ojarro e · ras de sol~ senhor advogado. oque ele quer e pesar tudo na .mão ' com odevido...

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o JARRO Peça em um Ato de Luigi Pirandello PERSONAGENS: DON Loió ZIRAFA . TIo DI MA LICASI, consertador de louça quebrada ADVOGADO SCIMÉ (Ximé) COMPADRE PEDRO, empregado T ARARÀ, FILLICO, aldeões varejadores Nr.Á ,TANA , TRISUZZA, CARMINELLA, aldeãs colhedoras de olivas TRQPEIRO N OCIARE LLO, menino de 11 anos, al - deão CENÁRIO: Um largo ch eio de vegetação dian- te do curral (casa com o curral em- baixo) de Don Lolo Zirafa, no alto de uma colina. À esqu erda fica a fachada do curral stico de um an- da r .A porta, ver melha, um pouco de sbo tadano m eio. Em cima da porta, um balcãozinho. Jan elas em cima e em baixo: as de baixo com gra de . À direita, lima s ecular oli veira sarracena; e em redor de um tronco, á spero e retorcido, um banco de pe- dra, murado a toda volta. Para além da oliveira, o largo desce para um atalho. No fundo, descendo pela en- costa da colina, outras oliveiras. Ou- tubro . Ao levantar-se o pano, Compadre Pedro ouvindo um cantar campestre das mulheres que sobem pelo atalho à direita, com as cestas cheias de oli- vas , à cabeça ou entre os braços, tre- pado 110' banco que circunda a oli- veira, grita: COMPADRE PEDRO - Oh, oh! Bu- racos sem chave! Tu aí, ó lesma! Devagar, com todos os diabos ... Cuidado com a carga! (As mulheres e Nociarello sobem atalho a direita, cessando o canto). TRISUZZA - O que há, compadre Pedro? NHÁ TANA - Credo! aprendeu a xingar, você também? CARMINELLA - Até as árvores, daqui a pouco se metem a blasfemar, nesta roça. CoMPADRE PEDRO - Ah , queriam que eu deixasse vocês derramando as olivas no chão? TRISUZZA - Derramando? Eu por mim não deixei cair nem uma , ao menos. COMPADRE PEDRO - Se, Don Loló, que Deus nos li vre, me aparece no balcão .. . NHÁ TANA - Pois que fique de manhã à noite. Quem não deve , não teme. COMPADRE PEDRO - Ê, cant ando de papo pr'o ar. C ARMINELLA - O qtle? não se pode nem cantar? NHÁ TANA - Que nada , blasfe- mar! Parece que o patrão eo empre- gado apostaram para ver quem diz as piores. TRISUZZA - Não sei como Deus não fulmina esta casa, com todas as árvores em volta. COMPADRE PEDRO - Chega! Suas linguarudas! Vão levar a carga e não conversem tanto! CARMINELLA .:.... E pieéiso · colher mais? . COMPADRE PEDRO - E hoje é fe- riado, pr'a se largar oserviço? . tempo ainda para duas viagens! Va- mos, ligeiro, a ndem! (Empurra p .ara a esquina da casa à esquerda, as mu- lheres e Naciarello. Uma delas, an- dando, recomeça a cantar, de puro despeito . Compadre Pedro, virado para o balcão chama:) Don Lolõl : DoN LOLo - (Do interior do curral) Quem é? COMPADRE PEDRO .: É pr'a lhe avisar que chegaram as mulas com o estrume. . DON Loiõ - (Sain4o . furioso. É um homen zarrão de 40 anos, olhos de lobo, desconfiados; Iracundo. Tem na cabeça um velho chapelão branco de abas largas,e duas argolas de ouro nas orelhas. Sem casaco , com uma camisa de · flanela tosca; de quadradi. n/lOS, violáce a, aberta sobre o peito hirsuto, mangas arregaçiuIas) As mu- las ,ae sta hora? Onde estão? Onde é que tu as deixaste? COMPADRE P EDRO - Estão aí, es- teja tranqüilo. O tropeiro quer saber onde deve descarregar. DON LOLo - Ah, é? Descarregar? sem eu ver o que foi que ele me trou- xe? Agora. eu não posso. Estou falan- do com o advogado. COMPADRE PEDRO - Ah, do jarro? DoN LOLo - Espera aí? Quem foi que te promoveu a cabo? . COMPADRE PEDRO - Não, quer dizer ... DoN LOLo - Tu não tens que dizer nada; obedecer, e bico calado! Queria saber por que razão te veio à cabeça que eu estivesse falando do jarro, com o advogado. 31

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Page 1: oJARRO E · ras de sol~ senhor advogado. Oque ele quer e pesar tudo na .mão ' com odevido respeito - bolota por bolota. Osenhor não oconhece! ~NLOLà - Deixa o advogado quieto,

oJARROPeça em um Ato

de Luigi Pirandello

PERSONAGENS:

DON Loió ZIRAFA .

TIo DIMA LICASI, consertador delouça quebrada

ADVOGADO SCIMÉ (Ximé)COMPADRE PEDRO, empregadoTARARÀ, FILLICO, aldeões varejadoresNr.Á ,TANA, TRISUZZA, CARMINELLA,

aldeãs colhedoras de olivasTRQPEIRONOCIARELLO, menino de 11 anos, al­

deão

CENÁRIO:

Um largo cheio de vegetação dian­te do curral (casa com o curral em­baixo) de Don Lolo Zirafa, no altode uma colina. À esquerda fica afachada do curral rústico de um an­dar só. A porta, vermelha, um poucodesbotada, é no meio. Em cima daporta, um balcãozinho. Janelas emcima e em baixo: as de baixo comgrade. À direita, lima secular oliveirasarracena; e em redor de um tronco,áspero e retorcido, um banco de pe­dra, murado a toda volta. Para alémda oliveira, o largo desce para umatalho. No fundo, descendo pela en­costa da colina, outras oliveiras. Ou­tubro.

Ao levantar-se o pano, CompadrePedro ouvindo um cantar campestre

das mulheres que sobem pelo atalhoàdireita, com as cestas cheias de oli­vas, àcabeça ou entre os braços, tre­pado 110' banco que circunda a oli­veira, grita:

COMPADRE PEDRO - Oh, oh! Bu­racos sem chave! Tu aí, ó lesma!Devagar, com todos os diabos ...Cuidado com a carga!

