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Ano VIII, n. 04 Abril/2012 A igreja midiática: uma análise da Igreja Universal do Reino de Deus on-line Odlinari Ramon Nascimento da SILVA 1 Resumo O presente estudo traz à tona o processo de midiatização das igrejas evangélicas brasileiras atentando para as mudanças no discurso religioso. A partir da análise de um programa de rádio, denominado Palavra Amiga, retransmitido pelo canal de TV do site Arca Universal, IURDTV, observamos o uso maciço dos meios de comunicação por uma instituição religiosa que cresce surpreendentemente no país. A Igreja Universal do Reino de Deus, através de seus dispositivos comunicacionais, se mantém no topo das igrejas que mais usam os aparatos tecnológicos para divulgar e garantir seu espaço numa sociedade do espetáculo. Na análise do programa escolhido foi observado empiricamente o conteúdo dos discursos proferidos pelo líder máximo da igreja, o bispo Edir Macedo. Além de enfatizar a trajetória dessas novas religiosidades midiáticas com o objetivo de gerar um novo ambiente religioso no país. Mais atual e totalmente modificado por conta da utilização dos variados meios comunicacionais. Palavras-Chave: Midiatização. Religiosidades. Espetáculo. Introdução Na contemporaneidade, a realidade é midiatizada e logo percebemos sua transformação por conta da midiatização. E nesse mundo midiático, as relações da mídia com outras esferas sociais, logo, tende a midiatizar as relações com seus agentes. O foco deste trabalho está baseado na midiatização da religião, especialmente na utilidade dos meios de comunicação por parte das igrejas evangélicas, considerando o maior exemplo desse uso, a igreja Universal do Reino de Deus (IURD). É interessante constatar que no caso da IURD, já não encontramos mais um grande líder que use um determinado meio para pregar aos seus fiéis. O grande líder fundador dessa igreja, bispo Edir Macedo, a muito não faz aparições televisivas. Em contrapartida, utiliza-se 1 Graduado em Comunicação Social, habilitação Rádio e TV, pela UFPB.

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  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    A igreja miditica:

    uma anlise da Igreja Universal do Reino de Deus on-line

    Odlinari Ramon Nascimento da SILVA1

    Resumo

    O presente estudo traz tona o processo de midiatizao das igrejas evanglicas brasileiras

    atentando para as mudanas no discurso religioso. A partir da anlise de um programa de

    rdio, denominado Palavra Amiga, retransmitido pelo canal de TV do site Arca Universal,

    IURDTV, observamos o uso macio dos meios de comunicao por uma instituio religiosa

    que cresce surpreendentemente no pas. A Igreja Universal do Reino de Deus, atravs de seus

    dispositivos comunicacionais, se mantm no topo das igrejas que mais usam os aparatos

    tecnolgicos para divulgar e garantir seu espao numa sociedade do espetculo. Na anlise do

    programa escolhido foi observado empiricamente o contedo dos discursos proferidos pelo

    lder mximo da igreja, o bispo Edir Macedo. Alm de enfatizar a trajetria dessas novas

    religiosidades miditicas com o objetivo de gerar um novo ambiente religioso no pas. Mais

    atual e totalmente modificado por conta da utilizao dos variados meios comunicacionais.

    Palavras-Chave: Midiatizao. Religiosidades. Espetculo.

    Introduo

    Na contemporaneidade, a realidade midiatizada e logo percebemos sua

    transformao por conta da midiatizao. E nesse mundo miditico, as relaes da mdia com

    outras esferas sociais, logo, tende a midiatizar as relaes com seus agentes.

    O foco deste trabalho est baseado na midiatizao da religio, especialmente na

    utilidade dos meios de comunicao por parte das igrejas evanglicas, considerando o maior

    exemplo desse uso, a igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

    interessante constatar que no caso da IURD, j no encontramos mais um grande

    lder que use um determinado meio para pregar aos seus fiis. O grande lder fundador dessa

    igreja, bispo Edir Macedo, a muito no faz aparies televisivas. Em contrapartida, utiliza-se

    1 Graduado em Comunicao Social, habilitao Rdio e TV, pela UFPB.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    muito do rdio e agora da internet com um canal 24 horas no ar. Contudo o uso da televiso

    por parte da IURD bastante amplo.

    O motivo que me levou a estudar esse fenmeno foi o meu interesse em

    analisar/compreender o processo de midiatizao das igrejas evanglicas.

    A concepo dessas religiosidades que olham o mundo miditico apenas como

    dispositivo tecnolgico, debaixo de suas alegaes de que no podem cumprir o Ide do

    Senhor Jesus para evangelizar sem que haja o auxlio dos modernos meios de comunicao,

    tm preocupado vrios pesquisadores em Comunicao em todo o pas.

    Esta pesquisa, alm de somar a uma srie de estudos j realizados no Brasil por

    professores, estudantes e interessados no assunto, faz sentido pelo motivo da forte ligao

    cotidiana, simblica e imaginria do fenmeno religio e mdia.

    Entender como a midiatizao, enquanto processo transformador com o objetivo de

    gerar um novo ambiente do ser e estar, vem transformando as igrejas evanglicas que

    fazem parte de um campo religioso que se articula com o campo comunicacional.

    Estudar a midiatizao das igrejas evanglicas contribuir na construo do alicerce

    de um projeto que j vem requerendo muito esforo e cuidado por parte de seus pesquisadores

    e essa contribuio a fim de construirmos uma rea de estudo mais consolidada, se configura

    na justificativa desta pesquisa, enquanto trabalho de concluso de curso de graduao na rea

    da Comunicao Social.

    Esse estudo, por fim, tende refletir sobre a relao, cada vez mais intrnseca, entre

    mdia e religio e o crescimento dessas novas religiosidades miditicas no Brasil, com olhares

    voltados ao fenmeno iurdiano.

    1 Noo de campos sociais e suas interaes

    Compreender as funcionalidades e as interaes dos Campos Sociais, os quais formam

    a sociedade e a define como um grande conjunto estruturado em pequenos universos, nos leva

    a citarmos alguns autores que, com o mesmo intuito de estudar o fenmeno da midiatizao

    da sociedade, debruaram-se sobre a definio de Campo.

    Cabe aqui, recorrermos ao socilogo francs, Pierre Bourdieu, que nos transmite o

    conceito de Campos Sociais a partir de uma inspirao nos mbiles de Calder (1898-1976)

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    com o objetivo de visualizar a sociedade por meio de pequenos universos que se articulam

    entre si. Loyola (2002) entrevistou Bourdieu e registrou onde o socilogo foi buscar a

    definio para Campos Sociais:

    Pierre Bourdieu se inspirou nos mbiles de Calder para visualizar a

    sociedade na formao de pequenos universos que balanavam uns em

    relao aos outros, representando assim os campos sociais onde a sociedade

    se forma em um conjunto de espaos de jogos relativamente autnomos no

    subordinando-se a uma lgica social nica. Assim as peas do mbile

    poderiam constituir vrios campos especficos como os: econmico, poltico,

    religioso, miditico, jurdico, da sade, etc. Nesses campos estruturam-se

    foras objetivas que formam uma configurao relacional, dotada de uma

    fora gravitacional prpria, capaz de impor sua lgica a todos os agentes que

    nele penetram. (LOYOLA, 2002, p. 67)

    Para desenvolver suas reflexes acerca do tema, Lus Mauro S Martino, no livro

    Mdia e poder simblico, definiu objetivamente a noo de Campo j desenvolvida por

    Bourdieu:

    A noo de campo pode ser entendida como espao estruturado de

    posies, ocupadas por agentes em competio (pessoas ou instituies),

    cuja lgica de funcionamento independe desses agentes. Dessa forma, o

    campo se define primeiramente como espao, lugar abstrato, onde age o

    pessoal especializado no jogo pela conquista da hegemonia, prerrogativa de

    determinar as prticas legtimas em cada campo. (MARTINO, 2003, p. 32)

    Notamos que ao se definir como espao social, cada campo j produz seu prprio tipo

    de relao social, ou seja, cada escola ou igreja, por exemplo, enquanto espao social

    produzir conseqentemente sua prpria relao social que, na verdade, se apresenta sob

    vrios interesses de seus agentes: espao geogrfico, profisso, classe social, grau de

    instruo e outros. Cada campo social possui suas processualidades.

    O campo social pressupe uma disputa ou conflito em torno de uma

    experincia, fazendo com que tenha o domnio de determinada rea, que

    superintende e conduz autonomamente. Cada campo social dotado de sua

    prpria processualidade ritualstica e visibilidade simblica. (SAPPER,

    2003, p. 2)

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    No caso especfico de uma igreja, os LDERES RELIGIOSOS (conhecimento e

    respeito) e os FIIS em geral (consumo esperado) so espaos sociais que independem da

    pessoa que ocupa essa posio.

    Bourdieu chama esses espaos determinados de CAMPO, segundo Martino (2003):

    A gnese e estrutura das prticas sociais constituem a maior parte das

    preocupaes doutrinrias de Pierre Bourdieu (Choses dites). Procurando

    superar tanto as concepes subjetivistas quanto objetivistas da ao social,

    o autor francs identifica a ao social nas relaes entre estruturas

    incorporadas de ao, denominada por ele de habitus, e as estruturas

    objetivas regras de ao, educao formal, gostos, relaes de produo e

    concorrncia de cada espao social, os campos. (MARTINO, 2003, p. 12)

    Tentar compreender as anlises de Bourdieu sobre campo sem refletir respeito do

    que ele mesmo chama de habitus correr um grande risco de m interpretao processual,

    pois para o autor, a existncia pr-estabelecida desse ltimo garante o funcionamento dos

    espaos sociais que formam a sociedade.

    Ao indicar que a noo de interao na ao social (Weber) em grande

    parte condicionada por elementos preexistentes dentro de uma sociedade,

    anteriores ao sujeito (Durkheim), por sua vez estruturadas de acordo com a

    posio em um sistema de classes (Marx), fica patente a originalidade da

    sntese de Pierre Bourdieu para a explicao da ao e da cognio pelos

    agentes sociais. (MARTINO, 2003, p. 77)

    Ao nascer, o indivduo j encontra estabelecidas todas as lies que norteiam a vida

    prtica social, que, na verdade, regem as aes sociais de carter moral, econmico,

    educacional, poltico, religioso, etc. Com seu aprendizado obtido por meio de relaes com

    outros indivduos, este novo homem acaba interiorizando sua maneira de agir corretamente.

