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OS BENEFÍCIOS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS À VIDA DO PSICOSSOMÁTICO __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Autores: Leonardo Della Pasqua, Jorge Trindade(orientador) ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ RESUMO Introdução: a presente monografia visa identificar a existência de benefícios à vida de pessoas com enfermidades psicossomáticas, que freqüentam a IURD e a investigação destes benefícios. Metodologia utilizada: este trabalho é um estudo exploratório, qualitativo que utiliza-se do método indutivo. Foi elaborado um protocolo de entrevista, especificamente elaborado para esta pesquisa, sendo realizadas entrevistas semi-estruturadas com 4 participantes, que fazem parte da amostra desta monografia. Resultados: A partir da análise de conteúdo das entrevistas com os participantes, pode-se identificar verbalizações que relatam a cura total das doenças psicossomáticas, assim com mudanças radicais na vida dos crentes, o que nos sugere uma modificação na produção simbólica destes sujeitos, de forma concreta e operatória, através de uma linguagem metafórica: A Palavra de Deus. Conclusão: A partir deste estudo, pode-se inferir que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) desenvolve auto-estima e autoconfiança daqueles que a procuram, ensinando a partir de suas doutrinas, como se relacionar com o mundo, auxiliando o crente a enfrentar as dificuldades da vida diária, manipulando comportamentos e expectativas. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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OS BENEFÍCIOS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

À VIDA DO PSICOSSOMÁTICO

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

A u t o r e s : L e o n a r d o D e l l a P a s q u a , J o r g e T r i n d a d e ( o r i e n t a d o r ) ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ RESUMO

Introdução: a presente monografia visa identificar a existência de benefícios à vida de pessoas com enfermidades psicossomáticas, que freqüentam a IURD e a investigação destes benefícios.

Metodologia utilizada: este trabalho é um estudo exploratório, qualitativo que utiliza-se do método indutivo. Foi elaborado um protocolo de entrevista, especificamente elaborado para esta pesquisa, sendo realizadas entrevistas semi-estruturadas com 4 participantes, que fazem parte da amostra desta monografia.

Resultados: A partir da análise de conteúdo das entrevistas com os participantes, pode-se identificar verbalizações que relatam a cura total das doenças psicossomáticas, assim com mudanças radicais na vida dos crentes, o que nos sugere uma modificação na produção simbólica destes sujeitos, de forma concreta e operatória, através de uma linguagem metafórica: A Palavra de Deus.

Conclusão: A partir deste estudo, pode-se inferir que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) desenvolve auto-estima e autoconfiança daqueles que a procuram, ensinando a partir de suas doutrinas, como se relacionar com o mundo, auxiliando o crente a enfrentar as dificuldades da vida diária, manipulando comportamentos e expectativas.

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“A maioria das pessoas vai à igreja em busca das promessas bíblicas,ou no máximo, para cumprir um compromisso religioso e não em busca de um sincero conserto com Deus. Por causa disso, a solução de seus problemas pessoais tem demorado um tempo muito mais longo. Não é que o senhor dificulte seus favores, mas o grande problema é a ansiedade em busca de solução. Quanto mais elas se mostram ansiosas na busca de solução, mais difícil se tornam suas conquistas, porque a ansiedade e a preocupação são sintomas evidentes de dúvidas. E havendo dúvidas, a fé se torna inoperante.”

Edir Macedo (Folha Universal, nº 423, maio de 2000)

INTRODUÇÃO

A presente monografia vislumbra embasar teórica e metodologicamente a pesquisa de campo que foi realizada no Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia.

O campo de estudo escolhido foi o da Psicologia Clínica, objetivando uma análise investigativa dos benefícios da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) às vidas da pessoas com enfermidades psicossomáticas.

Para esse fim realiza-se um estudo teórico a respeito da Psicossomática, investigando a falta ou insuficiência de mecanismos simbólicos para representar psiquicamente as experiências emocionais, embasando-se nas formulações de McDougall, Marty, Mello Filho e autores da própria Universidade.

Procura-se também levantar a literatura a respeito do totemismo, o tabu, o animismo, a origem das religiões, o cristianismo, o pentecostalismo e o neopentecostalismo, mais especificamente a Igreja Universal. A revisão bibliográfica é fundamentada em textos da Sociologia e Antropologia, envolvendo os postulados de Freud, Challaye, Mariano, Pierucci e Prandi.

A partir da análise de conteúdo das entrevistas com os participantes deste estudo, a luz da literatura pesquisada, busca-se identificar que benefícios a IURD oferece a vida dos sujeitos psicossomáticos.

Justificativa

Este trabalho científico é destinado a uma aplicabilidade teórico-prática dos conhecimentos alinhavados ao longo do curso de Psicologia. A área escolhida pelo autor desta monografia é a clínica, tendo em vista a identificação pessoal com sua teoria, técnica e prática.

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O interesse pelo estudo em questão surgiu a partir da experiência de estágio de clínica do autor desta monografia. O local de estágio, era um posto de saúde que atendia a uma população carente. Faziam parte das tarefas dos estagiários a co-coordenação de grupos operativos com pacientes psicossomáticos e a atuação no serviço de emergência do posto, onde os estagiários de Psicologia eram freqüêntemente requeridos quando chegavam pacientes com distúrbios psicossomáticos, associados à crises de angústia.

Enquanto estagiário, a operatividade do pensamento de alguns destes pacientes (e não eram poucos), a quantidade de casos e a semelhança de seus pensamentos com as descrições teóricas sobre psicossomática, impressionaram o autor deste trabalho.

A religião sempre foi de interesse deste autor, pela sua alienação e modificação da realidade e, paradoxalmente, a suposição da melhoria na vida dos crentes que dela participam. A Igreja Universal tornou-se foco de interesse, a partir do episódio ocorrido em São Paulo, em 12 de outubro de 1995, onde um pastor desta igreja chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, em seu feriado nacional, desafiando a igreja católica, acusando-a de dificultar o contato com Deus.

A Igreja, que comprara um canal de televisão e transmitia programas religiosos, oferecia a cura total de todas as doenças. Pessoas que afirmam terem sido doentes, ainda hoje, dão depoimentos nestes programas, declarando a cura de suas enfermidades. Enquanto estudante de Psicologia, este autor desconhece técnica terapêutica tão eficaz, no que tange à sua profissão. Que instrumento esta igreja utiliza para conseguir tais “milagres”? Apenas pela Palavra de Deus? Será que é tudo ilusão? O que a Psicologia pode aprender com o estudo desta igreja e das religiões?

Sabe-se da abrangência da utilização do conceito “psicosomática” no meio científico. Não se almeja uma detalhada especificação conceitual desta terminologia. Também não é objetivo deste estudo responder a todas as questões acima levantadas, limitando-se a identificar a existência de benefícios da IURD na vida de indivíduos psicossomáticos e apontar quais são estes benefícios, deixando para estudos posteriores a investigação de tais questões.

Objetivos

Objetivos Gerais

Investigar, por meio de pesquisa, como os sujeitos psicossomáticos vivenciam a experiência de freqüentar a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

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Objetivos Específicos

Verificar se existem benefícios à vida dos sujeitos com enfermidades psicossomáticas, que freqüentam a IURD.

Verificar quais os benefícios à vida destes sujeitos, que freqüentam a IURD.

Objetivos Acadêmicos

Exercitar o posicionamento crítico diante o estudo teórico - prático;

Subsidiar pesquisas posteriores conforme as conclusões e questionamentos oriundos desse trabalho.

Cumprir exigência acadêmica para graduação em psicologia.

Tipo de pesquisa

Este estudo é de caráter exploratório, qualitativo, que tem como objetivo formular questões para aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente, fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos.

Teoria de base

A presente monografia segue, como teoria de base, o marco referencial oferecido pela Psicanálise clássica, nomeadamente aquele formulado por Freud em Atos obsessivos e práticas religiosas (1907), Totem e tabu (1913), Luto e melancolia (1917), Além do princípio do prazer (1920), O futuro de uma ilusão (1927), Moisés e o monoteísmo (1939).

Não obstante, o referencial clássico foi enriquecido pela Escola Francesa, representada por Joyce McDougall [Em defesa de uma certa anormalidade (1983) e As múltiplas faces de eros (1997)] e

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Pierre Marty [A psicossomática do adulto (1993) e Mentalização e psicossomática (1998)], no que tange aos aspectos estritamente psicossomáticos.

De resto, no que se refere a Igreja Universal do Reino de Deus, utilizou-se o referencial que obedece a principiologia formulada por Edir Macedo, nomeadamente, Doutrinas da Igreja Universal (1998) e textos da sociologia e antropologia de estudiosos da FFLCH-USP, como Prandi, Almeida, Mariano e Pierucci, todos os textos de 1996.

Questões norteadoras

1. No âmbito dos participantes deste estudo, há benefícios nas vidas de pessoas portadoras de doenças psicossomáticas que se convertem cristãs na Igreja Universal do Reino de Deus?

2. Quais são os benefícios evidenciados nas vidas de pessoas portadoras de doenças psicossomáticas que se convertem cristãs, na Igreja Universal do Reino de Deus, no âmbito dos participantes?

Sistema conceitual

Os conceitos que compõem o sistema deste relatório podem ser agrupados da seguinte forma:

1. Demônio – Espírito maligno; gênio do mal; pessoa má; pessoa turbulenta; pessoa feia; Diabo.

2. IURD – Igreja Universal do Reino de Deus.

3. Conversão religiosa – Ato ou efeito de converter, de passar um indivíduo de um grupo religioso para outro, de uma para outra seita ou religião.

4. Religião – sistema solidário de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, separadas, interditas e que se unem em uma mesma comunidade moral, chamada de igreja, todos os que aderem a este sistema.