(As mulheres e Nociarello sobematalho adireita, cessando o canto).

TRISUZZA - Oque há, compadrePedro?

NHÁ TANA - Credo! Já aprendeua xingar, você também?

CARMINELLA - Até as árvores,daqui a pouco se metem ablasfemar,nesta roça.

CoMPADRE PEDRO - Ah, queriamque eu deixasse vocês derramando asolivas no chão?

TRISUZZA - Derramando? Eu pormim não deixei cair nem uma, aomenos.

COMPADRE PEDRO - Se, DonLoló, que Deus nos livre, me apareceno balcão .. .

NHÁ TANA - Pois que fique láde manhã à noite. Quem não deve,não teme.COMPADRE PEDRO - Ê, cantando depapo pr'o ar.

CARMINELLA - O qtle? não sepode nem cantar?

NHÁ TANA - Que nada, só blasfe­mar! Parece que o patrão eo empre­gado apostaram para ver quem diz aspiores.

TRISUZZA - Não sei como Deusnão fulmina esta casa, com todas asárvores em volta.

COMPADRE PEDRO - Chega! Suaslinguarudas! Vão levar a carga e nãoconversem tanto!

CARMINELLA .:.... Epieéiso ·colhermais? .

COMPADRE PEDRO - E hoje é fe­riado, pr'a se largar oserviço? Dá .tempo ainda para duas viagens! Va­mos, ligeiro, andem! (Empurra p.araaesquina da casa àesquerda, as mu­lheres e Naciarello. Uma delas, an­dando, recomeça a cantar, de purodespeito. Compadre Pedro, viradopara o balcão chama:) Don Lolõl :

DoN LOLo - (Do interior docurral) Quem é?

COMPADRE PEDRO .: É pr'a lheavisar que chegaram as mulas com oestrume. .

DON Loiõ - (Sain4o .furioso. É

um homenzarrão de 40 anos, olhosde lobo, desconfiados; Iracundo. Temna cabeça um velho chapelão brancode abas largas, eduas argolas de ouronas orelhas. Sem casaco, com umacamisa de ·flanela tosca; de quadradi.n/lOS, violácea, aberta sobre o peitohirsuto, mangas arregaçiuIas) As mu­las, a esta hora? Onde estão? Ondeéque tu as deixaste?

COMPADRE PEDRO - Estão aí, es­teja tranqüilo. Otropeiro quer saberonde deve descarregar.

DON LOLo - Ah, é? Descarregar?sem eu ver oque foi que ele me trou­xe? Agora. eu não posso. Estou falan­do com o advogado.

COMPADRE PEDRO - Ah, do jarro?

DoN LOLo - Espera aí? Quemfoi que te promoveu a cabo? .

COMPADRE PEDRO - Não, querdizer ...

DoN LOLo - Tu não tens quedizer nada; obedecer, e bico calado!Queria saber por que razão te veioàcabeça que eu estivesse falando dojarro, com o advogado. 31

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. COMP~RE PEDRO - Porque o DoN Lotõ - Experimenta! Querosenhor nao sabe em que apreensão - ver!que ?igo, apreensão? em que terror TROPEIRO - Espere aí, para ver!eu VIVO por causa deste jarro no- (Sai furiosà). . .... .. .vo exposto daquele jeito na adega.(Mostra à esquerda na direção do COMPADRE PEDRO - Deixe disso

lque fúria! '

curra ) Mande tirar de lá, pelo amorde Deus! DON Loiõ - Deixa ir! Deixa ir!

DoN LOLà _ (Hurrando) Não! Já TROPEIRO - Se ele tem a cabeça.te disse que não, cem vezes. Tem quente, eu a tenho mais do que ele!que ficar lá, e ninguém pode mexer! Não há jeito. De cada vez que eu

CoMPADRE PEDRO _ Com esse venho aqui, é uma briga.vai-evem de mulheres e garotos, me. DON LOLà - Meu velho, comigotida como está, ao lado da porta! quem quiser criar questão, - olha -

DON Lotõ _ Raio de ... Fizestes (Saca do bolso um livro de pequenopromessa de me endoidecer? formato, encadernado de vermelho), COMPADRE PEDRO _ Desde que Eu tenho isto. Sabes o que é? Parecenã? venha a ter um desgosto, de- um livrinho de missa? Ê o CódisopOIS. .. Civil! Foi meu advogado quem ~e

DONLoLà _ Não quero que me deu; e agora ele está aqui, passandovenh~s com mais conversas, enquanto uns tempos comigo. E eu aprendi aeu nao acabar a que comecei com o ler, sabes, neste livrinho, e a mimadvogado. Onde quéres que eu meta ninguém mais me tapeia, nem mesmoesse jarro? Na dispensa não há lugar, o Padre Eterno! Está tudo previstose não se tirar primeiro o tonel ve- aqui: caso por caso. E o advogadolho; e agora não tenho tempo. (Apa- eu pago pelo ano inteiro.rece pela direita o tropeiro). COMPADRE PEDRO - Aí está ele.

TROPEIRO _ Afinal, onde é que (Sai pela porta da casa o advogadoeu descarrego esse estrume? Daqui a Scimé, com um velho palheta na ca·pouco é noite! beça, e um jornal aberto na mão).

DoN Loiõ - Lá vem mais outro. SCIMÉ - Que é, Dom Lolõ?Santo Eloi que te ajude a quebrar o D?N LOLà - Senhor advogado,pescoço, tu e as tuas mulas. Isso são este Ignorante chega noite escura comhoras de chegar? • as mulas pr'a me trazer uma carga

TROPEIRO _ Não pude chegar de estrume, para a lavoura, e em vezmais cedo. de me pedir desculpas ...

DoN Loi õ - E eu não compro TROPEIRO - (Procurando inter-sem examinar a mercadoria. E quero romper, voltado para o advogado)que faças :os montinhos na lavoura, ~u lhe disse que antes não pudeonde ecomo eu disser. Ejá está mui- vIr ...to tarde; DON LOLà - (Continuando} . . .

