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OS CEO'S ESTAO MATANDO AS EMPRESAS NELSON AHMAR D esde os primór- dias da história da humanidade, a mola propulsora do co- nhecimento tem sido a curiosidade e a iniciativa. Pessoas são naturalmente . . . cunosas e, como arumais sociais, motivadas a inte- ragir, interrelacionar-se e aprender umas com as outras. Com a história do co- nhecimento sendo transmi- tida de geração a geração, as comunidades evoluíram num processo contínuo de ensinar e aprender, com o compartilhar informações e conhecimentos desempe- nhando papel fundamental no processo de relaciona- mento coletivo da socieda- de, assegurando o fluxo de tornar o conhecimento dis- ponível e perene ao longo do tempo. Do ponto de vista sis- têmico, se olharmos a anatomia do corpo hu- mano: os sistemas e fun- ções atuando como pro- cessos críticos interde- pendentes asseguram o desempenho do todo, com cada célula (veículos por meio dos quais os processos funcionam) se integrando naturalmente, cumprindo sua atividade e conhecendo sua parcela de contribuição no de- sempenho final mais efi- ciente do sistema, ou ob- jetivo final da entidade. De forma similar, orga- nizações econômicas são entidades pelas quais pes- soas interagem para atin- gir objetivos econômicos individuais e coletivos. Destes objetivos, estrutu- ras, estratégia, cultura, processos e ações geren- ciais dependem o resulta- do e o sucesso do em- preendimento, que espe- . . ramos sep perene e pnme pela excelência. Do ponto de vista de controle, como o cérebro, que de forma natural con- trola o corpo, as empresas precisaram definir uma es- trutura para seu próprio gerenciamento e controle, adotando para si o modelo baseado na hierarquia dos exércitos, que se por um lado se caracteriza por uma extrema disciplina (muito eficiente em tem- pos de paz), por outro aprese-nta-se extremamen- te limitante ao impedir a comunicação entre seus elementos, o que aniquila o instinto humano natural de aprendizado. Quando a filosofia da sociedade mecanicista se defrontou com o proble- ma de como controlar os recursos, considerou capi- tal como recurso escasso e definiu pessoas como in- puts do sistema. Não sen- do as pessoas, recursos tão controláveis e previsíveis, como os recursos de capi- tal, foi necessário descon- siderar a variância entre as pessoas e criar um homem padrão, que pudesse servir de referência, permitindo melhor exercer o controle do modelo conhecido, e de forma que todo o siste- ma de planejamento, in- formação e controle pu- desse ser baseado apenas na alocação de capital. Aliado a isto, a decisão errônea (minha opinião), de que o objetivo das or- ganizações é obter resulta- dos no curto prazo, levou a que elas fossem dese- nhadas para maximizar tanto valor quanto possí- vel de seus ativos (aí in- cluídas pessoas) e de for- ma imediata. Isto criou CEO's imediatistas e com interesses geralmente di- versos dos do acionista (o indivíduo acima da co- munidade e da institui- ção) sacrificando os resul- tados de longo prazo que advêm da melhoria conti- nua e da atualização das competências dos indiví- duos e processos, habili- tando-os a criar novos va- lores (sacrifica-se o ali- mento do amanhã no al- tar de hoje - Dr ucker) para construir a empresa vitoriosa do amanhã. Enfim, tudo ia bem, até que, de repente, a globali- zação e a baixa demanda conduziram a um excesso de capacidade produtiva instalada, por falta de re- cursos dos consumidores e não por não haver a neces- sidade do produto (é a ca- restia na fartura, com fá- bricas trabalhando aquém

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OS CEO'S ESTAOMATANDO AS

EMPRESASNELSON AHMAR

Desde os primór-dias da históriada humanidade, a

mola propulsora do co-nhecimento tem sido acuriosidade e a iniciativa.Pessoas são naturalmente. . .cunosas e, como arumaissociais, motivadas a inte-ragir, interrelacionar-se eaprender umas com asoutras.

Com a história do co-nhecimento sendo transmi-tida de geração a geração,as comunidades evoluíramnum processo contínuo deensinar e aprender, com ocompartilhar informações econhecimentos desempe-nhando papel fundamentalno processo de relaciona-mento coletivo da socieda-de, assegurando o fluxo detornar o conhecimento dis-ponível e perene ao longodo tempo.

Do ponto de vista sis-têmico, se olharmos aanatomia do corpo hu-mano: os sistemas e fun-ções atuando como pro-cessos críticos interde-pendentes asseguram odesempenho do todo,com cada célula (veículospor meio dos quais osprocessos funcionam) seintegrando naturalmente,cumprindo sua atividadee conhecendo sua parcelade contribuição no de-sempenho final mais efi-ciente do sistema, ou ob-jetivo final da entidade.

De forma similar, orga-nizações econômicas sãoentidades pelas quais pes-soas interagem para atin-gir objetivos econômicosindividuais e coletivos.Destes objetivos, estrutu-ras, estratégia, cultura,processos e ações geren-ciais dependem o resulta-do e o sucesso do em-preendimento, que espe-. .ramos sep perene e pnmepela excelência.