5. Fé – Crença religiosa; firmeza ou pontualidade na execução de uma promessa ou compromisso; confiança; divindade alegórica; crença cega; ausência de espírito doloso.

6. Cura – Ato ou efeito de curar; tratamento; restabelecimento da saúde.

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7. Psicossomática – doença somática que sofre influência psíquica, onde o psiquismo não utiliza as palavras para representar as experiências emocionais..

8. Dízimo - A décima parte da renda dos indivíduos que é doada para a igreja, com a finalidade de alcançar as bênçãos desejadas.

R E V I S Ã O B I B L I O G R Á F I C A

Psicossomática:

Todos os pacientes somáticos trazem uma marca psicológica consigo, pois se queixam. Algo em seu corpo não vai bem, sendo uma ameaça à integridade do indivíduo, pois sentir-se doente é uma ferida narcísica. Há pessoas que se sentem doentes sem estar. Estes sujeitos apresentam manifestações hipocondríacas, histéricas ou somatizações (Mello Filho, 1997; Santos Filho, 1992; Barros,1995).

Para Cassel (1981), quando alguém adoece, perde vínculos, os sentimentos de perda de controle são intensos, o que lhes pertence desmorona, desfaz-se a lógica, podendo ocorrer também distorções no seu relacionamento com o próprio corpo, com as demais pessoas, com seu trabalho e com os demais aspectos de si mesmo como indivíduo particular e membro de uma sociedade. Essas alterações do comportamento, muitas vezes, fazem parte tanto da doença, como da enfermidade física como tal.

Giannotti (1998) afirma que a enfermidade psicossomática evolui a partir da dieta, da evolução orgânica, das condições sociais do indivíduo, do estresse, das distorções na comunicação e formas iatrogênicas de interação, do comportamento do doente frente à doença, das atitudes da família, da aceitação ou recusa do tratamento, da maneira como são elaboradas as fantasias destrutivas sobre internação e cirurgia e das fantasias sobre o surgimento da doença. Os métodos utilizados geralmente são clínicos ou cirúrgicos, visando a remoção dos sintomas, alcançando efeitos temporários. O autor coloca a importância da interconsulta médico-psicólogo, viabilizando a penetração operacional das concepções psicossomáticas na rotina do atendimento.

Conforme Cassel (1981), todos estamos vinculados com o mundo por meio de nossos inter-relacionamentos e com nosso lugar no meio social. Para alguns, essa vinculação é mais importante do que para outros, mas a interação que mantemos é vital para a nossa própria manutenção. Na doença, todas essas coisas mudam (Cassel, 1981). Essa desvinculação, provocada pela doença, não é somente social, podendo ocorrer em todas as áreas da vida, pois existimos na medida em que nos vinculamos (Cassel,1981).

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Em Além do princípio do prazer, Freud (1920) coloca que a consciência produz percepções de excitação provindas do mundo externo e de sentimentos de prazer e desprazer que só podem surgir no interior do aparelho psíquico – através do sistema Ics. Nos coloca a questão da intemporalidade do inconsniente, apoiado pelo modelo kantiano de ‘formas necessárias de pensamento’.

Seguindo o modelo freudiano, o sistema Pcpt.-Cs fornece um ‘escudo contra os estímulos’. O autor sustenta suas idéias a partir da embriologia do sistema nervoso central. Os processos excitatórios, provindos de estímulos do mundo externo, carregado das mais poderosas energias, seguiriam um caminho diferente na superfície da vesícula primitiva – na superfície cortical – do que nas camadas mais profundas do córtex, nos organismos mais desenvolvidos. Sem o escudo contra estímulos, a vesícula morreria pelas estimulações provindas do mundo externo. O córtex sensitivo seguinte a este escudo protetor é um orgão para a recepção de estímulos do exterior, devendo tornar-se no sistema Cs. Em seguida, Freud (1920) nos traz o conceito de projeção como mecanismo defensivo para lidar com as sensações da série prazer-desprazer, provindas do interior do organismo.

“O desprazer específico do sofrimento físico provavelmente resulta de que o escudo protetor tenha sido atravessado numa área limitada. Dá-se então um fluxo contínuo de excitações desde a parte da periferia relacionada até o aparelho central da mente, tal como normalmente surgiria apenas desde o interior do aparelho” (Freud, 1920, p.45, itálico no original).

Freud (1917) refere que tanto no luto como na melancolia, há um desânimo penoso, seguido pela cessação do interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição a toda e qualquer atividade. No luto, a perda real do objeto exige que a libido seja retirada de suas ligações com o objeto perdido. Ocorre uma inibição melancólica, no qual o ego é absorvido. É um processo natural e contra indica uma intervenção psicanalítica.

Na melancolia, o objeto pode não ter morrido, sendo perdido enquanto objeto de amor (Freud, 1917). O melancólico exibe uma intensa diminuição de sua auto-estima, sendo comuns auto-recriminações, auto-envelhecimento e uma expectativa delirante de punição. As auto-recriminações são feitas a um objeto amado, deslocadas para o ego do paciente, havendo uma identificação do ego com o objeto amado e uma escolha objetal narcisista. A insônia atesta um fator somático no melancólico, pela impossibilidade – da mente do paciente – de efetuar o retraimento das catexias necessárias para o sono.

“Na melancolia (...) travam-se inúmeras lutas isoladas em torno do objeto, nas quais o ódio e o amor se digladiam; um procura separar a libido do objeto, o outro, defender essa posição da libido contra o assédio. A localização dessas lutas isoladas só pode ser atribuída ao sistema Ics., a região dos traços de memória de coisas (em contraste com as catexias da palavra)” (Freud, 1917, p.261, itálicos no original;)

Marty (1993) refere que a psicossomática considera os movimentos psíquicos e somáticos, tendo interesse em estudar as relações dinâmicas do psiquismo e do somático em crianças e adolescentes. A pssicossomática contribui para o enriquecimento da Psicanálise e os psicanalistas

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por diversas razões, tais como: a noção de mentalização, as neuroses de comportamento, os mecanismos das fixações e regressões, o interesse na primeira tópica freudiana, as dimensões do pré-consciente e as origens somáticas de sua construção (Marty, 1993).

O pensamento operatório é um pensamento consciente, deslibidinizado, sem ligação com movimentos fantasmáticos (Marty, 1993). Pode ser considerado como uma modalidade do processo secundário, pois possui orientação para a realidade, a preocupação de causalidade, de lógica e de continuidade. Seu processo de investimento é arcaico, pois há uma precariedade de conexão com as palavras, ligando o pensamento a coisas e não conceitos abstratos.

O lugar das representações e associações existentes entre elas é no sistema pré-consciente (Marty, 1993,1998). As representações de coisas referem-se as realidades de ordem sensório-perceptiva. As representações de palavra se produzem a partir da percepção da linguagem dos outros. A organização das representações do psicossomático ocorre por falta ou insuficiência de aquisição de representações de palavras ligadas a valores afetivos e simbólicos (Marty, 1993).

Em relação aos sonhos dos pacientes somáticos, Marty (1996) os caracterizou em quatro categorias: ausência de sonhos, que corresponderia a um isolamento do inconsciente, onde as excitações pulsionais investem em outras vias de representação e elaboração onírica; sonhos operarórios, onde predominam a objetividade, realidade e ausência de deformações – já que as excitações inconscientes não passariam pela via das representações elementares do trabalho onírico; sonhos repetitivos, com uma falha na programação do sistema onírico, onde a excitação corporal é constante – o aparelho mental permanece preso ao último vestígio traumático de um resto diurno permanente; e os sonhos crus – cenas diretas de realização de fins pulsionais – representados de maneira mais ou menos familiar, sem rodeios, podendo aparecer condensações, deslocamentos, projeções e histórias associativas ligadas aos restos diurnos.

Marty (1996) considera que os sonhos possuem excelentes elementos diagnósticos do funcionamento do sistema pré-consciente, nas diferentes disfunções psicológicas. Apresenta a evolução do fenômeno da censura em cada nível do aparelho mental, relacionando este processo a aquisição individual da linguagem. As somatizações corresponderiam a falhas mentais – insuficiência do processo do pensamento – com descargas mentais do tipo regressivo, representadas nos sonhos dos pacientes.

Silva e Caldeira (1992) aprofundam a questão da psicossomática, pensando sobre os conceitos de pensamento operatório e Alexitimia – provindos de Marty e Múzan, e de Sífneos, respectivamente. Os portadores de pensamento operatório são dependentes ou ‘hiperadaptados’, pois investem intensamente na realidade externa. São afastadas da mente as percepções ou representações carregadas de afeto e as tensões físicas permanecem no campo físico, onde “(...) os resíduos diurnos não se articulam com os traços de memória, portanto, não se traduzem em elaborações adequadas de sonhos, tornando pobre a vida fantasmática e não podendo ser usado adequadamente como cenário da pulsão” (Silva, Caldeira, p.113).

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Em 1973, o termo Alexitimia foi introduzido por Sífneos (Marty, 1993). Pode ser traduzido como ‘ausência de palavras para nomear as emoções’. Essas características são encontradas também em outros quadros clínicos, mas predominam nos quadros psicossomáticos, que possuem maior ‘vulnerabilidade psicossomática’ (Silva e Caldeira, 1992).

Os autores também nos apresentam o trabalho de Chevinik, que estudou os aspectos narcisistas e contratransferenciais em pacientes psicossomáticos. Sentimentos de inércia nas consultas, paralisação interior, frustração, aborrecimento e tédio são comuns (Silva e Caldeira, 1992).

