orgão oficial da associação portuguesa de cuidados ... · mestre helena salazar ... rua dr....

73
1 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014 CUIDADOS PALIATIVOS Orgão Oficial da Associação Portuguesa de volume 01 - número 02 - outubro 2014 Significado da alimentação em Cuidados Paliativos O Psicólogo em Cuidados Paliativos: uma reflexão possível Investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da realidade e perspetivas sobre como promover e melhorar Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem no processo de diagnóstico clínico Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova actividade e discussão do contributo multidisciplinar no final da vida Identificação da necessidade em doentes de Medicina Interna Desenvolvimento histórico dos Cuidados Paliativos: visão nacional e internacional

Upload: doanthuan

Post on 08-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

1cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

CUIDADOS PALIATIVOS

Orgão Oficial da Associação Portuguesa de

volume 01 - número 02 - outubro 2014

Significado da alimentação em Cuidados Paliativos

O Psicólogo em Cuidados Paliativos: uma reflexão possível

Investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da realidade e perspetivas sobre como promover e melhorar

Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem no processo de diagnóstico clínico

Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova actividade e discussão do contributo multidisciplinar no final da vida

Identificação da necessidade em doentes de Medicina Interna

Desenvolvimento histórico dos Cuidados Paliativos: visão nacional e internacional

Page 2: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

3cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

indice

05 Editorial Cuidados Paliativos: saída do impasse? a caminhar para a expansão?

07 Artigo especial Desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos: visão nacional e internacional

14 Artigo original Significado da alimentação em Cuidados Paliativos

O Psicólogo em Cuidados Paliativos: Uma reflexão possível Investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da realidade e perspetivas sobre como promover e melhorar

Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem no processo de diagnóstico clínico

Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova actividade e discussão do contributo multidisciplinar no final da vida

Cuidados Paliativos: Identificação da necessidade em doentes de Medicina Interna

Page 3: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

4 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Conselho CientíficoDiretor

Prof. Doutor Manuel Luís Capelas

Sub-diretor

Mestre Ana Bernardo

Comissão diretiva

Direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

Comissão Científica

Prof.ª Doutora Paula Sapeta (presidente)

Prof. Doutor José Manuel Pereira de Almeida

Prof. Doutor Sérgio Deodato

Prof. Doutor Telmo Batista

Doutor José Nuno Silva

Doutora Bárbara Gomes

Doutora Carla Reigada

Doutora Sandra Pereira

Mestre Catarina Simões

Mestre Edna Gonçalves

Mestre Isabel Galriça Neto

Comissão Científica Internacional

Prof. Doutor Alvaro Sanz Rubiales (Espanha)

Prof. Doutor Carlos Centeno (Espanha)

Prof. Doutor Jaime Boceta Osuna (Espanha)

Prof. Doutor Javier Rocafort (Espanha)

Prof.ª Doutora Maria Nabal (Espanha)

Doutor José Carlos Bermejo (Espanha)

Prof. José Luís Pereira (Canadá)

Dr. Enric Benito (Espanha)

Dr. Ricardo Tavares (Brasil)

Dr.ª Maria Goreti Maciel (Brasil)

Comissão Consultiva

Grupo de reflexão ética da APCP

Direção da APCP

Revisores

Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas

Prof. Doutor João Amado

Prof. Doutor Luís Sá

Prof. Doutor Manuel Luís Capelas

Prof. Doutor Pedro Ferreira

Prof.ª Doutora Ana Querido

Prof.ª Doutora Maria dos Anjos Dixe

Prof.ª Doutora Maria Emilia Santos

Prof.ª Doutora Helena José

Prof.ª Doutora Zaida Charepe

Doutora Joana Mendes

Prof. Paulo Alves

Prof.ª Maria João Santos

Prof.ª Patrícia Coelho

Mestre Alexandra Ramos

Mestre Ana Bernardo

Mestre Catarina Pazes

Mestre Cátia Ferreira

Mestre César Fonseca

Mestre Cristina Galvão

Mestre Cristina Pinto

Mestre Filipa Tavares

Mestre Helena Salazar

Mestre José Eduardo Oliveira

Mestre Mara Freitas

Mestre Margarida Alvarenga

Mestre Maria de Jesus Moura

Mestre Miguel Tavares

Mestre Nélia Trindade

Mestre Paulo Pina

Mestre Sandra Neves

Mestre Sónia Velho

Mestre Fátima Ferreira

Frei Hermínio Araújo

Dr. Eduardo Carqueja

Dr. João Sequeira Carlos

Dr. Lourenço Marques

Dr. Rui Carneiro

Dr.ª Alina Habert (Brasil)

Dr.ª Ana Lacerda

Dr.ª Elga Freire

Dr.ª Carolina Monteiro

Dr.ª Marília Bense Othero (Brasil)

Dr.ª Rita Abril

Normas de referenciação bibliográfica

Vancouver superscript

Secretariado

Ad Médic Administração e Publicações Médicas, Lda.

Revista Cuidados Paliativos

Diretor: Prof. Doutor Manuel Luís Capelas

Editor: Direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

Propriedade, Edição e Redação: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

Morada: Serviço de Cuidados Paliativos, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, e-mail: [email protected]

Periodicidade: Semestral

Design Gráfico e Publicidade: Ad Médic Administração e Publicações Médicas, Lda. Calçada de Arroios, 16 C - Sala 3, 1000-027 Lisboa, e-mail: [email protected]

Isenta de Registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/99 de 9 de Junho, artigo 12, nº1 – A.

ISSN 2183-3400

Ficha técnica

Page 4: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

5cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Cuidados Paliativos: saída do impasse? a caminhar para a expansão ?Paula SapetaPresidente da Comissão Cientifica da Revista Cuidados Paliativos

A Revista Cuidados Paliativos da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) tem como propósito principal publicar e divulgar a produção científica original na área dos Cuidados Paliativos, quer de autores nacionais, quer internacionais. Procura, deste modo e implicitamente, mostrar as evidências produzidas pelos profissionais implicados na prática de cuidados paliativos de Portugal.

Tornou-se difícil reunir um número suficiente de artigos científicos para compor este número 2 da revista, talvez um sinal das inúmeras dificuldades que os profissionais de CP tem de, em primeiro lugar, investigar e a seguir publicar; por outro lado, um indicador da fase de desenvolvimento dos Cuidados Paliativos no nosso país.

A Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, publicada na Lei nº 52/2012 de 5 de setembro enuncia os princípios, clarifica termos e conceitos, estabelece a organização, apresen-ta as tipologias previstas, mas ainda carece de Regulamentação. Não obstante este atraso na regulamentação, a lei funcionou como um ‘alerta’ importante para toda a sociedade em geral, e para os responsáveis e gestores dos hospitais e serviços do Sistema Nacional de Saúde, em particular. Temos conhecimento de várias iniciativas, públicas e privadas, para ‘arrancar’ com novas equipas, reconhecemos o esforço que os seus responsáveis estão a desenvolver, as preocupações com a composição das equipas, a sua qualificação e formação - e o quão difícil está a ser a celebração de contratos com profissionais detentores de formação avançada, devida aos constran-gimentos decorrentes da conjuntura social, económica e política. Multiplicam-se os projetos, os pedidos de formação para os profissionais, acreditamos que se trata de um esforço sério. Para a APCP o desafio é apoiar estes projetos, contribuir para a sua consecução, construção e consolidação. Ao mesmo tempo, tem o dever de escrutinar a observância dos critérios de qualidade e os resultados efetivos, diferenciando os que estão a ‘caminhar’ no sentido pretendido ou não, nos termos previstos na Lei.

Numa outra perspetiva, encontramos a difícil realidade de doentes e famílias. Sem respostas adequadas em hospitais de ‘agudos’ e com escassas alternativas de suporte na comunidade, designadamente na Rede Nacional de Cuidados Continuados Inte-grados (RNCCI). O Relatório da Entidade Reguladora da Saúde1 dá conta da desigual-dade no acesso e na distribuição geográfica dos recursos em cada região. Além de que, no âmbito da RNCCI, as equipas de cuidados paliativos não foram as que mais se incrementaram nos últimos anos, seja em número, seja na qualificação dos seus mem-bros, apesar de serem das mais prementes e urgentes. Esta análise intensifica a necessi-dade de regulamentar a Lei de Bases de CP e sobretudo de ver comprometidos os res-ponsáveis políticos ou não, em replicar os exemplos de sucesso, recrutar os profissionais que reúnam o conjunto de competências necessárias para alcançar os padrões de qualidade, numa ação objetivada em preservar a dignidade, garantir conforto, quali-dade nos últimos dias de vida, de cada doente e suas famílias.

Editorial

1Avaliação do Acesso dos Utentes aos Cuidados Continuados de Saúde. Relatório da Entidade Reguladora da Saúde. 2012

Page 5: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

Apesar dos cuidados paliativos em Portugal existirem desde 1992/1994, continuam a ser uma área relativamente recente, ainda estamos numa fase inaugural, a ‘desbravar terreno’, a vencer resistências, preconceitos e tabus que existem na população em geral, mas também nos profissionais de saúde. Muito está por fazer, investigar, definir e consolidar. Pouco adianta a existência da lei, se ela não for exequível em termos práti-cos, ou ainda que o seja, ser inviabilizada por constrangimentos económicos, culturais, crenças ou valores arreigados a tabus ancestrais. Provavelmente um dos desafios é o de orientar a investigação para a demonstração das necessidades da nossa popula-ção, do custo-efetividade da implementação de serviços/equipas de cuidados palia-tivos, dos processos e dos resultados conseguidos, e deles fazer notícia, publicando-os. Por exemplo na revista de Cuidados Paliativos, da APCP. l

Page 6: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

7cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo especial

Palavras-chaveCuidados Paliativos, história, legislação.

Key wordsPalliative Care, history, legislation.

Palabras-llaveCuidados Paliativos, historia, legislación.

ResumoA história e evolução dos cuidados paliativos a nível nacional e internacional ajudam a demonstrar as etapas do desenvolvimento desta área científica, assim como a revelar conjuntos de documentos que pela sua importância contribuíram para esta evolução. Pretende-se com este artigo especial dar a conhecer esta evolução e realizar uma síntese de documentos nucleares em cuidados paliativos, a nível nacional e interna-cional.

AbstractThe history and the evolution of the palliative care at national and international level help to demonstrate the steps of the development of this scientific area of the care, as well as to reveal sets of documents for its importance contributed to this development. This paper aims to make known this evolution a to make a synthesis of the primordial documents in the field of the palliative care, at national and international level.

Resumen La historia y la evolución de los cuidados paliativos en los planos nacional e interna-cional ayudan a demostrar las etapas del desarrollo de esta área científica, y para mostrar conjuntos de documentos para su importancia contribuyeron a este desarrollo. El objetivo de este artículo especial para llevar esta evolución y hacer una síntesis de los documentos nucleares en los cuidados paliativos a nivel nacional e internacional

Desenvolvimento histórico dos Cuidados Paliativos: visão nacional e internacional Manuel Luís CapelasEnfermeiro, Docente no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Doutor em Ciências da Saúde

Sandra Catarina Fonseca Simões da SilvaEnfermeira, Unidade de Cuidados Paliativos da CLIPÓVOA

Margarida Isabel Santos Freitas AlvarengaEnfermeira, Serviço de Cuidados Paliativos do IPO Porto

Sílvia Patrícia CoelhoEnfermeira, Docente no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Doutoranda em Enfermagem

Page 7: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

8 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

aumentado exponencialmente, passou-se por um período de cerca de 3-4 séculos em que se verificou uma diminuição devi-da à perda de influência das ordens reli-giosas por altura da Reforma.4,7

Só mais tarde, no século XIX, e desta vez como locais de prestação de cuidados a doentes em final de vida, ressurgiram de forma mais clara e evidente estas iniciati-vas, continuando associadas a Ordens reli-giosas, com duas grandes pioneiras: Jean-ne Garnier e Mary Aikenhead.4,6,8

Jeanne Garnier fundou a Ordem religio-sa Association des Dames du Calvaire e em que após o seu contacto com a popu-lação doente, das zonas mais degradadas de Lyon, sentiu a necessidade da abertu-ra da primeira instituição específica para doentes moribundos, no mundo, em 1843 em Lyon. Mais tarde, em 1874 e em 1899, abriram outras instituições, em Paris e Nova Iorque respetivamente.2,3,8

Por sua vez, Mary Aikenhead, enquanto Superior da Ordem Irish Sisters of Charity promoveu a abertura do Our Lady’s Hos-pice for the Dying em Dublin, no ano de 1879.3,4,7,8 Mais tarde, em 1893 e em 1905 fundam o St. Luke’s Home e o St. Joseph’s Hospice em Londres.2,3

Até esta altura, o alívio sintomático era o objetivo principal do tratamento clínico vis-to as doenças evoluírem de acordo com a sua história natural. No século XX a medici-na transferiu a sua orientação para a des-coberta das causas e cura das doenças, relegando o controlo sintomático para se-gundo plano.4

Mais tarde, nos meados do século pas-sado, Cicely Saunders, com a sua postura de grande atenção e proximidade, huma-na e científica aos doentes, constatou que a tendência era de ocultar o prognóstico e situação clínica a estes, que o local de morte estava a transferir-se para o hospital e que se verificava uma cada vez maior “repressão” da expressão em público das emoções perante a morte, o que revelava

Evolução histórica e legal internacionalO surgimento dos cuidados paliativos, na sua perspetiva mais moderna, combinan-do cuidados clínicos, formação e investi-gação, reporta-se ao final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado.1 Foi catalisador deste acontecimento, o en-contro, num grande hospital universitário londrino em 1948, de Cicely Saunders com um doente, judeu polaco que com 40 anos estava a morrer de cancro e que lhe levantou o desafio de melhor compreen-der o adequado controlo da dor e outros sintomas. Tudo culminou com a abertura do 1º hospice da era moderna em Londres, em 1967, o St. Christopher’s Hospice.2

No entanto, importa revisitar historica-mente a sua evolução ao longo dos tem-pos e identificar alguns marcos mais signifi-cativos.

Até ao século IV a.C. não se considerava ético tratar o doente durante o seu pro-cesso de morte. Os médicos tinham medo de o fazer, pelo risco de serem castigados por estarem a desafiar as leis da natureza.3 Após a propagação do Cristianismo, es-tabelece-se a necessidade de ajudar es-tas pessoas, surgindo a primeira instituição para ajudar os desprotegidos, doentes e moribundos em Roma, por Fabíola, como resultado do seu compromisso cristão.2–4

É neste contexto que surge a ligação do termo hospice (do latim hospititium), com hospitalidade, pois era esse o seu significa-do, e que passaria a identificar locais onde os peregrinos descansavam e que, pro-gressivamente, foram também acolhendo doentes e moribundos, passando-se a as-sociar o termo hospice a estes locais.3–7

Mais tarde, no século XI, os cruzados acre-ditavam ter sido os primeiros a criarem ca-sas para doentes incuráveis, existindo mes-mo a Ordem dos Cavaleiros Hospitaleiros que abriu a primeira casa deste tipo três séculos mais tarde.7 Embora, neste período da Idade Média, o número de instituições de acolhimento de cariz religioso tenha

Page 8: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

9cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

cional na área, o 1st International Congress on the Care of the Terminally Ill. Um outro marco importante surge na Áustria com a formação pré-graduada em cuidados pa-liativos a tornar-se obrigatória. Surge, tam-bém pela 1ª vez o termo “Cuidados Palia-tivos”, por Balfour Mount, no Royal Victoria Hospital, Canadá, devido ao estigma que o termo hospice tinha na população de língua francesa.1,3–15

Nos anos 80, a OMS incorpora Cuidados Paliativos nos seus conceitos e promove a necessidade de um programa de cui-dados paliativos como parte integrante da abordagem ao doente oncológico. Além de iniciar o programa Cancer Pain and Palliative Care, editou importantes documentos tais como Cancer Pain Relief and Palliative Care16 e o Palliative Cancer Care17 (primeiras recomendações sobre cuidados terminais no doente com can-cro). Surge, também, na Austrália a pri-meira Cátedra Universitária em Cuidados Paliativos e a especialidade de Medicina Paliativa, no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Bélgica, Hong Kong, Polónia, Sin-gapura, Taiwan e Roménia. São criadas as primeiras UCP em África (no Zimbabué e depois na África do Sul), no Japão, Israel, Alemanha, Espanha, Rússia, Bélgica, India, França, Itália. Novas organizações surgem, nomeadamente o International Hospice Institute que mais tarde, em 1999, dará ori-gem à International Association for Hospice and Palliative Care, a Hospice Association of South Africa e a European Association for Palliative Care. 1,3–15

Por sua vez, nos anos 90, os planos onco-lógicos do Reino Unido, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália e Nova Zelân-dia, recomendam a introdução precoce dos cuidados paliativos na trajetória da doença oncológica, assim como foi intro-duzida na China, como prática regular a utilização da escada analgésica da OMS. Por sua vez a Organização Pan-americana de Saúde incorpora de forma oficial os pro-

que a sociedade tinha perdido as suas es-tratégias de enfrentamento da sua própria mortalidade.4

Foi em resultado destas constatações e da sua permanente inquietude, que Cicely Saunders foi a pioneira do Movimento Mo-derno dos Hospices, com a fundação do St. Christopher’s Hospice, em Londres, no ano 1967, e depois em 1969 o programa de cuidados paliativos domiciliários.3,4,7,9

Este movimento teve como imperativo, a conjugação das novas competências em controlo da dor e outros sintomas, compreensão dos diversos problemas do doente e família, assim como da formação e investigação.5

É a partir deste movimento, que os cui-dados ao doente em fim de vida come-çam o seu desenvolvimento exponencial, ao longo de todo o globo, procurando abranger todos os povos, e cujos marcos significativos, a nível internacional, passa-mos aqui a enunciar.

Assim, nos anos 60 foi fundada a primeira unidade de cuidados paliativos (UCP) na Coreia, no Calvary Hospice of Kangnung em 1965, pelas irmãs católicas da Little Company of Mary. Dois anos mais tarde, foi fundado em Londres, o St. Christopher’s Hospice, que seria a referência dos cuida-dos paliativos modernos. Também nesta década, no seu final, em 1969 Elizabeth Kubler-Ross edita o seu importante livro On Death and Dying o qual em muito vai con-tribuir para a compreensão da fase final da vida.1,3–15

Na década de 70, surgem os primeiros serviços de cuidados paliativos no Japão, Noruega, Estados Unidos da América (EUA), Canadá, Polónia, Suécia, assim como a 1ª equipa intra-hospitalar e domiciliária do Reino Unido. No que respeita a organiza-ções internacionais surge a International Association for the Study of Pain e a Ja-panese Association for Clinical Research on Death and Dying. Acontece, também, em Montreal, o primeiro congresso interna-

Page 9: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

10 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

do os cuidados paliativos como cuidados básicos e necessários. Elaborada a Cape Town Declaration22, Korea Declaration23, Bu-dapest Commitments24, o Lisbon Challen-ge25, a Carta de Praga26 e o Clinical Prac-tice Guidelines for Quality Palliative Care.27 Também nestes tempos foi criada a espe-cialidade de Medicina Paliativa, nos EUA e surgiu a primeira UCP na Eslováquia.1,3–15

No final de 2013 e início de 2014, a Or-ganização Mundial de Saúde, através do seu departamento para os Cuidados Paliativos, emitiu dois importantes docu-mentos, Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment throughout the life course28 e o Strengthe-ning of palliative care as a component of integrated treatment within the continuum of care.29 Estes documentos foram poste-riormente apresentado à 67ª Assembleia, deste importante organismo, em maio de 2014, de onde resultou o documento final, Strengthening of palliative care as a com-ponent of comprehensive care throughout the life course.30

Já no final de 2014, em outubro, surge a 2014 European Declaration on Palliative Care.31

Como podemos constatar, foi primeiro um desenvolvimento mais local que se foi disseminando por uma grande vastidão de países, em que hoje em dia, mais de 115 países dos 234 existentes têm um ou mais serviços de cuidados paliativos, com uma grande diversidade de programas, de tipologias, assim como de objetivos dos programas, especialmente no que respeita ao público-alvo.1,11

NacionalNo que respeita ao nosso país, a história dos cuidados paliativos tem cerca de 20 anos, embora já desde o século XVI estes cuidados estejam já referidos em alguns textos médicos.32

Pode dizer-se que, no nosso país, os cui-dados paliativos iniciaram-se em 1992, com

gramas de cuidados paliativos nos planos nacionais e regionais de saúde. Acontece o 1º Congresso da European Association for Palliative Care, em Paris, sendo que na mesma associação surgem a Education Network e a Research Network. Surgem as primeiras UCP na Holanda, Uganda, Argen-tina, Colômbia, Brasil e Chile, e a primeira UCP num hospital universitário, Noruega. São nesta década fundadas a Sociedad Espanõla de Cuidados Paliativos, a Israel Palliative Care Association, a Indian Asso-ciation of Palliative Care e a International Association for Hospice and Palliative Care e criada a especialidade de medicina pa-liativa na Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. São também elaboradas a Declaração de Florianopolis18, que se constitui de um con-junto de recomendações que incluem a disponibilização de opióides e de monitori-zação dos custos dos cuidados aos doen-tes em final de vida e a Declaração de Po-znan19 que viria a dar origem à fundação da Eastern and Central European Palliative Task Force. 1,3–15

Já neste nosso século são fundadas a Foundation for Hospices in Sub-Saha-ran Africa”, a Latin American Association of Palliative Care, a Asia Pacific Hospice Palliative Care Network, a African Associa-tion for Palliative Care e o United Kingdom Forum for Hospice and Palliative Care Wor-ldwide, pela organização Help the Hospi-ces. É lançada pela OMS a mais recente definição de cuidados paliativos, que ain-da hoje é consensual, assim como por esta organização são elaborados importantes documentos tais como o Better Palliative Care for Older People20 com o objetivo de incorporar os cuidados paliativos para as doenças crónicas progressivas no inte-rior das políticas de saúde para o enve-lhecimento, e o Palliative Care – The Solid Facts.21 Por sua vez, o Conselho da Europa elabora diversos documentos estruturan-tes para o desenvolvimento dos cuidados paliativos e publica guidelines, consideran-

Page 10: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

11cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

e definia-os em três níveis de prestação. Este Programa não viria a ter nenhum efei-to prático no que respeita ao surgimento de novos recursos de cuidados paliativos, tendo vindo a sofrer uma nova edição em 2010.32,39,40

Em 2005, mais precisamente em 26 de fevereiro, foi entregue na Assembleia da República, uma petição assinada por mais de 24 mil pessoas, reclamando os cuida-dos paliativos como um direito de todos os cidadãos e solicitando que estes cui-dados fossem apostos na Constituição da República Portuguesa e incluídos entre os cuidados da medicina que incumbe ao Estado garantir para assegurar o direito à proteção da saúde de todos os cidadãos. A Petição foi analisada em julho de 2005, em Sessão Plenária da Assembleia da Re-pública e todos os Grupos Parlamentares concordaram na necessidade de imple-mentação de uma rede de cuidados pa-liativos.41

Em 2006, surge o forte elemento catalisa-dor, com a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), através do Decreto-Lei N.º 101/200642, onde os cuidados paliativos são integrados, sen-do nesta altura que estes cuidados avan-çam de forma mais visível no nosso país.

Também, em 2006, a Associação Portu-guesa de Cuidados Paliativos, elabora 3 importantes documentos de recomenda-ções: “Formação de Enfermeiros em Cui-dados Paliativos”,43 “Organização de Ser-viços em Cuidados Paliativos”44 e “Critérios de Qualidade para Unidades de Cuidados Paliativos”.45

No ano de 2008, os despachos 10279/2008 e 10280/2008, de 11 de março definiram as condições de dispensa, comparticipação e utilização de medicamentos opióides prescritos para o tratamento da dor on-cológica e não-oncológica, moderada a forte.46,47

Em 2011, o novo Plano Nacional de Saú-de, volta a evidenciar a necessidade de

a inauguração da Unidade de Dor do Hos-pital do Fundão que quase de imediato se transformou no Serviço de Medicina Palia-tiva do mesmo hospital.32,33

Dois anos mais tarde, surge a primeira UCP, também com valência de consultoria intra-hospitalar e apoio domiciliário, num hospital oncológico, no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto em 1994, a que se seguiu mais tarde, em 2001, a do IPO de Coimbra. Neste período intercalar foi fundada a Associação Nacional de Cuidados Paliativos, em 1995, e que hoje se designa de Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Surgiu, também, a primeira equipa de cuidados paliativos domiciliários, do país, no Centro de Saúde de Odivelas, em 1996. Fora do Serviço Na-cional de Saúde, surge em 2001, a Equipa de Cuidados Paliativos da Santa Casa da Misericórdia de Azeitão.32,33

No mesmo ano de 2001, é lançado o Plano Oncológico Nacional, no qual é re-ferido como objetivo estratégico “dar con-tinuidade aos cuidados paliativos na fase terminal da doença”.34 Ainda neste ano, é aprovado por despacho ministerial, o Pla-no Nacional de Luta Contra a Dor, que viria depois a ser atualizado, em 2008.35,36

Em 2002, inicia-se o primeiro Curso de Mestrado em Cuidados Paliativos do País, na Faculdade de Medicina da Universida-de de Lisboa.

Em 2003, mais precisamente em 14 de ju-nho, a Direção Geral da Saúde, através da sua circular normativa n.º 09/DGCG consi-dera a Dor como o 5º Sinal Vital e conside-ra como boa prática o Registo Sistemático da Avaliação da Intensidade da Dor.37

Mais tarde, em 2004, o Plano Nacional de Saúde para o período 2004-201038, de-finia os cuidados paliativos como área prioritária, pelo que em consequência de tal, o Ministério da Saúde lança o Progra-ma Nacional de Cuidados Paliativos que considerava estes cuidados como consti-tuintes essenciais dos cuidados de saúde

Page 11: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

12 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

e das Administrações Regionais de Saúde, por forma a acolher a Comissão Nacional e as Regionais de Cuidados Paliativos.57 l

Bibliografia1. Sternsward J, Clark D. Palliative Medicine - a global perspective. In: Doyle D, Hanks G, Cherny N, Calman K, editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 3rd ed. Oxford: Oxford University Press; 2004. p. 1199–224. 2. Saunders C. The Evolution of Palliative Care. Cicely Saunders - Selected writings 1958-2004. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 263–8. 3. Ortiz JS. Historia de la Medicina Paliativa. Med paliativa. 1999;6(2):82–8. 4. Rio MI del, Palma A. CUIDADOS PALIATIVOS : HISTORIA Y DESARROLLO. Boletín Esc Med U C ,Pontificia Univ Católica do Chile. 2007;32(1):16–22. 5. Saunders C. Origins: International Perspectives, Then and Now. Cicely Sau-nders - Selected writings 1958-2004. Oxford University Press; 2006. p. 245–50. 6. Brooksbank M. Palliative care: Where have we come from and where are we going? Pain [Internet]. International Association for the Study of Pain; 2009 Aug [cited 2012 Nov 20];144(3):233–5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/195640777. Lutz S. The history of hospice and palliative care. Curr Probl Cancer [Internet]. 2011 [cited 2012 Nov 20];35(6):304–9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/221367038. Clark D. Palliative care history : a ritual process ? Eur J Palliat care. 2000;7(2):50–5. 9. Clark D. From margins to centre: a review of the history of palliative care in cancer. Lancet Oncol [Internet]. 2007 May;8(5):430–8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1746690010. Ruszniewski M, Zivkovic L. Difficulties faced by hospital palliative care teams. Eur J Palliat care. 1999;6(1):11–4. 11. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark D. Mapping levels of palliative care develop-ment: a global view. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 May [cited 2012 Nov 2];35(5):469–85. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1824363712. Loscalzo MJ. Palliative care: an historical perspective. Hematology [Internet]. 2008 Jan;465. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1907412713. Cortés CC. Palliative Care : New Perspectives and Practices in Europe. Symposium on Suffering and Hope. Houston; 2005. p. 10–3. 14. Blumhuber H, Conno F De, Vanegas G. The development of the European Association for Palliative Care. Eur J Palliat care. 1997;4(5):178–81. 15. Blumhuber H, Conno F De, Vanegas G, Network E. The history and develo-pment of the EAPC : Part II. Eur J Palliat care. 1997;4(6):210–5. 16. World Health Organization. Cancer Pain Relief and Palliative Care. Geneve: World Health Organization; 1990. 17. World Health Organization. Palliative Cancer Care. Copenhagen; 1987. 18. Bruera E, Schoeller MT, Stjernswärd J. Opioid availability in Latin America: the Declaration of Florianópolis. Support care cancer [Internet]. 1995 May;3(3):164–7. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/754467319. The Poznan Declaration 1998. Eur J Palliat care. 1999;6(2):61–3. 20. World Health Organization. Better Palliative Care for Older People. Davies E, Higginson IJ, editors. Copenhagen: World Health Organization; 2004. 21. World Health Organization (Europe). Palliative Care-The Solid Facts. Davies E, Higginson IJ, editors. Copenhagen: World Health Organization (Europe); 2004. 22. Sebuyira LM, Mwangi-Powell F, Pereira J, Spence C. The Cape Town Pallia-tive Care Declaration: home-grown solutions for sub-Saharan Africa. J Palliat Med. 2003;6(3):341–3. 23. National Hospice and Palliative Care Associations. Korea Declaration. Report of the second global summit of National Hospice and Palliative Care Associations [Internet]. Seoul, Korea; 2005. Available from: http://www.helpthehospices.org.uk/about-us/international/resources/developing-services/advocacy/24. European Association for Palliative Care. Budapest committments – a fra-mework for palliative care development [Internet]. 2007 [cited 2012 Mar 22]. Avai-lable from: http://www.eapcnet.eu/Themes/Policy/Budapestcommitments.aspx25. European Association for Palliative Care, International Association for Hos-pice and Palliative Care, Human Rights Watch. The Lisbon Challenge [Internet]. 2011 [cited 2015 Jan 2]. Available from: http://www.eapcnet.eu/Themes/Policy/Lisbonchallenge.aspx26. European Association for Palliative Care, International Association for Palliative Care, Worldwide Palliative Care Alliance, Human Rights Watch. The Prague Charter [Internet]. 2013. Available from: http://www.eapcnet.eu/Themes/Policy/PragueCharter.aspx27. National Consensus Project for Quality Palliative Care. Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care. 2nd ed. Pittsburgh: National Consensus Project for Quality Palliative Care; 2009. 28. World Health Organization-Executive Board. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment throughout the life course [Internet]. Geneva; 2013. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/B134_28-en.pdf29. World Health Organization-Executive Board. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment within the continuum of care [Internet]. Geneve; 2014. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/B134_R7-en.pdf30. World Health Organization-Sixty-seventh Assembly. Strengthening of palliative care as a component of comprehensive care throughout the life course [Inter-net]. Geneva; 2014. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA67/A67_R19-en.pdf31. IMPACT, EURO IMPACT. 2014 European Declaration on Palliative Care [Internet]. Palliatice Care 2020. 2014 [cited 2015 Jan 2]. Available from: http://www.palliativecare2020.eu/declaration/32. Marques AL, Gonçalves E, Salazar H, Neto IG, Capelas ML, Tavares M,

desenvolvimento sustentado e equitativo de um programa nacional de cuidados paliativos.48 Também neste ano, através do Despacho 7968/2011 do Gabinete da Ministra da Saúde, considera-se a obriga-toriedade da existência de uma equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados em cada hospital do Serviço Nacional de Saúde.49

