ocupação de ninhos de cupins epígeos e arbóreos em ... · área de mais de 935.000 km2,...

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164 Recebido: 07 Outubro 2010 Aceito: 06 Julho 2011 Ocupação de ninhos de cupins epígeos e arbóreos em fragmento de caatinga hipoxerófila em Bom Jesus-PI Resumo O processo de ocupação do Nordeste brasileiro iniciou-se a partir do litoral e interiorizou-se a partir do desenvolvimento das atividades extrativistas e da produção agrícola comprometendo o bioma caatinga. A expansão do uso da terra, que acompanha o crescimento da população humana, resulta na fragmentação dos habitats naturais com a formação de fragmentos florestais de diferentes tamanhos e formas. Térmitas apresentam importância fundamental nos ecossistemas devido ao seu comportamento alimentar e de nidificação, exercendo forte influência nos processos de decomposição, na ciclagem de nutrientes e nas propriedades físicas e químicas do solo. O presente estudo teve como objetivo conhecer, registrar e complementar o entendimento sobre a história natural deste grupo em área de caatinga hipoxerófila. A área de coleta compreende 1 hectare de fragmento preservado, onde foram realizadas coletas diretas em toda a área através do método do transecto linear, medições de altura, circunferência, distância do chão e circunferência do caule em todos os ninhos do hectare. Foram identificadas 10 espécies, pertencentes a 07 gêneros da família Termitidae. Distribuídos entre as subfamílias: Nasutitermitinae (Constrictotermes cyphergaster, Nasutitermes sp1, Nasutitermes sp2, Labiotermes longilabius, Armitermes sp, Syntermes wheeleri e Syntermes molestus) e Termitinae (Spinitermes sp, Inquilinitermes fur e Inquilinitermes microcerus). Com relação à dominância de espécies em ninhos amostrados na área, foram verificadas 3 espécies eudominantes : C. cyphergaster, Nasutitermes sp1, S. wheeleri e 1 subdominante: Nasutitermes sp2. Dentre os grupos alimentares, foram encontrados: xilógafos, humívoros, comedores de grama e serapilheira e Intermediários. Palavras-chave: térmitas, ecologia, sul do Piauí Occupation of termite epigeal and arborous nests in a fragment of hypoxerophytic Caatinga in Bom Jesus, Piaui State, Brazil Abstract The process of occupation in Northeast of Brazil started in the coast and internalized itself due to the development of extractive and agricultural production affecting caatinga biome. The expansion of land use, that accompanies the growth of human population, results in fragmentation of natural habitats with the formation of forest fragments of different sizes and shapes. Termites have fundamental importance in ecosystems due to their nesting and feeding behavior by exerting a strong influence on the processes of decomposition in nutrient cycling and on physical and chemical properties of soil. This study aimed to understand, to record and to supplement the understanding of the natural history of this group in Caatinga hypoxerophytic. The collection area comprises a hectare of preserved fragment, where collections were made straight across the area through the linear transect method, measurements of height, circumference, distance from the floor and girth in all nests of the hectare were taken. We identified 10 species belonging to 07 genera of the family Termitidae. They were distributed among the sub-families: Nasutitermitinae (Constrictotermes cyphergaster, Nasutitermes sp1, Nasutitermes sp2, Labiotermes longilabius, Armitermes sp., Syntermes wheeleri and Syntermes molestus) and Termitinae (Spinitermes sp., Inquilinitermes fur and Inquilinitermes microcerus). Regarding the dominance of species in sampled nests in the area, there were three species eudominantes C. cyphergaster, Nasutitermes sp1, S. wheeleri and a subdominant: Nasutitermes sp2. Among the food groups, xilófagous, humus feeding species, grass and litter feeding species and Intermediates have been found. Key words: termites, ecology, southern Piauí Brenda Nury Costa Núñez¹*, Mauro Sergio Cruz Souza Lima², Euripedes Barsanulfo Menezes¹, Jonas Pederassi² 1 Departamento de Entomologia e Fitopatologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil 2 Campus “Amilcar Ferreira Sobral”, Universidade Federal do Piauí, Floriano, PI, Brasil * Autor Correspondente, e-mail: [email protected] Comunicata Scientiae 2(3): 164-169, 2011 Artigo