Segundo McDougall (1983), pode ocorrer uma surdez contratransferencial por parte do analista, onde o soma inexplicável dos pacientes é sentido como uma afronta narcísica à onipotência interpretativa do terapeuta.

McDougall (1983) refere que nas doenças psicossomáticas há uma resistência contra tudo que abalar o psiquismo do sujeito, onde os atos-sintomas preenchem a carência na elaboração psíquica, “(...)na somatização o corpo não fala mais – age” (McDougall, 1983, p. 136)

Conforme McDougall (1997), o amor e o ódio, que mais tarde são verbalmente identificados como emoções, estão inicialmente confusos na mente do bebê. Esta confusão pode persistir até a vida adulta, fazendo com que os adultos sintam-se perturbados em seus relacionamentos.

A mãe é internalizada como perigosa e persecutória, responsável pelo sofrimento físico e psíquico do paciente (McDougall, 1983, 1997). Nestes pacientes, haveria um bloqueamento na capacidade de representar ou elaborar as demandas instintivas do corpo para o psíquico. A mãe exerce uma função calmante, exigindo uma função libidinal inapropriada, impedindo a instauração do auto – erotismo primário e a introjeção fantasmática da mãe-seio. “(...)Em casos extremos, a carência dessa interiorização tem por conseqüência nefasta, ou mesmo mortífera, a exclusão da atividade libidinal da cadeia simbólica” (McDougall, 1983, p.140; itálicos no original).

Para McDougall (1983, 1997), algumas vezes, a equação inconsciente de amor e ódio é enfrentada com total forclusão dos conflitos despertados, aumentando a vulnerabilidade psicossomática e, raramente, precipitando momentos de descompensação psicótica. A autora descobriu que seus pacientes “tinham sido alvo de experiências transbordantemente afetivas que não chegaram a alcançar representação psíquica, de modo que apenas o pólo somático do afeto era observável” (McDougall, 1997, p.135, itálico no original).

A criança leva tempo para realizar sua unidade psicossomática, ‘habitando’ o corpo, para depois nomear emoções (McDougall, 1983, 1997). A impossibilidade de inserção no código lingüístico das experiências afetivas e corporais, depende do contato íntimo entre a mãe e a criança.

“O afeto, ao contrário da idéia, é um conceito limítrofe entre corpo e psique;(...) Essa ponte de comunicação vital estabelecida antes da aquisição da fala, oferece a primeira demarcação de um estatuto simbólico para o eu - somático, futuro habitat do Eu no fantasma do sujeito falante” (McDougall, 1983; p.157 )

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A relação deslibidinizada, operatória e a pobreza na captação e comunicação das vivências afetivas serve como defesa maciça contra a dor mental (McDougall, 1983, 1997). O ‘espaço vazio’, nestes pacientes, revela o temor provocado pelas suas relações fusionais e pela luta contra a indiferenciação em relação ao outro. A psique recusa-se a reconhecer o sofrimento e o soma prepara-se para combater um perigo biológico. O corpo tentará ‘expulsar’ ou ‘reter’ as emoções.

McDougall (1997) observou duas características opostas atribuídas ao objeto materno interior: a) recusa da mãe ao contato corporal próximo, forçando uma comunicação simbólica prematura, levando à autonomia física e mental em alguns casos; b) a mãe interna é vivenciada como o terror da mãe em ser devorada, absorvida, esvaziada, por seu bebê. As somatizações são conceituadas como formas de funcionamento pré-verbal, constituindo uma protolinguagem.

“Quando a angústia, a aflição, a fúria não reconhecida, o terror ou a excitação incomum são somatizados em vez de serem reconhecidos e processados mentalmente, o indivíduo submerge numa forma primitiva de pensamento, na qual os significantes são pré-verbais” (McDougall 1997, p.169; itálico no original)

Santos, Barros (1997) realizaram um estudo exploratório com dez pacientes (5 homens e 5 mulheres) com diagnóstico de cardiopatia isquêmica. O método utilizado foi uma entrevista semidirigida e a aplicação da lâminas 1, 6V, 6N, 11, 13N e 19 do TAT. As autoras encontraram falhas na relação com o objeto primário (mãe), que despertam angústias, inseguranças, medos, traumas, dificuldades de estabelecimento e manutenção de vínculos, falta de segurança básica, necessidade de proteção e ajuda, comportamento regressivo, dificuldade de enfrentar a realidade, havendo uma exacerbação do instinto de morte (Santos, Barros, 1997).

O modelo de Bion sobre o perfil psicodinâmico de pacientes somáticos é o seguinte(apud Zimerman, 1995): os elementos (protopensamentos formados no psiquismo infantil de tais pacientes) são imediatamente evacuados – pelo uso expulsivo da cisão e identificações projetivas patológicas – via somatizações ou actings (Zimerman, 1995). Estas experiências sensoriais e emocionais primitivas não se prestam a serem pensadas – como o nível de abstração ou conceituação dos elementos - precisando ser aliviados para fora do organismo.

Bion (apud Zimerman, 1995) também nos coloca uma outra possibilidade do aparelho de pensar os pensamentos lidar com a dor psíquica – onde se enquadram as somatizações. Chama esta formação de ‘reversão da função ’. A função simbólica (função ), exercida pela mãe com capacidade de reverie – de acolher, significar e nomear as angústias do filho, para depois devolvê-las adequadamente – enfrenta intensa dor psíquica e recua, produzindo elementos , manifestando-se através de delírios, alucinações e fenômenos psicossomáticos, descarregando dentro do corpo suas angústias primitivas, não havendo possibilidade de ‘aprender com a experiência’.

As idéias bionianas também são defendidas por Lages (1995), que aprofunda um pouco mais a questão. Sugere a troca de nomenclatura para ‘somatopsicose’, já que pensa que o termo psicossomático esteja muito ligado à idéia de histeria.

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Segundo a autora, nos casos de alergia e asma alérgica: “(...)o objeto identificado com a função materna mostra-se narcisista, onipotente e dominador. Como o ego do somatopsicótico não pode reconhecer os não-egos, (...) não consegue conter e decodificar os impulsos agressivos jogados sadicamente para o interior do mesmo” (Lages, 1995; p.67).

A função psicanalítica da personalidade deve mostrar-se sem memória, sem desejo, sem compreensão, para poder tolerar e ultrapassar um não-seio, em um pensamento a procura de um pensador (Lages, 1995).

Religião e história

Para Freud (1913) um totem é, via de regra, um animal, um vegetal ou fenômeno natural que mantém uma relação íntima com todo o clã. É um antepassado comum do clã, seu espírito guardião e auxiliar. Os integrantes do clã tem a obrigação sagrada, sujeitas a punições automáticas, de não matar, não destruir e evitar comer a carne de seu totem. Quando um homem primitivo depositava sua alma no totem, ele se tornava invulnerável e evitava qualquer dano ao mesmo (Freud, 1913)

Em Totem e Tabu, Freud (1913) afirma que, nos povos primitivos, em quase todos os lugares que encontramos totens, encontramos também “uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra seu casamento” (Freud, 1913, p. 23, grifo do autor). Os totens eram herdados apenas da linha feminina e os membros do mesmo clã totêmico estavam proibidos de ter relações sexuais entre si. Este é o princípio da exogamia, uma instituição relacionada ao totemismo. As restrições produzidas pela introdução das classes matrimoniais afetaram a liberdade sexual da geração mais jovem, ou seja, os incestos entre irmãos e entre filhos e mães eram proibidos. O incesto entre pais e filhas só foi impedido ulteriormente

Existem três espécies de totens (Freud, 1913): 1) o totem do clã; 2) o totem do sexo; 3) o totem individual. O totemismo constitui uma religião e um sistema social. No seu aspecto religioso, consiste nas relações de respeito e proteção entre um homem e seu totem. Em seu aspecto social, consiste na relação dos integrantes do clã entre si e com os homens de outros clãs. Algumas religiões modernas possuem traços de totemismo (Freud, 1913; Challaye, 1967).

Freud (1913) refere que o significado de tabu diverge em dois sentidos contrários, significando ao mesmo tempo “sagrado”, “consagrado” e “misterioso”, “perigoso”, “proibido”, “impuro”. O tabu abrange (Freud, 1913):

a) o caráter sagrado ou impuro de pessoas ou coisas;

b) a espécie de proibição que resulta este caráter;

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c) a santidade ou impureza que é resultado da violação de uma proibição.

Os tabus, são distinguidos em várias classes (Freud, 1913):

a) naturais ou diretos, resultado do mana – poder misterioso ou influência mágica inerente a uma pessoa ou coisa;

b) comunicados ou indiretos (também influenciado pelo mana) adquiridos ou impostos por um sacerdote, chefe ou outra pessoa;

c) intermediários, em que ambos os fatores estão presentes.

Os tabus visam (Freud, 1913):

a) proteção de coisas e pessoas importantes contra o mal;

b) salvaguarda dos fracos de influência do mana de chefes e sacerdotes;

c) precaução contra os perigos do contato e manuseio com cadáveres, ingestão de certos alimentos;

d) guarda contra interferências aos principais atos da vida – nascimento, casamento;

e) proteção dos seres humanos contra a cólera ou poderes de deuses e espíritos;

f) proteção de crianças em gestação;

g) proteção contra ladrões a propriedade de um indivíduo, seus campos, ferramentas.

A relação do totemismo com o mana (poder misterioso ou influência mágica) e o tabu (isto é, a proibição) é também extensamente estudada por Challaye (1967). Este autor considera que o totemismo teve profunda influência sobre a vida intelectual, moral, social e religiosa da humanidade.

