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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS WALÉRIA VIEIRA DE ALMEIDA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: ANÁLISE DO PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA BUSCA PELA HEGEMONIA NO CAMPO RELIGIOSO NEOPENTECOSTAL VITÓRIA 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS

RELAÇÕES POLÍTICAS

WALÉRIA VIEIRA DE ALMEIDA

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: ANÁLISE DO

PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA BUSCA PELA

HEGEMONIA NO CAMPO RELIGIOSO NEOPENTECOSTAL

VITÓRIA

2007

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WALÉRIA VIEIRA DE ALMEIDA

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: ANÁLISE DO

PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA BUSCA PELA

HEGEMONIA NO CAMPO RELIGIOSO

NEOPENTECOSTAL.

Dissertação apresentada ao Pós-Graduação

em História Social das Relações Políticas

da Universidade Federal do Espírito Santo,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em História, na área de

concentração História da Religião.

Orientador: Professor Doutor Sérgio Alberto

Feldman

VITÓRIA

2007

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WALÉRIA VIEIRA DE ALMEIDA

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: ANÁLISE DO

PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA BUSCA PELA HEGEMONIA NO

CAMPO RELIGIOSO NEOPENTECOSTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em História do Centro de

Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do espírito Santo, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História na área de

concentração História da Religião.

Aprovada em 25 de outubro de 2007.

COMISSÃO EXAMINADORA ____________________________________________ Prfº. Drº. Sergio Alberto Feldman Universidade Federal do Espírito Santo Orientador ____________________________________________ Profº Dr. Aloísio Krohling Faculdade de Direito de Vitória ____________________________________________ Prfº Dr. Geraldo Antônio Soares Universidade Federal do Espírito Santo ___________________________________________ Profº. Dr. Gilvan Ventura Universidade Federal do Espírito Santo

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A meu marido Cristiano,

Pela paciência, apoio e companhia em todos os momentos.

À Deus.

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AGRADECIMENTOS

A meu orientador o Profº. Drº. Sérgio Alberto Feldman, que me

ajudou a encontrar o caminho em um momento que me

encontrava perdida, e também pela paciência que teve ao longo

do trabalho.

A minha amiga e mestre Profª. Leonor Franco de Araújo de

quem recebi inúmeras dicas para aprimorar o meu trabalho e a

quem pretendo me espelhar para ter a sua garra e o seu

empenho.

Ao amigo e mestre Prof. Cleber José Carminatti pelas suas

inúmeras idéias e pelo tempo dispensado para ouvir minhas

explicações sobre o que estava escrevendo e suas intervenções

que me auxiliaram a aprimorar meu trabalho.

Ao meu irmão Lúcio Vieira de Almeida pelas sugestões e

revisões.

A meu cunhado Kássio Barreiros Paiva pela tradução do resumo

para o inglês.

Ao Programa Conexões de Saberes que me acolheu e me fez

crescer tanto a nível pessoal como a nível intelectual, e aos

bolsistas do programa que muitas vezes ouviram meus ensaios

sobre a dissertação e acabaram me ajudando sem perceber.

Aos amigos que me ajudaram e me apoiaram.

A minha família que me ajudou, cooperou e solidarizou em

momentos cruciais.

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“O diabo é possivelmente imortal, mas certamente surgiu em

dado momento. Ele nada na correnteza do tempo, quiçá a dirige,

ele é histórico no sentido estrito do termo. É possível a afirmativa

de que o tempo começou com o diabo, que o seu surgir ou sua

queda representam o início do drama do tempo, e que “diabo” e

“história” são dois aspectos do mesmo processo”.

Vilém Flusser

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RESUMO

A Igreja Universal do Reino de Deus desde sua emergência no cenário religioso brasileiro

suscitou interesse em vários campos de conhecimento devido às especificidades de sua

composição teológica, visão de mundo, simbolismo e práticas ritualísticas fundamentada

no processo de demonização de seus pares. Processo este que consiste em relegar às

demais religiões à condição de demoníacas numa estratégia que sugere busca pela

hegemonia e legitimidade de seus preceitos doutrinários e do seu universo simbólico.

Para tanto empreendeu a apropriação da idéia de Diabo presente no imaginário e no

habitus religioso da coletividade na qual está inserida, ressignificando o conceito

atribuindo-lhe novas definições e configurações. O principal alvo da demonização são as

religiões não-cristãs, especialmente os cultos afro-brasileiros, embora as demais religiões

cristãs não escapem ao processo. Partindo destes pressupostos elegeu-se o processo de

demonização como objeto de pesquisa a fim de verificar em que medida a demonização

constitui-se em mecanismo de legitimação da sua doutrina e do seu discurso. E, também

em um instrumento de poder privilegiado para atingir seus objetivos expansionistas,

demarcar sua identidade religiosa, servindo, ainda, como estratégia de consolidação de

sua ortodoxia e na reprodução do seu discurso para fins proselitistas. Os

questionamentos exigiram a delimitação de um quadro teórico-conceitual interdisciplinar

que abrangesse as múltiplas dimensões da temática e fornecesse os instrumentos

conceituais para efetivar a análise. Dessa forma conceitos como religião, sistema

simbólico, imaginário social, habitus, Deus/Diabo, Bem/Mal serviram como categorias

explicativas empregadas para a compreensão do universo religioso da IURD,

considerado como construção histórico-social. A opção pela pesquisa bibliográfica como

método analítico propiciou o embasamento teórico necessário à análise, assim como os

dados que subsidiaram a pesquisa possibilitando resgatar os nexos e a dinâmica do

processo de demonização permitindo concluir tratar-se de uma prática histórica

empregada como dispositivo ideológico de construção e legitimação de ortodoxias

religiosas que se pretendem hegemônicas, independente do contexto social ou histórico

em que se efetiva.

Palavras-chave: Universal do Reino de Deus, religião, processo de demonização, sistema

simbólico, imaginário cristão, habitus, apropriação, ressignificação, Deus/Diabo.

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ABSTRACT

The Universal Church of God´s Kingdom since your emergence on the brazilian religious

scenery has suscitated interest on many fields of knowledge due the specificate of your

theological composition, world vision, symbolism and ritualistics practicals founded on the

process of pairs demonization. This process consists in relegate the others religions to the

demoniac conditions on the strategy that suggests search for hegemony and legitimacy of

your doctrinaries precepts and your simbolic universe. For this undertook the appopriation of

the Devil´s idea presents on the imaginarium and on the collectivity religious habitus which is

inserted, resignificated the concept giving attributions and new definitions and

configurations.The demonization main objective are the non christian religions , especially

the afro-brazilian cults, although the others christian religions don´t escape to this

process.From this presupposed the demonization process was elected as research object to

verifiy which measure the demonization form on legitimation of your doctrine and speech.And

also an instrument of privileged power to reach the expansives objectives, demarcate your

religious identity, to serve as consolidated strategy of your orthodoxy and on reproduction of

your speech to followers purposes. The argues demands the delimitation of a interdiscipline

theorical-conceitual board that comprise the multiple dimensions of thematic and supply the

conceitual instruments to effective analysis.So concepts like religion, symbolic system ,

social imaginary, habitus, God/Devil, Good/Bad served like explanatories categories used

to the comprehension of religious universe of Universal Church of God´s Kingdom consider

as a social-historic construction. The option for bibliographic´s research as analythic method

propritiated the theoric support necessary to the analysis, as well as the datas that

subsidized the research possibilitated rescue the nexus and the dynamic of demonization

process permiting conclude that treats of a historic practice used as ideologic device of

construction and legitimation of religious orthodoxy that be hegemonics, independent of

social or historic context that be effective.

Key-words: Universal Church of God´s Kingdom, religion, demonization process, symbolic

system, imaginary christian, habitus, appropriation, resignification, God/Devil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................12

1 A PROPÓSITO DE UMA ORIENTAÇÃO TEÓRICA DE

ANÁLISE.......................................................................................................14

1.1 RELIGIÃO: ALGUMAS DEFINIÇÕES.....................................................16

1.1.1 Contribuições de Pierre Bourdieu ........................................................17

1.1.2 Contribuições de Geertz.......................................................................24

1.1.3 Contribuições de Berger.......................................................................30

1.2 SAGRADO E PROFANO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES....................32

1.3 SÍMBOLOS SAGRADOS E IMAGINÁRIO..............................................34

1.4 - O DIABO RESPONSÁVEL PELO MAL.................................................37

2 MARCO HISTÓRICO.................................................................................42

2.1 PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PENTECOSTALISMO:

CONTRIBUIÇÕES DA REFORMA PROTESTANTE....................................42

2.1.2 Protestantismo: idéias que influenciaram o Pentecostalismo..............45

2.2 PENTECOSTALISMO: EMERGÊNCIA NA EUROPA E NOS EUA........49

2.3 EXPANSÃO DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL..............................55

2.3.1 Denominações precursoras do Pentecostalismo no Brasil..................58

a) Congregação Cristã..........................................................................58

b) Assembléia de Deus........................................................................59

c) Igreja do Evangelho Quadrangular (ou Cruzada)............................60

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d) Igreja Evangélica Pentecostal Brasil para Cristo.............................61

2.3.2 Tipologias das denominações pentecostais: leitura sobre as definições

correntes........................................................................................................61

2.3.3 Pentecostalismo e Neopentecostalismo...............................................67

2.4 FUNDAÇÃO E EXPANSÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS:

BREVE HISTÓRICO..........................................................................73

3 O PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA CONSOLIDAÇÃO DA

IURD..............................................................................................................80

3.1 DIABO NOS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISNO: BREVE SÍNTESE ....82

3.1.1 Tradição hebraica: contribuições para construção da idéia de Diabo no

Cristianismo...................................................................................................84

3.1.2. As várias nomenclaturas do Diabo do Antigo ao Novo

Testamento....................................................................................................87

3.1.3 Papéis e funções do Diabo nos primeiros séculos do

Cristianismo...................................................................................................89

3.1.4 Institucionalização do Diabo na expansão do Cristianismo: Igreja Primitiva

no período medieval.......................................................................92

3.1.5 O Diabo na Reforma Protestante: continuidades e rupturas...............98

3.1.5.1 Diabo no imaginário pentecostal ....................................................102

3.2 SÍNTESE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DIABO

NO IMAGINÁRIO RELIGIOSO........................................................103

3.2.1 Papel do catolicismo brasileiro na fundamentação do conceito de

Diabo...........................................................................................................104

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3.2.2 Breve histórico das religiões africanas e mediúnicas e o lugar que ocupam

na construção do conceito de Diabo..............................................106

a) Candomblés....................................................................................107

b) Macumba.........................................................................................107

c) Kardecismo.......................................................................................108

d) Umbanda..........................................................................................109

e) Quimbanda.......................................................................................110

3.3 A HORA E A VEZ DA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: RESGATE DO

DIABO ..................................................................................................111

3.3.1 Teologia do domínio, teologia da prosperidade: fundamentos teológicos da

IURD.......................................................................................................116

3.3.2 Dinâmica da demonização e a guerra santa......................................123

3.4 SIMBOLISMO RELIGIOSO DA IURD: APROPRIAÇÃO E

REINTERPRETAÇÃO DOS ELEMENTOS SIMBOLICOS DAS RELIGIÕES

DEMONIZADAS .........................................................................................131

3.4.2 Processo de ressignificação dos elementos simbólicos das religiões

demonizadas.................................................................................................141

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................152

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................156

APENDICE A.................................................................................................167

APENDICE B.................................................................................................178

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INTRODUÇÃO

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada no Brasil, no ano de1977,

na cidade do Rio de Janeiro, fruto de uma cisão no interior de outra denominação

religiosa, a Igreja Nova Vida. Desde o início de sua emergência no cenário

religioso suscitou interesse no campo acadêmico, na mídia e no senso comum,

devido as inovações que introduziu na vertente evangélica pentecostal.

Considerada um fenômeno no universo religioso brasileiro dada a rápida

expansão e os mecanismos utilizados para consolidar seu simbolismo e demarcar

sua identidade religiosa, a IURD, pelas especificidades que apresenta, re-

introduziu no centro do debate questões relativas ao papel e funções da religião e

àquelas referentes ao surgimento de novas práticas e crenças religiosas, que

mesmo fundamentadas no Cristianismo, empreendem uma reinterpretação dos

seus preceitos, principalmente, no que concerne à antítese Deus/Diabo substrato

central de sua dogmática.

Esta Igreja segue ditâmes bíblicos como as demais religiões cristãs, contudo

construiu e consolidou sua teologia e preceitos doutrinários, na apropriação e

reinterpretação do conceito de Diabo – considerado como representante de todo o

Mal no cotidiano da humanidade – presente no imaginário religioso da

coletividade na qual está inserida. Apropriação que teve por substrato o processo

de demonização, ou seja, a estratégia de relegar e associar o simbolismo das

demais religiões, presente no campo religioso tanto as cristãs quanto as não-

cristãs, à condição de demoníacas, mecanismo pelo qual fundamentou seu

discurso, simbolismo, crenças e práticas ritualísticas.

Além da apropriação e reinterpretação da idéia de Diabo, a IURD empreendeu,

também, a apropriação e ressignificação, dentro do seu universo simbólico, do

simbolismo das religiões demonizadas por ela, sugerindo como objetivo primordial

a busca por legitimidade e hegemonia do seu simbolismo e do seu discurso num

cenário de pluralismo religioso, no qual a diversidade de expressões religiosas e a

liberdade de culto eram a tônica.

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A partir dessa premissa o processo de demonização efetivado pela IURD constitui

o objeto desta dissertação. A ênfase no processo de construção do simbolismo

baseado na demonização como eixo analítico permite resgatar os nexos entre os

mecanismos utilizados por esta Igreja na sua consolidação. E os aspectos

históricos e sócio-culturais, que são produzidos e reproduzidos no universo social

na qual a IURD fundamenta sua estrutura, possibilitando uma análise

multidisciplinar deste fenômeno religioso e um escape às visões reducionistas que

não consideram os aspectos relacionais de todo e qualquer fenômeno social.

Assim, inicialmente far-se-á a explanação e delimitação do problema de pesquisa,

construção do objeto e a descrição do arcabouço teórico-conceitual que

subsidiará a análise.

O capítulo seguinte tem por objetivo contextualizar a IURD no cenário religioso

brasileiro por meio de uma retrospectiva histórica do campo evangélico – nas

suas vertentes Protestante, Pentecostal e Neopentecostal. E, ainda, esboçar as

principais características e especificidades que fazem com que ela seja

considerada inovadora e paradigmática em relação às demais religiões.

Por último, analisar-se-á o processo de demonização, privilegiando os aspectos

históricos, sociais e culturais referentes à construção do conceito de Diabo e sua

reprodução no imaginário religioso e que serve de substrato à constituição da

visão de mundo da IURD, teologia e práticas rituais, enfim do seu universo

simbólico. Concomitantemente a dinâmica da demonização será analisada a fim

de resgatar a sua lógica, objetivos e nexos que colaboraram no processo de

fundamentação do simbolismo da IURD.

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1 A PROPÓSITO DE UMA ORIENTAÇÃO TEÓRICA DE ANÁLISE

A Igreja Universal do Reino de Deus definida como neopentecostal1 opera a partir

de um “corpus” doutrinário de cunho cristão, na medida em que segue preceitos

bíblicos, assim como as demais religiões fundamentadas no Cristianismo.

Todavia na sua composição teológica empreende uma apropriação de preceitos

subjacentes à doutrina cristã, no que concerne ao dualismo “Deus” - condensação

e fundamento do Bem, da satisfação e realização de todos os aspectos

existenciais - em oposição ao “Diabo” - representação de todos os sofrimentos do

homem e, por conseguinte do Mal - apossando-se da idéia de demônio presente

no imaginário social a fim de construir um discurso religioso que se pretende

universal. E que neste processo de universalização promove a demonização das

demais religiões – tanto cristãs quanto as afro-brasileiras. Todo o simbolismo

aponta para a negação do “outro” (religiões), no sentido em que promove sua

demonização, sugerindo com isso, que a IURD visa se legitimar como única

representante da verdade cristã.

Baseada nessa premissa a dissertação tem como objeto de estudo o processo de

demonização das religiões cristãs e não cristãs (por exemplo, a Umbanda) no

âmbito da Igreja Universal, no período que abrange a sua fundação, em 1977,

perpassando sua expansão e consolidação no cenário religioso efetivada nos

seus trinta anos de existência. Essa periodização permite apreender a construção

de seus preceitos doutrinários numa temporalidade que se relaciona com a

totalidade histórica na qual se insere como instituição. Permitindo ainda resgatar

na construção de sua doutrina os mecanismos de reordenação do universo

1Pentecostalismo é um termo derivado de Pentecostes: uma comemoração judaica, na qual se acreditava que o Espírito Santo teria descido sobre os apóstolos e lhes conferido dons como a cura, falar em línguas estranhas (glossolalia) e o exorcismo. Portanto, no pentecostalismo existe a crença na contemporaneidade do Espírito Santo. Definido pentecostalismo pode-se falar em igrejas neopentecostais, em tais igrejas os fiéis afirmam que a partir da manifestação do Espírito Santo podem curar, falar em línguas estranhas e exorcizar. Dessa forma, crêem que foram batizados e iniciados passando a fazer parte de um corpo de crentes com acesso privilegiado em relação a Jesus Cristo e a seus poderes divinos. Esse assunto será tratado em profundidade no capítulo 2 dessa dissertação.

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religioso e de ressignificação do simbolismo que fundamenta o discurso e as

práticas na busca pela legitimação de sua concepção religiosa.

Orientado por estas proposições a análise pretende responder no plano teórico

algumas questões, colocadas pelas hipóteses abaixo relacionadas:

§ Em que medida a demonização de outras religiões pela IURD opera como

instrumento político na luta pela legitimidade de sua doutrina em detrimento das

demais instituições religiosas?

§ A apropriação da idéia de demônio existente no imaginário social pela IURD

se transforma em mecanismo de atração e manutenção de seguidores?

§ Em que medida a ressignificação da idéia de “Diabo” numa materialidade

concreta, em várias configurações, propicia à IURD poder sobre seus seguidores,

tanto do ponto de vista espiritual, quanto social?

E para dar conta de tais questionamentos no plano empírico a pesquisa tem por

objetivo:

- Identificar na elaboração teológica da IURD a forma como esta se apropria e

ressignifica a idéia de demônio;

- Verificar como se efetiva a demonização das outras religiões, mas

especificamente a Umbanda no interior da IURD;

- Identificar no processo de demonização das religiões a dinâmica da sua

construção que transforma as demais doutrinas em concorrentes ou “inimigas”;

- Descrever o simbolismo religioso da IURD presente em seu discurso e práticas a

fim de verificar por quais elementos empreende a busca pela legitimidade de sua

doutrina;

- Verificar no ritual religioso que expressa as doutrinas da IURD à apropriação e

ressignificação de elementos pertencentes a outras denominações e em especial

os rituais afro-brasileiros.

Para empreender a análise do objeto, tanto no plano teórico como no plano

empírico, optou-se pela pesquisa bibliográfica cujas publicações dos autores

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enfocados fornecerão os subsídios teórico-conceituais que fundamentarão a

análise. Além destas fontes serão utilizadas publicações da IURD, como: livros e

seu principal periódico, o jornal Folha Universal. Tais fontes documentais

consideradas de “primeira mão”2 permitirão a análise empírica do objeto, visto que

sintetizam o discurso e as práticas rituais da IURD.

As proposições da pesquisa remetem a análise tanto à quadros teórico-

conceituais de corte macro-histórico quanto àqueles que privilegiam a análise

micro do universo social. Dessa forma a IURD aparece como lócus privilegiado de

pesquisa visto que permite a partir da análise do seu discurso e das suas práticas

revelar a dinâmica das relações sociais no interior do campo religioso

institucionalizado.

E, ainda, o recorte macro-histórico fornece na definição de conceitos e de um

sistema conceitual os instrumentos de análise ou de pensamento a fim de efetivar

o processo de investigação e racionalização do universo a ser pesquisado

possibilitando trabalhá-lo em suas múltiplas dimensões e na sua totalidade.

1.1 RELIGIÃO: ALGUMAS DEFINIÇÕES

A religião é um tema recorrente nos diferentes campos que compõem as ciências

humanas, por este motivo possibilita variadas concepções a seu respeito. A

perspectiva adotada neste trabalho analisa a religião como fenômeno

multidimensional, inserida no universo social, não como parte independente e

auto-explicativa, e, sim, como partícipe de um processo mais amplo de

construção da realidade, compreendida como historicamente construída e

socialmente significada.

Por esta lógica as contribuições teórico-conceituais e metodológicas de

pensadores como Pierre Bourdieu, Clifford Geertz e Berger serão utilizadas para

2 Pesquisa bibliográfica e documental se aproximam na definição e as fontes de “primeira mão” próprias dessa última são entendidas como aquelas que ainda não receberam análise científica, ou caso tenham sido analisadas ainda permitem novas conclusões. Para um melhor aprofundamento na questão ver (GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed., São Paulo: Atlas, 1991).

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o embasamento teórico desta dissertação. A escolha deve-se ao fato de que eles

fundamentam suas concepções no processo de construção e significação do

mundo social, no qual a religião ocupa posição de destaque. Os demais autores

citados contribuirão para ilustrar ou conceituar aqueles princípios não trabalhados

por eles, ou, que, devido ao viés analítico colaboram com outros elementos para o

estudo. Dessa forma conceitos sobre o imaginário social, Demônio, Bem/Mal,

tanto numa perspectiva histórica quanto metafísica, serão abordados,

demonstrando a relevância de todos os trabalhos consultados.

A ênfase dada aos primeiros deve-se mais ao fato de que suas teorias serviram

como matrizes teóricas, em maior ou menor grau, àqueles que se dedicam ao

estudo da religião. Com o propósito de delinear seus conceitos e instrumentos de

análise, far-se-á a seguir uma breve leitura dos pontos mais relevantes de cada

um sobre a temática religião.

1.1.1 Contribuições de Pierre Bourdieu

A definição de religião encontrada, em Pierre Bourdieu (2002), liga-se,

diretamente, a sua concepção de realidade social. Esta realidade é percebida

como um espaço multidimensional, composto por vários campos de conhecimento

e/ou representações de mundo, no interior do qual ocorre uma luta simbólica pelo

poder de ordenar e construir visões de mundo. Em sua obra “Poder simbólico”3

fundamenta seu arcabouço teórico-conceitual na reelaboração que empreende de

conceitos de outras teorizações correntes de sua época, tais como: sistema

simbólico, poder simbólico, habitus e campo, a fim de problematizar e explicar o

universo social.

Na reinterpretação que faz, define um universo social formatado por vários

sistemas simbólicos ou sistemas de ordenação, hierarquização e legitimação de

significações ou visões de mundo social e natural. Neste sentido, concorda que os

3 Nesta obra o autor estrutura e condensa seu arcabouço teórico- conceitual para análise do universo social, sistematizando, criticando e construindo conceitos para o estudo e compreensão dos diversos objetos passíveis de serem recortados dentro dessa realidade. Para maior aprofundamento ver: BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

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sistemas simbólicos – religião, ciência, língua cultura arte, etc. - operam como

instrumentos de conhecimento e comunicação, definições encontradas no

funcional-estruturalismo e na semiologia. Mas, para além das funções sociais de

integração da sociedade num conformismo lógico (visão de Durkheim), e que

sugere consenso sobre as categorias de pensamento e o sentido da realidade

social, Bourdieu ressalta a função política do simbolismo, cuja tendência principal,

é a ordenação ”gnosiológica” do mundo encerrando uma “di-visão” ou, antes, um

poder de produzir visões de mundo a partir de sua ordenação.

Por esta ótica, os sistemas simbólicos são instrumentos de dominação visto que

promovem distinção de classe na divisão que operam. Ao mesmo tempo

possibilitam a integração da classe dominante e a desmobilização da classe

dominada pela lógica da legitimação das diferenças que, uma vez, mascaradas

recobrem sua função de distinção e destaca a função de comunicação dos

produtos simbólicos.

Essa função política pressupõe a imposição de visões de mundo a partir de uma

luta simbólica, na qual as diferentes classes se enfrentam pela definição de

mundo social mais afeita aos seus interesses. A classe dominante pode travar

esta luta diretamente, nos conflitos simbólicos cotidianos, ou por procuração, por

meio do embate entre especialistas de produções simbólicas. O que está em jogo

é o monopólio pelo poder simbólico de imposição de instrumentos de

conhecimento e expressão arbitrários da realidade social. Este poder simbólico de

classificação do mundo constitui o dado pelo enunciado e sua ação sobre o

mundo deriva de sua capacidade de mobilização. Mas, para o autor, ele só é

exercido se for reconhecido, legitimado e não percebido em sua arbitrariedade.

Nesta perspectiva busca resgatar na análise dos sistemas simbólicos, ou, antes,

na sua estruturação, a relação entre seu processo de organização, cuja eficácia

encontra-se na sua capacidade de ordenação do mundo social e natural

encerrados em discursos, mensagens e visões de mundo, e a sua função

ideológica de legitimação de uma ordenação arbitrária que tem por substrato o

sistema de dominação corrente. Em outros termos, entende os sistemas

simbólicos como estruturas estruturadas (relações objetivas) que exercem um

poder estruturante, só, e, na medida em que, se encontram estruturados. Daí a

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ênfase na relação dialética entre as estruturas estruturadas e as visões de mundo

por elas engendradas e, que, são produzidas e reproduzidas a partir da ação do

sujeito.

Para dar conta desta mediação entre sujeito e sociedade utiliza a análise

estrutural como instrumento metodológico, apesar das críticas ao seu

reducionismo. Observa que este método permite a apreensão da lógica específica

das várias formas simbólicas naquilo que elas têm de objetivo (estruturado e

invariante), e ao mesmo tempo classifica por oposição, introduzindo a noção de

arbitrariedade, tal como na análise da linguagem, na qual a tese de correlação

entre entonação e sentido foi superada, determinando a arbitrariedade entre

significante e o significado que seria socialmente dado.

À noção de arbitrariedade, que permite vislumbrar a função de “di-visão” dos

sistemas simbólicos, Bourdieu (2002) associa e reinterpreta os conceitos de

“habitus” e campo. O primeiro derivado do conceito aristotélico hexis e que na

escolástica4 adquiriu o sentido de aprendizado que modela as disposições dos

sujeitos pela via da repetição (habitus) até ao ponto em que passa a perceber sua

ação como natural. Na reelaboração que faz do conceito mais do que

conhecimento adquirido, “habitus” é um “haver”, no sentido de crédito e de capital

acumulado sugerindo disposições incorporadas, mas, atuantes, que se

transformam num poder em ação. Assim, o habitus se reconstrói e se reproduz e,

dessa forma, constitui e reproduz as condições de existência dos agentes,

operando como um princípio gerador e estruturante das práticas e representações

sociais. É a “interiorização das exterioridades” que passam a ser percebidas como

naturais. Com essa visão dialética torna-se possível apreender a lógica da

produção social e, também, a lógica das ações dos agentes sociais nestas

produções. E afirmar que as ações dos agentes são engendradas no e pelo

“habitus” e que ele atua como operador prático de construções de objetos sociais.

Quanto à noção de campo, Bourdieu, define como “lócus” no qual os diversos

interesses e/ou visões de mundo se confrontariam manifestando as relações de

4 Tradução latina do conceito aristotélico de hexis, o termo habitus (particípio do verbo habere: ter ou possuir) foi apropriado por São Tomas de Aquino, no século XIII, para designar a idéia de que o sujeito pode adquirir via introjeção de conceitos e ensinamentos, capacidade para ação ou disposições duráveis que levam à ação.

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poder objetivadas nas estruturas e nos habitus dos agentes sociais em luta. A

análise de sua estruturação permite apreender a lógica de sua construção e dos

interesses daqueles que se dedicam ao conflito, ou seja,

“[...] apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo da linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram [no interior do campo] é explicar, tornar necessário [...] os atos dos produtores e as obras produzidas [as lutas] que tem lugar no campo [...] tem o poder simbólico como coisa em jogo [...] o que nelas está em jogo é o poder sobre o uso particular de uma categoria particular de sinais e desse modo, sobre a visão e o sentido do mundo natural e social [...]” (BOURDIEU, 2002, p. 69-70).

E, ainda, afirmar que o que se produz no interior dos diversos campos são objetos

de percepção, de divisão do mundo social, referidas em discursos arbitrários que

naturalizam a ordem construída.

A descrição, acima, dos conceitos e metodologia tem por objetivo situá-los em

relação à análise do universo religioso que o autor empreende em outra obra

intitulada “Economia das trocas simbólicas”5, na qual dedica um capítulo ao

estudo da gênese e estruturação do campo religioso a fim de explicar sua

relevância na dinâmica social.

Define a religião como sistema simbólico. Neste sentido, é um veículo de poder e

política, uma vez, que se refere à ordenação do mundo social. A estruturação do

campo religioso segue, portanto, o mesmo princípio de “di-visão”, construindo

representações e organizando o mundo social no recorte de classe que

empreende nele. E, também no fato de engendrar o sentido e o consenso em

torno da lógica da inclusão/exclusão. Desse modo pela sua própria estruturação,

cumpre “as funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de

integração e distinção” (BOURDIEU, 2004, p.30).

Portanto a religião:

“[...] contribui para imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política

5 Para verificar a dinâmica de análise e a forma como este autor constrói o pensamento e utiliza o método estruturalista numa perspectiva dialética, na análise do universo religioso, consultar capítulo 2 da obra: BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

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apresenta-se como estrutura natural-sobrenatural do cosmos” (BOURDIEU, 2004, p. 33 - 34).

Bourdieu destaca a contribuição weberiana na análise da religião por ela

“correlacionar o conteúdo mítico do discurso (inclusive em sua sintaxe), aos

interesses religiosos daqueles que os produzem” (2004, p. 32). E, por, construir

uma tipologia das crenças e práticas religiosas que expressam de forma

transfigurada as estratégias dos diferentes grupos de especialistas que concorrem

entre si pelo monopólio da gestão dos bens de salvação e das classes que se

interessam por esses serviços. Afirma que nesse ponto Weber e Marx concordam

em relação à função da religião em conservar a ordem social “legitimando” o

poder dos “dominantes” ou para a “domesticação dos dominados”.

Dessa forma Weber contribui para demonstrar que a religião como sistema

simbólico demandou desde sua gênese a formação de um corpo de especialistas

que atuam como porta-vozes de discursos ou práticas, estando investidos de

poder, e que visam responder às necessidades específicas dos grupos a que

servem. Mas, critica o determinismo de sua visão ao relacionar uma dependência

unívoca entre as condições econômicas e a racionalização religiosa. Segundo ele,

a relação refere-se mais especificamente ao desenvolvimento de um corpo de

sacerdotes.

A divisão do trabalho e, por conseguinte, a divisão do trabalho religioso propicia a

formação destes especialistas, produtores de sistemas ideológicos e que

concorrem entre si a fim de objetivar visões de mundo ou teologias disfarçadas

em dogmas legitimados:

“Enquanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os detentores exclusivos da competência específica necessária à produção ou à reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente organizado de conhecimento secretos (e, portanto raros) a constituição de um campo religioso acompanha a desapropriação objetiva daqueles que dele são excluídos e que se transformam por essa razão em leigos (ou profanos, no duplo sentido do termo) destituídos do capital religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal” (BOURDIEU, 2004, p. 39).

A desapropriação do saber no campo religioso propicia a hierarquização e permite

a objetivação em estruturas e nas disposições dos agentes refletindo a alocação

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do capital religioso em dois pólos extremos nos quais estão o autoconsumo, de

um lado, e, do outro, a monopolização da produção religiosa nas mãos de

especialistas opondo ortodoxia à heterodoxia. Como resultado dessa estruturação

ocorre no âmbito do autoconsumo a oposição “do domínio prático” de apreensão

e significação de esquemas de pensamento e de ação incorporadas no e pelo

habitus, nas estruturas e no “saber erudito” que implicam em sistematização e

institucionalização de um conjunto de conhecimentos pelos especialistas que por

se constituírem na e pelas estruturas são incumbidos de reproduzir o capital

religioso encerrando-o numa pedagogia.

No pólo da monopolização completa da produção religiosa por especialistas,

ocorre a distinção dos sistemas simbólicos qualificados de mitos e aqueles

qualificados de ideologias religiosas (religiões). Ambas são produtos da

reelaboração letrada que responde as funções internas como a autonomização do

campo religioso, e respostas externas mais afeitas às demandas dos

antagonismos de classe e a luta simbólica de imposição de visões de mundo,

que, segundo o autor, constitui razão de ser das grandes religiões que se

pretendem universais.

Daí resulta a oposição entre sagrado e profano baseada naquela oposição entre

os especialistas que monopolizam a gestão do “sagrado” e os leigos, objetivados

na condição de profanos no duplo sentido do termo: de ignorantes da religião

(portanto estranhos ao sagrado, uma vez que são destituídos do capital religioso)

e em relação ao corpo de administradores do sagrado. Resulta também na

oposição entre “manipulação legitima”, no caso da religião, e manipulação

profana, caso da magia e da feitiçaria em sua condição de religião dominada. Isso

se dá pela predisposição dos sistemas simbólicos em cumprir as funções de

associação/dissociação/distinção relegando religiões dominadas à condição de

profana e profanadora (ou vulgar).

Portanto, o surgimento de uma ideologia religiosa, para o autor, tem por tendência

relegar antigos mitos ou ideologias ao estado de magia e feitiçaria, em dada

formação social. Essa oposição liga-se, também à questão da distribuição do

capital cultural que concorrem entre si no interior do campo religioso e que define

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competências dissimulando a luta simbólica pela incorporação de visões de

mundo.

Como sistema simbólico objetivado na estrutura e nas disposições a religião

constrói e ordena o pensamento, delimita o pensável, o dizível dentro do seu

campo, ou seja, aquilo que é admitido sem discussão e, dado seu efeito de

consagração ou legitimação, opera uma “mudança de natureza” no “habitus” e

nas visões acerca do mundo social convertendo o ethos, definido como “sistema

de esquemas implícitos de ação”, em ética, “enquanto conjunto sistematizado e

racionalizado de normas explícitas”. Por estes aspectos a religião cumpre função

ideológica já que legitima o arbitrário na imposição de axiomas incontestáveis,

sacralizados, naturalizados e eternizados.

“[...] Em outros termos, a religião permite a legitimação de todas as propriedades características de um estilo de vida singular, propriedades arbitrárias que se encontram objetivamente associadas a este grupo ou classe na medida em que ele ocupa uma posição determinada na estrutura social (efeito de consagração como sacralização pela ‘naturalização’ e pela eternização)” (BOURDIEU, 2004, p. 46).

Com esta visão, afirma que as funções sociais que a religião cumpre não se

devem, apenas, ao fato de que os leigos buscam justificativas para existir em um

mundo adverso, mas porque esperam dela justificações de sua existência em

determinada posição social que traz em seu bojo propriedades socialmente

intrínsecas:

“Se a religião cumpre funções sociais, tornando-se, portanto, passível de análise sociológica, tal se deve ao fato de que os leigos não esperam da religião apenas justificações [sic] de existir capazes de livrá-los da angústia existencial da contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da morte. Contam com ela para que lhes forneça justificações de existir em uma posição social determinada, em suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que lhes são socialmente inerentes [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 48).

Dessa forma o interesse religioso liga-se ao interesse de uma classe ou grupo em

legitimar sua visão de mundo e sua condição material e simbólica, além de sua

posição na estrutura social, nesse sentido depende diretamente dessa posição.

Nessa medida a mensagem religiosa impregnada de idéias e representações do

mundo social e natural, para satisfazer o interesse religioso de determinado

grupo, ou seja, para ter eficácia simbólica e legitimidade (ou consagração) deve

fornecer objetos de justificação das propriedades inerentes ao grupo (objetivadas)

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para que ele se reconheça nela e assim reconheça sua legitimidade. Nesse

sentido sua circulação

“[...] implica necessariamente em uma reinterpretação que pode ser operada de forma consciente por especialistas (por exemplo, a vulgarização religiosa com vistas à evangelização) ou efetuada de modo inconsciente apenas pela força das leis da difusão cultural (por exemplo, a ‘vulgarização’ resultante da divulgação). Quanto maior for a distância econômica, social e cultural entre o grupo dos produtores, o grupo dos divulgadores e o grupo dos receptores, tanto mais ampla a reinterpretação” (BOURDIEU, 2004, p. 51).

As funções sociais e políticas que a religião cumpre na produção e reprodução de

determinada ordem social em cada contexto histórico, ou seja, na representação

e significação do universo social devem ser analisadas na relação dialética entre

agente social e sociedade, a fim de se compreender as razões pelas quais certos

discursos religiosos são legitimados em detrimento de outros. Deve-se buscar o

processo de construção e significação dessa legitimidade socialmente atribuída.

1.1.2 Contribuições de Geertz

Na dimensão macro-teórica, encontrada em Bourdieu (2004), o objeto pode ser

analisado no seu processo de construção histórico, social e político. Em

compensação na dimensão micro-teórica há possibilidade de análise por dentro

do objeto de estudo interpretando suas estruturas de significação,

contextualizando-o em sua base social e determinando a sua importância. É nesta

perspectiva que as concepções de Geertz (1989), são enfocadas nesse estudo já

que fornece os parâmetros teórico-conceituais para se pensar a religião como

sistema cultural, ou seja, no seu simbolismo.

Em sua obra “A interpretação das culturas”6 estabelece conceitos e métodos para

a análise da cultura ou antes para sua interpretação naquilo que denomina “teoria

interpretativa da cultura”. Num primeiro momento define os contornos de sua

concepção sobre cultura e afirma que seu conceito sobre o tema “é

essencialmente semiótico”. Concordando com Max Weber, Geertz afirma “[...] que

6 Para maior compreensão do conceito de cultura numa perspectiva semiótica e interpretativa, uma percepção mais aprofundada da metodologia e do viés antropológico sobre os vários aspectos da realidade social, ver: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

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o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,

assumo a cultura como sendo essas teias” (GEERTZ, 1989, p. 4). Neste sentido,

busca interpretar estas teias de significados, encerradas num simbolismo.

Dessa forma, entende a análise da cultura como “descrição densa” que busca

interpretar os significados das ações sociais a partir dos significados dado pelos

sujeitos da ação, ou seja, compreender o outro nas teias de significados na qual

ele se move e dessa forma apreender “ler (no sentido de construir uma leitura de)”

e não para codificar regularidades abstratas.

Neste ponto, cabe fundamentar sua concepção sobre cultura para melhor situar

seus pressupostos teóricos. Cultura, para o autor, é um documento de atuação,

um contexto de significados que sinaliza o comportamento, não está no interior do

sujeito, ela é “pública porque o seu significado o é”. Observa a necessidade de

contextualizar as ações sociais no interior desse “documento público” de atuação.

Para ele seu conceito de cultura:

“[...] denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1989, p. 66).

Entendido dessa forma seu estudo sobre religião volta-se para a “dimensão

cultural da análise religiosa”, que define como:

“(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas” (GEERTZ, 1989, p. 66 - 67).

Para explicitar seu conceito, e, na medida em que trabalha com a noção de

significado, aceita o paradigma de que os símbolos sagrados cumprem a função

de

“[...] sintetizar o ethos de um povo – o tom, o caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticos – e sua visão de mundo – o quadro que fazem do que são as coisas na sua simples atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre ordem” (GEERTZ, 1989, p. 66-67).

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Ou seja, a representação de mundo que se inscreve nestes símbolos. Na medida

em que opera suas crenças e as põem em prática esse ethos adquire

razoabilidade em termos de significação, visto que, promove a adaptação, no

plano das idéias, daquilo que a visão de mundo descreve como significativo e,

portanto, real. Na mesma proporção no plano emocional o que a visão de mundo

representa torna-se convincente. Adquirindo uma imagem de verdade,

demonstrando que o estado das coisas tem sua lógica e que estão acomodados

perfeitamente à ordenação construída.

Assim o ethos confronta e confirma a visão de mundo (teia de significados) e vice-

versa, resultando em dois efeitos: por um lado estruturam significados a exemplo

das preferências morais e estéticas, que aparecem como condições existenciais

impostas, parte imutável do mundo e que por isso fazem parte do senso comum.

Por outro lado, acomodam essas preferências recebidas da realidade significada

invocando àqueles sentimentos morais e estéticas inscritos na estrutura, mas que

uma vez “sentidos” atuam como comprovação da sua veracidade. Geertz (1989,

p. 67) concorda com a afirmação de que a “[...] religião ajusta as ações humanas

a uma ordem cósmica imaginada e projeta imagens da ordem cósmica no plano

da experiência humana [...]”. Mas ressalta que não se pode investigar

empiricamente a capacidade dos símbolos sagrados em efetivar essa coerência

entre a construção da significação da realidade e a apreensão desta realidade

significada, que é sentida como real e imutável.

O aspecto simbólico dos acontecimentos sociais, somente, pode ser apreendido

na totalidade de significados, portanto, torna-se necessário uma separação entre

a estrutura da teia e a subjetividade do indivíduo. A análise da dimensão

simbólica deve ser “extrínseca” centrada no universo intersubjetivo de

entendimento comum a todos, ou seja, na própria teia. Os sistemas simbólicos

(padrões culturais) são modelos de comportamento, ou antes, os modela, o que

encerra, para o autor, seu duplo sentido que é o de significar, conceituar a

realidade social, moldando-se de acordo com ela e a moldando de acordo com

eles. Dessa forma, operam duplamente como programa no sentido de

“documento público” (símbolo) e na atuação como representação do programado

ou do concebido. Isto para o autor é muito claro em relação aos símbolos

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religiosos. Na crença e nas práticas religiosa esses símbolos atuam como

proposições resumidas da realidade e/ou como um modelo de respostas para sua

produção, eles “expressam o clima do mundo e o modelam”.

Modelam no sentido de levar o crente a certo conjunto de disposições tais como:

o compromisso, habilidades, hábitos, inclinações que atribui o caráter

perseverante ao desenvolvimento da atividade e à qualidade da experiência

vivenciada.

Os símbolos sagrados induzem às disposições religiosas na medida em que se

articulam com as idéias gerais que se têm sobre o real. Essa articulação formula

conceitos sobre o que é transcendental. Toda religião precisa definir verdades

sobre a realidade se não quiser cair no moralismo formal.

Para o autor a construção de símbolos religiosos está implícita na capacidade que

o homem tem de responder por sua existência, aliás, de construir padrões

culturais a fim de obter tais respostas. Em virtude disso, a dependência do

homem em relação aos símbolos e aos sistemas simbólicos torna-se decisiva

para sua existência humana. Sem os símbolos perderia a direção, o sentido e o

poder de controle e de autocontrole do mundo. Langer citado por Geertz (1989,

p.73) concorda que:

“[...] [o homem] pode adaptar-se, de alguma forma, a qualquer coisa que sua imaginação possa enfrentar, mas ele não pode confrontar-se com o caos. Uma vez que a concepção é a sua função característica e seu predicado mais importante, seu maior medo é encontrar algo que não possa construir – o sobrenatural [...]”.

O caos ou falta de interpretabilidade, para o autor, ameaça o homem em três

aspectos: na sua capacidade de analisar dados pelas representações e/ou

significações construídas culturalmente, na sua capacidade de resistir e na sua

condução moral, que levados a extremos desafiam as formulações de que sua

existência é compreensível e de que é possível conduzir-se dentro dela pelo

pensamento. Nesse sentido para existir a religião tem que enfrentar tais desafios.

Mais do que escape às pressões insuportáveis, ela, contraditoriamente, acomoda

o sofrimento demonstrando não apenas como evitá-lo, mas caso sofra, como

enfrentá-lo.

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Para àqueles que adotam seu simbolismo garante fundamentos para a

compreensão do mundo e no ato de compreendê-lo possam situar seus

sentimentos e definir suas emoções a fim de poder suportar:

“[...] o simbolismo [...] focaliza o problema do sofrimento humano e tenta enfrentá-lo colocando-o num contexto significativo, fornecendo um modo de ação através do qual ele possa ser expresso, possa ser entendido expressamente e, sendo entendido, possa ser suportado [...]” (GEERTZ, 1989, p. 77).

Mesmo entendendo o sofrimento como um “Mal” ele pode não ser considerado

imerecido para aqueles que sofrem, o que explicaria a disparidade inerente entre

o que conjuntos de preceitos religiosos ditam e as recompensas materiais

recebidas pela introspecção de sua moralidade.

O sofrimento e o Mal encerram a mesma problemática visto que aparecem como

uma nebulosa sobre a coerência do cosmo, sem significado ou sentido, como

algo inexplicável, lançando dúvidas sobre a ordenação que se apresenta como

real. A essa dúvida a religião responde formulando símbolos que transmitam uma

imagem de ordem verdadeira explicando e até celebrando tais ambigüidades num

esforço de negar a sua existência e afirmar que a vida é mesmo insuportável e

que a justiça é ilusão.

Assim, a religião pode afirmar a inexorabilidade da ignorância, do sofrimento, da

injustiça no plano da existência humana e concomitantemente negar que tais

irracionalidades componham o mundo como um todo. Neste sentido seu

simbolismo relaciona à esfera da existência do homem outra mais ampla.

Essa negação que a religião faz e que o homem reconhece e crê como

verdadeira reside da “crença” na autoridade e na veracidade de suas concepções,

no olhar ou leitura que faz sobre o mundo. A religião repousa sobre axiomas, para

Geertz:

“[...] A perspectiva religiosa repousa justamente nesse sentido do ‘verdadeiramente real’ e as atividades simbólicas da religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo, intensificá-lo e, tanto quanto possível, torná-lo inviolável pelas revelações discordantes da experiência secular [...] a essência da ação religiosa constitui [...] imbuir um certo complexo específico de símbolos – da metafísica que formulam e do estilo de vida que recomendam – de uma autoridade persuasiva” (1989, p. 82).

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Afirma, assim, que a convicção na veracidade dos axiomas religiosos e na

correção de suas interpretações se origina no ritual que é o “comportamento

consagrado”. Seja de que tipo for é no ritual que se dá o encontro entre as

“disposições” e “motivações” induzidas pelos símbolos e as concepções de

mundo significadas neles: “[...] Num ritual, o mundo vivido e o mundo imaginado

fundem-se sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas, tornando-

se um mundo único [...]” (GEERTZ, 1989, p. 82).

Observa que, quanto mais elaborados e públicos são os rituais mais eles atuam

sobre o ethos e a visão do mundo de um povo, modelando-os. Os rituais mais do

que modelo de religiões são modelos para crença nelas visto que na

dramatização o homem vivencia e retrata sua fé. Mas destaca que nem mesmo

os mais “devotos” vivem permanentemente no mundo dos símbolos religiosos,

neste sentido, a religião não descreve por si só toda ordem social (senso comum),

mas a modela, ajusta e contorna a exemplo do que faz o ambiente.

Existe uma movimentação entre a visão do senso comum e a visão religiosa e o

homem transita por dentro dela possibilitando discernir sobre a prática e a

experiência religiosa. E, mais, concluir que a religião pelo,

“[...] fato de colocar atos íntimos, banais em contextos finais que torna a religião socialmente tão poderosa [...] ela altera [...] radicalmente, todo panorama apresentado ao senso comum, altera-o de tal maneira que as disposições e motivações induzidas pela prática religiosa parecem, elas mesmas, extremamente práticas, as únicas a serem adotadas com sensatez, dada a forma como as coisas são ‘realmente’” (Ibidem, p. 89).

O autor não busca os aspectos morais e/ou funcionais da religião, mas a análise

daquilo que lhe concede importância, ou seja, a sua capacidade de modelar, de

ser fonte de significado das concepções de mundo gerais servindo de modelo da

atitude de indivíduos ou grupos e no processo de ir e vir, servir de fonte para as

“disposições mentais”, de modelo para suas atitudes. Ela extrapola o contexto

metafísico que a especifica na medida em que fornece representações gerais que

nos seus termos dão significado a uma parte da experiência real – mas

precisamente àquelas relativas ao intelectual, moral e emocional. E, por esse

prisma pode ser analisada na sua dimensão cultural para além de sua

institucionalidade.

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A religião entendida como sistema simbólico tem por propriedade principal a

ordenação num todo coerente de um conjunto de símbolos sagrados já que nunca

é apenas metafísica. Toda e qualquer cultura sacraliza (torna inviolável) seus

objetos e práticas de culto revestindo-os de um sentido moral que obriga e

encoraja a devoção. E, mais, materializa e armazena os significados através de

símbolos como, por exemplo: cruz, correntes e outros. Eles são dramatizados nos

rituais evocando aquilo que procuraram significar modelando visões de mundo e

organizando condutas (ethos).

1.1.3 Contribuições de Berger

Berger (1985) é outro autor que trabalha a religião numa perspectiva de sistema

simbólico, ou conjunto de significações, construídas e legitimadas socialmente e

historicamente. Estudioso da realidade social interessa-se pelo fenômeno

religioso na medida em que este se relaciona com esta realidade, ou antes,

participa dela como produto histórico do agir humano. Em sua obra “Dossel

Sagrado”7, Berger traça os parâmetros da sua concepção. Para, ele a sociedade

é resultado do trabalho humano de construção do mundo e a religião tem lugar

destacado nesse empreender do homem. Com objetivo de relacionar a religião à

construção do mundo social analisa a sociedade em termos dialéticos.

Afirma que a realidade social como produto do fazer humano recua,

continuamente sobre ele demonstrando o caráter inerentemente dialético e que se

dá em três momentos: “a exteriorização” o trabalho contínuo físico ou mental

sobre o mundo, “a objetivação” que seria a materialização conquistada pelo

produto adquirindo concretude exterior e distinta dele; e a “interiorização” que

define como reapropriação pelos homens dessa realidade por eles estruturada

transformando-a em estruturas da consciência subjetiva.

7 Neste trabalho o autor se debruça sobre a análise da religião naquilo que denomina de perspectiva, um olhar diferenciado sobre o objeto, que tanto pode ser antropológico, histórico, sociológico e outros, sempre numa visão dialética, demonstrando a multiplicidade de compreensões possíveis sobre o mesmo. Ver: BERGER, Peter L. Dossel sagrado: elementos para uma sociologia da religião. 3. ed., São Paulo: Paulus, 1985.

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Neste sentido homem e sociedade são produtos um do outro. E, a exteriorização

é culturalmente necessária, uma vez que ele só se concebe e existe como

homem na sua relação com o mundo. Ou seja, “[...] o homem não só produz um

mundo como também se produz a si mesmo. Mais precisamente – ele se produz

a si mesmo num mundo” (BERGER, 1985, p. 19).

Nesta concepção, define a sociedade como um aspecto do conjunto total dos

produtos dos homens que podem ser materiais ou intangíveis e a essa totalidade

define como cultura. Na dialética homem/sociedade, a última estrutura sua

relação com o homem pela interiorização a partir do processo de socialização, de

compreensão dessa objetividade coletivamente construída compartilhada,

reconhecida e significada. Significado socialmente construído, cujo objetivo é

ordenar a realidade, e que confere a ela uma “qualidade protetora”.