    Essa habituao apreendida em aes sociais do presente acaba se tornando

    corriqueira em semelhantes aes do futuro, numa espcie, de que quem aprendeu, aprendeu

    para o resto da vida inteira.

    As tradies religiosas transmitidas de pai para filho so exemplos fceis que podemos

    utilizar para a nossa compreenso de habitus, enquanto um princpio estruturador de aes,

    percepes e comportamentos.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    No nvel dos exemplos, Martino (2003:75) traz que a postura corporal, a linguagem, as

    capacidades de aprendizado e at o gosto esttico do indivduo so gerados pelo habitus,

    elemento responsvel pelo reconhecimento do mundo social. Tomamos at a ousadia em

    definir esse habitus como responsvel pela formao dos elementos que geram o

    conhecimento scio-cognitivo do indivduo.

    Pesquisadores da rea de comunicao trazem algumas anlises sobre o referido

    assunto. Para Ricardo Fiegenbaum (2006:1), o processo de racionalizao e fragmentao dos

    diversos domnios da experincia, ou seja, o processo de secularizao ou desencantamento

    do mundo, resultou no que chamamos de Campos Sociais, e por sua vez, o desenvolvimento

    das novas tecnologias de informao e comunicao trouxe novas formas de interao social

    no tempo e no espao fazendo surgir o campo das mdias, ou melhor, como chamamos nesse

    trabalho, de campo miditico.

    A ao dentro de cada espao social, por parte dos agentes j especializados no jogo,

    gera um conflito de campos com o objetivo de adquirir legitimidade e conquistar a hegemonia

    na esfera pblica. com essa ao que o campo miditico, o centralizador das interaes,

    interage com os demais espaos, inclusive com aquele do qual estamos tratando nesta

    pesquisa, o religioso.

    Podemos ressaltar algumas funes na mediao do campo miditico ao promover a

    interao dos demais campos sociais, das quais as principais so a de organizao da

    sociedade, de articulao dos outros campos sociais entre si e de exposio dos campos

    sociais na esfera pblica, ou seja, o campo miditico possui um papel central, trazendo para a

    esfera pblica os demais campos sociais e organizando a interao entre eles, para enfim,

    gerar uma nova racionalidade ou uma nova ambincia.

    A varivel da religio entra como parte ativa de uma economia simblica

    responsvel por diversas aes cotidianas, na qual os meios de comunicao

    funcionam como elemento central. A religio considerada um conjunto

    simblico distribudo via mdia, assim como qualquer outro faz o mesmo uso

    do espao da imprensa para disputar a hegemonia na sociedade civil. O que

    se tem, enfim, a busca, por parte das instituies, de legitimao perante a

    sociedade, a fim de divulgar suas ideologias. (MARTINO, 2003, p. 9 e 11)

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Os agentes atuantes dentro de um campo so os indivduos e as instituies que lutam

    o tempo todo pelo monoplio legtimo das prerrogativas da esfera pblica valendo-se de

    artifcios para alcanar seus objetivos. J que os campos esto em total conexo entre si.

    Essa busca pela hegemonia em todos os campos faz com que os agentes em disputa

    sejam atacados indistintamente enquanto participantes de uma rede. E logo percebemos que

    essa interao define-se numa articulao de conflitos.

    Por conseqncia da dinmica das relaes no espao social religioso, ao qual suas

    instituies pertencem, percebemos uma renovao ou busca pelo reconhecimento atravs de

    cada participante numa espcie de voz corrente da instituio. Por isso, faz-se necessrio a

    aplicao legal de reconhecimento legtimo e imediato perante a sociedade e por essa

    aplicao imediata, que as instituies recorrem aos meios de comunicao como

    potenciadores de canais ideolgicos institucionais.

    A compreenso dessa interao miditica com o religioso leva aos estudiosos em

    Comunicao dedicarem seu tempo no estudo do fenmeno que cresce surpreendentemente

    no Brasil, com a imerso exacerbada de todas as religiosidades no uso dos meios de

    comunicao.

    2 Midiatizao da sociedade

    No captulo anterior procuramos explicitar, a partir de todos os campos sociais de

    Bourdieu, o funcionamento das estruturas que regem a sociedade e percebemos a importncia

    do campo miditico, por estar no centro dessa estrutura legitimando e interagindo com as

    prprias interaes/processos dos demais campos sociais. Neste captulo faremos uma

    reflexo, do ponto vista da comunicao, acerca da midiatizao das esferas sociais.

    Temos a conscincia de que definir a midiatizao da sociedade a partir de um ponto

    de vista comunicacional analisar o processo de forma perifrica, assim como tambm

    escolher e analisar um dos campos sociais j citados acima.

    Segundo Ferreira (2006) a reflexo geral da midiatizao leva necessariamente o

    pesquisador a percorrer sobre os conceitos de indivduo, sujeito, ator, agente, sociedade,

    instituio, interaes, mercados, valores, condutas, subjetividade, cognio, inconsciente,

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    conscincia, ideologia, estrutura, linguagem e etc. uma gama terica to vasta quanto

    complexa sua anlise.

    Ferreira (2006) ainda adverte o comuniclogo sobre a dificuldade que a ida s fontes

    durante esse movimento terico provoca e isso pode acarretar, muitas vezes, em

    aprisionamento aos problemas tpicos produzidos em outros campos e disciplinas acadmicas,

    onde milhares de investigadores se dedicam aos sofisticados debates de diferenciao dos

    conhecimentos relativos aos objetos por eles constitudos.

    Por uma relao complexa, a midiatizao para Fiegenbaum (2006:6) de difcil

    conceituao. Contudo, o termo j designa um aspecto fundamental das mudanas sociais

    resultadas da sociedade contempornea. E mais do que isso, tem nos meios de comunicao o

    principal vetor de interferncia nessas mudanas sociais.

    Por isso faz-se necessrio analisar a midiatizao do campo religioso especificamente,

    mas antes, refletir sobre as interaes particulares do campo que compe atualmente o centro

    da estrutura social. Nesse sentido, o esforo terico sobre a midiatizao requisita um

    conjunto conceitual prprio do campo acadmico da comunicao, ou seja, algo em ao

    atravs das mdias.

    Sabemos tambm que nem sempre o mundo se apresentou dessa maneira. Com o

    decorrer dos anos, a tecnologia e a cincia proporcionaram novas formas de conhecimento e

    os meios de comunicao dos quais conhecemos hoje, so frutos desse desenvolvimento

    tecnolgico da humanidade.

    Vale salientar que a partir do advento da secularizao e da emergncia da

    modernidade, a religio, por exemplo, perdeu o lugar central que ocupava no mundo,

    tornando-se uma espcie de acessrio, uma presena perifrica, mais um campo na

    complexidade de campos sociais, desnecessrio para a compreenso e explicao do mundo e

    da vida em sociedade. E nisso a tecnologia teve uma importante contribuio.

    O conceito no unvoco, desdobrando-se em duas dimenses:

    desencantamento do mundo pela religio e pela cincia. A primeira remete

    ao processo de desmagificao procedida pela religio tica, cujo incio

    remonta aos profetas pr-exlicos israelitas, tendo alcanado o seu pice com

    o protestantismo asctico racionalizado; a segunda se deu pelo

    desenvolvimento da cincia, do clculo e da tecnologia, que relegaram a

    religio ao mbito do irracional e a destituram de sua proeminncia na vida

    social. (PIERUCCI, 2001, apud, OLIVEIRA, 2009, p. 46)

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Segundo Flores e Barichello (2009), a tecnologia tomada no apenas como

    instrumento, mas como fator modificador dos processos e ambientes sociais, bem como

    potencializador de novas formas de atuao.

    As transformaes sociais advinda do desenvolvimento tecnolgico no esto

    relacionadas apenas a uma sucesso de inventos e sim, a capacidade estimulada pela

    necessidade humana em completar-se enquanto indivduo no fazer social.

    A cada nova tecnologia que se instaura na sociedade esto embutidas novas

    possibilidades de sentido e de controle do natural e do social pelo homem. E

    cada vez que o uso de uma nova tecnologia incorporado na atividade

    humana tende a ser um uso socializado (FLORES e BARICHELLO, 2009,

    pg. 04).

    Tais modificaes no surgem na sociedade por meros determinismos tecnolgicos,

    mas se estabelecem enquanto parte de um modelo cultural. Peruzzolo2 (2006 apud FLORES;

    BARICHELLO, 2009, p.3) numa nova cultura marcada pela tecnologia e pelo miditico

    apenas para se estabelecer na sociedade por se constituir em resposta s necessidades e

    anseios dos indivduos e que, por isso, acabam sendo fixadas como formas privilegiadas de

    relao.

    Segundo Christa Berge (2007), enquanto os tericos da cultura de massa pensam os

    meios como transportadores de sentido, de mensagens de interao entre produtores e

    receptores, a cultura miditica no instrumental, mas constitutiva da estrutura social.

    Mais de que uma tecno-interao, est surgindo um novo modo de ser no mundo,

    representado pela midiatizao da sociedade. E essa midiatizao, segundo Gomes (2008:21),

    a reconfigurao de uma ecologia comunicacional.

    Mas afinal, o que Midiatizao?

    Processo pelo qual a mdia fica localizada no centro da sociedade

    expandindo suas lgicas para os demais campos sociais (FLORES e

    BARICHELO, 2009, p. 6).

    2 PERUZZOLO, Adair Caetano. A Comunicao como encontro. Bauru: Edusc, 2006.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Para Chista Berge (2007), a sociedade contempornea uma sociedade midiatizada,

    ou seja, uma sociedade em que a mdia formata e modela os demais campos sociais.

    Os mecanismos e regras prprios do fazer miditico no ficam mais restritos aos

    meios de comunicao, mas configuram a atuao de outros atores sociais. Dessa forma, a

    midiatizao pode ser considerada como prtica social, pois reconfigura a atuao dos demais

    campos sociais.

    medida que vai ocupando um lugar central na constituio da sociedade da

    informao, o campo das mdias vai no s mediando os demais campos sociais como

    tambm se autonomiza, mostrando, apresentando, objetivando o mundo e os indivduos dos

    outros campos sociais a partir de si.

