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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 42 – O “Poder da palavra”: análise do discurso. 57 OS ATOS DE FALA E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO. COMO FALAMOS? USAMOS ATOS DIRETOS OU INDIRETOS? Elizabeth Antônia de OLIVEIRA 1 RESUMO Em um restaurante, se o garçom pergunta ao freguês: “ Você fuma?”. O sentido aqui parece soar muito diferente do sentido do mesmo enunciado proferido em uma festa, quando uma pessoa, descontraída, pergunta a outra se esta fuma. Austin (1990) defende que o contexto é fundamental para a compreensão do enunciado. Logo, a partir de uma ampla discussão sobre atos de fala, desenvolvi um questionário cujos enunciados e respostas são familiares no contexto brasileiro, onde foi aplicado. Em seguida ousei aplicar o mesmo questionário em um grupo de portugueses. Meu objetivo foi verificar como aquele povo lidaria com atos de fala comuns no Brasil. Partindo, então, dos resultados do questionário, trago abaixo uma pequena discussão que aponta serem os portugueses, de certa forma, familiares a uma gama importante de atos de fala comuns nos mais variados usos que os brasileiros fazem da língua. PALAVRAS-CHAVE: atos de fala; diretos; indiretos; fala; sentido. Atos de fala – introdução Este artigo pretende abordar uma pequena amostra sobre os atos de fala e suas abrangências de uso em duas variações linguísticas, se assim posso dizer, bem distintas: o português falado no Brasil e o português falado em Portugal. Para tanto, a partir de disciplina que cursei no mestrado em Lingüística pela PUC-Minas, cujo tópico é: “Teoria dos atos de fala”, desenvolvi dois questionários, que chamei de “Teste Simples” 1 OLIVEIRA. Pontifícia Universidade católica de Minas Gerais. Departamento de Linguística e Língua Portuguesa. Rua Dr. Orestes Diniz, 20/103, bairro Nova Suíça, CEP. 30.460.710 - Belo Horizonte-MG. – Brasil. E-mail: [email protected]

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 42 – O “Poder da palavra”: análise do discurso.

57

OS ATOS DE FALA E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO. COMO FALAMOS? USAMOS ATOS DIRETOS OU INDIRETOS?

Elizabeth Antônia de OLIVEIRA1

RESUMO

Em um restaurante, se o garçom pergunta ao freguês: “Você fuma?”. O sentido aqui parece soar muito diferente do sentido do mesmo enunciado proferido em uma festa, quando uma pessoa, descontraída, pergunta a outra se esta fuma.

Austin (1990) defende que o contexto é fundamental para a compreensão do enunciado. Logo, a partir de uma ampla discussão sobre atos de fala, desenvolvi um questionário cujos enunciados e respostas são familiares no contexto brasileiro, onde foi aplicado. Em seguida ousei aplicar o mesmo questionário em um grupo de portugueses. Meu objetivo foi verificar como aquele povo lidaria com atos de fala comuns no Brasil.

Partindo, então, dos resultados do questionário, trago abaixo uma pequena discussão que aponta serem os portugueses, de certa forma, familiares a uma gama importante de atos de fala comuns nos mais variados usos que os brasileiros fazem da língua. PALAVRAS-CHAVE: atos de fala; diretos; indiretos; fala; sentido.

Atos de fala – introdução

Este artigo pretende abordar uma pequena amostra sobre os atos de fala e suas

abrangências de uso em duas variações linguísticas, se assim posso dizer, bem distintas:

o português falado no Brasil e o português falado em Portugal. Para tanto, a partir de

disciplina que cursei no mestrado em Lingüística pela PUC-Minas, cujo tópico é:

“Teoria dos atos de fala”, desenvolvi dois questionários, que chamei de “Teste Simples”

1 OLIVEIRA. Pontifícia Universidade católica de Minas Gerais. Departamento de Linguística e Língua Portuguesa. Rua Dr. Orestes Diniz, 20/103, bairro Nova Suíça, CEP. 30.460.710 - Belo Horizonte-MG. – Brasil. E-mail: [email protected]

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 42 – O “Poder da palavra”: análise do discurso.

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e “Teste Complexo”, cada um com um total de 10 questões, e apliquei nos falantes dos

dois países. Depois de aplicar o questionário no Brasil, no meio do caminho abandonei o

Teste Simples e trabalhei somente o Complexo neste artigo. O “Teste Complexo” em

três versões diferentes: “A”, “B” e “C”, foi aplicado em 30 pessoas no Brasil (Belo

Horizonte) e em outras 30 em Portugal (Lisboa: 24; Évora: 01; Aveiro: 01; Braga: 01;

Vila Real: 01; Alentejo: 01 e Coimbra: 01). Em ambos os países a aplicação se deu por

amostragem.

Primeiramente o teste foi aplicado no Brasil, em outro estudo que fiz. Em

seguida o apliquei em Portugal, objetivando verificar como os portugueses reagiriam a

atos de fala comuns no uso da língua no Brasil, e a possibilidade ou não de importantes

variações nas respostas e, principalmente de compreensão, pelos portugueses, desses

atos. Para tanto, considerei estar tratando de duas línguas diferentes do ponto de vista

social, cultural, isto é: decidi chamar de duas “variações lingüísticas” do português. A

partir daí, tive respostas que me surpreenderam muito em algumas análises comparativas

que fiz, conforme se vê abaixo.

