olá, meu caro e book ed final

97

Upload: ola-meu-caro

Post on 06-Mar-2016

220 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Literatura

TRANSCRIPT

Page 1: Olá, meu caro e book ed final
Page 2: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

2

– Olá, meu caro.

2000 – 2010

Page 3: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

3

Poema saudade.

Sutil e voraz. Mergulho com novo corpo a um

sentimento comum aos sonhos despertos. Fotografias

de momentos gravados em fita cassete, sob a poeira do

inconsciente. João traz em seu texto [rápido, feroz e

puro], esperta lentidão de uma vontade de unir os

instantes, passado e presente, numa só sensação

descrita em verso livre e ébrio. Feito comer com os

olhos, num só golpe. Texto de velhas e novas palavras,

esguias como não poderiam deixar de ser, beleza

singela, embriagando num só gole, o lirismo cotidiano de

“Olá, meu caro” responde às necessidades viciantes de

um trago de sonho e saudosismo pelo próprio momento

da leitura e reflexão: banho de chuva, conversa de

botequim, simples seguir. Desfrutemos, portanto, do

aperitivo esbelto de elegante solidão presente (ou

ausente). Vazio transbordando em João, meu caro.

Isana Barbosa – revisora e pesquisadora literária

Page 4: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

4

João Henrique Vieira

– Olá, meu caro.

2000 – 2010

Primeira edição

2012

Teresina – Piauí – Brasil

Page 5: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

5

Copyright 2012 João Henrique de Sousa Vieira

Ficha técnica

Capa, foto e ilustração João Henrique Vieira

Revisão

Eduardo Oliveira e Isana Barbosa

Revisão Final Isana Barbosa

Diagramação

João Henrique Vieira e Yasmin de Albuquerque _________________________________________________

Vieira, João Henrique.

Olá, Meu caro / João Henrique Vieira.___Teresina, 2012.

96 P.

1. Literatura piauiense – poesia.

2. Literatura brasileira. I Título.

Todos os poemas aqui reunidos são de autoria e publicados por

João Henrique de Sousa Vieira. São proibidas a venda e

veiculação deste conteúdo sem a devida autorização do autor.

Distribuição www.agbook.com.br

Page 6: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

6

“O homem é do tamanho do seu sonho”

[Fernando Pessoa]

Page 7: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

7

Ao leitor

Gostaria de entregar este livro como se estivesse

entregando a um amigo. Dizendo:

– Olá, meu caro. Aqui está meu primeiro livro. É aquele

do qual tanto lhe falei. Já muito postergado. Resolvi

lançar. Aí está. Já não está apenas nas minhas gavetas.

Tenha cuidado, leia com carinho, leia e releia.

Que estes versos voltem à sua cabeça em algum

momento. Depois empreste o livro para algum amigo,

permita que tirem xérox, e, se lhe roubarem, vá lá, isso

acontece. É até um bom sinal [não fosse meu, talvez eu

lhe roubasse].

Boa leitura, caro leitor.

Page 8: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

8

Dedicatória

Este livro é dedicado a tantas pessoas, que citá-

las, uma a uma, tornaria essa dedicatória demasiado

extensa. Entretanto, é impossível não dedicá-lo a José

Augusto Sampaio, Maykell Francis, Marsone Araujo,

Daniel Ferreira, David Leão, Kleber Lima, Albert Piauí,

Eduardo Oliveira, Guy Dhegaly, Iury Campelo, Joe

Ferry, Samuel Brandão, Raquel Guedelha, Maria

Aparecida, Patrícia Basquiat e Andrea Alves.

Com saudade e orgulho, dedico ao escritor e

amigo Luciano Almeida – e não há como dizer o quanto

eu gostaria de entregar-lhe este livro.

À minha mãe Lina Maria, sempre. À minha avó

Benedita Clara e à Yasmin Albuquerque. Aos amigos

que, em algum momento, leram, escutaram ou

motivaram algum poema desse livro.

A você, meu caro leitor, que agora lê este livro

entre tantos que já há por aí.