    Braga3 (2006 apud FLORES; BARICHELLO, 2009, p.3) considera a midiatizao

    como processo de interao que caminha para o lugar de referncia na sociedade, porm no

    sendo ainda um processo estabelecido ou terminado, mas em implantao.

    Ao construir a realidade, essas maneiras de interao atravessadas pelas lgicas

    miditicas vo acarretar a organizao de um ambiente igualmente midiatizado, um novo bios

    ou uma nova ambincia, defendida por Sodr4. Com a midiatizao da sociedade, foi

    implantado um novo modo de pensar e estruturar a sociedade atravs da tecno-interao

    tecnologia um novo bios.

    De acordo com esse ponto de vista, a mdia uma nova qualificao da vida. Como

    uma nova ambincia, a mdia encena uma nova ordem moral objetiva em consentimento com

    o conjunto de mudanas cognitivas e morais necessrias lgica do consumo.

    J as novas religiosidades, de acordo com Fiegenbaum (2006), so um produto gerado

    por essa nova ambincia miditica, ou seja, elas j so um produto miditico, no sentido em

    que se apresentam como religiosidades que emergem da mdia.

    Segundo Fausto Neto (2006: 04), estamos diante de uma nova forma de organizao

    e produo social, onde o capital j no estaria mais apenas a servio das estruturas, mas dos

    fluxos e das informaes.

    3 BRAGA, Jos Luiz. A sociedade enfrenta sua mdia: dispositivos sociais de crtica miditica. So Paulo: Paulus,

    2006. 4 SODR, Muniz. Antropolgica do espelho. Por uma teoria da comunicao linear e em rede. Petrpolis/RJ:

    Vozes, 2002.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Ao pensarmos na midiatizao da sociedade e nas novas tecnologias de informao

    estamos tentados a fixar o nosso olhar nas caractersticas tcnicas dos aparatos e deixarmos de

    lado a relao desse novo ambiente com o fazer humano.

    Estamos vivendo os benefcios e malefcios da chamada cultura miditica, j que a

    midiatizao se tornou intrnseca a realidade.

    A midiatizao da realidade to forte nos dias atuais que se os processos sociais no

    forem midiatizados sua verdadeira existncia fica posta em xeque.

    Agora como se o mundo vivesse numa total transparncia de ser, ou seja, a realidade

    agora totalmente midiatizada, pois o jornalismo alm de informar, deve corresponder ao

    fluxo ininterrupto de informaes, com a ideologia de mostrar tudo.

    Para entendermos melhor o fenmeno da midiatizao, vlido citar o exemplo do

    campo jornalstico, pois este possui maior visibilidade na esfera social por questes de sua

    interao com o campo miditico. A ideia de mostrar a realidade do jeito que ela , por meio

    de um jornalista isento e independente do fato em questo, que representa essa realidade ao

    utilizar um espelho social derrubada por uma srie de fatores que intervm na escolha de

    determinado fato que se torna midiatizado: O primeiro fator que cada agente social j possui

    seu prprio conhecimento de mundo adquirido por meio dos habitus e que interfere

    fortemente nessa representao; o segundo refere-se ao escolher o fato para midiatiz-lo, pois

    como Martino (2003:93) cita a observao que Walter Lipmann fez em A natureza da notcia

    atravs de um estudo sobre os meios de comunicao de massa, ainda que trabalhassem

    todas as horas do dia, todos os reprteres do mundo no poderiam presenciar todos os

    acontecimentos mundiais.

    Toda essa midiatizao refere-se visibilidade do que invisvel na sociedade. Assim

    como explica Dom Cludio Hummes, ao se referir ao marketing religioso na revista

    marketing catlico, diz que:

    O marketing uma forma de dar visibilidade ao que se quer propor ao

    pblico. Deus que invisvel, quis tornar-se visvel no meio de ns (...). A

    igreja no pode ser invisvel. (...). Tudo confirma que a visibilidade

    caracterstica essencial da igreja nesse mundo.

    O marketing aplicado aos assuntos da igreja ajuda a faz-la mais visvel na

    sociedade de hoje. O termo marketing profano, pois fala de mercado, de

    como vender melhor seu produto. Ao contrrio, Deus oferece a salvao

    gratuitamente.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Por essa razo, preciso explicar bem a expresso marketing, no caso de

    assuntos da igreja, no se trata de vender mas de tornar visvel (HUMMES,

    apud OLIVEIRA, 2009, p. 43)

    Aqui entramos no sentido de produo do capital simblico promovido pelas

    instituies religiosas e por isso, cabe-nos entender como a igreja sobrevive e legitima seus

    servios numa sociedade miditica.

    3 Midiatizao do campo religioso

    Inicio este captulo com uma citao de Fausto Neto (2004), para mostrar o

    crescimento da igreja miditica, no nosso caso a IURD, no incentivo ao uso dos meios de

    comunicao, com o objetivo de formar um imprio comunicacional servio dos assuntos da

    prpria instituio, 24 horas por dia.

    Edir Macedo, autor de mais de 22 livros, controla duas redes de TV, uma

    rede de rdio, o jornal Folha Universal com tiragem superior um milho de

    exemplares dirios, uma revista mensal, o portal Arca Universal, duas

    grficas, editora, empresa de processamento de dados, construtora, agncia

    de viagens, gravadora de disco, alm de associaes de negcios na rea da

    informtica e na poltica nacional. (FAUSTO NETO, 2004, p. 146)

    Passados sete anos de massificao ideolgica institucional, a igreja chefiada pelo

    bispo Edir Macedo s fez aumentar esse patrimnio miditico. A IURD se constitui na maior

    instituio religiosa do pas em questo de mbito comunicacional. Atualmente, na mdia

    televisiva existem 22 emissoras geradoras da Igreja Universal em contrapartida das 7

    emissoras evanglicas de diversas denominaes.

    Mas para entendermos o porqu que os lderes evanglicos se interessam tanto por

    mdia, precisamos compreender como se deu e como funcionam as articulaes do campo

    religioso numa sociedade midiatizada.

    Cada igreja possui seus determinados dispositivos miditicos para atrair cada vez mais

    seus fiis de acordo com sua especfica necessidade de manuteno. Mas existe uma lgica no

    uso dos meios de comunicao por parte do campo religioso, de que essa utilizao miditica

    se faz necessria por motivos de expanso e facilidades em pregar o Evangelho de Cristo de

    forma massificada. E agora com o surgimento das novas mdias, a igreja no s utiliza para

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    pregar a Palavra como tambm para manter fiel s instituies, queles que tm simpatia em

    relao aos ideais de uma igreja evanglica.

    Do ponto de vista histrico, existem distines entre igrejas tradicionais e

    igrejas emergentes, o que tambm estabelece referenciais diferentes de

    prtica e culto. As primeiras, representadas pelo catolicismo e

    protestantismo, sempre fizeram uso dos meios de comunicao de massa

    como instrumentos condutores de suas mensagens; j as novas igrejas,

    nascem geneticamente produzidas pela mdia, particularmente a televiso

    este seu habitat. O que significa que estas correspondem ao bios miditico,

    enquanto que as primeiras precisam assimilar esta tendncia para

    sobreviverem num contexto de competio e de constante inovao

    tecnolgica. Ou seja, a relevncia religiosa supe o domnio da lgica

    miditica. (OLIVEIRA, 2009, p. 42)

    O campo religioso se apropria das novas configuraes do espao miditico para

    legitimar e atualizar a existncia das velhas igrejas, ou melhor, das igrejas tradicionais,

    com o objetivo de reconfigurar o mercado religioso.

    Em contrapartida ao que afirma o lder evanglico Fernandes de Oliveira (2009),

    Martino (2003:48), ao citar Cndido Camargo, o primeiro socilogo brasileiro a estudar o

    fenmeno, diz que as religies tradicionais parecem ter uma capacidade maior do que as

    novas denominaes/religiosidades, sendo a tradio um instrumento fundamental para o

    processo de modernizao de mentalidades.

    No se concentrando em adaptaes por parte de corrente A ou B no campo miditico,

    percebemos, e isso fundamental para nossa reflexo, que o mercado religioso brasileiro est

    apresentando mudanas de relaes de mbito religioso e agora mercadolgico. J que a

    utilizao em larga escala dos meios de comunicao est longe de ser apenas um meio de

    divulgao, passa a ser a principal arma nessa batalha simblica pelos fiis.

    O xito das religies miditicas colaborou para a expanso do mercado religioso, e

    confirma, portanto, a relevncia da religio no somente na sua dimenso sobrenatural, mas

    tambm como promotora de sentido para a existncia e como instrumento provedor de

    solues para as mazelas da vida cotidiana, inclusive as de natureza material.

    Mesmo com esse mercado em ascenso no pas, ainda existem pessoas, inclusive

    pesquisadores, que no do a importncia mnima ao fenmeno religioso no Brasil.

    Reconheo que com o processo de secularizao da sociedade (cincia e tecnologia) o campo

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    religioso tornou-se cada vez mais desintegrado, perdendo espao no que tange s

    determinaes da vida social. A cincia e os avanos tecnolgicos comearam a confrontar do

    ponto de vista do indivduo, o dogma (o dito sagrado) das instituies.

    Mas tomo aqui a ousadia de fazer trs perguntas bsicas com o objetivo de que os

    mais cticos reflitam sobre a importncia do crescimento do campo religioso na mdia: (1)

    Como possvel algo que est desaparecendo ter tanta fora? (2) Se a religio pouco importa

    na vida cotidiana, o que fazem milhares de pessoas nos templos das mais diversas seitas

    religiosas? E por fim, como se formam bancadas evanglicas nas cmaras legislativas,

    interferindo ativamente no cenrio poltico, costurando alianas e indicando candidatos?