No ano seguinte, 2012, surgem dois docu-mentos legais da mais elevada importân-cia. O primeiro, a Lei do Testamento Vital (Lei 25/2012 de 16 de julho)50 e posterior-mente a Lei de Bases dos Cuidados Paliati-vos (Lei 52/2012 de 5 de setembro).51

Mais recentemente, em 2014, é publi-cado em maio, a Portaria n.º 96/2014, do Ministério da Saúde, que regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV).52

Também em maio, a Assembleia da República, através da sua Resolução n.º48/2014 recomenda ao Governo que reforce o estudo das necessidades e de-vidas respostas no âmbito dos Cuidados Paliativos Pediátricos.53 Tal recomendação viria a concretizar-se através do Despacho n.º 8266-A/2014, do Gabinete do Secretá-rio de Estado Adjunto do Ministro da Saú-de, é criado o Grupo de Trabalho para os Cuidados Paliativos Pediátricos, para estu-do e apresentação de propostas para o desenvolvimento desta área dos cuidados paliativos.54

Mais tarde, em agosto, surge o Despa-cho n.º 10429/2014 com posterior retifica-ção pela Declaração de Retificação n.º 848/2014 que preconizam a obrigatorie-dade de implementação de Equipas In-trahospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos nas Instituições Hospitalares do nosso país.55,56

Finalmente, ainda no mesmo ano, é pu-blicado o Decreto-Lei n.º173/2014, que procede a ajustamentos à Lei Orgânica do Ministério da Saúde, às Orgânicas da Ad-ministração Central do Sistema de Saúde

Page 12: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

13cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

et al. O desenvolvimento dos cuidados paliativos em portugal. Patient Care. 2009;Outubro:32–8. 33. Neto IG, Marques AL, Gonçalves E, Salazar H, Capelas ML, Tavares M, et al. Palliative care development is well under way in Portugal. Eur J Palliat care. 2010;17(6):278–81. 34. Presidência do Conselho de Ministros. Resolução do Conselho de Ministros n.o 129/2001 (2 Agosto) - Plano Oncológico Nacional - 2001-2005. Portugal; 35. Direção-Geral da Saúde. Plano Nacional de Luta Contra a Dor. Lisboa; 2001. 36. Direcção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Controlo da Dor. Lisboa; 2008. 37. Direção-Geral da Saúde. Circular Normativa N.o 08/DGCG - A Dor como 5o sinal vital. Registo sistemático da intensidade da Dor. Lisboa; 2003. 38. Direção-Geral da Saúde. Plano Nacional de Saúde 2004/2010 - Volume II - Orientações Estratégicas [Internet]. Direcção-Geral da Saúde; 2004. Available from: http://www.dgsaude.min-saude.pt/pns/media/pns_vol2.pdf39. Direção-Geral da Saúde. Circular Nomativa N.o 14/DGCG - Programa Nacional de Cuidados Paliativos. 2004. 40. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Cuidados Paliativos 2010 [In-ternet]. 2010. Available from: http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/0C255E-F1-E3AB-46CF-B79C-E9A210F60F6D/0/ProgramaNacionalCuidadosPaliativos.pdf41. Movimento de Cidadãos Pró-Cuidados Paliativos. Movimento de Cidadãos [Internet]. 2008 [cited 2012 Sep 15]. Available from: http://www.apcp.com.pt/cuidadospaliativos/movimentodecidadaos.html42. Decreto-Lei n.o 101/2006 (6 de junho) - Rede Nacional de Cuidados Con-tinuados Integrados. 2006. 43. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Formação de Enfermeiros em Cuidados Paliativos - Recomendações da APCP [Internet]. 2006. Available from: http://www.apcp.com.pt/uploads/recomendaes-formaoemcp-apcp.pdf44. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Organização de Serviços em Cuidados Paliativos [Internet]. 2006. Available from: http://www.apcp.com.pt/uploads/recomendaesorganizaodeservios-apcp.pdf45. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Critérios de Qualidade para Unidades de Cuidados Paliativos [Internet]. 2006 p. 1–19. Available from: http://www.apcp.com.pt/uploads/critriosdequalidade-2006-apcp.pdf46. Ministério da Saúde. Despacho n.o 10279/2008 (11 de março). 2008 p. 1–2. 47. Ministério da Saúde. Despacho n.o 10280/2008 (11 de março). 2008. 48. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde 2012-2016 [Internet]. 2012 [cited 2012 Sep 15]. Available from: http://pns.dgs.pt/pns-2012-2016/49. Ministério da Saúde-Gabinete da Ministra. Despacho n.o 7968/2011 (24 de maio). 2011. 50. Assembleia da República. Lei n.o 25/2012 (16 de julho) - Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV). 2012; 51. Assembleia da República. Lei n.o 52/2012 (5 de setembro) - Lei de Bases dos Cuidados Paliativos. 2012. 52. Ministério da Saúde. Portaria n.o 96/2014 (5 de maio). 2014. 53. Assembleia da República. Resolução da Assembleia da República n.o48/2014 (14 de maio). 2014. 54. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde. Despacho n.o 8266-A/2014 (25 de junho). 2014. 55. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde. Despacho n.o 10429/2014 (12 de agosto). 2014. 56. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde. Declaração de Retificação n.o848/2014 (22 de agosto). 2014 p. 8175. 57. Ministério da Saúde. Decreto-Lei n.o 173/2014 (19 de novembro). 2014 p. 5896–8.

Page 13: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

14 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

Palavras-chaveSignificado da alimentação, Cuida-dos paliativos, Fim de vida, Doente, Família.

Key wordsMeaning of Feeding, Palliative Care, End of Life, Patient, Family.

Palabras-llaveSignificado de la alimentación, Cuidados paliativos, Final de la Vida, Enfermo, Familia. de Lellis; Sufrimiento.

ResumoA presente revisão narrativa da literatura reflete o conhecimento actual sobre o Signi-ficado da Alimentação em Cuidados Paliativos para o doente e sua família no que diz respeito aos significados fisiológico/ terapêutico, social, psicológico, religioso/ espiritual. Para além disso este artigo foca-se no significado da redução da ingestão alimentar, da recusa alimentar, da nutrição e hidratação artificiais e das alterações físicas da pessoa doente.

AbstractThis narrative literature review reflects the current knowledge on the Meaning of Fee-ding in Palliative Care for the patients and their families with regard to physiological / therapeutic, social, psychological, religious / spiritual meanings. Furthermore, this article focuses on the meaning of food intake reduction, food refusal, artificial nutrition and hydration and patients’ physical changes.

ResumenEsta revisión narrativa de la literatura refleja el conocimiento actual del Significado de la Alimentación en los Cuidados Paliativos para el paciente y su familia con res-pecto a los significados fisiológico/ terapéutico, social, psicológico, religioso/ espiri-tual . Además, este artículo se centra en el significado de la reducción de la ingesta de alimentos , lo rechazo de la alimentación , la nutrición y la hidratación artificial y los cambios físicos de la persona enferma.

Significado da Alimentação em Cuidados PaliativosCíntia Pinho-ReisNutricionista, Aluna do Mestrado em Cuidados Paliativos, Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (ICS-UCP)

Patrícia CoelhoProfessora ICS-UCP, Aluna do Doutoramento em Enfermagem ICS-UCP

Introdução Em Cuidados Paliativos (CP), o suporte nutricional constitui uma parte integran-te dos cuidados holísticos prestados ao doente e à sua família. Com o objetivo de prestar cuidados holísticos a estes doentes é necessário que os profissionais estejam

preparados para lidar com as questões e as preocupações que estes consideram importantes.1 As questões em torno da ali-mentação ganham especial relevância em fase paliativa, sendo que os doentes e em especial a sua família, dão-lhes mais importância em comparação com outros

Page 14: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

15cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

tratamentos médicos.2

A grande maioria dos doentes palia-tivos, por evolução da doença de base ou como consequência dos tratamentos que realiza, confronta-se com o apareci-mento de inúmeros sintomas (Quadro 1) que afectam amplamente o seu padrão e hábitos alimentares.3 Assim, os doentes confrontam-se com inúmeras perdas ao nível da alimentação. Essas perdas pode-rão ir desde a incapacidade de sentir o sabor, o cheiro, deglutir, digerir os alimen-tos e absorver nutrientes de forma ade-quada3,4, aliando-se em alguns casos, à perda da autonomia, da capacidade de comunicar e de utilizar a via oral.3,5,6 Even-tualmente, todas estas alterações po-derão transformar as refeições num mo-mento desconfortável e levar o doente à depressão, ao isolamento social, à perda da confiança e da auto-estima, à perda de apetite e de peso e à desnutrição.3

Para a família, que transmite o seu afeto através da alimentação, todas as altera-ções mencionadas assim como as suas consequências, poderão ser entendidas como o inevitável aproximar da morte. É também importante referir que as situa-ções de suspensão da alimentação ou de cessação da mesma por escolha vo-luntária do doente, são fonte de extrema preocupação por parte da família.3

É importante salientar que este artigo não se foca numa doença específica,

Quadro 1Sintomas que afetam a alimentação do doente paliativo

Astenia

Anorexia

Disfagia para líquidos

Disfagia para sólidos

Hipogeusia/ alteração do paladar

Diarreia

Fraqueza

Mucosite

Náuseas/ vómitos

Obstipação

Saciedade precoce / enfartamento

Xerostomia

Fonte:3,14

uma vez que diferentes doenças incurá-veis partilham muitos dos diferentes sinto-mas relacionados com a alimentação e, sendo assim, os significados desenvolvidos ao longo desta revisão poderão aplicar-se a qualquer doença (oncológica; neuroló-gica; SIDA; insuficiência cardíaca, hepáti-ca e renal; doença pulmonar obstrutiva crónica ou fibrose quística). Com o obje-tivo de compreender melhor o significado da alimentação em CP, recolheram-se e colocaram-se numa tabela transcrições de entrevistas a doentes e famílias, publi-cadas em diversos artigos (Quadro 2).

Significado da Alimentação em Cuidados PaliativosSignificado Fisiológico/ TerapêuticoA maioria dos doentes em CP considera que a alimentação significa saúde7, fon-te de vida e, frequentemente, a fonte de energia necessária para dar poder ao corpo. A energia proveniente da ali-mentação é compreendida como algo necessário para (sobre)viver e para con-tinuar a luta contra a doença. Para além disso, a alimentação é vista como o ali-mento do corpo e da alma.7,8

Para a família, a alimentação é conside-rada o “primeiro cuidado”, uma necessi-dade humana básica2,3,7 que se correla-ciona com a energia2 e a boa saúde2,9 mas é indubitavelmente um condutor privilegiado de alimento nutritivo e afec-tivo desde o nascimento e que se prolon-ga durante toda a vida.2 Para além disso, a alimentação significa uma forma de controlar a doença e um instrumento de luta para a compensação do equilíbrio nutricional inexistente naquele momento, adiando assim a morte do seu ente que-rido. O facto de a maioria dos doentes, à medida que a doença progride perde-rem o interesse na alimentação,3 origina na família a sensação de que estão a regredir na alimentação. Esta regressão na alimentação opõe-se à introdução dos alimentos na infância. Se na infância

Page 15: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

16 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Quadro 2Transcrições de entrevistas a doentes e famílias, publicadas em diversos artigos

Significado Transcrição Referências

Fisiológico/ Terapêutico

“Apenas significa um modo de energia… é um combustível.”

“(…) a alimentação serve para manter a minha força… para combater a doença.”

“Se eu não comer não vou viver durante muito mais tempo.”

“(…) O significado de alimentar é viver. Uma pessoa sem alimento não pode viver.”

“ (…) Eu dizia-lhe isto não pode ser, não pode viver sem comer (…).

“Quero tentar comer alguma coisa para manter a minha energia mental.”

“(…) Continuo a dar de comer é porque virar as costas, vir-me embora e ver que ela não comeu nada, é pensar que se calhar tem menos um dia de vida (…) É tentar até ao fim.”

“Quero tentar dar as calorias suficientes ao meu corpo para lhe dar as melhores hipóteses possíveis e ajudar na cura.”

“Nós só lhe dizemos vais ficar muito fraco se não comeres mais do que uma colher de chá de cada vez, e ele diz que a comida não assenta (…)”

2,15,22-24

Social

“(…) quando é a hora de estarmos juntos em família, realmente não é só

alimentar o estômago, às vezes é o que menos necessita e o que menos se alimenta…”

“Eu fazia as refeições e é muito divertido cozinhar e virem-me dizer que está

saboroso ou que sabe bem… agora nunca ouço que a comida está sab-orosa como me diziam antes (…) Não, estas refeições são uma tortura.”

“Nós não podemos sair e comer fora, porque já não dá prazer… quando

não é da mesma forma que costumava ser.”

“(…) ele sempre gostou de comer. Tem sido o maior evento na família e

nós sempre gostamos de sair para comer fora e apreciar a nossa comida. Mas neste último ano tem havida muito poucas ocasiões em que ele tenha apreciado a sua comida e, uma vez que ele não aprecia mais comer, já nem tem graça nenhuma convidar pessoas para jantar connosco (…)”

“E claro os hábitos alimentares. É um pouco duro, porque eu e o meu

marido costumávamos sair todas as quartas-feiras para jantar fora com os amigos. E claro tomava a minha sopinha e dependia do tipo de sopa que eles tinham disponível, às vezes nem sequer podia comê-la e só tomava uma chávena de chá ou de café e bebia a minha água.”

“Estou socialmente isolado por causa do embaraço que sinto em comer e

beber junto das outras pessoas.”

“O meu papel é ter a certeza que ele estava a receber a sua nutrição.”

8,13,16,17, 23

Psicológico

“(…) Agora não comes, agora sinto-me triste. E agora o que é que eu faço

– o que é que tu queres, eu não me apetece.”

“Vê-lo a comer motiva-me a continuar, é como se ainda houvesse uma

réstia de esperança que ele ia melhorar.”

“Quando eu como um pouco mais vejo o sorriso na cara da minha filha (…)

fica tão feliz por me ver comer. ”

“Para o meu marido, quando eu rejeito a alimentação ele pensa que não

quero que ele cuide de mim e fica zangado. Ele não entende. Pensa que eu não como porque não quero e isso também me deixa triste.”

“Sinto-me aliviada por ver que ela tolera a alimentação.”

8,15-17,21

Page 16: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

17cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Significado Transcrição Referências

Recusa Alimentar

“… Começou a ficar bem claro na nossa cabeça que ele não comia por causa da doença, como é evidente.”

“(…) esse sentimento de pai que tenta alimentar o filho e está a ver que o filho rejeita o comer, e que está a definhar mais, que o vai perder e é esse sentimento de impotência (…).

“Sabendo que a minha mulher está a tentar alimentar-me… fico um pouco preocupado em recusar estes alimentos… não a consigo ajudar.”

“Eu dou-lhe comida e depois ela não come, depois sinto-me culpado pelo facto de ela não ter nada lá dentro. Fico preocupado e triste por ela não comer e ela fica zangada comigo por estar sempre a chateá-la com a co-mida e, às vezes, a situação segue o caminho oposto, em que ela simples-mente recusa comer o que quer que seja.”

“Fiz o jantar, fiz aquilo que ele gostava, sempre gostou e que comeria sem-pre e ele disse que não gostava, que não queria, pelo que fiquei um pouco zangado com isso.”

“Eu tentei com todos os tipos possíveis de alimentos, todos aqueles que se possam imaginar. Dei-lhe tudo o que funcionava naquele momento mas se mais tarde eu voltasse a sugerir a mesma comida novamente, ela dizia-me que não queria ver aquela comida outra vez.”

2,16,20,23

Redução da Ingestão Alimentar

“Bem eu nunca estou com fome, mas a minha esposa e filha estão sempre a dizer - come isto agora, come isto agora. Uma vida sossegada e amor é tudo o que eu preciso agora, por isso só como o que eu posso quando me dão de comer. De qualquer forma, para elas nunca é suficiente…”

“Eles tentam dar-me tudo para comer. Não se importam se eu quero comer ou não; eles continuam a fazer-me comer e eu digo - não quero”.

“Ela continua a colocar um prato cheio, cheio à minha frente (…) Eu digo que só como aquilo que conseguir comer e é isso.”

“Quando o apetite dele diminuiu… nós desistimos e ele começou a comer, mas foi por nós. A sério, acho que nós o estávamos a forçar a comer.”

“Eu sabia que ele estava em fase terminal, mas… assim que alguém tinha uma ideia diferente sobre como podíamos fazê-lo comer, eu dizia, porque não tentar?”

20,24

Alterações Físicas

“Eu vi que ela foi perdendo um quilo atrás do outro… avaliei a situação e acreditei que ela estava era a morrer à fome. Ela não comia nada de nada – apenas deitava tudo fora.”

“(…) tu não estás a perder peso, entende aquilo que te estou a dizer, a bal-ança pesava 54, mas a balança está avariada não está boa.”

“Eu olho-me ao espelho e fico doente. Parece que saí de um campo de concentração ou assim. De qualquer forma é muito difícil ganhar algum peso. “

13,16

Nutrição e Hidratação Artificiais

“Senti um alívio enorme quando a nutrição parentérica foi iniciada (…)”

“Se eu não conseguir alimentar-me suficientemente por mim própria, então eu prefiro este tipo de alimentação. Sinto-me mais forte quando tenho algu-ma coisa dentro do meu corpo do que quando não tenho nada.”

“(…) a nutrição dá qualidade de vida para toda a família e para o doente… só posso dizer que estou feliz, que ele fica com energia e força, e com isso vem o prazer e sim, existe certamente uma espécie de harmonia que vem daí.”

“Senti logo que isso ajudou. Talvez não no primeiro dia mas (…) na primeira semana, e eu saí da cama e fui cozinhar.”

“Não me interessa se o meu marido tem tubos em quatro locais do seu cor-po, porque significa muito obter a energia e as coisas positivas da nutrição.”

“(…) isto significa que eu não estou pior, sabe. Porque é muito difícil não ser capaz de fazer as coisas por mim próprio, ter que chamar por ajuda todas as vezes que tenho que ir à casa de banho ou sair da cama… desde que me alimento assim consigo gerir por mim de uma forma completamente diferente.”

22,25

Page 17: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

18 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

quem cuida vê que a introdução de no-vos alimentos contribui para o crescimen-to da criança, numa fase de doença a família vai progressivamente “suprimindo” os alimentos, assistindo2 e associando este facto ao agravamento da doença e à própria morte3 (Quadro 2).

Significado SocialA alimentação é detentora de uma forte componente social1-3,5,7,10-13 pois constitui um acto simbólico de relacionamento que tem por base o acto de dar e rece-ber, uma forma de afeto representada pelos alimentos, estreitando assim os laços sociais.2 O momento da refeição constitui um foco de interacções com inúmeras pessoas e lugares,14 uma vez que há uma série de datas importantes, festividades e cultos religiosos que assinalam essas mes-mas datas e que relembram a importân-cia que a alimentação possui.2

Para cada família as refeições possuem não só um código secreto de regras, or-dem e estrutura do dia7 como também um código de sabores, partilhas e afetos.2 As refeições são momentos de ensino de regras sociais com a imposição de horá-rios que poderão perdurar para toda a vida. Mas as refeições quer no momento de preparação, quer na partilha e pro-ximidade são uma forma de demonstrar afeto, cuidado e companheirismo para com a família e os amigos.2,15 Desta forma, para alguns doentes, pelo facto de já não comerem como antes, por terem a sua autonomia diminuída e pela presença de sintomas que afetam a sua alimentação, poderão ver as refeições tornar-se num momento desagradável,3,5,6 deixando de representar um momento de prazer5,13 e tornando-se numa barreira que se repete dia após dia, várias vezes ao dia.5 Sendo assim, o ser incapaz de participar nas re-feições como antes da doença, poderá levar o doente ao isolamento social e fa-miliar3,5,6,13 e à sensação de descontextua-

lização,12 influenciando negativamente o seu sentimento de pertença à família e aos amigos. Para além disso, estas limita-ções ao nível social poderão originar de-pressão e contribuir para a diminuição do apetite, do peso e do prazer em comer.3,5-7

É importante salientar que também o papel social do doente e dos membros da sua família poderá alterar-se con-soante o sexo da pessoa doente.2 Na so-ciedade atual, os papéis de cuidador e de gestão das questões domésticas são maioritariamente atribuídos à mulher. As-sim, em muitos casos, poderá ocorrer uma mudança no papel social desempenha-do nas famílias em que as mulheres são a pessoa doente.2 De uma forma geral, os cuidados com a alimentação passam para outro membro da família imprepara-do para assumir os cuidados ao nível da compra, da preparação e da confeção dos alimentos. Neste contexto, é frequen-te que o momento das refeições signifi-que fonte de preocupação e de deses-pero,16 tornando-os num período da vida desagradável,2 que interfere amplamen-te com as relações familiares.13,16

Em outros casos, vinculado à alimenta-ção está a ideia de transmissão de amor. O elemento da família que prepara as re-feições, cozinha habitualmente de modo a agradar à pessoa doente, transmitindo o seu cuidado através dos alimentos. Em alguns casos, os familiares encaram os cuidados com a alimentação como a sua total responsabilidade16 e função,17 ex-pressando o medo de não conseguirem estar sempre presentes na preparação e no horário das refeições e no encoraja-mento da ingestão alimentar (Quadro 2).

Significado PsicológicoO papel psicológico que a alimentação desempenha em CP poderá funcionar como motivação numa luta contra a doença e como tentativa de controlar a mesma. Para alguns doentes, este papel

Page 18: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

19cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

motivacional poderá ainda estar associa-do a sensações de bem-estar, satisfação, prazer, alegria ou esperança por consegui-rem comer, cheirar ou saborear um prato que lhes traga boas recordações. Por outro lado, caso não o consigam fazer poderão expressar sentimentos de tristeza, desânimo e falta de esperança.18

Para a família, na estrutura de cuidados que esta considera adequada, o acto de conseguir alimentar o seu ente querido pro-voca-lhe sensações de conforto, alegria e, sobretudo, de vitória contra a morte, pois pensam que ao alimentar estão a adiá-la. O desejo da família em fazer algo pelo seu ente querido, leva a que a alimentação seja considerada uma recompensa posi-tiva pelos cuidados prestados, pelo afeto que lhe está a ser devotado em aceitar as suas refeições,2 pelo prazer que os alimen-tos proporcionam, pelos momentos agra-dáveis partilhados, pelas recordações das refeições em datas festivas. Por outro lado, no caso de não terem sucesso no controlo da alimentação manifestam, frequente-mente, sentimentos de frustração, culpa, ansiedade, incompetência, rejeição e falta de esperança2 (Quadro 2).

O significado religioso e espiritual da ali-mentação em CP é um tema pouco estu-dado. No entanto, sabe-se que cada reli-gião possui as suas especificidades ao nível do regime alimentar, o que poderá condi-cionar a alimentação do doente paliativo. Sendo assim, a dimensão religiosa ganha especial relevância nas situações de sus-pensão e abstenção da alimentação em fim de vida.

No caso da Religião Católica, com ex-cepção de doentes em estado vegetati-vo persistente, se a alimentação for consi-derada fútil é aceitável a sua suspensão/ abstenção. Relativamente à Religião Pro-testante, se a alimentação representar um risco é aceitável que esta seja suspensa ou não iniciada. No entanto, no caso de o doente se encontrar profundamente in-

consciente a alimentação deverá manter-se. Para os crentes no Judaísmo Ortodoxo a alma permanece ligada ao corpo, pelo que, mesmo em casos em que o doente esteja em coma a alimentação deverá ser preservada. Pelo contrário, no caso do Judaísmo Conservador se a alimentação prolongar o sofrimento, deverá ser rejei-tada. Porém, uma vez iniciada a alimen-tação a sua suspensão não é aceite. No caso da Religião Islâmica, a suspensão e a abstenção da alimentação não é de todo aceite, pois a alimentação é considerada uma necessidade humana básica que deve ser providenciada a todos os doen-tes independentemente do seu estado de saúde, pois a vida humana é considerada um valor supremo que deve ser mantido. Finalmente, na Religião Hindu, suspender ou não iniciar a alimentação é aceitável, pois se alimentar significar a prolongação do sofrimento, então a vida não deve ser prolongada.19

Significado da Redução da Ingestão Ali-mentarPara o doente, a redução da ingestão ali-mentar significa um acontecimento natural que é fruto da evolução da doença e dos tratamentos que realizam. No entanto, na maioria dos casos, a família não comparti-lha da mesma opinião. As mudanças ocor-ridas nas preferências e hábitos alimenta-res são, frequentemente, fonte de conflito entre o doente e a sua família, conflito esse que se vê agravado pela perda de peso e pelas alterações ocorridas na autoima-gem do doente.2, 8,13,15,17 Assim, a família fo-ca-se demasiado nas questões alimentares pressionando o doente a conformar-se a comer.15,17 Neste contexto, havendo uma insistência persistente por parte da família, o doente acaba por atribuir um significado fútil à alimentação. Muitas vezes, o com-portamento bem-intencionado da família resulta numa repercussão negativa, que de forma frequente, deixa o doente preocu-

Page 19: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

20 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

pado e furioso pelo contínuo foco na ali-mentação.20

O desespero e o sofrimento emocional inerente a este tipo de atuação são par-ticularmente stressantes dado que isto se intensifica durante os últimos meses de vida do doente.20 Alguns familiares revelam ain-da que observam e controlam a ingestão alimentar do seu ente querido ao ponto de calcular as calorias ingeridas, originando assim tensão no momento das refeições. No entanto, outros revelam medo por pen-sarem que o facto de encorajar o doente a comer piore a situação,16 sentindo angústia que se expressa em muitos casos através de culpa por obrigar o doente a comer.20

Apesar de estas situações serem muitas vezes vivenciadas em constante conflito familiar, alguns doentes atribuem um sig-nificado positivo à atitude da família. Sen-tem-se gratos pelo esforço demonstrado ao nível do apoio nos cuidados alimenta-res já que isso significava um sinal do seu amor, preocupação com o seu bem-estar e compaixão para com a sua frágil saúde. Preferiam no entanto que a família se preo-cupasse com outras questões que não a redução da ingestão alimentar.16

Em outras situações, quer o doente quer a família tendem a demarcar-se das ques-tões da alimentação. Ou seja, por um lado o doente isola-se socialmente na esperan-ça de não ser forçado a comer.20 Por ou-tro lado, alguns familiares entendem que o melhor é deixar “que a natureza siga o seu rumo”, pelo que esta atitude significa que aceitam que o melhor é que este não coma ou que coma apenas aquilo que to-lera. Compreendem assim que a redução da ingestão alimentar é algo natural de acontecer. Mantêm contudo a mesma ati-tude de preocupação e cuidado, questio-nando o seu ente querido quanto ao facto de sentirem fome ou sede sem no entanto forçar caso a resposta seja negativa.21 Sen-do assim, para alguns familiares, uma vez que a redução da ingestão alimentar era

algo que não conseguiam controlar, opta-ram por desenvolver estratégias de cuida-dos para outras áreas que não a alimenta-ção.21 (Quadro 2).

Significado da Recusa AlimentarPara o doente a recusa alimentar significa algo natural. Para a família vê a alimen-tação como um veículo de ajuda na sua recuperação, pelo que a recusa não é de todo aceite. Para alguns, a alimenta-ção passa assim a significar uma fonte de apreensão e preocupação.2, 8 Para além disso, sentem culpa por não conseguirem respeitar o desejo do doente em não co-mer, continuando a oferecer alimentos, pois se fizessem o contrário isso poderia ser interpretado como um acto de negligên-cia de sua parte.13,15,17 Em outras situações, quando as refeições são recusadas, a fa-mília vê a alimentação como um acto de apoio, de amor e de cuidado que foi recu-sado.20 Posteriormente, a recusa alimentar é vista pela família como revolta, desânimo, depressão e, sobretudo, como o desejo de antecipar a morte.3

Por outro lado, para alguns familiares a recusa alimentar representa uma forma de chamar a atenção para que mais cuidados e afetos sejam prestados.2,8,13,20 No entanto, em alguns casos, nas últimas semanas ou dias de vida, a visão que a família possuía em relação à recusa alimentar altera-se, passando a ser percepcionada como uma consequência da doença, aceitando que o a pessoa doente já não necessita desses alimentos2 ou que o seu ente querido de-seja antecipar a sua morte e que essa de-cisão deverá ser respeitada3,23,24 ainda que envolva um enorme sofrimento (Quadro 2).

