os anônimos também fazem história

2
56 CARTA FUNDAMENTAL REPORTAGEM Os anônimos também fazem história Com relatos que vão de moradores de rua a presidentes de empresas, o Museu da Pessoa reforça a importância da história oral e inspira escolas a integrar entrevistas com pessoas da comunidade ao currículo escolar POR ISABELA MORAIS O Museu da Pessoa é um museu di- ferente. Lá, qualquer um, famo- so ou não, tem espaço para expor. Não existem corredores, quadros ou esculturas. Localizado em uma casa na zona oeste de São Paulo, ele até recebe visitas, mas você pode acessar o acervo pelo site www.museudapessoa.net. E todos po- dem mandar contribuições para o acervo, já que, aqui, as atrações são os relatos de gente comum. Tudo começou há 20 anos, por iniciativa da historiadora Karen Worcman, atual diretora- -executiva do museu. Anos antes, entre 1984 e 1990, quando ainda estudava História na Uni- versidade Federal Fluminense, Karen partici- pou de duas pesquisas que tinham como base entrevistas. Os projetos estudaram a vida e a obra do fotógrafo José Medeiro e a história dos judeus imigrantes no Rio de Janeiro. Daí nasceu a ideia de que a história de cada um tem valor e, por isso, deve ser parte da história da sociedade. Nas palavras de Sônia London, coordenado- ra dos programas de formação e disseminação do museu, o acervo possui relatos de vida que vão de moradores de rua a presidentes de em- presas. Para participar, é preciso ligar e agendar uma entrevista. Todas as terças e quintas, o mu- seu abre suas portas e recebe quem deseja gra- var seu depoimento. No acervo do museu ficam registrados o vídeo, a transcrição da conversa e imagens feitas ali. Outro método para fazer par- te do museu se dá pela internet. No portal, é pos- sível se cadastrar para enviar imagens, vídeos, áudios e textos. O conteúdo é colocado no ar e fica à disposição para consultas. Também pela internet, é possível ter acesso às outras histórias CONTOS DE TODA A GENTE Em 20 anos de atuação, mais de 15 mil histórias devida e 72 mil documentos e imagens ••CCReportagemMuseuPessoa45.indd 56 15/01/13 19:00

Upload: isabela-morais

Post on 25-Jul-2015

28 views

Category:

Education


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Os anônimos também fazem história

56 carta fundamental

reportagem

Os anônimos também fazem história Com relatos que vão de moradores de rua a presidentes de empresas, o Museu da Pessoa reforça a importância da história oral e inspira escolas a integrar entrevistas com pessoas da comunidade ao currículo escolarPOr I sab e l a M o r aI s

O Museu da Pessoa é um museu di-ferente. Lá, qualquer um, famo-so ou não, tem espaço para expor. Não existem corredores, quadros ou esculturas. Localizado em

uma casa na zona oeste de São Paulo, ele até recebe visitas, mas você pode acessar o acervo pelo site www.museudapessoa.net. E todos po-dem mandar contribuições para o acervo, já que, aqui, as atrações são os relatos de gente comum.

Tudo começou há 20 anos, por iniciativa da historiadora Karen Worcman, atual diretora--executiva do museu. Anos antes, entre 1984 e 1990, quando ainda estudava História na Uni-versidade Federal Fluminense, Karen partici-pou de duas pesquisas que tinham como base entrevistas. Os projetos estudaram a vida e a obra do fotógrafo José Medeiro e a história dos

judeus imigrantes no Rio de Janeiro. Daí nasceu a ideia de que a história de cada um tem valor e, por isso, deve ser parte da história da sociedade.