    Desde o sculo passado, Max Weber 5proclamava que seria impossvel, mesmo com a

    secularizao da sociedade, atravs do pensamento racional e da modernidade, o mundo viver

    desprovido de crenas, ou melhor, de religiosidades. E um sculo depois, percebemos a

    coerncia da concepo de Weber ao tratar da dominao do campo religioso na sociedade.

    possvel perceber o acirramento prtico dos conflitos de campo e suas

    conflitualidades internas, defendidas h anos por Bordieu, quando pensou numa sociedade

    estruturada em universos que brigam para existir, ou melhor, para serem notados. O

    pensamento bourdiano reflete sobre a ideia de que o campo religioso tem por funo

    satisfazer um tipo de interesse, se fazendo tambm um campo de luta para justificar a ao de

    uma classe.

    Ao alocar os complexos mecanismos dos meios de comunicao para

    estabelecer e manter sua posio dentro do campo religioso, ao mesmo

    tempo que procura expandir-se em outras instncias, as instituies adaptam

    suas estratgias de representao s exigncias da modernidade.

    (MARTINO, 2003, p. 56)

    A pluralidade de instituies religiosas gera uma disputa cada vez mais acirrada pelos

    fiis e isso ns percebemos bem, no interesse que cada instituio religiosa mantm com os

    meios de comunicao, com o objetivo de resgatar o fiel dentro de sua prpria casa.

    Esse resgate refere-se a dois nveis de pertencimento instituio por parte dos fiis: o

    primeiro nvel trata-se da busca pelo novo; aquele que resgatado para se tornar proslito de

    5 WEBER, Max. Textos selecionados. Os pensadores. So Paulo: Abril, 1980.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    determinada igreja, enquanto o segundo, refere-se manuteno desse fiel, j resgatado, e s

    estratgias de luta com o objetivo de no permitir que ele parta para a concorrncia.

    Quando os indivduos nascem, encontram j feitas as regras para a prtica de sua vida

    religiosa e basta isso, segundo Martino (2003:24), para que a violncia simblica promovida

    pelas instituies entre em ao. Para garantir essas estratgias de luta interna, os dispositivos

    miditicos possuem relevncia, pois a noo do certo-errado est presente em todos os

    veculos religiosos. Ou o indivduo aceita as imposies de determinada instituio ou ele vai

    procurar outra, mas nunca vai deixar de ser influenciado institucionalmente. Porque a

    instituio existe independentemente de um indivduo apreci-la ou no.

    O poder de um indivduo diante de uma instituio zero. Sem significar

    exclusivamente violncia fsica, o poder coercitivo da instituio sempre

    uma violncia, sob qualquer forma de manifestao, pois condiciona o

    indivduo a um comportamento que segue os padres de expectativa do

    grupo. (MARTINO, 2003, p. 23)

    O que se v hoje, verdadeiramente, so acirradas disputas denominacionais no cenrio

    religioso. Cada igreja preocupa-se com seu rebanho e quanto mais ela usar das emoes

    para comover o fiel e promover o servio institucional por meio da mdia, estar legitimando

    os discursos religiosos de seus lderes eclesisticos, por exemplo, como observa Patriota:

    Os discursos so alicerados sobre temas pessoais e figuras pblicas.

    Histrias sensacionalistas de vida so expostas nos meios de comunicao, o

    que acaba por reforar o culto ao personalismo, afinal, os lderes religiosos

    que ocupam os horrios dos mass media, tm seus discursos religiosos

    legitimados pela mdia, mesmo que haja uma notvel adequao

    mercadolgica em seus contedos.

    Essas e outras caractersticas peculiares promoveram e sustentaram a

    transformao de diversas igrejas, classificadas como crists, em grandes

    indstrias de comunicao, na medida que tais instituies adquirem ou

    montam grandes conglomerados comunicacionais. Tais igrejas apresentam

    objetivos comerciais bem definidos, com metas a serem atingidas que

    passam pelo acrscimo na margem dos lucros, pela maior participao de

    mercado at a abertura de novas frentes, com maior coberturas geogrficas.

    (PATRIOTA, 2007, p. 2)

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    3.1 A relao entre mdia e religio

    O fenmeno da relao das igrejas com o campo social da mdia no recente, apesar

    de obter enorme expressividade nas dcadas do sculo XX, segundo Gomes (2010).

    Os metodistas foram os primeiros a tentar adequar o Protestantismo s necessidades de

    uma massa urbana, que vivia sobre o impacto de uma revoluo industrial inglesa.

    O precursor John Wesley, no sculo XVIII, costumava, junto com os metodistas,

    pregar em mina de carvo, em cima de caixotes nos mercados pblicos, inclusive em

    cemitrios. Eles saam pregando pelas ruas da cidade, com o intuito de conseguir mais fiis

    para a congregao.

    Nos Estados Unidos a radiodifuso religiosa comeou em janeiro de 1921, quando o

    servio vespertino da Igreja Episcopal do Calvrio, em Pittsburgh, foi transmitido pela

    primeira estao comercial da Amrica, a KDKA, surgindo o que chamamos de fenmeno da

    midiatizao da religio.

    J na Inglaterra, o Reverendo J. A. Mayo, no natal de 1922, utilizou-se da estrutura da

    BBC. Pouco depois, John Reith, primeiro diretor geral da BBC, convida os pastores para

    participarem da formulao da poltica religiosa da BBC.

    Segundo dados de uma pesquisa desenvolvida por William Biernatzki6, (1991 apud

    GOMES, 2010, p. 49) os pases lderes, no incio da era do rdio, em matria de receptores,

    at 1930, foram os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido. Frana, Itlia, Holanda e

    Dinamarca tambm possuam altas porcentagens de receptores para as suas populaes.

    A velocidade com que o tele-evangelismo ampliou o uso da televiso foi

    impressionante, mas provavelmente no excedeu a velocidade com a qual os pregadores de

    uma gerao anterior fizeram do rdio. A primeira rdio comercial comeou em 1920, e, em

    janeiro de 1925, 63 de 600 estaes em operao nos EUA disseram pertencer a igrejas ou

    grupos religiosos.

    Mas foi o pentecostalismo americano na chamada poca do Reavivamento Religioso,

    na dcada de 40, com o pastor Billy Graham, um dos grandes religiosos americanos pioneiros

    do rdio e da televiso, que impulsionou os tele-evangelistas a buscarem o dispositivo

    6 BIERNATZKI, William E. Boletim. Communication Research Trends, vol. 11, n. 1, pp. 2-5, 1991.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    televisivo para alcanar o maior nmero de fiis. Graham pertenceu ao que Gomes (2010)

    chama de Primeira Onda Miditica.

    H 30 anos, as velhas igrejas se estruturavam e pensavam suas estratgias de

    evangelizao atravs de sermes evangelsticos, cultos realizados fora do templo,

    normalmente nas residncias dos fiis e nas visitas porta a porta.

    Na primeira dcada do sculo XXI, surgem as igrejas miditicas e as novas igrejas

    terapeutas que configuraram um novo espao para o ambiente social e religioso do pas.

    Essa nova articulao do campo religioso com a cultura miditica reconfigura um

    novo mtodo e habitat do plano simblico da igreja. Fausto Neto (2004) afirma que essas

    apropriaes da religio no campo miditico so:

    Configuraes que se reportam s novas articulaes dos campos sociais,

    circunstncias em que o campo religioso apropria-se da cultura e dos

    processos miditicos no s para atualizar a existncia dos velhos templos,

    mas tambm para construir sua presena em novos processos de disputas de

    sentidos. Tal apropriao visa a reconfigurao do mercado religioso; a

    prtica de captura dos fiis, especificamente, a apresentao da religio no

    como um fenmeno abstrato, e/ou doutrinrio, mas como um servio de

    atendimento s demandas fsicas e mentais segundo o regime do aqui e

    agora. (FAUSTO NETO, 2004, pg.142).

    As igrejas neopentecostais so caracterizadas por elementos discursivos, modificados

    pela midiatizao, e por ter grande apelo popular, como por exemplo, a cura, a busca pela

    prosperidade material, o equilbrio psicolgico diante dos problemas de cada indivduo, os

    sermes advindos sempre do lder da igreja e a confisso positiva.

    Podemos perceber que a relao entre mdia e religio to intrnseca, que notamos ao

    longo da histria o sucesso dos tele-evangelistas, principalmente americanos e hoje

    brasileiros, devido ao aparato dos recursos tecnolgicos e os dispositivos miditicos. Essas

    ferramentas proporcionaram o prprio crescimento da credibilidade desses pastores perante

    o pblico.

    Agora para entendermos todo o processo enquadrado na expresso mdia e religio,

    como afirma Martino (2003) ao citar mais uma vez Boudieu e seu livro Meditaes

    pascalianas, no basta compreendermos as formas simblicas de tipo religioso nem sequer a

    estrutura imanente da mensagem religiosa ou do corpus mitolgico, como os estruturalistas,

    mas na verdade, trata-se de observar os produtores da mensagem religiosa, os interesses

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    especficos que a animam e as estratgias que empregam na luta. Essa anlise, por fim, trata-

    se de meu objeto de estudo que a anlise dos discursos produzidos e manipulados pelos

    lderes da Igreja Universal num programa de rdio. Esta anlise est voltada aos discursos do

    bispo Macedo no programa dirio Palavra Amiga da rdio 99,3 FM em So Paulo e

    retransmitido pelo mais novo canal da igreja, o IURDTV.

    Essas estratgias que animam os interesses dos produtores religiosos e enchem os

    olhos do pblico fiel esto atreladas a uma teatralizao do campo religioso, ou melhor, da

    liturgia dos novos templos miditicos. Por isso, abro um parnteses para explicitar melhor

    essa questo, antes de chegarmos a prpria anlise dos discursos, modificados pela

    espetacularizao, desses lderes religiosos, e dedico um nico captulo ao espetculo do

    sagrado.

    4 A religio do espetculo

    Este captulo objetiva fazer uma contextualizao do cenrio religioso brasileiro na

    sociedade do espetculo. Para isso, consideremos a reflexo empreendida pelo pensador

    francs Guy Debord, em seu livro A Sociedade do Espetculo, em 1967, atravs de 221

    pequenas teses, como de suma importncia para apreendermos o fenmeno religioso atual, j

    que a obra de Debord instaura uma nova forma de pensar o conceito de espetculo.

    Vale recorrer a Patriota (2007) que define espetculo a partir da prpria significao

    da palavra.

