14 e S15 , então S17 e S18 (premissa implicada).

S17 – O menino <possivelmente> está desnutrido (conclusão implicada).

S18 – O menino está em último grau de desnutrição (conclusão implicada).

S19 – Fazia tempo que o menino não comiam carne (do input lingüístico).

Sentença 5 do texto 3.

Sentença 5 – O Presidente Lula implantou esse Programa “Fome Zero” para as pes-soas pobres parar (pararem) de passar fome no Brasil.

Explicatura da sentença 5 – O Presidente Lula implantou esse Programa “Fome Zero” para as pessoas pobres [povo brasileiro que não tem o que comer] pa-rar(pararem) [o povo são sentir mais necessidade] de passar fome no Brasil.

Interpretação da sentença 5 do texto 3.

S20 – O “Fome Zero” foi criado pelo Governo Lula. (do input lingüístico).

S21 – O programa “Fome Zero” se destina a famílias pobres (da memória enciclopé-dica).

S22 – Se S20 e S21, então S23 (premissa implicada).

S23 –As pessoas pobres talvez parem de passar fome(conclusão implicada).

Sentença 6 do texto 3.

Sentença 6 – O Presidente Lula implantou esse programa ‘Fome Zero’ para ajudar as pessoas pobres do Brasil, porque eles passam fome e as crianças ficam desnutri-das porque não têm nada para comer.

Explicatura da sentença 6 – O presidente Lula implantou esse programa ‘Fome Ze-ro’ [Programa que tinha como objetivo erradicar a fome no Brasil] para ajudar as pessoas pobres [o povo brasileiro], porque [a causa] eles [o povo brasileiro] passam fome e as crianças [crianças brasileiras] ficam desnutridas porque[conseqüência] não têm nada [comida] para comer.

Interpretação da sentença 6 do texto 3.

S32 – O Presidente Lula ao criar o Programa Fome Zero <possivelmente> objetivava sanar a fome do povo pobre do brasil.(memória enciclopédica).

S30 – S32 então S33 (premissa implicada).

93

S33 – O Presidente Lula erradicando a fome estaria ajudando o povo brasileiro (con-clusão implicada).

S34 – O Presidente oferecendo comida aos pobres <possivelmente> eliminaria a des-nutrição (conclusão implicada).

A interpretação do estudante 3 configura-se como uma descrição dos elementos da

charge. Em primeiro lugar, o estudante se dedica a descrever a cena. Logo em seguida, ele

descreve o título.

Em função da expressão facial e do sentimento de culpa por ter assado o cachorro,

faz com que o estudante inicie a primeira sentença dizendo que a mãe [estava] assustada no

fogão. Logo em seguida, a sentença dá conta do menino e de sua decisão de querer jogar os

ossinhos para o cachorro. Na sentença dois, o estudante infere o dilema da mãe, explicitando a

que ela “não sabe como contar ao menino que o cachorro está sendo servido no almoço”. O

estudante, então, com base no input visual não verbal das características físicas do menino e

do input verbal “Fazia tempo que não comia carne”, gera a conclusão implicada de que “o

menino está desnutrido”. Na sentença 4, explicita-se a pobreza da família e o argumento da

desnutrição atinge tons mais dramáticos “está em último grau de desnutrição”.

Na sentença 5, a atenção toda se volta ao título da charge. Segundo o estudante, o

Programa “Fome Zero” foi implantado pelo governo Lula (da memória enciclopédica) para

que “as pessoas pobres talvez parem de passar fome”. A correlação entre o Programa e a fa-

mília retratada na cena fica implícita: algo como “as pessoas pobres <possivelmente> como as

do desenho, talvez parem de passar fome”.

Esse elo implícito se firma na sentença 6 pela emergência das entradas lexicais:

crianças e desnutridas. Nesse caso, a existência do Programa, evitaria a existência de crianças

desnutridas, leia-se, “<possivelmente> como a do desenho da charge”.

Essa interpretação, efetivamente, não atribui à charge a característica de critica

ao Programa, a menos que implicitamente. O produto textual atribui à charge um caráter de

94

propaganda do Programa. Restaria saber se de fato foi essa a intenção do escritor ou, de fato,

seria necessário um investimento na explicitação das várias etapas do argumento.

