cebrasse omc observatorio social

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OMC, Negociações de Serviços e os Riscos de Aprofundamento da Abertura para o Brasil RELATÓRIO DE PESQUISA São Paulo, 19 de junho de 2006. SEDE NACIONAL Rua São Bento, 365, 18º Andar Centro – São Paulo – SP Fone: (11) 3105-0884 / Fax: (11) 3107-0538 [email protected]

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  • OMC, Negociaes de Servios e os Riscos de Aprofundamento da Abertura para o

    Brasil

    RELATRIO DE PESQUISA

    So Paulo, 19 de junho de 2006.

    SEDE NACIONAL Rua So Bento, 365, 18 Andar Centro So Paulo SP Fone: (11) 3105-0884 / Fax: (11) 3107-0538 [email protected]

  • INSTITUTO OBSERVATRIO SOCIAL

    OMC, NEGOCIAES DE SERVIOS E OS RISCOS DE

    APROFUNDAMENTO DA ABERTURA PARA O BRASIL

    RELATRIO DE PESQUISA

    SO PAULO JUNHO/2006

  • INSTITUTO OBSERVATRIO SOCIAL CONSELHO DIRETOR

    Presidente Kjeld A. Jakobsen CUT Joo Vaccari Neto CUT Rosane da Silva CUT Maria Ednalva B. de Lima CUT Jos Celestino Loureno CUT Antonio Carlos Spis CUT Gilda Almeida CUT Artur Henrique da Silva Santos Dieese Mara Luzia Feltes Dieese Joo Vicente Silva Cayres Unitrabalho Francisco Mazzeu Unitrabalho Silvia Arajo Cedec Maria Ins Barreto Cedec Tullo Vigevani

    DIRETORIA EXECUTIVA Kjeld A. Jakobsen Presidente Artur Henrique da Silva Santos Ari Aloraldo do Nascimento Tesoureiro Carlos Roberto Horta Clemente Ganz Lcio Maria Ednalva B. de Lima Maria Ins Barreto

    SUPERVISO TCNICA Amarildo Dudu Bolito - Supervisor Institucional Joo Paulo Veiga - Supervisor Tcnico Marques Casara - Supervisor de Comunicao Mnica Corra Alves - Supervisora Administrativo-financeira Ronaldo Baltar - Supervisor do Sistema de Informao

    EQUIPE TCNICA Daniela Sampaio de Carvalho, Darlene Ramos, Luciana Hachmann e Marco Sayo Magri Coordenao: Alexandre de Freitas Barbosa e Kjeld Jakobsen

  • i

    OMC, NEGOCIAES DE SERVIOS E OS RISCOS DE

    APROFUNDAMENTO DA ABERTURA PARA O BRASIL

    O presente relatrio de pesquisa, encomendado pela Rebrip para o Instituto Observatrio Social, encontra-se dividido em 4 partes. Na primeira parte, realiza-se uma discusso das tendncias recentes no comrcio de servios, apontando para o papel de liderana dos pases desenvolvidos, tanto nos fluxos de comrcio transfronteirio como de investimento externo direto. Na segunda parte, desenvolve-se um breve panorama da evoluo das negociaes de servios no mbito do GATS, desde a criao da OMC. O foco principal recai sobre a recente reunio de Hong Kong, de dezembro de 2005, quando os pases desenvolvidos pressionaram fortemente pela abertura dos setores industrial e de servios, em troca de uma mdica abertura no setor agrcola. Estes termos de troca no interessam s naes em desenvolvimento, pois da forma em que esto colocados - comprometem a sua autonomia para a definio de polticas pblicas e de desenvolvimento, alm de levar a uma reduo do nvel de emprego e a uma precarizao das condies de trabalho. O objetivo desta parte apontar para o rumo das negociaes, os principais setores e atores envolvidos e as conseqncias para os pases em desenvolvimento de se abrir mo do direito de desenvolver suas polticas sociais, de infra-estrutura e de estmulo ao desenvolvimento. Com o intuito de comprovar os riscos bastante concretos que sofre o Brasil com a negociao de servios, a terceira parte do trabalho procurar descrever os impactos ao longo dos anos noventa da abertura do setor de servios no pas associada aos processos de privatizao - em termos de eliminao de postos de trabalho e de precarizao dos empregos. Alm disso, se procurar ressaltar os impactos negativos da liberalizao do setor de servios sobre a capacidade de regulao e universalizao do acesso, pelo setor pblico, de alguns servios bsicos sociais e de infra-estrutura. Sero priorizados os setores de telecomunicaes, financeiro e energia, pois aqui os efeitos deletrios da abertura j se fizeram presentes, ainda que de forma diferenciada. Caso outros segmentos sejam liberalizados em virtude da abertura propugnada pelos pases desenvolvidos, os impactos negativos tendem a se disseminar para o conjunto do setor de servios. Na quarta e ltima parte, as concluses parciais do relatrio so recuperadas e, na medida do possvel, produzidas algumas projees referentes aos possveis impactos econmicos e sociais de uma posterior liberalizao nos setores ainda razoavelmente protegidos.