Aspectos teóricos

Teóricos como Austin (1990), Searle (1995), Mari (2001ab) e Vanderveken

(1985) definem atos de fala como conversão das palavras em ação, processo que se dá

nas interações sociais. Estamos falando, então, do uso da língua. “[...] um ato é antes de

tudo um objeto social, pois é proferido em circunstâncias que incluem a presença do

outro.” (MARI, 2001b, p. 24). Isso significa que as questões aqui propostas fazem parte

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de uma convenção lexical que os usuários da língua portuguesa, pelo menos no Brasil,

estão acostumados a lidar com ela, a partir de convenções lingüísticas socialmente

estabelecidas. Logo, se no Brasil alguns atos de fala podem desempenhar mais de um

sentido, variando os contextos de uso, que sentidos desempenham esses atos no contexto

e cultura de outro país de língua portuguesa, no caso, Portugal?

Entre os atos de fala estão: o desejo, a promessa, a ordem, pedido, declarações.

Veja que em nenhuma dessas situações o outro pode ser excluído, porque os atos de fala

são interações do locutor, mas orientados para o outro. Envolvem normas sociais,

natureza do comportamento, etc. Eles são, então, enunciados lingüísticos, ligados a

situações comunicativas, ações dos sujeitos, e há um valor pragmático, que os

interlocutores atribuem às suas proposições. “No processo interlocutivo, as palavras

representam mais do que os objetos que descrevem, do que aquilo que significam: elas

servem para engendrar um conjunto de ações previstas nas circunstâncias de seu uso.”

(MARI, 2001a, p. 100).

Veja como essa discussão corrobora a fala de Vanderveken, elaborada em 1985.

Há dois atos ilocucionais expressos pelas sentenças “Está chovendo?” e “Por favor, diga-me se está chovendo”. Eles são idênticos, embora o primeiro seja uma pergunta e o segundo um pedido, e estas forças ilocucionais tenham diferentes condições de conteúdo proposicional. (VANDERVEKEN, 1985, p. 191).

Segundo Austin 1990 “[...] a ocasião do proferimento tem enorme importância e

as palavras usadas têm de ser, até certo ponto, “explicadas” pelo “contexto” [...]” (1990,

p. 89). Austin trabalha com a tese de que “dizer algo é fazer algo, ou que ao dizer algo

estamos fazendo algo, ou mesmo os casos em que por dizer algo fazemos algo.” Isso

significa que os enunciados podem ser convertidos em atos quando são aplicados neles

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uma força ilocucional específica: π e um modo: µ. Mari (2001b) observa que “Uma

força ilocucional pode ser compreendida, de modo genérico, como um conjunto de

parâmetros que, atuando sobre um dado conteúdo proposicional, transforma-o em um

ato, isto é, define uma forma de atuação de um locutor sobre alocutários ou sobre um

aspecto da realidade.” (p. 79). Já o modo está ligado à clareza do enunciado. Se afirmo:

“Você fuma.” estou construindo um sentido diferente de, por exemplo, “Você fuma

muito!”. A partir dos instrumentos lexicais e semânticos é possível perceber que temos aí

dois modos diferentes de construções.

Searle (1995) expande a idéia dos atos de fala para além dos usos performativos:

ordenar, prometer, nomear. Proposição/ilocução, sentido e ação. Isto é: um locutor pode

querer dizer mais do que efetivamente diz. Nesse processo ocorre um ajuste entre

linguagem e ação. Esses ajustes ficam claros na obra de Searle, para quem atos de fala

indiretos são aqueles em que “um ato ilocucinário é realizado indiretamente através da

realização de um outro.” (1995, p. 48/49). O falante diz uma coisa, quer significá-la mas

quer também significar algo mais. Searle defende que o ato indireto comporta dois tipos

de valores: ilocucional (realização de uma força) e perlocucional (realização de um

efeito). Se eu digo “Está chovendo. Por favor, feche a janela!”, esse enunciado tem uma

força, tendo em vista o conteúdo proposicional, a relação entre os interlocutores, etc., e

pode gerar também um efeito: alguém fechar a janela, acender a luz, etc.

Linguagem e condições de uso

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Vanderveken (1985, p. 173) defende que cada força ilocucional se divide em sete

componentes: ponto ilocucional, modo de realização desse ponto, conteúdo

proposicional, condições preparatórias, condições de sinceridade, e dois graus de

intensidade: do ponto ilocucional e das condições de sinceridade. Vou trabalhar,

aqui, mais claramente apenas três desses componentes: conteúdo proposicional,

condições preparatórias e condições de sinceridade, a partir dos quais tentarei discutir

algumas das análises abaixo.

As condições de Conteúdo proposicional podem incluir: forma lingüística da

proposição, tempo verbal, propriedades de itens lexicais, principalmente quando

tratamos de seus aspectos semânticos, dentro de contextos de enunciação específicos.

Ex. “Casa de praia” e “casa própria”. Apesar de estarmos trabalhando com o léxico

‘casa’, os segundos instrumentos lexicais “de praia” e “própria”, definidores do

substantivo, geram situações pragmáticas adversas. Em várias situações, as condições de

conteúdo proposicional são determinantes para a construção do sentido. Em Minas

Gerais, se pergunto a uma pessoa que dirige: “Você tem carta”, ela, com certeza, vai

questionar: “Carta?”, demonstrando não entender sobre o que estou falando. Já em

Portugal, com certeza a pessoa vai responder: “sim.”, demonstrando que é habilitada

para dirigir. Porém, não só aspectos sintáticos, mas principalmente semânticos e

pragmáticos podem facilitar a construção do sentido, conforme veremos nas análises

abaixo.