3.4.4 Análise da interpretação 4

O estudante 4 do grupo experimental elaborou a seguinte interpretação.

Milhões de cidadões (cidadãos) ainda têm esperanças de que esse programa funcio-ne, mas eu acredito que o ‘Fome Zero’ é apenas ilusão. No Brasil, deveríamos ter mais empregos, porque se todos trabalhassem poderiam ter o seu salário e comprar o pão de cada dia. Isto é uma grande mentira, um governo dar tantas esperanças ao seu povo. Hoje estamos todos aí, sem comida, com a mesma miséria, até pior que antes. Mas isso também depende do povo. Os cidadãos têm que irem (ir) e deixar de de-pender do nosso governo.

Veja-se os as sentenças do texto.

Sentença 1 – Milhões de cidadões (cidadãos) ainda têm esperanças de que esse pro-grama funcione, mas eu acredito que o ‘Fome Zero’ é apenas ilusão.

Explicatura da sentença 1 – Milhões de cidadões (cidadãos) [das pessoas/do povo brasileiro] ainda têm esperanças de que esse programa [O Fome Zero] funcione, mas eu [o aluno] acredito que o ‘Fome Zero’ é apenas ilusão.

Interpretação da sentença 1 do texto 4.

S1 – Milhões de cidadãos ainda têm esperanças de que o Programa Fome Zero fun-cione (da memória enciclopédica).

S2 – S1 e S3 (premissa implicada).

S3 – Há pessoas que não têm esperanças de que o Programa Fome Zero funcione (conclusão implicada).

S4 – Se S3, então S5 (premissa implicada).

S5 – Essas pessoas acreditam que o Programa Fome Zero é uma ilusão.

S6 – Eu acredito que o Programa Fome Zero é uma ilusão.

Sentença 2 do texto 4.

Sentença 2 – No Brasil, deveríamos ter mais empregos, porque se todos trabalhas-sem poderiam ter o seu salário e comprar o pão de cada dia.

95

Explicatura da sentença 2 – No Brasil, [nós] deveríamos ter mais empregos, por-que se todos [o povo brasileiro] trabalhassem [todos/o povo brasileiro] poderiam ter o seu [de todos/do povo brasileiro] salário e comprar o pão de cada dia [comida].

Interpretação da sentença 2 do texto 4.

S7 – Nós deveríamos ter mais empregos no Brasil (conclusão implicada).

S8 – Se S7, então S9 (premissa implicada).

S9 – Todos os brasileiros poderiam ter seu salário.

S10 – Se S9, então S11 (premissa implicada).

S11 – Todos os brasileiros poderiam comprar o pão de cada dia (conclusão im-plicada).

Sentença 3 do texto 4.

Sentença 3 – Isto é uma grande mentira, um governo dar tantas esperanças ao seu povo.

Explicatura da sentença 3 – Isto [O ‘Fome Zero’] é uma grande mentira, um go-verno [o do Presidente Lula] dar tantas esperanças [oferecer alternativas para matar a fome] ao seu povo [o povo brasileiro].

Interpretação da sentença 3 do texto 4.

S13 – O governo quer acabar com a fome com o Programa Fome Zero (da memória enciclopédica).

S14 – O Programa Fome Zero não dá emprego aos brasileiros (da memória enciclo-pédica).

S15 – Para acabar com a fome o governo deve gerar empregos para os brasileiros (conclusão implicada).

S16 – Se S14 e S15, então S17 (premissa implicada).

S17 – O Programa Fome Zero é uma mentira porque dá tantas esperanças ao povo brasileiro (conclusão implicada).

Sentença 4 do texto 4.

Sentença 4 – Hoje estamos todos aí, sem comida, com a mesma miséria, até pior que antes.

Explicatura da sentença 4 – Hoje [no momento atual] [nós] estamos aí, [no Brasil] sem comida, com a mesma miséria [de antes do Programa “Fome Zero”], até pior que antes [do Programa “Fome Zero”].

Interpretação da sentença 4 do texto 4.

S18 – O Programa Fome Zero é uma mentira porque dá tantas esperanças ao povo brasileiro (conclusão implicada).

96

S19 – Se S18, então S20 (premissa implicada).

S21 – Hoje estamos todos aí, sem comida, com a mesma miséria, até pior que an-tes (conclusão implicada).

Sentença 5 do texto 4.

