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152 Os Assentamentos Rurais em Mato Grosso: Uma Análise dos Dados do Censo da Reforma Agrária Rural Settlements in Mato Grosso: an Analysis of the Agrarian Reform Census Data Janice Alves 1 , Adriano M. R. Figueiredo 1 , Sandra C. M. Bonjour 1* 1 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Faculdade de Economia, e-mail: [email protected], [email protected], [email protected] *Os autores agradecem aos debatedores do grupo temático de Desenvolvimento Rural, Territorial e Regional do XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – SOBER, e aos revisores anônimos pelas contribuições ao trabalho. Resumo. Este artigo faz uma caracterização dos assentamentos de reforma agrária mato-grossenses. A primeira parte do trabalho consiste em apresentar as raízes históricas do problema da concentração de terras, ou seja, um breve resumo da história dos projetos de colonização, da posse da terra através das leis que favoreceram os gran- des latifúndios que caracterizam a agropecuária estadual até os dias atuais. A segunda e mais importante parte do trabalho apresenta a situação dos assentamentos rurais, com base no Censo da Reforma Agrária, realizado no ano de 2002, fazendo algumas comparações com outros estudos realizados em nível nacional e estadual. O trabalho é uma contribuição para a literatura regional ao oferecer descrições dos assentamentos rurais e evidenciando a agri- cultura de pequena escala do estado. Palavras-chaves: Assentamentos, Reforma Agrária, Mato Grosso. Abstract. This paper described the characteristics of Mato Grosso’s settlements part of the land reform program. The first part describes the historical roots of the land concentration problem, with a short history of the colonization projects, the land ownership pattern and the laws that favored large farms which characterize Mato Grosso’s nowadays agriculture. The second and most important part describes the rural settlements using the Agrarian Reform Census data of 2002, comparing the results with other studies at national and state levels. The work contributes to regional literature offering descriptions of rural settlements and highlighting the small scale agriculture of the state. Keywords: Settlements, Agrarian Reform, Mato Grosso. (Recibido: 6 de noviembre de 2009. Aceptado: 29 de diciembre de 2009) PANORAMA SOCIOECONÓMICO AÑO 27, Nº 39, p. 152 - 167 (December 2009) INVESTIGACIÓN / RESEARCH

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Os Assentamentos Rurais em Mato Grosso: Uma Análisedos Dados do Censo da Reforma Agrária

Rural Settlements in Mato Grosso: an Analysis of the AgrarianReform Census Data

Janice Alves 1, Adriano M. R. Figueiredo 1, Sandra C. M. Bonjour 1*

1Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Faculdade de Economia, e-mail: [email protected],[email protected], [email protected]*Os autores agradecem aos debatedores do grupo temático de Desenvolvimento Rural, Territorial e Regional doXLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – SOBER, e aos revisoresanônimos pelas contribuições ao trabalho.

Resumo . Este artigo faz uma caracterização dos assentamentos de reforma agrária mato-grossenses. A primeiraparte do trabalho consiste em apresentar as raízes históricas do problema da concentração de terras, ou seja, umbreve resumo da história dos projetos de colonização, da posse da terra através das leis que favoreceram os gran-des latifúndios que caracterizam a agropecuária estadual até os dias atuais. A segunda e mais importante parte dotrabalho apresenta a situação dos assentamentos rurais, com base no Censo da Reforma Agrária, realizado no anode 2002, fazendo algumas comparações com outros estudos realizados em nível nacional e estadual. O trabalho éuma contribuição para a literatura regional ao oferecer descrições dos assentamentos rurais e evidenciando a agri-cultura de pequena escala do estado.

Palavras-chaves : Assentamentos, Reforma Agrária, Mato Grosso.

Abstract . This paper described the characteristics of Mato Grosso’s settlements part of the land reform program.The first part describes the historical roots of the land concentration problem, with a short history of the colonizationprojects, the land ownership pattern and the laws that favored large farms which characterize Mato Grosso’s nowadaysagriculture. The second and most important part describes the rural settlements using the Agrarian Reform Censusdata of 2002, comparing the results with other studies at national and state levels. The work contributes to regionalliterature offering descriptions of rural settlements and highlighting the small scale agriculture of the state.

Keywords : Settlements, Agrarian Reform, Mato Grosso.

(Recibido: 6 de noviembre de 2009. Aceptado: 29 de diciembre de 2009)

PANORAMA SOCIOECONÓMICO AÑO 27, Nº 39, p. 152 - 167 (December 2009)

INVESTIGACIÓN / RESEARCH

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Rural Settlements in Mato Grosso: an Analysis of the Agrarian ReformCensus Data

Janice Alves, Adriano M. R. Figueiredo, Sandra C. M. Bonjour

INTRODUÇÃO

Desde o início de sua colonização, o Brasil temsua história marcada por políticas que favorecem ocrescimento da desigualdade social. São séculos defavorecimento a latifúndios e grandes propriedadesrurais em detrimento do pequeno produtor. Apesarde nos anos sessenta do século passado terem sur-gido às primeiras tentativas de reverter esta situação,as políticas em favor da reforma agrária e dospequenos produtores nunca obtiveram suporte polí-tico necessário para sua concreta efetivação(Guimarães, 1967). Há 44 anos da promulgação doEstatuto da Terra e 38 anos de criação do InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),poucas ações foram feitas no campo da redistribuiçãode terras, e a grande maioria delas nos anos recentes.

No período de 1970 (ano de criação do INCRA)até o ano de 1999 foram assentadas no Brasil 689.547famílias, sendo 54% de 1995 a 1999, no governo Fer-nando Henrique Cardoso, o mais comprometido coma causa até então. No entanto, este montante é insu-ficiente para modificar a estrutura agrária do imensoterritório brasileiro. Até mesmo porque de 1964 a1985, foram criados apenas 48 projetos deassentamento ocupando uma área de 13.851.395hectares, grande parte com a finalidade decolonização (INCRA, 2000).

Recentemente, tem crescido o número de estudosdescritivos e avaliadores de assentamentos rurais.Entre eles citam-se: Guanziroli (1994), Schimidt,Marinho e Rosa (1998), Souza Filho et al. (2004),Bittencourt et al. (1999) e Fernández e Ferreira (2004).Em geral, constatou-se a carência de infra-estrutura,de acesso a crédito e aos serviços sociais básicos.Revelou-se um preocupante cenário de pobreza ru-ral.

Entretanto, esta preocupação é recente. O INCRAdos anos 90 e do governo Fernando HenriqueCardoso menciona, num relatório do ano 2000, queo processo de assentamento somente estaria com-pleto quando os beneficiários estivessem inseridosno mercado de forma competitiva e reconhece aindaque para isso é fundamental a viabilização de serviçose infra-estrutura básicos. Neste sentido surge aproposta que se denominou Novo Mundo Rural, mar-cada pela união, no Ministério do DesenvolvimentoAgrário (MDA), das políticas de Reforma Agrária edo Programa de Fortalecimento da Agricultura Fami-liar (PRONAF).