  • ii

    SUMRIO

    OMC, NEGOCIAES DE SERVIOS E OS RISCOS DE APROFUNDAMENTO DA ABERTURA PARA O BRASIL.................................................................................... i

    1. O SETOR SERVIOS: PARTICULARIDADES METODOLGICAS E TENDNCIAS INTERNACIONAIS RECENTES........................................................... 1

    2. A OMC E A ABERTURA DO SETOR SERVIOS: LIBERALIZAO COM CONTROLE DOS PASES DESENVOLVIDOS ............................................................. 9

    3. A LIBERALIZAO DOS SERVIOS NO BRASIL E OS IMPACTOS NOS SETORES FINANCEIRO, DE TELECOMUNICAES E DE ENERGIA ELTRICA ......................................................................................................................... 38

    4. CONSIDERAES FINAIS: AS NEGOCIAES DA OMC E OS RISCOS PARA O BRASIL DE UMA MAIOR ABERTURA NO SETOR SERVIOS ............ 73

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 78

  • 1

    1. O SETOR SERVIOS: PARTICULARIDADES METODOLGICAS E

    TENDNCIAS INTERNACIONAIS RECENTES

    Uma das particularidades do setor de servios est no fato de que no existe algo tangvel sendo comprado ou vendido. Mais ainda, observa-se uma indeterminao do output (resultado) do servio prestado. Por exemplo, qual o resultado de um curso de formao ou do tratamento de uma doena? Da a necessidade de se encarar o servio como uma relao, cujo julgamento se d em funo dos valores e de uma avaliao realizada pelos seus protagonistas. Predomina, desta forma, a noo de interatividade. Isto no significa que se deva desprezar os resultados da prestao de um servio no sentido de uma transformao nas condies de atividade. Entretanto, deve-se levar em considerao tambm a atividade relacional que a condiciona (Orban, 2005). Esta atividade relacional por sua vez implica um conjunto de capacidades relacionadas avaliao rpida do beneficirio; compreenso do seu pedido atravs de uma linguagem comum; interpretao do pedido em funo da situao especfica do beneficirio; ao estabelecimento de uma relao de co-construo com o beneficirio; e verificao de que a resposta ao pedido foi correta (Orban, 2005). Isto fica mais claro no caso dos chamados servios puros, onde os resultados da relao de servio esto vinculados ao prprio trabalho (servios de educao, sade e consultoria). J no caso dos servios de transformao, o trabalho est voltado para a transformao de insumos e matrias-primas em novos produtos, aproximando-se da definio de produtos industriais. o caso dos servios de alimentao e das atividades de terceirizao. No caso dos servios de troca e circulao, realiza-se o transporte de pessoas, bens e moedas, assumindo um carter mais concreto e mensurvel, que os servios puros. Aqui se enquadram os servios financeiros, de telecomunicaes, de transporte e energia eltrica e de abastecimento de gua (Meirelles, 2006). Outra definio, partindo da funo alocativa do setor pblico, aquela que divide os servios prestados em rivais ou no rivais (Garcia, 1998). No primeiro caso, prevalece o princpio da excluso, o que quer dizer que o consumo de um servio por um indivduo exclui automaticamente o seu consumo pelos outros. Isto significa que um valor deve ser cobrado por este, conformando uma demanda e uma oferta especficas para cada nvel de preo. J no caso dos servios no rivais, no existe o princpio de excluso, e os servios so pblicos, de acesso universal, o que no impede que uma taxa de manuteno possa ser cobrada para o seu uso. A definio de quais devam ser os bens pblicos no subsumidos pela lgica do mercado depende obviamente de uma avaliao social e cultural, que depende do contexto histrico. Alguns autores tendem a ver servios como energia e gua como bens pblicos

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    tradicionais, enquanto sade e educao seriam enquadrados como bens pblicos modernos (Menotti, 2006). Desde os anos noventa, tm-se percebido trs tendncias globais no setor de servios, ainda que com manifestaes diversas dependendo da regio do planeta, j que tambm aqui as clivagens Norte/Sul mostram-se predominantes. Em primeiro lugar, percebe-se a crescente participao do setor de servios na estrutura do emprego e da produo dos pases desenvolvidos e de algumas regies do mundo em desenvolvimento, como no caso latino-americano. J no incio dos anos setenta, observando a partir da perspectiva dos pases desenvolvidos, alguns autores passaram a classificar estas sociedades de ps-industriais. No seu entender, tanto a dinmica econmica, como a estrutura social subjacente mesma, haviam se transformado de maneira estrutural. Para Bell (1999), no se trata simplesmente de uma mudana no setor que ativa o motor da economia, mas da importncia do conhecimento para a inovao tecnolgica e da educao como base para a mobilidade social, partindo de uma infra-estrutura ancorada nas comunicaes, e que dependeria menos de capital fsico do que da qualificao dos recursos disponveis. Se este discurso possui um papel ideolgico considervel, no se pode negar que e talvez justamente por isto contribuiu para criar as condies para que estes novos segmentos do setor servios passassem das mos do setor pblico para o privado, dando-se o primeiro passo para a sua futura internacionalizao. No ano de 2005, cerca de 40% dos empregos mundiais estariam concentrados neste setor, percentual que se eleva para 71,4% no caso dos pases desenvolvidos e para 62,4% na Amrica Latina. Por outro lado, em regies como a frica Sub-Subsahariana e o sul da sia, o setor servios responde por menos de 30% do total da mo-de-obra ocupada (grfico 1). Nos pases desenvolvidos, esta maior participao est relacionada com um fenmeno do lado da demanda diversificao do padro de consumo para alm dos bens industriais e agrcolas mas tambm com uma tendncia de ampliao da oferta de novos servios, os quais incorporam nveis de sofisticao tecnolgicos cada vez mais elevados, tornando-se vitais para o prprio desempenho dos setores industrial e agrcola. Entretanto, tambm entre estes pases existem distines considerveis: enquanto o percentual de participao do setor servios no emprego supera 70% em pases como Estados Unidos, Sucia e Holanda, nos demais pases da Europa Ocidental ele situa-se em torno de 65%. E mesmo entre aqueles que possuem um percentual acima de 70%, a estrutura do emprego apresenta peculiaridades marcantes. Sucia e Reino Unido possuem 75% dos trabalhadores ocupados no setor de servios, mas o primeiro pas destaca-se pelos servios sociais (quase 1/3 do total de postos de trabalho) e o segundo pela maior importncia relativa dos setores financeiro, de comrcio e hotis e restaurantes (Freyssinet, 2005). J nos pases da Amrica Latina, esta tendncia de elevada participao do setor servios est associada aos elevados nveis de urbanizao, existncia de uma classe mdia com