Para tratar das condições preparatórias do processo enunciativo, Mari observa

que “As condições preparatórias de uma força ilocucional implicam, precisamente, o

caráter de sustentação, porque não contêm uma emergência material, mas se valem de

pressupostos que asseguram legitimidade a forças desempenhadas com adequação.”

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(2001a, p. 124). As condições preparatórias envolvem, entre outros, fatos associados às

identidades dos interlocutores, ao estatuto de um em relação ao outro. O modo parece

desempenhar um papel decisivo na especificação das condições preparatórias, quando

avaliamos o seu efeito na realização de um ato. Veja o primeiro e, principalmente, o

segundo exemplos, no tópico “Análise de alguns resultados”, abaixo.

Condições de sinceridade: “O falante que promete fazer alguma coisa expressa

uma intenção de fazê-lo. O falante é sincero se e somente se seu estado psicológico

corresponde àquele expresso [...]” (VANDERVEKEN, 1985, p. 178). Um falante não

pode dizer: Eu prometo ir, mas não tenho a intenção de ir. Nas condições de sinceridade

há, inclusive, graus de intensidade. Um falante que suplica, por exemplo, expressa um

desejo mais forte do que um falante que simplesmente pede.

Aplicação do teste

Critérios para escolha do grupo

Conforme já observei, o teste foi aplicado por amostragem e devido à sua

pequena abrangência, não representa, em absoluto, os usos das duas variações

lingüísticas: Brasil e Portugal. O objetivo é justamente verificar pontos convergentes

e/ou divergentes no uso de atos de fala entre brasileiros e portugueses. As cidades

escolhidas não foram aleatórias: moro na capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, onde

os testes foram aplicados no Brasil. Em Portugal os testes foram aplicados em Lisboa,

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cidade com a qual tive maior contato, mas algumas pessoas estavam lá só de passagem,

pois eram oriundas de outras regiões, conforme se vê acima.

Em Portugal, quatro testes foram aplicados pela internet. Algumas pessoas, tanto

pessoalmente quanto pela internet, demonstraram sentir estranhamento ao lerem as

questões. Abaixo reações de alguns que responderam pela internet. “[...] aqui via o

questionário. Espero que esteja bem. É que tem expressões que aqui em Portugal não se

usa, mas fiz o melhor que sabia rsrsrsrs [...]”. Outro entrevistado, também pela internet,

respondeu assim: “Estou a responder ao questionário. A estrutura do brasileiro do

modo que fazem as perguntas é diferente, : ), mas eu respondi da melhor maneira, : )

[...]”.

Mesmo com essas reações, a maioria das pessoas respondeu ao questionário sem

apresentar importantes dificuldades na lida com os atos de fala. Senti, logo, que o

estranhamento não se tratava de uma situação definidora. Alguns portugueses

apresentaram dificuldades com palavras como “corretor”, “carteira”, conforme os

seguintes exemplos: “Se você é corretor e se dirige a uma pessoa, usando a expressão

Você tem carro?, quer:” (questão 1, versão B) “saber se ela tem carteira” (item c. da

questão 5, versão A). Vide anexo. Contudo é importante ressaltar que esse

estranhamento não impediu que os portugueses respondessem ao questionário e a

maioria não externou dificuldades na lida com as questões.

Como a aplicação se deu por amostragem, tive o cuidado de selecionar pessoas

de idades, profissões e escolaridade abrangentes. Por coincidência, tanto no Brasil como

em Portugal as pessoas tinham a mesma escolaridade: da 4ª série à pós-graduação:

Brasil; e da 4ª classe à pós-licenciatura: Portugal. As idades das pessoas que

responderam ao questionário no Brasil variaram de 14 a 72 anos e em Portugal de 16 a

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74 anos. Do total, no Brasil 13 pessoas eram do sexo feminino, 15 do masculino e dois

não se identificaram. Já em Portugal 15 eram do sexo feminino e 13 do masculino.

Também dois não se identificaram. Entre os entrevistados havia, tanto no Brasil como

em Portugal: estudantes, empregados domésticos, técnicos, funcionários públicos,

profissionais liberais (advogados, engenheiros), etc.

Como a aplicação se deu por amostragem, em Belo Horizonte as pessoas foram

abordadas na rua e foi estipulado um tempo médio para responderem ao teste: sete

minutos. Em Portugal as pessoas também, exceto as que responderam pela internet,

foram abordadas na rua, mas não foi estipulado tempo. Elas tiveram que informar o

sexo, a escolaridade, a profissão e a cidade/região em que nasceram. O objetivo dessas

informações foi justamente confirmar a amostragem, isto é: abranger várias idades,

profissões e ambos os sexos.

Análise de alguns resultados

Observa-se que, no Brasil, a prática repetitiva, cotidiana, de certos atos de fala

foi, com certeza, determinante para as respostas. Já em Portugal, acredito, a facilidade de

entendimento dos atos de fala usados pelos brasileiros se deu em razão da proximidade

entre as duas variações linguísticas e, inclusive, do conhecimento, pelos portugueses, de

muitos desses atos. Também as condições preparatórias, em função das identidades dos

interlocutores envolvidos e das posições sociais, culturais e até do nível de

conhecimento intelectual dos entrevistados, podem ter influenciado as respostas. Como o

questionário exige que se faça escolhas, ambos os grupos pesquisados podem ter optado

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por respostas cujo conteúdo proposicional seja mais adequado às suas realidades sócio-

históricas, sem contar que podem ou não ter sido sinceros na hora de responder.