Mato Grosso normalmente se destaca naagropecuária nacional pela extensão de áreas delavouras de grãos, oleaginosas e fibras - 7,7 milhõesde hectares e cerca de 24,6 milhões de toneladas

em 2006, ou 18% da produção nacional, conformeSEPLAN-MT (2008). O rebanho estadual de bovinostambém é expressivo, cerca de 12,7% em 2006 ou15,8% da produção de carne bovina. Mas, tambémapresenta 19% de população rural, uma grandeconcentração de terras - índice de Gini, em 1998, de0,75 para MT, comparado ao índice nacional de 0,65conforme INCRA (2004).

Muitos trabalhos dão detalhes da grande produção(74% da área dos imóveis rurais são consideradasgrandes propriedades), mas de um universo de 140mil imóveis, 66% são consideradas propriedadespequenas e minifúndios (INCRA, 2005). Os dados doCenso da Reforma Agrária 2002 contaram 332projetos de assentamento no estado e o AtlasTerritórios Rurais 2004 contava 65 mil famíliasassentadas em 2004 (INCRA, 2004). Como são essesassentamentos?

Conhecendo as dimensões continentais do Brasile as características peculiares de Mato Grosso énecessário conhecer as deficiências dosassentamentos rurais deste estado, informação fun-damental para orientar políticas estaduais em favordos mesmos. O presente trabalho se diferencia dosacima mencionados principalmente devido à suaregionalização.

Acredita-se que haja uma grande diversidade en-tre os assentamentos rurais localizados no estado deMato Grosso. Desta forma, o objetivo deste trabalhoé fazer uma descrição dos assentamentos ruraismato-grossenses com base nos dados do Censo daReforma Agrária de 2002 (Sparovek, 2002).Apresenta-se uma realidade pouco detalhada emnível local, e apenas conjeturada a partir de dadosgerais ou de estudos localizados, com amostras muitopequenas.

Além desta seção de introdução, o trabalho contémmais quatro partes. Na segunda seção apresenta-seuma breve exposição da história da posse edistribuição da terra no Estado, buscando assim asraízes da situação de pobreza em que vivem osassentados rurais mato-grossenses. Na terceiraseção apresenta-se a fonte dos dados, e na seqüênciaa descrição dos projetos de assentamentos localiza-dos em Mato Grosso e por fim, na quinta seçãoalgumas considerações finais.

A HISTÓRIA DA PROPRIEDADE DA TERRA EREFORMA AGRÁRIA EM MATO GROSSO

Segundo Moreno (2007) a história da propriedadeda terra em Mato Grosso foi marcada por políticasfavorecendo os grandes proprietários e muitasilegalidades. O breve resumo histórico apresentado

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a seguir é todo baseado na obra desta autora.O povoamento de Mato Grosso se deu no início

do século XVIII com o movimento bandeirante quedescobriu as minas de ouro nos Rios Coxipó e Cuiabá.Para firmar este território como seu, a Coroa Portu-guesa desmembra as minas cuiabanas da Capitaniade São Paulo, fundando a Capitania de Mato Grosso.A missão da nova capitania era guardar a fronteiraoeste do Brasil, pois o Tratado de Madrid, baseadona posse pelo uso já estava sendo negociado.

No final do século XVIII as minas seenfraqueceram levando mineiros, latifundiários e co-merciantes a praticar atividades produtivasdiversificadas, e muitos solicitaram junto ao governoa concessão de sesmarias para ampliar suasatividades. No ano da proclamação da república,1889, a economia era baseada na atividadeagropecuária (pecuária, cana-de-açúcar eextrativismo). Muitas usinas de açúcar surgiram àsmargens dos rios Cuiabá e Paraguai, produzindoaçúcar, aguardente e álcool. Com a extração da bo-rracha em evidência, as terras ao norte foram se va-lorizando e grandes latifúndios se formando nas mãosde seringalistas. Também contribuiu para isso aextração da poaia.

Assim, a economia e a baixa densidadepopulacional favoreceram a formação de grandeslatifúndios e a concentração de renda e poder nasmãos da elite. No norte por seringalistas e usineirose no sul por pecuaristas e produtores de mate (regiãodo atual Mato Grosso do Sul). Este processo deconcentração das terras favoreceu o surgimento docoronelismo. A construção de ferrovias substituindoas hidrovias passando pela região sul do estadovalorizou as terras desta região, favorecendo oaparecimento de grileiros que se apossaram de áreasimensas de terra, causando muitos conflitos arma-dos.

Com a promulgação da primeira Lei de Terras (Lein. 601), em 1850, o acesso a terra passou a ser porcompra e venda, dando fim ao processo de concessãoe acesso livre a terra. Cabia ao governo federal defi-nir e regularizar a posse da terra. Por esta mesmalei, as terras devolutas passaram a ser domínio daUnião. Com a promulgação da Primeira ConstituiçãoRepublicana, em 1891, esta posse passou para osgovernos estaduais, cabendo a estes oreordenamento jurídico das propriedades em seusestados. Desta forma as classes dominantes em cadaestado teriam maior influência sobre a distribuiçãode terras.

A primeira Lei de Terras do Estado de Mato Grossofoi sancionada em 1892, tratando dos mecanismosda regularização fundiária e no mesmo ano outra lei

repartia as terras públicas. Estas leis garantiamposses de grandes áreas aos latifundiários do esta-do, inclusive àqueles que não se ajustaram a lei deterras de 1850 por terem áreas maiores que a permi-tida (3.600 hectares) conseguiram regularizar atravésda lei estadual. Então, em Mato Grosso a lei dedemocratização do solo favoreceu os grandesposseiros, ao invés de beneficiar os pequenos.

Novos regulamentos e leis sobre a questão daterra foram expedidas em 1902, 1927 e 1939, suasdiretrizes gerais sempre favoreciam o processo deconcentração de terras. Apesar de o Decreto-Lei nº.161 de 1939 buscar inibir alguns abusos que vinhamsendo cometidos com relação à aquisição de terrasdevolutas, quase não houve efeito real. Quanto àsconcessões de terras gratuitamente para colonização,a Lei dispunha que isto só poderia ser feito em áreasexclusivas para lavouras e os lotes cedidos aos colo-nos não poderiam ser maiores que 20 hectares. Mas,como contrariava o interesse de vários dos governosseguintes esta colonização não se concretizou.

Já o arrendamento de grandes áreas pertencentesao Estado foi possível e ocorreu muitas vezes, sempreprotegendo os direitos dos arrendatários. Para terrasparticulares, o regulamento de 1939 dava legitimaçãodesde que se comprovasse a validade do título deaquisição. O que se observava era uma situaçãofundiária muito confusa e que não era motivo depreocupação para os governantes.

Outro problema grave era o grande poder dadoaos medidores de terras, os quais pressionados porlatifundiários negociavam com estes a condução doprocesso de regularização das terras sem intervençãodo órgão de terras estadual. Dessa forma, de 1892 a1930, muitas terras pertencentes ao governo estadual(terras devolutas) passaram para mãos privadas pormeio da regularização de concessões de sesmarias,legitimações de posse, por concessões gratuitas paracolonização e ainda por arrendamentos para indústriaextrativa de vegetais.