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Recebido: 07 Outubro 2010 Aceito: 06 Julho 2011

Ocupação de ninhos de cupins epígeos e arbóreosem fragmento de caatinga hipoxerófila em Bom Jesus-PI

ResumoO processo de ocupação do Nordeste brasileiro iniciou-se a partir do litoral e interiorizou-se a partir do desenvolvimento das atividades extrativistas e da produção agrícola comprometendo o bioma caatinga. A expansão do uso da terra, que acompanha o crescimento da população humana, resulta na fragmentação dos habitats naturais com a formação de fragmentos florestais de diferentes tamanhos e formas. Térmitas apresentam importância fundamental nos ecossistemas devido ao seu comportamento alimentar e de nidificação, exercendo forte influência nos processos de decomposição, na ciclagem de nutrientes e nas propriedades físicas e químicas do solo. O presente estudo teve como objetivo conhecer, registrar e complementar o entendimento sobre a história natural deste grupo em área de caatinga hipoxerófila. A área de coleta compreende 1 hectare de fragmento preservado, onde foram realizadas coletas diretas em toda a área através do método do transecto linear, medições de altura, circunferência, distância do chão e circunferência do caule em todos os ninhos do hectare. Foram identificadas 10 espécies, pertencentes a 07 gêneros da família Termitidae. Distribuídos entre as subfamílias: Nasutitermitinae (Constrictotermes cyphergaster, Nasutitermes sp1, Nasutitermes sp2, Labiotermes longilabius, Armitermes sp, Syntermes wheeleri e Syntermes molestus) e Termitinae (Spinitermes sp, Inquilinitermes fur e Inquilinitermes microcerus). Com relação à dominância de espécies em ninhos amostrados na área, foram verificadas 3 espécies eudominantes : C. cyphergaster, Nasutitermes sp1, S. wheeleri e 1 subdominante: Nasutitermes sp2. Dentre os grupos alimentares, foram encontrados: xilógafos, humívoros, comedores de grama e serapilheira e Intermediários.Palavras-chave: térmitas, ecologia, sul do Piauí

Occupation of termite epigeal and arborous nests in a fragment of hypoxerophytic Caatinga in Bom Jesus, Piaui State, Brazil

AbstractThe process of occupation in Northeast of Brazil started in the coast and internalized itself due to the development of extractive and agricultural production affecting caatinga biome. The expansion of land use, that accompanies the growth of human population, results in fragmentation of natural habitats with the formation of forest fragments of different sizes and shapes. Termites have fundamental importance in ecosystems due to their nesting and feeding behavior by exerting a strong influence on the processes of decomposition in nutrient cycling and on physical and chemical properties of soil. This study aimed to understand, to record and to supplement the understanding of the natural history of this group in Caatinga hypoxerophytic. The collection area comprises a hectare of preserved fragment, where collections were made straight across the area through the linear transect method, measurements of height, circumference, distance from the floor and girth in all nests of the hectare were taken. We identified 10 species belonging to 07 genera of the family Termitidae. They were distributed among the sub-families: Nasutitermitinae (Constrictotermes cyphergaster, Nasutitermes sp1, Nasutitermes sp2, Labiotermes longilabius, Armitermes sp., Syntermes wheeleri and Syntermes molestus) and Termitinae (Spinitermes sp., Inquilinitermes fur and Inquilinitermes microcerus). Regarding the dominance of species in sampled nests in the area, there were three species eudominantes C. cyphergaster, Nasutitermes sp1, S. wheeleri and a subdominant: Nasutitermes sp2. Among the food groups, xilófagous, humus feeding species, grass and litter feeding species and Intermediates have been found. Key words: termites, ecology, southern Piauí

Brenda Nury Costa Núñez¹*, Mauro Sergio Cruz Souza Lima²,Euripedes Barsanulfo Menezes¹, Jonas Pederassi²

1Departamento de Entomologia e Fitopatologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil2Campus “Amilcar Ferreira Sobral”, Universidade Federal do Piauí, Floriano, PI, Brasil

*Autor Correspondente, e-mail: [email protected]