Sentença 5 – Mas isso também depende do povo.

Explicatura da sentença 5 – Mas isso [a solução da erradicação da fome] também depende do povo.

Sentença 6 do texto 4.

Sentença 6 – Os cidadãos têm que irem (ir) e deixar de depender do nosso governo

Explicatura da sentença 6 – Os cidadãos [o povo brasileiro] tem que irem [ir] [o povo deve lutar por emprego em busca do pão] e deixar de depender do nosso go-verno.

Interpretação das sentenças: 5 e 6 do texto 4.

S22 – A erradicação da fome depende também do povo (da memória enciclopédi-ca).

S23 – Se S22 então S24 (premissa implicada).

S24 – os cidadãos tem que lutar pelo emprego e pela comida e os cidadãos tem de deixar de depender do nosso governo (da memória enciclopédica).

O estudante 4 conduz seus argumentos a partir de uma implicatura da charge, ou

seja, tendo em vista a esperança de um número infinito de brasileiros em relação a eficácia do

Programa ‘Fome Zero’, o estudante postula que esta proposta é uma mentira (impossível de se

realizar por ser apenas uma ilusão). Então, sugere ao governo uma política de emprego, que

supriria as necessidades das pessoas (trabalhar, ganhar e sobreviver). Todavia, mostra-se in-

dignado (decepcionado) com a proposta do “Fome Zero” que não passa de uma ilusão (ser

desonesto com o povo brasileiro), mas ressalta que a classe menos favorecida está mais pobre

do que antes da implantação do Programa. Finaliza, sugerindo que as pessoas lutem pelo seu

emprego, o qual lhe proporcionará sobrevivência. Sendo independente não precisa se iludir

com promessas sacanas como: “acabar com a fome”.

Basicamente, pode-se inferir a seguinte linha de raciocínio.

97

S1 – Há milhares de pessoas neste Brasil que acreditam no Programa Fome Zero, embora o aluno argumenta que ele particularmente não acredita nesta mentira.

S2 – O aluno afirma que o brasileiro está cada dia mais pobre e que a geração de empregos resolve o problema da fome.

[porque] S3 – O aluno mostra-se decepcionado com a proposta ilusória.

[portanto] S4 – O aluno afirma que os pobres estão cada dia mais pobres.

S5 – O. O aluno ordena que o povo vá a luta pelo seu emprego.

[mas] S6 – Tendo emprego torna-se independente.

3.4.5 Análise da interpretação 5

O estudante 5 do Grupo Experimental elaborou a seguinte interpretação.

O presidente Lula não ajudou os miseráveis com esse argumento que ele usou para se eleger. Ele não irá conseguir combater a fome entregando cestas básicas e depois abandonar achando que aquelas cestas vão sustentar as pessoas pelo resto de suas vidas, só se ele for mágico para realizar essa proeza. O ‘Fome Zero’ é um mito, tal-vez funcione, mas vai demorar um tempão. Até lá quantas pessoas terá (terão) que morrer por causa da fome?

Veja-se as sentenças do texto.

Sentença 1 – O presidente Lula não ajudou os miseráveis com esse argumento que ele usou para se eleger.

Explicatura da sentença 1 – O presidente Lula não ajudou os miseráveis [do Bra-sil] com esse argumento [do combate à forme/do Fome Zero] que ele [Presidente Lula] usou para se [Presidente Lula] eleger [Presidente da República].

Interpretação da sentença 1 do texto 5.

S1 – Houve uma eleição (da memória enciclopédica).

S2 – O presidente Lula foi eleito (da memória enciclopédica).

S3 – O presidente Lula usou o Programa Fome Zero na Campanha para se eleger (da memória enciclopédica).

S4 – Se S3, então S5 (premissa implicada).

S5 – O Programa Fome Zero foi um argumento da Campanha de Lula para a Presidência (conclusão implicada).

S6 – O Presidente Lula não ajudou os miseráveis com o Programa Fome Zero (da memória enciclopédica).

98

S7 – Se S5 e S6, então S8 (premissa implicada).

S8 – O Programa Fome Zero <possivelmente> foi uma promessa eleitoral (conclusão implicada).

Sentença 2 do texto 5.

Sentença 2 – Ele não irá conseguir combater a fome entregando cestas básicas e de-pois abandonar achando que aquelas cestas vão sustentar as pessoas pelo resto de suas vidas, só se ele for mágico para realizar essa proeza.