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    elevado poder de consumo, mas tambm a uma sobre-oferta de trabalhadores nos segmentos mais precrios do tercirio. Grfico 1 Participao do Setor Servios no Emprego Total Mundo e Sub-Regies

    38,9

    62,5

    71,4

    49,9

    24,6

    48,7

    27,520

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    1995 2005

    mundo economias desenvolvidas economias em transio

    sudeste da sia sul da sia Amrica Latina

    Oriente Mdio e norte da frica frica sub-sahariana

    Fone: OIT, 2006. Em segundo lugar, este setor tem respondido cada vez mais pelo processo de acumulao de capital da economia capitalista, favorecendo-se dos processos de privatizao principalmente dos servios de troca e circulao do avano do setor privado nos segmentos de servios puros. Em muitos destes setores, a privatizao est associada a novas realidades de precarizao/terceirizao/flexibilizao das relaes de trabalho. Contudo, deve-se ressaltar que, especialmente no caso dos pases da periferia, o aumento do setor de servios est relacionado a atividades precrias e de baixa produtividade, o que tem a ver com o excedente estrutural de oferta de trabalho. Os processos de privatizao tm permitido uma maior flexibilidade para grandes grupos econmicos ofertarem servios ou diretamente de seus respectivos pases (via-comrcio) ou por meio de investimentos externos diretos. Adicionalmente, as novas tecnologias vm permitindo uma maior relevncia do comrcio transfronteirio (Valls Pereira, 2002). Como se depreende do grfico abaixo, o comercio de servios est ainda mais concentrado nos pases desenvolvidos Estados Unidos, Japo e Unio Europia respondem por 55% dos fluxos de exportao, contra 39% no caso do comrcio de bens (grfico 2), sendo maior as diferenas em termos de escala de produo e de nvel tecnolgico. Em termos individuais, observa-se a dianteira da Unio Europia no comrcio de servios, com 25% das exportaes totais, seguida dos Estados Unidos e do Japo. Em quarto lugar, aparece a China. Mesmo que a sua posio no comrcio de bens mostre-se mais vantajosa, tambm no setor de servios a China vem assumindo proeminncia internacional (tabela 1).

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    Paralelamente, em terceiro lugar, os processos de privatizao tendem a levar conformao de verdadeiros oligoplios mundiais no setor de servios. Alis, no caso europeu, esta internacionalizao do setor de servios, aliada ao processo de privatizaes ocorrido nos anos noventa, permitiu a emergncia de novas transnacionais com atuao global nos setores de telecomunicaes, energia eltrica e gua (Seattle to Brussels Network, 2005). Grfico 2 Participao da Trade Eua/Japo/UE nas Exportaes Globais de Servios e de Bens

    39

    55

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    servios bens

    Fonte: OMC, 2006. Tabela 1 Maiores Exportadores Mundiais de Bens e Servios (em US$ bilhes e %) em 2004 Comrcio de Servios Comrcio de bens

    em US$ bilhes em % Em US$ bilhes em %

    Extra-UE (25) 381,7 25,1 1203,8 18,1

    Estados Unidos 260,0 17,1 818,8 12,3 Japo 134,0 8,8 565,8 8,5 China 71,6 4,7 593,3 8,9 Canad 55,9 3,7 316,5 4,8 Fonte: OMC. Alguns casos so dignos de nota, e todos apontam para o mesmo fato: Estados Unidos e Unio Europia tornaram-se economias dependentes do setor de servios, enquanto as suas empresas dependem cada vez mais, para manter sua rentabilidade, dos rendimentos gerados por suas filiais. Das 30 maiores empresas de telecomunicaes, 12 so provenientes da Unio Europia e 7 dos Estados Unidos. No caso de energia eltrica das 25 maiores, 11

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    pertencem a pases da Unio Europia e 8 aos Estados Unidos. No setor financeiro dos 20 maiores grupos, 11 provm da Unio Europia, 4 dos Estados Unidos e 4 do Japo. J no setor de comrcio varejista, apesar da presena marcante do grupo Wal-Mart Stores e, em menor medida, do grupo Sears, Roebuck e Co., dos 20 maiores grupos econmicos, 17 so comandados pelo capital europeu (Unctad, 2004). Portanto, a maior presena dos pases desenvolvidos no comrcio de servios vem acompanhada de uma substancial elevao dos investimentos externos diretos, cuja origem se encontra em empresas de capital europeu e norte-americano. Se tomarmos estes fluxos de capital, e compararmos a mdia anual para os perodos de 1989-1991 e 2001-2002, detecta-se uma elevao de 300% para o total de investimentos, contra um ritmo de crescimento de 417% quando se considera apenas o setor de servios. Paralelamente, a expanso dos investimentos das multinacionais no setor de servios nos pases em desenvolvimento ainda mais rpida (expanso de 764% no perodo), contra um crescimento de 346% de expanso destes influxos de capitais no setor de servios dos pases desenvolvidos (Unctad, 2005). Ainda assim, no perodo 2001-2002, destes investimentos das multinacionais no setor de servios continuavam concentrados nos pases desenvolvidos (Unctad, 2005), constituindo essencialmente um investimento intra-tridico, o que se deve tanto maior dimenso em termos de escala destes mercados, mas tambm ao processo de fuses e aquisies que na maioria das vezes implica uma redistribuio do poder entre os grandes grupos nos seus respectivos mercados. De qualquer maneira, o aumento da participao do setor de servios como receptor de investimentos diretos externos ocorre para os dois grupos de pases, como se depreende do grfico 3 abaixo. Percebe-se ainda que nos pases desenvolvidos, no incio do sculo XXI, 73% dos investimentos recebidos de multinacionais nos pases desenvolvidos dirige-se para o setor de servios, enquanto este percentual atinge 50% nos pases em desenvolvimento, o que tem a ver com a peculiaridade de suas economias de base agrcola e ou industrial, onde o setor de servios, geralmente pblico, abre-se ao capital externo nos anos noventa na seqncia das polticas liberalizantes propugnadas pelo Consenso de Washington.