Comunicata Scientiae 2(3): 164-169, 2011 Artigo

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Ciências Biológicas e Ambientais

Introdução A caatinga é a vegetação típica da região tropical semiárida brasileira, ocupa uma área de mais de 935.000 km2, abrangendo grande parte da região nordeste. Engloba partes dos territórios pertencentes aos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas Gerais. Sua área corresponde a 54% da Região Nordeste e a 11% do território brasileiro (Alves et al., 2009). A cobertura vegetal é representada por formações xerófilas, sendo as “caatingas” muito diversificadas por razões climáticas, edáficas, topográficas, e, antrópicas. Para o ambiente semiárido nordestino, representado do menor ao maior grau de aridez, a vegetação é assim classificada: Floresta Subcaducifólia, Floresta Caducifólia, Caatinga Hipoxerófila e Caatinga Hiperxerófila (Brasil, 1972). A caatinga hipoxerófila é caracterizada por possuir os três estratos de vegetação: herbáceo, arbustivo e arbóreo. O estrato herbáceo, com plantas de até um metro, é constituído principalmente por bromeliáceas, gramíneas e outras espécies. O estrato arbustivo, na maior parte, vegetais de dois metros de altura, é constituído por leguminosas, euforbiáceas, crótons e rubiáceas. O estrato arbóreo, com árvores de até quinze metros, é constituído, de modo geral, por anacardiáceas, leguminosas e cactáceas (Brasil, 1972). O processo de ocupação do Nordeste brasileiro iniciou-se a partir do litoral e interiorizou-se a partir do desenvolvimento das atividades extrativistas e da produção agrícola voltada para a exportação que, na maioria dos casos, levam a desmatamentos indiscriminados, reduzindo a diversidade biológica e comprometendo este bioma (Alves et al., 2009). A expansão do uso da terra que acompanha o crescimento da população humana resulta na fragmentação dos habitats naturais com a formação de fragmentos florestais de diferentes tamanhos e formas. Essas alterações podem determinar o isolamento de populações e até extinção de espécies, reduzindo a biodiversidade local em função, principalmente, da perda de habitats (Bierregaard et al.,1992). Dentre os invertebrados, os insetos são adequados para caracterizar habitats fragmentados e os efeitos dessa fragmentação, pois além de possuírem elevadas densidades populacionais, apresentam grande diversidade, em termos de espécies e de ocupação de habitats, além de ampla habilidade de respostas à qualidade e à quantidade de recursos disponível (Lewinsohn et al., 2005). Térmitas apresentam importância fundamental nos ecossistemas devido ao seu comportamento alimentar e de nidificação, exercendo forte influência nos processos de decomposição, na ciclagem de nutrientes e

nas propriedades físicas e químicas do solo (Holt & Lapage , 2000). Por sua natureza detritívora, são uns dos grupos dominantes da fauna de ecossistemas tropicais, possuindo um papel importante na ciclagem de nutrientes e formação de solo (Eggleton et al.,1995). Distúrbios ambientais alteram a comunidade de cupins, selecionando as espécies mais aptas. Essas, geralmente, se tornam pragas devido à explosão populacional e causam desequilíbrios na estrutura de todo o ecossistema (Gallo et al., 2002). A fauna de cupins no Brasil ainda é pouco estudada e a ecologia desses organismos ainda é pouco conhecida (Constantino, 1999). Além disso, informações sobre a termitofauna de regiões de Caatinga, e, de outros invertebrados, são praticamente inexistentes, em virtude dos pouquíssimos estudos realizados (Bandeira & Vasconcellos, 1999). A fauna de cupins vem sendo estudada na caatinga por alguns pesquisadores como Vasconcelos et al. (2007) e Moura et al. (2006) que verificaram em seus estudos a importância de C. cyphergaster na ciclagem de nutrientes, sazonalidade, forrageamento e no fluxo de energia na caatinga; Melo & Bandeira (2007) que observaram preferências alimentares em Heterotermes sulcatus e o consumo de madeira deste em ambiente de caatinga; Bezerra-Gusmão et al. (2009) que avaliaram a diversidade de cupins em caatinga e a flutuação populacional em 12 meses. Tais pesquisadores demonstram que este cenário vem mudando, contudo, estes estudos ainda são insuficientes diante da diversidade desta ordem. O presente estudo teve como objetivo conhecer, registrar e complementar o entendimento sobre a história natural deste grupo em área de caatinga hipoxerófila. Uma vez que, a área de estudo vem sendo alterada abruptamente por conta do aumento da fronteira agrícola da soja.

