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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
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Título: Luta, terra e um sonho revolucionário no norte do Paraná:
Guerra de Porecatu
Autor: Marli de Marco
Disciplina/Área:
(ingresso no PDE)
História
Escola de Implementação do Projeto e sua localização:
Escolas municipais e estaduais do município de Astorga
Município da escola: Astorga
Núcleo Regional de Educação: Maringá
Professor Orientador: Angelo Aparecido Priori
Instituição de Ensino Superior: Universidade Estadual de Maringá
Relação Interdisciplinar:
Nehuma
Resumo:
Procurando analisar as ações legais tomadas
pelos órgãos repressores estaduais e
nacionais, diante da presença do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), na Guerra de
Porecatu, pretendemos contribuir com o
ensino de História do Paraná, cujos
conteúdos passaram a ser obrigatórios no
Ensino Fundamental e Médio da Rede
Pública Estadual de Ensino com a Lei n
13.381, de 18 de Dezembro de 2002,
promulgada pelo Governo Estadual. Apesar
dos avanços bibliográficos sobre a questão
aqui levantada, estes ficam restritos ao meio
acadêmico e dessa forma, os livros didáticos
ainda não contemplam a questão, assim
pretendemos fazer esta “ponte” entre as
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produções acadêmicas e a sala de aula;
contribuindo para que os alunos possam
conhecer a História da região em que moram
e principalmente perceber que homens
simples do povo lutaram e morreram pela
posse da terra e principalmente que membros
do PCB cogitavam a ideia de que este levante
seria o ápice de outros movimentos
populares que conduziriam o Brasil a uma
revolução socialista. O trabalho será
desenvolvido com professores do ensino
Fundamental e Médio do município de
Astorga, através de um grupo de estudos,
objetivando proporcionar um repensar sobre
este acontecimento que não é abordado com
afinco pelos livros didáticos. Como também
divulgar as pesquisas realizadas nas
Universidades, que muitas vezes não são
contempladas pelos professores da rede
municipal e estadual em virtude do uso do
livro didático como único referencial teórico.
Palavras-chave:
Terra. Luta. Partido Comunista Brasileiro. Escola.Universidade.
Formato do Material Didático: Unidade Temática
Público:
Professores do Ensino Fundamental e Médio
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APRESENTAÇÃO
Na década de 80 houve uma valorização da História Local e Regional
como especialidade da ciência histórica, ocasionando uma nova perspectiva
para o ensino de História, no qual há uma aproximação com o objeto de estudo
e valorização da historicidade de pessoas comuns antes relegadas pela
historiografia tradicional.
Dessa forma, a abordagem da História Local é diferente da tradicional,
que ao ser apresentada nos livros didáticos de forma pronta e acabada, torna o
educando um ser passivo diante do saber e distante do processo histórico. Ao
propor um estudo regional o professor está trazendo à tona acontecimentos,
personagens e lugares comuns ao estudante, e por conseguinte possibilitando
sua aproximação com a disciplina e principalmente fazendo com que perceba a
relação dialética entre passado e presente.
Diante dessas considerações um dos problemas que se destaca com
relação ao tema elencado para o desenvolvimento do Projeto de Intervenção
Pedagógica é a falta de conhecimento sobre a temática por grande parte dos
professores da rede, principalmente no que se refere a participação do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) na Guerra de Porecatu.
Nessa perspectiva, surgiu o interesse em abordar a temática, mas
principalmente a questão da atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
porque este fato conferiu ao movimento um novo caráter que extrapolava a
simples luta pela posse da terra mas sim uma luta que poderia instaurar o
comunismo no Brasil.Este novo caráter fez com que não somente os órgãos
públicos estaduais se dedicassem a por fim na guerra mas também os
nacionais, o que conferiu um novo rumo no tratamento dado aos sublevados.
Estes fatos que desejamos trazer a tona para os professores do
município de Astorga, a fim de aproximarmos os mesmos das pesquisas
realizadas nos centros acadêmicos e que demoram a ser contempladas pelos
livros didáticos.
Nesse contexto é que se situa esta produção didático-pedagógica que
se caracteriza como uma Unidade Didática, direcionada aos professores da
Educação Básica do município de Astorga. A produção intitula-se Luta, terra e
um sonho revolucionário no norte do Paraná: Guerra de Porecatu, será
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desenvolvida durante o primeiro semestre do ano letivo de 2013, tendo como
objetivo contribuir para que a produção historiográfica dos centros acadêmicos,
sobre a Guerra de Porecatu e a atuação do PCB, se torne um material didático
utilizável em sala de aula.
O referencial teórico utilizado para a abordagem serão os textos de
Ângelo Priori que se dedicou ao estudo do tema em seu mestrado e doutorado
e já produziu livros e uma série de artigos tratando da temática; além de
autores que tratam da questão da relevância em se estudar a História Regional
e Local.
Vale ressaltar que os artigos utilizados no decorrer da Produção
Didática tiveram a autorização dos referidos autores, e que as atividades foram
elaboradas tendo como base os mesmos para promover o debate e
aprofundamento das questões apresentadas nos artigos.
O trabalho foi organizado em quatro etapas sendo que na primeira o
textos são voltados a proporcionar um debate sobre a relevância dos estudos
da Historia Local ou Regional ao ensino de História a fim de fundamentar
teoricamente o trabalho com a temática Guerra de Porecatu. Em seguida, será
abordado um texto sobre o impacto da Lei de Terras de 1850, na política
agrária do Brasil e especificamente Paraná.
Na segunda etapa o objetivo é trabalhar com textos que demonstre aos
professores as origens dos conflitos entre posseiros e grileiros na região de
Porecatu, para tanto serão apresentadas a formação da Ligas Camponesas e a
atuação do PCB atentando para o fato de sua participação conferiu a revolta
uma nova perspectiva, em que os posseiros deixam de ser vislumbrados como
vítimas e se tornam inimigos da pátria.
Na terceira etapa o conflito é descrito através da reconstrução
minuciosa de Priori (2010), para que os professores possam reconstruir
mentalmente como se deram as batalhas e as atrocidades ocorridas pela
posse da terra na região norte do Paraná. Como também é apresentado um
texto sobre Capitão Carlos, um membro comunista que ao ser preso delata
seus parceiros e corrobora para a suplantação da revolta.
Por fim, os professores após terem acesso ao conteúdo sob novas
premissas teóricas que ultrapassam o livro didáticos, os mesmos serão
divididos me equipes e serão incumbidos de criarem atividades com base no
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referencial trabalhado, e num segundo momento organizarão um arquivo digital
para que possam ter subsídios teóricos para sua prática pedagógica com a
temática e outras de forma que não se restrinjam ao livro didático.
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1º ENCONTRO:
OBJETIVO:
*Perceber a relevância do estudo da História Regional e Local a fim de que
possam repensar sua prática pedagógica que por ser centrada muitas vezes no
livro didático, é eurocêntrica, e não promove uma aproximação com os alunos.
*Relacionar as políticas públicas agrárias elaboradas no Paraná no século XIX
e XX com a Lei de Terras de 1850, a fim de que se possa compreender as
origens de posseiros e grileiros e os atritos pela posse da terra que vão
deflagrar.
METODOLOGIA: Para explorar a temática será utilizado um texto que será
disponibilizado com antecedência para os participantes do grupo de estudo,
para que no momento em que for aprofundado o debate possa fluir. Após a
discussão do texto os participantes serão divididos em equipes para a
realização das atividades propostas.
RECURSOS DIDÁTICOS: Data show, computador, texto xerocado, quadro,
giz.
DURAÇÃO: 8 horas
LOCAL: Colégio Estadual Egídio Ballarotti- EFM.
REPENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A IMPORTÂNCIA DA HISTORIA
REGIONAL OU LOCAL
A História Tradicional ao enfatizar a história nacional ou internacional,
proporciona, segundo BurKe (1992), uma História apenas dos vencedores,
ficando os vencidos numa perspectiva submissa, sem voz nesta historiografia.
A História Local e Regional contribui para uma visão da história “vista de
baixo”, na medida em que considera mais seriamente as opiniões e
experiências de pessoas comuns, permitindo aos indivíduos tornarem-se
partícipes das mudanças sociais. Sharpe (1992, p.62), nesse sentido, afirma
que “a história vista de baixo ajuda a convencer aqueles de nós nascidos sem
colheres de prata em nossas bocas, de que temos um passado, de que viemos
de algum lugar”. Na perspectiva de Barros (2004):
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(...) de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial). (BARROS, 2004, p. 153)
Dessa forma, a História Local e Regional possibilita um avanço nas
discussões históricas que ultrapassam a visão de que só existe um tipo de
conhecimento histórico universalizado em temas de História Geral e do Brasil,
muitas vezes sem significado para os alunos. Sob esse aspecto, Fonseca
(2003) argumenta que:
O estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da história (como os movimentos sociais, a ação do estado, as atividades econômicas, a identidade cultural, etc) a partir do ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, o regional lida com as diferenças...(FONSECA,2003,p.22)
Evidentemente, a História Regional e Local não pode ser desvinculada
de um contexto mais amplo de região, é necessário fazer uma relação com o
cenário nacional, mas isso não significa estabelecer escalas de valores entre
um tema e o outro, o fundamental é percebermos as relações histórica na mais
pura especificidade, como bem esclarece Neves (2002):
O estudo do regional, ao focalizar o peculiar, redimensionaria a análise do nacional, que ressalta as identidades e semelhanças, enquanto o conhecimento do regional e do local insistira na diferença e diversidade, focalizando o indivíduo no seu meio sócio-cultural, político e geo-ambiental, na interação com os grupos sociais em todas as extensões, alcançando vencidos e vencedores, dominados, conectando o individual com o social. (Neves, 2002, p. 89)
Nestes termos, os trabalhos regionais são justificados porque os estudos
nacionais ressaltam as semelhanças e a regional trabalha com as diferenças.
Possibilitam abordar aspectos que não seriam percebidos no contexto mai
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ATIVIDADES
Responda:
1) A partir da leitura do texto acima reflita sobre a relevância que a História
Regional ou Local tem na formação dos alunos e elabore um quadro
comparativo demonstrando os aspectos positivos e negativos que a mesma
apresenta no cotidiano de sala de aula.
2) A temática a ser abordada refere-se a Guerra de Porecatu, partindo da sua
prática pedagógica e do seu conhecimento teórico descreva este fato histórico.
3)
DEBATE:
Qual a relação da renovação historiográfica
no século XX, fruto do movimento dos Annales,
e as novas possibilidades historiográficas?
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GUERRA DE PORECATU: DIFERENTES PERSPECTIVAS
A delimitação do tema para o estudo que se apresenta decorre do fato
da conversa informal com alguns professores da rede municipal e estadual e a
falta de conhecimento por parte dos mesmos da participação do Partido
Comunista Brasileiro no movimento intitulado Guerra de Porecatu, isto
demonstra que as pesquisas nos centros acadêmicos que demonstram a
participação efetiva do PCB não chegou aos professores da rede, abaixo
algumas das conceituações dadas:
“A Guerra de Porecatu aconteceu no norte do Paraná pela posse da terra, mas
os grileiros venceram porque tinham mais dinheiro que os posseiros, que
tiveram que sair das terras, em alguns casos houve indenização.”
Z.M. professora da Escola Minicipal Monsenhor Celso
“ Não sei nada sobre este tema, ocorreu uma revolta aqui em
Porecatu, nossa que legal, de guerra que aconteceu no Brasil eu só me lembro
da Revolução Farroupilha, por causa do livro “O tempo e o Vento””.....
A.P.S. professora da Escola Municipal Amábile Tonetto Pozzobom
“ Foi uma luta entre homens que entravam na terra do governo e plantavam,
construíam casas e criavam animais mas não tinham escrituras, e homens que
recebiam terras do governo para colonizar a região, construindo cidades e
estradas.”
V.F. professora do Colégio estadual Serafim França
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“ Eu acho que você esta enganada esta Guerra não aconteceu, moro
aqui a tanto tempo e nunca ninguém falou nada disso, se realmente tivesse
ocorrido eu saberia”
A.G.P professora do Colégio Estadual Adolpho de Oliveira
Franco
Contata-se que as conceituações variam entre uma perspectiva
tradicional que relata apenas a luta de terras entre posseiros e grileiros ou a
falta de conhecimento desse fato histórico relevante da história Local da região
em que vivemos. Este fato despertou-nos atenção e como já foi mencionado
acima fez com que nos interessássemos pelo tema a fim de divulgar as
pesquisas sobre a temática realizadas nos centros acadêmicos tendo como
principal expoente o professor doutor Ângelo Priori.
A historiografia tradicional presente nos livros didáticos não trazem as
novas perspectivas sobre a Guerra de Porecatu, sendo esta brevemente
apresentada em um ou dois parágrafos, como exemplo pode-se citar a
descrição do jornalista Anderson Gonçalves, do jornal Gazeta do Povo:
Guerra do Porecatu ocorreu no Vale do Rio Paranapanema entre o fim da década de 1940 e início da de 50. Posseiros que ocupavam a região da Vila Progresso, no então município de Porecatu, se revoltaram quando o governo começou a distribuir documentos das terras a grandes fazendeiros e resistiram aos mandados de reintegração de posse. Com muitos mortos, o conflito foi encerrado em 1951 após ação policial. FONTE:http://www.historia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=400
Objetiva-se, portanto, apresentar alguns trabalhos desenvolvidos aos
professores da rede estadual e municipal a fim de que uma nova visão seja
construída sobre a temática e os textos utilizados possam se configurar em
materiais didáticos a serem incorporados na prática pedagógica dos mesmos.
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Posto isto, para que a discussão se inicie necessário se faz
compreender o impacto que a Lei de Terras de 1850 provocou na posse de
terra no Brasil e sua relação com a Guerra de Porecatu. Os textos a seguir
serão adaptações do livro “ O levante dos posseiros: a revolta camponesa de
Porecatu e a ação do Partido Comunista Brasileiro no campo” de autoria de
Ângelo Priori e artigos de pesquisadores que abordam a temática.