Explicatura da sentença 2 – Ele [Presidente Lula] não irá conseguir combater a fome [do povo brasileiro] ∅ [Presidente Lula] entregando cestas básicas e [então] depois abandonar [o povo brasileiro] ∅ [Presidente Lula] achando que aquelas ces-tas [básicas] vão sustentar as pessoas [o povo brasileiro] pelo resto de suas [das pes-soas/do povo brasileiro] vidas, só se ele [Presidente Lula] for mágico para realizar essa proeza [das cestas básicas sustentarem o povo pelo resto das suas vidas].

Interpretação da sentença 2 do texto 5.

S9 – O Presidente Lula [Programa Fome Zero] combate a fome entregando ces-tas básicas (da memória enciclopédica).

S10 – O Presidente Lula [Programa Fome Zero] abandona o povo depois de en-tregar cestas básicas (da memória enciclopédica).

S11 – Se S9 e S10, então S12 (premissa implicada).

S12 – O Presidente Lula [Programa Fome Zero] não irá conseguir combater a fome do povo brasileiro (conclusão implicada).

S13 – O Presidente Lula [Programa Fome Zero] acha que as cestas entregues ao povo brasileiro vão sustentar o povo brasileiro pelo resto de suas vidas (da me-mória enciclopédica).

S14 – As cestas entregues ao povo brasileiro vão sustentar o povo brasileiro pelo resto de suas vidas só se o Presidente Lula [Programa Fome Zero] for mágico para realizar essa proeza (da memória enciclopédica).

Sentença 3 do texto 5.

Sentença 3 – O ‘Fome Zero’ é um mito, talvez funcione, mas vai demorar um tem-pão.

Explicatura da sentença 3 – O ‘Fome Zero’ é um mito, talvez [O ‘Fome Zero’] funcione, mas [O ‘Fome Zero’] vai demorar um tempão [para funcionar].

Interpretação da sentença 3 do texto 5.

S15 – Se S13, então S16 (premissa implicada).

S16 – O Programa Fome Zero é um mito (conclusão implicada).

S17 – O Programa Fome Zero é um mito a curto prazo (da memória enciclopédica).

S18 – Se S17, então S19 (premissa implicada).

99

S19 – O Programa Fome Zero talvez funcione se demorar um tempão (conclusão implicada).

Sentença 4 do texto 5.

Sentença 4 – Até lá quantas pessoas terá (terão) que morrer por causa da fome?

Explicatura da sentença 4 – Até lá [O ‘Fome Zero’ funcionar] quantas pessoas [do povo brasileiro] terá (terão) que morrer por causa da fome?

Interpretação da sentença 4 do texto 5.

S20 – Muitas pessoas morrerão de fome antes que o Programa Fome Zero funcione (da memória enciclopédica).

O estudante 5 conduz seus argumentos a partir da conclusão implicada de que o

Programa ‘Fome Zero’ não funciona. O estudante acusa o Presidente Lula de usar o Programa

para se eleger. Pode-se implicar que o Programa foi usado para fins eleitorais, é uma fraude, e

que foi instrumento para o Presidente Lula iludir o povo. O estudante afirma que o Programa

se resume à distribuição de cestas básicas. Todavia, abre a possibilidade de que ele venha a

funcionar (quem sabe em outros termos), mas ressalta que muitos podem morrer nesse ínterim

(quem sabe comendo seus cachorros antes).

Basicamente, pode-se inferir a seguinte linha de raciocínio.

S1 – O Programa Fome Zero elegeu o Presidente Lula.

S1 – O Programa Fome Zero do Governo Lula não ajuda os miseráveis.

[porque] S1 – O Programa Fome Zero se resume à distribuição de cestas básicas.

[portanto] S1 – O Programa Fome Zero é um mito.

S1 – O Programa Fome talvez funcione no longo prazo.

[mas] S1 – Muitas pessoas vão morrer antes que o Programa Fome Zero funcione.

100

4 CONCLUSÕES

A presente dissertação teve como objetivo geral: analisar, por meio da Teoria da

Relevância, a influência do título na interpretação da charge intitulada “Fome Zero” por alu-

nos da 8ª série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri, do Mu-

nicípio de Içara, SC.