Quadro de resultados

1. Primeiro exemplo

Questão 1. (versão C) Em uma festa, se você se dirige a uma pessoa usando a expressão Você tem carro?, quer:

a. saber se ela tem carro; b. saber se ela pode lhe dar uma carona; c. saber se ela pode lhe emprestar o carro; d. vender um carro para ela; e. todas as respostas acima, f. nenhuma das respostas acima;

Geral a. b. c. d. e. f.

Brasil 9 = 30% 19 = 63,35 0 0 0 2 = 6,6% Portugal 6 = 20% 21 = 70% 0 1 = 3,3% 0 2 = 6,6%

Por idade a. b. c. d. e. f.

Brasil 14 a 20

1 = 3% 5 = 16,6% 0 0 0 0

21 a 40 6 = 20% 6 = 20% 0 0 0 1 = 3% 41 a 72 1 = 3% 5 = 16,6% 0 0 0 1 = 3% Portugal 16 a 20

1 = 3,3% 5 = 16,6% 0 0 0 0

21 a 40 4 = 13,3% 11= 36,6% 0 0 0 1 = 3,3% 41 a 74 1 = 3,3% 5 = 16,6% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3%

Por escolaridade

a. b. c. d. e. f. Brasil Fundamental

2 = 6,6% 4 = 13,3% 0 0 0 0

Médio 4 = 13,3% 4 = 13,3% 0 0 0 0 Superior 2 = 6,6% 9 = 30% 0 0 0 2 = 6,6% Portugal Fundamental

0 2 = 6,6% 1 = 3,3% 0 0 1 = 3,3%

Médio 3 = 10% 11= 36,6% 0 1 = 3,3% 0 1 = 3,3%

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Superior 1 = 3,3% 7 = 23,3 0 0 0 0 Fonte: dados da pesquisa

Nesta questão é importante o fato de no Brasil 63,35% terem marcado a letra b.

“saber se ela pode lhe dar uma carona;”, contra 70% em Portugal. É relevante este fato,

uma vez que, levando-se em conta o discurso que garante serem os portugueses

(europeus) mais formais, o resultado ficaria mais próximo desse discurso se os dados

estivessem invertidos, até porque todas as outras respostas são possíveis e pelo menos

um português alegou que não pediria carona.

No cruzamento de dados por idade, no Brasil 20% das pessoas de 21 a 40 anos

marcaram a letra b., enquanto em Portugal 36,6% das pessoas dessa mesma faixa de

idade marcaram b. Isso pode ajudar a confirmar a informalidade dos portugueses e

também uma tendência maior às condições preparatórias. Isto é: se sou jovem, estou em

uma festa, quero carona. Já entre as pessoas de 41 a 72 e 74 anos, tanto no Brasil como

em Portugal, apenas 16,6% marcaram b. No cruzamento de dados por escolaridade a

diferença mais relevante ficou para o ensino médio. No Brasil 13,3% dessas pessoas

marcaram b. contra 36,6% em Portugal. Isso pode apontar que entre pessoas com essa

escolaridade seja mais comum pegar carona em Portugal do que no Brasil, onde as

pessoas são consideradas mais informais. É comum entre jovens estudantes brasileiros

pegar carona, o que também devo ocorrer em Portugal, inclusive com maior frequência.

2. Segundo exemplo

Questão 3. (versão C) Em um restaurante, quando o garçom lhe pergunta Você fuma?, ele quer:

a. Pedir-lhe um cigarro; b. Encaminhá-lo para o setor de fumantes ou não fumantes;

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c. Tanto (a) como (b); d. Nem (a) nem (b)

Geral a. b. c. d.

Brasil 1 = 3,3% 28 = 93,3% 1 = 3,3% 0 Portugal 1 = 3,3% 25 = 83,3% 1 = 3,3% 3 = 10% Fonte: dados da pesquisa

Neste caso as condições preparatórias podem determinar as respostas em ambos

os países. Tanto no Brasil como em Portugal a maioria das pessoas, mais de 80%,

optaram pela letra b. A partir das campanhas mundiais anti-tabagismo, tendo em vista as

identidades dos interlocutores: garçom e cliente, sabe-se que o garçom quer encaminhar

o cliente para um ambiente adequado à sua condição de fumante ou de não fumante.

Veja que neste exemplo, no Brasil nenhuma pessoa marcou a letra d., pois o teste foi

aplicado em 2008, antes da lei que proíbe fumar em ambientes fechados. Já em Portugal,

onde o teste foi aplicado em outubro de 2009, três pessoas marcaram a letra d.

A pergunta está diretamente ligada a comportamento e a situação social

preestabelecida, as identidades dos interlocutores, sinalizam que há uma única resposta,

b., ou, no máximo, duas, b. e d., mesmo que as outras sejam possíveis e estejam corretas.

Isso mostra que há situações que direcionam o uso, o que os autores acima chamam de

condições preparatórias. Conforme já observei acima, as situações sociais e também

legais foram determinantes para as respostas tanto dos brasileiros como dos portugueses.

Isso aponta que o sentido está no uso/pragmática e nessa questão fica claro que temos,

predominantemente, a opção pelo ato indireto em ambos os grupos.

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3. Terceiro exemplo

Questão 4. (versão A) Você usaria a expressão Você tem computador em casa?, quando desejasse:

a. sabe se uma pessoa tem computar; b. pedir que a pessoa faça algo para você no computador dela; c. enviar um arquivo para a pessoa; d. todas acima; e. nenhuma das respostas acima.

Geral a. b. c. d. e.