TEXTO 1:
LEI DE TERRAS, NOVOS RUMOS NA POLÍTICA AGRÁRIA
Devido a grande confusão que existia em matéria de título de propriedade, em
1850, estabeleceu a Lei de Terras que modificou a forma de relação entre Estado e
os proprietários, fato este que se tornou relevante no processo de consolidação do
Estado nacional. A referida lei estabelecia:
Art. 1º. Ficam proibidas as aquisições das terras devolutas por outro título que não seja o de compra. E situam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em zonas de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente. art. 2º proíbe-se a invasão de terras públicas e particulares, as queimadas, e estabelece penalidades para quem o fizer. Art. 3º. São terras devolutas: §1º - as que não se acharem aplicadas a algum caso público nacional provincial ou municipal. §2º - as que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em com isso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. §3º - As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta lei. §4º - As que não se acharem ocupadas por posse que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta lei.
A principal conseqüência social da lei de terras de 1850 foi a de manter os
pobres e os negros afastados das propriedades de terra devido a impossibilidade
destes pagarem pelo título de compra das terras. Por outro lado legalizou como
propriedade privada as grandes extensões de terra na forma de latifúndio. De que
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maneira isto aconteceu? Todos os antigos concessionários da coroa, a partir da
vigência da nova lei apresaram-se em chegar aos cartórios ou as casas paroquiais
que mantinham registros, e pagando certa quantia legalizavam suas posses.
Nessa perspectiva, a partir da aprovação da Lei de Terras de 1850 a posse da
propriedade deveria ocorrer mediante a compra, no entanto, as pessoas que haviam
ocupado terras devolutas do Estado fixando moradia e com algum tipo de cultura
tinham garantida a sua posse, porém deveriam procurar um cartório para
providenciar a escritura.
De acordo com a Lei de Terras de 1850, portanto, quem não tivesse uma
propriedade produtiva nas denominadas terras devolutas não teriam o direito de
posse e teriam que abandoná-las e as mesmas retornariam ao Estado. Assim,
conclui-se que a posse poderia ser mediante a compra mas também havia a
exceção pois aqueles que haviam fixado moradia e promovido um cultivo também
recebia a posse pelas melhorias efetivadas na localidade.
Porém, os grandes proprietários que ocupavam terras que assim se
enquadravam não as entregavam de forma pacífica, fizeram uso do poder local, da
propina e dos conchavos políticos para manter e também para aumentar o tamanho
de seus domínios territoriais.
Quanto às posses irregulares a lei teve que remediar. A lei previa que
sesmeiros irregulares e posseiros se transformariam em proprietários de pleno
direito de uso, mas não de venda da terra. Todavia, através do seu poder de
influência na sociedade esses proprietários obtiveram a efetivação de suas
propriedades, ou seja, sesmeiros e posseiros com registros irregulares de posse
procuravam auxílio dos grandes latifundiários para legitimar as suas propriedades.
Com isso criou-se uma situação de subordinação dos posseiros aos grandes
latifundiários.
O pequeno proprietário também foi prejudicado pela cobrança de impostos
territoriais, impostos que foram criados para reforçar os recursos do Estado imperial
e para desestimular os grandes latifúndios improdutivos. Na prática isto nunca
funcionou, pois os grandes proprietários nunca pagaram seus reais encargos
públicos, pois durante a história sempre estiveram intimamente ligados ao poder
estatal. Observa-se pelo exposto, que a lei acabou servindo para legalizar o
latifúndio improdutivo não atingindo um de seus objetivos básicos, a demarcação
das terras devolutas.
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Isso aconteceu por dois motivos: primeiro porque deixou a cargo dos
ocupantes das terras a iniciativa do processo de delimitação e demarcação, o que
facilitou muito a mobilidade das cercas e o conseqüente aumento do tamanho da
área ocupada. Somente após os particulares declararem ao Estado a medição e
demarcação das terras ocupadas é que o Governo deduziria o que restara para
promover a colonização. O segundo motivo foi que a lei deixou dúvidas quanto à
proibição da posse.
(Texto adaptado com base no artigo de SANTOS, Paulo Cezar
dos. Principais elementos da concentração da riqueza e da renda no
Brasil com ênfase na distribuição da propriedade de terras. 2006.
disponível em: http://tcc.bu.ufsc.br/Economia295545. acesso em 08 de
agosto de 2013)
ATIVIDADES
Dividir a sala em quatro equipes para realização das atividades abaixo.
1) Observe a figura abaixo e responda:
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Fonte:http://www.coladaweb.com/historia-do-brasil/capitanias-hereditarias
a) Explique os motivos da Coroa portuguesa estabelecer as Capitanias
Hereditárias e quais as consequências desse sistema de posse de terra para
o Brasil?
b) Quais os motivos econômicos, sociais e políticos que corroboraram no século
XIX, para a superação do sistema de Sesmarias?
c) Com base no que foi exposto no texto quais as principais mudanças
proporcionadas pela Lei de Terras, de 1850?
d) Por que a referida lei não atingiu o objetivo de demarcar as terras devolutas?
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2)Debate
Quais as relações que podem ser estabelecidas entre a lei de
Terras de 1850, com a Guerra de Porecatu de 1948-1951?
TEXTO 2:
REFLEXOS DA LEI DE TERRAS NO PARANÁ NO SÉCULO XX
Ângelo Priori1
No século XIX, o Paraná era exclusivamente habitado na faixa litorânea e na
região dos campos gerais. Sua base econômica era o grande latifúndio produtor de
erva-mate ou gado, com forte incidência de mão de obra escrava. A Lei de Terras
num pimeiro momento não acrreta transtornos, no entanto, com a promulgação da
Constituição Federal de 1891 após a Proclamção da República (1989), há uma
modificação no controle e na organização da questão da terra, que provoca reflexos
no Paraná.
Na referida Lei em seu artigo 64 fica determinado que as terras devolutas
seriam transferidas da União para os Estados. Reflexo disso observa-se na primeira
Constituição do Estado do Paraná, 1892, no qual fica determinado que seria
responsabilidade à política de terras, excetuando-se apenas as areas necessárias
para a defesa das fronteiras, edificação de fortalezas, construções militares e
estradas de ferro nacionais.
1 Texto adaptado do primeiro capítulo do livro do mesmo autor. PRIORI, Ângelo. A guerra de Porecatu e a
atuação do PCB
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No mesmo ano o presidente do Estado Franisco Xavier da Silva, sanciona a
lei No. 68 que dispunha sobre os serviços de registro, validação, legitmação, venda,
aforamento e discriminação de terras, bem como definia os princípios básicos de
colonização de novas áreas, por empresas nacionais ou estrangeiras. E que a posse
da terra só se daria mediante a compra ou pela transmissão de seu domínio útil sob
a forma de aforamento.
De acordo com Priori (2009) surge o primeiro problema: e a legitimidade das
posses cedidas através das sesmarias ou outros tipos de concessões? A lei
Estadual No. 68 reconhecia essas posses desde que os sesmeiros ou
concessionários a revalidassem na Secretária dos Negócios de Obras Públicas e
Colonização. Para tanto, foi instituido o Regulamento No. 1ª em 1983, no qual
enfatizava a competência da Secretaria por zelar pelas terras públicas, tratar de sua
medição,divisão, demarcação, descrição, venda cobrança reserva das terras
devolutas, legitimaçao de posses, revalidação das sesmarias e outros tipos de
concessão.
No que se refere à revalidação de sesmarias e outros tipos de concessões d
eposses era necessário averiguação para verificar a existência, nas posses, de
cultura efetiva e morada habitual, porque estes teriam a preferência na aquisição
dessas terras, consagrando assim um direito sobre a terra. Este princípio fica
assegurado na Constituição Federal de 1946 em seu artigo 156, como também na
Carta Magna do Paraná em seu artigo 84.
As referidas leis estaduais proibiam a invasão de domínio alheio, inclusive as
terras devolutas do Estado, porque a partir da Lei de Terras somente com a compra
o sujeito poderia ter acesso a propriedade ficando os posseiros passíveis de despejo
com perda das benfeitorias e tendo que pagar multa.
Colonização e o papel dos colonizadores
Pela Lei No. 68 o Estado poderia alienar suas terras à aqueles que pelo
trabalho as tornassem úteis beneficiando a comunidade. Como havia a oeste e norte
uma grande faixa de terra sem ter sido povoada intencionalmente e sem recursos
para tanto, o governo paranaense repassa uma grande quantidade de terras nessa
região a empresas privadas.
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Assim, o objetivo era colonizar a região instalando núcleos coloniais,
particulares e oficiais, para incentivar as empresas a se interessarem pela
empreitada o governo concedia incentivos fiscais. O grande impulso da concessão
de terras públicas destinadas à colonização se deu a partir da publicação da Lei No,
642 de 1916, na qual visava facilitar a demarcação de lotes para quem requeressem
diretamente ao Estado.
De 1916 a 1931 há a concessão de várias terras devolutas à particulares,
principalmente na região norte na faixa formada pelos rios Paraná, Paranapanema,
Tibagi e Ivaí.
Em 1922 o Estado percebe que a colonização não estava sendo realizada
mas sim a especulação objetivando a valorização das terras, assim, são
estabelecidas normas restringindo a ação dos concessionários e propondo maior
fiscalização.
Quando Getúlio Vargas assume o poder em 1930, a situação se altera e é
instituído um interventor no Paraná de sua confiança, o gaúcho, Manoel Ribas, que
detecta inúmeras irregularidades nas concessões de glebas de terras devolutas.A
seguir um quadro elaborado por Priori (2009) para mostrar a quantidade de terras
que se encontrava em litígio nessa época.
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Mediante a suspeita e a confirmação em alguns casos de fraude, o governo
começou a anular através de decretos alguma concessões . Em 1931 é promulgado
o Decreto Estadual No. 800, que de certa forma, era o resultado de uma
transformação na política de concessão de terras a particulares e da reorganização
do Departamento de Terras, que visava colocar o Estado como o principal agente da
fiscalização, colonização e dos negócios de terras.
No entanto, a grande mudança ocorre em 1939 com a publicação da
Portaria No. 8.568 em que determina que a colonização seria de responsabilidade
do Estado. Nesse período são formadas as colônias do Içara, Jaguapitã, Centenário
do Sul, Pagu e Paranavaí entre outras.
Porém duas empresas coloniais continuaram existindo a: Companhia Norte
Melhoramentos do Paraná e a empresa do Engenheiro Francisco Gutierrez Beltrão
por serem consideradas idôneas por Manoel Ribas.
Percebe-se que o objetivo era colonizar o oeste o que demonstra que as
medidas conciliavam com os interesses políticos do governo Vargas no seu
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programa “Marcha para o oeste” que visavam diversificar e intensificar a produção
a produção agrícola do país e incrementar o povoamento das área fronteiriças e de
terras devolutas através da pequena propriedade.
ATIVIDADES
Responda:
1) Quais as mudanças introduzidas com a Constituição Republicana de 1982 e seus reflexos no Estado do Paraná?
2) Qual a relação da política varguista da “Marcha para o oeste” com a colonização do Terceiro Planalto paranaense?
3) Como passou a ser pensada a questão das terras devolutas a partir de 1939 no Paraná?
4) Elabore um quadro síntese com os principais acontecimento sobre a questão fundiária no Paraná em finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
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2º ENCONTRO:
OBJETIVO:
* Perceber a relevância que a formação de uma Liga Camponesa na região
desempenhou no conflito, para que se perceba que os partícipes do movimento
tinham objetivos sociais e estavam politicamente organizados ao contrário do que a
historiografia tradicional enfatiza.
* Conhecer os motivos que conduziram a participação do PCB na Guerra de
Porecatu e os rumos que esta participação acarretou ao movimento, a fim de que se
compreenda que outros projetos sociais coexistiam no Brasil, mas que não
obtiveram sucesso em decorrência da atuação violenta dos governos instituídos.
METODOLOGIA: Para explorar a temática será utilizado um texto que será
disponibilizado com antecedência para os participantes do grupo de estudo, para
que no momento em que for aprofundado o debate possa fluir. Após a discussão do
texto os participantes serão divididos em equipes para a realização das atividades
propostas.
RECURSOS DIDÁTICOS: Data show, computador, texto xerocado, quadro, giz.
DURAÇÃO: 8 horas
PORECATU
FONTE:http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/92/Parana_Municip_Porec
atu.svg/280px-
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A REVOLTA CAMPONESA DE
PORECATU
Ângelo Priori 2
A região denominada de
“Porecatu” está encravada no extremo
norte do Estado do Paraná, situada no
vale do Rio Paranapanema.
A colonização dessa região
começou no final dos anos 1930 e início
dos anos 1940, no contexto da nova
política de terras implementada pelo
Governo Vargas e conhecida como
Marcha para o Oeste.. É dentro deste
contexto histórico que posseiros,
pequenos proprietários, trabalhadores e
colonos vindos, sobretudo, do Estado de
São Paulo, atraídos pela perspectiva de
se conseguir melhores condições de
trabalho e de vida e, principalmente, a
posse de uma parcela de terra, vão se
radicar naquele sertão quase que
desconhecido do Norte do Paraná.
Portanto, são esses dois agentes
sociais - posseiro e grileiro - os
personagens de um dos mais importantes
conflitos de terra do Estado do Paraná no
século XX.
A presença desses grandes grileiros
na região, que através da polícia, de
2 Doutor em História e professor do Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual de Maringá. Parte dessa pesquisa teve
o apoio da Fundação Araucária e do CNPQ.
jagunços e de pistoleiros expulsavam e
tomavam as terras dos posseiros é que vai
motivar a organização de uma resistência - que
posteriormente se transformou em resistência
armada - com o objetivo de defender as suas
posses e benfeitorias nelas existentes.
ATIVIDADE
1) Faça uma pesquisa sobre a cidade de Porecatu na atualidade e monte um folder enfatizando uma característica política, econômica, social, cultural ou turística da cidade.