Significado da Nutrição e Hidratação Arti-ficiaisA mudança da via de alimentação, quer seja para a via entérica ou parentérica, representa uma das alterações mais pro-fundas nos hábitos alimentares do doen-

Page 20: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

21cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

te, afectando também a sua família.6 Para alguns doentes, a nutrição artificial pode-rá significar uma sensação de alívio e se-gurança por verem as suas necessidades nutricionais momentâneas atingidas. Para outros, poderá ser sinónimo de alterações na sua autoimagem, na perceção que a família tinha deles próprios e na sua auto-nomia.5,6

Tanto para o doente como para a fa-mília estar a receber alimentação mesmo por uma via que não a oral significava que havia uma melhoria não só na sua quali-dade de vida como também no nível de energia e da força necessária para reali-zar pequenas tarefas do dia-a-dia.16,17,22,25 Contudo, para alguns membros da família a nutrição artificial poderá ser fonte de dúvidas pois não acreditam que seja uma forma eficaz de alimentar,22 por este tipo de alimentação não ser considerado na-tural. Em outros casos, a nutrição artificial constitui o único meio que liga o doente à vida, pelo que deve ser mantida a todo o custo. Sendo assim, situações em que o doente opte pela cessação voluntária da alimentação e da hidratação ou que a nutrição e a hidratação artificiais sejam suspensa ou não iniciadas, são fonte de preocupação e tristeza (Quadro 2).

Significado das Alterações Físicas Para alguns doentes, as alterações da sua autoimagem (por exemplo: no peso, na pele, no cabelo, entre outros) são associa-das à diminuição da ingestão alimentar e à perda de apetite, sendo que a perda de peso foi considerada a alteração que os fez compreender e aceitar que esta-vam seriamente doentes e que não have-ria possibilidade de cura.9,13,16

Para a família, o facto de presenciarem as alterações físicas evidentes, levam-na a concluir que estas são consequência da alimentação (ou a falta desta).13 Alguns familiares referem que não estavam ple-namente conscientes da extensão que

a doença iria atingir e muito menos que o doente passaria por tantas alterações. Sendo assim, à medida que a doença progride, a família via todas estas altera-ções como algo ameaçador, sendo que, muitos familiares referiam que sentiam medo que o seu ente querido morresse à fome16 (Quadro 2).

ConclusãoPara instituir a intervenção nutricional mais adequada em CP é primeiramente necessário que o Nutricionista aceite a fi-losofia e os princípios dos CP reconheça o significado fisiológico, social, psicológico, religioso/ espiritual da alimentação. Para além disso, é necessário que compreen-da o significado que outras situações re-lacionadas com a alimentação possuem (diminuição da ingestão alimentar, recusa alimentar, nutrição e hidratação artificiais, alterações da autoimagem). É importante salientar que o Nutricionista deverá reco-nhecer o significado da mesma para o doente e família, bem como, a sua impor-tância na envolvência familiar e progres-são da doença. Dada a conjuntura atual será importante contextualizar o meio onde o doente está inserido e a possibili-dade de aquisição de nutrientes/ alimen-tos para uma alimentação adequada que se encontre dentro das preferências do doente. Sendo assim, o suporte nutri-cional e alimentar prestado deverá ser ajustado às expectativas e necessidades do doente e sua família tendo em conta o significado que a alimentação vai ga-nhando e simultaneamente perdendo na vida de ambos.

Da literatura consultada parece existir carência de estudos que descrevam o significado religioso/ espiritual atribuído à alimentação, sendo que o mesmo acon-tece na temática da mudança da via de alimentação que também adquire o seu significado próprio. Parece ainda existir carência de artigos de investigação que

Page 21: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

22 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

foquem o significado da alimentação em CP atribuído pelos Nutricionistas, para que assim estes possam centrar mais a sua in-tervenção no doente e sua família, pro-porcionando-lhes cuidados nutricionais holísticos.

A área dos CP é cada vez mais de pri-mordial importância para o Nutricionista, uma vez que o número de pessoas com doença crónica, progressiva e incurável tem vindo a aumentar ao longo dos anos, pelo que o seu investimento na forma-ção e na investigação na área dos CP é de suma importância. Conclui-se que na área do significado da alimentação em CP há ainda muita investigação a ser rea-lizada, no sentido de colmatar as lacunas anteriormente referidas e a auxiliar o Nu-tricionista a personalizar ainda mais a sua intervenção. l

Bibliografia1. Aceman S. Nutrition in palliative care. British Journal of Community Nursing 2009;14(10): 427-4312. Resende ASP. Alimentar no final da vida Transição do familiar cuidador para a recusa alimentar (Dissertação). Universidade Aberta. 2009.pp. 1-170. Disponível: Universidade Aberta3. Pinho-Reis C. Suporte Nutricional em Cuidados Paliativos. Revista Nutrícias 2012; 15: 27-304. da Silva DA, Santos EA, Oliveira JR. Atuação do Nutri¬cionista na melhora da qualidade de vida de idosos com câncer em cuidados paliativos. Mundo da Saúde, São Paulo 2009;33(3):358-3645. Reis CVP. Suporte Nutricional na Esclerose Lateral Amiotrófica (Monografia). Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. 2011.pp.1-27. Disponível: Universidade Católica Portuguesa6. Reis C, Pinto I. Intervenção Nutricional na Esclerose Lateral Amiotrófica - Considerações Gerais. Revista Nutrícias 2012;14:31-347. Holmes S. Importance of nutrition in palliative care of patients with chronic disease. Nursing Standard 2010;25:48-568. Jacobsson A, Pihl E, Mårtensson J, Fridlund B. Emotions, the meaning of food and heart failure: a grounded theory study. Journal of Advanced Nursing 2004;46(5):514-5229. Benarroz MO, Faillace GBD, Barbosa LA. Bioética e nutri¬ção em cuidados paliativos oncológicos em adultos. Cader¬nos de Saúde Pública, Rio de Janeiro 2009;25(9):1875-188210. Easson AM, Hinshaw DB, Johnson DL. The Role of Tube Feeding and Total Parenteral Nutrition in Advanced Illness. The American College of Surgeons 2002;194:225-22811. Ersek M. Artificial Nutrition and Hydration Clinical Issues. Journal of Hospice and Palliative Nursing 2003:5:221-22512. Holmes S. Principles of nutrition in the palliation of long-term conditions. International Journal of Palliative Nursing 2011;17(5):217-22213. McQuestion M, Fitch M, Howell D.The changed meaning of food: Physical, social and emotional loss for patients having received radiation treatment for head and neck cancer. European Journal of Oncology Nursing 2011;15:145-15114. Hopkins K. Food for life, love and hope: an exemplar of the philosophy of palliative care in action. Proceedings of the Nutrition Society 2004;63:427-42915. Muir CI, Linklater GT. A qualitative analysis of the nutritional requirements of palliative care patients. Journal of Human Nutrition and Dietetics 2011;24:470-47816. Orrevall Y, Tishelman C, Herrington MK. The path from oral nutrition to home parenteral nutrition: a qualitative interview study of the experiences of advanced cancer patients and their families. Clinical Nutrition 2004;23:1280-128717. Penner JL, McClement S, Lobchuk M, Daeninck P. Family Members’ Ex-periences Caring for Patients With Advanced Head and Neck Cancer Receiving Tube Feeding: A Descriptive Phenomenological Study. Journal of Pain and Symptom Management 2012;44(4):563-57118. Pinho-Reis C, Coelho P, Souza C, Pinho C. Significado da alimentação em cuidados paliativos - A perspetiva do doente. Revista APNEP 2013;III:100-10019. Pinho-Reis C, Coelho P. Alimentar ou não alimentar em fim de vida? - Visão através das religiões. Revista APNEP 2013;III:100-10020. Reid J, McKenna H, Fitzsimons D, McCance T. Fighting Over Food: Patient and Family Understanding of Cancer Cachexia. Oncology Nursing Forum 2009;

36(4):439-44521. McClement S, Harlos M. When advanced cancer patients won’t eat: family responses. International Journal of Palliative Nursing 2008;14(4):182-18822. Orrevall Y, Tishelman C, Permert J. Home parenteral nutrition: A qualitative interview study of the experiences of advanced cancer patients and their families. Clinical Nutrition 2005;24:961-97023. Hopkinson J, Corner J. Helping Patients with Advanced Cancer Live with Concerns About Eating: A Challenge for Palliative Care Professionals. Journal of Pain and Symptom Management 2006;31(4):293-30524. McClement SE, Degner LF, Harlos MS. Family Beliefs Regarding the Nutri-tional Care of terminally Ill Relative: A Qualitative Study. Journal of Palliative Medicine 2003;6(5):737-74825. Winkler MF, Wetle T, Smith C, Hagan E, O’Sullivan Maillet J, Touger-Decker R. The Meaning of Food and eating among Home Parenteral Nutrition - Dependent Adults with Intestinal Failure: A Qualitative Inquiry. Journal of the American Dietetic Association 2010;110:1676-1683

Page 22: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

23cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

Palavras-chavePsicologia, Cuidados Paliativos, Sofrimento.

Key wordsPsychology, Palliative Care, Suffering.

Palabras-llavePsicología, Cuidados Paliativos, Sufrimiento.

ResumoA intervenção psicológica em cuidados paliativos, na sua contribuição específica, não está ainda claramente definida ou suficientemente compreendida. É frequente existi-rem conflitos ou sobreposição entre psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e voluntários, quanto à prestação de suporte psicológico. Acreditamos que um dos fatores que mantém e potencia esta situação prende-se, de facto, com a ausência de conhecimento por parte de outros profissionais do trabalho concreto realizado pelo psicólogo. Um desafio fundamental é, então, delinear competências centrais exclu-sivas, acordando numa definição clara que distinga de forma objetiva, o papel dos psicólogos de outros profissionais, sendo tal (re)formulação de papéis compreendida por toda a equipa.Neste artigo, pretendemos efetuar uma reflexão que contribua para uma compreen-são mais clara e abrangente do papel do psicólogo em Cuidados Paliativos.Abordaremos a pertinência da psicologia na compreensão do sofrimento em fim de vida, as competências centrais exclusivas do psicólogo, a intervenção psicológica e psicoterapêutica nas suas abordagens ecléticas e meta-teóricas, especificando os quatro níveis de intervenção que se encontram dirigidos para: a) intervenção psico-lógica com pessoas com doença avançada progressiva; b) intervenção psicológica com familiares durante a experiência de prestação de cuidados; c) intervenção psi-cológica com familiares em processo de luto e d) intervenção psicológica com outros profissionais da equipa.

Abstract The specificity of psychological intervention in palliative care is not yet sufficiently un-derstood or clearly defined. Often, there are conflicts or overlapping situations occurring between psychologists, physicians, nurses, social workers and volunteers in the provision of psychological support. We believe that one of the factors that maintains and enhan-ces this situation, is based on the lack of knowledge that other professionals have about the specific work done by the psychologist. A central challenge, is therefore, to delinea-

O Psicólogo em Cuidados Paliativos:Uma reflexão possívelEduardo CarquejaPsicólogo Clínico; Assistente principal da carreira dos Técnicos Superiores de Saúde; Doutorando em Bioética na Universidade Católica Portuguesa. Serviço de Cuidados Paliativos - Centro Hospitalar de S. João, EPE. Ga-binete de Investigação em Bioética - Instituto de Bioética. Universidade Católica Portuguesa

Celso CostaPsicólogo Clínico, Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Portuguesa. Oporto International School (Colégio Luso-Internacional do Porto). Docente de Psicologia

Page 23: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

24 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

te unique core competencies, agreeing on a clear definition to distinguish objectively, the role of psychologists from other professionals, being such (re)formulation of roles ack-nowledged by the whole team.Through this article, we primarily aim to promote a reflection that contributes to a broa-der and clearer comprehension of the role played by psychologists in palliative care. We will discuss the relevance of psychology to the understanding of suffering near the end of life, the unique core competencies of psychologists, the psychological and psy-chotherapeutical interventions in an ecletic and meta-theoretical approach, specifying the four levels of intervention that are directed toward: a) psychological intervention with people with an advanced progressive disease, b) psychological intervention with family members during their caregiving experience, c) psychological intervention with bereaved family members and d) psychological intervention with other professionals in the team.

ResumenLa intervención psicológica en los cuidados paliativos en su aportación específica, aún no está claramente definida o suficientemente comprendida. A menudo hay conflictos o solapamientos entre psicólogos, médicos, enfermeras, trabajadores sociales y volun-tarios, para la prestación de apoyo psicológico. Creemos que uno de los factores que mantiene y potencia esta situación se deriva, de hecho, con la falta de conocimiento de otros profesionales en el trabajo concreto realizado por el psicólogo. Un desafío cla-ve es entonces delinear las competencias básicas únicas, ponerse de acuerdo sobre una definición clara de distinguir objetivamente el papel de los psicólogos de otros profesionales, como la (re)formulación de los roles entendidos por todo el equipo.En este artículo se pretende hacer una reflexión que contribuya a una comprensión más clara y completa de la función de los psicólogos en los cuidados paliativos.Abordaremos la importancia de la psicología en la comprensión del sufrimiento en el final de la vida, las competencias básicas y únicas de los psicólogos, la intervención psicológica y psicoterapéutica en sus planteamientos eclécticos y meta- teóricas, es-pecificando los cuatro niveles de intervención que se dirigen hacia: a) la intervención psicológica en personas con enfermedad avanzada y progresiva, b) intervención psi-cológica con las familias durante la experiencia del cuidado, c) intervención psicoló-gica con familias en el proceso de duelo y d) intervención psicológica con otros profe-sionales del equipo.

Introdução A problemática associada à especificida-de e ao papel dos psicólogos que traba-lham em cuidados paliativos tem vindo a merecer especial atenção de vários dos seus intervenientes. Em Portugal, esta problemática começa a emergir com maior visibilidade, tendo em conta o nú-mero crescente de equipas e serviços de cuidados paliativos. Junger, Eggenberger, Greenwood e Payne¹ e Junger e Payne² afirmam que, “apesar de já existirem um número considerável de psicólogos a tra-

balhar em Cuidados Paliativos, em muitos países, a sua contribuição específica não está ainda claramente definida ou sufi-cientemente compreendida”. Segundo Junger e Payne², na realidade Europeia é frequente existirem conflitos ou sobreposi-ção entre psicólogos, médicos, enfermei-ros, assistentes sociais e voluntários, quanto à prestação de suporte psicológico. Acre-ditamos que um dos fatores que mantém e potencia esta situação prende-se, de facto, com a ausência de conhecimento por parte de outros profissionais do traba-

Page 24: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

25cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

lho concreto realizado pelo psicólogo. Um desafio fundamental é, então, “delinear competências centrais exclusivas”,² acor-dando numa definição clara que distinga de forma objetiva, o papel dos psicólogos de outros profissionais, sendo tal (re)formu-lação de papéis compreendida por toda a equipa.²¯³. Procuraremos neste artigo, contribuir para uma compreensão mais clara e abrangente do papel do psicólo-go em Cuidados Paliativos.

1. Pertinência da Psicologia na Compreen-são do Sofrimento em Fim de VidaVila-Chã4 refere que, “(...) aquilo que cada ser humano é em sua mesma unicidade não é pensável, na esfera da finitude, sem a experiência do sofrer”. O sofrimento é, de facto, parte integrante da vida, estan-do naturalmente presente no fim de vida. Kuhl5 explica que, quando alguém recebe a notícia de que tem uma doença incurá-vel, a perceção do seu tempo narrativo al-tera-se, podendo a compreensão da sua finitude resultar num estado de intenso so-frimento. Arranz, Barbero, Barreto e Bayés,6 referem que um indivíduo se encontra em sofrimento quando, “acontece algo que perceciona como uma ameaça impor-tante para a sua existência (...); ao mes-mo tempo, sente que carece de recursos para lidar com a situação”. O sofrimento de uma situação irreparável, irremediável, irreversível, poderá provocar num indiví-duo com doença avançada progressiva uma rutura do seu sentido de coerência. Summerfield7 lembra-nos, no entanto, que o sofrimento não é patológico, mas sim um fenómeno humano natural, modulado por um contexto cultural, o que se coadu-na com a perspetiva construtivista em que o sofrimento é representado como uma necessidade de encontrar significado.8 Bayés9 salienta o caráter subjetivo do sofri-mento referindo que, aqueles que sofrem, tendem a percecionar uma descontinui-dade e interrupção, muitas vezes brutal e

irreversível, do seu percurso de vida, con-frontando-se com o fim da sua existência, não como uma ideia teórica ou algo que acontece apenas aos outros, mas como uma realidade estranha e única, que in-dependentemente da sua vontade, terá que ser enfrentada. Quando um indivíduo se confronta com o fim da sua vida, mui-tas vezes resulta deste encontro, uma cri-se existencial, à medida que o indivíduo se apropria do facto inevitável de que irá morrer.10 Os processos através dos quais um indivíduo constrói um sentido pessoal da vida e da morte dependerão de as-petos emocionais, cognitivos, sociais e ex-perienciais.10 Neste sentido, os psicólogos encontram-se particularmente prepa-rados para compreender a experiência idiossincrática de morrer e portanto para intervir junto dos indivíduos com doença avançada progressiva e seus familiares.10 De acordo com os mesmos autores, um conceito central associado à necessida-de de Cuidados Paliativos especialistas é a noção de “sofrimento total”. Sabemos hoje que o sofrimento se constitui através de componentes de natureza física, emo-cional, espiritual e cognitiva.10 Contudo, o sofrimento não se resume à soma destes componentes. Cada indivíduo experien-cia o sofrimento de forma diferente, po-dendo mesmo experimentar diferentes tipos de sofrimento num mesmo momen-to. Assim, os psicólogos, a partir da sua formação direcionada para a regulação emocional e controlo do sofrimento, e da sua formação mais abrangente no desen-volvimento humano ao longo do ciclo de vida, constituem-se como os profissionais mais competentes e melhor colocados para intervir no sentido da construção de significado de situações complexas (e.g. sofrimento concomitantemente a vários níveis) e para ajudar outros profissionais a reconhecerem e identificarem estas ques-tões.10 Os mesmos autores descrevem ain-da a pertinência do psicólogo na inter-

Page 25: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

26 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

venção sobre o “sofrimento biográfico”, o qual surge sobretudo no fim da vida, no momento em que um indivíduo reconhe-ce que determinados aspetos da sua vida não podem mais ser alterados. Também aqui, o psicólogo tem um papel prepon-derante, sobretudo através de interven-ções de natureza existencial.10

De acordo com Kon e Ablin,¹¹ o trata-mento paliativo consiste no tratamento do sofrimento, sendo para isso necessário reconhecê-lo nas suas diversas formas. Es-tes autores organizam o sofrimento em 5 dimensões: físico, psicológico, social, espi-ritual e existencial. Reconhece-se portan-to, a necessidade de uma intervenção multidisciplinar na qual estejam incluídos médicos, enfermeiros, psicólogos, assis-tentes sociais, entre outros.¹² Contudo, é através da dimensão psicológica que um indivíduo organiza toda a sua experiência e perceção da realidade: desde aspetos físicos ou biológicos como a dor ou difi-culdades respiratórias; aspetos de nature-za especificamente psicológica como a ansiedade, o desespero ou a depressão; aspetos sociais como as dinâmicas de in-teração com os outros; aspetos espirituais como a forma de relacionamento com a religião ou o posicionamento face à própria existência; e aspetos existenciais como a construção de significado do per-curso de vida.¹³ Como refere Carqueja.14

é na dimensão psicológica onde todo o sofrimento vem “desaguar”. Seja qual for a origem do sofrimento é nesta dimensão que ele emerge. É na vivência psicológi-ca que são sentidos e percecionados os sentimentos de perda ou ameaça, que põem em questão o equilíbrio e a unida-de do Self. Payne e Haines15 reforçam este argumento lembrando que, a adaptação de um indivíduo a uma doença avança-da progressiva consiste num conjunto de “processos psicológicos que ocorrem ao longo do tempo à medida que os indi-víduos procuram lidar com, aprender e

adaptarem-se a uma multiplicidade de mudanças associadas ao percurso da doença num conjunto de contextos so-ciais”. Concluímos portanto, que a inter-venção psicológica e psicoterapêutica é particularmente pertinente no contexto dos Cuidados Paliativos e na promoção de bem-estar e/ou diminuição do sofri-mento, repercutindo-se inequivocamente numa melhor qualidade de vida das pes-soas com doença e dos seus familiares.

Beloff et al.10 refere ainda que, é ampla-mente reconhecido que o psicólogo se constitui como um elemento imprescindí-vel numa equipa de Cuidados Paliativos, em que o seu papel e a pertinência das suas intervenções são, não só de inques-tionável relevância e eficácia demons-trada por investigação cientificamente e empiricamente validada, como são tam-bém económicas.16-17

2. Competências Centrais Exclusivas do PsicólogoDe acordo com a British Psychological Society,10, o Oxford Handbook of Palliative Care18 e a European Association for Pallia-tive Care Task Force² as principais áreas de atuação do psicólogo em Cuidados Paliativos consistem na:- Avaliação;- Formulação e Conceptualização de

Problemas;- Intervenção;- Implementação de Projetos;- Treino e Formação a outros profissionais;- Supervisão a outros profissionais;- Investigação;- Comunicação.

Por uma questão metodológica, neste artigo, apenas daremos relevo à interven-ção psicológica, em virtude de entender-mos ser uma área de maior proximidade não só dos doentes e seus familiares, mas também de outros profissionais. Contudo, qualquer outra das áreas de atuação é de relevante importância e, como tal,

Page 26: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

27cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

merecedora de uma elevada atenção e especial desenvolvimento que tornaria excessivamente longo o presente artigo.

2.1. Intervenção Psicológica e Psicoterapêu-tica: Abordagens Ecléticas/Meta-teóricasA intervenção em Cuidados Paliativos, seja com pessoas em fim de vida e os seus familiares prestadores de cuidados, seja com familiares em processo de luto, obri-ga o psicólogo a obter conhecimentos e formação em diversas áreas e modelos de intervenção, culminando num tipo de intervenção avançada, meta-teórica, ou aquilo a que Castonguay, Reid, Halperin e Goldfried19 denominaram de abordagens ecléticas, que possibilita diferentes tipos de resposta perante diferentes tipos de problemas e/ou necessidades. Os mode-los teóricos com eficácia cientificamente e empiricamente comprovada na inter-venção psicoterapêutica com pessoas com doença física, doenças ameaçado-ras de vida, processo de luto, e doença mental no contexto dos Cuidados Paliati-vos, são os seguintes:20-2

- Psicoterapia Cognitivo-Comportamental;- Psicoterapia Construtivista;- Psicoterapia Humanista-Experiencial;- Psicoterapia Narrativa;- Psicoterapia Existencialista;- Modelos Sistémicos de Psicoterapia Fa-

miliar;- Psicoterapia Interpessoal Psicodinâmica;- Abordagens de Consciencialização ba-

seadas na Terapia Cognitivo-Comporta-mental.

2.1.1. Intervenção Psicológica com Pessoas com Doença Avançada ProgressivaO objetivo central do psicólogo nas pes-soas com doença avançada progressiva consiste, em consonância com a filosofia dos Cuidados Paliativos, em intervir sobre o sofrimento, nas suas várias dimensões.¹¹ Arranz et al.6 propõem um modelo orien-tador da intervenção psicológica com pessoas com doença avançada progres-

siva, no qual para diminuir o sofrimento da pessoa doente e promover o seu bem-es-tar é necessário: a) identificar situações que são percebidas, do ponto de vista da pessoa doente, como ameaças impor-tantes, estabelecendo dimensões priori-tárias de intervenção; b) controlar, com-pensar ou eliminar essas situações (e.g. sintomas aversivos, alterações psicológi-cas); c) potenciar os recursos da pessoa doente visando diminuir a sua sensação de impotência e incrementando a sua perceção de controlo sobre a situação; d) intervir sobre reações desadaptati-vas (e.g. perturbação depressiva major); e) atuar preventivamente, antecipando consequências, reformulando expectati-vas, promovendo estratégias de coping para complicações futuras. Este modelo constitui-se como uma ferramenta or-ganizadora interessante da intervenção psicológica com pessoas com doença avançada progressiva, contudo não ilus-tra exaustivamente o potencial da inter-venção do psicólogo.

Arranz et al.6 sublinham que, “nunca se deverá duvidar que cada situação clíni-ca é diferente e irrepetível, e que cada ser humano possui dados biográficos e gené-ticos inseridos na própria cultura, consti-tuindo-se como uma entidade única não só na sua realidade presente como nos trajetos do seu passado e nas suas expec-tativas para o futuro”. Torna-se, portanto, necessário reconhecer a individualidade e realidade única da pessoa em sofrimen-to, adaptando as intervenções para que vão de encontro às necessidades identifi-cadas em cada pessoa.

Uma das principais áreas de interven-ção do psicólogo consiste na promoção de um processo de resiliência na pessoa com doença avançada progressiva18 fa-cilitando a sua adaptação à doença, e às circunstâncias associadas, favorecen-do o seu ajustamento psicoemocional.6 Perante pessoas em fim de vida, é impor-

Page 27: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

28 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

tante visando a diminuição do seu sofri-mento, intervir no sentido de favorecer um ajustamento à irreversibilidade da doen-ça, antecipando possíveis consequências da progressão inevitável da doença (e.g. paralisia devido a metástases na coluna), promovendo a adaptação à morte como realidade e facilitando a reorganização de objetivos de vida.²¹

Uma dimensão crucial no ajustamento psicoemocional à doença é a comuni-cação de “más notícias”,²² que do ponto de vista da intervenção do psicólogo po-derá ser mais adequado formular como promoção da adaptação à realidade da situação clínica. É fundamental ajudar a pessoa com doença avançada progres-siva a adaptar-se a uma nova realidade para que planifique a sua vida em função de objetivos realistas.6 A adaptação a uma situação clínica com um prognóstico desfavorável deverá ser abordada com a pessoa de forma gradual, facilitando pro-gressivamente a sua adaptação.18 O psi-cólogo, através de competências especí-ficas e únicas numa equipa de Cuidados Paliativos, é importante na medida em que explora intencionalmente o conheci-mento que a pessoa tem da sua doença, em que medida se encontra disponível para receber nova informação, transmitin-do informação de forma compreensível utilizando os códigos usados pela pessoa, ajudando-a a identificar e explorar signi-ficados, sentimentos, preocupações, me-dos, promovendo recursos que permitam à pessoa processar a informação e as emoções decorrentes da sua situação de doença, diminuindo a sua vulnerabilidade e reencontrando um sentido e propósito para a sua vida.²³

Outro aspeto particularmente importan-te na potenciação de um ajustamento psicoemocional à doença é a promoção de esperança.²¹ Snyder24 conceptualiza a esperança como um constructo multi-determinado que envolve a avaliação

cognitiva complexa e dinâmica dos ob-jetivos desejados, a distância relativa-mente à concretização desses objetivos, a capacidade para iniciar e desenvolver comportamentos no sentido da realiza-ção dos objetivos pretendidos e a moti-vação para atingir esses resultados. Todos os profissionais de saúde de uma equipa de Cuidados Paliativos deverão ser capa-zes de promover esperança junto de pes-soas com doença avançada progressiva. Gum e Snyder²¹ explicam no entanto, que a esperança poderá ser promovida por psicólogos, através da realização do luto de objetivos irrealistas (e.g. sobrevivência), desenvolvimento de objetivos alternativos realistas, potenciação de estratégias de coping aumentando a perceção de con-trolo sobre a situação e aprendizagem de novas competências.

De acordo com Arranz et al.,6 é comum, ao longo do processo de uma doença avançada progressiva, o aparecimento de vários sintomas que, sendo uma ma-nifestação de sofrimento, podem agra-vá-lo, vulnerabilizando ainda mais, o indi-víduo doente. Arranz et al.6 listam como os sintomas mais comuns: a ansiedade, a tristeza ou depressão, a hostilidade, o medo, a culpa, a negação e o isolamen-to. Também aqui, o psicólogo tem um pa-pel importante, podendo atuar através de intervenções psicológicas específicas direcionadas para um particular sintoma, recorrendo por exemplo a estratégias cognitivas para corrigir, reformular ou rees-truturar crenças erróneas ou mal adapta-tivas, promover a identificação de recur-sos psicológicos, potenciar estratégias de coping e mobilizar recursos internos no indivíduo para mudar a sua perceção da situação.24-28 Estratégias de intervenção, como a reestruturação cognitiva¹³, são eficazes na medida em que atuam em pessoas com doença e seus familiares, no sentido de modificarem a avaliação que fazem da sua situação atual, diminuindo

Page 28: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

29cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

a intensidade do seu sofrimento e poten-ciando um sentido de maior confiança e dignidade.26 Por exemplo, o simbolismo negativo catastrofizante que uma pes-soa com doença avançada progressiva pode atribuir à diminuição da sua mobi-lidade, tendo que se deslocar numa ca-deira de rodas, focando-se na sua perda de autonomia, poderá ser explorada e modificada pelo psicólogo, através de in-tervenções como a reestruturação cogni-tiva, que levam a pessoa a construir uma nova representação simbólica da situa-ção, percecionando a situação de forma menos ameaçadora, à medida que o pró-prio indivíduo encontra novos significados, tal como compreender que deslocar-se numa cadeira de rodas lhe permitirá con-tinuar a participar de forma ativa na vida familiar, por exemplo.¹³

Uma dimensão de primordial relevância, indissociável do processo de adaptação psicoemocional à doença e da presen-ça de sintomatologia, é a construção de sentido da vida. O psicólogo, assume en-tão, um papel fulcral na intervenção so-bre o sentido de vida da pessoa doente e sobre a sua construção de significado da experiência de doença que agora enfren-ta. As intervenções Humanista-Existenciais assumem aqui maior protagonismo, sobre-tudo intervenções existencialistas como a Logoterapia.29 Frankl29 explica a Logotera-pia como “o tratamento da atitude do pa-ciente em relação ao seu destino inalterá-vel”. Schulenberg, Nassif, Hutzell e Rogina30 explicam que logos corresponde a sentido, significado ou propósito, sendo então o seu objetivo ajudar a pessoa em sofrimento a encontrar sentido para a sua vida.³¹ De acordo com Frankl,29 o papel do psicólogo consiste em “demonstrar que a vida nunca deixa de ter significado (...) ele não pode mostrar ao paciente qual é o significado, mas pode mostrar-lhe que existe um signi-ficado, e que a vida o tem: que permane-ce com significado, sejam quais forem as

circunstâncias”. A Logoterapia consiste en-tão, num encontro pessoal, que se processa através de um diálogo terapêutico que é conduzido intencionalmente para a procura de sentido de vida.³² Intervenções que en-volvem técnicas de exploração ou revisão da vida, assim como a Terapia da Dignida-de, constituem-se como intervenções pro-motoras de construção de um sentido para a vida³³, na medida em que facilitam uma reavaliação construtiva de acontecimentos de vida importantes e significativos, através dos quais a pessoa encontra novo sentido no seu percurso de vida.26 As intervenções direcionadas para o insight, podem ajudar a pessoa com doença a reconhecer que continuam a existir, apesar da sua situação, tarefas e momentos importantes e significa-tivos para serem vividos, alegrias e emoções positivas para serem sentidas, coisas para di-zer ou para completar, relações para serem apreciadas e valorizadas, e conflitos para serem resolvidos.¹³

O psicólogo poderá igualmente intervir no sentido de promover uma comunica-ção mais ajustada entre a pessoa doente e os seus familiares, evitando ou descons-truindo a conspiração do silêncio6 e faci-litando a partilha de sentimentos,18 algo que exploraremos com maior pormenor no próximo capítulo.