Page 9: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

9

SUMÁRIO

PREFÁCIO ________________________________________ 13

CAVIDADES _______________________________________ 18

PRIVACIDADE ______________________________________ 21

SEXO E SOLIDÃO A TRÊS _______________________________ 24

AO PORTO ________________________________________ 27

[...] ____________________________________________ 28

A DESPEITO DE TUDO ________________________________ 31

BRASÃO _________________________________________ 33

PASSADAS DIÁRIAS __________________________________ 34

UM BEIJO NO CU DO SHOW BUSINESS _____________________ 38

RAZÃO CONSELHOS E OUTROS ABSURDOS ___ 40

SOLILÓQUIO ______________________________________ 41

LÓGICA __________________________________________ 43

SILENCIO GRITANTE _________________________________ 46

? ______________________________________________ 48

MÍNIMAS ILUMINURAS _______________________________ 53

CONSELHO AMOROSO ________________________________ 55

LEMBRANÇA RUA AFORA ______________________________ 57

ESCOMBRO _______________________________________ 59

[...] ____________________________________________ 61

CORPO COR E CHEIRO ________________________________ 62

FEITO ANTIGAMENTE ________________________________ 64

EXTEMPORÂNEO ___________________________________ 67

Page 10: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

10

REPOUSO SOBRE SAUDADES ____________________________ 68

SONHO EMBRIAGADO ________________________________ 71

BAÚ ____________________________________________ 73

BARCOS DE PAPEL-POEMA _____________________________ 74

DESMEDIDO ______________________________________ 75

MEMÓRIA FOTOGRÁFICA ______________________________ 77

NADA SOBRE O SENTIMENTO HUMANO ____________________ 78

QUASE POESIA ___________________________________ 79

[...] ____________________________________________ 80

[...] ____________________________________________ 81

[...] ____________________________________________ 82

[...] ____________________________________________ 83

[...] ____________________________________________ 84

[...] ____________________________________________ 85

[...] ____________________________________________ 86

[...] ____________________________________________ 87

PARADOXO VIRTUAL _________________________________ 88

[...] ____________________________________________ 89

[...] ____________________________________________ 90

MÁ NOTÍCIA ______________________________________ 91

[...] ____________________________________________ 92

[...] ____________________________________________ 93

PASSAR A LIMPO ___________________________________ 94

EPIFANIA _________________________________________ 95

Page 11: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

11

Apresentação

Um livro. Ora, mais um livro. E para quê? Para

quem? Que importância há? Se importância – ou mesmo a

falta dessa – há, é tão somente para mim mesmo. Quem

sabe para meia dúzia de amigos geniais que, talvez, deem

algumas risadas ou caiam no desvão de uma saudade. Ou

inflamem o peito com algum sentimento nobre e proclame

algo, numa mesa de bar, num quarto sozinho, ou ao pé de

suas amadas.

Entre tantas opções na estante, mais um livro, ali

entre um Bukowski, um Guinsberg, algo sobre Torquato,

um Gullar, um Paulo Machado. Ou quiçá perto de um José

Augusto Sampaio, ou Maykell Francis, Daniel Ferreira.

Mais um livro. Que seja mesmo apenas mais um em minha

parca e rebelde “biblioteca”, que às vezes é apenas um

amontoado ao chão.

Aqui se reúnem poemas de uma década intensa

em minha vida e, creio, em minha geração. Cada poema

aqui é uma importantíssima fotografia de pessoas de bem

pouca fama. Ilustres desconhecidos que andam por

madrugadas, que amanhecem ouvindo um blues a pintar

paredes, ou que ao violão compõem obras belíssimas, e

que este país será um pouco mais belo e digno se um dia

de fato vier a conhecê-las.

Page 12: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

12

Têm estas páginas gritos e silêncios. Pressa e

calma. Sabedoria e burrices juvenis. Tem beleza, quando

possível, e verdades engraçadas – porém, verdades. Tem

profecias ébrias, linhas tontas e caminhos tortos. Tem um

grande quarto cheio de saudades. Saudade de uma rua

que está escrita no peito. Tem aventuras na sala de estar

do espírito que sempre luta. É obra viva e é obra de uma

vida.

Sem grande importância ao fato – apenas para mim

mesmo –, a pretensão desta obra é imensa. Guardada,

postergada, feito quem esconde um poema. Pois um

poema é uma veia escancarada, é um riso e um grito – e a

gente grita, ri e faz poemas para os amigos. Publicar é tirar

as calças e dançar nu. Sem vergonha – não há o que

esconder.

Cheio de influências, de Manuel de Barros a Guinsberg,

dos que pretenderam mudar a história aos que estão

pouco se lixando para isso. Assim, preocupado e

desbundado. Assim, feito quem nada quer e tudo busca,

apresento estes versos. Feito um cumprimento alegre: Olá,

meu caro, tome emprestado estes versos e passe-os

adiante, pois há vida e caminho.

O autor

Page 13: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

13

Prefácio

Olá, meu...

Não vem de João, nem de Henrique, muito menos

de Vieira. Quem o conhece de perto sabe (?) ou, ao

menos, compreende o que move os versos de sua poesia.

Sabe que seus poemas surgem das entrelinhas embutidas

e, além de seu nome, nas entrelinhas inclusas e escusas

da vida.

Da cabeça à esquina, ao sexo, à internet, ao

comportamento errôneo, ao que é dispensável, ao que é

impercebível, tudo passa pelos versos de João Henrique

Vieira, sem deixar dúvidas de que -Olá, meu caro já nasce

sendo um marco aos poetas de nossa geração quase

esquecida e desvalorizada. Como gosto de dizer, a nossa

Geração Escárnio. Apesar de o autor do livro não gostar

dessa minha definição, nós somos a geração que “ser

poeta”, ou escrever poemas, nada mais é do que fazer

algo bonitinho, meigo. Legal!

Sua figura delicada, esguia e sempre sorridente

disfarça a maestria de seu poema-prosa e sua visão

peculiar sobre as coisas, seres e fatos. Já seus versos

encravam afiadamente sua ideia sobre esse mundo que

nos foi dado de presente por gerações anteriores.

Enquanto uns batem palma, glorificando a pseudo-

Page 14: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

14

liberdade-atual, o Poeta não perde tempo e nos mostra a

verdadeira face, carapuça, que estamos envolvidos e

envoltos à capa disfarçadamente heroica para a grande

massa.

O homem, o menino, o amigo, o poeta, o único que

me visita aos domingos, tarda em seu primeiro livro

(Aguardo o segundo. Não tarde.), pois sempre teve

material para outros anteriores, mas não falha em seu

conteúdo cheio de inventividade e originalidade neste livro

de estreia. Quem não teve, ou não terá, a oportunidade de

conhecer meu amigo e companheiro João Henrique Vieira,

poderá desfrutar de todo engenho, modernidade e

vanguarda de seus versos nas páginas a seguir.