Curiosidade:
Grileiros eram pessoas que falsificavam
escrituras, para tanto, colocavam grilos para
deixar os documentos com aspecto envelhecido
Fonte:http://www.ciencias.seed.pr.gov.br/mod
ules/galeria/detalhe.php?foto=1122&evento=
2#menu-galeria
:
22
As Ligas camponesas
O embrião da resistência
armada dos camponeses de
Porecatu tem origem na fundação
de Ligas Camponesas na região. A
primeira notícia que se tem da
formação de uma Liga Camponesa
no Estado do Paraná, ocorreu em
1944.
Nesse ano dois
acontecimentos marcaram o início
do movimento organizado dos
posseiros de Porecatu e região. Na
localidade conhecida como Ribeirão
do Tenente, um grupo de 270
famílias fundou uma Liga
Camponesa onde foram escolhidos
os posseiros Herculano Alves de
Barros, Hilário Gonçalves Padilha e
José Billar como seus
representantes.
Em Guaraci, um outro grupo
de famílias também formou uma
Liga, sendo que o representante
escolhido para defender os
interesses na defesa de suas terras
foi o posseiro Manoel Marques da
Cunha. Um único objetivo pautou a
atuação dessas duas ligas: legalizar
a posse da terra.
Com a saída de Manoel
Ribas e a posse do novo
governador, Moisés Lupion (1946-
1950), ficou mais difícil a situação
dos posseiros da região. A única
garantia que eles tinham para
permanecer nas terras eram
“frágeis” requerimentos
encaminhados ao Departamento de
Terras e Colonização do Estado
solicitando a posse dos lotes.
Enquanto a situação se
tornava insustentável para os
posseiros, as Ligas agiam em
defesa dos mesmos, apoiando,
organizando e incentivando as
centenas de famílias que se
preparavam para a luta.
No ano de 1946 houve uma
grande manifestação organizada
pelas Ligas de Ribeirão do Tenente,
Centenário, Guaraci, Água das
Pelotas, cabeceira do Centenário,
Água Tupi e Ribeirão do Capim.
Mais ou menos 1500 pessoas,
oriundas das mais diversas ligas de
toda a região, se reuniram no
patrimônio de Guaraci e resolveram
fechar a estrada que ligava
Presidente Prudente (SP) a
Londrina (PR). O objetivo era
sensibilizar o governo e os políticos
para a situação de instabilidade que
vivia a região e pela legalização
imediata das terras dos posseiros.
23
Essa manifestação, apesar
do não cumprimento da promessa
de legalização das terras feita pelo
representante do Departamento de
Terras e Colonização, teve uma
repercussão importante para o
movimento dos posseiros. Além de
gerar um sentimento de unidade
entre os posseiros de toda a região,
acabou dando visibilidade para
aquele problema que somente era
sentido pelos próprios camponeses.
Principalmente a população
urbana e, sobretudo, os
comerciantes vão tomar
conhecimento do litígio e das
agruras que viviam aquele povo.
E o que é mais importante,
desperta-se um sentimento de
solidariedade com aquela
população, que vai ser a tônica de
sustentação durante todo o conflito
que ali se iniciava.
Tiveram papel importante
nesse sentido os parlamentares do
PCB, tanto a nível estadual como
nacional. Além de criticarem as
atitudes políticas de Lupion em não
resolver a contenda, condenavam a
violência contra os posseiros,
exercidas por jagunços e policiais
contratados pelos grileiros. O
próprio deputado Carlos Marighella
cobrou da Câmara dos Deputados a
instalação de uma CPI para apurar
as denúncias de violência contra os
camponeses de Porecatu
Vale lembrar:
Partido Comunista Brasileiro foi
fundado em 1922, durante a ditadura
Vargas (1937-1945) fica na ilegalidade.
Somente em 1946 a recupera, mas
novamente a perde em 1949.
O PCB TOMA CONTATO COM A
REGIÃO
O envolvimento do PCB na
luta dos posseiros de Porecatu se
deu por meio do Comitê Municipal
de Jaguapitã, cujos dirigentes eram
Arildo, Ângelo, Miguel e Mercedes
Gajardoni. A família Gajardoni
exerceu papel fundamental na
organização do movimento e nos
conflitos que se sucederam: aos
poucos, conseguiu organizar os
posseiros em grupos,
“conscientizando-os” da importância
de defenderem suas posses:
primeiro legalmente, depois, pelas
armas.
Antes mesmo da formação
dos grupos armados, que teria início
em novembro de 1948, o PCB de
Jaguapitã chegou a recorrer ao
comitê de Londrina. O farmacêutico
Ângelo Gajardoni conseguiu levar à
24
região litigada o então vereador
londrinense Manoel Jacinto Corrêa,
conhecido militante comunista.
Jacinto constatou a gravidade da
situação e sugeriu, com sucesso, ao
comitê estadual do Partido, em
Curitiba, um apoio efetivo aos
posseiros.
Enquanto em Londrina o
PCB iniciava um movimento de
solidariedade aos “resistentes de
Porecatu”, a família Gajardoni
trocava a sua farmácia em
Jaguapitã por dez alqueires de
terras de mata virgem, nas margens
do Ribeirão Tenente, o que lhe
possibilitou uma atuação
aproximada com os posseiros. A
partir desse momento, diversos
militantes do PCB de Londrina
passaram a visitar a região com
maior frequência, sobretudo o
vereador Manoel Jacinto Corrêa, o
advogado Flávio Ribeiro e o médico
Newton Câmara, levando roupas,
suprimentos alimentares, remédios
e dinheiro.
Com essa ajuda os
comunistas conquistaram a
confiança e a simpatia dos
posseiros e se tornaram agentes
importantes na orientação da luta e
da batalha legal pela posse da terra.
A decisão do Partido Comunista
Brasileiro de assumir a organização
da luta armada no Norte do Paraná
foi concretizada formalmente em
novembro de 1948, quando os
posseiros aceitaram os argumentos
de vários emissários do partido de
que a única saída para a defesa de
suas terras era o recurso às armas.
É difícil estabelecer com
precisão o que se seguiu
imediatamente à decisão dos
posseiros pela luta armada, contudo
pode-se concluir que o PCB tratou
de preparar o terreno para assentar
operacionalmente os grupos
armados, cujos embriões já
existiam, graças ao Comitê
Municipal do Partido em Jaguapitã,
através de Arildo Gajardoni e das
ligas camponesas formadas em
toda a região, sob a liderança de
Hilário Gonçalves Pinha3.
Até esse momento a
presença do PCB na área se
limitava aos próprios militantes com
origem entre os posseiros. Era um
grupo bastante reduzido, embora
com posições importantes no
processo de organização da
resistência. Nesse sentido, tanto
Arildo Gajardoni quanto Hilário
3 Arquivo Público do Paraná. Dossiê DOPS.
Pasta 427/188; e o depoimento de Hilário Gonçalves Pinha, concedido ao autor.
25
Gonçalves Pinha iriam trabalhar
com a perspectiva de arregimentar
um número cada vez maior de
camponeses visando, de imediato, à
posse legal de suas terras. O
trabalho de arregimentação era feito
de várias formas: por meio de
atividades de lazer, como o jogo de
futebol, a pescaria, o jogo de truco,
que sempre enveredavam para o
debate político; e da agenda
política, organizada nas reuniões
das ligas camponesas, estas sim,
fórum privilegiado da discussão
política.
Fato interessante é que as
próprias ligas camponesas, pela
inexistência de um aparato
legislativo que lhes desse vida legal,
tinham em seus estatutos
preocupações de cunho mais social
do que propriamente político; mas,
embora a discussão política não
estivesse contemplada
estatutariamente, era tudo o que se
fazia naquelas ligas.
No final dos anos quarenta
o PCB fez circular no Norte do
Paraná uma proposta de estatuto
visando ampliar a discussão em
torno da formação de ligas. Nessa
proposta, a orientação era que as
associações de trabalhadores rurais
fossem constituídas com as
seguintes finalidades:
1. lutar pela educação e cultura dos trabalhadores da região e de suas famílias, por meio de: a) criação de escolas primárias para todas as crianças em idade escolar; b) criação de uma biblioteca circulante, contendo livros instrutivos, principalmente no que se refere à agricultura, criação, organização dos moradores da zona rural e demais assuntos de interesse dos trabalhadores; c) promoção de festas populares nas ocasiões oportunas, como São João, São Pedro, Santo Antônio, Natal, Sete de Setembro, Primeiro de Maio e outras, a fim de manter vivas as tradições populares das danças, músicas, etc.; 2. lutar quando fosse preciso, para a obtenção de créditos bancários, para financiamento das plantações e preços compensadores par a as colheitas; 3. conseguir abatimento nas consultas médicas e nos medicamentos, mediante entendimento com o médico e a farmácia; 4. conseguir salários compensadores para os trabalhadores rurais na derrubada de matas, apanha de café, etc.; 5. conseguir estradas4.
Se a discussão política pela
conquista da terra não estava
contemplada claramente, havia
alguns pontos que são
4 Estatuto da Associação de Trabalhadores
Rurais. Londrina: Tipografia Oliveira, s/d.
26
fundamentais para a vida dos
camponeses, como, por exemplo, a
luta por créditos bancários,
melhores preços para a produção,
salários para os trabalhadores das
derrubadas, etc. Ademais,
implicitamente, o lugar da discussão
estava colocado. Não é sem sentido
que as comemorações das
chamadas festas populares estejam
contempladas. Entre elas, o
“Primeiro de Maio”, data que nas
décadas de 1940 e 1950 foi
significativamente comemorada,
seja através dos esperados
discursos de Getúlio Vargas, seja
por atividades preparadas pelo
Partido Comunista Brasileiro nas
mais diversas cidades e regiões do
País. Enfim, esses espaços - de
lazer e da política – foram
fundamentais para trazer o
camponês para a luta.
(texto extraído do artigo de PRIORI,
Ângelo.Guerra de Porecatu disponível no
site:http://www.redalyc.org/pdf/3055/305526881
008.pdf. acesso em 12 de outubro de 2013)
TEXTO COMPLEMENTAR
É PERMITIDO PROIBIR: O POLICIAMENTO POLÍTICO E O IMAGINÁRIO ANTICOMUNISTA NO NORTE-PARANAENSE.
Verônica Karina Ipólito* Angelo Aparecido Priori*
Resumo: Esse trabalho tem por objetivo enfatizar o impacto do anticomunismo sobre a dinâmica institucional da Polícia Política Paranaense – DOPS/PR, bem como sobre o imaginário policial em relação aos comunistas no período compreendido entre os anos de 1945 a 1953. Procura-se compreender a trajetória do pensamento anticomunista, tentando desvendar o que dava fundamento as autoridades policiais em compartilhar desse imaginário e justificar suas ações. O pensamento político é averiguado buscando-se perceber como esse imaginário possibilitou à polícia construir a sua identidade, dar sentido e legitimar suas ações de policiamento político, destacando-se aí principalmente a influência estadunidense no aparato da polícia política a nível nacional. Palavras-chave: anticomunismo; DOPS-PR; PCB.
27
O período de 1945 a 1953 contempla o fim do regime ditatorial
estadonovista e o início da democratização inaugurada, segundo a
historiografia tradicional, no governo do General Eurico Gaspar Dutra. Nesse
momento, o Partido Comunista Brasileiro (PCB)1 consegue dois anos de
legalidade política (1945-1947), mas no fundo, o governo continuava
alimentando os organismos repressores e contradizendo a Constituição de
19462.
Em 1953 foi promulgada a Lei de Segurança Nacional (LSN) que
centralizava ainda mais o controle da sociedade civil nas mãos do Estado. Com
esse cenário e tendo como pano de fundo o contexto de expansão do
comunismo, e em contraposição, do anticomunismo, tomaremos como objeto
de análise o setor correspondente a repressão político-ideológico da época
corporificada na polícia política e o anticomunismo presente nessas
instituições. Trataremos especificamente da Delegacia de Ordem Política e
Social do Paraná (DOPS-PR), a qual, utilizando-se da “lógica da suspeição”3,
via qualquer indivíduo como suspeito em potencial.
Em fins da década de 1940 e início dos anos de 1950 o Estado do
Paraná foi marcado pela efervescente organização dos trabalhadores rurais,
sobretudo sintetizado na luta pela terra, como foram os casos da "Guerra de
Porecatu" (1948-1951) e a "Revolta do Sudoeste” (1957), e por uma luta
política cotidiana nas cidades, sejam pelos debates políticos do final da
Segunda Guerra Mundial, do processo de legalização do PCB e sua posterior
proscrição ou dos constantes movimentos sociais urbanos.
A atuação da polícia política nesse período configura-se ainda pelo
controle político cultural ou de qualquer forma de expressão que contenha ou
signifique ameaça à ordem social estabelecida. A idéia e o pensamento eram
os objetos de censura e de investigação. Nessa perspectiva, o órgão censor
apresenta-se mais eficaz. Entidades ou instituições – cinemas, teatros, clubes,
meios de comunicação, bares, bordéis, etc – passam a ser alvo de vigilância
permanente, tornando-se objeto de investigação policial, sejam porque
agregam um número significativo de indivíduos, sejam porque atuam como
28
formadores de opinião, ou por adotarem uma postura contrária ao regime,
atentando ainda contra a moral e os bons costumes.
O fim do Estado Novo e o início da democratização não deixaram
dúvidas de que o Brasil não era o mesmo da Revolução de 1930. O modelo de
substituição das importações4 praticado pelo Estado Novo criou uma nova
realidade brasileira, fazendo com que o país alcançasse o capitalismo
industrial. Essas alterações modificaram o contexto político nacional, onde os
trabalhadores urbanos ganham maior importância. As reformas implantadas
por Vargas inauguraram uma fase da expansão dos direitos sociais, com a
introdução e melhoramento da legislação social, nas áreas sindical, trabalhista
e previdenciária (GOMES,1988).
O que marcou essa transformação foi a passagem de um sistema de
base agroexportadora para uma sociedade urbana e industrial. O Estado
voltou-se para o fortalecimento de uma indústria de base, sendo o agente
primordial da modernização econômica.
Mas, ao lado dessas mudanças substantivas no país o regime adotou
uma série de medidas repressivas. Vargas adquiriu poderes excepcionais, a
ponto de extinguir os partidos políticos, dissolver o Parlamento e limitar as
liberdades políticas. A repressão policial se tornou constante ainda mais
quando o comunismo foi eleito “inimigo potencial”. Com essas práticas, Vargas
buscou diminuir a autonomia dos estados para que esses não ficassem
vulneráveis a penetração de ideologias revolucionárias.