Para Berger (1985) quando em situações marginais ou limites esta qualidade

protetora não dá conta de significar o real abre hiatos de suspeição subjetiva

sobre a “normalidade” da ordem social admitida como óbvia. Nesse ponto introduz

a religião como produto do trabalho de construção de significação do mundo a

partir do qual fundamenta um cosmos sagrado para dar conta de aspectos

precários percebidos no universo social. A religião é representação máxima da

“auto-exteriorização” do homem na construção de significados para a realidade,

ou seja, “[...] é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como

humanamente significativo” (p. 41). Assim, atribuí sentido e direção ao cosmos

como um todo superando a percepção de que aquela já referida “normalidade”

não é tão real.

Mas, enfoca a “precariedade” constante destas realidades que, por serem,

socialmente construídas, tornam necessário que os “saberes”, objetivados e

interiorizados como reais, sejam admitidos como determinantes na explicação e

justificação da ordem social, ou seja, legitimados. O autor entende estas

legitimações como respostas aos questionamentos sobre os “dispositivos

institucionais”. Nesta medida propõe “o que é” e normatiza o agir social,

retroagindo sobre seus produtores, assim as realidades objetivadas podem ser

interiorizadas definindo e validando a realidade subjetiva. A exterioridade, para o

autor, garante uma ordenação nas relações sociais que se estabelecem entre os

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indivíduos e a interiorização possibilita a manutenção e reprodução subjetiva do

mundo social.

Neste sentido, a religião pode ser considerada historicamente o mecanismo mais

eficaz de legitimação da realidade definida coletivamente em cada contexto social

que relaciona com o cosmos sagrado às construções de mundo empírico à mercê

de contingências que podem perturbar a ordem objetivada e significada. Dessa

forma, Berger (1985), observa que: “a religião legitima as instituições infundindo-

lhes um status ontológico de validade suprema, isto é, situando-as num quadro de

referência sagrado e cósmico. [...]” (p. 46).

A legitimação operada na e pela religião possibilita a interpretação da ordem

social como constituída por uma realidade (um espaço) sagrada. Realidade esta

que uma vez significada possibilita superar a desordem percebida como

contraditória à ordem social evidenciada e objetivada. Esta visão permite

compreender a legitimação operada subjetivamente pelos indivíduos uma vez que

ser contrário à ordenação religiosa do mundo é arriscar-se a cair no contraditório

e não-significativo “[...] é [...] aliar-se às forças primevas da escuridão [...]”

(BERGER, 1985, p. 52).

Mas dado o processo intrínseco de mudanças sociais, que como contínuo produto

humano está sempre em aberto, a religião necessita de um instrumento que

garanta a perenidade de sua legitimação, ou seja, função de atribuir sentido e

ordenação. O ritual tem sido esse instrumento que traz à memória dos homens a

possibilidade constante do caos.

A religião aparece então como núcleo de significação e legitimação de visões de

mundo para dar conta dos aspectos não evidenciados na construção do mundo

social e natural, dos hiatos, das nebulosas. Tanto Geertz (1989) quanto Berger

(1985) perceberam a condição inerente dos sistemas simbólicos que traz implícito

um “vazio de significação” que precisa ser preenchido a fim de garantir o sentido e

a ordenação do real. Assim, a religião estabelece seu espaço de atuação e

significação do real, objetivado e estruturado como espaço sagrado e que se

relaciona com o mundo social e natural pela distinção, ou seja, pela dicotomia

entre sagrado e profano.

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1.2 SAGRADO E PROFANO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Berger (1985, p. 39) define sagrado como tudo aquilo que está imbuído por um

“poder misterioso e temeroso” que se distingue do homem ao mesmo tempo em

que se relaciona com ele e que estaria presente em alguns objetos da

experiência. Nessa relação,

“[...] O sagrado é apreendido como algo que “salta para fora” das rotinas normais do dia a dia, como algo extraordinário e potencialmente perigoso, embora seus perigos possam ser domesticados e sua força aproveitada para as necessidades cotidianas. Embora o sagrado seja apreendido como distinto do homem, refere-se ao homem, relacionando-se com ele de um modo em que não o fazem os outros fenômenos não-humanos (especificamente, os fenômenos de natureza não-sagrada). Assim, o cosmos postulado pela religião transcende, e ao mesmo tempo inclui, o homem. O homem enfrenta o sagrado como uma realidade imensamente poderosa distinta dele. Essa realidade a ele se dirige, no entanto, e coloca a sua vida numa ordem, dotada de significado”.

Em Geertz (1989) a religião como sistema de símbolos, empreende a

confrontação e confirmação entre o ethos e as visões de mundo de um povo e

que se realiza em termos de simbolismo religioso que visa relacionar sua

existência cotidiana a uma esfera mais ampla do que aquela tomada como

evidente. Nesse sentido os símbolos religiosos oferecem garantias de

compreensão e ordenação do cosmos como um todo. Para tanto são imbuídos de

uma significação e uma autoridade persuasiva que determinam a verdade

incontestável de suas diretivas e/ou sentido. Mas os significados que servem à

interpretação da experiência e para organização de condutas têm que ser

armazenados em referentes, em símbolos que detém a verdade inconteste de sua

capacidade de responder aos “vazios de sentido” anteriormente mencionados.

Tais símbolos são consagrados, sacralizados e servem de mediadores entre o

mundo percebido e aquele que transcende à percepção do homem sobre o

universo como um todo.

A religião, nesse sentido, se apropria dessa construção e representação social

encerrando-a num universo ordenado que embora se relacione com o todo difere

dele em essência por não ser percebido na realidade imediata, atribuindo ao

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sagrado (construído e reproduzido socialmente) um significado e um valor em si

mesmo e desse modo operando a distinção.

Como visto anteriormente, as várias possibilidades de construção de visões de

mundo ou representações do real constituem, para Bourdieu (2004), o pano de

fundo para uma luta simbólica entre as classes que buscam o poder de definir

visões de mundo mais afeitas aos seus interesses. É nessa perspectiva, para o

autor, que a religião cumpre uma função política.

Nessa imposição de representações e/ou visão de mundo produz e estrutura de

forma objetiva e nas disposições dos agentes um “corpo de verdades” ao

desapropriá-los de seus saberes ou representações do real. Para o autor, na

análise dessa estruturação, ou seja, do campo religioso observa-se a distinção

entre sagrado e profano. A oposição se efetua pelo componente ideológico na

medida em que ao estruturar um campo específico de conhecimento e construção

de conhecimento e percepção do mundo promove sua hierarquização (di-visão)

jogando nas mãos de especialistas o monopólio da construção dessas visões.

Tais especialistas definem, produzem e reproduzem um saber organizado cujo

segredo e raridade fundamenta sua especificidade, revestindo tais saberes de

uma aura de verdade que garante sua incontestabilidade. Os excluídos desse

processo são transformados em leigos ou profanos num duplo sentido do termo

estão desapropriados do capital religioso (trabalho simbólico acumulado) e

reconhecem a legitimidade da destituição por não a perceberem como tal.

Assim para Bourdieu (2004),

“[...] A oposição entre os detentores do monopólio da gestão do sagrado e os leigos, objetivamente definidos como profanos, no duplo sentido de ignorantes da religião e de estranhos ao sagrado e ao corpo de administradores do sagrado, constitui a base do princípio da oposição entre o sagrado e o profano e, paralelamente, entre a manipulação legitima (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou feitiçaria) do sagrado [...]” (p. 43).

1.3 SÍMBOLOS SAGRADOS E IMAGINÁRIO

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Nos três autores acima citados o sagrado aparece como elemento intrínseco ao

universo religioso, seu referente, seu conjunto de significações, seu aspecto

ideológico (di-visão) e como espaço de distinção, de oposição entre a realidade

perceptível e àquela mais ampla que compõe o universo como um todo. Mas o

sagrado não tem substâncias em si mesmo, é uma construção de significados.

O simbolismo sacralizado ou sagrado que compõe a religião, ou antes, a

representa, define e reproduz se representando e se reproduzindo nas

consciências de forma direta e indireta.

Elias da Silva8 (2002) sociólogo interessado no estudo do universo religioso ao

analisar esse processo de percepção do simbólico, observa que o objeto pode ser

apreendido na sua concretude e de forma imediata ou “reapresentado” à

consciência por uma imagem. Durand citado por Elias (2002, p.30) observa que

“[...] a imaginação simbólica, propriamente dita, acontece quando o significado a

que você está se referindo ou querendo expressar, não é mais absolutamente

apresentável”.

Essas considerações permitem delinear uma concepção de imaginário como

reapresentação e reprodução nas consciências das significações que a visões de

mundo constroem.

Outro autor que fornece mais subsídios para conceituar imaginário é Denis de

Moraes (2002). Na análise que faz sobre o tema, imaginário social se compõe de

um conjunto de “relações imagéticas” que agem como memória afetivo-social de

uma cultura, como um substrato ideológico mantido pela comunidade.

É uma produção coletiva que encerra a memória coletada pelos grupos que

vivenciam no cotidiano. Pelo imaginário social é possível detectar, segundo o

autor, as diversas percepções que os atores têm de si mesmos e deles em

relação aos outros ou como se percebem como partes do coletivo. Nele as

identidades e objetivos são esboçados e organizados. O imaginário é expresso

8 O autor é um estudioso do imaginário social, na análise do tema busca uma definição para este conceito sempre tão difuso e genérico e que na maioria das vezes acaba associado à noção de representação social. O autor no seu artigo faz uma tentativa de construção de uma definição própria ao termo.

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por ideologias, símbolos, rituais, mitos, por seu intermédio pode-se atingir as

aspirações, medos e esperanças de um povo já que seus elementos modelam

condutas e visões de mundo estabilizando e/ou modificando a ordem social.

Baczko citado por Moraes (2002, p. 1) observa que,

“[...] a imaginação social, além de fator regulador e estabilizador, também é a faculdade que permite que os modos de sociabilidade existentes não sejam considerados definitivos e como únicos possíveis, e que possam ser concebidos outros modelos e outras fórmulas”.

Pelo imaginário é possível perceber os usos sociais das representações e das

idéias. As significações imaginárias que são despertadas pelas imagens servem

de referência simbólica dão sentido ao real, pela imaginação a consciência

apreende a vida e a elabora “[...] mas o imaginário não é apenas a cópia do real,

seu veio simbólico agencia sentidos, em imagens expressivas” (MORAES, 2002,

p. 1).

O imaginário social engendra os sistemas simbólicos inclusive os símbolos

sagrados, que aparecem como sua síntese, unificando as consciências em torno

das representações coletivamente produzidas e reproduzidas.

O universo religioso entendido como sistema simbólico, analisado pelos autores

citados até o momento, traz implícita a questão da construção de significações

para o mundo, considerada essencial à existência humana já que propõe à

ordenação, direção e sentido ao real. Mas em todos está presente a questão do

“vazio de significação” ou como citado em Geertz (1989) “o problema do

significado” que pressupõe hiatos de significação na ordenação socialmente

construída. E, abre a possibilidade de se pensar as várias visões sobre o “Bem”, o

“Mal” e o “Diabo”, assim como sua configuração, tanto do ponto de vista,

metafísico e teológico, quanto histórico, antropológico e sociológico. Não se fará

uma dissecação aprofundada desses conceitos e sim uma leitura de várias

definições sobre as temáticas naquilo em que se relacionam e/ou se

interpenetram a fim de situá-los no contexto do objeto de estudo ora proposto. Até

porque as considerações sobre eles não são bem definidas, mas aparecem nos

autores referenciados dentro das perspectivas de análise em que se inscrevem.

São delineados ao discorrerem sobre outros objetos, mais precisamente, sobre a

religião.

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1.4 - O DIABO RESPONSÁVEL PELO MAL

Bem e Mal (visão sistêmica) são conceitos antagônicos: o bem corresponde ao

mundo criado para ser perfeito, representa ainda o amor, o cumprimento do

dever, o prazer, a ordem. O Mal seria o seu oposto, o desprazer, a dor, o ódio, a

maldade, a desordem. O Mal estaria centrado basicamente em três pontos

principais: a morte, o sofrimento e o pecado (mostra a falibilidade do homem). No

Vocabulário de Teologia Bíblica (1972, p. 92) tem-se a definição etimológica de

Bem e Mal:

“A palavra hebraica tôb (tov) (traduzida diretamente pelos gregos kalos e agathos, belo e bom) designa primitivamente as pessoas ou os objetos que provocam sensações agradáveis ou a euforia a todo o ser... pelo contrário, tudo que conduz à doença e ao sofrimento em todas as suas formas, e sobretudo à morte, é mau.”

De acordo com o Dicionário de Ética e Moral (2003), o Mal pode ser dividido em

diversas categorias, como o Mal moral, o Mal físico e o Mal metafísico. O Mal

físico está relacionado à dor e a miséria; o Mal moral é o Mal cometido pelos

homens e Mal metafísico está relacionado a criatura imperfeita que é o homem,

sujeito à falhas, ao erro e ao pecado.

O Mal está associado ao sofrimento, que possui um princípio e existência próprios

relacionando-se, diretamente, à culpa. Geertz (1989), como citado anteriormente

(conferir tópico: 1.1.2, p. 15), também afirma que o Mal vem do sofrimento

humano. Weber trata a questão do sofrimento em seus primórdios, em um

primeiro momento o sofrimento ganha “relevo” em festas religiosas comunitárias,

quando ocorriam enfermidades ou outros tipos de infortúnios.

“Os homens, sofrendo permanentemente, de luto, de enfermidades ou qualquer outra desgraça, acreditavam, dependendo da natureza de seu sofrimento, estar possuídos por um demônio ou vitimados pela ira de um deus a quem teriam insultados” (WEBER, 1946, 313).

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A partir da idéia de que os homens desagradavam ao Deus, a religião passa a

atender a uma necessidade de significação do real como um todo. A busca dos

homens pelas religiões institucionalizadas, ou seja, pelo deus tribal tem esta

finalidade. Os deuses do Império, neste contexto, não respondiam ao indivíduo,

mas, às situações da comunidade como um todo. Os indivíduos procuravam,

então, alternativas para eliminação dos seus males e confiavam ao mágico ou

sacerdote a solução de seus problemas. O mágico que, inicialmente salvava, ou

eliminava males individuais, adquiria credibilidade e legitimidade passando a

cuidar de um número cada vez maior de pessoas. Estes fatores levaram à

formação de comunidades mágicas e ao atendimento das massas que

necessitavam de salvação. Consequentemente tornou-se necessário a figura de

um salvador (visão racional do mundo).

A religião (que estava condicionada a racionalização) passa a anunciar e

prometer àqueles que necessitam, a salvação. Pretendendo ser a organização

profissional para a “cura da alma”, relega os mágicos à condição de causadores

de males e sofrimentos. O salvador “[...] o deus ressureto garantia o retorno da

boa sorte neste mundo ou a segurança da felicidade no outro” (WEBER, 1946, p.

316). Dessa forma, a salvação passa a ser condicionada aos rituais religiosos, e o

pecado aparece como causa de todos os males.

O salvador, segundo Weber (1946), deve possuir um caráter individual e universal

e ainda garantir a salvação individual de todos os que se voltam para ele.

Escolhendo assim viver com Cristo para obedecer aos impulsos do Espírito

Santo, o cristão se dessolidariza da opção de Adão. Pelo que o Mal moral vem a

ser nele verdadeiramente vencido. (1946, p. 99)

Pela definição da Bíblia o Mal é uma força que corrompe o homem e o universo.

Sendo assim, há o início da guerra entre o Maligno e Deus, este deverá triunfar

sobre o Mal. Conforme ensinamentos cristãos, no Novo Testamento, somente

Jesus Cristo pode vencer o Mal, os homens são incapazes de fazê-lo, pois Cristo

é mais forte que o Diabo. O Mal no Cristianismo está personificado na figura do

Diabo que, encarnado em seres espirituais maléficos, estaria presente no mundo.

O mundo seria a morada do Diabo. O “Evangelho de João” contém uma visão

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negativa do mundo social (chamado “este mundo”), dominado pelo Diabo, que

aparece mais como adversário do que como servidor de Deus. (ELIADE, 2003)

O Diabo surge como personificação do Mal no Novo Testamento. No Antigo

Testamento o Mal estava associado à desobediência humana, Deus é o autor de

todas as coisas, tanto boas quanto más para o homem.

“No texto sagrado, Deus aparece como o criador de todas as coisas, inclusive do gênero humano, de forma boa e perfeita. O ser humano recebe orientações de seu criador para viver e se perpetuar no estado de bondade e perfeição. O ser humano, todavia, desobedece às orientações de Deus e a conseqüência de sua ação é a dor, a vergonha, o trabalho árduo da terra, a dominação da mulher pelo homem. A desobediência humana, fator desencadeador destes males, é instigada por um animal, a serpente, e não por um ser sobrenatural (anjo caído, demônio ou Diabo). Isto acontece porque o Antigo Testamento é permeado por uma visão monista, no qual Deus garante a ordem cósmica e qualquer ser/pessoa que pretenda atrapalhar esta ordem, recebe a devida retribuição por sua desobediência. Neste sentido, pode-se dizer que no Antigo Testamento o mal é praticado pelo ser humano que traz embutido em si o castigo” (ALFREDO OLIVA, 2005, p.83).

Nogueira (2002), estudioso da religião, observa que o Antigo Testamento traz

poucas referências sobre o “espírito do mal”, pois o Judaísmo tentava manter o

seu monoteísmo atuante, existindo até mesmo uma legislação que proibia as

superstições. Os deuses que pertenciam a outros povos não faziam parte da corte

divina do deus de Israel. Algumas tribos judaicas colocavam os deuses alheios

como pertencentes à corte do demônio.

“As repetidas beligerâncias que compõem o processo de expansionismo dos povos da Antiguidade têm como tradução, numa esfera religiosa, a assimilação dos deuses dos inimigos a entidades malignas, pois estes pertencem a seus povos e atuam como representantes destes” (p. 15).

Os vencidos colocavam no deus dos vencedores a culpa pela derrota. Ao

restaurarem a situação e expulsarem os invasores, passam a personificar o Mal

na figura do deus daquele povo. A idéia do Mal é indefinida no Antigo

Testamento, mas os judeus eram punidos por espíritos enviados por Deus.

Somente no Livro de Jó que se encontra menção ao Satan. Conforme Nogueira

(2002, p. 16-17),

“O Satan é, por conseguinte, a causa de todos os tormentos que são enviados ao servo de Deus, mas não tem ainda personalidade definida, como demonstra junto ao seu nome a presença do artigo “o” – o Satan. Mas, como a descrição dos tormentos de Jó coloca o grande problema do

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Mal e da dúvida, esse poema do sofrimento contribuirá para conferir a Satã a sua imortalidade. Gradualmente, Satã passa de acusador a tentador, tornando-se o Diabo por excelência, em sua tradução grega Diábolos – isto é, aquele que leva a juízo -, que rapidamente se transformará na entidade do Mal, no adversário de Deus”.

Os judeus foram influenciados pelos gregos e persas que tinham uma visão dual

na qual Deus passa a ter um oponente. A partir destas influências Deus detém a

autoria, apenas, do que é bom, o Mal estava nas mãos do inimigo de Deus. O

Diabo e o ser humano seriam os responsáveis por todos os males. O Diabo seria,

ainda, o responsável por tudo de negativo que acontece com os homens, como o

roubo, o uso de drogas, a prostituição.

A personificação do Diabo tem início em Lúcifer9, o anjo caído dos céus, criado

por Deus e que traz em sua queda inúmeros outros anjos que passaram a ser

conhecidos como demônios. A demonização do outro tem início no Evangelho de

Mateus, e vários outros evangelistas seguem essa idéia. Devido a perseguição

feita pelos romanos aos cristãos, estes passaram a ser identificados como

demônios. A luta contra o Diabo passa a ser uma prática comum no Cristianismo.

No terceiro século começa a prática do exorcismo, Alfredo Oliva (2005) observa

três formas que o Diabo atua, e automaticamente a forma de expulsá-lo: em um

primeiro momento atua como oposição a Deus na luta do Bem (Cristianismo)

contra o Mal (Judaísmo/Império Romano) e a forma de retirar, ou seja, exorcizá-lo

deveria ser feita de forma bélica e/ou doutrinária; quando a luta atinge o corpo das

pessoas, para exorcizá-lo é necessário resistir às tentações da carne; a terceira

maneira de exorcizar o Mal seria por intermédio de um homem santo que possa,

em nome de Cristo, retirar o demônio do corpo da pessoa. A batalha entre o bem

e o Mal passa a acontecer dentro dos corpos.

O Diabo só começa a ter uma forma a partir do século IX, apresentando

características do deus Pã grego: chifres, cascos, orelha, rabo e parte inferior do

corpo peluda. A explicação encontrada por autores como Nogueira, O’Grady e

Link sugere que era prática comum ao Cristianismo associar o Mal/demônio a

tudo o que não fizesse parte do seu universo. A demonização do outra feita pelo

9 A palavra Lúcifer pode significar: estrela da manhã, aquele que leva a luz, astro brilhante, aurora, manhã.

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Cristianismo tem como justificativa perseguição sofrida por eles, efetuada pelos

romanos no contexto da sua formação.

“Quando uma religião concorre com o cristianismo, ela tende a ser encarada como um fenômeno que trava uma batalha contra aquele. Muitos são os casos em que o cristianismo acaba por demonizar seus concorrentes no campo religioso. A construção iconográfica do Diabo é um exemplo da forma demonizante como o cristianismo tem lidado com as religiões que com ele concorrem” (ALFREDO OLIVA, 2005, p. 103-104).

A leitura dos vários autores abordados até o momento teve por finalidade

fundamentar a análise do objeto de estudo ora proposto. A religião detém em seu

bojo um leque de possibilidades investigativas. Assim sendo, a escolha de certo

número de pesquisadores permite a delimitação daqueles aspectos que mais

atendem o escopo desse esforço de análise.

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2 MARCO HISTÓRICO

O movimento pentecostal é considerado, atualmente, um fenômeno religioso que

traz em si enorme complexidade e perplexidade aos defensores da tese da

secularização da religião. Sua efervescência e expansão coloca no centro do

debate não apenas o “reencantamento” do mundo, mas a emergência de novas

práticas religiosas e novas configurações de Deus e do Diabo dentro do

Cristianismo. Em nossa sociedade ganha contornos específicos visto que na cultura

nacional a hegemonia do catolicismo, pelo menos no discurso oficial, sugeria certa

unidade no imaginário social, da tradição e na visão de mundo do universo

religioso. Neste sentido o pentecostalismo aparece como categoria explicativa

privilegiada para compreensão das transformações deste universo.

Alvo do interesse de vários estudiosos, em diferentes campos de conhecimento,

entre eles: Leonildo Campos (1997), Luís Campos Jr. (1995); Ari Pedro Oro (1996);

Sílvio Oliveira (1996); Francisco Rolim (1987); Ricardo Mariano (1995). Na análise

que empreendem sobre o pentecostalismo remetem-se ao contexto histórico da

Reforma Protestante (século XVI), cujas idéias serviram de substrato à sua

emergência, embora destaquem as diferenças entre o protestantismo e o

pentecostalismo.

2.1 PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PENTECOSTALISMO:

CONTRIBUIÇÕES DA REFORMA PROTESTANTE

A Reforma Protestante (século XVI) significou uma ruptura com o pensamento

teológico hegemônico da Igreja Católica, um dos ramos do Cristianismo. No

entanto, as causas da cisão do Cristianismo, na Europa Ocidental, naquele

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contexto, ultrapassam a esfera religiosa propriamente dita. Várias transformações

histórico-sociais, econômicas, políticas e culturais encontravam-se imbricadas.

Entre elas a formação dos Estados Nacionais; defesa de concepções humanistas

que deslocaram o eixo das explicações sobre a realidade do teocentrismo para o

antropocentrismo, construindo uma nova racionalidade que impactou as visões de

mundo legitimadas. Emergência do capitalismo, rompendo as relações sociais

vigentes, dentre outros fatores articularam-se para criar as condições históricas que

possibilitaram uma nova perspectiva religiosa e um novo ethos engendrado pela

Reforma, como veremos a seguir.

Os preceitos teológicos do Catolicismo fundamentam-se na Bíblia considerada

fonte de suas doutrinas. No contexto da Reforma sua interpretação era restrita ao

corpo eclesiástico que compunha a Igreja e seus dogmas considerados

incontestáveis. Mas esta hegemonia não eliminava as críticas centradas na

interferência da Igreja na política, nos usos e costumes, na visão de mundo

preconizada, nos obstáculos ao desenvolvimento econômico e nas transformações

histórico-sociais e culturais em gestação.

Do ponto de vista teológico ampliaram-se as críticas aos dogmas e as práticas

religiosas, como a venda de indulgências e de relíquias a fim de arrecadar verbas

para as obras institucionais. Além, das críticas à falta de preparo dos sacerdotes

que desconheciam os fundamentos da doutrina católica e o comportamento ético

deles que colocavam em risco o preceito-chave de intermediação entre o homem e

Deus.

Conjuntamente, ganhava força à corrente religiosa baseada na visão de Santo

Agostinho, que preconizava a salvação do homem apenas pela fé, em oposição à

visão dominante entre os líderes da Igreja, cujo fundamento era a concepção de

São Tomás de Aquino, para o qual a salvação dependia da fé, mas também das

boas obras.

No esteio das críticas, diferentes visões teológicas ganham visibilidade no seio da

própria Igreja, com destaque para aquelas defendidas por Martinho Lutero e João

Calvino. De acordo com o Dicionário de Ética e Filosofia (2003, p. 87 - 88),

Martinho Lutero, monge agostiniano, considerado o precursor da Reforma

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Protestante condenava abertamente a prática de venda de indulgências e o

comportamento ético do clero, que lhe parecia “[...] um desprezo a seriedade da

graça e do pecado original [...]”10. Devido sua formação teológica e a função de

exegeta construiu seu pensamento por meio do diálogo com as Escrituras

Sagradas resultando numa ética, fundamentalmente, teológica. Seus preceitos

defendiam a “salvação” e a “justificação” apenas pela fé. Nas palavras de Lutero

“[...] comecei a compreender que a justiça de Deus é aquela pela qual o justo vive o

dom de Deus, ou seja, da fé [...] a justiça passiva pela qual o Deus misericordioso

nos justifica pela fé [...]”.

Por esta ótica a justificação (absolvição dos pecados) e a salvação seriam dadas

gratuitamente por Deus e não pela ação da moral secular ou pela contribuição das

obras humanas, mesmo assim não excluía totalmente os aspectos seculares. Na

sua visão o ser humano coexiste no mundo temporal (secular), e no mundo

espiritual. Daí sua oposição aos votos monásticos do celibato e a visão positiva a

respeito do trabalho, que para ele “constitui uma vocação” desde que destinado ao

bem de todos.

Defendia também o sacerdócio universal, no qual todos aqueles submetidos às leis

do evangelho estariam aptos a exercer esta função. Dentre os principais pontos de

sua doutrina destacam-se: a fé como único caminho para a salvação; a Bíblia como

fonte única para a fé; acesso livre dos fiéis à Bíblia; fim do culto e adoração aos

santos e o não reconhecimento da autoridade do Papa.

Além de Lutero, cabe ressaltar as contribuições de João Calvino (1509-1564).

Teólogo e jurista nascido na França aderiu aos ideais reformadores sendo por isso

perseguido pelas autoridades católicas francesas e acusado de heresia. Calvino

tem em comum com Lutero a concepção de salvação por meio da fé, mas difere

dele no que concerne à salvação por predestinação. Segundo Calvino, o homem

estava destinado a priori a merecer o “céu” ou “inferno”. Eram eleitos por Deus

10 Tanto que Lutero, no ano de 1517, contestou publicamente a decisão do Papa Leão X de vender indulgências para construção da Basílica de São Pedro, afixando na Igreja de Wittenberg suas “95 Teses” na qual compilava sua concepção teológica demonstrando as razões de sua posição contrária, o que lhe rendeu um processo por heresia e a excomunhão no ano de 1520.

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predestinados à salvação ou condenados à maldição eterna. Ademais não via a

inserção no mundo temporal de forma negativa. Na sua visão as obras mundanas,

mesmo não sendo meio de salvação convidam à regeneração. Dessa forma

articulava a coexistência de um mundo temporal, pluralista e secular com o mundo

espiritual pelo viés da ética e afirmava que as obras humanas derivadas da fé

contribuíam para a santificação. Sua doutrina condenava os prazeres mundanos, o

culto aos santos e o luxo ostensivo e defendia o trabalho como vocação divina.

A Reforma expandiu-se por toda a Europa a exemplo da Inglaterra que em 1534

rompeu com a Igreja Católica fundando a Igreja Anglicana, embora mantivesse sua

estrutura hierárquica e litúrgica.

Além das correntes luterana, calvinista e anglicana outros movimentos religiosos

estavam presentes dentre eles os anabatistas; os puritanos que desejavam uma

reforma mais radical no anglicanismo; os pietistas; os arminianos e os avivalistas.

Tais movimentos interessam pelo fato de demonstrarem que os ideais da Reforma

não mantiveram uma unidade no seu processo de formação. Nos séculos

subseqüentes o protestantismo, como ficou conhecido este movimento que se

fundou nas idéias reformadoras, passou por modificações substanciais (OLIVEIRA,

1996).

Ao mesmo tempo estas mudanças ocorreram exatamente pelo diálogo e interação

das idéias contidas em tais movimentos que eram aceitas na íntegra, rechaçadas

ou reelaboradas por este ou aquele grupo resultando em concepções diferenciadas

culminando em outras significações e visões de mundo.

2.1.2 Protestantismo: idéias que influenciaram o Pentecostalismo

Os seguidores do Protestantismo sofreram inúmeras represálias por parte das

autoridades católicas, transformando a Europa dos séculos XVI e XVII num palco

de intolerância religiosa. Frente ao avanço protestante a reação foi a punição

violenta, inclusive com a reedição dos Tribunais da Inquisição. Mas a expansão foi

inexorável e o Protestantismo neste contexto atingia quarenta por cento da

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população européia distribuído em várias denominações que no seu processo de

formação foram influenciadas pelos movimentos descritos a seguir.

Conforme demonstrado por Oliveira (1996) vários movimentos teológicos

influenciaram as religiões protestantes procedentes da Reforma: os

fundamentalistas, anabatistas, avivalistas, arminianismo, pietismo e puritanismo.

Citando Mendonça observa que os fundamentalistas,

“[...] defendem pontos ‘fundamentais’ na doutrina e na moral [...] caracteriza-se [...] pela verdade bíblica – a Bíblia sempre permanece como verdade eterna - bem como por sua intolerância ‘ao acreditar na posse da verdade, não vê sentido no diálogo com os que não afirmam a verdade’” (p. 28).

Para Campos Jr. (1995), os anabatistas foram um dos primeiros grupos

reformadores. Defendiam em sua doutrina a idéia do batismo por imersão, no qual

o indivíduo é imerso na água de um tanque ou rio, na idade adulta considerada a

idade de razão. Conhecidos pelo sectarismo radical sofreram inúmeras

perseguições tanto dos reformadores, quanto da Igreja Católica, mesmo assim

conseguiram se expandir por várias regiões da Europa (Suíça, Alemanha, Morávia).

Os avivalistas utilizavam técnicas e instrumentos que induziam no decorrer da

experiência religiosa ao êxtase, acreditavam que assim conseguiriam maior

proximidade com Deus. (OLIVEIRA, 1996)

Quanto ao arminianismo, surgiu com o teólogo calvinista Jakobus Arminius, que em

contraposição à ortodoxia calvinista sobre a predestinação, defendia uma

concepção na qual a salvação seria oferecida por Deus a todos aqueles que

aceitassem Cristo como Salvador e não apenas aos predestinados. Em reação os

calvinistas ortodoxos condenaram as teses de Arminius, com a exclusão do seu

grupo e a defesa da predestinação absoluta. (OLIVEIRA, 1996)

O pietismo foi um movimento de reação à ortodoxia luterana, surgiu, no século

XVII, com Philipp Jacob Spener, teólogo luterano, participaram, também, August

Hermann Francke, líder luterano e Nicolas Louis von Zinzendorf, que estruturou o

movimento. Nessa concepção, o ser humano ao se justificar pela fé, dá início a

uma nova vida em Cristo e busca a perfeição cristã e o isolamento do mundo.

Tanto a Igreja quanto o clero estavam “mundanizados”, e por isso formavam grupos

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de santificação a fim de atingir a perfeição e evangelizar os novos adeptos da

doutrina. A salvação não seria conseguida após a morte e sim no presente

comprovando a realização do indivíduo “[...] Todo crente era considerado ministro

de Deus e dirigente de sua palavra” (OLIVEIRA, 1996, p. 29).

Sobre o pietismo tem-se, ainda, a definição encontrada no Dicionário de Ética e

Filosofia (2003, p. 336), que aponta neste movimento um ponto-chave: a leitura

bíblica no centro da pregação, da teologia e da vida em comunidade. Comportaria

seis pontos básicos: a difusão da palavra de Deus a fim de conhecê-la por si

mesmo e não visando estabelecer uma dogmática; defesa do sacerdócio universal;

concepção de um Cristianismo concreto vivenciado cotidianamente na prática e não

sistematizado em conceitos e numa ortodoxia; recusa de controvérsias teológicas e

religiosas; oratória simples e direta, sem exageros retóricos.

Por sua vez, o puritanismo foi o movimento religioso que surgiu na Inglaterra como

reação à Reforma Anglicana que se desligou do catolicismo oficial, mas manteve

sua estrutura litúrgica e a hierarquia clerical. Foi formado por presbiterianos,

congregacionais e batistas, que embora fortemente influenciados pelo calvinismo,

opunham-se a tese de predestinação. Para eles a predestinação só era discernível

pela fé dos eleitos (ou seja, aqueles que aceitavam o Evangelho como axioma). E a

eleição seria o “[...] primeiro passo para a santificação, nova vida em Cristo. Os

sinais ‘revelados’ externamente passam a ter muita importância na ética puritana

[...]” (OLIVEIRA, 1996, p.29). São marcas de distinção que comprovam a salvação

e vivem em busca deles. Para os puritanos a falta de atividade religiosa e

profissional é sinal de não caminho dos eleitos e ao contrário o ativismo é sinal de

fé e de sua eleição.

Dessa forma, Oliveira (1996) observa que tendências teológicas diversas

permeavam os preceitos doutrinários de calvinistas, luteranos batistas,

presbiterianos, congregacionais e outros que foram se formando durante a

consolidação e expansão da Reforma. Não obstante as diferenças pode-se

observar aspectos comuns entre elas, como por exemplo, a presença da Bíblia

como fonte da verdade teológica com sua interpretação literal e da retidão moral.

Além do ascetismo e do sectarismo como garantia e busca da salvação e da

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justificação. E a certeza de que a salvação é conseguida pela graça de Deus e pelo

exercício da fé.

Rolim (1987, p. 17) destaca em sua análise que preceitos doutrinários são re-

significações da idéia de Deus construídas ao longo da história dos homens, como

por exemplo, o batismo por imersão e a busca pelo contato maior com Deus

verificados no anabatismo e no pietismo e que também podiam ser encontrados no

Cristianismo primitivo. Neste sentido as várias vertentes que influenciaram o

protestantismo, num primeiro momento, e depois fundamentaram o

pentecostalismo podem ser entendidos como resgate e reelaboração de visões de

mundo sobre um Deus histórico, produto do fazer humano confirmando que “[...]

não há história apenas de idéias e práticas religiosas. O que há é um povo que

fazendo sua história, faz também a sua religião [...]”.

Esta noção, também pode ser encontrada em Berger (1985, p. 41), que por sua

visão dialética aponta que a religião

“[...] desempenhou uma parte estratégica do empreendimento humano da construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a realidade. [...] a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo”.

Além deste resgate de significações associadas a outros contextos históricos, a

Reforma Protestante também assume o sentido de luta pelo monopólio do discurso

religioso que busca se legitimar numa reação à ortodoxia existente e pelo controle

dos bens de salvação e do poder simbólico de construir visões de mundo mais

concernentes com a realidade social da época. Na análise de Bourdieu (2004, p.

62), a existência de uma forte concentração de poder no interior da Igreja Católica,

naquele período, propiciava o surgimento de movimentos heréticos no seu interior,

na sua concepção:

“[...] O conflito pela autoridade propriamente religiosa entre os especialistas (conflito teológico) e/ou o conflito pelo poder no interior da Igreja conduz a uma contestação da hierarquia eclesiástica que toma a forma de uma heresia [...] em meio a uma situação de crise, a contestação da monopolização do monopólio eclesiástico por parte de uma fração do clero depara-se com os interesses anticlericais de uma fração dos leigos e conduz a uma contestação do monopólio eclesiástico enquanto tal”.

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Diante destas argumentações pode-se inferir que o protestantismo logrou êxito em

sua expansão, a despeito da hegemonia do catolicismo, por trazer implícito idéias

que faziam parte do repertório religioso, ou seja, do imaginário social, daquela

parcela da população da qual obteve adesão. E, também, por seu discurso, pelo

efeito ideológico que encerra, “exprimir ou inspirar” interesses religiosos e

ideológicos de categorias de leigos que buscavam, em última instância, legitimar

sua visão de mundo.

2.2 PENTECOSTALISMO: EMERGÊNCIA NA EUROPA E NOS EUA.

Os pressupostos acima citados podem ser aplicados na análise da emergência do

Pentecostalismo que em sua fundamentação adquiriu um caráter de re-significação

das idéias do Protestantismo, que por ter encerrado seus preceitos numa ortodoxia

e hierarquia, terminou se contrapondo à idéia básica que lhe servira de substrato,

ou seja, a liberdade pela busca direta da salvação e justificação, concedidas

apenas por Deus.

Como visto anteriormente, vários foram os movimentos religiosos formados ao

longo da consolidação da Reforma que se influenciaram mutuamente ou que se

isolaram em dogmáticas próprias. Acirradas, também, foram as perseguições

sofridas por estes grupos impactando diretamente em sua expansão.

Oliveira (1996) observa que a expansão do Protestantismo coincidiu com o período

histórico de colonização européia pelo mundo, mais especificamente a colonização

dos EUA, levando consigo os ideais dos puritanos ingleses, pietistas, avivalistas e

outros. Afirma que o protestantismo que chegou a América do Norte, logo após a

sua ocupação, em 1620, deriva suas concepções dos puritanos ingleses que

imigraram fugindo das perseguições da monarquia em seu país de origem.

Pretendiam fundar uma nova Canaã, visando à expansão do Reino de Deus na

Terra (mundo visível), e buscavam construir uma sociedade “pura”, cujos valores se

centrariam no Evangelho, substituindo a “lei civil” pela “lei de Deus”. Juntamente

com os puritanos vieram os presbiterianos e congregacionais, quakers, batistas e

anglicanos. Quanto aos luteranos e demais reformadores holandeses chegariam

posteriomente.

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Campos Jr. (1995), também, faz referências as perseguições sofridas pelos

protestantes para explicar a imigração de milhares deles para a América do Norte,

considerado o berço do Pentecostalismo. Remete-se a figura de John Wesley,

ministro anglicano considerado fundador do metodismo na Inglaterra, a fim de

analisar as especificidades dos movimentos religiosos norte-americano. Segundo

ele, Wesley entrou em contato com os grupos anabatistas quando em viagem pelos

EUA. Observa que tais grupos adquiriram em solo americano um forte caráter

pietista. O encontro culminou numa reelaboração de suas concepções e no desejo

de buscar uma maior santificação e aproximação com Deus.

Ao retornar para Inglaterra iniciou um movimento de avivalismo religioso cujo

objetivo seria o avivamento do despertar da crença no Evangelho através de

orações, do isolamento para leitura da Bíblia a partir de sua interpretação literal e

direta. Em conseqüência, Wesley modificou sua relação com a igreja anglicana, em

24/5/1774, data em que passou pela “experiência de coração aquecido”. Começou

a fazer pregações fora dos templos atingindo milhares de pessoas que para o autor

originavam-se da massa proletária formada pelo desenvolvimento do capitalismo

emergente. Ressalta que Wesley contribuiu para o surgimento do metodismo termo

este derivado de método “[...] o grupo do qual ele fazia parte recebeu o apelido de

metodista devido às constantes reuniões e estudos bíblicos em dia e hora

previamente marcados” (CAMPOS Jr., p.13). Inovou ao fugir do clericalismo,

permitindo, inclusive, a presença de pregadores leigos, a exemplo de Nelson, um

pedreiro negro sem formação teológica.

Oliveira (1996) também observa na teologia metodista a influência do anabatismo e

do pietismo, principalmente no que concerne à liberdade e responsabilidade

humana em buscar a salvação através de Cristo, ao sectarismo e ascetismo, e a

evangelização direta. Nesse sentido ambos os autores concordam que apesar dos

fundamentos do pentecostalismo estarem nos grupos religiosos protestantes

europeus, principalmente metodistas e batistas, interessados na busca de uma

maior santificação e aproximação com Deus, foi em solo americano que ele

adquiriu características próprias dado o contexto propiciado pela colonização.

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Essa preocupação com a santificação, as idéias de reavivamento da crença e de

distanciamento do mundo vieram junto com os imigrantes e foram disseminadas ao

longo do tempo. Campos Jr. (1995) afirma que

“A preocupação com a ‘santificação’ foi passando de movimento a movimento, avançando no tempo, e chegou aos grupos pentecostais, originando sua doutrina básica: o Batismo do Espírito Santo. As considerações sobre os movimentos anteriores ao pentecostalismo tem como objetivo dar uma visão de como as posições radicais serviram de base para o fenômeno [...]” (p.16).

Com o avanço da colonização as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros só

fizeram aumentar com as disputas territoriais com indígenas e as exigências do

trabalho de famílias inteiras empenhadas no povoamento de regiões ainda não

habitadas. As reuniões religiosas adquiriram grande importância naquele ambiente

inóspito, que se transformou em local privilegiado de evangelização e propagação

de novas idéias. Cita como exemplo os metodistas que além de pregadores leigos

passaram a utilizar espaços chamados camp meetings e da técnica evangelizadora

dos circuit rider:

“[...] o camp meetings (acampamentos onde se dava ênfase às orações e às leituras da Bíblia), através de pregadores itinerantes, com pouca instrução e boa identificação com os povos da fronteira: pertenciam à mesma camada social e por isso tinham um universo mental semelhante. O circuit rider (pregador que se deslocava) pregava o mesmo sermão várias vezes, pois deslocava-se com freqüência de uma localidade para outra. A repetição, a pregação constante, o transformava num comunicador hábil, que geralmente conseguia muitos adeptos [...]” (CAMPOS Jr., 1995, p.18).

Nestas reuniões ocorriam manifestações emocionais, consideradas exageradas por

pregadores de outras denominações como, por exemplo, presbiterianos. Para

Campos Jr. (1995), o êxtase conseguido nestes encontros de avivamento concedeu

ao protestantismo um caráter pietista, plenamente adaptado ao contexto da

colonização. E, mais, o avivalismo diferia do calvinismo tradicional, que na sua

doutrina ressaltava a predestinação, implicando num certo elitismo, contrapondo-se

ao pensamento popular dos desbravadores, cujo objetivo era trabalhar para ter

ascensão social, além de liberdade de profissão de fé. Nesse sentido o

“[...] o protestantismo norte-americano foi marcado pelo voluntarismo (avivalismo de forma geral apregoava que ‘todos poderiam estar sobre a graça de Deus’, enquanto o calvinismo tradicional considerava a graça acessível apenas para os ‘escolhidos’ com reflexos na vida secular)” (p.19).

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Além da oposição ao elitismo e ortodoxia do protestantismo tradicional, o contexto

da colonização permitiu o resgate e a re-significação de elementos do repertório

religioso que foram atualizados. A exemplo da crença na contemporaneidade dos

dons do Espírito Santo apregoado nos sermões dos pregadores dos movimentos

avivalistas, que acreditavam na promessa de derramamento do Espírito Santo tal

qual descrito na Bíblia. Nesta crença encontravam-se as raízes do pentecostalismo

termo que deriva de Pentecostes, descrito em Atos 2, como um evento marcado

pela efusão do Espírito Santo e que ocorreu 50 dias após a ascensão de Cristo.

Neste evento os apóstolos estariam reunidos em Jerusalém e entre eles ocorreram

manifestações dos poderes de Deus, como curas divinas exorcismo e dom de falar

em línguas estranhas, denominado glossolalia. (CAMPOS Jr., 1995)

Os autores analisados concordam que as idéias difundidas pelos metodista tiveram

grande influência no surgimento do pentecostalismo, embora alguns ressaltem as

contribuições dos batistas. Campos Jr. (1995) defende que o pentecostalismo

originou-se das doutrinas de Jonh Wesley, para o qual o homem após a justificação

deveria dedicar-se à santificação. Os evangelistas e teólogos que faziam parte do

movimento de santificação ou Holinees (surgiram em meados do séc. XIX nos

EUA) se apropriaram das idéias de Wesley, e numa separação dos metodistas

carismáticos, reelaboraram as mesmas distinguindo justificação e santificação que,

segundo eles, não significava a mesma coisa e que por isso denominavam de

santificação o “batismo do Espírito Santo”. Entre os representantes mais

destacados dessa corrente estão Asa Mahan e Charles Finney.

Muitas foram as denominações ou grupos de oração, surgidas entre 1880 e 1923,

nos EUA, e muitas, também as divergências quanto a forma como se daria a

manifestação do Espírito Santo no seu batismo. Até que numa reunião, na Carolina

do Norte, realizada pelo pastor batista Richard G. Sperling ocorreu o fenômeno da

glossolalia, que até hoje é considerado como forma de manifestação do Espírito

Santo.

Mas para o autor, foi Charles Parhan quem aprofundou a discussão sobre o

batismo do Espírito Santo. Fundador do Lar de Curas Betel (1898) e do Colégio

Bíblico Betel (1900), em Topeka no Kansas, propôs aos seus alunos a questão se

existiria na Bíblia evidências que comprovassem o fenômeno.

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Acabaram concluindo que a glossolalia era o sinal principal, faltando apenas uma

evidência concreta na qual alguém falasse em línguas diversas. Fato que ocorreu

em 1901, quando durante uma vigília de oração Agnez Ozman, aluna de Parhan

sentiu necessidade de receber orações por imposição de mãos e começou a falar

em línguas estranhas. Com este fato teve início o pentecostalismo, nos EUA.

Embora a glossolalia não seja restrita ao pentecostalismo, o fato de ter ocorrido por

ocasião do seu surgimento acabou fortemente associada a ele. (CAMPOS Jr.,

1995)

O movimento que no seu início estava circunscrito ao Estado do Kansas, começou

sua expansão quando em 1905, Parhan criou em Houston, no Texas, uma escola

bíblica. Entre seus alunos estava W. J. Seymour, pregador negro que pertencia ao

grupo Holiness (santidade), aceitou a tese da glossolalia como sinal de santidade

pregando sua defesa nos sermões. Quando de sua estada em Los Angeles,

pregava na Igreja dos Nazarenos (dissidentes do avivamento), acabou criticado

pelos protestantes tradicionais, sendo proibido de pregar a nova doutrina. Passou,

então, a pregar numa casa ao norte da cidade.

Numa dessas reuniões, em 6/4/1906, sete pessoas manifestaram-se em línguas

estranhas, entre elas um menino de 8 anos, além do que as pregações eram

entremeadas de música e palmas, o que acabou atraindo a atenção da vizinhança

que passou a freqüentar a casa. Seymour transferiu-se para o templo metodista na

rua Azuza e por três anos realizou reuniões dia e noite. (CAMPOS Jr., 1995)

Neste ponto cabe um parêntese para destacar a discordância da pesquisadora

Barros (1995) em relação a Campos Jr. sobre o marco inicial do pentecostalismo.

Na análise que empreende afirma que foi através de Seymor, por ocasião da

reunião acima descrita, que o pentecostalismo teve início, adquirindo também

visibilidade na mídia da época. Apesar das diferenças, ambos concordam sobre a

importância de Seymour para sua consolidação e disseminação.

Destacam, ainda, a sua contribuição para definição doutrinária da teologia

pentecostal, fundamentada basicamente pelo batismo no Espírito Santo,

considerado ponto-chave.

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“Para Seymour, havia três estágio na ‘vida espiritual’ do pentecostal: a conversão, também definida como regeneração; a santificação que era necessária para ‘purificar o coração’, e o batismo do Espírito Santo, tendo como sinal o dom de línguas” (CAMPOS Jr., 1995, 24).

Após a experiência em Topeka, vários foram os movimentos pentecostais criados.

Em muitas igrejas protestantes históricas houve dissidências devido às novas

idéias e vontade de modificar a liturgia. Por exemplo, Parhan, acreditava na

necessidade de “uma igreja dinâmica, conduzida pelo Espírito Santo como descrito

em Atos 2” (CAMPOS Jr., 1995).

Outro exemplo encontrava-se na definição de outro pastor batista presente naquela

reunião chamado W. H. Durhan, oriundo de Chicago. Para este pregador o Batismo

do Espírito Santo seria a segunda benção e não a terceira como na concepção de

Seymour:

“Para Durhan haveria apenas dois estágios: o da conversão, ou regeneração, e o do batismo do Espírito Santo, seguido de novas línguas. A santificação seria um processo contínuo por toda a vida do pentecostal, e não um estágio intermediário entre a conversão e o batismo do Espírito Santo” (CAMPOS Jr., 1995, p.25).

Tanto Campos Jr. (1995) quanto Rolim (1987) concordam que os pentecostais tem

em comum a busca pela santificação e o batismo do Espírito Santo a crença maior

em torno do qual derivam as práticas religiosas. Para Rolim (1987, p. 7) “[...] o

centro do pentecostalismo é o batismo no Espírito Santo, que não é um rito como o

batismo em água, e sim uma presença toda especial do Espírito Santo, que tem

como sinal exterior proferir palavras estranhas [...]”.

A teologia e liturgia pentecostal que aportaria no Brasil no início do século XX

estavam sob a influência de Durhan através de seus seguidores que fundaram aqui

suas próprias agremiações. Entre eles estavam: os suecos Daniel Berg e Gunnar

Vingren, além do italiano Luigi Francescon. Os dois primeiros foram responsáveis

pela implantação da Assembléia de Deus no Brasil e também nos EUA. O segundo

trouxe consigo o embrião da Congregação Cristã. Campos Jr. aponta que logo

após iniciado em 1906, o pentecostalismo “deu origem a Assembléia de Deus, que

se organizou em 1919 sob o nome de General Council”, sendo que a adoção

definitiva do nome Assembléia de Deus ocorreu posteriormente nos EUA.

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Após 1910, além das Assembléias de Deus, surgiram a Quadrangular em 1918,

dirigida pela canadense Aimeé Simple Macpherson. Fundada em Los Angeles,

quando da inauguração do Templo Ângelus. Macpherson foi metodista e, também,

freqüentou a Igreja Batista, conseguiu expandir sua congregação por todo os

Estados Unidos e pelo mundo.