O mais importante: os versos são sem floreios,

incrementos e artificialidades.

Com orgulho ao peito, “boca cheia” e um pouco de

inveja, pois também escrevo versos e muitas das ideias

que poderiam ter sido escritas por mim foram antes

captadas por ele no ar enquanto planavam já belas, que –

Olá, meu caro, com certeza, é um livro de estreia para

amar, ter inveja, odiar, ou até rasgar, queimar (caso seja

incendiário). Porém, você não pode deixar de ler até seu

último e derradeiro verso: “Oba! Escrevi um verso”.

Boa leitura.

José Augusto Couto Sampaio Neto – Escritor

Page 15: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

15

João Henrique Vieira

– olá, meu caro.

2000 – 2010

Page 16: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

16

Page 17: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

17

Assistindo ao banquete alheio

Page 18: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

18

Cavidades

Eu tenho uma cabeça redonda.

Eu tenho uma cabeça redonda e duas orelhas

Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas e dois

[ [olhos.

Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas,

[ [dois olhos e um nariz.

Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas,

[ [dois olhos, um nariz e uma boca.

Por isso eu penso e falo e creio subjetividades que

[ [são a matéria concreta de minha cabeça

com todas essas cavidades.

Tenho um corpo que teima em andar para o fim

e minha cabeça, cheia de subjetividade,

me faz eterno e infinito.

Esta louca subjetividade

– podem pensar em suas cabeças –

é coisa de minha cabeça cheia de cavidades que

[ [cheiram, que veem, que escutam, que falam.

Page 19: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

19

Estas subjetividades são o que está incrustado

[ [nessas cavidades,

que fazem minha cabeça seguir sobre esse corpo.

Eu tenho corpo e cabeça,

sorriso e vergonha.

Tenho preguiça na cara e fogo no corpo.

Sou uma concretude que vaga na subjetividade de

[ um espaço concreto e asfáltico.

Tenho língua e educação,

corpo, prazer, pau e poesia.

Obscenidades poéticas no vago do espaço

que ocupa e subjetiva em delírio e contemplação

a concretude do espaço subjetivo

que se espreita entre os dentes do meio riso,

e aos poucos invade a solidez de outra cabeça

[ [que engana o corpo,

outro corpo com cabeça redonda, duas orelhas

[ [dois olhos, um nariz e uma boca.

Page 20: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

20

Corpo e cabeça cheia de cavidades que me

absorvem sem aperceber-se.

Corpo.

Corpo

cheio de cavidades prazerosas.

Page 21: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

21

Privacidade

O lugar mais seguro do mundo

é o banheiro.

Tanto faz ficar nu

– eu gosto.

Vejo eu mesmo

e converso comigo

– eu preso no espelho.

– e aí, como vai a vida?*

– de boa. Descobri que vou morrer, mas ainda

tenho um monte de coisas a fazer. Mais pelos

outros que por mim mesmo. Isso é foda, eu dou

minha estadia no mundo pelo próprio mundo e ele

nem me dá bom dia.

O lugar mais sagrado do mundo

é o banheiro.

Pego no meu pau e nem parece escandaloso,

canto do meu jeito e ninguém reprova.

Page 22: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

22

Meu lugar é o banheiro, e chega a ser eu mesmo

– limpo ou sujo, dependendo do amigo que visita.

Tenho estado de portas abertas para o mundo e

perco a linha da estabilidade todas as vezes.

Talvez me digam inteligente perdido

ou

arauto embriagado de uma geração por um triz.

Já não tenho vergonha

e canto do meu jeito,

eu canto.

Meu mundo vai ao banheiro meio imundo que

[ [deixei.

O mundo que vocês não sabem

é o que eu profetizo no banheiro.

– dou conselhos maravilhosos ao mundo.

Page 23: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

23

Meu banheiro às vezes cheira mal,

às vezes está digno de uma trepada,

com amor,

ainda que às pressas.

Queria todo o mundo cantando e dançando no

[ [banheiro, os burocratas bêbados

e o estudante poeta.

Todos desiludidos feito um disco de Belchior.

_____________________________________________

*cumprimento do cineasta teresinense Alan Sampaio.

Page 24: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

24

Sexo e solidão a três

Sob a luz do mesmo poste

– embacenta como todas as noites, com lua ou sem

[ [lua,

mais ou menos vida –

que estava a luzir aquela esquina já há bastante

[ [tempo,

encontraram-se na mesma hora não marcada, mas

sempre pontual, Doidinho, Celinha e Lulu.

Um drogado.

Uma puta velha e viciada.

Um viado metido a besta.

Ao ver Doidinho, Celinha abre um sorriso

[ [escrachado

e com um sonoro tapa na bunda, diz pra Lulu:

– hoje eu vou trepar e me chapar. Ô coisa boa é

[ [fuder doidona. Vem Doidinho, vem!

Page 25: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

25

Lulu esgueira-se e, de rabo-de-olho, diz:

– dar praquele ali... Meu cu nem treme!

Pau é pau, tudo igual, ficou duro, eu engulo, disse

[ [às gargalhadas Celinha.

E fuma, lembrou-lhe Lulu.

A puta não se conteve e soltou:

– me desculpa, bicha, mas priquito é priquito.

[ [Faz milagres!