Procurou ainda, ampliar o sistema de vigilância e os métodos
coercitivos com relação aos suspeitos. Consolidando o inimigo nos primeiros
dias do novo regime, o Estado negou qualquer eficácia a algum tipo de solução
política e iniciou a prática de soluções físicas (CANCELLI, 1993). Seguindo sua
lógica, fazia-se necessário o uso de instrumentos de violência para assegurar a
ordem e garantir sua própria existência.
Por isso, delimitamos nossa temática aos anos de 1945 a 1953 por se
tratar de um momento contraditório. Com o fim do Estado Novo em 1945,
inaugura-se um período de democratização, a qual possibilitou ao PCB, dois
anos de legalidade (1945-1947). A Constituição de 1946 garantia a liberdade
de manifestação do pensamento, de consciência, crença e de defesa mediante
qualquer acusação, mas não era colocada em prática. Símbolo dessa
29
inaplicabilidade foi a promulgação, em 1953, da Lei de Segurança Nacional,
que centralizava ainda mais o controle da sociedade civil nas mãos do Estado.
Marcado pelo fim tanto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
quanto da ditadura do Estado Novo (1937-1945), o ano de 1945 foi palco
inaugural do período de democratização, momento acolhido para os
trabalhadores com esperança de justiça e liberdade. Mesmo com essas
expectativas, a volta da democracia significava também o retorno ou a
permanência da “invenção de direitos”6, a qual implicava a necessidade de seu
cumprimento, que por sua vez dependia da participação e organização dos
trabalhadores.
No âmbito político os antecedentes não eram nada animadores. Após o
levante comunista de 1935 foi promulgada a Lei de Segurança Nacional, a
Constituição deixou de vigorar e o país tomou a direção do fechamento do
sistema político, culminando com o golpe de 1937, que instaurou a ditadura.
Partidos políticos foram proibidos, declarou-se a censura à imprensa,
liberdades públicas foram contidas, as tendências de oposição de diferentes
tons foram reprimidas com mão-de-ferro, por fim, o poder centralizou-se na
Presidência da República e estabeleceu-se a prática de governar por meio de
decretos-lei.
No entanto, o aparato repressor não é um legado de Vargas. A censura
no Brasil remonta a tempos coloniais. Em 1547, sob a ordem do Infante D.
Henrique, publicou-se uma lista de livros proibidos, inaugurando o controle e a
repressão na divulgação de idéias. Essa herança foi mantida e
institucionalizada nos anos precedentes. As Delegacias de Ordem Política e
Social surgem na década de 1920 e sua principal função era vigiar os
opositores do Estado e evitar a formação de movimentos operários. A partir de
então, a prática da vigilância tornou-se rotina e os inimigos do país variavam de
acordo com o governo e a conjuntura mundial do momento.
Pode-se afirmar que tanto no campo trabalhista quanto no ideológico, o
Estado Novo foi sinalizado pela opressão política, arbitrariedade patronal,
deterioração nas condições de vida e perda de direitos. Enquanto o
empresariado recebia apoio contra tudo que taxavam como “atos indesejáveis”,
estavam livres da fiscalização dos órgãos públicos e dos sindicatos, os
trabalhadores reclamavam da estreiteza da lei, limitada apenas a algumas
30
categorias profissionais – cerca de 3% dos trabalhadores de todo o país –,
enquanto que o pagamento do imposto sindical, instituído por Vargas em 1940,
era obrigação de todos os trabalhadores(D‟ARAÚJO, 2003).
Além do mais, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), presente de
Vargas aos trabalhadores em 1943 e ostentada como “a mais avançada
legislação social do mundo”, beneficiou apenas uma minoria urbana. Os
trabalhadores rurais ficaram à margem desse processo. Somente em 1963,
com a criação do Estatuto do Trabalhador Rural, Lei nº 4.214, de 03 de março,
o homem do campo passou a receber garantias trabalhistas como o
trabalhador da área urbana. Estrategicamente, essa extensão dos direitos
trabalhistas não incluiu os trabalhadores do campo porque esses eram a
maioria no país. E como a preocupação de Vargas era desenvolver o setor
industrial, o fato de a legislação contemplar os trabalhadores urbanos tornou-se
atrativa aos olhos de quem morava no campo. Então, muitos desses migraram
para as cidades em busca de melhores condições de trabalho. Em
contrapartida, os que permaneceram no campo ficaram sem o amparo de uma
legislação que garantisse seus direitos.
Nesse contexto, o PCB, posto na ilegalidade após participar da
insurreição de 1935 ao lado da Aliança Nacional Libertadora na luta para depor
o governo, tenta se reorganizar e volta a atuar no início dos anos de 1940, com
uma participação ativa no combate ao nazifascismo e na luta pelas liberdades
democráticas. Conquista a legalidade em 1945, procurando ser um partido de
massas, maleável e democrático. Os comunistas se revelaram ágeis na
organização de vários Comitês Populares e Democráticos. Nas cidades,
procuravam discutir temas como habitação, instrução e saúde públicas, custos
dos gêneros de primeira necessidade, etc. Criaram ainda os comitês
profissionais, os quais tinham a função de atuar em sindicatos, pois o partido
não fazia parte da diretoria dessas agremiações.
É nessa década também que o “Partidão” começa a se engajar na luta
pela questão agrária, que ganhou forças, principalmente no período de sua
legalidade, entre os anos de 1945 a 1947. É inegável que a sua principal
preocupação sempre foi o movimento operário, muito embora houvesse
interesse do partido em organizar o campesinato. Mas o empenho por essa
questão só foi despertado, na prática, em fins da década de 1940, quando
31
houve sinais de agitação no norte do Paraná envolvendo brigas pela posse da
terra. Esse movimento, conhecido como Revolta de Porecatu (1948-1951),
iniciou as atividades do PCB no campo.
Daí em diante houve uma seqüência de conflitos nos quais o PCB iria
atuar como a “Revolta do Sudoeste” (1957), também no Paraná; “Trombas e
Formoso” em Goiás; “Demônios de Catulé” em Minas Gerais e “Santa Fé do
Sul”, em São Paulo.
No entanto, no dia 7 de maio de 1947, por decisão do Tribunal Superior
Eleitoral, o PCB é colocado na ilegalidade, contradizendo a Constituição de
1946. Considerada por muitos como símbolo da democracia, consagrando as
liberdades previstas na Constituição de 1934, a Constituição de 1946, marcou
para a história a recuperação da liberdade e a restituição dos órgãos
democráticos. Diante desse paradoxo, procuramos interpretar a prática do
sistema democratizado, interpretando a aplicação dessa Carta de maneira
dualística. De um lado, para assegurar os direitos e de outro, para limitar o
pluralismo político.
Desse modo, trabalhamos com a perspectiva de que a repressão, em
termos, continuou, chegando a adotar formas superiores de violência,
exemplificadas na intensificação da repressão aos movimentos sociais, em
particular, às organizações políticas de esquerda. Por isso, uma de nossas
pretensões foi cogitar o fato de que esse momento não era tão democrático
quanto se pensava. A Lei de Segurança Nacional de 1953 confirma essa
hipótese. Afinal, se estávamos mesmo em um período democrático, por que
houve a necessidade de elaborar mais uma Lei de Segurança Nacional?
Formulada inicialmente com o anteprojeto de 1947, a LSN de 1953 só foi
promulgada pelo Congresso em 5 de janeiro de 1953, no segundo governo
Vargas, sob a vigência da Constituição de 1946.
Essa lei definia crimes contra a segurança externa ou interna do
Estado e também contra a ordem política e social. Em outras palavras, veio
arrematar as leis de 1935 e de 1938, as quais, respectivamente, definiam
crimes contra a ordem política e social e crimes contra a personalidade
internacional do Estado, a estrutura e segurança do Estado e contra a ordem
social (REZNIK, 2004). É importante ressaltar que muitos países criaram
legislação semelhante à Lei de Segurança Nacional aplicada no Brasil.Essas
32
leis tinham a função de proteger o país e foram criadas com o objetivo de
contribuir na defesa contra os inimigos externos. Mas, contradizendo a regra,
as Leis de Segurança Nacional eram utilizadas contra inimigos internos.
Paralelo a esse problema, analisamos os principais métodos de
fiscalização e de coerção arquitetados pela Delegacia de Ordem Política e
Social contra os comunistas na região norte do Paraná, procurando apresentar
a estrutura institucional da Dops, examinando os meios utilizados por esse
órgão para vigiar, censurar e reprimir os militantes comunistas e os
movimentos sociais que esses promoviam ou participavam.
Procuramos trabalhar a ação da polícia política no Paraná, como
estudo de caso, a fim de pensarmos a contradição na qual um Estado, dito
efetivamente republicano e democrático, utiliza-se de uma organização policial
capaz de legitimar e amparar práticas comuns em regimes autoritários,
principalmente com relação aos militantes e simpatizantes do comunismo. Os
comunistas eram considerados os principais inimigos do Estado nesse
momento. A eles reputava-se a responsabilidade pela ação e existência da
polícia política.
Como doutrina, o comunismo questionava os preceitos do capitalismo,
dos seus ideólogos e, fundamentalmente dos representantes da burguesia.
Além do mais, tentaram se organizar internacionalmente, com o objetivo de
mudar o mundo de acordo com as suas visões políticas, sendo por isso,
considerados uma ameaça a ser combatida, ainda mais após a tentativa por
eles ensaiada de tomar o poder no país em 1935.
Nesse sentido, pensar a República no Brasil, no período aqui proposto
(1945-1953), requer ponderar as práticas voltadas ao interesse público, na
medida em que, as autoridades – influenciadas ou não por organismos
externos ou internos – visam transmitir a imagem na qual, enquanto
governantes, estariam contribuindo para uma vida social, livre e democrática.
As relações do Estado brasileiro com os movimentos de esquerda,
particularmente com o comunismo, bem como as formas e instituições de
repressão, são temas amplamente estudados pela academia brasileira. Muito
se tem escrito sobre o PCB, mas essas análises se detêm a uma perspectiva
nacional, se preocupando em expor seus antecedentes e realizações,
privilegiando apenas o eixo Rio-São Paulo. E mesmo assim, foram poucos os
33
que conseguiram vislumbrar o universo de interesses ocultos nas entrelinhas
da História.
Se formos fiéis a autores como José Antônio Segatto, Gregório
Bezerra, Astrojildo Pereira e muitos outros, veremos que as abordagens
circundam, no campo da militância política. Além desses trabalhos, outros,
como os de Gildo Marçal Brandão e Ronald Chilcote não privilegiam as
abordagens regionais, as diferenças e semelhanças de um Estado para outro e
sua comparação em âmbito nacional.
Como se trata de primeiras produções sobre o partido no Brasil, é
natural que essas abordagens sejam produzidas por militantes, incluindo
ativistas políticos de esquerda e também jornalistas ou advogados ligados de
alguma forma ao movimento comunista. De certo modo, várias produções,
principalmente a militante, privilegiam uma descrição cronológica dos feitos do
partido. Descrevem o movimento e as organizações em que ele esteve
presente, como greves, congressos, lançamentos de publicações, fundações
de associações, organização política, hegemonia nos movimentos sindicais e
populares, sempre sob uma perspectiva nacional. São raros os trabalhos que
se propõe a analisar o PCB e sua relação com a polícia política nacional nos
estados. Até mesmo a produção militante deixa a desejar. Poucos dirigentes
comunistas estaduais transcreveram suas experiências. Quando muito, a
prática militante desses dirigentes está registrada em depoimentos concedidos
a vinte ou vinte e cinco anos do auge de sua militância no partido.
Essa ausência de uma trajetória historiográfica é infelizmente uma
realidade no Paraná. Embora haja abundante material de pesquisa –
documentos, reportagens, depoimentos, etc – poucos se debruçaram sobre o
tema e sistematizaram a experiência do PCB-PR7.
O pouco que se sabe é que o PCB passou a existir no Paraná após
1930, mais precisamente depois de 1945, quando da I Conferência Estadual
que levou à direção do partido no Paraná os comunistas como: Meireles,
Walfrido Soares de Oliveira, Dario, Jacob Schmidt e outros que construíram a
história do partido no estado. A situação é mais crítica ainda quando nos
referimos ao norte do Paraná. O que se conhece sobre a atuação do PCB
nessa região, é apenas direcionado à Revolta de Porecatu, onde os militantes
tiveram um importante papel na luta dos camponeses pela permanência da
34
posse da terra. Nomes de muitos comunistas também aí se popularizaram:
Manoel Jacinto Correa, Newton Câmara e Flavio Ribeiro são apenas alguns
exemplos. Sem falar nos militantes reconhecidos nacionalmente, e que
também estiveram deliberando o episódio, que são o caso de Gregório Bezerra
e João Saldanha.
Assim, é evidente a falta de uma história dos partidos no Paraná,
principalmente com relação ao PCB. Uma história que contemple as várias
especificidades da atuação do PCB nas diversas regiões do estado. Nesta
perspectiva, pretendemos contribuir para essa ausência, direcionando o estudo
do partido no Paraná com o cotidiano da polícia política paranaense.
Analisando-os como atores sociais, observamos ainda a identificação dos
principais grupos, movimentos e instituições sociais que mais tiveram suas
atividades influenciadas pelo Partido Comunista e controladas pela Dops-PR.
Um dos princípios norteadores dessa investigação é a concepção de
que o político não só emerge como se justifica através do conjunto das
atividades humanas. Portanto, o campo político pode ser notado na esfera das
relações sociais. Dessa forma, ao propormos analisar as ações sociopolíticas
construídas coletivamente, por integrantes de diferentes classes e camadas,
acreditamos que esses são capazes de formar um organismo político de força
social na sociedade civil. Se o objeto da análise dos movimentos sociais é o
homem em sociedade e as suas diversas formas de ação, a política se destaca
pelo fato desses movimentos sempre estarem envolvidos ou ligados a relações
de poder (BERSTEIN, 1996). De tal modo, procuramos levar em consideração
as vivências ideológicas, os valores, as tradições e a cultura, bem como o
arcabouço socioeconômico e político-autoritário em que esses personagens
sociais estão inseridos.