A outra igreja surgida na mesma época da Assembléia de Deus foi a Congregação

Cristã, fundada pelo imigrante italiano Luigi Francescon. Ele teria sido influenciado

pelos valdenses, para os quais a Bíblia, e principalmente o Novo Testamento, era a

única regra de vida e sua interpretação literal. Autor cita como principais preceitos:

uso apenas da oração dominical, ação de graças antes das refeições, prática de

ouvir confissões e celebrar juntos a ceia do senhor. (CAMPOS Jr., 1995)

As idéias de Francescon fortaleceram o movimento pentecostal. Logo que chegou a

Chicago filiou-se a Igreja Presbiteriana, e foi batizado em 1903 por imersão. Mas as

idéias de W. H. Durhan fundamentaram sua visão, tendo recebido o dom das

línguas em 25/8/1907. A partir desse ponto tem início sua evangelização itinerante

pelo EUA. Este pioneiro do pentecostalismo afirmava ter recebido a revelação de

pregar em Buenos Aires, Argentina, seu objetivo eram as colônias italianas ali

localizadas e posteriormente as do Brasil. (CAMPOS Jr., 1995)

2.3 EXPANSÃO DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL

O envio de missionários pelo mundo foi um fator de expansão das novas idéias (na

mesma medida em que havia colaborado, anteriormente, na propagação do

protestantismo), a despeito das divisões doutrinárias efetivadas ao longo do

processo de consolidação do pentecostalismo.

Tanto que no século XIX, já se tem registros da presença de missionários no Brasil,

filiados ao protestantismo histórico de missão atraídos pela afluência de migrantes

alemães luteranos (cujo registro de chegada data de 1823), mas sem muita

relevância em termos histórico-institucional. Num primeiro momento, durante o

contexto do Império, envidaram tentativas de se estabelecer no país, mas devido

ao fato do Catolicismo ser a religião oficial do Estado não obtiveram êxito, a

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presença era apenas tolerada desde que não construíssem templos. Freston (1993)

ao analisar o período observa que:

“A primeira tentativa de evangelização de brasileiros, por metodistas norte-americanos entre 1836 e 1840, foi cautelosa. Não chegou a estabelecer igrejas, limitando-se a distribuição de Bíblias [...] Vemos aí o primeiro ‘projeto’ protestante para o Brasil: a reforma da igreja nacional, em que a vontade política de rompimento com Roma seria acompanhada de um reforma de doutrina e costumes provocada pelo conhecimento das escrituras” (p. 47 - 48).

Assim a primeira igreja protestante de que se tem conhecimento data de 1855 foi

fundada pelo missionário escocês Robert Kalley, e era freqüentada pelas damas da

corte, o que favoreceu sua implantação, era denominada Congregacional. A partir

deste momento outras congregações chegariam ao Brasil: Igreja Presbiteriana, em

1859; Metodista, em 1867 e a Batista em 1882. Posteriormente se consolidaram

devido à imigração de alemães e italianos, que vieram trabalhar nas lavouras de

café.

No final do século XIX, trazem como diferencial o objetivo de conquistar seguidores

e envangelizar as culturas “pagãs”, baseados no tripé religião-sociedade-educação

e na visão milenarista (Campos Jr., 1995). Em relação ao pentecostalismo

divergiam quanto ao batismo do Espírito Santo e a atualização dos seus dons como

a glossolalia, as profecias, as curas e o exorcismo, características principais do

mesmo. E, também, no que se refere ao público alvo do proselitismo que no

protestantismo voltava-se mais para as camadas médias da população, além do

que a hierarquização exigia dos seus pastores formação teológica em escolas

próprias, cujo currículo oferecia formação em teologia, história do Cristianismo e da

Bíblia, sugerindo certo elitismo na composição do discurso e na sua estrutura

litúrgica.

“[...] enquanto o evangelismo utilizava-se da Bíblia e a difundia através do processo organizacional elitista e o catolicismo empenhado na catequese adotava procedimentos também elitistas, expressando um e outro formas culturais autoritárias, de cima para baixo, de quem sabe para quem não sabe, o pentecostalismo desde o início rompeu com este esquema [...]” (ROLIM, 1980, p.140).

A importância dos primeiros missionários refere-se mais a disseminação de idéias

que continham um simbolismo religioso diferenciado daquele imposto pelo

catolicismo enquanto religião oficial. A principal seria a concepção de liberdade e

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responsabilidade pela salvação, a interpretação direta e literal do Evangelho

propiciado pela distribuição de Bíblias. Por conseguinte, quando da chegada dos

primeiros missionários do pentecostalismo americano já se encontravam

impregnadas concepções de mundo concernentes à nova doutrina. Mesmo

divergindo sobre a questão do batismo do Espírito Santo, a noção de santificação

resumidos no ethos de uma moralidade ascética e sectária encontrava-se

presentes no imaginário social.

Além disso, conceitos sobre um Deus onipotente que cura e cuida de todos os

aspectos do mundo material e espiritual; a aceitação da divisão da Santíssima

Trindade (Pai/ Filho/ Espírito Santo), presente também no catolicismo; a crença

contida no Novo Testamento de que somente Jesus Cristo poderia vencer o Mal,

personificado na figura de um Demônio teológico e histórico (portanto racionalizado

e institucionalizado)11 encontravam-se presentes nas representações sociais sobre

o sagrado.

Tais fatores contribuíram para a expansão e consolidação do pentecostalismo no

Brasil que naquele contexto enfrentava mudanças significativas na realidade social,

tais como urbanização e emergência do capitalismo impactando as visões de

mundo reproduzidas nas relações sociais em franco processo de transformação.

Nesse sentido o novo re-siginificado em outro simbolismo religioso vem para

corrigir e contemplar as distorções, como aponta Geertz (conferir Capítulo 1)

promovendo a acomodação e aceitação de uma outra realidade que se apresenta

conflitante, se não para todos, ao menos para uma grande parcela da população.

Neste sentido, como sugere Rolim (1987, p. 30-31) o que ocorreu foi a re-

interpretação de simbologias contidas no protestantismo histórico e no devocional

católico, assim:

“[...] a memória do povo não esqueceu a crença no Espírito Santo e o devoto não a perdeu. Convertendo-se ao pentecostalismo o antigo devoto trocou o santo pela Bíblia. Lendo-a vem-lhe à consciência a crença no Espírito Santo. O santo não lhe falava. Dava-lhe proteção. A Bíblia, porém, é um livro que fala do poder de Deus, da proteção divina [...] a proteção divina, o poder de Deus, não somente estão agora perto dele, mas estão dentro dele, o novo crente. A presença do poder de Deus é assegurada

11 Conferir capítulo1 desta dissertação

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pela presença do Espírito Santo que faz os irmãos falarem em línguas desconhecidas [...]”.

Nesta perspectiva pode-se compreender a aceitação social das idéias trazidas

pelos primeiros missionários, como veremos a seguir, e a subseqüente expansão e

consolidação das igrejas pentecostais em solo brasileiro, inclusive com

especificidades próprias e um avanço, que em termos históricos, pode ser

considerado surpreendente para aqueles que não considerarem tais

particularidades na análise do tema.

2.3.1 Denominações precursoras do Pentecostalismo no Brasil

As primeiras igrejas pentecostais no Brasil foram: Congregação Cristã (1910),

Assembléia de Deus (1911), Igreja do Evangelho Quadrangular (1951) e Igreja

Evangélica Pentecostal Brasil para Cristo (1956), na definição de Campos Jr.

(1995) e Oliveira (1996). Embora existam outras classificações, que serão

apresentadas no decorrer da analise, a descrição das características destas igrejas

seguem abaixo, a fim de destacar sua originalidade e importância no processo

ulterior de fundamentação do movimento pentecostal:

a) Congregação Cristã

Como citado, Francescon afirmava ter recebido a revelação de pregar na América

Latina, primeiro Argentina, e depois no Brasil, afim de realizar seu trabalho

pentecostal. Chegando ao Brasil radicou-se em São Paulo e freqüentou reuniões

da Igreja Presbiteriana. Mas seus conceitos sobre a Bíblia entraram em choque

com as doutrinas conservadoras e calvinistas dos presbiterianos locais.

Mesmo assim deu início ao seu trabalho de proselitismo junto à colônia italiana do

estado e mais tarde expandiu suas pregações para o Paraná. No retorno a São

Paulo seus sermões começaram a atrair batistas, presbiterianos, metodistas,

católicos. Até que um grupo de presbiterianos se organizou com camponeses

ampliando, ainda mais a Congregação Cristã. O fato de ser operário aproximava

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Francescon das camadas mais populares devido sua linguagem simples.

(CAMPOS Jr., 1995)

A estratégia usada pela Congregação Cristã para evangelização é o contato direto

transmitindo a palavra da Bíblia, fonte de inspiração do proselitismo. Os cultos são

realizados pelo dirigente-mor, que é o ancião e não o pastor. Não há liturgia pré-

determinada, o dirigente inspirado pelo poder do Espírito Santo abre o Evangelho à

revelia, conferindo ao culto apelo emocional, no qual a espontaneidade é a tônica.

Isto favorece as manifestações de êxtase, no entanto só seguem a Bíblia e não

admitem instrumentos como bateria, guitarra, pandeiros e nem violões.

Acreditam em profecias reveladas pelo batismo do Espírito Santo, e a regra de fé é

a Bíblia. Os dirigentes não recebem salários dos dízimos e os templos são

construídos pelos fiéis. Quanto aos costumes e estética fazem diferença por

gênero. As mulheres são proibidas de usar calças e cortar o cabelo. Para os

homens existe um corte padronizado. (CAMPOS Jr., 1995) Oliveira (1996) cita

outras características como a crença na predestinação, mas sem o radicalismo

calvinista, tanto que o ato do batismo realiza-se com a apresentação frente a

autoridade religiosa num apelo mudo, visto que crêem que somente os eleitos

permanecem. Os cultos diferem das demais pentecostais pela exaltação feita à

ascensão social encarada como prêmio pela obediência à doutrina.

b) Assembléia de Deus

Originou-se nos EUA a partir da dissidência do batista Daniel Berg, que ao

presenciar as pregações de Durhan, juntamente com outro sueco Gunnar Vingren,

entraram para o serviço missionário e se sentiram “chamados ao Brasil”. Chegaram

em 1910 radicando-se em Belém do Pará, onde ficaram hospedados em templos

batistas. Os missionários devido às idéias inovadoras entraram em conflito com os

batistas que não concordavam com as interpretações que eles faziam da Bíblia. O

elemento central do embate foi a concepção do Batismo pelo Espírito Santo

defendida por eles. Em suas pregações ambos manifestavam a glossolalia e

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acabaram expulsos da igreja. O primeiro nome do movimento iniciado por eles não

foi Assembléia de Deus, mas sim Missão da Fé Apostólica.

Em 8 anos conseguiram formar a primeira igreja (1918), adotando o nome de

Assembléia de Deus. Mesmo começando em 1910 o primeiro templo da Missão só

foi inaugurado em 1914. De acordo com Campos Jr., que utilizou como fonte o

informativo da Igreja, jornal Mensageiro da Paz o trabalho desse ramo pentecostal

passou por 4 etapas:

1ª etapa entre 1911-1924: separação em relação aos batistas e construção do

templo;

2ª etapa entre 1924-1930: expansão pelo estado do Pará;

3ª etapa entre 1930-1950: expansão pelo Norte e Nordeste do Brasil;

4ª etapa entre 1950-1990: ênfase no trabalho missionário em nível nacional e

internacional.

Neste ramo do pentecostalismo posturas mais conservadoras estão presentes, por

exemplo, no interior do templo existe separação de homens e mulheres, com

exceção dos grupos musicais. Mas, mesmo pregando o isolamento do mundo

realizam atividades comunitárias e participam da vida política. Não existe muita

distinção quanto à doutrina das demais pentecostais a não ser quanto ao

proselitismo que difere da Congregação Cristã. Atualmente utiliza até mesmo a

televisão. (CAMPOS Jr., 1995)

c) Igreja do Evangelho Quadrangular (ou Cruzada)

De origem americana, chegou ao Brasil em 1951, com Harold Willians que usava

uma estratégia diferenciada com a utilização de tendas de lona. Considerada mais

liberal que os outros movimentos citados, conservava a base da doutrina

pentecostal com ênfase no batismo do Espírito Santo.

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Com as tendas visava maior proximidade com o povo. O início das atividades foi

em São João de Boa Vista, expandindo-se rápido para São Paulo. Além do batismo

do Espírito Santo, exaltam a “cura divina” o que para o autor propiciou o seu

desenvolvimento. As mulheres tinham mais oportunidades no que concerne à

pregação a exemplo da pastora Odar de Castro, que dirige a igreja em Curitiba.

Sua doutrina se fundamenta nas 4 visões de Cristo: Cristo Médico, Rei, Batizador e

Ressuscitado, daí o termo Quadrangular. (CAMPOS Jr., 1995)

d) Igreja Evangélica Pentecostal Brasil para Cristo

Diferente de Campos Jr. (1995), Oliveira (1996) classifica esta denominação entre

as clássicas. Fundada em 1956, deriva-se do movimento de cura divina da Cruzada

Nacional Evangelista, criada por Manoel de Melo ex-membro da Assembléia de

Deus A Cruzada teve início em 1955 com as pregações de reavivamentos em

praças públicas e tendas itinerantes.

2.3.2 Tipologias das denominações pentecostais: leitura sobre as definições

correntes

Campos Jr. (1995) e Oliveira (1996) denominam como pentecostalismo clássico a

implantação das primeiras denominações pentecostais, no Brasil, criadas pelos

missionários que migraram para os Estados Unidos e entraram em contato com as

pregações de W. H. Duram e se sentem compelidos a espalhar suas pregações

pelo mundo, são eles: o italiano Luigi Francescon, os suecos Daniel Berger e

Gunnar Vingren, e pelo brasileiro Manoel de Melo já citados anteriormente. Embora

não seja consensual, como veremos ao longo da análise, as classificações

diferenciadas não chegam a divergir totalmente sobre a contextualização histórica

das igrejas pentecostais, com a maioria deles concordando, pelo menos em parte,

com as periodizações assinaladas. A falta de consenso refere-se mais às

definições sobre os preceitos teológicos e doutrinários, que caracterizam cada uma

das denominações e a relação de proximidade que guardam entre si.

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Oro (1996) na análise sobre o movimento evangélico brasileiro, no qual o ramo

pentecostal se insere, define o campo religioso em Evangélico, Histórico e

Pentecostal. Segundo ele, o termo evangélico é bastante genérico cobrindo o

conjunto de igrejas protestantes e pentecostais, independente de suas

características, baseando-se mais na importância dada ao Evangelho.

Para autor é comum no campo evangélico a classificação em dois grandes grupos:

históricos e pentecostais. No grupo dos históricos coloca a Igreja Evangélica de

Confissão Luterana, no Brasil; Igreja Evangélica Luterana do Brasil (a primeira veio

no esteio da imigração alemã, em 1824, mais ligada à Alemanha e considerada

mais liberal; a segunda liga-se mais ao Sínodo de Missouri, EUA e foi fundada em

24 de junho de 1904, são mais apegados a doutrina); Igreja Episcopal Brasileira;

Igreja Metodista; Igreja Presbiteriana do Brasil; Igreja Adventista do Sétimo Dia;

Igreja Batista (Convenção Batista Brasileira) e Igreja Evangélica Congregacional.

Quanto às denominações pentecostais, cujos seguidores se auto-denominam

“crentes” ou são assim denominados estão: Igreja do Evangelho Quadrangular;

Igreja Evangélica Assembléia de Deus; Congregação Cristã do Brasil; Igreja Deus é

Amor; Igreja Evangélica Pentecostal Cristã; Igreja Brasil para Cristo Igrejas Batistas

(da Convenção Batista Nacional e Convenção Batista Independente); Igreja

Universal do Reino de Deus. (ORO, 1996)

Mariano (1999) na análise que empreende sobre o campo religioso brasileiro,

observa que o pentecostalismo que aqui se estabeleceu sempre conteve diferenças

internas, no que concerne às distinções eclesiásticas e doutrinárias que

engendraram formas e estratégias de evangelização e de inserção na sociedade

secular, basicamente diversas. Cita como exemplo a Congregação Cristã (1910) e

a Assembléia de Deus (1911). Mesmo assim aceita a classificação relativamente

consensual atribuída a estas igrejas que são definidas como clássicas. Mas se

restringe à noção de pioneirismo e antiguidade que o termo sugere. Apesar da

generalidade e falta de esclarecimento contido no conceito de clássico, se

considerarmos:

“[...] a história do pentecostalismo nos EUA e no Brasil [...] podemos inferir, embora não necessariamente, além do pioneirismo, a transformação da comunidade sectária numa instituição que ao longo do tempo ascendeu

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social e economicamente e, em busca de respeitabilidade confessional, estimulou a formação teológica de seu clero (que antes se baseava na inspiração do Espírito Santo e recusava terminantemente o ensino teológico formal), distanciando o púlpito dos leigos; instituindo novas exigências além da posse de carisma para o exercício do pastorado; criando um corpo burocrático para administrar a igreja a fim de preservá-la para além da vida de seus fundadores; dificultando a ascensão à hierarquia eclesiástica; limitando e disciplinando as manifestações carismáticas em seu interior e diminuindo a rejeição ao mundo exterior promovendo (não sem retrocesso, lutas internas e cismas), sucessivas acomodações à sociedade inclusiva” (p. 24).

Assim, tanto Mariano quanto Oro, aceitam parcialmente a tipologia de Freston

(1993) que em sua análise dividiu o movimento pentecostal em ondas. Mariano

destaca que ele partiu de um viés histórico-institucional e da dinâmica do

pentecostalismo brasileiro, revelando as especificidades das igrejas fundadas em

cada contexto histórico, que entre a segunda e a terceira onda apresentaram

diferenças cruciais. Oro (1996) também observa na periodização possibilidade de

compreender a expansão pentecostal em suas particularidades internas contidas,

principalmente, na mensagem do seu discurso.

Para Freston (1993) o desenvolvimento do pentecostalismo se deu em três etapas

históricas ou ondas. A primeira onda tem início na década de 1910 e abrange as

denominações fundadas pelos missionários do pentecostalismo americano:

Congregação Cristã (1910) e a Assembléia de Deus (1911), e que tem como

característica principal a ênfase na glossolalia.

Mariano (1999, p. 29 - 30) observa, também, o anticatolicismo ferrenho e a crença

no retorno de Cristo e na salvação dos crentes justificados pelo ascetismo e

sectarismo. Destaca, ainda, a busca atual pela inserção nas camadas médias, de

profissionais liberais e empresários. Apesar de não concordar com a correlação do

avanço pentecostal à participação dos pobres, ressalta a inegável expansão

diferenciada entre as camadas populares e médias da sociedade e neste sentido

acusa a mudança,

“[...] Não obstante suas quase nove décadas de existência, ambas ainda mantêm bem vivos a postura sectária e o ideário ascético. Apesar de pretender manter-se irremovível em seu tradicionalismo a Congregação Cristã vem sofrendo pequenas alterações na área de usos e costumes e em sua composição social. Já a Assembléia de Deus, desde 1989 cindida em duas denominações, mostra-se mais flexível e disposta a acompanhar certas mudanças que estão se processando no movimento pentecostal e, apesar da defasagem na sociedade. Seu recente e deliberado ingresso na política partidária e na TV, em busca de poder, visibilidade pública e

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respeitabilidade social, ao lado de outras transformações internas, sinaliza de modo irrefutável sua tendência à acomodação social, à dessectarização”.

A segunda onda pentecostal ocorreu entre os anos 1950 e inicio dos anos de 1960,

fruto de dissidências no campo pentecostal que se fragmentou culminando no

surgimento de três grandes grupos: Igreja Quadrangular (1951), Igreja Brasil para

Cristo (1955) e Deus é Amor (1962), segundo Oro (1996), elas têm como ponto

central a ênfase na cura divina.

Mariano concorda que a cura divina permeou as doutrinas neste período sendo um

poderoso recurso proselitista e um vetor para a aceleração do desenvolvimento do

pentecostalismo. E, mais, destaca as inovações trazidas no trabalho de

evangelização de dois missionários norte-americanos, ex-atores de filmes de

faroeste, Harold Williams e Raymond Boatright, vinculados à International Church of

The Foursquare Gospel:

“[...] À frente da Cruzada Nacional de Evangelização, braço evangelístico da Evangelho Quadrangular (São Paulo, 1953) eles trouxeram para o Brasil o evangelismo de massa centrado na mensagem da cura divina. Difundiram-na por meio do rádio [...] do evangelismo itinerante em tendas de lona, de concentrações em praças públicas, ginásio de esportes, estádios de futebol, teatros e cinemas. Com mensagem sedutora e métodos inovadores eficientes, atraíram, além de fiéis e pastores de outras confissões evangélicas, milhares de indivíduos dos estratos mais pobres da população, muitos dos quais migrantes nordestinos. Causaram escândalos e reações adversas por toda a parte [acusados] de charlatanismo e curandeirismo [pela] imprensa [...]” (MARIANO, 1999, p. 30).

A propaganda contribuiu para dar visibilidade e difundir as idéias deste movimento

religioso. Mas provocou uma fragmentação denominacional relevante no

movimento pentecostal brasileiro, até aquele momento, restrito a Assembléia de

Deus e Congregação Cristã. Sob a influência da Cruzada do Evangelho

Quadrangular surgiram às igrejas Brasil para Cristo (SP, 1955), Deus é Amor (SP,

1962), Casa da Benção (BH, 1964) e outras menores.

Observa que o corte histórico-institucional é válido para classificar as igrejas das

duas primeiras ondas, dado o espaço de tempo de 40 anos que as separa. Mas

quanto às teologias afirma que não existe distinções substanciais entre elas. Na

sua visão as diferenças referem-se mais a ênfase dada aos dons do Espírito Santo,

as primeiras ao dom das línguas e as segundas aos da cura. Com exceção da

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crença na predestinação, de origem calvinista, da Congregação Cristã que se

distingue da teologia arminiana das demais igrejas pentecostais, defende uma

relativa homogeneidade na teologia de ambas as vertentes. (MARIANO, 1999)

Esta continuidade do corpo doutrinário nestas vertentes relaciona-se à origem

teológica, fundada na concepção de Durhan, que permeou os preceitos e dogmas

tanto dos fundadores da Assembléia de Deus, quanto da Quadrangular. Dessa

forma a segunda onda constitui um “desdobramento institucional tardio”, em solo

brasileiro, do pentecostalismo clássico brasileiro. (MARIANO, 1999)

A terceira onda abrange o período final dos anos 70 e a década de 80, as principais

representantes são Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Internacional da

Graça de Deus (1980), com ênfase no exorcismo das forças demoníacas e na

Teoria da Prosperidade12.

Mariano (1999) assinala além destas duas, a Igreja Cristo Vive (RJ, 1986). Sendo

que todas originaram-se da Igreja Nova Vida, fundada em 1970, no Rio de Janeiro,

pelo missionário canadense Robert McAlister. Junto com a Comunidade Evangélica

Sara Nossa Terra (Goiás, 1976), Comunidade da Graça (SP, 1979), Renascer em

Cristo (SP, 1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (SP, 1994) são as

principais criadas no período.

As Igrejas acima citadas foram denominadas com o termo Neopentecostal (devido

a ênfase atribuída ao exorcismo e à teologia da prosperidade), por vários

pesquisadores.13 Mariano concorda com esta terminologia já que a designação neo

remete tanto à sua formação recente quanto ao seu caráter inovador. Alvo de

diferentes análises, nas quais outros autores constroem tipologias próprias, daí

termos como pentecostalismo autônomo, pentecostalismo tardio e outros, em vez

12Campos define a Teoria da Prosperidade, cuja origem é americana, fundada em uma concepção segundo a qual “[...] todos os fiéis – aqueles que passaram pelo processo de conversão, portanto ‘nascidos de novo’ são filhos de Deus, ou melhor, do Rei. Sendo Deus o criador, todas as coisas, por direito, lhes pertencem e estão ao seu dispor”. Ver CAMPOS, Leonildo 1997, p. 362 - 372. 13 Entre os que empregam o termo neopentecostalismo encontram-se: Pierucci & Prandi, Maria das Dores Campos Machado, Luís Carlos de Almeida. O termo, inclusive já foi usado pela grande imprensa nacional, sendo que a própria Igreja Universal se auto-intitula neopentecostal, Conferir Folha Universal. 11/06/1995.

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de neopentecostalismo, o que querem na realidade é descrever algo novo e

inusitado.

Assim em Bittencourt (1991), outra nomenclatura é utilizada para designar as

igrejas do terceiro ciclo, classificadas com o termo pentecostalismo autônomo,

cujas características seriam a ênfase na cura divina, na prosperidade e no

exorcismo, com exacerbação do misticismo e utilização de objetos de mediação do

sagrado. Mariano contesta o termo autônomo, por não ver rupturas essenciais no

que concerne à teologia, embora concorde em parte com a definição restante

relativa a centralidade da guerra espiritual e uso intensivo da mídia.

Outro que se dispõe a construção de uma classificação das igrejas do terceiro ciclo

é Mendonça (1989). Este autor define tais denominações como “agências de cura

divina”, possuidoras de um “público flutuante” e descompromissado, chegando a

citar como exemplo a Deus é Amor, afirmando que esta tem como objetivo a

prestação de serviços religiosos mediante pagamento, sem exigência de fidelidade.

Acusa ainda o distanciamento da Bíblia e o desconhecimento do batismo no

Espírito Santo. Mariano em sua crítica credita esta definição à ausência de

conhecimento empírico do autor principalmente sobre a Deus é Amor, sabidamente

sectária e ascética, exigindo dos seus membros fidelidade absoluta aos textos

bíblicos e a doutrina.

Conforme Brandão (1980) as igrejas em questão são definidas pelo critério de

classe no qual utiliza a tipologia seita-igreja, com a presença de pequenas seitas

nas camadas desfavorecidas da população atuando como mediadoras. Mariano

numa crítica a esta classificação aponta a impossibilidade de identificar a Deus é

Amor nesta tipologia, dado seu alcance e consolidação em nível nacional.

Já Campos (1997) utiliza o termo pentecostalismo tardio, visto que encontra-se

mais interessado na análise da mensagem religiosa, observa nestas igrejas, por

exemplo a IURD, a adequação das mesmas às

“[...] necessidades e desejos de um determinado público. Trata-se de uma Igreja que atua dentro de um quadro de pluralismo religioso, cuja estratégia é localizar nichos de pessoas insatisfeitas, provocando nelas estímulos diferentes a fim de atraí-las para novas experiências religiosas [...]” (p.52).

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Todavia Oro (1996) faz uma distinção diferente e define como neopentecostais as

igrejas surgidas a partir dos anos 50. Afirma que até a década de 50 a atuação do

movimento pentecostal era discreta, restrita a três denominações. No contexto

histórico-social e econômico da década, houve a fragmentação e expansão do

pentecostalismo e as igrejas genuinamente brasileiras foram criadas. Cita a Igreja

Brasil para Cristo (1956); Igreja do Evangelho Pentecostal Cristã (1956); Igreja

Nova Vida (1960); Igreja Casa da Benção (1964); Igreja Pentecostal Deus é Amor

(1962); IURD (1977) e Igreja Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo

(1986).

Sendo que as três primeiras originaram-se do pentecostalismo tradicional

americano. As demais nacionais estão se expandindo por todo país e exterior.

Mesmo seguindo cada uma a sua maneira os fundamentos doutrinários comuns ao

pentecostalismo tradicional possuem especificidades que se consideradas implicam

novas definições, e por isso são denominadas neopentecostais. (ORO, 1996)

2.3.3 Pentecostalismo e neopentecostalismo

Não obstante as diferenças de classificação todos concordam que as tipologias

surgiram a partir da implantação da IURD no cenário nacional. Considerada

responsável pela expansão do neopentecostalismo por trazer implícito certas

especificidades como a exacerbação do exorcismo e da demonização do mundo

social. Deslocando para esfera espiritual tanto a origem como a solução das

questões da realidade, e das demais religiões erigidas à condição de concorrentes.

Mariano (1999) deixa claro que o neopentecostalismo abriga uma parcela das

igrejas surgidas nos últimos 25 anos, e não a sua totalidade. Define, então três

características fundamentais do neopentecostalismo que na sua concepção

abrange:

“[...] 1) exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu séqüito de anjos decaídos; 2) pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3) liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade. Uma quarta característica importante, ressaltada por ORO, é o fato de elas se estruturarem empresarialmente [...] resulta destas características a ruptura com os tradicionais sectarismo e ascetismo puritano [...] e constitui a

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principal distinção do neopentecostalismo [...] a ponto de se poder permite dizer que o neopentecostalismo constitui a primeira vertente pentecostal de afirmação do mundo” (p. 36).

Apesar de certas semelhanças com as igrejas da segunda onda, para Mariano

(1999) são as diferenças em relação às precedentes, existentes na IURD, que

fazem dela parâmetro de análise. Por exemplo, observa que o ritual de exorcismo é

comum às outras pentecostais, mas naquela igreja sua exacerbação adquire

contornos de “guerra santa”, pelo destaque dado ao demônio e a identificação que

opera entre esta figura sobrenatural e as demais religiões cristãs e não-cristãs,

espíritas e afro-brasileiras, principalmente. As entidades destas últimas são

associadas às forças demoníacas.

Dessa forma, a distinção teológica do neopentecostalismo refere-se, além, da

busca pela acomodação social, diminuindo o sectarismo e o ascetismo

estereotipado na figura do “crente” e da aceitação passiva do sofrimento terreno

como garantia da salvação. Na exacerbação da guerra espiritual fundamentada na

Teologia da Prosperidade (com a noção de direito a uma vida abundante) e na

Teologia do Domínio, cujo foco são os embates espirituais contra os demônios

hereditários e territoriais. Ambas constroem a representação de uma

“[...] cosmologia acentuadamente dualista, de que na atualidade, vivemos e participamos de uma empedernida guerra cósmica entre Deus e o Diabo pelo domínio da humanidade [...]. Tal perspectiva teológica, porém, não se reduz à crença nesta guerra sobrenatural e mediações ritualísticas para enfrentá-la. A teologia do domínio ostenta um ideário de dominação sócio-política [...] ou, nos termos de Gilles Kepel, concepções de recristianização da sociedade pelo alto [...]” (MARIANO, 1999, p.44).

A filiação religiosa existente nas neopentecostais, aparece assim mais apropriada

para vivenciar fins terrenos, o que para Mariano evidencia a razão da figura do

Diabo ser tão exaltada no discurso e o seu combate o objetivo maior. Uma vez

considerado o causador de todas as mazelas e sofrimentos materiais e espirituais

da humanidade, a antítese do divino e principal obstáculo a ser combatido, a fim de

que a graça de Deus se efetive no mundo. Essa visão acomoda os interesses

mundanos que são legitimados sem escamoteações ou culpas sociais e religiosas.

(MARIANO, 1999)

Oro (1996) observa que as fronteiras entre pentecostalismo e neopentecostalismo

não são nítidas, existindo entre eles mútua influência, dessa forma analisa os

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aspectos comuns e aqueles que sugerem diferenças a fim de compreender e definir

as especificidades do neopentecostalismo.

Dentre os aspectos em comum destaca como característica constitutiva o que

denomina de pentecostalismo dos desfavorecidos, indicando incidência maior nas

camadas mais pobres da população, embora não estejam restritas a esse

segmento. Credita o fato à cooptação de uma parcela oriunda do meio rural com

certo tradicionalismo religioso mais receptivo ao discurso destas igrejas.

Outra semelhança encontra-se no que chama de pentecostalismo exclusivista, que

revela intolerância religiosa e ecumênica em relação às respostas demandadas

pelos fiéis no que diz respeito à salvação e solução de problemas, falta de abertura

em relação às demais organizações religiosas, sejam católicas ou protestantes

tradicionais. E, também, um discurso sectário e de oposição em relação a algumas

denominações, como as religiões afro-brasileira e as não-cristãs, chegando ao nível

de uma “guerra santa”. Estas associam

“[...] suas divindades como causadoras de males e das desgraças que se abatem contra as pessoas e a sociedade em geral. Igualmente, decretam de público a condenação eterna dos freqüentadores dos terreiros. Percebe-se que esta oposição em relação às religiões afro-brasileiras e a resistência ao diálogo com outras organizações religiosas constitui-se em estratégia de construção da própria identidade religiosa e confessional, ao mesmo tempo em que agem dessa forma para alcançar a hegemonia religiosa nos meios populares [...]” (ORO, 1996, p.50).

Pentecostalismo emocional seria a outra característica comum entre o

pentecostalismo e o neopentecostalismo, com a exacerbação emocional no cenário

e na dinâmica ritualística. A utilização de recursos técnicos como sonorização e

ambientação são estratégias muito usadas, além de um discurso direto sem

intermediação hierárquica, denotando a proximidade pastor/fiel. As manifestações

espontâneas são incentivadas em gestos e palavras, configurando, para Oro, a

ritualização da palavra e do gestual, na construção de uma linguagem subliminar

que induz até mesmo em alguns participantes certo transe.

O pentecostalismo ideológico está presente na estratégia de identificar previamente

as demandas dos fiéis que buscam soluções para problemas sociais e emocionais,

deslocando tais problemas para esfera espiritual. O sobrenatural como fonte de

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todos os problemas serve de instrumento ideológico para efetivar a demonização

de todas as questões existenciais. Tais demônios,

“[...] são muitas vezes nominados, identificados, com as entidades das religiões afro-brasileiras [...] Resulta disso que, para eles, as ‘verdadeiras causas’ da doença, da miséria, pobreza, desemprego, mortalidade infantil, desacertos amorosos, angústias, etc., são buscados na ação de Satanás (dos orixás e dos pais-de-santo) [...] ‘se os problemas partem do plano espiritual para o material, as soluções também partem do plano espiritual para o material’ afirmou um pastor da IURD. Ou seja, é somente mediante a conversão individual (a entrega a Jesus), e apoiado Nele, lutando contra os orixás, que os males podem ser eliminados” (ORO, 1996, p. 52 - 53).

Esse deslocamento das desigualdades para esfera espiritual que o discurso opera

mascara suas causas sociais, ao mesmo tempo em que oferece uma explicação

lógica e satisfatória para as mesmas. Como observa Geertz, (1989, p. 79) a fim de

superar incongruências “[...] A resposta religiosa [oferece] por meio de símbolos [...]

uma imagem de tal ordem genuína do mundo [aos] enigmas e paradoxos da

experiência humana [...]”.

Listados os aspectos comuns, Oro (1996) define as especificidades do

neopentecostalismo. Observa em tais igrejas a presença de lideranças fortes e

centralizadoras que exercem um forte controle doutrinário e administrativo-

financeiro. E que se valem do carisma para obter prestígio entre os fiéis.

Fundamentando-se na idéia de força interior e posse de dons extraordinários que

lhes são reconhecidos e/ou atribuídos pelos fiéis. A esta característica denomina

pentecostalismo de líderes fortes.

Outro aspecto seria o pentecostalismo liberal, significando as modificações relativas

aos usos e costumes, numa redefinição que visa romper com o estereotipo do

crente. E, também o rompimento com a concepção de isolamento e distanciamento

do mundo como condição da salvação. Quanto ao comportamento moral que antes

seguia literalmente os ditames da Bíblia e que se constituía nos sinais distintivos de

santificação e justificação são relativizados e muitas vezes abandonados. Para

vários neopentecostais o principal é o combate ao Diabo e não a preocupação com

usos e costumes arcaicos que desvia a atenção dos “crentes” e que não passa de

uma estratégia do “inimigo”.

Mas, Oro ressalta que se,

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“[...] por um lado, o neopentecostalismo se apresenta como liberal nos usos e costumes, bem como na utilização de recursos tecnológicos modernos (sobretudo no uso dos meios de comunicação de massa, como veremos), por outro lado, ele constitui um movimento religioso fundamentalista pelo fato de nutrir a certeza da verdade divina inquestionável do texto escriturístico, sem qualquer possibilidade de interpretação” (1996, p. 56).

Pentecostalismo da cura divina assinala uma estratégia do neopentecostalismo

embora ocorra em outras religiões. A classificação de doenças pela sua origem

está presente também no espiritismo, nas religiões afro-brasileiras e outras. Por

esse mecanismo as patologias dividem-se entre aquelas que têm explicações

naturais e físicas passíveis de serem solucionadas pela medicina. E aquelas cujas

causas não encontram diagnóstico ou solução na área médica, são assim

creditadas ao sobrenatural, espiritual ou psicológico. E, o seu tratamento também

estaria na esfera espiritual. (ORO, 1996)

Mesmo não sendo uma explicação rígida no pentecostalismo, este discurso é

exaltado visto que permite demonizar aspectos existenciais, fortalecendo a

mensagem do milagre. O neopentecostalismo “[...] aponta o demônio como

dispositivo simbólico explicativo da causa das doenças e dos males em geral”

(ORO, 1996, p. 57).

Mariz citada por Oro (1996, p. 57-58), concorda com esta de que a apropriação da

figura do demônio é central no neopentecostalismo o que para Oro

“[...] representa, por um lado, uma continuidade entre o pentecostalismo e todo o universo religioso dominante no Brasil (que crê no diabo) e por outro lado, uma ruptura em relação a este mesmo universo na medida em que atribui importante centralidade ao demônio e o concebe como um ser a-histórico, com força somente superável por Deus. Por trás desta visão do mal, continua Mariz, ‘... está uma concepção de indivíduo cuja autonomia é relativa. Concebe-se um indíviduo que não escolhe o mal, mas é possuído por este. Nesta visão o homem mau é visto como uma vítima’. Segundo esta representação, ‘o indivíduo não tem vergonha do mal que fez, do mesmo jeito que não tem da doença que sofreu, pois não foi responsável nem por um nem outra’.”

Esses rituais terapêuticos são fundamentais no neopentecostalismo, revelando uma

das representações dos “crentes” em relação à religião: a certeza de que ela cura.

Mas insiste em que tais rituais não estão restritos à cura de doenças, estendem-se

a solução de outros males e sofrimentos pessoais, cujas causas são demoníacas

configurando-se em uma representação religiosa quanto ao sobrenatural. Assim

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problemas “[...] de relacionamento inter-pessoal, afetivos e econômico-financeiro. A

cura consiste, neste caso, na libertação divina do Mal que os ocasiona” (ORO,

1996, p.61).

Dessa forma ressignificam as visões de mundo referentes à eficácia da crença e a

origem dos males terrenos, creditando todas as causas ao demônio. Mariz citada

por Oro (1996, p. 61) observa,

“[...] Tanto é o diabo que causa as doenças, conflitos, desemprego, alcoolismo, leva ao roubo ou a qualquer crime, como são Jesus e o Espírito Santo que curam, acalmam, dão saúde, dão prosperidade material e libertam do vício e do pecado. Nesta visão se nega, por um lado a ação de outros seres espirituais, por outro a responsabilidade humana e, consequentemente, as origens históricas do mal e do bem”.

Outra faceta do neopentecostalismo é a utilização de várias mídias para difundir

sua mensagem, e principalmente a sua imagem, ou seja, o pentecostalismo

eletrônico. Mesmo não sendo exclusividade do neopentecostalismo, esse

mecanismo assume crucial importância no seu proselitismo, não apenas para

atração de fiéis, mas também, na propagação de seu discurso. Para tanto inovaram

na utilização de estratégias de marketing que visam além dos objetivos

assinalados, a captação de recursos financeiros que garantem seu auto-

financiamento e a divulgação de sua imagem.

Oro (1996, p. 39) assinala que o avanço do pentecostalismo, para dados de 1996,

girava em torno de 70%, com estimativas de chegar a 90% em 10 anos, o que

comprova a importância deste fenômeno religioso. Afirma que seus adeptos são

recrutados, em sua maioria, no catolicismo, permitindo inferir:

“[...] são recrutados em terreno católico de tendência tradicional/popular, o que sugere existir um trânsito entre essas expressões religiosas, catolicismo/pentecostalismo (embora, via de regra, ele não se dê diretamente e malgrado a ruptura deste último com a devoção aos santos), em razão de certas concepções religiosas muito próximas – embora em graus diferentes segundo as denominações – como a concepção de um sagrado totalizante e envolvente no quotidiano das pessoas e do mundo em geral, a relação de reciprocidade para com o sobrenatural – sem a obrigatória intermediação institucional, que regula a obtenção da graça, [...] além de práticas ritualísticas semelhantes, prática religiosa devocional, atenção às demandas espirituais e necessidades das pessoas, uso de objetos de mediação do sagrado (especialmente nas igrejas neopentecostais), recorrência de temas comuns como a noção de pecado, céu, inferno, demônio, salvação da alma, julgamento divino, etc.”.

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2.4 FUNDAÇÃO E EXPANSÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS:

BREVE HISTÓRICO

A importância atribuída à IURD, no cenário do movimento neopentecostal, deve-se

à sua condição de paradigma de um novo movimento religioso delineado e

consolidado em nossa sociedade, nos últimos 25 anos, como observado pelos

vários autores até agora analisados.

A Igreja Universal do Reino de Deus, surgiu no Rio de Janeiro, no ano de 1977,

como uma idealização de Edir Macedo e Romildo Soares. Nasceu de uma

dissidência no interior da Igreja Nova Vida. Igreja, esta, que se fundamentava nos

preceitos do pentecostalismo da terceira onda, baseado na demonização de outras

religiões, na Teologia do Domínio, na Teologia da Prosperidade, na acomodação

social e na relativização da rigidez comportamental. Suas práticas são centradas no

“[...] combate ao Diabo, valorização da prosperidade material mediante a

contribuição financeira, ausência do legalismo em matéria comportamental”

(MARIANO, 1999, p. 51).

Nessa denominação, segundo descrições de Mariano (1999), tem início a guerra

santa contra as religiões afro-descendentes e a conseqüente demonização desta

manifestação religiosa. Passando a correlacionar suas entidades e deuses ao

Diabo e a origem dos males e sofrimentos humanos às praticas e rituais da

Umbanda e do Candomblé, durante os trabalhos realizados pelas mães-de-santo.

Dessa forma, pode-se inferir que seriam essas as representações do sagrado que

permeavam a visão de mundo daqueles que se desligaram para mais tarde

organizarem a IURD.

Entre os dissidentes estavam Romildo Soares e Edir Macedo que iniciariam juntos

a trajetória para a implantação da nova Igreja. Este último se destacou pelo carisma

e agressividade administrativa, gerando inúmeras controvérsias e

descontentamentos culminando em separações e formações de outras

denominações, como veremos a seguir na descrição de sua trajetória.

Edir Bezerra de Macedo nasceu, em fevereiro de 1945, na cidade de Rio das

Flores, Rio de Janeiro, numa família de migrantes. Seu pai era alagoano e possuía

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uma pequena “venda de secos e molhados”. Sua mãe, Eugênia Macedo Bezerra

era mineira, dona de casa, teve 33 filhos, dos quais dez morreram e dezesseis

foram abortados, sobrando apenas sete. Durante a adolescência de Macedo a

família se mudou duas vezes, a primeira para Petrópolis e em seguida para São

Cristóvão, subúrbio carioca.

Aos dezessete anos, Macedo ingressa como servente na Loteria do Rio,

conseguindo uma promoção para a função de agente administrativo. Mediante um

pedido de licença, em 1977, passa a se dedicar a religião acabando por se desligar

da Loterj, definitivamente, em 1981. Entre as informações disponíveis consta que

frequentou duas Universidades, a Federal Fluminense onde iniciou o curso de

matemática e a Escola Nacional de Ciência e Estatística, onde começou o curso de

estatística, não chegando a concluir nenhum dos dois.

Converteu-se ao pentecostalismo aos 18 anos quando passou frequentar a Igreja

Nova Vida. O motivo, segundo Mariano (1999), foi a cura de uma bronquite

asmática de sua irmã, em um dos cultos dessa igreja. O próprio Macedo alega que

chegou ao “fundo do poço” e procurou ajuda na Igreja Católica e na Umbanda,

fatos que são narrados em seu livro “Caboclos, Orixás e Guias: Deuses ou

Demônios” (2005).

Por doze anos foi membro da “Igreja Nova Vida”, mas durante este período não

conseguiu apoio para suas idéias que entraram em choque com as lideranças da

igreja, culminando com sua saída em 1974. Macedo fundou, então, junto com

Romildo Soares e Samuel Fidélis Coutinho (ex pastor batista), a Igreja Cruzada do

Caminho Eterno, no ano de 1975.

De acordo com Mariano (1999) por ocasião da fundação da Cruzada do Caminho

Eterno, Macedo e Romildo Soares, ainda não possuiam o título de pastor que foi

conseguido posteriormente num curso ministrado na Casa da Benção, pelo

missionário Cecilio Carvalho Fernandes.14 Mesmo tendo sido agraciado com o título

ficou responsável pela tesouraria da Cruzada.

14 Existem algumas controvérsias quanto à trajetória de Macedo, verificadas ao longo da pesquisa. Entre elas as informações sobre seu passado na Umbanda, citada pelo próprio Macedo e outra quanto a sua permanência na Casa da Benção de onde teria saído para fundar a IURD. Consta,

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Dois anos após a fundação da Cruzada ocorreu nova cisão e Romildo Soares, Edir

Macedo e Roberto Lopes (ex pastor da Nova Vida) fundaram a Igreja Universal do

Reino de Deus (IURD) no dia 9 de julho de 1977. De todos os fundadores Macedo

é o único que continua até hoje como líder espiritual da Igreja.

Logo da fundação da IURD, o líder da igreja era Romildo Soares e, também, seu

principal pregador. Entretanto Edir Macedo devido seu caráter centralizador e

autoritário conseguiu aos poucos o controle da igreja e destaque junto aos demais

pastores. Com um programa alugado na Radio Metropolitana arrebanha grande

número de fiéis para a denominação, conseguindo, ainda a admiração e respeito

dos mesmos. Com isso Macedo propôs uma eleição para verificar quem ficaria a

frente da IURD, como líder. Com a vitória, Romildo Soares se desligou, em 1980, e

fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus. (MARIANO, 1999)

Edir Macedo e Roberto Lopes, criaram uma nova estruturação eclesial e

introduziram o episcopado na IURD, sagrando-se Bispos, em 1981. Após este

episódio Edir Macedo inicia a expansão da igreja pelo país. Ele ficou no Rio de

Janeiro e Roberto Lopes foi para São Paulo para fundar um templo naquela capital.

A primeira sede da IURD, em São Paulo, foi no Parque D. Pedro II, sendo logo

transferida para o Bairro da Luz e posteriormente para o antigo cinema Cine Roxi,

no bairro de Brás, tornando-se sede nacional em 1992.

Em 1986, Lopes é eleito deputado federal mas se afasta da IURD poucos meses

após a vitória e retorna para a Igreja Nova Vida. Ainda no ano de 1986, Macedo se

muda para os Estados Unidos e em entrevista ao New York Times, em 31 de

dezembro de 1988, destaca que Nova Yorque é “o centro de todas as nações do

mundo, como Roma era no tempo de Jesus” e que pretendia criar naquela cidade

núcleos para o evangelismo mundial.

Tal afirmação deixa transparecer os planos ambiciosos de Macedo para

transformar a IURD numa religião universal nos moldes do catolicismo. Em 1989,

retorna ao Brasil optando pela transferência da sede da Universal para São Paulo.

No mesmo ano adquiriu a Rede Record de televisão e rádio. Em 1990 elegeu três ainda, que ele teria se consagrado pastor na Igreja Nova Vida. Para maior aprofundamento consultar: BEZERRA, Edir Macedo. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios (2005); ORO (1996); MARIANO (1999).

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deputados federais, dois pelo Rio de Janeiro e um, em São Paulo, elegendo ainda

quatro deputados estaduais (dois do Rio de Janeiro, um, em São Paulo, e um na

Bahia). Nesse período a IURD já demonstrava seu caráter expansionista, o veio

empresarial e a opção por estratégias de marketing. (MARIANO, 1999)

A força da IURD pode ser avaliada durante o episódio da prisão de seu líder Edir

Macedo, acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Ficou preso na

91ª Delegacia de Polícia da zona oeste de São Paulo, chegou a receber visita de

Lula e de seu cunhado Romildo Soares. Após doze dias foi solto,

“Sua detenção foi espetacular. Para prendê-lo foi montada uma verdadeira operação militar. Como protestaram alguns líderes pentecostais, o aparato repressivo empregado era desproporcional à periculosidade e à capacidade do acusado de resistência à prisão. Nada menos que cinco delegados e 13 agentes da Delegacia de Capturas e do Grupo de Ação e Repressão a Roubos Armados foram mobilizados. Empunhando revólveres e metralhadoras e ocupando cinco carros, os policiais cercaram o automóvel do Bispo no bairro paulistano de Santo Amaro, quando ele saía de um dos maiores templos da Universal na capital. Dada a voz de prisão, Macedo seguro pelos braços [...] passou pelo humilhante constrangimento de ser transportado, como um meliante qualquer, num camburão. Chegando à delegacia, era esperado por reportagem da TV Globo, única emissora informada da operação. Esse foi um duro golpe em quem havia apenas duas semanas fora recebido no Palácio do Planalto pelo então presidente Fernando Collor de Mello” (MARIANO, 1999, p. 75).

Edir Macedo soube catalizar o tema da sua prisão, a seu favor. Tratou de se

colocar como vítima de um complô. Ao invés do estigma tornou-se “mártir” da

intolerância e se aproveitou da mídia para obter apoio e mais seguidores.

Mariano observa que a década de 80 foi um período de expansão e consolidação

da IURD no Brasil, confirmado pelos dados relativos ao número de templos. No

primeiro ano da década de 1980 contava com 21 templos, em cinco Estados do

Brasil. Em 1982, chega ao número de 47 templos em 8 Estados. No ano de 1986 o

Bispo Macedo se muda para os Estados Unidos e a IURD contava nesse período

com 240 templos em 16 Estados,

“No final de 1987, com 356 templos, em 18 Estados, 2 em Nova York, e mais de 27 “trabalhos especiais” em cinemas alugados, já reunia gente suficientes para promover sua primeira grande exibição de força: lotar o Maracanã e o Maracanãzinho concomitantemente. Até então suas anuais concentrações evangelísticas no Rio de Janeiro eram realizadas (desde 1981) apenas no Maracanãzinho, jamais no estádio. Em agosto de 1988, além de 26 ‘trabalhos especiais’, possuía 437 templos em 21 Estados e Brasília, 3 deles fincados nos EUA e 1 no Uruguai. Em abril de 1989, ano

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em que negociaria a compra da TV Record, somava 531 templos” (MARIANO, 1999, p. 65).

Como visto a IURD chegou a inaugurar um templo por dia, durante a década de 80,

confirmando sua condição de fenômeno religioso. Estima-se que atualmente tenha

em média 3.000 templos em diversos países do mundo e uma faixa de um milhão

de adeptos. (MARIANO, 1999)

Entre outros fatores que contribuiram para a expansão e fundação de um grande

número de templos da IURD está a utilização dos meios de comunicação de

massa. A IURD usa o rádio e a TV para atrair fiéis para os seus templos, ao

contrário dos televangelistas norte-americanos, que só visam a audiência dos

programas não estimulando a freqüência aos templos. Além da implantação de

uma mentalidade empresarial para captação de recursos financeiros e da

centralização no gerenciamento dos recursos

“Sua expansão se deve, em grande medida, à sua eficiência no uso dos meios de comunicação de massa, sobretudo o rádio, veículo no qual sempre se fez proselitismo. Nos primórdios, procurava alugar horário nas emissoras logo após o término de programas de pais e mães-de-santo, para aproveitar a audiência dos cultos afro-brasileiros. Seu primeiro programa, na Rádio Copacabana, durava irrisórios 15 minutos. Mas em pouco tempo a Igreja expandiria sua presença nas ondas radiofônicas. Em abril de 1983, já transmitia 27 programas de rádio. A compra da primeira emissora, a Copacabana, do Rio, ocorreu no ano seguinte. Mas foi a partir de 1988 que a igreja, com mais de 400 templos, deslanchou a comprar rádios. Em 1990, já havia adquirido emissoras nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná. Bastariam poucos anos mais para que possuísse uma rede em expansão de cerca de 40 emissoras” (MARIANO, 1999, p. 66).

