observatorio 18 - perspectivas sobre política e gestão cultural na américa latina

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PERSPECTIVAS SOBRE POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA 18 ed. Modelos de política cultural reflexões sobre experiências latino-americanas Avaliações de impacto as ações de instituições culturais Economia criativa o Brasil como referência para o Hemisfério Sul

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Modelos de política cultural na America Latina, avaliações do impacto de instituições culturais e a economia criativa no Brasil são temas de destaque.

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PERSPECTIVAS SOBRE POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

18ed.

Modelos de política culturalreflexões sobre experiências latino-americanas

Avaliações de impactoas ações de instituições culturais

Economia criativao Brasil como referência para o Hemisfério Sul

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3POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

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Centro de Memória Documentação e Referência Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural - N. 18 ( ju./dez. 2015). - São Paulo : Itaú Cultural, 2007-.

Semestral

ISSN 1981-125X

1. Políticas públicas. 2. Política cultural. 3. América Latina. 4. Gestão cultural.

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expedienteREVISTA OBSERVATÓRIO

EdiçãoEnrique Saravia

Conselho editorialLuciana ModéMarcel FracassiRafael FigueiredoTiago D’Ambrosio

Projeto GráficoMarina Chevrand / Serifaria

Design Serifaria

Produção gráfica Lilia GóesToninho Amorim

Imagens Mayra Martell

Supervisão de revisãoPolyana Lima

Revisão (terceirizada)Karina HambraRachel ReisSamantha Arana

TraduçãoCarmen Carballal

EQUIPE ITAÚ CULTURAL

PresidenteMilú Villela

Diretor Eduardo Saron

Superintendente administrativoSérgio Miyazaki

NÚCLEO DE INOVAÇÃO/OBSERVATÓRIO

GerênciaMarcos Cuzziol

Coordenação do ObservatórioLuciana Modé

ProduçãoAndréia BrieneDeise Costa (estagiária)Ediana Borges LimaMarcel FracassiRafael FigueiredoTiago D’Ambrosio

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO

Gerência Ana de Fátima Souza

Coordenação de Arte Jader Rosa

Curadoria de imagensAndré Seiti

Produção editorialLívia G. HazarabedianRaphaella Rodrigues

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6 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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aos leitores

Este número da Revista Observatório Itaú Cultural, bem como o seminário reali-zado em São Paulo em fins de março deste ano, está destinado a consolidar experiências anteriormente realizadas pelo Observatório na procura de análises comparativas da polí-tica e da gestão cultural na América Latina.

Durante vários séculos, os países dessa parte do mundo viveram focados nas metró-poles coloniais e, após a independência, nas novas metrópoles econômicas e culturais. Isso levou a um mútuo desconhecimento, tanto entre o Brasil e a América Hispânica como dos países entre si. Pode-se afirmar que, durante muitos anos, a desconfiança reinou entre eles e as maiores ocasiões de encontro aconteceram ou nas guerras ou no preparo para elas. As gestas heroicas dos li-bertadores e dos fundadores das pátrias que, como San Martín e Bolívar, procuravam a integração e a ação conjunta dos países da região foram contestadas e ignoradas dentro e fora do continente.

Os eventos experimentados pela maioria dos países – como a luta contra as ditaduras

nos anos 1960 e 1970, com suas persegui-ções e seus exílios, a redemocratização nos anos 1980, as crises econômicas do mesmo período, a bonança econômica nos 1990 e as dificuldades deste novo século – promoveram aproximações e ações conjuntas.

A cultura foi um motor decisivo. Acor-dos como os do Convênio Andrés Bello ou do Mercosul Cultural produziram atividades conjuntas que foram mais eficazes que os próprios instrumentos de integração eco-nômica. Por sua vez, estes promoveram mo-dificações na legislação que afetam os bens culturais e geram um intercâmbio cada vez mais intenso e enriquecedor.

Ainda falta bastante, mas os esforços e as iniciativas continuam. O Observatório Itaú Cultural procura incentivar esses me-canismos de aproximação e integração. E este número da revista, bem como o semi-nário antes mencionado, constitui ocasião propícia para promover esses contatos.

As políticas e a gestão cultural na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia, no México, no Paraguai e no Uruguai, assim

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como a interação entre eles, são matéria deste número. Ele começa com um profundo artigo de Eric Nepomuceno, que fornece a análise do contexto histórico em que se desenvolveram as relações e os vínculos entre os países. O autor lembra que o pro-pósito integracionista esteve presente nas gestas dos grandes libertadores, mas sempre persistiram as estratégias divisionistas das metrópoles coloniais. No entanto, as rela-ções se estreitaram, tanto na bonança como na crise, e é ainda possível falar de uma iden-tidade latino-americana.

Com efeito, há numerosos traços comuns provenientes da matriz ibérica aos quais Darcy Ribeiro se referia nos seus escri-tos, além da origem comum dos contingentes migratórios que se dirigiram à maioria des-ses países. Africanos que foram trazidos contra a sua vontade, mas se assimilaram e se mesclaram, e africanos que continuam chegando como imigrantes. Europeus das mais diversas nacionalidades, alguns deles formando grandes colônias com traços culturais que se incorporam às culturas nacionais e nelas influem. Árabes prove-nientes do Oriente Médio que se espalharam por todos os cantos, contribuindo com o seu trabalho e a sua capacidade comer-cial e cultural. Judeus da Europa Central e de outras regiões. Japoneses que consti-tuem gigantescos contingentes de nativos e os seus descendentes latino-americanos, principalmente no Brasil. Chineses, corea-nos e os próprios latino-americanos que mudam de país, movidos por razões econô-micas, políticas ou simplesmente à procura

de um horizonte melhor para si e para os seus filhos. Tudo isso constitui o crisol da integração. Felipe Herrera dizia que a verda-deira identidade latino-americana era a sua capacidade de receber e integrar pessoas dos mais diversos países e culturas, assimilando os aspectos bons e também os discutíveis de sua natureza.

Surgem, assim, formas comuns de en-carar a política, a educação, a economia e a vida em geral. E aqui entra a cultura com toda a sua força integradora. Porém, nem todos os seus elementos são positivos. Há o ma-chismo nas suas peculiares manifestações nessa parte do mundo, o autoritarismo, o paternalismo e, infelizmente, a capacidade para a corrupção política e econômica. Tra-ta-se, sem dúvida, de mazelas universais, mas na América Latina se apresentam com características próprias e com um potencial muito aguçado de obstaculizar e, por vezes, desmoralizar os mais nobres propósitos.

Apesar de tudo, o objetivo do progresso conjunto prossegue e se fortalece na procura recente de pautas comuns. O panorama atual mostra a intenção de realizar a profecia de San Martín de que Eric Nepomuceno nos lembra: “Serás o que devas ser ou não serás nada”. E eu acrescento: nós, latino-americanos, nunca seremos europeus ou norte-americanos, tam-pouco os povos que nos formaram – indígenas, africanos, ibéricos. Se alguma identidade as-sumiremos, será a de latino-americanos, com tudo o que essa expressão possa significar.

Enrique Saravia (Bogotá, São Paulo e Rio de Janeiro, 2015)

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sumário7. Aos leitoresEnrique Saravia

16. No século XXI, somos latino-americanos ou não seremos nadaEric Nepomuceno

MODELOS LATINO-AMERICANOS DE POLÍTICA CULTURAL

CHILE, PARAGUAI E URUGUAI

22. Algumas reflexões em torno da construção de modelos de políticas culturaisRicardo KleinMariano M. ZamoranoJoaquim Rius

COLÔMBIA

38. Entre o sonho e a realidade, o caso das políticas culturais na ColômbiaJaime Ruiz-Gutiérrez

ARGENTINA

46. A política cultural na Argentina do século XXIRubens Bayardo

MÉXICO

54. México, o país das reformas estruturais. A reforma cultural fora da agendaEduardo Cruz Vázquez

INOVAÇÕES BRASILEIRAS E SUA PROJEÇÃO LATINO-AMERICANA

62. Cultura a unir os povosCélio Turino

74. Por um Brasil criativoCláudia Leitão

86. Avaliação de impacto da atividade cultural: o caso das instituições culturais do Banco da República da ColômbiaFernando Barona Tovar

102. Relato do Seminário Políticas e Gestão Cultural na América Latina no Século XXIAna Letícia FialhoIlana Goldstein

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Localizada na fronteira entre o México e os Estados Unidos,

Ciudad Juaréz é o tema do ensaio Bordertown, de Mayra Martell, que

ilustra as páginas da OBS18.

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A cidade mexicana, terra natal da fotógrafa, vem sofrendo um processo de degradação social e econômica ao longo das últimas décadas, chegando ao ponto de receber o título de lugar mais violento do mundo. Mayra registrou, de 2004 a 2007, não apenas uma cidade devastada pela violência, mas sobretudo a ausência daqueles cujos vestígios são a única prova da sua existência.

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NO SÉCULO XXI, SOMOS LATINO-AMERICANOS OU NÃO SEREMOS NADA

Eric Nepomuceno

Em 1976, na América do Sul, apenas dois países, Colômbia e Venezuela, viviam em demo-cracia. Todos os outros viviam regimes ditatoriais, extremamente violentos. Para quase todos os países da América Latina, o futuro era uma palavra absolutamente vazia. Hoje, bem ou mal, com maior ou menor consistência, com projetos menos ou mais viáveis, de maneira mais ou menos errática, o que a nossa América vive desde a última década e meia do século XX é, mais até do que uma etapa de transformação, uma etapa de resgate e recuperação. Da esperança, da possibilidade, da tentativa talvez ainda inglória de aproximar o futuro.

de abertura da feira. Foram palavras dolori-das e contundentes. Depois de traçar o retrato nítido – e um diagnóstico esclarecedor – de uma realidade fantasmagórica, ao falar do ofício de escritor naquele emaranhado de injustiça, desigualdade e violência, afirmava, convicto: “Não é inútil cantar a dor e a beleza de ter nascido na América”.

Seis anos mais tarde, em dezembro de 1982, outro escritor latino-americano, um colombiano mestre de mestres e padroeiro de revelações chamado Gabriel García Már-quez, também falou das nossas comarcas em seu discurso ao receber o Prêmio Nobel de Literatura. E soube ser especialmente cer-teiro ao refletir de maneira clara e dolorida o que vivíamos e, sob muitíssimos aspec-tos, continuamos a viver em nossos países. Seu discurso tinha como título A Solidão da América Latina. Após relembrar passagens

Em 1976, a Feira do Livro de Frankfurt foi dedicada à literatura latino-ame-ricana. Eram tempos de breu. Na

América do Sul, apenas dois países, a Colôm-bia e a Venezuela, viviam em uma democracia e, ainda assim, sob tensão. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uru-guai viviam regimes ditatoriais – uns mais, outros menos brutais, mas todos extremamen-te violentos. Na América Central, pequenos países vagavam entre esse mesmo breu e a matança indiscriminada de camponeses, em sua esmagadora maioria indígenas, expulsos de suas terras pela avidez dos latifúndios.

Para quase todos os países da América Latina, o futuro era uma palavra absoluta-mente vazia. No melhor dos casos, estaria se referindo ao improvável e imediato amanhã.

Naquele ano, o escritor uruguaio Eduardo Galeano foi convidado para fazer o discurso

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alucinantes da nossa alucinada história, des-de o assombro dos chamados descobridores ao tropeçarem com uma realidade fulgurante que desconheciam, e descrever os horrores e reivindicar esperanças naqueles mesmos tempos prenhes de brutalidade mencionados por Galeano, dizia García Márquez: “Eu me atrevo a pensar que é essa realidade desco-munal, e não só a sua expressão literária, que neste ano mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras”. Era uma espécie de reco-nhecimento daquilo que ele – e muitos outros escritores e artistas latino-americanos – sa-bia na pele: nesta nossa América, a realidade é muito mais criativa e surpreendente do que a mais fértil e enlouquecida das imaginações. Quem merecia o prêmio, dizia ele, era aquela realidade que ninguém saberia inventar.

Visitadas hoje, depois de tantas déca-das, essas palavras – as de Eduardo Galeano

e as de Gabriel García Márquez – parecem ter sido escritas numa época absolutamente distante, quando o mundo era outro e ou-tra era a nossa realidade. E, pensando bem, é verdade – ou quase. Mas nem por isso perderam um milímetro sequer de vigor e atualidade. Afinal, não restam ditaduras no continente, e muitos dos que encabeçam governos fazem parte daquelas gerações sufocadas em violência e morte ou são seus herdeiros. Mas também é verdade que este nosso continente continua sendo um imen-so mapa de perversidades e desigualdades, onde a miséria e a humilhação acossam vorazes. É muito o que se avançou, mas é muitíssimo o que nos falta avançar.

Em todos os nossos países, para a mi-nha geração e as que vieram antes, tudo o que vivemos na longa noite escura parece, hoje, conformar um tempo de espera, uma

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espera pontilhada por imensos períodos da mais árida desesperança e por outros tan-tos da mais ávida esperança. Essa visão, em todo caso, é a de um tempo pessoal, medido na dimensão daquilo que nos foi dado viver. Posto numa dimensão mais justa e ampla, a do tempo histórico, o cenário que hoje ve-mos, e no qual vivemos, pode ser bem mais esperançoso. Porque pouquíssimas vezes ao longo dos séculos, e apesar da imensidão de caminhos que nos falta percorrer, nossas comarcas viveram um período de tantas se-melhanças e convergências, só que agora já não mais de horrores, mas de conquistas. Bastante relativas ainda, cabe reiterar, mas nem por isso menos importantes.

Bem ou mal, com maior ou menor consistência, com projetos menos ou mais viáveis, de maneira mais ou menos errática, o que a nossa América vive desde a última década e meia do século XX é, mais até do que uma etapa de transformação, uma etapa de resgate e recuperação. Da esperança, da pos-sibilidade, da tentativa talvez ainda inglória de aproximar o futuro.

Assim vamos trilhando o século XXI, este novo tempo. É dever de cada um de nós ter essa dupla consciência: o que se avançou e o que falta. E ter a clareza e a consciência plena de que não nos resta alternativa: ou seremos latino-americanos ou não seremos nada. É mais do que hora de buscarmos no espelho do tempo a nossa própria face, e não aquela que nos tentam impingir há séculos. É bem verdade que o conceito de latinidad, nestes nossos dias, difere do que era em me-ados do século passado. A própria correlação de forças entre os interesses que pairam so-bre nosso mapa comum é outra.

Além disso, esta velocidade com que as informações cruzam os céus nem sequer era imaginada há 50 anos, o que nos per-mite  – ou deveria permitir – estar mais atentos a cada movimento surgido para nos fortalecer ou debilitar, e não apenas como países individuais, mas como comunidade de povos e nações neste nosso espaço comparti-lhado. Afinal, de uma forma ou de outra, nós, latino-americanos, jamais deixamos de ser o que Simón Bolívar assim definiu: “Somos um pequeno gênero humano. Possuímos um mundo à parte, cercado por dilatados mares, novo em quase todas as artes e ciências [...]”. O que nos falta e faltou desde sempre é – e foi – assumir essa realidade e buscar nosso próprio rumo, nosso próprio destino.

Sob muitos e variados aspectos, é isso o que vem sendo buscado com maior ou me-nor intensidade, de acordo com cada país, nas últimas duas ou três décadas. E é assim que nos encontramos neste século novo: de volta ao ponto em que assumir nossa exis-tência deve, necessariamente, merecer um olhar mais amplo, mais lúcido, para além de nossas fronteiras nacionais.

No caso específico dos brasileiros, o sentido de latinidad que ainda existe entre os vizinhos continua a nos fazer falta. Con-tinuamos nos referindo, por exemplo, à “literatura latino-americana” e à “música latina” como se fôssemos nórdicos, aus-tríacos ou tailandeses. Como se fôssemos estranhos ao universo que García Márquez descreveu como “essa pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas”. Como se não pertencêssemos a um mundo que é nosso e do qual fazemos parte de maneira irremediável. Aliás, valeria a pena

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pensar um pouco nas razões e nos motivos que há séculos adubam esse nosso alhea-mento. Da mesma forma que desconhecemos a nossa própria história, desconhecemos a dos nossos vizinhos e, como consequência, nossa história compartilhada.

É verdade que desde seu começo as relações entre o Brasil e os demais países latino-americanos foram pontuadas pelas diferenças, tanto as reais como as criadas justamente para impedir que nos reconhe-cêssemos ao conhecer os vizinhos. Destacar divergências é sempre uma forma eficaz de ocultar convergências. Podemos, aliás, par-tir da diferença mais evidente: o Brasil foi descoberto e colonizado pelos portugue-ses, enquanto todos os outros territórios latino-americanos foram conquistados e colonizados pelos espanhóis. Aliás, há uma curiosidade quase nunca lembrada, mas que é uma dessas típicas ironias da história: Cristóvão Colombo primeiro tentou o apoio dos soberanos portugueses para seu projeto de navegação. Ao não ser atendido, recorreu à coroa espanhola. Até nisso há um ponto de encontro e outro de desencontro. O que teria acontecido se a coroa portuguesa tivesse apoiado o navegante ousado e visionário?

Pois Colombo chegou, mas, até a via-gem de Pedro Álvares Cabral, houve um período de oito anos (1492-1500) em que as duas coroas, a portuguesa e a espanho-la, conseguiram alcançar um acordo sobre a partição do “mar oceano”, delimitando todas as terras “descobertas ou por desco-brir”. Quando o português chegou, o mundo desconhecido já estava fragmentado e cada metrópole sabia qual seria seu quinhão. E assim a história seguiu seu rumo, um tanto

tortuoso, um tanto errático, oscilando ao sa-bor dos interesses ocasionais de cada uma das duas partes.

É preciso, em todo caso, destacar as profundas diferenças com que cada coroa tratou as terras novas. Durante 30 longos anos – entre a chegada de Cabral, em 1500, e o envio da primeira expedição colonizadora, comandada por Martim Afonso de Sousa, em 1530 –, os portugueses pouco ou nada se pre-ocuparam com o que viria a se tornar o Brasil. Concluíram que a colônia era demasiado extensa, que havia madeira, mas nenhum indício de metais preciosos ou de especiarias, os tesouros da época, quando um punhado de pimenta valia a mesma coisa que um punhado de ouro. Para completar, a extensão do litoral despertava a cobiça de outros paí-ses europeus, prejudicados pelo Tratado de Tordesilhas. Não havia perspectiva alguma de benefícios imediatos e Portugal não estava exatamente à altura dos eventuais rivais, em termos de poder bélico, econômico e político, para resistir à sua cobiça.

Só com a chegada de Martim Afonso de Sousa as terras novas passaram a ser – e de maneira um tanto superficial – coloniza-das. Assim, enquanto em 1540 as colônias espanholas se estendiam por quase todo o território conquistado, a colônia portuguesa tinha uma população esparsa, concentrada no litoral. Foi a partir do século XVIII que os portugueses foram povoando a região do Centro-Oeste e acrescentando novos territórios, que não interessavam tanto aos espanhóis, ao mapa original da colônia.

Enquanto isso, a coroa espanhola já ha-via tratado não apenas de conquistar, mas de efetivamente colonizar – a um preço brutal,

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20 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

é verdade, pago pelos povos originários – a parte que lhe tocou na partição do mundo.

As distâncias eram marcantes: em 1538, por exemplo, foi fundada a Universidade de Santo Domingo, na atual República Domi-nicana; em 1551, a de San Marco, em Lima, e naquele mesmo ano a do México. No Brasil, a primeira instituição a merecer o nome de universidade foi fundada no Rio de Janeiro em 1920: exatos 382 anos depois da de Santo Domingo e 369 das de Lima e do México.

A própria maneira com que se deu a independência nos países vizinhos é escla-recedora do que veio depois. Eles formavam parte de uma só colônia e se transformaram em nações independentes, porém, com um passado em comum. É como se, nas origens, tivéssemos duas Américas, a hispânica e a  lusitana, condenadas a viver de costas uma para a outra.

Poderia então parecer natural que o sentimento de latinidad, de um passado compartilhado e de um sentimento de certa identidade comum, guardadas as peculiari-dades que asseguram a identidade individual de cada um desses países, sempre tenha sido muito mais sólido entre as antigas colônias espanholas. Afinal, a colônia portuguesa era uma só e fez nascer o país chamado Brasil. Não se pode esquecer, em todo caso, que, depois da independência de todos os países latino-americanos, outros – e ele-vados – interesses se dedicaram a impedir que nos reconhecêssemos como nações de interesses e destinos compartilhados. Essa tomada de consciência – e de posição – era tudo o que não convinha ao império britâ-nico, que mandou e desmandou em nossa região ao longo de quase todo o século XIX, e

depois à potência em que se transformaram os Estados Unidos no século XX, cujo poder se estende até agora.

A comunidade de interesses vislum-brada por Simón Bolívar ou por San Martín, que ia além das fronteiras de cada patria chica para caber no sonho da patria grande, era perigosa demais aos olhos dos grandes centros mundiais de poder, convencidos de que concretizar essa comunidade signifi-caria criar um bloco com meios e recursos para defender e traçar o próprio destino. Um bloco capaz de resistir à voracidade dos donos do mundo. Esse sentimento de comunidade, por sua vez, jamais, a não ser em épocas muito recentes, pareceu convin-cente aos brasileiros. Era como se nada disso nos dissesse respeito. E ainda assim, nes-tes tempos de agora, trata-se muito mais de manifestação de defesa de objetivos econô-micos ou de estratégias geopolíticas do que verdadeiramente da compreensão de que devemos assumir uma identidade comum, respeitando cada individualidade cultural. A compreensão de que é muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa.

Há um dado curioso, outra dessas amargas ironias da história: nunca houve tanta semelhança entre nós, entre nossos cotidianos, como no período em que nossos países viveram sob ditaduras que coincidi-ram no tempo (entre 1964 e o fim da década de 1980). Nunca antes estivemos tão pró-ximos nem fomos tão parecidos como nos tempos em que os países estiveram debaixo do jugo perverso das ditaduras militares e de seus aliados da sociedade civil. Passado esse período, também a retomada da democracia ocorreu de maneira coincidente no tempo. E,

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de uma forma ou de outra, foi possível pre-servar trajetórias paralelas, só que, desta vez, em direção oposta.

Agora, no rumo da defesa da demo-cracia, cada um está buscando a própria fórmula para combater as desigualdades, retomar o desenvolvimento e o crescimento econômico, defender aquilo que cabe numa palavra tão mal gasta e desprestigiada, a soberania. Assumindo a responsabilidade por traçar o próprio destino.

Neste século novo, são inegáveis  as mudanças positivas experimentadas pelos países latino-americanos. Agora, cabe a cada um deles e a todos nós tratarmos de preser-var o que se alcançou e, juntos, avançar mais. No caso específico do Brasil, parecemos dis-postos a mudar nosso olhar sobre o resto da América. Entender que nossas diferenças de formação podem e devem ser elementos de fortalecimento e aproximação, não de distanciamento. Finalmente, entender que poderemos, entre todos e sem deixar de ser o que somos, confirmar a existência dos mui-tos pontos de identidade compartilhada que nos foram ocultos ao longo dos séculos.

Poucas vezes – pouquíssimas – tive-mos, entre todos nós, latino-americanos, tamanha oportunidade de descobrir a Amé-rica Latina. De ir além da retórica oficial, do comércio e da circulação de mercadorias, para chegar à circulação de ideias; de nos ouvir e de sermos ouvidos mundo afora; de assumir a consciência de que somos quem somos e de quem é nossa gente. A verdadeira integração da América Latina se dará pela via das artes e da cultura. Será por meio da-quilo que expressa a verdadeira identidade de cada povo de cada país das nossas terras

que saberemos conhecer sua verdadeira his-tória e, ao conhecê-la, nos reconhecer.

Saber, como quis Bolívar, que somos “um pequeno gênero humano”. E entender de uma vez e para sempre que, como quis Eduardo Galeano, não é inútil cantar a dor e a beleza de ter nascido na América. Inútil, e muito mais doloroso, será continuarmos a querer ser o que não somos, a ignorar nossa própria identidade, a alimentar nossa pró-pria solidão.

Eric NepomucenoEric Nepomuceno (1948) trabalhou como

jornalista entre 1965 e 1986. Foi correspondente

na Argentina (1973-1976), na Espanha (1976-1979),

no México e na América Central (1979-1983). No

Brasil, foi correspondente do jornal El País entre

1983 e 1990. Atualmente, é colaborador dos jor-

nais Página 12, de Buenos Aires, e La Jornada, do

México. Como enviado especial, percorreu todos os

países latino-americanos. Publicou livros de contos

(A Palavra Nunca, Coisas do Mundo, Quarta-Feira e

Antologia Pessoal) e de não ficção (O Massacre e

A Memória de Todos Nós). Tem contos publicados

em espanhol, francês, holandês, búlgaro e inglês.

Traduziu alguns dos mais notáveis autores hispa-

no-americanos, como Juan Rulfo, Julio Cortázar,

Eduardo Galeano, Gabriel García Márquez, Juan

Carlos Onetti, Mario Benedetti e Juan Gelman.

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ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DA CONSTRUÇÃO DE MODELOS DE POLÍTICAS CULTURAIS

Ricardo Klein (Universidade de Barcelona)Mariano M. Zamorano (Universidade de Barcelona)Joaquim Rius (Universidade de Valência)

O presente artigo pretende ser um conjunto de reflexões sobre a existência de modelos compartilhados de política cultural na América do Sul ou de modelos únicos de desenvolvimento. Assim, será fornecido um quadro comparativo entre a experiência do Chile, a do Paraguai e a do Uruguai, em um contexto de possíveis convergências e distâncias de agenda que apresenta cada um desses países no tocante a seus processos e suas arquiteturas institucionais recentes. Os três casos de política cultural nacional mencionados pertencem a diferentes tradições e reconfigurações desiguais no processo destacado. Nesse sentido, será considerada a relação e as possíveis influências de modelos europeus preexistentes do mundo anglo-saxão e dos órgãos supranacionais. Serão abordadas as seguintes questões: é possível falar do surgimento de mo-delos próprios na América do Sul? E quais seriam as características comuns que evidenciariam a nova política cultural na região?