TROPEIRO - Quer saber de uma me ameaçou.coisa, Don Lolõ? Eu descarrego as TROPEIRO - Eu? não é verdade!mulas de qualquer jeito, atrás do mu- DoN LOLà - Tu, sim, de jog~r

ro e vou-me embora. atrás do muro.

TROPEIRO - Mas porque o se­nhor ...

PON Lo~à -Eu oque? Eu queroa descarga no lugar, como deve ser,em montinhos, todos do mesmo ta­manho.

TROPEIRO - Então vamos! Porque não vem? Ainda temos duas ho­ras de sol~ senhor advogado. O queele quer e pesar tudo na .mão ' ­com o devido respeito - bolota porbolota. Osenhor não o conhece!~N LOLà - Deixa o advogado

quieto, que ele está aqui por minhac~usa enão pela tua. Não preste aten­çao, senhor advogado. Desça ali peloatalho, como de costume' sente-sedebaixo do pé de amora, e'leia o seujornal sossegado. Eu irei mais tardecontinuar a conversa sobre 'o jarro.(Ao tropeiro) Vai, vai, andal Ouan­tas mulas são? (Sai com o tropeiropela direita).

TROPEIRO - Não combinamos?doze? Pois são doze. (Desaparecematrás da casa).

SCIMÉ - (Sacudindo as mãos noar) Ah! eu vou-me embora! Amanhãde manhã, eu vou para a minha casa!Minha cabeça já está rodando comouma dobadouro.

COMPADRE PEDRO - Não deixaninguém. ~ossegar. E garanto queaquele hvonho vermelho foi um belopresente que osenhor lhe deu. Antes,à menor contrariedade, gritava logo:"Arreia a mula"!

SCIMÉ - Ê, para ir correndo àcidade, ao meu escritório, e de cadavez deixar-me com a cabeca oca co­mo um jacá. Meu caro, f~i por issoque eu lhe dei o código civil. Tira-odo bolso, põe-se a procurar por suaconta, e me deixa em paz. Mas foi odiabo que me inspirou a vir passaruma semana aqui! Também, assim

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que ele soube que omédico me haviaordenado ficar uns dias de repouso,no campo, apertou-me o crâneo paraque eu aceitasse a sua hospitalidade.Impus-lhe acondição de não me falarem coisa nenhuma. E há cinco diasque me despedaça a alma falando-medesse jarro. De não sei que diabo deJarro ...

COMPADRE PEDRO - Sim senhor,do jarro grande para oóleo, que che­gou há pouco de Santo Estevão deCamastra, onde eles são fabricados.Ih, é lindo! Deste tamanho, da alturado peito de um homem, parece umaabadessa. Será que ele quer brigartambém com ooleiro de lá?

SCIMÉ - Ecomo não? Porque dizque esperava coisa maior pelo preçoque pagou.

COMPADRE PEDRO - (Com estu­por) Maior?

SCIMÉ - Não me fala de outracoisa, nos cinco dias que eu estouaqui. (Vai saindo pelo atalho à di·reita) Ah. Mas amanhã eu vou-meembora! (Desaparece).

(Lá longe, pela campanha ouve-seo pregão cantarolado de Tio DimaLicasi):

Pratos, tijelas pr'a consertar!(Do atalho à direita, sobem, com

escadas e varas, Tararà e Fillicà).

COMPADRE PEDRO - (Vendo-os)Eh, que é isso? Acabou-se acolheita?

FILLICO - Foi o patrão quemmandou, passando com as mulas.

COMPADRE PEDRO - E disse tam­bém que podiam ir embora?

TARARÀ - Que nada! Disse paraficar por aqui para fazer não sei oque na dispensa.

CoMPADRE PEDRO - Para levar otonel velho?

FILLICà - Isso! Para dar lugar FILLICà - Nossa Senhora, ajudai.ao Jarro novo. ·me!

COMPADRE PEDRO - Ainda bem! TARARÀ - Estou como sangueAté que enfim ele me escutou, pelo gelado nas veias!menos uma vezl Venham, venham CoMPADRE PEDRO - Castigo decomigo! (Sai com os dois pela es- Deus! Castigo de Deus!querda. Mas chegam de trás da casa MULHERES - (A uma voz, apro­Trisuzza, Nhá Tana, e Carminella, ximando-se) Que foi? Que é que vo­com os ctstos vazios. NOciarello, cês têm? Que aconteceu?também.) COMPADRE PEDRO - O·jarro! O

NHÁ TANA - (Vendo os dois va- jarro novo!rejadores) Como é? Acabou-se a co- TARARÀ - Quebrou!Iheita? MULHERES _ (A uma voz) O

COMPADRE PEDRO - Acabou. Por jarro? ~ mesmo? Santa Mãe de Deus!hoje acabou. FILLlCO _ Rachado ao meio! Co.

TRISUZZA - E nós, como é? mo se tivesem dado uma martelada:C P' IOMPADRE PEDRO - Esperem que a.

o patrão volte e lhes diga. NHÁ TANA - Como é possível?CARMINELLA - Assim, de mãos TRISUZZA- Mas ninguém boliu

abanando? nele! .

COMPADRE PEDRO - Que querem ' CARMINELLA - Ninguém! Masque eu diga? Vão levar isso para o quem vai dizer isso agora a Dondepósito. Lol õ?

NHÁ TANA - Ah, semordem dele TRISUZZA - Vai fazer coisas denão me arrisco. doido!

CoMPADRE PEDRO - Então man- FILLICO - Eu, por mim, vou lar-dem alguém buscar a ordem. (Sai gar tudo e escapulir.pela esquerda com os dois). TARARÀ - Que? escapulir? paler-

CARMINELLA - Vai, vai tu, No. ma! E quem vai tirar, então, da ca-ciarel1o. beça dele que não fomos nós? Todos

NHÁ TANA - Fala assim: os ho- firmes aqui! E você (A Compadremens não fizeram a colheita. As mu- Pedro) vá chamá-lo. Não, não, cha-

- me daqui mesmo. Dê-lhe um grito.Iheres querem saber oque vao fazer. . .COMPADRE PEDRO - (Subindo noTRISUZZA - Querem entregar os . . .