Ao cabo de meio baseado, Doidinho enfiava a mão

na bunda de Celinha, enquanto Lulu passava goma

no baseado, de modo a lamber como se chupasse

um pau. Doidinho olha e diz:

– doido pra chupar um pau, né, Luluzinha?

[ [Luis Augusto!

– vai tomar no cu fidirrapariga!

Eu vou, mas tu não vai. Zomba-lhe Doidinho.

Page 26: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

26

Celinha pega o baseado e põe um peito para fora

[ [do decote.

Celinha.

Doidinho.

Noite.

Lulu e o poste.

Trepada na esquina.

Sexo e solidão a três.

Page 27: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

27

Ao porto

Isto a caminhar entre letras

que se juntam num verso,

torna-me refém.

Minha mão trêmula

tremula bandeira de navio abandonado,

sob olhares de peixes sem lar.

Na mansidão de um canto escuro.

Linhas tortas amargam a tênue luz,

que prende olhares perdidos num ponto vago.

Pedras juntam-se no caminho

para que alguém,

sem luz,

consiga ainda caminhar.

Page 28: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

28

[...]

Ando e sorrio

tanto, tanto quanto antes e mais do que há tempos.

Ando e sorrio

só,

feito besta.

Quem vê de longe pensa que é à toa

e sorrio mais ainda.

Ora homem adulto,

ora garoto meio tonto,

mas segue.

Um passo é tão importante quanto tudo que se

[ [carrega nele.

O que move o passo.

O que move o próximo.

– olha no espelho e faz cara de sério, quase ríspido,

mas escorrega uma risada cínica e alegremente

[ [sincera,

Page 29: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

29

torto e teso.

– o riso é o avesso do tédio.

– estar vivo é saber que algo move outro no

[ [espaço.

O corpo é espaço que transita no espaço.

O que move o diferente,

o único.

Estar vivo é único.

– risos à toa não enfeitam festa, rsrsrs.

Sorrio e risco,

arrisco correr o risco de perder meu riso.

Tempo, trânsito,

espaço e ser.

Corpos,

espaços e corpos.

Energia.

Movimento.

Corpo,

Page 30: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

30

espaço.

O mesmo corpo no corpo do mesmo espaço.

Page 31: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

31

A despeito de tudo

Tudo é belo

e insano.

O medo de sair é loucura.

O seguinte:

– se eu alimento meu ego com meu próprio lirismo,

como poderei levar o mundo tão a sério?

Pessoas morrem e eu faço poesia.

Pode valer alguma coisa,

feito uma palavra,

uma conversa.

Sossego para cabeça doentia.

– o mundo está delirando em febre.

Tudo é escandaloso.

Tudo é fantástico.

O labirinto é sem portas.

Page 32: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

32

Sombra à bruxulenta luz.

Memória falha.

Labirinto

– rua de casas coloridas e gente simpática –

lúdico labirinto.

Page 33: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

33

Brasão

Quero pedras.

Vou quebrar janelas.

Incomodar a festa.

O bestial banquete

ao ditador imposto.

Quero pétalas

para enfeitar o atalho,

vestir corpos,

cobrir leitos e sonhos.

Dar à terra firme a maciez.

Quero pedras e pétalas,

rompendo muros,

acalmando bravos.

Trago pedras e pétalas.

Espero a luta

e descanso no amor.

Page 34: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

34

Passadas diárias

Vestir engolindo.

Trânsito digerindo.

Um cigarro no ponto de ônibus.

Ferros,

cadeiras

e

cabeças.

Um itinerário de gentes e horários,

romances e preocupações financeiras.

Paradas e móveis,

parada imóvel.

Passeiam gentes pelo sinal.

Peito aberto,

passeio público,

fonte seca,

fronte,

perfis.

Page 35: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

35

Fotografia lotada.

Avenida Principal.

Noite,

pequenas trevas de um poste bruxulento.

Luz, plástico.

Um travestir na esquina empresta alegria,

alergia, letargia

e

alegoria.

Bêbados e copos.

Corpos

tortos e tontos.

Um bêbado carrega a noite nos ombros

e o padeiro não tarda a trazer o dia.

Dia a dia.

Mês,

vai e vem de prestações,

fim de mês.

Trânsito diário de gente

Page 36: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

36

nas ruas,

nos carros

e uns nos outros.

Rua

nua,

vestida.

Calça, calçado e vestido.

Terno unissex,

moda de inúmeras gerações ao mesmo tempo.

Sair de casa a pé,

o passo apressado.

Levar no bolso ao fim do dia uma identificação de

[ [vida,

documentos de um passeante.

Fim de noite,

janela aberta a passar o filme de uma rua à

[ [madrugada.

Cenas de nada por toda a rua em silêncio.

Mal dormir à noite,

Page 37: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

37

adoçar o café com o próprio sono.

Pelo ônibus, janelas d'auroras.

De parada em parada

o dia corre,

se o acidente não atrasar ou relógio não adiantar o

[ [tique-taque.

Passo a passo em ponto.

Calça jeans,

vestidos,

gravatas

e bonés.

Transita a moda da cabeça aos pés

por ruas,

gentes,

butiques e PFs de cinco reais.

Seguimos transengolindo a vida às pressas.

Page 38: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

38

Um beijo no cu do show business

Um anjo de pijama, bêbado.

Uma obsessão maravilhosa.

Um beijo no cu do show business.