Para Freud (1913) o termo animismo, significa doutrinas de almas e doutrinas de seres espirituais em reais. Também é usado para indicar o caráter vivo daquelas coisas que nos parecem inanimadas. O animismo, ou seja, a feitiçaria, a magia, revela uma intenção de impor as leis que regem a vida mental à realidade através da onipotência do pensamento. É o que constitui o centro do animismo. Uma criação humana, determinada pela realidade do pensamento, com a função de aliviar a inconformidade humana perante a morte (Freud, 1913). No animismo, os homens atribuem a si a onipotência dos pensamentos. Na fase religiosa deslocam-na para os deuses, mas eles mesmos não desistem dela totalmente, influenciando os deuses através de seus desejos. Na fase científica, os homens reconheceram a pequenez humana e submeteram-se à morte, e o pouco que restou da onipotência dos pensamentos “ainda sobrevive na fé dos homens no poder da mente humana, que entra em luta com as leis da realidade” (Freud, 1913, p.99).

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Segundo Challaye (1967), no animismo encontra-se algumas das teses do totemismo: idéia do mana, do tabu, idéia dos ancestrais míticos, semi-animais, semi-humanos. Porém, encontram-se sobrevivências do animismo e do totemismo em todas as religiões de todos os meios, em todos os tempos

Freud (1939) refere que, para a interpretação analítica, as famílias são uma só e a mesma cronologicamente diferenciadas. O herói é aquele que se rebelou contra o próprio pai e o sobrepujou vitoriosamente. A fim de se ajustar à história a uma nova intenção, os fatos são deformados para se atingir um novo fim. Considera a religião uma neurose da humanidade, explicando seu poder da mesma maneira que as compulsões neuróticas de seus pacientes individuais. Os fenômenos religiosos são como o retorno de acontecimentos importantes, há muito tempo esquecidos, na história primeva da família humana.

Esta idéia é também defendida em anos anteriores (Freud, 1907, 1913, 1927). Freud (1907, 1913, 1927, 1939) descreve a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal.

“As pessoas que praticam atos obsessivos ou cerimoniais pertencem à mesma classe das que sofrem de pensamento obsessivo, idéias obsessivas, impulsos obsessivos e afins. Isto, em conjunto, constitui uma entidade clínica especial, que comumente se denomina de ‘neurose obsessiva’” (Freud, 1907, p.109)

Segundo Freud (1907), aquele que sofre de compulsões e proibições comporta-se como se estivesse dominado por um sentimento de culpa inconsciente, originado de certos eventos mentais primitivos. Na neurose obsessiva e nos atos cerimoniais, há sempre a repressão de um impulso instintual e a utilização do mecanismo de defesa formação reativa contra os objetivos desse impulso. Este sentimento de culpa é revivido repetidas vezes pelas tentações de cada nova provocação que acarreta nova renúncia ao instinto. “Além disso, acarreta um furtivo sentimento de ansiedade expectante, uma expectativa de infortúnio ligada , através da idéia de punição, à percepção interna da tentação” (Freud, 1907, p.114)

O cerimonial surge como um ato de defesa, uma medida protetora, onde a pessoa tem consciência do que deve fazer para evitar algum mal, alguma punição de uma transgressão a uma proibição. Há exigência que o indivíduo sacrifique seu prazer instintual, que é mal e socialmente nocivo, à divindade (Freud, 1907).

Freud (1913) refere que para os povos primitivos, tudo é proibido. Estas proibições se dirigem principalmente contra a liberdade de prazer e contra a liberdade de movimento e comunicação. São proibições a coisas desejadas, pois não há motivo em se proibir algo desprovido de desejo.

“Teríamos que supor que o impulso de matar acha-se realmente presente no inconsciente e que nem os tabus e nem as proibições morais são psicologicamente supérfluos, mas, pelo contrário, explicam-se e justificam-se pela existência de uma atitude ambivalente para com o impulso de matar” (Freud, 1913, p.82).

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Os tabus e as autoproibições que são sujeitos os pacientes obsessivos, possuem pontos de concordância (Freud, 1913):

a) surgem em um momento não especificado, mantidos por um medo intenso;

b) há uma certeza de que qualquer violação conduzirá a uma desgraça;

c) são mantidos por uma necessidade interna, um sentimento ambivalente – de amor e ódio – com um objeto determinado;

d) são facilmente deslocáveis e há risco de infecção proveniente do contato com o proibido;

e) criam imposições para a realização de atos cerimonias

Freud (1939) defende a idéia que Moisés era na verdade egípcio, nascido das famílias de faraós ou parentes destes. Com o advento do Êxodo, resultando na saída dos judeus do Egito, Moisés introduz ao povo uma religião monoteísta, de um só Deus, incluindo a abdicação da crença de imortalidade e rituais de magia. Porém, Moisés mantém o costume da circuncisão, provinda da cultura egípcia, significando superioridade, pureza: ‘povo santo’. Seu significado inconsciente é um substituto simbólico da castração que o pai primevo infligira a seus filhos na plenitude de seu poder absoluto.

Freud (1939) prosseguiu suas investigações, deduzindo que a figura de Moisés foi fundida com o sacerdote de Javé, que era um Deus vulcânico de uma localidade conhecida como Meribá-Cades, um oásis na terra ao sul da Palestina, entre a Península de Sinai e a fronteira ocidental da Arábia. “(...)permitiu-se a Javé, que vivia numa montanha em Midiã, estender-se até o Egito, e, em troca disso, a existência e a atividade de Moisés foram estendidas até Cades e o país ao leste do Jordão” (Freud, 1939, p.56).

A tradição ou a lenda trouxeram Moisés egípcio para Midiã. Evitou-se a menção de Cades a posteriores contribuições da Bíblia, fixando-se o Monte de Deus, o Sinai-Horeb como local de fundação da religião. Nestas contribuições, deslocou-se de volta ordens e instituições da época atual para os tempos primitivos, fundamentando-os na legislação mosaica, reivindicando a serem sagrados e obrigatórios.

Freud (1939) refere que foi suprimido das Sagradas Escrituras o fato de Moisés ter sido assassinado. Ele ordenou e forçou sua fé ao povo, sendo ciumento, severo e cruel. Os que foram dominados e mantidos em falta, lançaram fora a religião que lhes fora imposta e assassinaram seu líder déspota.

“A narrativa sacerdotal busca estabelecer uma continuidade entre seu período contemporâneo e o remoto passado mosaico; busca repudiar exatamente o que descrevemos como sendo o fato mais notável da história religiosa judaica, a saber, a existência de uma lacuna hiante entre a legislação de Moisés e a religião judaica posterior” (Freud, 1939, p.83).

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Freud (1939) assinalou que a atividade raciocinante do ego leva tempo para superar objeções sustentadas por intensas catexias afetivas. Ocorreram na espécie humana eventos de natureza sexualmente agressiva, que deixaram conseqüências permanentes e foram desviados ou esquecidos e após longo período de latência, criaram fenômenos semelhantes a sintomas: os fenômenos da religião.

Afirmou que a renúncia ao instinto foi a primeira forma de organização social nos povos primitivos, como sendo os primórdios da moralidade e justiça, surgindo o tabu do incesto e a injunção da exogamia, após a morte do pai primevo, morto e devorado por todos os membros da tribo. Surgiu o período do matriarcado e a escolha de um animal poderoso como substituto do pai.

“Penso que estamos completamente justificados em encarar o totemismo, com sua adoração de um substituto paterno, com sua ambivalência, demonstrada pela refeição totêmica, (...)como a primeira forma em que a religião se manifestou na história humana(...)” (Freud, 1939, p.102).

A religião totêmica “surgiu do sentimento filial de culpa, num esforço para mitigar esse sentimento e apaziguar o pai por uma obediência a ele que fora adiada” (Freud, 1913, p.148). O totem é o representante do pai primevo que fora assassinado pelos filhos da horda primeva (Freud 1913, 1927, 1939). Deus, é uma forma superior da representação paterna por sua aparência humana. Quando o cristianismo penetrou no mundo, o método utilizado para mitigar a culpa em relação a morte do pai primevo foi através de Cristo, que sacrificou a própria vida e redimiu o pecado original para seus irmãos. “E se este sacrifício de uma vida ocasionou uma expiação para com o Deus –Pai, o crime a ser expiado só pode ter sido o homicídio do pai” (Freud, 1913, p.156). Houve um deslocamento da religião paterna (totemismo) para uma religião filial (cristianismo). A refeição totêmica é revivida em sua forma ambivalente pela comunhão, onde os irmãos consomem a carne e o sangue do filho (não mais do pai), obtendo santidade e se identificando com Ele, assim como realizam seus desejos agressivos contra o pai, convergindo para o Complexo de Édipo. O ódio que surge num menino pelo pai, por causa da rivalidade pela mãe tem que lutar com a afeição e admiração em relação a mesma pessoa. Esta ambivalência afetiva em relação ao pai é aliviada pelo deslocamento de seus sentimentos hostis para um substituto paterno. O conflito é retomado em relação ao objeto alvo do deslocamento e a ambivalência é estendida a ele.

Fica clara a relação da refeição totêmica com o rito da Comunhão Cristã, na qual o crente incorpora o sangue e a carne de seu Deus, em forma simbólica (Freud, 1939). Juntamente com a renúncia ao instinto, ocorre o retorno do material reprimido, acionado por um forte sentimento de culpa que se apoderou do povo judeu. Paulo, um judeu romano de Tarso, apoderou-se deste sentimento de culpa, em função da morte do pai primevo e chamou esta fonte de ‘pecado original’. Havia uma fantasia de expiação e redenção ao ‘pecado original’ (Freud 1913, 1927, 1939). Um filho de Deus se permitira morrer sem culpa, tomando para si a culpa de todos os homens – Jesus. Fora um assassinato de um pai e tinha que ser um filho para expiação e redenção da culpa pela sua morte.