. . , assento em volta da olIveira) Pronto,cestos. DIZ assim., daqui de cima. (Gritando, com uma

NOCIARELLO - Esta bem. das mãos perto da boca, diversas ve-CARMINELLA - Corre! (Nociarello us, a intervalos) Don Lolõl On Don

sai às carreiras pelo atalho àdireita). Lolõõàààà! Nem ouve: vai gritando(Regressam à cena, pela esquerda, atrás das mulas como um doido! Donprimeiro um, depois o outro, ator- Lolàààààà! ~ inútil! É melhor dardoados, espantados, com as mãos um pulo até Já!para o céu, Fillico, Tararà e Compa- TARARÀ - Pelo amor de Deus, nãodre Pedro). lhe faça nascer suspeitas ... 33

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COMPADRE PEDRO ~ Fiquem tran­qüilos! Como pode ele, em sã cons­ciência botar a culpa em você? (Saicorrendo pelo'atalho)..TARARÀ -:- Olhem todos .de acor·

do: uma palavra só, firmes para en­frentá·lo: o jarro quebrou sozinho.

NHÁ TANA - Isso já aconteceumais de uma vez.

TRISUZZA - Claro, que os jarrosnovos quebram sozinhos.

FILLICO - Porque muitas vezes- sabem como é? - quando secose o jarro na fornalha, uma faiscaqualquer fica presa dentro, e depois,de um golpe só - pum! - arreben­ta.

CARMINELLA - Ê isso mesmo'Como se lhe tivessem dado um tiro!(Benzendo-se) Que Deus nos livre eguarde! (Ouvem-se da direita, as vo­zes de Don Lolà eCompadre Pedro)

DON Lotõ - (De fora) Querosaber quem foi, por Nossa Senhora!. COMPADRE PEDRO - (De fora)

Não foi ninguém, juro!TRISUZZA - Lá vem ele!NHÁ TANA - Amparemo-nos,

senhores! (Aparece do atalho, pálido,enfurecido, Don Lolà, seguido decompadre Pedro e Nociarello).

DON LOLo - (Arremessando-seprimeiro contra Tararà, depois ton­tra Fillicà, agarrando.os pelo peito dacamisa e sacudindo.os) Foste tu?Quem foi? Ou tu ou tu, um dos doisdeve ter sido, e por Deus que vai mepagar!

TARARÀ E FILLICO - (Estrebu­chando juntos) Eu? Está maluco? Melargue! Tira esta mão daí, senãoeu. .. (As mulheres e CompadrePedro, ao 'mesmo tempo, em cô-

34 ro): Quebrou sozinha! Ninguém tem

culpa! Já estava quebrada! Está ma­luco!

DON LOLo - (Rebatendo ora um,ora outro) Ah, estou maluco? Ê, to­dos inocentes! Quebrou sozinho! ­Vão me pagar, todos! - Por en­quanto vão buscá-lo e tragam-no paracá. (Compadre Pedro, Tararà eFilli­cà corremabuscar o jarro) Na luz,se houver sinal de pancada ou detombo, vê-se logo. Ese houver, salío­-lhes ao pescoço, e mordo-lhes o na­riz! Vão me pagar, todos, homens emulheres.

MULHERES - Quem, nós? Estásonhando! Quer nos botar a culpatambém? Nós nunca vimos ojarro aomenos.

DON LOLo - Vocês também en­travam e saíam da adega!

TRISU1ZA - É, sim, nós quebra­mos o jarro dele roçando assim, coma saia. (Apanha asaia com lima dasmãos, e faz o gesto, com muita mo­mice, de bater com ela na perna deDon Lolà. Enquanto isso, CompadrePedro, Tararà e Fillicà reaparecempela esquerda trazendo o jarro).

NHÁ TANA - Que pena! Olhem!DON LOLo - (Levando o deses­

pero ao ponto que o levam os quechoram 11m parente morto) O jarronovo! Tanto dinheiro! E onde é queeu vou guardar o óleo, este ano? Ai,meu lindo jarro! Foi inveja ou ruin­dade! Tanto dinheiro jogado fora! Eeste ano foi de muito azeite! Ah,Meu Deus, que horror! Como é quevou me arranjar?

TARARÀ - Mas não é tanto assim!Olhe ...

FILLICO - tem conserto. .. ­COMPADRE PEDRO - saiu um pe­

daço ." -TARARÀ - um pedacinho só ... -

FILLICO - e inteirinho. . ..:.-. .TARARÀ - Talvez já estivesse ra­

chado ...DON Loiõ - Que rashadol To~

cava que nem um sino! .,COMPADRE PEDRO - Ê verdade!

Eu experimentei.FILLICO - Fica como nova, estou

lhe dizendo, se chamar um bom con­sertador. Não se vê nem sinal dasolda.

TARARÀ - Chame oTio Dima, otio Dima Licasi. Deve andar por aíperto. Eu ouvi o grito.

NHÁ TANA - Ele é um mestre,até. Tem um cola milagrosa, que nãosai nem a martelo, depois que pega.Corre, NociareIlo. Ele está aqui aolado na cantina do Mosca. Vai cha­málo, (Nocíarello sai correndo pelaesquerda) .

DON LOLo - (Gritando) Calema boca. Vocês me deixam zonzo! Nãoacredito nesses milagres. Para mim ojarro está perdido. •

COMPADRE PEDRO - Eu bem quelhe dizia!

DON LOLo - Oque éque tu medizias, seu estúpido? Que é que tu medizias? Se é verdade que o jarro que­brou por si, sem que ninguém o te­nha tocado? Mesmo guardado numtabernáculo, teria quebrado do mes­mo jeito; se é que quebrou sozinho.

TARARÀ - É fato! Não fique Ia­lando à tôa.

DON LOLo - Eu me dano comesse imbecil!

FILLICO - O senhor verá quetudo se arranja com pouca despesa.E o senhor sabe que jarro quebradodura mais que jarro novo.

DON LOLà - Com todos osdia­bos! Deixei as mulas no meio da

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encosta, com o estrume! (A Compa­dre Pedro) Que é que tu fazes aí,olhando para a minha cara? Corre,vai dar uma espiada, ao menos!(Compadre Pedro sai correndo peloatalho)Ai, que minha cabeça pega ío­gol Quetio Dima coisa nenhuma! Eutenho de me entender é com o advo­gado. Que se ele quebrou sozinho ésinal de que devia estar com defeito.Mas tocava, tocava, quando chegou!E eu achei que estava bom. Efiz atéa declaração! O dinheiro está perdi.do! Já posso dar adeus! (Entra pelaesqüerda, Tio Dima Licasi, seguidode Nociarello) .