O pó barato – da cara e da noite.

O cigarro doentio da quitanda.

Um anjo de pijama, bêbado e poeta.

Padre da nova linguagem poética, bêbada e

[ [drogada,

irresponsavelmente fiel à história.

Um anjo embriagado.

A saudade é uma bruxulenta luz que não apaga e

[ [mantém vivo.

Tudo está vivo e tudo é historia.

Anjo barroco, romântico suicida.

Poeta, tudo é historia.

Meu pobre anjo, homem besta de pijama e bêbado.

Acorda poeta anjo de bar barato, de cerveja

[ [roubada e luxo abandonado.

– tu é o fausto da beleza na lama, poeta.

Page 39: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

39

Pedro poeta louco.

Louco louco louco e anjo.

Angelical simpatia de orgia barata e cotidiana.

– lambe ela menina, e nem diz pro papai.

Meu amigo anjo, te lembro na música e na chuva.

Me faz rir e chorar. É por ti que acredito que tudo

[ [cabe em minha mãos.

É a verdade sem feiúra.

O tira-gosto do corpo.

Meu anjo, meu amor, teu amor meu, amor, paixão.

Teu amor tão meu porque sinto e beijo com os

[ [olhos.

Poesia e outros cigarros sujos e belos.

Com medo de escrever, sangro o papel.

Sente torto torto torto e santo e bêbado.

Anjo poeta engraçado, feito alegoria do cotidiano.

Page 40: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

40

Razão conselhos e outros absurdos

Page 41: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

41

Solilóquio

Mais uma vez

eu e o pensamento, único e só,

tentando me convencer,

parecer verdadeiro.

Eu com medo de acabar

e feliz em seguir.

– o amor é a lógica do absurdo.

Eu sigo no caminho da idade

e vou chegar onde sou.

E mais uma vez

estou só no pensamento.

– e quantos estão pensando agora?

Eu sigo

porque seguir é o passo,

Page 42: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

42

o pulso

e a imagem.

– seguir é a lógica da jornada.

Page 43: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

43

Lógica

Todo aquele

que evidencia seu potencial por meio da ilógica

é talvez

poeta ou ninguém.

Todo o ser

e o vivo

que no instante-instante segura

a visão da luz

e o suspiro do ar,

é o que torna esse rápido transitar

algo possivelmente único

e mera eternidade espontânea.

O que veste o corpo por dentro

e dá o passo antes dos pés se elevarem

é o ilógico que pontua o tempo,

o tempo no espaço,

o tempo no espaço de tempo.

Page 44: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

44

A brincadeira social da lógica.

Absurda, obesa e apressada.

A lógica absoluta reinando sobre a loucura dos

[ [homens.

O brinquedo e a brincadeira.

– a lógica. Oh, meu deus! A lógica.

O medo medido no desaforo.

No desabafo, a aventura.

Todo o potencial para a ilógica,

feito andar para trás e o fim começar de novo,

assim feito delírio.

Soberbo é o deus bêbado dos poetas.

Sem deus, o poeta seria um bobo

ou mesmo se deus não viesse tanto quando os

[ [poetas estão bêbados,

não pensariam os poetas que deus está bêbado

também.

Isso é a ilógica das aparências.

Page 45: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

45

– deus, cuidado com as companhias, não te mete

[ [com poetas!

Bastante ilógico

ver o pensamento esmolando manchete

ou

nem ao menos topar com essa velha demente a

[ [comprar cosméticos numa loja de conveniência.

Tudo imerso na razão do pensamento poético que

[ [nada tem a ver com a lógica,

e o poeta é um triste filho devedor do belo absurdo

[ [normal*

que pisca e acena quando já foi.

______________________________________

*o normal em nada é, ou parece ser, lógico.

Page 46: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

46

Silencio Gritante

O estilhaço de gritos meus contidos me explodem

[ [em silêncio,

feito uma canção nos ouvidos de quem segue,

a todo custo de seguir,

sem saber dos custos da vida alheia, mas de suas

[ [próprias dívidas,

a pagar-se pena a si mesmo, no degredo de[

[ [continuar.

Acima da escuridão, além da falta de caminho ou

[ [direção

um caminho leva, os pés cavam e a terra anda

[ [sob meus passos.

O riso é o desdobro da inconveniência e o risco é

[ [aventura consciente.

Quem anda, quem dorme, quem grita, quem canta.

E quem não grita?

Quem joga versos numa bolsa e segue em frente.

Page 47: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

47

Quem escreve gritos pode me ouvir, quem silencia

[ [não ouve nada.

Um estardalhaço silente me canta aos recônditos

[ [de uma cabeça tonta.

A embriaguez é o resultado da chatice alheia

[ [e meu riso não é vale transporte.

Árvore, homem, carros – máquinas, maquinaria

[ [infinita.

Um corpo no espaço sobre um gigantesco pedaço

[ [de terra,

pequeno pedaço no espaço, espaço em cima do

[ [nada.

– quem segura o nada deste infinito universo?

Meus gritos e meus versos guardados em mim

[ [mesmo

são minha garantia de nada.

Page 48: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

48

?

O que adianta o relógio ir ao largo?

Que me vele o Renew da Avon levar as rugas,

[ [se fica um cicatrício recado,

trecho de uma velha canção.

O que me serve pensar que encontrei meu

[ [caminho depois de tanto tempo,

que me valem as rimas

e os discos raros que enfeitam minha poeira?