N a prática, a institucionalização das políticas culturais na Améri-ca Latina começa nos anos 1960.

Foram encontradas semelhanças com os modelos de administração cultural francês e inglês nesses primeiros desenvolvimentos (MEJÍA, 2005). Entretanto, eles ocorreriam em administrações que tradicionalmente relegaram a cultura a um papel secundário e com um campo cultural reticente à inter-venção pública. Já nos anos 1990, ocorre a criação de ministérios, vice-ministérios e

secretarias nacionais de cultura que dão ao setor uma nova hierarquia.

Por meio da análise dessas transfor-mações, diversos trabalhos propõem uma periodização: a recuperação da cultura como expressão democrática e o início da institu-cionalização pós-ditatorial (HARVEY, 1990), os diferentes processos de reorganização no conjunto da América Latina nos anos 1990 e 2000 (RUBIM; BAYARDO, 2008) e os pos-teriores desenvolvimentos de convergência regional da política cultural (PRAT, 2012).

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23POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS

Nesse sentido, nos anos 1980, as po-líticas culturais do continente adotaram a virada relativista do paradigma da democra-cia cultural, uma perspectiva apresentada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na Conferência Mundial sobre as Políticas Cul-turais de 1982, no México (MEJÍA, 2009). No entanto, esse projeto de reconhecimento das culturas de origem pré-colombiana con-tinuou tropeçando no quadro institucional e intelectual tradicionalmente imposto pelo Estado. O projeto as relegou a uma categoria inferior à da alta cultura de origem europeia ou incorporou parcialmente traços dessas culturas à “cultura nacional”, porém, ne-gou-lhes efetivamente a categoria de sujeito social e político. Essa situação começou a se transformar em parte recentemente, no fim do século XX, como resultado das transfor-mações na política cultural propiciadas pelas reivindicações de diversas minorias cultu-rais1. Entre elas, as históricas reclamações indigenistas que advogam pelo reconhe-cimento da cultura diferenciada como um elemento de soberania e germe de autogo-verno diferente daquele do Estado-nação

(DÍAZ-POLANCO, 1997), participando no século XXI em diversos processos de reco-nhecimento político e institucional, como no caso da Bolívia e do Equador.

Apresentação dos casos de análise Identidade nacional e modelo

de política cultural no ChileO modelo de Estado neoliberal emer-

gente da ditadura que dirigiu o país entre 1973 e 1990 marcou o desenvolvimento da gestão pública em cultura. Nesse sentido, a partir da transição democrática, optou-se por um sistema liberal de arm’s length, ou seja, pela administração do setor por meio de agências com certa autonomia, tendo como finali-dade evitar a ingerência político-partidária nesse âmbito. Foi criado um sistema em torno da noção de “institucionalidade cul-tural” (GARRETÓN, 1991), que propunha um distanciamento do intervencionismo estatal na questão. No início do ano 2000, foi modernizada a orientação constitutiva da política, antes baseada em um conserva-dorismo autoritário e nacionalista (CNCA, 2005) e agora buscando uma representação da rica diversidade do país (PNUD, 2002).

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Por outro lado, durante seu início, nos anos 1990, a descoordenação do sistema, baseado na convergência de diversos minis-térios e órgãos públicos nessa questão, levaria a um debate em torno da viabilidade de um esquema “à francesa” ou do estabelecimento de algum mecanismo de sistematização da ação pública (SQUELLA, 2001, 2011). Desse modo, em 2003, foi estabelecido o Conselho Nacional da Cultura e das Artes (CNCA). Sua atuação na promoção cultural e dinamiza-ção do campo artístico por meio da entrega de fundos concursáveis foi fundamental, e seus recursos e sua capacidade de ação foram aumentando a cada ano. Além disso, o CNCA promoveu a descentralização da política cul-tural por meio de uma norma que impõe que 60% dos fundos concursáveis no setor artís-tico devem ser destinados a atividades fora da região metropolitana.

Nos últimos anos, com a finalidade de aprofundar os processos mencionados, foi apresentado um projeto de lei (2011) para a criação de um Ministério da Cultura duran-te o governo do Renovação Nacional (2010-2014). O atual governo deu continuidade a essa iniciativa e o CNCA mantém o processo de consultas com esse objetivo a diferentes atores vinculantes (CNCA, 2014), entre eles os nove povos indígenas reconhecidos no país e as comunidades afrodescendentes.

As políticas culturais no Paraguai: um recente e incompleto processo de institucionalização

Desde sua independência, o Paraguai desenvolveu diversas iniciativas públicas no setor cultural. Não obstante, em um entorno político autoritário, até o início do século XX,

as políticas culturais excluíram a pluralidade cultural e social (ZAMORANO, 2012).

Entretanto, desde o fim do século XX, diversas transformações promoveram o desenvolvimento dessas políticas. Durante a transição democrática, foram criadas as subsecretarias de Estado de Educação, Culto e Cultura (Decreto no 5269-1990), instituição com pouca autonomia ou capacidade de ação (ESCOBAR, 2007). A Constituição Nacional de 1992, de tipo multicultural e bilíngue, serviu de base normativa para o desenvol-vimento da política cultural (SALERNO, 2001). Após o período neoliberal dos anos 1990, marcado pela permanência da Asso-ciação Nacional Republicana (ARN) no poder e pela corrupção, assim como pela instrumentalização política no setor cul-tural, a mobilização setorial e as iniciativas do campo intelectual impulsionaram a mudança política (ZAMORANO, 2009).

Dessa forma, em um contexto de de-manda social e mudança política regional, com o governo de Nicanor Duarte Frutos (2003-2008), foi aprovada a Lei Nacional de Cultura (no 3.051, de 22 de novembro de 2006), que criava a Secretaria Nacional de Cultura (SNC), atribuindo-lhe a categoria de ministério. A lei concebia o setor cultural em coerência com a noção de estilo de vida e atribuía à ação pública a obrigação dos di-reitos culturais dos diversos grupos sociais (MOREIRA, 2012). Da mesma forma, em contraposição ao improviso histórico no setor, foi desenhado o Plano Nacional de Cultura 2007-2011. O programa foi intitulado Descolonizando as Nossas Culturas no Bicen-tenário da Independência, seguindo a tônica regional. No entanto, esse avanço normativo

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e programático não se refletiria claramente na atividade estatal (CGR, 2007), que con-tinuaria centralizada em Assunção e não estabeleceria operações concretas para a pro-teção do patrimônio ou a promoção artística.

O surgimento de uma coalizão domi-nada por forças progressistas em 2008, que permitiu o acesso de Fernando Lugo ao po-der, daria um novo uso às bases já colocadas. Foi então desenhado um novo plano de cul-tura (SNC, 2010) – com novos eixos de ação cultural, como o resgate do centro histórico de Assunção e a descentralização da ação cultural –, reestruturado o esquema orga-nizacional da SNC e obtidos mais recursos para o desdobramento dessas políticas, com um aumento de 20% no orçamento da SNC entre 2009 e 2010 (SNC, 2010, 2014). Entre-tanto, em um país que sustenta uma profunda exclusão social e no qual a política cultural continua sendo considerada um aspecto acessório das políticas, a escassez de vontade política e de recursos limitou essa transfor-mação (MOREIRA, 2014). Do mesmo modo, o golpe de estado parlamentar ocorrido em 2012 diminuiu a continuidade do processo.

Uruguai: institucionalização, descentralização e democratização das políticas culturais

No Uruguai, as grandes mudanças em termos de implementação e desenvol-vimento de políticas públicas de cultura começam com a ascensão do primeiro governo progressista (2004) e continuam até hoje. As políticas culturais adquirem um papel estratégico para o desenvolvimento do país (KLEIN, 2011). Nesse sentido, as preocupações político-institucionais da

Secretaria Nacional da Cultura (SNC), órgão responsável pelas políticas culturais nacio-nais, giraram em torno de eixos como o papel da cultura no desenvolvimento econômico e social, o novo desenho institucional das políticas públicas de cultura e o papel das indústrias criativas no âmbito da política de indústria nacional.

Da mesma forma, o período de 2005 a 2014 é de inflexão em termos de legislação cultural, assim como foi possível observar uma evolução mais do que importante no or-çamento geral, passando de 16,7 milhões de pesos (2006) para 226.918.147 pesos (2014).

No processo de institucionalização da SNC, foi priorizado, entre outras ações, o fortalecimento das relações com os ato-res sociais do interior do país, em busca de compensação diante da tendência de concen-tração da oferta cultural em Montevidéu. Por exemplo, uma de cada três bibliotecas e três de cada dez museus estão na capital (SNC, 2010). O principal objetivo foi “contribuir para a democratização da cultura, melho-rando as oportunidades de acesso aos bens e serviços culturais daqueles setores da popula-ção com menos possibilidades” (SNC, 2010).

O desafio da descentralização/regiona-lização do acesso cultural enfrenta a tarefa de estabelecer políticas culturais sistemáti-cas em médio e longo prazo para dar força à sua ingerência sobre as “causas estruturais da desigualdade” (CANCLINI, 1987). Nesse sentido, abordou-se a desconcentração no desenho das políticas culturais, ampliando sua presença em nível territorial no que se refere à participação cidadã. Um exemplo disso foi a gestão – iniciada no ano de 2007 – do programa Centros MEC. Atualmente, são

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26 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

123 centros em todo o território nacional, os quais buscam promover a inclusão social e a participação por meio de suas atividades. Salvo um centro que está na capital do país, o restante se distribui por todo o Uruguai.

Olhares sobre três políticas culturais sul-americanas: convergências e diferenciações. Processos de institucionalização

As características diferenciais da gestão cultural dos casos selecionados res-ponderam fundamentalmente, como no caso europeu (ZIMMER; TOEPLER, 1999), ao modelo de construção do Estado, a seu esquema administrativo-normativo e ao quadro ideológico que guia o conjunto da ação pública. Como consequência, embora o modelo que aparece como referência no panorama dos anos 1980 na América Latina seja o do Ministério da Cultura, de André Malraux (MEJÍA, 2009, p. 113), logo seriam desenvolvidas várias abordagens. Elas se refletiram na institucionalização da polí-tica cultural pós-ditatorial, nas diferentes orientações normativas (baseadas em dife-rentes constituições e leis culturais) e em seus modos de organização social.

Nos anos 1990, apesar do desenvol-vimento de políticas neoliberais, avança a institucionalização da política cultural na América Latina (GARRETÓN, 2008). Os países analisados evidenciam a tensão e, em certos casos, a contradição inerente entre ambos os processos – o de organização da intervenção estatal na área, de tipo admi-nistrativo, de infraestrutura e legal, e o de baixa atuação efetiva no tocante a políticas de promoção cultural e proteção patrimonial.

Intensificação e diversificação da política cultural

Essa situação, no entanto, começaria a se transformar durante o século XXI. Por isso, um aspecto em comum nos diferentes casos é que a política cultural se intensifi-ca e diversifica nos anos 2000: no Chile, a partir do governo de Lagos (2000-2006); no Paraguai, com Nicanor Duarte Frutos (2003-2008); e, no Uruguai, com o governo de Tabaré Vázquez (2005-2010). Observa-se que, após a hegemonia neoliberal, a política cultural se relegitima, em parte como rea-ção – instrumental ou efetiva – aos possíveis efeitos de processos como a homogeneização cultural, o aumento das desigualdades sociais e a dissolução das identidades coletivas. Isso é observado ao ocorrer uma nova atenção à regulamentação das indústrias culturais (ARIZPE, 2001, p. 35; GETINO, 2003), assim como nos conceitos de cultura com os quais operou cada política cultural, que apresen-tam múltiplas aproximações à diversidade nacional, abordagens que se contrapõem à histórica subjugação e folclorização das cul-turas subalternas, sofridas durante o século XIX e grande parte do XX.

Os projetos civilizatórios e homogenei-zadores baseados na alta cultura europeia abrem espaço, na política cultural recente, para diferentes interpretações e prioriza-ções da alteridade que compõe a sociedade2. Essa transformação sub-regional se traduz em uma onda democratizante da gestão pública da cultura que, entre outras inicia-tivas, se revela na adoção do programa de Pontos de Cultura3 no Brasil e em sua proje-ção pela SNC paraguaia (2008). Da mesma forma, o Uruguai e a Argentina adotaram

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27POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS

TABELA 1

Comparação entre as políticas culturais do Chile, do Paraguai e do Uruguai

POLÍTICA CULTURAL CHILE PARAGUAI URUGUAI

Modelos ou refe-rências externas

Anglo-saxão liberal; contexto regional; Unesco.

Social-democrata – multicul-turalista; contexto regional; Unesco-Aecid.

Francês; contexto regional; Unesco-Aecid.

Objetivos principais

Democratização cultural; desenvolvimento da indústria cultural.

Democratização cultural; defesa e promoção da diver-sidade étnica e identitária.

Democratização cultural; ci-dadania cultural; nova institu-cionalidade; desenvolvimento das indústrias criativas.

Tipo de instituição

Conselho de Cultura. Secretaria de Cultura (ministerial).

Secretaria ou divisão cultural dependente de outro ministério.

Responsável institucional

Ministro-presidente designa-do por nomeação direta.

Ministro designado por nomeação direta.

Diretor designado por nomeação direta.

Instrumentos centrais

Conselho Nacional da Cultura e das Artes; conselhos regio-nais; fundos concursáveis; leis de mecenato.

Fundos de Cultura. Fundos concursáveis; asses-sorias artísticas; Departa-mento de Indústrias Criativas; gestão territorial de projetos.

Principais trans-formações e fatos nos anos 2000

Aprofundamento das políticas culturais; desenvol-vimento institucional; centros culturais locais.

Aprofundamento das políticas culturais; desen-volvimento institucional; descontinuidade.

Aprofundamento das políticas culturais e descen-tralização; desenvolvimento institucional (Centros MEC); indústrias criativas.

Elementos comuns – convergências

Autonomização e desenvolvimento institucional a partir dos anos 1990.

Crescimento orçamentário e de atividade nos anos 2000.

Fragilidade institucional em relação ao restante das áreas de governo.

Processo de descentralização em curso.

Debate em torno da legitimidade da alta cultura e do conceito de cultura – memória histórica, par-ticipação social e reconhecimento das culturas indígenas como desafio assumido, porém, pendente.

Orientação para a promoção da exportação das indústrias criativas (maior no Chile e no Uruguai).

Influência das agências internacionais (especialmente da Unesco).

Incipiente surgimento de isomorfismos e convergências latino-americanas (Pontos de Cultura).

Elementos diferenciadores

Descontinuidade política e fragilidade institucional (caso do Paraguai).

Reconhecimento normativo e peso das minorias étnicas (maior no Paraguai).

Virada do governo para a esquerda e potencialização das políticas culturais (Uruguai e Paraguai).

Continuidade, mas com revisão recente, da orientação liberal (Chile).

Fonte: elaboração própria.

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30 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

experiências similares para o desenvolvi-mento das Casas de Cultura (Argentina) e dos Centros MEC (Uruguai). Esse programa, que se concentrou na defesa da diversidade cultural por meio da participação da comu-nidade local, significou uma ruptura com o modelo brasileiro (BARBOSA; CALABRE, 2011) e se estendeu como uma referência no contexto da chamada virada regional para a esquerda.

Influência dos contextos regional e internacional

Outro elemento que influencia no desenvolvimento da política cultural é o entorno, regional e internacional, como âmbito de legitimação, de geração de discur-sos e programas e de provisão de recursos. No processo anteriormente mencionado, tiveram diversificada influência os progra-mas da Unesco, interpretados na Mondiacult 1982 com a Declaração do México sobre as Políticas Culturais e sua definição extensa de cultura em âmbito regional. A relação entre cultura, identidade e desenvolvimento seria retomada no fim dos anos 1990, como consequência do impacto do relatório Nossa Diversidade Criativa (UNESCO, 1996), em que são defendidas as contribuições da cultura para o desenvolvimento tanto eco-nômico quanto social.

Entretanto, no caso paraguaio, tais referências seriam instrumentalizadas politicamente por meio da criação de uma burocracia elementar e de uma base legal e programática, mas não seriam refletidas na atividade pública. Algo similar aconteceria no Chile e no Uruguai. Já nos anos 2000, a aprovação de diversas convenções de

segunda geração promovidas pela Unesco4

seria um novo incentivo para o desenvol-vimento e a orientação da política cultural regional. Nesse sentido, observa-se a influ-ência, embora decrescente, da cooperação internacional na política cultural, espe-cialmente no Paraguai e no Uruguai e, em menor medida, no Chile.

No tocante à influência do âmbito regional na política cultural, não obser-vamos uma articulação relevante entre os países sul-americanos, nem por meio de sua diplomacia cultural nem no âmbito das pla-taformas de cooperação cultural regionais. Por outro lado, avançou-se na produção e no intercâmbio de dados sobre o setor da cultura. O Convênio Andrés Bello realizou algumas contribuições com seus progra-mas culturais – por exemplo, desde 1999, com o plano Economia e Cultura, centrado na produção de informação cultural nos países-membros. Da mesma forma, com a criação do Sistema de Informação Cultu-ral do Mercosul (Sicsur), em 2009, no qual participaram os países estudados, confi-gurando seu mapa de dados e colocando-o à disposição da base, está sendo abordado um problema histórico (ARIZPE, 2001, p. 38), o da inexistência de bases regionais de informação cultural que permitam articular políticas conjuntas.

Conclusões Não há um único modelo de

política culturalO estudo dos três casos nos permite

concluir que não se pode falar propriamente de um modelo sul-americano de políticas cul-turais do mesmo modo que foi caracterizado

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um modelo anglo-saxão, um centro-europeu ou um nórdico (ZIMMER; TOEPLER, 1996). São numerosas as diferenças históricas e sociopolíticas entre o desenvolvimento das distintas estruturas de Estado no campo cultural, seu grau de coerência interna e  sua instância de desenvolvimento, até porque observamos diferentes orientações adotadas pelas elites sociais e culturais lati-no-americanas, adaptando à política cultural nacional influências de raiz francesa, inglesa, norte-americana ou espanhola.

Existência de elementos comunsPor outro lado, podemos destacar traços

comuns da política cultural desenvolvida pelos três países. Em primeiro lugar, a complexa aceitação e integração da iden-tidade nacional. Ou seja, a política cultural entendida como substrato cultural das dife-rentes identidades indígenas (e expressões populares) presentes em maior ou menor grau em todos os países estudados, assim como o desafio de conciliar a chamada alta cultura com outras expressões culturais. Em segundo lugar, a instabilidade política e o caráter repressivo dos regimes ditatoriais gerou um déficit institucional na política cul-tural, uma desconfiança ante a intervenção do Estado nesse âmbito e uma necessidade (em muitos casos a resolver) de reconhecer a memória histórica e as vítimas como um processo de construção de uma política cultural democrática. Em terceiro lugar, e ligado aos dois primeiros elementos, na última década, quando governos de caráter progressista na região tomaram o poder, os três países enfrentaram o desafio de dese-nhar e desenvolver uma política cultural

democratizante com fôlego organizacional e recursos suficientes para ser eficaz e con-tribuir para atenuar as enormes iniquidades referentes ao acesso à cultura.

Nova etapa na política culturalParece que assistimos, em diferentes

graus e com etapas de interrupção, a um novo momento das políticas culturais, em que elas são reconhecidas por seu papel gerador de uma identidade nacional mais inclusiva, assim como fomentam uma capacidade de desenvolvimento social e econômico ter-ritorialmente equilibrado. Nesse sentido, ocorreram diversos isomorfismos regionais, como o caso dos Pontos de Cultura brasilei-ros. Da mesma forma, pode-se observar como integram no marco da política cultural, em seu caráter constitutivo e em suas pautas de ação (por meio de diversas diretrizes ou debates), definições conceituais sobre cultura e autonomia política emergen-tes. Entretanto, ainda resta determinar se poderemos observar mais fatores de concor-dância e cooperação em escala regional que permitam, no futuro, falar de um modelo ou de modelos de política cultural na América do Sul desenvolvidos de forma autônoma.

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32 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Ricardo Klein (Universidade de Barcelona)Sociólogo, PhD e candidato a doutorado em gestão da cultura e do patrimônio pela

Universidade de Barcelona (UB). Seu projeto centra-se na análise de práticas do grafite e

da street art como processos de criatividade urbana e dinâmicas de valorização. É profes-

sor-assistente na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República (Udelar/

Uruguai) e fez parte do Sistema Nacional de Pesquisadores (Anii) do país. Foi consultor da

Unesco e consultor-pesquisador da Direção Nacional de Cultura do Ministério da Educação

e Cultura do Uruguai. É autor e coautor de múltiplas publicações nas áreas de sociologia

da arte e políticas culturais. Suas pesquisas tratam sobre a arte nas cidades, as políticas

nacionais/locais e a administração pública no desenvolvimento de políticas públicas de

cultura. É membro do Centre d’Estudis sobre Cultura, Política i Sociedad (Cecups/UB) e

do Comitê de Pesquisa RC37 Sociology of Arts (ISA) ([email protected]).

Mariano M. Zamorano (Universidade de Barcelona)Membro do Centre d’Estudis sobre Cultura, Política i Sociedad (Cecups) da Uni-

versidade de Barcelona (UB), doutorando em gestão da cultura e do patrimônio e faz

parte do Departamento de Teoria Sociológica da UB. É autor de diversos artigos sobre

história social da arte e políticas culturais. Suas pesquisas se centram nas esferas da po-

lítica cultural nacional e da diplomacia cultural, particularmente em seu estudo histórico,

assim como na análise de seus aspectos constitutivos e modos de participação social

([email protected]).

Joaquim Rius (Universidade de Valência)Doutor em sociologia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e pela École

des Hautes Études en Sciences Sociales (Ehess). Atualmente, é professor assistente doutor

no Departamento de Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência (UV).

É autor de vários livros e de artigos sobre sociologia da cultura e política cultural publi-

cados em revistas nacionais e internacionais. Suas pesquisas se centram na análise dos

clusters e nas profissões criativas, no papel das instituições culturais na política cultural

e na instrumentalização da cultura no branding urbano e territorial.

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33POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS

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34 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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35POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

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Notas

1 No contexto sul-americano, podem ser destacadas algumas experiências prévias de reconhecimento dos direitos culturais dos grupos indígenas por meio das políticas culturais. Por exemplo, a proteção brasileira aos terreiros de candomblé por meio da Lei Federal no 6.292, de 1975, executada principalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esse culto de origem africana estava situado, ao longo da geografia brasileira, em diferentes territórios de prática ritual, divididos no campo (a natureza) e nos assentamentos (SANT’ANNA, 2005, p. 38). Hoje, encontra-se disperso por diversos pontos do país, mas tem força particularmente em Salvador, na Bahia. Até a década de 1930, foi perseguido, mas, a partir da década de 1970, foi regulamentado e preservado por meio de políticas ativas e, atualmente, cinco terreiros são patrimônio cultural do Brasil.

KLEIN, ZAMORANO E RIUS

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36 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

2 Nesse sentido, o Paraguai avança – ao declarar o bilinguismo e se dotar de um constitucionalismo indígena desenvolvido – ante o olhar cidadão da diversidade do Uruguai, que atendeu parcialmente ao caráter multicultural por meio das medidas descentralizadoras, e o Chile, que constituiu mecanismos de participação regional, reconhecendo paulatinamente sua diversidade cultural.

3 O programa Ponto de Cultura promove iniciativas culturais provenientes da sociedade civil. É a ação prioritária do programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura (MinC) do Brasil, e se concentra em conectar a cultura com a gestão compartilhada entre o governo e a comunidade local. São medidas fundamentais o fomento e a formação de redes de Pontos de Cultura no território por meio de convênios, para além do Distrito Federal, com governos estaduais e municipais. No período entre 2004 e 2011, foram apoiados e implementados 3.703 Pontos de Cultura, com presença em todos os estados do Brasil.

4 Como a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 2005, ratificada pelo Uruguai, pelo Paraguai e pelo Chile em 2007.

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38 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ENTRE O SONHO E A REALIDADE, O CASO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA COLÔMBIA

Jaime Ruiz-Gutiérrez

A evolução das políticas culturais na Colômbia mostrou um comportamento semelhante aos experimentados em todos os países da América Latina. Entretanto, a mudança constitu-cional ocorrida em 1991 ampliou o papel da cultura no país e a consolidação de suas políticas culturais para o novo século. Esse marco de referência se caracterizou como fruto de um processo participativo, que refletiu a notável diversidade do país. Ocorreram mudanças que integram novos atores privados, articulação com lógicas de mercado e inter-relação com outros setores da sociedade em uma visão mais completa e internacional no contexto da sociedade colombiana. A cultura de um direito se torna igualmente um recurso.

mera construção de uma lista de boas inten-ções, sem intervenção na prática. No caso da política cultural, esse aspecto se torna ainda mais importante. Quando se fala de cultura, geralmente se está no mundo do simbólico, do intangível, o que faz com que muitas ve-zes as políticas culturais constituam um sonho que dificilmente se torna realidade. Ou, em alguns casos, sua concepção pode ser um sonho, mas sua administração pode se tornar um pesadelo.

Um segundo aspecto consiste na adoção de uma visão histórica que descreva a evolu-ção dessas políticas e permita entender sua situação atual e sua possível evolução futu-ra. Nesse aspecto, parte-se da base de que a definição assumida do conceito de cultura afeta a forma como são estabelecidas as po-líticas para sua gestão, as quais também são

Este artigo tem o objetivo de descrever as políticas culturais na Colôm-bia do século XXI e, para tanto, é

necessário estabelecer alguns pontos de partida indispensáveis para entender mais profundamente os alcances e as limitações deste texto. Um primeiro esclarecimento fundamental se refere àquilo que pode ser entendido como políticas culturais. Existe uma abundante discussão em torno do assunto. Para facilitar, e por meio de uma visão relativamente simples, entender-se-á por política cultural a base de referência de caráter estatal que no decorrer do tempo foi sendo construída em determinada sociedade e que busca orientar e determinar a ação cul-tural de forma coerente e consistente.