  • 6

    Grfico 3 Participao do Setor de Servios nos Fluxos de Investimentos Diretos Externos Direcionados para os Pases em Desenvolvimento, Desenvolvidos e para o Total Mundial, 1989-1991 e 2001-2002 (em %)

    5458

    6773

    50

    35

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    mundo pases desenvolvidos pases em desenvolvimento

    1989-1991 2001-2002

    Fonte: Unctad. Paralelamente expanso da presena comercial, verifica-se uma elevao do comrcio transfronteirio de servios. O grfico 4 permite conhecer os segmentos que respondem pela maior parte das exportaes de servios, levando-se em considerao apenas os pases desenvolvidos. Os dados da OCDE apontam para um fluxo de exportaes destes pases da ordem de US$ 1,4 trilho, superior ao apurado pela OMC. Transporte e turismo, segmentos tradicionalmente internacionalizados, respondem juntos por 50% dos fluxos de comrcio entre estes pases. Em seguida, aparece o segmento de outros servios prestados s empresas, com 22% das exportaes que envolve vrios tipos de consultoria. Um conjunto de outros servios seguros, financeiros, informtica e telecomunicaes respondem por cerca de 17% das exportaes destes pases.

  • 7

    Grfico 4 Participao dos Vrios Segmentos nas Exportaes de Servios dos Pases Desenvolvidos (em %)

    21,0

    27,322,3

    2,31,9

    3,3

    6,43,8 1,7 2,9

    transporte viagem

    outros servios prestados s empresas telecomunicaes

    construo civil seguros

    servios f inanceiros servios de informtica

    servios pessoais, culturais e de lazer servios governamentais

    Fonte: OCDE, 2006. J em termos de expanso do comrcio de servios no perodo recente, ainda que em termos globais este no tenha crescido mais rpido que o comrcio de bens, vale lembrar que alguns segmentos apresentaram resultados bastante dinmicos. Mais uma vez, quando se consideram as exportaes de servios dos pases desenvolvidos, verifica-se que as mesmas expandiram-se a uma taxa prxima a 20% ao ano, entre 1998 e 2003, e de 18% ao ano no caso de seguros. Os segmentos de servios financeiros, de telecomunicaes e de consultoria cresceram a um ritmo prximo ou pouco acima da taxa mdia anual do conjunto do setor, de 6%. Observa-se ainda que as exportaes do setor de servios governamentais fornecidos por ou recebidos de entidades da administrao pblica cresceram a uma mdia anual de 1,5%, no caso dos pases desenvolvidos. Este baixo ritmo provavelmente explica a defesa da incluso de tpicos relativos s compras governamentais no mbito das negociaes de servios.

  • 8

    Grfico 5 Taxa Mdia Anual de Crescimento das Exportaes de Servios por Segmentos - Pases da OCDE, de 1998 a 2003 (em %)

    0,0

    2,0

    4,0

    6,0

    8,0

    10,0

    12,0

    14,0

    16,0

    18,0

    20,0

    informtica seguros financeiros telecomunicaes outros serviospara as empresas

    servios culturaise de lazer

    Fonte: OCDE, 2005. Esta rpida introduo procurou apontar o contexto econmico global recente maior participao do setor servios no produto, avano da privatizao e transnacionalizao das principais multinacionais do setor - como o principal responsvel pela integrao do setor servios agenda das negociaes comerciais, especialmente a partir dos anos noventa, graas a uma forte presso por parte dos pases desenvolvidos. Este setor responde por uma boa parte dos empregos destes pases, alm de ter adquirido uma importncia cada vez maior nos seus fluxos de comrcio e de investimentos. Agora Estados Unidos e Unio Europia passam a expandir a sua oferta para alm dos mercados internos e regionais, chegando at os pases em desenvolvimento, especialmente por meio das privatizaes, concesses pblicas e flexibilizao nas condies de regulao dos setores.

  • 9

    2. A OMC E A ABERTURA DO SETOR SERVIOS: LIBERALIZAO

    COM CONTROLE DOS PASES DESENVOLVIDOS

    A OMC, desde a sua criao em 1995, depois da longa e conturbada Rodada do Uruguai, iniciada em 1986, passou a legislar no apenas sobre o comrcio de bens, mas tambm sobre os servios, os investimentos, a propriedade intelectual e as compras governamentais. Ou seja, alm do GATT existente desde 1947 - passaram a existir outros 20 acordos no mbito desta instituio, dentre os quais se encontra o GATS (Acordo Geral sobre Comrcio de Servios). Vale lembrar que at 1994, o antigo GATT regulava os mecanismos tarifrios e no-tarifrios de proteo relacionados exclusivamente ao comrcio de bens, excluindo-se os setores agrcola e txtil/vesturio. No caso deste setor, o Acordo Multifibras, dos anos 70, seria substitudo pelo Acordo do Setor Txtil e Vesturio (ATV), que estabeleceria quotas a serem aplicadas pelos grandes pases desenvolvidos, at 2005 quando foi finalmente extinto. Ou seja, as rodadas multilaterais circunscreviam-se a uma reduo das tarifas industriais, especialmente entre os pases desenvolvidos, que comandavam as exportaes destes bens, mas eximiam da liberalizao aquelas mercadorias onde estas economias apontavam deficincias competitivas (Observatrio Social, 2005a). Antes da Rodada Uruguai, os Estados Unidos j haviam tentado inserir o tema do setor servios nas negociaes multilaterais. Durante a Rodada Tquio (1973/1979), os Estados Unidos, com tmido apoio do Japo, e sem o aval dos pases europeus, tentaram incorporar ao GATT o conceito de direito de estabelecimento, ou seja, liberdade para presena comercial das empresas multinacionais (modo 3) nos vrios segmentos deste setor (Nunes, 1991). At ento, a regulao sobre a prestao de servios era basicamente nacional, havendo algumas organizaes internacionais de carter setorial e voluntrio, tais como a IATA (Associao Internacional de Transporte Areo) e a UIT (Unio Internacional de Telecomunicaes). Entretanto, estas instncias no iriam alm das tarefas de cooperao e coordenao, no se colocando a perspectiva da liberalizao para o comrcio de servios (Marconini, 2003). Durante a Rodada Uruguai, os pases desenvolvidos fecham posio em torno da necessidade de assimilar o tema servios na estrutura multilateral de comrcio. Encontrariam forte reao dos pases em desenvolvimento, que organizaram o ento chamado Grupo dos Dez, liderado por Brasil e ndia, e que contava tambm com a participao de Cuba, Egito, Iugoslvia, Nicargua, Nigria, Peru, Qunia e Zimbabwe. No entender destes pases, avanar rumo a um novo trilho de negociaes exigia que se resolvessem a pendncia nos demais, justamente agricultura e txtil/vesturio. Os Estados Unidos queriam ento utilizar o setor de servios como moeda de troca, partindo do pressuposto de que os pases em desenvolvimento obteriam vantagens no