As leis e decretos sobre a concessão de terraspara colonização buscavam povoar o Estado e paraisso faziam propaganda até mesmo no exterior.Desejavam a vinda espontânea de imigrantes semcustos para o governo. A política teve pouco efeito.

Em 1907, a União criou o Serviço de Povoamentodo Solo Nacional, viabilizando os interesses do esta-do de Mato Grosso, pois incentivava a imigraçãoestrangeira e promovia a transferência interna depessoas no país.

Neste mesmo ano, 1907, se aprovou uma lei tra-tando da política de colonização. Por esta lei muitasempresas de colonização recebiam terras devolutaspara fins de colonização em áreas de até um milhão

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de hectares com a única exigência de assentar gra-tuitamente em 50 lotes de 50 hectares pelo menos500 famílias, ou seja, apenas 2.500 hectares eramcolonizados, e o restante ficava com a empresa decolonização. Este processo de colonizaçãointermediado por empresas se revelou umaverdadeira negociata, e era justificado dizendo-se queas concessões individuais vinham causando muitosabusos e inconvenientes.

O fracasso da política de colonização pode serobservado em números, de 1899 a 1924 foram feitas152 concessões gratuitas, em 152 lotes quetotalizavam 4.814 hectares. Outro fator que contribuiupara a formação de latifúndios foram osarrendamentos de terra a empresas extrativistas apreços irrisórios.

O caso mais conhecido foi o da empresa Erva MateLaranjeira, que explorou a erva mate no sul de MatoGrosso em uma área de três milhões de hectares pormais de cinqüenta anos. Além dos prejuízos aos co-fres públicos ocorriam muitos prejuízos ecológicoscom derrubada indiscriminada de matas e dizimaçãoda população indígena.

Entre 1930 e 1947, o Brasil foi governado porGetúlio Vargas que tinha por objetivo diversificar aagricultura para evitar crises de superprodução comoestava ocorrendo com o café. Para isso o governode Vargas passou a incentivar a expansão daspequenas propriedades. Deu início a “Marcha paraOeste”, uma política de distribuição de terras paratrabalhadores rurais nacionais ou estrangeiros. Outroobjetivo desta política foi ocupar espaços vazios doterritório brasileiro. Para dar espaço aos trabalhadoreso governo federal desalojou a companhia MateLaranjeira e em seu lugar, em 1943, implantou umacolônia agrícola, denominada “Colônia Agrícola Na-cional de Dourados”.

Novas colônias agrícolas semelhantes foram im-plantadas no Estado. No entanto, esta políticatambém favoreceu os grandes latifundiários queficaram mais protegidos de invasões de grileiros emsuas propriedades além de ter mais mão-de-obra àdisposição.

Após o fim da era Vargas, em 1947 assume ogovernador Arnaldo Estevão de Figueiredo, quebuscou por em prática o sistema de colonizaçãointermediado por empresas particulares. Este governoainda solicitou ampla reformulação das leis quedispunham sobre terras no Estado. Este pedido foiconcretizado no Código de Terras de 1949 (compostopelas Leis n. 18 de 21/10/1949; n. 68 de 11/12/1949e Lei n. 75 de 12/12/1949).

Com a criação do INCRA, no ano de 1970, muitasáreas do estado de Mato Grosso foram federalizadas,

passando o instituto a ter sob seu domínio mais de60% das terras mato-grossenses. Este órgão passoua ser o responsável pelas terras devolutas e a dardestinos às mesmas segundo as diretrizes do Esta-tuto da Terra. Promoveu-se a distribuição de terraspara colonização oficial e particular, todas asestratégias de colonização faziam parte da estratégiade povoação da Amazônia.

Considerado portal da Amazônia, Mato Grossopassou a receber recursos de diversos programasespeciais de desenvolvimento - PIN, PROTERRA,POLOCENTRO, POLAMAZONIA ePOLONOROESTE. Estes programas, segundo Mo-reno (2007) “serviram em primeira instância para pa-trocinar o acesso a terra na região pelos grandes gru-pos econômicos” (p. 156), isso porque eram eles queconseguiam os recursos destes programas.

Por meio da SUDAM, nas décadas de 1970 e 1980foram implantados no estado 268 projetos decolonização intermediado por empresas, dos quais84,9% eram projetos agropecuários. E assim, 23,06%dos incentivos fiscais da SUDAM ficaram em MatoGrosso. Os projetos agropecuários ocupavam áreasem torno de 31.400 hectares, quase sempre destina-do a criação de gado.

Quanto à reforma agrária, em Mato Grosso, o prin-cipal instrumento do INCRA foi a regularizaçãofundiária. Foram expedidos muitos títulos definitivose licenças de ocupação. Foram levantadas todas asáreas devolutas existentes na região de Mato Grossosob domínio do INCRA e registradas no Cartório Re-gional Imobiliário em nome deste órgão querepresentava a União.

Em 1986, com a criação dos programas de refor-ma agrária nacional e regional, observou-se o fim dasregularizações fundiárias que vinham ocorrendo deforma desenfreada e beneficiando grandesproprietários rurais. Houve as primeirasdesapropriações de terras.

Os 59 projetos de colonização oficial implantadospelo INCRA entre 1980 e 1992 em Mato Grosso foramclassificados de três formas conforme a estratégiade implantação:a) Nove projetos foram denominados de“Projetos de Assentamento Rápido” e realizados emáreas de infra-estrutura já implantada e com apoiodos governos estaduais e municipais. Os lotes tinhamem média 50 hectares e ocuparam uma área total de269.948 hectares assentando 4.542 famílias;b) Três projetos foram denominados “Projetosde Ação Conjunta”, pois se tratava de uma ação con-junta entre INCRA e uma cooperativa. O INCRA davaas terras, infra-estrutura básica e titulação das par-celas. As cooperativas davam a manutenção e

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administravam o assentamento. Nestes três projetosforam parceiras do INCRA a Cooperativa MistaAgropecuária de Juscimeira Limitada, em um projetoem Nobres, a Cooperativa Agrícola de Cotia, numprojeto em Alta Floresta e a Cooperativa Tritícola deErechim Limitada. Foram assentadas nesta condição7.579 famílias em 538.217 hectares;c) A terceira classificação dos projetos decolonização oficial é o “Projeto Especial deAssentamento”, executado para atender populaçõesvindas de áreas em conflitos por terra. Toda aresponsabilidade deste tipo de assentamento era doINCRA e somente um foi realizado em Mato Grosso.Este se localizava em Lucas do Rio Verde, com áreade 200.000 hectares assentando 972 famílias vindasdo Rio Grande do Sul. Este projeto foi implantado em1981 e ficou muito conhecido por escândalos de com-pra e venda de terras destinadas a assentamentos.Em 1986, apenas 15 famílias originalmenteassentadas se mantinham no local. Além deste projetoforam implantados outros assentamentos em áreasde conflito dentro do Estado ocupados por posseiros.Foram 46 projetos entre 1981 e 1992, com área totalde 990.039,1 hectares assentando 9.690 famílias.