Brasil 13=43,3% 2 = 6,6% 9 = 30% 5 = 16,6% 3 = 10% Portugal 9 = 30% 5 = 16,6% 9 = 30% 4 = 13,3% 3 = 10%

Por idade

a. b. c. d. e. Brasil 14 a 20

4 = 13,3% 1 = 3% 0 0 0

21 a 40 5 = 16,6% 1 = 3% 3 = 10% 3 = 10% 2 = 6,6% 41 a 72 2 = 6,6% 1 = 3% 3 = 10% 1 = 3% 0 Portugal 16 a 20

3 = 10% 3 = 10% 0 0 0

21 a 40 5 = 16,6% 2 = 6,6% 6 = 20% 3 = 10% 0 41 a 74 1 = 3,3% 0 3 = 10% 1 = 3,3% 3 = 10%

Por escolaridade a. b. c. d. e.

Brasil Fundamental

3 = 10% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 2 = 6,6% 0

Médio 4 = 13,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 0 2 = 6,6% Superior 4 = 13,3% 0 6 = 20% 2 = 6,6% 0 Portugal Fundamental

0 0 1 = 3,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3%

Médio 5 = 16,6% 5 = 16,6% 2 = 6,6% 2 = 6,6% 2 = 6,6% Superior 1 = 3,3% 0 6 = 20% 1 = 3,3% 0 Fonte: dados da pesquisa

Nos dados gerais não houve muita diferença entre as respostas dadas pelos

brasileiros e portugueses. Verifica-se através das respostas que, como era de se esperar,

por ser a questão uma produção linguageira ainda não tão freqüente no uso cotidiano,

possibilitou uma gama maior de respostas, apesar de uma preferência maior pela letra a.

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“saber se uma pessoa tem computar;”. No Brasil 43,3% marcaram a letra a. contra 30%

em Portugal. Isso representa que houve uma maior preferência pelo ato direto no Brasil.

É, ainda, a resposta mais lógica, tendo em vista as condições de conteúdo proposicional.

É uma pergunta que exige uma resposta ‘sim’ ou ‘não’. É assim que a mente opera, uma

vez que ainda não foram construídas, socialmente, no uso, outras respostas tão lógicas

quanto a primeira, pois sabe-se que o computador ainda não é amplamente usado.

No cruzamento de dados, na análise por idade houve também pouca diferença.

Pode-se destacar a preferência pela letra c. “enviar um arquivo para a pessoa.” Entre

pessoas de 21 a 40 anos, no Brasil 10% marcaram c. contra 20% em Portugal. Isso pode

significar que os portugueses já têm maior familiaridade com o computador, por isso,

nessa faixa de idade, a predominância pelo ato indireto.

Na análise por escolaridade, entre as pessoas com escolaridade média, no Brasil

apenas 3,3% marcaram b. “pedir que a pessoa faça algo para você no computador dela;”,

contra 16,6% em Portugal. Esse número pode confirmar que os portugueses realmente já

tinham, naquele memento, mais intimidade com o computador do que os brasileiros.

4. Quarto exemplo

Questão 5. (versão B) Em uma entrevista de emprego, você perguntaria ao candidato à vaga, Você dirige?, para:

a. saber se ele sabe dirigir; b. saber se ele tem carro; c. saber se ele tem carteira; d. todas acima;

e. nenhuma acima.

Geral a. b. c. d. e.

Brasil 8 = 26,6% 2 = 6,6% 15 = 50% 6 = 20% 0 Portugal 16 = 53,3% 4 = 13,3% 6 = 20% 4 = 13,3% 0

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 42 – O “Poder da palavra”: análise do discurso.

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Por idade

a. b. c. d. e. Brasil 14 a 20

0 0 3 = 10% 2 = 6,6% 0

21 a 40 3 = 10% 1 = 3% 7 = 23,3% 3 = 10% 0 41 a 72 3 = 10% 2 = 6,6% 3 = 10% 0 0 Portugal 16 a 20

3 = 10% 2 = 6,6% 0 1 = 3,3 0

21 a 40 11 = 36,6% 0 4 = 13,3% 1 = 3,3% 0 41 a 74 4 = 13,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 2 = 6,6% 1 = 3,3%

Por escolaridade

a. b. c. d. e. Brasil Fundamental

2 = 6,6% 0 3 = 10% 1 = 3,3% 0

Médio 0 0 5 = 16,6% 3 = 10% 0 Superior 4 = 13,3% 2 = 6,6% 5 = 16,6% 1 = 3,3% 0 Portugal Fundamental

0 1 = 3,3% 0 2 = 6,6% 0

Médio 9 = 30% 2 = 6,6% 3 = 10% 2 = 6,6% 0 Superior 6 = 20% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 0 0 Fonte: dados da pesquisa

Em Portugal, mais da metade dos entrevistados, 53,3%, optaram pela letra a.

“saber se ele sabe dirigir”. Isto é, optaram pelo ato direto, que caracteriza, logo, mais

formalidade na lida com as questões. Quanto à letra c. “saber se ele tem carteira”, apenas

20% marcaram essa letra, contra 50% no Brasil. Conforme já observei, em Portugal o

documento de habilitação é denominado ‘carta’, o que pode ter gerado dificuldade na

construção do sentido da palavra ‘carteira’ e, logo, a não compreensão do enunciado.

Esses fatores podem ter feito com que os portugueses deixassem de marcar essa opção.

Veja que na comparação por idade, entre as pessoas de 21 a 40 anos, no Brasil

10% marcaram a letra a., já em Portugal o número de respostas salta para 36,6%,

confirmando a predominância da escolha pelos atos diretos. Outra diferença importante é

entre os portugueses de 21 a 40 anos e os de 41 a 74 anos. Entre esses apenas 13,3%

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marcaram a. Isto é: o primeiro grupo pode estar privilegiando construções mais formais

na hora do uso dos atos de fala. Outro dado relevante é que em Portugal no grupo com

idade entre 41 a 74 anos, apenas 3,3% marcaram a letra c., o que pode confirmar a

dificuldade de entendimento do sentido da opção, construída com o uso da palavra

‘carteira’.