  • 10

    comrcio de bens. Da o interesse em um nico acordo que incorporasse bens e servios. O Grupo dos Dez no conseguiu impedir a insero do tema servios na agenda da futura OMC, mas ao menos logrou separar ambos os acordos. O Acordo de Servios (GATS) integraria a parte II da Declarao de Punta del Este, ficando o demais tpicos da rodada incorporados na parte I. A partir de meados dos anos noventa, na seqncia da vitria parcial dos pases desenvolvidos no mbito da Rodada Uruguai, a OMC passa a estender a sua ao sobre outras reas relacionadas ao comrcio, segundo a linguagem desta organizao. Desta forma, polticas nacionais de desenvolvimento que pautem a ao das multinacionais, ou polticas de sade pblica que envolvam a quebra de patentes, assim como regulamentaes sobre a oferta de servios locais e sobre as compras governamentais, todas elas passam a ser encaradas como distorcivas ao comrcio. Segundo a concepo norteadora dos funcionrios da OMC e dos representantes comerciais e diplomticos da maioria dos pases desenvolvidos, como a concorrncia se d cada vez por sobre os vrios espaos nacionais, inclusive e principalmente no caso da prestao de servios, onde a ao do Estado ainda se mostra relevante, qualquer poltica reguladora geraria desvios de comrcio. Trata-se aqui essencialmente de conformar uma legislao liberal que permita aos grandes grupos econmicos realizar seus investimentos e contratar servios de onde quiserem passando por cima das legislaes nacionais. Entretanto, a OMC no se pretende se transformar numa organizao global de regulao do comrcio. Se assim fosse, faria sentido incorporar parmetros sociais, trabalhistas e ambientais, os quais esto fora da alada desta entidade. Segundo publicao da prpria entidade (OMC, 1998), apesar de ter sido criado um grupo de trabalho sobre Comrcio e Meio Ambiente ao final da Rodada Uruguai, a competncia da OMC restringe-se ao comrcio. Pode, sim, estudar problemas relacionados aos impactos causados pelas polticas ambientais sobre o comrcio, no prevendo a situao oposta, de impactos do comrcio sobre o meio ambiente. E conclui: a OMC no uma agncia ambientalista e os seus membros no querem que ela estabelea padres universais para o meio ambiente. No caso dos padres trabalhistas, a negativa ainda mais contundente: este tema no assunto da OMC e seria equivocado dizer que deveria ser um desafio da instituio para o futuro. No caso das chamadas mercadorias fictcias (Polanyi, 2000) - como terra, trabalho e dinheiro, as quais trazem consigo a vida humana, a natureza ou funcionam como smbolo do poder de compra, respectivamente - o intento dos aberturistas justamente o de impedir toda e qualquer forma de regulao a partir de critrios extra-mercado. Para Polanyi, quando (como por exemplo, entre 1848-1870) intentou-se eliminar o controle nacional destas mercadorias fictcias j que no so produzidas para a venda no mercado, tal como no caso das mercadorias genunas gerou-se um processo disruptivo que poderia ter levado ao desmoronamento da sociedade, se foras compensadoras no se tivessem se organizado em sentido contrrio, de modo a permitir a regulao do trabalho, da natureza e da moeda ao nvel nacional, de preferncia com controle social.

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    Atualmente, o que se procura viabilizar um retorno da utopia liberal, que vigorou na segunda metade do sculo XIX. Realiza-se assim a defesa da plena mercantilizao do setor de servios, transformando a sociedade em algo acessrio economia. Um bom exemplo desta viso pode ser obtido a partir da seguinte afirmao proferida por representante do European Services Frum (ESF): o nosso entendimento sobre servios pblicos refere-se a um conjunto de atividades realizadas para o pblico, aqui encarado como o conjunto de representantes de negcios atuando no plano internacional (Seattle to Brussels Network, 2005). Justamente o contrrio do que fora logrado a partir da gestao de um Estado do Bem-Estar Social nos pases desenvolvidos e pelo avano da oferta pblica, regulada e subsidiada, de vrios dos servios de infra-estrutura e sociais nos pases subdesenvolvidos, no imediato ps-Segunda Guerra Mundial. Ento fora possvel desmercantilizar o acesso a alguns pblico e sociais, segundo a construo de Esping-Andersen (1985), ou criar uma esfera do anti-valor, na construo de Francisco de Oliveira (1998). Alm da defesa da suposta necessidade de um choque de oferta no capitalismo, realiza-se paralelamente um questionamento dos elevados custos de legitimao do sistema poltico, os quais levariam, na viso do neoliberalismo, a uma inflao de reivindicaes e ingovernabilidade. Consegue-se assim efetivar a separao, percebida por Habermas (1987), entre administrao e formao pblica da vontade. A OMC configura-se, neste novo contexto de expanso das polticas neoliberais e de internacionalizao, com desmonte do Estado e financeirizao da riqueza (Anderson, 1995 e Chesnais, 1996), em mecanismo vital para sustentar o novo regime de acumulao de capital, ancorado nos grandes grupos econmicos representados pelas multinacionais, que contam com uma participao cada vez maior de empresas do setor servios. O papel da esfera financeira e dos novos servios de informtica, telecomunicaes e de apoio s empresas revela-se estratgico, agora que as regulaes nacionais sobre estas atividades foram paulatinamente dissolvidas. importante acrescentar ainda que a dinmica da OMC tem sido controlada pelos pases desenvolvidos - os quais conformam a origem do capital das empresas multinacionais de servios, e que por isto pressionam pela desregulamentao rpida e completa deste setor, especialmente no caso dos pases em desenvolvimento. O espao para barganha por parte destes pases tem se mostrado bastante limitado, mesmo depois da criao do G-20. Continua assim predominando a lgica de quem grita mais alto, leva, como no caso dos EUA e UE, os quais mantm um espao razovel para proteger os seus setores produtivos com deficincias de competitividade ou estratgicos para o desenvolvimento nacional. Mesmo em segmentos do setor servios, como telecomunicaes e financeiro, fortes restries continuam existindo para o acesso ao mercado dos pases desenvolvidos.