Do ponto de vista operacional, formaram-se dois grupos de cinco estudantes: o

Grupo Experimental e o Grupo de Controle. O Grupo Experimental recebeu a charge com o

título e o Grupo de Controle recebeu a charge sem o título. Na parte inferior do formulário foi

destinado um espaço de dez linhas para a elaboração das interpretações. A tarefa foi realizada

no dia 21 de junho de 2004, no período matutino, às 7h 45min, sendo destinado para sua exe-

cução o equivalente a 1 hora/aula.

O texto base foi a charge intitulada: “Fome Zero”. De autoria de Rinaldo, essa

charge foi publicada na Revista Bundas de agosto de 2003. A peça comunicativa em destaque

configura-se como uma opinião crítica sobre o Programa. A presença do Título “Fome Zero”,

qualificando a peça como charge, por relacioná-la uma situação real específica, em tese, per-

mite que o leitor construa o sentido influenciado pela interpretação que se faz de um fato noti-

ciado (os baixos índices de erradicação da fome atingidos pelo Programa Fome Zero, por

exemplo). Assim, sua interpretação supostamente deve ser dependente da situação a que a

101

peça faz alusão. Retirado o título, a peça comunicativa é interpretada em sua configuração de

cartum, ou seja, ela não está vinculada a um dado acontecimento, visto que, nessas circuns-

tâncias, passa a abordar uma situação genérica e já conhecida do leitor/ouvinte (a miséria a

que estão relegados milhares de brasileiros). Logo, supõe-se que o título “Fome Zero” deva

constituir-se como um “divisor de águas”.

Coletados os dados, as interpretações foram transcritas e divididas em sentenças

que, por sua vez, foram enumeradas. Com base nesse corpus foram aplicados os conceitos de

forma lógica, explicatura e implicatura na tentativa de explicar os processos de inferência

necessários para a elaboração dos textos. Para dar conta da análise dos dados, foram estabele-

cidos os seguintes procedimentos: a) depreensão das suposições derivadas do input lingüístico

e do input não-lingüístico da charge; b) depreensão das suposições derivadas do input lingüís-

tico das interpretações do Grupo Experimental e do Grupo de Controle; c) comparação das

suposições derivadas do input lingüístico e não-lingüístico da charge e das suposições deriva-

das do input lingüístico das interpretações do Grupo Experimental e do Grupo de Controle; e

d) avaliação da influência do título da charge nas suposições derivadas do input lingüístico

das interpretações do Grupo Experimental e do Grupo de Controle.

Salvaguardando-se que as conclusões de um estudo de casos, como o que se apre-

senta aqui, possuem caráter exploratório e que a generalização dos resultados só se pode ad-

mitir do ponto de vista naturalístico (RAUEN, 2002), os resultados da pesquisa podem afian-

çar as seguintes considerações.

A hipótese operacional de que

os conceitos de forma lógica, explicatura e implicatura, com base na teoria da Rele-

vância de Sperber e Wilson (1986, 1995) permitem uma descrição empírica e uma

explicação adequada da influência das implicaturas na elaboração de interpertações

102

de charges/cartuns por parte dos alunos da 8ª série do ensino fundamental da Escola

Básica Municipal Quintino Rizzieri, do Município de Içara, SC.

foi corroborada pelos dados, uma vez que foi possível descrever e explicar: a) como os estu-

dantes consideraram os inputs verbais e não-verbais da charge, contextualizando-os com seu

conhecimento enciclopédico; b) como os estudantes, com base na contextualização acima

aludida, derivaram <possíveis> implicaturas; e c) como os estudantes, com base em muitas

das <possíveis> implicaturas, conduziram seus argumentos.

A hipótese de trabalho de que

o título exerceria influência na interpretação, uma vez que se constituiria estímulo ostensivo suficientemente explícito para modalizar os enunciados do Grupo Experi-mental

foi igualmente corroborada de modo categórico. Nenhuma interpretação do grupo de controle

fez alusão ao Programa Fome Zero e todas as interpretações do grupo experimental foram

diretamente influenciadas pelo título da charge.

Isso sugere que, embora as críticas ao Programa fossem recorrentes na época do

experimento, a charge desprovida de seu título não foi suficiente para conectar o conteúdo

proposicional dos inputs verbais e não verbais de sua face de cartum com um assunto polêmi-

co da realidade do aluno.