A estrutura da polícia política no Estado do Paraná.
O Paraná, sobretudo nas décadas de 1940 e 1950, era considerado
uma terra de prosperidade, símbolo do progresso e da modernização. No
entanto, sendo ícone de oportunidades, atraiu bons e também maus
elementos, muitos dos quais, de acordo com Moysés Lupion, governador do
Estado no período de 1950 a 1955, interessados na fertilidade das terras ou
por outros negócios8. Aliás, o comportamento político de Lupion, está
35
vinculado, assim como a maior parte dos partidos políticos da época a uma
linhagem do pensamento conservador, uma vertente de poder que
representava os interesses empresariais do setor madeireiro, e além do mais,
ligado às estratégias e lideranças do PSD, partido oposicionista ao PCB. Diante
desse cenário, encoberto de tensões tanto sociais quanto políticas, o poder
público irá desenvolver e aplicar diversos pontos que assegurem a ordem.
Assim, por parte dos detentores do poder político entendia-se que
somente esse aparato poderia reorganizar a sociedade mediante as ameaças
desarticuladoras dos desajustados, mendigos, criminosos comuns e infratores
– dentre esses, principalmente os proliferadores de ideologias “exóticas”, com
destaque aos comunistas, principal alvo da polícia política no período
trabalhado.
Como afirma Rivail Carvalho Rolim (2000: s/p.), as primeiras medidas
tomadas nesse processo de organização da polícia política no Paraná, foi o
desligamento da Chefatura de Polícia da Secretaria do Interior e Justiça e a
formulação de um cargo comissionado para o Chefe de Polícia no âmbito geral
do serviço funcional público civil do Estado, argumentando que deveria existir
autonomia nos serviços policiais. Durante toda a década de 1950 sempre foi
assinalada pelos governantes a necessidade de criação de delegacias
regionais. Em fins dos anos de 1950 foram criadas duas em Ponta Grossa e
mais doze Delegacias em vários municípios do interior do Estado. Construíram-
se também Delegacias em Bandeirantes, São Jerônimo da Serra, Porecatú,
Jaguapitã, Cruzeiro do Oeste, Toledo, Palmas, Santo Antônio da Platina,
Palmeira, Reserva, São José dos Pinhais e Bocaiúva do Sul.
Ao que tudo indica essa preocupação em instalar Delegacias Regionais
é uma resposta à organização comunista paranaense. Desde fins dos anos de
1940 os membros do PCB tinham construído duas estruturas de direção
intermediárias9, além de uma estrutura estadual centralizada e uma forte
organização nos municípios. A polícia temia as conseqüências do forte controle
político empenhado pelo partido, principalmente pelo caráter centralizador das
células, a qual era a forma política mais utilizada entre os militantes. A
organização do PCB a nível nacional acontecia a partir da célula – ou
organismos de base –, seja ela do local de trabalho e estudo.
36
Ainda assim, eram reforçadas e na maioria das vezes atuavam na
clandestinidade, já que corriam riscos de serem abordados pela polícia. No
Paraná, a exemplo de outros estados, as células se organizavam de acordo
com repartições, como: células de empresas, sindicatos, associações,
diretórios municipais, um dos dois comitês distritais e por último, o Diretório
Regional. (GONÇALVES, 2004: 49-50).
Apesar do policiamento repressivo, ao observarmos as práticas dos
comunistas e trabalhadores urbanos e rurais, em geral, nos damos conta de
que eles efetuaram uma espécie de alargamento do espaço da política.
Resistindo a política de coação e tradicionalmente instituída, politizaram as
questões do cotidiano na busca de direitos igualitários em um momento
considerado democrático.
E isso, de certa forma, foi resultado não só das próprias ações dos
trabalhadores, mas também de sua interação com outros agentes e
principalmente a facilidade ao acesso de organizações esquerdistas no estado,
as quais sobreviveram apesar da política anticomunista praticada pelas
autoridades policiais. Ambos mostraram que havia recantos do real
desconhecidos pelo discurso estabelecido e não explícitos no palco da vida
pública. Formaram, então, um espaço público além do sistema de
representação política.
A Lei de Segurança Nacional: instrumento jurídico anticomunista.
A Lei de Segurança Nacional foi fundamentada por um conjunto de
idéias, comumente denominada de Doutrina de Segurança Nacional10,
responsável por abranger, teoricamente, elementos ideológicos e de diretrizes
para a infiltração, coleta de informações e planejamento político-econômico de
programas governamentais. Sua influência foi marcante no Exército brasileiro,
sobretudo pela relevância no treinamento profissional e ideológico dos
militares, tanto aqueles de alta patente quanto os dos importantes tecnocratas
da burocracia do Estado.
Um instrumento importante para compreendermos essa associação
entre Doutrina deSegurança Nacional, Lei de Segurança Nacional e Exército, é
conhecermos a forma de agirdo aparato policial-militar. Isso porque, além de
contribuir para a expansão da doutrina a outros centros de treinamento de civis
37
e militares, as esferas político-militares, em especial, a Escola Superior de
Guerra (ESG), acrescentaram em seus ensinamentos uma visão ampla de
segurança nacional que evoluiu “de uma definição parcial de segurança interna
e externa para uma visão mais abrangente da segurança nacional integrada ao
desenvolvimento econômico” (ALVES, 1984, p. 34).
Os militares, no imediato pós-guerra, receavam um conflito de
proporções a um novo conflito mundial entre os dois blocos de países –
capitalistas e socialistas. Duvidavam da capacidade das Nações Unidas de
intervir e amenizar as relações entre os mesmos, sobretudo entre soberanias
conflitantes. Tão logo, temiam a eficiência do direito internacional em mediar
possíveis relações colidentes entre os países. Diante disso, a definição do
conceito de segurança nacional, assumiu características novas e
extremamente complexas.
Curiosamente, os comunistas também temiam a possível eclosão de
um novo conflito. Atentavam para as perdas humanas, caso isso viesse a
acontecer, ao contrário dos militares, que se viam no direito de arbitrar as
relações internacionais e com isso evitar a guerra com medidas drásticas e
enrijecimento das leis repressoras. Veja um panfleto comunista no qual a
característica central baseia-se em apelações humanitárias:
Paz, SIM! Guerra, NÃO! São muitas as famílias paranaenses que tem seus filhos sepultados (...). Levantemo-nos contra a Terceira Guerra Mundial! Podemos e devemos ganhar a grande batalha da paz!” (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ – DOPS/PR. Pasta 0326, caixa 038 –Congresso Estadual Pró-paz).
De início, quando do período da democratização e legalização do PCB,
o clima generalizado de aceitação de todas as correntes políticas obrigou até
mesmo os militares mais direitistas a adotar posições de cunho democráticas.
Até mesmo o general Dutra, tão empenhado em cassar o PCB em 1947, aderiu
à preleção em favor das liberdades. Em 31 de dezembro de 1944, Dutra
afirmou num discurso que a nação ansiava “por se embriagar do ideal de
liberdade e das esperanças de um mundo onde operem a lei e a justiça”, e
referindo se aos soldados brasileiros, mencionou que eles estavam “vertendo o
sangue e dando a vida, não por uma ordem material, que se alcança
facilmente, mas por uma ordem íntima e de consciência que só se obtêm
através da segurança dos instrumentos do direito.”(DICIONÁRIO HISTÓRICO-
38
BIOGRÁFICO BRASILEIRO, CPDOC-FGV Disponível
em:<http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/4366_1 .asp>. Acesso em: 25 de abril de
2008).
No âmbito militar, a partir de 1946 ocorreram várias mudanças,
principalmente no Exército, no qual a “organização, treinamento e armamento
foram ajustados ao modelo norte-americano” (MOURA, 1991: 67). Ao contrário
do que Dutra havia dito, o Exército brasileiro se aproximou muito mais dos
Estados Unidos e de sua influência, muito embora essa aproximação tenha
iniciado antes de sua gestão, precisamente em 1941, quando o Brasil passa a
comprar material bélico do Exército estadunidense, afastando-se cada vez
mais do Exército alemão.
Já em 1942, marcando essa justaposição, é firmado um acordo
político-militar secreto entre os dois países. Por meio deste, forma-se duas
comissões militares conjuntas, uma localizada em Washington e outra no Rio
de Janeiro, as quais tinham por objetivo compartilhar estratégias de defesa
para o Nordeste e elevar a capacitação das Forças Armadas Brasileiras.
(REZENDE, 2006: 12)
Além do mais, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) contribuiu para
o reatamento dos dois exércitos já que todo seu processo de criação se remete
fundamentalmente a iniciativa norte-americana. Isso porque o governo dos
Estados Unidos via o envio das tropas da FEB para a Segunda Guerra Mundial
como mecanismo importante para aumentar a influência sobre as Forças
Armadas Brasileiras, sobretudo no pós-guerra.
Tudo isso sustenta, grosso modo, que os militares teriam feito a união
entre a Doutrina de Segurança Nacional e a geopolítica anterior a ela
formulando, dessa forma,a base científica e doutrinária necessária para
legitimar a aplicação dos objetivos de um Estado autoritário e militarista
concretizado em 1964, mas que já se criava em momento prévio, no período
conhecido como “interregno democrático”.
É bom lembrar que o anticomunismo norte-americano surgiu ainda na
década de 1920 com o temor da Revolução Bolchevique em seu território11.
Somente depois de 1940 que as forças anticomunistas se voltaram para a
mídia estadunidense. No Brasil não foi diferente. É mais provável que os
Estados Unidos usasse como estratégia o treinamento das polícias
39
estrangeiras – e dentre elas a brasileira – como instrumento a fim de ter para si
o controle dos sistemas de segurança interna dos países favorecidos e não o
de promover a divulgação da democracia (HUGGINS, 1998: 22).
Assim, não só a propaganda em geral passou a ser cerceada. Todas
as formas de expressão, as concepções e ideologias contrárias ao regime
eram punidas. Mas, será que podemos dizer, então, que as Leis de Segurança
Nacional, e em particular, a Lei de Segurança Nacional de 1953, seria
resultado da influência e da política de “boa vizinhança” norte-americana?
Cairíamos no simplismo se responsabilizássemos apenas as
autoridades policiais estadunidenses na formulação da Lei de Segurança
Nacional de 1953, muito embora seja inegável a sua influência por interesses
anticomunistas na formulação dessa lei. Como demonstra a autora Martha
Huggins (1998: 25), a partir de 1930 institui-se uma nova forma de controle
estadunidense na América Latina. A “ajuda” passou a ser indireta já que os
Estados Unidos passaram a defender a política da “boa vizinhança” e o
respeito pela soberania dos demais países do continente. Executando um
trabalho minucioso de penetração quase invisível nesses países, a polícia
política norte-americana firmava tratados e acordos para troca de informações
e o país interessado poderia pedir auxílio ao FBI para montar seu serviço
secreto.
A base da polícia política norte-americana, em Washington, mantinha
contato com o aparato policial no Rio de Janeiro através da embaixada norte-
americana no Brasil. E como de praxe o tema “comunismo” predominava nas
correspondências, como no relatório abaixo:
(...) O relatório traça, e avalia os resultados das estratégias e táticas Comunistas no Brasil desde a ilegalização do partido, em 1947. Não tem as informações recebidas de outras fontes, indicando um declínio na força Comunista do Brasil, mas parece ser produtivo em relação ao movimento comunista Brasileiro, o qual está „destinado à desintegração absoluta, e não está longe o dia em que essa ideologia exótica tornar-se-á o objeto de formal repúdio pelos brasileiros. 12 (ARQUIVO PESSOAL DE TERESA URBAN. Departament of State Office of American Republic Affairs, American Enbassy, 18 july, 1949 (CONFIDENTIAL). nº: 832.00B/7-| 849).
Esse relatório é uma transmissão elaborada pelo Departamento de
Polícia do Rio de Janeiro e trata da ilegalização do Partido Comunista
40
Brasileiro. Observa-se aí o repúdio e até mesmo a convicção de que os
brasileiros possivelmente iriam sentir após a cassação do Partido.
No entanto, em relatório de 8 de julho de 1951, os agentes da DOPS
paranaense da regional de Londrina demonstram que a reação no Estado não
foi nada parecida ao esperado . pela polícia política estadunidense há dois
anos antes. Afirmam que o PCB estava desrespeitando as ordens do Superior
Tribunal Eleitoral, o qual havia retirado os direitos de exercer atividades
político-partidárias. Como conseqüência, “tudo isso gerou uma situação
complexa, de desajustamento e incompreensão, da qual se apoderou a
agitação comunista, agravando o mal e estabelecendo, em toda essa zona, um
clima de insurreição e subversão da ordem.” (ARQUIVO PÚBLICO DO
ESTADO DO PARANÁ (DOPS/PR). Delegacia de Polícia de Londrina (1941 a
1943, 1961,1976, 1978, 1981) Pasta 544d; caixa 61).
Mais do que desordem, o relatório aponta ainda que ao invés de ser
tratado com repúdio – como esperado pelo aparato policial norte-americano no
documento de 1949 –, os comunistas aproveitaram a situação do
cancelamento do partido, para se auto-pronunciarem como vítimas da
oposição:
“Não apenas em todo o País, mas em todo o mundo, a propagandacomunista se distingue pela mentira e pelo embuste. No Brasil, especialmente depois que lhe cassaram uma legalidade conferida por distração do Superior Tribunal Eleitoral, serve-se o Partido Comunista de uma série de rótulos, cada qual mais inocente, convergindo todos para a dupla finalidade de iludir os incautos e mascarar suas atividades subversivas, proibidas por lei. (...).” (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (DOPS/PR). Delegacia de Polícia de Londrina (1941 a 1943, 1961,1976, 1978, 1981) Pasta 544d; caixa 61).