Quanto aos projetos de Colonização Particular,estes tiveram muito mais êxito do que os projetosoficiais. Era obrigação da empresa colonizadora secadastrar junto ao INCRA e ter seu projeto aprovadopor este órgão para que pudesse empreender umacolonização. Também era obrigação da empresa co-lonizadora abrir estradas de acesso, demarcar lotes,construir armazéns, escolas e postos de saúde, deli-mitar o perímetro urbano, demarcar os lotes urbanos,dar assistência técnica e crédito aos colonos alémde manter as reservas florestais obrigatórias.

Nas décadas de 1970 e 1980 foram implantados88 projetos de colonização por 33 empresas que secadastraram junto ao INCRA. Foram ocupados 3,25milhões de hectares por aproximadamente 20.000famílias de colonos, a grande maioria vindas do Suldo Brasil e em geral adquiriam lotes maiores de 100hectares.

Neste processo, muitas comunidades indígenasforam dizimadas e deu-se origem a muitos novosmunicípios. Em 1970, o estado tinha apenas 34municípios, elevando-se este número para 95 em1990.

No total, os projetos de colonização particulares eoficiais ocuparam uma área equivalente a 4,78% doterritório de Mato Grosso. Nestes dois tipos ocorreramdesistências e o maior sucesso dos projetos particu-lares se justifica pelo maior poder aquisitivo de suaclientela.

Além dos estudos envolvendo assentamentos de

todo o país, citados na introdução, foi encontrado naliteratura apenas um em nível estadual, de Fernándeze Ferreira (2004) que apresentam a situaçãosocioeconômica dos assentamentos rurais mato-grossenses.

Os dados nos quais os autores se basearam sãoresultados de aplicação de questionário junto aosbeneficiários de cinco assentamentos: João Poncede Arruda, Confresa Roncado, Eldorado I, Tupã eNovo México. A escolha dos mesmos teve por objeti-vo abranger os três ecossistemas existentes no Es-tado - pantanal, cerrado e floresta – e, ao mesmotempo, as regiões de ocupação recente e deocupação antiga. As principais constatações domesmo foram que os assentamentos estão bemdistribuídos pelo Estado, mas o maior número defamílias assentadas estava no norte, denominadacomo região de ocupação recente, sendo osassentamentos um fator de atração populacional paramunicípio de baixa densidade demográfica.

Foram encontradas elevadas taxas de analfabe-tismo entre os beneficiários, em média 23,8%, masesta variou entre 0% e 50% entre os cincoassentamentos estudados. Cruzando informaçõessobre escolaridade dos titulares dos lotes cominformações de produção e renda observou-se muitassituações nítidas de relação positiva entreescolaridade e uso de máquinas, insumos e rendafamiliar.

Uma dinâmica observada entre os assentamentosestudados é a tendência de substituição da vegetaçãooriginal por pastos cultivados. No início os assentadostendem a trabalhar com atividade agrícola, em se-guida ocorre o empobrecimento do solo e se optapelas pastagens e atividade pecuária de leite. Já nosassentamentos João Ponce de Arruda e Eldorado I avegetação original vinha sendo substituída porlavouras temporárias, inclusive com uso de máqui-nas e insumos químicos. Em geral, a ocupação dosolo era influenciada pelo sistema de produção quepredominava no município em que estavam inseridos.

A média do Valor Bruto da Produção (VBP) dosassentamentos estudados na safra 1996/97 foi de R$11.795,70, sendo 62,9% devido a atividades agríco-las, mesmo esta ocupando 29,8% da área dos lotes.Houve muita diversidade no VBP da amostra, quevariou entre R$ 24.759,00 e R$ 4.905,20, os maiselevados eram basicamente decorrentes da produçãode arroz e soja.

Segundo os entrevistados os programas de cré-dito especial para assentados não supriram suasnecessidades. Os que conseguiram maior volume decrédito também são os de maior VBP. Quanto àcomercialização da produção os assentamentos mais

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distantes e com menor infra-estrutura de produçãoarmazenagem e transporte o comércio dos produtosfoi feita basicamente com atravessadores, resultandoem preços menores. O oposto acontece nosassentamentos mais bem estruturados e inseridos nummercado dinâmico.

Do total pesquisado 55% residem em casa dealvenaria, 30% em casas de madeira. Em apenas 11%das residências o piso era de cerâmica, 27% de chãobatido e 52% de cimento.

Dois assentamentos tiveram situação muitoantagônica, trata-se do assentamento João Ponce deArruda, localizado no município de Campo Verde quepossui uma estrutura produtiva consolidada com políti-cas voltadas para reprodução da agricultura patronal.Este obteve os melhores resultados em quase todosos quesitos analisados. No extremo oposto está oassentamento Confresa Roncador, localizado nomunicípio de Confresa, a 1350 quilômetros de Cuiabá.Além da enorme diferença entre quesitos de serviçossociais, VBP, estradas de acesso, 91% das residênciasdo primeiro eram de alvenaria e 81% tinham energiaelétrica. No segundo 96% das casas eram de madeirae 76% eram cobertas com palha, e a grande maiorianão tinha piso nem energia elétrica.

Questionados sobre a melhora nas condições devida após o assentamento os beneficiários responderamque em 75% dos casos a situação da moradia melhorou,para 65% o acesso a serviços médicos são melhores,a alimentação melhorou para 74% e 57% acham melhoras condições de acesso a escola. O que se conclui queem geral a vida dos assentados melhorou apósreceberem o acesso a terra.

FONTE DOS DADOS

Os dados sobre assentamentos rurais sãosecundários, extraídos do Censo da Reforma Agráriade 2002 (Sparovek, 2002), trata-se de um banco dedados que reúne informações de todos os projetos deassentamento rurais do Brasil. Em Mato Grosso foramlevantados 332 projetos de assentamento localizadosem 98 municípios, com criações datadas desde o anode 1981 até o ano de 2002. Em geral, os assentamentosestão bem distribuídos pelo Estado, como pode serobservado na Figura 1, onde os pontos brancosrepresentam os projetos de assentamento.

No Censo da Reforma Agrária de 2002, osquestionários aplicados nos assentamentos contam 178questões formuladas e trabalhadas nos assentamentosvisitados, contudo utiliza-se nesta pesquisa 59 questõesacerca de localização, dada de criação, número defamílias assentadas, consolidação do projeto, títulos deposse, infra-estrutura implantada, áreas úteis e de re-

serva, áreas de produção coletiva, parcerias parasaúde, educação, estradas, produção/comercializaçãoe lazer/religião, acesso a crédito rural e crédito de ma-terial de construção, condições de moradia e estradasde acesso, número de tratores, associações, escolas,mão-de-obra, desistências e abandonos e títulos deposse. Os questionários foram aplicados, em cadaassentamento, para no mínimo três agentes diferen-tes: 1) o representante do INCRA, responsável poraquele projeto; 2) um beneficiário; e 3) os presidentesdas associações existentes no projeto.