Decorrem desses resultados, pelo menos, duas reflexões. No que se refere aos es-

tudos de gênero, vale constatar se os docentes reconhecem a distinção cartum/charge quando

trabalham com esses dois gêneros. No que se refere à ação pedagógica, cabe verificar se os

docentes percebem a importância do estímulo ostensivo de vínculo dos inputs verbais e não

verbais da charge com a notícia.

103

Intuitivamente, no suporte (jornal, revista, etc), o vínculo pode se dar interna ou

externamente ao espaço da charge propriamente dita. Será interno quando o vínculo ocorrer

pelo título da charge ou no próprio input verbal ou não-verbal. Será externo, quando o contex-

to de notícias que está próximo da charge for suficientemente ostensivo para estabelecer a

relação. O material destacado pelo docente para o trabalho em sala de aula, nos casos de vín-

culo externo, pode romper com o elo da charge com a notícia e convertê-la em cartum. Nesse

caso, corre-se o risco de se exigir do estudante que este conecte suposições sem o devido su-

porte de estímulos ostensivos adequados. Cabe, então, ao docente, fazer essa mediação se essa

for a sua meta.

As interpretações do grupo de controle foram suficientemente esclarecedoras nes-

se sentido. Não se pode inputar a nenhuma delas caráter de inadequação, a não ser que se exi-

gisse dos alunos a vinculação despropositada do vínculo do cartum com o Programa Fome

Zero, uma vez que esse vínculo não se faz presente no estímulo ostensivo.

Seja qual for o grupo onde as interpretações se encontrem, os resultados também

foram categóricos no sentido de explicitar que as interpretações da charge/cartum foram pre-

ponderantemente construídas a partir da combinação de suposições derivadas do input verbal

e não verbal com o conhecimento enciclopédico dos estudantes. Não cabe, igualmente, falar

de interpretações equivocadas.

Todavia, as interpretações precisam ser analisadas sobre um aspecto recorrente. A

dificuldade do estudante em explicitar o conteúdo proposicional de seu pensamento. A obten-

ção de coerência de muitas das interpretações só se admite em função do preenchimento das

premissas ocultas.

Conforme a Presunção de relevância ótima, um estímulo ostensivo (enunciados da

interpretação, por exemplo) deve ser: a) ao menos relevante o suficiente para merecer o

104

esforço de processamento do ouvinte; e, b) o mais relevante compatível com as habilidades de

preferências do falante. Desse modo, o docente, ao avaliar a interpretação de seu estudante,

segue, como qualquer intérprete, um procedimento de compreensão guiado pela relevância, de

modo a seguir um caminho de menor esforço na computação de efeitos cognitivos, a relem-

brar: a) considerando interpretações em ordem de acessibilidade; e, b) parando quando sua

expectativa de relevância é satisfeita. Como prediz a presunção e o procedimento: a) a primei-

ra interpretação satisfatória será a única interpretação satisfatória; e, b) o esforço adicional de

processamento será compensado por efeitos adicionais (ou diferentes).

Desse modo, se os estudantes deixam implícitos vários elementos de sua argu-

mentação, exigem do receptor um acréscimo de esforço cognitivo que, presumivelmente, seria

compensado por ganhos cognitivos. Não parece ser isso, no entanto, o que acontece nas inter-

pretações, mas sobretudo um problema de competência textual, de modo que ainda não é sufi-

cientemente estabelecido no estudante a percepção da necessidade de fornecer ao leitor mais

explicitamente as pistas para a depreensão do significado do escritor. Em outras palavras, vis-

to que é necessário completar as premissas que dão suporte aos argumentos, o estudante ainda

não percebe que o texto escrito exige a formulação de estímulos verbais mais completos, ou

ainda, formas lingüísticas mais próximas das formas lógicas proposicionais.

Como se trata de textos de estudantes da 8a série do ensino médio, é uma questão

que não pode ser negligenciada, seja porque demonstra uma deficiência no trato do texto es-

crito que perseguirá para o resto da vida profissional.

105

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ANEXO A – CÓPIAS DAS INTERPRETAÇÕES

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Este trabalho foi digitado conforme o Modelo: “Dissertação”

do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL

desenvolvido pelo Prof. Dr. Fábio José Rauen.