No próprio relatório preparado pela Divisão de Política e pela Polícia
Especial do Departamento de Polícia do Rio de Janeiro houve reação
anticomunista ao transmitirem o comportamento do PCB mediante sua
proscrição. O partido, em resposta ao cancelamento de sua legenda política
adota uma postura mais agressiva, oculta durante os tempos de
democratização e que resultou no Manifesto de 1948:
Imediatamente após o fechamento do Partido, seus membros e diretores se viram em um tal estado de apreensão pela nova lei e pela severa repressão da polícia política que eles foram forçados a procedimentos cautelosos. Agindo sob instruções contidas em um
41
manifesto de seu líder, LUIZ CARLOS PRESTES, nos últimos três meses de 1948, agitadores comunistas começaram a operar em aberto. Abandonaram a posição pacifista que supostamente tinham tomado anteriormente, e se tornaram agressivos, ousados e ameaçadores.13 (ARQUIVO PESSOAL DE TERESA URBAN. Departament of State Office of American Republic Affairs, American Enbassy, 18 july, 1949 (CONFIDENTIAL). nº: 832.00B/7-| 849).
Pressões e influência direta dos Estados Unidos também contribuíram
para a ilegalização do PCB. A perspectiva era que a interferência não só no
Brasil como nos outros países da América Latina garantisse os interesses
estadunidenses através da “segurança interna do país onde as forças armadas
fossem fracas e envolvidas demais na política, ou até mesmo inexistentes; os
norte-americanos criaram forças policiais cuja primeira lealdade seria para com
os Estados Unidos” (HUGGINS, 1998: 31). Na década de 1930 a “ajuda” à
América Latina passou a ser indireta, já que os Estados Unidos se pôs em
defesa à política de “boa vizinhança”, respeitando a soberania dos demais
países da América.
Desde então as formas de penetração se tornaram praticamente
invisíveis. Esta forma de influência, a qual Huggins, chama de
“internacionalização pela porta dos fundos”, foi muito praticada durante o
período de Getúlio Vargas. A colaboração entre a polícia política brasileira e a
embaixada americana no embate ao comunismo era tamanha que a Dops do
Rio de Janeiro permitia o acesso a documentos que negava inclusive ao
Ministério das Relações Exteriores (HUGGINS, 1998: 54). Esse intercâmbio,
feito principalmente pelos agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI)
contribuiu para organizar e centralizar as forças policiais na América Latina já
no momento anterior à Segunda Guerra Mundial, sobretudo no Brasil.
E foi por meio dessa interferência que, como nos Estados Unidos, a
sociedade brasileira – e a exemplo disso, também a paranaense –,
principalmente as elites e classes médias dos tempos de Guerra Fria,
estiveram marcadas por uma forte e organizada presença do anticomunismo.
Como conseqüência da perspectiva de desenvolvimento defendida para o
anseio de determinados grupos sociais, entre eles a esfera institucional da
polícia política, o anticomunismo veio impedir a expansão dos direitos
democráticos para os demais campos da sociedade, agravando o quadro de
contradições e desigualdades sociais presentes na mesma.
42
A repressão as constantes tensões registradas no norte do Paraná,
como a Revolta de Porecatu e a movimentação por uma luta política cotidiana
nas cidades, comprovam a atitude anticomunista herdada por grupos ou
instituições no Estado e, principalmente, a intensidade de tal combate e a
forma como ele funcionava.
Por isso, podemos considerar o anticomunismo, presente nas esferas
governamentais e expandidos para a população de modo geral, como uma
“herança” estadunidense, visto que o comunismo antes de ser concebido como
inimigo “número um da nação” era oponente mortal dos Estados Unidos. Nesse
sentido, para os norte-americanos a única via de se obter na luta contra o
comunismo era “modernizar, internacionalizar e coordenar de maneira
centralizada o planejamento e as operações dos serviços norte-americanos de
inteligência.” (HUGGINS, 1998: 83).
A solução seria, portanto, treinar as polícias latino americanas a fim de
que tivessem esse mesmo objetivo. Assim, além de serem convencidos do
perigo eminente, os governos latino-americanos deveriam ser persuadidos da
hipótese de que somente o reforço da segurança interna propiciaria o
desenvolvimento econômico do país.
Adotando essa postura, a polícia política brasileira, em particular a
paranaense, tomaram como missão impedir a manifestação de opositores, com
destaque ao monitoramento e repressão as insurreições e aos comunistas.
Partindo da tentativa em compreender o comportamento político da polícia
política paranaense entre os anos de 1945-1953, procuramos demonstrar que
o aparato policial do Paraná se identificou com os projetos políticos a nível
nacional e mundial reagindo de forma repressiva principalmente contra os
comunistas, taxados como “inimigos da ordem”.
Isso não ocorreu em função de alguma presença de violência social
que ameaçasse os planos políticos, mas porque foi partilhada de valores,
atitudes e crenças de um imaginário anticomunista, construção essa que
precede a tentativa de tomada do poder, feita pelos comunistas em novembro
de 1935.
Dessa forma, o PCB, em oposição às autoridades policiais, exerce o
papel de “mediação política” procurando interpor às necessidades da
sociedade até elas serem atendidas na esfera pública. É no espaço entre o
43
problema e o discurso que se “situa a mediação política, e esta é obra das
forças políticas, que têm como uma de suas funções primordiais precisamente
articular, na linguagem que lhes é própria, as necessidades e ou as aspirações
mais ou menos confusas das populações” (BERSTEIN, 1996: 61).
Ainda hoje, podemos notar que os partidos tentam exercer essa
mediação política. Da mesma forma, percebemos atualmente a tenacidade dos
modelos autoritários de polícia e, como conseqüência, do isolamento dessa
instituição para com a sociedade. É questão de se pensar a violência policial na
ordem do dia e se essa repressão não tem heranças, ligações ou persistência
nas práticas abusivas constantemente exercitadas pelas autoridades policiais
em fins da década de 1940 e início dos anos de 1950. As leis de segurança
nacional nos últimos anos têm acentuado seu caráter totalitário e
antidemocrático, ratificando o fato de que a justiça militar se transforma num
poder repressivo terrível que trabalha contra a democratização do país.
Vivemos agora novos tempos. Há hoje, consciência nacional da
necessidade urgente de reformulação do aparato político e policial, os quais
devem ser submetidos às exigências fundamentais da defesa do Estado num
regime de liberdade.
(Texto disponível: http://www.ufes.br/ppghis/agora/Documentos/Revista_11_PDFs/Veronica_Karina_Ipoli
to_e_Angelo_Aparecido_Priori.pdf. acesso em 12 de out de 2013)
44
ATIVIDADES 1) Responda:
1) Conceitue Liga Camponesa, e mostre onde, quando e por que esta forma de resistência foi utilizada pela primeira vez.
2) Qual a relevância da formação de uma liga camponesa na região? 3) Qual a política instituída por Moises Lupion e sua relação com o
acirramento das relações entre posseiros e grileiros? 4) Defina: Grileiros Posseiros 5) Como o partido arregimentava novos membros partidários?
6) Qual o papel do PCB na Guerra de Porecatu? 7) Relacione o contexto mundial com a perseguição do PCB no Brasil. 8) Elabore um quadro comparativo com a ação política brasileira a nível
federal e estadual com relação aos comunistas.
45
3º ENCONTRO:
OBJETIVO:
* Descrever os fatos históricos que ocorreram durante os anos de luta entre
posseiros, grileiros e governo através da DOPs do Paraná e depois a de São
Paulo, a fim de que os professores compreendam em quais circunstâncias
ocorreram a colonização do norte paranaense desconstruíndo a ideia de
harmonia enfatizada pela historiografia tradicional..
* debater como a presença comunista proporcionou um olhar diferenciado para
o movimento, para que se entenda a brutalidade com que reagiu os
governantes do estado e Federal
METODOLOGIA: Para explorar a temática será utilizado um texto que será
disponibilizado com antecedência para os participantes do grupo de estudo,
para que no momento em que for aprofundado o debate possa fluir. Após a
discussão do texto os participantes serão divididos em equipes para a
realização das atividades propostas.
RECURSOS DIDÁTICOS: Data show, computador, texto xerocado, quadro,
giz.
DURAÇÃO: 8 horas
UMA LUTA, DUAS FRENTES5
A resistência camponesa de Porecatu foi realizada em duas frentes:
uma armada, com um grupo reduzido de pessoas, mas com uma disciplina
rigorosa e um comando extremamente forte; e uma legal, composta por
algumas centenas de camponeses, nas posses e nas fazendas, além de uma
frente de solidariedade e ajuda mútua, nas cidades.
A luta armada estava dividida em três grupos e um quartel general.
Cada grupo estava localizado em uma região estratégica da área conflagrada.
O primeiro grupo ficava sediado na posse de José Billar, às margens do
Ribeirão Centenário. Esse grupo era chefiado por Arildo Gajardoni, conhecido
pela alcunha de “Strogof”. O segundo ficava sediado na posse de Hilário
5 Texto extraído do artigo de PRIORI, Ângelo. Guerra de Porecatu. Disponível em:
http://www.redalyc.org/pdf/3055/305526881008.pdf
46
Gonçalves Padilha, nas confluências da margem esquerda do Ribeirão
Tenente com o Rio Paranapanema. Esse grupo era liderado por Hilário
Gonçalves Pinha, também conhecido como “Itagiba”. O terceiro grupo, talvez
com uma importância menor em relação aos outros dois, estava sediado nas
cabeceiras da Água Centenário, ou Ribeirão Centenário, e tinha como
responsável André Rojo, conhecido como “Panchito”.
Além desses grupos, havia um quartel general, cujo comandante era
Celso Cabral de Mello, conhecido como “Capitão Carlos”, que tinha a função de
fazer a ligação com os grupos e com os comitês municipais do Partido em
Jaguapitã e em Londrina 6.
Cada grupo era formado por poucos membros, o que demonstra uma
participação bastante reduzida de pessoas que se envolveram diretamente no
conflito armado. A imprensa da época publicava notícias totalmente
equivocadas, superestimando o número de pessoas envolvidas.
Havia matérias que falavam de 300 pessoas, outras falavam em 500 e
ainda outras, mais exageradas, falavam em milhares de “camponeses em
arma” 7. A maioria estava armada de espingarda ou então carabina de 12 tiros.
Essas armas eram comuns na região e utilizadas para caça, mas era delas que
os camponeses, inicialmente, dispunham. Eram muito frágeis, por isso o
resultado prático dessas ações com armas deficitárias era quase insignificante.
No relatório que elaborou para o Comitê Central do Partido Comunista
Brasileiro, Celso Cabral de Mello escreve que as melhores armas em poder
dos posseiros eram uma submetralhadora calibre 45 milímetros com
carregador de 45 tiros, “em mau estado de funcionamento”, e uma
submetralhadora de 9 milímetros, com carregador para 30 tiros, essa
“funcionando regularmente”8 7.
Com o decorrer do tempo, algumas armas mais sofisticadas foram
conseguidas, principalmente pistolas automáticas, mosquetões, granadas e
metralhadoras, muitas recuperadas dos jagunços ou dos policiais,
6 Arquivo Público do Paraná. Dossiê DOPS. Pasta 427/188.
7 Conforme reportagens dos jornais Gazeta do Povo, 26 jun. 1951; O Dia, 26 jun. 1951 e 01 jul.
1951; Diário da Tarde, 04 jul. 1951.
8 Depoimento de Celso Cabral de Mello à Polícia Política. Arquivo Público do Paraná. Dossiê DOPS.
Pasta 427/188. A Guerra de Porecatu
47
outrasenviadas pelo Comitê Regional do Partido em Londrina. Cada membro
dos grupos usava um codinome para se identificar, o que era fundamental para
manter o sigilo e preservar a identidade de quem estava de armas na mão -
tanto que, no processo-crime aberto contra os posseiros que foram à luta
armada, alguns não puderam ser indiciados porque não foram identificados,
como ocorreu nos casos de “Machado”, “Orozimbo” e “Jordão”9.
Os maiores embates dos posseiros se deram, exatamente, contra os
jagunços. A força policial, por estar fazendo um trabalho para os grileiros, era
um inimigo a ser combatido, sem dúvida, mas era considerada um inimigo fácil,
pois era constituída de profissionais despreparados para o embate em situação
de guerrilha. O máximo que fazia era vasculhar estradas e residências à
procura dos posseiros. Nas estradas, principalmente naquelas que cortavam as
florestas, tornavam-se presas fáceis das emboscadas e dos tiroteios de
surpresa.
No caso dos jagunços era diferente. Eles não só eram temidos, mas
também conheciam detalhadamente a região e lutavam de igual para igual, às
vezes com as mesmas táticas, às vezes com a mesma precisão.
Por isso era fundamental a eliminação dos jagunços. Alguns casos
ficaram famosos na região. O primeiro foi a eliminação do jagunço Luisinho,
que comandava um caminhão de soldados para fazer o despejo da posse de
José Billar: no tiroteio decorrente da resistência ao despejo, Luisinho foi morto
juntamente com cinco soldados, no sangrento embate ocorrido no dia 10 de
outubro de 1950 (FELISMINO, 1985); mas nenhum caso gerou tanto
entusiasmo entre os posseiros como a vingança e o justiçamento do jagunço
José Celestino.
A máxima de Luiz Carlos Prestes, expressa em seu Manifesto de
Agosto de 1950 (apud VINHAS, 1982, p. 140), de que para combater a
violência dos dominadores era inevitável e necessário promover a violência das
massas foi levada a cabo pelos posseiros de Porecatu. Celestino, cujo nome
verdadeiro era José Ferreira de Souza, vinha trabalhando como capanga
desde vários anos. Contratado pelos grileiros, prestava ainda serviço para a
9 Fórum da Comarca da Cidade de Porecatu. Processo crime No. 109/51.
48
Força Policial do Paraná, da qual inclusive tinha a promessa de obter um
emprego com a patente de sargento.
Celestino era acusado pelos posseiros de vários crimes de estupro,
despejo e assassinato. Pelo menos dois posseiros foram assassinados por ele:
Francisco Bernardo dos Santos e Salvador Ambrósio. Depois desses crimes,
os posseiros juraram liquidar com o jagunço.