De que me adianta abrir os ouvidos para um velho

[ [sonho

numa embriaguez desiludida sem canção de

[ [Belchior?

O que me trazem os tapas nas costas?

Que serão daqueles sorrisos baratos

– quase gratuitos?

De que vale sonhar se as manchetes nos jornais

[ [são muito mais perigosas.

Page 49: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

49

Para que cantar logo agora?

No meio de tantas questões, eu me pergunto

[ [abobalhado

se mais uma vez minto a mim mesmo, tentando não

[ [me afogar num romantismo barato,

que me afoga já há tanto

e ainda não me sorriu ternamente.

As sutis levadas sonoras me conduzem

[ [cambaleante

no meio de minha rua

– lembrança pescada numa tarde em mim mesmo,

que brincava há muito mais tempo que agora.

Me valerá

nas horas aguerridas do transitar

uma viela de sentimentalismo jogado aos ventos?

Me vale colorir a rua para melhor seguir,

me vale molhar a garganta com doses

ou molhar o corpo em chuva rala,

Page 50: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

50

que é pura e vulgar saudade de minha própria

[ [criança?

Me vale sorrir, sem saber a quem

nem por quê?

Não me salvam as glórias,

nem me conduzem os conselhos.

Eu sigo

colorindo

e

sorrindo.

Me salvo

a cada dia,

passo,

nota

e verso que intento ser.

Quem sabe

seguir fazendo perguntas ao vento.

Exigindo às flores uma satisfação:

Page 51: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

51

– quem me deixou dormir em meio aos sonhos?

Grito aos cascos e baganas

que me devolvam uma certeza qualquer que perdi

[ [numa noite anterior,

xingo vizinhos e mestres,

deixo de abençoar minha mãe

e nem mesmo me penteio.

Que agora mesmo me digam o que vale o que

[ [quer que seja.

Nem mesmo seus belos conselhos com beijos

ardentes

e promessas de que dividirás as receitas de bolo.

Sem nada

e um pouco de tudo

me digam se vale?

– perdido, eu penso que hoje é apenas pedaço de

[ [história.

Mas é receio e excitação.

Page 52: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

52

Estou no caminho de onde saem e chegam tantos

[ [outros.

Vago e vou.

Então me digam algo que valha o meu

[ [contentamento bobo,

em meio ao tanto que ainda há?

Page 53: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

53

Mínimas iluminuras

Vazio é quando alguém, sabe-se lá de quem, puxa

[ [o que você já ia alcançar

e a solidão é uma senhora de cabelos brancos que

acena

e por vezes se demora a ir.

O verso acena um breve colorido de borrar

[ [poema.

Lembrança é uma menina pálida que nos toca o

[ [ombro

chamando para os dias de ontem.

– pessoas extremamente belas

têm direito a cantadas baratas.

Se prazer é vendável eu não sei,

mas não é de graça por certo.

Por uma língua suada

Page 54: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

54

beija o verso uma lembrança sombreada.

Se pudesse pintar um erro,

outro acerto se erraria hoje.

– é tudo uma questão de perspectiva.

Segue-se procurando coisas pelo horizonte que

[ [desenha.

Page 55: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

55

Conselho amoroso

– Olha! Mas não tente ver com os olhos.

Não deixe de tocar além das mãos.

Pega o que é teu,

e por ser teu,

não espere que os outros vejam.

Page 56: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

56

Page 57: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

57

Lembrança rua afora

Sentado à minha porta,

portão aberto,

ouvindo música no celular,

fumando,

me vejo passar à madrugada de uma rua

solerte

e

silente,

cheio de alegrias caladas.

Lembrança na memória das retinas.

– isso a gente lembra com os olhos.

O vigia levado pelos chapéu

e

facão

que um dia ele os conduziu com bravura.

Hoje apita uma lembrança do vigia

– que leva o vigia –

Page 58: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

58

que carrega a noite aos apitos.

Carcomidos sons na madruga.

Minha rua

que lembro com olhos madrugados.

Page 59: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

59

Escombro

A saudade avança feito um batalhão.

A vida que há se enche de lembranças

e viver é um recortar e colar de instantes idos,

no instante presente que sufoca o instante

[ [próximo.

O batalhão avança cheio de fantasmas bêbados,

fantasmas mortos e vivos,

fantasmas de um mesmo homem que enfrenta o

[ [próprio batalhão

numa guerra silenciosa que lhe risca o rosto.

E quão mais longe for

e mais longa for a jornada,

maior a luta contra si mesmo,

e o mundo e toda a gente

não passa de figura pálida colada sobre o branco

[ [da memória.

Na guerra de agora sobre o que já foi

o homem junto ao próprio batalhão

sangra e chora em silêncio,

Page 60: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

60

atravessando as fronteiras do vasto mundo que há

[ [em si,

na trincheira de um quarto escuro

– ou de um quarto claro que ofusca.

Page 61: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

61

[...]

Sonhou frente aos deuses do cotidiano

que o amor

- se há -

é a saudade das pequenas brigas

e birras

e risos

e caras feias.

Como fosse a saudade um moinho a espremer

carne

e ossos

deixasse escorrer sobre o papel estes versos

[ [tristes,

feito gotas de lembranças trêmulas

e suadas,

gotejando sonhos

num sono que não dorme.

Page 62: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

62

Corpo cor e cheiro

Te ver deitada,

cansada de amor no repouso do gozo,

me alegra e perturba.