Ainda, a intervenção psicológica re-velou-se eficaz no controlo sintomático, como no controlo da dor,34 mas também noutras condições clínicas como dificulda-des respiratórias e náuseas,35 recorrendo a intervenções sobretudo Cognitivo-Com-portamentais.34 Estratégias, como a re-conceptualização, permitem que os pro-blemas apresentados pela pessoa com doença sejam traduzidos em dificuldades específicas, que podem ser claramente identificadas, potenciando assim a perce-ção das dificuldades como circunscritas e tratáveis, em oposição a uma perceção vaga e esmagadora da experiência de sofrimento.35 A reestruturação cognitiva é

Page 29: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

30 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

aqui também eficaz, na medida em que incentiva a pessoa a identificar os pensa-mentos e emoções subjacentes às sen-sações desagradáveis provocadas pelos sintomas, facilitando a compreensão da forma como estes influenciam a sua perce-ção da intensidade do sintoma, permitin-do assim a reflexão sobre e consequente modificação de pensamentos e emoções, resultando na diminuição do sofrimento da pessoa doente35 e numa maior perceção de competência para lidar com a situa-ção. Outras estratégias têm-se revelado eficazes no controlo de sintomas desagra-dáveis, como a respiração diafragmática, imaginação guiada, técnicas de distração, técnicas de relaxamento, entre outras.35

2.1.2. Intervenção Psicológica com Fami-liares durante a Experiência de Prestação de CuidadosO papel do familiar prestador de cuidados no contexto dos Cuidados Paliativos, está associado a exigências físicas e emocionais extremamente elevadas,36 assumindo um papel social multidimensional, que se altera ao longo do percurso da doença do fami-liar, em que as exigências e necessidades variam da mesma forma que os recursos.37 Arranz et al.6 listam como situações mere-cedoras de atenção clínica por parte do psicólogo: esgotamento físico e mental, labilidade emocional, sintomatologia e/ou perturbações depressivas, sintomatologia e/ou perturbações de ansiedade, abuso de substâncias, perturbações do sono, al-terações do apetite, perturbações de so-matização e sintomas de hipocondria. As áreas de intervenção do psicólogo com esta população são quase ilimitadas, de-pendendo naturalmente das necessida-des de cada pessoa em particular.38 Par-tindo das necessidades identificadas nos familiares, o papel do psicólogo consistirá em facilitar um processo de adaptação à realidade da situação clínica do familiar, potenciando os seus recursos e diminuin-do a sua vulnerabilidade.6

O psicólogo poderá ter um contribu-to singular na promoção de um sentido de autoeficácia sobre a experiência de prestação de cuidados, potenciando a esperança, promovendo competências de resolução de problemas, antecipando consequências da doença, reformulando expectativas quanto ao papel de cuida-dor,¹³ preparando os momentos finais de vida facilitando a conclusão de assuntos por resolver, entre outras dimensões.6

Uma outra importante dimensão de in-tervenção é na facilitação da construção de sentido na experiência de prestação de cuidados.38 As intervenções Humanista--Existenciais assumem particular predomi-nância nesta dimensão. Payne e Ellis-Hill38 sublinham a importância de intervir aju-dando os familiares a identificarem e reco-nhecerem aspetos positivos na sua expe-riência de prestação de cuidados como um importante recurso de coping.

De suma importância constitui-se a in-tervenção do psicólogo sobre formas de comunicação desajustadas quer entre os familiares, quer entre os familiares e a pessoa doente. A conspiração do silên-cio, definida por Arranz et al.6 como “um acordo implícito ou explícito para alterar a informação ao paciente por parte de familiares, amigos e/ou profissionais de saúde com o fim de se ocultar o diag-nóstico e/ou prognóstico e/ou gravidade da situação”, representa uma forma de comunicação desajustada encontrada com frequência no contexto dos Cuida-dos Paliativos. Intervenções baseadas nos Modelos Cognitivo-Comportamentais e Sistémicos são particularmente eficazes neste tipo de situações.

2.1.3. Intervenção Psicológica com Familia-res em Processo de LutoO luto é um processo complexo, multidi-mensional, que envolve o domínio físico, psicológico, social39 e espiritual. Stroebe40

descreve o luto como um processo cog-

Page 30: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

31cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

nitivo e emocional que envolve a con-frontação com e a reestruturação de, pensamentos sobre a pessoa perdida, a experiência da perda, e o mundo altera-do no qual o indivíduo em luto tem agora que viver.

De acordo com Worden41, o psicólogo tem um papel essencial no processo de luto intervindo no sentido de promover: 1) a aceitação de realidade da perda, 2) o processamento das emoções e sofrimen-to da perda, 3) a adaptação a um novo mundo sem a pessoa perdida, 4) cons-truindo com a mesma uma ligação dura-doura prosseguindo com a sua nova vida.

O psicólogo assume-se essencial na fa-cilitação de um processo de reconstru-ção de significado da perda ajudando a pessoa em processo de luto a: 1) construir um sentido na experiência de perda; 2) encontrar benefícios na experiência de perda; e 3) modificar a sua identidade, favorecendo o crescimento pós-traumá-tico da perda,42-43 integrando uma nova realidade8 na qual os valores e crenças sobre o mundo e a sua forma particular de o percecionar, fica permanentemente modificada.44

De acordo com Currier, Holland, e Nei-meyer,45 a intervenção psicológica no luto, direcionada para a reconstrução de significado após a perda de alguém significativo, deverá incluir os seguintes as-petos: facilitar a integração e favorecer a procura de significado; promover a reela-boração de uma nova narrativa e recor-rendo também para este efeito ao uso de estratégias narrativas; manter o foco na procura de benefícios decorrentes da perda, incentivando a expressão e pro-cessamento de emoções; explorar ques-tões existenciais e espirituais relevantes; dar informação pertinente e acessível ao nível da compreensão da pessoa sobre as características do processo de Luto; po-tenciar a aquisição de novas competên-cias e recursos de coping; facilitar a cons-

trução de um vínculo ou ligação contínua com a pessoa falecida. De acordo com os autores, toda a intervenção deverá ser sustentada na promoção de esperança e confiança, na concretização do poten-cial de transformação da pessoa em gan-hos reais, direcionando-a progressivamen-te para a vida futura.

2.1.4. Intervenção Psicológica com Outros Profissionais da EquipaBrennan46 refere que o trabalho com pes-soas com doenças ameaçadoras de vida, quase inevitavelmente tem um impacto nos profissionais de saúde, influenciando os seus comportamentos, as suas crenças, os seus medos e mesmo os seus relacio-namentos com pessoas significativas. A intensidade emocional decorrente do tipo de trabalho realizado em Cuidados Paliativos pode exercer uma importante influência nas dinâmicas de uma equipa, afectando as relações entre profissionais no trabalho.10 A perceção de stresse con-tinuada e prolongada no tempo poderá levar ao burnout do indivíduo.10 De acor-do com os autores, a síndrome de burnout pode ter repercussões importantes nos profissionais de saúde e respetivamen-te nas suas equipas, especialmente nos profissionais que trabalham em Cuidados Paliativos. Os autores explicam ainda que, a maior parte dos profissionais de saúde não obtiveram formação ou preparação adequada para o impacto emocional que a sua função acarreta. Neste sentido, os psicólogos, através da sua formação e competências específicas, encontram-se particularmente bem preparados para in-tervir sobre este tipo de problemas.10 Bren-nan46 salienta contudo, a necessidade de que este tipo de trabalho seja realizado por um membro externo à equipa com formação adequada que possa atuar como facilitador na resolução de proble-mas intrapessoais, interpessoais ou organi-zacionais. Payne e Haines15 acrescentam

Page 31: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

32 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

que, os psicólogos deveriam estar mais envolvidos na avaliação das dinâmicas de interação entre os profissionais de equi-pas multidisciplinares. Os autores explicam que os psicólogos têm competências para atuar junto da equipa no sentido de atenuar o stresse associado à perda con-tínua de pessoas acompanhadas pelas equipas de Cuidados Paliativos. Uma for-ma através da qual os psicólogos podem atuar a este nível é através da realização de sessões de debriefing direcionadas para a partilha livre de experiências, faci-litando o suporte emocional e reduzindo eventuais sentimentos de culpabilidade.

ConclusãoA estrutura de referência para intervir no contexto dos cuidados paliativos tem-se apoiado na tríade básica: comunica-ção eficaz, controlo sintomático e apoio à família, sendo que estes elementos são considerados como estrutura ideal para alcançar os objectivos desejados.6 Esta visão redutora da complexidade e indivi-dualidade das vivências de cada pessoa que se encontra em cuidados paliativos, demonstra, segundo Arranz et al.,6 a fra-gilidade conceptual deste modelo uni-versalmente estabelecido, que terá sido considerado empiricamente eficaz por médicos e enfermeiros, sendo contudo um reflexo de uma prática profissional im-buída no Modelo Biomédico. Esta tríade poderia, metaforicamente, comparar-se à imagem de um arquitecto – o médico – ao qual se pede que construa uma comple-xa e magistral catedral gótica – o bem-es-tar da pessoa alvo de cuidados – sem ter qualquer plano para o efeito, mas apenas com a simples indicação de que a tríade instrumental básica para construí-la será formada por água – comunicação eficaz –, cimento – controlo sintomático, – e areia – apoio emocional à família.6 Urge de-senvolver-se um novo paradigma, o qual contemple uma visão verdadeiramente

holística do ser humano em sofrimento próximo do fim de vida, representando uma estrutura eficaz, orientadora, empiri-camente pertinente, contudo sempre fle-xível, abrangendo e nunca simplificando a riqueza da complexidade, unicidade, individualidade e subjectividade, intrinse-camente humana. O psicólogo, partindo de conhecimentos decorrentes de dife-rentes modelos e abordagens teóricas e investido da competência necessária para criativamente se adaptar, pessoal e profissionalmente, a diferentes modos de relação e intervenção com o Outro, cons-titui-se como um elemento indispensável para o enriquecimento da investigação, avaliação e intervenção realizada no contexto dos cuidados paliativos. l

Bibliografia1. Junger S, Eggenberger E, Greenwood A, Payne S. Psychologists in palliative care in Europe: A discipline “under construction”. Abstracts of the 6th Research Congress of the European Association for Palliative Care. Palliative Medicine. 2010; 24:212-213. 2. Junger S, Payne S. Guidance on postgraduate education for psychologists in-volved in palliative care. European Journal of Palliative Care. 2011; 18(5):238-252. 3. Junger S, Payne S, Constantini A, Kalus C, Werth J. The EAPC Task Force on Education for Psychologists in Palliative Care. European Journal of Palliative Care. 2010; 17:84-87. 4. Vila-Chã J. A experiência da subjectividade: elementos para uma filosofia da dor e do sofrimento. In: Carvalho A, ed. by. Bioética e Vulnerabilidade. 1st ed. Coimbra: Almedina; 2008. p. 219-242. 5. Kuhl D. What Dying People Want. In: Chochinov H, Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New York: Oxford Uni-versity Press; 2014. p. 141-156. 6. Arranz P, Barbero J, Barreto P, Bayés R. Intervención emocional en cuidados paliativos: Modelo y protocolos. Barcelona: Editorial Ariel; 2003. 7. Summerfield D. “Trauma” and the experience of war: a reply. The Lancet. 1998; 351:1580-1581. 8. Gillies J, Neimeyer R. Loss, Grief, and The Search for Significance: Toward a Model of Meaning Reconstruction in Bereavement. Journal of Constructivist Psychology. 2006; 19:31-65. 9. Bayés R. Afrontando la vida, esperando la muerte. Madrid: Alianza Editorial; 2006. 10. Beloff H, Brennan J, Williams E, Payne S, Royan L, Russel P. The Role of Psychology in End of Life Care. A report published by the Professional Practice Board of the British Psychological Society. The British Psychological Society; 2008 p. 1-30. 11. Kon A, Ablin A. Palliative Treatment: Redefining Interventions To Treat Suffering Near the End of Life. Journal of Palliative Medicine. 2010;13(6):643-646. 12. Ahmedzai S, Costa A, Blengini C, Bosch A, Sanz-Ortiz J, Ventafridda C et al. A new international framework for palliative care. European Journal of Cancer. 2004;40:2192-2200. 13. Cherny N. The Treatment of Suffering in Patients with Advanced Cancer. In: Chochinov H, Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2009. p. 300-323.14. Carqueja E. A Prática Religiosa e a Percepção do Sofrimento em Doentes Oncológicos e Não Oncológicos. Cadernos de Saúde. 2009; 2(1):7-40.15. Payne S, Haines R. The contribution of psychologists to specialist palliative care. International Journal of Palliative Nursing. 2002;8(8):401-406. 16. Carlson L, Bultz B. Efficacy and Medical Cost Offset of Psychosocial Interven-tions in Cancer Care: Making the Case for Economic Analysis. Psycho-Oncology. 2004;13:837-849.17. Ordem dos Psicólogos. Evidência científica sobre custo-efectividade de intervenções psicológicas em cuidados de saúde [Internet]. 2011 [citado a 12 Novembro 2011]. Disponível a partir de: http://www.ordemdospsicologos.pt.18. Watson M, Lucas C, Hoy A, Wells J. Oxford Handbook of Palliative Care. New York: Oxford University Press; 2009.19. Castonguay J, Reid J, Halperin G, Goldfried M. Psychotherapy Integration. In: Stricker G, Widiger T, Weiner I, ed. by. Handbook of Psychology, vol8, Cli-nical Psychology. 1st ed. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc; 2003. p. 327-346.20.Greenberg L, Elliott R, Lietaer G. Humanistic-Experiential Psychotherapy. In: Stricker G, Widiger T, Weiner I, ed. by. Handbook of Psychology, vol 8, Clinical Psychology. 1st ed. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc; 2003. p. 301-326.

Page 32: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

33cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

21. Gum A, Snyder C. Coping with Terminal Illness: The Role of Hopeful Thinking. Journal of Palliative Medicine. 2002; 5(6):883-894.22. Twycross R. Cuidados Paliativos. Lisboa: Climepsi Editores; 2003.23. Doyle D, Jeffrey D. Palliative Care in the Home. New York: Oxford Uni-versity Press; 2000.24. Snyder C. Hope Theory: Rainbows in the Mind. Psychological Inquiry. 2002;13(4):249-275. 25. Trask P, Paterson A, Griffith K, Riba M, Schwartz J. Cognitive-Behavioral Intervention for Distress in Patients with Melanoma. American Cancer Society. 2003;10:854-864.26. Chochinov H, Hack T, Hassard T, Kristjanson L. Dignity Therapy: A Novel Psychotherapeutic Intervention for Patients Near the End of Life. Journal of Clinical Oncology. 2005;23(24):5520-5525. 27. Tatrow K, Montgomery G. Cognitive behavioural therapy techniques for distress and pain in breast cancer patients: A meta-analysis. Journal of Behavioral Medicine. 2006; 29(1):17-27. 28. Savard J, Simard S, Giguere I. Randomized clinical trial on cognitive therapy for depression in women with metastic breast cancer: psychological and immu-nological effects. Palliative Support Care. 2006; 4:219-237. 29. Frankl V. The Will to Meaning: Foundations and Applications of Logotherapy. New York: Meridian; 1988.30. Schulenberg S, Nassif C, Hutzell R, Rogina J. Logotherapy for Clinical Practice. American Psychological Association. 2008;45(4):447-463.31. Frankl V. Man’s search for ultimate meaning. New York: Basic Books; 2000.32. Freire J. El Humanismo de la Logoterapia de Viktor Frankl: La aplicación del análisis existencial em la orientación personal. Navarra: Ediciones Universidad de Navarra; 2002.33. Kissane D, Treece C, Breitbart W, McKeen N, Chochinov H. Dignity, Meaning and Demoralization: Emerging Paradigms in End-of-Life Care. In: Chochinov H, Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2009. p. 324-340.34. Straub E. Health Psychology: A Biopsychosocial Approach. New York: Worth Publishers; 2007.35. Turk D, Feldman C. Cognitive-Behavioural Approaches to Symptom Mana-gement in Palliative Care: Augmenting Somatic Interventions. In: Chochinov H, Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2009. p. 470-489. 36. Lloyd-Williams M, Dennis M, Taylor F. A prospective study to determine the association between physical symptoms and depression in patients with advanced cancer. Palliative Medicine. 2004; 18:558-563.37. Payne S. Resilient carers and caregivers. In: Monroe B, Oliviere D, ed. by. Resilience in Palliative Care: Achievement In Adversity. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2007. p. 83-97. 38. Payne S, Ellis-Hill C. Chronic and Terminal Illness: New perspectives on caring and carers. New York: Oxford University Press; 2001. 39. Sanders C. Risk factors in bereavement outcome. In: Stroebe M, Stroebe W, Hanson R, ed. by. Handbook of Bereavement: Theory, Research and Intervention. 1st ed. New York: Cambridge University Press; 2008. p. 255-267. 40. Stroebe M. Coping with bereavement: a review of the grief work hypothesis. Omega. 1992;26:19-42.41. Worden J. Grief Counseling and Grief Therapy: A Handbook for the Mental Health Practitioner. New York: Springer; 2009.42. Janoff-Bulman R. Commentaries: Post-traumatic Growth: Three Explanatory Models. Psychological Inquiry. 2004;15(1):30-34.43. Calhoun L, Tedeschi R. Post-traumatic Growth: The Positive Lessons of Loss. In: Neimeyer R, ed. by. Meaning Reconstruction and the Experience of Loss. 1st ed. Washington: American Psychological Association; 2010. p. 157-172.44. O’Connor M. Making meaning of life events: Theory, evidence and research directions for an alternative model. Omega. 2002;46(1):51-76.45. Currier J, Holland J, Neimeyer R. Making sense of loss: A content analysis of end-of-life practitioners’ therapeutic approaches. OMEGA. 2008; 57(2):121-141.46. Brennan J. Cancer in Context – A practical guide to supportive care. Oxford: Oxford University Press; 2004.

Page 33: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

34 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

Palavras-chaveInvestigação colaboracional; investi-gação multicêntrica; cuidados pali-ativos.

Key wordsCollaborative research; multicentred research; research networks or con-sortiums; palliative care.

Palabras-llaveInvestigación colaborativa; estudios multicéntricos; redes de investigación; cuidados paliativos.

Investigação colaboracional e multicên-trica em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da realidade e perspetivas sobre como promover e melhorarSandra Martins PereiraEnfermeira; Licenciada em Ciências da Educação; Pós-graduada em Cuidados Paliativos; Mestre e Doutora em Bioética; Pós-doutoramento em Investigação em Cuidados Paliativos (Palliative Care Research).VU Medical Center, EMGO+ Institute for Health and Care Research; FP7 Project Euro-Impact

Pablo Hernández-MarreroEnfermeiro; Mestre e Doutor em Health Services Research; Profesor Ayudante Doctor, Universidad de Las Pal-mas de Gran Canaria, Facultad de Ciencias de La Salud, Departamento de Enfermería

Manuel Luís CapelasMestre em Cuidados Paliativos; Doutor em Ciências da Saúde; Professor Adjunto, Universidade Católica Por-tuguesa, Instituto de Ciências da Saúde

ResumoA realização de projetos de investigação de cariz colaboracional e multicêntrico tem vindo a ser implementada e fomentada, quer a nível nacional quer internacional, inclu-sive no domínio científico dos cuidados paliativos. O objetivo do presente estudo é o de descrever a realidade portuguesa nesta matéria, apontando possíveis estratégias para a promoção e melhoria deste tipo de projetos. A partir do envio de um questionário misto aos coordenadores de cursos de mestrado, pós-graduação e equipas de cuida-dos paliativos portugueses, num total de 25 respondentes, foi possível identificar que a maioria (15 dos 25 participantes) nunca participou em estudos de cariz colaboracio-nal, quer de âmbito nacional quer internacional. Não obstante, praticamente todos os inquiridos (24 dos 25 respondentes) foram unânimes em apontar a relevância des-te tipo de estudo, manifestando-se disponíveis para participar neste tipo de iniciativa. Como possíveis estratégias promotoras de investigação colaboracional e multicêntrica os participantes salientaram o estabelecimento de redes interprofissionais e interinstitu-cionais (networking), a realização de seminários de investigação, e o estabelecimento de acordos bilaterais (consórcios). Pese embora a parca experiência na realização de investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal, o presente estudo evidencia o interesse, viabilidade e potencialidade de iniciativas promotoras deste tipo de projetos neste país.

Page 34: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

35cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

AbstractThe development of national and international collaborative and multicentred research projects is becoming a major and relevant feature, namely in the field of palliative care. Hence, the aim of this study is to describe the state of the development of this type of research in Portugal, pointing out possible strategies to promote and improve such col-laborative projects. All coordinators of masters and post-graduation courses in palliative care and all coordinators of Portuguese specialised palliative care teams were reques-ted to fill in a questionnaire where they were asked on their experience in conducting collaborative research projects. Out of a total of 25 participants, 15 never participated in such studies. Nonetheless, almost all participants were unanimous in stating that they consider these projects relevant, expressing their willingness in participating in initiati-ves of this kind. As possible strategies to promote collaborative research in Portugal, the participants indicated networking, research seminars and the establishment of bilateral research consortiums. Despite of the scarce of experience in conducting collaborative research in palliative care in Portugal, this study highlights the interest, feasibility and po-tential of initiatives promoting this type of research in this country.

ResúmenLos proyectos de investigación de naturaleza multicéntrica y colaborativa han sido implementados, tanto a nivel nacional como internacional, en diversos campos cien-tíficos como el de los cuidados paliativos. El objetivo de este estudio es describir la situación de la investigación colaborativa y multicéntrica en cuidados paliativos en Portugal, señalando las posibles estrategias para la promoción y mejora de este tipo de proyectos. Como instrumento de recolección de datos, se envió un cuestionario a todos los coordinadores de cursos de master y postgrado en cuidados paliativos, así como a todos los coordinadores de equipos especializados de cuidados paliativos portugueses. De un total de 25 participantes, 15 no había participado nunca en estu-dios de naturaleza colaborativa y multicéntrica, ni a nivel nacional ni internacional. Sin embargo, casi todos los encuestados (24 del total de 25 encuestados) fueron unánimes en señalar la relevancia de este tipo de estudios, manifestándose disponibles para par-ticipar en este tipo de iniciativas. Como posibles estrategias promotoras de esto tipo de investigación multicéntrica y colaborativa, los participantes indicaron la creación de redes interprofesionales (networks), la realización de seminarios de investigación, y el establecimiento de acuerdos multi(bi)laterales (consorcios). A pesar de la escasa experiencia en la realización de investigación colaborativa multicéntrica en cuidados paliativos en Portugal, este estudio pone de relieve el interés, la viabilidad y el potencial para la promoción de iniciativas promotoras de este tipo de proyectos en este país.

IntroduçãoA realização de projetos de investigação

de cariz colaboracional e multicêntrico

tem vindo a ser implementada e fomen-

tada, quer a nível nacional quer interna-

cional. Com efeito, a constituição de con-

sórcios de investigação, particularmente

de cariz interdisciplinar, tem conhecido

um investimento crescente, quer por par-

te das agências de financiamento de in-

vestigação, quer por parte das próprias

instituições promotoras de investigação.

O desenvolvimento dos cuidados palia-

tivos, enquanto área de subespecializa-

ção no âmbito da saúde, tem sido acom-

panhado duma preocupação crescente

com a realização de projetos de inves-

tigação deste âmbito. Não obstante, a

Page 35: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

36 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

participação portuguesa em projetos de investigação de cariz colaboracional e multicêntrico tem sido escassa. Além disso, desconhece-se a existência de um Centro de Investigação, única e exclusivamente dedicado à investigação em cuidados paliativos, pese embora a concretização, há já uma década, de diversos cursos de mestrado e pós-graduação em cuidados paliativos em Portugal. Consequentemen-te, a investigação realizada neste domínio tem assumido caraterísticas que a tornam pouco competitiva, no panorama inter-nacional.

O presente estudo visa traçar o perfil e estado de desenvolvimento da investiga-ção colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos, em Portugal. Além disso, tem por intuito identificar possíveis estratégias para a promoção e melhoria do desenvolvimento deste tipo de proje-tos neste país.

Quadro teóricoA investigação colaboracional pode ser definida como a concretização de um projeto de investigação desenvolvido por ou em mais do que uma instituição, cen-tro de investigação, centro médico e/ou universitário, contando com a colabo-ração de todos os parceiros implicados. Na maior parte das vezes, entre estes, é estabelecido um consórcio e protocolo de cooperação bilateral. No que concer-ne ao projeto de investigação, em si mes-mo, este é único, partilhado por todos e coordenado por um dos parceiros. Não obstante, o projeto está, comummente, subdividido nos designados work packa-ges, os quais são múltiplos e liderados por investigadores pertencentes às diferentes instituições parceiras.

Pese embora a definição de investiga-ção colaboracional acima enunciada,1 na realidade não existe uma definição consensualizada para este tipo de proje-tos.2 Com efeito, diferentes autores apre-

sentam conceitos distintos, podendo considerar-se que uma investigação cola-boracional acontece desde que dois ou mais investigadores estejam implicados no processo de investigação, ou então quando este é implementado por mais do que uma instituição. Em qualquer dos casos, os autores são unânimes em consi-derar que a investigação colaboracional consiste numa forma especial de colabo-ração com o propósito de produzir evi-dência científica, conectando pessoas, disciplinas, organizações.3 Acresce ainda o reconhecimento de que este tipo de investigação se constitui como uma mais-valia, reunindo uma importância crescen-te no domínio científico.4

O desenvolvimento dos cuidados pa-liativos enquanto área de cuidados es-pecializados e diferenciados na saúde requer uma prática baseada em evidên-cia e, como tal, investigação rigorosa e de qualidade.5-8 A investigação é, aliás, consi-derada um elemento central na definição dos níveis de desenvolvimento dos cuida-dos paliativos num país.9

Não obstante, vários são os desafios que se colocam neste domínio, algumas de cariz ético10, nomeadamente: dificul-dades na realização de ensaios clínicos devido ao risco de perda de participan-tes ao longo do processo de recolha de dados;11 vulnerabilidade dos participan-tes; investigação de temas perspetiva-dos como delicados e de abordagem complexa e difícil; entre outros. Uma das formas de colmatar e minimizar estas difi-culdades e desafios passa, precisamente, pelo desenvolvimento de projetos de ca-riz colaboracional e multicêntrico em cui-dados paliativos,8;12 estabelecimento de parcerias e cooperações entre clínicos e investigadores13 e pela definição de áreas e programas prioritárias de investigação.13

É neste contexto que emergem os ob-jetivos do presente estudo, o qual visa: (a) descrever a realidade atual da investiga-

Page 36: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

37cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

ção colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal; (b) saber quais as vantagens da investigação cola-boracional e multicêntrica em cuidados paliativos na ótica dos profissionais que exercem funções nesta área; (c) com-preender de que modo será possível fo-mentar este tipo de investigação em Por-tugal, na perspetiva dos profissionais que exercem funções nesta área.

MetodologiaEste estudo assume um cariz exploratório e descritivo, na medida em que visa ob-ter uma perspetiva acerca do fenóme-no em estudo, neste caso, descrevendo e traçando a realidade da investigação colaboracional e multicêntrica em cui-dados paliativos em Portugal. Este tipo de metodologia é a que melhor se enquadra quando o intuito é o de obter informação acerca duma problemática relativamen-te à qual existe pouco evidência ou co-nhecimento.14-16

Em termos de recolha de dados, op-támos por enviar um questionário online. Este questionário assumiu um cariz misto: por um lado, incluiu um conjunto de per-guntas fechadas, dicotomizadas, acerca da experiência do respondente no que concerne à realização de investigação colaboracional e multicêntrica em cuida-dos paliativos, de âmbito nacional ou in-ternacional, acesso a financiamento para concretização deste tipo de estudos, re-conhecimento da relevância destes, e disponibilidade para participar neste tipo de projetos; por outro lado, foi solicitado, aos participantes, que detalhassem infor-mação e/ou justificassem as suas opções face às dimensões descritas e partilhas-sem a sua perspetiva e sugestões sobre como melhorar este tipo de investigação em cuidados paliativos, em Portugal.

Os dados obtidos foram analisados do seguinte modo: relativamente às pergun-tas fechadas, estas foram objeto duma

análise meramente descritiva, quantita-tiva; quanto às perguntas abertas, estas foram sujeitas a uma análise de conteúdo, temática e indutiva.