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    As Negociaes no GATS, a Rodada Doha e o Princpio da Liberalizao Progressiva Procuramos agora realizar uma breve periodizao das negociaes do GATS, terminando este tpico com os impasses atualmente presenciados na Rodada Doha. Como vimos acima, junto com a criao da OMC, tem incio o GATS, Acordo Geral de Comrcio de Servios. Para aderir a este acordo, todos os pases membros da OMC realizaram um conjunto de ofertas em 12 setores. Ainda que, desde o incio da OMC, o GATS tenha sido considerado, especialmente pelos negociadores dos pases desenvolvidos, como um acordo de baixo para cima, na medida em que os pases no seriam obrigados a se comprometer com um determinado nvel de abertura no setor de servios, na prtica a situao mais complexa e bem menos flexvel do que aparenta. Isto porque alguns dispositivos do GATS permitem OMC questionar qualquer regulamentao do setor pblico, a qualquer nvel de governo, sobre qualquer servio prestado, como sendo prejudicial aos interesses do setor privado. No prprio artigo 1 do GATS, se diz que somente se encontram excludos da sua cobertura aqueles setores cujos servios no so oferecidos a partir de uma base comercial ou que no sofrem a concorrncias de outros fornecedores (Public Citizen, 2006). Abre-se assim o flanco para que os setores de educao e sade, por exemplo, sejam considerados como submetidos aos mesmos parmetros que os demais setores, j que coexistem entidades pblicas e privadas atuando no mesmo mercado, ainda que em nichos e para faixas de renda diferenciadas. Na prtica, aps o GATS, quase nenhuma atividade do nascimento (atendimento de sade) at a morte (funerais) ficaria de fora das disciplinas internacionais (Lori Wallach, 2004). Alm disso, a cobertura do GATS a mais abrangente possvel. Neste sentido, o acordo atentaria para todo o tipo de regulamento, regra, procedimento e deciso administrativa tomado por um pas-membro da OMC, inclusive aquelas implementadas por governos e autoridades centrais, regionais e locais, no deixando de fora nem mesmo as organizaes no-governamentais no exerccio dos poderes pblicos nos seus vrios nveis (Marconini, 2003). Mas qual a real margem de manobra dos pases, depois de realizadas as concesses ao final da Rodada Uruguai? A resposta a esta questo no fcil, pois depende de uma avaliao prtica do jogo de poder no mbito da OMC. De um lado, os pases desenvolvidos apostam no princpio da liberalizao progressiva. Ou seja, um dia se conseguir, por meio de negociaes e de mecanismos de presso, avanar nas negociaes de servios, criando parmetros mnimos para os pases-membros.

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    Os pases em desenvolvimento por sua vez se escudam por detrs do seu direito de recusa abertura de determinado setor, negando-se a aceitar parmetros mnimos. Para isso, a todo o momento, fazem lembrar a distino do acordo de servios com relao s regras para bens. Somente se abre naqueles setores onde existe nimo para oferta. Aposta-se assim na suposta maior flexibilidade do GATS. Como exemplo desta diferena, vale lembrar que a Bolvia, no ano de 2006, retirou-se de todas as negociaes de servios, enquanto o Brasil assim o fez no caso do setor de educao e de audiovisual. Finalmente, alegam os representantes dos pases em desenvolvimento que a participao numa negociao no implica que algo deva ser ofertado pelo pas demandado (Arslanian, 2006). Inicialmente, importa ressaltar que os pases, quando de suas ofertas durante a Rodada Uruguai, deveriam levar em considerao o princpio da nao mais favorecida. Ou seja, vantagens oferecidas a um pas seriam estendidas a todos os demais membros da OMC. Porm, definiu-se, em 1995, um perodo de 5 anos para fazer uso de isenes especiais e temporrias, em virtude da existncia de acordos preferenciais ao nvel bilateral. O prazo-limite para estas flexibilidades foi estabelecido para dez aps a assinatura deste acordo, terminando no ano de 2005 (Politique Culturelle, 2006). A maior margem de manobra dos pases, durante o GATS-1995, provm do uso de dois dispositivos. Eles podem limitar o acesso a seu mercado de forma generalizada ou apenas s empresas estrangeiras (tratamento nacional) (Oliveira et al., 2005). Assim, para cada setor e modo de oferta de servios foram mencionados os diferentes compromissos do pas em relao liberalizao, se total (bound), se nenhum (unbound) e as restries em termos de acesso a mercado e tratamento nacional. Estas restries referem-se ao nmero possvel de prestadores de servios, ao valor dos ativos ou das transaes, ao nmero total de operaes e tambm a medidas que restrinjam tipos especficos de pessoas jurdicas ou joint ventures, podendo haver a discriminao ou tratamento menos favorvel a empresas provenientes de outros pases (Marconini, 2003). Existiam tambm os compromissos horizontais, onde um pas pode oferecer limitaes de acesso que servem para o conjunto dos setores, por meio de medidas emergenciais de salvaguarda, subsdios e regulao domstica (Oliveira et al., 2005). Na recente Rodada de Doha, este tem sido um dos tpicos prioritrios, tendo assumido o Brasil um papel de relevo no debate especialmente sobre a regulamentao domstica. Vejamos com mais detalhes estes tpicos do captulo horizontal. Na regulamentao domstica, o princpio da liberalizao progressiva confronta-se com o direito atestado de os pases regularem de forma soberana os seus setores de servios. Na prtica, este tpico deveria ter sido contemplado ao final da Rodada Uruguai, mas no houve condies polticas para tanto. Vivencia-se assim a situao pouco confortvel para os pases desenvolvidos - de se discutir a abertura do setor de servios, quando ainda no se estipulou o que se pode fazer no mbito da regulao domstica (South Centre, novembro de 2005). justamente neste item que as naes podem estipular normas tcnicas, padres de qualidade e requisitos mnimos de atendimento e qualidade e licenas exigidas para os prestadores de servios. A OMC, contudo, no prprio corpo da lei tenta limitar esta