Teu corpo e tua cor.

Tua cor é assim da tua cor.

Teu corpo é assim do jeito do teu corpo.

Não é cor de outros corpos, nem forma de outros

[ [corpos.

É assim suave, se a cor deveras for suave,

é assim,

feito um desenho bom de olhar,

não a perfeição, mas as formas do desenho.

Teu corpo assim deitado é imagem de outros

[ [quadros.

Por mim, eu te amaria até a última gota de força, só

pra te ver deitada depois do amor.

Tua cor é tua, com luz acessa ou na penumbra,

é assim feito a cor do teu cheiro,

só teu,

Page 63: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

63

como se outros cheiros não houvesse no mundo.

Neste instante em que deita,

com teu corpo e tua cor,

teu cheiro é a atmosfera que fica entre nós.

Eu um bobo a olhar teu corpo

feito criança quando vai embora de um parque de

[ [diversões, feliz olhando para trás.

Teu corpo que não está,

às vezes,

quando tu não está,

surge ao fechar os olhos para ver na lembrança

[ [teu corpo,

que vira para o lado e me olha, bobo.

Teu corpo e tua cor e teu cheiro

pesam em minha cama

ainda que não deite aqui todas as noites.

E meu corpo

feito só um corpo,

deita, vira, revira, tresvira e dorme.

Page 64: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

64

Feito antigamente

Queria poder sentar e beber uma cerveja com

[ [minhas lembranças.

Ouviríamos nossas velhas músicas

com antiga empolgação de velhos sonhos

e muitos de nossos projetos já curtidos pelo tempo.

Queria poder afagar minhas lembranças,

pô-las para dormir.

Poder brigar com minhas lembranças,

fazer amor e casar com elas.

Compraria uma casa para minhas lembranças

– a geladeira teria a cor que desejasse minhas

[ [saudades.

Queria olhar a rua e os vizinhos sentado ao lado de

[ [minhas lembranças.

Olharíamos a cena e daríamos gargalhadas de

[ [nossos vizinhos.

Iríamos a uma festa

Page 65: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

65

– dessas de antigamente –

com nossas caras limpas de rugas,

dentes claros

e roupas de fotografia amarelada.

Nos olhos ainda haveria aquele brilho que só na

[ [saudade acende.

Queria dar meu primeiro beijo na primeira

[ [lembrança que surgisse

– eu até casaria com minha primeira lembrança.

Queria escrever cartas para minhas lembranças,

remeter-lhes abraços.

Conversaríamos muito

e me confessaria às saudades.

Brincaria na chuva

e me abrigaria à sombra de lembrar.

Eu e minhas lembranças seríamos uma coisa só.

Minhas lembranças seriam ainda planos

e não olharíamos para trás,

nem teríamos cicatrizes.

Page 66: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

66

Minhas lembranças mudariam o caminho

e eu seguiria em frente,

até que lembrar não fosse algo tão dolorido

e eu pudesse juntar lembranças e planos numa

[ [mesma mesa de bar

e beber até cair no amanhã,

como fosse o primeiro dia.

Page 67: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

67

Extemporâneo

Olho para além

feito homem velho que espera vir a vida não

[ [curtida.

Sento à mesa em silêncio,

parece a conversa palavras a meio tom.

Meu olhar

triste

não tem a graça nem o riso que guardam as[

[ [lembranças.

Estou atrás

ou além do que não sei

e me cansa o que já não sinto.

Page 68: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

68

Repouso sobre saudades

Meu travesseiro é feito de saudades.

Minha cabeça

– que anda –

repousa sobre lembranças:

futebol de rua,

amores de pêra-uva-maçã-salada-mista.

Saudosismos que me agarram

em vivas lembranças.

O cheiro tem sempre as mesmas todas as cores.

Flores na esquina.

Como tu estavas?

Pequenas gavetas guardam um amor saliente,

cabelos, olhos,

ruas e histórias.

– O amigo que se foi eu guardei.

O amor é sempre o mesmo

Page 69: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

69

com infinitos cabelos que minha lembrança deixa

[ [balançar ao sabor dos ventos de ontem.

– solta os cabelos!

Se fores à festa

– que é uma lembrança –

te espero com flores na noite de recordar.

Brincar com passados e passantes.

Malabarismo com ciclos vitais de tantos seres.

Não entendo

e eu menino a mim explico em lembrança viva do

[ [meu sono.

Lembrança é a rua dos sonhos

onde caminham bêbados,

poetas

e amantes,

todos sob a mesma luz de um poste torto.

Tênue luz que me cega

Page 70: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

70

– é que só as lembranças veem de olhos fechados.

Lembrar é ver com olhos de ontem.

– meu travesseiro é uma lembrança confortável.

Page 71: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

71

Sonho embriagado

A luz da noite deitou-se sobre o dia e acordou

[ [sonhos bêbados.

A elegância decrépita retomou o passo de um

[ [bolero antigo

e a fantasia fechou os olhos para correr no vão do

[ [pensamento,

no descampado da saudade.

Derrete-se o gelo no amargo do trago

tornando doce as dores que se embalam num

[ [sonho repetido,

que a cada noite torna-se possível

e que a luz do dia zomba,

despreza,

tornando risível o charme embriagado

e a elegância ultrapassada.