Entende-se que as políticas, quando não são aplicadas, costumam não passar de

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moldadas pelas especificidades culturais correspondentes às sociedades das quais emergem e nas quais intervêm.

Um último esclarecimento: a cultura é uma variável complexa; seu valor e sua ca-pacidade são reconhecidos como elementos de controle e mudança. Agenciar ações para gerar transformações culturais causa efeitos em múltiplas direções, algumas vezes per-versos ou, ao contrário, totalmente inócuos.

Olhar para o passado para projetar o futuro

Na Colômbia, as políticas culturais têm suas próprias especificidades; entretanto, de alguma forma, correspondem à evolução que tiveram na América Latina. No caso colombia-no, no fim do século XIX, fala-se pela primeira vez de cultura, da perspectiva da ilustração,

na qual é concebida como um instrumento educacional para “civilizar um povo inculto”; como dizia o famoso ditado, “um povo culto é um povo educado” (RUIZ, 2010). A conse-quência disso é que essas primeiras políticas, nas quais se abordava o elemento cultural, estavam focadas em projetos de caráter edu-cacional. Concretamente, por meio do Decreto 365, de 1870, quando foi criada a Secretaria de Instrução Pública, tentou-se levar para a prática, de alguma forma, a ideia de civilizar essa população “atrasada, mestiça, indígena e negra” por meio de um projeto educacional de caráter integral (MENA e HERRERA, 1994). Atividades prévias de caráter disperso em relação à institucionalidade de entidades culturais haviam sido constituídas pela fun-dação da Biblioteca Nacional, em 1777, e da Fundação do Museu Nacional, em 1824.

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Posteriormente, na década de 1930, assim como em um bom número de países latino-americanos, tentava-se enterrar os últimos elementos da herança colonial por meio do desenvolvimento de visões nacio-nalistas nas quais se reivindicava a tradição indígena. É assim que a denominada Repú-blica Liberal (1930-1946) funda a Escola Normal Superior, à semelhança de seu par na França, na qual é formada a primeira geração de cientistas sociais na Colômbia (MENA e HERRERA, 1994). Nesse caso, e seguindo tardiamente a evolução conceitual do termo “cultura”, já se fala de “culturas”. O termo “cultura” deixa de ser usado para classificar algumas sociedades como mais cultas do que outras, culturas “melhores” ou “piores”, “avançadas” ou “atrasadas”, e adquire-se consciência da existência de dife-rentes culturas, sem nenhum qualificativo. No caso colombiano, essa visão se refletiu na revalorização de seu passado indígena. Os primeiros formandos da Escola Normal Superior, por meio de suas pesquisas de caráter histórico e de trabalhos de campo de diversos tipos, conseguiram proporcionar uma primeira visão do patrimônio cultural legado pelas populações pré-colombianas, que cobriram todo o território do país. Nesse aspecto, as políticas culturais evoluíram na direção de incluir a preservação e a difusão desse patrimônio e de, assim, contribuir para a construção da identidade nacional.

Vocês não sabem mais do que eu, e nas andanças por veredas e escolas devem ter sentido o que estas sobrevivências signifi-cam. Todos nós não pensamos que para dar ao povo um caráter dignamente nacionalista

é necessário reavaliar esse conceito do índio estudando-o com critério americano, verifi-cando nele as virtudes que quatro séculos de historiadores se empenharam em revalorizar ou adulterar? (MENA e HERRERA, 1994.)

Finalmente, a mudança constitucional de 19911 estabelece a “cultura” como funda-mento da nacionalidade (SANABRIA, 2000). Essa é uma mudança inédita e fundamental para o país. Embora, em sua evolução, a polí-tica cultural houvesse estabelecido como objetivo primário a educação e secundário a preservação do patrimônio cultural, com sua respectiva contribuição para a identidade nacional, agora o panorama mudava dramati-camente. Adotar a cultura como fundamento da nacionalidade implicava uma mudança muito profunda na consciência nacional. O que antes parecia motivo de vergonha, como no caso da existência de uma notável diver-sidade étnica e cultural, passava a ser motivo de orgulho e de definição da nacionalidade. Nessa perspectiva, a cultura adquire um cará-ter holístico que torna sua gestão bastante complexa. É, portanto, necessário estabelecer uma nova institucionalidade para a cultura. Assim, é aprovada a Lei Geral de Cultura (Lei no 397, de 1997), pela qual é criado o Minis-tério da Cultura e articulado um conjunto de políticas dispersas.

Esta lei surge de um complexo de fon-tes e circunstâncias, como a evolução das instituições culturais públicas e privadas colombianas e as normas sobre patrimônio cultural, propriedade intelectual, proteção ao artista, imposto para espetáculos pú-blicos, proteção para a indústria editorial

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e o cinema, regulamentação dos meios de comunicação e reconhecimento dos direi-tos das comunidades étnicas, entre outros assuntos. Da mesma forma, observa-se a presença dos acordos e convênios inter-nacionais, particularmente as declarações e recomendações da ONU, da Unesco e da OEA. (SANABRIA, 2000.)

Consolidação de uma institucionalidade cultural

Essa consolidação ocorreu por meio da Lei de Cultura nº 397, de 1997, composta de 4 capítulos e 83 artigos. Essa lei englobava, em termos gerais, quatro aspectos. Em pri-meiro lugar, os princípios fundamentais nos quais definia o papel do Estado e do cidadão em relação à cultura. No tocante ao Estado, estabelecia que seu papel primordial consis-tia na preservação do patrimônio cultural da nação e no apoio às “pessoas, comunidades e instituições que desenvolvam e promovam as expressões artísticas e culturais nos âmbitos locais, regionais e nacional”2. Para isso, seria o Ministério da Cultura a entidade que coor-denaria a ação do Estado para a formação do “novo cidadão estabelecido nos artigos 1 a 18 da Lei 188, de 1995”3.

Uma segunda parte é consagrada à proteção do patrimônio cultural da nação, estabelecendo a sua definição, incluindo os direitos dos grupos étnicos e criando o Conselho de Monumentos Nacionais, entre um conjunto de artigos complementares. Um terceiro aspecto da lei consiste no es-tabelecimento de uma série de princípios relacionados ao fomento e aos estímulos à criação, à pesquisa e à atividade artística e cultural. Essa parte é formada por 36 artigos

com objetivos específicos no tocante, entre outros aspectos, à infraestrutura cultural, ao criador cultural, aos museus, às bibliotecas, à formação artística, ao teatro, ao cinema e à conservação e restauração dos bens artís-ticos e culturais.

Na quarta e última parte dessa impor-tante lei está a consagrada gestão cultural em seus diferentes aspectos, como a for-mação do Sistema Nacional de Cultura, do Conselho Nacional de Cultura, do Ministé-rio da Cultura, de sua estrutura orgânica, dos mecanismos de financiamento e de outros elementos complementares. Em síntese, é possível afirmar que essa lei de cultura reco-nhece a evolução que o conceito de cultura teve no sentido de não somente ser conside-rado um “direito”, mas também ser concebido como um “recurso” – tendência que, como se verá posteriormente, será aprofundada no conjunto de políticas que serão emitidas a partir desse momento e que constituem as correspondentes do século XXI.

Outro aspecto a se destacar dessa lei de cultura é a forma como foi elaborada, por meio de uma ativa participação em um processo que poderia ser caracterizado “de baixo para cima”. Com a realização de fóruns, workshops, reuniões e numerosas outras atividades, buscou-se a participa-ção ativa de minorias étnicas, movimentos camponeses, trabalhadores da cultura, ar-tistas, criadores e um abundante conjunto de grupos de interesse aos quais a lei afetava de alguma forma. A partir desse momento, foram geradas políticas de diversos tipos e com diferentes objetivos destinados ao fortalecimento do setor cultural. Pode-se afirmar que a “cultura está em tudo”.

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Esse auge tornou prioritária para o Ministério da Cultura a realização de um compêndio das políticas culturais no país, com a finalidade de entendê-las e dar-lhes coerência. Para isso, em 2009, o Ministé-rio da Cultura publicou um compêndio de políticas culturais, um grosso volume de 512 páginas que:

[...] constitui uma tarefa monumental de compilação que nos permite incluir, em uma mesma e única edição, todas as políti-cas culturais produzidas pelo Ministério da Cultura. Um documento que nasce da soma de muitos esforços, com o qual as ações no campo cultural terão uma orientação e per-mitirão as grandes definições em termos de cultura que o país precisa, com a ativa parti-cipação do Estado, das entidades privadas, da sociedade civil, das suas organizações e dos grupos comunitários. Graças à sua intenção de diálogo com a sociedade, inicia, sem dúvida, um processo cultural histórico. (COMPENDIO DE POLÍTICAS CULTU-RALES, 2009, p. 11.)

Esse manual será a base da descrição das políticas culturais que a Colômbia pro-põe para o desenvolvimento do setor nestas primeiras décadas do século XXI, assunto da próxima seção.

Para onde vai a culturaNesta terceira seção, embora se tome

como base o compêndio de políticas cultu-rais mencionado anteriormente, o objeti-vo não é descrevê-lo, já que sua dimensão não o permite. Mais importante é deduzir a tendência geral das políticas culturais na

Colômbia em um futuro próximo com base em seu conteúdo.

Um primeiro aspecto a ser destacado nesse compêndio é sua concepção como um instrumento de diálogo de caráter inacabado, no qual política e cultura se entrecruzam e se enriquecem mutuamente. É proposto como um documento aberto:

Abrir-se é a palavra que melhor resume o propósito do compêndio. Este é, finalmente, um documento para debater o significado das políticas culturais no próprio setor e para que criadores, sindicatos, organizações culturais, indústrias culturais, gestores públicos e pri-vados, movimentos socioculturais e muitos outros contribuam com suas ideias. E, assim, ampliar cada vez mais o espectro da cultura para gerar um diálogo com a economia, a saúde, o desenvolvimento, a educação, o meio ambiente e a totalidade dos campos da vida social. (COMPENDIO DE POLÍTICAS CUL-TURALES, 2009, p. 12.)

Esse primeiro aspecto destaca o caráter integral e dinâmico da cultura no contexto da sociedade colombiana, que não é mais concebida como um setor isolado, mas sim como um elemento em interação contínua com todos os setores da sociedade.

O compêndio destaca os próximos ele-mentos na formação das políticas culturais no país e reconhece em primeiro lugar a existência de certa tradição na elaboração dessas políticas, que, em seu desenvolvimen-to atual, procuram que a cultura contribua para a construção de uma identidade cultu-ral diversa, baseada na descentralização, na proposição e na geração de políticas. Na atual

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conjuntura, integram-se novos elementos, como os aspectos relacionados com a diver-sidade regional do país, a revitalização das línguas nativas, o empreendimento cultural e a denominada cultura digital. Busca-se promover a internacionalização da cultura colombiana e a economia da cultura corres-pondente à evolução de seu conceito como um fator de criação de valor.

Em suas políticas, o Ministério da Cultura reflete, por um lado, a integração funcional e o aprendizado alcançados com a aplicação de políticas que poderiam ser denominadas tradicionais e que permiti-ram otimizar seus processos de gestão por meio do Estado. Entretanto, por outro lado, as políticas culturais extrapolam o âmbito estatal e abrem a porta para novos atores pri-vados e não governamentais que contribuem para que elas formem uma rede que fornece uma visão integral dessas políticas. Essa visão integral é concretizada nos seguintes conceitos, que sintetizam as políticas cul-turais na Colômbia para o futuro: formação, memória, organização, diversidade, criação, pesquisa, descentralização/regionalização e comunicação. Embora sejam conceitos gerais, constituem os nós da rede que os dife-rentes atores integram e reforçam o diálogo e o caráter aberto da política cultural. Cada um deles contém seus aspectos específicos, por meio dos instrumentos apropriados para seu desenvolvimento. Tendo em vista a atual situação conflituosa na Colômbia, um último elemento conjuntural consiste no papel crucial da cultura no processo de pacificação do país.

Embora seja possível afirmar que a Colômbia conseguiu configurar um conjunto

de políticas culturais com certas caracterís-ticas que permitem uma visão positiva em termos de desenvolvimento do setor para o futuro, é preciso criar os mecanismos e a institucionalidade necessários para que esses bons desejos se tornem uma realidade que responda às mudanças vividas no país a partir da última década do século XX. Novas circunstâncias situaram a cultura como um elemento fundamental no contexto nacio-nal em suas múltiplas dimensões simbólicas, pedagógicas, econômicas e identitárias.

Jaime Ruiz-GutiérrezEngenheiro industrial e mestre em enge-

nharia industrial pela Universidade dos Andes, em

Bogotá, na Colômbia. Obteve diploma de estudos

avançados (DEA) em matemática e aplicativos e

doutorado em matemática aplicada às ciências

sociais pela École des Hautes Études en Sciences

Sociales (Ehess), em Paris, na França, em 1982.

Trabalhou na diretoria de planejamento do Banco

Central da Colômbia. A partir de 1994, atuou como

professor-associado e pesquisador de projetos da

Faculdade de Administração da Universidade dos

Andes. Suas áreas de interesse são diversas, mas

têm em comum o propósito de articular metodo-

logias de medição e sua utilização para entender

os fenômenos inerentes ao desenvolvimento das

organizações. Desenvolveu trabalhos de pesquisa

sobre os seguintes assuntos: demografia organiza-

cional, estudos culturais e gestão cultural.

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44 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Referências bibliográficas

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SANABRIA, A. (Org.). Ley General de Cultura. Versión concordada y completada. Bogotá: Ministério da Cultura: Imprenta Nacional de Colombia, 2000.

Notas

1 A Constituição da Colômbia estava vigente desde 1886.

2 Texto da Lei de Cultura no 397, de 1997.

3 Idem.

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45Jaime Ruiz-GutiéRRezPOLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

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46 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A POLÍTICA CULTURAL NA ARGENTINA DO SÉCULO XXI

Rubens Bayardo

Este artigo traça um panorama geral das políticas culturais do Estado federal argentino, apresentando algumas das principais iniciativas adotadas nos primeiros anos do século XXI. O autor as relaciona com os eixos ou as orientações que organizaram o âmbito das políticas culturais em nível internacional a partir de meados do século passado, a saber: democratização, descentralização, desenvolvimento, diversidade cultural e criatividade.

passagem política do ibero-americanismo para um latino-americanismo associado à denominada “virada para a esquerda”. Uma peculiaridade dos últimos governos do país é que se referem a muitas das suas políticas como fazendo parte de uma “batalha cultu-ral”, por isso, poderiam ser incluídas nesse domínio medidas como a nacionalização de empresas e novas leis1. Um critério para delimitar as políticas culturais será men-cioná-las com relação aos eixos citados anteriormente, mesmo quando é claro que as ações e as iniciativas (que ao mesmo tempo se multiplicaram) os extrapolam.

As políticas culturais do Estado fede-ral na Argentina ampliaram seu campo de ingerência, indo além das ações habituais no setor (artes, letras, patrimônio, folclore) e envolvendo mudanças na organização institu-cional. Isso é especialmente visível na ênfase colocada na diversidade cultural, nos direitos culturais e na cidadania cultural, assim como na identidade nacional, na cultura popular e na cultura comunitária. O responsável primário

A política cultural federal na Argen-tina dos primeiros anos do século XXI vem sendo marcada pelas

principais orientações adotadas pelo mundo desde os anos 1960 até agora. Elas podem ser resumidas em poucos tópicos sucessivos que foram se sobrepondo e imbricando, em torno dos eixos da democratização cultural, da descentralização, do desenvolvimento, da diversidade cultural e da criatividade. Como construções conceituais, e em par-ticular como construções globais, deve-se entender que esses termos comuns sinteti-zam significações diferentes, talvez opostas ou inclusive incomensuráveis. Funcionam mais como senhas que permitem compar-tilhar e comparar um sistema internacional com base em perspectivas nacionais e inte-resses particulares, de acordo com diversos contextos regionais e momentos sociais.

No caso argentino, são relevantes o momento de virada econômica do neolibera-lismo para um neodesenvolvimentismo com intervenção ativa do Estado e o contexto de

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47POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Rubens bayaRdo

do setor é o novo Ministério da Cultura, que substituiu recentemente a Secretaria da Cul-tura da Nação (SCN)2. Contudo, cabe destacar que muitas das políticas que poderíamos chamar de “culturais” não dependem desse ministério, mas sim de espaços mais hierar-quizados da administração estatal, em áreas de planejamento, trabalho, comunicação e educação, que contam com maiores orçamen-tos e melhor capacidade de execução. É o caso das comemorações do bicentenário da Revo-lução de Maio, dos planos de inclusão digital, dos canais a cabo Encuentro e Pakapaka, do programa Fútbol para Todos, do Centro Cul-tural do Bicentenário Néstor Kirchner e do Polo Audiovisual Isla Demarchi, entre outros.

A democratização em políticas cultu-rais significa habitualmente a ampliação do acesso a bens e serviços culturais e à parti-cipação na vida cultural. Um programa que merece relevância são os Pontos de Cultura, iniciados em 2011, que retomam o modelo originado no Brasil em 2004 e que foram estendidos a outros países latino-americanos. No caso argentino, trata-se de promover a organização popular com a cultura comu-nitária, dando apoio econômico e técnico a iniciativas que, por meio da arte e da cultura, promovam a inclusão social, a identidade local e a participação popular. O programa formou uma Rede Nacional de Pontos de Cultura com 450 membros, organizações sociais e comunidades indígenas, aos quais

forneceu financiamento, equipamento, treinamento e acompanhamento para seus projetos. Também vale destacar o plano nacional de igualdade cultural Novas TICs a Serviço do Acesso Igualitário à Cultura, de caráter intersetorial, promovido juntamente com o Ministério de Planejamento Federal, Investimento Público e Serviços da Nação.

Esse plano se propõe a integrar políticas culturais e políticas de comunicação, gerar condições tecnológicas e de infraestrutura que garantam igualdade de oportunidades no acesso e promover a produção de bens e serviços culturais, o emprego e a integração social. É um programa muito vasto, orientado para desenvolver Centros de Criação Cultural e a Rede Federal de Cultura Digital. Para isso, inclui o Plano Nacional de Telecomunicações Argentina Conectada, dedicado à instalação de redes de fibra óptica e à criação de Núcleos de Acesso ao Conhecimento, equipados com computadores para a comunicação, a aprendi-zagem e o entretenimento. Também atua com a Televisão Digital Aberta, uma plataforma de TV com imagem e som de alta qualidade que, por meio de um satélite, atinge zonas distantes do país, distribui gratuitamente decodificadores a residências, instituições e organizações sociais e promove a geração de conteúdo por novos atores sociais.

A descentralização em políticas cul-turais é uma proposta que demanda muito esforço e cujo modelo são as casas de cultura

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48 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

promovidas por André Malraux, na França, com o propósito de aproximar as adminis-trações dos espaços e dos usuários locais. Em 2010, a Argentina comemorou 200 anos da Revolução de Maio, que iniciou o processo de separação da Espanha, concluído em 1816 com a Declaração da Independência. Em todo o país, foram realizados festejos comemora-tivos do bicentenário da Revolução de Maio. A Secretaria de Cultura apoiou a entidade responsável por esses fes-tejos, a Unidade Executora do Bicentenário, ligada à presidência da nação. Ao mesmo tempo, junto com a Secretaria-Geral da Pre-sidência e o Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência Social, par-ticipou da criação das Casas da História e da Cultura do Bicentenário. Foram lançadas 85 Casas do Bicentenário (como normalmente são conhecidas), distribuídas por todo o país, nas quais são realizados debates, exposições, workshops e eventos ligados ao cinema, ao teatro, à música e à dança. O Instituto Nacio-nal do Teatro (INT) forneceu o equipamento de luz e som e o Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa) colaborou com a instalação de microcinemas.

Uma iniciativa orientada para marcar uma definição política do centro (mais do que uma descentralização cultural em sentido estrito) foi o lançamento da Casa de Cultura de la Villa 21/243, no bairro de Barracas, como nova sede da Secretaria de Cultura, até então situada em um palacete da Recoleta, o mais elegante bairro da capital federal. Ali foram iniciadas obras de refuncionalização de um antigo galpão de 13 mil metros quadrados,

mas que foram interrompidas em razão da ocorrência de alguns conflitos com o pes-soal. O local terminou sendo designado como centro cultural ou Casa do Bicentenário. Outras iniciativas visam reforçar centra-lidades, como é o caso do Centro Cultural do Bicentenário Néstor Kirchner, que está sendo construído no antigo edifício do Cor-reio Central. Trata-se de um investimento de grande magnitude em que a área da cul-

tura acompanha, como em outros casos, o Ministério do Planejamento Federal. Algo similar acontece com a Feira de Ciências, Artes e Tecnologia, mais conhe-cida como Tecnópolis,

iniciada em 2011, que depende da Unidade Executora Bicentenário e na qual o Ministé-rio da Cultura conta com um pavilhão.

O desenvolvimento não é um assunto novo em políticas culturais e, de fato, todas as conferências intergovernamentais o tive-ram como tema de debate conceitual a partir dos anos 1970. Mas sua colocação na agenda ocorreu realmente a partir da Conferência de Estocolmo, em 1998, e se traduziu no incenti-vo a estudos e pesquisas orientados a conhe-cer e fomentar o lugar da cultura na economia (em especial, contribuição ao PIB, geração de emprego, financiamento público e privado) e na promoção de empresas culturais. Em 2003, a SCN iniciou uma sistematização de infor-mações e de medições da economia do setor, que anos depois se institucionalizou na área de Indústrias Culturais. Assim, formaram-se o Sistema de Informação Cultural da Argen-tina (Sinca) e outras iniciativas importantes, como o Mapa Cultural, a Conta Satélite de

“A política cultural federal na Argentina dos primeiros anos do século XXI vem sendo marcada pelas principais orientações adotadas pelo mundo desde os anos 1960 até agora.”

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Cultura e, em 2013, a Enquete Nacional de Consumos Culturais. Foram realizadas diver-sas pesquisas que resultaram em estatísticas culturais setoriais e em publicações que rela-tam um contexto do setor contrastante com a dispersão e o desconhecimento anteriores.

Em 2012, foi iniciado o Programa de Apoio a Empreendimentos Culturais (Paec), junto com a Fundação Banco Macro, para dar apoio econômico à geração e ao cresci-mento de empresas culturais. Ele se destina a produtores e empresários nos domínios da música, do design, de video game, editorial e audiovisual. Baseia-se em 250 projetos e iniciativas selecionados do Mercado de Indústrias Culturais Argentinas (Mica), em razão de sua criatividade e valores culturais e de seu potencial no crescimento econômico e na geração de empregos. Atento à economia do setor, vale destacar a publicação do Guia do Financiamento Público para a Cultura e as Artes, que apresenta as linhas de fomento público (empréstimos, concursos, subsí-dios, prêmios, bolsas e ajudas) orientadas a finalidades como a criação, a produção, o equipamento, o fortalecimento, a mobilidade, a profissionalização etc. em seis áreas: artes cênicas, artes visuais, audiovisuais, letras e editorial, música e multissetoriais. Em 2014, aos fundos orçamentários e aos fundos espe-cíficos prévios (correspondentes a artes, bibliotecas populares, teatro, cinema e artes audiovisuais) foi agregado o Fundo Argentino de Desenvolvimento Cultural. Ele concede ajudas e incentivos econômicos a criadores, produtores, empresas e organizações para a realização de atividades, projetos e progra-mas em quatro linhas de ação: mobilidade, sustentabilidade, infraestrutura e inovação.

A diversidade cultural é um dos assun-tos mais inovadores na agenda das políticas culturais. O tema esteve presente em uma famosa palestra dada por Claude Lévi-Strauss na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1948, conhecida como Raça e História. As conferências dos anos 1970 também abor-daram a diversidade cultural reiteradamente com base na problematização da identidade. Mas a promoção intergovernamental de ações começou recentemente, no fim dos anos 1990, e se expandiu rapidamente no ocidente globa-lizado. A Argentina, juntamente com outros países latino-americanos, incluiu a questão da diversidade cultural na reforma da Constitui-ção Nacional de 1994. A SCN adotou um novo organograma, incluindo, em 2011, a Secreta-ria de Políticas Socioculturais, com áreas que compreendem essa mudança: a Secretaria Nacional de Promoção de Direitos Culturais e Diversidade Cultural e a Secretaria Nacional de Participação e Organização Popular.

Diferentes iniciativas tendem à inclusão de setores marginalizados e/ou postergados, como é possível observar nos programas Povos Indígenas, Afrodescendentes e Argen-tina dos Mais Velhos (referente aos idosos). Ao mesmo tempo, perdura a preocupação originária das políticas culturais com a identi-dade nacional e a edificação do Estado-nação, embora ressignificada no âmbito da Amé-rica Latina. Em 2014, o novo Ministério da Cultura criou a Secretaria de Coordenação Estratégica para o Pensamento Nacional, que conta com a Secretaria Nacional de Pensa-mento Argentino e Latino-Americano.

A criatividade é a vedete global de no-vas políticas públicas, que transformam os

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50 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

sentidos prévios das políticas culturais e se inscrevem em uma derivação para políticas econômicas e políticas sociais. Essa invenção anglo-saxã de 1994 se expandiu muito mais rapidamente do que as práticas discursivas anteriores fomentadas pelo British Council, pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e pela própria Unesco, parecendo oferecer soluções aos estados nacionais em uma glo-balização na qual buscam competir por meio de suas empresas e como empresas. Na SCN, o Mica, iniciado em 2011, foi a iniciativa mais clara a esse respeito. Mesmo que sua deno-minação possa desorientar, o Mica da capital está organizado em áreas das chamadas indústrias criativas: artes cênicas, audiovi-sual, design, editorial, música e video game. Convoca produtores e artistas para gerar negócios no mercado mundial, trocar infor-mação e apresentar a produção argentina. Ao mesmo tempo, organiza encontros pré-Mica nas regiões argentinas, destinados a captar e fomentar micro, pequenas e médias em-presas, o que no jargão do setor criativo se denomina indies, fornecedoras das majors. Nessa iniciativa intersetorial confluem, junto com o Ministério da Cultura, o Minis-tério da Indústria, o Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência Social, o Ministério da Economia e Finanças, o Ministério do Turismo, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério das Relações Exteriores e Culto e o Ministério do Planejamento Fede-ral, Investimento Público e Serviços.