FILLICO - Está aí o Tio Dima.TARARÀ - (Baixo a Don Lolo)

Olhe q~e ele não fala!NHÁ TANA - (Idem, quase miste­

riosamente) É de poucas palavras.DONLOLO- Ah, é? (A Tio Di­

ma) Não se usa mais cumprimentaros outros, quando se chega?

TIO DIMA- Osenhor precisa doserviço ou do meu cumprimento? Euacho que é do meu serviço. Diga oque é que eu tenho de fazer, que eufaço.

DONLOLO - Ora, se lhe custamtanto aspalavras, porque nãoas pou­pa aosoutros também? Não está ven­do aqui o que tem a fazer?

Fnucõ - Consertar este belojarro, .Tio Dima, com a sua cola.

DoNLOLo - Dizem que faz mila­gres. É o senhor mesmo quem afabrica? (Tio Dima olha-o, esquivo,e não responde). Responda, homem,e deixe-me ver a cola!

TARARÀ - (Denovo baixo, aDonLolo) Falando com ele desse jeito, osenhor não consegue nada,

NHÁTANA - (Idem) Não mostraa ninguém. Tem-lhe um ciúme doido.

DON Lotõ - Porque? É alguma : ' FILLICO - (Segurando-á) Deixehóstia sagrada? (A Tio Dima) Diga- •disso, Tio Dima, tenha paciência!-me pelomenos seojarro consertado TARARÀ - (Idem) Faça como o'ficará bom! .patrão está mandando! . .

TIO DIMA - (Que colocou no DONLoLO - Olhem sÓ; que areschãoacesta, e tirou um velho lenço de Carlos Magno! Maltrapilho, mise­de algodão awlado e todo amarrota- .rável e pedaço d'asno, éo que vocêdo). Assim, sem mais nem menos? .é! Ê só botar azeite lá dentro quePreciso olhar primeiro. Dê-me um vasa. Uma milha de rachadura, sópouco de tempo. (Vai se sentando com a cola? quero pontos também.no chão, e começa a remexer deva- Quem manda sou eu.garinho, com muita cautela, o lenço. TIO DIMA _ Todos iguais! TodosTodos olham-no, Atentos e curiosos). iguais! Ignorantes! Seja uma bilha ou

NHÁ TANA - (BaixoaDon Lolõ ) seja uma caneca, um bule ou umaDeve ser a cola.

, '. xícara: os pontos! Os dentes da velhaDON.LOLO -.Estou sentindosubir que rinjam, e parecem dizer: "estou

uma COIsa, daqui (Mostraa boca do quebrada e consertada"! Ofereço oestômago) . I bem, eninguém quer aproveitar. Nin-

TODOS - (Assimque sai do lenço guém me deixa fazer um trabalhoum par de óculos, com a armação e limpo, e dentro das regras da arte!as varetas quebradas e amarra~as (Aproxima-se de Don Lolo) Escutecom barbante, estouram numa nsa- aqui: se esse jarro não tocar de novoda). Ah! são os óculos!- e a gente como um sino, só com a cola ...pensando cada coisa! Pensei yue D Lo ' J' di N rfosse acola! Parece um novelo enro- C· ON - hLO - a I:se que nba~.dilh d om esse ornem, eu nao posso n-I a o. ' . garI (A Tararà) Arre! E tu disseste, TIO DIMA - (DepOIS de poltr os que ele falava pouco! (A Tio Dima)oculos com uma ponta do lenço, exa- Não adianta pregar sermão: se todomina-os, depois coloca-os emcima do mundo pede pontos, é sinal de sabe­nariz, examina o jarro, e diz): Fica doria querer pontos.

bom, TIO DIMA - Que sabedoria! ÉDONLoLO - Bum!otribunal pro- ignorância!

feriu a sentença! Mas aviso-o que NHÁ TANA_ Eu também _ deveessa:ua cola.pode ser milagrosa, mas ser ignorância_ mas me parece queeu nao coníio nela. Quero pontos, os pontos são necessários, Tio Dima.também! (Tio DimaTomaaolhá-lo, TRISUZZA _ É claro, seguram me­depois, semdizer nada, apanha o len- Ihor.ço, os óculos, e joga-os na cesta, toi- TIO DIMA _ Mas furam! Custavosamente; agar:Q ~ cesta, coloca-a tanto entender? Cada ponto, dois fu­no ombro, ~ vm samdo)., TOS, vinte pontos, quarenta furos.

DON LoLO - Eh, onde e que o Onde só com a cola . ..h '?

sen or vaI. DON Lotõ _ Arre! Que cabeça!TIO DIMA - Vou-me embora. Nemum burro! Furam, mas eu que-DON LOLO - Mas é assim que se rol Opatrão sou eu! (Voltando para

trata? as mulheres) Vamos, vamos andan. 35

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do! Vão levar isso para o depósito!(Aos homens) e vocês para a des­pensa, tirar o tonel velho. Vamos!

., (Empurra-os 'para a casa).TIO DIMA - Oh! Espere aí!DON Loiõ - Depois do serviço,

nós conversamos. Não tenho tempopara perder com o senhor.

TIo DIMA - Quer me deixar so­zinho? Preciso de alguém para meajudar a firmar o caco quebrado. Ojarro é grosso.

DON Loiõ - Bom, então (A Ta­rarà) - tu vais ficar aqui - (AFillico) e tu vens comigo. (Sai comFillicà; as mulheres e Nociarello jásairam). (Tio Dima põe-se subita­mente a trabalhar, despeitado. Cavado cesto a broca, e começa a fazeros furos no jarro ena lasca partida).

TARARÀ - Ainda bem que elelevou a coisa assim! Mal posso acre­ditar. Pensei que chegasse o fim domundo esta noite. Não fique amargu­rado, Tio Dima, ele quer pontos, fa­ça os pontos; vinte, trinta... (TioDima olha para ele) Mais ainda?Trinta e cinco? (Tio Dima torna aolhá-lo) Quantos afinal?