No que concerne aos possíveis partici-pantes, foram incluídos todos os coorde-nadores de mestrados em cuidados conti-nuados e paliativos com 120 ou mais ECTS, todos os coordenadores de pós-gradua-ções em cuidados paliativos com 60 ou mais ECTS, e todos os coordenadores de equipas de cuidados paliativos indicadas no site da Associação Portuguesa de Cui-dados Paliativos em dezembro de 2013.17

Os convites para participação neste es-tudo foram enviados, por correio eletróni-co, para todos os potenciais participantes (6 coordenadores de mestrados, 7 coor-denadores de pós-graduações, 21 coor-denadores de equipas) em meados de dezembro de 2013. O período de recolha de dados perdurou até março de 2014, tendo sido enviados, para além do convi-te inicial, dois lembretes adicionais aos po-tenciais participantes. Em termos éticos, a devolução do questionário preenchido foi definida e entendida como o consen-timento para participar no estudo e divul-gar os resultados de forma anonimizada e confidencial.

Um total de 4 coordenadores de mestra-do, 5 coordenadores de pós-graduações e 16 coordenadores de equipas devolve-ram o questionário devidamente preen-chido. Estes 25 documentos constituíram o corpus de análise, cujos resultados pas-sam a apresentar-se.

Apresentação e discussão de resultadosOs resultados deste estudo serão apresen-tados e discutidos em torno de três dimen-sões centrais, estreitamente relacionadas com os objetivos acima enunciados: (a) a realidade atual da investigação cola-boracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal; (b) Vantagens da investigação colaboracional e multicên-

Page 37: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

38 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

trica em cuidados paliativos na ótica dos profissionais que exercem funções nesta área de cuidados; (c) perspetivas dos pro-fissionais sobre como fomentar este tipo de investigação em Portugal.

A realidade atual da investigação cola-boracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos, em Portugal:No que se refere aos coordenadores de mestrados em cuidados paliativos, 3 dos 4 participantes neste estudo referiram ter participado em estudos de cariz colabo-racional e multicêntrico de âmbito nacio-nal. Não obstante, nenhuma das disserta-ções de mestrado desenvolvidas nestes mestrados se havia inscrito neste tipo de projetos, assim como nenhum dos partici-pantes referiu alguma vez ter tido acesso a financiamento para investigação.

Por sua vez, no que concerne aos coor-denadores de pós-graduações, nenhum dos respondentes havia participado em projetos colaboracionais e multicêntricos a nível nacional ou internacional ou havia acedido a financiamento para investiga-ção.

Quanto aos coordenadores de equipas de cuidados paliativos, 7 dos 16 partici-pantes neste estudo manifestou ter inte-grado projetos colaborativos de caráter nacional, e 3 a nível internacional. A pro-pósito deste subgrupo de participantes, importa referir que 3 indicaram ter cola-borado em projetos enquanto partici-pantes, nomeadamente em estudos de mestrado e doutoramento, entendo esta participação como uma colaboração inter-institucional com as instituições de ensino superior nas quais estes se integra-vam. Também no caso dos coordenado-res de equipas, a experiência de acesso a financiamento era inexistente.

Não obstante, todos os coordenadores de mestrado e pós-graduações, assim como 15 dos 16 coordenadores de equi-pas manifestaram considerar os projetos de investigação colaboracional e multi-

cêntrica relevantes, assim como a sua dis-ponibilidade para colaborar neste tipo de iniciativas.

Estes resultados ilustram a parca expe-riência em termos de investigação cola-boracional e multicêntrica dos profissio-nais que têm dedicado o seu exercício profissional aos cuidados paliativos, em Portugal. Com efeito, denota-se que, pese embora algumas iniciativas pontuais, não existe tradição na implementação de projetos colaborativos entre instituições de ensino superior que promovem a for-mação em cuidados paliativos. Estes as-petos convergem com a escassez de publicações portuguesas na literatura internacional em cuidados paliativos,18 já que a concretização de projetos co-laboracionais não só potencia a possibili-dade de disseminação científica, como a produção de evidência científica e publi-cações aumenta a viabilidade de obter financiamento.19

Um dos resultados obtidos neste domí-nio e que importa aprofundar refere-se à perspetiva de alguns coordenadores de equipas que consideram ter participado em projetos de cariz colaboracional e multicêntrico ao serem participantes em trabalhos de mestrado e doutoramento. Embora não possamos extrapolar os re-sultados obtidos, pensamos poder afirmar que esta perspetiva converge com algu-mas recomendações recentes adotadas em outros países de incluir os participan-tes no próprio desenho e implementação dos projetos de investigação.20 Em nosso entender, este reconhecimento, por par-te dos participantes do nosso estudo de que, por serem participantes são parte integrante do processo e, como tal, parti-ciparam em projetos colaborativos é ilus-trativo do potencial existente para uma maior promoção deste tipo de projetos, em Portugal. Esta perceção é reforçada pela disponibilidade manifestada por pra-ticamente todos os respondentes.

Page 38: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

39cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Vantagens da investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos na ótica dos profissionais que exercem funções nesta área de cuidadosNo sentido de compreender as vantagens atribuídas pelos profissionais que exercem a sua atividade profissional em cuidados paliativos à implementação de projetos de cariz colaboracional e multicêntrica, procedemos à análise de conteúdo das respostas dadas, pelos próprios, a uma das questões abertas que constava do questionário. Desta análise de conteúdo, emergiram as seguintes categorias: ne-cessidade de desenvolver uma prática baseada na evidência; limitações meto-dológicas da investigação em cuidados paliativos; e possibilidade que os projetos colaborativos encerram em termos de au-mento e partilha de conhecimento e ex-periências (Quadro 1).

Estes resultados são ilustrativos do co-nhecimento que os participantes têm acerca das vantagens de implementar

projetos de investigação alicerçados no estabelecimento de colaborações e par-cerias. Com efeito, uma das formas de colmatar os constrangimentos inerentes à perda de participantes ao longo de um projeto de investigação e ensaio clínico passa, precisamente, pela realização de projetos multicêntricos.13; 17

Um outro aspeto que estes resultados realçam prende-se com a evidente preo-cupação dos participantes em que a prá-tica de cuidados e, consequentemente, o desenvolvimento dos cuidados paliativos assente na evidência científica.5-8 Na reali-dade, uma melhoria da qualidade dos cui-dados paliativos requer uma expansão da capacidade investigativa neste domínio.21

Dada a natureza e abordagem inter-disciplinar em cuidados paliativos, impor-ta notar a expressividade da categoria “aumento e partilha de conhecimentos e experiências”. Com efeito, denota-se que a maior vantagem apontada pelos par-ticipantes à realização de projetos de in-

Quadro 1Relevância dos projetos de investigação de cariz colaboracional e multicêntrico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos na perspetiva dos participantes

Categorias

Unidades de registo

Número Transcrição(exemplos)

Necessidade de desen-volver prática baseada na evidência

16 “A evidência obtida será fundamental no planeamento de eventuais alterações ou na implementação de novas estratégias” (Coordenador de Pós-Graduação, CPG4) “Os projetos de investigação são uma forma de aprofunda-mento de conhecimentos, que se traduzem numa melhoria da prestação de cuidados” (Coordenador de Equipa, CE12)

Limitações metodológicas da investigação em cuida-dos paliativos

6 “Devido às limitações metodológicas da investigação em Cuida-dos Paliativos, esta será a forma necessária para maior evidência dos resultados da investigação” (Coordenador de Mestrado, CM3)“Generalização de resultados pela representatividade da amostra” (CE14)

Aumento e partilha de conhecimento e experiências

22 “Favorecer a identificação e a articulação com outros grupos e instituições que têm interesses comuns de estudo” (CM1) “Considero importante pela oportunidade de troca de experiên-cias dos vários profissionais nesta área, pela possibilidade de aprendizagem com outras instituições do género (…)” (CPG2)“A partilha de conhecimentos e experiencias é fundamental (…)” (CE1)

Page 39: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

40 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

vestigação colaborativos residiu, precisa-mente, na possibilidade que esta encerra de otimizar o trabalho em equipa.

Perspetivas dos profissionais sobre como fo-mentar este tipo de investigação em PortugalNo âmbito do presente estudo, uma das questões colocadas aos participantes, foi acerca do modo como estes considera-vam ser possível promover o desenvolvi-mento de projetos de investigação cola-boracional e multicêntrica em cuidados paliativos, em Portugal. Esta questão foi efetuada em formato aberto, sendo que, da análise de conteúdo realizada, emer-giram as seguintes categorias: investiga-ção em rede (networking); realização de seminários de investigação; estabeleci-mento de consórcios/protocolos bilaterais de cooperação; envolvimento de profis-sionais da área da prestação de cuidados em projetos de investigação; desenvolvi-mento de projetos focalizados na prática clínica; integração de investigadores nas equipas de cuidados paliativos. A cate-goria “acesso a financiamento” também emergiu na análise efetuada (Quadro 2).

A propósito desta análise convém re-ferir que é possível agrupá-las conside-rando o perfil dos respondentes. Enquan-to a sugestão da investigação em rede (networking), realização de seminários de investigação e estabelecimento de consórcios/protocolos bilaterais de coo-peração emergiram a partir das respostas dadas por todos os tipos de coordenado-res (mestrado, pós-graduação, equipa), a integração de profissionais da área da prestação de cuidados emergiu somen-te a partir dos questionários preenchidos por coordenadores de pós-graduação e equipas; por último, sugestões relativas à focalização dos projetos na prática clí-nica e de integração de investigadores nas equipas de cuidados paliativos foram somente dadas por coordenadores de equipas. Em nosso entender, estes con-

sensos e diferenças prendem-se, por um lado, com a maior experiência e tradição académica de produção científica e, por outro lado, com a dimensão mais prática dos cursos de pós-graduação e equipas. Além disso, a sobrecarga de trabalho das equipas é dificultadora da consecução de projetos de investigação, pelo que a inclusão de um investigador nas equipas pode, efetivamente ser facilitadora da concretização de projetos mais amplos.

Curiosamente, embora somente um dos participantes se tenha referido explicita-mente ao acesso a financiamento como promotor do desenvolvimento de investi-gação em cuidados paliativos, denota-se que praticamente todos as estratégias sugeridas pelos demais respondentes têm implícita esta necessidade de aceder a verbas. Além disso, houve respondentes que se referiram a bolsas e prémios pon-tuais. Estes, embora relevantes, não foram considerados como acesso a financia-mento na medida em que assumem ca-raterísticas distintas que nem sempre ga-rantem a sustentabilidade dum projeto de investigação na sua completude. A rele-vância da acessibilidade a financiamen-to para investigação está também pa-tente na literatura internacional sobre o tema, em que uma das recomendações enunciadas se prende, precisamente, com a necessidade de acesso a fundos que sustentem a investigação no domínio dos cuidados paliativos.13-13; 15; 19

Pese embora os resultados aqui expostos e discutidos, importa considerar algumas limitações inerentes à realização deste estudo, nomeadamente no modo como os participantes foram selecionados. Com efeito, o facto de esta seleção ter incidi-do nos coordenadores de mestrado, pós-graduação e equipas especializadas de cuidados paliativos (com menção explíci-ta a esta área científica), é de supor que terão ficado excluídas pessoas ou insti-tuições que, não assumindo este tipo de

Page 40: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

41cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

atividade, poderão ter estado envolvidos em projetos de investigação colaboracio-nal e multicêntrica. A título de exemplo, destacamos a participação lusa no proje-to europeu PRISMA,22-23 através do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra. Não obstante, importa referir que este estudo encerra a mais-valia de ser, tanto quanto conhece-mos, o único do género e que retrata o “estado-de-arte” da investigação cola-boracional e multicêntrica em cuidados paliativos, em Portugal.

ConclusãoA investigação colaboracional e multi-cêntrica em cuidados Paliativos, em Por-tugal, carateriza-se, essencialmente, pela sua escassez. Acresce ainda a falta de tradição e experiência, quer na dissemi-nação de resultados de investigação em

revistas científicas de âmbito internacio-nal, quer no acesso a financiamento na-cional e internacional que viabilizem a im-plementação de estudos desta natureza.

Não obstante, os resultados obtidos atra-vés deste estudo apontam para um ele-vado interesse e vontade dos profissionais desta área científica e de cuidados em participar e contribuir para a melhoria des-ta situação. Com efeito, além duma expres-siva manifestação de disponibilidade, os participantes neste estudo apontaram su-gestões criativas e exequíveis nesse sentido.

Face ao exposto, é possível concluir que, pese embora a parca experiência na rea-lização de investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal, o presente estudo evidencia o interesse, viabilidade e potencialidade de iniciativas promotoras deste tipo de proje-tos neste país. l

Quadro 2Perspetivas dos profissionais sobre como fomentar a investigação colaboracional e multicêntrica em Portugal

Categorias

Unidades de registo

NúmeroTranscrição(exemplos)

Investigação em rede (networking)

6“Investigação em rede” (CM2)“(…) criar redes de trabalho (…)” (CPG3)“(…) que as diferentes equipas (…) se articulem (…)” (CE1)

Seminários de investigação 4“Seminários de investigação (…)” (CM3)“(…)encontro de investigação (…)” (CPG2)“(…) encontros presenciais (…) (CE3)

Consórcios/protocolos bilaterais de cooperação

7

“Associar projetos centros de investigação” (CM3)“Criação de um consórcio de instituições parceiras incluindo insti-tuições de ensino e prática de cuidados paliativos” (CPG1)“(…) desenvolver parcerias (…)” (CE5)

Envolvimento de profissionais da área da prestação de cuidados em projetos de investigação

3“Integrar na investigação colegas da prática clínica” (CPG3)“(…) participação ativa das equipas (…)” (CE3)

Projetos focalizados na prática clínica

7 “(…) realizar uma investigação baseada na evidência (…)” (CE5)

Integração de investigadores nas equipas de cuidados paliativos

4 “(…) um apoio externo à equipa é seguramente bem-vindo” (CE12)

Acesso a financiamento 1 “Acesso a financiamento para investigação” (CPG1)

Page 41: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

42 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Bibliografia1. Pereira SM. Investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos: como promover e melhorar. Apresentação, Sessão Plenária “Investigação em cui-dados paliativos”, VII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos 2014, Carvoeiro.2. Hu C, Racherla P. Visual representation of knowledge networks: A social ne-twork analysis of hospitality research domain. International Journal of Hospitality Management 2008; 28(2):302-12. 3. Bukova H. Studying Research Collaboration: A Literature Review [Internet]. 2010 [cited 2014 March 25]. Available from: Sprouts: Working Papers on Information Systems, 10(3). http://sprouts.aisnet.org/10-3.4. Wray KB. Scientific authorship in the age of collaborative research. Studies in History and Philosophy of Science, Part A, 37(3):505-14.5. Payne S. The Cancer Experiences Collaborative: Better research, by better researchers. Palliative Medicine 2011; 25(8):739–740.6. Currow D. The PRISMA Symposium 3: Lessons From Beyond Europe. Why Invest in Research and Service Development in Palliative Care? An Australian Perspective. Journal of Pain and Symptom Management 2011; 42(4):505-510.7. Abernethy AP, Aziz Noreen M, Basch E, Bull J, Cleeland CS, Currow DC, Fairclough D, Hanson L, Hauser J, Ko D, Lloyd L, Morrison RS, Otis-Green S, Pantilat S, Portenoy RK, Ritchie C, Rocker G, Wheeler JL, Zafar Y, Kutner JS. Strategy To Advance the Evidence Base in Palliative Medicine: Formation of a Palliative Care Research Cooperative Group. Journal of Palliative Medicine 2010; 13(12):1407-1413.8. Morrison RS, Meier D. The National Palliative Care Research Center and the Center to Advance Palliative Care: A Partnership to Improve Care for Persons With Serious Illness and Their Families. Journal of Pediatric Hematology/Oncologt 2011; 33(3):S126-S131.9. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark D. Maping Levels of Palliative Care De-velopment: A Global View. Journal of Pain and Symptom Management 2008; 35(5):469-485.10. Gysels M, Evans CJ, Lewis P, Speck P, Benalia H, Preston NJ, Grande GE, Short V, Owen-Jones E, Todd CJ, Higginson IJ. MORECare research methods guidance development: Recommendations for ethical issues in palliative and end-of-life care research. Palliative Medicine 2013; 27(10):908-917.11. Jrdhøy MS, Kaasa S, Fayers P, Underland G, Ahlner-Elmqvist M. Challenges in palliative care research; recruitment, attrition and compliance: experience from a randomized control trial. Palliative Medicine 1999; 13:299-310.12. Kaasa S, Hjermsatd MJ, Loge JH. Methodological and structural challenges in palliative care research: how have we fared in the last decades? Palliative Medicine 2006; 20:727-734.13. Kaasa S, De Coono F. Palliative care research. European Journal of Cancer 2001; 37:S153-S159.14. Coutinho C. Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática. Coimbra: Almedina; 2011.15. Addington-Hall J, Bruera E, Higginson IJ, Payne S. Research Methods in Palliative Care. Oxford: Oxford University Press; 2007.16. Blessing LTM, Chakrabarti A. DRM, a Design Research Methodology. London: Springer-Verlag; 2009.17. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, Equipas de cuidados paliativos [Internet]. 2013 [cited 2014 April 23]. Available from:http://www.apcp.com.pt/cuidadospaliativos/equipasdecuidadospaliativos.html18. Menaca A, Evans N, Andrew EVW, Toscani F, Finetti S, Gomez-Batiste X et al. End-of-life care across Southern Europe: A critical review of cultural similarities and differences between Italy, Spain and Portugal. Critical Reviews in Oncology/Hematology 2012; 82(3):387-401.19. Kaasa S, Radbruch L. Palliative care research – priorities and the way forward. European Journal of Cancer 2008; 44:1175-1179.20. INVOLVE. Briefing notes for researchers: involving the public in NHS, public health and social care research. Eastleigh: INVOLVE; 2012.21. Rhondali W, Berthiller J, Hui D, Yennu S, Lafumas V, Ledoux M, Strasser F, Filbet M. Barriers to research in palliative care in France. BMJ Supportive Palliative Care 2013; doi: 10.1136/bmjspcare-2012-000360.22. Harding R, Higginson IJ, PRISMA. PRISMA: a pan-European co-ordinating action to advance the science in end-of-life cancer care. European Journal of Cancer 2010; 46(9):1493-1501.23. Lopes Ferreira P, Antunes B, Barros Pinto A, Gomes B. Cuidados em fim de vida: Portugal no projeto europeu PRISMA. Revista Portuguesa de Saúde Pública 2012; 30(1):62-70.

Page 42: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

43cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

Palavras-chaveFatores; processo de diagnóstico clíni-co; últimos dias ou horas de vida; hos-pital de agudos.

Key wordsFactors; clinical diagnostic process; last days or hours of life; acute care hospital.

Palabras-llavePalabras llave: factores; Proceso de diagnóstico clínico; últimos días u ho-ras de vida; hospital de agudos.

Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem no processo de diagnóstico clínicoCátia PereiraLicenciada em Enfermagem, Mestranda em Cuidados Paliativos (Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias); Lar de S. Tomás Salgueiro do Campo

Sandra BatistaLicenciada em Enfermagem, Mestranda em Cuidados Paliativos (Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias); Professora Assistente Convidada na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco; Serviço de Or-topedia da ULS Castelo Branco

Paula SapetaProfessora Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco; Enfermeira especialista em Enf. Médico-Cirúrgica; Mestre em Sociologia; Pós-graduada em Cuidados Paliativos; Doutor em Enfermagem

ResumoO presente artigo tem como objetivos descrever os fatores que interferem no processo de diagnóstico clínico do doente nos últimos dias ou horas de vida num hospital de agudos, bem como, a forma como estes influenciam e configuram todo o processo. Procurando ainda identificar as repercussões da ausência do diagnóstico no bem-es-tar de todos os envolvidos. Para a realização deste estudo de investigação recorreu-se à revisão sistemática da literatura. Foram incluídos 11 artigos dos quais 7 de natureza qualitativa, 3 revisões sistemáticas da literatura e 1 estudo misto, publicados no período temporal de janeiro de 2008 a setembro de 2013, pesquisados a partir de bases de da-dos de texto integral e de referência.Antecipar o diagnóstico de últimos dias ou horas de vida em contexto hospitalar é possível, embora na maioria das vezes este continue a ser feito de forma tardia, sendo mesmo inexistente em alguns casos. Com este estudo é enfatizado o papel do doente, da família, do profissional de saúde, do contexto sociocultural e da instituição prestado-ra de cuidados enquanto fatores passíveis de influenciar o diagnóstico clínico.A formação, o trabalho de equipa, a otimização da comunicação e a integração nos hospitais de protocolos de cuidados integrados e de equipas de cuidados paliativos devem constituir estratégias a implementar no sentido de colmatar as dificuldades sen-tidas. Apenas com um diagnóstico definido é possível reajustar o plano de cuidados e definir como objetivos principais o controlo de sintomas, as medidas de conforto, a suspensão de intervenções inadequadas e o apoio à família.

Page 43: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

44 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

AbstractThe current article aims to describe the factors that interfere with the clinical diagnosis process of the patient in the last days or hours of life in an acute care hospital, as well, how they influence and shape the entire process. Trying further to identify the impact of absence of the well-being diagnose of all involved. To carry out this research study was used a systematic literature review. It were included 11 articles, 7 of which of qualitati-ve nature, 3 systematic literature reviews and 1 joint study published in the time period between January 2008 and September 2013, surveyed from full-text and reference da-tabases.It is possible to anticipate the diagnosis of last days or hours of life in hospital context, however in most cases it continues to be done in tardy way, being non-existent in some cases. This study emphasizes the role of the patient, family, health professional, socio-cul-tural context and providing care institution as factors that might influence the clinical diagnosis.Training, teamwork, optimization of communication and integration of integrated care protocols and palliative care teams in the hospitals should be regarded as strategies to implement in a way to bridge the observed difficulties. Only with a definite diagnosis is possible to adjust the care plan and set as main objectives the symptoms control, the comfort measures, the suspension of inappropriate interventions and the family support.

ResúmenEl artículo tiene como objetivo describir los factores que interfieren en el diagnóstico clínico del paciente en los últimos días u horas de vida en un hospital de agudos, así cómo influyen y dan forma a todo el proceso. Buscando identificar aún más el impacto de la falta de diagnosticar el bienestar de todos los involucrados. Para la realización deste estudio de investigación se recurrió a la revisión sistemática de la literatura. Se in-cluyeron 11 artículos, 7 de la naturaleza cualitativa, 3 revisiones sistemáticas y 1 estudio mixto publicados en el período de tiempo enero de 2008 hasta septiembre de 2013. La encuesta se llevó a cabo a partir de bases de datos y referencia de texto completo.Anticipar el diagnóstico de los últimos días u horas de vida en el ámbito hospitalario es posible, aunque a menudo continúa a ser hecho más tarde, siendo inexistente en algunos casos. Con este estudio se acentúa/hace hincapié en el papel del paciente, de la familia, de lo profesional de la salud, del contexto sociocultural y de lo contexto de cuidados como factores susceptibles de influir en el diagnóstico clínico.La formación, lo trabajo en equipo, la optimización de la comunicación y la integración de los protocolos de cuidados integrales y los equipos de cuidados paliativos en los hospitales, deberían estar implementando estrategias para superar las dificultades. Sólo con un diagnóstico definitivo es posible ajustar el plan de cuidados y establecer como principales objetivos el control de los síntomas, medidas de confort, interrupción de las intervenciones inapropiadas y el apoyo familiar.

IntroduçãoEmbora os manuais de boas práticas enfa-tizem a necessidade e a possibilidade de um diagnóstico precoce de “últimos dias ou horas de vida”, na prática clínica este continua a ser feito de forma tardia, sendo mesmo inexistente em alguns casos.1,2,3,4,5,6

Sendo os últimos dias ou horas de vida uma fase especialmente intensiva e deli-cada pelo impacto que causa tanto no doente, como na família e na equipa de cuidados, é premente que os profissionais de saúde adquiram competências pes-soais e profissionais que lhes permitam es-

Page 44: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

45cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

tar preparados para identificar o doente nesta etapa da vida, sentindo-se simulta-neamente seguros, perante o processo de gestão dos cuidados em fim de vida.2,7,8,9,10

Considerando que, a maioria dos doen-tes crónicos continua a morrer em hospi-tais de agudos e que este tipo de contex-to reúne um conjunto de aspetos passíveis de influenciar todo o processo de diag-nóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida, importa perceber quais os fatores que aqui interferem, como é que no seu conjunto influenciam e configuram o processo de diagnóstico clínico e como é que a ausência deste diagnóstico se re-percute no bem-estar de todos os envolvi-dos (doente, família e profissionais).

Pretende-se, através do aprofundar de conhecimentos, proporcionar àqueles que asseguram a gestão dos cuidados numa fase da vida tão delicada, uma auto-reflexão, não apenas profissional, já que esta tornar-se-ia demasiado reduti-vista, mas enquanto seres complexos em interação com pessoas em situação de particular vulnerabilidade. Permitindo, um aglutinar de competências, onde sejam geridas estratégias e atitudes capazes de ajudar o doente e a família e simulta-neamente, estratégias de enfrentamento pessoal perante a exigência emocional patente neste processo de interação. Pressupõe-se que após este “crescimento pessoal e profissional” o profissional possa assegurar que a morte mais do que um momento de despedida, seja um momen-to de encontro, de crescimento e uma ponte entre o antes, o agora e o sempre.

Quadro TeóricoOs avanços na ciência e na tecnologia alcançados nas últimas décadas condu-ziram ao aumento da esperança média de vida, o que resultou num maior enve-lhecimento e numa maior prevalência de doenças crónicas.1,11,12 Contudo, se por um lado assistimos a profundas mudan-

ças, por outro persiste um dos mais teme-rosos tabus sociais – A morte. Apesar do conhecimento universal e inexorável da sociedade acerca da finitude da vida, a morte continua a ser mitigada, banida da vida social – dessocializada.12,13 A par destes fenómenos as alterações socioe-conómicas a que assistimos introduziram importantes modificações estruturais, quer a nível social quer na saúde, o que contri-buiu para aumentar a procura de profis-sionais14,15 e o número de internamentos a nível hospitalar.

A maioria dos doentes quando chega às instituições de saúde apresenta qua-dros de pluripatologia, doenças avança-das, progressivas e incuráveis e elevado grau de dependência.16 Dada a sua debi-lidade orgânica acabam por desenvolver complicações que agravam o estado de saúde e culminam com a morte.

Segundo as estimativas de alguns auto-res cerca de 60% dos doentes falecidos necessitaram de cuidados paliativos.17 Capelas (2009), utilizando as fórmulas pre-conizadas por Gómez-Batiste et al., Herre-ra et al. e Ferris et al., e através de dados demográficos do Instituto Nacional de Es-tatística referentes ao ano de 2007, calcu-lou que em Portugal nesse ano cerca de 62.000 doentes necessitaram de cuidados paliativos.18 Atualmente, embora se pre-conize que a morte do doente deva ocor-rer num ambiente familiar e significativo para o próprio, em grande parte dos ca-sos estes doentes continuam a morrer em hospitais destinados a doentes agudos. Segundo Gibbins et al. (2013) este é um fenómeno bastante vinculado em países desenvolvidos, como o Reino Unido, onde cerca de 60% da população morre em hospitais.19

A nível nacional um estudo de Gomes et al. (2010) revelou uma discrepância en-tre preferências da população e os locais de óbito. Segundo este, o hospital sendo o lugar apontado como o menos dese-

Page 45: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

46 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

jado para morrer continua a ser o princi-pal local de morte, assistindo-se em 2010 a uma percentagem de óbitos a rondar os 62%.20 Contudo, se por um lado assisti-mos a uma elevada taxa de mortalidade em contexto hospitalar, o que deveria fa-miliarizar os profissionais com este tipo de procedimento, por outro esta conceção “hospitalocêntrica” cria ainda grande re-lutância nestes.

Nestas instituições os défices de comu-nicação entre os membros das equipas multidisciplinares, os cuidados não perso-nalizados, o modelo biomédico e a obsti-nação terapêutica, vocacionados sobre-tudo para o tratamento ativo da doença, dificultam a tomada de decisões em fim de vida e um adequado controlo de sinto-mas.8,19,21,22,23 Ellershaw (2003) refere ainda como barreiras à realização do diagnósti-co de morte iminente: a esperança que o

doente melhore; a ausência de diagnós-tico definitivo; a dificuldade em reconhe-cer sinais/sintomas chave; a dificuldade em comunicar com o doente/família, e as barreiras espirituais, culturais e médico-le-gais.8 Todos estes fatores tem contribuído para que alguns estudos levados a cabo em contexto hospitalar revelem um assin-cronismo entre os ideais preconizados e a real tipologia de cuidados prestados ao doente em fim de vida.1

MetodologiaNo sentido de sistematizar o estado do conhecimento sobre o objeto em análise a pesquisa foi direcionada de modo a res-ponder a uma questão central:

Quais os fatores que interferem no diag-nóstico clínico do doente nos últimos dias ou horas de vida, num contexto hospitalar destinado a doentes agudos?

Quadro 1Protocolo de investigação PICOD

P Participantes Quem foi estudado? • Enfermeiros e Médicos;

• Doentes nos últimos dias ou horas de vida;

• Hospital de Agudos.

Palavras chave:factors; obstacle; barrier; diagnose; process of diagnosis; last hours or days of life; end-of-life care; terminal care; end-of-life; palliative care; care of the dying; acute hospital ; acute hospital wards; acutely unit.

I Intervenções O que foi feito? • Diagnóstico de últimos dias ou horas de vida;

• Fatores que influenciam o processo de diagnóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida.

C Comparações Podem existir ou não.

• Encontrar eventuais com-parações por caraterísticas de profissionais (enfermeiro/ médico) ou serviços.