Quando a análise é por escolaridade, o aspecto mais relevante é a diferença entre

as escolhas feitas pelas pessoas com ensino médio no Brasil e em Portugal, em relação à

letra a. No Brasil ninguém marcou a letra a., já em Portugal 30% das pessoas com

escolaridade média optaram por essa letra. Isso mais uma vez confirma uma maior

formalidade no uso dos atos de fala pelos portugueses, mas, acima de tudo, a capacidade

de compreensão, por eles, dos atos de fala usados no Brasil.

5. Quinto exemplo

8. (Versão A) Quando você pergunta a alguém que vai comprar x: Você tem dinheiro para isso? Você:

a. quer saber se a pessoa tem dinheiro para comprar x; b. está dizendo a ela que ela não tem dinheiro para comprar x; c. você está duvidando que ela tenha dinheiro para comprar x; d. você está dizendo a ela que achou x caro; e. todas acima; f. nenhuma acima.

Geral a. b. c. d. e. f.

Brasil 0 22 = 73,3% 2 = 6,6% 5 = 16,6% 2 = 6,6% 0 Portugal 5 = 16,6% 17 = 56,6% 1 = 3,3% 6 = 20% 0 1 = 3,3%

Por idade a. b. c. d. e. f.

Brasil 14 a 20

0 3 = 10% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 0 0

21 a 40 0 9 = 30% 1 = 3,3% 3 = 10% 1= 3,3% 0 41 a 72 0 6 = 20% 0 1 = 3,3% 1 = 3,3% 0 Portugal 1 = 3,3% 3 = 10% 0 2 = 6,6% 0 0

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16 a 20 21 a 40 2 = 6,6% 8 = 26,6% 1 = 3,3% 5 = 16,6% 0 0 41 a 74 1 = 3,3% 6 = 20% 0 0 0 1 = 3,3%

Por escolaridade

a. b. c. d. e. f. Brasil Fundamental

0 1 = 3,3% 1 = 3,3% 4 = 13,3% 0 0

Médio 0 6 = 20% 1 = 3,36% 0 1 = 3,3% 0 Superior 0 10 = 33,3% 0 2 = 6,6% 1 = 3,3% 0 Portugal Fundamental

0 3 = 10% 0 0 0 0

Médio 2 = 6,6% 7 = 23,3% 1 = 3,3% 5 = 16,6% 0 1 = 3,3% Superior 0 7 = 23,3% 0 1 = 3,3% 0 0 Fonte: dados da pesquisa

Mais uma vez se confirma a preferência dos portugueses pelos atos diretos em

relação aos brasileiros. Na questão acima, enquanto no Brasil ninguém marcou a letra a.

“quer saber se a pessoa tem dinheiro para comprar x;”, em Portugal 16,6% optaram por

essa letra. Por idade não houve importantes diferenças nas respostas. Já por escolaridade

a diferença mais significativa se deu entre pessoas com escolaridade média. No Brasil

ninguém marcou a letra d. “você está dizendo a ela que achou x caro;”, contra 16,6% em

Portugal.

A questão trata de posse de valor monetário, que é, geralmente, de interesse

particular e os critérios de formalidade, individualidade, principalmente em Portugal,

poderiam direcionar a resposta para a opção a., o que não ocorreu. Nessa situação tanto

no Brasil como em Portugal as pessoas optaram pelo ato indireto relacionado à letra b.

“está dizendo a ela que ela não tem dinheiro para comprar x;”, um ato construído pelo

locutor, objetivando humilhar o alocutário, apesar de não apresentar garantia de que o

alocutário venha a se sentir humilhado, já que poderá não perceber o teor da intenção do

locutor.

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6. Sexto exemplo

10. (Versão C) Quando alguém lhe pergunta: Você tem relógio?, quer: a. pedir-lhe um relógio emprestado; b. saber se você tem relógio; c. perguntar as horas; d. todas acima; e. nenhuma acima.

Geral a. b. c. d. e.

Brasil 3 = 10% 5 = 16,6% 22 = 73,3% 0 0 Portugal 3 = 10% 7 = 23,3% 16 = 53,3% 4 = 13,3% 0

Por idade a. b. c. d. e.

Brasil 14 a 20

1 = 3,3% 1 = 3,3% 1 = 3,3% 0 0

21 a 40 1 = 3,3% 1 = 3,3% 12 = 40% 0 1 = 3,3% 41 a 72 1 = 3,3% 1 = 3,3% 5 = 16,6% 0 0 Portugal 16 a 20

1 = 3,3% 4 = 13,3% 1 = 3,3 0

21 a 40 1 = 3,3% 4 = 13,3% 10 = 33,3% 1 = 3,3% 0 41 a 74 2 = 6,6% 1 = 3,3% 4 = 13,3% 1 = 3,3% 0

Por escolaridade

a. b. c. d. e. Brasil Fundamental

1 = 3,3% 0 5 = 16,6% 0 0

Médio 1 = 3,3% 2 = 6,6% 5 = 16,6% 0 1 = 3,3% Superior 1 = 3,3% 1 = 3,3% 10 = 33,3% 0 0 Portugal Fundamental