A orientação de executar Celestino não partiu do PCB. A decisão foi
tomada por um grupo de dezoito pessoas que estavam embrenhadas na mata,
entre elas, alguns militantes do PCB, como Arildo Gajardoni e Hilário
Gonçalves Pinha. Assim, a decisão partiu dos próprios posseiros, embora não
tenha sido unânime, pois quinze posseiros votaram a favor e três se
abstiveram10. A morte de José Celestino foi comemorada por toda a região. A
população camponesa, “cansada de ser espezinhada e ameaçada pelos
jagunços”, aplaudiu a coragem daqueles posseiros rebelados. Até a imprensa
do PCB deu destaque ao fato. “A justiça camponesa fazia sentir o peso de sua
mão sumária e implacavelmente” salientava o editor do jornal Voz Operária, na
edição que publicou matéria sobre o caso 11.
No dia seguinte, o cadáver de Celestino foi encontrado pelos policiais e
carregado para a Vila Progresso, onde lhe deram sepultura. Não houve
acompanhantes, mas por via de dúvidas, um batalhão de 90 soldados teve a
incumbência de proteger o enterro. A repercussão positiva do caso - ao invés
do que pensava o comandante Hilário, que achava que um ato como esse
poderia repercutir mal - deu novo alento à luta dos posseiros. Centenas de
famílias de camponeses que até então achavam que aquele bando de pessoas
de armas dentro da mata eram uns aventureiros sem grandes perspectivas,
passaram a admirar e a vislumbrar nas suas ações possibilidades de dias
melhores. A luta começou a ganhar popularidade e apoio dos mais variados
segmentos da população.
Além da luta armada, na defesa das posses, os posseiros tinham
outras reivindicações, como atesta o documento “Os doze mandamentos dos
10
Esta é a versão apresentada pelos depoimentos de vários posseiros à polícia política, bem como de
Hilário Gonçalves Pinha ao autor. 11
Voz Operária, 13 jan. 1951.
49
posseiros de Porecatu”. Articulavam as reivindicações pela terra, mas também
por melhores salários e condições de trabalho, mediante:
1. entrega imediata das posses aos seus primitivos ocupantes e entrega, também imediata, dos títulos, e distribuição das terras griladas, das chamadas “fazendas” e das terras devolutas aos camponeses pobres; 2. indenização pelo justo valor aos posseiros; 3. anulação de qualquer processo ou perseguição contra os posseiros e trabalhadores; 4. remoção da polícia e prisão dos jagunços dos municípios de Porecatu, Jaguapitã e Arapongas; 5. punição dos assassinos e mandantes dos massacres dos posseiros; 6. eleição de uma comissão de posseiros para nova divisão das terras; 7. reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do campo; 8. Cr$ 3.000,00 pelo trato de mil pés de café, com direito a planta - Cr$ 40,00 por saco de 110 litros de café colhido; 9. pagamento em dinheiro todas as quinzenas; 10. Cr$ 50,00 livres, por dia de 8 horas de trabalhos para os volantes e colonos; 11. pagamento das férias, inclusive as atrasadas; 12. para formação de 10.000 pés de café, pagamento de Cr$ 3.000,00, com direito de colheita até o quinto ano12.
O movimento dos camponeses de Porecatu permite-nos repensar a
atuação da esquerda no campo, principalmente a atuação do PCB. A atuação
desse partido, nos início dos anos 50, foi motivada pela nova linha política
formulada pelos manifestos de janeiro de 1948 e agosto de 1950 (PRIORI,
2003). É verdade que essa linha política teve, internamente, várias
resistências. A militância e algumas lideranças, principalmente a sindical,
faziam dupla atuação, ora acatando, ora não, a linha política do Partido.
No caso aqui estudado não foi o Partido quem determinou, por
exemplo, a recorrência à luta armada, embora os documentos apontassem
para isso. Quando o Partido chegou à região, a decisão pela luta armada já era
12
“Os posseiros e os seus doze mandamentos” foi publicado em 23 abr. 1951. ArquivoPúblico do
Paraná. Dossiê DOPS. Pasta 427/188.
50
uma realidade manifesta, mas, sem dúvida, essa nova linha política possibilitou
uma atuação mais presente do Partido.
Assim sendo, o PCB rapidamente se acoplou ao movimento dos
posseiros de Porecatu, à sua auto-organização, o que, aliás, naquele
momento, foi visto com “bons olhos” pelos posseiros, como ressaltou em seus
depoimentos Hilário Gonçalves Pinha.
ATIVIDADES
Responda:
1) Qual a função da Lei de Segurança Nacional e porque foi implantada no Brasil?
2) O que motivou a luta armada pelos posseiros? E qual foi sua função nessa guerra?
3) Por que a presença do PCB mudou a forma de agir da polícia? 4) Faça um quadro mostrando as datas e os principais acontecimentos da
Guerra de Porecatu. 5) Pesquise quem foi o Capitão Carlos e qual sua importância no
desenvolvimento e desfecho da Guerra de Porecatu
51
4º ENCONTRO
OBJETIVO:
Produzir atividades didáticas com base no material abordado para que
os professores tenham um material que possa ser utilizado em sala de
aula.
Organizar um arquivo digital sobre História Regional focando nas
produções recentes desenvolvidas nos centros acadêmicos a fim de que
os mesmos possam ter subsídios teóricos para abordar a temática
Guerra de Porecatu e outros .
METODOLOGIA:
Os professores serão divididos em duplas para que assim haja maior número
de atividades disponibilizadas e haja interação entre os participantes e cada
uma produzirá seu material digital e atividades que poderão ser utilizadas no
cotidiano escolar
RECURSOS DIDÁTICOS: Sala de computação, computador, sulfite,
impressora, pendrive, cartucho de tinta, internet.
DURAÇÃO: 4 horas
IDEIAS BRILHANTES,
AULAS FASCINANTES,
PROFESSORES CATIVANTES
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Com base no que foi estudado chegou a hora de produzirem atividades
e um arquivo digital sobre a temática Guerra de Porecatu e História Regional.
ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS
Com a renovação historiográfica no século XX oriunda do movimento
dos Annales, houve uma diversificação no conceito de fonte histórica, bem
como uma dinamização no objeto de estudo do pesquisador e como ressalta
Pierre Goubert em seu artigo “ A História Local” promovendo a emergência da
história local que na perspectiva do autor teria sido motivada precisamente:
por uma combinação entre o interesse em estudar uma maior amplitude social (e não mais apenas os indivíduos ilustres, como nas crônicas regionais do século XIX) e alguns métodos que permitiriam este estudo para regiões mais localizadas – mais particularmente as abordagens seriais e estatísticas, capazes de trabalhar com dados referentes a toda uma população de maneira massiva. Ao trabalhar em suas pequenas localidades, os historiadores poderiam desta maneira fixar sua atenção em uma região geográfica particular, cujos registros estivessem bem reunidos e pudessem ser analisados por um homem sozinho (GOUBERT, 1992, p.49).
Com a diversificação das fontes novos objetos de estudos puderam ser
introduzidos e nesta perspectiva, tornou-se viável estudar aspectos que até
então não eram mencionados nas academias, ampliou-se a visão dos agentes
elaboradores da história, deixou-se um tanto de lado a noção tradicional da
narrativa histórica para buscar uma história problema, como nos esclarece o
historiador Peter Burke (1992):
(...) a nova história começou a se interessar por virtualmente toda a atividade humana. (...) Nos últimos trinta anos nos deparamos com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não se havia pensado possuírem, como por exemplo, a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira, os gestos, o corpo. (...) O que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma “construção cultural” , sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espaço. (Burke, 1992, p. 11).
Assim, quando o historiador se propõe a estudar a História local ou
Regional há uma aproximação com seu objeto de estudo, sua narrativa deixa
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de ser fundamentada em temas distantes para se incorporar aos fenômenos
históricos da região, consequentemente do município. Nessa perspectiva, há a
construção de uma história plural, sem qualquer tipo de preconceito e em que
os excluídos passam a ter voz.
As repercussões dessas pesquisas no ambiente escolar ocorre
lentamente porque os livros didáticos incorporam gradativamente as novas
informações oriundas da História Local e Regional.
Vale ressaltar que os aspectos positivos em se trabalhar a História
Regional e Local são as novas perspectivas sociais, políticas, culturais,
econômicas que os alunos passam a ter sobre o local em que vivem, no qual
percebem que pertencem a uma conjuntura maior e que fatos a nível mundial
podem refletir na sua vida, proporcionando-lhes a percepção de que a História
não é uma ciência distante de sua realidade e nem tão pouco é construída
apenas por heróis como muitos livros didáticos deixam transparecer, mas por
pessoas comuns. Como enfatiza Burke (1992):
A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história.(BURKE,1992,p.12)
A História Tradicional ao enfatizar a história nacional ou internacional,
proporciona, segundo BurKe (1992), uma História apenas dos vencedores,
ficando os vencidos numa perspectiva submissa, sem voz nesta historiografia.
Sendo assim, a História Local e Regional contribui para uma visão da
história “vista de baixo”, na medida em que considera mais seriamente as
opiniões e experiências de pessoas comuns, permitindo aos indivíduos
tornarem-se partícipes das mudanças sociais. Sharpe (1992, p.62), nesse
sentido, afirma que “a história vista de baixo ajuda a convencer aqueles de nós
nascidos sem colheres de prata em nossas bocas, de que temos um passado,
de que viemos de algum lugar”. Na perspectiva de Barros (2004):
(...) de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em
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um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial). (BARROS, 2004, p. 153)
Dessa forma, a História Local e Regional possibilita um avanço nas
discussões históricas que ultrapassam a visão de que só existe um tipo de
conhecimento histórico universalizado em temas de História Geral e do Brasil,
muitas vezes sem significado para os alunos. Sob esse aspecto, Fonseca
(2003) argumenta que:
O estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da história (como os movimentos sociais, a ação do estado, as atividades econômicas, a identidade cultural, etc) a partir do ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, o regional lida com as diferenças...(FONSECA,2003,p.222)
A partir das considerações de Fonseca (2003), pode-se afirmar que a
região está historicamente inserida no todo, ou seja, as diferenças e a
multiplicidade da região pertencem às questões mais amplas, nacional e/ ou
mundial, e quando o professor considera a questão regional em suas aulas, os
alunos sentem-se motivados para o estudo da História e para a construção do
seu conhecimento histórico, e por conseguinte conceitos como identidade
cultural, espaços sociais e cidadania passam a ter significado e são
assimilados de forma prazerosa.
A relação dos acontecimentos históricos do seu cotidiano com os
processos históricos mais abrangentes possibilita ao aluno compreender,
assim, a contextualização histórica dos acontecimentos:
uma história distante de seu tempo presente, de suas experiências de vida, de suas expectativas e desejos, tornado a aprendizagem algo sem prazer e que não emociona, negando a perspectiva de que história é vida, sendo que a função básica do seu ensino é a construção de cidadãos críticos.(FERNANDES,1995,p.4)
Evidentemente, a História Regional e Local não pode ser desvinculada
de um contexto mais amplo de região, é necessário fazer uma relação com o
cenário nacional, mas isso não significa estabelecer escalas de valores entre
um tema e o outro, o fundamental é percebermos as relações histórica na mais
pura especificidade, como bem esclarece Neves (2002):
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O estudo do regional, ao focalizar o peculiar, redimensionaria a análise do nacional, que ressalta as identidades e semelhanças, enquanto o conhecimento do regional e do local insistira na diferença e diversidade, focalizando o indivíduo no seu meio sócio-cultural, político e geo-ambiental, na interação com os grupos sociais em todas as extensões, alcançando vencidos e vencedores, dominados, conectando o individual com o social. (Neves, 2002, p. 89)
Nestes termos, os trabalhos regionais são justificados porque os estudos
nacionais ressaltam as semelhanças e a regional trabalha com as diferenças.
Possibilitam abordar aspectos que não seriam percebidos no contexto maior.
Dessa forma, de acordo com Silva (1990):
[...] o estudo regional oferece novas óticas de análise do estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas, a identidade cultural etc.) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o especifico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade. A historiografia regional tem ainda a capacidade de apresentar o concreto e o cotidiano, o ser humano historicamente determinado, de fazer a ponte entre o individual e o social. [...]. (SILVA, 1990,p.13)
Além disso, como enfatiza o autor supracitado a importância da pesquisa
regional em história é verificada também pelo fato de que por meio dessa
abordagem podemos discutir também a aplicação de teorias, pois:
(...) a historiografia regional é também a única capaz de testar a validade de teorias elaboradas a partir de parâmetros outros, via de regra, o país como um todo, ou uma outra região, em geral, a hegemônica. Estas teorias, quando confrontadas com realidades particulares concretas, muitas vezes se mostram inadequadas ou incompletas. (SILVA,1990,p.13)
Em 2001 coroando estas mudanças de paradigmas em que a História
Local e Regional se torna objeto de estudo nos centros acadêmicos é instituída
no Paraná a Lei n. 13.381/01, que torna obrigatório, no Ensino Fundamental e
Médio da Rede Pública Estadual, os conteúdos de História do Paraná.
Além da referida lei, a Secretária de Educação do Paraná elabora as
Diretrizes Curriculares de História (DCE, 2012) na qual passa a ter uma nova
perspectiva sobre o ensino da disciplina e de acordo com o documento
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enfatiza-se a História do Brasil, porém, “não se pretende negar a influência da
Europa na história brasileira, mas abordá-la de modo não determinista, pois ao
enfatizar a integração da História do Brasil à História Geral” (DCE,2012,p.23),
há a possibilidade de que o aluno perceba e valorize a história brasileira e
possa fazer correlações com os acontecimentos nacionais, regionais e locais
com os mundiais. Além disso, esta nova proposta metodológica possibilita a
abordagem histórica e a criação de uma identidade regional.