TIO DIMA - Está vendo esta bro­ca? Enquanto eu vou mexendo comela, roc, roc, roc, roc, parece que es­tou furando o coração.

aTARARÀ ~ Diga-me uma coisa: Éverdade que recebeu num sonho areceita de seu grude?

TIO DIMA - (Continuando a u«balhar) Em sonho, sim.

TARARÀ - E quem lhe apareceuno sonho?

TIO DIMA - meu pai.TARARÀ - Ah, seu pai! Apareceu­

-lhe em sonho e lhe disse como fa­bricar a cola?

TIO DIMA - Estúpido!

TARARÀ - Eu? Porque?TIO DIMA - Sabes quem é meu

pai?TARARÀ .:.- Quem é?TIO DIMA - Odiabo que te car­

regue.TARARÀ - Ah, então o senhor é

filho do diabo?TIO DIMA - E isto que eu trago

no cesto é o pixe para grudar vocêstodos.

TARARÀ - Ah, é preto, é?TIO DIMA - É branco. Emeu pai

me ensinou a fazê-lo branco. Vocêsvão ver a força que tem, quando esti­verem fervendo dentro dele. Mas láem baixo é preto. Se encostar doisdois dedos, não soltam mais. E seeu colar oteu beiço no nariz, tu ficasabissínia para o resto da vida.

TARARÀ - Ecomo éque osenhorpega nele e ele não lhe faz efeito?

TIO DIMA - Seu palerma! Ondeé que já se viu cachorro morder odono? (Joga fora a broca e põe-sede pé) Agora vem cá. (Fá-lo segurarocaco já furado) Segura aqui. (Cavado cesto uma lata, abre-a, e tira umadedada de cola e mostra-lhe) Olha,parece uma cola igual às outras? Es­pia só! (Besunta de cola, primeiro abeirada da quebradura do jarra, de­dais ao longo da de todo o caco)Com três ou quatro dedadas de cola,assim. " só e só... Segura bem.Agora eu me meto aqui dentro.

TARARÀ - Aí dentro?TIO DiMA - Claro, seu asno. Se

eu tenho de fechar os pontos, há deser pelo lado de dentro. Espera.(Procura na cesta) Fio de ferro etorquês. (Apanha um e outro, e vai·-se meter dentro do jarro) Agora, ..espera que eu me meta bemaqui dentro. Levanta esse caco e co-

loca-o bem encaixado ... devagar...isso. .. assim. (Tararà executa efecha-o dentro do jarro. Pouco ée­pois ele, esticando acabeça para fora,pela boca do jarro): Agora, puxa!Puxa! Ainda está sem os pontos. Puxacom toda a tua força! Estás vendo,como não sai nunca mais? Nem dezparelhas de bois arrancavam maiseste pedaço. Vai, vai dizer isso aoteu patrão!

TARARÀ - Mas, me desculpe, TioDima, o senhor tem certeza de queagora consegue sair daí de dentro?

TIO DIMA - Como não? Eu sem­pre saí de qualquer jarro.

TARARÀ - Mas esse - não sei­estou achando um pouco estreito parao senhor. Experimente. (Volta doatalho àdireita, Compadre Pedro).

COMPADRE PEDRO - Que é? Nãopode mais sair?

TARARÀ - (A Tio Dima, dentrodo jarro) Espere. Devagar. De lado.

COMPADRE PEDRO - O braço,ponha primeiro um braço para fora.

TARARÀ - Não, que braço coisanenhuma.

TIO DIMA - Afinal, como é isso,diabo! Não posso mais sair?

COMPADRE PEDRO - Tão grossode pança, e tão estreito de boca!

TARÁRÀ - Havia de ser engraça·do, Se depois do conserto ele nãopudesse sair. (Ri).

TIO DIMA - Tu estás rindo? Peloamor de Deus, me ajuda! (Faz força,furioso) .

COMPADRE PEDRO - Espere, nãofaça assim! Vamos ver se virando oJarro ...

TIO DIMA - Não, é pior! Deixa!O enguiço é nos ombros.

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TARARÀ - Eo senhor já tem umaabundância nessa parte ...

TIo DIMA - Eu? Tu mesmo aca­baste de dizer que- o defeito é daboca do jarro. . . .

COMPADRE PEDRO - Eagora, co­mo é que vai ser?

TARARÀ - Ah, esta está ótima!Ótima! (Ri e corre para acasa, cha­mando): FilIicô! Nhá Tana! Trisuzza!CarmineIla! Venham, venham cá! TioDima não pode mais sair do jarro!(Chegam os chamados, mais Noda­rello, que falam todos em côro, rindo,saltando, batendo palmas) Dentro dojarro? É boa! Como foi? Não saimais?

TIO DIMA - (Ao mesmo tempo,como lIm gato enfurecido) Deixem­-me sair! Apanhem omartelo naquelacesta!

CoMPADRE PEDRO - Que martelo!Está maluco! Diga isso ao patrão!

FILLlCO - Lá vem ele!Lá vemele! (Chega correndo pela direita,Don Lolà).

As MULHERES - (Correndo-lheao encontro) Ficou preso dentro dojarro! Sozinho! Não pode mais sair!

DoN LOLo - Dentro do jarro!

TIO DIMA - (Ao mesmo tempo)Socorro! Socorro!

DoN LOLo - Eque socorro possoeu te dar, velho imbecil, se tu nãotomaste a medida da tua corcunda,(Todos riem) antes de te meteres aí?

NHÁ TANA - Mas olhem só oqueaconteceu com ele, coitado do TioDimas!

FILLIco - Essa está de primeira,por Deus!

DoN LOLo - Espere. Trate desafar primeiro um braço.

CoMPADRE PEDRO - É inútil. Jáexperimentamos tudo.

Tio DIMA - (Que tirou um braçopara fora, com esforço) Ai! Assimme quebra o braço!

DON Loiõ - Paciência! Experi­mente ...

TIO DIMA - Não! Me largue!DoN LOLo - Então, o que queres

que eu faça?TIO DIMA - Apanhe o martelo e

quebre o jarro.DON LoLO - Como? Agora que

está consertado?TIO DIMA - Quer me deixar aqui

dentro?DoN LOLo - Primeiro é preciso

ver como é que Se vai fazer.TIO DIMA - Que éque você quer

ver? Eu quero sair daqui! Quero sair. 'Iju

As MULHERES - Tem razão! Nãopode deixar o homem preso ali! Senão há outro remédio!