2 = 6,6% 0 1 = 3,3% 0 0

Médio 1 = 3,3% 3 = 10% 9 = 30% 2 = 6,6% 0 Superior 0 2 = 6,6% 5 = 16,6% 1 = 3,3% 0 Fonte: dados da pesquisa

É relevante na questão acima o fato de no Brasil 73,3% dos pesquisados terem

marcado a letra c. “perguntar as horas;”, contra 53,3% dos portugueses. No Brasil,

exceto se a pessoa se encontrasse em uma loja de relógios, as condições de uso

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direcionam a resposta para a letra c. No quadro por idade, houve uma preferência maior

pela letra c. entre as pessoas de 21 a 40 anos, tanto no Brasil como em Portugal. Já por

escolaridade, houve uma inversão de preferências entre as pessoas com ensino médio e

curso superior. No Brasil, entre as pessoas com escolaridade média, 16,6% marcaram c.

contra 30% em Portugal. Já entre as pessoas com curso superior, no Brasil 33,3%

marcaram c. contra 16,6% entre os Portugueses.

Mesmo havendo essas divergências, nesse caso prevalece a preferência, tanto no

Brasil como em Portugal, pelo ato indireto. Tendo em vista aspectos pragmáticos, de

uso, pelo menos no Brasil sabe-se que diante de tal questão a pessoa está querendo saber

as horas.

Considerações finais

Os atos diretos são chamados de convencionais e os indiretos de intencionais. E

confirma-se que em Portugal os pesquisados foram mais convencionais do que

intencionais. Talvez, conforme já observei, por não estarem tão seguros em relação ao

sentido das proposições, isto é: não conseguirem compreender claramente alguns atos de

fala comuns entre os brasileiros. “O problema levantado pelos atos de fala indiretos é o

de saber como é possível para o falante dizer uma coisa, querer significá-la, mas também

querer significar algo mais.” (SEARLE, 1995, p. 49)

É importante observar que todas as questões têm tanto condições de significação

direta, isto é: o significado pode estar no enunciado, que pede uma resposta específica,

quanto condições de significação indireta, isto é: na aplicação, no uso, que pode fazer

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gerar mais de uma resposta, dependendo do contexto. Isso mostra que as expressões

usadas fazem parte de uma convenção lexical, devendo os usuários estar acostumados a

lidar com ela.

Para finalizar, posso dizer que, tendo em vista as respostas dos portugueses, fica

evidente que esse grupo de falantes da língua portuguesa apresentou importante

facilidade na lida com atos de fala comuns entre os brasileiros. Mesmo havendo, em

certas ocasiões, predominância entre os portugueses pelos atos diretos, houve situações

em que eles surpreenderam e lidaram muito bem com os atos indiretos, como no

primeiro e terceiro exemplos.

Referências bibliográficas

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Palavras e ações. Porto Alegre. Ed. Artes Médicas, 1990. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho GRICE, H. Paul. Logics and conversation. Londres. 1975. MARI, Hugo. Atos de fala: notas sobre origens, fundamentos e estrutura. In. Análise do discurso: fundamentos e práticas. Org. Hugo Mari et al. Belo Horizonte. Núcleo de Análise do Discurso. Ed. FALE-UFMG, 2001a. MARI, Hugo. A teoria dos atos de fala entre convenções e intenções. In: O novo milênio: interfaces lingüísticas e literárias. Org. Eliana Amarante de Mendonça Mendes et al. Belo Horizonte. Ed. FALE-UFMG, 2001b. SEARLE, John R. Os atos de fala indiretos. In: Expressão e significado. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 1995. Trad. Ana Cecília G. A. de Camargo, Ana Luíza Marcondes Garcia. VANDERVEKEN, Daniel. O que é uma força ilocucional? Caderno de Estudos Lingüísticos nº 9. 1985, p. 173 – 194. Trad. João Wanderley Geraldi.

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Anexo

Nome Idade Escolaridade Profissão Cidade/Região País

COMO FALAMOS? - TESTE

Marque, em cada uma das questões abaixo, a opção que julgar mais adequada.

Versão A Versão B 1. Você se dirige a uma pessoa, usando a expressão Você

tem carro?, quando quer: a. saber se ela tem carro; b. saber se ela pode lhe dar uma carona; c. saber se ela pode lhe emprestar o carro; d. todas as resposta acima; e. nenhuma das respostas acima.

1. Se você é corretor e se dirige a uma pessoa, usando a expressão Você tem carro?, quer: a. saber se ela tem carro; b. saber se ela pode lhe dar uma carona; c. saber se ela pode lhe emprestar o carro; d. vender um seguro de carro para ela; e. todas as respostas acima; f. nenhuma das respostas acima.

1. Em uma festa, se você se dirige aexpressão Você tem carroa. saber se ela tem carro;b. saber se ela pode lhe dar uma carona;c. saber se ela pode lhe emprestar o carro;d. vender um carro para ela;e. todas as respostas acima;f. nenhuma das respostas acima.

2. O uso que se faz comumente das expressões Você tem

fósforo? ou Me empresta o fósforo!, em situações concretas, indica:

a. que elas têm o mesmo sentido; b. que elas têm sentidos diferentes.

2. Você usa a expressão Você tem fósforo? quando quer:

a. saber se a pessoa tem fósforo; b. pedir o fósforo emprestado; c. pedir que a pessoa acenda seu cigarro; d. todas as respostas acima; e. nenhuma das respostas acima.

2. Em uma festa de aniversário, quando você usa a expressão Você tem fósforo

a. saber se a pessoa tem fósforo;b. pedir o fósforo empresc. pedir que a pessoa acenda seu cigarro;d. pedir que a pessoa acenda a vela do bolo;e. todas as respostas acima;f. nenhuma das respostas acima.