Nesse contexto, inseri-se o conteúdo Guerra de Porecatu, que foi
estudada com afinco por Priori 13 e em seguida por outros autores que se
interessaram pela temática, e tem sua relevância para que se compreenda em
quais circunstâncias ocorreram a posse de terras no norte do Paraná, assim
como também perceber que na região em que vivemos homens e mulheres
lutaram pela posse da terra em decorrência dos descompassos legais que o
Estado do Paraná teve entre suas ações práticas para a ocupação das terras
devolutas e a Lei de Terras de 1850. Vale ressaltar também que foi uma luta
em que esteve presente o Partido Comunista Brasileiro (PCB) o qual conferiu
novos aspectos à luta e também foi a primeira luta motivada pela Liga
Camponesa. Sobre a Guerra de Porecatu Priori (2009) sintetiza que:
Os conflitos armados tiveram início no final de 1948 e só foram desmobilizados em julho de 1951, com a presença das tropas da Polícia Militar do Estado e de agentes das Delegacias Especializadas de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo e do Paraná. A resistência armada dos posseiros de Porecatu marcou a região, que se constituiu em alvo de grandes reportagens nos principais diários do país e em órgãos de imprensa periódica, como a revista “O Cruzeiro” e o semanário “Voz Operária”, órgão do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A intervenção do PCB na região e na organização do movimento armado de Porecatu foi possível devido à mudança de sua linha política, decorrente dos “manifestos” de janeiro de 1948 e de agosto de 1950, que apontavam para o Partido a necessidade da defesa da “violência revolucionária”, como linha de ação, visando a luta direta para a tomada do poder. Nesse sentido, o Partido propôs, em seu programa, a formação de uma Frente Democrática de Libertação Nacional, cujo objetivo maior consistia em fazer a “revolução agrária e antiimperialista”. Em relação ao campo, defendia a imediata entrega das terras dos latifundiários para os camponeses que nelas trabalhavam.(PRIORI,2009,p.2)
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Pesquisador e autor de livros e artigos sobre a guerra de Porecatu e a atuação do PCB sobre este
mvimento.
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Como se percebe, o conflito ocorrido no norte do Paraná teve a
participação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cujo intuito segundo
Leocádio (2011) era:
através da luta armada, tomar o poder. Segundo as fontes, o conflito ocorrido na região de Porecatu pode ser entendido como um dos possíveis embriões desta possibilidade. Por isso, o fato pode ser denominado Guerra, pois, dando certa esta escolha pela luta armada em Porecatu, o intuito seria levar a cabo esta perspectiva Brasil afora, conforme propostas presentes no “Manifesto de Agosto”. (LEOCADIO,2011,p.1)
Como se constata na citação acima, o objetivo do PCB era que este
levante fosse a espinha dorsal para outros que se espalhariam para o Brasil, e
o fato do partido ter se envolvido no confronto desencadeou ações não
somente da polícia do Paraná como também de São Paulo denominada nesse
momento de Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Mas por que um
acontecimento local chamou a atenção das forças policiais externas do estado?
Para entender temos que nos remeter a um dos acontecimentos
marcantes do século XX que foi a Revolução Russa (1917) a qual instaurou o
regime socialista na Rússia14, que em 1924 passa ser denominada de União
Soviética. Este acontecimento provocou uma divisão mundial entre capitalistas
e socialistas, que anos mais tarde dá início a Guerra Fria15.
O mundo mudou após este fato porque inimigos foram criados em
ambos os lados levando em consideração qual o sistema político que
consideravam relevante: capitalismo ou socialismo. Assim, a ameaça
comunista se tornou para os governos capitalistas um mal que deveria ser
combatido.
Nesse contexto, é que se compreendem as ações de Vargas (1930-
1945) durante seu governo, que combateu austeramente os comunistas e pôs
na clandestinidade o Partido Comunista Brasileiro (PCB)16, que teve sua
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Vale destacar que ocorreram duas revoluções nesse ano na Rússia, sendo que a primeira tem um caráter
social-demcrático e a segunda que realmente instaura o regime socialista sob o comando de Lênin,mas
que a intenção era de que os operários do mundo se unissem e aderissem a revolução, no entanto, estas
idéias não se concretizaram. 15
A Guerra Fria tem início com a criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em
1949 pelos EUA, e do Pacto de Varsóvia pela URSS em 1955. 16
1 De 1922 a 1960, o nome correto era Partido Comunista do Brasil, cuja sigla era PCB. No entanto, em
fins da década de 1940 a oposição alega que o nome Partido Comunista do Brasil sugeria uma extensão
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origem no Brasil em 1922. Com o fim do governo Vargas em 1945, inicia-se um
período de democratização do país, mas isso não significa que os socialistas
ou comunistas deixaram de ser concebidos como inimigos da pátria; houve de
1945 a 1947 a concessão do Estado, dirigida pelo então presidente Eurico
Gaspar Dutra a legalidade do PCB, todavia, segundo, Ipólito e Priori (2010,p.3):
“o governo continuava alimentando os organismos repressores e contradizendo
a Constituição de 1946”, a qual garantia a liberdade de manifestação do
pensamento, de consciência, crença e de defesa mediante qualquer acusação.
Nesse contexto, segundo Ipólito e Priori (2010):
A atuação da polícia política nesse período configura-se ainda pelo controle político cultural ou de qualquer forma de expressão que contenha ou signifique ameaça à ordem social estabelecida. A idéia e o pensamento eram os objetos de censura e de investigação.(IPÒLITO e PRIORI,2010,p.6)
Dessa forma, os mecanismos legais atuavam a fim de manter a ordem
do país e isso significava conter movimentos com ideais revolucionários
bolcheviques, ou seja, ideais que almejavam instaurar o socialismo. No Paraná
um movimento que passa a apresentar uma possibilidade dessa concretização
de ideais socialistas foi a Guerra de Porecatu, principalmente quando se
descobriu que o PCB estava participando ativamente do movimento.
Essa participação deveu-se ao fato do partido estar procurando, de
acordo com Ipólito e Priori (2010):
ser um partido de massas, maleável e democrático. Os comunistas se revelaram ágeis na organização de vários Comitês Populares e Democráticos. Nas cidades, procuravam discutir temas como habitação, instrução e saúde públicas, custos dos gêneros de primeira necessidade, etc. Criaram ainda os comitês profissionais, os quais tinham a função de atuar em sindicatos, pois o partido não fazia
do Partido Comunista Internacional (comandado pela União Soviética) no país. Nesse sentido, acreditava-
se que o partido não defendia os interesses brasileiros, mas os interesses internacionais. Em 1960, o PCB,
buscando retornar à legalidade, muda o nome para Partido Comunista Brasileiro e a sigla continua a
mesma. Nesse mesmo ano, dividiu-se em duas alas: a dos “reformistas”, que pretendiam mudar o nome
para Partido Comunista Brasileiro, visando a obtenção de uma situação eleitoral legal e convencer o
Tribunal Superior Eleitoral de que o partido era verdadeiramente nacionalista por natureza e não um
instrumento da União Soviética, como havia afirmado oTribunal em 1947, quando da proscrição do PCB;
e a ala dos “revolucionários”, que queriam manter a radicalização implantada no Partido desde o
Manifesto de Agosto de 1950. A partir da cisão do PCB, foi criado em 1962 um novo partido,
denominado, nesse momento em diante, de Partido Comunista do Brasil. Portanto, a partir de 1962
teremos dois partidos comunistas: o tradicional e objeto de nossa análise, que passou a se chamarPartido
Comunista Brasileiro (PCB) e outro, o Partido Comunista do Brasil (PcdoB), criado em 1962 e fruto
dacisão de 1960.
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parte da diretoria dessas agremiações. É nessa década também que o “Partidão” começa a se engajar na luta pela questão agrária, que ganhou forças, principalmente no período de sua legalidade, entre os anos de 1945 a 1947. É inegável que a sua principal preocupação sempre foi o movimento operário, muito embora houvesse interesse do partido em organizar o campesinato. Mas o empenho por essa questão só foi despertado, na prática, em fins da década de 1940, quando houve sinais de agitação no norte do Paraná envolvendo brigas pela posse da terra. Esse movimento, conhecido como Revolta de Porecatu (1948-1951), iniciou as atividades do PCB no campo.(IPÒLITO e PRIORI,2010,p.6)
Na análise de Priori (2009) a intervenção do PCB na região e na
organização do movimento armado de Porecatu foi possível devido:
à mudança de sua linha política, decorrente dos “manifestos” de janeiro de 1948 e de agosto de 1950, que apontavam para o Partido a necessidade da defesa da “violência revolucionária”, como linha de ação, visando a luta direta para a tomada do poder. Nesse sentido, o Partido propôs, em seu programa, a formação de uma Frente Democrática de Libertação Nacional, cujo objetivo maior consistia em fazer a “revolução agrária e antiimperialista”. Em relação ao campo, defendia a imediata entrega das terras dos latifundiários para os camponeses que nelas trabalhavam. (PRIORI,2009,p.2)
No Paraná os autores supracitados enfatizam que há uma ausência de
uma trajetória historiográfica, em decorrência dos parcos estudos sobre a
experiência do PCB-PR, mesmo com um vasto material de pesquisa, assim o
pouco que se tem conhecimento sobre o partido é que este:
passou a existir no Paraná após 1930, mais precisamente depois de 1945, quando da I Conferência Estadual que levou à direção do partido no Paraná os comunistas como: Meireles, Walfrido Soares de Oliveira, Dario, Jacob Schmidt e outros que construíram a história do partido no estado. A situação é mais crítica ainda quando nos referimos ao norte do Paraná. O que se conhece sobre a atuação do PCB nessa região, é apenas direcionado à Revolta de Porecatu, onde os militantes tiveram um importante papel na luta dos camponeses pela permanência da posse da terra. Nomes de muitos comunistas também aí se popularizaram: Manoel Jacinto Correa, Newton Câmara e Flavio Ribeiro são apenas alguns exemplos. Sem falar nos militantes reconhecidos nacionalmente, e que também estiveram deliberando o episódio, que são o caso de Gregório Bezerra e João Saldanha.(IPÒLITO e PRIORI, 2010,p.7)
Sobre a atuação do partido no estado do Paraná, Gonçalves (2004)
mostra que:
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Desde fins dos anos de 1940 os membros do PCB tinham construído duas estruturas de direção intermediárias, além de uma estrutura estadual centralizada e uma forte organização nos municípios. A organização do PCB a nível nacional acontecia a partir da célula – ou organismos de base –, seja ela do local de trabalho e estudo. Ainda assim, eram reforçadas e na maioria das vezes atuavam na clandestinidade, já que corriam riscos de serem abordados pela polícia. No Paraná, a exemplo de outros estados, as células se organizavam de acordo com repartições, como: células de empresas, sindicatos, associações, diretórios municipais, um dos dois comitês distritais e por último, o Diretório Regional. (GONÇALVES, 2004: 49-50).
Para Priori (2009) a luta armada só foi possível em decorrência da
fundação de Ligas Camponesas na região. De acordo com o mesmo:
A primeira notícia que se tem da formação de uma Liga Camponesa no Estado do Paraná, ocorreu em 1944. Nesse ano dois acontecimentos marcaram o início do movimento organizado dos posseiros de Porecatu e região. Na localidade conhecida como Ribeirão do Tenente, um grupo de 270 famílias fundou uma Liga Camponesa onde foram escolhidos os posseiros Herculano Alves de Barros, Hilário Gonçalves Padilha e José Billar como seus representantes. Em Guaraci, um outro grupo de famílias também formou uma Liga, sendo que o representante escolhido para defender os interesses na defesa de suas terras foi o posseiro Manoel Marques da Cunha. Um único objetivo pautou a atuação dessas duas ligas: legalizar a posse da terra. (PRIORI,2009,p.3)
Todavia, a legalização da posse da terra se tornou difícil após a posse
do novo governador, Moisés Lupion (1946-1950), pois este não aceitava
dialogar com os posseiros, dessa forma Priori (2009):
a única garantia que eles tinham para permanecer nas terras eram “frágeis” requerimentos encaminhados ao Departamento de Terras e Colonização do Estado solicitando a posse dos lotes. Enquanto a situação se tornava insustentável para os posseiros, as Ligas agiam em defesa dos mesmos, apoiando, organizando e incentivando as centenas de famílias que se preparavam para a luta. No ano de 1946 houve uma grande manifestação organizada pelas Ligas de Ribeirão do Tenente, Centenário, Guaraci, Água das Pelotas, cabeceira do Centenário, Água Tupi e Ribeirão do Capim. Mais ou menos 1500 pessoas, oriundas das mais diversas ligas de toda a região, se reuniram no patrimônio de Guaraci e resolveram fechar a estrada que ligava Presidente Prudente (SP) a Londrina (PR). O objetivo era sensibilizar o governo e os políticos para a situação de instabilidade que vivia a região e pela legalização imediata das terras dos posseiros. (PRIORI,2009,p.3)
É nesse contexto que o PCB, nos dizeres de Priori (2009) vai se inserir
e terá um papel relevante:
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tanto a nível estadual como nacional. Além de criticarem as atitudes políticas de Lupion em não resolver a contenda, condenavam a violência contra os posseiros, exercidas por jagunços e policiais contratados pelos grileiros. O próprio deputado Carlos Marighella cobrou da Câmara dos Deputados a instalação de uma CPI para apurar as denúncias de violência contra os camponeses de Porecatu (PRIORI,2009,p.4).
Quando a luta se inicia o envolvimento do PCB na luta dos posseiros
de Porecatu:
se deu através do Comitê Municipal de Jaguapitã, do qual eram dirigentes Arildo, Ângelo, Miguel e Mercedes Gajardoni. A família Gajardoni exerceu papel fundamental na organização do movimento e nos conflitos que se sucederam. Aos poucos, conseguiram organizar os posseiros em grupos, “conscientizando-os” da importância de defenderem suas posses: primeiro legalmente, depois pelas armas. (PRIORI,2009,p.4)
Assim, constata-se que a atuação do PCB foi primordial para a
organização dos posseiros e também para o fornecimento de armamentos,
mas foi justamente esta união que acarretou uma preocupação dos órgãos
públicos e conferiu um novo caráter ao movimento, em que deixou de ser
tratado como um simples levante de homens do campo para um movimento
comunista, e assim, os posseiros passaram a ser tratados como terroristas.E
estudar este fato histórico possibilitará ao aluno perceber o jogo de interesses
do grande capital e como este se utiliza de artifícios legais e ideológicos para
se tornar hegemônico.
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