O Outcomes Resultados, efeitos ou consequências

• Diagnóstico de últimos dias ou horas de vida: fatores que influenciam, positivamente ou negativamente o proces-so de diagnóstico clínico;

• Efeitos do não diagnóstico no doente, na família e nos profissionais de saúde.

D Desenho do Estudo

Como é que a evidência foi recolhida?

Qualitativa: estudos fenome-nológicos; grounded theory, en-trevista narrativa, focus group; entre outros.

Page 46: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

47cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Com o objetivo de operacionalizar a questão de partida associámos questões orientadoras: Quais os fatores que facili-tam e/ou dificultam o processo de diag-nóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida? Qual o impacto das ca-racterísticas pessoais, profissionais, sociais, culturais e do contexto de prestação de cuidados, no processo de diagnóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida?

Delineara-se como critérios de inclusão: estudos de natureza qualitativa, realizados entre Janeiro de 2008 e Setembro de 2013, no âmbito do contexto hospitalar e que incluíssem apenas doentes adultos em fim de vida. Foram excluídos estudos cuja abordagem da problemática ocorre-se unicamente em contexto comunitário ou em unidades de cuidados paliativos. Definiram-se diversas combinações de palavras-chave, recorrendo aos idiomas português, francês, inglês e espanhol. Os

parâmetros considerados indispensáveis para a leitura, análise e resumo dos artigos definiram-se segundo o protocolo PICOD (Quadro 1).

Para reunir a literatura científica relevan-te para a investigação foram consultadas bases de dados de referência e de texto integral. Concomitantemente, de forma a refinar a pesquisa foram ainda consulta-das publicações de referência em cuida-dos paliativos.

Da pesquisa realizada obtiveram-se 101 referências bibliográficas, das quais após leitura do abstract foram selecionadas 69. Numa última fase de seleção, em que foi realizada a leitura integral de todos os arti-gos e aplicados todos os critérios de inclu-são e exclusão anteriormente referidos, o corpus de análise ficou constituído por 11 artigos (ver quadro 2), dos quais 7 de natu-reza qualitativa, 3 revisões sistemáticas da literatura e 1 estudo misto (Figura 1).

Figura 1Algoritmo de selecção de artigos

Page 47: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

48 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

ResultadosA maioria dos artigos foi publicada no ano de 2013 (Figura 2). Foi interessante ve-rificar que após filtragem dos critérios de inclusão definidos não foram encontrados artigos relevantes para a temática com origem na literatura científica portugue-sa, ocorrendo a maioria das publicações em países de origem anglo-saxónica e na Austrália (Figura 3).

Torna-se assim interessante referir um estudo realizado por Baxter et al. em 2010 onde foram avaliados 40 países, os quais são precisamente o Reino Unido, a Austrália e os EUA que lideram o ranking de locais considerados com melhor qua-lidade de cuidados em fim de vida.24 A predominância de estudos nestes países pode associar-se a um maior número de infraestruturas especializadas na área dos cuidados paliativos, à existência de guidelines e planos estratégicos nortea-dores de cuidados de excelência no final de vida24 e consequentemente ao maior desenvolvimento que a área dos Cuida-dos Paliativos assume nestes países. A es-treita relação entre a publicação de arti-gos no âmbito do diagnóstico de últimos dias ou horas de vida e o Reino Unido pode ainda ser explicada pelo facto de este ser um país intimamente relaciona-do com o desenvolvimento de protoco-los de cuidados integrados para o fim de

vida, em particular o Pro-tocolo de Liverpool.

Em termos de partici-pantes dos estudos, en-contra-se sobretudo uma perspetiva direcionada para dois grupos profissio-nais, enfermeiros e médi-cos o que em si constitui uma limitação dos mes-mos. Importará no futuro avaliar fatores relaciona-dos com outros elementos da equipa, já que estes terão certamente um pa-

pel fulcral quer no diagnóstico, quer no colmatar de alguns dos obstáculos apre-sentados. Por outro lado, um menor núme-ro de estudos direcionados para a família, pode estar relacionado com dificuldades éticas em avaliar este grupo em momen-tos de grande stress emocional como são os últimos dias ou horas de vida.

Ao nível de serviços em estudo, importa realçar a elevada predominância de uni-dades de cuidados intensivos, factor que pode ser interpretado como um indicador de qualidade pela crescente atenção e preocupação dedicada a este grupo de doentes.

Fatores que interferem no processo de diagnóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida De acordo com os pressupostos teóricos de referência analisados e de forma a fa-cilitar a análise deste artigo, organizaram-se os fatores que interferem no processo de diagnóstico em cinco categorias: doente, família, contexto social e cultural, profissional de saúde e contexto de pres-tação de cuidados (figura 4).

Fatores relacionados com o doenteApesar desta revisão se focar no estudo do doente adulto em fim de vida, importa ressaltar o fator idade. Perante uma etapa do ciclo de vida onde não é espectável

Figura 2Distribuição por ano publicação

Page 48: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

49cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

a ocorrência da morte, como é o caso de crianças, adolescentes e jovens adultos o seu reconhecimento e aceitação consti-tui um processo difícil para os indivíduos, repleto de incerteza e emoção.2

O diagnóstico de base influencia tam-bém a acuidade do diagnóstico de últi-mas dias ou horas de vida. Doenças cróni-cas não oncológicas ou degenerativas e situações de pluripatologia são as que maiores dificuldades trazem aos profissio-nais, existindo um maior à vontade em identificar doentes com doenças oncoló-gicas onde é clara a delimitação entre a fase curativa e fase paliativa.2,25 Por outro lado a forma como decorre a trajetória da doença configura também o proces-so. Situações de insuficiências de órgão em que o doente passa por repetidos episódios de agudização severa, antes mesmo da sua morte, muitas vezes ines-perada,26 dificultam a previsão de morte iminente e provocam na equipa e na fa-mília a crença na recuperação.27 No que respeita às doenças degenerativas o de-clínio progressivo e prolongado ao longo de vários anos, oculta os sinais e sintomas de proximidade de morte, dificultando a transição para os cuidados adequados nesta fase da vida.4,26,27

O estado clínico do doente - o estado de consciência, a agitação ou confusão

mental, a instabilidade clí-nica e a necessidade de sedação - reflete-se na sua capacidade de comu-nicação e participação na tomada de decisões influenciando substancial-mente a sua autonomia e configurando a expressão dos sinais e sintomas de proximidade de morte.27,28 As experiências prévias, as atitudes dos familiares e a relação terapêutica desenvolvida com a equi-

pa profissional, influenciam o processo de adaptação à doença e a interação com as equipas de saúde.28,29,30

Fatores relacionados com a famíliaAo estar inevitavelmente envolvida no processo de doença, a família adquire de forma quase inata um duplo papel. Por um lado, é influenciada por todo o pro-cesso de doença, por outro constitui em si mesma um fator capaz de transformar a cascata de acontecimentos que conduz ao diagnóstico do doente nos últimos dias ou horas de vida.

É de salutar importância a inclusão da família nos cuidados para que ela própria constitua um aliado durante o processo de diagnóstico e de tomada de decisões relativas ao fim de vida. Nos estudos ana-lisados verificou-se que o facto de existi-rem défices na capacidade de comuni-car com a família, conduziu ao seu não envolvimento no processo, o que funcio-nou como barreira para a própria equipa de cuidados.1,25,28,29 As divergências entre família e doente quanto à trajetória dos cuidados, as expectativas irrealistas e a conspiração do silêncio constituem ainda fatores com elevado impacto nas atitudes da equipa e na possibilidade de discussão aberta acerca do verdadeiro prognóstico do doente.2,625,28

Figura 3Distribuição por país de origem

Page 49: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

50 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Fatores relacionados com o contexto social e culturalApesar, de todas as mudanças sociocul-turais verificadas nas últimas décadas, a morte permaneceu como um assunto tabú intemporal e transcultural, provocan-do uma frenética procura pela imortali-dade.2,27 A medicina tecnologicamente avançada tornou-se o foco das socie-dades modernas onde o morrer é visto como um fracasso. O ênfase colocado na cura conduziu à perda da perceção das verdadeiras necessidades e desejos do doente e sua família,28 e provocou nos profissionais uma considerável ansiedade na comunicação do prognóstico e na dis-cussão do plano de cuidados para o fim de vida.27 A nível hospitalar a negação so-cial da morte deixa a sua impressão, tra-duzindo-se num conjunto de atividades frenéticas curativas nos instantes que an-tecedem a morte do doente ou na distri-buição destes por quartos de isolamento, para que a morte de um doente não su-foque os restantes indivíduos.1 Por último a transculturalidade - práticas culturais e re-

ligiosas, valores e crenças de cada doen-te - constitui também um fator a ter em conta no diagnóstico, não só pela influên-cia que pode dar a todo o processo, mas também pela necessidade de cuidados culturalmente sensíveis.29

Fatores relacionados com os profissionais de saúdeUma abordagem a este grupo unicamen-te centrada no foro profissional ou nas suas competências técnicas tornar-se-ia dema-siado redutivista. Importa entender estes profissionais enquanto seres complexos que estabelecem uma relação dinâmica com o meio que os rodeia e que interagem com pessoas em situação de particular vulnera-bilidade.

De forma genérica a componente pes-soal, a formação, a prática profissional e os sentimentos vivenciados configuram a atuação do profissional durante o processo.

As experiências prévias, as crenças, os valores e as opiniões de cada profissional, conduzem à divergência de pareceres no seio da equipa.3,6 A idade e um menor

Figura 4Fatores que Interferem no processo de diagnóstico cínico do doente nos últimos dias ou horas de vida, num contexto de hospital de agudos

Page 50: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

51cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

tempo de experiência profissional com doentes em fim de vida, são apontados como fatores dificultadores ao diagnós-tico, o que se traduz numa menor ca-pacidade em avaliar sinais subjetivos de proximidade de morte.4 Por outro lado, profissionais com maior tempo de expe-riência com este subgrupo de doentes são associados a uma maior capacidade na gestão de conflitos e em lidar com si-tuações de maior carga emocional.1,3

A negação social da morte torna-se transversal ao profissional e conduz à re-nitência em falar da morte, a sentimentos de medo quanto à própria finitude bem como à possibilidade da revivência de lutos anteriores não resolvidos.2,6 Quando estes elementos são geridos de forma ine-ficaz surgem movimentos de fuga, com prejuízo na capacidade do profissional estar atento a pormenores sugestivos de morte iminente.1 Contrariamente, habili-dades pessoais como a empatia, a capa-cidade relacional e a inteligência emo-cional são apontadas como facilitadores ao diagnóstico.1

A formação é transversal à maioria dos estudos analisados, sendo os autores unâ-nimes ao concluir que a persistência de défices na área tem complicado a tarefa dos profissionais no diagnóstico de últimos dias ou horas de vida.1,2,6,25,27,28,29 São apon-tados como fatores desencadeantes, a organização curricular dos cursos base, onde disciplinas de cuidados paliativos são muitas vezes opcionais ou com re-duzida carga horária bem como a falta de formação pós-graduada.28,29 Bloomer et al. (2011) introduz ainda um tópico de salutar importância neste domínio, a ne-cessidade de estender a educação ao doente, à família e à sociedade para que estes possam compreender melhor a transição dos cuidados no final da vida e aceitar o diagnóstico de últimos dias ou horas de vida.2

O tipo de especialidade clínica do pro-

fissional e os seus conhecimentos base sobre doença aguda e/ou crónica são também elementos que influenciam a interpretação de dados, a definição de objetivos e o estabelecimento de priori-dades para o doente.3

Tendo em conta que nenhum dos arti-gos do corpus de análise era português é possível constatar que a necessidade de formação e o impacto da sua ausência são uma realidade transversal a vários países.

A comunicação surge como elo de li-gação dentro da equipa interdisciplinar, entre as diferentes equipas hospitalares e claramente entre a equipa, o doente e a família.1,3,6,27 É também através deste veículo que se torna possível estabelecer uma ponte entre os serviços onde são prestados os cuidados e as administra-ções hospitalares, permitindo a disponibi-lização de recursos ou a persuasão para a introdução de protocolos integrados de cuidados.6

A dificuldade em lidar com a incerteza de um diagnóstico, associada a défices na capacidade de comunicação, im-pede a equipa de discutir abertamente sobre o estado do doente, de procurar consenso quanto ao diagnóstico e de re-direcionar o plano de cuidados. O que di-ficulta a transmissão de informação à fa-mília acerca do real estado de saúde do doente.1,29 Um estudo de Seal em 2007, re-ferido por Holland (2013) salienta o papel dos enfermeiros na iniciação de diálogos, quer dentro da equipa, quer entre a equi-pa e a família, tendo ainda comprovado que são estes, quando devidamente bem formados, quem se sente mais confortável em iniciar a gestão do diálogo acerca do diagnóstico de últimos dias ou horas de vida. 28

No âmbito da prática profissional o diagnóstico pressupõe uma avaliação interdisciplinar e consenso na equipa.3 O défice de critérios claros e universais

Page 51: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

52 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

é apontado como agente dificultador,25 impondo ao processo um caráter subje-tivo. A dificuldade de prever exatamente o momento da morte, a não solicitação de segunda opinião a outros profissionais, a dificuldade na gestão de dilemas e prognósticos demasiado positivos, sobres-timando o tempo de vida, são também motivos ao não diagnóstico.1,27,29 Toda esta ambiguidade é percetível nos registos dos profissionais onde expressões como “para cuidados de suporte”, “apenas cuidados de conforto” ou “para não reanimação” substituem o diagnóstico claro de “últimos dias ou horas de vida”.4,25

A morte interiorizada como algo contor-nável gera sentimentos de angústia pes-soal, esperança que o doente melhore e frustração pessoal e profissional, que con-dicionam a capacidade de tomar deci-sões e incutem no diagnóstico um pressu-posto de condenação e um deixar de lutar pelo doente. Sendo estes acompanhados da manutenção de medidas invasivas e da supressão de cuidados ativos de conforto até aos últimos instantes de vida.1,4,25,27,28

Fatores relacionados com o contexto de prestação de cuidados “hospital de agudos”A cultura que se faz sentir ao nível dos hos-pitais espelha o frenesim das sociedades modernas onde está impressa a negação da morte. Estas instituições, vistas como lo-cais de esperança e nunca de morte4,27,29 reforçam a dificuldade em realizar um diagnóstico de últimos dias ou horas de vida. Aliado a este fator surge o foco de cuidados hospitalares centrado na inves-tigação, na cura e no prolongamento da vida, em detrimento do conforto.2,4,29 Con-comitantemente a não integração de práticas e princípios dos cuidados palia-tivos está também relacionada com uma menor sensibilização dos profissionais, o que aporta maior número de lacunas ao nível do diagnóstico.30

Aspetos organizacionais como a eleva-

da carga de trabalho, a pressão exerci-da sobre quem aqui trabalha, o rácio de doente por profissional, a coexistência de cuidados a doentes agudos e a sobreva-lorização destes cuidados são também apontados como fatores que influenciam o diagnóstico, já que contribuem para centrar a atenção do profissional para tarefas de rotina e questões técnicas.1,6,30 Concorre ainda para este facto o ambien-te impessoal, sem privacidade e não pre-parado para o cuidar no final de vida.27

De forma expectável, a maioria dos es-tudos referiu o trabalho de equipa como um dos fatores com maior impacto ao ní-vel do diagnóstico. É interessante observar uma contínua referência à necessidade de uma visão holística nos cuidados, que no entanto é descurada quando está em causa a visão da equipa como um “todo”. Sistematicamente, os profissionais apontam o trabalho de equipa como fa-tor dificultador e raramente como facilita-dor.2,4,6 São referidos como obstáculos ao diagnóstico: a renitência na partilha de informações, a falta de consenso quanto ao diagnóstico e às intervenções a imple-mentar, a não continuidade dos cuida-dos que permita uma avaliação contínua e holística, a frustração de alguns profissio-nais em torno de práticas, desigualdades e sistemas de protagonismo enraizados na cultura hospitalar e na sociedade, as divergências muitas vezes ligadas à su-bordinação historicamente associada a enfermeiros em relação às equipas mé-dicas, os constrangimentos, sobretudo re-feridos por enfermeiros, em não participar ativamente na realização do diagnóstico e coexistência de diversas especialidades médicas.1,2,3,6,29,30

Não obstante, a manutenção de pa-drões de comunicação eficazes, a redu-ção de erros no diagnóstico, o acompa-nhamento interdisciplinar do doente e da família, a rentabilização dos conhecimen-tos de cada profissional e a satisfação de

Page 52: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

53cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Quadro 2Artigos considerados na Revisão Sistemática da Literatura

Título do Artigo Autores Referência Ano / País

Participantes Desenho do Estudo

1. Diagnosing dying in the acute hospital setting – are we too late?

Gibbins, J. et al. Clinical Medicine 9 (2). Royal College of Physicians; p. 116-1192009 / Reino Unido

100 Doentes Qualitativo/ Retros-petivo, com recurso a análise de registos clínicos e de Enfer-magem

2. Challenges in transition from intervention to end of life care in intensive care: A qualitative study

Coombs, M. et al. International Journal of Nursing Studies 49; p. 519-5272012 / Inglaterra

13 Enfermeiros e 13 Médicos

Qualitativo/ Entrevista semiestru-turada/ Análise de conteúdo

3. The “dis-ease” of dying: Challenges in nursing care of the dying in the acute hospital setting. A qualitative observational study

Bloomer, M. et al. Palliative Medicine 27 (8); p. 757-7642013 / Austrália

25 Enfermeiros Qualitativo/Focus Group/ Entrevista semiestruturada individual

4. End-of-life Care in an Acute Care Hospital: Linking Policy and Practice

Sorensen, R. & Iedema, R

Death Studies 35:6; p. 481-5032011 / Austrália

Médicos e Enfermeiros

Qualitativo/ Estudo Etnográfico/Focus Group/Entrevista

5. End-of-life care in acute hospitals: an integrative literature review

Bloomer, M. et al. Journal of Nursing and Healthcare of Chronic Illness 3(3); p. 165-1732011 / Austrália

Chronic illness, End-of-life, Hospital, Litera-ture review

Revisão Sistemática da Literatura

6. Dying in an acute hospital setting: the challenges and solutions

Al-Qurainy, R. et al. The International Journal of Clinical Practice 63 (3); p. 508-5152009 / Reino Unido

Dying; Acute hospital; Challenges; Solutions

Revisão Sistemática da Literatura

7. Influencia de las emo-ciones en el juicio clínico de los profesionales de la salud a propósito del diagnóstico de enfermedad terminal

García-Caro, M. et al.

International Journal of Clinical and Health Psychology 10(1); p. 57-732010 / Espanha

21 Enfermeiros e 21 Médicos

Qualitativo/Fenomenológico/ Grounded Theory/ Entrevistas

8. Strategies to help initiate and maintain the end-of-life discussion with patients and family members

Clabots, S MEDSURG Nursing21 (4); p. 197-2032012 / EUA

1 Doente Estudo de Caso

9. How do GPs identify a need for palliative care in their patients? An interview study

Claessen, S. et al. BMC Family Practice 14 (42); p.1-72013 / EUA

Médicos Qualitativo/Entrevistas

10. Quality Palliative Care Holland, N University of Wiscon-sin La Crosse WI; p. 435-4392013 / EUA

Palliative Care; Nursing; End-of-life care

Revisão Sistemática da Literatura

11. Staff Perceptions of End-of-Life Care in the acute care setting: A New Zealand perspective

Sheward, K. et al. Journal of Palliative Medicine 14 (5); p. 623-6302011 / Nova Zelândia

Enfermeiros, Méd-icos, Assistentes sociais, Terapeu-tas ocupacionais, Fisioterapeutas, Capelão

Qualitativo/Quantitativo/Entrevistas (Escala de Likert)

Page 53: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

54 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

todos os envolvidos são vantagens que se sobrepõem irrefutavelmente às dificul-dades sentidas por estes profissionais.1,3,6 Apenas com a uniformização de práticas é possível providenciar cuidados holísticos ao doente, evitar a sua fragmentação pe-las diversas especialidades hospitalares e promover a equidade no acesso aos cui-dados6, articulando a filosofia e a evidên-cia dos cuidados paliativos com as práti-cas dos restantes profissionais.31

Efeitos do não diagnósticoPerante a inexistência de um diagnóstico de “últimos dias ou horas de vida” a pos-tura passiva que é assumida pelos profis-sionais gera sentimentos de auto culpabili-zação que persistem mesmo após a morte do doente. Simultaneamente, a inexistên-cia de consenso promove situações de conflito dentro da equipa, com o doente e a família; dificuldade em comunicar com os envolvidos; transmissão de informações contraditórias e fomento de esperança ir-realista. Todos estes efeitos conduzem ao desrespeito pela autonomia do doente, ao descontrolo sintomático e à manutenção de medidas invasivas até aos últimos mo-mentos de vida.1,2,3,6,29,30 Contribuindo siner-gicamente para que se gere um ambiente onde a morte não tem lugar e o morrer ao contrário de um momento de despedida, partilha e crescimento, se torne no último e derradeiro muro que separa a equipa e a família do doente.

Um fim de vida com dignidade é a exi-gência que se impõe aos profissionais e às organizações de saúde. Aprofundar conhecimentos e utilizar instrumentos de planeamento relacionados com o fim de vida, são a resposta que se pretende das instituições.

Conclusões Durante a realização desta revisão obser-vou-se um aumento de artigos publicados nos últimos anos, cuja abordagem foca-

va a relação entre o ambiente hospitalar e o doente em fim de vida, demonstran-do tratar-se de um tema emergente na literatura. Esta situação constitui em si um fator positivo já que revela uma crescente preocupação dos profissionais e dos inves-tigadores com a qualidade dos cuidados prestados. De extremo interesse, foi cons-tatar que as questões relacionados com a morte e o morrer são transculturais, e que países como - Austrália, Reino Unido, USA, Espanha, Nova Zelândia e Holanda – reú-nem similares dificuldades às vivenciadas em Portugal.

A coexistência de fatores que fomentam a extensão da vida e a negação da mor-te, dificultam a realização de um diagnós-tico de últimos dias ou horas de vida e a to-mada de decisões em contexto hospitalar. A concorrer para esta realidade persiste uma cultura onde a existência de equipas de cuidados paliativos continua a ser vista como não prioritária e onde as questões da organização do trabalho se focam na produtividade e no tratamento de doen-tes agudos. A somar ao papel do contex-to onde são prestados os cuidados asso-ciam-se o papel do doente, da família, do profissional de saúde e do contexto socio-cultural. No doente, para além de aspetos pessoais surge o processo de adaptação à doença, como fator determinante na in-teração com a equipa de saúde. Esta é também influenciada pela forma como a família vivencia o processo de doença, é envolvida e participa nos cuidados. Nos profissionais, a dificuldade em lidar com a incerteza de um diagnóstico, associada a défices na formação, na capacidade de comunicação e no trabalho em equipa, impede a discussão sobre o estado do doente, a procura de consenso quanto ao diagnóstico e a redefinição do plano de cuidados. Implícito, a todos estes fa-tores, persiste o frenesim das sociedades modernas onde está impressa a negação da morte.

Page 54: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

55cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

com.pt/uploads/portuguesereport2013v6.pdf21. Direção Geral de Saúde. Circular Normativa Nº13 de 2 de Julho, Programa Nacional de Cuidados Paliativos. Ministério da Saúde. Lisboa 2004;22. Emanuel L, Frank F, Von Gunten C, Von Roenn J. The last hours of living: practical advice for clinicians. Medscape [Internet] 2009 [cited 2013 September 20]. Available from: http\\www.medscape.com/viewprogram/5808_pnt; 23. Walling A, Brown-Saltzman K, Barry T, Quan RJ, Wenger NS. Assessment Implementation of an Order Protocol for End-of-Life Symptom Management. Journal of Palliative Medicine. 2008; 11(6):857-865;24. Baxter S, Chan C, Hansen J, Clark D, Connor S, Currow D, Gozalo P, Gwyther E, Kashiwagi T, Keckley P, Kellehear A, Kumar S, Ji-Lan L, Ke M, Marston J, Meier D, Merriman A, Payne S, Praill D, Radbruch L, Rajagopal MR, Wang Y. The quality of death: Ranking end-of-life care across the world. The Economist Intelligent Unit. Lien Foundation.[Internet]. 2010 [cited 2013 September 9]. Available from: http://graphics.eiu.com/upload/QOD_main_final_edition_Jul12_toprint.pdf;25. García-Caro M, Cruz-Quintana F, Río-Valle J, Muñoz-Vinuesa A, Montoya-Juá-rez R, Prados-Peña D, Pappous A, Botella-López M. Influencia de las emociones en el juicio clínico de los profesionales de la salud a propósito del diagnóstico de enfermedad terminal. International Journal of Clinical and Health Psychology. 2010; 10(1):57-73;26. Claessen S, Francke A, Engels Y, Deliens L. How do GPs identify a need for palliative care in their patients? An interview study. In: BMC Family Practice. 2013; 14:42;27. Al – Qurainy R, Collis E, Feuer D. Dying in an acute hospital setting: the challenges and solutions. The International Journal of Clinical Practice. 2009 March; 63(3): 508-515;28. Holland N. Quality Palliative Care. University of Wisconsin La Crosse, WI. 2013 April; 11-13: 435- 439;29. Clabots S. Strategies to help initiate and maintain the end-of-life discussion with patients and family members. Medsurg Nursing. 2012 July-August; 21(4): 197-204;30. Sheward K, Clark J, Marshall B, Allan S. Staff Perceptions of end-of-life Care in the Acute Care Setting: A New Zealand Perspective. Journal of Palliative Medicine.2011; 14(5): 623-630;31. National Institute for Health and clinical Excellence: Guidance on Cancer Services. Improving Supportive and Palliative Care for Adults with cancer. The Manual. [Internet] London; 2004 [cited 2013 April 20].Available from: www.nice.org.uk/nicemedia/live/10893/28816/28816.pdf.

Entende-se que as dificuldades encon-tradas ao longo deste estudo devem constituir, per si, oportunidades a explorar de forma a procurar sistematicamente processos de melhoria de competências, e assim ultrapassar obstáculos comple-xos e há muito enraizados nas práticas profissionais e sociais relativas ao cuidar neste grupo de doentes. Neste domínio, um diagnóstico definido de “últimos dias ou horas de vida” torna-se imperativo por permitir reavaliar intervenções terapêuti-cas, reajustar o plano de cuidados e de-finir como objetivos principais o controlo de sintomas, as medidas de conforto, a suspensão de medidas inapropriadas e o apoio à família. l

Bibliografia1. Bloomer M, Endacott R, O`Connor M, Cross W. The “dis-ease” of dying: Challenges in nursing care of the dying in the acute hospital setting. A qualitative observational study. Palliative Medicine. 2013 August; 27(8): 757-764; 2. Bloomer M, Moss C, Cross W. End-of-life care in acute hospitals: an integrative literature review. Journal of Nursing and Healthcare of Chronic Illness. 2011 February; 3:165-173;3. Coombs M, Addington-Hall J, Long-Sutehall T. Challenges in transition from intervention to end of life care in intensive care – a qualitative study. International Journal of Nursing Studies. 2012 October; 49: 519-527;4. Gibbins J, McCoubrie R, Alexander N, Kinzel C, Forbes K. Diagnosing dying in the acute hospital setting- are we too late? Clinical Medicine. 2009 April; 9(2): 116-119;5. Jakobsson E, Bergh I, Öhlén J. The turning point: Identifying end-of-life care in everyday health care practice. Contemporary Nurse. 2007 December; 27 (1):107-118;6. Sorensen R, Iedema R. Enf-of-life care in an acute care hospital: linking policy and practice. Death Studies.2010; 35(6): 481-503;7. Neto I. Agonia. In: Barbosa A, Neto I. Manual de Cuidados Paliativos. Lisboa: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; 2010. 388;8. Ellershaw J, Ward C. Care of the dying patient: the last hours or days of life. BMJ. 2003 January; 326:30-34;9. Rosario MA, Pascual L, Fraile AA. La atención a los últimos días. Aten Prima-ria.2002 September, 3(5):318-322; 10. Sapeta P, Lopes MJ. Cuidar em fim de vida: factores que interferem no pro-cesso de interacção enfermeiro doente. Revista Referência, Revista Cientifica da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde. 2007 Junho; IIª Série(4):35-60;11. Sousa F. Tradução e Adaptação Linguística e Cultural para Português do Li-verpool Care Pathway. [Thesis]. Lisboa: Universidade de Medicina de Lisboa;2010 [cited 2013 Maio 17]. Available from: Universidade de Lisboa Biblioteca;12. Sapeta P. Abordagem Sociológica dos Cuidados Paliativos. Apontamentos de Aula 1ª Unidade Curricular. Mestrado em Cuidados Paliativos Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias; 2012 Outubro;13. Gómez Sancho M. Medicina paliativa en la cultura latina. Madrid: Aran Ediciones; 1999; 23-55;14. Gil-Juliá B, Bellver A, Ballester R. Duelo: Evaluación, Diagnóstico y Trata-miento. Psicooncologia. 2008; 5(1):103-116;15. Payne S. White Paper on improving support for family careers in palliative care: part 1- Recommendations from the EAPC Task Force on Family careers. European Journal of Palliative Care. 2010; 17(5):238-245;16. Paúl C. Envelhecimento e ambiente. Contextos Humanos e Psicologia ambiental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2005; 247-268; 17. Gómez-Batiste X, Espinosa J, González-Olmedo M, Martínez-Muñoz M, Lasmarias C, Novellas A, Porta J, Trelis J, Calle C, Stjernsward J. Design, imple-mentation and evaluation of Palliative Care Programs and Services with a public health WHO perspective. Institut Català d’Oncologia: WHOCC ICO. [Internet] 2011 April [cited 2013 June 20]. Available from: http://www20.gencat.cat/docs/salut/Minisite/ICO/Professionals/Documents/QUALY/Arxius/DOC_PC%20PUBLIC% 20HEALTH%20PROGRAMMES.pdf;18. Capelas L. Cuidados Paliativos: Uma Proposta para Portugal. Cadernos de Saúde. 2009; 2(1):51-57;19. Gibbins J, Reid C, Bloor S, Burcombe M, McCoubrie R, Forbes K. Overcoming Barriers to Recruitment in Care of the Dying Research in Hospitals. Journal of Pain and Symptom Management. 2013 May; 45(5): 859-867;20. Gomes B, Sarmento V, Ferreira P, Higginson I. Preferências e locais de morte em regiões de Portugal em 2010. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. [Internet] 2013 Outubro [cited December 12]. Available from: http://www.apcp.