A brevidade deste artigo somente permi-te traçar um panorama geral e esboçar alguns assuntos “bons para pensar”. É claro que as políticas culturais na Argentina, cada vez

mais ligadas às novas tecnologias e à expansão do que é cultural para o econômico e o social, transitam por caminhos mais amplos do que antes. Ocorreram grandes mudanças para aquilo que foi chamado de desenvolvimento, diversidade e criatividade. Mas esses novos eixos se tornaram fetiches globais fervoro-samente adotados e, com mais razão do que as orientações prévias em políticas culturais, requerem discussões que, no momento, não ocorreram em nível nacional nem internacio-nal. Algo similar acontece no antigo desejo da intersetorialidade ou transversalidade, que parece realizado por políticas culturais que extrapolam o setor em parcerias entre mi-nistérios capazes de mobilizar significativos fluxos de fundos com o sentido de geração de emprego e de vias de inclusão sociocultural.

Faltam pesquisas empíricas sobre o fun-cionamento e os resultados dessas iniciativas institucionais, centrando-se em suas dimen-sões culturais. Também são necessários debates conceituais sobre o conjunto desses eixos e sobre as práticas sustentadas por essas políticas que permitam construir indicadores, elaborar avaliações quantitativas e qualita-tivas e repensar as políticas culturais mais apropriadas para estes tempos acelerados.

Rubens BayardoDoutor em antropologia, professor e pesqui-

sador da Universidade de Buenos Aires e diretor da

especialização em gestão cultural e política cultural

do Instituto de Estudos Sociais da Universidade Na-

cional de San Martín.

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51Rubens bayaRdoPOLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

Referências bibliográficas

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Notas

1 Por exemplo, as leis de Serviços de Comunicação Audiovisual, de Matrimônio Igualitário, de Morte Digna e de Identidade de Gênero, de indubitável relevância cultural.

2 A mudança foi disposta no dia 6 de maio de 2014 pelo Decreto de Necessidade e Urgência no 641/2014, do Poder Executivo nacional.

3 Villa ou villa miseria é um conjunto de moradias precárias em áreas desprovidas de serviços básicos (água, esgoto, eletricidade, gás). Seus habitantes, majoritariamente trabalhadores informais, costumam ser estigmatizados e associados à delinquência.

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MÉXICO, O PAÍS DAS REFORMAS ESTRUTURAIS. A REFORMA CULTURAL FORA DA AGENDA

Eduardo Cruz Vázquez

A política cultural mexicana e o seu aparato institucional não foram capazes de responder à dinâmica promovida pelo livre comércio. Por isso, evidenciam um notável atraso. A partir de 1982, diferentes governos também deixaram de lado a necessidade de gerar políticas econômi-cas para aquilo que chamamos de setor cultural. Aqui são exploradas algumas evidências da economia cultural no desenvolvimento da nação, assim como a pertinência de impulsionar uma reforma cultural como parte das reformas estruturais geradas pelo atual governo.

república (31 estados e um distrito federal constituído pela Cidade do México), nos governos estaduais e em vários munici-pais –, ao longo de seis quinquênios foram fundadas diversas dependências públicas. Trata-se de um enorme aparato de governo, de exercício de gasto público e de geração de cadeias de valor. Entretanto, as suas dimensões ainda são insuficientemente conhecidas e, portanto, pouco estudadas.

Por outro lado, no referido período, os setores social e privado envolvidos na trama das políticas culturais, na oferta e na demanda de cultura cresceram de forma exponencial. De uma visão praticamente cen-tralizada no Estado passou-se à construção de uma visão setorial. A análise econômica da cultura, não sem certa lentidão, permitiu elaborar funcionalmente o protagonismo de um setor cultural. A importância da ati-vidade econômica da cultura aumentou sua

Do século XX ao XXI e a mudança da visão setorial

A partir da década de 1980, a neces-sidade de modificar o arcabouço jurídico, trabalhista, administra-

tivo e econômico sobre o qual se assentam as instituições de governo que atendem a bens, serviços, direitos e demandas cultu-rais tem sido uma preocupação recorrente. Na administração pública federal, é na Secretaria de Educação Pública (SEP) que ocorrem a conceitualização e a execução da política cultural, por meio do subsetor da Cultura e da Arte, no qual se agrupam os órgãos coordenados pelo Conselho Nacional para a Cultura e as Artes (Conaculta), órgão desconcentrado criado por decreto presi-dencial em dezembro de 1988. Com base em uma visão de Estado cultural – nas dife-rentes entidades federativas que formam a

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relevância ao ritmo da abertura comercial, longe de políticas específicas de fomento ao seu desenvolvimento e de salvaguarda diante das demais economias, em uma combinação de circunstâncias em muitos momentos des-vantajosa, sofrendo os efeitos da globalização e por vias geralmente diferentes da institu-cionalidade do Estado cultural. Com isso, a política cultural ficou para trás, e a resolução da política econômica para essa área ainda é um assunto pendente.

É por isso que a conceitualização e o desenho de uma reforma cultural1 tendem a fortalecer os alicerces do setor cultural. Essa reforma promove uma reorganização setorial que se traduz em um sistema de classificação de atividades mais consistente com a realidade do país, em um mercado cultural competitivo, gerador de melhor dis-tribuição de riqueza, com uma intervenção estatal promotora de bem-estar social, assim como de produtividade e com um aparato institucional renovado.

A reforma cultural é entendida como uma reforma estrutural, com a mesma importância e abrangência das outras refor-mas que o atual governo do México tem impulsionado, a saber: as reformas eleito-ral, trabalhista, educacional, financeira, tributária, de concorrência econômica, de telecomunicações e energética.

Embora após a Revolução Mexicana tenham sido iniciadas tentativas de medir a economia do país, só recentemente, em 1983, foi criado o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi). O Sistema de Contas Nacionais (SCN), a definição de setores, a sua arquitetura e as ferramentas para conhecer detalhadamente o compor-tamento da economia são um fenômeno da última década do século XX. E foi na primeira década deste século XXI que se consolidou o Sistema de Classificação Industrial da América do Norte (Scian). Tal estrutura está relacionada com a entrada em vigor, em 1994, do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), assinado pelo México, pelos Estados Unidos e pelo Canadá2 e no qual é criado o setor 71, denominado Serviços de Lazer Culturais e Esportivos e Outros Servi-ços Recreativos. Conta com três subsetores e 41 tipos de atividade. Uma parte da tarefa cultural está relacionada com os grandes interesses gerados pelo esporte e por locais recreativos como os cassinos.

A versão mais atualizada do Scian data de 2013. O sistema é composto de 20 setores, 94 subsetores, 303 ramos, 614 sub-ramos e 1.059 tipos de atividade. Somente cinco setores são produtores de bens, sendo que a vocação dos outros 15 está totalmente vol-tada para a prestação de serviços. A condição

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terciária do México é irreversível; as ativi-dades secundárias continuam em baixa e as primárias, que incluem as matérias-primas necessárias para a produção artesanal, apro-fundam a dependência do fornecimento de outras nações.

A verdade é que, após 20 anos da assinatura do TLCAN, ocorreu um forte ajuste conceitual na definição de cultura. É tão vasto o seu campo de intervenção, tão notáveis são os interesses econômicos, tão abundantes são as fontes de trabalho que, ao tornar-se um conceito mais funcional, o nosso setor cultural não pode ser identifi-cado somente nas atividades que integram o setor 71. Muito antes da criação da Conta Satélite de Cultura (CSC)3, efetuada em janeiro de 2014, tornou-se evidente que era necessário somar outras atividades de outros quatro setores para valorizar a contribuição da cultura para a economia nacional: o 31-33, de Indústrias Manufa-tureiras; o 51, de Informação em Meios de Comunicação em Massa (que tem o dobro de subsetores do 71 e abriga, por exemplo, as telecomunicações); o 54, de Serviços Pro-fissionais, Científicos e Técnicos; e o 61, de Serviços Educacionais.

Ao elaborar a CSC, o Inegi considerou também as atividades dos setores 43, de Comércio Atacadista; do 46, de Comércio Varejista; do 53, de Serviços Imobiliários e de Locação de Bens Móveis e Intangíveis; do 81, de Outros Serviços, Exceto Ativida-des Governamentais; e do 93, de Atividades Legislativas, Governamentais, Judiciárias e de Órgãos Internacionais e Extraterritoriais. Entretanto, a transversalidade é tamanha que a análise se expande para as atividades

que se refletem no setor 72, de Serviços de Hospedagem Temporária e de Preparação de Bebidas (leia-se turismo e, em particu-lar, turismo cultural). Para esse setor, foi criada a Conta Satélite de Turismo (CST), cuja última versão foi apresentada no ano de 2012. Além disso, tornam-se imprescindíveis a Conta Satélite das Instituições sem Fins Lucrativos (CSISFL, apresentação do ano de 2012) e inúmeras enquetes, como a Enquete Nacional de Gastos das Famílias, aplicada a partir de 2013. Existem várias ferramentas no Sistema de Informação Cultural (SIC) do Conaculta que ajudam a integrar um mapa mais completo do setor, além da informação gerada por agremiações empresariais e pela sociedade civil.

A CSC é uma contribuição significativa para a caracterização da economia cultural do México e para uma nova geração de polí-ticas públicas para o setor. Foi obtida de 103 atividades (71 características e 32 correlatas), distribuídas em nove setores, e incluiu os re-sultados da Enquete Nacional de Consumo Cultural do México (Enccum), que permitiu quantificar, entre outras variáveis, a produção cultural das famílias. O PIB situa-se em 2,7%, sendo que 2% correspondem ao mercado, 0,1% à intervenção do governo e 0,6% à produção cultural das famílias. Em 2011, esse PIB se traduziu em 379 bilhões de pesos (aproxima-damente 28 bilhões de dólares) e em quase 800 mil postos de trabalho remunerados ocu-pados, o que significa 1,9% do total do país.

Os sinais: políticas inerciaisEssa situação não veio acompanhada da

atualização da política cultural nem mesmo de uma decidida política econômica. Por isso,

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na promoção de uma reforma cultural, pro-pomos que o alicerce desse setor gere suas arquiteturas por meio de três subsetores, com a respectiva reclassificação do Scian: o do Estado, entendido neste momento por meio da SEP como subsetor de Cultura e Arte e por meio da institucionalidade em entidades federativas e municípios; o segundo, dedi-cado às micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) e a grandes empresas culturais; e o terceiro, dedicado às instituições de edu-cação superior (universidades públicas e privadas, principalmente), às instituições sem fins lucrativos e aos órgãos de coopera-ção-coprodução internacional. Tal proposta é viável tanto à luz da própria estrutura setorial do país quanto da construção da CSC.

Outro elemento legal levado em con-sideração para a análise tanto da política cultural quanto da política econômica para o setor é a denominada Lei de Planejamento do Governo Federal, que fundamenta a elabora-ção do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Essa lei teve importantes modifi-cações no ano de 2012, sendo uma delas a inclusão da “viabilidade cultural” como condição dos planos de governo.

Nessa perspectiva, a atual administra-ção pública federal concebeu o Programa Especial de Cultura e Arte (Peca) para arti-cular a sua política cultural. Considerando os programas elaborados a partir da criação do Conaculta, o Peca é importante porque é sujeito das novas disposições legais. Mas não é importante pelo seu conteúdo, em virtude da sua escassa originalidade, da sua falta de inovação para suplantar o atraso das políticas culturais e de seu divórcio com o desenvol-vimento econômico do setor. De fato, não há

uma diferença marcante entre o Peca e os então denominados programas setoriais de cultura (com os presidentes Carlos Salinas, Ernesto Zedillo, Vicente Fox e Felipe Cal-derón). Ele consiste em seis objetivos:

1. promover e difundir as expressões artísticas e culturais do México, as-sim como projetar a presença do país no exterior;

2. impulsionar a educação e a pesquisa artística e cultural;

3. dotar a infraestrutura cultural de espaços e serviços dignos e fazer um uso mais intensivo dela;

4. preservar, promover e difundir o patrimônio e a diversidade cultural;

5. apoiar a criação artística e desen-volver as indústrias criativas para reforçar a geração e o acesso a bens e serviços culturais; e

6. possibilitar o acesso universal à cul-tura, aproveitando os recursos da tecnologia digital.

Com relação aos programas anteriores, é possível destacar que:

1. o Peca inclui um componente de cul-tura digital;

2. define uma bateria de 17 indicadores que não permitem medir seu impacto qualitativo e que servirão pouco ou nada para o Inegi;

3. coloca-se como bandeira da gestão do Poder Executivo diante da violência vivida no país, apresentando a cultura como reparadora do tecido social, o que também não é uma novidade; e

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4. inexiste um objetivo dedicado ao es-tímulo da economia cultural4.

Como é possível perceber, como parte da reforma cultural, propõe-se a revisão do conteúdo da Conta Satélite das Instituições sem Fins Lucrativos. No ano de 2012, a con-tribuição para o PIB foi igual à da cultura, 2,7%, inclusive com uma leve superiori-dade, já que se situa em 406 bilhões de pesos (aproximadamente 29 bilhões de dólares). A CSISFL estima a existência de 40 mil organi-zações; a quantidade de pessoal remunerado é de 1.239.000 e a de trabalhadores voluntá-rios é de 1.344.000. Por outro lado, conforme informação do Sistema de Administração Tributária (SAT), no país há pouco mais de 6.300 organizações donatárias.

A CSISFL estabelece nove tipos de ati-vidade: Cultura e Lazer; Serviços Sociais; Religião; Ensino e Pesquisa; Desenvol-vimento e Habitação; Associações e Sindicatos; Saúde; Direitos, Promoção e Política; além da categoria Outros Grupos. Cultura e Lazer contribui com 3,2%, enquanto 51,7%, ou seja, mais da metade, vêm do segmento de Ensino e Pesquisa (aqui estão incluídas muitas instituições de educação superior privadas). Temos cer-teza de que, se existisse um setor cultural devidamente integrado, as cifras de contri-buição da cultura para a economia nacional seriam outras e, consequentemente, have-ria outras políticas públicas para a cultura e para a atividade empresarial de cultura.

ConclusãoO panorama não é animador para

suplantar o atraso das políticas culturais

nem para articular uma política econômica para esse setor. Daí a importância da reforma cultural, que abrange muito mais conteúdos que os descritos. Ao terminar o mês de novem-bro de 2014, o papel do Congresso continua sendo politicamente de baixo impacto e, con-sequentemente, pouco produtivo. Embora nos últimos quinquênios tenha havido diferen-tes tentativas de legislar a favor do setor, a busca de ajustes estruturais fracassou. Aliás, é necessário reconhecer as adições ao artigo 4º da Constituição Política, no qual são reco-nhecidos o acesso e o direito à cultura. Isso ocorreu em abril de 2009. Até o momento, os legisladores e o Poder Executivo não formu-laram a respectiva lei regulamentar.

Para tal fim, e como proposta da Comis-são de Cultura do Senado da República, foi apresentada uma iniciativa de Lei Geral para o Acesso, Fomento e Usufruto da Cultura. Como perspectiva, a Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Distrito Fede-ral promove a Lei de Direitos Culturais do Distrito Federal.

A reforma cultural não é entendida sem um Poder Executivo forte, conhecedor, deci-dido a ser um protagonista responsável no setor cultural; sem a participação do Poder Legislativo, sem as comissões de cultura e outras que envolvam o âmbito cultural; e sem um Poder Judiciário que assuma a responsa-bilidade de abrir precedentes.

A reforma cultural convida à gera-ção de consensos no âmbito das reformas estruturais do governo5. Uma agenda de tamanha envergadura tem entre as suas muitas motivações a geração de empregos: salvar as presentes e as futuras gerações da frustração e da pobreza.

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59Eduardo Cruz VázquEzPOLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

Eduardo Cruz VázquezBacharel em comunicação pela Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco

(UAM-X), com especialização em política e gestão cultural na UAM Iztapalapa. Jornalista

e gestor cultural desde 1980, tem dedicado na última década uma extensa análise do

trabalho da economia cultural, de indústrias culturais e da formação de empreendedores

culturais. Sua atuação na embaixada do México no Chile e na Colômbia lhe rendeu a Me-

dalha de Mérito Cultural. Como repórter e cronista, publicou as obras A Partir da Fronteira

Norte (Iztapalapa: UAM, 1991) e Afastar-se das Mesmas Tiras de Couro (Xochimilco: UAM,

2002). A editora colombiana Presença Comum publicou o volume de prosas poéticas

Saldo a Favor (2005).

Notas

1 A iniciativa de reforma cultural tem origem no Programa de Economia Cultural (PEC) e no Grupo de Reflexão sobre Economia e Cultura (Grecu) – da Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco, na Cidade do México –, do qual o autor é fundador e coordenador. Mais informações em: <http://economiacultural.xoc.uam.mx>.

2 O México deixou o setor cultural de fora do tratado, apesar do empenho de diversas vozes que pediram para aplicar a isenção ou a exceção cultural, o que foi feito – embora com fracos resultados – pelo Canadá.

3 A informação do Inegi aqui mencionada pode ser consultada em: <http://www.inegi.org.mx>.

4 No âmbito econômico, o governo delineou o Programa de Desenvolvimento Inovador. Ele também não contempla um projeto para a economia cultural. Os escassos apoios em nível federal são gerados por meio do Instituto Nacional do Empreendedor. Nos níveis estadual e municipal, ainda são incipientes.

5 Nos meses de novembro e dezembro de 2014, o Grecu, da UAM Xochimilco, promoveu a campanha Sim à Reforma Cultural no site <http://www.citizengo.org/es/13185-si-reforma-cultural>.

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CULTURA A UNIR OS POVOSCélio Turino

Potencializar o que já existe e fazer isso com encantamento e magia. Fortalecem-se Pontos de Cultura nas mais diferentes comunidades e linguagens artísticas - de aldeias indígenas e assentamentos rurais a favelas e grupos de arte experimental em universidades -, sempre a partir da ideia da autonomia, do protagonismo e do empoderamento sociocultural, que se desenvolvem na articulação em rede. São dez anos dessa política pública, entre teoria, conceitos, construção e gestão. Uma política pública formulada e desenvolvida no Brasil e que, após 2011, se espalhou por toda a América Latina, de Ciudad Juárez, no México, à terra mapuche, no sul do Chile.

Unquillo, província de Córdoba, 21 de novembro de 2014. Uma mar-cha, centenas de pessoas de toda a

Argentina (e convidados de outros países), palhaços, malabaristas, artistas de teatro, músicos, dançarinos, agentes culturais, mi-dialivristas... Mais um encontro da Cultura Viva em mais um país, Pontos de Cultura espalhados da fronteira com a Bolívia até a Patagônia, do Chaco a Buenos Aires. A ban-deira: por uma Cultura Viva comunitária a ser definida por lei, assegurando um orça-mento mínimo nacional de 0,1% para grupos culturais comunitários.

Foi o primeiro congresso nacional da Cultura Viva na Argentina, mas a busca por essa política pública tem avançado no país desde antes de 2010, ano em que tam-bém pude participar de uma marcha com aproximadamente 500 pessoas na cidade de Buenos Aires, rumo à Casa Rosada, sede do governo do país. Naquele momento, con-versamos com senadores e deputados e foi apresentada uma lei nacional para a Cultura

Viva, ainda não votada no Parlamento; ainda assim, a política pública prosperou e o gover-no federal já conta com um programa que subsidia centenas de Pontos de Cultura pelo país. Também já se começam a criar Círculos de Cultura (Pontões, com atuação de capaci-tadores, articuladores e difusores na Rede de Pontos). Outras províncias e cidades também estão assumindo essa política, até mesmo a capital federal, o que é uma surpresa, pois em um país tão polarizado na disputa partidá-ria é muito raro forças políticas distintas (o governo da capital é de oposição ao governo federal) adotarem a mesma política públi-ca. Com o conceito da Cultura Viva houve a união de propósitos.

Cidade da Guatemala, agosto de 2011. Uma marcha, uma comparsa, como eles cha-mam por lá; centenas de pessoas tomando as ruas da capital do país, também em defesa da Cultura Viva. Pessoas caminhando com pernas de pau gigantescas, demonstrando uma habilidade ancestral com origem na cultura maia, grupos de crianças, de

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jovens, fanfarras, artistas de teatro, de circo, de dança... Ativistas de direitos huma-nos defendendo a vida (afinal, a Guatemala está em segundo lugar em relação ao índice de homicídios por habitantes no mundo – 80 por 100 mil –, além de ser marcada por constantes genocídios contra a popula-ção indígena). Nesse país, o diálogo com o governo é mais difícil, mas há toda uma enge-nharia social, construída por organizações da sociedade civil em redes de colaboração, em que a cultura é o cimento, desde os Médi-cos de Pés Descalços, resgatando a medicina maia, até a Caja Lúdica, uma ONG de gente idealista e afetuosa. No caso dessa marcha, foram eles que articularam o movimento social da cultura diversa da Guatemala.

Iquitos, selva amazônica peruana, dezembro de 2012. Favela de Belém, 30 mil pessoas vivendo em palafitas, às margens do Rio Amazonas; nenhum saneamento básico, altos índices de violência, poucas perspectivas para a população sem traba-lho (a grande maioria) e quase nenhuma

presença do Estado. Mas lá há um Ponto de Cultura, chamado Restinga. Sofisticados artistas, nascidos em Iquitos ou que lá deci-diram viver, fazem intercâmbio com artistas de todo o Peru e do mundo também, traba-lhando com recursos audiovisuais, animação sociocultural e arte urbana. Têm por foco o desenvolvimento integral da infância, da adolescência e da juventude, promovendo a participação cidadã e a sustentabilidade local por meio da cultura. Inventam sempre! Quando os visitei, haviam criado balsas para o cultivo de hortaliças no Amazonas no perí-odo em que a cheia do rio toma conta de tudo e as pessoas mal conseguem sair de casa; e isso acontece durante meses. Com as balsas/canteiros de hortaliças, as pessoas podem ter acesso a alimentos saudáveis em um momento tão difícil de sua vida. Solidarie-dade, arte, cultura e invenção é o que fazem. Coincidentemente, na mesma semana em que acontecia o I Congresso Nacional dos Pontos de Cultura da Argentina, a Amazônia peruana, com os departamentos de Loreto,

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San Martín, Amazonas e Ucayali, também realizava seu primeiro encontro, agora já com 16 Pontos de Cultura e mais dez em pro-cesso de reconhecimento. Mais um exemplo de ampliação e articulação de uma rede de autonomia e protagonismo sociocultural, em que a identidade se realiza na diversidade.

Colômbia, Medellín, Bogotá, Cali, Pasto, Villa de Leyva, Valle del Cauca... Muitas datas, muitas vezes, muitas via-gens. Um povo em processo de paz, se reinventando pela cultura. Na primeira vez que fui à Colômbia (em maio de 2011), mesmo sendo um historiador preparado para evitar anacronismos e este-reótipos, confesso que um estigma me acompanhava, pois imaginava um povo impaciente, agressivo, que só conseguia resolver seus conflitos na base da violência (afinal, é na Colômbia que está a guerrilha que há mais tempo segue em atividade con-tínua no mundo, afora os narcotraficantes e os paramilitares, além de uma desigual-dade social que só se iguala à brasileira). Surpresa! Encontrei um povo gentil, inova-dor e festeiro.

E descobri as raízes dessa gentileza de ser ao visitar o Museo del Oro, em Bogotá, uma ourivesaria delicada retratando cenas do cotidiano de um povo milenar. Entre cen-tenas, milhares de peças de ouro, nenhuma delas trazia cenas de guerra ou violência; o que vi foram flores, macacos, pássaros, singe-lezas e delicadezas; o oposto da arte grega ou romana, o oposto da arte dos conquistadores da terra de El Dorado.

Ainda assim, diante de tantas maze-las, iniquidades e desencontros, o moderno povo colombiano se maltratou e continua se maltratando. Mas, como fui, vi, conheci, senti e vivi (e com diversas voltas), tenho confiança de que vão superar tudo isso. Já estão superando. Medellín era uma cidade antes conhecida como a capital do narco-tráfico, sede do cartel de Pablo Escobar, onde até 2002 havia 7 mil assassinatos por ano. Articulando movimentos cívicos,

coletivos artísticos, empre-sários compromissados com sua comunidade e intelectuais, Medellín se transformou pela cultura e, desde 2012, é conside-rada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a cidade mais inovadora do

mundo, título que antes era de Barcelona. Um detalhe: assim que o partido mu-

nicipal Compromiso Ciudadano venceu as eleições em 2002 e tomou a decisão de elevar o orçamento municipal para a Cul-tura Cidadã (como eles gostam de nomi-nar/conceituar a Secretaria de Cultura) de 0,7% para 5%, foi desencadeado um criativo processo de reaproximação entre Estado e sociedade, gerando invenções em série, desde banheiros públicos limpos e deco-rados com mosaicos artísticos até grandes bibliotecas-parques, instaladas em mor-ros e comunas da cidade. Crianças, jovens, adultos e idosos passam o dia por lá, de tão agradáveis e convidativas que são as biblio-tecas de Medellín (de Bogotá também).

Também investiram em museus, mui-tos museus, entre sofisticados, tradicionais,

“Outras províncias e cidades também estão assumindo essa política, até mesmo a capital federal, o que é uma surpresa, pois em um país tão polarizado na disputa partidária é muito raro forças políticas distintas.”

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pequenos e grandes; o Museu de Antioquia é coirmão da Pinacoteca de São Paulo e de tantos outros museus europeus. Na praça em frente, outro museu a céu aberto, com esculturas de Botero (que é paisano, gente do departamento de Antioquia, da qual Me-dellín é capital); pouco mais adiante, outra praça, no centro financeiro e comercial da cidade, em que as pessoas são convidadas a tirar os sapatos, arregaçar as calças e ca-minhar em pequenos cursos d’água com pedregulhos e seixos. Também caminham na areia branca, sentam na grama, sorriem. E saem com as energias recarregadas para seguir o dia em paz. Foi exatamente essa a intenção quando planejaram a praça e o ro-teiro cultural a céu aberto.