Em alguns casos, notaram-se respostas muitodiscrepantes entre os entrevistados e, por este moti-vo, 136 Projetos de Assentamento levantados no Cen-so da Reforma Agrária de 2002 em Mato Grosso foramexcluídos. Assim, a descrição deixa de ser sobre ouniverso dos assentamentos e passa a compor umaamostra de 196 projetos de assentamentos rurais queterão sua situação descrita neste artigo.

RESULTADOS

Observando a história da propriedade das terrasmato-grossenses, sempre favorecendo a grandepropriedade, compreendem-se as raízes da estruturafundiária presente no Estado. Neste cenário de gran-des propriedades há uma pequena agricultura fami-liar, e grande parte desta agricultura familiar é origináriade assentamentos rurais. O contexto em que seencontravam estes assentamentos no ano de 2002 estádescrito a seguir.

Área total e utilizadaA área total destinada ao projeto de assentamento

é subdividida em área de preservação permanente,de reserva legal, destinadas à produção coletiva e àindividual. A área total do universo da amostra é de1.352.411 hectares com uma média de 6.900 hectarespor projeto de assentamento, os valores extremos e amédia de cada destinação da área a partir da área to-tal é apresentada na Tabela 1 .

Em apenas 9 dos 196 projetos de assentamentosestudados há área de produção coletiva, estes em geralsão projetos mais antigos, exceto dois com apenas doisanos de criação (Tabela 2).

No entanto, a renda destes não se destaca emrelação a média dos demais, sendo encontrada noassentamento Laranjeira II renda média mensal de R$100,00 mensais por família, ou seja, igual as maisbaixas encontradas na amostra estudada. O que indi-ca que a área coletiva não tem gerado efeitos positi-vos sobre a renda monetária, embora deva estargerando renda de autoconsumo.

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Quanto ao tamanho médio dos lotes, estes variamsensivelmente com os menores encontrados noprojeto Pedra 90, município de Cuiabá, com cerca de2 hectares. Neste mesmo tamanho estão os lotes doassentamento Colniza II no município de Colniza,Chão do Amanhã no município de Sorriso, o projetoArinos em Juara, Santa Carmem, no município de

igual nome e Aguaçu localizado também em Cuiabá.O tamanho médio dos lotes para os 196assentamentos rurais mato-grossenses estudados éde 50 hectares. Os maiores lotes são encontradosno projeto de assentamento Chapadinha, em SãoFélix do Araguaia, com tamanho médio de 201hectares, como mostra a Tabela 3 .

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São cinco os assentamentos onde o tamanhomédio dos lotes supera em no mínimo três vezes otamanho médio da amostra. Observe que em SãoFélix do Araguaia estão os assentamentos com osmaiores lotes, além destes, no mesmo município háainda o assentamento Azulona Gameleira com áreamédia de 133 hectares por lote.

No entanto, todos os projetos localizados nestemunicípio têm outra característica em comum, eleva-da área de preservação e reserva legal, são entre37% e 45% da área oficial dos projetos destinada àpreservação permanente ou a reserva legal. Consi-derando os 196 assentamentos rurais estudados amédia da soma destas duas áreas com relação a áreatotal do projeto de assentamento é de 34%, emborahaja 53 projetos onde a área de preservação e dereserva legal sejam superiores aos do município deSão Félix do Araguaia. A maior parcela das áreas depreservação obrigatória foi encontrada noassentamento Chão do Amanhã, município deSorriso, onde a reserva representa 95% da área totaldestinada ao projeto. Devido a isto, o tamanho médiodos lotes não implica necessariamente em maior áreacultivada, e desta forma também nem sempre gerarenda superior aos assentados em lotes menores.

O assentamento Mello, localizado no município deNova Xavantina também possui lotes bastante ex-tensos, em média 140 hectares, no entanto, nesteprojeto a área de preservação permanente e de re-serva legal é de 300 e 200 hectares respectivamen-te, bastante inferior aos carentes assentamentos da

região do Araguaia, pois representam 21% da áreatotal do projeto de assentamento.

Capacidade de Assentamento e AbandonoA capacidade de assentamento dos 196 projetos

oficialmente segundo a portaria de criação é de 25.480famílias. E constam nas respostas que são 17.649famílias morando nos projetos de assentamento, nú-mero inferior a capacidade dos projetos, o que decorreem geral devido a família do beneficiário não residirno assentamento, ou ainda a abandonos. Constamnas respostas dos entrevistados que aproximadamen-te 5% de desistências com relação a capacidade to-tal do assentamento, número que não pode ser con-firmado uma vez que não é possível conhecer o nú-mero de famílias que residiam fora do projeto (devidoa grandes discrepâncias nas respostas).

O maior índice de desistência foi encontrado noassentamento Martins, localizado no Município deÁgua Boa, com capacidade de assentamento de 55famílias e com 84% de desistências (ou 46beneficiários). Outros projetos com elevado númerode abandonos são os projetos Pandovani (50%), BoaEsperança I, II, e III (47%), Juruena I (30%) e Pedra90 (22%). Muitas características comuns são encon-tradas entre os mesmos, todas estão muito distantesda sede de município mais próximo, além de estradasde terra mal conservadas. Também há carência pro-nunciada de serviços sociais, como mostra a Tabela4.

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Observe que o assentamento Boa Esperança nãoapresenta nenhum tipo de parcerias, nem mesmopara educação e saúde, situação muito grave quandoo assentamento está a quatro horas da zona urbanamais próxima. Embora não apresentado no quadroanterior, nenhum destes projetos tem qualquer tipode parceria para atividades de lazer e religião. Énotável também que os assentamentos Martins ePandovani nunca tiveram acesso ao PRONAF. Osbaixos salários médios mensais também indicam apobreza em que vivem estas famílias, e devem estarintimamente relacionado com a desistência dos lo-tes.

Em resumo, a sensível falta de apoio institucionale a distância da zona urbana, associada a péssimascondições das estradas de acesso devem serresponsáveis por grande parte do abandono dos lo-tes por parte do beneficiário.

No entanto, para os assentamentos como um todo,

o percentual médio de desistência indica que mesmocom algum erro nas respostas este deve, em média,estar abaixo do encontrado pelo estudo da FAO eINCRA no ano de 1991, o qual apontou índices de20% para uma amostra de assentamentos em MatoGrosso, embora possam ter ocorrido situações emque alguns dos entrevistados não consideraram asvendas dos lotes como situações de abandonos(Guanziroli, 1994).

Parcerias: Serviços Sociais, Infra-estrutura,Produção e Comercialização

Os auxílios para serviços sociais e infra-estruturasão prestados através de parcerias. As parceriasinstitucionais encontradas foram as articuladas coma Prefeitura do Município, Governo do Estado,sociedade civil ou Organização Não-Governamental-ONG e INCRA (Tabela 5 ).