Quanto ao uso da televisão constam o programa O Despertar da fé na Rede

Bandeirantes transmitido para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná,

Pernambuco e TV Itapuã, Bahia. Com rápida expansão, no ano de 1983, era

exibido em todo o país. Mas o fato que foi determinante ocorreu com a compra da

Rede Record de Rádio e TV , em novembro de 1989.

“[...] Para comprar esta tradicional, porém decadente e virtualmente falida rede de televisão – com uma dívida na faixa de 300 milhões de dólares, posteriormente quitada -, a liderança da igreja, oculta na transação, feita por testas-de-ferro, não mediu esforços, ou melhor, sacrifícios. Realizou a campanha “sacrifício de Isaac”, na qual seus pastores doaram cinco salários mensais, carros, casas e apartamentos. Com o mesmo espírito de renúncia e despojamento, fiéis de todo o país foram convocados a participar do sacrifício, doando, além de dízimos e ofertas, jóias, poupança e propriedades. Desde então a Universal não parou mais de fazer aquisições e negócios milionários [...] Além da Record (rede nacional em

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expansão, cuja programação e administração foram reestruturadas com os recursos da igreja), da Folha Universal (jornal com mais de um milhão de exemplares) do diário Hoje em Dia (Belo Horizonte), da revista Mão Amiga, dos jornais Tribuna Universal (Portugal) e Stop Suffering: A New Life Awaits You! (África do Sul), constavam cerca de 40 emissoras de rádio e 16 de TV em nome de líderes da igreja” (MARIANO, 1999, p. 66 – 67).

Com estas aquisição a IURD despertou a atenção da imprensa nacional que saiu

em busca de informações sobre igreja e seu líder Edir Macedo. Independente das

denúcias Macedo consegue reerguer a Record, saldando as dívidas, investindo em

equipamentos e programação. Aparece, assim como forte concorrente as

tradicionais Redes Globo e Manchete de televisão. Estas chegaram a veicular

programas especiais de conteúdo denunciativo:

“[...] duas redes de TV, Globo e Manchete, nos programas Globo Repórter e Documento Especial (programas exibidos em 15.9.90 e 11.9.90) esquadrinharam a ‘seita’. A rede Globo, apoiada em opiniões de religiosos católicos e pastores protestantes históricos, exagerou nas críticas. Ridicularizou a crendice, a ignorância e a ingenuidade dos crentes. Questionou a idoneidade religiosa de Macedo e a eficácia das curas, bençãos, práticas rituais e promessas taumatúrgicas da Universal” (MARIANO, 1999, p.70).

Mas, a utilização do rádio como elemento difusor e propagador das idéias da

Universal deve ser destacada. O rádio configura-se numa mídia com inegável poder

de penetração, tanto em espaços privados, quanto em ambientes de uso comum.

Possui o poder de entrar nas casas, ser ouvido no carro, no trabalho, na feira e por

um custo mínimo.

Um dos ex-líderes da Universal, Pastor Carlos Magno, citado por Mariano aponta,

em entrevista ao Jornal da Tarde (02/04/91), a importância do rádio para a

propagação da Igreja:

“A implantação da Igreja é praticamente igual em qualquer lugar. Em, João Pessoa, por exemplo, consegui um horário na rádio e comecei a pregar o evangelho. Arranjei um clube e marquei para fazer reuniões aos domingos. Muita gente ia porque ouvia rádio. Começa assim: um núcleo a partir de um programa de rádio ou televisão e dali nasce uma igreja. Só então você aluga um lugar para reunir pessoas. Foi assim que começou a Universal no Rio, com horário alugado na Rádio Metropolitana, na época um programa de 15 minutos. Em Natal, eu implantei a igreja e consegui um horário na televisão, coloquei lá na TV Ponta Negra, do senador Carlos Alberto, e depois de 15 dias fui fazer a reunião. E assim implantei a Universal em todos os Estados do Nordeste, exceto, Ceará” (MARIANO, 1999, p. 69).

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A análise do uso das mídias e a ressiginificação da simbologia religiosa do

pentecostalismo das primeira e segunda ondas, o contínuo processo de

demonização das religiões cristãs e não cristãs empreendida pela IURD nas suas

estratégias proselitistas, no seu marketing, na sua teologia e no seu discurso,

serão aprofundados no próximo capítulo. Por ora basta reter a acelerada expansão

e crescimento da IURD, que num primeiro momento definida como seita tratou de

empreender esforços, visando sua consolidação como religião legitimada

socialmente por uma parcela da população que reproduz sua simbologia e teologia.

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3 O PROCESSO DE DEMONIZAÇÃO NA CONSOLIDAÇÃO DA IURD

Os esforços envidados pela IURD para se consolidar no cenário religioso brasileiro

confirmam a concepção de Bourdieu, para o qual toda religião que se pretende

socialmente legitimada e que reivindica um caráter universal, tendencialmente,

relega as demais à condição de profanas, retirando das mesmas seu status de

detentoras do sagrado a partir de sua demonização, portanto “[...] a aparição de

uma ideologia religiosa tem por efeito relegar [...] uma outra religião [e] seus deuses

à condição de demônios [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 44).

A IURD não se furtou ao longo de sua consolidação em usar dessa estratégia para

legitimar seu discurso e suas práticas ritualísticas. Tampouco inovou na utilização

deste mecanismo de demonização dos seus pares a fim de se firmar no universo

religioso em dado contexto. Esta é uma prática histórica, também, presente em

outras religiões cristãs, assim como naquelas denominadas não-cristãs e, que tem

por substrato a luta pela hegemonia e gestão dos bens de salvação e legitimidade

de sua visão de mundo encerrados no seu simbolismo sagrado, num cenário de

concorrência religiosa.

Concomitante ao aspecto ideológico implícito na demonização outra questão que

deve ser considerada na análise desse processo é a própria construção da

representação do Diabo, os vários papéis e funções que desempenhou no

Cristianismo, desde os seus primórdios. Afinal a IURD não inventou um conceito de

Diabo. Ele sempre esteve presente no próprio fundamento da doutrina cristã que

baseada na concepção de um Deus onipresente, condensador de todo Bem, tenta

dar conta do paradoxo do sofrimento e do Mal na existência humana. Nesse

sentido o Diabo emerge como antítese, como representação de um adversário de

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Deus, responsável por todo o sofrimento humano, na contraposição entre o Bem e

o Mal.

Mariano (1999) observa que historicamente a figura do Diabo e os malefícios por

ele causados aos seres humanos teve sua importância ampliada ou diminuída de

acordo com os interesses de grupos teológicos específicos em cada contexto. Seja

no Cristianismo Primitivo, na constituição da Igreja Católica, no Protestantismo e no

Pentecostalismo, ele aparece ora como instrumento de construção de teodicéias e

teologias, ora como delimitação de uma ortodoxia. No primeiro caso constrói as

representações referentes ao sobrenatural, atribuindo sentido à realidade. No

segundo caso atua como mecanismo de demonização a fim de se opor aos

pensamentos desviantes e possíveis heresias.

O Diabo aparece então como produto do fazer humano, fruto de uma determinada

época, podendo ser analisado como construção social. A partir dessa concepção

torna-se possível apreender suas várias configurações, as continuidades e rupturas

de suas funções e papéis no imaginário cristão e na consolidação das várias

vertentes religiosas que pretendem se legitimar em dado contexto histórico-social.

E, mais, compreender qual Diabo se faz presente na IURD, permitindo a ela

desqualificar no seu discurso as demais religiões e, assim, construir seu próprio

discurso.

Partindo do pressuposto de que este processo de demonização ocorre na

apropriação da idéia de demônio presente no imaginário e pela reelaboração dessa

representação ao lhe conceder novos significados. A análise, neste capítulo,

remete-se num primeiro momento à construção macro-histórica do conceito de

Diabo no Cristianismo e nas suas vertentes mais representativas. E, num segundo

momento, visa determinar o impacto das diversas concepções do Diabo no

universo religioso brasileiro, para então demonstrar a dinâmica da apropriação do

conceito de Diabo pela IURD na construção de sua visão de mundo, nos seus

preceitos doutrinários, na fundamentação da sua identidade religiosa, ou seja, nas

suas especificidades.

Entre os autores elencados para contribuir com a análise estão Luther Link, Robert

Muchemblet, Carlos Roberto Nogueira, Alfredo Santos Oliva, Margarida Oliva,

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Ricardo Mariano, que a partir de variados recortes observam como o conceito de

Diabo assume nuances específicas em cada contexto histórico e cultural. Mas em

todos se percebe uma visão dialética do Diabo que inserido num sistema simbólico

religioso assume aspecto relacional dentro do mesmo, tornando-se essencial à sua

produção e reprodução, em suma ao seu sentido.

3.1 DIABO NOS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISNO: BREVE SÍNTESE

Toda e qualquer cultura, nos mais diversos contextos históricos tem que lidar com

problema do Mal e do sofrimento na existência humana. A recorrência dessa

questão está no cerne da compreensão da construção do conceito de Diabo como

resposta e significação a este aspecto da realidade. Produzida e reproduzida por

séculos, a representação do Diabo como configuração do Mal e do sofrimento,

ganha contornos mais específicos no esteio da consolidação do Cristianismo, no

qual adquire papel central na experiência religiosa.

Mariano (1999) observa que essa importância deve-se ao paradoxo inerente à

concepção de um Deus, que por princípio condensa o Bem, a justiça e a

onipotência, que não deixa margem para se compreender essa contradição. Na

mesma perspectiva Nogueira (2002) demonstra que independente das múltiplas

configurações assumidas ao longo dos séculos a representação do Diabo no

Cristianismo sempre cumpriu a função de atribuir lógica a idéia de um único Deus

perfeito em contraposição a incoerente existência do Mal. Sem o Diabo o Mal

adquire existência ontológica diminuindo a perfeição de Deus e de sua criação.

Nesse sentido, o Diabo exerce ação co-protagonizadora na historia do homem, na

medida em que forma o sistema que opõe o Mal/Bem e Deus/Diabo. Além de dar

sentido aos aspectos inexplicáveis da existência, colabora para compor a noção de

liberdade do indivíduo, a partir do livre-arbítrio. Mas tal historicidade tem por

correlato às diversas ressignificações nos diferentes contextos históricos e sociais

que implicam em configurações concretizadas nos discursos teológicos da época

da qual é produto. Por este motivo a identificação de uma cronologia exata para o

início das sistematizações sobre a figura do Diabo mostram-se complicadas. O

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caminho analítico mais eficiente tem sido a conceituação do Diabo a partir das

reflexões teológicas, sobretudo o Cristianismo, da iconografia e do imaginário

religioso. (NOGUEIRA, 2002)

A construção do sistema explicativo do Cristianismo desde seus primórdios

impactou e modificou as representações do mundo natural e, principalmente o

mundo sobrenatural. As articulações entre a realidade vivenciada e o imaginário se

fundiram num sistema simbólico, no qual no mundo invisível seres sobrenaturais se

empenham na luta entre o Bem e o Mal. Este combate rompe às fronteiras do

sagrado direcionando a conduta moral e o comportamento social, dando sentido à

realidade, aos infortúnios e explicando possíveis desvios à ordem moral vigente.

(NOGUEIRA, 2002)

Os especialistas do sagrado, na sua condição de guardiões e detentores do

simbolismo sagrado que compõe o Cristianismo, manipulam este imaginário na

tentativa de uniformizar visões de mundo. Mas como mediadores entre sagrado e a

realidade não conseguem seus objetivos “[...] essa mediação está longe de ser

eficaz, pois estamos diante de uma coletividade permeada por diversos conteúdos

simbólicos, no qual o Cristianismo preenche – ainda que de modo dominante –

somente uma parcela das representações” (NOGUEIRA, 2002, p. 11).

Na luta pelo monopólio do sistema simbólico sagrado que define visões de mundo e

garante a oferta dos bens de salvação ou a hegemonia das crenças,

“[...] a Igreja necessita detectar, divulgar e exorcizar o Mal, garantindo assim, o domínio da consciência coletiva. Aqui, chocam-se duas tendências: uma religiosidade que é vivida pela coletividade e entremeada de crenças tradicionais e a tarefa da ortodoxia de ganhar o poder sobre as consciências, e levar a coletividade a aproximar-se e sujeitar-se ao discurso eclesiástico” (NOGUEIRA, 2002, p. 12).

Muchemblet (2001) também aponta a necessidade de construção de um sistema

teológico, pelos seus teóricos, que encerrasse as múltiplas concepções sobre o Mal

encontradas no Antigo e no Novo Testamento, ao longo do processo de

consolidação do Cristianismo, e as diferentes visões de mundo contidas nos

sistemas religiosos politeístas presentes na época.

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Link (1998) reforça essa concepção ao analisar as mudanças da iconografia do

Diabo na história do Cristianismo e de como elas são representativas de mudanças

radicais nas diretrizes da ortodoxia religiosa que pretende se legitimar.

Desse modo as influências culturais e religiosas que serviram de substrato para

construção do conceito de Diabo no imaginário cristão revestem-se de vários

matizes confirmando seu caráter essencialmente histórico e que remonta,

principalmente, à tradição religiosa hebraica, visão encontrada nos vários autores, e

as reelaborações das tradições religiosas da Antiguidade efetivadas por ela,

revelando em seu bojo recorrentes apropriações, reinterpretações e resignificações

de outras crenças no interior do campo religioso.

3.1.1 Tradição hebraica: contribuições para construção da idéia de Diabo no

Cristianismo

De acordo com Nogueira (2002) da tradição hebraica emergiu no imaginário das

gerações posteriores o arquétipo do adversário de Deus. Os hebreus em sua

diversidade herdaram crenças religiosas e para-religiosas das diferentes tribos que

compunham sua nação, seus mitos e práticas heréticas que permeavam a

Mesopotâmia da época. Para o autor, no princípio os hebreus não sentiam a

necessidade de configurar uma entidade representativa do Mal. Seu Deus tribal

Jahveh era superior aos deuses das tribos vizinhas encarados como adversários e

personificação da maldade tornando desnecessário uma figura do Mal. Não

obstante o monoteísmo implícito na ortodoxia, no nível popular, como lócus

privilegiado de reinterpretações coexistiam tradições religiosas, práticas mágicas,

superstições, história oral que apontam o sincretismo das representações

religiosas.

Existiam, portanto, superstições e crenças que se traduziam em noções de que ora

os deuses estrangeiros eram apenas ídolos sem poder sobre o verdadeiro Deus: o

Deus de Israel. Ora trabalhavam com a noção de que como deuses tribais

configuravam espíritos das trevas. Vê-se, neste contexto, o elemento político de

demonização do adversário e os conflitos territoriais da Palestina naquele período

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reforçavam esta prática. Mesmo sem uma conceituação clara do demônio os

hebreus possuíam no seu sistema simbólico religioso os “rouach raha” ou espíritos

malignos, mas que eram enviados por Deus a título de punição. Estes espíritos

eram configurados em consonância com a idéia de Deus único Senhor do Bem e

do Mal.

A construção da representação de uma hierarquia demoníaca entre os hebreus

teria sofrido influência decisiva no período conhecido como cativeiro da Babilônia,

no século VI a.C.. Neste contexto ao lado da crença oficial, foram reelaboradas

crenças tribais não extintas pelo discurso ortodoxo. Estas crenças adquiriram

sentido e significado no contato com tradições religiosas mesopotâmicas que

tinham aspectos simbólicos em comum e que foram sistematizadas num sistema

mágico-religioso significativo.

Assim entre os caldeus encontravam-se referências a um sistema demonológico

composto por legiões de entidades semi-divinas hierarquizadas em classes. Para

cada classe, atributos específicos. Embora tais entidades não fossem consideradas

propriamente malignas, já se configuravam em representações iconográficas que

oscilavam entre o homem e o animal. Várias lendas personificam este arquétipo

mesopotâmico sobre o demônio: Azazel (aziz = força e El = deus) demônio do

deserto; Lilith – primeira mulher de Adão considerada depois demônio da luxúria.

Segundo Nogueira (2002) do contato com os caldeus e suas divindades advém o

substrato que forneceria aos demônios o seu chefe.

Ainda neste período de cativeiro na Babilônia, e, também, posteriormente, os

judeus entram em contato com o masdeísmo persa o que foi determinante para a

corporificação da demonologia deste povo. A religião persa cuja doutrina dualista

trazia implícita a oposição entre o Bem e o Mal num combate incessante no qual

arcanjos “spenta” representam o bem; e os “daêvas” deuses iranianos

representavam as forças demoníacas. Assim “[...] O masdeísmo fornecerá o pano

de fundo dualista que libertará o Demônio no pensamento judaico e possibilitará,

através da assimilação da crença em espíritos benéficos e maléficos a composição

de um hierarquia [...]” (NOGUEIRA, 2002, p.19).

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Outra contribuição relevante na construção de uma demonologia no judaísmo seria

a cultura helenística. O contato com os gregos significou o imbricamento de

crenças religiosas diferentes e uma sistematização do elemento do Mal num

sistema simbólico coerente traduzido numa mudança da perspectiva teológica “[...]

Do século II a.C. ao I d.C. desenvolver-se-á uma rica literatura sobre o demoníaco,

à margem da tradição erudita [...]” (NOGUEIRA, 2002, p.20).

Por esta literatura o imaginário rompeu com as fronteiras da ortodoxia e

concepções de espíritos malignos que se contrapõem aos desígnios do Criador

emergem provocando reinterpretações do Antigo Testamento, como no caso do

livro dos Jubileus (135 – 105 a.C.). (NOGUEIRA, 2002)

Nestas reinterpretações o Diabo cristão começou a ganhar forma e função e com a

associação à reforma no politeísmo grego pela escola neoplatônica, na qual se

formulou uma cosmovisão cujo sistema teogônico admitia um Deus que não dividia

seus atributos divinos com outros entes espirituais. Mas para manter a coerência da

religião helenística distribuíram as divindades em seres com poder abaixo do Ser

Supremo, que participavam do mundo sobrenatural, ora como entidades que

personificavam a perfeição de Deus, ora as fraquezas humanas. Para não serem

confundidos com Deus, Platão denominou estes seres inferiores em poder com o

nome de demônio (daimon) palavra que designa ação divina tanto para o Bem

quanto para o Mal. (NOGUEIRA, 2002)

Essa reelaboração neoplatônica se fundamentou numa concepção monoteísta, mas

sem excluir o politeísmo expressado nos rituais praticados e no sistema mitológico

constitutivo do imaginário. Assim, no universo neoplatônico legiões de demônios

estão presentes em todos os aspectos da realidade natural e sobrenatural.

A essa reinterpretação associou-se à liturgia helênica rituais mágicos e orientais.

Práticas religiosas da Grécia, Egito, Pérsia, Fenícia e Mesopotâmia, por tendências

sincréticas e confluentes, foram demonizados neste período. Neste contexto, estas

visões teológicas se mesclaram à religiosidade judaica. Com a entrada no século II

d.C., os livros sagrados destes povos foram traduzidos para grego e as divindades

pagãs classificadas de demoníacas (daimonia) juntamente com os animais

fantásticos que povoavam o imaginário religioso do Antigo Oriente.

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Assim a tradição judaica imbricada nestas representações foi inundada por

espíritos malignos,

“É o primeiro momento de glória de Satã: a sua grandiosidade, negada pelo Antigo Testamento, será devidamente estabelecida pela literatura apócrifa e posteriormente reconhecida pelos Evangelhos e pelo Apocalipse de São João, onde Satanás assume o lugar de príncipe das trevas, responsável pela perdição do gênero humano. Desenvolve-se uma distinção mais nítida entre anjos e demônios, incorporada nos contatos com os povos vizinhos, e constitui-se uma doutrina escatológica, até então ausente entre os hebreus, uma vez que a preocupação de sobrevivência da nação suplanta a preocupação individualista de salvação da alma no Além, impedindo uma verdadeira figuração do outro mundo. Presente nos sistemas religiosos vizinhos, notadamente o caldeu e o persa (onde a doutrina dualista acentua o prestígio do Além), que prevêem destinos diferentes para os pecadores e os puros, a noção de Inferno assume um alto grau de elaboração na literatura apócrifa” (NOGUEIRA, 2002, p. 22- 23).

Dessa forma à noção de Céu/Inferno associaram-se visões místicas sobre

recompensas e punições divinas.

3.1.2. As várias nomenclaturas do Diabo do Antigo ao Novo Testamento

As nomenclaturas do Diabo seguem a historicidade da tradição religiosa do

judaísmo construída e ressignificada na interação com outros povos e suas

crenças. Como citado acima o monoteísmo compunha a ortodoxia religiosa dos

hebreus e a idéia do Mal era indefinida em consonância com a representação de

um Deus absoluto. O Mal neste contexto era compreendido como punição do

próprio Deus sem configuração e personalidade definida. As referências no Antigo

Testamento a um elemento concreto do Mal se restringem ao Livro de Jó, no qual

Deus envia seu anjo para testar sua fidelidade, mesmo assim o Satan designava

um posto na hierarquia divina e não um ser maligno.

Conforme assinalado por Nogueira é do contato com povos inimigos nos vários

períodos de cativeiro que os judeus assimilaram suas divindades a demônios. Ou

reinterpretaram em outros significados como no caso do termo Lúcifer (que aparece

em Isaias 14:12 no Antigo Testamento), que originalmente representava entre os

caldeus uma designação ao rei e, não um demônio personificado. E, ainda, Belzebu

(Baal-Zeboub), deus filisteu que também foi associado ao demônio entre outros.

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Dessa forma trazem um conteúdo mais político que propriamente teológico.

(NOGUEIRA, 2002)

Link (1998), também, aponta nas diversas nomenclaturas designativas do Diabo as

reelaborações e reinterpretações históricas operadas neste conceito a partir da

interpenetração da tradição judaica com outras culturas, que podem ser observadas

nas referências encontradas no Antigo e no Novo Testamento, mas

especificamente nos textos apócrifos. Na sua análise demonstra como a palavra

Satã é anterior ao termo Diabo e não o seu nome.

Nas línguas ocidentais usam o termo Diabo: devil, diable, diablo, diabolo, teufel.

Mas em todas na qual o termo Diabo aparece têm também o termo Satã,

“Embora sejam mais ou menos a mesma coisa, não há Diabo sem Satã, e não há Satã sem Diabo. ‘Mais ou menos a mesma coisa’ hoje em dia, porém muito diferentes no princípio. Satan é uma palavra hebraica que em geral significa adversário, nada mais. Às vezes ele é um ser humano, às vezes uma figura celestial. Em Jó, no Antigo Testamento, Satã é um membro do conselho de Deus. Satã é um posto, seja de inspetor, seja de promotor. Satã é um título, não é um nome de ninguém. Satã não é o Diabo (embora viesse a tornar-se o Diabo em comentários cristãos). No cânone do Antigo Testamento, exceto em Jó, raramente encontramos o Satã (ou Satã); quando encontramos, ele não é importante. O adversário de Deus - o Diabo – é chamado diabolos nos Evangelhos de Lucas e Mateus. Essa palavra grega significava acusador ou difamador; foi traduzida para o latim como diabolus. O Satã e o Diabo eram diferentes. Porém, mais de trezentos anos antes de Cristo, um fator de resultados imprevisíveis fora introduzido pelos judeus alexandrinos: ao verterem o Antigo Testamento para o grego, traduziram o satan hebraico para o grego diabolos. É por isso que o Diabo do Antigo e do Novo Testamentos têm o mesmo nome, embora não signifiquem a mesma coisa [...] Mas o significado de diabo deriva de três palavras em hebreu, grego e latim – satan, diabolos e diabolus -, confundindo as pessoas ao longo dos séculos [...]” ( LINK, 1998, p.24).

Outro termo designativo de Diabo ou demônio seria Daimon, mas no original

significava um espírito mediador entre deuses e homens. Demônio, também, podia

significar o “gênio” de um homem, e, ainda, espírito perverso, dominador, que

aparecem no Novo Testamento como reinterpretações dos demônios platônicos,

que não eram considerados nem bons e nem maus. Mas que adquiriram nova

conotação na associação deuses pagãos = demônios maus = diabos, a fim de

legitimar a condenação de cultos aos deuses pagãos. (LINK, 1998)

No Novo Testamento, em Marcos, Diabo é chamado de Satanás demonstrando as

confusões semânticas das traduções, assim surge o satan hebreu, convertido a

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diabolos em grego ou no aramaico por satanas. Satã, Satanás, diabolos e diabolus

têm seus significados inter-relacionados. Embora somente Satã fosse associado a

demônios ao longo do processo histórico de construção da idéia de Diabo estes

termos se confundem. Em suma Satã passa a representar o nome do Diabo, no

paralelo Satã = diabolos, como exemplo tem-se as menções em Apocalipse 12:9.

Nesse sentido houve fusões de termos de diferentes tradições religiosas

encerradas em traduções, propiciando as confusões semânticas e as reduções de

nomes diferentes a um único significado. As traduções da Bíblia para o grego e

depois para o latim enterram toda e qualquer distinção, completada por volta do

século III. (LINK, 2002)

Esta multiplicidade de termos designativos do Diabo aponta, ainda, para os

diversos papéis e funções por ele desempenhado na construção de teologias do

Cristianismo. Para cada nome ou intercâmbios de nomes, um papel ou função na

construção e significação do sistema religioso no qual ele aparece como elemento

explicativo do Mal.

3.1.3 Papéis e funções do Diabo nos primeiros séculos do Cristianismo

Por inferência, conclui-se que a emergência do Cristianismo significou um processo

de reelaboração, apropriação, imbricamento e reinterpretações das tradições

religiosas correntes. Neste processo de reinterpretação dos simbolismos sagrados

alguns de seus elementos foram repelidos ou aceitos e envolvidos por uma

bagagem mística que existia paralelo à ortodoxia. Vários movimentos religiosos e

heresias multiplicavam-se, religião e magia se misturavam. A visão de mundo se

transforma. O mundo social volta seu interesse para o supranatural, entrelaçando o

universo real com a realidade invisível. O mundo concreto aparece como mero

reflexo desta realidade não perceptível, no qual, o confronto entre Bem e Mal

determina os acontecimentos. (NOGUEIRA, 2002)

Neste contexto, o Cristianismo e a concepção de mundo do Judaísmo tardio sobre

o Mal se encontraram e a aquiescência das idéias correntes deu início à percepção

da existência de um inimigo concreto de Deus,

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“[...] A demonologia que inicia o seu aparecimento nos textos apócrifos é retomada de forma ligeiramente modificada – mais sistematizada – no Novo Testamento. Ao contrário de Yahvé no Antigo Testamento, Deus agora possui formidáveis adversários na pessoa de Satã e sua corte de demônios. Os evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de Paulo e o livro do Apocalipse trazem abundantes alusões a essa luta formidável. Daqui por diante, Satã é o grande adversário, tendo por missão combater a religião que acaba de nascer e que será no futuro o Cristianismo; Satã é o inimigo implacável de Jesus e seus discípulos, tramando incessantemente a ruptura da fidelidade ao Senhor e pondo a perder os seus corpos e almas [...]” (NOGUEIRA, 2002, p. 25-26).

O demônio que antes servia de arquétipo para a construção da representação

judaica de luta do povo escolhido por Deus para sobreviver aos adversários, serve

agora a noção da humanidade como povo de Deus que deve ter por objetivo o

Paraíso Eterno.

Outra questão pertinente foi que esta idéia de Diabo que tenta o homem e se

apossa de seu corpo e de sua alma causando inúmeros malefícios teve por

conseqüência a relevância maior atribuída à cura e ao exorcismo. Estes rituais

fundamentados nas narrativas do Novo Testamento na qual Jesus e seus

Apóstolos expulsavam demônios e curavam as enfermidades apareceram como

demonstrações concretas do conflito entre o Bem e o Mal, que se realizava no

campo físico e espiritual. O embate anunciava a vitória sobre a morte e que o poder

de Jesus estava ao alcance dos homens. (MARGARIDA OLIVA, 1997)

A concepção de que o mundo se divide entre o Reino de Deus e o Reino do Diabo

emerge no imaginário religioso. O Cristianismo descrito como Reino de Deus opõe-

se ao Reino de Satã, representante do Mal, no qual se materializa um eterno

combate entre Deus e o Diabo.

Esta dicotomia trazia implícita a idéia de que tudo o que afastava o homem de

Deus, ou do Cristianismo, seria obra do Diabo. Neste discurso a busca pela

hegemonia religiosa fica clara no processo de demonização da própria religião

judaica da qual a representação de Diabo fora retirada, ocorrendo o mesmo

processo com outros credos não cristãos relegados à condição de “pagãos” ou

cultuadores de Satanás.

O papel do Diabo passa a ser definido na oposição a Deus, no qual ele era seu

adversário e sua função seria incitar os homens ao pecado afastando-os de Jesus

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e sua finalidade era a posse da alma e do corpo ocasionando os mais diversos

males e sofrimentos. Estas idéias mesmo próximas do sistema explicativo do Novo

Testamento no qual o sacrifício de Jesus determinava a relação de dependência de

Satã foram sendo, paulatinamente, reinterpretadas no esteio da institucionalização

da doutrina cristã e a sua função teológica se delineia e se configura “[...] o Espírito

do Mal passa a integrar o dogma central do cristianismo, ou seja, o da queda do

homem, do pecado original e da redenção pela morte do Messias na cruz”

(NOGUEIRA, 2002, p. 28).

O Diabo assumia, para os primeiros cristãos, o papel de atribuir sentido aos

fenômenos que não podiam controlar. Em suas crenças as desgraças, sofrimentos

e calamidades eram creditadas à intervenção de forças malignas e o contrário às

forças divinas. (NOGUEIRA, 2002)

As concepções de Satã disfarçando-se e configurando-se concretamente a fim de

exercer sua malignidade foi lançada por meio da idéia de anjo caído ou como a

serpente que tentou Adão e Eva no Paraíso, engendrado nos meios cristãos, cujo

corolário encontrava-se nos textos apócrifos do século I d.C. Nos séculos II e III

d.C. a noção foi retomada pelo clero da Igreja e institucionalizada pela Igreja grega

e latina. O maior exemplo dessa visão, como demonstra Link (1998), encontra-se

em Santo Agostinho, principal pensador cristão do século V, que aprofundou a

sistematização da idéia de Diabo como anjo caído e, diretamente, relacionado à

presença do Mal na existência humana. Em sua obra “A Cidade de Deus” ele

constrói sua representação de Demônio expulso dos céus por ter cometido o

pecado do orgulho, tentando, assim resolver os questionamentos sobre a origem do

Mal. Qualquer oposição as idéias defendidas significava neste contexto

manifestação de heresia e sua associação ao Diabo.

No plano teológico, na retórica da Igreja, servia para legitimar o discurso oficial em

busca de hegemonia, além de ratificar a ação maligna do Diabo entre o povo de

Deus por meio das práticas religiosas pagãs. Ao mesmo tempo em que reforçava a

posição de Satã no sistema religioso e sua função de testar a fé dos cristãos,

determinava sua inferioridade em relação a Deus e à Igreja Primitiva. Neste sentido

“[...] A permissão concedida por Deus aos demônios de colocar os cristãos à prova

era simplesmente para que estes pudessem cobrir os espíritos malignos de

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vergonha e, ao mesmo tempo, reforçar a sua própria fé [...]” (NOGUEIRA, 2002, p.

32).

Não obstante a expansão do Cristianismo, nos primeiros séculos, sobre as religiões

pagãs, que fundamentava ainda mais esta percepção entre os teólogos, a

persistência de crenças e práticas rituais politeístas demonstram a ineficácia dos

interditos institucionais naquele contexto. Os núcleos das crenças populares não

foram destruídos a despeito das proibições, como por exemplo, consulta aos

oráculos, de sacrifícios e dos rituais de celebração. A correlação entre o Diabo e as

religiões pagãs sistematizada pela Igreja encontraria seu limite na própria

demonização que acabou por reproduzir as crenças que objetivava suplantar.

Dessa forma, a Igreja engendrou a apropriação de elementos e práticas dos cultos

pagãos presentes no imaginário religioso da época. As festas organizadas para

celebração de divindades antigas foram assimiladas numa nova estrutura, houve a

transformação de santuários em templos para culto aos santos, a Jesus e à Virgem

Maria, indicando os mecanismos de ressignificação. Nessa fase observá-se no

Cristianismo duas tendências contraditórias que permaneceriam por longo tempo: a

conciliação operada pela apropriação e ressignificação de divindades, crenças, ritos

e festas religiosas o que pressupunha um compromisso com o universo religioso da

época; no outro extremo aprofundava a intolerância religiosa nas definições de

heresias que ortodoxia referendava em seu discurso. (NOGUEIRA, 2002)

3.1.4 Institucionalização do Diabo na expansão do Cristianismo: Igreja Primitiva no

período medieval

No longo processo de expansão do Cristianismo, no decorrer da Idade Média, o

imaginário religioso fundado, anteriormente, no politeísmo clássico de tão

reelaborado se fragmentou sob a base comum dos dogmas cristãos, embora tenha

permanecido implícito com outras significações na estrutura que se consolidava e,

ainda na memória da coletividade. O Diabo passou a ocupar posição primordial no

sistema religioso e a ele era creditada a responsabilidade pelos acontecimentos

considerados insólitos ou que representassem desordem. Ele servia de explicação

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para a loucura, a morte, o sofrimento e todo e qualquer fato cotidiano por mais

banal que fosse.

Daí adveio à expressão comum de que no período medievo o Diabo estava solto no

cotidiano dos cristãos que,

“[...] Embora acreditando que Jesus havia vindo ao mundo para salvar o homem do Diabo, a Igreja deixou de sustentar que ele estava totalmente vencido. Se assim fosse, não haveria razão para a continuada existência da Igreja. Aos olhos dos cristãos, surgia a aterrorizante certeza da existência de uma conspiração sobrenatural contra o triunfo do Salvador. O poder absoluto de Satã sobre a humanidade havia sido quebrado, mas ele permanecia um formidável oponente. Ele odiava Deus e todos os seres humanos, concebidos à imagem divina, e ansiava por capturar o maior número possível de almas em seu reino infernal, para despojá-las de sua divina semelhança, vingando-se por sua queda: negando os homens a Deus e Deus aos homens” (NOGUEIRA, 2002, p. 41).

A oposição Bem/Mal igual a Deus/Diabo se fundamenta de forma definitiva naquilo

que os autores consultados identificam como “pedagogia do medo” que

institucionalizou este dualismo a ponto do Diabo ter mais destaque que Deus no

discurso religioso. Mas esta obsessão pelo diabólico teve como contrapartida sua

incursão no imaginário social como um elemento familiar. Até mais familiar que os

santos e patriarcas que emergiam no papel de representantes exemplares dos

dogmas da Igreja oficial, na Baixa Idade Média. Enquanto o Diabo era representado

de forma burlesca e ambígua (podendo ser configurado como homem, animal,

monstros híbridos ou na forma dos deuses pagãos), em sua função de adversário

de Deus e responsável pela punição dos pecadores e/ou hereges, e, ainda para

reforçar sua inferioridade diante de Deus. A percepção corrente era da que o Diabo

poderia ser de alguma forma ludibriado e ridicularizado por fórmulas mágicas não

totalmente abandonadas e esquecidas pela cultura popular, ratificava a noção de

que a vitória de Deus estava assegurada. (NOGUEIRA, 2002)

Essa visão de Diabo domesticado traz implícito a lentidão do processo de

demonização das crenças populares e das superstições contidas no folclore desses

grupos. Os autores analisados concordam que as representações do Diabo

ganharam centralidade em função da busca de hegemonia pela Igreja que se viu

obrigada a encerrar as múltiplas concepções do Mal dispersas numa sociedade

fragmentada, tanto na esfera cultural, social e política, em uma teologia legitimada

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e racional. Assim, de figura que interessava mais os teólogos, construiu-se, a partir

do século XII, uma linguagem simbólica identitária encerrada num discurso no qual

o Diabo era o eixo, instalando uma atmosfera de terror no seio da sociedade,

“[...] O demônio era considerado capaz de se apresentar sob todas as formas humanas imagináveis [...] Podia fazer crer a seus interlocutores que era um anjo de luz. Assumindo a estatura de um gigante, falando através de um ídolo, soprando o seu veneno em uma rajada de vento, ele nem sempre manifestava sua diferença, sua monstruosidade [...]” (MUCHEMBLET, 2001, p. 26).

Nogueira (2002), também, assinala uma sistematização dogmática das

representações do Diabo numa idéia uniforme, em meados do século XII. Se antes

sua intervenção nos assuntos humanos estava subsumido num folclore

multifacetado, no qual suas ações eram taxadas de diabólicas ou de travessuras e

perversidades, denotando sua ambigüidade, nesse contexto de sistematização esta

duplicidade desaparece dando lugar a percepção de que a Terra estava

impregnada de legiões de Demônios. O reforço para esta concepção fundamentou-

se através da autoridade de São Tomás de Aquino que lhe revestiu de uma

malignidade absoluta.

Ao Diabo, este teólogo, concedeu poder de atuação quase infinita no mundo

perceptível, podendo assumir qualquer forma concreta e se valer de todos os

artifícios: o Diabo podia assumir a forma de animais, seres humanos e,

principalmente, negros. Era impossível delimitar seu número e por isso o homem

poderia ser importunado por vários deles, ao mesmo tempo. As concepções da

época são assim justificadas em São Tomás de Aquino que atribui substância,

inteligência e poder ilimitado ao Diabo com este podendo invadir o pensamento, o

corpo e alma dos homens.

O que era folclore transformou-se em dogma legitimado na doutrina da Igreja que

definiu os atributos dos demônios que eram comandados por Satã que se

transformou no arquiinimigo dos homens. Estes precisavam da constante

intervenção de Deus e ajuda dos sacerdotes. A igreja então definiu dezessete

sinais da presença dos demônios para auxílio dos sacerdotes no exorcismo e que

abrangiam um leque extenso de possibilidades, que encontravam sentido nas

vicissitudes cotidianas, mesmo que a maioria da população jamais tivesse

presenciado um caso de possessão.

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Aos dezessete sinais de possessão os médicos medievais acrescentaram outros

dezessete sinais que refletiam o universo mental deste contexto histórico e que

contribuíram para revestir o discurso religioso de uma aura de cientificidade. Entre

eles os mais ilustrativos estavam:

- doenças não identificadas e que se agravavam com os tratamentos da época;

quando os sintomas e as dores fossem de tal magnitude a ponto de não seguir a

lógica da maioria das doenças conhecidas;

- quadros de melancolia sem motivo aparente; perda de apetite ou mal estar;

impotência;

- constrangimento na presença de sacerdotes ou de pessoas as quais se

acreditava ser responsável pelo Mal e por último quando ao se aplicar unções

sagradas nas partes afetadas pelo Mal ocorresse transpiração ou qualquer outra

modificação anormal. (NOGUEIRA, 2002)

No discurso oficial e nos sermões litúrgicos a onipotência do Diabo era referendada

pela exaltação dos malefícios causados a humanidade e pela crença corrente de

que ele agia com a permissão de Deus. No século XIII o medo do Diabo se

expandiu enormemente, chegando aos séculos XIV e XV, despertando o pânico

reforçado pelas crises no feudalismo e aumento da miséria levando a coletividade a

encontrar no demônio toda explicação. A percepção corrente é de que Deus

abandonara a humanidade que estava sob o jugo do Reino do Diabo. (NOGUEIRA,

2002)

Portanto, a demonologia com suas concepções de Diabo e Inferno passam de

simples metáforas religiosas a doador universal de sentido e o Mal de elemento

extrínseco ao homem a algo palpável e concreto no interior do corpo e da alma

reforçando as noções de pecado, de culpa e de punição, e consequentemente,

transformando-se num mecanismo legitimador da ortodoxia. O Diabo invade o

imaginário social construindo e reproduzindo as visões de mundo impactando,

também, a noção de santidade.

“[...] O modelo de santidade, colocou-se, de certo modo, ao alcance de um público maior, obviamente ainda minoritário dentro da sociedade, dando a seus membros o sentimento de participarem de

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uma obra divina glorificadora, reservada aos melhores fiéis. O processo mental em questão baseia-se na ênfase dada ao sentimento de culpa, sobretudo de quem não consegue abafar completamente a animalidade que cada um sabe trazer em si. O olho de Deus está dentro do seu corpo imperfeito e sofredor. O demônio aí também se encontra à vontade, se não for expulso, se não lhe forem cerradas as vias de entrada [...] O diabo deixa de ser um homem decaído na graça, ou pervertido, para tornar-se a fera imunda escondida nas entranhas do pecador [...]” (MUCHEMBLET, 2001, p.47 - 48).

Mestre dos disfarces o Diabo assume várias configurações como aponta Link

(1998) a partir de análises da iconografia da arte cristã no decurso de sua

consolidação, desde animais grotescos, dragão, diabretes com chifres, garras,

figura humana deformada e repugnante, configurado. O Diabo tem a máscara do

seu tempo. Se no século IX ele aparece na forma humana diversas vezes,

progressivamente assume formas grotescas, pêlos, asas, patas e garras,

retornando na forma humana no século XV. Quando na forma humana a

concepção implícita é de um Diabo que pode ser ludibriado, demonstrando sua

impotência frente a Deus. No século XIII, monges acreditavam que pegavam diabos

como se pega um resfriado. Ele não era apenas um micróbio no tecido social era o

responsável por todos os males. A idéia de Diabo como micróbio prevalece até fins

da Idade Média.

Mas a grande influência na iconografia do Diabo foram os deuses das religiões

clássicas, principalmente, as figuras de Pã, de sátiros e faunos. As principais

características seriam chifres, orelhas de bode, cascos, rabo e parte inferior do

corpo peluda, meio animal e meio homem ou um homem totalmente coberto de

pelos. (LINK, 1998)

Nogueira (2002) ressalta outros aspectos além destes retirados de Pã e dos

faunos, os acréscimos de asas de morcegos animal de hábitos noturnos e que

dorme diabolicamente de ponta-cabeça. Na tradição popular o Diabo ficou coxo

quando precipitado dos céus implicando em riscos para aqueles que porventura

tivessem deformidades físicas. E, mais, na forma de touro, camundongo, mosca ou

cão preto, cor predominantemente associado ao demônio. Nogueira assinala que

no fim da Idade Média a idéia de demônio povoava o imaginário cristão

despertando interesse na sua classificação, na determinação e alcance do seu

poder, e no seu conhecimento.

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Teólogos faziam tentativas de estabelecer o número de demônios existentes e sua

hierarquia. Outros tentavam nomeá-los de acordo com o poder a eles atribuídos,

mas admitiam Lúcifer como chefe hierárquico, cita o exemplo de Spina (século XV)

para o qual cada ser humano além do anjo da guarda tinha um demônio pessoal

que o acompanha ao longo da vida, o mesmo ocorria com as cidades e castelos.

A classificação por função dos espíritos do Mal emprestava ordem e coerência à

demonologia, além, de servir de justificativa para perseguições às possíveis

heresias, que apareciam como respostas alternativas frente o discurso ortodoxo.

Inegavelmente no Cristianismo as heresias adquiriram suma importância, este

termo derivado do grego hairesis denotava escolhas entre diversas filosofias,

originalmente, e para gregos, judeus e romanos não pressupunha conotação moral.

Foi a partir do século VI que heresia passou a ser definida como desvio da doutrina

cristã, creditado a ação do Diabo. Por essa lógica a Inquisição adquiriu coerência e

legitimidade, visto que os opositores da Igreja, que representava o poder de Deus

na Terra, só poderiam representar o Diabo. (LINK, 1998)

Referências ao Diabo, para Link (1998), sempre significaram referências aos

oponentes. O Diabo não tem rosto, seu rosto é do concorrente. Enquanto

historicamente Cristo tornou-se individualizado expressando todos os rostos, com

exceção da luxúria. O Diabo raramente aparece individualizado, mesmo que

judeus, sarracenos e hereges o fossem, por isso, o anti-semitismo foi tão constante

na arte cristã. Produto do seu tempo, sem caráter ou forma definitiva,

“O Diabo é uma extraordinária mistura de confusões. Satã é uma criatura da teologia, da ideologia e política práticas e de tradições pictóricas estranhamente ligadas. O soberano do Inferno, o anjo rebelde, a contrapartida de Miguel na pesagem das almas e o perverso micróbio provocador [...] Sem uma iconografia fixa, o Diabo pôde ser Godzilla, um Pã desvirtuado, uma peste peluda, com ou sem asas, com ou sem chifres, com ou sem cascos fendidos, feroz ou cômico. Uma vez que o Diabo podia ser tanto um micróbio quanto um anjo caído, como poderia ter um rosto? Não poderia pois não era um caráter, era apenas uma abstração [...]” (LINK, 1998, p. 193).

Na mesma perspectiva Muchemblet (2001) analisa a mudança da imagem do Diabo

no final da Idade Média. Mudança derivada da imaginação popular e dos monges.

O Catolicismo conquistador intensifica sua imposição, transformando Satã num

mito obsedante. A partir da construção do Maligno, paulatinamente, elaboraram um

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corpo de doutrinas mais próximos do imaginário do povo, atribuindo-lhe um novo

sentido, até desembocar na produção de um arquétipo humano de Mal Absoluto,

traduzido na figura da feiticeira e da teoria de sabbat. E, que foi colocada em

prática pela Inquisição (a partir do século XIII), por sucessivas gerações resultou na

mudança de percepção sobre a figura do demônio. Este se tornou tão distante

quanto Deus com o agravante de poder entrar nos corpos de seus adeptos

humanos.

A figura da feiticeira encarnava neste contexto o combate as heresias que a

ortodoxia religiosa queria extirpar (séc.XV). A Igreja concentrava, assim, em um

inimigo simbólico comum todas as práticas heréticas, que ao mesmo tempo

realinhava divergências internas e externamente expressava a legitimidade e a

ortodoxia dos grupos que se pretendiam hegemônicos. Dessa forma, não foi por

mera coincidência que a repressão à feitiçaria ocorreu mais intensamente nas

regiões européias de maior incidência de heresias e alvo de concorrência pelo

poder político e papal. Em Savóia, Suíça e Borgonha o Diabo estava solto ou em

outros termos as disputas pelas imposições de leis e do tipo de fé de cada grupo

“[...] neste corredor asperamente disputado, onde a imprensa havia nascido,

acentuando os antagonismos intelectuais, à espera de Lutero [...]” (MUCHEMBLET,

2001, p.62). O Renascimento também emerge com as novas idéias humanistas

delineando o confronto entre o velho e o novo.

3.1.5 O Diabo na Reforma Protestante: continuidades e rupturas

Nogueira (2002) ressalta que o início da Idade Moderna (século XVI) encontra uma

Europa permeada pelo medo aterrorizante do Diabo consolidando sua figura no

imaginário cristão cuja difusão foi dinamizada pela imprensa nascente. Muchemblet

(2001) acrescenta à importância da imprensa, as artes como vetor de circulação de

novas imagens de Satã, visto que as representações realistas do corpo humano

significaram uma verdadeira revolução cultural, tornando-se um desafio para a

religião.

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Embora persistisse a coexistência de duas imagens de Satã, a erudita e a popular.

O segundo derivando de tradições míticas não extintas, sendo, portanto mais

familiar e domesticável e, ainda um mecanismo de defesa ao medo dominante

expressado na cultura erudita, o clima de medo permanecia. A Igreja oficial

reforçava o terror através do discurso e dos esforços de evangelização com

sermões, caça às bruxas, missões, catequeses. Nem mesmo a Reforma

Protestante significou uma ruptura com a idéia de Diabo presente na época. Para a

Igreja o Diabo, nesta fase, foi dialeticamente necessário ao servir de substrato

ideológico no combate as heresias que emergiam contra a ortodoxia religiosa

vigente. Ademais justificava os esforços missionários no auge da colonização de

outros povos. (NOGUEIRA, 2002)

A confirmação de que o advento do Protestantismo não culminou no fim da caça às

bruxas encontra-se no fato de que os precursores da Reforma, Lutero e Calvino,

aprovaram a pena capital (1540), para feiticeiros e/ou hereges. Os protestantes

apoderaram-se do mito satânico desde o principio, perseguindo os hipotéticos

seguidores do Demônio. Assim, o medo do Diabo no segundo quarto do século XVI

teve forte impulso, remetendo-se às disputas pelo poder e as mudanças culturais

no interior das elites sociais,

“[...] A renovação diabólica se enxertou nesta trama [que] provinha de uma reorientação desejadas pelas igrejas [...] Uma espécie de competição se desenvolveu entre protestantes e católicos para provar que o demônio estava ainda mais ativo do que antes, devido aos pecados e aos crimes do inimigo religioso [...]” (MUCHEMBLET, 2001, p. 73).

A ênfase partiu dos protestantes que buscaram no Antigo Testamento argumentos

para demonstrar as astúcias do Diabo, desempenhando papel importante na

divulgação dos seus poderes, contando ainda com a imprensa para sua difusão. No

contexto do século XVI o mundo era visto como um campo fechado no qual se

travava uma luta feroz entre o Bem e o Mal, com o agravante de que o demônio

podia se esconder no corpo de pecadores, fundamentando ainda mais a cultura

moral religiosa: Deus tornou-se um terrível vingador. O Diabo foi transferido para o

centro da natureza humana tornando-se mais concreto, presente e temido.

(MUCHEMBLET, 2001)

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Nogueira (2002, p. 99) citando Lutero demonstra a percepção deste sobre o poder

do Diabo no mundo,

“Nós somos corpos submetidos ao Diabo, em um mundo onde o Diabo é o príncipe e deus. O pão que comemos, a bebida que bebemos, as vestimentas que usamos, até o ar que respiramos e todos os pertences de nossa vida corporal fazem parte do seu império”.

Muchemblet também destaca a crença de Lutero em demônios citando-o diversas

vezes em sua obra “Conversações à mesa” (1531-1546), afirmando que ele “adere

ao homem mais estreitamente que sua roupa ou que sua camisa, mais

estreitamente até que sua pele”. Nesse sentido não havia distanciamento em

relação ao universo mental da época. Para o pai da Reforma, Satã era concreto e

palpável, muito mais que um princípio condensador do Mal. Podia estar em tudo e

em todos,

“[...] Muitas vezes um ‘carrasco’ a serviço do Senhor, enviado para punir os pecadores, parecia-lhe capaz de agir em todos os momentos e sob múltiplas formas. Ele habitava o corpo dos hereges, dos revoltosos, dos usurários, das feiticeiras e até das velhas prostitutas, mas podia também aparecer como um anjo branco ou fazer-se passar por Deus. Ele assumia a forma de certos animais, leão, dragão, serpente, bode, porco, cão, lagarta multicor, papagaio, macaco de cauda longa e sobretudo moscas [...] difundia crenças populares a propósito do habitat preferido do demônio [...] Ele imputava à Satã a peste e considerava inúmeras doenças como devidas a seus esbirros em ação no corpo; era o caso dos loucos, dos sifilíticos, dos coxos, dos cegos, dos mudos, dos surdos, dos paralíticos [...]” (MUCHEMBLET,2001, p. 147).