Há também um grande museu de ciên-cias, mais centros culturais em favelas, museus comunitários, o Museu da Memó-ria, que conta a história dos desplazados, isto é, refugiados (a Colômbia tem milhões de pessoas que vivem nas cidades por terem sido expulsas de suas terras, seja por ter-ratenientes, seja por causa da guerra civil), caminhos de mosaicos em cerâmica, grafites, tudo subindo e descendo morros. E unindo a cidade. Ao fim do século XX, o Estado alcan-çava apenas de 30% a 40% do território da cidade, e as demais partes eram controladas por narcotraficantes ou por grupos guerri-lheiros (como Farc e ELN) ou paramilitares, e ninguém entrava ou saía sem a ordem deles.

Ainda há muito por fazer para inte-grar plenamente a cidade, mas a “cidade da eterna primavera” (como os locais gostam de intitular Medellín, que, por estar em um vale entre montanhas, tem uma tempe-ratura estável e agradável durante todo o

ano) começa a repartir a primavera como um direito de todos. E, para quem gosta de números: em 2002, houve 7 mil assassinatos (em uma cidade com 2,5 milhões de habitan-tes); em 2012, apenas 700.

Qual é a relação disso com a Cultura Viva e os Pontos de Cultura? Afinal, tudo o que eles fizeram foi por conta própria, e eles têm muito a ensinar ao mundo – e en-sinam, tanto que Medellín é considerada um dos principais laboratórios de inovações urbanas do mundo. Mas esse povo gentil e inovador também sabe que só se progride e avança quando há troca real e equilibrada entre os mundos, quando um aprende com o outro. Tão logo souberam da teoria, dos conceitos e da aplicação da política pública da Cultura Viva, foram assumindo a polí-tica para si e lá foi aprovada a primeira lei municipal da Cultura Viva Comunitária na América Latina (em 2011); anteciparam-se ao Brasil, diga-se.

Eles compreenderam que era a política que lhes faltava para unir os pontos entre política de Estado e o protagonismo e a inventividade dos cidadãos. Sim, é neces-sário que o Estado faça “para” a sociedade, mantenha bons equipamentos públicos, serviços de qualidade, mas é necessário também que o Estado faça “com” a socie-dade. A notícia mais recente é que o governo municipal lançará mais um edital para sele-ção de Pontos de Cultura. Já foram inúmeras iniciativas e tudo começou com um Ponto de Cultura que já era ponto muito antes de conhecerem essa política; um ponto, em uma casa amarela, com sala de teatro comunitário, simples, mas bem instalada, com refeitório para artistas e colaboradores,

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sala de ensaios, de multimídia; um ponto na Comuna 3, dos morros de Medellín, como nas favelas do Brasil, um Punto de Nuestra Gente, esse é o nome deles, nuestra gente, como nós, como nosotros, estejamos no Bra-sil ou em qualquer lugar do mundo.

Costa Rica, a “pura vida”, a terra do bem viver, a terra do “coração civil”, lugar do povo mais corajoso do mundo, pois há 60 anos decidiram viver sem a necessidade de Exér-cito, Marinha ou Aeronáutica, bastando-lhes uma polícia para a segurança dos cidadãos. E com o dinheiro economizado investiram em educação, meio ambiente e cultura (nos anos 1970, o orçamento nacional para a cultura era de 5% do total do país; depois, com o neo-liberalismo, a cultura perdeu participação orçamentária, mas a marca fica).

Maio de 2014, VI Congresso Ibero- Americano de Cultura, organizado pela Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), englobando América Latina, Portugal e Espanha, com o tema: Cultura Viva Comu-nitária. Um congresso de Estados, de governos, com ministros de diversos países e, em função de um tema, discutindo, juntos, com grupos de Cultura Viva Comunitária de toda a América Latina. Estado e sociedade em um só congresso, com um só tema. Entre as várias resoluções, a criação do Fundo Ibercultura Viva, para o financiamento de grupos comunitários de cultura e o inter-câmbio entre eles. O fundo começa com aportes pequenos dos países (entre 20 mil e 300 mil dólares, dependendo do tamanho da economia), mas já reflete uma inflexão no processo de construção de acordos inter-nacionais e aplicação de políticas, pois esse acordo foi construído de baixo para cima.

Entre debates, reuniões e apresentações artísticas, também houve uma marcha cul-tural pela cidade de São José, com a beleza e a diversidade das Américas tomando as ruas da cidade, com a presença do ministro da Cultura da Costa Rica, um músico entre popular e erudito, acompanhando os grupos com seu bandoneon.

Assalto poético a La Paz, no I Congresso Latino-Americano da Cultura Viva Comuni-tária, em maio de 2013. Com 1.200 pessoas de toda a América Latina, 17 países presentes, do México à terra mapuche, no sul do Chile; os argentinos (300) foram em caravanas de ônibus e caminhões/teatro, levaram três dias para chegar e dizer: “El pueblo hace cultura!”. La Paz, a capital no topo do mundo, a maior cidade indígena do planeta, fora tomada pela cultura, antes do congresso, é claro. Lá os grupos culturais misturaram-se com as cholas; índios e índias, antes discrimina-dos, agora tinham seu presidente indígena, muitas marchas, coloridas, combativas, plurinacionais. Tudo feito com muito pouco recurso financeiro, resultado da coragem e da determinação de quem faz e vive a Cul-tura Viva. E que começou um ano antes, com um recorrido pela Bolívia, da capital a Sucre, passando por Cochabamba, Lago Titicaca, El Alto, Santa Cruz de La Sierra, as trilhas de Che e o caminho guarani, que ligava o Atlântico às terras incas, em Samaipata. No caminho, a travessia dos Andes, as imensas geleiras na montanha sendo destiladas gota a gota, em uma contínua sinfonia, até se trans-formarem nos grandes rios da Amazônia, do Pantanal e da Prata. Foi no Altiplano que se celebrou a unidade latino-americana pela Cultura Viva Comunitária.

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Há que falar também do Chile, com sua enorme extensão e a diversidade de sua gente, do deserto do Atacama às geleiras do sul. O Uruguai e seu povo que escolheu um presidente gentil, modesto e altruísta. O Equador da Pachamama, que incorpora em sua constituição os valores do sumak kawsay (bem viver, em quéchua), em que há que “saber escutar, saber compartihar, saber viver em complementariedade, saber alimentar-se e festejar, saber comunicar-se, saber traba-lhar”, aprendendo a crescer e a caminhar em um trabalho que tem de ser felicidade e festa, como em Macuna-íma, de Mário de Andrade. A Venezuela guerreira, com os jovens do software livre; o Paraguai dos guaranis e do tekó porã, novamente o bem viver. O Panamá, que agora abraça a Cultura Viva e já tem seus primeiros pontos.

A Nicarágua, de um povo que “ni se vende, ni se rinden”(trecho do hino da frente sandinista). Honduras, que tanto necessita da Cultura Viva (pois, além de tudo, é o país com o maior índice de mortes por habitan-tes no mundo), mas onde seus grupos de cultura comunitária ainda enfrentam tan-tas dificuldades; Belize e a língua crioula; o México, insurgente, rebelde, em que a ideia da Cultura Viva já se propaga, mas ainda falta muito, ainda mais em um país tão grande e diverso. Pois é exatamente no México que a Cultura Viva, neste momento, mais faria a diferença; faria a diferença “porque los queremos vivos!”, os 43 jovens chacina-dos em Iguala, revelando os horrores de uma sociedade dividida entre as tradições

comunitárias, o passado revolucionário, o porvir e o que aí está, tão longe e tão perto do céu e do inferno. Há também que seguir pelo Caribe, pelos Estados Unidos e pelo Canadá, até o Alasca, depois atravessá-lo e seguir a rota inversa, até chegarmos à savana africana, que foi onde tudo começou.

Há que falar do Brasil. São dez anos dessa política pública, entre teoria, con-ceitos, construção, gestão. Uma ideia

simples: “potenciar o que já existe”. E fazer isso com “encantamento e magia”; aí já não é tão simples. Seria como se os governantes e os ges-tores, acostumados a mandar e a pensar com

suas “cabeças de planilha” e formas qua-dradas, se dispusessem a escutar, mas isso é difícil. No Brasil de 2004, houve condi-ções simbólicas e políticas que permitiram essa experimentação; com isso, entre a idealização em 2004, com a primeira cha-mada pública, e 2009, foi possível chegar a mais de 3 mil Pontos de Cultura, em 1.100 municípios, atendendo mais de 8 milhões de pessoas em atividades esporádicas, 900 mil em atividades regulares (participação em grupos artísticos, oficinas, coletivos de audiovisual, cineclubes – 300 por ponto) e 33 mil pessoas em trabalho comunitário, metade delas remunerada, metade voluntá-ria (dados do Ipea). E tudo a um custo anual para o governo de 60 mil reais (5 mil reais por mês) por Ponto de Cultura, valor que já está defasado e merecia reajuste. Conto esse processo e suas histórias no livro Ponto de Cultura – O Brasil de Baixo para

“São dez anos dessa política pública, entre teoria, conceitos, construção, gestão. Uma ideia simples: ‘potenciar o que já existe’. E fazer isso com ‘encantamento e magia’; aí já não é tão simples.”

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Cima (Ed. Anita Garibaldi, 2009; edições também em espanhol e em inglês e dispo-nível para download gratuito), não sendo o caso de entrar em detalhes.

Mas, em resumo: Ponto de Cultura = Potência + Afeto; Encantamento + Tra-balho; Tradição + Invenção; Autonomia + Protagonismo Comunitário, gerando em-poderamento sociocultural. Os Pontos de Cultura funcionam como uma microrrede, que atua no território (físico ou virtual) junto às comunidades e nas mais diferentes formas de expressão, linguagens artísticas ou grupos identitários; ou seja, eles são a realização da identidade na diversidade ou a busca da singularidade na multidão. Mas os Pontos de Cultura só conseguem se rea-lizar plenamente quando se articulam em rede, de tal modo que podem ser expressos em uma equação matemática: Ponto de Cul-tura = autonomia + protagonismo elevado à potência das redes. Quanto mais redes são articuladas no Ponto de Cultura, mais em-poderado ele será, tanto do ponto de vista social, econômico e político como nos as-pectos criativos e artísticos.

Se o Ponto de Cultura é a microrrede, a Cultura Viva é a macrorrede, interligando pontos, ampliando sua sustentabilidade e dando sentido às ações comunitárias antes circunscritas às comunidades, além de ins-tigar um conjunto de outras ações, antes não imaginadas no âmbito local (griôs e mestres da cultura tradicional, Pontinhos de Cultu-ra para a cultura lúdica e infantil, cultura e saúde, economia viva, interações estéti-cas, pontos de memória, pontos de leitura, agentes jovens de cultura cidadã...), de modo que um ponto aprenda com outro de forma

horizontal. Também é a fusão entre: cultura + natureza = Cultura Viva. Enfim, um conceito matemático (inspirado no matemático grego Arquimedes: “[...] dá-me um ponto de apoio e uma alavanca e eu moverei o mundo”) apli-cado a uma política pública.

Talvez por isso mesmo, pela simpli-cidade e pela abstração da teoria, tenha encontrado tanta possibilidade de cresci-mento e compreensão, independentemente das diferenças entre culturas, governos, povos e países. O paradoxo é que essa teoria, conjunto de conceitos e metodologia de ges-tão, originalmente pensada e sistematizada no Brasil, enquanto florescia pela América Latina e agora por outros continentes, a partir de 2011 passou a ser combatida, per-seguida e assediada pelo governo brasileiro, e só não foi plenamente desmontada porque uma grande quantidade de Pontos de Cul-tura já havia se empoderado de suas ideias, seus conceitos e sua utopia.

Com isso, em 2014 foi aprovada a Lei Cultura Viva, assegurando, quiçá, sua pe-renização institucional como política pú-blica. Por falar em utopia, em 2009 houve o III Congresso Ibero-Americano de Cul-tura em São Paulo, com o tema Cultura e Transformação Social. Naquele congresso, produzimos o espetáculo Quijote, Quixote, em que grupos de teatro comunitário de 12 países vieram com seus Sanchos Pança e Dom Quixotes, e cada um encenou uma parte da história; houvesse necessidade de identificação de um único episódio para a celebração de onde tudo começou, diria que foi ao lado de Dom Quixote de La Mancha, sonhando o sonho impossível.

Por fim, El Salvador. Ao citar a presença

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da Cultura Viva Comunitária em diferentes níveis de compreensão e implantação na política da América Latina (exceto as Guia-nas – Guiana, Suriname e Guiana Francesa, mas por que não no futuro?), deixei El Sal-vador por último não por acaso. Entre 25 e 28 de outubro de 2015, é lá que vai acon-tecer o II Congresso Latino-Americano da Cultura Viva. El Salvador é o futuro, mas o passado também, um sendero (lamparina) a iluminar esperanças. País pequeno, com pouco mais de 20 mil quilômetros quadrados e super-habitado (mais de 300 habitantes por quilômetro), que já teve uma relativa-mente boa indústria e economia, mas que foi desestruturada pela guerra civil e pelo neoliberalismo, fazendo com que a opção de trabalho para um terço de seus cidadãos tivesse de ser a migração para os Estados Unidos. Pois esse país chiquito e valente também é a esperança; foi assim quando se sublevaram contra a opressão oligárquica e também contra o imperialismo. Também foi assim quando encontraram o caminho da paz, no fim do século XX, e também é assim quando assumem o conceito do bem viver como base para seu progresso futuro.

Eu próprio, quando jovem universitá-rio, me encantei por uma terra onde jamais estive. Depois pude ver com meus próprios olhos, conhecendo o resultado de tanto esforço e sacrifício daquele povo. Terra de Farabundo Martí, de cardeal Romero (San Romero!), de Martín-Baró, padre jesuíta, psicanalista social, assassinado na guerra civil, que em suas reflexões sobre a psi-cologia social da guerra e os processos de socialização pensados na América Central propugnava exatamente o mesmo que a

Cultura Viva propugna: “Hay que potenciar las virtudes del pueblo!”. Todos a El Salva-dor, portanto. E viva a Cultura Viva a unir os povos!

Célio TurinoHistoriador, escritor e gestor de políticas pú-

blicas. Servidor público há 37 anos, exerceu diversas

funções, entre elas a de secretário da Cidadania

Cultural no Ministério da Cultura (MinC), quando

foi responsável pela idealização e pela implantação

do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura.

Autor e organizador de vários livros, entre eles Na

Trilha de Macunaíma – Ócio e Trabalho na Cidade

(Senac, 2005) e Ponto de Cultura – O Brasil de

Baixo para Cima (Anita Garibaldi, 2009; em inglês,

pela Gulbenkian, Inglaterra, 2013; em espanhol,

pela editora RGC Libros, Argentina, 2014, também

disponível para download gratuito). Atualmente,

dedica-se à difusão da Cultura Viva pelo mundo.

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POR UM BRASIL CRIATIVOCláudia Leitão

Este artigo objetiva refletir sobre as conexões entre cultura e desenvolvimento com base na trajetória das políticas e dos programas internacionais e nacionais das indústrias e das economias criativas. Analisa os significados e as contradições dessas expressões e os impactos de suas performances em diversos países com base no pensamento de Celso Furtado e Amar-tya Sen. Relata a institucionalização da Secretaria da Economia Criativa (SEC) no governo federal, seus desafios e, sobretudo, os princípios que a fundamentaram entre 2011 e 2013. Ob-serva a transversalidade da economia criativa nas diversas pastas do governo, assim como a necessidade de tratá-la na perspectiva de uma política de Estado, fruto de uma conciliação de políticas públicas resultantes da formulação integrada entre ministérios, secretarias, fundações, agências de fomento, universidades, institutos de pesquisa, estatais, organizações públicas e privadas e a necessária oitiva da população, especialmente de empreendedores e profissionais que atuam no campo cultural brasileiro.

1. O desenvolvimento da cultura e a cultura do desenvolvimento: relendo Sen e Furtado

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educa-ção, a Ciência e a Cultura (Unesco),

em 2005, formata e aprova a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversi-dade das Expressões Culturais, ratificando o esforço dos países na construção de um diá-logo intercultural capaz de contribuir para uma cultura de paz entre os povos, conside-rando a diversidade cultural um patrimônio comum da humanidade e destacando a cul-tura como elemento estratégico das políticas de desenvolvimento. Identidade, diversidade, criatividade e solidariedade passam a cons-tituir as palavras-chave no início do século

XXI, período alvissareiro em que o repertório da cultura começa a “contaminar” os discur-sos políticos, econômicos, jurídicos e sociais.

Inúmeros governos, comissões, redes e lideranças também passam a pactuar e a produzir documentos que avançam na busca de conteúdos mais amplos para o desenvolvimento. Por isso, o conceito de sustentabilidade é ampliado, deixando de se limitar a uma qualidade do desenvolvi-mento para se constituir como sua própria essência; ou seja, além das dimensões eco-nômica, social e ambiental, começa-se também a observar no desenvolvimento seu fundamento cultural. Enfim, as conexões entre cultura e desenvolvimento sustentá-vel passam, portanto, a ser percebidas sob dois enfoques: de um lado, o do desenvol-vimento dos setores culturais e criativos

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propriamente ditos (as artes, o turismo, o patrimônio cultural, os segmentos criativos); de outro, o da cultura como eixo estratégico de desenvolvimento dos estados, por meio do cruzamento das políticas culturais com as demais pastas dos governos (Educação, Ciência e Tecnologia, Saúde, Trabalho e Emprego e Meio Ambiente, entre outras).

Em dezembro de 1986, a Organização das Nações Unidas (ONU) produz uma primeira Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, afirmando que ele per-tence à categoria dos direitos humanos e, por isso, é inalienável. A Constituição bra-sileira de 1988 segue a declaração da ONU, tratando o direito ao desenvolvimento como um direito fundamental, baseado nas prestações positivas do Estado capazes de concretizar a democracia econômica, social e cultural. Mas as garantias jurídicas sobre o direito ao desenvolvimento, conquistadas no fim do século XX, foram ilusórias, pois não conseguiram neutralizar os impactos negativos de um modelo de desenvolvimento concentrador e insustentável. As crises sociais, econômicas, ambientais e cultu-rais contemporâneas atestam o fracasso desse modelo fundamentado unicamente na acumulação de riqueza e na exploração desmedida dos recursos naturais e culturais.

Por outro lado, o avanço das tecnolo-gias, tão festejado no novo século, também não implicou desenvolvimento no sentido da ampliação do processo de expansão das liberdades e das capacidades humanas, pois

não se traduziu em acesso da população dos diversos continentes aos produtos educa-tivos, culturais e sociais. Pelo contrário, as conquistas tecnológicas provocaram ainda maiores desigualdades. Se na sociedade da informação ou do conhecimento o mundo parece encontrar-se cada vez mais em todos, impossível não constatar que nem todos se encontram no mundo.

Os anos 1980 seriam especialmente importantes para a transfiguração dos pen-samentos acerca do desenvolvimento na perspectiva de uma melhor qualidade de vida e ampliação de escolhas. É o que propôs Amartya Sen, redefinindo o conceito de de-senvolvimento como o processo de expansão das liberdades e das capacidades humanas, e não mais como mero fluxo de formação de capital, medido em indicadores como o pro-duto interno bruto (PIB). Por isso, esboçar um novo modelo de desenvolvimento, que considere a riqueza e a diversidade cultural um ativo fundamental para a qualidade de vida e para a ampliação das escolhas hu-manas, começa a ser compreendido menos como uma utopia do que como uma estraté-gia de sobrevivência do homem no planeta.

Em 1984, o então ministro da Cultura do Brasil, o economista Celso Furtado, em um encontro com os secretários da Cultura dos estados brasileiros, afirmava: “Sou da opi-nião de que a reflexão sobre a cultura deve ser o ponto de partida para o debate sobre as opções do desenvolvimento” (D’AGUIAR FURTADO, 2013). Furtado dialogou, ao

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longo de sua vida, com as ciências sociais, a filosofia, as artes e a cultura num esforço maior de compreender do que de explicar as armadi-lhas do capitalismo e suas consequências para os paí-ses latino-americanos. Na base de seu pensamento sobre desenvolvimento percebemos a influência intelectual de Amartya Sen, seu colega em Cambri-dge nos anos 1950, especialmente no que se refere à compreensão do desenvolvimento como ampliação das liberdades humanas.

Em seu livro Criatividade e Dependên-cia na Civilização Industrial (1988), Furtado afirma que a política cultural tem por finali-dade liberar as forças criativas da sociedade. Liberdade de criar é, portanto, a essência do conceito de desenvolvimento e insumo para a transformação social. Furtado vai ainda mais longe quando traz para seu projeto de desen-volvimento a retomada da atividade artística como “promessa de felicidade”. Ressalta, ainda, a importância da construção de novas atividades políticas, de novas relações de gê-nero, inclusive de uma nova ecologia. É quase profética sua advertência das consequências nefastas dos modelos hegemônicos de desen-volvimento do século XX: a concentração de renda e de riqueza, a sonegação dos direitos sociais, a precarização do mundo do trabalho e a subalternidade na inserção internacional.

Em sua obra, Furtado insiste nos riscos do deslocamento da lógica dos fins (voltada para o bem-estar, a liberdade e a solidarie-dade) para a lógica dos meios (a serviço da acumulação capitalista). A lógica dos meios,

observa, trará grandes impactos negativos às liberdades criativas, aos recursos naturais,

enfim, à própria huma-nidade dos indivíduos. Crítico inclemente das sociedades capitalistas e “de sua forma sofisticada de controle da criatividade e de manipulação da infor-mação”, o economista tinha a consciência de que “[...] a estabilidade das estruturas

sociais não igualitárias estaria diretamente relacionada ao controle por grupos privados dos bens de produção da criatividade artís-tica, científica e tecnológica e do fluxo de informações que brota dessa criatividade” (D’AGUIAR FURTADO, 2013).

Ao mesmo tempo grande defensor da inovação, acentuava, no entanto, a neces-sidade de que o progresso tecnológico caminhasse pari passu com o acesso a esses produtos pelas camadas mais amplas da sociedade brasileira.

Ora, a tecnologia, sobretudo a tecnolo-gia da informação e da comunicação (TIC) no século XXI, vem se tornando o grande veículo de divulgação e difusão da produ-ção cultural/criativa. Desempenha também papel essencial na produção e na “sintonia social” da criatividade de indivíduos, redes e coletivos, por trazer a informação, pos-sibilitar a cooperação, criar um ambiente cultural amplo, diversificado, ao mesmo tempo local e global. Assim, essas tecno-logias estão presentes ora sob a forma de veículo, ora como instrumento, em todas as fases da cadeia de produção simbólica humana, que vai da criatividade (em seu

“A Constituição brasileira de 1988 segue a declaração da ONU, tratando o direito ao desenvolvimento como um direito fundamental, baseado nas prestações positivas do Estado capazes de concretizar a democracia econômica, social e cultural.”

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estado puro) à inovação (a criatividade e a cultura transformadas em tecnologias sociais, bens e serviços, conhecimento etc.).

Ao observarmos, de um lado, os mo-vimentos dos Estados contemporâneos no incentivo às comunidades, aos tomadores de decisão públicos e privados, às organi-zações não governamentais (ONGs) e a outros agentes territoriais para a constru-ção de uma ação coletiva por meio de suas próprias capacidades e potenciais locais e, de outro, o esforço das instituições interna-cionais em trazer a cultura para o cerne das discussões sobre desenvolvimento, consta-tamos a absoluta atualidade do pensamento de Sen e Furtado. Vale ressaltar que o pen-samento de ambos foi fundamental para a institucionalização, em 2012, da Secretaria da Economia Criativa.

2. Economia criativa x indústrias criativas: a disputa entre modelos de desenvolvimento

As discussões sobre as dinâmicas eco-nômicas desses bens e serviços criativos não tardaram a chegar à Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), que lança o primeiro Relatório Mundial sobre a Economia Criativa – Creative Economy Report 2008 –, num esforço de apro-fundar o conceito e de compilar informações e dados sobre a economia dos bens simbólicos em uma perspectiva mundial. As indústrias criativas compreenderiam um conjunto de atividades baseado no conhecimento, que produz bens tangíveis e intangíveis, intelec-tuais ou artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico. Elas constituem os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos

e serviços que utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários; cons-tituem um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focado, entre outros, nas artes, que potencialmente geram receitas de venda e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado; posicionam-se no cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e indus-triais; e constituem um novo setor dinâmico no comércio mundial.

Esses relatórios se tornaram marcos no reconhecimento da relevância estratégica da economia criativa como vetor de desen-volvimento, demonstrando, especialmente, a força das indústrias criativas. A mensu-ração dessa economia, contudo, é fruto da compilação de dados produzidos pelos diversos países, sem a presença de uma cesta de indicadores e de um tratamento estatístico comum, o que fragiliza os resul-tados aferidos. Vale lembrar que os referidos relatórios, inicialmente, são produzidos, em grande parte, com base em metodologias quantitativas e, por isso, somente captu-ram ou medem a produção de riqueza das indústrias culturais e/ou criativas, igno-rando a contribuição de milhões de pessoas em todo o planeta que trabalham nos seto-res culturais e criativos de forma artesanal e informal. Na trajetória dos relatórios da Unctad (obtidos por meio de metodolo-gias quantitativas) até os produzidos pela Unesco (elaborados com metodologias qualitativas) na descrição de cases, as ins-tituições internacionais, de forma pendular, vêm abordando a economia criativa ora de

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uma forma “macro”, ora com base em uma perspectiva “micro”. Falta-lhes, contudo, avançar em uma compreensão mais apro-fundada de cada setor cultural e criativo com base em diagnósticos locais.