Page 55: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

56 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

IntroduçãoA população Portuguesa permanece como uma das mais envelhecidas da Europa. Projecções nacionais recentes documentam um aumento marcado da população idosa e mortes no início do sé-culo XXI. Nos censos de 2011, existiam no país 2.010.064 habitantes com mais de 65 anos, representando 19% da população (comparativamente a 16.4% em 2001). Paralelamente, estima-se que 153.600 pessoas venham a falecer em Portugal em 2016, comparativamente com 104.434 em 2009.1

Ante este envelhecimento demográfico, a disponibilidade de Serviços de Cuidados Paliativos (CP) em Portugal permanece baixa.2 Apesar da urgência de implemen-tação e desenvolvimento destes serviços no país, a sua concretização é escassa, particularmente devido à persistência de uma cultura de negação perante a morte, á falta de capacidade de investigação na área e á escassa atenção na abordagem física, psicológica, social e espiritual aos doentes em fim de vida nos internamen-tos de agudos das unidades hospitalares do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Ao mesmo tempo que o investimento em CP tem sido heterogéneo, o número de ser-viços para doentes agudos tem crescido

Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova actividade e discussão do contributo multidisciplinar no final da vida Duarte da Silva SoaresInterno complementar de Medicina Interna, Unidade Hospitalar de Bragança, Unidade Local de Saúde do Nordeste, Membro da Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos da ULSNE

Miriam Pelissier BlancoAssistente Hospitalar em Medicina Interna, Coordenadora da Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuida-dos Paliativos, Unidade Hospitalar de Bragança - Unidade local de Saúde do Nordeste

exponencialmente, o que parece parado-xal atendendo aos dados demográficos e aos problemas clínicos mais típicos na po-pulação mais idosa.3 Particularmente, exis-te pouca evidência sobre como os servi-ços de agudos abordam doentes que são clínica e socialmente complexos, como promovem a continuidade de cuidados e previnem admissões desnecessárias.4, 5

O distrito de Bragança é o 5º maior dis-trito do país, com 12 concelhos e uma população de 136.232 habitantes, cons-tituída por uma população idosa (> 65 anos) mais prevalente (21% a 38.8%) do que a média nacional (19%).1 Além da EIHSCP (Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela), prestam, em 2014, cuidados paliativos especializados no distrito outras duas entidades: Unidade de Cuidados Pa-liativos situada em Macedo de Cavaleiros (internamento, com oito camas) e uma equipa domiciliária de Cuidados Paliati-vos, a prestar assistência em três conce-lhos - Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro (UDCP-PM).

Com o objectivo de melhorar e unifor-mizar a abordagem a esta população específica nos hospitais de agudos, em 2011 e 2014 o Ministério da Saúde regula o enquadramento das Equipas Intra Hos-pitalares de Suporte em Cuidados Paliati-

Page 56: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

57cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

vos (EIHSCP), tornando obrigatória a exis-tência de uma equipa em cada unidade hospitalar do SNS.6, 7 Pelo seu carácter ho-lístico na abordagem deste tipo de doen-tes, a Medicina Interna torna-se elemento fundamental tanto na prestação directa de cuidados como na íntima colabora-ção com as EIHSCP. A EIHSCP da Unida-de Local de Saúde do Nordeste (ULSNE) é composta por quatro médicos, quatro enfermeiros, três assistentes sociais e uma psicóloga. Nenhum destes elementos pos-sui horário exclusivo para o desempenho destas funções. A EIHSCP presta cuidados desde o dia 1 de Dezembro de 2013, nas unidades hospitalares de Bragança (BRG), Macedo de Cavaleiros (MAC) e Mirande-la (MIR), compostas respectivamente por 251, 99 e 114 camas de internamento.

Entendemos assim relevante apresentar a actividade desta equipa, assim como abordar criticamente o seu funcionamen-to, tendo particular atenção aos seus ou-tputs nos serviços de internamento onde actua. Acreditamos ser este trabalho útil para outros profissionais que desempe-nhem (agora ou no futuro) funções em EIHSCP ou que prestem cuidados a doen-tes em fim de vida, nomeadamente aque-las que actuam ou pretendem actuar no interior do país.

ObjectivosO objectivo principal deste estudo/artigo é descrever os primeiros nove meses de actividade da EIHSCP da ULSNE, dando também a conhecer as características da população-alvo.

Os objectivos secundários são abordar criticamente os resultados, considerando os obstáculos que enfrentam este tipo de equipa na prestação de cuidados assim como os resultados que poderão ter nos cuidados prestados na população alvo.

MétodosDescrição da casuística da actividade clí-

nica assistencial, mediante consulta retros-pectiva dos registos clínicos informáticos dos pacientes observados pela EIHSCP de 01/12/2013 a 31/08/2014 (primeiros nove meses de actividade). O autor principal foi o responsável por recolher toda a informa-ção. Os dados recolhidos consistiram em: género; idade; unidade hospitalar; serviço de internamento; data de admissão; data de alta; data de referenciação à EIHSCP; diagnóstico principal; sintomas reconhe-cidos à data da primeira avaliação pela EIHSCP; conhecimento de diagnóstico à data da primeira avaliação da EIHSCP; número de avaliações médicas; número de avaliações de enfermagem; interven-ção de assistente social, nutricionista, psi-cólogo, fisioterapeuta e capelão; destino; estado funcional (mediante ECOG – Eas-tern Cooperative Oncology Group – me-dida global de desempenho funcional do doente, com cinco estadíos, em que “0” significa totalmente assintomático e “5” morte); indicação sobre a ocorrência de reunião familiar, em que pelo menos um dos elementos da EIHSCP esteve presen-te; indicação sobre a ocorrência de mor-te e respectiva data; consulta de luto; uso de opióides; termos em diário clínico que sugerissem descalamento de terapêutica, como “medidas de conforto”, “descala-mento de medidas”, “descalamento de terapêutica” e “controlo sintomatológico” (por “descalamento de terapêutica”, en-tendeu-se, para o efeito do presente es-tudo, abandono de terapêutica instituída com índole curativa); e informação ad-ministrativa sobre episódios de urgência após a alta. Foi feita uma análise descri-tiva das diversas variáveis e os resultados são criticamente discutidos.

ResultadosEntre 01/12/2013 e 31/08/2014 (274 dias de actividade) a EIHSCP da ULSNE pres-tou directamente cuidados a 101 doen-tes, num total de 104 admissões (BRG- 69;

Page 57: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

58 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

MAC- 19; MIR- 16), sendo 51 pacientes (50.5%) do género feminino e 50 (49.5%) masculino, com média de idades 75 anos (mediana 78, desvio padrão 12). O doen-te mais novo tinha 39 anos e o mais velho 100 anos (Figura 1).

O mês com maior actividade foi Julho (21 referenciações, 20%) e o mês com me-nos episódios foi Janeiro (6 referenciações, 5,7%), numa média de 12 referenciações mensais (mediana 11) (Figura 2).

O tempo médio decorrido desde a admis-são até à referenciação à EIHSCP foi de 5 dias (máximo 27 dias, mínimo no próprio dia).

Os serviços com maior número de refe-renciações foram a Medicina Interna, n=78 (75%) (BRG = 55; MAC = 18; MIR = 5), seguin-

do-se Cirurgia Geral, n= 19 (18.2%) (BRG = 9; MAC – sem internamento; MIR = 10), Ortopedia (n=4), Urolo-gia (n=1), Otorrinolaringo-logia (n=1) e Unidade de Cuidados Intensivos (n=1).

Dos 101 pacientes ob-servados, 82 (81%) tinham como diagnóstico prin-cipal patologia do foro oncológico, sendo mais prevalentes as neoplasias do foro gastrointestinal (n= 18, nos quais se incluem cólon (n=7) e estômago (n=6) como mais frequen-tes), hepato-biliar (n=15), mama (n= 13) e pâncreas (n=11) como se observa no Figura 3.

Apenas 19 (18.8%) doen-tes tinham como diagnósti-co principal patologias não oncológicas, destacando-se a insuficiência cardíaca terminal (n=6), demência (n=5) e doença pulmonar obstrutiva crónica (n=3) como mais frequentes.

Dos 101 doentes ou famílias abordadas, 45 tinham conhecimento de diagnóstico e do prognóstico no momento da primeira avaliação pela equipa, 34 tinham conhe-cimento apenas do diagnóstico e 22 não tinham conhecimento nem do diagnóstico nem do prognóstico.

À data da primeira avaliação da EIHS-CP, cerca de metade dos doentes (n=54) apresentaram-se totalmente acamados, com um ECOG= 4; 31 apresentaram-se sintomáticos passando mais de 50% do tempo acordados na cama ou cadeira (ECOG = 3).

No que diz respeito aos sintomas no mo-mento da primeira avaliação, a dor (n= 86) foi o sintoma mais prevalente, seguida

Figura 1Dispersão de idades

Figura 2Número de referenciações por mês

Page 58: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

59cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

de dispneia (n=46), astenia (n=29), anorexia (n=27), obstipação (n=21), agitação (n=16) e linfedema (n=11). 82 doentes tiveram acesso a opióides (89% dos que apresen-tavam dor na primeira avaliação). A totali-dade das primeiras avaliações foi realizada por um dos médicos da EIHSCP, sendo res-ponsabilidade do mesmo propor a orienta-ção para as reavaliações necessárias pe-los restantes elementos da equipa. As 105 referenciações originaram um total de 271 avaliações médicas (média 2.6, mediana 3.2) e 436 avaliações de enfermagem (mé-dia 4.2, mediana 5.7). 73 doentes recebe-ram apoio psicológico (doente ou família), 63 contactaram pelo menos uma vez com um assistente social pertencente à equipa, 48 receberam apoio espiritual, 35 contac-taram com nutricionista e 18 iniciaram ou mantiveram programas de reabilitação motora / terapia ocupacional. Na grande maioria dos casos (86 episódios) foi realiza-da reunião familiar, em que pelo menos um dos elementos da EIHSCP esteve presente. Em 68 casos foi identificada informação nos diários clínicos sugestiva de descalamento de terapêutica (ver métodos).

Os tempos de permanência nos respec-tivos serviços de internamento caracteri-zam-se por uma média de 13 dias de inter-namento (mediana 21), com um mínimo de 1 dia (alta contra parecer médico) e má-

ximo de 55 dias. Faleceram no internamento hospitalar 41 pacientes e 32 foram admitidos em unidade de internamento de cuidados paliativos, tendo 20 dos mesmos terminado por fa-lecer naquele serviço. Em relação aos doentes que faleceram em internamen-to hospitalar, estes dados resultam num tempo mé-dio desde a referenciação à EIHSCP até à morte de 7.5 dias (mediana 6, desvio

padrão 10, sendo o mínimo no próprio dia (foram referenciados doentes à EIHSCP no próprio dia do falecimento em 4 casos) e o máximo 56 dias). No pós-morte, 43 famílias receberam consulta de luto (intervenção específica realizada pela psicóloga clínica, 20 doentes em regime de internamento da UCP e 23 em regime de internamento hos-pitalar).

Tiveram alta para o domicílio 21 doen-tes, 9 com apoio de Equipa de Cuida-dos Continuados Integrados (ECCI) e 6 com apoio de Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos do Planalto Miran-dês (UDCP-PM). Em 3 casos este apoio foi conjunto pelas duas equipas, em doentes pertencentes à área de influência da UD-CP-PM. Sete doentes foram reencaminha-dos para unidades de longa duração. Nos restantes 6 casos não foi possível organizar qualquer tipo de apoio domiciliário atra-vés do hospital ou da rede nacional de cuidados continuados integrados. Dos 60 doentes que tiveram alta, 17 recorreram novamente ao Serviço de Urgência, num total de 21 episódios.

DiscussãoA auditoria clínica aqui apresentada é, segundo temos conhecimento, das pri-meira a revelar dados sobre a actividade de uma Equipa Intra Hospitalar de Suporte

Figura 3Patologias oncológicas como diagnóstico principal

Page 59: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

60 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

em Cuidados Paliativos no SNS. Para além disto, esta revela a realidade de doentes em fim de vida admitidos em hospitais do interior, numa região com particularidades em termos demográficos e de dificuldade em acesso aos serviços, especialmente no final da vida.

Entendemos que, no seu global, os resul-tados apresentados são positivos. Nomea-damente, a EIHSCP proporcionou uma prestação de cuidados holística, nas ver-tentes psicológica, física, social e espiritual. Tal é demonstrado pelo número de inter-venções efectuadas pelos elementos dos distintos grupos profissionais.

Tendo em consideração a evidência que sugere que a dor é insuficientemente reconhecida e tratada sobretudo na po-pulação idosa8, consideramos importante realçar que em 82% das referenciações a dor foi reconhecida como sintoma activo na primeira avaliação da equipa e em 78% dos mesmos foram utilizados opióides. Tais dados sugerem que a EIHSCP propor-cionou um maior reconhecimento e abor-dagem de sintomas prevalentes no final da vida, muitas vezes ignorados na mesma população sem apoio da equipa.

Para além do descrito, o baixo número de doentes que utilizaram o serviço de ur-gência após a alta sugerem um impacto relevante das EIHSCP na reutilização de serviços de doentes agudos após o con-tacto com a equipa. Estes dados poderão reflectir um maior seguimento dos pacien-tes e cuidadores, preparando-os para li-dar com situações de difícil abordagem, mas também uma melhor adequação dos serviços de saúde à fase avançada da doença. Contudo, estes dados devem ser interpretados com cautela, uma vez que o estudo não teve como objectivo principal avaliar este indicador nem com-parou com um grupo de controlo, e care-ce de poder estatístico para o efeito. Por outro lado, a data desta auditoria revela-se muito precoce em relação à alta de

uma proporção significativa dos doentes. Um novo estudo direccionado a entender que recursos de saúde são efectivamente utilizados por esta população após a alta e qual o impacto em termos de custos po-derá ser útil.

Realçamos que o número de doentes não oncológicos referenciados à EIHSCP é baixo (N=19). Embora esta situação seja comum no nosso país ainda que superior a dados de outras equipas de CP9, consi-deramos ser possível no futuro a referen-ciação de mais doentes não-oncológicos ás EIHSCP. Tal poderá ser atingido com melhor conhecimento da evolução das doenças crónicas e incuráveis.10

A referenciação dos pacientes à EIHSCP é tardia, sendo que mais de 80% dos pa-cientes tinham um estado funcional baixo (ECOG= 3 ou 4) e, dos doentes que termi-naram por falecer no internamento, 28.8% foram referenciados nos últimos 5 dias de vida, possivelmente devido a uma cultura de negação da morte, à insegurança dos profissionais na hora de abordar o prog-nóstico junto do doente e/ou dos fami-liares bem como o desconhecimento do impacto que os cuidados paliativos pode-rão ter em fases mais precoces da doen-ça. Por este motivo, o número de doentes que iniciaram ou mantiveram programas de reabilitação dirigida á promoção da autonomia e qualidade de vida na termi-nalidade é relativamente baixo.11 Tal resul-tado também poderá indiciar a necessi-dade de diversificar a oferta de cuidados paliativos que incluam terapêuticas não farmacológicas direccionadas e activida-des de reabilitação ocupacional.

Finalmente, chamamos a atenção para o facto de uma proporção relevante dos pacientes e/ou famílias não ter, na primei-ra abordagem pela equipa, conhecimen-to do diagnóstico e prognóstico (22%). Uma percentagem ainda maior (34%) ti-nha conhecimento do diagnóstico mas não do prognóstico. Pensamos, contudo,

Page 60: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

61cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Sílvia Aleixo e Maria Silva; Médicos Teresa Ramos, Liseta Gonçalves e Ângela Silva. l

Bibliografia1. Instituto Nacional de Estatística. Censos 2011. In: Estatística INd, editor. Ins-tituto Nacional de Estatística web page: Instituto Nacional de Estatística,; 2011.2. Gomes B, Higginson IJ. Evidence on home palliative care: Charting past, present, and future at the cicely saunders institute - WHO collaborating centre for palliative care, policy and rehabilitation. Progress in Palliative Care. 2013 September;21(4):204-13. PubMed PMID: 2013516447.3. Instituto Nacional de Emergência Médica. A emergência médica www.inem.pt2013 [cited 2013 05/09/2013].4. Carew HT, Zhang W, Rea TD. Chronic health conditions and survival after out-of-hospital ventricular fibrillation cardiac arrest. Heart.93(6):728-31. PubMed PMID: 17309904.5. Kim C, Becker L, Eisenberg MS. Out-of-hospital cardiac arrest in octogena-rians and nonagenarians. Archives of Internal Medicine. 2000;160 (22). Pubmed Central PMCID: 11112237.6. Ministério da Saúde. Despacho nº 7968/2011. In: Ministério da Saúde, editor. Diário da República, 2ª série, nº 107: Ministério da Saúde,; 2011.7. Ministério da Saúde. Despacho n.º 10429/2014,. Diário da República, 2ª serie, nº152, : Ministério da Saúde,; 2014.8. Breivik H, Collett B, Ventafridda V, Cohen R, Gallacher D. Survey of chronic pain in Europe: Prevalence, impact on daily life, and treatment. European Journal of Pain. 2006 May;10(4):287-333. PubMed PMID: 2006146341.9. Ferraz Goncalves JA, Almeida A, Antunes C, Cardoso M, Carvalho M, Claro M, et al. A cross-sectional survey of the activity palliative care teams in Portugal. Palliative Medicine. 2012 June;26 (4):623-4. PubMed PMID: 71176713.10. Murray SA, Kendall M, Boyd K, Sheikh A. Illness trajectories and palliative care. BMJ (Clinical research ed). 2005 30 Apr;330(7498):1007-11. PubMed PMID: 15860828.11. Howell D. Shifting dying trajectories: Integrating self-management and pallia-tive care. International Journal of Palliative Nursing. 2012 October;18(10):471. PubMed PMID: 23123948.12. Gomes B, Higginson IJ, Calanzani N, Cohen J, Deliens L, Daveson BA, et al. Preferences for place of death if faced with advanced cancer: a population survey in England, Flanders, Germany, Italy, the Netherlands, Portugal and Spain. Annals of Oncology. 2012 Aug;23(8):2006-15. PubMed PMID: WOS:000306924400014.

que o elevado número de reuniões fami-liares (82% dos episódios) poderá ter con-tribuído para uma maior disponibilização da informação pertinente na fase avan-çada da doença.

ConclusãoDurante os primeiros nove meses de acti-vidade, a EIHSCP da ULSNE teve resultados positivos na população alvo, demonstran-do a abordagem física, psicológica, social e espiritual que promove. Um maior co-nhecimento da informação clínica, melhor controlo sintomatológico e maior acom-panhamento dos doentes bem como dos familiares durante e após a alta hospitalar, poderão ser vistos como úteis nos serviços onde actua. Contudo, serão necessários mais estudos para entender o impacto real nos custos, no tempo de internamen-to, na utilização de recursos de saúde após a alta e na facilitação de referenciação atempada e adequada para os locais de cuidados terminais / locais de morte da preferência dos doentes.12

Como maiores obstáculos, identificamos a referenciação tardia dos doentes e a baixa referenciação de doentes de foro não oncológico. Entre outros aspectos a melhorar no futuro, incluímos também o apoio espiritual e apoio de fisioterapia / terapia ocupacional. A presença de pro-fissionais exclusivamente dedicados á equipa poderá beneficiar o acompanha-mento dos doentes, a interacção com os profissionais dos serviços de internamento e de ambulatório bem como um maior apoio aos cuidadores.

AgradecimentosOs autores agradecem o contributo à EIHSCP e demais colaboradores que direc-ta ou indirectamente tenham contribuído para este estudo, nomeadamente: Enfer-meiros Ana Gonçalves, Rui Liberal, Lígia Carvalho e Andrea Azevedo; Psicóloga Sara Costa; Assistentes Sociais Patrick Pires,

Page 61: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

62 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

Artigo original

Palavras-chavePrognóstico; cuidados paliativos; medicina interna.

Key wordsPrognosis; palliative care; internal medicine.

Palabras-llavePronóstico; los cuidados paliativos; medicina interna.

Cuidados Paliativos: Identificação da necessidade em doentes de Medicina Interna

Natália LoureiroMestre em Cuidados Paliativos e Assistente Hospitalar de Medicina Interna no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

João Manuel da Costa AmadoProfessor Associado com agregação do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

Rosa Maria de Faria FragosoChefe de Serviço do Serviço de Oncologia Médica do IPO Porto

ResumoO prognóstico é uma importante ferramenta para a decisão clínica, permitindo o ade-quado planeamento e distribuição dos recursos de saúde e evitando a futilidade tera-pêutica e diagnóstica, principalmente em um hospital de agudos onde predomina o conceito da cura. O objetivo deste estudo foi avaliar a identificação da necessidade de Cuidados Paliativos anteriores à admissão ou nas primeiras 24 horas após a admis-são, realizada pelos médicos internistas em doentes falecidos no Serviço de Medici-na Interna de um Hospital de Agudos. A metodologia utilizada partiu da análise dos processos clínicos dos doentes admitidos no hospital no período de Janeiro a Março de 2012. Observou-se um total de 125 óbitos, sendo que 49,6% já apresentavam na admissão ou nas primeiras 24 horas de admissão necessidade de cuidados paliativos. A patologia cardiovascular foi a principal definidora de critérios de cuidados paliativos. Apenas 1/3 dos doentes tiveram prognóstico explicito na admissão ao mesmo tempo que 25% nunca tiveram qualquer menção em relação ao prognóstico. O estudo mos-trou que existe ausência de preocupação acerca do controlo sintomático e que a comunicação do prognóstico não foi uma preocupação pertinente. Predominou uma atitude voltada para a futilidade terapêutica ou diagnóstica. Pudemos concluir que o atraso na decisão acerca do prognóstico indicia, principalmente, falta de reconheci-mento do papel dos cuidados paliativos em um hospital de agudos e por isso a inte-gração dos cuidados paliativos pode ajudar na transição dos objetivos de prolongar a vida para um conceito de melhorar a qualidade e o final de vida.

AbstractThe prognosis is an important tool for clinical decision, allowing proper planning and allo-cation of health resources and avoiding diagnostic and therapeutic futility, especially in the acute hospital where the whole concept of healing. The aim of this study was the

Page 62: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

63cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

identification of the need for palliative care prior to admission or within the first 24 hours after admission, performed by internal medicine in deceased patients in the Internal Me-dicine Service of an Acute Hospital. The methodology used came from the analysis of the clinical records of patients admitted to hospital during the period January to March 2012. There was a total of 125 deaths, of which 49.6% have had at admission or within the first 24 hours of admission need of palliative care. Cardiovascular disease was the main defining criteria for palliative care. Only 1/3 of the patients had at admission explicit prediction while 25% had never any mention about the prognosis. The study showed that there is no concern about symptomatic control and communication of prognosis was not a relevant concern. The predominant attitude toward the therapeutic or diagnostic futility. We con-cluded that the delay in deciding the prognosis indicates mainly the lack of recognition of the role of palliative care in a hospital in acute and therefore the integration of palliati-ve care can assist in the transition of the goals of prolonging life for a concept to improve the quality and the end of life.

ResumenEl pronóstico es una herramienta importante para la toma de decisiones clínicas, lo que permite la planificación y asignación de recursos de salud adecuada y evitar la futilidad de diagnóstico y terapéutica, especialmente en el hospital de agudos, don-de todo el concepto de curación. El objetivo de este estudio fue la identificación de la necesidad de cuidados paliativos antes de la admisión o dentro de las primeras 24 horas después del ingreso, realizado por la medicina interna en pacientes fallecidos en el Servicio de Medicina Interna de un hospital de agudos. La metodología utilizada provino del análisis de las historias clínicas de los pacientes ingresados en el hospital du-rante el período de enero a marzo de 2012. Hubo un total de 125 muertes, de las cuales el 49,6% han tenido al ingreso o en las primeras 24 horas de necesidad admisión de los cuidados paliativos. Las enfermedades cardiovasculares fueron los principales criterios que definen para los cuidados paliativos. Sólo un tercio de los pacientes tenían al in-greso predicción explícita mientras que el 25% nunca había ninguna mención sobre el pronóstico. El estudio mostró que no hay preocupación por el control sintomático y comunicación de pronóstico no era una preocupación relevante. La actitud predomi-nante hacia la futilidad terapéutica o de diagnóstico. Llegamos a la conclusión de que el retraso en la decisión el pronóstico indica principalmente la falta de reconocimiento del papel de los cuidados paliativos en un hospital de agudos y, por tanto, la integra-ción de cuidados paliativos puede ayudar en la transición de los objetivos de prolongar la vida de un concepto para mejorar la calidad y el final de la vida.

IntroduçãoDiagnosticar, tratar e prognosticar são, segundo Kellett (2008), as três principais funções de um médico.1 O prognóstico traduz a previsão dos resultados prováveis relativos ao curso previsível de uma deter-minada doença ou do seu tratamento e tem um papel importante na tomada de decisão clínica inicial, como, por exemplo, na determinação do plano terapêutico para um doente na admissão a um serviço

de internamento, permitindo selecionar e adequar tratamentos que visem manter e/ou melhorar a qualidade de vida, pro-porcionando o adequado planeamento e distribuição dos recursos de saúde. Na ótica assistencial de hospitais de agudos a prescrição de cuidados inadequados tem sido muito superior ao desejável, e a explicação apresentada assenta no não enquadramento dos cuidados propostos às reais necessidades dos doentes.2; 3

Page 63: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

64 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

E por isso, muitos dos doentes internados em hospitais de agudos, por estarem em fase avançada/terminal da doença, de-veriam ter um prognóstico definido para que fosse iniciado atempadamente um plano de cuidados sintomáticos com ob-jetivo de conforto e qualidade de vida, evitando tratamentos agressivos, não be-néficos, e que aumentam grandemente os custos associados à prestação de cui-dados.4; 5

Quadro teóricoExiste um número cada vez maior de ido-sos que apresentam doenças crónicas, sujeitos a períodos de exacerbações agu-das da doença de base. A necessidade de hospitalização é justificada pelo agra-vamento clínico de per si ou pelo fato da

família não se sentir preparada para cui-dar destes doentes.6; 7; 8

Um estudo realizado na Bélgica8 revelou que um em cada dez doentes hospitali-zados apresentava critérios de cuidados paliativos após 48 horas de internamen-to; já um estudo francês9 mostrou uma prevalência de 13% destes doentes no internamento médico hospitalar. Resulta-dos sobreponíveis foram encontrados em estudos realizados na Inglaterra10 e nos Es-tados Unidos.11

O estudo SUPPORT mostrou não só o pro-blema do cuidar em fim de vida nos hos-pitais de agudos mas também as dificul-dades em estabelecer esta prática neste ambiente hospitalar.12; 13 Estudos retrospe-tivos em hospitais de agudos mostraram que, mesmo em doentes nos quais já esta-

Quadro 1Principais causas de internamentos

Causas Nº doentes %

INFECIOSAS

Pneumonia adquirida na comunidade

Pneumonia associada a cuidados de saúde

Pneumonia de aspiração

Úlceras de pressão infetadas

Gastroenterite aguda

Traqueobronquite associada a cuidados de saúde

Infeção urinária com critérios de sépsis

45

22

13

5

2

1

1

1

37,1

21,7

8,4

3,3

1,6

1,6

1,6

CARDIOVASCULARES

Acidente vascular cerebral isquémico

Acidente vascular cerebral hemorrágico

Insuficiência cardíaca

8

3

3

2

5

5

3,3

NEOPLÁSICAS

Neoplasia primária desconhecida

Metastização cerebral (neoplasia renal primária) com encefalopatia

4

3

1

5

1,6

METABÓLICAS

Encefalopatia hepática

1

1 1,6

NEUROLÓGICAS

Estado de Mal

1

1 1,6

RENAIS

Doença Renal Crónica

1

1 1,6

60

Page 64: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

65cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

va definido o prognóstico e estavam iden-

tificados como em fase terminal, terapêu-

ticas e exames invasivos eram mantidos.4;

13; 14; 15 Esta cultura é baseada no conceito

da cura, onde a morte é percebida neste

ambiente como uma falha, pelos doentes

e médicos.2

É reconhecido que, do ponto de vista

ético, a continuidade de uma terapêu-

tica fútil que prolongue o processo de

morte (e que não altera o evento final),

não é uma prática apropriada. Daí que

o conhecimento sobre o prognóstico de

doentes com critérios de cuidados paliati-

vos pode alterar a prática clínica.16

A avaliação do prognóstico deverá ter

em consideração, entre mais, a idade, o

diagnóstico primário, o estado geral de

saúde, a capacidade funcional antes e

depois do início da doença e o número

de comorbilidades que o doente apre-

senta.17 São dois os aspetos fundamentais

Figura 1Registos de prognósticos dos doentes observados

 

 

 

TOTAL 60 doentes

SEM REGISTO "situação de mau prognóstico/

prognóstico reservado" ou Do not resuscitate

31 doentes

REGISTO Do not resuscitate

14 doentes

REGISTO "Situação de mau

prognóstico/prognóstico reservado" mas NÃO de

Do not resuscitate 2 doentes

NUNCA foram considerados “situação de mau prognóstico/

prognóstico reservado” ou Do not resuscitate

15 doentes

REGISTO "situação de mau prognóstico/

prognóstico reservado" E Do not resuscitate

20 doentes

REGISTO "situação de mau prognóstico/prognóstico reservado" mas NÃO de Do not resuscitate

6 doentes REGISTO de

Do not resuscitate 6 doentes

REGISTO "Do not resuscitate" mas NÃO de

"situação de mau prognóstico/prognóstico reservado"

3 doentes  

ADMISSÃO   DURANTE  O  INTERNAMENTO  

Page 65: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

66 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

em relação ao ato de prognosticar: o pri-meiro é a formulação do prognóstico e o segundo é a comunicação desse prog-nóstico ao doente. Existem dificuldades tanto para a sua formulação como para a sua comunicação. Tanto a formulação do prognóstico em doenças crónicas não oncológicas como o reconhecimento da hora da morte podem ser mais compli-cados do que em as doenças oncológi-cas.18; 19

De salientar que, por não haver forma-ção pré-graduada nesta área de com-petência médica, os médicos acabam por desenvolver uma série de técnicas de coping: a negação, o otimismo e a imprecisão são algumas das formas de enfrentar estas dificuldades.20 Num estudo prospetivo, envolvendo 343 médicos e 468 hospitais, apenas 20% dos prognósticos fo-ram precisos; os médicos sobrestimaram a sobrevida em aproximadamente 5 ve-zes.21 Este dado está relacionado com o conceito negativo, no sentido de falência, que grande número de médicos atribui à morte. E esse otimismo em relação ao prognóstico é percetível pelos doentes e pode acarretar realização de exames

complementares e terapêuticas que não seriam propostos se um prognóstico preci-so e realista fosse formulado e claramente comunicado. O prognóstico, ao contrário do diagnóstico, necessita de ser reformu-lado a intervalos regulares, de ser repeti-do em múltiplas ocasiões, adequando a informação ao entendimento pelo doen-te e, se o doente autorizar, aos seus fami-liares.22

No entanto, a transição de cuidados curativos num hospital de agudos para uma abordagem paliativa é problemá-tica; e a prática de cuidados paliativos tem sido aplicada tardiamente em doen-tes que estão internados em fase terminal com sintomas não controlados.