Do ponto de vista decontrole, como o cérebro,que de forma natural con-trola o corpo, as empresasprecisaram definir uma es-trutura para seu própriogerenciamento e controle,adotando para si o modelobaseado na hierarquia dosexércitos, que se por umlado se caracteriza poruma extrema disciplina(muito eficiente em tem-pos de paz), por outroaprese-nta-se extremamen-te limitante ao impedir acomunicação entre seuselementos, o que aniquilao instinto humano naturalde aprendizado.

Quando a filosofia dasociedade mecanicista sedefrontou com o proble-ma de como controlar osrecursos, considerou capi-

tal como recurso escasso edefiniu pessoas como in-puts do sistema. Não sen-do as pessoas, recursos tãocontroláveis e previsíveis,como os recursos de capi-tal, foi necessário descon-siderar a variância entre aspessoas e criar um homempadrão, que pudesse servirde referência, permitindomelhor exercer o controledo modelo conhecido, ede forma que todo o siste-ma de planejamento, in-formação e controle pu-desse ser baseado apenasna alocação de capital.

Aliado a isto, a decisãoerrônea (minha opinião),de que o objetivo das or-ganizações é obter resulta-dos no curto prazo, levoua que elas fossem dese-nhadas para maximizartanto valor quanto possí-vel de seus ativos (aí in-cluídas pessoas) e de for-ma imediata. Isto criouCEO's imediatistas e cominteresses geralmente di-versos dos do acionista (oindivíduo acima da co-munidade e da institui-ção) sacrificando os resul-tados de longo prazo queadvêm da melhoria conti-nua e da atualização dascompetências dos indiví-duos e processos, habili-tando-os a criar novos va-lores (sacrifica-se o ali-mento do amanhã no al-tar de hoje - Dr ucker)para construir a empresavitoriosa do amanhã.

Enfim, tudo ia bem, atéque, de repente, a globali-zação e a baixa demandaconduziram a um excessode capacidade produtivainstalada, por falta de re-cursos dos consumidores enão por não haver a neces-sidade do produto (é a ca-restia na fartura, com fá-bricas trabalhando aquém

da sua capacidade produ-tiva e pessoas com desejose necessidades por produ-tos, mas sem poder pagarpor eles). Essas questõesinvalidaram o modelo deinvestimento que definiacapital produtivo como re-curso escasso e economiade escala como fonte úni-ca de vantagem competiti-va, transferindo esta res-ponsabilidade e ônus parao conhecimento e seu de-ployment por toda a em-presa.

As empresas de consul-toria, com extrema com-petência, se aperceberamantecipadamente da erado conhecimento e inves-tem de forma maciça nosseus profissionais, de for-ma a suportar as indús-trias que, ainda distantesdeste mundo, continuama apOIar seu sucesso naeconomia de escala e naredução de custo, enquan-to a batalha do amanhã sedará, com certeza, nacom petição baseada noconhecimento (a competi-ção não pelos produtos,mas pelas competênciasessenciais que criarão osprodutos - Prahalad).

Por conta da estabilida-de e sonolência do am-biente do negócio, os pla-nos estratégicos eram gera-dos como projeções dopassado e esta forma tradi-cional de gerenciamentofuncionava muito bem. Oenfoque era de proteger aposição de mercado, e nãode desenvolver a capacida-de da organização paraperceber um mundo emconstante mudança, comas organizações que apren-dem, como o cérebro. Doponto de vista de gerencia-mento corporativo, estaforma de pensar deixou olegado de uma baixa tradi-

As empresastem pago

um preço muitoalto pelo

egocentrismodo seus CEO's

ção em planejamento, quepor isso quando existe ésuperficial na tratativa,abrangência e escopo, oque tem, de uma formaconstante, frustrado e sur-preendido a alguns quemesmo fazendo as coisascertas (como sempre fize-ram) não têm sido bemsucedidos nas empreitadas.

Ocorre que, como a in-teligência não é um privi-légio da hierarquia, empre-sas têm pago um preçomuito alto pelo egocentris-mo de seus CEO's (pobreda empresa cujo spot estáem poucos homens), jáque nas organizações clás-sicas, o CEO define a dire-ção, formula estratégias econtrola recursos, restandoaos outros o papel de im-plementadores operacio-nais. Não é de se espantar,então, que a hierarquiaconservadora, te-nha demonstra-do tantas limi-tações. Agora,alarmados coma perda de com-petitividade, or-ganizações bus-cam a altos cus-tos disseminar oempowerment. .por quaIsquer meros.

O máximo que têmconseguido, porém, é umtempo para tomar fôlego,pois o comportamento e orelacionamento entre aspessoas não mudaram, jáque a prática do gerencia-mento autoritário e hierar-quizado foi gravada deforma radical no códigosgenéticos dos colaborado-res e mudanças de com-portamento exigem credi-bilidade e confiança mú-tua (tanto na ética, comona competência do CEO).