    Spetaculum, cuja raiz semntica (latina) de espetculo, tem como sentido e

    essncia, tudo que atrai e prende o olhar e a ateno. Ou, como Gomes

    (2003) explana: specto (spectare) como olhar, ver, considerar, observar;

    spectalum como o que se d a ver, o aspecto, o espetculo; spectatio

    (spectationis) como o ato de olhar, o defrute visual, a viso de algo; e o

    spectator (spectatoris) como quem v, o observador, o espectador. Ou

    ainda de acordo com o dicionrio, espetculo tambm definido como

    perspectiva; contemplao; representao teatral; diverso pblica em

    circos; cena ridcula, escndalo. (PATRIOTA, 2007, p. 3)

    Detentora de vrias significaes pode-se estabelecer o olhar e o observar como ponto

    comum nessa primeira definio gramatical para o fenmeno espetculo.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    A IURD, por exemplo, traz consigo todas as caractersticas fundamentais das

    novas religiosidades surgidas como produto miditico. Essas religiosidades

    operam sob a lgica do contato ou contgio, isto , uma economia do

    contato que enseja a seus praticantes no apenas muita coisa para escutar,

    mas algo a mais para olhar, tocar e sentir (Fausto Neto, 2004, p. 60).

    Da o porqu que as novas religiosidades preferem a televiso, enquanto meio

    massificador, no sentido de contgio; para que o que acontea no interior dos templos

    ganhe visibilidade, alm de ser apreciado por um auditrio de fiis, resultando dessa

    maneira em caractersticas imagticas.

    Debord no utilizou em sua obra dos sinnimos estabelecidos acima, mas deixa bem

    claro no contexto geral o que real e o que representado, ou melhor, espetacularizado. Para

    ele, a sociedade na qual vivemos sociedade do espetculo, produzida pela onipresena da

    mdia.

    Sob todas as suas formas particulares, informao ou propaganda,

    publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetculo constitui o

    modelo presente da vida socialmente dominante. Ele a afirmao

    onipresente da escolha j feita na produo, e o seu corolrio o consumo.

    Forma e contedo do espetculo so identicamente a justificao total das

    condies e dos fins do sistema existente. (DEBORD, 1997, p. 10-11)

    Na verdade, o espetculo de que tratamos aqui est mais relacionado ao perodo

    Moderno da sociedade, ou ps-moderno, como define alguns tericos, dentre eles Vattimo7

    (1992 apud OLIVEIRA, 2009, p.32) definindo o ps-moderno como o fato de vivermos em

    uma sociedade de comunicao generalizada, a sociedade miditica. Para este autor, os meios

    de comunicao foram fundamentais no processo de rompimento com os pontos de vista

    centrais, que tentavam dar conta da explicao da realidade, como por exemplo, a

    desintegrao da religio no processo de secularizao do mundo, como j observamos nos

    captulos anteriores.

    Para o pensamento debordiano, o espetculo o momento em que a mercadoria

    preenche o total da vida social, deixando claro o conceito de sociedade.

    7 VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade. Niilismo e Hermenutica Ps-Moderna. So Paulo: Martins Fontes,

    1992.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Segundo o entendimento de Sodr (2002), o espetculo no est restrito ao campo das

    mdias, mas existe tambm fora dele:

    No falta quem relativize o poder da mdia, lembrando que as Testemunhas

    de Jeov, sem rdio e televiso, figuravam entre as maiores igrejas

    evanglicas do pas. Mas preciso atentar para o fato de que o miditico,

    enquanto categoria particular da forma-espetculo pode existir fora dos

    suportes tecnolgicos, na medida em que coincida com o mundo em si

    separado da ao poltica imediata do homem e organizado pela abstrao

    mgica do espetculo ou da profecia. Ou seja, a comunicatividade em si

    mesma torna-se espetacular e fascinante (SODR, 2002, p. 69)

    5 A histria do protestantismo no Brasil

    Fao agora um breve registro histrico das origens do pentecostalismo no contexto do

    protestantismo no Brasil, fazendo um resumo da implantao do pentecostalismo at o

    surgimento das igrejas neopentecostais brasileiras, das quais emerge a IURD como principal

    representante.

    Analisando o protestantismo brasileiro e suas diversidades, Freston8 (1993 apud

    OLIVEIRA, 2009, p.118), cientista poltico e especialista em religio, afirma que o

    divisionismo protestante no Brasil iniciou-se com os missionrios, fincou o p na tradio

    brasileira de catolicismo leigo e terreiro concorrentes, e alimenta-se agora da enorme

    expanso de um pblico religioso flutuante.

    Uma matria da Revista POCA de 9 de agosto de 2010, entitulada Os novos

    evanglicos, faz uma retrospectiva do desenvolvimento histrico da religio crist no mundo,

    e faz necessrio recorrer a ela para entendermos o desenvolvimento do pentecostalismo

    brasileiro.

    As primeiras comunidades crists, fundadas pelos apstolos em cidades de Israel

    foram denominadas de Igreja Primitiva. Com o advento do Dia de Pentecostes, protagonizado

    pelo movimento do Espirto Santo, e descrito no captulo 2 de Atos dos Apstolos na Bblia

    8 FRESTON, Paul. Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. Campinas/SP: Tese de

    Doutorado em Sociologia do IFCH-UNICAMP, 1993.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Sagrada, a Igreja Primitiva foi a responsvel por propagar e expandir, aos confins da Terra, o

    Evangelho. Tendo como centro a figura de Jesus Cristo, o Filho de Deus.

    Em 380 d.C., o imperador Constantino instituiu o cristianismo como religio oficial do

    Imprio Romano, assimilando prticas pags e tradies do imprio. Com essa instituio de

    Constantino, nasce o Catolicismo Romano, ou melhor, Igreja Catlica Apostlica Romana

    que mantm no Brasil cerca de 125 milhes de fiis.

    Aps rupturas formando novos movimentos como a Igreja Ortodoxa (sculo XI) e os

    Cristos Pr-Reforma (sculo XII), a Igreja Catlica sofre uma de suas maiores cises, dessa

    vez, liderada pelo padre alemo Martinho Lutero, o primeiro tradutor da Bblia para a lngua

    alem. Em 1517, ele se levantou contra a corrupo, as indulgncias e os desvios teolgicos

    da Igreja Romana. A Reforma Protestante influenciou outros telogos, como o francs Joo

    Calvino (1509-1564), que conseqentemente, fundou a Igreja Reformada Calvinista em 1536.

    Igrejas como Anglicana, fundada pelo rei da Inglaterra, Henrique VIII, em 1534; a Batista,

    criada em 1609 por John Smith; a Metodista, fundada em 1739 pelo pregador John Wesley; a

    Presbiteriana e a prpria Luterana seguem a mesma linha ideolgica desenvolvida por Lutero.

    J alguns protestantes, ou melhor, cristos reformistas entendem ter razes em

    movimentos pr-reforma. Eles se definiram simplesmente como Evanglicos. O termo

    tornou-se sinmino para todo cristo no catlico. No Brasil, existem cerca de 53 milhes de

    evanglicos que crescem a cada coleta do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    (IBGE), podendo ser metade da populao brasileira em 2022.

    Um movimento surgido nos anos de 1900 entre os evanglicos nos Estados Unidos,

    mais especificamente na Azuza Street, tendo como precursores alguns tele-evangelistas e

    muitos missionrios, dos quais desembarcaram no Brasil, os dividiu e trouxe tona uma nova

    denominao para os evanglicos em geral: Pentecostais. Fiis metodistas insatisfeitos com a

    falta de fervor em suas igrejas, buscavam manifestaes sobrenaturais, como as citadas nos

    Atos dos Apstolos.

    A histria do desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil, da chegada dos

    missionrios pentecostais at ao hegemnico neopentecostalismo de hoje, pode ser descrita

    atravs da seguinte tipologia, proposta por Freston (1993, apud, OLIVEIRA, 2009, p. 118):

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    PROTESTANTISMO DE MISSO

    Batista Congregacional Episcopal Metodista Presbiteriana

    PROTESTANTISMO DE MIGRAO

    Anglicana Luterana Reformada

    PENTECOSTAIS

    Assembleia de Deus Congregao Crist

    no Brasil

    Igreja de Deus Igreja Pentecostal

    PENTECOSTAIS AUTNOMOS

    Casa da

    Bno

    Deus

    Amor

    Evangelho

    Quadrangular

    Maranata Nova

    Vida

    O Brasil

    para

    Cristo

    Universal

    do Reino

    de Deus

    CARISMTICOS

    Batista de Renovao Crist Presbiteriana Metodista Wesleyana

    PSEUDO-PROTESTANTES

    Adventistas Igreja de Jesus Cristo dos

    Santos dos ltimos Dias

    Testemunhas de Jeov

    Os pentecostais chegaram ao Brasil em 1910, trazendo conceitos novos dentro do

    protestantismo. No perodo de 1910 a 1950, fase do Pentecostalismo Clssico ou Primeira

    Onda do Pentecostalismo Brasileiro, o falar em lnguas com nfase no batismo com o

    Esprito Santo, o uso e costumes com nfase na santidade pessoal e as realizaes de cultos

    pblicos eram caractersticas marcantes das duas igrejas que mais cresceram no pas nessa

    primeira fase: Assembleia de Deus e Congregao Crist no Brasil, tendo uma exceo em

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    relao a essa ltima por fazer parte de seu modelo, a no realizao de pregaes em lugares

    pblicos. Estima-se que no Brasil, 68% dos evanglicos so pentecostais.

    Os fundadores da Misso da F Apostlica, que logo depois passou a ser chamada de

    Assembleia de Deus em 1918, foram os missionrios suecos de origem batista, Daniel Berg e

    Gunnar Vingren, que desembarcaram na cidade de Belm, no Par.

    Freston (1993), nos apresenta a figura desses missionrios suecos em posies

    contrrias aos missionrios americanos que vinham ao Brasil:

    [...] desprezavam a igreja estatal com seu alto status social e poltico e seu

    clero culto e teologicamente liberal. Desconfiavam da social democracia,

    ainda atingida pelo secularismo (...) por isso, eram portadores de uma

    religio leiga e contra cultural, resistente erudio teolgica e modesta nas

    aspiraes sociais (...) acostumados com a marginalizao, no possuam a

    preocupao com a ascenso social to tpica dos missionrios americanos

    formados no denominacionalismo (...) em vez da ousadia de conquistadores,

    tinham uma postura de sofrimento, martrio e marginalizao cultural.