Nas palavras de Sônia London, coordenado-ra dos programas de formação e disseminação do museu, o acervo possui relatos de vida que vão de moradores de rua a presidentes de em-presas. Para participar, é preciso ligar e agendar uma entrevista. Todas as terças e quintas, o mu-seu abre suas portas e recebe quem deseja gra-var seu depoimento. No acervo do museu ficam registrados o vídeo, a transcrição da conversa e imagens feitas ali. Outro método para fazer par-te do museu se dá pela internet. No portal, é pos-sível se cadastrar para enviar imagens, vídeos, áudios e textos. O conteúdo é colocado no ar e fica à disposição para consultas. Também pela internet, é possível ter acesso às outras histórias

contos de toda a gente Em 20 anos de atuação, mais de 15 mil histórias devida e 72 mil documentos e imagens

••CCReportagemMuseuPessoa45.indd 56 15/01/13 19:00

Page 2: Os anônimos também fazem história

carta fundamental 57

na íntegra. Após 20 anos de atuação, o acervo reúne mais de 15 mil histórias de vida e 72 mil documentos e imagens.

Além de receber, o Museu da Pessoa também vai atrás de histórias. No projeto Museu Que Anda, um estúdio itinerante percorre espaços públicos, como praças e eventos, à procura de pessoas dispostas a contar trechos de suas vi-das. “Estipulamos um tema e as pessoas falam, por exemplo, sobre infância, trabalho, relacio-namentos”, explica a coordenadora. Em parce-rias com empresas, os pesquisadores do museu recolhem depoimentos que ajudam a recontar a história de corporações ou instituições.

O trabalho do Museu da Pessoa também re-percute nas escolas. Desde 2001, Sônia é respon-sável pelo Projeto Memória Local na Escola, re-sultado da parceria entre o museu e o Instituto Avisa Lá. A ideia é registrar a memória do entor-no, envolvendo os alunos na coleta das histórias dos moradores. Após mais de dez anos de ativi-dade, Sônia indica, entre os benefícios de utili-zar a história oral em sala, a aproximação entre escola e comunidade e o aumento da autoesti-ma dos alunos, que são agentes ativos do projeto. Para a coordenadora, algumas histórias podem ainda revelar relações entre escola e seu entorno que permaneciam desconhecidas. “Outro bene-fício é que a escola passa a ser produtora de co-nhecimento, e não apenas reprodutora”, afirma.

Samira Matiele, professora da Escola Muni-cipal José Camilo dos Santos, em Duque de Ca-

xias (RJ), aplicou o Memória Local na Escola em sua turma do quinto ano durante o segundo se-mestre de 2012. Ela explica as etapas: “Primeiro, nós escolhemos com os alunos a pessoa que será entrevistada. Depois, os estudantes montam o roteiro de perguntas. E, então, é feita a entrevis-ta. Ela é filmada e há os alunos que anotam, os que entrevistam e os que desenham”. De volta à sala de aula, eles compõem o texto final e se-lecionamos os desenhos. No fim, tudo vira um livro, geralmente lançado em algum local públi-co da comunidade.

Nos municípios de Guaíba (RS) e Indaiatuba (SP), a metodologia das entrevistas com pessoas da comunidade foi integrada ao currículo esco-lar do terceiro e quarto anos do Ensino Funda-mental. Em São Bernardo do Campo, a memó-ria local é conteúdo oficial da Educação de Jo-vens e Adultos (EJA). Para Sônia, o intercâmbio da escola com a sociedade é um caminho para unir educação e cultura: “A escola sempre é vis-ta como aquela que produz e dissemina conhe-cimento. Ao valorizar o conhecimento das pes-soas da comunidade, reconhecendo as histórias locais, mostramos que existe um jeito diferente de estudar História e estimular o interesse dos alunos pela realidade em que vivem. A Histó-ria não precisa ser contada só pelo historiador”.

fo

to

s:

Pe

dr

o P

re

so

tt

o

Ao levar para a sala projetos de história oral, reconhecendo o conhecimento da comunidade, a escola estimula o interesse dos alunos pela realidade em que vivem, afirma Sônia London

Museu da Pessoa - Rua Natingui, 1.100, São Paulo. Mais informações pelo tel. (11) 2144-7150 ou no site www.museudapessoa.net

••CCReportagemMuseuPessoa45.indd 57 15/01/13 19:00