Em um mundo em que a exportação de commodities perde gradativamente sua importância diante da exportação de bens e serviços de alto valor agregado, estudos e pesquisas constatam o crescimento dos seto-res criativos, mesmo em momentos de crise, des-tacando-se como um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional. E é por essa razão que as indús-trias criativas se tornaram o eixo estratégico do desenvolvimento de países como Austrália, China, Estados Unidos e Inglaterra. Portanto, não é sur-preendente que nos países ricos a temática das chamadas indústrias criativas venha sendo festejada e acolhida, exatamente por ser percebida como uma etapa mais sofisti-cada do sistema capitalista. Por isso, nesses países, formulam-se mais políticas para as indústrias criativas (aquelas caracterizadas pelo valor agregado da cultura e da ciência e da tecnologia na produção em larga escala de bens e serviços, assim como pelo copyright, ou seja, pela proteção de caráter individual dos direitos do autor/criador) do que para a economia criativa (essa de natureza coo-perativa e includente, voltada para uma economia de nichos, caracterizada pela pro-teção coletiva dos direitos do autor/criador).

Vale ressaltar o papel dilemático das inovações tecnológicas no incremento da

economia criativa. De um lado, o avanço tecnológico dá cada vez mais poder às indústrias do copyright; de outro, ele permite o acesso cada vez maior dos indi-víduos à fruição e ao protagonismo cultural, gerando produtores independentes, “prosu-midores” (os consumidores que produzem conteúdo, capazes de dividir suas expe-riências, pautar tendências e contribuir

no processo de criação de produtos e serviços), novos empreendedores e empre-endimentos no campo da cultura e da criatividade. De outro lado, as indústrias proprietárias de redes de telecomunicação, editoras ou canais de televisão nem

sempre têm compromisso com processos educacionais, contribuindo para a aliena-ção dos indivíduos e para a ampliação do consumo de produtos culturais de baixa qualidade. Enfim, é impossível subestimar o papel das indústrias criativas na amplia-ção do abismo social e econômico entre os hemisférios Norte e Sul, transformando alguns países em produtores e exportado-res, enquanto a grande maioria se torna meramente consumidora passiva de bens e serviços culturais e criativos.

Por isso, longe de construir uma narra-tiva laudatória sobre as indústrias criativas e seu crescimento no mundo, devemos, isto sim, refletir sobre os impasses conceituais e ideológicos entre as “indústrias” e as “eco-nomias” criativas. Avançar para perceber as diferenças, e não as afinidades, entre as duas expressões constitui uma tarefa intelectual tão desafiadora quanto urgente.

“Verdadeiramente justa é a sociedade em que cada cidadão tem oportunidades reais de desenvolver seus potenciais e em que encontra os meios de expressão de suas vocações, habilidades e talentos.”

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3. Os fundamentos da Secretaria Nacional da Economia Criativa e os valores que devem sustentar as políticas públicas para a economia criativa brasileira

É observação comum que o Brasil possui uma população naturalmente cria-tiva e empreendedora. Testemunhamos cotidianamente a criatividade popular se manifestando, sobretudo por meio da (re)invenção de tecnologias sociais, muitas vezes (e talvez por isso) produzidas em ambiente de precariedade e carência social. Por outro lado, o Brasil tem diante de si a gigantesca tarefa de aprimorar a educação pública, mor-mente a educação básica, de sua população. Essa tarefa é inadiável e imprescindível. Porém, bem sabemos que séculos de his-tórico descaso com a educação não podem ser sanados em curto prazo. Há um tempo inevitável, a ser medido em décadas, para a satisfatória realização dessa tarefa.

A combinação da criatividade natu-ral com políticas públicas adequadas ao seu cultivo, o incremento da qualidade de equipamentos educacionais e culturais – e da acessibilidade a eles –, a disponibi-lidade de veículos de expressão, difusão e circulação poderiam prover os meios para a viabilização econômica da inovação cul-tural/criativa e a consequente realização econômica e social de uma parcela conside-rável da população, sobretudo da população jovem. Trata-se de prover um “atalho” capaz de ganhar precioso tempo na direção do desenvolvimento humano, a despeito da deficiência educacional. Não que a educação se dispense, pois isso é impossível. Trata--se de oferecer rotas alternativas àquelas

do curso formal superior. Uma proposta concreta seria a oferta, a exemplo e em com-plemento do que ora se faz com respeito ao ensino técnico profissionalizante, de turno complementar nas escolas da rede pública de ensino para a formação nas atividades concernentes à economia criativa.

Na construção de um conceito, é pre-ciso priorizar escolhas, optar por visões de mundo, enfim, definir significados com base no lugar em que nos encontramos. Se o conceito de indústrias criativas data de duas décadas, os significados das eco-nomias criativas como substratos de um desenvolvimento includente e sustentável ainda carecem de aprofundamento e de operacionalidade. Se a economia criativa é uma economia baseada na abundância, e não na escassez de recursos, pois seu insumo principal é a criatividade e o co-nhecimento humano, que são infinitos, ela figura como uma estratégia fundamental para os países em que a criatividade é mais importante do que o domínio da ciência e da tecnologia. Ao mesmo tempo, a nature-za colaborativa dessa economia favorece a ação coletiva entre pessoas, comunidades, instituições, coletivos, empresas, governos e redes. Enfim, a economia criativa gera a oportunidade de “queimar etapas” nos processos produtivos, na medida em que reconcilia estratégias nacionais com pro-cessos internacionais globais.

Vinte e cinco anos depois da gestão de Celso Furtado à frente do Ministério da Cultura (MinC), institucionalizou-se no governo federal a Secretaria da Econo-mia Criativa (SEC) para liderar políticas públicas voltadas para retomar, reavivar e

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ressignificar as relações e as conexões entre cultura e desenvolvimento, com a missão de contribuir para transformar a criativida-de brasileira em inovação e a inovação em riqueza. A SEC define como missão a lide-rança na formulação de políticas públicas para a economia criativa, garantindo-se, desse modo, que a economia criativa e seu amplo espectro de setores e de empreen-dimentos não sejam reduzidos ao âmbito das indústrias culturais e à mera dimensão mercadológica de seus bens, características do pragmatismo neoliberal.

Como conceito, a economia criativa foi assim denominada no Brasil:

[...] a economia resultante das dinâ-micas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriun-dos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica. (Plano da Secretaria da Economia Criativa/Ministério da Cultura do Brasil, 2011.)

No conceito de economia criativa da SEC não estão as características conside-radas essenciais às “indústrias criativas saxãs”, especialmente aquela que se refere à propriedade intelectual individual. Afinal, trata-se de problematizar o conceito das “indústrias criativas” no Brasil para avan-çar em uma nova conceituação e em novos princípios que permitam a construção de um modelo, dos países em desenvolvi-mento, que possa servir de contraponto ao modelo dos países desenvolvidos. Por isso, na perspectiva da construção de um

conteúdo próprio às economias criativas ibero-americanas, caribenhas e africa-nas, a criação da SEC constitui um fato e um feito esperançosos, pois a secretaria nasce menos voltada para dogmatizar um conceito de economia criativa do que para garantir princípios para fundamentá-la, a saber: diversidade cultural, inclusão social, sustentabilidade e inovação. Sem eles, não será possível garantir a necessária redis-tribuição de renda, assim como promover a qualidade de vida, o acesso, o protagonismo e a cidadania aos brasileiros.

Verdadeiramente justa é a sociedade em que cada cidadão tem oportunidades reais de desenvolver seus potenciais e em que encontra os meios de expressão de suas vocações, habilidades e talentos. A SEC propõe um caminho para a constru-ção da sociedade justa que almejamos. Sua grande tarefa é articular, intermediar, dar a compreender aos governos e à sociedade essa estreita e mutuamente estimulante associação entre inovação e criatividade, tecnologia e arte, ciência e cultura. Sob as novas denominações de distritos, bairros, cidades, bacias ou regiões ditas “criativas”, países começam a potencializar políticas transversais e interministeriais para prover uma ambiência propícia à difusão e à pro-dução do conhecimento, ao florescimento da criatividade e ao desenvolvimento da inovação. Para isso, esses territórios pas-sam a considerar como eixo estratégico de desenvolvimento o fomento à economia criativa, uma economia que é fruto dos avanços da economia do conhecimento, mas que se alimenta das culturas ancestrais e cuja contemporaneidade se dá, sobretudo,

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por sua capacidade de tratar sua memória e sua diversidade cultural como recursos/ativos essenciais.

Embora não haja inovação sem criativi-dade, criatividade não é inovação. Inovação é a transformação de conhecimento e criati-vidade em riqueza e bem-estar social. Três elementos saltam como essenciais para a inovação: conhecimento (ciência) e criatividade, que consti-tuem sua matéria-prima, aliados à indispensável “transformação”, seu pro-cesso. Mas quais políticas públicas se voltam especi-ficamente para a geração de riqueza material e humana proveniente da criatividade brasileira? As políticas públicas brasilei-ras não deveriam ir além do fomento aos conteúdos associados à “inovação tecnoló-gica” para revelar uma das nossas maiores vocações, a “inovação cultural/criativa”? O fato é que a inovação envolve necessaria-mente conteúdo cultural, uma vez que tem por objetivo, direto ou indireto, participar de nossa forma de vida e, para o bem ou para o mal, a afeta. Em outras palavras, o objetivo da inovação é intervir em nossos meios de produção, comunicação, deslo-camento, saúde, moradia, alimentação, entretenimento, enfim, em nosso coti-diano. Por isso, são os conteúdos culturais das tecnologias que desempenham papel essencial no processo de transformação de ciência em riqueza e bem-estar. Dito de outra forma, parte significativa do processo inovador reside na incorporação da cultura/

criatividade à tecnologia.Promover o desenvolvimento solidá-

rio, includente e sustentável por meio de iniciativas de economia criativa implica, portanto, qualificar os jovens para o empreendedorismo e para o exercício de ocupações típicas da cultura e das novas

tecnologias, como no caso da gastronomia, da moda, do design, da música, do circo, do cinema e dos jogos eletrônicos; significa promover a organização desses microempreendi-mentos e trabalhadores em torno de redes e cole-tivos de cooperativas e associações autogeridas; requer a ampliação do

acesso ao crédito orientado, de baixo custo e desburocratizado; e, finalmente, exige a ins-titucionalização de uma estrutura jurídica favorável à disseminação do empreende-dorismo e do trabalho criativo de forma equânime em todas as regiões do Brasil.

Para promover um desenvolvimento sustentável, o Brasil necessita formular e implantar políticas públicas que consigam combater as disparidades entre as regiões administrativas e oferecer respostas efi-cientes às demandas de toda a sociedade brasileira. A efetividade de tais políticas será tão maior quanto for seu nível de in-tegração horizontal e vertical nas diversas pastas governamentais. Afinal, não seria chegado o tempo de “realizarmos” o Brasil, como dizia Mário de Andrade? E, para tanto, não seriam necessárias políticas públicas para “realizarmos” um Brasil criativo?

“Em 1984, o então ministro da Cultura do Brasil, o economista Celso Furtado, em um encontro com os secretários da Cultura dos estados brasileiros, afirmava: ‘Sou da opinião de que a reflexão sobre a cultura deve ser o ponto de partida para o debate sobre as opções do desenvolvimento’.”

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83Cláudia leitãoPOLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

Cláudia LeitãoProfessora e pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (Uece); consultora da

Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, da Organização

Mundial do Comércio (Unctad/OMC); secretária nacional de Economia Criativa (2011-2013);

e secretária de Cultura do Ceará (2003-2006).

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84 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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85POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia leitão

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86 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

AVALIAÇÃO DE IMPACTO DA ATIVIDADE CULTURAL:O caso das instituições culturais do Banco da República da Colômbia

Fernando Barona Tovar

Por que apoiar os processos culturais e o quanto esse apoio contribui para a construção do sentido de cidadania? São duas perguntas que este estudo procura responder. O cumpri-mento dos objetivos de promoção para o desenvolvimento cultural e social do país pelo Banco da República da Colômbia, por meio da Subgerência Cultural (SGCL), tem um significado especial na construção de sentido de cidadania, que é insumo para o desenvolvimento humano e para a sustentabilidade da nação. A definição de seis índices sintéticos é uma ferramenta que permite verificar, ratificar, orientar e/ou reconduzir as políticas culturais da instituição em médio e longo prazo.

O Banco da República da Colômbia, além de cumprir as atividades pró-prias de banco central, inclui em

suas funções ser “promotor do desenvolvi-mento científico, cultural e social do país”.

A Subgerência Cultural (SGCL) é a entidade orgânica que estrutura direta e explicitamente a responsabilidade social do banco em seu interesse de divulgar a atividade cultural. Sua missão é contribuir para o resgate, a preservação, a análise, o es-tudo, a organização, a pesquisa e a difusão do patrimônio cultural da nação, propiciar o acesso ao conhecimento e consolidar o sen-tido de cidadania. Essa finalidade abrange a atividade desenvolvida pela Biblioteca Luis Ángel Arango e sua Rede de Bibliotecas, pelo Museu do Ouro, pela Sala de Concertos da

Biblioteca Luis Ángel Arango, pela Casa da Moeda, pelo Museu Botero e pelo Museu do Banco da República, juntamente com as co-leções de arte, numismática e filatelia.

Além de Bogotá, 28 cidades do país concentram áreas culturais: Armenia, Bar-ranquilla, Bucaramanga, Buenaventura, Cartagena, Cali, Cúcuta, Florencia, Girardot, Honda, Ibagué, Ipiales, Leticia, Manizales, Medellín, Montería, Neiva, Pasto, Pereira, Popayán, Quibdó, Riohacha, San Andrés, Santa Marta, Sincelejo, Tunja, Valledupar e Villavicencio. Além disso, a SGCL dispo-nibiliza ao público uma série de seminários, fóruns, conferências, palestras, visitas programadas e workshops, entre outras ati-vidades, que convidam à reflexão acadêmica em diferentes áreas do conhecimento.

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87POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar

A oferta cultural da SGCL do Banco da República inclui programação e serviços. São exemplos de serviços a Rede de Bibliotecas, junto com a coleção documental; o Museu do Ouro, com sua coleção arqueológica; os museus de arte, com sua coleção de artes plásticas; e as salas de concertos. Por sua vez, a programação é definida pelos eventos acadêmicos e pelas atividades que apoiam os serviços. Tanto a programação quanto os ser-viços são estruturados em projetos em cada área cultural do país em que está presente.

Sistemática da medição de impactoPelas características do trabalho de

promoção cultural e social do Banco da Repú-blica, é interessante medir o efeito e o impacto provocados pelos seus programas.

A medição de impacto como ferramenta para a avaliação de políticas compreende um complexo sistema de avaliação, que busca quantificar os resultados produzidos pela implementação de medidas associadas a tais políticas. O interesse geral centra-se na avaliação do cumprimento dos objetivos propostos no tocante à visão, à missão e à estratégia. Com a finalidade de estruturar o sistema de informação, acompanhamento e avaliação da Subgerência Cultural, busca-se com este estudo a construção metodológica

de indicadores e índices culturais com o objetivo de dar suporte à medição de efeito e impacto das ações derivadas da política cultural do Banco da República da Colômbia.

Entendemos que uma das direções que orientam as políticas culturais é o desenvolvimento humano. O conceito de desenvolvimento humano foi, a partir de 1990, o eixo de pesquisas em âmbito inter-nacional realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Relató-rio de Desenvolvimento Humano, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Durante esse período, adquire grande importância o deno-minado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado com a finalidade de classificar os países conforme um índice composto que relacionasse de forma sinóptica indicadores associados à saúde, à educação e à riqueza das nações. Entretanto, durante esses anos, o índice recebeu numerosas críticas, asso-ciadas principalmente às dificuldades para a medição global do desenvolvimento humano. Nesse sentido, Amartya Sen (1999), Prêmio Nobel de Economia, indica a necessidade de incluir um componente cultural na citada avaliação. Apesar dos esforços realizados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),

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88 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

San Andrés

Santa Marta Riohacha

Valledupar

Cúcuta

Bucaramanga

Medellín

Quibdó

Honda

Ibagué GirardotVillavicencio

ManizalesPereira

Armenia

BuenaventuraCali

Neiva

Popayán

Florencia

Ipiales

Leticia

Pasto

Tunja

Bogotá

Barranquilla

Cartagena

Sincelejo

Monteria

LOCALIZAÇÃO DAS SEDES CULTURAIS DO BANCO DA REPÚBLICA NA COLÔMBIA1

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89POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar

a avaliação do impacto das políticas cultu-rais foi levada ao terreno do consumo e do impacto econômico provocado, sendo que esses indicativos são somente uma parte das contribuições da cultura.

Em meio à completa e intensa função de promoção cultural do Banco da Repú-blica da Colômbia como principal entidade econômica do país, é interessante determi-nar o impacto provocado por suas políticas culturais em um complexo conjunto de con-tribuições focado na construção do sentido de cidadania. A medição de efeito e impacto das políticas culturais não somente consti-tui um degrau na validação das teses men-cionadas, como também se configura como uma ferramenta importante para avaliar os resultados produzidos pelas atividades culturais próprias de uma instituição ou de um governo.

A metodologia para a avaliação de impacto e efeito produzidos pelas políticas culturais se apresenta como um requisito fundamental no campo da avaliação da con-tribuição das atividades culturais. Neste estudo, tal impacto se concentra princi-palmente na construção do sentido de cidadania, entendendo a cidadania como um conjunto de elementos associados ao conhecimento pessoal e social, à inclusão, à igualdade e à participação, entre outros. Trata-se de uma proposta metodológica para aproximar a medição de variáveis intangíveis por meio de métodos quantitativos para que sejam extraídas as respectivas análises qua-litativas, fim último dessa proposta.

O conceito de cultura guarda uma forte relação com os de capital social, sustentabi-lidade e desenvolvimento humano. Os três

foram considerados macrodimensões nessa proposta. O capital social e a sustentabili-dade são duas noções contemporâneas que abarcam as novas correntes de pensamento no campo do desenvolvimento econômico. A interação entre os três conceitos é a base da concepção das variáveis teóricas associada ao que aqui é denominado de construção de sentido de cidadania.

Em um estudo preliminar, Barona e Quintero (2007) destacam que:

Com base no capital social, a teoria e a política de desenvolvimento devem incor-porar aspectos da cultura, que favorecem ou dificultam o desenvolvimento econômi-co, social e político de um país ou região. O capital social se reflete em conceitos como identidade, confiança, cooperação, comuni-dade, normas de reciprocidade, moldando atitudes e valores baseados na cooperação e ajuda mútua.

Por sua vez, a sustentabilidade é enten-dida como a capacidade de um grupo ou de uma região de se consolidar, se sustentar e se projetar em um espaço e tempo para que a oferta cultural proporcione ao seu público uma capacidade de adaptação e de tomada de decisões, tendo em conta as necessidades presentes e futuras.

Por último, Barona e Quintero (2007) destacam que:

A cultura é entendida a partir de estilos de vida, formas de vida, formas de ser e formas de fazer em interação com os três conceitos anteriormente expostos, ou seja: capital social, sustentabilidade

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90 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e desenvolvimento humano. Adicional-mente, os efeitos e impactos culturais são concebidos como contribuições da oferta cultural para mudanças, modificações e transformações do público em três níveis: as pessoas como seres individuais; as pes-soas e seus grupos ou organizações; e as pessoas e o público.

Com base nessa abordagem sobre a re-lação da cultura com esses três conceitos, suas definições e suas dimensões derivadas, propõe-se uma completa estrutura de vari-áveis teóricas, que é o insumo, que permitiu avaliar quantitativamente a contribuição dos serviços e da programação cultural em termos de capital social, sustentabilidade e desenvolvimento humano focados na cons-trução do sentido de cidadania.

O conceito de cidadania com o qual se relaciona a medição de efeito e impacto aqui proposta refere-se à convergência de dife-rentes formas de concebê-la, sendo que sua construção, formação e consolidação reúne boa parte das atribuições que são associadas à participação na programação e nos servi-ços culturais.

O filósofo, matemático e político Anta-nas Mockus, pesquisador de assuntos como cidadania, convivência, moral e lei, fornece uma completa definição sobre o que pode ser entendido como sentido de cidadania. Mockus (2004) afirma que a cidadania é um mínimo de humanidade compartilhada, que gera confiança básica, respeito pelos demais, pensar no outro,

[...] ter claro que sempre há outro e ter em conta não somente o outro que está

perto e com quem sabemos que vamos nos relacionar diretamente, como também con-siderar o outro mais remoto, o ser humano aparentemente mais distante – o desco-nhecido, por exemplo, ou quem fará parte das futuras gerações. Do mesmo modo, ser cidadão implica que se está a favor dos pro-cessos coletivos. Cidadão é aquele que se associa, organiza-se com outros cidadãos e empreende ações coletivas em torno a obje-tivos e tarefas de interesse comum.

Afirma também que somos cidadãos “quando medimos as consequências dos nossos comportamentos em longo prazo e conseguimos avaliar ações, normas e conse-quências”. Por último, diz que “ser cidadão é terrivelmente complexo; requer, além de ha-bilidade, conhecimentos, atitudes e hábitos coletivos. Nós nos tornamos, não nascemos cidadãos, e para isso desenvolvemos habili-dades e referenciais”.

Indicadores e índices culturaisO principal interesse deste estudo se

associou à medição das diferentes dimen-sões que compõem o sentido de cidadania. Do mencionado anteriormente depreende-se que os padrões de avaliação e a metodologia formulada têm como finalidade a medição do impacto e do efeito da programação e dos serviços culturais da SGCL sobre a formação, a construção e a consolidação do sentido de cidadania dos indivíduos que deles parti-cipam. Além disso, a medição de impacto e efeito veio acompanhada da construção de indicadores e índices culturais que contam com um conjunto de categorias, variáveis e atributos que a antecede, a saber:

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91POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar

CATEGORIA 1 – APROPRIAÇÃO

Variável 1.1 – Em nível pessoalAtributos:1.1.1. Estudar novos assuntos1.1.2. Fazer-se novas perguntas1.1.3. Encontrar novas possibilidades1.1.4. Ser uma pessoa cada vez mais feliz1.1.5. Ser uma pessoa cada vez mais

importante1.1.6. Transmitir a outras pessoas seus

conhecimentos1.1.7. Haver interesse de que outras pessoas

despertem novos questionamentos

Variável 1.2 – Em nível organizacionalAtributos:1.2.1. Desempenhar suas funções no grupo

ou na organização à qual pertence1.2.2. Implementar em seu grupo/organiza-

ção novas metodologias pertinentes a seu entorno geográfico e cultural

CATEGORIA 2 – BEM-ESTAR

Variável 2.1 – Satisfação Atributos:2.1.1. Usufruto de consumos culturais2.1.2. Sentir-se melhor com relação ao

local onde mora

Variável 2.2 – Lazer produtivoAtributos:2.2.1. Gestão de tempo livre2.2.2. Aumento da participação em ativi-

dades culturais2.2.3. Consideração das atividades como

fonte de entretenimento

CATEGORIA 3 – CAPITAL SOCIAL

Variável 3.1 – AutoestimaAtributos:3.1.1. Valorização de si mesmo3.1.2. Caráter crítico3.1.3. Capacidade de decidir

Variável 3.2 – ConfiançaAtributos:3.2.1. Aumento da confiança em si mesmo3.2.2. Comunicação com outras pessoas3.2.3. Construção de visões em comum

com outras pessoas

Variável 3.3 – EmpoderamentoAtributos:3.3.1. Utilização adequada e pertinente

da informação3.3.2. Participação nos espaços públicos

sobre o que é público

CATEGORIA 4 – IDENTIDADE

Variável 4.1 – AutonomiaAtributos:4.1.1. Tomada de decisões de forma inde-

pendente4.1.2. Desenvolvimento de autocontrole

Variável 4.2 – CoesãoAtributos:4.2.1. Promoção de estratégias que mante-

nham o grupo/organização integrado entre si e com outros grupos

4.2.2. Tomada de decisões para conservar o grupo/organização

4.2.3. Construção do sentido coletivo

Page 92: Observatorio 18 - Perspectivas sobre Política e Gestão Cultural na América Latina

92 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

4.2.4. Construção de laços intergeracionais

Variável 4.3 – PertencimentoAtributos:4.3.1. Consciência do capital cultural do

grupo e da região4.3.2. Capacidade de cuidar do patrimô-

nio coletivo4.3.3. Capacidade de se sentir parte de um

território/grupo

CATEGORIA 5 – SUSTENTABILIDADE

Variável 5.1 – ParticipaçãoAtributos:5.1.1. Tomada de decisões com base na

e para a comunidade5.1.2. Promoção e exigência dos direitos

próprios e de outras pessoas5.1.3. Reflexão no que é público sobre

o público5.1.4. Promoção de estratégias inclusi-

vas que assumam a pluralidade e a diversidade

5.1.5. Capacidade argumentativa

Variável 5.2 – ConvivênciaAtributos:5.2.1. Resolução de conflitos de forma

não violenta5.2.2. Respeito às regras mínimas comuns

que medeiam as relações dos cida-dãos entre si

5.2.3. Respeito às outras pessoas (respeito à diferença)

5.2.4. Reconhecimento e aceitação das diferenças em pessoas de outros grupos culturais

Variável 5.3 – Ambiente saudável Atributos:5.3.1. Respeito às regras comuns que

medeiam as relações de cidadãos e cidadãs com seu entorno

5.3.2. Proteção do conhecimento tradicio-nal ancestral

5.3.3. Conservação da natureza5.3.4. Prática de um estilo de vida saudável

Variável 5.4 – CompetitividadeAtributos:5.4.1. Promoção do cumprimento, oportu-

nidade e qualidade no que é feito pelo grupo/organização

5.4.2. Promoção de relações respeitosas no grupo/organização

5.4.3. Solução de problemas no grupo/ organização

5.4.4. Promoção da inovação no grupo/ organização

5.4.5. Capacidade de trabalhar em equipe5.4.6. Capacidade de melhorar a renda5.4.7. Incursão em novos mercados

Aplicação da avaliação de impactoO desenvolvimento do estudo levou

à aplicação de modelos estatísticos, eco-nométricos, sociográficos, psicográficos e etnográficos, assim como a consultas a mais de 6 mil usuários, nas 29 cidades onde o Banco da República tem suas sedes culturais. Os princípios teóricos, as ferramentas e as técnicas aplicadas e a informação de campo sistematizada e analisada permitiram a ela-boração do seguinte mapa, que começa com as três macrodimensões e termina com os seis índices sintéticos de impacto cultural.