Em geral as parcerias têm por parte da prefeituramunicipal a participação mais expressiva em todosos itens. Quanto ao auxílio para produção ecomercialização 45,9% dos assentamentosreceberam algum tipo de auxílio da prefeitura muni-cipal, este item trata-se de inclusão nas feiras públi-cas municipais, transporte para a produção,empréstimo ou aluguel de máquinas agrícolas,fornecimento de insumos ou assistência técnica.Neste item se destaca o elevado número de projetosde assentamento, 78, sem nenhum tipo de auxílio àprodução e comercialização. No entanto os cincoprojetos de assentamento que responderam ter trêsparcerias para esta finalidade não alcançam rendasuperior a R$ 300,00 mensais por família.

A parceria para a educação, que pode incluir des-de criação e manutenção de escolas no interior doprojeto ou ainda fornecimento de transporte escolar.Neste item as prefeituras municipais novamente sedestacam, são 93,9% ou 184 assentamentos auxilia-

dos pelas prefeituras municipais. Em se tratando deeducação cabe ainda destacar que 90 dos 196projetos analisados têm escolas de ensino fundamen-tal dentro do próprio projeto. Já a parceria do governoestadual, que em geral deve-se ao ensino médio, estápresente em apenas 18,9% dos projetos deassentamento.

Na contribuição na qualidade de vida das unida-des familiares com algum tipo de política e ação nosrequisitos lazer e religião, a própria sociedade civil e/ou ONGs e as prefeituras municipais são os maioresparceiros dos projetos de assentamento. Este iteminclui a construção de igrejas, campos esportivos, clu-bes, centros comunitários e bibliotecas.

Quanto às estradas, 89,3% dos projetos deassentamento têm auxílio para manutenção dasmesmas por parte das prefeituras municipais, tambémse destaca neste quesito a parceria com o INCRA.Não o bastante, existe precariedade nas estradas quedão acesso aos assentamentos rurais (Tabela 6 ).

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Este mesmo obstáculo e a ausência de parceriasfirmadas que atendam essa questão acabam afetandode alguma forma as condições e meios decomercialização da produção nas unidadesprodutivas, representadas pela dificuldade de logísti-ca para acesso aos mercados consumidores e comcustos de transporte, por exemplo. O percurso dasestradas que possibilita o trânsito dos assentados desuas localidades até o município mais próximo estádescrito em termos de percentuais do projeto segun-do condição das estradas.

Apenas 7,1% dos assentamentos desta amostratêm todo o percurso com estrada asfaltada, a menorou nenhuma parte do percurso asfaltado representaa realidade para 80% dos projetos. Entre os projetoscom acesso por estradas de terra em mais da metadeobserva-se más condições para trafegar. Embora a

tabela 6 não detalhe, entre os 51% das estradas deterra em más condições, 7,7% dizem que as mesmassó são trafegáveis em algumas épocas do ano,ficando totalmente impossibilitado o transporte daprodução ou ainda de insumos entre os projetos deassentamento e os centros comerciais em algunsperíodos do ano.

Em conformidade com o fato da precariedade dasestradas de acesso está o tempo de acesso aosassentamentos rurais: dentre os 196 estudados, 154estão localizados a mais de uma hora da sede domunicípio mais próximo e, em média, o tempo dedeslocamento é de aproximadamente 1,19 horas, com121 assentamentos abaixo da média e 75 acima damesma. Esta distribuição pode ser observada na Fi-gura 2 .

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Os 13 assentamentos com maiores tempos paraacesso às cidades mais próximas estão todos entreos que têm menor parte ou nenhuma parte do trechoem estrada asfaltada. Com exceção de um projeto,os 12 restantes alegaram ter estradas de terra emmás condições e, entre estes, 4 têm condições detráfego em apenas parte do ano.

Na Figura 2 , os dois pontos acima da linha dascinco horas representam os extremos no tempo deacesso. Estes são os assentamentos Morrinho doTarumã, município de Vila Bela da SantíssimaTrindade, e Brasil Novo, localizado no município deQuerência, com o tempo superior a 5 horas dedeslocamento. No outro extremo, com o menor tempode deslocamento no percurso do assentamento àsede de um município, está o projeto de Pontal nomunicípio de Nova Nazaré, vizinhos à zona urbanae, portanto, com tempo de acesso nulo segundo osentrevistados. Os assentamentos de Morrinho doTarumã e Brasil Novo declararam ter, como a formade acesso, estrada de terra em maior parte dopercurso. E os projetos localizados a menos de 10minutos da zona urbana mais próxima alegaram ter

estradas asfaltadas ou de terra em boas condições oano inteiro.

Os estudos de Bittencourt et al. (1999) eFernández e Ferreira (2004) detectaram as condiçõesdas estradas de acesso e distância da zona urbanacomo fatores limitantes para o desenvolvimento dosassentamentos. Isso ocorre uma vez que a facilidadede acesso a zona urbana promove, entre outrascoisas, melhores condições para a comercializaçãoda produção, proporcionado maior renda aosassentados. Quando muito isolados os assentadosse tornam dependentes de atravessadores, amplian-do o canal de comercialização e reduzindo os preçosrecebidos e assim sua renda.

Condições de HabitaçãoCom relação à habitação, cerca de 77% dos

projetos de assentamento apresentaram todas oumaioria das residências localizadas nos lotes e 11,7%das habitações no estado de barracos, sob lona ouem moradias improvisadas. Também há beneficiáriosresidindo em agrovilas, distritos, vilas ou cidadespróximas como mostra a Figura 3 .

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A qualidade de vida está ponderada pelo númerode moradores em todos os projetos de assentamento.Questões sobre escolaridade, acesso a atendimentomédico, assistência técnica, transporte coletivo, lazer,acesso a instituições de caráter religioso, social, po-lítico e financeiro são contempladas apenas na for-ma do projeto possuir ou não o serviço.

Através das respostas das questões aplicadas,percebe-se que para a qualidade de vida das famíliasassentadas ainda não é totalmente assegurada emtermos de condições básicas de tratamento de esgoto,água de boa qualidade e energia elétrica, comomostra a Figura 4 .

As casas com sanitário ligado a fossa séptica sãorealidade para aproximadamente 8,3% das famíliasassentadas. A média de famílias com acesso aofornecimento regular de energia elétrica foi 38,1%.Dentre os aspectos da condição de moradia oabastecimento de água de boa qualidade de formaregular foi o que se mostrou mais satisfatório, com63,1% das famílias desfrutando desta condição. Osbaixos números de acesso a energia elétrica econdições de sanitários demonstram a precariedadeem que vivem os assentados.

Esta infra-estrutura social (educação, saúde,condições de habitação) foi observada em outrosestudos, anteriormente mencionados, como fatormotivador do sucesso dos assentamentos. Portanto,apesar de sua relação indireta com a renda, ela aafeta a motivação para o trabalho e permanência noprojeto quando é superior as condições vivenciadas

pelos assentados antes do acesso a terra. Mas,embora se conheça a importância destes fatores,Guanziroli (1994), Schimidt, Marinho e Rosa (1998),Bittencourt et al. (1999) e Fernández e Ferreira (2004)detectaram em geral condições hidrossanitárias muitoruins nos assentamentos brasileiros.