DON LOLo - Ai, que a minhacabeça pega fogo! Pega fogo! Calma!Calma! Isso é um caso novo! Nuncaaconteceu a ninguém. (A Nodarello)Vem cá! menino ... Não, é melhortu, Fillicó. Corre lá (Indica-lhe oatalho à direita). Debaixo do pé deamora está oadvogado. Traz o advo­gado aqui depressa. (E enquantoFillicà sai, voltando-se para Tio Di­ma que se dabate no jarro) Quietoaí! Segurem o homem! Isso não éjarro! é o demônio! Fica quieto!

TIO DIMA - Ou você quebra ojarro, ou eu me arrisco a quebrar opescoço, e faço rolar o jarro de en­conto auma árvore! Quero sair! Que­ro sair!

DON Loiõ - Espere que chegueo advogado; ele é quem vai resolver

este novo caso! Eu me reservo o di­reito ao jarro e começo por cumprircom o meu dever. (Cava do bolsouma velha carteira grossa, de couro;amarrada com um cordel e tira umanota de dez liras) Vocês são todostestemunhas: aqui está o dinheiropara pagar o trabalho.

TIO DIMA - Eu não quero nada!Quero sair!

DoN Loiô - Só sairá, quando oadvogado disser. Por enquanto, eulhe pago. (Levanta amão com o di­nheiro, e larga-o dentro do jarro. Doatalho à direita, vem o advogadoScime, rindo, seguido de FilUco)(Don Lolà, vendo-o): Desculpe, masoque há para rir? Para osenhor nãofaz diferença, eu sei. O jarro é meu.

SCIMÉ - (Não podendo conter-se,entre as risadas dos outros, também)Mas o senhor pre. .. o senhor pre­tende deixá... deixá-lo lá dentro?Ah, ah, ah, ih, ih, ih. .. Dehá-lo ~á

dentro, para não perder o jarro?DON Loiõ - Então o senhor

acha que eu tenho de sofrer o pre­juízo e a humilhação?

SCIMÉ - Mas o senhor sabe comose chama isto? Seqüestro de pessoa!

DON Lotõ - E quem o seqües­trou? Ele se seqüestrou sozinho! Queculpa tenho eu? (A Tio Dima) Quemestá lhe prendendo aí dentro? Saia!

TIO DIMA - Tente fazer-me sair,se é capaz!

DON Lotõ - Mas não fui euquem meteu você aí dentro, para fi­car com essa obrigação! Foi vocêmesmo que se meteu aí! Saia!

SCIMÉ - Meus senhores, permi­tem que eu fale?

TARARÀ - Oadvogado vai falar!Oadvogado vai falar! 37

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SCIMÉ - São dois casos distintos, obrigação era tomar as medidas antesescutem bem, e é preciso cbegar.se a de entrar, para ver se poderia sairum acordo. (Virando-se primeiro ou não.para Don Lolo) Por um lado, o se- DON LOLà - Logo, ele tem qu~

.nhor tem de libertar Tio Dima, ime- me pagar oJarro.diatamente. TIO DIMA - Oque?

DON Loiõ ' --"- "(Logo) Como? SCIMÉ _ Devagar, devagar. Pagá.Quebrando o jarro? · . .10 como novo?

SCIMÉ - Espere. A parte do ou-tro já vem. Deixe-me dizer. Osenhor DON Loiõ - Claro! Porque não?não pode fazer por menos. Para não SCIMÉ - Porque já estava quebra-responder por seqüestro de pessoa. do, ora essa!(Voltando-se agora para Tio Dima) TIO DlMA - Pois se eu conserteiPor outro . lado, o senhor também, o jarro!Tio Dima, tem de.responder pelo DON LoLà - Consertou? Poisdano qu~ ocasionou metendo-se aí então agora está novo!Nãoestá maisdentro dojarro sem se preocupar com quebrado! Se agora eu quebrá-lo parao saber se poderia sair depois. deixar o senhor sair, não poderei, TIO DIMA - Mas senhor advo- mais mandá-lo consertar, e perdereigado, eu não me preocupei, porque o jarro para sempre, senhor advoga-há tantos anos que eu estou nesse I do!ofício, já consertei centenas de jar- SCIMÉ - Mas, por isso mesmo,ros, e, todos, sempre pelo lado de eu já lhe disse que o Tio Dima temdentro, para fechar os.pontos, como de responàer por essa parte! Deixe-mandam as leis da arte. Nunca me -me falar! •aconteceu não poder m~is sair. Ele DONLOLà - Fale fale.que reclame com o OIClfO, que lhe I ' . .

mandou um:jarro com li boca tãoes- I SCIME - Meu caro TIO Dima,treita. Eu não tenho culpa nenhuma. das duas uma : ou a sua cola serve

Do Lo' . M d para alguma coisa, ou não serve para

N LO - as essa corcun a . Ique o senhor tem, será que o oleiro coisa agum~. I •

fabricou esse jarro só para impedir DONLOL? - (C?ntelltISSlnlO, pa·gue o senhor saísse daí de dentro? ra quem qll/ser ouvIr) Escutem, es-Se vamos questionar por causa da c~tem como eleéapanhado na arma-boca estreita, senhor advogado, assim dilha, Quando o advogado começaque ele aparecer com essa corcunda, assim . ..o mínimo que pode acontecer, é o SCIMÉ - Se a sua colanão prestajuiz estourar de riso. Eu serei con- para nada, o senhor é umcharlatão.denado às custas, e adeus viola! Se presta, então, o jarro, mesmo

TIoDIMA~ Não é verdade! Não! assim, como esta ainda deve ter oPorque com essa corcunda mesma, seu valor. Qual é esse valor? Diga oeu para seu governo, sempre entrei e senhor mesmo. Faça a avaliação.saí pela boca de qualquer jarro, co- TIO DIMA - Comigo dentro?mo se fosse pela porta de minha casa. (Todos riem).

SCIMÉ ~ Isso não é argumento, SCIMÉ - Sem brincadeira!Ojarro38 tenha paciência, Tio Dima. A sua como está.