    (FRESTON, apud OLIVEIRA, 2009, p. 122)

    Inclusive neste ano de Centenrio da Assembleia de Deus9, os principais veculos de

    comunicao do pas esto dedicando pginas de jornais e revistas para constatar as mudanas

    ocorridas no interior da maior igreja pentecostal do pas.

    9 ARAJO, Isael de. Dicionrio do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Fonte: Revista Isto. Um pastor moderno entre os radicais. Publicao de 20 de maio de 2011.

    Nos anos de 1950 a 1970, perodo que compreendeu a Segunda Onda do

    Pentecostalismo Brasileiro, houve um crescimento exacerbado de denominaes da

    Assembleia de Deus. E enquanto no primeiro perodo, a pregao dos evanglicos estava

    voltada para o bastimo com o Esprito Santo; na segunda fase, os discursos foram baseados

    nos atos de cura. As mensagens passaram a ser difundidas nas rdios e em concentraes

    pblicas nos ginsios de esportes e estdios de futebol.

    Nota-se que nesses anos, o pas passava por uma grande transformao no cenrio

    urbano com o xodo rural, especialmente em So Paulo e Rio de Janeiro.

    No incio desse novo perodo, chegaram a So Paulo, dois missionrios norte-

    americanos da International Church of The Foursquare Gospel e logo fundaram a Igreja do

    Evangelho Quadrangular (1951). Outras diversas igrejas surgiram a partir dessa nova onda

    como o Ministrio Cristo Vive; O Brasil para Cristo (1955), sendo a primeira igreja do

    movimento pentecostal a ser criada por um brasileiro e a investir em programas de rdio e

    TV; Igreja Pentecostal Deus Amor (1962), Casa da Bno, Igreja Unida e Igreja de Nova

    Vida.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Na Terceira Onda do Pentecostalismo no Brasil, a partir dos anos 1970, surge uma

    ramificao pentecostal que denominada de evanglicos neopentecostais que pregam a

    teologia da prosperidade e a confisso positiva. Quase no h nfase no falar em lnguas, os

    usos e costumes so abolidos de vez, apresentam o foco dos seus discursos nas curas e

    conseguem atingir os pblicos da classe A e B. Vale recorrer ao que Patriota (2003) chama de

    neopentecostalismo, ao consider-los uma corrente doutrinria, totalmente brasileira, que

    prega prosperidade financeira e espiritual na Terra, atravs de lderes carismticos que

    anunciam suas posies de ministros e profetas de Deus.

    Segundo eles, a f do cristo determinante para o sucesso material. Os

    neopentecostais so os evanglicos mais conhecidos do pas, por freqentarem as ditas Igrejas

    Miditicas. Os pastores neopentecostais possuem uma forte administrao empresarial nas

    igrejas. No caso, eles investem massiamente em rdio e TV, como por exemplo, a Igreja

    Universal do Reino de Deus, fundada em 1977, e encabeada pelo bispo Edir Macedo; a

    Internacional da Graa de Deus, fundada pelo cunhado de Edir Macedo, Romildo Ribeiro

    Soares ou R. R. Soares, em 1980; a Renascer em Cristo, fundada em 1986 pelos apstolos

    Estevam e Snia Hernandes; a Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra, organizada em

    1992, pelos bispos Robson e Maria Lcia Rodovalho e a Igreja Mundial do Poder de Deus,

    liderada pelo apstolo Valdemiro Santiago.

    Vale ressaltar uma mudana de comportamento em relao ao uso dos meios de

    comunicao por parte da Assembleia de Deus. Nos ltimos anos, esta igreja est investindo

    seus recursos financeiros nas criaes de estdio de TV e rdio, construo de pginas na

    internet, inclusive uma rede social prpria, revistas mensais, jornais peridicos e outros

    dispositivos que legitimam sua existncia na sociedade miditica.

    Segundo o socilogo Mariano (1999), as igrejas citadas acima compem o que ele

    chama de Autnomas. So vistas como autnomas por ter independncia financeira e

    eclesistica das igrejas pentecostais em relao a suas matrizes nacionais ou estrangeiras.

    composta por uma populao flutuante e descompromissada, no possuindo um corpo fixo de

    fiis.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    5.1 O histrico da maior igreja miditica do pas

    Tudo comeou em 9 de julho de 1977, quando se abriram oficialmente as primeiras

    portas da Igreja Universal, na Av. Suburbana, 7702, no bairro da Abolio, zona norte do Rio

    de Janeiro, que sem condies de alugar um imvel prprio, o ento pastor Edir Bezerra

    Macedo iniciou as suas primeiras reunies num coreto do Jardim do Mier, que aquela poca

    as divulgaes da igreja era feita por dez obreiros, que colavam folhetos nos postes e

    convidavam as pessoas para participar das reunies. Observa-se nesse primeiro momento, que

    a Igreja Universal j ingressava no mbito miditico para expandir seus servios e conseguir o

    maior nmero de fiis possveis. Depois de algum tempo, Macedo alugou um galpo que era

    uma antiga fbrica de mveis.

    Antes de fundar a IURD, Edir Macedo fundou a Cruzada Caminho Eterno. Ainda

    como membro da Cruzada, foi ordenado pastor pela igreja pentecostal Casa da Bno.

    Aps o fracasso da Cruzada Caminho Eterno, Edir Macedo, com o apoio do

    cunhado R. R. Soares, decidiu criar uma prpria igreja.

    Aps trs anos de criao da igreja, R. R. Soares desligou-se da Universal e fundou

    a Igreja Internacional da Graa.

    No perodo de trs anos, Edir Macedo expandiu a igreja pelo exterior criando o

    primeiro templo da Universal nos Estados Unidos em 1980, alm de romper as fronteiras

    estaduais brasileiras em So Paulo, Minas Gerais, Bahia, Paran e nos principais centros

    urbanos do pas.

    Nos grandes centros urbanos, a massificao da vida j era uma realidade.

    Naquela poca, dois teros da populao brasileira vivia nas grandes

    cidades. O cidado urbano, especialmente o morador da periferia, afastado

    do seu mundo original, perde muito dos seus referenciais simblicos

    importantes. medida que esses elos simblicos vo sendo cortados, vazios

    existenciais vo surgindo, o que leva esse homem a buscar

    desesperadamente algo que satisfaa suas necessidades de sentido e de f.

    exatamente nas grandes cidades, particularmente Rio de Janeiro e So Paulo,

    que a IURD vai firmar sua base e procurar preencher os vazios desse

    homem, levando-o a reencontrar-se consigo mesmo e encontrar o caminho

    para sua felicidade. (OLIVEIRA, 2009, p. 137)

    Os outros continentes foram escolhidos para sediar a Igreja Universal gradativamente.

    Portugal foi o primeiro pas europeu, em 1989, a ter uma igreja chefiada por Edir Macedo.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Na sia, a Universal escolheu o Japo para ser o primeiro pas desse continente a

    expandir o imprio universal religioso, em 1996.

    Atualmente, a sede da Igreja Universal do Reino de Deus a Catedral Mundial da F,

    localizada na zona norte do Rio de Janeiro, tambm conhecida como Templo da Glria do

    Novo Israel.

    Em 2010, a igreja anunciou a construo do maior templo evanglico do pas, o qual

    ser chamado de Templo de Salomo, por ser uma rplica da construo do Templo de

    Salomo que a Bblia cita, localizado na capital de Israel, Jerusalm.

    O mega-templo ser construdo no bairro do Brs, em So Paulo, ter capacidade

    aproximada para comportar 13 mil pessoas sentadas. Possuir altura equivalente ao prdio de

    18 andares e dois subsolos. Alm de abrigar um grande estdio de TV e um de rdio.

    Segundo o bispo Edir Macedo, a construo do templo terminar em 2014, ano em que

    o Brasil sediar a Copa do Mundo.

    Conforme o quadro abaixo, a IURD com 34 anos de fundao, mostra que o imprio

    adquirido ultrapassa os limites especficos do campo religioso.

    RAMIFICAO Neopentecostal

    FUNDADOR Edir Macedo

    ORIGEM 1977

    SEDE Catedral Mundial da F

    MEMBROS 8 milhes de fiis

    TEMPLOS Cerca de 13.000/mundo

    4.800/Brasil

    PASES EM QUE ATUA Mais de 100 pases

    Fonte: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/evangelicos/em_resumo.html

    A IURD incorpora os dispositivos de comunicao na sua plenitude, pois abrange a

    produo, tecnologias, linguagens, discurso, recepo e circulao.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    5.2 O maior portal religioso do pas na viso iurdiana10

    Nos anos 90, a nova aposta na formao do imprio miditico iurdiano foi a internet.

    Os primeiros sites surgiram de maneira amadora, quando obreiros, pastores e alguns fiis

    criavam as pginas em nome da igreja para interagir e discutir assuntos bblicos. Aps essas

    criaes amadoras, o prximo passo foi disponibilizar todo o contedo do jornal Folha

    Universal, um dos principais veculos de comunicao do sistema empresarial da IURD, com

    matrias completas, pedidos de orao, fotos dos cultos e templos. Atualmente o Folha

    Universal comemorou a srie de 1.000 edies publicadas para todo o pas.

    O objetivo do portal era criar uma central nica de entretenimento e jornalismo para os

    fiis. Por isso, sites como o da Folha Universal, da Revista Plenitude e de outros veculos de

    cunho jornalstico-religioso foram incorporados ao um novo portal: Arca Universal.

    O portal Arca Universal foi lanado no dia 30 de abril de 2001 e nasceu tambm da

    ideia de levar a Palavra de Deus s pessoas que esto necessitando de um conforto espiritual,

    independente do lugar onde residam. Romper as barreiras geogrficas para ajudar os aflitos

    foi o anseio do bispo Macedo ao idealizar o Arca Universal.

    O surgimento do Arca Universal ocorreu concomitantemente ao lanamento de outros

    portais como os da Globo.com e do UOL, demonstrando que a IURD sempre acompanha o

    surgimento das inovaes tecnolgicas do grande mercado.