A adoração de um totem inclui uma proibição a danificá-lo ou matá-lo. A exogamia, envolve a renúncia aos desejos sobre as mães e irmãs da horda e a concessão de direitos iguais a todos os

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membros da aliança fraterna, resulta na restrição da inclinação para a rivalidade violenta entre eles (Freud, 1913, 1939).

Na religião de Moisés, não havia lugar para expressão direta pelo ódio assassino pelo pai. Havia um sentimento de culpa por causa desta hostilidade (pecado contra Deus), mantido desperto pelos profetas, sendo parte essencial do sistema religioso (Freud, 1913, 1927, 1939). Ocorrem formações reativas neuróticas obsessivas para servir aos propósitos secretos de punição e passa-se a amar a Deus e não a odiá-lo.

Segundo Freud (1927), quando um indivíduo percebe que nunca poderá passar sem a proteção contra estranhos poderes misteriosos, cria deuses a quem teme, a quem procura propiciar e que a quem confia sua proteção. É como a defesa contra o desamparo infantil, que empresta aos poderes dos deuses as características pertencentes à figura do pai.

O desamparo do homem permanece, assim como seu anseio pelo pai e pelos deuses (Freud, 1927). Estes têm uma tripla missão: exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino (particularmente a morte) e compensá-los pelos sofrimentos e privações da imposição de uma vida civilizada em comum.

Há uma impossibilidade de se provar as doutrinas religiosas (Freud, 1927). As idéias religiosas são ilusões, realizações dos mais antigos desejos da humanidade. Uma crença é uma ilusão quando “uma realização de desejo constitui fator proeminente em sua motivação e, assim procedendo, desprezamos suas relações com a realidade, tal como a própria ilusão não dá valor à verificação” (Freud, 1927, p.40)

Segundo Challaye (1967), alguns historiadores negam a historicidade de Jesus, considerando-o um ser espiritual que jamais existiu materialmente. Nos textos autênticos dos judeus e dos romanos, não ocorrem referências a um Jesus histórico. No ano 111 e 112, Plínio, chegado como alto funcionário da província de Bitínia, relata ao Imperador Trajano acerca da atividade dos cristãos que se referem a Cristo como um Deus, não como personagem histórico. Para descobrir um Jesus histórico, é necessário consultar os textos cristãos.

Os mais antigos textos cristãos, são as cartas de São Paulo (Challaye, 1967). A Epístola aos Tessalonicenses é o documento mais antigo no qual aparece o nome de Jesus. Neste texto, Paulo estabelece uma estrita relação entre Deus e Jesus ou Messias, utilizando no singular os verbos precedido por seus dois nomes.

Para Challaye (1967), o Cristianismo é a religião monoteísta dos cristãos. Em primeiro plano, há a comunhão com Deus, o Pai, por intermédio de Jesus Cristo, seu filho, salvador da humanidade. Seu livro sagrado é a Bíblia. Ela contém o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Os livros canônicos (a palavra cânon significa regra) são as obras reconhecidas pela Igreja como bases da fé cristã. Se constituem de 27 textos gregos que compõem o Novo Testamento, ou seja, os quatro Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, vinte e uma Epítolas atribuídas a São Paulo e outros apóstolos e o Apocalipse, de São João (Challaye, 1967).

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O Concílio de Trento, em 1546 proibiu por em dúvida a inspiração divina da Bíblia. Os primeiros dos livros canônicos são os Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João, únicos reconhecidos como canônicos). Os Evangelhos segundo Mateus, segundo Marcos e segundo Lucas são os Evangelhos sinóticos. São opostos ao Evangelho segundo João, sendo divergentes e contraditórios em muitas doutrinas e fatos (Challaye, 1967).

“Os escritos canônicos são raramente a obra autêntica daquele a quem são atribuídos. Quase sempre são obras compostas, deformadas ou transformadas por interpolações sempre divergentes. Em todos caso, são obras humanas. Impossível considerar esses livros como a Palavra de Deus” (Challaye, 1967, p.211).

No centro da religião cristã encontra-se a personalidade de Jesus (Challaye, 1967). Os Evangelhos segundo Mateus e segundo Lucas nos apresentam o nascimento de Jesus como miraculoso. Nasceu de uma virgem em Belém. Sua família é de Nazaré. Seu pai é carpinteiro. Sua família é modesta. Ele próprio se torna carpinteiro.

Contrariando seu pai, Jesus torna-se rabbi, ou seja, pregador popular (Challaye, 1967). Ele tem uma boa nova a comunicar aos homens. “Descobriu que uma Vontade amante envolve o mundo; que ela é, para todos os homens, para todos os seres, o que o pai é para seus filhos; que Deus é o Pai de todos os homens, de todos os seres” (Challaye, 1967, p.211)

Conforme Challaye (1967), Jesus prega que o Pai celeste ama todos os seus filhos, que devem amar filialmente uns aos outros com fraternidade. Devemos nos reconciliar com todos, entrar em acordo com os adversários, amar os inimigos, perdoar, nos abstermos de resistir ao mau e evitar julgar os outros. É preciso ter boas ações com os outros, fazer-lhes bem, imitando a generosa bondade do Pai celeste. Tal sociedade seria o Reino de Deus, o Reino dos Céus nesta terra.

Segundo Challaye (1967), Jesus teria aceitado e exposto as concepções dos apocalipses judaicos, ou seja, um novo nascimento, precedido de sombrias calamidades e a ressurreição dos mortos e seu julgamento pelo Messias. A instauração de um novo mundo, presidido por Jesus sentado à direita de Deus-Pai.

Jesus curava os enfermos e os fracos tocando neles ou untando de saliva os membros doentes (Challaye, 1967). Escolhera doze apóstolos e decidiu ir a Jerusalém. Expulsou os vendilhões do templo, celebrou a Santa Ceia com os doze apóstolos e anunciou que um deles o trairia – Judas Iscariote. Os sacerdotes, que detestavam Jesus pela sua influência junto ao povo, decidiram Sua morte. Diante de Caifaz, Jesus declarou-se filho de Deus. Os sacerdotes entregaram-no ao curador romano Pôncio Pilatos. E Jesus se denominou como rei dos judeus. Pilatos, após tentar salvá-lo, cedeu à multidão, que exigia o sacrifício.

Foi crucificado em Gólgota (Challaye, 1967). Orou pelos seus algozes e no auge do sofrimento exclama a Deus, perguntando por que Ele o abandonara. Em seguida Jesus morre. Após três dias, Maria Madalena e outras duas mulheres, voltaram ao túmulo em que havia sido enterrado o corpo do Senhor e encontraram-no vazio. Então Jesus apareceu para Maria Helena ressuscitado.

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Para Challaye (1967), ao lado de Deus, a fé cristã coloca seu filho, Jesus. Ao lado do Pai e do Filho, existe o Espírito Santo. O Espírito é o sopro de Deus, que desde o começo de todas as coisas, agita-se sobre as águas e enxuga a umidade da terra na época do dilúvio. A Deus se opõem o Diabo. Provém de religiões dualistas, que colocam um Deus mau a frente de um Deus bom. Adaptando-se esta idéia a uma doutrina monoteísta, fez-se dele uma criatura revoltada contra o Criador. Tanto os anjos que rodeiam Deus como os demônios que acompanham o Diabo são resquícios do Animismo primitivo (Challaye, 1967).

Segundo Renan (apud Challaye, 1967), o Cristianismo das origens foi um movimento dos pobres. A primeira Igreja foi uma associação de pobres, irmãos simples e unidos, sucedendo a Igreja Católica, chamada pelos protestantes de Igreja Católica Romana. Dela se originaram as Igrejas Ortodoxas e as Igrejas Protestantes.

No século XVI, acontece a Reforma (Challaye, 1967). Todas as igrejas protestantes repelem a autoridade do Papa, sendo organizadas de uma maneira democrática, onde os leigos contribuem na escolha dos pastores. Não há necessidade de um intermediário eclesiástico para unir-se a Deus (sacerdócio universal). Os padres são casados. A confissão não é obrigatória. Não há dogma imposto. A autoridade suprema é a Bíblia. Não se acredita na concepção imaculada da Virgem, nem nos santos, nem no purgatório (Challaye, 1967).

Conforme Goffman (1988), existem três tipos diferentes de estigmas sociais: a) abominações do corpo, deformidades físicas; b) as culpas de caráter individual - vontade fraca, paixões tirânicas, crenças falsas e rígidas, desonestidade; c) tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos pela linhagem e contaminam por igual todos os membros de uma família.

“Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social” (Goffman, 1988, p.15).

A situação de vida da pessoa estigmatizada apresenta uma particularidade. Aqueles que têm relações com os indivíduos estigmatizados não conseguem respeitar e considerar os aspectos não contaminados de sua identidade social. Ele responde a esta negativa descobrindo que alguns de seus atributos garantem sua identidade (Goffman, 1988). Alguns indivíduos tentam corrigir diretamente o que consideram ser a base de seu defeito, inclusive buscando a cura pela fé. O que ocorre não é uma mudança de status, mas uma transformação do ego: “(...) alguém que tinha um defeito particular se transforma em alguém que tem provas de tê-lo corrigido” (Goffman, 1988, p.18-19).

Conforme Goffman (1988), normais (termo escolhido pelo autor para definir ‘não estigmatizados’) e estigmatizados organizam a vida de forma a se evitarem. Esta falta de um feedback saudável deste intercâmbio cultural podem levar algumas pessoas ao auto-isolamento, tornando-se desconfiadas, hostis, deprimidas, ansiosas e confusas.