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93POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar

DesenvolvimentoCapital social

Apropriação em nível pessoal

Apropriação em nível organizacional

Construção do sentido de cidadania

Autoestima

Autonomia

Convivência

Empoderamento

Ambiente saudável

Competitividade

Coesão

Lazer produtivo

Satisfação

Pertencimento

Participação

Confiança

Índice de confiança

Índice de apropriação

Índice de autonomia

Índice de convivência

Índice de competitividade grupal

Índice de satis-fação e pertenci-mento

Sustentabilidade

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96 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Por meio de um acompanhamento da participação dos usuários nas propostas culturais do Banco da República, foi possí-vel estabelecer que as três macrodimensões têm um impacto positivo, o que se traduz em mudanças favoráveis em práticas, com-portamentos e interesses sobre aspectos relacionados a: estudar novos assuntos, encontrar novas possibilidades, elaborar novas perguntas, interessar-se em transmi-tir conhecimentos aos outros, implementar novas metodologias em seu entorno, ter capacidade de usufruir atividades culturais, gerir melhor o tempo livre, aumentar a parti-cipação nesse tipo de atividade, promover o caráter crítico, construir visões comuns com outras pessoas, utilizar de forma oportuna e pertinente a informação e tomar decisões de forma independente, entre outros.

Na Tabela 1, é interessante observar a diferença percentual que se apresenta entre as diversas intensidades de participação. Em sua ordem, o maior aumento nos indicado-res, conforme aumenta a participação nas atividades culturais do banco, apresenta-se nas variáveis:

• lazer produtivo (6,25%);• autoestima (4,5%);• coesão (4,25%);• empoderamento (4%).

No tocante aos índices, verifica-se que, para todos eles, a participação em ativida-des culturais do Banco da República impacta positivamente nessas dimensões sintéticas. Essa é uma evidência suficiente para con-cluir que tal participação contribui para a construção do sentido de cidadania.

É necessário ter cuidado quando são apresentados esses tipos de resultado. É preciso entender que, na medida em que os resultados são mais sintetizados, pode-se perder uma informação importante, e por isso são apresentados tanto o conjunto de indicadores quanto os índices sintéticos. Deve-se fazer uma leitura com base nos di-ferentes níveis de desagregação dos resulta-dos. Chama atenção o resultado associado à satisfação. Por um lado, os resultados para a satisfação como variável não apresentam evidência contundente para associar um impacto nessa dimensão. Por outro lado, a satisfação e o pertencimento como índices apresentam impacto positivo nos resulta-dos. É importante lembrar que esse índice resume a informação contida em três vari-áveis e que, como a relação nas outras três variáveis é clara, ao apresentar o resultado sintético, a conclusão é favorável. Esse é um dos casos em que é necessário fazer uma leitura cuidadosa dos diferentes níveis de desagregação dos resultados.

Cabe destacar, por sua vez, os índices em que se apresenta maior aumento percen-tual conforme aumenta a participação nas atividades culturais; são eles:

• índice de autonomia (4%);• índice de satisfação e pertencimen-

to (3,5%).

ConclusõesApós cinco anos de pesquisa, o resul-

tado obtido pode ser resumido como uma descoberta metodológica para a definição de um conjunto de indicadores de efeito e impacto cultural e para a construção de

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97POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar

TABELA 1

Valor dos indicadores, em termos percentuais, da contribuição associada a diferentes intensidades de participação nas atividades culturais do Banco da República

VARIÁVEL CONTROLE PARTICIPAÇÃO MODERADA

PARTICIPAÇÃO ATIVA

CONCLUSÃO

Apropriação em nível pessoal

84,50% 85,25% 86,00% Impacto positivo

Convivência 83,75% 84,25% 85,75% Impacto positivo

Ambiente saudável 83,25% 83,00% 84,75% Impacto positivo

Apropriação em nível organizacional

81,00% 81,50% 82,75% Impacto positivo

Confiança 78,00% 77,75% 79,25% Impacto positivo

Empoderamento 76,75% 78,00% 80,75% Impacto positivo

Participação 72,00% 73,50% 75,25% Impacto positivo

Satisfação 71,50% 72,50% 72,50% Não há evidência suficiente para associar impacto

Autonomia 70,00% 70,25% 73,00% Impacto positivo

Pertencimento 69,75% 72,00% 73,50% Impacto positivo

Lazer produtivo 69,00% 70,75% 75,25% Impacto positivo

Coesão 68,75% 70,00% 73,00% Impacto positivo

Competitividade 67,75% 67,50% 69,00% Impacto positivo

Autoestima 64,75% 68,00% 69,25% Impacto positivo

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98 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

índices de impacto cultural. Cinquenta e um atributos, 14 indicadores e seis índices formam o conjunto de resultados atingidos com a aplicação de metodologias de pesqui-sa social e estatística.

O capital social é uma das cinco cate-gorias identificadas pelos grupos focais formados para iniciar a pesquisa. A con-fiança é um dos seis índices construídos com base na informação fornecida pelos usuários e tem um comportamento transversal pelos cinco índices restantes. Ela foi reconhecida em diferentes estudos e posições como um dos elementos mais importantes do capital social. Confiança e transparência são dois referenciais que os cidadãos percebem no Banco da República.

TABELA 2

Valor dos índices, em termos percentuais, da contribuição associada a diferentes intensidades de participação nas atividades culturais do Banco da República

ÍNDICE CONTROLE PARTICIPAÇÃO MODERADA

PARTICIPAÇÃO ATIVA

CONCLUSÃO

Índice de apropriação 82,50% 83,25% 84,00% Impacto positivo

Índice de convivência 79,25% 80,00% 82,00% Impacto positivo

Índice de confiança 78,00% 77,75% 79,25% Impacto positivo

Índice de satisfação e pertencimento

70,25% 71,75% 73,75% Impacto positivo

Índice de competitividade grupal

68,25% 68,75% 71,25% Impacto positivo

Índice de autonomia 67,50% 69,25% 71,25% Impacto positivo

A modo de reflexão final, pode-se dizer que esse tipo de estudo é enriquecido e atinge melhores resultados na medida em que existir participação interdisciplinar. Que o diálogo entre diversas áreas do conheci-mento seja o denominador comum. Que os resultados preliminares sempre sejam colo-cados em questão e amplamente discutidos.

Obter uma linha-base é fundamental para continuar com futuros exercícios que permi-tam a observação sistemática, no tempo, sobre os impactos gerados pela implementação de uma política cultural. Desenvolver medições e apreciações como parte de um sistema de avaliação, pelo menos a cada três anos, pode ser muito útil para acompanhar os indicadores e os índices de impacto cultural.

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99Fernando Barona TovarPOLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA

Fernando Barona TovarDoutor em antropologia. Assessor-geral de programação cultural e de filiais da

Subgerência Cultural do Banco da República da Colômbia.

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Notas

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102 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

RELATO DO SEMINÁRIO POLÍTICAS E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI

Ana Letícia FialhoIlana Goldstein

Com o objetivo de incentivar o incipiente intercâmbio latino-americano no campo da gestão e das políticas culturais, o Observatório Itaú Cultural promoveu, nos dias 19 e 20 de março de 2015, um seminário com convidados da Argentina, do Brasil, do Chile, da Colômbia, do México e de Porto Rico1. Ficou evidente que tais áreas, nos países representados, encontram-se em vias de desenvolvimento e profissionalização, razão pela qual o diálogo se fez tão pertinente. Este relato recupera, sem pretensão de exaustividade e com base na percepção subjetiva das autoras, algumas das temáticas e discussões do evento.

tem essência fixa, ela é “uma espécie de foco virtual ao qual nos é indispensável referir para explicar certo número de coisas, mas sem que tenha jamais uma existência real. [...] Sua existência é puramente teórica: é a existência de um limite ao qual não corres-ponde, na realidade, nenhuma experiência” (apud PENNA, 1992, p. 14).

Em outras palavras, a identidade é uma construção histórica, uma representação parcial que apaga divergências internas no conjunto e supervaloriza certos aspectos em detrimento de outros. É o caso da mestiça-gem, tão acionada no Brasil, desde o século XIX, para pensar a identidade nacional – e do “hibridismo cultural”2 latino-americano (CANCLINI, 2006).

Como argumenta Néstor Canclini, na América Latina, ocorreram hibridismos

Existe uma identidade latino-americana?

Na abertura, o curador do seminário, Enrique Saravia, tratou do “lati-no-americano no século XXI” –

tarefa tão necessária quanto controversa, pois a identidade não é um dado empírico e objetivo, mas uma percepção que depende do percebedor e do contexto. Uma identidade social não existe por si só, delineia-se a par-tir do contraste. Um brasileiro se sente mais brasileiro ao viajar para o exterior. Ao mesmo tempo, quando se identifica com o conjunto genérico de brasileiros, coloca entre parên-teses diferenças internas significativas em nome do desejo de pertencer a um coletivo.

O antropólogo Claude Lévi-Strauss chegou a sustentar que a identidade não

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inusitados de estruturas e práticas dos po-vos autóctones com estruturas e práticas dos colonizadores. Esse amálgama entre tempo-ralidades e visões de mundo suscitou uma criatividade particular e, simultaneamente, gerou ambiguidades no processo de moder-nização do Estado e da economia.

Alinhado com essa visão, Saravia en-fatizou a mestiçagem e o hibridismo como marcas dessa região. Destacou também ou-tras experiências comuns: a colonização de origem ibérica, a dificuldade de inserção no panorama global, a fragilidade da democra-cia, a concentração de renda e a corrupção.

A partir dessa caracterização do “latino- americano”, uma ambivalência perpassou todo o evento: se por um lado a noção de identidade é problemática e questionável, principalmente nessa região tão vasta e diversa, por outro lado

não podemos nos furtar de buscar elementos recorrentes. Como ficará patente ao cabo deste relato, o seminário confirmou que, apesar das diferenças no âmbito da gestão e das políticas culturais, os países latino-americanos efetiva-mente enfrentam problemas similares. Pena que, como alguns palestrantes ressaltaram, conheçamos mais a Europa e os Estados Uni-dos do que os países vizinhos.

Política e atividade culturalNa primeira mesa, o mexicano Jorge

Ruiz Dueñas alertou que diálogos cultu-rais podem ser também guerras culturais. Interações entre povos diferentes sempre carregaram potencial de tensão. Mas nunca antes as fricções acarretaram impactos tão globais – o terrorismo é emblemático disso. Em sua opinião, a coabitação intercultural é

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o grande desafio do século XXI. Ele mencio-nou o Manifesto Convivialista3, divulgado na França entre 2010 e 2012, que propõe formas mais justas e solidárias de se viver.

Do ponto de vista das políticas públicas, Ruiz Dueñas acredita que alguns segmen-tos sociais e regiões do globo necessitam de ações específicas, relativas, por exemplo, à imigração, ao gap tecnológico e às tradições que lutam para existir em meio às práticas glo-bais. Isso não deve, no entanto, ser traduzido em paternalismo, tutela ou congelamento da dinâmica cultural. Uma vez que a cultura e a identidade são dinâmicas, apesar das forças homogeneizadoras oriundas do Hemisfério Norte, as culturas locais têm capacidade de adaptação e recriação. O difícil, para os gesto-res culturais, é calibrar os vetores. “Ser moder-no não é negar e reprimir o passado, mas tam-pouco faz sentido a polarização entre tradição e modernidade. A resistência à mudança não deixa de ser uma forma de reacionarismo. Um projeto latino-americano envolve erradicar as petrificações”, disse o palestrante.

O único ponto que nos soou contraditório, talvez pela falta de tempo para desenvolvê-lo, foi a declaração de que “o multiculturalismo é minha bandeira”. O pensamento multicultura-lista surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1970, para reafirmar identidades étnicas e de gênero. Minorias numéricas ou simbólicas se assu-miram como atores políticos, reivindicando o direito à diferença. No multiculturalismo, cada segmento tende a se encerrar em si mesmo (HALL, 2005). Porém, como viera à tona na fala inicial de Enrique Saravia – quando se lembrou da frase proferida por Martí, em 1819, “Nós temos um problema: não somos índios, nem europeus” –, e como outros parti-

cipantes ratificariam ao longo do seminário, o paradigma que tem predominado na América Latina é o da miscigenação e do hibridismo, não o do multiculturalismo.

O brasileiro José Márcio Barros fez a segunda intervenção, que consistiu em um balanço analítico e panorâmico das políticas culturais no Brasil atual, estruturado em duas linhas paralelas de reflexão: uma mais voltada às políticas culturais em si, outra alinhada com questões mais amplas da sociedade bra-sileira. Na primeira linha, Barros destacou obstáculos crônicos, como o baixo orçamento do Ministério da Cultura (MinC); a fragilidade de nossas instituições; o federalismo demasia-damente vertical; a escassez de informações e indicadores culturais; as falhas na formação dos agentes culturais; a lógica dos projetos pontuais; e a descontinuidade das ações, em razão de mudanças de gestão ou de entraves burocráticos – problemas, aliás, que aparece-ram na fala de outros convidados.

Na segunda linha de reflexão, o pales-trante ressaltou ser preciso buscar um novo lugar político para a cultura, arena na qual poderiam ser discutidas “questões que nos excedem e antecedem”, como as formas de participação democrática. Propôs alçar a cultura a um espaço de enfrentamento da pobreza e da desigualdade; questionou certa visão da economia criativa que “gentrifica” e higieniza a cidade; afirmou, ainda, não ser possível dissociar a discussão sobre políticas culturais, democratização da mídia e edu-cação. Barros apresentou, por fim, sua visão de diversidade cultural como um “conjunto de opostos”, um “projeto” e um “campo de disputas” – em sintonia com a exposição do palestrante que o antecedeu.

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Robério Braga, o terceiro a falar, abor-dou a vitalidade das políticas culturais no Amazonas em um pronunciamento surpre-endente, pois poucos na plateia a conheciam. Entretanto, ele foi bem mais descritivo que analítico, listando os impressionantes fei-tos de sua gestão na pasta da cultura de seu estado, conduzida por ele há 18 anos. Eis um raro caso de continuidade, em que se alternam as gestões e os partidos, mas per-manecem as políticas culturais.

A avaliação na área culturalA segunda mesa do seminário enfo-

cou a avaliação na área cultural. O primeiro convidado, Jaime Ruiz-Gutiérrez, lamentou que “muitos projetos culturais na Colômbia falhem por problemas administrativos”. Brin-cou, dizendo que “quem sonha demais tem de administrar pesadelos”. Em seguida, sinteti-zou três momentos do desenvolvimento das políticas culturais colombianas. De 1820 a 1930, a jovem República equiparava cultura e educação, priorizando missões educativas para “civilizar a plebe”. De 1930 a 1991, a cul-tura foi associada à memória nacional, com ênfase nos museus e no patrimônio. A nova Constituição promulgada em 1991 iniciou a fase atual, na qual a cultura é considerada fundamento da cidadania – impossível, aqui, não lembrar da Constituição de 1988, que nor-matiza os direitos culturais dos brasileiros.

Percebendo a importância desse diagnóstico, o recém-criado Ministério da Cultura colombiano realizou um levan-tamento de ações por todo o país para compreender o que já existia e buscar uma coerência no conjunto de suas políticas. Assim surgiu o Compendio de Políticas

Culturales, publicado em 20094. Gutiérrez mencionou também um modelo de medição de impacto para ações culturais, utilizado em Bogotá e Medellín. Infelizmente, ele não detalhou o modelo, apenas explicou que se leva em consideração os seguintes elementos: infraestrutura cultural; públicos; apropria-ção das atividades culturais pela população; filantropia/mecenato; construção de legiti-midade cultural, ou seja, reconhecimento de diferentes formas artísticas; valor agregado trazido por determinados eventos ou projetos culturais; e articulação das políticas culturais com as demais políticas públicas.

A segunda intervenção foi de Lia Cala-bre, que comentou a avaliação do Programa Cultura Viva. Segundo seu relato, o programa teve o mérito de incorporar culturas não he-gemônicas e segmentos da população pouco atendidos pelas políticas públicas. Seu esco-po nacional e seu teor experimental fizeram com que o Cultura Viva fosse alvo de duas avaliações do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea).

Calabre sublinhou que a potência do programa, que é a diversidade de Pontos de Cultura autônomos e espontâneos, com per-fis e atuações distintos, dificulta as formas tradicionais de avaliação. Eis alguns trechos emblemáticos do relatório:

[...] a heterogeneidade [...] tem reflexo imediato na análise do programa, tornando praticamente impossível tecer generaliza-ções durante o processo de avaliação [...]. As ações [...] multiplicaram-se sem que a elas correspondessem aos necessários re-quisitos institucionais para conduzi-las e mesmo monitorá-las5.

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Como desenvolver avaliações flexíveis, que permitam fazer um balanço de progra-mas como esse? Como aumentar a dimensão qualitativa das avaliações de políticas cultu-rais? Essas foram indagações lançadas pela palestrante, cujas respostas talvez surjam das trocas de experiências como as realiza-das durante o seminário.

Calabre encerrou apontando um para-doxo. Faltam, no Brasil, indicadores culturais produzidos de forma sistemática. Por outro lado, nosso Plano Nacional de Cultura (PNC) contém 53 metas. A meta 5 estabelece, por exemplo, um: “Sistema Nacional de Patrimônio Cultural implantado, com 100% das Unidades da Federação (UF) e 60% dos municípios com legislação e política de patrimônio aprovadas”6. Ora, se não há indicadores, nem pesquisas sistemáticas, fica difícil compro-var quais metas foram atingidas.

O terceiro participante da segunda mesa, Hector Schargorodsky, falou sobre avaliação de ações culturais. Ele listou os fatores que nela impactam positivamente: o apoio político-governamental, a disponi-bilidade de recursos e a sua exigência em normas, editais e leis. Já os fatores negativos seriam: não a prever no planejamento, o des-conhecimento dos dirigentes – nem sempre escolhidos por mérito –, bem como a baixa exigência dos cidadãos em relação à cultura.

O argentino sugeriu o uso combinado de métodos qualitativos e quantitativos na avaliação cultural. Para ele, sempre que possível, a avaliação deve ser conduzida por profissionais externos. Schargorodsky

pontuou a diferença entre avaliações de gestão, voltadas ao funcionamento organi-zacional ou à implementação de uma nova política; de factibilidade, equivalentes a um diagnóstico preliminar; e de impacto, que julgam a relevância, a eficácia, a eficiência, as implicações de longo prazo e a sustenta-bilidade de uma iniciativa.

Em razão das especificidades de cada contexto cultural e de cada instituição, é insuficiente se pautar por indicadores fixos e generalizáveis. Não obstante, o convidado

chamou a atenção para a importância de com-parações entre países e regiões, o que pode ser facilitado pelo uso de parâmetros comuns,

como os Indicadores Unesco de Cultura para el Desarrollo (IUCD), com suas sete dimen-sões: economia (contribuição da cultura ao PIB); educação (diversidade linguística/papel da cultura no sistema escolar); gover-nança (marcos legais, normas); participação social (impacto da cultura no desenvolvi-mento social e mecanismos de participação da população); comunicação (liberdade de expressão/acesso a conteúdos culturais); igualdade de gênero; e patrimônio7.

Independentemente do tipo e do es-copo da avaliação, seus resultados devem ser amplamente difundidos. A prática avaliativa se fortalece à medida que mais publicações são promovidas e mais forma-ções são ofertadas. Isso deixa claro como a avaliação contribui para nortear as políticas culturais, para corrigir falhas de projetos e de programas e até mesmo para aprimorar os agentes e instituições culturais.

“Se por um lado a noção de identidade é problemática e questionável [...], por outro lado não podemos nos furtar de buscar elementos recorrentes”.

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Economia criativa: questionando a dicotomia entre cultura e mercado

A economia global atingiu tamanha competitividade que, hoje, os valores intan-gíveis e os significados culturais agregados às mercadorias são tão importantes quan-to sua funcionalidade. Os bens e serviços que se destacam por sua singularidade e têm, simultaneamente, valor econômico e simbólico, compõem a chamada economia criativa. Como se trata de uma categoria re-lativamente nova e há poucas publicações em português sobre o assunto, surgem, ine-vitavelmente, divergências e ambiguidades.

A começar pelos seus contornos empí-ricos. Atividades relacionadas apenas indiretamente às artes fazem parte da econo-mia criativa, caso do turismo, da gastronomia e dos games. Segmentos de escala e perfil dís-pares a integram – é só pensar, por exemplo, no artesanato manual e na publicidade. Em outras palavras, não há consenso absoluto sobre o que entra ou não no conjunto da eco-nomia criativa.

Observa-se também certa confusão conceitual, às vezes notada no seminário. Convém distinguir:

1. a indústria cultural, conceituada – e duramente criticada – pelo sociólogo Theodor Adorno no início do século XX, por tratar filmes, discos e livros como mercadorias quaisquer, desti-nadas a gerar lucro, e por dificultar o pensamento autônomo dos indivídu-os (ADORNO, 1999);

2. as indústrias criativas, pilares das políticas públicas para a cultura

lançadas pioneiramente pelo Reino Unido, na década de 1990, com foco no desenvolvimento econômico ba-seado na criatividade;

3. os mercados de bens culturais, dos mais diversos tipos, não necessaria-mente ligados às indústrias culturais, capazes de ampliar as oportunidades de atuação e de renda dos profissio-nais criativos.

É fato que a teoria e a prática da eco-nomia criativa ainda estão em vias de consolidação, e que ela extrapola a arena convencionalmente chamada de cultural. Isso provavelmente ajuda a explicar as dúvidas suscitadas pela fala da mediadora da terceira mesa. Cláudia Leitão introdu-ziu esse tema fazendo uma dura crítica ao mercado cultural, o que causou certo estra-nhamento na audiência. A ex-responsável pela Secretaria da Economia Criativa do MinC (2011-2013) lamentou que a cul-tura esteja cada vez mais ameaçada por um mercado voraz e por um Estado inope-rante. Segundo seu relato, “a arte se tornou instrumento de legitimação de marcas capi-talistas” e a existência de mais mercado implica “menos arte e menos significado”. Viveríamos a era do “capitalismo artístico”, com uma profusão de feiras, bienais, museus e festivais, na qual “maior difusão e acesso não retiram das indústrias o seu caráter concentrador”. De acordo com Leitão, seria necessário “pensar as indústrias criativas ou a economia criativa em oposição ao modelo anglo-saxão”. Mas quais seriam, então, a saída e o modelo alternativos e viáveis?

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As três falas seguintes sugeriram ser necessário um equilíbrio entre as políti-cas públicas para a cultura não rentável e o estímulo à economia criativa de forma convergente e complementar. Enrique Avo-gadro foi contundente: “Devemos deixar os preconceitos de lado, é preciso abraçar a mistura entre cultura e mercado!”. O argen-tino insistiu na diferenciação entre a esfera da cultura e a da economia criativa, a pri-meira a ser tratada no âmbito cultural (do Ministério da Cultura, quando for o caso) e a segunda, no âmbito da economia e do desen-volvimento. Ele lembrou que as políticas públicas se fazem ainda mais necessárias nas esferas atualmente fora do mercado.

Avogadro é subsecretário de economia criativa da cidade de Buenos Aires, departa-mento vinculado ao Ministério do Desenvol-vimento, atuante em quatro frentes: Distritos Criativos, projeto que busca a melhoria de bairros menos desenvolvidos por meio das indústrias criativas; formação dos profis-sionais que trabalham nessas indústrias; desenvolvimento do empreendedorismo; e estímulo à inovação. Isso demanda um per-manente diálogo entre educação, transporte, meio ambiente e economia criativa. Avoga-dro finalizou sua participação desafiando os poderes públicos: “Os governantes precisam repensar a forma pela qual oferecem os ser-viços públicos para os cidadãos”.

Javier Hernandez Acosta, por sua vez, relatou quão recente é o campo da gestão cultural em Porto Rico: o primeiro curso data de 2008; o primeiro estudo sobre in-dústrias criativas foi publicado em 2013; uma legislação específica foi aprovada, mas ainda não entrou em vigor. Acosta

coordenou um diagnóstico das políticas públicas nesse país, a partir do qual foram definidas linhas estratégicas para o Estado, entre elas, a elaboração de normativas que permitem a criação de instituições híbri-das e linhas especiais de financiamento e o estímulo ao consumo da produção cultural local e regional. Além disso, foram criados uma conta satélite para a cultura e um ob-servatório de políticas culturais para ajudar as empresas e ancorar as políticas públicas, simultaneamente.

O chileno Bernabé Carrasco reiterou que o papel do Estado é “entreatuar”, ou seja, atuar como mediador entre a cultura e o mercado, e, para tanto, deve enten-der e estimular a economia criativa e seu potencial de transformação para além da dimensão econômica.

As autoras deste texto compartilham da visão dos três convidados da mesa. Em países onde existe um campo cultural con-solidado, coexistem, via de regra, políticas culturais efetivas e indústrias culturais fortes. Em sistemas menos consolidados, como parece ser o caso da América Latina, pode haver um descompasso entre as dife-rentes instâncias de produção, legitimação, circulação e comercialização, com situações em que o mercado, frente à fragilidade das demais instâncias, assume uma função preponderante. No polo contrário, quando o mercado é incipiente e há uma intrínseca dependência do Estado, poucos criativos logram viver de seu trabalho, dependendo do subsídio público em tudo.

Um mercado dinâmico permite a um maior número de criativos viver de seu trabalho. Por outro lado, nem toda

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produção cultural tem vocação comercial. É fundamental a presença do Estado no desenvolvimento de políticas de fomento à produção e circulação de bens culturais, bem como, ao mesmo tempo, a regulamen-tação e a criação de um ambiente saudável para o crescimento do mercado, que não deve assumir, à defaut, a responsabilidade unilateral pelo estímulo à produção artís-tica, sua legitimação e comercialização.