    O portal vem conseguindo, mensalmente, mais de 14 milhes de pginas visitadas,

    atingindo assim o topo entre os portais evanglicos e alguns seculares. A tecnologia de ponta

    permite aos milhares de usurios ficarem conectados com segurana e qualidade, para

    interagirem com pessoas de vrios pases.

    Alm da evangelizao e do conforto espiritual, o portal tem, tambm espao para

    notcias de entretenimento, cultura, esporte, sade, dicas de economia, mercado de trabalho,

    beleza, notcias de mbito nacional e internacional.

    10

    Disponvel em: . Acessado em: 20 fev. 2011, 18h24min.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Alm de conter mensagens do bispo Macedo com estudos bblicos, contm tambm

    uma bblia on-line, frum, auto-ajuda e fornece ainda um servio de torpedos via SMS.

    6 IURDTV: uma igreja digital

    Vivemos, hoje, num ambiente chamado convencionalmente de sociedade miditica.

    Vivemos numa sociedade onde as relaes sociais so mediatizadas, ou seja, so

    intermediadas pelos instrumentos da mdia, que o conjunto dos meios de comunicao, tais

    como: jornal, rdio, televiso, internet, cinema, outdoors, propagandas, etc.

    Tornou-se inevitvel o encontro da Igreja com as tecnologias da comunicao. A

    sociedade atual imediatista e a vida da mensagem crist e a sua transmisso esto

    confrontadas com esta sociedade e seus meios de comunicao.

    A figura acima exemplifica o fato de uma instituio religiosa em midiatizar seus

    servios eclesisticos. O anncio desta figura refere-se ao momento em que o lder maior da

    Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) estaria ao vivo num estdio de rdio para

    proclamar mais uma de suas mensagens teolgicas, atravs do portal, para milhares de fiis

    conectados no mundo inteiro.

    Logo quando foi fundada, a IURD ficava com suas portas abertas 24 horas por dia a

    fim de atender seus fiis e pessoas que lhes procurava para aconselhamentos. Hoje, por conta

    do aumento no ndice de violncia em todo o pas, os templos da IURD fecham meia-noite,

    mas as centrais telefnicas, os programas de rdio e TV e os servios na internet (atendimento

    on-line, chat, enquetes, programas ao vivo pela web-rdio e web-TV) funcionam

    normalmente durante 24 horas por dia, sem parar um minuto sequer.

    Com o objetivo de manter seus fiis informados respeito dos seus servios, a

    Universal do Reino de Deus lanou mais um veculo de comunicao, a IURDTV, que pode

    ser acessada atravs do portal Arca Universal (www.arcauniversal.com/iurdtv). O intuito

    transmitir reunies, eventos e mensagens dos bispos e pastores da igreja.

    Esta pesquisa analisa a IURDTV, mais especificamente a retransmisso do programa

    Palavra Amiga do bispo Edir Macedo, que inclusive lanou, no dia 11 de maio de 2011, o

    canal de TV iurdiano que pretende ficar no ar durante 24 horas por dia, apresentando

    programas ao vivo e gravados.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Este programa apresentado pelo bispo maior da igreja, auxiliado pelo bispo Guaracy.

    O Palavra Amiga transmitido, de segunda a sexta, pela rdio 99,3 FM em So Paulo/Brasil,

    no horrio da manh. E retransmitido pela IURDTV no horrio da noite.

    Palavra Amiga com os bispos Macedo, no meio, e Guaracy, esquerda. (Programa exibido no dia 11/06/2011)

    Fonte: www.arcauniversal.com

    Alm de orientaes sobre as reunies da igreja, o Palavra Amiga apresenta

    testemunhos de vida com pessoas que vo ao estdio da rdio, localizado numa das catedrais

    de So Paulo.

    Palavra Amiga com o bispo Macedo recebendo os convidados para testemunhar seus respeitos. (Programa do dia 09/06/2011)

    Fonte: www.arcauniversal.com/tviurdi

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Essas pessoas que so levadas ao estdio para testemunhar respeito de suas vidas

    antes de ingressar na igreja Universal retratam sempre os mesmos temas: casamento

    destrudo, drogas, crise financeira, depresso, dentre outros. Todas as pessoas testemunham

    sobre a soluo desses problemas ao participar dos cultos da IURD.

    Por ser um programa de rdio que possui convergncia miditica, o Palavra Amiga

    no possui nenhuma estrutura espetacular de cenrio. Porm, sua linguagem, formato e

    discurso o que mais interessa a esta pesquisa.

    Mas antes de citar as caractersticas gerais do programa, importante termos uma

    noo do que seria convergncia miditica.

    Vivemos um tempo em que somos ouvintes e telespectadores ao mesmo tempo e ainda

    interagimos com o apresentador de tal programa que est sendo transmitido por mais de um

    veculo de comunicao. Isso s possvel por causa da convergncia miditica de alguns

    programas.

    Porm para conceituar esse termo, vale recorrer a Henry Jenkins11

    que denomina de

    convergncia miditica a tendncia que os meios de comunicao esto aderindo para poder

    se adaptar a internet, usando este suporte como canal para distribuio de seu produto.

    Com o advento da internet, os meios de comunicao sofreram um pouco com as

    perdas de audincia e de assinaturas, por exemplo, as revistas e os jornais. As empresas

    prevendo no poder concorrer com esse novo suporte se aliaram a ele, da surge a

    convergncia, onde as vrias mdias podem ser encontradas na internet. Percebemos que o

    rdio tambm ganhou maiores propores com a convergncia para a internet.

    Voltando a anlise do Palavra Amiga, a figura central do programa o bispo Macedo

    e percebemos isso at na ordem dos apresentadores. Todos os dias, o bispo Edir Macedo

    senta-se no centro da mesa, ladeado direita pelo Guaracy e na esquerda, normalmente um ou

    dois convidados (bispos, pastores, obreiros e at os fiis).

    Com uma cmera apenas para transmisso, fazendo os movimentos de zoom, o

    cinegrafista posiciona o equipamento com o intuito de sempre trabalhar com o plano geral,

    enquadrando os trs na mesa, lgico que enfatizando a presena da figura maior da igreja.

    11

    JENKINS, Henry. Cultura de Convergncia. So Paulo: Aleph, 2008 (Edio em portugus).

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Por ser um programa de rdio, eles nunca atendem aos ouvintes no ar, mas recebem

    comentrios via e-mail, twitter ou at mesmo por meio do blog oficial do bispo Macedo. Pela

    relevncia dos comentrios dos ouvintes e telespectadores do programa, percebemos uma

    seleo dessas mensagens. Pois atravs da interao do pblico que o bispo monta uma

    interpretao de abordagem bblica.

    O pblico envia perguntas e comentrios e a partir dessa interao que os

    apresentadores tratam respeito de sua ideologia crist e principalmente institucional.

    Atravs da IURDTV, notamos tambm o quanto os bispos esto utilizando os mais

    novos formatos em equipamentos de comunicao, por meio dos mini-computadores

    sensveis ao toque do dedo.

    O Palavra Amiga o programa mais institucionalizado de toda programao da

    IURDTV, pois trata-se da voz presente do fundador da igreja.

    O interessante que no possui um cenrio especfico, mas por conta da transmisso

    na IURDTV, existem programas que a produo disponibiliza uma grande cruz que fica ao

    lado da mesa e dos apresentadores, como observei no programa do dia 09 de junho de 2011,

    retratado na figura acima.

    Neste caso, observamos o interesse da igreja em investir e priorizar tambm as novas

    mdias, pois fazendo uso dessas novas tecnologias, a instituio legitima seu espao na

    sociedade e aproxima-se cada vez mais de seu pblico.

    O novo cenrio religioso brasileiro pode ser identificado por meio da emergncia de

    uma religio miditica, patrocinada pelo desenvolvimento de novas tecnologias de

    informao e comunicao.

    Surge, ento, um novo paradigma de igreja. Ela deve ser interessante,

    contextualizada e convidativa freqncia, fundada no aparato tecnolgico,

    na linguagem secularizada, em prticas profanas, na valorizao das

    imagens em detrimento prdica. Essas prticas vo deixando para o

    passado os estilos tradicionais de culto e adorao, de devoo e de vivncia

    religiosa. Transformadas em verdadeiras vitrines de bens simblicos, essas

    igrejas se metamorfosearam, tornando-se palcos do espetculo da f,

    compondo o cenrio religioso ps-moderno. (OLIVEIRA, 2009, p. 29)

    As exigncias tecnolgicas alteraram o ambiente de culto, hoje, palco/atores/platia,

    onde antes era o altar/celebrantes/fiis.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Por fim, vale dedicar o prximo captulo anlise da produo, manipulao,

    circulao e consumo dos sentidos promovidos pelos lderes da IURD no programa Palavra

    Amiga.

    7 Analisando o discurso

    A iseno de posicionamentos do pesquisador fundamental principalmente em tais

    tipos de pesquisa, pois requer um resultado apropriado aos requisitos de um trabalho

    cientfico, baseado inicialmente na empiria.

    A metodologia aplicada a este trabalho foi a anlise da produo, circulao e

    consumo dos sentidos vinculados ao programa Palavra Amiga. No poderamos deixar de

    fazer uma anlise a partir das mensagens (textos) propagadas nesse programa religioso com

    caractersticas de uma articulao com o campo miditico.

    O nosso corpus, composto unicamente de sermes, gnero discursivo que em um

    perodo anterior limitava-se aos plpitos das igrejas, est bastante influenciado pelos suportes

    tecnolgicos da comunicao.

    Sabemos que a linguagem verbal no a nica ferramenta de persuaso dos pastores

    quando esto falando nos altares de suas igrejas e nos estdios de rdio e TV. A gesticulao,

    o cenrio e a prpria fala corresponde ao discurso produzido pelo pastor ou bispo.

    A noo de discurso comea a se esboar teoricamente quando lingistas e semilogos

    como Roland Barthes, Algirdas J. Greimas, Zellig Harris e Michel Pcheux tentaram, nos

    anos cinqenta e sessenta do sculo passado, levar suas anlises alm da frase.