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Para Goffman (1988), os indivíduos estigmatizados adotam uma perspectiva intragrupal, onde reúnem-se com seus iguais (portadores do estigma). Seus líderes podem defender uma linha militante, apoiando uma ideologia separatista. Em contatos mistos, o estigmatizado elogiará os valores e as contribuições especiais de sua classe, ostentando alguns atributos que poderiam ser facilmente acobertados; “(...) assim, podemos encontrar um judeu de segunda geração que intercala em seus discursos, agressivamente, expressões e sotaque de judeu, e o homossexual militante que é acintosamente escandaloso em lugares públicos” (Goffman, 1988, p.125)

Almeida (1996) afirma que durante séculos de cristianismo, a missão evangelizadora variou conforme novas instituições religiosas se constituíam. O processo de institucionalização da Verdade dos Evangelhos nas igrejas, implicou na diferenciação e a conseqüente disputa entre as diversas interpretações bíblicas, pois cada uma afirmava compreender melhor o sentido da Revelação, pois “(...)cabia aos dissidentes a missão de converter as outras pessoas à sua reformulada doutrina. Dessa maneira, combinando fragmentação das igrejas e adesão de uma massa de incrédulos, o pentecostalismo foi se expandindo pelo país” (Almeida, 1996, p. 14).

Pierucci (1996) refere que o impulso expansionista do movimento pentecostal, representado pela Igreja Universal do Reino de Deus, no Brasil redemocratizado dos anos 90, reatualiza um sentimento libertário profundo, uma convicção radical de um direito a ser sempre reivindicado e defendido, porque é constantemente violado ou negado. O direito de liberdade religiosa.

Mariano (1996) refere que o neopentecostalismo chegou ao Brasil na metade dos anos 70, crescendo e se fortalecendo nos anos 80 e 90. A Igreja Universal do Reino de Deus começou no Rio de Janeiro, em 1977. As igrejas neopentecostais caracterizam-se por:

a) pregar e difundir a Teologia da Prosperidade, onde o cristão está destinado a ser próspero materialmente, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimento terrenos;

b) enfatizar a guerra espiritual contra o Diabo, opondo-se a outras religiões e cultos afro-brasileiros;

c) não adotar os tradicionais estereotipados usos e costumes de santidade (Mariano, 1996).

Sobre o tripé cura, exorcismo e prosperidade financeira, tendo o diabo como a origem de todos os males, a Igreja Universal elaborou uma mensagem para atender às demandas mundanas imediatas (Almeida, 1996). De forma mágica, através de “óleos santos”, “sal abençoado”, “roupas ungidas”, a cura do corpo é prometida a todos que têm fé. A cura milagrosa da Aids, a cura do câncer sem sacrifícios e a cura de outros males são respostas oferecidas à aflição do fiel frente ao sofrimento e a morte (Almeida, 1996). Mariano (1996) refere que para obter tais bênçãos, o fiel deve observar as leis da prosperidade, baseada no ‘princípio da reciprocidade’, popularmente conhecido por “é dando que se recebe”. Sem fé, o crente não se habilita a tomar posse da benção de Jesus ou a adquirir direito de fazer reivindicações a Deus

Para Mariano (1996), a Teologia da Prosperidade prega que através da palavra proferida com fé, a realidade pode ser alterada, pelo que se declara, decreta, confessa ou determina com a boca em alta

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voz. As palavras proferidas com fé, isto é, a Confissão Positiva, tornam-se divinamente inspiradas, podendo criar realidades, pois o mundo espiritual, que determina o que acontece no mundo material, é regido pela palavra. Os adeptos são instruídos a estabelecer relações com o Todo-Poderoso substituindo os verbos “pedir, rogar, suplicar”, pelos verbos “exigir, decretar, determinar”. Alguns pastores pregam que a dúvida é do Diabo. Desde a expiação de Jesus, suas bênçãos estão disponíveis, a espera de que os homens tomem posse delas. “Para isto, precisam ter fé, declarar ou determinar verbalmente as promessas e bênçãos de Deus e confessar que já as obtiveram, mesmo e apesar de ainda não concretizadas no plano material” (Mariano, 1996; p.38)

Para Prandi (1996), é inegável que a igreja oferece um mecanismo de administração da vida, que parece promover melhorias na vida do crente. A religião muda expectativas, modela comportamentos, altera desejos e frustrações, ensinando como se relacionar com mundo, fortalecendo o crente para enfrentar as dificuldades da vida diária, incentivando-os a procurar novos empregos, outras fontes de renda, desenvolvendo nos convertidos a auto-estima e a autoconfiança.

Segundo Almeida (1996), universalização da Igreja Universal ocorreu em função da plasticidade da igreja, que assimila elementos de outras religiões, compondo um novo discurso. As doutrinas das religiões afro-brasileiras, como Umbanda e Candomblé, assim como o catolicismo popular, sofreram um intensa troca de símbolos e inversão de seus conteúdos originais, formando o repertório simbólico da Igreja Universal (Almeida, 1996).

Para Pierucci (1996), a expansão da Igreja Universal transcende a controvérsia religiosa, deflagrada em 12 de outubro de 1995, com o chute do pastor Von Helde, da mesma igreja, na imagem de Nossa Senhora Aparecida, no seu dia de feriado nacional, em repúdio a idolatria a imagens e esculturas a representações religiosas. O terreno da discussão diz respeito a relação entre Estado-igreja(s) (Pierucci, 1996).

Quando concebe a igreja como empresa econômica e a religião como fonte de lucro e enriquecimento pessoal, a Igreja Universal inova em matéria de comportamento. Maneira menos hipócrita de encarar o dinheiro do que a forma como encaram as igrejas tradicionais (Pierucci, 1996).

“É como se algo que até agora era dado como não problemático aparecesse de uma hora para outra, ao grande público, como um grande equívoco: uma insuportável capitulação do poder público diante de uma parcela poderosa da sociedade – diante do poder econômico e social das igrejas” (Pierucci, 1996, p. 10).

Para Prandi (1996), exceto no catolicismo, onde a classe média ocupa lugar de destaque, a conversão religiosa está associada à pobreza e à marginalidade social. Baseando-se em uma pesquisa realizada pela Datafolha, em dezembro de 1995, que investigava a filiação religiosa dos entrevistados, o autor afirma que os convertidos são populações desenraizadas, longe de suas origens culturais. A proporção de pretos e pardos, representantes dos segmentos mais pobres da população brasileira, é maior entre os pentecostais do que no conjunto todo do evangelismo, sendo bem maior entre os

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seguidores da Igreja Universal do Reino de Deus, que é a campeã em baixa escolaridade (Prandi, 1996).

Segundo Macedo (1998), os principais atributos de Deus são: onipresença, onisciência, onipotência, eternidade, imutabilidade, perfeição e santidade, triunidade, isto é, Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo. Deus possui os seguintes atributos morais: é amor, é bom, é misericordioso e clemente, é compassivo(sentir tristeza pelo sofrimento de outra pessoa com desejo de ajudá-la), é paciente e tardio em irar-Se, é a verdade, é fiel, é justiça (Macedo, 1998).

“Além disso, devemos ressaltar que a capacidade humana de ter essas características vem do fato de sermos criados à imagem de Deus. Em outras palavras, temos a Sua semelhança, mas Ele não tem a nossa, isto é, Ele não é como nós.” (Macedo, 1998; p.08)

Baseando-se única e exclusivamente no Antigo e Novo Testamento, Macedo (1998), refere que a Santíssima Trindade (Pai – Filho – Espírito Santo) está presente desde o Gênesis até o Apocalipse, o que significa a sua existência.

Macedo (1998) refere que a concepção que os judeus tinham de Deus, como senhor e não como pai, demonstra uma relação distante entre o povo de Israel e seu Deus. Os cristãos, ao contrário, possuem uma forte Aliança com Jesus e ao chamar Deus de pai, chamando-O de Deus de Abraão, Deus de Isaque, Deus de Israel, crêem que o mesmo Deus que foi fiel àqueles homens, também será para todos os cristãos. Fé viva num Deus vivo(Macedo, 1998).

Para Macedo (1998), o Espírito Santo pensa, sente e determina. É autor da vida, que concebeu Jesus em uma virgem. “Devido à Sua concepção milagrosa, o senhor Jesus era perfeitamente santo,(...) isto é, livre de toda e qualquer mácula de pecado” (Macedo, 1998, p.25). .

Jesus precisava nascer sem pecado para ser sacrificado em nome de seu povo. Ele precisava ser perfeito (Macedo, 1998). Foi ungido com o Espírito Santo, quando foi batizado nas águas por João Batista. Precisava da unção para pregar o Evangelho, pois o pecador ouve a Palavra de Deus e através do Evangelho, o Espírito Santo envolve a pessoa, tornando-a numa nova criatura, uma nova pessoa (Macedo, 1998).

Isto significa uma mudança radical na vida da pessoa, o milagre da regeneração ou do novo nascimento, uma mudança radical da antiga vida em uma nova vida, obediente à Palavra do Senhor Jesus. A pessoa fica liberta do pecado. Não há libertação sem mudança de comportamento (Macedo, 1998).

As pessoas que sofrem de insônia, dores de cabeça constantes, medo, nervosismo, desmaios, tristezas, complexos, vida profissional ou conjugal amarrada, dentre outros, estão possuídas por uma entidade maligna, a mando do Diabo (Macedo, 1998).

O ministério do Espírito Santo está sustentado em (Macedo, 1998): a)pregação do reino de Deus; b)cura divina; c)libertação. Os dons do Espírito Santo classificam-se em: a) Revelação –

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sabedoria, conhecimento e discernimento de espíritos; b) Poder – fé curas e operação de maravilhas; c) Inspiração – profecia, línguas e interpretação de línguas (Macedo, 1998).