3. Se você fosse pedir um cigarro a alguém, qual das expressões você utilizaria:

a. você tem cigarro?; b. você fuma?; c. tanto (a) como (b); d. nem (a) nem (b).

3. O uso que se faz comumente das expressões Você fuma? ou Me dá um cigarro!, em situações concretas, indica:

a. que elas têm o mesmo sentido; b. que elas têm sentidos diferentes.

3. Em um restaurante, quando o garçom lhe pergunta fuma?, ele quer:

a. pedir-lhe um cigarro;b. encaminhá

fumantes;c. tanto (a) como (b);

d. nem (a) nem (b).4. Você usaria a expressão, Você tem computador em

casa?, quando desejasse: a. saber se uma pessoa tem computador; b. pedir que a pessoa faça algo para você no

computador dela; c. enviar um arquivo para a pessoa; d. todas acima; e. nenhuma das respostas acima.

4. Você usaria a expressão, Você tem computador em casa?, para: a. saber se uma pessoa tem computador; b. oferecer um computador para uma pessoa; c. tanto (a) como (b); d. nem (a), nem (b);

.

5. Em uma reunião de negócios, você usaria a expressão tem computador em casaa. saber se uma pessoa tem computador;b. pedir que a pessoa faça algo para você no computador;c. enviar um arquivo d. todas acima;e. nenhuma das respostas acima.

6. Você usaria a expressão, Você dirige?, para: a. saber se uma pessoa sabe dirigir; b. saber se ela tem carro; c. saber se ela tem carteira; d. todas acima; e. nenhuma acima.

5. Em uma entrevista de emprego, você perguntaria ao candidato à vaga, Você dirige?, para: a. saber se ele sabe dirigir; b. saber se ele tem carro; c. saber se ele tem carteira; d. todas acima;

e. nenhuma acima.

5. Você usaria a expressãoa. saber se ele sabe dirigir;b. saber se elc. saber se ele tem carteira;d. todas acima;e. nenhuma acima.

6. Se alguém lhe pergunta: Você conhece o caminho para o estádio?, você deverá: a. dizer sim, se conhece e dizer não, se não

conhece; b. explicar à pessoa o caminho; c. tanto (a) como (b); d. nem (a) nem (b).

6. Se deseja informações sobre como chegar ao estádio, você pergunta: a. como chego ao estádio?; b. o estádio está longe?; c. você conhece o caminho para o estádio?; d. todas acima;

e. nenhuma acima.

6. O uso que se faz comumente das expressões caminho para o estádiosituações concretas, indica:

a. que elas têm o mesmo sentido;b. que elas têm sentidos diferentes.

7. Quando você se dirige a uma pessoa, usando a 7. Você usa a expressão Você está me achando com cara de 7. O uso que se faz comumente das expressões

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expressão, Você está me achando com cara de palhaço? a. Você quer saber o que essa pessoa acha de você; b. Você está contestando essa pessoa; c. Tanto (a) como (b); d. Nem (a) nem (b).

palhaço? Quando: a. alguém está contestando você; b. alguém está rindo de você; c. alguém está lhe pedindo uma coisa absurda; d. todas acima; e. nenhuma acima.

achando com cara de palhaçoem situações concretas, indica: a. que elas têm o mesmo sentido;b. que elas têm sen

8. Quando você se dirige a uma pessoa, usando a expressão Você acha que eu tenho dinheiro para isso? a. você quer saber se a pessoa acha que você tem

dinheiro; b. você está dizendo a ela que não tem dinheiro

para comprar x; c. você está dizendo a ela que tem dinheiro para

comprar x; d. você está dizendo a ela que achou x caro; e. todas acima; f. nenhuma acima.

8. Quando você pergunta a alguém que vai comprar x: Você tem dinheiro para isso? você: a. quer saber se a pessoa tem dinheiro para comprar

x; b. está dizendo a ela que ela não tem dinheiro para

comprar x; c. você está duvidando que ela tenha dinheiro para

comprar x; d. todas acima; e. nenhuma acima.

8. O uso que se faz comumente das expressões eu tenho dinheiro para issoEm situações concretas, indica: a. que elas têm o mesmo sentido;b. que elas têm sentidos diferentes.

9. Se um médico pergunta a uma pessoa, Você tem plano de saúde? ele: a. quer saber se ela tem plano de saúde; b. quer pedir que a pessoa faça alguns exames; c. tanto (a) como (b); d. nem (a) nem (b).

9. Se um corretor de planos de saúde pergunta a uma pessoa Você tem plano de saúde? ele: a. quer saber se ela tem plano de saúde; b. quer vender um plano de saúde a essa pessoa; c. tanto (a) como (b); d. nem (a) nem (b).

9. Se um amigo pergunta a outrosaúde? ele:

a. quer saber se o amigo tem plano de saúde;b. quer informações sobre o plano de saúde;c. tanto (a) como (b);d. nem (a) nem (b).

10. O uso que se faz comumente das expressões Você tem

relógio? ou Você tem horas? em situações concretas, indica:

a. que elas têm o mesmo sentido; b. que elas têm sentidos diferentes.

10. Se você fosse perguntar as horas a alguém, qual das expressões você utilizaria? a. você tem relógio?; b. você tem horas?; c. tanto (a) como (b); d. nem (a, nem (b).

10. Quando alguém lhe pera. pedir-lhe um relógio emprestado;b. saber se você tem relógio;c. perguntar as horas;d. todas acima;

e. nenhuma acima.