    Por este motivo precisamos entender o que chamamos de Anlise de Discursos. E

    quem pode nos auxiliar melhor nesta parte introdutria Milton Jos Pinto:

    Para incio de conversa preciso dizer que o conceito de discurso no se

    confunde com os empregos usuais da palavra no nosso cotidiano: no se

    trata de uma anlise de textos proferidos ao vivo em solenidades,

    assemblias ou tribunais dentro da tradio retrica e nem de uma anlise de

    usos restritos da lngua dentro de reas de conhecimento especficas, tais

    como sugerem as denominaes discurso poltico, discurso jornalstico,

    discurso dos jovens, discurso da televiso e etc. preciso tambm insistir no

    fato de que o que chamamos de discurso um certo objeto de conhecimento

    construdo a partir de produtos culturais empricos (como anncios

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    publicitrios, capas de peridicos, programas televisivos e de rdio,

    entrevistas mdicas, entrevistas de emprego, textos jornalsticos impressos,

    discursos polticos, cartilhas para preveno de doenas, organizao dos

    espaos de uma cidade, de reparties pblicas, de empresas, ou de nossas

    casas, entre outros), que so chamados de textos e que, como se pode ver dos

    exemplos, no se trata apenas de uma anlise de textos verbais, orais ou

    escritos, pois envolve outras semiticas, como as imagens (PINTO, 2003, p.

    02)

    Costuma-se dizer hoje que o discurso mobiliza recursos, que se estendem alm da

    frase e que so chamados de contexto. Pinto (2003) nos explica isso melhor:

    A anlise de discursos no mais apenas uma anlise imanente de textos,

    pois leva em conta que a interpretao de qualquer texto se faz a partir de

    informaes colhidas (1) no contexto situacional (o ambiente fsico e

    institucional em que o texto produzido, circula e consumido), (2) no

    cotexto (outros textos situados fisicamente ao redor do texto ou de qualquer

    fragmento dele, antes, depois, de um dos lados, em cima ou em baixo), e (3)

    nos contextos das ordens de discursos ou interdiscursos (outros textos

    produzidos no mesmo quadro institucional ou relativos mesma rea de

    conhecimento e afins, que so mobilizados intertextualmente na

    interpretao) (PINTO, 2003, p. 03).

    Como prtica social no interior das instituies, o discurso determinado pelas

    estruturas sociais, sendo regido por regras, normas e convenes mais ou menos estveis e

    tem sempre uma finalidade social previamente determinada.

    Dizer que discurso uma prtica social implica que todo discurso assumido por um

    sujeito, que aparece como responsvel pelo ponto de vista.

    O bispo Edir Macedo o indivduo responsvel pelas mensagens de conselhos com o

    objetivo de disciplinar vida comportamental de seus fiis, como observei no programa

    Palavra Amiga em que ele aconselhava uma fiel que estava sentindo dificuldades de fazer o

    que seus lderes ordenavam para participar de um encontro com Deus. A fiel que se chama

    Beatriz foi aconselhada no ar depois de enviar um e-mail para o bispo Macedo.

    BEATRIZ - Oi bispo, tenho ouvido o senhor falar sobre o encontro com

    Deus pela IURDTV. Reconheo a importncia desse encontro, mas tenho

    dificuldades de me encontrar com Ele, devido a minha vida sentimental, pois

    me preocupo muito com ela. Como fao para ter esse encontro?

    BISPO MACEDO - Minha amiga, Beatriz, voc tem de eliminar todas as

    outras foras e focar na fora do Encontro com Deus. Voc me desculpa ser

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    grosso. Voc vai resolver seus problemas na vida sentimental, mas primeiro

    resolve o teu problema com Deus. Beatriz, minha filha, enquanto voc no

    focar no Encontro com Deus, voc estar andando em crculo. (Programa

    Palavra Amiga, 09/06/2011)

    interessante notar que o que Bourdieu chama de Campo Social, o bispo Macedo

    chama de fora.

    BISPO MACEDO - No quero aqui quem vem dividir foras. Tem gente que

    vem com problemas financeiros e espirituais. Outros vem problema de sade

    e busca no Esprito Santo. No venha aqui com dois problemas, duas foras.

    Venha com sua prioridade. Qual a sua prioridade? Qual a sua necessidade

    maior? (Programa Palavra Amiga, 07/06/2011)

    Em outro programa, Edir Macedo pediu para os homens terem cuidado com as

    mulheres, pois elas so as responsveis por dar um destino espiritual aos homens.

    BISPO MACEDO - Cuidado meu amigo, voc que homem, com a mulher.

    Pois ela tanto te leva para a aproximao com Deus como tambm para o

    inferno (Programa Palavra Amiga, 09/06/2011)

    Segundo Almeida e Patriota (2006), outro aspecto que devemos enfatizar, diz respeito

    sua prpria condio de produo, ou seja, onde, como e quando o discurso produzido,

    sugerindo que o discurso no pode ser compreendido fora de seu contexto.

    Normalmente os discursos dos apresentadores do Palavra Amiga so baseados nos

    textos bblicos e provocados pela interao dos ouvintes/internautas atravs de suas dvidas.

    A IURD no d margem a questionamentos quando se trata dos discursos de seus

    pastores e bispos. Isto porque o clero se apresenta como grupo devidamente capacitado para

    interpretar a Palavra de Deus e de fato, muito comum que seus textos se desenvolvam com

    base em citaes da Bblia.

    vlido lembrar que a atividade de pregar (proclamar o Cristianismo atravs

    de pregaes discursos) uma atividade efetiva de reformulao. Afinal,

    sempre se restaura o contedo de um texto fonte, que a prpria Bblia, e a

    partir dele trazido tona uma interpretao. Como nos esclarece Orlandi

    (1996), a interpretao no apenas um simples gesto que decodifica e

    apreende os sentidos, na verdade, o ato de interpretar o de exposio

    opacidade do texto, ou seja, a tentativa de explicar como um objeto

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    simblico pode produzir seus sentidos (ALMEIDA e PATRIOTA, 2006, p.

    68)

    Quando se fala em interpretao, est se referindo interpretao da Bblia, tornando-

    se importante pontuar que a pessoa, com a qual possui o saber dessa interpretao, de

    acordo com a concepo e crena religiosa, trata-se de algum previamente preparado

    intelectualmente, atravs dos estudos especficos dos textos bblicos e dotado de uma

    inteligncia espiritual, a qual s Deus pode conced-la, ou seja, este falante autorizado detm

    um saber especial para o exerccio do ministrio da proclamao da Palavra, dirigindo-se a

    um pblico que supostamente no portador de tal saber e ainda ministra bnos sobre ele.

    Partindo, ento, da caracterizao do discurso religioso como aquele que fala

    a voz de Deus, comearia por dizer que, no discurso religioso h um

    desnivelamento fundamental na relao entre o locutor e o ouvinte: o locutor

    do plano espiritual (o Sujeito, Deus) e o ouvinte do plano temporal (os

    sujeitos, os homens). Isto , locutor e ouvinte pertencem a duas ordens de

    mundo totalmente diferentes e afetadas por um valor hierrquico, por uma

    desigualdade em sua relao: o mundo espiritual domina o temporal. O

    locutor Deus, logo, de acordo com a crena, imortal, eterno, infalvel,

    infinito e todo-poderoso; os ouvintes so humanos, logo mortais, efmeros,

    falveis, finitos, dotados de poder relativo. Na desigualdade, Deus domina os

    homens (ORLANDI, apud, ALMEIDA e PATRIOTA, 2006, p. 70)

    Cabe lembrar que no existe uma nica interpretao da Bblia. O contexto scio-

    cognitivo no qual o enunciador est inserido interfere em sua interpretao, bem como os

    instrumentos tecnolgicos da midiatizao.

    Sabemos que os suportes tecnolgicos de comunicao criam novos gneros

    discursivos, mesmo no sendo os nicos responsveis por essa criao, os meios de

    comunicao intensificam e trazem tona caractersticas de novos gneros de discursos.

    Podemos compreender as diferenas entre o discurso religioso e miditico por meio de

    Fiegenbaum (2006:11), que nos mostra que enquanto o discurso do primeiro dogmtico,

    organizacional, sociolgico; a competncia do discurso do segundo discursiva, portanto,

    impensvel a sua sujeio ao campo que o institui, no caso o religioso, sem negar o seu

    prprio saber. Por isso observamos, certas tenses e conflitualidades estabelecidas na

    decorrncia da interao do campo miditico com os determinados campos sociais.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

    Consideraes finais

    Vimos que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) mantm uma utilizao

    macia dos meios de comunicao. No foi toa que a ao do bispo Edir Macedo o levou a

    montar um imprio miditico colocado em segundo lugar no universo brasileiro, apenas atrs

    da Rede Globo de Televiso.

    A facilidade com que a IURD se move no mundo miditico possui uma explicao no

    fato de que ela j nasceu miditica, diferentemente de outras igrejas, mais histricas e com um

    passado e uma tradio considerveis, que hoje recorrem ao processo de midiatizao.

    Ao longo do trabalho que ora termina, tentamos compreender o caminho percorrido

    por algumas igrejas, mais especificamente a IURD, afim de se dar conta do que est

    acontecendo no mundo contemporneo com o processo de midiatizao da sociedade.

    Percebemos a mudana no cenrio religioso do pas com o surgimento dessas novas

    religiosidades miditicas, que defendem a transformao por meio da dita Igreja Midiatizada,

    via protocolos do espetculo.

    Vimos tambm que muitas dessas novas igrejas s enxergam os meios de

    comunicao como suporte para a difuso do Evangelho, sem notar suas conseqncias e as

    mudanas que o processo causa. O importante, portanto, no so os meios, mas a transmisso

    da mensagem.

    A igreja evanglica brasileira no est isolada s paredes dos templos, mas atua cada

    vez mais, num novo ambiente que garante sua existncia enquanto uma instituio religiosa

    presente no sculo XXI.

    Hoje as igrejas no possuem um pblico de fiis fixo e estvel. Devido ao surgimento

    das ditas miditicas, no caso a IURD, o pblico passou a ser itinerante, que no mais se

    renem apenas nos bancos da igreja, mas em qualquer lugar do universo, por conta do

    processo de midiatizao.

    Com tudo isso, percebe-se que o mundo mudou, as pessoas mudaram com ele e

    conseqentemente as instituies religiosas tambm. Vivemos num novo ambiente religioso

    brasileiro.

  • Ano VIII, n. 04 Abril/2012

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