Para Macedo (1998) a cura de diferentes tipos de enfermidades é resultado de um dom especial de Deus. Mediante a fé, a saúde é restabelecida. A fé é a certeza absoluta da existência de Deus, a criação de todas as coisas por Ele e do Seu plano de resgate da raça humana através do sacrifício de Seu filho Jesus. A fé é o canal da ligação entre o mundo material e espiritual (Macedo, 1998).

METODOLOGIA

Método

O método utilizado nesta monografia é indutivo, de natureza qualitativa, numa perspectiva meramente exploratória, pois buscou, através da análise de conteúdo, identificar os fatores benéficos da religião praticada na IURD sobre as doenças psicossomáticas já diagnosticadas em quatro (4) participantes.

Por estudo exploratório, cabe ressaltar o que nos indica Lima (1999):

“Requer planejamento bastante flexível e é recomendado quando se tem pouco conhecimento sobre o objeto de pesquisa; não elabora hipóteses a serem testadas e se restringe a definir objetivos e buscar informações sobre determinado assunto; objetiva familiarizar o investigador com o objeto de pesquisa, através da sua descrição precisa e da relação existente entre seus componentes” (p.33).

Por método indutivo, Lima (1999) refere que para se chegar ao resultado final da pesquisa, parte-se de constatações particularizadas para as abrangentes, de forma ascendente.

Amostra

A amostra deste estudo é composta por quatro (4) participantes do sexo feminino, que freqüentam a IURD e possuem o diagnóstico prévio de doenças psicossomáticas, que referiram terem se curado na igreja.

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Técnica

A técnica utilizada foi a entrevista semi-estruturada, através de um protocolo de entrevista especificamente construído para esta pesquisa. Realizou-se análise de conteúdo conforme indicado por Bardin (1991).

PROCEDIMENTOS

Coleta de dados

As entrevistas foram realizadas na casa dos participantes, em local mais privado possível, seguindo as questões fundamentais. Sua duração foi de uma hora aproximadamente. O registro dos dados foi efetivado durante o encontro com o sujeito, estando a entrevistada devidamente informada do uso da entrevista. Todos os relatos das entrevistas foram autorizados pelos participantes deste estudo.

Análise dos dados

O estudo pormenorizado dos dados coletados será fundamentado pela análise de conteúdo, conforme Bardin (1991).

A execução da análise de conteúdo envolve uma série de procedimentos, descritos a seguir : 1) sentido do todo - leitura das transcrições e anotação das idéias; 2) leitura sistemática, caracterizada pela escolha das entrevistas mediante a significação dos dados subjacentes; 3) listagem e agrupamento dos tópicos que mais apareceram nas entrevistas; 4) codificação, visando abreviar os tópicos em códigos; 5) categorização - escolha das palavras que melhor definem os tópicos, para transformá-los em categorias; 6) ordenação alfabética das categorias; 7) análise preliminar de cada categoria e, se necessário, recodificar os dados existentes.

Com esse conjunto de técnicas, é possível organizar criteriosamente os elementos coletados nas mensagens (Bardin, 1991).

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DISCUSSÃO

Este estudo exploratório visou o esclarecimento sobre os benefícios da Igreja Universal do Reino de Deus à vida das pessoas com enfermidades psicossomáticas. Primeiro, procurou-se descobrir se houve benefícios à vida dos participantes deste estudo. Segundo, quais foram estes benefícios.

Esta pesquisa é qualitativa. Sua proposta é delimitar possibilidades de entendimento e abrir caminhos para novas aproximações ao objeto de estudo. O foco de estudo é a mensagem dos participantes, através dos códigos que a compõe. Não se tem a pretensão de definir explicações e considerações universais.

Mas o que é uma doença psicossomática? Para Fenichel (1981), existem duas categorias de transtornos funcionais. Uma é de índole física – alterações fisiológicas pelo uso inadequado da função em questão. A outra, é a expressão de uma fantasia em linguagem corporal, com significação inconsciente. O autor chama a primeira categoria de sintomas psicossomáticos e a segunda de conversão. “Toda a doença é ‘psicossomática’, visto não haver doença ‘somática’ inteiramente livre de influência ‘psíquica’(...)” (Fenichel, 1981, p.222).

As quatro participantes deste estudo afirmaram haver sido portadoras de doenças psicossomáticas. Duas participantes sofriam de problemas respiratórios e as outras duas de problemas cardíacos e hipertensão. Os sintomas relatados são característicos dos quadros clínicos psicossomáticos. A Participante 1, referindo-se aos sintomas de sua doença respiratória afirma que sofria de: “Falta de ar, tosse, vômito, dor abdominal, desmaio, cansaço e eu suava muito”. A participante 2, referindo-se aos sintomas de sua doença cardíaca e hipertensiva, relata que sofria de: “Pressão alta, tonturas, me escurecia as vistas, desmaios, suava muito, dor de estômago, falta de ar, dor de cabeça, insônia. Eu desmaiava e acordava na Santa Casa. ”

McDougall (1983) refere que os atos-sintomas preenchem a carência da elaboração psíquica, havendo resistência a tudo que abalar o psiquismo do sujeito. Há um bloqueamento na capacidade de representar as demandas instintivas do corpo para o psíquico (McDougall, 1983,1997). A mãe exerce uma função calmante, impedindo a instauração do auto-erotismo primário e a introjeção fantasmática da mãe-seio. Em casos extremos, há a exclusão da atividade libidinal da cadeia simbólica.

Podemos evidenciar os pressupostos Mcdougallianos no relato da participante 1: “Eu não tive dinheiro para repor o estoque e tive que fechar o lugar. Começou a voltar meus ataques de asma e eu fui para na UTI do hospital, inconsciente, respirando artificialmente como já te disse”. Sua dificuldade de representar simbolicamente sua experiência emocional, evidenciada pela pobreza na captação e comunicação de suas vivências afetivas, busca uma defesa contra a dor mental – o sintoma psicossomático.

Para Garma (1984), pode-se demonstrar a influência decisiva de algo físico na asma. Nestes pacientes, encontra-se um tipo de personalidade com traços especiais. Há no psiquismo do asmático uma dependência extrema, principalmente diante da mãe. As mães dos asmáticos costumam ser

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frustradoras em suas relações com seus filhos, onde estes sentem-se angustiados “ante qualquer acontecimento ou tendência em relação, próxima ou remota, com sua sexualidade” (Garma, 1984, p.252). O ataque de asma é equivalente ao ataque de angústia, podendo provir de fatos exteriores ou motivos internos, quando o indivíduo anula uma satisfação sexual ou agressiva. No caso da participante 1, observa-se que fatores externos, como o fracasso de sua vida profissional, são desencadeantes de suas crises asmáticas, onde sua angústia de ordem agressiva é representada no corpo e não pela palavra.

Para Fenichel (1981), a irritabilidade crônica do coração e do aparelho circulatório é conseqüência de agressividade inconsciente e medo de retaliação da mesma. “O medo de abandono, que vem de experiências infantis, toma forma de medo de morte” (Fenichel, 1981, p.236). A participante 3 referiu que sentia: “(...) meu coração disparar, depressão, raiva de mim. Eu tinha ódio de todo mundo. Pegava a minha filha e esgoelava ela”. Sua agressividade inconsciente não encontrava a via simbólica para representar suas emoções. Suas crises psicossomáticas eram desencadeadas pelo temor à retaliação de seus sentimentos agressivos arcaicos, deslocados para a sua filha, transformando-se em medo de morrer.

A característica essencial da atividade mental dos pacientes somáticos é o pensamento operatório (Marty, 1993, 1998). Consiste num pensamento consciente, deslibidinizado, sem ligação com movimentos fantasmáticos (pai e mãe internalizados). Seu processo de investimento é arcaico, pois há uma precariedade de conexão com as palavras, ligando o pensamento a coisas e não a conceitos abstratos. Há uma falta ou insuficiência de aquisição de representações de palavras ligadas a valores afetivos e simbólicos.

Pode-se observar a presença do pensamento operatório em todos os relatos dos participantes. Conforme a participante 4: “Eu era muito nervosa. Qualquer coisa já me atacava e me faltava o ar. Eu tinha muita raiva no meu coração e descontava tudo em cima dos meus filhos, batia neles por qualquer coisa”. Observa-se a precariedade do investimento libidinal desta participante, onde o investimento passa a ser corporal e não simbólico. A operatividade de seu pensamento é evidenciada pela representação corporal de suas angústias. Um modelo de representações de coisas e não de palavras, referindo-se às realidades de ordem sensório-perceptiva e não a partir da percepção da linguagem dos outros.

Todos os participantes afirmaram terem curado suas doenças ao ingressar na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Os motivos que levaram os participantes a freqüentar a igreja foi a busca da cura de suas doenças. É como nos comenta a participante 2: “Depois que eu vi que curava as pessoas, comecei a freqüentar para me curar. Comecei a ir para me curar.” Três dos participantes afirmaram terem procurado a IURD por influência de outras pessoas, que haviam se curado na igreja. “Uma funcionária da limpeza do hospital me viu daquele jeito e me disse: ‘não há Deus tão grande como o nosso Deus. Vai 3a-feira neste local (Catedral da Fé – centro de POA) que Deus vai te curar’” (participante 1). Todos os participantes relataram terem se curado pela participação da ‘corrente da 3a feira’ na IURD.