Mas o acirramento desta concepção de um Diabo terrificante e de um Deus

vingador dinamizado pelos esforços pedagógicos da Igreja oficial e do

Protestantismo, culminaram no aparecimento de uma estética do Mal e do

Satanismo. Uma estratégia de convivência ou de defesa derivada da impotência

humana frente às desgraças materiais. O homem encontrava-se dividido, ao

mesmo tempo em que ansiava pelo Bem, interagia com o Mal a fim de encontrar

significado e sentido para o inexplicável. Simultaneamente o Satanismo adquiria

contornos de contestação ao controle religioso e, portanto social. No plano

individual a lógica de adoração ao Diabo ou uso de elementos ocultistas estava

associado a sua eficácia,

“[...] Práticas e cultos satânicos representam uma saída possível, seja para os arquetípicos problemas amorosos, para a obtenção de

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riqueza, da tão almejada saúde e felicidade, para os fins políticos ou então como uma forma de lazer que possa iluminar a monotomia de um cotidiano insípido e rejeitado [...]” (NOGUEIRA, 2002, p. 115).

A Reforma, então, referendou o poder do Diabo conferindo-lhe direitos e

magnitude, encerrado nos discursos religiosos que buscavam se legitimar na

desqualificação de qualquer crença desviante da mensagem que visava difundir,

não apenas àquelas relativas ao catolicismo, como também as interpretações dos

demais reformistas protestantes: pietistas, gnósticos, arminianos, etc.

O potencial explicativo da perenidade do Mal e do Sofrimento no discurso religioso

do protestantismo não declinou. Nesse contexto, o Diabo relaciona-se mais a ética

e a conduta moral de cada cristão, nas suas escolhas individuais. Todavia, jamais

perdeu seu lugar no sistema religioso visto que sua representação completa o

sistema. Nogueira resume bem esta questão ao citar Michelet para o qual banir a

existência do Diabo seria como negar a existência de Deus, assim,

“[...] Tocar o eterno vencido não é tocar o eterno vencedor? Duvidar dos atos do primeiro é a mesma coisa que duvidar dos atos do segundo, dos milagres que fez, precisamente para combater o Diabo. As colunas do céu têm os seu pé no abismo. O insensato que move essa base infernal pode queimar o Paraíso [...]” ( MICHELET APUD NOGEIRA, p. 106).

O desencantamento do mundo por uma visão mais racional certamente impactou a

noção de Mal na existência humana acrescentado novas fontes explicativas afora

aquelas encontradas na concepção religiosa, fazendo com que o Diabo passasse a

ocupar novos espaços na realidade social como, por exemplo, na filosofia e na

literatura. No século XVIII, como demonstra Muchemblet (2001) ele aparece mais

no mundo do mito e do simbolismo, na maior parte da Europa com exceção dos

países ibéricos. Longe das práticas sociais a interiorização do Mal retira do Criador

a imagem de indiferença, deixando-se de questionar a sua benignidade. E mais

medicina e ciência invadem o cenário do imaginário social dividindo com o

sobrenatural o conhecimento e sentido do mundo.

As racionalizações nos sistemas religiosos deslocaram o problema do Mal para a

esfera metafísica, mas sem excluí-lo, apenas realinharam sua posição no sistema

explicativo a fim de se adequarem as exigências de um mundo em mutação. Assim

no imaginário social dos séculos XIX e XX, o demônio estaria dentro do homem, na

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luta interna ditada pelo comportamento ético e na interpretação correta das

Sagradas Escrituras. A correção moral e a observância à doutrina aparecem como

barreiras à presença do Mal e, por conseguinte do Diabo na vida do cristão

protestante.

Alfredo Oliva (2005) destaca na formação discursiva sobre o Diabo entre os

protestantes clássicos a visão de que ele mesmo possuindo realidade ontológica e

personalidade só pode agir no homem quando este não observa a retidão moral e

os preceitos bíblicos e doutrinários. A possessão ocorre raramente estando

relacionada às falsas ideologias religiosas e ao mundanismo que leva ao pecado

contra Deus.

3.1.5.1 Diabo no imaginário pentecostal

Se nos séculos subseqüentes o Catolicismo e o Protestantismo retrocederam na

concepção de um Diabo presente no cotidiano, atribuindo-lhe uma condição

abstrata e metafórica naquilo que foi designado de teologia liberal. E que no caso

do Protestantismo clássico, trazia implícito a descrença na contemporaneidade dos

poderes do Espírito Santo, ou seja, da atuação do sobrenatural na história e na vida

cotidiana. O Pentecostalismo americano do século XIX ampliou novamente a

crença na figura do Diabo e no seu poder. Entre os pentecostais deste contexto

histórico e do século seguinte a crença no poder do Diabo sobre a humanidade se

fundamenta. Mitos, crenças e práticas de cunho mágico são engendrados para se

opor as ações demoníacas que acreditam estar presentes em todos os níveis da

existência humana. Nada é obra do acaso para estes fiéis, tudo encontra sentido.

Se algum acontecimento não pode ser explicado pela ação divina então sua causa

é demoníaca. (MARIANO, 1999)

Embora haja diferenças significativas nas práticas discursivas das Igrejas

Pentecostais clássicas e da segunda e terceira ondas, estas se referem mais a

ênfase dada à centralidade e ao poder de atuação do Diabo. Nas duas primeiras

vertentes o Diabo mesmo visto como ser pessoal não se apossa com freqüência

das pessoas, principalmente dos crentes. Nesta visão a correção doutrinária, o

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ascetismo e o sectarismo atuariam como armaduras contra o poder do maligno. O

fiel convertido a uma destas denominações estaria protegido da ação demoníaca

por meio da proteção do Espírito Santo, portanto, as possessões são raras e

restritas aos não crentes. (ALFREDO OLIVA, 2005)

3.2 SÍNTESE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DIABO NO

IMAGINÁRIO RELIGIOSO

O Diabo chega ao Brasil por meio dos colonizadores, a partir do século XVI, o

erudito com os jesuítas e o popular com o homem do povo, degradados e

aventureiros. Ao chegarem os jesuítas encontraram uma população local cuja

cosmovisão era permeada por espíritos soltos na natureza sendo cultuados e

temidos. A demonização das crenças indígenas foi imediata e os missionários

afirmavam que Satã andava solto por estas terras e os índios eram vistos como

povo do Diabo. O Diabo para barrar a evangelização agia intrepidamente

espalhando hóstias com o vento, enviando jacarés para virar as canoas, enfim, tudo

que atrapalhasse o andamento normal era considerado ação do Diabo. A obsessão

dos missionários era tanta que contribuíram como agentes da demonização

espalhando terror entre os índios que chegaram a morrer de puro medo do inferno.

(MARGARIDA OLIVA, 1997)

Duas questões se colocam neste processo de demonização, a primeira refere-se

ao estranhamento dos colonizadores ao se depararem com povos tão diferentes e

com uma natureza aparentemente selvagem e indomável. A segunda questão

remete-se ao próprio imaginário dos religiosos da Igreja e das autoridades coloniais

impregnado pela idéia de um Diabo príncipe do mundo, que na visão dos

representantes da Igreja deveria ser exorcizado independente da região geográfica

onde se encontrassem. No imbricamento destas questões a correlação entre as

crenças religiosas dos índios e a atuação do Diabo adquiriu status de realidade.

Além do que tanto a colonização quanto a evangelização tem a sua lógica

justificada, atribuindo legitimidade, pela via da demonização, à usurpação do

território que se pretendiam colonizar. (ALFREDO OLIVA, 2005)

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Souza citado por Alfredo Oliva (2005, p. 122-123) resume perfeitamente esta

transposição do imaginário europeu para terras tupiniquins,

“Tal imaginário desembocado em terras brasileiras, foi logo depositado sobre ameríndios aqui encontrados bem como suas manifestações sociais e religiosas. Os nativos, com suas naturais dificuldades, em absorver a mensagem de um império terreno absoluto e de sua versão celestial – um reino de Cristo – logo assumiram o papel de forças de oposição que, na leitura dos colonizadores e religiosos lusitanos, tinha por objetivo conspirar e lutar contra os ideais da mensagem cristã. Dentro dos padrões daquele imaginário tornavam-se portanto, parceiros das hostes infernais sob a batuta do arquiinimigo da Cristandade, o Diabo”.

Ao contrário dos jesuítas a parcela do povo que representava o conceito de Diabo

familiar, bruxas e feiticeiros, utilizava o Diabo e os demônios para resolução de

problemas de todo tipo a partir da magia. Houve interação com as crenças

indígenas e posteriormente com os cultos de origem africana, que para cá vieram

com a implantação do regime escravocrata. Margarida Oliva (1997, p. 94) na

análise da construção do conceito de Diabo brasileiro observa que,

“No Brasil, o imaginário religioso popular português se mesclou facilmente com o ideário religioso indígena e com o do escravo africano. A concepção mágica do mundo era praticamente a mesma. Os espíritos que intermediavam ente a divindade e a criatura humana eram aparentemente diferentes, mas tinham raízes comuns, fossem santos, Yurupari ou exus [...]”.

Para autora a interpenetração da espiritualidade branca, indígena e negra foi

encerrada num todo único simultaneamente multifacetado. Cita como exemplo os

rituais mágicos europeus e indígenas, patuás, bezenduras, adivinhações e outras

praticas, que atraiu para o país os visitadores do Santo Ofício, na incessante busca

por hereges. Estes inquisidores, por sua vez, contribuíram para disseminar a

representação do Diabo no imaginário do povo. Mas, que mergulhado no

sincretismo se abrasileirou, perdendo a arrogância e a lascívia, de anjo rebelde

transformou-se em “[...] o cão, coisa ruim, pé-de-cabra, canhoto, capeta, tinhoso,

exu [...]” (MARGARIDA OLIVA, 1997, p. 95).

3.2.1 Papel do catolicismo brasileiro na fundamentação do conceito de Diabo

Margarida Oliva em conformidade com as concepções que apontam no Brasil a

inexistência de um catolicismo oficial, cuja ortodoxia e cânones sejam seguidos a

risca, afirma que no país o que há são catolicismos populares dependendo do nível

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social e cultural dos adeptos. Derivado de fontes diversas entre elas africana

ameríndia e européia. Esta última trazida pelos portugueses colonizadores cujos

aspectos do imaginário medieval ainda são encontrados nas camadas populares

dos quais cita “[...] o fascínio do milagre, o gosto das promessas, procissões e

romarias, o penitencialismo e a benção [...] batismo e confirmação podem funcionar

como benção nesse sentido” (MARGARIDA OLIVA, 1997, p. 63).

Dessa forma, os estudos destacam o misticismo no qual as lendas e crenças

fatalistas permanecem aliadas as superstições e crendices construíndo um ethos

produzido e reproduzido no habitus religioso do catolicismo brasileiro. A relação

com o sagrado se efetiva pela mediação com uso de objetos, além de crenças

recorrentes como céu, inferno, purgatório, alma penada, demônio, pecado que

causam uma percepção de um sagrado envolvendo todos os aspectos do cotidiano.

Ademais, como analisado ao longo deste capítulo o Catolicismo desde seus

primórdios sempre foi essencialmente sincrético promovendo no decurso de sua

consolidação acomodações, demonização e apropriações do repertório mágico-

religioso das religiões com as quais interagiu ou concorreu, sendo fundamental na

construção de uma idéia de Diabo no imaginário dos cristãos. E, também dos não-

cristãos conforme será demonstrado em relação a Umbanda e os demais cultos

mediúnicos e afro-brasileiros. E, nas referências históricas ao Protestantismo e ao

Pentecostalismo vistos como manifestações heréticas sempre taxadas de seitas e

cujo objetivo é a desqualificação do discurso religioso e da eficácia simbólica

destas religiões.

A Igreja Católica mesmo retrocedendo nas perseguições e, posteriormente,

promovendo o ecumenismo e a tolerância entre os diferentes grupos, teve papel

primordial na construção de um conceito de Diabo que emerge, independente do

contexto histórico, na própria difusão de sua mensagem. Uma vez que, toda religião

encerra em seus simbolismos elementos ideológicos na construção de seus

axiomas, num cenário de concorrência pelos bens religiosos e soluções simbólicas

para as massas, a reprodução do seu simbolismo garante a reprodução no habitus

e no imaginário das concepções sobre o Diabo e sua perenidade, até mesmo

quando sua importância parece relativizada.

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3.2.2 Breve histórico das religiões africanas e mediúnicas e o lugar que ocupam na

construção do conceito de Diabo

Conforme Magnani (1991) ao se analisar as influências dos escravos na

religiosidade brasileira deve-se considerar a diversidade inerente a essas culturas

vindas de diferentes regiões africanas ao longo de três séculos. Religiões e mitos

diversificados compunham suas organizações sociais que foram reduzidas,

inclusive seus deuses, a um denominador comum: a escravidão. Este processo de

redução impactou os sistemas causando dissolução de suas estruturas religiosas,

transformando-os num conjunto uniforme cujo aspecto comum era a cor e a

servidão.

Tal redução traz implícito a artificialidade por não reproduzir a diversidade na

junção que empreenderam. No entanto, a confluência produziu quadros de

referências sociais possibilitando a conservação de crenças, tradições e línguas.

No contexto da escravidão encontros de cunho religioso eram proibidos, relegados

à condição de feitiçaria, mas aceitavam-se confraternizações profanas de danças,

batuques (nome dado as danças profanas e em alguns lugares designa os cultos

afro-brasileiros). Mas dado a falta de limites claros entre folclore e religião nestes

sistemas religiosos a eficácia da proibição deve ser questionada e considerada.

Simples folguedos serviam à manutenção de rivalidades e as danças podiam conter

evocações aos deuses tribais. Assim ressignificados, neste processo de

fragmentação as culturas conseguiam garantir sua preservação. (MAGNANI, 1991)

A contribuição da Igreja Católica neste processo de fragmentação/preservação

aparece na organização de confrarias, irmandades de “homens pretos” nas quais

as divisões tribais reapareciam em outro contexto. Enquanto o objetivo da Igreja era

a erradicação dos cultos “fetichistas” os escravos mantinham a partir de

reelaborações do culto oficial nas confrarias suas tradições usando, por exemplo,

os santos como disfarces para seus deuses;

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“Essa utilização de santos católicos como máscaras para o culto aos orixás tinham como base as características atribuídas aos santos, produzindo, assim, uma série de correspondências: Santa Bárbara, por exemplo, invocada como proteção contra tempestades, é associada com Iansã, orixá dos ventos e dos raios; São Jorge, montado num cavalo e subjugando o dragão com sua lança, servia para representar Ogum, orixá guerreiro e senhor do ferro; Nanã, considerado a mãe de todos os orixás, era cultuada sob o disfarce de Santa Ana, mãe da Virgem Maria, e assim por diante” (MAGNANI, 1991, p.15).

Assim, a tolerância oficial aos batuques, confrarias e nações configurou um espaço

de refúgio e contato transformador de tradições que em princípio desejava-se

extinguir. Com sucessivas apropriações e reelaborações as nações africanas

mantiveram seus cultos por meio de ressignificações ou estruturando-os num outro

sistema. Os exemplos abaixo são ilustrativos deste processo.15

a) Candomblés

O processo de transformação e preservação das crenças, mitos e tradições não se

deu no mesmo nível para todas as nações. O Candomblé que inicialmente

denominava as diversas danças dos negros de várias nações, tanto as profanas

quanto as sagradas teve seu significado redefinido, passando a designar os cultos

religiosos dos negros. Devido à dispersão territorial dois tipos de Candomblés

podiam ser encontrados: um ligado aos nagôs (sudaneses) e o outro denominado

Candomblé caboclo ou de Angola. (MAGNANI, 1991)

b) Macumba

A diferenciação por nações continuou no decurso da escravidão. Enquanto os

sudaneses dividiam-se entre seus Candomblés, os bantos possuíam a cabula.

Extremamente plásticos os bantos se apropriaram da estrutura dos cultos

sudaneses e alguns deuses das nações iorubas e juntamente com elementos de

outras crenças e rituais, como por exemplo, os caboclos catimbozeiros, práticas

mágicas dos europeus e dos muçulmanos e os santos do catolicismo, entre outros

deram origem a Macumba. Carneiro citado por Magnani (1991, p. 22) define o

termo Macumba:

15 Para maior aprofundamento da estrutura dos cultos afro-brasileiro e do kardecismo na análise de Magnani ver apêndice A.

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“Antes de dançar, os jongueiros executam movimentos especiais pedindo a benção dos cumbas velhos, palavra que significa jongueiro experimentado, de acordo com essa explicação de um preto centenário: ‘cumba é jongueiro ruim, que tem parte com o demônio, que faz feitiçaria, que faz macumba, reunião de cumbas’. O jongo, dança semi-religiosa precedeu, no centro-sul, o modelo nagô. Como o vocábulo é sem dúvida angolense, a sua sílaba inicial talvez corresponda à partícula ba ou ma que, nas línguas do grupo banto, se antepõe aos substantivos para a formação do plural, com provável assimilação do adjetivo feminino má.”

c) Kardecismo

Derivação do nome de Allan Kardec, poeta celta, kardecismo foi adotado pelo

teórico da doutrina, o francês Leon H. Rivail (1804-1869). Pode ser definido como

um sistema filosófico-religioso cujo substrato é a junção da concepção hinduísta do

karma (crença em reencarnações) e a comunicação entre vivos e mortos. No plano

especificamente religioso trabalha o postulado de um Deus inacessível ao homem

pelo seu distanciamento, os espíritos dos mortos ao contrário estariam mais

próximos e sua missão seria a de ajudar a humanidade na expiação de faltas

passadas e na sua evolução.

Na sua vertente mais corrente o universo é hierarquizado em planos diferenciados

conforme a posição na escala evolutiva que parte de um plano inferior próximo à

matéria até um plano superior da suprema perfeição espiritual. Inserido na lei da

evolução só que nesse caso interiorizado em cada ser tem implícita a idéia de

ascensão espiritual:

“Neste ordenamento evolutivo, a Terra ocupa um dos mais baixos escalões: é o lugar onde campeia o mal, sob a forma de vícios, ignorância, sofrimento, doenças. Mas a Terra é também o lugar de expiação: pelo sofrimento os seres podem purificar-se, redimir-se de suas culpas e ascender em busca da perfeição. O Mal, assim, é ao mesmo tempo sinal de imperfeição e condição de sua superação: adquire inteligibilidade na medida em que se articula ao movimento de um sistema mais amplo. Só pode ser pensado por oposição ao bem, que no ápice da escala comanda o processo evolutivo” (MAGNANI, 1991, p. 23 - 24).

No Brasil o aspecto religioso teve maior expansão, embora existissem correntes

mais racionalistas voltadas para teorizações a respeito do sobrenatural. Por outro

lado a vertente popular pouco se dedicou as teorizações do sobrenatural, mas em

contrapartida enfatizou sua atuação por meio de incorporações “[...] dos

desencarnados nos médiuns, trazendo aos adeptos palavras de consolo, livrando-

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os dos eflúvios maléficos e oferecendo lenitivos para seus males físicos e

espirituais” (MAGNANI, 1991, p. 24). Dessa forma os aspectos mágicos foram mais

relevantes.

Entre os desencarnados a presença de espíritos escravos e indígenas não era

incomum. Todavia, foram, progressivamente, perdendo seus aspectos

individualizantes para se constituir nesse culto em categorias genéricas de preto-

velhos e caboclos. Nesse processo denominado baixo-espiritismo, houve a

aproximação do espiritismo das concepções e dos cultos bantos dos antepassados

resultando numa integração nos quadros de referencia da macumba mais do que

nos quadros do espiritismo kardecista erudito.

d) Umbanda

Nas primeiras décadas do século XX surgiu no Rio de Janeiro um novo culto

inserido entre os cultos de possessão no qual o sobrenatural se faz presente pela

via do transe. Considerada essencialmente sincrética, a Umbanda contêm

elementos de várias religiões das quais apropriou, reelaborou e resignificou mitos, e

práticas rituais. Numa sessão de Umbanda pode-se perceber esta condensação,

“[...] No altar ou congá, encontram-se imagens de Cristo, Nossa Senhora, Cosme e Damião, São Jorge, ao lado de estatuetas de Buda, Iemanjá, índios, ciganos, pretos-velhos e, mais dissimuladas, representações que sugerem a figura do diabo [...] Rezam-se padres-nossos, ave-marias e invocam-se os orixás; os espíritos descem nos iniciados através do transe, provocados pelos toques dos atabaques, cantiga e sinais cabalísticos desenhados no chão: os pontos riscados [...] durante as cerimônias os médiuns tomados por seus guias, dançam [...] dão passes e conversam com os assistentes [...] A cor das roupas é predominantemente branca [...]” (MAGNANI, 1991, p. 12).

A Umbanda deriva-se, então, de um duplo movimento: apropriação de elementos

de cultos, ritos e valores religiosos populares presentes na macumba, baixo

espiritismo e Candomblé; e da reinterpretação e ressignificação destes elementos,

pela lógica do kardecismo, numa nova estruturação daquelas práticas mágico-

religiosas num novo discurso, e que pela institucionalização almejava espaço e

legitimação social.

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Com a expansão veio a visibilidade e a busca por espaço e legitimidade na

estrutura social. Mas devido ao seu processo de apropriação e reelaboração de

elementos heterogêneos nem todos legitimados, tornou-se alvo de críticas da Igreja

Católica, instituições médicas e cientificas, da imprensa e da policia. Todos os

discursos tendiam a desqualificar os aspectos que no seu processo de estruturação

a Umbanda procurou descartar, como por exemplo, sacrifícios de animais e outros

considerados demasiados primitivos. Nos argumentos de um cardeal católico têm-

se acusações de fetichismo, herança africana e indígena, denominada

genericamente de macumba e acusações de magia negra. No discurso médico a

associação da religião com o aumento dos casos de doenças mentais entre os

adeptos e de curandeirismo e charlatanismo, acusações que cabiam a polícia

averiguar.

Para se defender os umbandistas reafirmaram suas praticas e as bases científicas

de sua doutrina e rituais e buscaram proteção jurídica na institucionalização. Em

seu conjunto enfatizaram as práticas assistencialistas pautadas no preceito da

caridade considerada o cerne de sua doutrina. (MAGNANI, 1991)

O processo de apropriação e reelaboração numa nova estrutura como foi o caso da

Umbanda não se deu sem conflitos. Além dos ataques da imprensa, Igreja e outros

setores da sociedade, resistências internas foram comuns. A depuração de certos

elementos dos cultos afros e indígenas operada pelos primeiros umbandistas

usando como filtro o espiritismo kardecista foi considerada uma deturpação por

alguns membros, que acusa na atualidade a presença de uma onda de

mistificação. Além de sugerir no seu processo de formação a demonização

daqueles cultos a partir de estereótipos já presentes no imaginário religioso de seus

adeptos engendrados em sua maioria no catolicismo.

e) Quimbanda

A Quimbanda foi o que restou da Macumba original após a reinterpretação operada

pela Umbanda que eliminou os aspectos considerados muito primitivos e associou

seu principal espírito Exu a demônio, na busca pela legitimação de sua doutrina. Na

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Quimbanda, Exu, pertencente à mitologia nagô, é o elemento representativo da

energia vital que movimenta o universo, para o qual se presta culto e nos rituais

dedicados a ele são realizados trabalhos ou oferendas com sacrifícios de animais,

vísceras, cabelos, etc. Quimbanda então foi definida em relação à Umbanda pela

oposição direita/esquerda. Na primeira, de esquerda, os espíritos são considerados

como pertencentes ao reino das trevas ou do Mal, ocupando posição inferior na

hierarquia evolutiva. Na Umbanda, de direita, ao contrário os espíritos são de Luz

ou do Bem. (MAGNANI, 1991)

Nesta breve síntese pôde-se observar que as perseguições aos cultos indígenas,

afro e, posteriormente, o espiritismo e o kardecismo, remontam à sua própria

constituição histórica num Brasil que durante séculos mesclou religião e política.

Igreja e Estado, primeiramente, depois um ou outro revestiu-se de práticas,

discursos e saberes elitistas, fundamentados no etnocentrismo, no evolucionismo

positivista e nos preconceitos culturais e raciais para legitimar e justificar as

perseguições e a demonização destas religiões. (MARIANO, 1999)

3.3 A HORA E A VEZ DA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: RESGATE DO

DIABO

Até este ponto da análise pôde-se confirmar que a demonização é um mecanismo

histórico de construção de ortodoxias religiosas. E, também, um instrumento de

legitimação de discursos diversos que concorrem entre si, no interior do campo

religioso. Desde sua fundamentação o Cristianismo, e depois a Igreja Católica,

sistematizou, conceituou e configurou o Diabo a fim de sancionar sua ortodoxia. No

decurso da expansão outras religiões cristãs, que foram surgindo, se apropriaram

da idéia do Diabo como dispositivo ideológico que desqualifica a mensagem das

concorrentes na busca pelo monopólio do sagrado. E, ainda, como produtor de

significado e sentido para o problema do Mal e do sofrimento.

Atualmente, o mesmo processo tem sido conduzido pelas denominações

neopentecostais, principalmente a IURD, considerada protagonista desta

demonização. O alvo novamente são os cultos denominados mediúnicos, como a

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Umbanda, Candomblé e suas vertentes, Espiritismo kardecista e demais religiões

esotéricas. O acirramento das perseguições, em meado dos anos 80, relaciona-se

com a visão doutrinaria que concede centralidade à figura do Diabo e sua ação

sobre o mundo e, por conseguinte, ao exorcismo, que serve de substrato ao seu

discurso e proselitismo. Remete-se, ainda a construção por parte desta Igreja de

uma identidade própria num universo religioso pluralista e aos seus objetivos

expansionistas.

O Diabo na visão de mundo da IURD aparece como eixo explicativo de todos os

males cotidianos numa aproximação com a perspectiva teológica encontrada na

Idade Média e inicio da Idade Moderna. Nessa medida a idéia de demônio,

possessão e exorcismo presente em sua teologia e doutrina estabelece relação de

continuidade com o imaginário constitutivo do universo religioso brasileiro.

De acordo com Mariz (1997) nesta visão os demônios são seres espirituais

configurados negativamente com força superior a dos homens, só perdendo em

poder para Deus. São seres atuantes neste mundo podendo ser vislumbrados e

reconhecidos e podem aparecer sob as mais diversas formas. Cita o exemplo

coletado em sua pesquisa, no qual um pastor identificou, durante um culto de

libertação, a figura do Diabo numa radiografia de abdome, creditando a ele a

responsabilidade pela doença. Afora as constantes acusações aos cultos afro-

brasileiros, esotéricos e espíritas de ligação com o demônio. Nas pregações da

IURD o Diabo sempre está presente.

Edir Macedo (2005, p. 26 – 27 - 28), fundador e teólogo da IURD, em seu livro

“Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios” condensa a visão sobre o Diabo,

sua atuação no mundo e define sua configuração,

“[...] Os demônios [...] são espíritos sem corpos [...] sempre na história da humanidade satanás arranjou um jeitinho para entrar no corpo do homem e usa-lo [...] Os demônios atuam [também] desde as seitas mais primitivas vindas da África até os salões da sociedade moderna. Atuam também nas religiões orientais e nas ocidentais ligadas ao secretismo [sic] Vivem procurando penetrar até mesmo nas religiões cristãs onde têm conseguido algum resultado. Perturbam, destroem ou se apossam das pessoas, causando os maiores malefícios possíveis, pois são demônios, mensageiros de satanás”.

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Macedo (2005, p. 28) afirma, ainda, que os Demônios são espíritos revoltados, pois

perderam o posto de mensageiros de Deus,

“[...] querem fazer o possível e o impossível para verem as outras criaturas de Deus perdidas e sem a imagem do seu Criador. Eles (os demônios) não podem fazer nada contra Deus, mas podem tocar nas Suas criaturas [...] Movidos por uma inveja muito grande dos seres humanos, que foram criados menores que eles e acabaram por tomar suas posições, os demônios desencadeiam uma feroz luta contra os homens, desejando aproveitar-se destes e levá-los a destruição, a fim de cumprirem seus intentos malignos, o que, quase sempre, implica em um total afastamento de Deus, e na conseqüente submissão a eles”.

Dessa forma a IURD fundamenta seus preceitos teológicos na concepção dualista

de que o mundo está dividido entre o Reino de Deus e o Reino do Diabo, no qual

se estabelece uma guerra cósmica pelo domínio da humanidade. Dessa forma

todos os acontecimentos do mundo material aparecem como reflexo e

conseqüência da luta entre Deus e o Diabo no mundo espiritual. No entanto a luta

não se restringe apenas a Deus e ao Diabo e seu séqüito, o homem pelo livre

arbítrio participa do embate ao lado de Deus ou do Demônio, dependendo de suas

escolhas. (MARIANO, 1999)

Na construção de sua dogmática assinala que a IURD tem como missão libertar as

pessoas dos Demônios através do Evangelho de Jesus Cristo e do poder do

Espírito Santo. Este trecho demonstra sua crença em demônios que são

relacionados aos deuses das religiões não-cristãs. Assim reafirma a existência,

“[...] Devemos, entretanto, afirmar, de início, que eles existem. São espíritos sem corpos, anjos decaídos, rebeldes que atuam na humanidade, desde o princípio, com a finalidade de destruí-la e afastá-las de Deus. Esses anjos decaídos têm enganado os homens há milhares de anos. Nas religiões mais remotas, tais quais o vedismo, o bramanismo e o hinduísmo (2000 a. C.), já se encontram evidências, ora repudiados como verdadeiros demônios, ora adorados como deuses. Tanto nas religiões hindus, egípcias ou babilônicas, quanto nas nativas da África e outras regiões, os demônios tem sido evitados ou adorados” (MACEDO, 2005, p. 13 – 14).

Macedo segue demonstrando que no Brasil a adoração ao demônio teve origem no

sincretismo religioso do brasileiro no qual se misturaram práticas religiosas

diversas,

“[...] Houve, com o decorrer dos séculos, um sincretismo religioso, ou seja, uma mistura curiosa e diabólica de mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo, que criou ou favoreceu o desenvolvimento de

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cultos fetichistas como a umbanda, a quimbanda e o candomblé” (MACEDO, 2005, p. 13).

Dessa forma em nosso país os demônios são adorados,

“[...] em seitas como vodu, macumba, quimbanda, candomblé ou umbanda, os demônios são adorados, agradados ou servidos como verdadeiros deuses. No espiritismo mais sofisticado, eles se manifestam mentindo, afirmando serem espíritos de pessoas que já morreram (médicos, poetas, escritores, pintores, sábios, etc.). Se fazem também passar por espíritos de pessoas da própria família dos que se encontram nas reuniões quando são invocados para “prestar caridade” ou receber uma “doutrina” (MACEDO, 2005, p. 14).

Macedo então descreve os deuses destas religiões e os rituais dos adeptos para

adorá-los ou para receber graças,

“No candomblé, Oxum, Iemanjá, Ogum e outros demônios são verdadeiros deuses a quem os adeptos oferecem trabalhos de sangue [...] Na umbanda, os deuses são orixás, considerados poderosos demais para serem chamados a uma incorporação. Os adeptos preferem chamar os “espíritos desencarnados” ou “espíritos menores” (caboclos, pretos-velhos, crianças, etc.) para os representantes e, a estes, obedecem e fazem os seus sacrifícios e obrigações. [...] Na quimbanda, os deuses são os exus, adorados e servidos no intuito de alcançar alguma vantagem sobre um inimigo ou alguma coisa imoral, como conquistar a mulher ou o marido de alguém, obter favores por meios ilícitos, etc. [...] No kardecismo e nas demais ramificações espíritas ou espiritualistas, os demônios se apresentam como espíritos evoluídos ou ainda em evolução, que precisam de doutrina. Na maioria desses cultos, eles são invocados para prestar caridade, seja transmitindo mensagens que vão “iluminar” os adeptos. Existem grupos espiritualistas que lidam com os espíritos (demônios) por intermédio da mente ou de práticas experimentais de meditação, transmigração e coisas assim. Alguns desses demônios chegam a afirmar que são moradores de outros planetas, com uma função espiritual na Terra” (MACEDO, 2005, p. 14 - 15).

E se propõe a mostrar que na realidade estes deuses e espíritos são demônios e

de como eles precisam de um corpo para se manifestar:

“Os exus, os pretos-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os “santos” são espíritos malignos sem corpo ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo. Por isso, procuram o corpo humano, dada a perfeição de funcionamento dos seus sentidos. Existem casos em que, por força das circunstâncias, eles chegam a possuir animais para cumprir seus intentos perversos [...]” (MACEDO, 2005, p. 16).

Afirma que o demônio é:

“[...] uma personalidade; um espírito desejando se expressar, pois anda errante procurando corpos que possa possuir para, através deles, cumprir sua missão maligna. Os orixás, caboclos e guias, na realidade, nunca fazem bem [...] Exigem obediência irrestrita e ameaçam de punição aquele

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que não estiver andando “na linha”. Vivem castigando seus seguidores e não têm bênção alguma para dar. Pessoas bem intencionadas e religiosas passam anos e anos acreditando de todo coração nos poderes dos orixás e dos pretos-velhos” (MACEDO, 2005, p.16).

Nestas religiões, para Macedo, existe uma trama diabólica na qual as pessoas são

ameaçadas pelo medo. Mas os demônios são desmascarados nos cultos de

libertação da IURD. Sempre fundamentado por trechos bíblicos, Macedo demonstra

que Deus proíbe aos homens consultas aos espíritos e feiticeiros e, por

conseguinte aos cultos mediúnicos,

“[...] A Bíblia condena todas as práticas da umbanda, do candomblé e do espiritismo de um modo geral. Tanto no Antigo Testamento quanto no Novo, encontramos versículos bíblicos, mostrando a desaprovação de Deus a essas práticas enganosas e diabólicas” (MACEDO, 2005, P. 18).

Assim, somente aqueles que estão ao lado de Deus, na IURD (ou das igrejas

neopentecostais) são revestidos de autoridade e poder concedido por Deus, para

em nome de Cristo, rebater o Mal. No outro extremo estão os cultos mediúnicos

representantes do Diabo neste mundo, visto que através deles os demônios

conseguem se materializar e atuar. Dessa forma credita a responsabilidade pelo

Mal e ação do Diabo no mundo aos deuses e espíritos dos cultos afros e não-

cristãos e os transforma em inimigos “[...] A partir disso, o combate à macumba, aos

exus, guias, pretos-velhos e orixás tornou-se um de seus principais pilares

doutrinários [...]” (MARIANO, 1999, p. 115).

Embora os demais evangélicos, de todas as vertentes, demonizem os cultos

mediúnicos numa apropriação do temor presente no imaginário em relação à

macumba, a feitiçaria, a magia negra e reproduzam os preconceitos relativos aos

cultos afro-brasileiros, existe na IURD uma exacerbação. Tal centralidade é

reveladora do aspecto ideológico que permeia a dogmática desta igreja na sua

busca pela hegemonia de seus axiomas e do simbolismo com os quais pretende

demarcar sua identidade, daí a intransigência não apenas com as religiões citadas.

A IURD além de desqualificar as religiões afro-brasileiras, kardecista, católica,

estende este mecanismo às outras do próprio ramo pentecostal. O objetivo é a

posse total dos bens de salvação e da legitimidade bíblica e para tanto recusam a

teologia das demais pleiteando o poder e o status que tais símbolos conferem aos

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seus portadores. A negação do outro legitima a posse e definição dos axiomas

religiosos que conduz à salvação. (MARIANO, 1999)

Assim duas questões se colocam, primeiramente, qual substrato simbólico

fundamenta a teologia da IURD e lhe permite construir seu discurso pela via da

demonização. E segundo por qual dinâmica a demonização se efetiva.

3.3.1 Teologia do domínio, teologia da prosperidade: fundamentos teológicos da

IURD

A luta entre o Bem e o Mal, ou melhor, a guerra entre Deus e o Diabo fundamenta a

teologia da IURD. Sem o Diabo não existiriam infortúnios e milagres. Esta visão de

um Diabo presente e atuante em todas as esferas do cotidiano constituiu-se a partir

da releitura de trechos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento e com o

pensamento religioso medieval e moderno, como demonstrado nos tópicos

anteriores. Naquele período o Demônio ocupava lugar central entre Católicos e

Protestantes na construção de suas teologias. Visão que se estendeu aos

pentecostais baseados na crença de contemporaneidade do Espírito Santo,

extensivo aos seus adeptos que em nome de Jesus poderiam expulsar demônios e

promover curas e milagres. Inclusive nesta concepção doenças e injustiças em sua

maioria tem causas demoníacas.

Mesmo que os pentecostais da primeira e segunda ondas tenham retrocedido na

concepção de um Diabo quase onipotente, devido a noção de que os crentes estão

sob a proteção divina pelo simples fato de professarem a doutrina pentecostal em

nenhum momento deixaram de acreditar no poder do Diabo sobre o homem. Eles,

também, tendiam a identificar o demônio com as religiões mediúnicas e católica,

pela crença em outros deuses e oculto aos santos considerado como idolatria.

(MARIZ, 1997)

Mas na IURD como assinala Mariano o Diabo é onipresente, visão esta que se

insere numa vertente mais ampla denominada Teologia do Domínio que emerge

nos meios cristãos dos EUA, nos anos 80, e na qual se desenvolveu conceitos

totalizantes sobre a guerra dos cristãos com o Diabo. Nesta concepção a luta é

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travada contra demônios específicos denominados espíritos territoriais e

hereditários. Tais demônios são “[...] Considerados demônios de alta posição na

hierarquia satânica, os espíritos territoriais estão distribuídos pelo Diabo para agir

sobre áreas geográficas (bairros, cidades, países), instituições e grupos étnicos,

tribais e religiosos [...]” (MARIANO, 1999, p. 137).

Edir Macedo defende, a partir desta perspectiva, não apenas a contemporaneidade

do Espírito Santo, como também a do demônio, que nesta concepção é um ser a-

histórico. Desde a Antiguidade adquiriu várias configurações e atuam em qualquer

região geográfica, sendo assim, segundo Macedo os negros africanos:

“[...] trouxeram com eles as seitas animistas e fetichistas que permeavam seus países de origem na África. Aqui, encontraram muita afinidade por parte dos índios que tinham também uma forma de religião semelhante, onde os espíritos dos mortos eram consultados e onde se faziam trabalhos para agradarem aos desencarnados ou deuses em seus rituais, ora folclóricos, ora macabros. Para evitar atritos com a Igreja Católica, os escravos que praticavam a macumba, inspirados pelas próprias entidades demoníacas, passaram a relacionar os nomes dos seus deuses ou, para ficar mais claro, demônios, com os santos da Igreja Católica. Assim, podiam escapar à grande perseguição que a própria Igreja Católica moveu contra eles, após a libertação dos escravos, por praticarem tais cultos” (MACEDO, 2005, p. 44).

Por essa razão os nomes usados pelos demônios, que na visão de Macedo são os

Orixás e as entidades do panteão afro-brasileiro, coincidem com a dos santos da

Igreja Católicas,

“[...] Na umbanda, por exemplo, São Jorge representa Ogum; a Virgem Maria representa Iemanjá; a Santíssima Trindade representa demônios como Zambi, Oxalá e Orixalá. Basicamente, eles são os exus (espíritos atrasados) ou orixás, que afirmam ser adiantados” (MACEDO, 2005, p. 45).

Por esta lógica existe a crença num domínio diabólico sobre os seres humanos

destes grupos sociais e a libertação depende da guerra espiritual a fim de restituir a

Deus a posse do ser humano. Idéia antiga que pode ser encontrada no século XV

quando Alphonsus de Spina, teórico da Igreja já fazia tentativas de estabelecer o

número das hostes malignas, definir a hierarquização, função e território de atuação

dos demônios. Afirmava, ainda, que cada ser humano tinha um demônio pessoal

que o acompanhava por toda vida, da mesma maneira que fazem hoje em dia os

adeptos da teoria dos espíritos hereditários.

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Os espíritos hereditários ou de geração relacionam-se com as maldições familiares.

A IURD adepta desta concepção crê que todo indivíduo, cuja família em alguma

época teve contato com idolatria, espiritismo ou práticas religiosas anti-bíblicas traz

consigo uma maldição originada por demônios herdados. A libertação implica em

renunciar ao pecado ancestral e as ligações demoníacas e “quebrar”, através do

poder de Deus acionado em cultos de libertação, tais maldições. Para Mariano essa

idéia objetiva explicar fenômenos recorrentes ou que fogem a dinâmica normal

familiar como alcoolismo, prostituição e vícios, que podem ser encerradas neste

discurso de maldição hereditária. Todo e qualquer comportamento desviante ou

acontecimento excepcional pode ser significado por esta crença. Além de deslocar

as explicações de suas causas da ética para o transcendental com o mesmo

ocorrendo com problemas sociais históricos relativos às desigualdades intrínsecas

da nossa sociedade. Mariano cita a fala de um defensor da crença como ilustração,

“‘Foi através da genealogia de Caim que as armas vieram a existir, as guerras se espalharam na terra e os homens tornaram-se violentos’, diz Robson Rodovalho, especialista em guerra espiritual. Para ele, “nossa sociedade aceita com naturalidade as favelas, os menores abandonados nas ruas e um salário mínimo tão absurdo” por causa da ‘mentalidade’ dos escravocratas dos quais ‘estes princípios que estão impressos em nossas estruturas sociais’ e em ‘nossos genes’ (MARIANO, 1999, p.140).

Mariano destaca que nessa concepção o Diabo é enfatizado como princípio

explicativo do Mal, da falta de ética e problemas sociais. Dessa forma abre um

parêntese para discutir a questão da ética e da culpa (resultado de escolhas) nesta

religião. Observa que mesmo tão moralistas quanto suas precedentes a IURD (e

demais igrejas neopentecostais) não destaca o livre-arbítrio, ou seja, as escolhas

éticas que derivam em Bem/Mal. Quando transgridem normas são atingidos por

males e sofrimentos seus fiéis são colocados na posição de vítimas do Diabo, pela

própria condição pecaminosa que lhes é inerente.

São vulneráveis, pois não estão ainda sob o “poder de Deus”, assim, a libertação

está condicionada à proximidade maior ou menor com Deus. Mais a tentação é

constante, justificando inclusive crimes pelos quais os praticantes não se sentem

responsáveis, visto que estavam possuídos por demônios.

Afinal estão sob jugo demoníaco que interfere em todos os parâmetros da

existência,

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“[...] Responsável pelo mal, incessantemente o inimigo tenta, oprime, possui, escraviza e aflige suas vítimas com sofrimentos físicos e psíquicos. O príncipe deste mundo está sempre em posição de ataque. Dita e delimita ação divina posterior realizada para reverter suas obras, Deus vem em seguida para exorcizar, curar, acudir e abençoar aos que caíram nas garras do Diabo [...]” (MARIANO, 1999, p.146).

Num círculo incessante que se fecha e se refaz, a luta eterna condiciona e significa

todos os problemas humanos entre os quais saúde e prosperidade são os mais

recorrentes.

Associada à Teologia do Domínio, a IURD, também se inscreve na corrente

teológica denominada Teologia da Prosperidade na qual a concepção de ascetismo

e sectarismo foram reavaliadas. A partir dos anos 70 adentra nas igrejas

neopentecostais uma visão contrária àquela comumente encontrada nas

Pentecostais de que o sofrimento a miséria e as injustiças só poderiam cessar no

plano espiritual. Prosperidade material e os valores do mundo ganham novos

significados sugerindo maior acomodação à sociedade de consumo na qual as

demandas das parcelas em busca de ascensão social pudessem ser atendidas. A

teologia anterior centrada no distanciamento do mundo material e dos valores

terrenos encontra seu limite. (MARIANO, 1999)

A Teologia da Prosperidade emerge nesse contexto de mudança para responder os

questionamentos sobre a realidade daqueles dogmas religiosos. Numa

reinterpretação dos ensinamentos e mandamentos do Evangelho, a nova doutrina

se encaixou perfeitamente às demandas e trouxe junto uma visão ritualística para

solução de problemas financeiros e satisfação de desejos de consumo, de

superação da miséria e entraves tanto dos mais pobres quanto daqueles mais

afortunados. Para camadas sociais desfavorecidas acenava com promessas de

superação e para os mais privilegiados economicamente justificava e legitimava

sua condição e seu modo de vida.

As novas interpretações bíblicas da Teologia da Prosperidade concediam a

justificativa necessária contrapondo-se à noção anterior que apregoava à renúncia

ao materialismo. O mundo terreno aparece, então, como lócus da felicidade,

prosperidade e abundância na realidade dos fieis que são herdeiros e têm direito às

promessas divinas. A sociedade de consumo adquire legitimidade divina.

(MARIANO, 1999)

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Mas a consolidação desta doutrina levou cerca de 30 anos, surgida na década de

40 nos EUA, influenciada por variadas concepções sendo resultado da combinação

sincrética de distintas tradições religiosas, práticas esotéricas e paramédicas. Entre

elas Mariano destaca o princípio da reciprocidade encerrado na máxima “é dando

que se recebe” defendida pelo televangelista norte-americano Oral Robert, que em

seus programas prometia retorno financeiro até sete vezes maior para aqueles que

colaborassem com ofertas. E a Confissão Positiva que reside na crença de que os

cristãos “[...] detém poder – prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício

vicário de Jesus – de trazer à existência, para o bem ou para o Mal, o que

declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta. [...]”

(MARIANO, 1999, p. 152-153).

Baseado no livro de Gênesis entre outros, seus defensores afirmam que Deus criou

o mundo por meio da palavra. Assim sendo palavras proferidas com fé têm o poder

de criar realidade visto que compelem Deus à ação. Esta noção concede novo

sentido à fé. Os seguidores dessa doutrina crêem que o sacrifício de Jesus libertou

o homem do pecado original e das maldições da lei de Moisés – enfermidade,

pobreza e morte espiritual e que as promessas de Deus a Abraão e seus

descendentes como, por exemplo, saúde e riqueza material são para a vida

terrena. Nesta visão um pacto é estabelecido com Cristo e a fé determinada

verbalmente é o elemento fundamental para conseguir a benção:

“[...] Pela fé, os cristãos podem possuir tudo (desde que não conflite com a moralidade bíblica) o que determinarem verbalmente em nome de Jesus. Saúde perfeita, ou cura das enfermidades, prosperidade material, triunfo sobre o Diabo, uma vida plena de vitória e felicidade, ‘direitos’ do cristão anunciados na Bíblia, figuram entre as bênçãos mais declaradas por eles. Para obter tais bênçãos, o fiel deve possuir uma fé inabalável, confessar a posse da bênção, observar as leis da prosperidade, ou o que Mauss (1974), no ‘ensaio sobre a dádiva’, nomeia de ‘princípio da reciprocidade’, popularmente conhecido no Brasil pela expressão ‘é dando que se recebe’” (MARIANO, 1999, p. 154).

Mariano (1999) ressalta que confessar na Teologia da Prosperidade não é pedir ou

suplicar. Os cristãos devem decretar, exigir, determinar sempre em nome de Jesus

a fim de se apossar da benção sua por “direito”. Antes devem crer a priori que tais

bênçãos já foram concedidas mesmo que não tenham se concretizado no plano

material.

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Caso a graça não seja alcançada a explicação é imediata. O não recebimento de

bênçãos e milagres e da perenidade dos males é responsabilidade dos homens, do

Diabo e dos demônios. Ou os fiéis foram pouco hábeis na confissão de fé, devido à

falta da mesma, por possessão demoníaca ou por ter pecado. Ou ignoram seus

direitos à determinação de bênçãos uma vez que estão presos à velhas teologias.

O elemento mágico está presente nesta concepção em duas vertentes. Caso se

concretize, o fiel manipulou adequadamente as forças sobrenaturais. Do contrário,

a responsabilidade recai na sua própria inépcia e falta de fé.

Os teólogos da Prosperidade enfatizam a necessidade de se crer mesmo frente a

demora e de se insistir na determinação quanto tempo for necessário. Ressalta que

muitas vezes,

“[...] aquilo que é confessado não se torna realidade imediatamente. Explicam ao fiel que, embora o objeto de sua confissão ainda não tenha se concretizado no mundo material, é dever do cristão, de antemão, orar agradecendo a Deus pela posse da bênção confessada, como se fosse aplicação metódica de uma fórmula mágica, uma vez que no mundo espiritual ela já foi concedida. Além de agradecer, ele deve agir como se já tivesse recebido a bênção, ainda que todas as evidências indiquem o oposto” (MARIANO, 1999, p. 156).

A dúvida é apontada como inimiga da vitória já que cria uma confissão negativa que

abre as portas para o demônio agir.

Em solo brasileiro a Teologia da Prosperidade adquiriu especificidades dentro da

IURD e em outras denominações neopentecostais. No discurso foram enfatizados

um ou outro aspecto da doutrina em consonância com as tradições já

fundamentadas no imaginário cristão dos adeptos. A IURD está entre aquelas que

assimilam a ênfase na prosperidade financeira e na adoção, por exemplo, da

crença de que o objetivo divino é a saúde, prosperidade e bênçãos às suas

criaturas. E que estes aspectos dependem da fé, ou seja, a prosperidade financeira

está diretamente relacionada ao cumprimento do que diz a Bíblia sobre as

promessas divinas. Aqueles que não cumprem os ditâmes bíblicos carecem de fé

estando envolvidos, direta ou indiretamente, com o Diabo, desnecessário dizer que

o compromisso com Deus só se efetiva, plenamente, em sua denominação. A

posse de bens materiais e vida sem sofrimentos confirmam a espiritualidade dos

fiéis. (MARIANO, 1999)

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As críticas a esta visão centram-se em razões teológicas como a defesa da

Confissão Positiva que implica em mudanças na relação com Deus. Ao invés de

pedir seus adeptos exigem, determinam, decretam. Outro ponto possível de

controvérsia é a orientação que estimula os fiéis a “dar (dinheiro) para receber

(bênçãos)” (MARIANO, 1999, p. 158), visando aumentar o número de dizimistas e

de recursos. Alvo de acusações de estelionato, charlatanismo e exploração da fé

dos mais humildes.

Os defensores da Teologia da Prosperidade defendem que o pecado original

implicou numa quebra da aliança dos homens com Deus que se tornaram escravos

do Diabo. Para recompor a aliança Deus enviou seu Filho à cruz para a redenção

dos homens. Mas só isso não foi suficiente para que Deus voltasse a ser “sócio dos

homens”. Além do sacrifício na Cruz, Jesus passou por outra provação ao derrotar

o Diabo no próprio inferno, ou seja, no seu território. Assim o pacto foi restabelecido

e ao homem cabe o pagamento do dízimo, obrigação dada por Deus e que consta

na Bíblia. Para Macedo Ele é o “sangue da Igreja” – e junto à determinação verbal

garantem o direito à abundância nesta vida. (MARIANO, 2005)

Macedo como defensor dessa visão, aparado por trechos bíblicos (Malaquias 3.10 -

12), por exemplo, correlaciona prosperidade ao dízimo e ofertas e argumenta que,

“[...] devemos dar o dízimo de tudo o que nos vier às mãos; quer seja do salário bruto, quer seja da venda da casa [...] dos juros de qualquer investimento financeiro; da herança; enfim, de todo o dinheiro que nos vier às mãos [...] se a pessoa não der o dízimo que não pertence ao senhor, é problema dela com Deus [...] é claro também que os que são fiéis nos dízimos têm o privilégio de exigir de Deus, cumprimento da em suas vidas e, obrigatoriamente o senhor tem que cumpri-la” (MACEDO, 2003, p. 116 - 117).