Não há razões para não prognosticar, pois o prognóstico neste contexto não tem por objetivo prever a recuperação clinica mas sim proporcionar aos doentes e seus familiares a informação necessária a fim de fazerem escolhas sobre o trata-mento e cuidados em fim de vida, ga-rantindo não só o correto entendimento acerca da situação clínica do doente e a correta gestão de expectativas como o início de cuidados sintomáticos de forma atempada.22; 21; 23

Considerando a situação existente, o objetivo principal deste estudo foi avaliar a identificação da necessidade de Cui-dados Paliativos pelos médicos internistas de um serviço de Medicina Interna e de que forma esta identificação alterou a práxis as atitudes em internamento.

MetodologiaOptou-se por um estudo observacional em que os dados foram colhidos a partir dos processos clínicos de doentes faleci-dos e que obedeciam aos seguintes cri-térios: todas e consecutivas ocorrências de mortes no Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (Unidade Padre Américo) nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, com

Quadro 2Sintomas mais prevalentes

Sintomas %

Dispneia 66,3

Febre 12,8

Dor 9,5

Confusão 3,5

Agonia 3,5

Icterícia 1,1

Oclusão intestinal 1,1

Sufocação 1,1

Vómito 1,1

Page 66: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

67cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

critérios para Cuidados Paliativos anterio-res à admissão ou nas 24 horas seguintes de acordo com o guia proposto pelo The Gold Standards Framework – Royal Colle-ge of General Practitioners24 e pelo The National Hospice Organization medical guidelines for non-cancer disease and lo-cal medical review policy: hospice access for patients with diseases other than can-cer.25

Por ausência de dados registados nos processos clínicos, não foi possível definir o estado funcional na admissão através de um índice, tal como pela escala de Barthel.26 Assim, optou-se por classificar o doente como acamado, parcialmen-te dependente nas AVD´s (atividades de vida diária) e autónomo, por serem ter-mos utilizados na prática médica e que, de alguma forma, traduzem a capacida-de funcional do indivíduo.

Atribuiu-se como definidor do prognósti-co de um doente as seguintes afirmações exaradas nos processos clínicos: “situação de mau prognóstico/prognóstico reserva-do” ou “Do not resuscitate” tanto na ad-missão hospitalar como durante o interna-mento, já que de nenhuma outra forma

foi realizada a menção ao prognóstico de um doente.

Foram consideradas neste estudo as se-guintes terapêuticas fúteis: anti-agregan-te plaquetário, ferro ou outros suplemen-tos, antagonista seletivo dos recetores adrenérgicos (tansulosina), estatina, inibi-dor da bomba de protões e heparina de baixo peso molecular.

Como meios de diagnóstico considera-dos fúteis foram considerados: ventilação não invasiva, gasometria arterial, entuba-ção orotraqueal, análises e tomografia computadorizada.

Foram asseguradas a confidencialidade e anonimato dos dados clínicos colhidos/analisados e dos profissionais envolvidos. Ficou garantida a não existência de pre-juízos morais ou éticos para os doentes e suas famílias ou para os profissionais. O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética local e não acarretou despesas fi-nanceiras para a instituição hospitalar. Também não beneficiou de qualquer apoio financeiro.

ResultadosNo período em análise registaram-se 125

Gráfico 1Terapêuticas fúteis

Page 67: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

68 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

óbitos. Destes, 62 (49,6%) apresentavam, na admissão ou nas 24 horas subsequen-tes, necessidade de cuidados paliativos de acordo com os critérios estabelecidos neste estudo. No entanto, por questões administrativas, em somente 60 processos foi possível colheita e registo de dados.

Registou-se um predomínio do sexo mas-culino (35 doentes – 58%). A idade média dos doentes foi de 77,2±11,9 anos (ida-des compreendidas entre 41 e 99 anos). A demora média no internamento foi de 7,9 dias, variando de um período inferior a 24 horas até 65 dias. Observou-se que 30 doentes estiveram internados por um período inferior a 72 horas.

Dos 60 doentes, observou-se que a maioria já apresentava critérios de cuida-dos paliativos prévios ao internamento (54 doentes). A estes, o grupo nosológico mais frequentemente atribuído foi o das doen-ças cardiovasculares (26 doentes), no qual se enquadram o “acidente vascular cere-bral isquémico” (21 casos), “insuficiência cardíaca” (3 casos) e “acidente vascular hemorrágico” (2 casos). Seguiram-se-lhe os grupos das doenças neuropsiquiátricas (15 casos), neoplasias (7 casos), patologias respiratórias (5 casos) e cirrose hepática de etiologia alcoólica – estadio Child-Pul-gh C (1 caso).

Apenas 6 doentes foram considerados com critérios de cuidados paliativos nas

primeiras 24 horas de admissão: 3 por aci-dente vascular isquémico e 3 por aciden-te vascular hemorrágico, todos de grande extensão.

As causas de internamento estão suma-rizadas na Quadro 1. Aquela que mais ve-zes justificou o internamento foi a infeciosa (n=45), quer a adquirida na comunidade, quer a associada a cuidados de saúde.

No grupo de doentes em análise, ob-servou-se que 49 doentes foram descritos como acamados, 6 doentes como par-cialmente dependentes nas AVD´s e 5 doentes autónomos, na admissão hospi-talar. Dentre os 49 doentes acamados, 32 não apresentavam vida de relação con-forme registado em diário clínico.

Aquando da admissão hospitalar, em 31 dos 60 doentes não havia qualquer regis-to referente a prognóstico (Figura 1); em 20 casos constava prognóstico explícito de “situação de mau prognóstico/prog-nóstico reservado” ou “Do not resuscita-te”, em 6 “situação de mau prognóstico/prognóstico reservado” ou “Do not resus-citate” e, em 3, registo de “Do not resusci-tate”. Em 6 casos , apesar de ter sido regis-tada a situação de mau prognóstico, não se explicitou a ordem de não reanimar na admissão, só ocorrendo esta decisão du-rante o internamento.

Dos 31 doentes (51,6%) em que não se apresentava registo em relação ao prog-

Gráfico 2Meios de diagnósticos fúteis

Page 68: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

69cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

nóstico (“situação de mau prognóstico/prognóstico reservado” ou “Do not resusci-tate”), 14 foram, em algum momento du-rante o internamento, considerados “Do not resuscitate” (desde menos de 24 horas até 14 dias), 2 tiveram registo de “situação de mau prognostico/prognóstico reserva-do” mas não de “Do not resuscitate”; em 15 doentes (25%) nunca houve em diário clinico, ou folha terapêutica, qualquer menção em relação ao prognóstico ou ordem para não reanimar.

Dos 20 doentes que tiveram por escrito a ordem “Do not resuscitate” durante o in-ternamento verificou-se que a maioria foi atribuída pelo próprio médico assistente, durante a visita da manhã na enfermaria. No entanto, em 3 doentes, 3 médicos que não o médico assistente, tomaram a deci-são de não reanimar; esta decisão ocor-reu durante a noite/madrugada; porém, nestes processos clínicos, não existe qual-quer registo relativo ao prognóstico (sem referência a “situação de mau prognósti-co/prognóstico reservado).

Foi explicitado (Quadro 2) que a disp-neia foi o sintoma mais citado pelos mé-dicos (em 57 doentes), seguido da febre que causava desconforto (11 doentes) e da dor (registada em somente 8 casos).

Observou-se que dos 45 doentes que ti-veram de alguma maneira o prognóstico definido (na admissão e/ou internamen-to), ocorreu comunicação com família em 27 casos (60%). Verificou-se um eleva-do número de esquemas antibióticos (em 54 doentes), superior ao número de inter-namentos por causa infeciosa (45 doen-tes) em função dos casos de pneumonia nosocomial e de aspiração durante o in-ternamento.

A associação de um beta-lactâmico com inibidor de beta-lactamase e uma quinolona foi a mais frequente, e foi pres-crita mesmo em doentes internados por pneumonias adquiridas na comunidade. Em relação à manutenção de antibiote-

rapia, dos 45 doentes com prognóstico definido em algum momento (seja na ad-missão seja no internamento), 30 doentes permaneceram sob esta terapêutica até a morte.

Verificou-se que, quanto à terapêutica fútil, a quase totalidade dos doentes es-tava medicada com heparina de baixo peso molecular na dose profilática e com inibidor da bomba de protões (54 e 57 ca-sos, respetivamente), como mostra o grá-fico 1.

Verificou-se que os principais meios de diagnóstico considerados fúteis (gráfico 2) foram, em grande parte dos doentes, a gasometria arterial (41 doentes) e as análises periódicas (40 doentes) em inter-namento.

No total, observou-se que em 59 doen-tes foi realizada terapêutica endovenosa; o doente que a não fez não tinha via pe-riférica acessível, pelo que se optou pela via subcutânea, segundo o diário clínico. Observou-se que em 12 doentes foi colo-cado cateter endovenoso, quando estes doentes apresentavam via oral disponível.

Em 38 doentes foi colocada sonda na-sogástrica pelo fato do doente estar pou-co reativo e com disfagia ao longo do internamento, segundo o registo clinico. Foram admitidos 39 doentes sob fluidote-rapia, mantida até a morte em 27 casos mesmo quando a expectativa de vida era extremamente reduzida.

Dos 45 doentes que em algum momen-to foram considerados “situação de mau prognóstico/prognóstico reservado” e/ou “Do not resuscitate”, apenas 10 apresen-tavam explicitamente escrita a expressão “medidas de conforto”. Destes, 8 estavam medicados com opioide major (2 de-les já anteriormente com opióide minor sem resposta). Em um doente foi prescri-ta a perfusão de morfina e midazolam ao mesmo tempo e em um outro morfina sob perfusão. Quando prescrita morfina, verificou-se que, na maioria das situações,

Page 69: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

70 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

estava em esquema SOS e foi iniciada 1, 2 ou 3 dias antes do óbito.

Discussão Observou-se que ocorreu um predomí-nio de doentes na faixa etária dos 81 aos 90 anos, o que pode ser justificado pelo aumento da esperança média de vida e consequente envelhecimento da popula-ção com a concentração da morbilidade (nomeadamente dependências físicas e emocionais) no curso final da vida, levan-do a um aumento considerável taxa de ocupação, nas enfermarias de Medicina Interna por estes doentes idosos.

As doenças cardiovasculares foram causa de grande número de internamen-tos num serviço de Medicina Interna. É reconhecido o potencial destas patolo-gias no condicionamento da qualidade de vida dos doentes, especialmente na sua fase final, sendo pautadas por múlti-plas (e frequentemente não previsíveis) agudizações, pela perda progressiva de capacidades funcionais e pela necessi-dade crescente de supervisão médica.18 A maior parte dos doentes apresentou um período de internamento reduzido (infe-rior a 72 horas) o que reforça tratar-se de doentes com critérios de cuidados paliati-vos prévios à admissão.

A decisão de não reanimar por um mé-dico de urgência, que não o médico as-sistente, torna-se uma tarefa complicada quando não existe a mínima informação no processo clínico acerca do prognós-tico estabelecido para aquele doente, principalmente durante o período da noi-te/madrugada, como aconteceu em 3 casos neste estudo. No entanto, verificou-se, de fato, uma escassez de informação acerca da sintomalogia, do prognóstico e do grau de discussão da questão da qua-lidade de vida em cuidados paliativos, o que explica tais situações.

As infeções como causa de internamen-to ainda são prevalentes nas enfermarias

de Medicina Interna, como aliás foi obser-vado no grupo em estudo. O uso de anti-bioterapia de largo espectro, como a da associação de um beta-lactâmico com inibidor de beta-lactamase e uma qui-nolona, está relacionado com o fato dos doentes apresentarem infeções associa-das a cuidados de saúde por internamen-tos prévios, ou por residirem em lares/uni-dades de cuidados continuados27 o que, por estas condições, se torna recomenda-do ao internista a prescrição de uma co-bertura antibiótica a espécies multirresis-tentes. As infeções nosocomiais também contribuem para este tipo de atitude.

A administração de heparina de baixo peso molecular, de inibidores da bomba de protões, de anti agregação plaquetá-ria, colheitas de sangue para gasometrias arteriais e análises seriadas, em doentes com prognóstico reservado, como obser-vado neste estudo, permite levantar ques-tões relacionadas com o uso racional de terapêuticas e a reflexão tanto sobre as atitudes médicas de diagnóstico ade-quadas, como sobre os custos em saúde.

No estudo em questão verificou-se que as práticas de entubação gástrica, hidra-tação endovenosa e punções venosas em doentes terminais foram de rotina no serviço de Medicina Interna, traduzindo assim uma atitude médica orientada mais para a cura do que para as necessidades sentidas pelo doente em fim de vida. Estes resultados estão em concordância com a literatura (28; 29).

É preciso não só reconhecer o estado terminal do doente com a simples expres-são“Do not resuscitate”, como também, uma vez identificados estes doentes, ini-ciar imediatamente um plano de cuida-dos de conforto. Existem diversas lacunas no conhecimento e aplicação dos princí-pios de avaliação e tratamento de sinto-mas tais como a dor e a dispneia.

Apesar de estar claramente definido em 20 doentes o prognóstico na admis-

Page 70: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

71cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

são como “situação de mau prognóstico e/ou prognóstico reservado” bem como ordem de não reanimação, apenas em 3 doentes estava escrito “para medidas de conforto”. Somente 5 doentes tinham na prescrição um opióide major como a morfina (4 doentes em SOS e um doente sob perfusão) apesar da dor e a dispneia serem os sintomas mais frequentes neste grupo de doentes.

A dor normalmente é subvalorizada pelos médicos pelo receio na prescrição de opióides em virtude dos possíveis efei-tos colaterais. No entanto, na fase final de vida, os opióides, bem como o supor-te por oxigénio podem ser considerados como primeira linha para o alívio da disp-neia, sintoma este muito prevalente em doentes com doença pulmonar obstruti-va crónica, insuficiência cardíaca e neo-plasias como a pulmonar30, tal como é claramente estabelecido pela American Thoracic Society que apresenta uma pro-posta para a sua titulação.31

A ausência de um processo de decisão sobre o fim de vida pode levar a experiên-cias desastrosas para doentes e famílias, que desejam no final de vida que haja alívio de sintomas (tais como a dor e a dispneia), e querem ter a oportunidade de comunicar com o médicos e outros profissionais de saúde sobre a morte e o percurso do fim de vida.32 A continuidade de um tratamento que prolonga a vida pode atrasar o entendimento do doente e familiares sobre o curso natural da sua doença terminal.4; 8

O não reconhecimento precoce da ne-cessidade de cuidados paliativos poderá estar mais diretamente ligado ao predo-mínio da cultura voltada para a cura e, também, não menos importante, à au-sência de uma equipa multiprofissional de cuidados paliativos num hospital de agudos, impossibilitando assim a transição de cuidados de caráter agudo para uma visão paliativa.33

ConclusõesUma importante limitação do estudo é o fato de se tratar de um estudo retrospe-tivo, baseado na consulta dos processos clínicos, verificando-se, por muitas vezes, escassez de informações, nomeadamen-te da descrição, de forma clara, da sinto-matologia principal do doente.

Este estudo incluiu maioritariamente doentes com necessidade de cuidados paliativos por doenças não oncológicas. Quase metade dos óbitos avaliados já apresentava na admissão ou nas primei-ras 24 horas após admissão necessidade de cuidados paliativos.

A abordagem da terapêutica nos doen-tes estudados no Serviço de Medicina In-terna apresentou características típicas do modelo de atuação para um doente agudo, não sendo significativamente di-ferente entre doentes oncológicos e não oncológicos, o que demonstra que o tipo de estratégia adotada depende mais dos profissionais da instituição do que do tipo de patologia do doente.

Verificou-se que existem basicamente duas barreiras que impedem uma transi-ção estruturada de uma vertente voltada para a cura em direção a medidas de conforto: a) o fato do prognóstico não ser uma prática corrente entre internistas e b) a falta de comunicação entre a própria equipa médica sobre as necessidades não só do doente como do doente na e para com a sua família.34

A falta de conhecimento em prognos-ticar, os internamentos prolongados e o elevado número de doentes em que é difícil tomar decisões clínicas pode contri-buir para a continuidade de terapias que prolonguem a vida, prorrogando assim o início do controlo sintomático e dos cui-dados paliativos.14 Torna-se, assim, funda-mental antecipar o mais precocemente possível, a identificação das necessidades de cuidados paliativos, através do conhe-cimento e entendimento das diferentes

Page 71: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

72 cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

timos um menor impacto no processo da morte e a prevenção de lutos patológicos.

A concomitância da abordagem palia-tiva com o tratamento curativo é perfei-tamente viável. À medida que a doença progride e o tratamento curativo perde o poder de oferecer controlo razoável, os cuidados paliativos crescem em significa-do, surgindo como necessidade absolu-ta.37

Melhorar a acuidade de um prognós-tico não é suficiente. A capacidade de distinguir a hora da morte requer uma mu-dança de foco da doença para o indiví-duo em si; quando a avaliação clínica é realizada com base na doença, esta tor-na-se intrinsecamente relacionada com o conceito de sucesso e falha, ao passo que quando centrada no doente, o obje-tivo se volta mais para a sua qualidade de vida.19 A formação específica no controlo de sintomas e continuidade de cuidados são fundamentais para a prática de uma medicina centrada no doente.38; 39; 40

Os autores sugerem como propostas para uma mudança de atitudes, a apli-cação de um método padronizado de preenchimento do processo clínico de cada doente admitido no internamen-to, inserindo, de forma bem visível, as in-dicações/sugestões DNR, prognóstico reservado, apenas medidas de conforto ou outros, contribuindo assim para uma identificação daqueles doentes com prognóstico desfavorável na admissão. Posteriormente, uma vez identificado o doente com critérios de cuidados paliati-vos, torna-se importante acompanhar ao longo do internamento a trajetória deste doente com o maior número de informa-ções possíveis acerca da sintomatologia e solicitar a observação por uma equipa intra-hospitalar de cuidados paliativos. Essa equipa ajudará no seguimento, expli-cando como lidar com este tipo de doen-tes e com as famílias, contribuindo assim para uma mudança de atitudes através

trajetórias das doenças na fase terminal19, evitando tratamentos agressivos e melho-rando, assim, a prestação de cuidados.8

O princípio ético da não-maleficência “primum non nocere” (“em primeiro lu-gar, não fazer mal”)35 já por Hipócrates (cerca de 430 aC) era assumido na sua obra “Epidemia”: “Pratique duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não pre-judique o paciente”.36 É nesta base que o encarar o prognóstico se torna funda-mental para que os médicos, em particu-lar médicos internistas evitem a prática da futilidade diagnóstica e terapêutica, assu-mindo princípios de justiça, beneficência e contenção de custos que também irão contribuir para diminuir o sofrimento de doentes e famílias.

Deste estudo emerge a constatação da falta de reconhecimento ou da sua assunção do prognóstico de um doente, principalmente no não oncológico, com a consequente não atribuição dos crité-rios de cuidados paliativos, por parte dos médicos. Nas situações em que existiu o reconhecimento da necessidade de me-didas de conforto, as atitudes médicas não foram as adequadas à situação; pre-valeceu a futilidade diagnóstica e/ou te-rapêutica, trazendo sofrimento aos doen-tes e suas famílias, e elevados custos de saúde. Resultados semelhantes também foram encontrados em outros estudos.4;

13;14; 15 Somente em raros casos, por incer-teza do prognóstico dos doentes em fase terminal, se verificou uma prática mista de uso de estratégias envolvendo o pro-longamento da vida e medidas paliativas, como se observou em outros estudos.4; 8 Ao mesmo tempo, a comunicação com a família ou cuidadores não foi uma preo-cupação marcada, estando presente em 60% dos casos daqueles doentes em que, de alguma forma, foi estabelecido o prog-nóstico. É importante compartilhar com a família a preocupação acerca da sobre-vida do doente, pois desta forma garan-

Page 72: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para

73cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014

prognoses in terminally ill patients: prospective cohort study. British Medical Journal. 2000;320(7233):469-73.22. Glare PA, Sinclair CT. Palliative medicine review: prognostication. Journal of Palliative Medicine. 2008;11(1):84-94.23. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians and other care providers. The Journal of the American Medical Association. 2000;284(19):2476-82.24. The Gold Standards Framework. The GSF Prognostic Indicator Guidance [internet]. 2011. Available from:http.//www.goldstandardsframework.nhs.uk. 25. Stuart B. The National Hospice Organization medical guidelines for non-cancer disease and local medical review policy: hospice access for patients with diseases other than cancer. The Hospice Journal. 1999;14(3/4):139-54.26. Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel Index,. Maryland State Medical Journal. 1965;14:61-5.27. American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired ventilator-associated and healthcare-associated pneumonia. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. 2005;171(4):388-416.28. Carneiro R, Barbedo I, Costa I, Reis E, Rocha N, Gonçalves E. Estudo comparativo dos cuidados prestados a doentes no últimos dias de vida - num Serviço de Medicina Interna e numa Unidade de Cuidados Paliativos. Acta Médica Portuguesa. 2011;24(4):545-54.29. Porta J, Palomar C, Nabal M, Naudí C. Ultima semana de vida en un hospital general. Medicina Paliativa. 1995;2(2):34-43.30. Pantilat SZ, Isaac M. End-of-life care for the hospitalized patient. Medical Clinics of North America. 2008; 92(2):349-70.31. Lanken PN, Terry PB, Delisser HM, Fahy BF, Hansen-Flaschen J, Heffner JE, Levy M, Mularski RA, Osborne ML, Prendergast TJ, Rocker G, Sibbald WJ,Wilfond B, Yankaskas JR; ATS End-of-Life Care Task Force. An Official American Thoracic Society Clinical Policy Statement: Palliative Care for Patients with Respiratory Diseases and Critical Illnesses. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. 2008;177(8):912-27.32. Singer PA, Martin DK, Kelner M. Quality end-of-life care: patients´perspectives. The Journal of the American Medical Association. 1999;281(2):163-8.33. Glare PA, Auret KA, Aggarwal G, Clark KJ, Pickstock SE, Lickiss JN. The interface between palliative medicine and specialists in acute care hospitals: boundaries, bridges and challenges. Medical Journal of Australia. 2003;179(6 Suppl):S29-S31.34. Gott M, Ingleton C, Bennett MI, Gardiner C. Transitions to palliative care in acute hospitals in England: qualitative study. British Medical Journal. 2011;342:d1773.35. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. Nova York: Oxford University Press; 1994. pp. 189.36. Hippocrates. Hippocratic writings. Londres: Penguim; 1983. p. 94.37. Davies, E e Higginson, I. Palliative care: the solid facts [Internet]. 2004. Availab-le from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/98418/E82931.pdf. 38. Ribeiro M, Amaral C. Medicina centrada no paciente e ensino médico: a importância do cuidado com a pessoa e o poder médico. Revista Brasileira de Educação Médica. 2008;32(1):90-7.39. Stewart M, Brown JB, Donner A, McWhinney IR, Oates J, Weston WW, Jor-dan J. The impact of pacient-centered care on outcomes. The Journal of Family Practice. 2000;49(9);796-804.40. Carneiro R, Freire E, Alves J, Rocha N. Gestos e atitudes em Medicina - Centrada no doente num serviço de Medicina Interna. Acta Médica Portuguesa. 2010;23(6):1035-42.

de uma redefinição dos objetivos tera-pêuticos: a simplificação terapêutica, a adequação da via de administração dos fármacos e a atitude preventiva de forma a antecipar possíveis complicações que possam vir a ocorrer. Também esta equipa poderá através de ações de formação in-tra-hospitalar, divulgar informações sobre o que são cuidados paliativos, como iden-tificar e tratar. O principal objetivo visará, então, focar a atenção no doente e não na doença evitando o encarniçamento e obstinação terapêuticos e preparando devidamente a família para o momento da morte. l

Bibliografia1. Kellett J. Prognostication - The lost skill of medicine. European Journal of Internal Medicine. 2008;19(3):155-64.2. Miller FG, Fins JJ. A proposal to restructure hospital care for dying patients. New England Journal of Medicine. 1996; 334(26):1740-2.3. Morrison RS, Siu AL, Leipzig RM, Cassel CK, Meier DE. The hard task of improving the quality of care at the end-of-life. Archives of Internal Medicine. 2000;160(6):743-7.4. Fins JJ, Miller FG, Acres CA, Bacchetta MD, Huzzard LL, Rapkin BD. End-of-life decision making in the hospital: current practice and future prospects. Journal of Pain and Symptom Management. 1999;17(1):6-15.5. Gott CM, Ahmedzai SH, Wood C. How many inpatients at an acute hospital have palliative care needs? Comparing the perspectives of medical and nursing staff. Palliative Medicine. 2001;15(6):451-60.6. Kapo J, Morrison LJ, Liao, S. Palliative care for the older adult. Journal of Palliative Medicine. 2007;10(1):185-209.7. Fox E, Landrum-McNiff K, Zhong Z, Dawson NV, Wu AW, Lynn J. Evaluation of prognostic criteria for determining hospice eligibility in patients with advanced lung, heart or liver disease. The Journal of the American Medical Association. 1999;282(17):1638-45.8. Desmedt MS, de la Kethulle YL, Deveugele MI, Keirse EA, Paulus DJ, Menten JJ, Simoens SR, Vanden Berghe PJ, Beguin CM. Palliative inpatients in general hospitals: a one day observational study in Belgium. BioMed Central palliative care. 2011;10:1-8.9. Morize V, Nguyen DT, Lorente C, Desfosses G. Descriptive epidemiological survey on a given day in all palliative care patients hospitalized in a French university hospital. Palliative Medicine. 1999;13(2):105-17.10. Edmonds P, Karlsen S, Addington-Hall J. Palliative care needs of hospital inpatients. Palliative Medicine. 2000;14(3):227-8.11. Billings J, Gardner M, Putmam AT. A one-day hospital wide survey of dying inpatients. Journal of Palliative Medicine. 2002;5(3):363-74.12. Lynn J, Teno JM, Phillips RS, Wu AW, Desbiens N, Harrold J, Claessens MT, Wenger N, Kreling B, Connors AF Jr. Perceptions by family members of the dying experience of older and seriously ill patients. SUPPORT Investigators. Study to understand prognoses and preferences for outcomes and risks of treatments. Annals of Internal Medicine. 1997;126(2):97-106.13. [No authors listed]. A controlled trial to improve care for seriously ill hospitalized patients. The study to understand prognoses and preferences for outcomes and risks of treatments (SUPPORT). The Journal of the American Medical Association. 1995;274(20):1591-8.14. Toscani F, Di Giulio P, Brunelli C, Miccinesi G, Laquintana D; End-of-Life Observatory Group. How people die in hospital general wards: a descriptive study. Journal of Palliative Medicine. 2005; 30(1):33-40.15. Becker G, Sarhatlic R, Olschewski M, Xander C, Momm F, Blum HE. End-o-f-life care in hospital: current parctice and potentials for improvement. Journal of Pain and Symptom Management. 2007;33(6):711-9.16. Knaus WA, Rauss A, Alperovitch A, Le Gall JR, Loirat P, Patois E, Marcus SE. Do objective estimates of chances for survival influence decisions to withhold or withdraw treatment? Medical Decision Making. 1990;10(3):163-71.17. Pompei P, Charlson ME, Douglas RG Jr. Clinical assessments as predictors of one year survival after hospitalisation: implications for prognosis stratification. The Journal of Clinical Epidemiology. 1988;41(3):275-84.18. Glare P, Christakis N. Predicting survival in patients with advanced disease. In: Doyle D, Hanks G, Cherny N, Calman, K, editors. Oxford textbook of Palliative Medicine. Oxford: Oxford University Press; 2005. pp. 29-42.19. Murtagh FE, Preston M, Higginson, I. Patterns of dying: palliative care for non-malignant disease. Clinical Medicine. 2004;4(1):39-44.20. Christakis N. Death foretold: prophecy and prognosis in medical care. Chicago: University of Chicago Press; 1999.21. Christakis NA, Lamont EB. Extent and determinants of error in doctor´s

Page 73: Orgão Oficial da Associação Portuguesa de CUIDADOS ... · Mestre Helena Salazar ... Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, ... de orientar a investigação para