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A reunião dos 70 apóstolos, também chamada de ‘corrente da saúde’, acontece todas as 3as feiras em todas as Catedrais da Fé do Brasil. Consiste em um corredor formado por pastores, bispos e obreiros da Universal. Estes permanecem parados a frente do palco da igreja, com as mãos impostas e orando em voz alta. Os crentes atravessam este corredor, recebendo preces e unções da corrente, acreditando em seu poder curativo. As pessoas que sofrem de insônia, dores de cabeça constantes, medo, nervosismo, desmaios, tristezas, complexos, vida profissional ou conjugal amarrada, dentre outros, estão possuídas por uma entidade maligna, a mando do Diabo (Macedo, 1998). Todos os males físicos dos sujeitos são atribuídos pela presença do Diabo na vida destas pessoas. O objetivo desta corrente é a libertação da alma do cristão que sofre, sem a presença de Deus em seu coração. O ministério do Espírito Santo dedica-se a pregação do Reino de Deus, cura divina e libertação, através de sua Revelação, poder e inspiração (Macedo, 1998). O exorcismo e as unções têm papel fundamental na administração dos cultos da IURD. Em todos os depoimentos dos participantes, encontra-se dois fatores comuns: a mudança radical na vida das pessoas e a crença na cura de suas doenças.

Todos afirmaram terem se curado pela fé em Jesus Cristo. “Eu acreditei que aquele Deus que estava ali curando tanta gente iria me curar! O pastor perguntou quem acreditava que já estava curado. Eu levantei a mão e disse que acreditava” (participante 1). Duas participantes relataram ter determinado a sua cura: “Eu determinei que daquele dia em diante, Deus iria me curar. E foi o que aconteceu” (participante 2). Duas participantes comentaram terem nascido de novo: “Nasceu uma nova pessoa. A pessoa que eu era antes morreu, pois não tinha Jesus no coração” (participante 1).

Para Challaye (1967) e Freud (1913), algumas religiões atuais possuem traços do totemismo, tabus e do animismo. O animismo revela uma intenção de impor as leis que regem a vida mental à realidade através da onipotência do pensamento, com a função de aliviar a inconformidade humana perante o sofrimento e a morte, deslocando-se esta onipotência para os deuses, na fase religiosa (Freud, 1913). De forma mágica, através de óleos santos, sal abençoado, roupas ungidas, a cura do corpo é prometida a todos que tem fé (Almeida, 1996). São utilizados os verbos “exigir, decretar, determinar”, onde alguns pastores pregam que a dúvida é do Diabo (Mariano, 1996). Podemos encontrar também resíduos do mana, poder misterioso ou influência mágica inerente a uma pessoa ou coisa (Freud, 1913; Challaye, 1967).

Na IURD, vê-se traços característicos do mana e do animismo. Todos os participantes freqüentaram a corrente da saúde, onde, pelo poder mágico dos pastores, curaram suas doenças. A onipotência do pensamento é evidenciada em todos os relatos: “Eu determinei que Deus ia me curar e eu ia parar de tomar remédio. E parei” (participante 3). Através da crença onipotente na cura, o crente alcança a Salvação. Sem fé, não se habilita a tomar posse da bênção de Jesus ou adquirir direito de fazer reivindicações a Deus (Mariano, 1996). Além da cura, há a libertação de uma vida tomada pelo pecado. Isto significa uma mudança radical na vida da pessoa, o milagre da regeneração ou do novo nascimento, uma mudança radical da antiga vida em uma nova vida, obediente à Palavra do Senhor Jesus. A pessoa fica liberta do pecado. Não há libertação sem mudança de comportamento (Macedo, 1998). Quais são estas mudanças no comportamento? Todos os participantes disseram ter mudado radicalmente seus comportamentos. A participante 1 relata:

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“Hoje eu sou mais feliz. Meu marido voltou, a gente parou de brigar. Nos damos bem. Eu era autoritária, nervosa, batia nos meus filhos por qualquer coisa. Não parava em emprego nenhum. Sempre fui infeliz. Agora não bato mais nos meus filhos, converso com eles e me dou bem com meu marido. Minha vida inteira mudou.”

“Eu perdi aquela depressão, aquela raiva de dentro de mim. Hoje em dia sou mais tranqüila. Tenho paz no coração, graças ao senhor Jesus. Não brigo mais em casa, não estrangulo mais a minha filha” (participante 3).

Para Prandi (1996), a igreja oferece um mecanismo de administração da vida, melhorando a vida do crente, mudando expectativas, modelando comportamentos, alterando desejos e frustrações, ensinando como se relacionar com o mundo, auxiliando-o a enfrentar as dificuldades da vida diária, desenvolvendo nos convertidos a auto-estima e a autoconfiança.

Na IURD, o pastor domina o “demônio”, comandando suas ações e incentivando os crentes a fazerem o mesmo. Ao comando do pastor, todos os fiéis expulsam o demônio, e a pessoa possuída diz sentir-se bem melhor. A dinâmica dos cultos são conduzidas de uma mesma maneira: pessoas que passaram por um momento de desespero intenso, que ao chegarem ao limite de suas capacidades de enfrentamento, encontraram a Palavra de Deus através da Igreja Universal, melhorando significativamente suas vidas, vivendo vidas “normais”.

O público que freqüenta a IURD procura soluções concretas para seus problemas concretos. A função do terapeuta que trabalha atendendo pacientes psicossomáticos é, preferencialmente, nomear as emoções destes sujeitos, que não encontram a via simbólica para representar suas experiências emocionais. O que acontece na Igreja Universal, que auxilia o sofrimento e cura as doenças das pessoas, parece ser semelhante a função do terapeuta, porém, de forma metafórica e operatória.

Para nomear as emoções, o terapeuta utiliza-se da palavra, como via de representação. Para melhorar a vida dos crentes, a IURD também se utiliza da palavra para ocasionar mudanças. O que este estudo nos indica é que através da Palavra de Deus, ocorrem modificações na produção simbólica dos sujeitos psicossomáticos. Todas de forma operatória e concreta. Ouvindo a Palavra de Deus, que é bom e imaculado, encontra-se a paz e saúde. A demanda das participantes deste estudo eram concretas e buscavam uma solução concreta para suas dificuldades. Seus conflitos, doenças, problemas financeiros são atribuídos ao Diabo (externo) que está presente em suas vidas. Através deste deslocamento de suas conflitivas afetivas para um mal externo –Diabo, a IURD incentiva as pessoas a refletirem sobre sua existência, ditando, operativamente, modelos de comportamento e crenças.

A ilusão da fé transforma a produção simbólica das pessoas. As ansiedades agressivas arcaicas são atribuídas ao demônio, fora do sujeito, aliviando suas culpas em relação a ambivalência afetiva direcionada aos pais internos. As emoções são nomeadas de forma metafórica, onde a gênese dos conflitos encontra-se na ausência do Espírito Santo na vida das pessoas. A raiva, a doença, os problemas familiares e financeiros são nomeados pela presença do Diabo. O caminho da Salvação envolve uma modificação simbólica calcada numa ilusão, que gera certeza de uma vida melhor. A onipotência do pensamento, própria do animismo, reforça a crença na Revelação.

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Os sujeitos são impulsionados a modificarem suas vidas, pois sem mudança de comportamento não há libertação (Macedo, 1998). Não ocorrem elaborações profundas sobre as condições existenciais dos participantes, mas sim uma noção operatória e concreta da necessidade de mudança e qual o caminho a ser seguido para ser ‘liberto’. Indicativos de comportamentos característicos das pessoas que receberam o Espírito Santo. A religião é uma linguagem. Sobrevive pela difusão de suas doutrinas. A comunicação é a principal forma de agregação de seres humanos em torno de um ideal (a Salvação).

Assim como a psicoterapia, a IURD torna-se um empreendimento privado, que cobra pelos seus serviços. Para obter as bênçãos desejadas, o crente deve observar o princípio da reciprocidade (‘é dando que se recebe’), contribuindo com o dízimo, na certeza da resolução de seus problemas (Mariano, 1996). Todos os participantes deste estudo referiram que o dízimo auxilia a ter fé. “Acho importante para conseguir as coisas. No momento que tu deixares de dar o dízimo, o diabo entra na tua vida, tu não sabe o que fazer com o dinheiro” (participante 3). É uma forma de reforçar a onipotência do pensamento na busca da cura e das bênçãos almejadas.

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo este estudo, acredita-se poder responder às questões norteadoras desta pesquisa. Esta monografia buscava responder se existem benefícios para as pessoas que sofrem de doenças psicossomáticas e procuram a Igreja Universal do Reino de Deus, buscando a cura de suas enfermidades. Todas as participantes relataram a existência de inúmeros benefícios que a igreja trouxe para as suas vidas, envolvendo uma mudança radical na forma de encara-la.

Procurou-se também evidenciar quais seriam os benefícios que a IURD trouxe às vidas das participantes. Todas as entrevistadas afirmaram terem curado suas doenças completamente. Este foi o benefício mais importante encontrado. Entretanto, é importante desconfiar dessa afirmação, não só porque a ciência consiste em poder colocar sempre um ponto de interrogação onde antes havia um ponto final, mas também porque não há evidência científica de que as patologias pré existentes se encontram sanadas. A ciência aspira ao estatuto epistemológico de cientificidade, onde pode-se pensar na hipótese de que ela, ocupando o lugar de ciência, em alguma medida, sirva para minorar o sofrimento humano.

Sabe-se que aspectos psicológicos podem mascarar quadros patológicos, não sendo raro o mecanismo de negação, nomeadamente de negação maníaca, em pacientes psicologicamente vulneráveis. O fato puro e simples das participantes afirmarem-se curadas, não significa, objetivamente, a veracidade das histórias relatadas. Ademais, é concebido que a fé também pode dar espaço a ilusões.

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Além disso, pelos relatos, podemos inferir que a igreja desenvolve a auto-estima e autoconfiança daqueles que a procuram, ensinando, a sua maneira, como se relacionar com o mundo, auxiliando a enfrentar as dificuldades, manipulando comportamentos e expectativas.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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