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    faculdade a critrios transparentes e relacionados qualidade do servio prestado, j que teme que possa se distorcer o comrcio, ou melhor, estabelecer parmetros que vo contra a livre concorrncia ou a no interferncia do Estado sobre os negcios do mercado. O princpio da transparncia exige por sua vez que os pases ponham todas as suas cartas na mesa. Desta forma, os pases desenvolvidos conseguem mapear onde esto as principais restries ao comrcio de servios, ou seja, justamente aquelas a serem eliminadas aproveitando-se para tanto da eleio de governos de corte liberal nos pases em desenvolvimento assim que seja possvel. Por outro lado, a rigidez do GATS aparece com toda a sua fora por meio dos custos da desconsolidao de compromissos. Ou seja, voltar atrs significa compensaes financeiras aos parceiros prejudicados. Tal como no caso do comrcio de bens, o GATS prev vrios tipos de excees, por meio das salvaguardas emergenciais, restries em caso de crise do balano de pagamentos e vrias modalidades de excees. A dificuldade, para alm de poltica, tambm de ordem prtica. Como apurar o dano de mercado e como tentar coibi-lo? Estas questes simples no GATT tornam-se bastante complexas quando se tenta transplant-las para o setor de servios. Ressalte-se ainda que no que se refere a subsdios e compras governamentais, no existe regulamentao no GATS que impea a liberdade de atuao dos governos (Marconini, 2003), ficando como lacuna a ser futuramente resolvida, caso os pases desenvolvidos logrem avanar a sua agenda desreguladora, ao menos sobre o mercado dos pases menos avanados. No caso das compras governamentais, existe na prtica uma polmica acirrada. Os pases desenvolvidos, especialmente a Unio Europia, pressionam pela discusso de acesso a mercados no caso dos contratos e licitaes pblicas. J segundo os pases em desenvolvimento, o pargrafo 1 do artigo XIII aponta que as disposies sobre nao mais favorecida, acesso a mercado e tratamento nacional no so aplicveis a leis, regulamentos ou prescries que estabeleam a contratao por organismos governamentais de servios destinados a fins oficiais (South Centre, novembro de 2005). Concretamente, estes tpicos dos compromissos horizontais podem ser aproveitados pelos pases em desenvolvimento para regulamentar a proviso de servios nos setores considerados estratgicos, estabelecendo critrios de universalizao, subsdios cruzados e proteo dos segmentos que possuem um impacto decisivo para a infra-estrutura social e fsica das suas respectivas naes. De fato, enquanto os pases desenvolvidos tendem a pressionar pela liberalizao setorial, negociada por meio das listas de compromissos especficos, vrios pases em desenvolvimento buscam justamente avanar na definio de regras horizontais mais complexas e detalhadas (Oliveira et al., 2005), o que lhes reserva maior espao para autonomia para executar polticas pblicas. Depois da lista de compromissos assumidos no GATS-1995, foram realizadas reunies adicionais por presso dos pases desenvolvidos que conformam anexos setoriais especficos, contendo ofertas adicionais para servios financeiros, telecomunicaes e transporte areo e martimo, o que analisaremos em tpico adiante.