Renda e Fontes de RendaQuanto a atividade produtiva verificou-se que em

média, 63% das famílias têm a atividade produtivaprincipal para subsistência, exercendo ainda outro tipode atividade ou serviço, dentro ou fora dosassentamentos para complementar a renda mensal.São apenas 10 assentamentos, totalizando 657famílias em que nenhuma trabalha unicamente parasubsistência, a renda destes foi no mínimo de R$215,00 e no máximo de R$ 1.200,00 mensais. Poroutro lado são 16 projetos, com 756 famílias, onde

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todas trabalham unicamente para a subsistência. Arenda média mensal deste grupo de famílias é de R$178,00, sendo que esta se deve a trabalhos externosa propriedade.

Sabendo que mais da metade dos projetos deassentamento estudados, 101 dos 196, mais de 80%das famílias tem o trabalho de produção napropriedade cedida unicamente para subsistência, enão para comercialização, constata-se a necessidadeque as mesmas têm para se inserir no mercado ealcançar condições melhores de vida.

A renda média mensal, segundo os entrevistados,para os 196 assentamentos rurais estudados foi deR$ 273,00, a maior renda foi encontrada noassentamento Mello no município de Nova Xavantina,e é de R$ 1.200,00. A menor renda média mensal,R$ 100,00, foi declarada em 40 projetos, sendo numtotal de 50, esta foi menor ou igual a R$ 200,00, querepresentava um salário mínimo no ano dolevantamento das informações (2002). Em geral, aatividade principal praticada por produtores familia-res é a de cultivo de plantações agrícolas, em segui-da a criação de animais. Também se notou nostrabalhos de Bittencourt et al. (1999) e Fernández eFerreira (2004) que o entorno econômico é decisivopara a atividade principal dos assentamentos, quegeralmente praticam as atividades predominantes nomunicípio em que se localizam.

Foi observado ainda que grande parte da renda éoriginária de atividades complementares, tais comotrabalho agrícola de diarista, safrista, empregado ru-ral ou artesanato. Há ainda muitas famílias atendi-das por benefícios do Governo, como pensões,aposentadorias, bolsa-escola, vale-gás ou outrobenefício. A média para os 196 projetos deassentamento é de 37% das famílias atuando ematividades complementares de renda, além daexploração da terra de seu lote, e em média 22%recebem algum tipo de beneficio social do GovernoFederal. Em apenas 7 assentamentos foi declaradoque nenhuma família atua em trabalhoscomplementares, e em dois, Baxiú (município deBarra do Bugres) e Nova Esperança I (município deAlto Paraguai), todas as famílias realizam outrostrabalhos para complementar a renda. Quanto aorecebimento de benefícios sociais do governo, ape-nas em 9 assentamentos nenhuma família tem estetipo de beneficio, e em nenhum deles todas as famíliassão beneficiárias destes programas sociais. Entreestes existem assentamentos com renda de R$1.200,00 a R$ 150,00, o que indica que háassentamentos que não tem o beneficio porque nãonecessitam, e outros provavelmente porque nãotiveram acesso aos mesmos. Cabe ressaltar que são

apenas dois os assentamentos onde nenhuma famíliatem renda complementar com trabalhos externos apropriedade e com benefícios do governo, estes sãoos assentamentos Mello (com renda média mensalpor família de R$ 1.200,00) e Piraputanga (com ren-da média mensal de R$ 300,00). No entanto obser-va-se que em geral quanto maior o número de famíliascom atividades complementares maior é a rendamédia mensal, isso indica que as famílias não estãoconseguindo sobreviver com a própria propriedade,e diferentemente dos assentamentos Mello ePiraputanga.

Observou-se ainda que também no assentamentoNova Esperança I encontra-se o maior número defamílias atendidas por benefícios sociais, 90%. Talfato chamou a atenção para uma possívelorganização dos moradores no sentido de alcançarmelhores condições de renda. Observou-se, então,o número de associações existentes em cada projeto:os assentamentos com maior número de associaçõessão aqueles com renda em torno de R$ 300,00mensais. Já o de mais sucesso, em termos de renda,tem apenas uma associação, o que pode estar indi-cando que a organização da associação deve sermais importante que a quantidade das mesmas.

Observando que a renda média dos assentados,mencionada anteriormente, não inclui o autoconsumopoderia se afirmar que os assentados estão emmelhores condições que muitos assalariados declasse baixa do setor urbano-industrial. Mas é preci-so cautela nesta análise, pois não se pode esquecerque em geral esta renda tem sido derivada de serviçosexternos a propriedade e/ou de benefícios sociais,necessárias para sobrevivência dos mesmos uma vezque não conseguem extrair da propriedade todas asrendas necessárias para sobrevivência. Portanto estarenda também deve auxiliar na manutenção dasubsistência e não deve estar sendo investida napropriedade.

Mão-de-Obra FamiliarNo quesito mão-de-obra, o número médio decla-

rado de pessoas por família que trabalham com aprodução agrícola, pecuária e/ou extrativista, cercade 175 assentamentos tem em média 2 adultos porfamília trabalhando nas atividades produtivas rurais,apenas em 6 assentamentos apenas um adulto sededica aos serviços rurais, contudo em todos osassentamentos no mínimo duas pessoas se dedicamaos trabalhos rurais. Foram observadosassentamentos com até 10 pessoas em média porfamília se dedicando as atividades na propriedade,trata-se do projeto Margarida União, em Porto Alegredo Norte, com 200 famílias assentadas, e estes

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indicam que cerca de 3 adultos, três jovens e quatrocrianças em média por família se dedicam asatividades produtivas, observa-se ainda que a rendamédia destes é de R$ 300,00 mensais por família.Outro assentamento numeroso em mão-de-obra é oFica Faca em Nova Brasilândia, onde foi declaradoque cerca de três adultos, três jovens e três criançasem média, por família, se dedicam aos trabalhos naárea rural. Observou-se, também, que esteassentamento tem 112 famílias assentadas e umarenda média mensal de R$ 100,00, ou seja, trata-sede um assentamento rural extremamente pobre. Emgeral, as famílias assentadas são numerosas, em pelomenos 109 projetos de assentamento foi declaradoque o número de pessoas por família que se dedicaaos trabalhos rurais era de 5 ou mais, o que indicouque os assentamentos geravam muitos postos detrabalho no meio rural.

Quanto ao número de crianças observou-se que69 assentamentos não têm nenhuma criança se de-dicando a serviços rurais, esta questão pode estarligada a falta de escolas, o que pode levar as mesmasa não residirem nos lotes com as famílias, pois dentreestes mesmos 69 apenas 27 têm escolas de ensinofundamental localizadas dentro do PA. Enquanto issonos 17 projetos onde três ou mais crianças foramdeclaradas como ajudantes nos serviços rurais 15 têmescolas próprias.