Segundo Mariano a Teologia da Prosperidade subverteu o ascetismo pentecostal

garantindo prosperidade material, poder terreno sobre o sofrimento e a pobreza que

se tornam sinônimo de falta de fé. O pilar das religiões de salvação desmorona

nessa concepção. Não mais a redenção após a morte, pelo contrário afirmam que

Jesus veio ao mundo para redimir os pobres da pobreza e aos doentes realizar a

cura. Tudo está na Bíblia, Deus deseja a prosperidade de seus servos. Os

verdadeiros servos de Deus são e têm que ser prósperos. O que ocorria

anteriormente era influenciado pelo Diabo que impedia o acesso às bênçãos e

promessas divinas:

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“Essa teologia está operando e promovendo forte inversão de valores no sistema axiológico pentecostal. Faz isso ao enfatizar quase que exclusivamente o retorno da fé nesta vida, pouco versando acerca da mais grandiosa promessa das religiões de salvação: a redenção após a morte. Além de que, em vez de valorizar temas bíblicos tradicionais de martírio, auto-sacrifício, isto é, a “mensagem da cruz” – que apregoa o ascetismo (negação dos prazeres da carne e das coisas deste mundo) e a perseverança dos justos no caminho estreito da salvação, apesar do sofrimento, das injustiças e perseguições promovidas pelos ímpios contra os servos de Deus -, a Teologia da Prosperidade valoriza a fé em Deus como meio de obter saúde, riqueza, felicidade, sucesso e poder terrenos. [...]” (MARIANO, 1999, p. 158).

Nesta ótica Deus está totalmente comprometido e sem escolhas. Está preso as

promessas bíblicas. Na sociedade estabelecida cabe ao homem pagar o dízimo,

exercer a fé em Deus e na palavra e confessar as bênçãos publicamente. Quanto a

Deus, está comprometido com suas promessas entre elas, derrotar o Diabo e

conceder bênçãos para prosperidade. No contrato Deus tem direitos e deveres

semelhante aos homens, que conscientes de seus direitos podem exigir o

cumprimento de suas determinações.

3.3.2 Dinâmica da demonização e a guerra santa

A centralidade atribuída aos demônios na IURD implica na necessidade de

configuração dos mesmos. Semelhante aos primeiros teólogos do Catolicismo e do

Protestantismo Histórico que conferiam às religiões concorrentes identidade

diabólica nas acusações de heresia e de culto ao Diabo, resumidos na figura da

feiticeira e dos deuses pagãos. O Diabo e seu séqüito são agora configurados e

assimilados aos deuses das religiões mediúnicas, não cristãs e ao próprio

Catolicismo com seu culto aos santos relegado à condição de idolatria. Nesse

sentido a IURD reinterpreta num novo contexto as funções e o papel do Diabo no

mundo atual a partir da apropriação da idéia de uma figura que personifica o Mal

absoluto e que pode ser identificado por meio do conceito de possessão.

A IURD, nesse sentido, se coloca na linha de frente no combate ao Diabo

revelando seus disfarces, objetivos e modo de atuação. O inimigo se concretiza nas

demais religiões que no cenário religioso concorrem entre si pelo monopólio de

soluções sacrais e dos bens de salvação. O objetivo é a soberania sobre o mundo

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material e sobre os homens que são fruto da criação divina. A possessão é o canal

de atuação que os demônios utilizam para se expressar no mundo físico.

Macedo define em seu discurso a representação de um mundo terreno sob

influência da esfera espiritual na qual a guerra entre Deus/demônios se realiza e

se manifesta concretamente,

“Essa luta é renhida e, embora não andemos atrás dos demônios, eles andam à nossa procura para nos afastar de Deus. São inimigos d’Ele e do ser humano; daí a necessidade da luta. Essa luta com satanás é necessária para podermos dar o devido valor à salvação eterna, pois não há vitória sem luta!” (MACEDO,2005, p. 33).

Na concepção de Macedo sua Igreja tem a missão de libertar as pessoas do Diabo

e seus demônios por meio do Evangelho de Cristo e do poder do Espírito Santo. E

com o propósito de alertar a todos contra o demonismo que se disfarça sob o

manto de religiões afro-brasileiras, espíritas e até cristãs pretende demonstrar

como nestas religiões os demônios usam as pessoas para os seus objetivos. A

maioria delas não tem consciência de que estão ao seu serviço,

“A pessoa, muitas vezes sem ter noção, já abriu a sua vida para a atuação dos demônios; se entregou ao diabo e passa a ser mais uma de suas vítimas. Uma vez participante dessas falsas seitas, a hierarquia começa a ser seguida. Filha-de-santo, mãe-pequena, mãe-de-santo, babá, e por aí vai. O apelo também é à vaidade de cada um, e a cada ‘promoção’ a pessoa vai mais e mais trabalhando para o diabo, sendo usada pelos demônios [...] Tanto no “alto” espiritismo como no “baixo”, seja lá qual for o rótulo usado, a pessoa é encaminhada sorrateiramente até envolver-se totalmente com o mundo dos espíritos. Umbanda, quimbanda, candomblé, kardecismo, Bezerra de Menezes, esoterismo, etc., são apenas nomes de seitas e filosofias usadas pelos demônios para se apoderarem das pessoas que a eles recorrem, ora buscando ajuda, ora por mera curiosidade” (MACEDO, 2005, p. 37).

Dessa forma, desqualifica pela demonização o sistema simbólico destas religiões

que se fundamentam na intermediação entre o mundo natural e transcendental pela

via de incorporação de espíritos. Afirma que mediunidade é uma farsa demoníaca a

exemplo da serpente do Jardim do Éden, que nada mais era do que o Diabo

disfarçado a fim de levar ao pecado original. Para ele os adeptos da Umbanda,

Quimbanda e Candomblé e outras formas de espiritismo são possessos. Define

possessão como estado no qual as pessoas são possuídas por espíritos, isto é, por

demônios. Para ele nestas formas de cultos os espíritos se dizem deuses (orixás) e

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outros se dizem desencarnados. Os desencarnados podem ser qualquer pessoa

morta a meses ou séculos. (MACEDO, 2005)

Os demônios disfarçados nas mais diversas seitas usam nomes diferentes para

serem adorados a fim de possuir as pessoas,

“Essa é uma maneira de os demônios enganarem muitas pessoas. No espiritismo kardecista, por exemplo, que é normalmente freqüentado por pessoas de nível social mais elevado, os demônios se apresentam como espíritos de pessoas que morreram e precisam de doutrina, ou como espíritos que estão habitando outros planetas e vêm pregar suas mensagens na Terra. [...] Dizem também serem vultos do passado, como Napoleão, Dr. Fritz (médico alemão), rainha Elizabeth da Inglaterra, etc. Usam a psicografia para transmitir suas mensagens do além e atuam nos meios de científicos como se fossem grandes cientistas. Na realidade são demônios. No meio de pessoas ignorantes e leigas, se manifestam como exus, caboclos ou guias.[...] Nos terreiros de macumba há uma grande mistura, embora os espíritos neguem, de kardecismo com umbanda, quimbanda, etc. A Nova Era, por exemplo, envolve todas a manifestações espíritas com o esoterismo; o espiritismo de mesa se assemelha ao espiritismo de terreiro e, este se mistura com aquele” (MACEDO, 2005, p. 46).

Além das religiões mediúnicas os demônios podem estar disfarçados em outras

denominações não cristãs,

“Nas seitas orientais como Hare Krishna, Perfect Liberty, Igreja Messiânica e outras, pode se dar o caso de seus adeptos não manifestarem demônios, mais isso não quer dizer que tais pessoas não estejam endemoninhadas [sic]. Há demônios que não se manifestam. Agem na surdina, ficando disfarçados nas mentes, muitas vezes religiosas, das pessoas” (MACEDO, 2005, p. 53).

No caso da Igreja Católica os demônios usam os santos para se expressarem e

serem cultuados e Edir Macedo estabelece a identificação a partir dos malefícios

causados por eles e os nomes dos santos católicos. No caso da epilepsia estaria

associada a

“Omulu, por exemplo, que se intitula rei da calunga ou do cemitério, é um dos grandes responsáveis por esse tipo de enfermidade. Da mesma forma, pessoas que sofrem de feridas e chagas que os médicos não conseguem curar e ficam anos com as pernas feridas, normalmente são possuídas por esse demônio que é associado a São Lázaro, da Igreja Católica” (MACEDO, 2005, p.47).

A possessão aparece então com modus operandis do Diabo para se manifestar

neste mundo e Macedo aponta as maneiras com ela se efetiva:

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1 - Hereditariedade, nesse caso os pais freqüentaram religiões mediúnicas “[...] Em

muitos casos, um espírito foi o ‘senhor’ do corpo do pai ou da mãe que faleceu e

procura agora se apossar do filho ou da filha para continuar a sua obra maligna”

(MACEDO, 2005, p. 39);

2 - Pela participação direta ou indireta em centros espíritas “[...] quando alguém

visita um lugar infestado de demônios, corre o risco de sair contaminado também, a

menos que esteja preparado para tal [...]” (MACEDO, 2005, p. 39 - 40);

3 - Por trabalhos ou despachos “[...] Inúmeros trabalhos e despachos são feitos

pelos adeptos da feitiçaria com o intuito de atingir um inimigo. [...] Tanto no vodu

como nas demais ramificações do espiritismo que se atêm a tal prática, não se

pode negar a realidade diabólica dos efeitos desses trabalhos” (MACEDO, 2005, p.

40);

4 - Por maldade dos próprios demônios para demonstrar poder “[...] Existem

demônios que se dizem responsáveis pelas encruzilhadas e vivem à espreita dos

que passam por ali para deles se apossarem” (MACEDO, 2005, p. 40 - 41);

5 - Por envolvimento com pessoas que praticam o espiritismo, como aquelas dos

locais de trabalho, vizinhança, escolas que freqüenta religiões demoníacas. O

contato com eles transmite influências demoníacas “[...] Na cultura popular

brasileira, são bem conhecidas expressões como: mau-olhado, quebranto [...] pé-

frio, azarado, etc. Essas expressões traduzem de alguma forma um sinal de

possessão por demônios” (MACEDO, 2005, p. 41);

Macedo cita que expulsa demônios até de crianças devido ao contato que elas,

através dos pais, têm com rezadeiras e benzedeiras “[...] Dessa maneira tiveram

suas vidas oferecidas a esse ou aquele demônio que passa a perturbá-los e os

acompanha, se possível, até a morte” (MACEDO, 2005, p. 41 - 42);

6 - Por comidas sacrificadas a ídolos “[...] Quase todas essas baianas são filhas-de-

santo que ‘trabalham’ a comida para terem boa venda. Algumas pessoas chegam a

vomitar as coisas que comeram, mesmo que isso tenha sido há muito tempo”

(MACEDO, 2005, p. 42);

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7 - Por rejeitarem a Cristo “[...] Quando uma pessoa [...] rejeita a Cristo, não

querendo a Sua proteção e não se colocando sob Suas mãos para receber as Suas

promessas, está colocando a sua vida, quer acredite nisso, quer não, à disposição

de satanás e seus anjos” (MACEDO, 2005, p. 43).

No processo de demonização o Diabo se configura e mostra seu poder de atuação

em todas as esferas da existência. Dessa forma problemas materiais, emocionais,

mentais, de saúde e outros encontram lógica e significado na ação dos demônios.

Macedo faz esta correlação por meio da assertiva de que todo aquele possuído

pelo demônio tem alguma doença física ou mental e lista os sintomas mais

freqüentes resumidos em dez sinais de possessão, na mesma dinâmica dos

exorcistas da Idade Média. Os sinais seriam:

1 – Nervosismos “[...] O nervosismo é um estado patológico caracterizado por

distúrbios do sistema nervoso. Os demônios também se alojam no sistema nervoso

do homem, daí poderem dominá-lo completamente [...]” (MACEDO, 2005, p. 64-65);

2 – Dores de cabeça constantes “[...] quando se trata de dores de cabeça

constantes, podemos garantir que na grande maioria dos casos há possessão”

(MACEDO, 2005, p. 66);

3 – Insônia, nesse caso o espírito se aloja na mente “[...] Normalmente, quando

uma pessoa é oprimida pelo demônio, ela tem nervosismo, dores de cabeça e

insônia. A insônia freqüente é um dos maiores males de possessão por espíritos

demoníacos. [...]” (MACEDO, 2005, p. 67 - 68);

4 – Medo, também é obra dos espíritos. Essas pessoas procuram, então, se livrar

do medo com consultas a horóscopos, pós, medalhas, rosários, imagens e todo tipo

de amuletos “[...] Muitos vivem obrigados ao uso de guias, vestimentas especiais,

turbantes, pulseiras, colares e anéis que são verdadeiros cabrestos que os espíritos

impõem a eles, seus fiéis ‘cavalos’ [...]” (MACEDO, 2005, p. 68);

5 – Desmaios ou ataques “[...] Outra característica da pessoa possessa são os

constantes desmaios [...] Existem até demônios especialistas em ataques. Omulu

[...] é um dos que causam ataques, desmaios ou ataques epiléticos” (MACEDO,

2005, p. 68 - 69);

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6 – Desejo de suicídio, para Macedo todos aqueles que pensam em suicídio são

endemoninhados “[...] Quando alguém chega a cometer suicídio é porque já foi

atormentado demais pelos demônios. O triste é que tais pessoas se matam para

descansar e, no entanto, vão passar a eternidade juntas com os mesmos [...]”

(MACEDO, 2005, p. 70);

7 – Doenças que os médicos não descobrem as causas;

8 – Visões de vultos ou audição de vozes;

9 – Vícios;

10 – Depressão. (MACEDO, 2005)

Pessoas que apresentam alguns destes sinais normalmente manifestam algum

demônio. Ele vai mais longe, ainda, ao afirmar que germes e bactérias vivem

graças a uma força demoníaca, denominado espírito da enfermidade;

“Existem demônios que têm prazer em se apossar de um germe e atuam no corpo de uma pessoa para fazer-lhe mal. Não é de estranhar que, ao falarmos ao demônio alojado no estômago, na garganta ou em qualquer outra parte para que saia, a pessoa após estremecer fique curada” (MACEDO, 2005, p. 61).

O mesmo princípio se aplica às doenças mentais “[...] Podemos afirmar que nem

todo doente é endemoninhado [sic]; entretanto, afirmamos, com certeza, que todo o

endemoninhado [sic] é doente. Quando não o é fisicamente o é espiritualmente [...]”

(MACEDO, 2005, p. 61).

Da mesma forma que o Catolicismo do inicio do século XX, para Macedo (2005) o

espiritismo, como canal de atuação dos demônios em todas as suas vertentes, é

uma fábrica de loucos e a causa de todos os problemas sociais do Brasil.

Assim desqualificadas pelo discurso da IURD, Macedo por meio da demonização

defende o poder da sua Igreja no combate aos demônios. As demais como o

espiritismo e suas ramificações, as religiões orientais, disseminam demônios com

seus cultos. As que se denominam cristãs como o Catolicismo, Protestantismo e

Pentecostalismo colaboram para sua permanência no mundo, na medida em que

se preocupam mais com teologias e doutrinas, permitindo a atuação dos demônios

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em seu interior. Nesse sentido acusa suas co-irmãs de não aderir à luta contra as

hostes demoníacas por estarem ligadas ao racionalismo ou aos usos e costumes e

não a palavra de Deus conforme a Bíblia. Define então a Igreja de Cristo,

“O apóstolo Paulo afirma que a Igreja é um corpo, cuja cabeça é o Senhor Jesus. Logo, não existe igreja fraca, a não ser sob o ponto de vista organizacional, onde encontramos comunidades realmente carentes do conhecimento do poder de Deus. Algumas se preocupam com tantos pormenores que parecem não ter campo para exercitar a autoridade que Jesus conferiu aos Seus seguidores; outras conhecem o poder de Deus teoricamente, através de estudos e palestras, sem o colocarem em prática” (MACEDO, 2005, p. 121).

As outras pentecostais estariam presas por um demônio denominado exu-tradição

uma vez que seus “[...] membros não se alistam no combate contra as potestades e

passam a se preocupar com jogos, passatempos, diversões ou, no outro extremo,

com as ‘vestes dos santos” (MACEDO, 2005, p. 122).

Macedo (2005, p. 122), então, rompe com a visão de que os crentes estariam

protegidos pela conversão do poder do Diabo e exalta a capacidade de sua Igreja

em combater o Demônio, que nesse sentido contribui para legitimar seu discurso,

“Temos certeza de que o Espírito do Senhor nos tem dirigido, razão pela qual estamos pisando na cabeça de satanás. Em nossas reuniões, os demônios são humilhados e até mesmo achincalhados, numa prova de que o Senhor está conosco. As pessoas são libertas e se transformam em novas criaturas de Deus”.

Conforme Mariano (1999) inicialmente a IURD elegeu como principal alvo o

Catolicismo com ataques diretos ao clero pela mídia. As acusações de idolatria e

responsabilidade pelas desigualdades sociais, que chegou ao limite com o episódio

do “chute à santa” por um dirigente da IURD. Posteriormente os ataques se

estenderam aos cultos afros e espíritas e na sua expansão acabou atingindo todas

as religiões num cenário de pluralismo religioso, naquilo que denomina de

pedagogia guerreira.

De acordo com Mariz (1997) a demonização de todos os aspectos da realidade,

efetivado pela IURD, rompeu com o policentrismo do Mal presente no catolicismo

popular e nas religiões mediúnicas. Nelas entre Deus e os Demônios existiriam

seres espirituais capazes de atenuar os seus malefícios. Ademais o conteúdo

fortemente sincrético, também, garantiria a relativização do Mal absoluto que

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produz e reproduz o discurso iurdiano. Daí a ruptura operada pela IURD que ao

colocar o Diabo como eixo constitutivo de sua ortodoxia luta pela sua legitimidade,

“[...] No caso do Brasil, a manutenção da ortodoxia religiosas parece ser um dos mais importantes papéis da ênfase no demônio (de fato, é o mais importante no livro do Bispo Macedo, já citado). Talvez isso ocorra pela concorrência das religiões afro-brasileiras e também pela necessidade de se opor à sua tendência sincrética, tendência esta compartilhada pelo catolicismo popular, cujos os fiéis tendem a misturar crenças, símbolos e a freqüentar simultaneamente os rituais dos diferentes grupos religiosos” (MARIZ, 1997, p. 52).

Na eterna guerra entre Deus/Diabo, como assinala Birman (1997), a IURD na

demonização que empreende significa e explica o Mal na referência que faz aos

infortúnios dos adeptos e na demarcação dos autores, ou seja, o Diabo e seus

demônios, configurados como espíritos e divindades dos cultos mediúnicos Assim

ser atingido pelo Mal e combatê-lo faz parte da própria ordenação do mundo, mas

que pode “[...] será eficazmente resolvido através da intervenção divina, por

intermédio de ações de purificação ritual” (BIRMAN, 1997, p. 69).

A libertação dos demônios seria, então, o objetivo desta guerra que tem como

protagonistas a IURD versus Religiões Mediúnicas ou Deus/Diabo. Todavia, a

demonização destas religiões tem como contrapartida o reconhecimento da sua

eficácia religiosa implicando muitas vezes na apropriação dos seus elementos

simbólicos e da sua visão de mundo. Nesse sentido, são legitimados no conflito,

pois seu discurso tem que aparecer como real, do contrário não poderia ser

combatido “[...] isto é, os crentes acreditam piamente que os demônios existem,

agem neste mundo e se passam, entre as muitas formas que assumem, pelos

deuses e entidades das religiões mediúnicas [...]” (MARIANO, 1999, p.127).

Assim, a libertação do Mal por meio de rituais concede ao exorcismo papel central

no universo simbólico da IURD que estabelece uma relação necessária com a

cultura da possessão e com seus sistemas simbólicos.

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3.4 SIMBOLISMO RELIGIOSO DA IURD: APROPRIAÇÃO E REINTERPRETAÇÃO

DOS ELEMENTOS SIMBÓLICOS DAS RELIGIÕES DEMONIZADAS

A IURD constrói seus dogmas através da relação de proximidade tanto com Deus

quanto com o Diabo a partir da redefinição que opera pelo processo de

demonização e desqualificação das doutrinas das demais religiões cristãs e não

cristãs. Tanto um quanto o outro encontram-se dentro do individuo, como

elementos constitutivos. O Diabo agora tem novas configurações e a materialidade

da guerra espiritual pode ser presenciada nos cultos de libertação realizados pela

Igreja.

A IURD em seus cultos invoca os Demônios relacionando-os aos deuses e espíritos

dos cultos afros e espíritas com a finalidade de exorcizá-los. Dessa forma, concede

a elas grande força diabólica ao mesmo tempo em que as legitima e reconhece a

existência de seus deuses. No que concerne aos adeptos independentes de sua

formação anterior: católicos, pentecostais de outras vertentes, ex-freqüentadores

de cultos mediúnicos, etc., redefinem a concepção de Diabo acatando a visão de

que eles atuam no mundo em detrimento do ser humano.

Assim, sendo, também reelaboram suas representações de Demônios associando-

os aos cultos mediúnicos. Em sua análise Birman descreve como as relações são

recorrentes e referidas na história de vida dos adeptos que acreditam que tem ou

podem vir a ter demônios:

“[...] As razões que nos são apresentadas variam: seja porque simplesmente desconfiam que possam ter algum espírito, embora jamais tenham tido qualquer prova; seja porque desconfiam que possuem espíritos de ‘nascença’; seja porque herdaram o espírito do pai ou da mãe, por ocasião da morte de algum deles [...] Em qualquer das circunstâncias, não há como conceber espíritos sem percebê-los como entes [cujo] desejo [...] na leitura destes religiosos é pois de ‘entrar’ e de permanecer ‘perturbando’ as pessoas [...] Os espíritos mais frequentemente mencionados [...] são aqueles que reconhecidamente ‘pertencem’ ao campo maléfico, na classificação dada pelos cultos de possessão [...] exus [...] Onde tem roubo e morte não é difícil imaginar a presença de um exu Tranca-Rua, de um exu Caveira [...] Onde existe conflito no casamento, ou separação tem-se a presença de pombas-gira [...]” (BIRMAN, 1997, p.71 - 72).

O mecanismo utilizado pela IURD, então, é a apropriação da linguagem e do

simbolismo das religiões demonizadas, por meio do que Mariano denomina de

inversão dos valores positivo/negativo que constrói seu significado. Nesse sentido,

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a IURD ressignifica o simbolismo religioso de suas concorrentes utilizando seus

elementos simbólicos num novo contexto: os cultos de libertação que podem ter

como objetivo o exorcismo, a cura ou a prosperidade uma vez que todo e qualquer

problema tem causa diabólica. Nestes cultos a invocação dos demônios visa a

identificação do seu nome e sua qualidade que são idênticos àquelas dadas pelos

sacerdotes e adeptos dos cultos mediúnicos. Quando identificados todos os males

e infortúnios são atribuídos a eles,

“[...] Resulta disso que essas igrejas dispendem grandes esforços para retirar encostos, desfazer inveja e olho-grande, libertar pessoas da feitiçaria, dos despachos de macumba, das possessões por orixás, guias e espíritos [...]” (MARIANO, 1999, p. 128).

Dessa forma na IURD, ao contrário das demais pentecostais que têm na glossolalia

o principal elemento distintivo de sua doutrina, elegeu o exorcismo, ou antes, a

possessão como aspecto constitutivo de sua identidade religiosa. Conforme Bonfatti

(2000) a principal razão estaria na continuidade com as representações que compõe

o imaginário religioso de seus adeptos. Bonfatti, citando Soares observa que

“[...] os pastores ‘acatam’ todo o panteão afro-brasileiro: falam com eles, dão credibilidade a sua existência. Seria bastante ineficaz chegar para uma pessoa que durante anos recebeu um determinado guia dizendo que tais coisas não existem. O que o pastor faz é mostrar que elas existem, mas que ele tem poder sobre elas [...] no momento em que o pastor invoca uma entidade ela se manifesta [...]. Esse poder é reforçado quando o pastor se mostra capaz não só de invocá-las mas também de fazê-las falar, confessar sua origem demoníaca e, por fim, numa prova de força, expulsá-las” (2000, p. 88 – 89).

Dessa forma, a possessão conecta-se ao individuo que traz em si a possibilidade

de re-atualizar a guerra cósmica que é constantemente dramatizada nos cultos

iurdianos.

A possessão, assim, aparece como uma das condições necessárias para que o

exorcismo possa existir. Enquanto nos cultos mediúnicos contém outro significado,

de elemento de mediação com o sagrado, no qual os espíritos se apossam dos

médiuns para a realização de curas, milagres e aconselhamentos. Na IURD a partir

da redefinição que empreende através da inversão positivo/negativo, estes

espíritos são convocados a se manifestar a fim de confessarem os malefícios e

infortúnios que costumam causar. Edir Macedo no trecho descrito abaixo não

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descarta a capacidade dos espíritos realizarem curas, mas denuncia uma trama

diabólica implícita:

“Aliás, isso acontece de maneira enganosa nos centros espíritas. Muitos aparentes milagres são feitos nesses lugares, da seguinte maneira: o demônio que está fazendo a pessoa ter dores horríveis na cabeça, ao receber um passe, sai da cabeça da pessoa. Aí, vem o engano. Aquele demônio não abandona a pessoa, mas passa a agir em outro local do corpo. É claro, que um demônio não expulsa outro; entram em um acordo de cavalheiros. Por isso, muitos que freqüentam os centros espíritas dizem que também foram curados dessa ou daquela doença. [...] Cada uma dessas pessoas será mais uma alma a serviço de satanás; mais uma a ser atraída pelos demônios, até que Cristo tenha lugar na sua vida e a liberte completamente das garras do diabo, e a transforme em uma nova criatura. Antes que isso aconteça, ela irá sofrer, muitas vezes, sem saber o porquê” (MACEDO, 2005, p. 63).

Em outra passagem esta visão é ratificada:

“Os demônios fazem de tudo para atrair e envolver o maior número possível de pessoas. Na ânsia satânica, anunciam que podem curar, resolver problemas, atrair prosperidade, libertar de algo ou alguém, realizar sonhos, etc. [...] A grande verdade a respeito das supostas curas e operações invisíveis feitas no espiritismo é a seguinte: para atrair uma pessoa, os demônios entram nela que, por não ter o revestimento cristão suficiente [...] Quando os demônios querem dominar por esse método, continuam causando doenças para fazerem a pessoa se submeter; quando não, a curam, deixando-a quase completamente boa. Digo quase porque, daí para adiante, entram na sua mente e no seu coração, que já foi conquistado pela “grande obra” supostamente realizada. [...] Muitas pessoas que têm chegado doentes às nossas reuniões saem curadas, após terem expulsado de suas vidas os exus, caboclos, orixás e todo tipo de demônios que habitavam nelas” (MACEDO, 2005, p. 87).

Daí a importância ritual da manifestação de espíritos nos templos da IURD, cuja

finalidade seria o de amarrá-los e exorcizá-los, concretizando de forma ritualística a

vitória de Deus. Nos cultos de libertação as manifestações são reelaboradas em

função dos rituais de possessão que devem ser realizados no interior dos templos.

“[...] da luta entre Satã e Deus, estreitamente associada à prática de possessão. Por intermédio destas práticas rituais, temos explícita a forma pela qual esta luta ocorre, como seus protagonistas se definem uns em relação aos outros, que tipo de ordem e de equilíbrio é possível alcançar entre eles. São dois os cenários de ocorrência: o primeiro, a igreja, com seus pastores, os fiéis e as pessoas possuídas; o segundo, o corpo de cada um, com seus espíritos e com a força de Deus e do Espírito Santo. Os dois cenários se duplicam, como se duplica no mundo a luta cósmica entre Deus e o diabo. Em cada corpo estas forças estão sempre em luta, e, em cada igreja, os espíritos de todos os tipos desafiam o poder de Deus” (BIRMAN, 1997, p. 73).

Birman em suas análises demonstra como as categorias manifestar e amarrar,

referidos na possessão, revelam a construção da representação da IURD sobre o

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eterno embate. Manifestar seria, então, a apresentação pública dos espíritos nos

possessos,

“[...] O espírito é suposto estar dentro da pessoa no sentido escondido, de prender-se indevidamente a esta sem que haja qualquer intencionalidade por parte de quem o guarda, no sentido de mantê-lo. Quando o espírito se manifesta, está, pois, revelando a sua presença contra a sua própria vontade – está sendo obrigado a apresentar-se diante daquele público e, sobretudo, diante do seu inimigo maior que é Jesus” (BIRMAN, 1997, p. 73).

Segundo Campos (1997) o termo exorcismo deriva-se do grego exorkismós cujo

significado seria afugentar, esconjurar pela invocação de uma divindade os

espíritos maus que habitam as pessoas, animais ou coisas. Mas ele só se realiza

num universo simbólico no qual a possessão seja constitutiva do imaginário

religioso,

“[...] O exorcismo é uma intervenção ordenadora de alguém, cujo poder é aceito como legítimo, ao mesmo tempo em que é também expressão de uma luta mais ampla, ao redor da submissão do ser humano a um tipo de poder. Exorcizar é libertar, mas libertar quem, e do quê?” (p. 337)

Na mesma perspectiva Margarida Oliva aponta que no possesso é um “outro” que

age indicando seu caráter de fenômeno social, dessa forma:

“ ‘A atividade do espírito maligno adapta-se ao espírito da época’. O Diabo depende inteiramente do contexto social para se manifestar numa pessoa. E se manifesta segundo a cultura, os costumes, as crenças do meio social. Algumas condições e atitudes gerais são necessárias, portanto, para que se manifeste a possessão. [...] a primeira condição é a crença na realidade de um poder ou de poderes sobrenaturais [...] A segunda é crer que estes poderes podem influenciar os negócios humanos e [...] ser influenciados por agentes humanos [...] a terceira condição é que aja algum tipo de apoio social [...]” (1997, p. 108 - 109).

As condições apontadas por Margarida Oliva (1997) estão presentes tanto entre os

dirigentes quanto dos adeptos da IURD, como revela a fala de Macedo ao explicar

a invocação dos demônios,

“Ao fazermos orações em favor daqueles que nos procuram, ordenamos, na autoridade que Jesus nos concedeu, que as entidades malignas abandonem seus esconderijos e venham até o lugar onde estamos. Isso tem dado resultado positivo, pois, em obediência à ordem, imediatamente se manifestam e são expulsas, para a glória do nome de Jesus. [...] Por que há necessidade de se fazer isso? É simples: os demônios são personalidades atuantes; têm vontade, intelecto e razão. Usam os corpos dos seres humanos para se expressarem por meio deles, mas existem individualmente; são seres espirituais. Para expulsá-los, conversamos com eles e lhes damos ordens em nome de Jesus, que também fez isso [...] Não há exus, caboclo, orixá, preto-velho, omulu, erê, nem qualquer força do

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inferno que possa resistir à nossa ordem quando dada em nome de Jesus. O diabo sabe disso e treme quando este nome é pronunciando com autoridade. Ele se amedronta quando encontra alguém que exerce a autoridade de Jesus. Os demônios caem de joelhos, os exus e Cia. rolam no chão e andam de joelhos se ordenarmos isso a eles!” (MACEDO, 2005, p. 125-128).

Dessa forma, o ritual de exorcismo segue uma seqüência padronizada “[...] A

seqüência do exorcismo feito diante da assistência é invariavelmente esta:

manifestação, controle do demônio, revelação do nome, de como entrou na pessoa,

dos males causados, humilhação e, finalmente, expulsão” (BONFATTI, 2000, p.

106).

Embora, diariamente, haja libertação de demônios, a IURD, normalmente, reserva

um dia específico para os cultos de libertação. A escolha, invariavelmente, segue o

calendário dos cultos mediúnicos, a exemplo da sexta-feira, que na Umbanda é

consagrado aos Exus, que descem nos centros para trabalhar ou serem doutrinados

(ver Apêndice A). A IURD segue a mesma seqüência e se apropria do simbolismo

da Umbanda invertendo seu sentido pela via da demonização.

Mariano (1999) em sua análise descreve a dinâmica da libertação durante os cultos.

Normalmente, ocorre durantes orações conduzidas pelos pastores. Os fiéis

acompanham de pé e com olhos fechados, uma das exigências do ritual. Enquanto

isso, os obreiros percorrem o templo atentos à potenciais manifestações

demoníacas. Frente a qualquer possibilidade ou sintomas como tremores, lágrimas,

mal-estar, os obreiros seguram o fiel pela nuca e ordenam que os demônios se

manifestem. Entre uma ou outra sacudidela não são incomuns os desequilíbrios e

demonstrações de privação de sentido, imediatamente significados como

possessão.

Diante dos virtuais transes os obreiros procedem ao exorcismo e nos casos mais

reticentes o possesso é levado para púlpito onde o pastor dramatiza o exorcismo e

reforça a eficácia simbólica do ritual. Num padrão repetitivo, após a manifestação, o

pastor realiza a entrevista com o espírito para que ele se identifique, desnecessário

dizer que os nomes são aqueles dos deuses e espíritos dos cultos mediúnicos. Na

seqüência ordena que ele revele os malefícios que tem causado no possesso.

Finalmente depois de demonstrar para a assistência seu poder sobre o demônio,

obrigando-o a cumprir seus ditames como, por exemplo, imitar animais, ajoelhar-se

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denotando submissão frente ao poder de Deus, eles são, então, expulsos.

(MARIANO, 1999)

Nos fiéis que manifestam tais espíritos, além da redefinição do significado simbólico

dos mesmos (de benéficos em seus cultos de origem para demoníacos na lógica da

IURD), existe o encontro de sentido para aqueles males e sofrimentos anteriormente

inexplicáveis. Birman confirma esta atribuição de sentido ao observar que na fala do

Diabo, que se apossa do indivíduo, durante o ritual, a reelaboração se efetiva visto

que legitima a demonização e significa a realidade, como demonstra o trecho abaixo

que reproduz entrevista realizada por ela,

“Quando os diabos se manifestam na igreja, o pastor pergunta o que é que ele está fazendo na vida daquela pessoa, e o diabo fala que está destruindo a vida sentimental daquela pessoa, que está botando vício na família da pessoa [...] Porque se for para manifestar, não tem jeito. O pastor põe a mão na sua cabeça e você manifesta na hora. Não adianta o medo, né. Ele fala: ‘Demônio, você que está escondido aí, se manifesta, sai desta vida!’ E aí não tem jeito [...] Você vê as pessoas manifestando e os demônios dizendo o que estavam fazendo e o que iam fazer na vida da pessoa. Eu estou cansado de ver. ‘Eu vou destruir a vida daquela pessoa. Eu vou destruir o filho dela. Aquela ali vai para a lixeira’” (D. MARIA entrevistada por BIRMAN, 1997, p. 74 - 75).

Todo o processo de ressignificação é revelado nas descrições dos cultos, realizadas

pelos autores ora citados, entre eles Mariano o qual descreve um ritual bastante

ilustrativo da IURD:

“Os fiéis cantam: ‘Tranca-Rua e Pomba-Gira fizeram combinação/ combinaram acabar com a vida do cristão/ torce, retorce, você não pode não/ eu tenho Jesus Cristo dentro do meu coração’. E mais esse corinho: ‘O nome de Jesus é poderoso/ não há quem possa derrotar/ o demônio sai, a doença sai/ quando o nome de Jesus vem operar’. Depois da oração, da manifestação e libertação de demônios, o pastor indaga quem está se sentido melhor. A maioria dos presentes levanta as mãos em sinal afirmativo. Nisso uma mulher há pouco liberta, novamente fica possessa, do modo característico, isto é, com os olhos fechados, corpo retorcido, emitindo ora grunhidos guturais, ora gritos histéricos, os braços voltados para traz e as mãos em forma de garra. [...] O pastor pergunta gritando, qual é o nome do demônio que a está possuindo. Vencida a resistência inicial, recebe a resposta, com a voz cavernosa de sempre: ‘Exu Capa-Preta’. Insolente, o Exu diz odiá-lo. O pastor, então, escarnece dele, dizendo estar tremendo de medo. Todos riem. O pastor o que Exu está fazendo na vida da possessa. Estou matando-a aos pouquinhos, responde ele. Segurando-a pelos cabelos, o pastor pergunta com qual doença ele a infligiu. Descobre que são várias as doenças que a acometem. Interroga também o marido da possessa, presente ao culto. Este menciona que são várias enfermidades, a elevada quantia gasta com remédios e hospitais, cita nomes de exames laboratoriais sofisticados e de médicos famosos e lamenta, apesar dos gastos e esforços, os pífios resultados conseguidos até então. Do alto da sua experiência com o fenômeno , o pastor diagnostica que o problema é de

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natureza espiritual. Em seguida, começa por retirar Lúcifer, rei dos demônios. Diante da resistência deste, persiste, agora com o auxílio dos fiéis que batem os pés no chão enquanto bradam ‘queima, queima,’ até o pastor amarrar Lúcifer, deixá-lo de joelhos e obrigá-lo a admitir, oralmente e por mais de uma vez, estar derrotado por Jesus. Depois de humilhá-lo, ordena a ele que retire todo o mal posto na fiel e desfaça os pontos. Pede para Jesus queimar o Lúcifer, o Capa-Preta, toda a legião de demônios e as enfermidades. ‘Queima agora’, esbraveja. Após a expulsão do Exu Capa-Preta, o pastor diz que ela está curada em nome de Jesus [...] Saciados com mais essa vitória de Jesus, todos cantam entusiasmados. Aproveitando o clima de regozijo, o pastor pergunta quem trouxe o envelope com ofertas” (MARIANO, 1999, p. 131 - 132).16

Outro exemplo encontra-se na narrativa de Margarida Oliva que em sua exposição

permite captar no discurso os mecanismos de desqualificação das mensagens

concorrentes, de afirmação de sua hegemonia e busca de legitimidade, além de

revelar sua visão de mundo. O culto ocorreu no ano de 1990, no dia 17 de agosto,

uma sexta-feira,

“[...] O pastor chega, cumprimenta e começa o canto: Eu vim buscar minha libertação / somente Deus me libertará / só Jesus me satisfaz / a sua graça ele vai me dar [...] segue outro canto: Eu confio em Nosso Senhor, com fé esperança e amor [...] Em seguida, de microfone em punho, andando de um lado para o outro no palco, começa a orar: Senhor, meu Deus e meu pai, em nome de Jesus, Cristo nós entramos na tua Santa presença, invocando o teu santo nome, ó Deus Pai para que teu poder, para que teu Espírito [...] Porque sabemos que teu Espírito é vivo e ele se faz presente quando te invocamos [...] Ah, meu Deus, nós precisamos de tuas luzes porque aqui na tua casa, no dia de hoje, pessoas cansadas, sobrecarregadas, pessoas que necessitam de libertação, meu Pai, e a sua palavra nos fala como fazer a libertação deste mundo. A tua palavra nos promete, Senhor, que através da oração, da fé, que tu expeles os demônios [...] A oração [...] termina com palmas e a assembléia repetindo as palavras do pastor: GRAÇAS A DEUS! Segue novo canto acompanhado de palmas: A unção de Deus chegou aqui / pode acreditar o mal tem que sair. E uma série de outros [...] As pessoas cantam animadamente, gingando o corpo. [...] A minha fé é poderosa / pela graça de Jesus / a macumba vai saindo / porque não resiste à cruz / Sai, sai, sai, em nome de Jesus [...] O pastor retoma a palavra [...] o pessoal vem e pega a oração forte, né? Porque nós vamos entrar no inferno daqui a pouco. A gente vem aqui pra ver Deus e vamos entrar no inferno? (ri) É verdade. É porque nós estamos no inferno. A verdade é que este mundo aqui é o inferno. Pois nós vamos ver: antes que o diabo nos consuma, nós vamos consumir ele. Porque se Deus está conosco, diabo nenhum, pode ter mais resistência do que nós. Amém? [...] Continua a pregação a partir de Fil 2, 6-11, explicando que a Igreja Universal vai levantar a bandeira: ‘Jesus é o Senhor’ [...] Explica que qualquer pessoa, invocando o nome de Jesus com fé, pode alcançar qualquer coisa, pode ajudar as pessoas, embora não seja sacerdote, nem padre, nem bispo, nem pastor, mas para isso a pessoa tem que ter a vida abençoada: De que adianta eu sair por aí falando de Deus e de Cristo se esse Jesus não está fazendo nada na minha vida? [...] Isso é hipocrisia [...] É por isso que nós fazemos uma corrente de libertação todas as sextas-feiras. Porque libertação, o próprio nome diz – libertar significa se livrar de tudo aquilo que não presta [...] são muitas as pessoas que trazem o demônios na sua vida. Trazem o demônio há muito tempo. Coisa de vinte anos! Ela já está

16 Mariano descreve um culto da IURD do bairro Santa Cecília, em São Paulo no dia 01/02/1989.

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tão acomodada com o demônio que na vida dela é normal ter o demônio. Porque ele não mata só. Ele vem ao mundo para matar, roubar e destruir [...] Quando você pensa que está prosperando, ele vem e destrói sua prosperidade [...] Ele vai te destruindo, ele destrói a sua vida sentimental. Quando você pensa que está bem na sua família, ele vem e mexe com seu ente querido. Ou mexe com você [...] A atitude do pastor, de modo geral, é de animador de auditório. Dependendo dos dotes especiais, os pastores estabelecem, uma comunicação ativa com a assembléia. A pregação continua com a explicação de como depois de roubar e destruir, tenta matar a pessoa quando ela descobre suas artimanhas: Aí a gente precisa que Deus nos proteja realmente! Daí porque nós orientamos as pessoas a procurarem à Igreja. Principalmente as pessoas que estiveram envolvidas com os espíritos. Mas, não só os espíritas não! Porque detrás das imagens também estão os espíritos. Amém? A Bíblia fala, a Bíblia condena as imagens, as esculturas, a adoração das imagens, seja ela qual for [...] E conta o testemunho dado, num programa de rádio, por uma senhora que tinha desde os 7 anos de idade, o dom de ter visões: Quando ela viu um casal, que ela tanto gostava, sendo destruído, ela foi a uma imagem. Foi pedir àquela imagem. E por ela ter visão, ela viu a imagem se transformar no diabo. [...] Quer dizer ela viu a verdade [...] Isso é natural, porque a Bíblia mesmo mostra que existe um espírito adivinhador que anda penetrando nas pessoas [...] Essa afirmação é ilustrada com uma passagem do Novo Testamento (AT 16, 16-18) em que o Apóstolo Paulo expulsa um espírito adivinhador de uma mulher possessa que o perseguia. Explica o pastor: Ele (Paulo) chegou ao ponto de se irritar com aquela mulher – mas não era a mulher, era o espírito que estava na mulher - e gritou : ‘Retira-te dessa mulher, espírito imundo! Em nome de Jesus Cristo!’ E o espírito saiu e a mulher parou de gritar/ Amém, gente? (‘Amém!’ Responde a assembléia)Era o espírito advinhador. Quando Paulo ia fazer alguma coisa, ela já dizia antes o que Paulo ia fazer. Porque o diabo sabe [...] Você não sabe, mas ele sabe quantos pessoas vão ser libertas daqui a pouco, aqui [...] Vamos chamar o diabo daqui a pouco. É para saber na vida de quem ele está, para poder ajuda. Vamos queimar ele [...]” (MARGARIDA OLIVA, 1997, p. 33 - 36).

Da mesma forma que a possessão é ressignificada nos cultos, a IURD

reinterpreta o universo simbólico do Catolicismo, tanto o popular quanto o oficial.

Alguns exemplos, apontados por Mariano, são ilustrativos da dinâmica deste

mecanismo, como no caso dos feriados religiosos, Sexta-Feira Santa e Nossa

Senhora Aparecida, nos quais a IURD costumava realizar concentrações

evangelísticas em grandes estádios, nas principais capitais brasileira, numa

demonstração aberta de concorrência pela eficácia dos bens de salvação. Em tais

encontros as pessoas são estimuladas a fazerem votos com Deus (semelhante às

promessas no catolicismo), a fim de se libertarem de vícios, atingir alguma graça

divina ou milagres. Outro exemplo são as versões de melodias associadas à

liturgia Católica como a Ave Maria de Gounod que fazia fundo às Orações das

Seis, veiculada pela Rede Record. No dia de Finados os pastores concentram a

evangelização em cemitérios, se for dia de Cosme e Damião fazem distribuição

de “balas ungidas”, numa apropriação do ritual de oferta de doces aos “eres”,

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feitos pelos adeptos da Umbanda e do Catolicismo popular que assim pagam aos

Santos suas promessas. (MARIANO, 1999)

Com intuito evangelistas a IURD se apropria do simbolismo contido na idéia de

dia santo promovendo ressignificação de seus elementos. Assim,

“No afã de tirar proveito evangelístico da mentalidade e do simbolismo religiosos brasileiros, a Universal incentiva relações de troca com Deus, promete bênçãos, milagres, poder e autoridade divinos para combater o mal e “acata” o panteão dos deuses das religiões inimigas ao invocá-los. Com isso, rearticula sincreticamente crenças, ritos e práticas dos adversários. Tal reapropriação sincrética é intencional, estudada, encerra claro propósito proselitista. A liderança da igreja tem plena consciência da eficácia dessa estratégia. Há até mesmo quem a explicite de modo apurado, o que revela seu caráter pragmático, para não dizer claramente manipulativo” (MARIANO, 1999, p. 135-136).

Bonfatti (2000), também, aponta esta rearticulação e afirma que as correntes,

reuniões semanais realizadas em dias específicos para resolução de problemas

determinados, nada mais são do que redefinição das novenas católicas num outro

contexto.

Nesse sentido, a IURD promove uma ruptura com a doutrina Protestante e

Pentecostal que se fundamenta apenas na Bíblia, considerada o único elemento

de mediação com o sagrado. Nas pentecostais precedentes, somente os rituais

de cura divina e, em menor medida o exorcismo de não-membros, com unção de

óleo, oração com imposição de mãos e batismo são admitidos.

A IURD ao contrário, utiliza a mediação com o simbólico por meio de outros

elementos. Um exemplo são as práticas de purificação ritual que dentro de sua

lógica assume o caráter mágico de limpeza do corpo, da pessoa e do ambiente

sendo constitutivo de sua identidade religiosa. Ao mesmo tempo em que

confirmam a partir da análise destas práticas religiosas a ênfase no simbolismo

para resolução de problemas. Assim, em seu discurso atribui sentido e significado

às aflições, mesclando o espiritual com o material, a fim de arregimentar sua

membresia na luta para a libertação do mundo das forças demoníacas.

Com isso, reproduzem sua ideologia e simbolismo e se legitimam sobre a égide

da presença do Diabo e da constante necessidade de libertação sob a qual

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fundamentam seu discurso. Por esta lógica produzem e reproduzem sua teodicéia

e simbolismo sempre enfatizando o Mal e aplicando a solução para eles:

“[...] os líderes neopentecostais procuram tratar diretamente do mal, falando de enfermidades, baixos salários, desemprego, briga entre cônjuges e pais e filhos, separações amorosas, alcoolismo, vício em drogas, depressão. Daí seu sucesso e a relevância do Diabo em seu discurso. Responsável pelo mal, incessantemente o inimigo tenta, oprime, possui, escraviza e aflige suas vítimas com sofrimentos físicos e psíquicos” (MARIANO, 1999, p. 146).

A transcrição abaixo revela que os dirigentes da IURD têm consciência da

reelaboração de elementos simbólicos de outras religiões deixando transparecer

seu pragmatismo e as intenções proselitistas. Mariano assinala o caráter

manipulativo e utilitarista verificado na fala do Pastor Paulo de Velasco (apud

Mariano, 1999, p. 136),

“O Bispo Macedo é uma pessoa muito prática. E uma vez ele estava conversando conosco e disse que o Brasil é um grande terreiro de macumba. E nós temos trabalhado exatamente em cima da experiência do brasileiro [...] quando você pergunta, ‘quem veio da umbanda, do candomblé, do espiritismo’, 90% da igreja levanta a mão [...] Muitas vezes nós somos criticados porque procuramos despertar a fé do povo da maneira mais simples e da maneira mais palpável [...] Quanto menos intelectualizada é a pessoa, menos abstração ela consegue fazer. Ela não abstrai, não consegue sair da matéria para a transcendência [...] Para despertar a fé da pessoa, nós às vezes entregamos alguma coisa na sua mão dizendo que aquilo é exatamente algo que vai ajudá-la. Então cada vez que ela olha esse giz, ela vai dizer ‘eu vou conseguir’. Ela mantém então, a esperança e continua com fé. E, tendo fé, ela consegue aquilo que precisa [...] então porque não pegar a arruda que é um negócio que todo mundo conhece no Brasil? [...] Você bota a arruda numa bacia de água e espalha, onde bate aquela água o camarada, se ele está endemoninhado, manifesta demônio [...] Essas coisas você faz para despertar a fé das pessoas, e, inclusive, utilizar o que está arraigado no subconsciente coletivo brasileiro para fomentar a fé e libertar a pessoa. A finalidade é libertar a pessoa [...] Porque Jesus cuspiu no chão e passou a lama nos olhos daquele homem? Para despertar a fé dele, sem dúvida nenhuma [...] Outro dia eu estava conversando com o bispo. ‘Escuta bispo, a fulana – a gente conversava muito sobre experiência – acredita que esteve na França e trouxe de lá uma potestade etc’. ‘Ela acredita nisso? Trabalhe em cima do que ela acredita’”.

Portanto, no esteio da guerra espiritual, cujo substrato é a demonização dos

concorrentes a IURD constrói seu discurso, demarca sua identidade e luta pela

hegemonia e legitimidade no cenário religioso brasileiro. O mecanismo é a

apropriação e ressignificação do simbolismo imerso neste universo e no qual está

inserida. Afinal como assinala Bonfatti (2000) confirmando o pragmatismo e a

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percepção da IURD em relação às representações que constituem o imaginário de

seus freqüentadores.

Assim, a IURD trabalha com elementos constitutivos das representações que

produzem as visões de mundo dos fiéis e que são reproduzidos pelo seu habitus.

Por serem conhecidas e aceitas como legitimas podem ser ressignificadas numa

outra estrutura, articulando-se com o entendimento já presente no fiel, que

dialeticamente reconstrói e redefine sua visão.

A IURD nesse sentido aproxima-se da estrutura do Catolicismo no qual os

sacramentos e a lógica de mediação com o sagrado compõe-se pelo sincretismo e

apropriação de elementos simbólicos de várias religiões. E, no contexto atual,

mesmo pertencendo ao ramo das pentescostais é a que mais profundamente

transita entre a religião e magia. (MARIZ, 1997)

3.4.1 Processo de ressignificação dos elementos simbólicos das religiões

demonizadas

Como visto, anteriormente, nas vertentes Protestantes e Pentecostais o uso de

qualquer tipo de mediação com o sagrado via sacramentum – meios de graça ou

sinais visíveis de graça – são condenados. A IURD, neste sentido, rompe com esta

visão e ao contrário das suas co-irmãs evangélicas utiliza a riqueza simbólica

contida nos rituais das demais religiões demonizadas, nas quais objetos e

símbolos variados são usados de forma mágica, como instrumento de manipulação

do divino. Em seus cultos efetiva a apropriação do simbolismo religioso das

concorrentes e os reinterpreta nos seus rituais redefinindo seus significados.