Mas a cada noite a luz falsa de botequim torna real

[ [a fantasia bêbada

de uma velha dama de maquiagem borrada

Page 72: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

72

que senta, pede um drinque

e com nobreza repassa o mesmo instante

que há muito já se foi.

Page 73: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

73

Baú

Procurou uns versos antigos

que falassem de dores velhas,

de riso amarelado.

Encontrou um monte de sombras e sobras do que

[ [era

e não disse nada.

Page 74: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

74

Barcos de papel-poema

Com tua ausência aprendi sorrir vazio.

Obrigo-me a alegrias onde não te encontro.

Não tenho o negro mar da noite dos teus olhos

onde navegaram

barcos de papel-poema.

Céu de noites calmas.

Escondida estrela.

Bruxulentas luzes de caminhos bêbados.

Senta ao banco alguém cansado.

Dormem ao chão, poemas e jornais.

Amores e noticias de passados tempos.

Page 75: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

75

Desmedido

Hoje eu queria afagar todos os cães abandonados

[ [nas ruas.

Apagar a luz dos postes

e trazer à tona o sol.

Nosso, o dia.

Até chegar a noite

e fazê-la nossa,

inteira de suspiros cúmplices,

cheiro vivo,

gosto humano.

Vívido, o toque.

Hoje eu queria gritar até não ser ouvido,

silenciar aos gritos do teu olho.

Quando nada mais abarcar,

me abrace

e no corpo encontre força que embale um novo

[ [passo.

Leve meu caminho

Page 76: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

76

e me faça abobalhado.

Em verdade,

eu beijo teu olho

só pra ver o gosto.

Silêncio!

porque eu ouço tudo.

Page 77: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

77

Memória fotográfica

Ler ouvindo Across the universe [Beatles]

Meu álbum de fotografia

canta

enquanto vejo que o mundo é um monte de

[ [lembranças.

Meu mundo,

minhas fotografias e meus perfumes,

que aperto os olhos fechados para emergir de

[ [sombras e sonhos,

é uma paisagem alaranjada,

com árvore torta,

umas pedras para se sentar

e um horizonte para ver

enquanto ouço uma canção

que fala do meu inabalável mundo.

É a paisagem que carrega minhas vistas por aí.

É mundo que eu guardo em toda parte.

Page 78: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

78

Nada sobre o sentimento humano

Estranho são os cortes

e o mapa de mim é um traçado de dores indelével e

[ [tênue.

Em meu peito, decrépita toda a humanidade,

a alheia,

a minha eu guardo resistindo em gasto amor.

Feito parido agora,

me alheia e aturdia a confusão de falas e imagens.

Tudo é novo e empoeirado.

Na confusa cartografia dos desejos

pego atalhos e abro caminhos.

Sigo o retumbante farfalho

e me abestalho frente a velhos descobrimentos.

Page 79: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

79

Quase poesia

Page 80: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

80

[...]

Infinito

é olhar-se no espelho

e não saber quem olhou primeiro.

Page 81: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

81

[...]

A cor dos teus gritos

coloriu meu quarto

e o silêncio fugiu envergonhado

ao te ouvir sorrir.

Page 82: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

82

[...]

A rotina

engrossa

nossa retina.

Page 83: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

83

[...]

Poesia

nua

com riso cínico

&

cheiro de sexo.

– abra as páginas meu amor,

boa leitura!

Page 84: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

84

[...]

Sem bode-expiatório,

não há heróis.

Page 85: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

85

[...]

Sutil e voraz,

feito comer com os olhos.

Page 86: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

86

[...]

O olhar,

o passo,

o toque.

Mergulho no corpo.

Page 87: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

87

[...]

O acaso

é sempre o mais oportunista.

Page 88: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

88

Paradoxo virtual

Tava chorando, rsrsr.

Page 89: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

89

[...]

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

E se do papel não se ouvir meu grito?

ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Page 90: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

90

[...]

No passeio público,

a mão em passeio púbio.

Page 91: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

91

Má notícia

A morte

é uma surpresa desagradável.

Page 92: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

92

[...]

O infinito é pequeno,

o vazio transborda

e o dicionário

insiste em conceitos.

– inefável é o que não se exprime em palavras.

Page 93: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

93

[...]

Os melhores vizinhos

são aqueles que não sabemos nem o nome.

Page 94: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

94

Passar a limpo

Fui corrigir

meu borrão,

borrei.

Page 95: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

95

Epifania

Ôba! Escrevi um verso.

Page 96: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

96

João Henrique Vieira

Mocambinho, Teresina, Piauí, Brasil

2000-2010

2012

Page 97: Olá, meu caro e book ed final

João Henrique Vieira

97

Sobre o autor

João Henrique Vieira é escritor, jornalista e

produtor artístico. Formado em Comunicação Social -

UESPI. Autor de poemas, contos e crônicas. Escreve no

blog pessoal "Entrebraes", desde 2006.

Nascido e crescido em Teresina, Piauí – mais

exatamente no bairro Mocambinho, de onde nascem

memórias aqui reunidas – hoje reside em Belém, PA. A

reunião desses textos é fruto de uma década de

produção literária [2000 a 2010].

Teve poemas publicados na coletânea da

Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Vol. 48

[RJ/2008] e revistas literárias “Trimera” [Teresina/2008-

2010], e “Roda de Poesia” [Teresina/2008], além de

premiações no projeto “Roda de Poesia&Tambores”, do

escritor e pesquisador Élio Ferreira [Teresina].