Material e MétodosÁrea de estudo Bom Jesus é um município situado a 638 km da capital Teresina, pertence à Mesorregião Sudoeste Piauiense e a Microrregião Alto Médio Gurguéia, delimitado pelas coordenadas geográficas: Latitudes Sul 8°56'42'' e 9°35'17'' e Longitudes Oeste 43°46'58'' e 45°18'48'. O clima é caracterizado como do tipo tropical estacional, com precipitação média anual de 1.500 mm, com chuvas concentradas nos meses de dezembro a maio, caracterizando duas estações distintas, a seca e a chuvosa e temperatura média de 44°C. O macro habitat é de transição entre caatinga e cerrado (Dantas & Monteiro, 2009), com dominância na área de estudo por caatinga hipoxerófila. A área de coleta compreende 1 hectare de fragmento preservado dentro do campus da

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Universidade Federal do Piauí (UFPI). Foram realizadas coletas diretas em toda a área através do método do transecto linear (Brower & Zar, 1984), em que a área de amostra correspondeu a cinco transectos transversais paralelos ao ponto cardinal norte, cada transecto correspondeu a 25 metros consecutivos e contíguos que alcançaram o final da área formando um quadrante em cada parcela. Todos os ninhos epígeos e arborícolas do fragmento foram marcados com GPS, contados e amostrados.

Identificação Os cupins foram identificados em nível de gênero no laboratório do CIMP/UFRRJ (Centro Integrado de Manejo de Pragas), e, identificados em nível de espécie, quando possível, utilizando a coleção, no Museu de Zoologia de São Paulo. Os indivíduos foram depositados nas coleções do Museu de Zoologia de São Paulo.

Arquitetura dos ninhos Para se verificar a arquitetura dos ninhos amostrados, foram realizadas medições de altura, circunferência, distância do chão e circunferência do caule (quando arborícolas) (Mathews, 1977; Silvestri, 1903).

Classificação de grupos alimentares Com relação aos grupos alimentares, foram classificados de acordo com os mesmos utilizados por Carrijo et al. (2008), porém a classificação foi baseada em registros bibliográficos das espécies (Mathews, 1977;

Constantino & Schlemmyer, 2000; Constantino, 2002).

Dominância de espéciesA dominância das espécies por área amostral foi baseada na fórmula proposta por Blanquet (Silveira Neto et al.,1976):

i= total de ninhos registrados para espéciet= total de ninhos registrados

D> 10% EudominanteD= 5 – 10% DominanteD= 2-5% SubdominanteD= 1-2% RecessivaD= <1% Rara

Resultados e Discussão Foram identificadas 10 espécies, pertencentes a 07 gêneros da família Termitidae. Distribuídos entre as subfamílias: Nasutitermitinae (Constrictotermes cyphergaster, Nasutitermes sp1, Nasutitermes sp2, Labiotermes longilabius, Armitermes sp, Syntermes wheeleri e Syntermes molestus) e Termitinae (Spinitermes sp, Inquilinitermes fur e Inquilinitermes microcerus) (Fig 1). A família Termitidae, além de ser a maior família, com 70% das espécies do mundo, engloba o maior número de cupins epígeos e arborícolas. O maior número de espécies para a subfamilia Nasutitermitinae é facilmente

100% XtiD

=

Figura 1. Ninhos encontrados em caatinga hipoxerofila no campus da UFPI (a) ninho de Nasutitermes sp1 (b) ninho de Systermes wheeleri (c) ninho de Constrictotermes cyphergaster (d) ninho de Nasutitermes sp2