Na lógica da IURD o uso de objetos de mediação servem ao propósito de

“despertar e colocar a fé em ação” e como método de evangelização, que segundo

seus dirigentes foram usados até por Jesus Cristo, como exemplifica a Bíblia. Tais

afirmações são estratégias de defesa frente às críticas de que ela se aproxima de

práticas idólatras e mágicas. E, também estabelece uma relação de continuidade

com o habitus religioso dos freqüentadores, tanto aqueles que transitam

sincreticamente entre o catolicismo e os cultos mediúnicos. Quanto aquelas de

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outras religiões, que crêem a priori na existência do Diabo, encerrando a idéia de

Mal absoluto. A mediação, então, adquire valor e sentido, não obstante o

deslocamento, ou antes, o mecanismo de associação/dissociação que a IURD

promove na construção de significados. Assim os objetos simbólicos usados e

distribuídos, durante os cultos, têm valor positivo na IURD, pois são consagrados e

abençoados, enquanto nas religiões de origem pela ressignificação tem sentido

negativo, relegados à condição de artimanhas demoníacas e à idolatria, mesmo

que sejam idênticos.

De forma sincrética, a IURD, se apropria dos elementos constitutivos do

Catolicismo, do Judaísmo, dos Cultos Mediúnicos, das religiões Afro-brasileiras. Os

exemplos são variados, como aponta Bonfatti (2000), ao observar na estruturação

litúrgica da Igreja à utilização do “copo de água”, que durante as orações

realizadas nos programas de rádio e TV, são consagrados e abençoados, numa

ressignificação do ritual de fluidificação ou energização da água dos cultos

mediúnicos esotéricos e, também, da “água benta” do Catolicismo. Não são

incomuns o uso do sal grosso, da arruda, fechamento do corpo, bala ungida,

distribuição de rosas do amor, maçã do amor, sabão ungido, etc., numa

reinterpretação destes elementos tão conhecidos por adeptos dos cultos afro-

brasileiro.

Esse mecanismo de ressignificação vai de encontro às experiências dos fiéis,

possibilitando as reelaborações e a legitimação das práticas e elementos rituais re-

contextualizados.

“[...] Afinal de contas, quando se passa uma vida freqüentando cultos afro-brasileiros ou fazendo promessas a santos é porque, de alguma forma, esse referencial fazia sentido. Quando se chega na IURD, isso não pode ser descartado simplesmente, como se esta experiência nunca tivesse existido. Ao contrário de um rompimento radical com um universo religioso interno e externo preexistente no membro, há uma re-inauguração deste mesmo universo por meio de uma nova concepção e sentido oferecidos pela IURD” (BONFATTI, 2000, p. 91).

Os objetos ritualísticos reaparecem, assim, nos cultos da IURD, revestidos de

poderes específicos a partir das soluções demandadas pelos fiéis. Eles são

veículos de manifestação divina e não tem valor em si mesmo (CAMPOS, 1997).

Os poderes atribuídos dependem e se referem aos contextos que se desenrolam

durante os cultos. Dessa forma seus significados mudam de acordo com os fiéis e

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a reutilização dos mesmos objetos para diferentes finalidades é uma prática que se

repete, confirmando o aspecto pragmático do seu uso e as constantes

ressignificações das práticas religiosas demonizadas. O trecho, abaixo, da análise

de Mariano reforça esta constatação,

“[...] Não obstante os meios pentecostais tradicionalmente se opunham ao uso de objetos sagrados (exceto a Bíblia) dotados de poder mágico e terapêutico para não sucumbirem à idolatria, Universal [...], mediante pagamento de ofertas estipuladas, distribuem aos fiéis rosa, azeite do amor, perfume do amor, pó do amor, saquinho de sal, arruda, sal grosso, aliança, lenço, frasquinhos de água do Rio Jordão e de óleo do Monte das Oliveiras, nota abençoada (fotocópia de cédula benzida), areia da praia do Mar da Galiléia, água fluidificada, cruz, chave, pente, sabonete. Tal como na umbanda e no catolicismo popular, recomenda-se que eles sejam ora colocados na comida, ora jogados num rio, ora passados no corpo, ora guardados na carteira, carregados no bolso [...]” (MARIANO,1999, p. 134).

Assim, a IURD, constrói sua linguagem simbólica que lhe permite efetuar a

transposição do visível para o sobrenatural na amálgama dos fragmentos

apropriados do simbolismo dos concorrentes. Por esta dinâmica a IURD

fundamenta sua expansão. Desse modo a legitimidade conseguida na difusão de

sua mensagem depende de sua eficiência em resgatar o simbolismo do universo

religioso, produzido e reproduzido pelo habitus no imaginário da cultura na qual se

insere, estabelecendo com ela relação de continuidade a partir de sua retórica, que

no processo de ressignificação constrói a lógica de sua estrutura. (CAMPOS, 1997)

Com isso, a Igreja se distancia do fundamentalismo Protestante e Pentecostal de

interpretação literal da Bíblia, que aparece mais como suporte para atribuição de

significados simbólicos às praticas e objetos ritualísticos que compõem sua

estrutura litúrgica.

“[...] a Bíblia é muito mais um depósito de símbolos, alegorias e de cenas dramáticas, ou até um amuleto para exorcizar demônios e curar enfermos, do que a ‘Palavra de Deus’, encarada por grupos protestantes como “regra única de fé e prática”, e para os fundamentalistas, ‘a regra infalível’” (CAMPOS, 1997, p. 82).

Como bem explicitado por Geertz toda religião que não deseje aparecer, como

mero código moral que simplesmente direcione condutas, tem que referenciar sua

visão de mundo em um complexo de símbolos que armazene os significados que

quer produzir e reproduzir em seus rituais,

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“Entretanto, os significados só podem ser ‘armazenados’ através de símbolos: uma cruz, um crescente [...] Tais símbolos religiosos, dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles que vibram com eles, tudo que se conhece sobre a forma como é o mundo, a qualidade devida emocional que ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem está nele. Dessa forma, os símbolos sagrados relacionam uma ontologia e uma cosmologia com uma estética e uma moralidade: seu poder peculiar provém de sua suposta capacidade de identificar o fato com o valor no seu nível mais fundamental, de dar um sentido normativo abrangente àquilo que, de outra forma, seria apenas real [...]” (GEERTZ, 1989, p. 93-94).

Nesse sentido, os símbolos sagrados sintetizam o ethos e as visões de mundo

num nível concreto, mas simultaneamente transcendente, propiciando a ordenação

do mundo natural e sobrenatural, possibilitando o trânsito entre eles,

“Os objetos [de culto] são sinais detonadores de emoções e de estados místicos subjetivos e [...] provocam a reorganização de sentimento e de significado [...] agem dialeticamente, pois permitem uma espiritualização do material e uma materialização do espiritual. São autênticos símbolos na medida em que servem de ponte entre duas realidades, uma visível e outra, não menos importante, invisível aos sentidos, captadas intuitivamente pela fé [...]” (CAMPOS, 1997, p. 83).

A IURD pela ampla utilização de pontos de contato reelabora e ressignifica os

símbolos cúlticos permitindo aos fiéis o trânsito entre o sagrado e o profano,

reforçando a crença no divino por meio de objetos concretos. Nessa medida,

“A lucratividade simbólica da Igreja Universal está no fato de ela poder, através do despertamento da fé, contabilizar para si mesma, o privilégio da atribuição de significados a tais símbolos. É por meio dessa ‘legitimidade’, respaldada pelos ‘resultados positivos’, que palitos de madeira são percebidos como a ‘vara de Jacó’, e simples rosas personificam o próprio Senhor Jesus. Em outras palavras, pela capacidade de dotar os objetos de significado, a Igreja proclama que um pão não é simplesmente um pão e uma pedra é muito mais do que uma simples pedra. Dessa forma o objeto, ao receber um segundo sentindo, permite a invasão da vida rotineira, fria e desinteressante, pelas forças do imaginário. Assim, transfigura-se a realidade material pela instalação, dentro e através dela, do sagrado invisível. Para que isso aconteça é preciso banalizar os símbolos de outros grupos religiosos, e, eventualmente, até agredi-los e destruí-los [...]” (CAMPOS, 1997, p. 84).

Nesta perspectiva a IURD acrescenta aos elementos e objetos sacramentados nas

demais religiões, um arsenal de outros elementos que sem valor ritual adquirem

em sua estrutura novos significados, legitimados por trechos bíblicos que lhes

servem de substrato, com poder de sacramento como: areia, sal, flores, sabonete,

perfume, anel, etc. E, que, são dramatizados nos cultos, como parte da

estruturação dos mesmos, como, por exemplo: rosa abençoada, óleo da benção,

água orada, pedras do Sinai, pão de Israel, água do Rio Jordão, areia do Sinai,

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galho de arruda, sabonete de descarrego, fitas coloridas e inúmeros outros

apetrechos distribuídos gratuitamente. Os objetos, dessa forma, exteriorizam

visões de mundo construídas por representações figurativas e cósmicas como

água, fogo, luz, alimentos e outros elementos da natureza, que servem à

composição de diferentes religiões nos vários contextos sócio-culturais, nos quais

adquirem especificidades. A IURD, então, consegue resgatar e reatualizar

elementos abandonados por outras religiões, independente de sua origem

teológica, temporal ou geográfica. (CAMPOS, 1997)

Esse mecanismo dá a IURD um leque de possibilidades simbólicas a serem

dramatizados em seus rituais de exorcismo e cura. E, também, reforça outra

característica da IURD, observada nas suas estratégias proselitistas e de

evangelização que é a importância do Templo como lócus privilegiado de produção

e reprodução de sua visão de mundo, encerrados no discurso, que é posto em

circulação nos rituais, nos quais os aspectos simbólicos adquirem sentido e são

legitimados pelos freqüentadores.

Como demonstrado por Campos, mesmo realizando concentrações em estádios,

praias, etc., a IURD opta por locais fechados, nos quais estrutura seus cultos

dividindo-os em correntes e campanhas, cuja finalidade é o atendimento às

demandas dos fiéis que buscam resoluções de infortúnios de todo o tipo. São

exemplos significativos:

DOMINGO - Reunião de Louvor e Adoração

O domingo foi instituído como “Dia do Senhor”. É quando todos participam do

tratamento espiritual que visa, também, o fortalecimento e o reavivamento da fé.

SEGUNDA - Reunião da Nação dos 318

Congresso Empresarial que reúne 318 pastores e centenas de obreiros, que, juntos,

clamam a Deus pela prosperidade financeira.

TERÇA - Sessão Espiritual do Descarrego

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Os pastores e obreiros trabalham forte contra a inveja, o mau olhado, as opressões

e todo tipo de doenças.

QUARTA - Reunião dos Filhos de Deus

Tem o objetivo de fortalecer, reavivar e renovar a fé dos que desejam ter um

verdadeiro encontro com Deus.

QUINTA – Corrente da Família

Busca libertar nossos familiares de qualquer seta maligna e fazer com que

possamos alcançar a paz e a harmonia dentro de nossas casas.

SEXTA - Corrente da Libertação

Direcionada para a quebra de maldições e de tudo quanto possa impedir o

progresso das pessoas.

SÁBADO - Terapia do Amor

Este dia foi separado não só para os solteiros, mas também para os casados que

buscam uma vida conjugal de qualidade

Análogo às festas religiosas católicas, no interior dos templos da IURD, pode-se

verificar simulacros de procissões, nas quais os fiéis fazem deslocamentos que vai

da aflição ao milagre. Dependendo da finalidade da campanha tem-se, por

exemplo, movimentação pelo “corredor do milagre” formado por setenta pastores,

nos dias da “corrente de fé”, voltados para se atingir milagres. Há, ainda, o “Arco

do Amor”, travessia do Rio Jordão, Vale do Sal,

“[...] As dramatizações proporcionam às pessoas uma saída momentânea do presente e um reencontro com as dimensões sagradas da existência [numa] trajetória que vai da aflição ao milagre, do profano ao sagrado, apresentando à divindade as ofertas, pagando suas promessas e recebendo as dádivas divinas [...]” (CAMPOS, 1997, p.89).

Outra questão relevante nos templos está no sincretismo encontrado no próprio

ambiente, que também contribui para a confirmação da hipótese de apropriação e

ressignificação operada por esta Igreja e da multiplicidade simbólica, que aparece

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como característica definidora de sua estrutura. Os diferentes objetos cúlticos que

compõem o púlpito são bastante ilustrativos da posição limítrofe ocupado pela

IURD no campo religioso,

“[...] Na frente do palco, uma cruz de madeira, vazia, sem a imagem do Cristo crucificado se posiciona entre o rigor protestante, que excluiu dos seus templos o crucifixo, e a Igreja Católica, que fez dele sua marca distintiva [...] no pé da cruz estão a ‘água abençoada’ e uma discreta tigela de ‘azeite orado’, marca dos cultos kardecistas e afro-brasileiros. Sobre a mesa está o menorah, castiçal judaico de sete velas, cujas as velas raramente são acesas [...]” (CAMPOS, 1997, p. 89).

Mariano, também, destaca este aspecto limítrofe e as diversas utilidades que os

objetos adquirem nos cultos da IURD, como elemento mágico. Além de revelar a

centralidade do templo como espaço de dramatização do sobrenatural. Ao

transcrever passagens de programas televisivos da IURD, assinala suas práticas

mágicas semelhantes àquelas da Umbanda e das benzedeiras católicas, quando

os pastores convocam os fiéis para irem aos templos a fim de participarem das

campanhas, demonstrando a capacidade de variação ritualística,

“[...] Daí encontramos corrente: de Jó, de Davi, do tapete vermelho, dos 12 apóstolos, do nome de Jesus, da mesa branca, do amor, das 91 portas; campanha do cheque da abundância, vigília da vitória sobre o Diabo, semana da fé total. Estratégia para socializar e converter clientes e novatos, as correntes ou campanhas exigem a presença do fiel numa seqüência de cultos durante sete ou nove dias e até por 12 semanas consecutivas. A quebra da corrente, isto é, a ausência do fiel em um dos cultos [...] impede a recepção da benção em razão da ruptura do elo [...] Atribui-se a quebra da corrente aos demônios [...] Numa referência à umbanda, a Universal realiza vez ou outra, mas sempre às sextas-feiras, ritual de descarrego, no qual os fiéis, para serem libertos, são aspergidos com galhos de arruda, molhados em bacias cheias de água benta e sal. A arruda é às vezes conduzida pelo fiel para captar o mal presente em casa e nos moradores, sendo depois levada de volta ao templo para ser queimada. Faz ainda rituais de “fechamento de corpo”, típico da umbanda, e a “corrente da mesa branca”, que pelo nome, evoca o kardecismo. Nessa corrente, coloca uma mesa branca diante do pulpito com um copo de água benta no centro. Em fila indiana, os fiéis caminham e passam a mão sobre a mesa ungida e depois na cabeça, ou na parte enferma do corpo, para retirar os maus fluidos, libertar-se dos infortúnios que os acometem.” (MARIANO, 1999, p. 135)

A importância atribuída aos templos como lócus de manifestação do sagrado

relaciona-se ao dogma central propagado pela IURD, que é a guerra espiritual.

Nesse sentido os templos são espaços conquistados por Deus, na eterna guerra

contra as forças demoníacas,

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“[...] Pois a partir dos templos, os pastores se posicionam em ‘correntes de oração’ e ‘santos jejuns’, para invadir o território do adversário, distribuir a energia que vem de Deus, e energizar todos os objetos ligados ao templo, dotando-os de um poder, que se expande para fora. É comum pessoas testemunharem [...] que sua vida mudou e um milagre lhes aconteceu, ‘só por terem entrado num templo iurdiano’. Esse lugar se torna, na mente das pessoas, um centro irradiador de ‘energia positivas’, a sede da felicidade; logo a ‘morada do sagrado’ [...] Por esse motivo, os endereços dos templos são sempre anunciados como ‘local da benção’ [...] ou então, ‘em tal lugar um milagre espera por você. A benção, cura e libertação têm lugar certo para se realizar, um espaço geográfico peculiar, que é o templo da Igreja Universal [...] Essa percepção da sacralidade do espaço de culto é reforçada por meio de ‘campanhas de fé’, tais como a ‘campanha de Israel’ ou da ‘fogueira santa de Israel’ ” (CAMPOS, 1997, p. 127-128).

Concomitantemente tem-se na IURD o uso intensivo da mídia eletrônica e

impressa como instrumento disseminador de sua mensagem e como estratégia

proselitista, no qual por meio de testemunhos atrai para seus templos novos fiéis e

consolida a permanência dos freqüentadores mais assíduos. Assim reforça a

eficácia simbólica de sua forma de manipulação do sagrado, através da utilização

de testemunhos nos quais a narração da história do indivíduo descreve seus

infortúnios, antes e depois, da entrada na IURD.

De acordo com Campos, a IURD utiliza a linguagem publicitária para atrair a

atenção do público, difundir suas práticas religiosas e sua eficiência na resolução

de problemas. Na descrição que faz de um dos programas da IURD na TV Record,

observa que ele segue a dinâmica de um Talk-Show, no qual o pastor atua como

ancora. Atendendo telefonemas realizando entrevistas, nas quais as pessoas dão

testemunhos dos milagres vivenciados por eles. O pastor convida reiteradamente

para o templo, normalmente após a apresentação de alguma dramatização em

estilo novelístico, nas quais são relatadas cenas impactantes de brigas familiares,

problemas financeiros e, outros temas representativos de sofrimentos e problemas

diversos. No término as orações servem de veículo de comunicação com Deus e

os pastores entoam súplicas por milagres, segurando um copo de água a fim de

que seja ungida ou consagrada pelo Espírito Santo. Gesto que deve ser seguido

pelos fiéis em suas residências que no término da prece devem ingerir o conteúdo.

A relação com o Kardecismo fica evidente visto ser prática corrente a energização

da água com passes e orações. A ingestão da água reforça o simbolismo contido

na visão de água abençoada, tornado-se um dos principais rituais dos programas

de TV,

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“[...] O gesto simbólico do ‘sacramento do copo d’água’ é muito significativo, pois nele o telespectador pode associar de uma forma subliminar os rituais dos cultos afro-brasileiros com a mensagem [...] Isto porque nas religiões afro-brasileiras, cachoeiras e beira-mar são lugares onde se dá a conexão humana com a esfera sagrada [...]” (CAMPOS, 1997, p. 292).

As realizações de milagres que são testemunhados nos programas deixam clara a

necessidade de participação nas correntes e campanhas e da disponibilidade de

dizimar e ofertar. As bênçãos e milagres na visão da IURD, inseridas na vertente

teológica da Prosperidade, estão condicionadas pelas ofertas e dízimos (como

visto anteriormente o dinheiro adquire caráter simbólico ao mediar à relação com

Deus), que simbolicamente representam a concretização da Aliança com Deus,

que se torna sócio dos ofertantes e dizimistas. (CAMPOS, 1997)

Não obstante, o dízimo ser constitutivo da dogmática pentecostal em todas as

vertentes evangélicas, na IURD ele adquire um significado ritualístico que no seu

simbolismo pode ter várias finalidades: cura, exorcismo, prosperidade, superação

de problemas como vícios, amor, solidão, etc.. Assim,

“O dinheiro adquire um simbolismo de um canal de comunicação com Deus, num universo em que nada é dado ou recebido gratuitamente, nem mesmo com Deus. [...] fica claro que o dinheiro toma, para toda a comunidade de fiéis, uma conotação bem diferente da que estamos acostumados a ter. Ele continua sendo moeda, porém, passa a assumir conotações simbólicas distintas exclusivamente de poder de compra e venda, ou seja, assume um papel de barganha e intermediação com o sagrado, em que a IURD torna-se o lócus escolhido para realizar tal evento” (BONFATTI, 2000, p. 75).

Esse simbolismo do dinheiro é enfatizado nos testemunhos durante os cultos, na

mídia eletrônica e impressa, como demonstra as matérias de alguns jornais da

IURD, descritos abaixo, e depoimentos disponíveis em Apêndice (B):

“De endividado a empresário bem-sucedido:

[...] Trabalhei durante 22 anos [...] sem conquistar absolutamente nada. A mudança e todos os sentidos só aconteceram quando Deus tomou a direção da minha vida e eu aprendi que somente através do sacrifício seria possível uma transformação completa [...] Participei da Fogueira Santa porque não agüentava mais sofrer e a minha vida mudou completamente” (ARISTODEMO GATTI APUD FOLHA UNIVERSAL, 2006, p. 8).

“Empresário falido teve vida restaurada: o empresário Mário Galati, 44 anos, há sete participa das reuniões da Igreja Universal [...] hoje desfruta de uma vida confortável e feliz ao lado da família. Porém antes de chegar à Igreja e aprender a exercer, de fato, a fé no Senhor Jesus, enfrentou momentos de profunda angústia e privação por causa dos problemas

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financeiros [...] a ruptura de uma sociedade fez com que, da noite para o dia, perdesse tudo: ‘_ Fiquei endividado, cheguei a dormir no chão [...] foi dessa forma que eu cheguei à Igreja, não só os pensamentos mudaram, mas, através da fé, toda a minha vida mudou [...] fui colocando a minha situação financeira em ordem _ [...] concluiu o empresário satisfeito” (FOLHA UNIVERSAL, DEZEMBRO DE 2006, p. 21).

“Ó Deus não se esqueça que eu sou dizimista fiel”: Com uma dívida de aproximadamente R$ 1 milhão, Celso Marques, 45 anos, quase foi à falência com sua marmoraria [...] Tinha 123 títulos protestados, 40 cheques sem fundos, sem contar com a grande humilhação que passava diante dos parentes. Fora as dívidas da empresa, devia R$ 200 mil, valor acumulado com despesas pessoais [...] Através de um convite de um amigo, ele e a esposa chegaram à Igreja Universal e através dos ensinamentos dados nas reuniões, aprenderam a importância do dízimo _ ‘Aprendi que o dízimo é fundamental, reconheço a sua importância na minha vida e na obra de Deus [...] graças ao fato de sermos dizimistas, hoje temos uma vida abundante como a palavra de Deus determina _ conclui Celso” (FOLHA UNIVERSAL, NOVEMBRO DE 2006, p. 9).

“De bóia-fria a empresário: [...] Ari Tavares Alves, 49 anos, começou a trabalhar na roça ainda criança. Aos 21 anos [...] foi buscar uma vida melhor na cidade do Rio de Janeiro. No início aquilo que parecia um sonho passou a ser um sofrimento. Agora, ele não plantava, vendia plantas na feira; não comia mais em marmitas, bebia água da torneira, e era a vizinha que lhe dava um prato de comida [...] morava num quartinho sem janelas [...] Foram anos difíceis. A situação que já era terrível, piorou quando se casou [...] _ fiz um clamor a Deus ‘Senhor não posso mais viver nesta situação. Não aceito esta vergonha [...] O ex bóia-fria chegou a IURD bastante desmotivado, mas ainda restava a esperança que o Senhor Jesus pudesse mudar a sua vida [...] _ Decidi participar da Fogueira Santa, fui perseverante e em nenhum momento duvidei que seria abençoado. Hoje eu sou empresário, proprietário de uma grande floricultura. Temos três caminhões, carros de passeio, casa de praia [...] imóveis alugados e terreno em um condomínio [...] _ testemunha” (FOLHA UNIVERSAL, NOVEMBRO DE 2006, p.8).

Portanto, a IURD utiliza-se de vários mecanismos proselitistas, cujo substrato

encontra-se na concepção de guerra espiritual, fundamentando sua teologia e

estratégias expansionistas. Da demonização à apropriação e ressignificação do

simbolismo religioso das religiões concorrentes tais mecanismos e estratégias têm

por finalidade a atração e manutenção de fiéis – tanto fixos quanto os flutuantes –

na redefinição que opera no conceito de Diabo já existente no imaginário religioso

de seus adeptos. Assim a aceitação a priori de um elemento configurativo do Mal,

e a divulgação constante na mídia de sua eficácia simbólica no combate das forças

demoníacas, contribui para a legitimação do seu discurso e na consolidação de

sua hegemonia e na construção de uma imagem vigorosa de Igreja Forte, a única

capaz de vencer o Diabo.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da religião em sua dimensão de sistema simbólico permitiu sua

compreensão como historicamente construída e socialmente significada.

Considerada nesta perspectiva ela constrói, ordena e atribui significado à

realidade social como um todo, na distinção que empreende entre mundo natural

e sobrenatural. Dessa forma, os aspectos da realidade – sofrimentos, infortúnios,

injustiças e o Problema do Mal, por exemplo - que não encontram sentido e

significado no mundo concreto são remetidos à outra esfera, que, embora não

evidente, completa a ordenação do real, preenchendo os “vazios de significados.”

Assim, a religião, a despeito do paradoxo, antes de solucionar os problemas do

Mal e do Sofrimento na existência humana, objetiva a acomodação dos mesmos à

esta realidade. Parafraseando Geertz,

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“Como problema religioso, o problema do sofrimento [e do mal] é, paradoxalmente, não como evitar o sofrimento, mas como sofrer, como fazer da dor física, da perda pessoal, da derrota frente ao mundo ou da impotente contemplação da agonia alheia algo tolerável, suportável [assim] a religião ancora o poder dos nossos recursos simbólicos para a formulação de idéias [e] para aqueles capazes de adotá-los, e enquanto forem capazes de adotá-los, os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para sua capacidade de compreender o mundo, mas também para que, compreendendo-o, dêem precisão ao seu sentimento, uma definição às suas emoções que lhes permita suportá-lo, soturna ou alegremente, implacável ou cavalheirescamente” (GEERTZ, 1989, p. 76 - 77).

O simbolismo e os axiomas religiosos participam, então, da construção e

significação do mundo social, permitindo superar a falta de sentido e

compreensão de todo e qualquer aspecto do cotidiano que de alguma maneira

possa interromper o curso considerado normal.

A lógica de ordenação que traz implícita a atribuição de significados permitiu

vislumbrar e compreender a recorrência nos vários sistemas religiosos,

independente dos contextos histórico e social, de uma concepção ou mesmo

configuração de um conceito que encerrasse o problema do Mal e do sofrimento.

Nesse sentido, o Diabo como representação social produzido e reproduzido no

imaginário religioso aparece como condensação dos aspectos inexplicáveis da

existência humana.

Tomando como base o Cristianismo, no qual a dicotomia Bem/Mal foi significada

pela relação Deus/Diabo pôde-se confirmar esta recorrência e demonstrar seu

caráter de construção histórica de visões de mundo, teologias e teodicéias, que,

em última instância, visavam à imposição de definições sobre como deve ser a

ordenação da realidade e a composição das condutas. Desde seus primórdios o

Cristianismo procurou estabelecer por meio de seus axiomas a hegemonia de

suas idéias utilizando o conceito de Diabo como dispositivo ideológico para

legitimação de seu discurso e de sua teologia, pelo mecanismo de demonização

de toda e qualquer corrente de pensamento ou visões de mundo que com ele

pudesse disputar o monopólio dos bens simbólicos sagrados.

Dessa forma, o processo de demonização num cenário religioso plural constitui-se

prática histórica e multidimensional, na medida em que serve à construção do

simbolismo religioso, à legitimação frente ao universo social no qual está inserido

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e como mecanismo de desqualificação ideológica de possíveis concorrentes. Por

esta ótica tornou-se possível compreender a centralidade do Diabo na construção

dos preceitos teológicos e doutrinários da IURD e a sua necessidade de construir

configurações que lhe desse concretude e realidade.

A IURD ao longo de sua consolidação no campo religioso brasileiro se constituiu

no e pelo processo de demonização das religiões cristãs e não-cristãs,

especialmente os cultos mediúnicos, Afro-brasileiros e o Catolicismo. Com o

propósito de fundamentar sua hegemonia neste campo diversificado procurou

legitimar seus axiomas e simbolismo sagrado desqualificando o discurso e o

universo simbólico das concorrentes ao relegá-las à condição de demoníacas.

Para tanto se apropriou da idéia de Diabo presente no imaginário social,

reinterpretando e redefinindo sua representação ao correlacioná-lo aos deuses e

entidades das religiões mediúnicas e Afro-brasileiras e, também na

desqualificação das visões de mundo, do ethos, das crenças e práticas religiosas

das mesmas. Concomitantemente construiu sua dogmática na demonização da

realidade ao espiritualizar a existência material, por esse prisma fundamentou sua

visão de mundo na concepção de que no mundo material a guerra entre Deus e o

Diabo é reproduzida constantemente.

Daí a ênfase na guerra espiritual e na figura do Diabo e seu séqüito de demônios

e a centralidade dada ao ritual de possessão e exorcismo em seus cultos. A

invocação de demônios a fim de que sejam exorcizados constituem as crenças e

práticas teológicas da IURD, aparecendo, inclusive como sinal distintivo frente às

demais denominações. Nesse sentido a demonização das religiões concorrentes

fornece a matéria-prima para a construção do seu simbolismo.

Contraditoriamente, a eficácia religiosa das oponentes é legitimada neste conflito

uma vez que seu discurso tem que aparecer como real, do contrário não poderia

ser combatido. Ciente deste paradoxo a IURD reinterpreta e ressignifica os

elementos simbólicos, as crenças e as práticas das religiões demonizadas na

apropriação da sua linguagem invertendo os valores atribuídos ao simbolismo das

mesmas. Em sua estrutura o simbolismo adquire sentido positivo relacionado à

libertação e concretização da vitória de Deus sobre o Diabo. Nas demais crenças

ganha contornos negativos visto que tais religiões aparecem como canal de

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atuação do Diabo no mundo. No que concerne aos fiéis suas representações

permanecem só que reelaboradas e redefinidas num novo contexto.

Como a ênfase maior é a libertação do Diabo concebido como um ser capaz de

se apossar do homem para impedí-lo de seguir a obra de Deus, os cultos

mediúnicos, principalmente, os Afro-brasileiros, são alvos preferênciais da IURD.

Visto que fundamentados no conceito de possessão, no qual o objetivo é a

incorporação de espíritos a fim de estabelecer a mediação e manipulação do

sagrado, este cultos fornecem por meio de seus deuses e espíritos a configuração

do Diabo necessária à IURD em suas dramatizações exorcistas.

Portanto, a IURD utilizou-se de vários mecanismos no decurso de sua expansão

com a finalidade de se consolidar no campo religioso brasileiro entre eles a

demonização das demais religiões que com ela disputam o monopólio dos bens

de salvação. A apropriação, reinterpretação e ressignificação do simbolismo,

crenças e práticas rituais das mesmas em um novo contexto de significados cujos

objetivos proselitistas e expansionistas ficam evidentes no seu discurso e na

forma de difusão de sua mensagem. E, também, na sua estruturação ritualística,

no qual o pensamento mágico e mítico reelaborado é, constantemente, re-

atualizado nos cultos a partir da reinterpretação e ressignificação dos elementos

simbólicos constitutivos daquelas religiões.

Esse processo aparece como principal dínamo de sua consolidação aliado ao

processo de acomodação social na extinção do sectarismo ascetisco das

pentecostais precedentes. E, na redefinição da postura ética dos crentes no qual

a conversão aparece mais como reelaboração no imaginário dos fiéis, fixos e

flutuantes, da concepção do Diabo e na aceitação da demonização como real e

tangível. Numa relação de continuidade esta reelaboração não se traduz em

ruptura uma vez que grandes partes dos freqüentadores transitam entre práticas e

crenças religiosas que vão da mitologia, à tese de reencarnação, crença em

previsões astrológicas e alienígenas, anjos e diferentes seres sobrenaturais.

(MARIANO, 1999)

Entretanto esta construção simbólica da religiosidade centrada na guerra espiritual,

que demoniza todos os aspectos da realidade e em práticas mágicas, apropriadas

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de outras religiões e ressignificadas no seu simbolismo, não se constitui o único

diferencial da IURD em relação às demais pentecostais. Aliado, tem-se,

notadamente, o caráter empresarial e mercadológico e o amplo uso da mídia nos

seus propósitos expansionistas e proselitistas, no qual consegue visibilidade,

reproduz sua estrutura, adquire legitimidade e consolida sua hegemonia entre suas

similares. (CAMPOS, 1997)

Não obstante os esforços envidados no decorrer desta análise para compreender a

dinâmica e o processo de expansão e consolidação da IURD no cenário religioso

brasileiro, vários foram os aspectos não contemplados nesta dissertação. Todo e

qualquer objeto de pesquisa nada mais é do que um recorte do real entre várias

possibilidades, uma perspectiva ou um olhar diferenciado num cenário

multifacetado e dinâmico. Neste sentido longe de pretender esgotá-lo esta

dissertação deve ser considerada como uma contribuição para o entendimento

desta temática tão estimulante e complexa que é o “reecantamento do mundo” pela

visão religiosa, algo impensado até algumas décadas atrás quando a tese da

secularização permeava as análises sobre o tema.

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APÊNDICE 1 – RELIGIOSIDADE BRASILEIRA: CONTRUBUIÇÕES

DA CULTURA NEGRA

José Guilherme Magnani (1991), estudioso da religiosidade africana, visa

contribuir com sua análise sobre a Umbanda para a compreensão das influências

da cultura negra para a construção da religiosidade brasileira. Observa que as

reações frente aos ritos de umbanda e demais cultos afro-brasileiros podem

denotar respeito ou critica. Taxados de feitiçaria, macumba, trabalho, despacho,

causam interpretações diferentes, discussões polêmicas e preconceitos que para

ele derivam do desconhecimento.

Vários são as formas e os olhares sobre a religião, seja ela qual for: a do crente

que gera posições apologéticas e doutrinárias e a do incrédulo, seu oposto, na

qual as posições são em geral desqualificadoras. Mas ambos têm em comum o

julgamento de valor e disputa pela verdade de seus axiomas. No entanto a

análise busca identificar e compreender a lógica interna do sistema religioso e de

seus rituais, quais efeitos produz no cotidiano de seus adeptos, as relações que

mantém com as demais instituições sociais e políticas na qual se insere. Nesta

perspectiva antropológica, o ritual, a crença ou comportamento possuem

significados que tem um sentido para seus seguidores e a compreensão destes

significados, pela análise das estruturas internas destes elementos e das relações

que estes mantêm com o contexto que lhes serve de fundamento.

Para se entender o significado de um despacho torná-se necessário questionar,

por exemplo, quem teve o trabalho de fazê-lo, por que escolheu velas de

determinada cor, determinado local e dia, se essas variações relacionam-se com

os objetivos, se faz parte de um ritual mais complexo, qual doutrina o fundamenta.

Para apreender o significado deve-se partir do ponto de vista do outro para o qual

o ritual possui significado.

A Umbanda e demais cultos afro-brasileiros se inserem no universo de construção

de representações pelo homem sobre a esfera do sobrenatural com a qual

estabelece vínculos através da religião. Assim, autor analisa o processo de

formação, doutrina e ritual e define que estes cultos compõem os cultos de

possessão no qual o sobrenatural se faz presente por meio do transe.

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Outra questão relevante na análise sobre as influências dos escravos na

religiosidade brasileira seria a diversidade inerente a essas culturas vindas de

diferentes regiões africanas ao longo de três séculos. Religiões e mitos

diversificados compunham essas organizações sociais que foram reduzidas,

inclusive seus deuses, a um denominador comum: a escravidão.

Este processo de redução impactou os sistemas causando dissolução de suas

estruturas religiosas, transformando-os num conjunto uniforme cujo aspecto

comum era a cor e a servidão. A redução além de não reproduzir as fronteiras

sociais e culturais de origem continha em si a artificialidade, visto que eram “[...]

classificações arbitrárias, pois juntavam indivíduos de reinos, tribos, aldeias e

linhagens diferentes [...]” (MAGNANI, 1991, p.14).

Entretanto, a junção produziu quadros de referências sociais possibilitando a

conservação de crenças, tradições e língua

“[...] Ioruba ou nagô - e suas subdivisões queto e ijexá - jeje, fanti-ashanti são algumas das nações do chamado grupo sudanês; angola, congo, cabinda, benguela, moçambique, do grupo banto; haussa, peul, mandinga, tapa, nações islamizadas” (MAGNANI, 1991, p. 15).

No contexto da escravidão encontros de cunho religioso eram proibidos,

relegados à condição de feitiçaria, mas aceitavam-se confraternizações profanas

de danças, batuques (nome dado às danças profanas e em alguns lugares

designa os cultos afro-brasileiros). Mas dada à falta de limites claros entre folclore

e religião nestes sistemas religiosos a eficácia da proibição deve ser questionada

e considerada. Simples folguedos serviam à manutenção de rivalidades e as

danças podiam conter evocações aos deuses tribais. Assim ressignificados, neste

processo de fragmentação as culturas conseguiam garantir sua preservação.

O autor ressalta a contribuição da Igreja Católica neste processo de

fragmentação/preservação e cita que nas confrarias, irmandades de “homens

pretos” as divisões tribais reapareciam em outro contexto. Enquanto o objetivo da

Igreja era a erradicação dos cultos “fetichistas” os escravos mantinham a partir de

reelaborações do culto oficial das confrarias suas tradições usando, por exemplo,

os santos como disfarces para seus deuses:

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“Essa utilização de santos católicos como máscaras para o culto dos orixás tinham como base as características atribuídas aos santos, produzindo, assim, uma série de correspondências: Santa Bárbara, por exemplo invocada como proteção contra tempestades, é associada com Iansã, orixá dos ventos e dos raios; São Jorge, montado num cavalo e subjugando o dragão com sua lança, servia para representar Ogum, orixá guerreiro e senhor do ferro; Nanã, considerada a mãe de todos os orixás, era cultuada sob o disfarce de Santa Ana, mãe da Virgem Maria, e assim por diante.” (MAGNANI, 1991, p.15)

Assim a tolerância oficial aos batuques, confrarias e nações configurou um

espaço de refúgio e contato transformador de tradições que em princípio desejava

extinguir. Magnani, então, empreende a análise das diversas crenças que foram

preservadas ou reelaboradas em outras estruturas.

Candomblés

O processo de transformação e preservação das crenças, mitos e tradições não

se deu no mesmo nível para todas as nações. Segundo Magnani (1991), os

nagôs (queto e ijexá) mantiveram mais intactas suas tradições religiosas,

conseguindo, com isso, a imposição de deuses e práticas religiosas às demais

nações. Nesse sentido seus sistemas religiosos com suas respectivas estruturas

contribuíram para limitar a desintegração. Os bantos ao contrário dos nagôs

estruturavam-se por meio do culto aos antepassados e não conseguiram

perpetuar suas tradições, devido à dispersão territorial. Nos primeiros a

organização mítica era feita através da linhagem e os deuses representavam

forças da natureza, sendo cultuados por sacerdotes e iniciados em favor de toda

comunidade.

Um exemplo da desagregação e reelaboração relativa ao culto dos bantos está no

fato de Ogum, por não poder mais ser cultuado pela relação com a linhagem e por

grupos individualizados, passou a ser adorado em outra lógica que permitiu sua

permanência “[...] será venerado em sua qualidade de orixá guerreiro, senhor do

ferro e patrono das atividades ligadas a esse metal [...] os novos lugares de culto

[...] renderão homenagem a vários deles, de forma coletiva [...]” (MAGNANI, 1991,

p. 16 - 17). Dessa forma a complexidade mítica, substrato ritualístico das religiões

das nações sudanesas contribuíram parcialmente para a unidade mito/rito que do

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contrário faria com que cantigas, passos de danças e objetos de culto perderiam

seu sentido.

Bantos, então foram mais permeáveis a outros cultos, principalmente nagôs e

jejes. Adotaram o panteão, ritos de iniciação e as estruturas das cerimônias e

associaram, também, elementos dos cultos indígenas de pajelança e catimbó.

Dessa forma nas cerimônias de angolas e congos não são mais os antepassados

que recebem homenagens “[...] mas os antepassados da raça negra escravizada

(Pai João, Maria Conga, Pai Joaquim de Angola), ao lado dos espíritos indígenas:

os caboclos” (MAGNANI, 1991, p. 17).

Da dispersão territorial surgiria duas vertentes do Candomblé, a primeira resultou

nos Candomblés, do grupo sudanês, mais especificamente os nagôs e a outra

vertente resultaram no candomblé caboclo ou candomblé de angola. Cabe

ressaltar que o termo candomblé designava originalmente, as danças dos negros,

tanto às de caráter religioso quanto profano. Progressivamente o termo foi

associado às tradições e cultos religiosos das nações sudanesas.

A macumba

A diferença por nações prossegue, segundo o autor, até a primeira década do

séc. XX, os sudaneses possuíam seus candomblés e os bantos a cabula. Por sua

plasticidade a cabula assimilou dos candomblés nagô a estrutura dos cultos e

alguns de seus orixás “[...] em contato com outras crenças e ritos adota os

cablocos catimbozeiros, práticas mágicas européias e muçulmanas, os santos

católicos e, finalmente, sofre o influxo do espiritismo, que fora introduzido no

Brasil por volta da segunda metade do século XIX” (MANGANI, 1991, p. 21).

Assim emerge a macumba resultado do sincretismo no qual elementos de várias

nações são apropriados. Estão presentes elementos nagôs, jeje, muçulmano,

banto, caboclo, espírita e católico. Magnani (1991, p.22) cita Carneiro que define

o termo macumba:

“Antes de dançar, os jongueiros executam movimentos especiais pedindo a benção dos cumbas velhos, palavra que significa jongueiro experimentado, de acordo com essa explicação de um preto centenário: ‘cumba é jongueiro ruim, que tem parte com o

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demônio, que faz feitiçaria, que faz macumba, reunião de cumbas’. O jongo, dança semi-religiosa precedeu, no centro-sul, o modelo nagô. Como o vocábulo é sem dúvida angolense, a sua sílaba inicial talvez corresponda à partícula ba ou ma que, nas línguas do grupo banto, se antepõe aos substantivos para a formação do plural, com provável assimilação do adjetivo feminino má.”

Para autor a primeira macumba não era tão organizada como culto constituindo-

se num agregado de elementos do candomblé, cabula, tradições indígenas,

catolicismo popular, espiritismo e práticas mágicas, mas, ainda, sem a estrutura

mitológica e doutrinária que lhe integrasse os elementos num todo significativo.

Kardecismo

Derivação do nome de Allan Kardec, poeta celta, kardecismo foi adotado pelo

teórico da doutrina, o francês Leon H. Rivail (1804-1869). Pode ser definido como

um sistema filosófico-religioso cujo substrato é a junção da concepção hinduísta

do carma (crença em reencarnações) e a comunicação entre vivos e mortos. No

plano especificamente religioso trabalha o postulado de um Deus inacessível ao

homem pelo seu distanciamento, os espíritos dos mortos ao contrário estariam

mais próximos e sua missão seria a de ajudar a humanidade na expiação de

faltas passadas e na sua evolução.

Na sua vertente mais corrente o universo é hierarquizado em planos diferenciados

conforme a posição na escala evolutiva que parte de um plano inferior próximo à

matéria até um plano superior da suprema perfeição espiritual. Inserido na lei de

evolução só que nesse caso interiorizado em cada ser tem implícita a idéia de

ascensão espiritual:

“Neste ordenamento evolutivo, a Terra ocupa um dos mais baixos escalões: é o lugar onde campeia o mal, sob a forma de vícios, ignorância, sofrimento, doenças. Mas a Terra é também o lugar de provação e expiação: pelo sofrimento os seres podem purificar-se, redimir-se de suas culpas e ascender em busca da perfeição. O Mal, assim, é ao mesmo tempo sinal de imperfeição e condição de sua superação: adquire inteligibilidade na medida em que se articula ao movimento de um sistema mais amplo. Só pode ser pensado por oposição ao Bem, que no ápice da escala comanda o processo evolutivo” (MAGNANI, 1991, p. 23 - 24).

Considerando o distanciamento entre os planos e a progressão no acesso por

meio de sucessivas reencarnações o reino do Bem e da Luz adquire

transcendência e se funda num código ético no qual os estão previstos a pratica

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do bem, da caridade e do amor ao próximo. No Brasil o aspecto religioso teve

maior expansão, embora existissem correntes mais racionalistas voltadas para

teorizações a respeito do sobrenatural. Por outro lado a vertente popular pouco se

dedicou às teorizações do sobrenatural, mas em contrapartida enfatizou sua

atuação por meio de incorporações “[...] dos desencarnados nos médiuns,

trazendo aos adeptos palavras de consolo, livrando-os dos eflúvios maléficos e

oferecendo lenitivos para seus males físicos e espirituais” (MAGNANI, 1991, p.

24). Dessa forma os aspectos mágicos foram mais relevantes.

Entre os desencarnados a presença de espíritos escravos e indígenas não era

incomum. Todavia, foram, progressivamente, perdendo seus aspectos

individualizantes para se constituir nesse culto em categorias genéricas de preto-

velhos e caboclos. Nesse processo denominado baixo-espiritismo, houve a

aproximação do espiritismo das concepções e dos cultos bantos dos

antepassados resultando numa integração nos quadros de referência da

macumba mais do que nos quadros do espiritismo kardecista erudito.

Essa aproximação realizada por adeptos insatisfeitos com o racionalismo

excessivo e mais sensíveis aos problemas concretos de seus membros. Apesar

disso, ela foi feita de forma seletiva excluindo aqueles elementos considerados

incompatíveis com a doutrina kardecista, como, por exemplo, os sacrifícios de

animais, oferendas de comidas e bebidas, etc., mantiveram, entretanto, os

espíritos de preto-velhos e caboclos. Aspectos considerados primitivos referentes

à cultura negra foram retirados e a África transformou-se num lugar de passagem

de espíritos pelo plano evolutivo, em busca de expiação:

“Não se podia, contudo, ignorar e descartar todo o conjunto de instrumentos e objetos rituais mobilizados nos cultos. Se o kardecismo oferecia um arcabouço doutrinário capaz de articular, numa nova estrutura, práticas religiosas desvinculadas de antigos mitos, para justificar a permanência de determinados elementos materiais nos ritos, recorreu-se a um discurso ‘cientifico’ onde as noções de química, física, etc. coexistem com a astrologia, ocultismo e a teosofia.” (p.25)

Umbanda

Nas primeiras décadas do século XX surgiu no Rio de Janeiro um novo culto

inserido entre os cultos de possessão no qual o sobrenatural se faz presente pela

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via do transe. Considerada essencialmente sincrética, a Umbanda contêm

elementos de várias religiões das quais apropriou, reelaborou e resignificou mitos,

e práticas rituais. Numa sessão de Umbanda pode-se perceber esta

condensação,

“[...] No altar ou congá, encontram-se imagens de Cristo, Nossa Senhora, Cosme e Damião, São Jorge, ao lado de estatuetas de Buda, Iemanjá, índios, ciganos, pretos-velhos e, mais dissimulados, representações que sugerem a figura do diabo [...] Rezam-se padres-nossos, ave-marias e invocam-se os orixás; os espíritos descem nos iniciados através do transe, provocado pelo toque dos atabaques, cantiga e sinais cabalísticos desenhados no chão: os pontos riscados [...] durante a cerimônia os médiuns, tomados por seus guias, dançam [...] dão passes e conversam com os assistentes [...] A cor das roupas é predominantemente branca [...]” (MAGNANI, 1991, p.12).

A Umbanda deriva-se, então, de um duplo movimento: apropriação de elementos

de cultos, ritos e valores religiosos populares presentes na macumba, baixo

espiritismo e candomblé; e da re-interpretação e re-significação destes elementos,

pela lógica do kardecismo, numa nova estruturação daquelas práticas mágico-

religiosas num novo discurso, e que pela institucionalização almejava espaço e

legitimação social.

Com a expansão veio a visibilidade e a busca por espaço e legitimidade na

estrutura social. Mas devido ao seu processo de apropriação e reelaboração de

elementos heterogêneos nem todos legitimados, tornou-se alvo de críticas da

Igreja Católica, instituições médicas e científicas, da imprensa e da polícia. Todos

os discursos tendiam a desqualificar os aspectos que no seu processo de

estruturação a Umbanda procurou descartar, como, por exemplo, sacrifícios de

animais e outros considerados demasiados primitivos. Nos argumentos de um

cardeal católico têm-se acusações de feiticismo, herança africana e indígena,

denominada genericamente de macumba e acusações de magia negra. No

discurso médico associação da religião com o aumento dos casos de doenças

mentais entre os adeptos e de curandeirismo e charlatanismo, acusações que

cabiam a polícia averiguar. (p. 27 - 28)

Para se defender os umbandistas reafirmaram suas práticas e as bases

científicas de sua doutrina e rituais, buscaram proteção jurídica na

institucionalização. Em seu conjunto enfatizaram as praticas assistencialistas

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pautadas no preceito da caridade considerada o cerne de sua doutrina.

(MAGNANI, 1991)

Como os demais cultos de possessão, Candomblé, rituais bantos, espiritismo o

eixo central da Umbanda é a comunicação entre o mundo material e espiritual,

por meio da incorporação de entidades espirituais no corpo do iniciado, embora

detenha especificidades em relação aos outros cultos, como por exemplo o fato

de suas entidades serem espíritos desencarnados representativos de categorias

genéricas – caboclos e pretos-velhos - que descem a terra em busca de expiação

e são por isso doutrinados. Diferente do candomblé no qual os espíritos são

representativos das forças da natureza e configurados como reis, rainhas e heróis

divinizados que mantém sua individualidade e relação com aquelas forças.

Outra característica refere-se ao transe que difere na Umbanda em relação ao

Candomblé e Kardecismo:

“[...] no candomblé, ele é regulado por um conjunto de mitos que contam as peripécias dos deuses e que os iniciados repetem, através da coreografia, cânticos e roupas; as possessões individuais se complementam, atualizando, para a comunidade, uma história muito antiga, mítica [...] No espiritismo kardecista os médiuns emprestam seu corpo, sua voz, sua matéria, enfim, para que os despojados de invólucro físico possam continuar comunicando-se com os parentes, amigos, discípulos [...] Na umbanda o transe não é nem estritamente individual nem propriamente representação mítica, mas a atualização de fragmentos de uma história mais recente através de personagens tais como foram conservados na memória popular: o caboclo Urubatão ou o Pai Joaquim de Angola [...] representação de índios brasileiros e escravos africanos” (MAGNANI,1991, p. 31 - 32).

Assim pelos sinais distintivos são re-atualizados no imaginário dos adeptos. Essa

diferenciação no transe, da Umbanda, deve-se ao seu distanciamento do real por

meio do imaginário, dando espaço a constantes recriações e variantes no interior

de seus terreiros mais populares. No Candomblé e no Espiritismo Kardecista

exige-se maior fidelidade aos modelos mítico e pessoal relativo a cada entidade

ao contrário da Umbanda que a despeito das regulações existentes abre espaços

para re-interpretações e acréscimos no qual os símbolos interagem com os

adeptos dificultando codificações rígidas.

Por seguir a lógica do Espiritismo Kardecista a Umbanda classifica os espíritos

em linhas e falanges a fim de formar um sistema de ordenação, assim os espíritos

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são inseridos nas linhas conforme o estágio de evolução em que se encontram.

Cita como exemplo espíritos de marinheiros e sereias que descem na linha de

Iemanjá e assim por diante. Mas ressalta que todos estes espíritos são

considerados de luz

“[...] em contraposição às entidades das trevas, que ocupam os últimos escalões na hierarquia espiritual: os exus e quiumbas. Estes são espíritos de mortos, as almas penadas na tradição do catolicismo popular, ainda muito próximos da matéria e não provocam transe, mas ‘obsessões’ nas pessoas em quem encostam, devem ser identificados e em seguida doutrinados para iniciarem seu processo de evolução espiritual. O exu que na mitologia nagô representa o principio da energia vital e do movimento que introduz o acaso e a mobilidade no universo, é identificado, na umbanda, como a figura do diabo; seu correspondente feminino é a pomba-gira [...]” (MAGNANI, 1991, p. 34).