Isto terá de ser mudado,pois o novo desenho de or-

ganização exige um CEOmenos egocêntrico, que su-bleve o papel de arquitetoda estratégia da empresa econtrolador burocrata paraassumir o papel de líder damudança do comporta-mento organizacional, aju-dando a desenvolver pes-soas que compartilham oconhecimento para desen-volver negócios e alavancara empresa.

Como as atividades econtribuições esperadasnão estão explicitamentedefinidas, o CEO tende air para a sua zona deconforto, em que o papelde controlador adminis-trativo da operação, dediscutir o imediatismodas reduções de custos,dos cortes nos investi-mentos, das estruturas edetalhes da operação(que podem de forma

muito mais efi-ciente e com-petente ser fei-tas por seus as-sessores) lhes éfamiliar.

Parece irrea-lizável. Por umlado desejamosCEO's constru-tores de redes e

arquiteturas de informa-ções e coaches de gentes,enquanto por outro ladoeles podem não saber fa-zer diferente, pois cresce-ram, foram valorizados ereconhecidos neste mun-do, onde o que sabem fa-zer é reduzir custos (emgeral downsizing leva, nãoao crescimento no longoprazo, mas a mais downsi-zing no futuro).

Enfim, o enfoque tra-dicional da quiromancia(tentar prever o futuro eplanejar para ele), conti-nua sendo sua forma pre-ferida de trabalho, em

oposição ao desafio deperceber as mudançasemergentes, pOlS que, nu-ma economia baseada nainformação, no conheci-mento e na competitivi-dade, a competência cen-tral da empresa passa aser a sua capacidade dedesenvolver e aplicar co-nhecimento escasso e ha-bilidades, recrutando edesenvolvendo recursos.A empresa vista não maiscomo um "pool" aleató-rio de recursos e sim estescomo fonte de vantagemcompetitiva, em que al-gumas rastreiam o mun-do à caça de recursos eoutras investem, os de-senvolvem e não sabemcomo usá-los.

Desenvolvidos os re-cursos, o próximo grandedesafio é mantê-los (aqualidade do recurso é aúnica coisa que nos dis-tingue da concorrência),pois não basta desenvolverrecursos supenores se aempresa não consegue ob-ter vantagens por deter eacumular estas ilhas de in-formação.

E não existe outra saída,pois a habilidade de com-partilhar, transferir e ala-vancar o conhecimentofragmentado precisa serdesenvolvida, de forma aque a empresa sep capazde explorar os benefíciosdeste contínuo fluxo deconhecimento por meiodas suas fronteiras, criandopontes que interliguem es-tas ilhas e transferindo, deforma rotineira, as "bestpractices", por toda a ca-deia, aplicando um fatormultiplicador no conheci-mento individual, numprocesso coletivo de apren-dizado compartilhado.

Alguns até tentaram osacrifício de entender e

aplicar o Planejamento es-tratégico, de forma a su-portar a visão de longo emédio prazo. Mas, devidoà forma que aplicaram e àsua distância da realidade,se frustraram ainda mais eacabaram enterrando a es-tratégia, já que as distor-ções se reforçam quandoquem nunca esteve nofront define as táticas daguerrilha e os que já esti-veram lá não participamna definição da estratégia(Nem todos os generaisforam mortos - Drucker).É quando definir um ob-jetivo lindo ou uma visãomaravilhosa, não garan-tem o sucesso, pois a visãojamais será melhor que ovisionário que a criou.

Enfim, o CEO que foibem-sucedido no ambien-te tradicional de controlarrecursos e pessoas, numestilo gerencial marcadopelo autoritarismo, cen-tralização sem comparti-lhamento de decisões ecom alta distância entreseu poder e a ação, temmuita dificuldade em seajustar ao papel de treina-dor e de integrado r, paraassumir a responsabilida-de não de desenvolver onegócio, e sim de desen-volver pessoas que desen-volvam negócios, e conti-nuem a construção da or-ganização que aprendesempre e que será vitorio-sa, mesmo quando ele ti-ver se retirado e num tem-po que jamais conhecerá.

Cada dia mais o currí-culo deste homem capazde construir a empresa vi-toriosa, se confunde como de alguém com determi-nação e disposição sufi-cientes para quebrar os pa-radigmas do administra-dor tradicional. Um cons-trutor de pontes que per-

mita o conhecimento per-mear, por meio das fron-teiras das funções, proces-sos e pessoas, de forma aobter a máxima sinergia eaproveitar no limite as po-tencialidades do sistema.

Alguém que enxergue,além das pessoas, colabo-radores poderosos, cadadia melhor preparados,amantes da iniciativa, dosresultados e da com-petição, que acreditamque a missão será atingidae cuja motivação é o de-safio em si. I!l

NELSON AHMAR é enge-nheiro, MBA - London Busi-ness School - Londres / FGVe Professor de Gerência deNegócios na ESPM.