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justificado pelo fato de serem bastante diversificados e dominarem a fauna da América tropical (Constantino, 1999). Dentre as espécies encontradas, 5 estavam associadas a ninhos de Syntermes wheeleri (Syntermes molestus, Nasutitermes sp1, Armitermes sp, Labiotermes longilabius e Spinitermes sp) e 2 a ninhos de Constrictotermes cyphergaster (Inquilinitermes fur e I. microcerus). Com relação à dominância de espécies em ninhos amostrados na área, foram verificadas 3 espécies eudominantes: C. cyphergaster (42%), Nasutitermes sp1(30%), S. wheeleri (25%) e 1 subdominante: Nasutitermes sp2 (3%), em um total de 57 ninhos amostrados. A dominância não representou nenhuma novidade de acordo com estudos realizados em área de cerrado e caatinga, que demonstram a dominância de C.cyphergaster (Moura et al., 2006; Vasconcellos et al., 2007), observando também que Nasutitermes é um gênero encontrado em todo tipo de habitat (Constantino, 1999), e que Syntermes wheeleri é comum em cerrado(Constantino, 1995).

Eudominantes A baixa densidade de ninhos por hectare, encontrada nas espécies amostradas, como em C. cyphergaster, quando comparada ao estudo realizado por Vasconcellos et al. (2007), que verificou a biomassa e estrutura populacional de C. cyphergaster em Caatinga, pode ser explicada devido à diferença no tipo de caatinga existente em tal região, que possui estações de chuva e umidade relativa do ar diferentes e temperaturas mais amenas. Contudo, tal espécie ainda se destaca quando comparada a outras encontradas no fragmento hipoxerófilo, sendo que esta é a principal espécie de cupim que constrói ninhos conspícuos na caatinga (Melo & Bandeira, 2004). Tanto Nasutitermes quanto Syntermes são gêneros que se alimentam principalmente de madeira e folhas e gramíneas da serapilheira, respectivamente (Constantino, 1999), ocorrendo em vários tipos de habitats, o que pode explicar suas dominâncias juntamente com C. cyphergaster. Este é o primeiro registro de S. wheeleri no estado do Piauí. Por ser uma espécie comum no cerrado (Constantino, 1999) é possível que também seja na caatinga, tendo em vista a área de estudo estar compreendida em região de transição cerrado/caatinga.

Subdominante O grupo subdominante aqui representado por apenas uma espécie (Nasutitermes sp2) foi encontrado ocupando árvores de porte mais alto, quando comparado aos outros ninhos. A arquitetura dos ninhos para cada um dos gêneros encontrados no fragmento

apresentou aspecto próprio e pôde ser descrita individualmente. C. cyphergaster- Foram coletados um total de 107 alados, 540 operários, 587 soldados e duas rainhas em 24 ninhos. Também foram coletados nas câmaras próximas à rainha, 21 soldados de Inquilinitermes fur e I. microcerus. C. cyphergaster tem uma grande importância no sentido de abrigar outras espécies de insetos e isópteros como I. fur e I. Microcerus. A presença de musgo em ninhos feridos também foi observada assim como Silva et al. (2007) em ninhos de C. cyphergaster no cerrado. S. wheeleri - Foram coletados um total de 30 soldados e 23 operários em 14 ninhos. Durante as observações, os ninhos possuíam as seguintes características: cúpula epígea com galerias amplas e difusas alinhadas com o solo, sua parte externa é composta de camada dura, fina, sem galerias, assim como descreveu Constantino (1995). Foram encontrados apenas soldados e operários, contudo, isso se explica pela largura das galerias existentes no ninho, que permite a fuga de qualquer um dos indivíduos inclusive da rainha, mesmo não tendo sido observada uma câmara real diferenciada. Nasutitermes sp1 – Foram coletados um total de 56 alados, 772 operários, 317 soldados e uma rainha em 17 ninhos. Para todos os ninhos amostrados, a planta hospedeira foi Cenostigma macrophyllum (Canela-de-velho). A preferência de térmitas por planta hospedeira foi descrita, no Brasil, por autores como Ribeiro & Walter (1998) que relacionam a escolha de térmitas pela planta hospedeira com o bioma cerrado que apresenta predominância de estrato herbáceo-arbustivo com dossel aberto. Mais recentemente, Silva et al. (2007) constataram a preferência de C. cyphergaster por Qualea grandiflora em Goiás associado à espécie, vegetais de porte arbóreo que possuem maior número de folhas e consequentemente de estômatos, gerando um microclima com maior disponibilidade hídrica sob suas copas. Todos os ninhos apresentam morfologia elipsóide com a base da construção voltada para o Norte, a maior dimensão dos ninhos esteve sempre mantida para o Sul e se divide em 3 partes: uma parte externa cartonada e frágil, como descrito por Constantino (1999); uma interna pouco dura e uma central muito dura, onde se encontra a câmara real. As duas internas com formato cerebróide. Cada espécie possui um projeto arquitetônico próprio (Nogueira, 1995), o que infere a possibilidade de tais características encontradas neste trabalho serem um padrão para Nasutitermes sp1. Foi encontrada distância média entre os ninhos de 6,48m (DP= 6,5); Pinto-Coelho (2002) afirma que o limite de atividade de cada espécie de uma comunidade ao longo