Na Umbanda os exus são reconhecidos e classificados em sete linhas, embora

não se preste culto a eles. Naqueles terreiros de Umbanda que admitem a

presença em seus cultos determinam dias especiais, por exemplo, sexta-feira,

mas antes são tomadas providências. Tais espíritos pertencem ao reino da

Quimbanda, esquerda, que está em oposição à Umbanda, direita, considerada do

reino da Luz e do Bem. Segundo o autor Quimbanda foi o que restou da

macumba original após a apropriação feita pela Umbanda “[...] nela se realizam os

trabalhos mais pesados, que utilizam cabelos, unhas e ossos humanos, vísceras

de animais, terra de cemitério, etc. [...]” (MAGNANI, 1991, p. 35).

Outra diferença importante é que nas cerimônias públicas do Candomblé os

Orixás não se comunicam diretamente com a assistência visto que a finalidade

delas é a renovação e a reatualização da presença do orixá, por meio de cantigas

gestos e indumentárias ritualística. A comunicação se efetua por meio de “[...] um

sacerdote especializado – o babalaô – que, através do jogo de búzios ou colar de

Ifá, interpreta e transmite suas ordens e vaticínios” (MAGNANI, 1991, p. 36).

Na Umbanda ao contrário os espíritos descem nos iniciados para trabalhar, o

objetivo é o atendimento aos participantes da sessões, com conselhos, passes e

receitas. Autor identifica dois tipos de sessões: as de desenvolvimento e a de

trabalho ou demanda,

“[...] Nas primeiras os médiuns se capacitam progressivamente para dar passagem aos guias, a fim de que estes possam cumprir com

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sua missão de caridade na Terra, atendendo aos consulentes, mitigando seus sofrimentos, ajudando-os em suas dificuldades [...] Os iniciados aprendem a controlar o transe [...] diferentemente do candomblé, onde cada iniciado recebe apenas um orixá: o dono de sua cabeça” (MAGNANI, 1991, p. 36 - 37).

O processo de apropriação e reelaboração numa nova estrutura como foi o caso

da Umbanda não se deu sem conflitos. Além dos ataques da imprensa, Igreja e

outros setores da sociedade, resistências internas foram comuns. A depuração de

certos elementos dos cultos afros e indígenas operada pelos primeiros

umbandistas usando como filtro o Espiritismo Kardecista foi considerada uma

deturpação por alguns membros, que acusa na atualidade a presença de uma

onda de mistificação. Além de sugerir no seu processo de formação a

demonização daqueles cultos a partir de estereotipo já presentes no imaginário

religioso de seus adeptos engendrados em sua maioria no Catolicismo.

Nesta breve síntese pode-se observar que as perseguições aos cultos indígenas,

afro e, posteriormente, o espiritismo e o kardecismo, remontam à sua própria

constituição histórica num Brasil que durante séculos mesclou religião e política.

Igreja e Estado, primeiramente, depois um ou outro revestiu-se de práticas,

discursos e saberes elitistas, fundamentados no etnocentrismo, no evolucionismo

positivista e nos preconceitos culturais e raciais para legitimar e justificar as

perseguições e a demonização destas religiões. (MARIANO, 1999)

APÊNDICE 2

Jornal “A Folha Universal” nº 714

São Paulo – Hoje, quem a vê vaidosa, sorridente e “vendendo saúde em sua

floricultura no bairro da Pedreira (zona sul/SP), sequer imagina que Maria Aparecida

Santos, 47 anos, escapou da morte em um acidente de trânsito, ficou entrevada em

cima de uma cama e, de acordo com os médicos, só teria 15 dias de vida por causa

de um tumor no cérebro. Profundamente deprimida e sem expectativa de vida, viu

na morte a saída para tanto sofrimento.

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- Pensei: ”Preciso morrer”; e já tinha planejado tudo. Se não morresse do tiro,

morreria da queda no barranco da represa, pois eu não sabia nadar. Mas no

caminho vi uma luz e, ao chegar perto, vi que a luz vinha de dentro de uma Igreja

Universal. Então, decidi entrar para fazer uma oração – recorda.

Dois anos e meio sem andar Maria Aparecida nasceu com uma deficiência na

coluna que por anos a fez andar corcunda e manca.

- Nasci com duas vértebras coladas e minha perna esquerda eram maior que a

direita. Por isso, não conseguia andar ereta. Nas crises, tinha convulsões e

desmaios por causa da dor. Fui internada várias vezes e, em conseqüência dos

medicamentos, que eram muito fortes, acabei tendo úlcera de estômago – conta.

O problema de saúde piorou depois que Maria Aparecida quase morreu num

acidente de trânsito. Ela dirigia pela Avenida Cupecê, importante via da zona sul de

São Paulo, quando um veículo entrou na contramão e colidiu violentamente contra o

seu carro.

- No acidente, as duas últimas vértebras da coluna, próximas ao cóccix, se

descolaram e surgiram duas hérnias de disco. Por essa razão fiquei dois anos e

meio internada no Hospital Alvorada, em Santo Amaro, sem conseguir andar –

relembra. Vida transformada após a Fogueira Santa.

Enquanto aguardava para ser operada das hérnias, Maria Aparecida submeteu-se a

uma tomografia, em que foi detectado um tumor cerebral. O médico disse, que se

ela não morresse em 15 dias, prazo em que fariam uma cirurgia de emergência para

retirada do tumor, provavelmente morreria na mesa de cirurgia, pois estava muito

fraca.

Desenganada, Maria Aparecida começou a recusar todos os medicamentos. Até

que, certa noite, um pastor da Igreja Universal foi visitar uma pessoa que estava

internada no hospital, mas se enganou de quarto.

- Tentei falar que ele estava no quarto errado, mas ele pediu que eu ficasse em

silêncio e pensasse em Deus. Quando terminou de orar e tirou sua mão de minha

cabeça, a dor havia sumido. Consegui levantar da cama e andar. Vendo aquela

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melhora repentina, os médicos permitiram que eu passasse alguns dias em casa

antes da cirurgia. Mas mesmo assim decidi me suicidar – relembra.

Munida de um revólver, Maria Aparecida saiu de casa em direção à represa Billings,

decidida a pôr um fim àquele sofrimento. Porém, no meio do caminho, a luz vinda do

interior de uma Igreja Universal transformou completamente a sua vida.

- Entrei na IURD e tenho certeza de que aquele dia foi o início da minha libertação -

afirma.

Jornal “A Folha Universal” nº 715

Iara Maciel

Curitiba/PR – A experiência que a jovem Lannyce Corona Branco, 22 anos, teve aos

16, foi um grande marco em sua vida. Vítima de Síndrome de Reiter, doença

reumática que pode deixar graves seqüelas, a jovem perdeu totalmente a vista

esquerda e o movimento da perna direita, tendo que andar de muletas. Durante dois

anos, Lannyce chorou todas as noites.

- No auge da minha adolescência, eu vi todos os meus sonhos se distanciando cada

vê mais. No meu caso, a doença foi muito agressiva e os médicos não tinham

nenhuma perspectiva de melhoras – conta Lannyce.

Ela sentia muitas dores no corpo e o pé direito inchou muito, ficou preto e cheio de

hematomas.

- Fiquei vários meses com a perna engessada, mas cada vez que tirava o gesso,

meu pé estava pior. Durante seis meses eu fiquei sem poder andar; era carregada

ou usava muletas. Foi quando me submeti a uma cirurgia de reconstrução de tendão

– lembra Lannyce.

Ainda em recuperação, alguns meses depois, Lannyce sentiu que estava perdendo

a visão do olho esquerdo e, num espaço de apenas três dias, para seu desespero, já

não enxergava nada naquela vista.

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Com o olho muito inchado, completamente deformado, devido à inflamação que

aumentava a cada dia, os médicos decidiram aplicar uma injeção dentro da vista da

jovem.

- Sem resultado, falaram que o problema era irreversível, que eu deveria me

preparar para aquela nova fase da minha vida. Eu não gostava de Deus por estar

sofrendo com aquela doença. Também me odiava, acreditava que era culpada por

estar doente; eu só pensava em morrer, queria me suicidar – admite.

Devido aos medicamentos fortíssimos, Lannyce teve queda de cabelo, o corpo

inchou e ela adquiriu 10 quilos. Com auto-estima baixa, completamente debilitada,

Lannyce planejou várias formas de se suicidar, acreditando que só assim os

problemas terminariam.

O momento da cura

A mãe de Lannyce, Leonilse Corona, 39 anos, desesperada por ver a filha naquela

situação, também pensou em suicídio. Ela explica como aconteceu a cura de sua

filha.

- Eu estava totalmente desesperada. Desempregada e com altos gastos com

remédios, não tinha dinheiro nem ara comprar alimentos para meus filhos. Muito

deprimida, saí de casa com a intenção de me matar. Nesse dia entrei numa Igreja

Universal do Reino de Deus. Voltei para casa, e retornei à IURD com todos os meus

filhos – diz Leonilse.

Lannyce lembra que naquele dia entrou na igreja sem enxergar nada, carregada por

sua mãe.

- O pastor fez uma oração e manhã seguinte quando acordei já senti bastante

diferença na minha visão. Três dias depois, quando retornei à Igreja, eu estava

completamente curada do problema no olho – conta Lannyce.

Ela diz que aprendeu a agir a fé na IURD, e Deus fez o impossível se tornar

possível.

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- Esta experiência me levou a conhecer o Poder de Deus, e passamos a orar pela

cura da minha perna, que não demorou a acontecer. O Senhor Jesus me deu

também a cura interior, mas nada aconteceu da noite para o dia. A vitória só foi

possível porque eu e minha mãe unimos a nossa fé. Hoje tenho um profundo prazer

em viver – conclui Lannyce.

Jornal “A Fola Universal” nº 717

Silvana Cordeiro

São Paulo/SP – “Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as

nossas doenças” (Mateus 8.17).

A prova de que esta passagem bíblica é verdadeira tem nome e atende por Carmem

Fernandes Marques, 57 anos. Ela já havia se conformado em viver presa a uma

cadeira de rodas, quando um tumor cerebral tirou completamente sua expectativa de

vida. Porém, se agarrou à fé e hoje está completamente curada.

Folha Universal (FU) – Como a senhora foi parar em uma cadeira de rodas?

Carmem – Eu estava andando e torci o pé direito. Por causa desse acidente perdi os

ligamentos do tendão. Foram 32 dias de internação e todos os médicos diziam qu

nunca mais eu iria andar. Fiquei muito tempo na cama, depois um ano e meio em

uma cadeira de rodas.

FU – E o tumor no cérebro?

Carmem - Eu já estava conformada com a cadeira de rodas quando comecei a sentir

muita dor de cabeça. Eram dores violentas que me faziam gritar dia e noite. S

médicos pediram alguns exames e diagnosticaram um tumor maligno (câncer) de

dois milímetros na base do cérebro. Por causa da localização do tumor, eles não

quiseram operar e disseram a meu marido que eu teria no máximo uma ano de vida.

FU – E como explica o fato de hoje estar viva e andando perfeitamente?

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Carmem – A única explicação é a fé! Sabe quando você se segura em algo com as

duas mãos? Foi assim que me apeguei a Deus e Ele me salvou.

FU – Como isso se deu?

Carmem – Uma amiga, já falecida, ao saber da minha situação, me levou à Igreja

Universal. Era um verdadeiro sacrifício ir à igreja, porque íamos de ônibus e eu

ainda estava na cadeira de rodas. Mas não desanimei; participava das reuniões

diariamente, de manhã, de tarde e de noite. Comecei a fazer as correntes de

libertação e cura. Lembro-me de que participei da Fogueira Santa e depois de algum

tempo levantei da cadeira de rodas. Passei a andar com o auxílio de muletas e, mais

tarde, voltei a caminhar normalmente.

FU – Mas e o tumor na cabeça? A senhora não voltou ao médico?

Carmem – Voltei ao médico sim. Ele refez os exames e confirmou o diagnóstico. Só

que desta vez, a equipe médica decidiu fazer uma cirurgia para drenar o líquido que

estava em minha cabeça, em função do tumor. Novamente apelei para a fé e, depois

da cirurgia, quando eles compararam os exames, constataram que o tumor havia

sumido. Hoje tenho as cicatrizes na minha perna e na cabeça para provar tudo o que

Deus fez por mim.

FU – E os médicos, o que disseram sobre o seu caso?

Carmem – Eles ficaram tão surpresos que decidiram encaminhar todos os meus

exames e o meu prontuário para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que

estavam fazendo um estudo especial sobre a cura pela fé. O que são tumores

cerebrais?

Tumor ou neoplasia é o resultado do crescimento anormal de um tecido, devido à

multiplicação excessiva de suas células, e são classificados como benignos e

malignos.

Sob o ponto de vista clínico, um tumor benigno pode ser considerado maligno se

estiver localizado em uma estrutura que impeça sua remoção ou tratamento, no

caso de Carmem, em que estava localizado na base do cérebro (ilustração).

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Jornal “A Folha Universal” nº 719

São Paulo/SP – “A última coisa da qual me lembro é que parei no post de

combustíveis para abastecer e segui viagem. Pela gravidade do acidente tenho

certeza que eu fui salvo peãs mãos de Deus”, declara Nilton César dos Santos, 33

anos.

No dia 25 de fevereiro do no passado, ele trafegava pela rodovia Rachid Ayres (SP-

333), que liga as cidades de Assis e Marília, no interior de São Paulo, quando o

veículo que dirigia colidiu frontalmente com um caminhão que vinha no sentido

contrário. Pessoas que presenciaram o acidente e acompanharam o caso são

unânimes em afirmar que ele só estava vivo e sem seqüelas graças a um milagre.

O acidente

“Eu não via meus pais há mais de um ano, por isso, estava indo para Rancharia, no

interior do Estado, visitá-los. Saí de São Paulo à méis-noite da quinta-feira e viajei a

noite inteira. Por volta das seis e meia da manhã seguinte, errei a entrada de

Rancharia e acabei parando em um posto de gasolina na cidade de Assis para pedir

informação. Quando voltei para a estrada, o sono me pegou. Invadi a pista contrária

e bati de frente com um caminhão”, relata Nilton.

Quando voltou a si, ele já estava no Pronto-Socorro Municipal de Assis, imobilizado

por um colar cervical. Nilton conta que se desesperou quando a enfermeira pediu

que ele não tentasse se movimentar, pois havia uma suspeita de fratura na coluna e

o risco de ele ficar paraplégico.

Palavras contrárias

Depois de permanecer por quase nove horas numa maca, Nilton foi transferido para

o Hospital e Maternidade de Assis, onde só então foi receber o atendimento

adequado.

- Só no hospital é que foram me dar banho e retirar os cacos de vidro do meu rosto.

Na mesma noite passei por uma cirurgia para colocar uma haste e quatro parafusos,

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porque eu fraturei o fêmur. Na verdade, ele explodiu e se partiu em vários pedaços –

relembra.

Depois de dois dias, Nilton recebeu alta e foi para a casa dos pais, onde

permaneceu por uma semana. De volta à sua casa, em Taboão da Serra, município

da Grande São Paulo, foi submetido a uma nova bateria de exames.

- Os médicos em São Paulo disseram que eu precisaria passar por uma nova

cirurgia, pois a primeira não estava correta e poderia até me deixar paralítico ou com

seqüelas. Mas aquelas palavras contrárias não foram suficientes para abalar a

minha fé. Pensei comigo: “O que o médico tinha que fazr, já fez; agora é com Deus”

– ressalta.

A recuperação

Nilton decidiu que não iria se submeter a uma nova cirurgia. Ele teve que

permanecer um mês e meio deitado e, depois, mais quatro meses numa cadeira de

rodas. Começou a fazer fisioterapia e por três meses caminhou com o auxílio de

muletas.

- Disseram que eu teria dificuldades em caminhar sem um apoio e que não iria me

recuperar antes de uma ano e meio. No entanto, depois de oito meses eu já estava

caminhando normalmente e sem precisar sequer de bengala – frisa.

Transformação de vida

Nilton afirma que o Salmo 91 e as lembranças de quando chegou à Igreja Universal

foram fundamentais para que sua recuperação fosse rápida.

- Há dez anos, quando conheci a Igreja, eu era viciado em drogas e bebidas. Mas ao

ouvir o pastor falar que havia um Deus vivo, decidi me entregar e minha vida mudou.

Por isso, naquele momento difícil, não me abalei, pois sabia que tinha uma aliança

com Deus e que Ele não iria me abandonar. Eu falava para a minha esposa: “Não

posso ficar sem andar, porque tenho que trabalhar ainda mais para o Senhor Jesus,

pois devo minha vida a Ele” – testemunha Nilton, que atualmente é pastor da IURD.

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Jornal “A Folha Universal” nº 721

São Paulo/SO – As trajetórias de vida dos irmãos Maria Cristineide, 33 anos, e

Cristóvão Paulo da Silva, 35, são uma prova incontestável do poder da fé. Tudo

começou quando Neide – como Maria Cristineide gosta de ser chamada – estava

com 27 anos.

- Eu trabalhava e, de repente, começaram a aparecer manchas no meu corpo. Além

disso, passei a emagrecer, sentir muito cansaço, dores de cabeça e nos ossos. Fiz

exames no posto de saúde e o médico diagnosticou anemia profunda. Depois de

uma semana tomando o remédio que ele me receitou, acordei com as unhas, os

lábios e os olhos pretos e a pele amarelada – relembra.

Assustada, ela procurou o Hospital João XXIII, na Moca [sic], zona leste de São

Paulo, onde foi imediatamente conduzida à sala de emergência. Depois de uma

nova bateria de exames, o terrível diagnóstico: leucemia (câncer no sangue) em

estágio avançado.

- Os médicos me deram um mês de vida. Fui transferida para o Hospital das

Clínicas, onde iniciei o tratamento que, segundo os especialistas, tinha apenas 2%

de chance de dar certo. Foi nessa época que comecei a assistir os programas da

Igreja Universal pela televisão e, no período, sem que eu soubesse, meu irmão, que

estava preso no Carandiru também já estava buscando Deus por mim – conta.

Durante quatro meses, Neide foi submetida a quimioterapia, mas seu organismo

reagiu mal, ela passou a ter convulsões e chegou a ficar inconsciente por 24 horas.

Estava muito debilitada, pesando apenas 30 quilos. Mesmo assim, os médicos

decidiram fazer uma última tentativa, mas sem muitas esperanças de obter sucesso.

- Como não havia doadores compatíveis entre meus familiares, foi feito um

transplante autóctone (da própria medula do paciente). Minha medula foi retirada e

congelada durante 30 dias, período em que fiquei no isolamento e cheguei a ter

infecção hospitalar. Por um verdadeiro milagre, meu organismo reagiu e os médicos

conseguiram reimplantar a medula – recorda.

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Ele recebeu alta, mas ainda corria risco de morte. Porém, lembrou dos testemunhos

que havia visto na televisão.

- Minha mãe, mesmo sendo católica, me levou a Igreja Universal. Os obreiros

precisavam me carregar nos braços, pois eu estava fraca, careca e usava máscara.

Era época de Fogueira Santa e fiz um propósito com deus. Em menos de um mês,

quando retornei o hospital para refazer os exames, o médico ficou surpreso ao

constatar que eu estava curada, afinal, quando decidiram fazer o transplante, não

acreditavam sequer que eu sobreviveria – declara Neide, que hoje está

completamente curada.

Obra completa

Nem o aterrorizante ambiente da Casa de Detenção de São Paulo fez com que

Cristóvão Paulo da Silva, 35 anos, irmão de Neide, se arrependesse de seus erros e

desejasse mudar de vida. Preso diversas vezes por furto e condenado a cumprir

pena no extinto Carandiru, ele continuava viciado em crack e maconha e a traficar

facas dentro da cadeia. Por isso, constantemente era removido de pavilhão.

Mesmo tendo sido evangelizado pelos agentes religiosos da IURD que costumavam

visitar os presídios, Cristóvão não dava ouvidos à Palavra de Deus. Até o dia em

que recebeu a notícia de que sua irmã estava com câncer e só tinha um mês de

vida.

- Aquilo despertou a fé que existia em mim e comecei a me lembrar daquelas

pessoas que haviam falado que Deus podia curar e transformar vidas. Então, decidi

ir à Igreja Universal que havia dentro do Carandiru. Chegando lá, me ajoelhei e em

lágrimas pedi pela vida da minha irmã. Pela primeira vez na vida fiz um voto com

Deus e prometi que se Ele salvasse a minha irmã, eu me voltaria para os seus

caminhos. E foi o que aconteceu – testemunha.

No mesmo ano, Cristóvão foi liberto dos vícios e da prisão. Ao sair da cadeia,

manteve-se firme em seu compromisso de buscar a Deus e hoje sua vida está

completamente transformada.

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- Hoje tenho a alegria de ver minha irmã saudável. Casei-se com uma mulher de

Deus, Ivonete, e tenho um filho lindo, Cristian, que está com um ano e dois meses.

Trabalho por conta própria e já construí minha casa – finaliza satisfeito.

Jornal “A Folha Universal” nº 732

A busca pela solução de problemas e a comunhão com Deus têm levado muitos à

Igreja Universal. Nos templos diariamente são realizadas reuniões enfocando os

problemas que mais atingem a humanidade nos aspectos espiritual, familiar e no

financeiro e no que diz respeito à cura de doenças, muitas vezes consideradas sem

solução para a medicina.

No Rio de Janeiro, o bispo Romualdo Panceiro realiza a Concentração de Fé e

Milagres. Apesar da infra-estrutura e de oferecerem todo o conforto, os templos

tornam-se pequenos, já que multidões comparecem às reuniões.

Recentemente as Igrejas d Penha, na zona norte, Cabo Frio e Macaé, na Região

dos Lagos, receberam a visita do bispo Romualdo, que enfatizou a importância do

encontro com Deus.

- De repente você já procurou a solução de seus problemas em vários lugares, e não

encontrou. Coloque-os nas mãos do Senhor Jesus que, com certeza, o milagre vai

acontecer – pregou.

Os bispos Léo Vivas, Eduardo Lopes e os pastores Aldir Cabral e Alexandre de

Jesus participaram das concentrações onde também intercederam pelo povo.

Milagre na faília

Entre as milhares de pessoas presentes às reuniões estava Marineide Pereira de

Azevedo, 48 anos. Para ela, as reuniões são fundamentais, pois muitos se libertam

de problemas, como os que ela tinha antes de conhecer a IURD.

- Cheguei à Igreja com meus filhos doentes, meu marido envolvido com agiotas,

devendo oito meses de aluguel e luz – lembra.

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A situação, que era crítica, se tornou insustentável.

- A dona do mercado onde eu comprava fiado me convidou para ir à IURD. Hoje

tudo mudou e não passo mais necessidade. Conheci um Deus vivo que mudou a

minha vida – finaliza Marineide.

Jornal “A Folha Universal” nº 732

Contagem/MG – “Eu não acreditava mais na existência de Deus, pois o médico já

havia me desenganado. Mas, quando is tentar o suicídio pela terceira vez, ouvi um

programa de rádio que me fez procurar a Igreja Universal. Lá, o pastor me disse que

o Senhor Jesus já havia Se entregado na crus por mim, por isso, eu não podia

aceitar tanto sofrimento. Aquilo me fez pensar e lutar pela vida”, relembra Maria das

Graças Silva dos Anjos, 64 anos.

Casada, mãe de seis filhos e residente em um sobrado no bairro de Inconfidente, em

Contagem (região metropolitana de Belo Horizonte, MG), dona Graça, como é

conhecida, hoje esbanja saúde. Mas, há 18 anos, quando chegou à IURD, era o que

podemos chamar de “um farrapo humano”.

Desenganada pela medicina

Dona Graça conta que sempre foi saudável, porém, certo dia, começou a sentir

dores de cabeça e nas pernas. Foi ao hospital e não demorou a receber o

diagnóstico: meningite bacteriana. Imediatamente foi internada e depois de um breve

tratamento recebeu alta. Porém, mal sabia ela que o que parecia não passar de um

susto, era apenas o primeiro sinal de uma verdadeira via-crúcis.

- Depois de dois anos, fui internada pela segunda vez, também com meningite. Na

época, eu era muito religiosa e cheguei a procurar um rezador, que disse que eu

estava com encosto. A partir daí, tudo piorou. Passei a ter hemorragias, sofri três

cirurgias no útero, até foi preciso retira-lo. Também fiz três cirurgias na coluna por

causa do surgimento de uma hérnia de disco. Além disso, as dores de cabeça não

passavam, eram tão fortes que eu tinha crises de desmaio. Cheguei a ser internada

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dez vezes no hospital Galba Veloso, em Contagem, com suspeita de doença mental

– recorda.

Contudo, o pior ainda estava por vir. Pela terceira vez, Maria das Graças foi

internada com meningite, agora com um agravante: ela seria submetida a uma

cirurgia no cérebro.

- O médico disse que as meningites estavam sendo causadas por uma fístula (uma

espécie de canal ou cavidade) que estava fazendo com que o líquido do cérebro

saísse por minhas narinas, por isso a cirurgia era a única forma de cura – relata.

A operação correu bem, mas o resultado não foi o esperado. Dona Graça voltou a

ter meningite por mais duas vezes. Os médicos alertaram que uma ova reincidência

da doença poderia matá-la, já que clinicamente não havia mais o que ser feito.

Nascendo de novo

Mais que o sofrimento físico, a doença trouxe também dor à alma e destruiu a

família de Maria das Graças, que viu na morte uma saída.

- Eu estava desenganada pelos médicos, meu marido, viciado em bebida e com

amantes, meus filhos viviam largados. Por isso, pensei em matar todos e depois me

suicidar. Esperei minha família dormir, abri o gás, mas não tive coragem de atear

fogo. Foi então que tentei me enforcar, mas minha filha consegui me impedir –

testemunha dona Graça, que tentaria pela terceira vez tirar a própria vida. E foi

durante essa última tentativa que algo extraordinário aconteceu.

- Era meia-noite, todos estavam dormindo e me levantei decidida a me matar.

Estava amarrando a corda no telhado para me enforcar. Foi quando ouvi no rádio

um programa da Igreja Universal. As palavras do pastor me fizeram desistir da

morte. Naquele momento me ajoelhei, comecei a chorar e a falar com Deus. No dia

seguinte, procurei a Igreja e passei a seguir as orientações do homem de Deus, que

me ensinou a usar a minha fé, determinando a cura na minha vida. Hoje, não só

estou curada de toda e qualquer enfermidade como fui transformada. Meu

casamento foi restaurado e meus filhos são uma bênção – conclui Maria das

Graças. “Somente Deus poderia salvá-la”.

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“Minha mãe não tinha vida e, com isso, todos nós sofríamos. Seus desespero era

tanto, que ela tentou suicídio mais de uma vez. O pior momento foi quando precisou

ser internada para fazer a cirurgia na cabeça. Depois de tanto sofrimento, vê-la,

hoje, como está é uma grande alegria. Somente Deus poderia ter feito algo tão

grande”, conta Sônia da Silva dos Anjos, 38 anos, filha de Dona Graça.

“Era uma pessoa sofrida e sem paz”

“Somos amigas desde a infância. Lembro-me quando a doença passou a ser uma

constante na vida de Graça e ela se tornou uma pessoa muito sofrida e sem paz.

Vivia mais nos hospitais do que em casa. Aos olhos humanos sua cura era

impossível. Tenho prazer em estar perto dela, porque ela me transmite vida”, diz

Joana D’arc da Costa, 43 anos, aposentada, vizinha e amiga de Maria das Graças.

Jornal “A Folha Universal” nº 733

DIVIDIA ESPAÇO COM URUBUS NO LIXÃO

Jorge O’hara

Não sei nem se posso chamar aquilo de vida. Era muita miséria. Vivia como um

urubu nos lixões em busca de comida, recorda, chorando, Maria da Conceição

Figueira Alves, de 47 anos, que sobrevivia das migalhas disputadas ni lixão de

Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro.

De uma família pobre, com nove irmãos, Conceição conta que chegou um momento

em que a crise financeira atingiu seus pais. Foi quando os filhos tiveram que sair

mais cedo de casa para levar o sustento ao lar.

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- Por incrível que pareça, fomos buscar refúgio no lixão. Eu e meus irmãos

catávamos xepa, papelão, cobre, alumínio e vendíamos para sobreviver – lembra.

Em meio a material hospitalar, incluindo seringas e gaze, ela confessa que chegou a

comer restos do lixão.

- Comi galinha, frutas e usei roupas do lixo. Na verdade eu competia com os urubus,

porque ficava literalmente com a cabeça enfiada no lixo. O mau cheiro era

insuportável, sem contar que disputava material com outros catadores. Chegava até

a sair briga, tudo pela sobrevivência – relata.

Contudo, Conceição conta que o momento mais difícil de sua vida foi quando teve

que se prostituir para comprar comida para o filho recém-nascido.

- Uma vez vizinhos tiveram que amparar meu filho, dando um prato de comida,

porque ele se contorcia de tanta fome – lembra, bastante emocionada, Maria da

Conceição.

Com isso, ela contraiu doenças venéreas, entre elas, sífilis e cancro.

- Eu não podia vestir peças íntimas, andava com vestidos largos porque a dor era

insuportável – revela.

De catadora à empresária

A mudança de vida começou quando Conceição passou por mais um sofrimento.

Segundo ela, um dia choveu forte, durante dez minutos, e a casa onde morava, em

Realengo, na zona oeste da cidade, encheu de água, tendo que ficar com os filhos

em cima do muro até que a água baixasse.

- Eram ratos e baratas subindo pelas paredes. Então desabafei com Deus: “Nem

cachorro agüenta isso. O Senhor tem que me tirar dessa lama!”

A esperança de mudar de vida surgiu quando ela ouviu um convite de um astor

através da programação da Igreja Universal numa emissora de rádio.

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- Não tinha mais perspectiva de vida, cheguei a tentar suicídio duas vezes, mas

aceitei o convite e comecei a participar das correntes de libertação, seguindo à risca

tudo o que os homens de Deus orientavam a fazer – recorda.

Hoje Maria da Conceição é outra pessoa. Ela não passa mais necessidades, não se

prostitui, está casada e se tornou empresária.

- Hoje sou dona de escola, foi um presente de Deus para mim. Reconheço que o

que habitava em mim era um espírito de miséria, mas não olhei para as dificuldades

e segui buscando minha felicidade. Hoje minha vida está pautada na Palavra de

Deus – testemunha Conceição.

LIVRES DAS PREOCUPAÇÕES

Iara Maciel

São muitas as pessoas que vivem ansiosas por respostas em várias áreas das suas

vidas. Quando isto não acontece, se desesperam e desistem de lutar. Esta

observação tem sido feita nas concentrações de Fé e Milagres realizadas pelo bispo

Romualdo Panceiro, nas Igrejas do Rio de Janeiro. Durante as reuniões, que sempre

ficam superlotadas, ele tem explicado porque isso ocorre.

- O Senhor Jesus nos adverte que não devemos nos entregar à inquietação. A

pessoa deve ter consciência de que Deus sabe das necessidades de cada um. Isto

não significa que se deve cruzar os braços, mas aprender a lutar sem ansiedade –

orientou o bispo em recente concentração realizada domingo, às 10 horas na

Catedral Mundial da Fé.

Ele citou o exemplo bíblico das irmãs Marta e Maria.

- Quando o Senhor Jesus entrou na casa delas, Maria considerou que Ele era mais

importante do que tudo que ela estava fazendo, já Marta continuou ansiosa nos seus

afazeres; para ela, eles eram amis importantes – disse.

O bispo falou dos peri-gos [sic] da ansiedade na vida do ser humano.

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- As pessoas se destroem, ficam deprimidas e perdem a direção de Deus em suas

vidas. Elas trocam o Senhor pelas suas preocupações, conforme aconteceu com

Marta. Quem conhece a Deus não se desespera, pois Ele sabe das nossas

necessidades, daí a importância de ter o encontro com Ele – observou.

O tormento acabou

Ao ouvir os exemplos citados pelo bispo Romualdo, Josiane F. C. Calazans, 26

anos, relembrou que era muito ansiosa.

- Há cinco anos, era depressiva devido à ansiedade e tinha insônia, um vazio

interior. Participando das reuniões de libertação e aos domingos fui liberta. Hoje o

Senhor Jesus ocupa o primeiro lugar em minha vida – afirmou.

Jornal “A Folha Universal” nº 745

VIVA APÓS TIRO NO OUVIDO

“Eu era muito infeliz, via vultos, ouvia vozes, tinha desejo de morrer desde criança.

Aos 15 anos comecei a beber muito e a usar cocaína. Tentei o suicídio duas vezes

e, na última vez, só não morri porque minha mãe fez um porpósito com Deus na

Fogueira Santa do Monte Sinai. O Senhor Jesus ouviu o seu clamor e me salvou da

morte”, conta a auxiliar de enfermagem Cristina Ziebarth, 24 anos.

Quem acompanhou a louca vida que a jovem levava custa a acreditar em sua

mudança.

- Mesmo sendo menor de idade, ela freqüentava os lugares mais perigosos e

proibidos. Minha mãe e meu padrasto tentavam me alertar que aquela vida estava

errada, mas eu não dava ouvidos – admite.

Tentativa de suicídio

Aos 17 anos, devido às brigas em casa, Cristina foi morar com uma amiga, mas

também não deu certo.

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- Um dia peguei uma corda, amarrei no pescoço e fui apertando aos poucos. Senti

dor, comecei a ficar roxa e a chorar. Queria morrer, mas lago me impedia de

continuar. Voltei para casa, fui ao médico e ele disse para eu fazer um tratamento

psiquiátrico, mas não levei a sério. Ao contrário, aprofundei-me nos vícios – relata.

Risco de morte

Aos 19 anos, Cristina Ziebarth acreditava que sua vida não tinha a menor

importância. Um dia chegou em casa, pegou a arma do padrasto, que era

segurança, e se trancou no quarto.

- Coloquei a ama no ouvido e atirei. Quando percebi que ainda não tinha morrido,

pensei em pega-la novamente e dar o segundo tiro. Mas minha mãe arrombou a

porta e me levou para o hospital. Eu fiquei consciente todo o tempo, não senti dor,

sangrei pouco, mas perdi o nervo facial direito, na hora meu rosto entortou todo –

relembra.

O caso da jovem era gravíssimo. Os médicos lhe deram apenas três horas de vida.

Se escapasse da morte, poderia fica numa cadeira de rodas ou com alguma

deficiência.

O voto com Deus

Dona Tereza Pankal, mãe de Cristina, conta que tentou em diversas religiões mudar

o comportamento da filha. Ela dizia que, desde criança, a filha era perturbada pelos

encostos, ouvia vozes e via vultos.

- O médico disse que eu tinha que leva-la para um hospital particular. Falou ainda

que era para eu vender a casa, carro ou algum bem material par pagar os gastos e

salvar a vida dela – lembra.

Tereza se dirigiu ao banheiro do hospital e fez um clamor a Deus.

- Lembrei do meu voto com Ele na Fogueira Santa. Falei ao Senhor Jesus que a

vida da minha filha estava nas mãos d’Ele. Se quisesse poderia livra-la da morte,

mas se fosse para continuar com a mesma vida, então que a levasse. As pessoas

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me criticaram muito, mas não dei ouvidos, apenas confiei em Deus. Pois o voto que

fiz era a certeza da minha vitória – acrescenta Tereza.

O impossível aconteceu

Em pouco tempo, Cristina foi levada para um hospital público melhor equipado, fez

os exames necessários e ficou apenas cinco dias internada.

- O neurologista me chamou e explicou que a bala estava alojada na cabeça, mas

que ela não corria perigo. Explicou que ela tinha perfurado o tímpano e teria apenas

que usar um medicamento no ouvido e nos olhos durante a vida toda, para não ficar

surda e cega completamente, mas nem isso foi preciso – assegura.

Mudança de vida

Após sua recuperação, Cristina Ziebarth ainda relutou em entregar sua vida nas

mãos de deus, mas, aos poucos, começou a ir à IURD.

- Freqüentei reuniões em horários diferentes dos da minha mãe, até que um dia a

convidei ara irmos juntas. Era o dia do meu batismo nas águas. Nunca mais precisei

tomar remédios. Hoje sou uma nova pessoa, graças aos votos de minha mãe na

Fogueira Santa do Monte Sinai – testemunha.

Jornal “A Folha Universal” nº 746

Os grandes milagres da Fogueira Santa de Israel

“Eu vi a grandeza de Deus no Sinai”

Johanesburgo/África do Sul – “Cheguei à Igreja Universal do Reino de Deus

arruinado e morando em um barraco. Quando chovia, tínhamos que nos mover

durante toda a noite, pois havia infiltrações em vários lugares”, recorda o hoje bem-

sucedido empresário Siviwe Mpengesi. Ele garante que o grande diferencial em sua

vida foi o fato de ter participado da Fogueira Santa do Monte Sinai.

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Com a sua vida completamente destruída começou a participar dos propósitos de

oração da Igreja Universal.

- De imediato consegui um emprego. Trabalhava como segurança, porém não

estava feliz, meu salário não chegava a US$ 200 por mês. Quando se iniciou o

propósito da Fogueira Santa, fiz meu vota com Deus. E foi nessa campanha que Ele

mudou minha visão, pois desde então passei a crer que eu poderia abrir a minha

própria companhia de segurança – conta.

Decidido a mudar de vida, Siviwe conseguiu registrar uma empresa, que logo

começou a prosperar. Em menos de um ano já estava com mais de 100

funcionários.

- Além disso, eu pude morar em outra casa, deixando para traz aquele barraco que

chovia mais dentro do que fora. Também comprei um carro zero – relata.

Tudo ou nada

Segundo Siviwe, apesar da visível mudança, muitos duvidavam da sua

prosperidade.

- Muitos me diziam: “Isto é obra do destino”; “Alguém o ajudou”; “Você tem muita

sorte”. Essas palavras provocavam uma revolta muito grande dento de mim. Fiz

novamente o propósito da Fogueira Santa e decidi sacrificar mais do que nunca.

Queria começar do zero para que todos soubessem que o que eu havia adquirido

veio por intermédio de uma prova de fé. Empenhei-me ao máximo, dei o meu tudo.

Fiz questão de ficar na dependência do Senhor Jesus – assegura.

Honrado por Deus

Após o seu voto com Deus, ele garante que foi duplamente abençoado.

- Abri uma outra companhia que agora me proporciona um excelente lucro mensal.

Tenho mais de 300 empregados e ampliei meus negócios. Minha empresa é

responsável pela manutenção do aeroporto que um dia eu era um mero segurança.

Todas às vezes que vou ao aeroporto, meus antigos colegas de trabalho são os que

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abrem o portão para mim. Eles não acreditam no que aconteceu na minha vida –

garante.

Mudança surpreendente

Constantemente, Siviwe é indagado como um negro que possui apenas um

certificado de segurança e se tornou um grande empresário na África do Sul.

- Eu sempre respondo dizendo que minha vida mudou através do poder de Deus,

pois não tenho nenhum diploma. Meu único estudo é a minha fé. Hoje tenho seis

carros novos. Comprei uma casa enorme onde eu e minha família estamos vivendo

em perfeita paz e harmonia. Muitos dos que eu lutava para virem à Igreja e que me

criticava, hoje me perguntam: “O que eu posso fazer para ter uma mudança de vida

que você teve?”. Sempre respondo que eu vi a grandeza de Deus no Sinai –

testemunha.

Jornal “A Folha Universal” (Agosto de 2006)

Florianópolis/SC – Para a empresária Antonieta Max dos santos, 36, o dízimo é

fundamental para se ter uma vida vitoriosa. Dona de uma conhecida panificadora e

confeitaria de Joinville, afirma que o seu progresso financeiro provém de sua

lealdade a Deus.

Antonieta recorda que nasceu numa família pobre e começou a trabalhar cedo como

doméstica para ajudar nas despesas. Pensando em melhorar de vida, casou-se

jovem, porém os problemas logo começaram.

- Meu esposo tinha um bom salário, mas o dinheiro não rendia. Com isso,

começamos a adquirir dívidas que aumentavam. A miséria era tanta que meus filhos

não tinham o que comer ou vestir e vivíamos de doações – relata emocionada.

Financeiramente fracassada, nome sujo na praça, cheques devolvidos e devendo a

agiotas. Foi assim que Antonieta chegou à Igreja Universal.

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- Freqüentando as reuniões aprendi que para vencer teria que colocar em prática a

fé e ser dizimista fiel. A partir daquele dia minha vida mudou radicalmente. Eu estava

desempregada e comecei a fazer bolachas caseiras para vender nas ruas da cidade

– diz.

Em pouco tempo, o saboroso biscoito ficou conhecido e, devido à grande quantidade

de vendas, ela conseguiu quitar todas as dívidas e recuperar o crédito.

- Com muita luta, adquiri uma panificadora e confeitaria, que é uma das mais bem

equipadas e bonitas da região. Sou dizimista fiel e tenho prosperado a cada dia,

tenho desfrutado de uma vida de fartura e bênçãos. Tudo o que conquistei é

resultado de minha fidelidade a Deus – conclui.

São Paulo/SP – A boa aparência, inteligência e esforço de Selma da Costa, 32, não

foram suficientes para garantir-lhe um bom emprego.

- Eu não parava mais do que três meses em um emprego: quando não era demitida,

pedia demissão. Cheguei a trabalhar como diarista, faxineira e vendedora

ambulante, mas também não deu certo. Isso me deixava muito frustrada e deprimida

– lamenta.

Um dia, Selma recebeu um convite para participar de uma reunião na Igreja

Universal. Ela foi, não gostou do que ouviu e, por isso não retornou. Porém, a

semente foi plantada em seu coração.

- Lembrei-me do pastor dizendo que Deus poderia mudar a minha vida e decidi

conferir. Foi quando descobri que eu ouvia falar de Deus, mas não O conhecia.

Comecei a participar das reuniões e aos poucos, a velha Selma morreu. Fui liberta

dos vícios e de todo o mal que atrapalhava a minha vida. Passei a ser dizimista fiel

pois tinha sede de vencer – recorda.

Selma começou a trabalhar como manicura, foi se especializando na área de beleza

e estética até abrir o seu salão num ponto comercial privilegiado da cidade de São

Paulo. Ela afirma que tudo o que possui atualmente é fruto da sua fidelidade a Deus.

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- Ser dizimista é tudo, porque quando você é fiel nos dízimos, Deus te honra. Hoje o

Senhor Jesus é meu sócio. Sou grata por tudo o que tenho e por ser dizimista –

testemunha.

Jornal “A Folha Universal” nº 763 (novembro de 2006)

De bóia-fria a empresário

Alice Mota

Como acontece com muitos brasileiros, Ary Tavares Alves, 49 anos, começou a

trabalhar na roça quando ainda era criança. Aos 21, deixou os pais e os irmãos mais

novos no interior do Estado do Espírito Santo e foi buscar uma vida melhor na

cidade do Rio de janeiro. No início, aquilo que parecia ser um sonho passou a ser

um sofrimento: de bóia-fria passou a camelô. Agora, ele não plantava, vendia

plantas na feira; não comia mais em marmitas, bebia água da torneira, e era a

vizinha quem lhe dava um prato de comida; não vivia mais com os pais, morava num

quartinho sem janela e banheiro e não andava mais pelos campos, mas por ruas

barrentas e sem tratamento, onde morava num barraco.

Muitas humilhações

Foram anos difíceis. A situação, que já era terrível, piorou quando se casou. A

esposa Cristiane, que antes de casar tinha uma vida estável com os pais, passou a

ajuda=lo.

-Minha esposa nunca havia passado necessidades com os pais. Isso me angustiava.

Quando casamos, aluguei um imóvel, mas não consegui mantê-lo por muito tempo.

Fomos então morar em uma casa própria que eu já tinha, porém com muitos

problemas: janelas quebradas e portas sem fechadura. Para melhorar nossa renda,

ensacávamos legumes e oferecíamos de casa em casa – lembra.

Ary tinha um carro, mas enguiçava com freqüência por causa de falta de gasolina ou

por problemas mecânicos, que causava muitos constrangimentos ao casal.

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- Era uma Kombi velha que precisava ser empurrada. A minha revolta contra aquela

situação aconteceu no dia em que vi minha esposa grávida, empurrando, junto

comigo, aquele carro enguiçado num engarrafamento. As pessoas olhavam e não

ajudavam. Naquele momento, fiz um clamor a Deus: “Senhor, não posso mais vier

nessa situação. Não aceito essa vergonha” – conta Ary.

Momento de transformação

O ex-bóia-fria chegou a IURD muito desmotivado, mas ainda restava a esperança de

que o Senhor Jesus pudesse mudar a sua vida. Após ter recuperado sua auto-

estima passou a fazer propósitos com Deus.

- Decidi participar da Fogueira santa, fui perseverante e em nenhum momento

duvidei que seria abençoado. Hoje sou um empresário, proprietário de uma grande

floricultura. Temos três caminhões, carros de passeio, casa de praia, sítio – onde

crio gado -, imóveis alugados e terreno em um condomínio, onde vou construir uma

casa ainda melhor para morarmos. Eu e Cristiane somos felizes com nossos filhos,

Ary júnior, de 13 anos, e André, de 10 – testemunha.

Jornal “A Folha Universal” nº 767 (dezembro de 2006)

De endividado a empresário bem-sucedido

Americana/SP – “Trabalhei durante 22 anos agindo pela força do meu braço sem,

contudo, conquistar absolutamente nada. A mudança, em todos os sentidos, só

aconteceu quando Deus tomou a direção da minha vida e eu aprendi que somente

através do sacrifício seria possível uma transformação completa, porque até então

só havia tido melhoras. Participei da Fogueira Santa porque não agüentava mais

sofrer e a minha vida mudou completamente”, declara o empresário do ramo

fotográfico Aristodemo Caetano Gatti, 53 anos.

Sem direção

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Ele conta que, mesmo trabalhando muito, não conseguia propiciar à família um

conforto financeiro em função dos problemas do dia-a-dia, passava a maior parte do

tempo nervoso, deprimido e irritado com tudo e com todos.

- Tratava as pessoas com grosseria: clientes, fornecedores, funcionários. Em casa

não era diferente. Quando me casei, tudo parecia perfeito, mas logo começaram as

brigas. A princípio verbais, mas, com o passar do tempo, intensificaram-se, até

tornarem-se agressões físicas – chegamos ao extremo de arrancar sangue um do

outro. Por diversas vezes ameaçamos nos separar. Era uma destruição total. O

relacionamento com meus filhos era muito complicado. Muitas vezes eu negava o

que eles me pediam não apenas pela situação financeira, mas porque era uma

pessoa ruim de coração. Não os via com carinho, com amor. Na verdade tinha um

vazio imenso na alma. Eu não tinha paciência e vivíamos numa desavença sem fim

– relembra.

No aspecto profissional, Arisodemo não conseguia alcançar sucesso, embora

tivesse muita experiência no segmento em que atuava – e ainda atua.

- O meu problema era a falta de ponderação. Queria resolver tudo na hora, do meu

jeito, o que acabava prejudicando o meu trabalho, afinal, não tinha uma direção

certa, queria agir de acordo com os meus pensamentos. Chegou uma época em que

entrei em desespero, pois as dívidas se acumulavam e eu não via uma saída para

quitá-las.

Um dia, na loja, Aristodemo sentiu uma angústia profunda. Estava imensamente

descontente e infeliz. Chorou muito porque não sabia mais o que fazer para dar um

fim a tanto tormento. Passou muitas noites em claro e quando conseguia dormir,

acordava mal, pois ficava pensando em uma forma de resolver os problemas. Na

época, estava disposto a vender a única loja que possuía para pagar as dívidas que

havia contraído e voltar a ser um funcionário.

O desejo de mudança

A transformação começou a acontecer quando a esposa, Sandra Gatti, chegou à

IURD e passou a agir de forma diferente dentro de casa. Ela já não revidava as

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agressões do marido, agia com amor e tranqüilidade, o que o fez procurar entender

o que estava acontecendo.

- O comportamento dela mudou, não brigávamos mais, ela passou a me ouvir e isso

fez a diferença porque eu também desejei mudar. Nesse intervalo, Sandra participou

da Fogueira Santa e fez um propósito em favor da nossa vida sentimental e familiar.

Seis meses depois decidi acompanha-la à Igreja – conta.

- Comecei a fazer as correntes e a mudança foi acontecendo dentro de mim. Claro

que não foi da noite para o dia, exigiu muita perseverança. Na ocasião, ouvi falar da

Fogueira Santa, decidi participar e Deus mudou minha visão, deu-me nova direção.

Com muito sacrifício, as coisas foram mudando: a loja – que outrora estava em

queda – começou a prosperar, o trabalho dobrou, novos clientes chegaram e eu

aprendi a conciliar tudo com tranqüilidade. Já não era mais aquela pessoa agressiva

– afirma.

A volta por cima

Profissionalmente, a vida de Aristodemo deu uma guinada.

- Teve a oportunidade de abrir a segunda loja; algum tempo depois, a terceira e,

atualmente, estamos com a quarta loja, algo imponente e inovador, com

equipamentos de última geração. Antes, só colhia derrota, mas hoje, após nove

anos na presença de Deus, tudo se fez novo. Recentemente adquiri um terreno

onde construiremos a sede da empresa. Temos carros e moramos em uma casa

ampla, da forma que sonhamos. Nosso casamento foi restaurado, meus filhos

trabalham comigo nas lojas e hoje vivemos em harmonia. Enfim, houve uma

transformação em nossas vidas em todos os sentidos – conclui o empresário.

ACONTECEU NA UNIVERSAL

Fé que promove a superação

Salvador/BA – A baiana Elísia de Souza Montenegro, 44 anos, é mais um

incontestável exemplo de que a fé, quando usada de forma inteligente e pautada na

palavra de Deus, influencia positivamente a vida daqueles que a praticam.

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Proprietária de duas lojas, ela comercializa peças femininas que vão da moda praia

ao jeans. A empresária conta que enfrentou momentos difíceis, quando, de repente,

as vendas caíram e suas dívidas só aumentavam. Com isso, passou a viver

angustiada e desesperada.

- Quem tem uma empresa sabe que existem momentos em que há débitos, porém

sempre com o planejamento para saldá-los. Fi=ui acumulando dívidas e não sabia

como pagá-las. A minha auto-estima declinou – relembrou.

Foi sem ânimo para prosseguir que Elísia chegou ao Templo Maior da Igreja

Universal, localizado na Avenida Antônio Carlos Magalhães 4278, em Salvador. Lá,

ela aprendeu a usar a fé como arma para mudar aquela situação. Na IURD

entendeu a importância de se tornar dizimista. Ciente de que nada acontece da noite

para o dia, Elísia lutou e perseverou, mesmo nos momentos em que as coisas

pareciam não dar certo.

- O fato de ter aprendido a confiar em deus e a devolver o dízimo fez toda a

diferença na minha vida. Recuperei minha auto-estima, consegui pagar as dívidas e

tenho seguido em frente, investindo e colhendo bons frutos. As lutas sempre vêm,

assim como as vitórias também – finalizou.