Crédito Rural e Crédito para Materiais deConstrução

Embora haja discursos políticos no sentido depossibilitar que os pequenos produtores familiaresassentados adquirirem independência nodesempenho da atividade produtiva na realidadepoucas são as ações do governo neste sentido. Vis-to a condição dos 196 assentamentos nos elemen-tos que indicam a qualidade de vida nos projetos;inclui-se, ainda, o outro recurso na função deprodução das famílias assentadas que participam doPRONAF. Programa criado em 1994, com o propósi-to não apenas de atender demanda sociais, mastambém viabilizar economicamente as unidadesprodutivas familiares.

Detectou-se que 159 assentamentos, ou 81,1%dos 196 estudados já receberam, parcial ou totalmen-te, o crédito do PRONAF-A. Quanto ao número defamílias com acesso ao programa dentre os projetosde assentamento estudados em média 63% dasfamílias já receberam o PRONAF-A ou o antigoPROCERA, e apenas 2,3% em média já receberamo PRONAF-C ou D. Quanto ao PRONAF-C ou D ape-nas 16 projetos tiveram algum acesso, dentre estesapenas dois todas as famílias foram beneficiadas,

estes são os assentamentos Borgoni em Tapurah,com apenas uma família, sendo que esta teve acessoa esta modalidade de crédito, e Sandrini, localizadono município de São José do Povo, onde estãoassentadas 66 famílias e todas tiveram acesso asduas modalidades de PRONAF sobre a qual foramquestionadas.

No entanto a renda média do grupo que nuncateve acesso ao crédito rural é superior ao grupo quetem ou já teve acesso ao PRONAF ou antigoPROCERA. Nota-se que o assentamento de maiorrenda, o já mencionado projeto Mello, localizado emNova Xavantina, nunca teve acesso a modalidadesde crédito rural nem a crédito para construção deresidências, o que contradiz os resultados espera-dos.

Quanto ao crédito de material de construção, paraestabelecer a moradia, 139 assentamentos tiveramtotal ou parcial acesso a política, no entanto entre os23 projetos de assentamento em que os beneficiáriosresidem sob barracos de lona apenas um teve crédi-to para material de construção parcialmente conce-dido, nos 22 restantes esta modalidade de créditonunca foi acessível aos assentados. Em outros doisassentamentos sem acesso a este crédito osassentados moram em habitações improvisadas exis-tentes na propriedade antes do assentamento serefetivado.

O estudos de Bittencourt et al. (1999), Fernándeze Ferreira (2004), Souza Filho et al (2004), referen-tes a assentamentos, além de Helfand (2003), queestudou os determinantes da eficiência dos agricul-tores do Centro-Oeste, enfatizaram o fator créditocomo crucial para o desenvolvimento dos assentadosou agricultores. Os benefícios são diretos e indiretossobre a renda e a qualidade de vida dos mesmos.

Tratores, Associativismo e Títulos de PosseNa atividade produtiva presente nos

assentamentos, observou-se uma média de 2,17tratores por assentamento (427/196), no entanto estamédia esconde uma realidade difícil para muitosassentados, são 58 assentamentos onde não hánenhum trator, seja ele particular, coletivo ou alugado.E há apenas dois assentamentos onde cada uma dasfamílias assentadas tem um trator, estes, no entanto,são assentamentos pequenos, trata-se dosassentamentos Mello, localizado em Nova Xavantina,como já mencionado possui renda elevada, e oassentamento Santa Irene, em Tapurah, com cincofamílias assentadas e com renda média mensal porfamília de R$ 300,00.

Os movimentos sociais organizados no interior dosassentamentos, as cooperativas e associações

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podem indicar ainda a organização social. A forteausência de parcerias com órgãos institucionais e coma sociedade civil também demonstra a forma deorganização social nos assentamentos, assim comoa capacidade de articulação de seus representantes,para criar vias que atendam as necessidades dosassentados. Na amostra o número de associaçõesfoi de 239, média de 1,2 e com o máximo de 5associações em um mesmo assentamento, este ex-tremo trata-se do assentamento Paiol em Cáceres,onde residem 235 famílias que tem renda média deR$ 300,00.

Dos 196 projetos de assentamento estudadosapenas 19 são projetos consolidados e apenas em16 mais de 50% dos beneficiários já tem o título deposse da propriedade, o que demonstra ineficiênciano sentido de oficializar a política de redistribuiçãode terras. A ausência da posse definitiva pode serobstáculo para acesso a outras modalidades de cré-dito que não as oficialmente destinadas a assentadosrurais. Pois nos 16 projetos já consolidados apenas11 tem no mínimo 50% dos beneficiários com titulodefinitivo de posse. Entre os já consolidados e comgrande parte dos títulos de posse entregues, trêsforam criados na década de 80 e dois no ano de 2001,sendo estes dois uma exceção aos criados a partirdo ano 2000. E dos 24 projetos que constam naamostra estudada, 24 foram criados na década de80, entre estes apenas 4 tem título de posse conce-dido a mais de 50% dos beneficiários e apenas seissão efetivamente consolidados. O que se vê sãoprojetos com aproximadamente 20 anos semconsolidação e título de posse efetivo concedido aosbeneficiários, e ressalta-se a necessidade do INCRAregularizar a situação fundiária dos mesmos. Dentreestes ainda seis nunca tiveram acesso as políticasde crédito rural e tem baixa renda média, R$ 298,00,média mascarada pela presença do assentamentoMello, criado no ano de 1987 e com renda de R$1.200,00 mensais por família com já mencionado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se ao longo desta descrição que asituação dos assentamentos rurais de Mato Grossoé precária. Além de graves deficiências na infra-estrutura e no acesso a serviços sociais observa-segrande dependência de rendas geradas externamen-te a propriedade. Devido ao contexto tecnológico emque estão inseridos acredita-se que estes trabalhosexternos sejam devido a necessidade de complemen-tar a renda para sobrevivência da família, e não devidoa substituição destes por tecnologias poupadoras demão-de-obra. Desta forma este resultado está em

consonância com o estudo de Guanziroli (1994) queconcluiu que quanto menor a produção familiar noslimites de sua propriedade maiores são as rendasexógenas a agricultura, e assim que conseguemmelhorar seu nível de renda pela própria produçãoagrícola os familiares rurais abandonam estes outrostipos de trabalho e se dedicam a sua própria produçãoque lhes oferece maior custo de oportunidade.

A descapitalização dos assentados, não suficien-temente atendidos pelas políticas oficiais de créditorural, pode ser um dos grandes motivos dainsuficiência da renda gerada pela propriedade paramanutenção da família do beneficiário. Isso porqueconhecendo as características de solo do Estadosabe-se que é necessário capital para adequação domesmo ao plantio, e assim a falta de capital podelevar a não exploração da área total disponível nolote recebido.

Enfim, os números retrataram assentamentosmato-grossenses são muito carentes de serviçossociais e infra-estrutura, itens fundamentais para evi-tar desistências e para o desenvolvimento de agri-cultores sustentáveis do ponto de vista social eeconômico. Diante de tantas necessidades a serematendidas é fundamental e urgente a necessidade deapoio governamental para reduzir a pobreza rural ins-talada neste meio.

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PANORAMA SOCIOECONÓMICO AÑO 27, Nº 39, p. 152 - 167 (December 2009)