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de cada uma das dimensões de seu ambiente pode descrever os limites de interação com seu habitat, contudo, com base nos dados obtidos no presente trabalho, não foi possível estabelecer um padrão de distribuição entre os ninhos de Nasutitermes sp1, sendo seus limites de atividade ainda não conhecidos neste fragmento. Nasutitermes sp2 – Foram coletados um total de 50 operários, 17 soldados em 2 ninhos. Os ninhos encontrados no fragmento possuíam altura de 1,4m e 72cm de largura, nidificação arborícolas em árvores de porte grande (acima de 3m), sendo estes os maiores ninhos arborícolas do fragmento, sua estrutura externa apresentava-se frágil e com aspecto cartonado, assim como na descrição do gênero feita por Constantino (1999), porém seu interior demonstrara-se extremamente duro. Foram coletados 50 operários e 17 soldados, que quando comparados com a coleção do Museu de Zoologia de São Paulo, não puderam ser identificados, sugerindo tratar-se de uma espécie nova. As espécies do gênero são consideradas de difícil identificação, (Constantino,1999), devido à baixa variabilidade intraespecífica. Dentre os grupos alimentares, foram encontrados: xilógafos (C. cyphergaster,), humívoros (L. longilabius), comedores de grama e serapilheira (S. wheeleri e S. molestus) e Intermediários (Spinitermes sp., Armitermes sp., I. fur e I. microcerus, Nasutitermes sp1 e Nasutitermes sp2). Com relação a estes grupos, Constantino & Schlemmeyer (2000) classificam C. cyphergaster como consumidores de madeira dura o que o coloca, neste trabalho, no grupo xilófado e L. longilabius no humívoro. Constantino (1995) coloca os Syntermes aqui encontrados como comedores de grama. As espécies de Inquilinitermes foram agrupadas em intermediárias por se considerar sua alimentação proveniente de material orgânico em decomposição (Mathews, 1977); quanto ao restante, não foi possível identificar um grupo específico por não se conhecer a espécie.

Conclusões Foi possível observar que os cupins coletados abrangem todos os grupos alimentares aqui considerados, tendo em vista que a família aqui representada (Termitidae) é a mais diversificada, abrangendo 3/4 de todas as espécies da biota. A arquitetura variada dos ninhos permite que ocupem os mais variados nichos dentro da área pesquisada, facilitando o seu estabelecimento até mesmo na caatinga, onde as pressões hídricas e térmicas são altas. Tal estabelecimento demonstra a relevância deste grupo e a importância de mais pesquisas acerca de sua biologia e ecologia junto ao bioma caatinga.

Agradecimentos À Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo fornecimento da bolsa, à Dra. Eliana Marques Cancello por permitir a comparação das amostras coletadas com aquelas depositadas no Museu de Zoologia de São Paulo, ao Dr. Reginaldo Constantino pela confirmação da espécie de Syntermes, à UFPI pela autorização da utilização da área do Campus e ao DPPG/UFRRJ pelo apoio no transporte ao Piauí. Referências Alves, J.J.A., Araújo, M.A., Nascimento, S.S. 2009. Degradação da Caatinga. Revista Caatinga 22: 126-135.

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Ciências Biológicas e Ambientais

Comunicata Scientiae 2(3): 164-169, 2011