TIO DIMA- Eu vou-lhe respon­der. Se Don Lolõ tivesse-me deixadoconsertar o jarro como eu queria,antes de mais nada, eu não estariaaqui dentro, porrque poderia fazer oserviço do lado de fora; aí, o jarroteria ficado como novo, e teria omesmo valor que antes, nem maisnem menos. Assim, remendado co­mo está agora, e furado que nemuma peneira, que é que ' o. senhorquer que ele valha?Um terço do pre­ço de custo.

DONLoiõ- Um terço?'SCIMÉ - (De súbito, a Don Lolà,

fazendo-lhe sinal para parar) Umterço! Osenhor, silencia. Valha a suapalavra. Pague o valor a Don'Lolõ,

TIO DIMA- Quem? Eu? Pagar?SCIMÉ - Sim, para que 'ele'oue­

bre o jarro e deixe o senhor sai/ Osenhor vai-lhe pagar o quanto' o se­nhor avaliou.•DONLOLà - Negócio limpo, co­

mo água da fonte!TIO DIMA - Pagar, eu? Bobagem,

senhor advogado. Prefiro esperar osvermes, aqui dentro. Tararà, apanhao meu cachimbo lá naquela cesta.

TARARÀ - (Executando) Este?TIO DIMA- Muito obrigado. Dá­

-me o fogo. (Tararàacendeu 11m fós­foro e encosta no cachimbo) Obri­gado. E meus respeitos a todos.(Com o cachimbo fumegando, desa·parece dentro do jarro, entre risosgerais). .

DON LOLà - (Ficando como umpateta) Eagora, o que é que se faz,senhor advogado, se ele não quisermais sair?

SCIMÉ - (Coçando a cabeça esorrindo) É, enquantoele queria sair,ha~ía remédio. Mas se não quermaIs . ..

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DON LOLO - (Indo falar com Tio senhor, ou o dinheiro, ou nada feito. incitados por Tio Dima. Mas poucoDima, dentro do jarro) Que é que o Vamos embora. Deixe-o para lá. (Vai depois, a porta da casa escancara-sesenhor vai fazer? Montar residência saindo com Dal! Lalo em direção à furiosamente, e irrompe Don Loloaí dentro? casa) .\ gritando):

TIO DIMA - (Mostrando a cabe· TIO DIMA - (Botando a cabeça DoN LOLO - Oh, raio! Onde éça) Estou melhor aqui do que na para fora mais uma vez) Oh! Don que vocês pensam que estão, na ta.minha casa. É fresquinho como o Lolà! vema? Toma, velho do diabo, pr'a teParaíso. (Desaparece novamente, e SCIMÉ _ (A Don Lolo conti. quebrar o pescoço! (Solta um formi.recomeça a fumar, em grandes bafo- nuando a andar) Não vire a'cabeça. I dável pontapé no jarro, que rola peloradas). Ande, ande. atalho abaixo, entre os gritos de to-

DoN LOLO - (Entreas risadas de TIO DIMA _ (Antes que os dois dos: Depois, ouve-se o despedaçartodos, furiosíssimo) Acabem com entrem na casa) Boa noite senhor do Jarro, que se quebra, batendo con­esse riso, com todos os diabos! E se- advogado! Eu tenho aquela nota aqui! tra uma árvore).jam todos testemunhas de que agora (E assim que os dois entram, viral!- NHÁ TANA - (Acompanhando oé ele quem não quer sair, para não do-se para os outros) Vamos fazer grito) Matou-o!me pagar o que me deve, enquanto uma festa, todos! Quero inaugurar a FILLICÔ - (Olhando com os ou­que eumeprontifico aquebrar o jar- casa nova! Tu, Tararà, corra aí ao tros) Não! Olhem lá! Está saindo!ro. (Aoadvogado) Nãoposso acusá- Mosca e compra vinho, pão, peixe Levantou-se! Não sofreu nada! (As-lo de abuso de moradia, senhor frito epimentão salgado. Vai ser uma mulheres batem palmas, 'alegremen-advogado? festança! te).

SCIMÉ - (Rindo) Como não? TODOS - (Batendo palmas en- TODOS - Viva Tio Dima! (Põem-Mande o meirinho com uma ordem quantoTararàcorre abuscar as com- -no nos ombros e carregam-no emde despejo. pras) Viva Tio Dima! Viva a festa! triunfo para aesquerda).

DONLOLo - Mas eleestá me im- FIL"IC~ ~ E q~e lua. bO,nita! TIO DIMA _ (Agitando os bra~pedindode usar o jarro! Olhem! Ia despontou: (Indica a es- ços) Ganhei! Venci eu!

TIO DIMA - (Emergindo nova- querda) Parece dia!mente a cabeça) O senhor está en- TIODIMA- Quero ver! Eu tam- PANOganado!.Eu não ~stou aqui por pra-I b,émquero. ver! Levem o)arro pa~azer. Deixe-me sair, que eu vou-me lIa devagarmho. (Todos aJudam, ar-embora em passo de dança. Mas cllndando o jarro e fazendo-o girarquanto a me fazer pagar, esqueça-se sobre si mesmo, em direção ao ata.disso. Nãosaio mais daqui de dentro. lho à direita) . Assim. '. devagar ...

DONLOLo - (Agarrando o jarro isso... assim... Ah! que beleza!e secudindo-o fuiosamellte) Ah, não Estou vendo... estou vendo! Parecesai mais? Não sai, é? um sol! Quem vai cantar?

TIO DIMA- Estávendoque cola? NHÁ TANA- Tu, Trisuzza!Não são os pontos, são? TRISUZZA- Eu, não! Tu, Carmi-

DoNLotõ - Gatuno! Ladrão de nella!estrada! Assaltante! Quem foi que fez TIo DIMA - Vamos cantar todoso malfeito? Tu ou eu? E queres que em côro' Tu, Fillicõ, toma o berim­eu pague? bau. E vocês todos, uma bela can-

SCIMÉ- (Puxando-opor um bra- toria, dançando em volta do jarro.ço) Não faça assim, que é pior! Dei- (Fillicà tira do bolso o berimbau exe que ele passe aí a noite inteira, põe-se a tocá-lo. Os outros, cantandoe vai ver que amanhã, é ele próprio egritando, dão-se as mãos eda~çam

quem vai-lhe pedir para sair. AÍ, o I desordenadamente em torno do Jarro, 39