Tecnologia e ação culturalEm virtude das novas tecnologias, o sé-

culo XXI é o século das “sociedades em rede”, usando uma expressão de Manuel Castells, para quem

redes são estruturas abertas capazes de se expandir de forma ilimitada, inte-grando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede [...]. Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico, sus-cetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio (CASTELLS, 1999, p. 499).

Na introdução à mesa Tecnologia e Ação Cultural, o mediador Albino Rubim destacou a singularidade deste momento histórico, em que se alterou completamen-te nossa relação com o tempo, o espaço e as outras pessoas. Trata-se de uma “nova socia-bilidade, vivemos planetariamente em tempo real, e isso nunca aconteceu na história da humanidade”, afirmou. Tais transformações impactam, evidentemente, na forma como produzimos, fruímos e consumimos cultu-ra, abrindo um leque de possibilidades em termos de colaboração, autonomia criativa,

experimentação e remix, temas revisitados, em maior ou menor grau, pelos demais par-ticipantes da última mesa.

Sérgio Amadeu enfatizou a interferên-cia dos processos tecnológicos na criação e disseminação da cultura contemporânea. Segundo seu relato, as tecnologias digitais colocam em xeque os modelos de interme-diação convencionais no mundo industrial – novas formas de gravação e divulgação, por exemplo, revolucionaram o campo da música. Importante também o seu ques-tionamento sobre a estrutura da legislação vigente acerca da propriedade intelectual, ultrapassada frente às creative commons. Segundo o convidado brasileiro, a proteção da propriedade intelectual é “ideológica” e difícil de sustentar na contemporaneidade. No lugar da restrição de acesso – aliás, cada vez mais impraticável –, é a circulação am-pla e democrática das obras culturais que assegurará sua divulgação e continuidade. Amadeu só não entrou na seara espinhosa da remuneração dos criadores, uma vez que, nesse modelo, o pagamento de direitos au-torais tende a se extinguir.

As duas intervenções seguintes adota-ram outra perspectiva e trouxeram exemplos de como as novas tecnologias podem ser uti-lizadas para a formação de gestores culturais. Johanna Mahut Tafur, da Colômbia, relatou experiências de formação em gestão cultural, entre 2009 e 2011, com o uso de diferentes tecnologias, do rádio ao vídeo, passando por textos digitais e interações on-line, que permitiram oferecer (re)cursos mesmo nos lugares mais distantes de seu país e atender grupos de diferentes etnias e com diversos repertórios culturais.

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Roberto Pimenta apresentou o trabalho desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o MinC, também de formação a distância para agentes culturais, destacan-do as dificuldades de se realizar um trabalho como esse quando o ensino a distância ainda estava em seus primórdios, e em um contexto tão heterogêneo como o brasileiro.

Embora iniciativas de formação a dis-tância de gestores culturais por meio de plataformas digitais sejam interessantes, conforme destacado pelos dois convidados da mesa, o potencial das novas tecnologias para as artes e a cultura é muito mais amplo e complexo. Infelizmente, parece que as políticas culturais na América Latina ainda não tira-ram todas as possíveis consequências da nova realidade. Seria preciso, por exemplo, potencializar a digitalização de acervos e incentivar de novas maneiras as plataformas para criações colaborativas.

Além disso, como observado pelo público durante o debate, é necessário con-siderar os diferentes graus de familiaridade das pessoas com relação à tecnologia e à interatividade, bem como a importância de não apenas disponibilizar conteúdos, mas também de capacitá-las para o manejo autô-nomo e criativo das plataformas digitais e dos aparatos tecnológicos. Normalmente, quando se discute inclusão digital – aliada incontornável da democracia cultural –, enfatiza-se somente a possibilidade de utilizar um computador, tablet ou celu-lar em conexão com câmeras etc. Porém,

igualmente importantes são as competên-cias necessárias para manejá-los, o grau de familiaridade com esse universo e o repertó-rio digital do cidadão. Além do acesso físico, não se pode negligenciar a importância da apropriação da tecnologia para o desenvol-vimento da vida cultural dos sujeitos.

Considerações finaisNão poderíamos deixar de destacar o

ineditismo do seminário em termos de sua abrangência regional, bem como a compo-sição das mesas, que conjugou perspectivas

de pesquisadores acadê-micos, de professores formadores de gestores culturais, de gestores públicos voltados à cul-tura e de profissionais que transitam entre pes-quisa aplicada e políticas públicas. Consideramos

igualmente louvável a preocupação do Observatório Itaú Cultural em registrar seus eventos e disponibilizar os conteúdos produzidos dentro de seu espaço, por meio do acesso a vídeos e relatos críticos. O cui-dado com a memória institucional e com o acesso ao conhecimento constituem pontos nevrálgicos da gestão cultural.

Uma das maiores dificuldades ao se organizar um seminário é reunir as inter-venções nas mesas em torno de uma questão comum, que conecte e permita cotejar as falas dos participantes. No Seminário Polí-ticas e Gestão Cultural na América Latina no século XXI, nem sempre encontramos um fio condutor para as falas de cada mesa, como deve transparecer no relato. Por outro lado,

“É fundamental a presença do Estado no desenvolvimento de políticas de fomento à produção e circulação de bens culturais, bem como, ao mesmo tempo, a regulamentação e a criação de um ambiente saudável para o crescimento do mercado.”

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o tempo generoso deixado ao debate com o público após as intervenções – normalmente suprimido ou restrito em eventos similares – foi muito bem-vindo.

Levando em conta a audiência maciça do público nos dois dias do evento e conside-rando o número de perguntas e observações feitas pela plateia ao cabo das mesas, ficou claro existir uma demanda por esse tipo de arena de intercâmbio regional. Ao final deste relato, temos certeza de que o seminá-rio merece desdobramentos futuros. Talvez eles possam ser encabeçados pelo próprio Observatório Itaú Cultural em parceria com as instituições representadas no encontro e com outras tantas, provavelmente ávi-das por trocar experiências com os vizinhos do Cone Sul.

Aproveitamos o presente relato para fazer duas sugestões. A primeira diz res-peito à eventual construção de um banco de pesquisas e indicadores sobre cultura. Diversos convidados apontaram a raridade e a inacessibilidade desse tipo de material8. Ainda que, nos últimos anos, tenham sur-gido pesquisas sobre hábitos culturais e setores específicos da cultura, muitas não são publicadas ou encontram-se dispersas nos sites das instituições responsáveis. Há, inclusive, risco de redundância, pois alguns estudos tocam em questões similares, sem, no entanto, dialogar. Acreditamos que o Itaú Cultural, juntamente com outros parceiros, poderia constituir uma plataforma de fácil acesso, com organização e compilação das pesquisas existentes, em todos os níveis, setores e cadeias, assim como de exemplos de estudos e de indicadores de outros países, de forma a sanar essa lacuna e estimular o

compartilhamento de experiências e conhe-cimentos já existentes.

A segunda sugestão possível se refere à experimentação de novos formatos de encontro. Ao menos no Brasil, multipli-caram-se ultimamente as discussões e a bibliografia sobre gestão cultural, mas não necessariamente as oportunidades de pen-sar e construir juntos. Talvez fosse o caso de pensar em novos formatos, mais próximos de um workshop, com exposições mais longas e verticalizadas, mais tempo para o debate e possibilidade de atividades práticas cola-borativas, focadas em alguns dos desafios comuns apontados nesse seminário. Uma pessoa na plateia chegou a mencionar que participa de uma bem-sucedida plataforma colaborativa de formação em gestão cultu-ral, com abrangência internacional, na qual equipes com pessoas de diferentes países realizam atividades conjuntamente9.

O seminário confirmou a relevância de compartilhar metodologias e a pertinência da eventual criação de categorias e indicado-res comuns na América Latina. Mostrou que precisamos continuar a levantar necessida-des regionais, estudar prioridades nacionais e avaliar os impactos das ações já imple-mentadas. Tudo isso de forma contínua e articulada, construindo séries históricas que permitam comparações. Esperamos que o encontro promovido pelo Itaú Cultu-ral tenha sido o primeiro de muitos outros passos nessa direção.

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Ana Letícia FialhoAdvogada, gestora cultural, doutora em ciências da arte e da linguagem pela Escola

de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), consultora em gestão e inteligên-

cia comercial do Programa Cinema do Brasil e pesquisadora associada ao Instituto de

Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP). É ainda coautora do livro

O Valor da Obra de Arte.

Ilana GoldsteinEspecialista em direção de projetos culturais pela Universidade Paris 3 e doutora

em antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi coordenadora

do MBA em Bens Culturais na Fundação Getulio Vargas de 2008 a 2014 e, atualmente,

é professora de antropologia na Universidade Federal de São Paulo. É autora de vários

artigos sobre arte e cultura e dos livros O Brasil Best-Seller de Jorge Amado: Literatura

e Identidade Nacional e Responsabilidade Social: das Grandes Corporações ao Terceiro

Setor. Também atua há mais de 15 anos como consultora nas áreas social e cultural.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BARBOSA DA SILVA, Frederico; ARAÚJO, Herton Ellery (Org.). Cultura viva: avaliação do programa Arte, Educação e Cidadania. Brasília: Ipea, 2010.

CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2006.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

PENNA, Maura. O que faz ser nordestino. São Paulo: Cortez, 1992.

REIS, Ana Carla Fonseca (Org.) Economia criativa como estratégia de desenvolvimento: uma visão dos países em desenvolvimento. São Paulo: Itaú Cultural: Garimpo de Soluções, 2008.

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Notas

1 A programação detalhada do seminário está disponível em: <http://novo.itaucultural.org.br/programe-se/agenda/evento/politicas-e-gestao-cultural-na-america-latina-no-seculo-21/>. Acesso em: 5 abr. 2015.

2 Néstor García Canclini prefere o termo hibridismo em vez de mestiçagem porque hibridismo “abrange diversas mesclas interculturais – não apenas raciais, às quais costuma limitar-se o termo ‘mestiçagem’ – e porque permite incluir as formas modernas de hibridação” (CANCLINI, 2006, p. 19).

3 O Manifesto Convivialista, organizado por Alain Caillé, foi traduzido para várias línguas. No Brasil, foi publicado pela editora Annablume.

4 O compêndio colombiano de políticas culturais está disponível na íntegra no endereço: <https://culturaparaeldesarrollo.files.wordpress.com/2011/06/mincultura-colombia-compendio-polc3adticas-culturales.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2015.

5 Uma das avaliações do Ipea sobre o Cultura Viva foi publicada em forma de livro, organizado por Barbosa da Silva e Araújo (2010).

6 As metas do Plano Nacional de Cultura estão no link: <http://pnc.culturadigital.br/2013/01/01/2533/>. Acesso em: 9 abr. 2015.

7 Para saber mais sobre os Indicadores Unesco de Cultura para el Desarrollo (IUCD), consulte: <http://es.unesco.org/creativity/iucd/>. Acesso em: 10 abr. 2015.

8 As autoras do presente relato também já se debruçaram sobre o tema em texto publicado pela Revista Observatório Itaú Cultural, n. 13. Como escrevemos na ocasião, acreditamos que diagnosticos e avaliações garantem maiores chances de êxito às políticas, aos programas e aos projetos culturais e representam oportunidades ímpares de aprendizagem e reflexão para as equipes envolvidas.

9 Embora não tenha sido citado nominalmente, acreditamos que se trate do curso MOOC: Managing the Arts, Marketing for Cultural Organizations, proposto pelo Goethe Institut e pela Leuphana Digital School. Mais informações sobre o formato e o conteúdo encontram-se na plataforma: <https://www.goethe-managing-the-arts.org/?wt_sc=mooc>.

FIALHO E GOLDSTEIN

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COLEÇÃO OS LIVROS DO OBSERVATÓRIO

As Metrópoles Regionais e a Cultura: O Caso Francês, 1945-2000Françoise Taliano-des GaretsEsta obra traça pela primeira vez a história das políticas culturais de grandes cidades francesas na segunda metade do século XX. Seis delas, Bordeaux, Lille, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse, são objeto de uma história comparada que examina a articulação entre políticas culturais nacionais e locais na França desde o final da Segunda Guerra Mundial. É um estudo que contribui para a revisão de certas ideias co-muns sobre política cultural para as cidades e sobre as articulações entre as diretivas e os discursos do poder central nacional e a realidade local. Além disso, mostra como a cultura se impôs em lugares distintos, em ritmos diferentes, como um campo legítimo da ação pública e fator de fortalecimento da imagem e de desenvolvimento de cidades que buscam um lugar de destaque nacional e internacionalmente. Abordando uma realidade francesa, este livro serve como um poderoso instrumento de reflexão sobre a política cultural para as cidades onde quer que se situem.

Afirmar os Direitos Culturais – Comentário à Declaração de FriburgoPatrice Meyer-Bisch e Mylène BidaultA publicação organizada por Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault aborda a Declaração de Friburgo, que reúne e explicita os direitos cul-turais reconhecidos de maneira dispersa em muitos instrumentos. Le-vando o subtítulo Comentário à Declaração de Friburgo, o livro analisa detalhadamente e comenta os considerandos e artigos da Declaração, tendo como objetivo contribuir para a discussão e desenvolvimento do tema. Percebendo que a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos padecem sempre com a marginalização dos direitos culturais, o Grupo de Friburgo – um grupo de trabalho internacional organizado a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da Universidade de Friburgo, na Suíça – preparou um guia para a reflexão e implementação dos direitos relacionados à cultura, previstos no Acordo Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

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Arte e MercadoXavier GreffeEste título discute as relações da arte com a economia de mercado e a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que de suas questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direi-tos culturais, que hoje se reconhecem, como seus.

Cultura e Estado. A Política Cultural na França, 1955-2005Teixeira CoelhoNeste livro, Teixeira Coelho faz uma seleção dos textos presentes na coletânea La Politique Culturelle en Débat: Anthologie, 1955-2005, da Documentation Française, que reflete sobre a relação entre Estado e cultura na França. A cultura francesa se associa intimamente à iden-tidade da nação e do Estado, e os autores, de diversas áreas, analisam os aspectos dessa proximidade.

Cultura e EducaçãoTeixeira Coelho (Org.)Esta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e Cultura realizado no Itaú Cultural, em setembro de 2009. Os partici-pantes brasileiros, latino-americanos e espanhóis comparam e refletem práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas admi-nistrativas e curriculares e mediante ações cotidianas em sala de aula.

SaturaçãoMichel MaffesoliO título reúne os textos Matrimonium e Apocalipse de Michel Maffesoli. Neles o autor estende a discussão sobre a pós-modernidade para além do domínio das artes e analisa os fatos e efeitos pós-modernos na vida social. A partir deste debate, Maffesoli questiona valores como indiví-duo, razão, economia, progresso — pedras fundamentais da sociedade ocidental moderna que está em crise, saturada.

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O Medo ao Pequeno NúmeroArjun Appadurai“Arjun Appadurai é conhecido como autor de novas formulações notá-veis que esclareceram os desenvolvimentos globais contemporâneos, especialmente em Modernity at Large. Neste novo livro, ele aborda os problemas mais cruciais e intrigantes da violência coletiva que hoje nos cerca. Um livro repleto de ideias novas e originais, alimento essencial para o espírito dos especialistas e de todos os que se preocupam com essas questões”, Charles Taylor, autor de Modern Social Imaginaries. As transformações na economia mundial desde a década de 1970 pro-duziram efeitos consideráveis nas relações entre as nações e as pessoas. Multiplicaram-se as disputas e preocupações sobre soberania nacional, indigenismo, imigração, liberdade, mercado, democracia e direitos hu-manos. Algumas ditaduras sumiram, outras permaneceram ativas e uma ou outra mais insiste em afirmar-se no palco mundial, como se as mu-danças no mundo, ao longo do último meio século, não tivessem existido.

A Cultura e Seu Contrário Teixeira CoelhoAs duas últimas décadas do século XX viram a ascensão da ideia de cul-tura a um duplo primeiro plano: o das políticas públicas e o do mercado, neste caso de um modo ainda mais intenso que antes. O papel de cimento social antes exercido pela ideologia e pela religião, corroídas em particu-lar na chamada civilização ocidental, embora não neutralizadas, foi sendo gradualmente assumido pela cultura, tanto nos Estados pós-coloniais como, em seguida, nas nações subdesenvolvidas às voltas com os desafios da globalização e decididas ou resignadas a encontrar, na identidade cultural, uma válvula de escape. Do lado do mercado, o vertiginoso cres-cimento do audiovisual (cinema, vídeo, música) colocou a cultura numa situação sem precedentes no elenco das fontes de riqueza nacional.

A Cultura pela CidadeTeixeira Coelho (Org.)Qual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação, 12 autores, nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os artigos abordam questões como: Agenda 21 da cultura, espaço público e cultura, política cultural urbana e imaginários culturais, entre outros.

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Leitores, Espectadores e InternautasNéstor CancliniA publicação contém artigos dispostos em ordem alfabética, podendo o leitor transitar livremente por eles sem interferir na compreensão do texto. Seu tema são os novos hábitos culturais surgidos com o avanço das tecnologias de comunicação e entretenimento, e nossas respos-tas frente a eles como leitores, espectadores e internautas. Por meio de provocações, o autor nos incentiva a pensar sobre nossos “novos hábitos culturais”, colocando mais questões a serem respondidas do que conceitos estabelecidos, como num fragmento de Leitores, onde questiona as campanhas de incentivo à leitura: “Por que as campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas in-cluem somente impressos em papel?” (p.56), abrindo assim a discussão da necessidade de reformulação das políticas culturais públicas, uma vez que, atualmente, somos leitores de revistas, quadrinhos, jornais, legendas, catazes, blogs.

A República dos Bons SentimentosMichel MaffesoliComo observou Chateaubriand, é comum chamar de conspiração po-lítica aquilo que na verdade é “o mal-estar de todos ou a luta da antiga sociedade contra a nova, o combate das velhas instituições decrépitas contra a energia das jovens gerações”. O momento atual é um desses em que jornalistas, universitários e políticos, em suma, a intelligentsia, mostram-se em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para entender melhor em que isso consiste, é preciso pôr em evidência a lógica do conformismo intelectual reinante. Só quando não mais im-perar o ronronar do “moralmente correto” é que será possível prestar atenção à verdadeira “voz do mundo”.Este é um Maffesoli diferente, polêmico e que não receia ser até mesmo panfletário. Seu alvo é o pensamento conformado com as conquistas teóricas dos séculos passados que não mais servem para entender a época contemporânea. Discutindo com o pensamento oficial, Michel Maffesoli investe contra o politicamente correto, o moralmente correto e todas as formas do bem-pensar, isto é, contra as ideias feitas que se transmitem e se repetem acriticamente.

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Cultura e Economia Paul TolilaDurante muito tempo os economistas negligenciaram a cultura e por muito tempo o setor cultural também se desinteressou da reflexão eco-nômica. Vivemos o fim dessa época. Para os atores do setor cultural, as ferramentas econômicas podem se tornar uma base sólida de desenvol-vimento; para os tomadores de decisões, a contribuição da cultura para a economia do conhecimento abre oportunidades originais de ação; para os cidadãos, trata-se de ter os meios para compreender e defender um setor cujo valor simbólico e o potencial de riqueza humana e econômica não podem mais ser ignorados.

SÉRIE RUMOS PESQUISA

Os Cardeais da Cultura Nacional: O Conselho Federal de Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975Tatyana de Amaral MaiaTatyana de Amaral discorre, neste livro, sobre a criação e a atuação do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, no campo das políticas culturais. E analisa a re-lação entre seus principais atores, relevantes intelectuais brasileiros, e as questões políticas e sociais do período da ditadura, bem como os conceitos relativos à cultura brasileira, tais como patrimônio e iden-tidade nacional.

Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização do Campo Cinematográfico BrasileiroLia BahiaO tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desco-nexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para o audiovisual nacional.

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Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips e a Gestão Pública Não Estatal na Área da CulturaElizabeth PonteA autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OSs) e organi-zações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São Paulo, que emprega a gestão por meio de OSs, e de Minas Gerais, que possui parcerias com Oscips.

A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos Indígenas na Indústria CulturalVictor Lúcio Pimenta de FariaA proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões cultu-rais, a partir do conceito adotado pela Unesco.

AS REVISTAS DO OBSERVATÓRIO

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 17 – Livro e Leitura: das Políticas Públicas ao Mercado Editorial Esta edição reflete sobre livro e leitura no século XXI, levando em conta novos aspectos e dimensões que vão além das publicações em papel, das bibliotecas e das livrarias físicas. A revista contempla abordagens históricas, discussões contemporâneas, contribuições de pesquisadores acadêmicos e de profissionais do mercado.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 16 – Direito, Tecnologia e Sociedade: uma Conversa Indisciplinar Esta edição mistura autores provenientes de campos diversos do co-nhecimento para tratar de temas que se tornam cada vez mais centrais nos nossos agitados tempos, em que as ruas e as redes se misturam, em que o real e o virtual se fundem. Privacidade, direitos autorais, liberdade de expressão, limites e possibilidades do “faça você mesmo”, conflitos envolvendo mídias sociais e tradicionais, os sucessos e falhas da pro-messa da aldeia global. São temas que estão hoje no centro do palco e despertam ao mesmo tempo esperança e preocupação.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 15 – Cultura e FormaçãoEsta edição destaca o Seminário Internacional de Cultura e Formação, realizado no Itaú Cultural em novembro de 2012. O seminário é fruto de dois processos relacionados: primeiro, uma grande reflexão sobre os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o ter-ceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário. Para a revista, selecionamos contribuições de natureza diversificada derivadas desse encontro: discussão de conceitos, debates de políticas, análise de situações ou simplesmente narrativas de experiências, compondo, assim, um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre cultura e formação na contemporaneidade.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 14 – A Festa em Múltiplas DimensõesOs muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas públicas e patrimônio cultural. Essas e outras questões acerca das festividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais como ponto de partida.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 13 – A Arte como Objeto de Políticas PúblicasNesta edição, a Revista Observatório apresenta reflexões sobre alguns setores artísticos no Brasil a partir de pesquisas, informações e percep-ções de pesquisadores e instituições, vislumbrando contribuir para que a arte seja pensada como objeto de políticas públicas.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios ContemporâneosEsta edição se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas, a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural e o público da cultura com base na experiência francesa, a revista põe o leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos “públicos da cultura”.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 11 – Direitos Culturais: um Novo PapelEste número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos: relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos hu-manos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento jurídico dado ao assunto.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando Políticas Públicas e MercadoEsta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos auto-rais, gestão cultural, novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio Da-Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos de ganhadores do Prêmio SAV e do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural 2007-2008.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 9 – Novos Desafios da Cultura DigitalAs novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas as suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos produ-tos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que a era digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam políticas públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos auto-rais e como trabalhar a cultura na era digital. E traz também entrevista com Rosalía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério Cruz Brittos, professor e pesquisador da Unisinos, sobre convergência das mídias e televisão digital, respectivamente.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 8 – Diversidade Cultural: Contextos e Sentidos Esta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explora-dos vários aspectos culturais do país – aspectos que estão à margem da vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de gestão cultural trabalham para a assimilação e preservação deles, de modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da diversidade cultural em um mundo globalizado.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre o Incentivo Fiscal para a CulturaA Lei Rouanet é o tema do sétimo número da Revista Observatório. Aqui os autores discutem diversos aspectos e consequências des-sa lei: a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel das empresas estatais e privadas e o incentivo fiscal. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, comenta em entrevista a lei e as falhas do atual modelo. O propósito desta edição é apresentar ao leitor as di-versas opiniões sobre o assunto para que, ao final, a conclusão não seja categórica; o setor cultural é tecido por nuances; há, portanto, que pensá-lo como tal.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para o Setor CulturalO gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu seu pleno reconhecimento. A sexta Revista Observatório é dedicada a expor e a debater esse tema. Neste número, há uma extensa indicação biblio-gráfica em português, além de artigos e entrevistas com professores especializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto da deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a se transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados à formação do gestor.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 5 – Como a Cultura Pode Mudar a CidadeA quinta Revista Observatório é resultado do seminário internacional A Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, orga-nizado pelo Observatório Itaú Cultural. A proposta do seminário foi promover a troca de experiências entre pesquisadores e gestores do Brasil, da Espanha, do México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia que utilizaram a cultura como principal elemento revitalizador de suas cidades. Nesta edição, além dos textos especialmente escritos para o seminário, estão duas entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura para o desenvolvimento social: uma com Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade de Girona, e outra com a professora Maria Christina Barbosa de Almeida, então diretora da biblioteca da ECA/USP e atual diretora da Biblioteca Mário de Andrade. A revista número 5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri Le-febvre e algumas indicações bibliográficas. Encerrando a edição, um texto sobre a implantação da Agenda 21 da Cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 4 – Reflexões sobre Indicadores CulturaisO que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa, como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? A quarta Revista Observatório trata desses assuntos por meio da exposição de vários pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realizados pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da ONU sobre patrimônio cultural imaterial.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 3 – Valores para uma Política CulturalA terceira edição da revista discute políticas para a cultura e relata a experiência do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cul-tural e dos seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país para a divulgação do edital do programa. A segunda parte desta edição traz artigos que comentam casos específicos de cidades onde a política cultural transformou a realidade da população, fala sobre o Observa-tório de Indústrias Culturais de Buenos Aires e apresenta uma breve discussão sobre economia da cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor CulturalO segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata das atividades desenvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas no campo cultural e o Programa Rumos, e traz resenha do livro Cultura e Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A segunda é composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos por es-pecialistas brasileiros e estrangeiros.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a CulturaEsta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural. Criado em 2006 para pensar e promover a cultura no Brasil, o Observa-tório realizou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número é resultado desses encontros. Os artigos discutem o que é um observató-rio cultural, qual sua função, como formular e usar dados para a cultura e as indústrias culturais. A edição também comenta experiências de outros observatórios.

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Esta revista utiliza as fontes Sentinel e Gotham sobre o papel Pólen Bold 90g/m2. Os pantones 2273 e 2293 foram os escolhidos para esta edição. Duas mil unidades foram impressas pela gráfica Pancrom em São Paulo, no mês de julho do ano 2015.

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