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    A partir de 2000 j que as negociaes devem ocorrer a cada 5 anos, segundo consta no GATS, o que alis permite viabilizar o princpio da liberalizao progressiva - Unio Europia e os Estados Unidos, pressionados pelas suas grandes corporaes, conseguiram reabrir as negociaes sobre o tema servios, de modo a ampliar as ofertas dos pases subdesenvolvidos, eliminando cada vez mais o aspecto supostamente mais flexvel ou opcional do GATS. Inicialmente, as modalidades de negociao deram-se a partir de trocas bilaterais, envolvendo o mtodo de demandas e ofertas, mesmo modelo adotado durante a Rodada Uruguai. Ao longo da Rodada Doha, chegou-se a defender a idia de adotar disciplinas de regulao domstica para o setor de servios que sejam o menos restritivas possveis para os fornecedores dos mesmos. Procurou-se ainda avanar na definio de parmetros mnimos ou benchmarks setoriais segundo a linguagem dos negociadores comerciais impostos aos pases subdesenvolvidos, com o intuito de forar a liberalizao e eliminar qualquer margem para a autonomia nacional na definio de polticas pblicas. Mais uma vez, a suposta flexibilidade do GATS confrontou-se com o princpio da liberalizao progressiva. Tratou-se de uma tentativa, por parte dos pases desenvolvidos, de utilizar critrios mais rgidos, j utilizados por elas nos seus respectivos acordos bilaterais. No caso dos acordos de servios sob a modalidade Nafta, por exemplo, predominara o top-down approach (lista negativa), onde todos os setores fazem parte a priori da negociao, havendo listas especficas apenas para registrar restries e excluses (Oliveira et al., 2005). Por outro lado, as presses da sociedade civil no sentido de aplicar uma moratria nas negociaes do GATS em virtude, do seu carter claramente desregulador e privatizante - no tm encontrado respaldo no mbito da OMC. Em documento de 2005, a Rebrip, junto com outras entidades da sociedade civil, solicitava que previamente nova rodada fossem realizadas anlises de impactos social, ambiental e de gnero da liberalizao de servios, alm de uma conscientizao dos cidados das principais naes envolvidas (Rebrip et al., 2005). Mas nem tudo so derrotas. O recuo na proposta de benchmarks ou de parmetros quantitativos deveu-se a um veto dos pases em desenvolvimento, preocupados com a possibilidade concreta de o GATS se transformar numa camisa de fora cada vez mais asfixiante para o exerccio de sua soberania. Alis, o projeto de texto que deveria compor o Anexo C da declarao ministerial de Hong Kong apresentava-se bastante viciado, refletindo to-somente a posio dos pases desenvolvidos, tendo em verses anteriores defendido, sem consenso, a propostas dos benchmarks e a discusso das compras governamentais (South Centre, novembro de 2005). Como alternativa, uma nova modalidade de negociaes de carter setorial emergiu, mas no menos comprometedora. As reunies plurilaterais por setores reunindo pases demandantes, que selecionam aqueles que seriam os principais ofertantes apesar do seu formato supostamente amigvel, funcionam como espao de presso dos pases desenvolvidos, que vocalizam os interesses concretos dos grandes grupos econmicos e

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    seus lobistas. De qualquer forma, como as demandas e ofertas so coletivas, pode-se, ao menos em tese, proteger os pases mais vulnerveis em termos econmicos. Deve-se observar ainda que os principais defensores do enfoque plurilateral so pases competitivos em alguns segmentos do setor de servios Canad, Austrlia, Noruega, Japo, Chile e Mxico - e que preferiram apostar na lgica de se avanar em alguns consensos, ainda que limitados, do que continuar seguindo na estratgica dos Estados Unidos e da Unio Europia de pressionar os pases em desenvolvimento por meio de todos os tipos de artifcios e barganhas (Carta de Genebra, abril de 2006). Durante o primeiro semestre de 2006, as negociaes de servios no mbito da Rodada Doha giraram em torno de 3 pilares: discusses sobre o Modo 4 (movimento de pessoas), regulao domstica e as negociaes plurilaterais setoriais (Mineiro, 2006). A presso para se liberalizar o Modo 4 vem principalmente da ndia que conta com o apoio do Brasil, por questes diplomticas e encontra resistncia dos pases desenvolvidos, os quais tm adotado legislaes cada vez mais restritivas para a entrada de imigrantes nos seus territrios. Deve-se ressaltar, por outro lado, o interesse das corporaes multinacionais em promover a livre circulao de mo-de-obra entre as suas filiais pelo mundo afora. Portanto, da forma em que est negociado, o modo 4 restringe-se mo-de-obra qualificada, atendendo aos interesses da ndia e das grandes corporaes internacionais, e deixando de lado a regulao social dos imigrantes (Rebrip, outubro de 2005). A CIOSL e os sindicatos dos pases europeus e dos Estados Unidos por sua vez colocam-se fortemente contrrios a esta negociao, na medida em que rebaixa salrios e benefcios sociais para a mo-de-obra qualificada dos pases desenvolvidos, exponenciando os lucros do capital (CIOLS, abril de 2006). Alm disso, a discusso de modo 4 sequer tangencia a discusso dos direitos humanos e sociais dos imigrantes, justamente num momento em que novas medidas restritivas so estabelecidas pelos Estados Unidos e boa parte dos pases da Unio Europia. No que diz respeito regulamentao domstica, Brasil e Filipinas apresentaram um documento que defende o direito de regular, introduzindo inclusive novos marcos jurdicos e requerimentos que estabeleam a prestao universal de servios. Uma maior produo regulatria deve ser permitida aos pases em desenvolvimento, em virtude das assimetrias existentes (Mineiro, 2006), o que seria alis chancelado pelo princpio norteador da Rodada Doha, o tratamento especial e diferenciado. De forma contrria a esta posio, os pases desenvolvidos procuram instaurar o chamado teste de necessidade, que permitiria estabelecer limites s medidas restritivas e regulatrias dos pases, enquadradas no tpico da regulao domstica. Se verdade que o terreno da discusso descamba aqui para a subjetividade, tambm se percebe que, e talvez justamente por isto, que este tpico mostra-se fundamental para resguardar os pases em desenvolvimento e suas sociedades da fria desreguladora no setor de servios. Mais uma vez, entretanto, o Mxico aparece do lado dos pases desenvolvidos, o que se deve maior internacionalizao do setor de servios deste pas viabilizada por meio do Nafta. O

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    representante deste pas, em reunio realizada na primeira semana de maio, contesta a viso do Brasil sobre regulamentao domstica, afirmando que esta desequilibraria as negociaes. (Khor, 12 de maio de 2006). Finalmente, em abril de 2006, foram concludas as reunies dos primeiros clusters de negociaes plurilaterais, envolvendo 20 setores especialmente servios financeiros, de telecomunicaes, profissionais, de construo e distribuio - e os quatro modos de oferta de servios. Enquanto os pases desenvolvidos tm se mostrado especialmente otimistas, as delegaes da Tailndia, frica do Sul e Brasil ressaltaram o seu carter informal e voluntrio, enfatizando que as mesmas devem ser vistas como complementares s negociaes bilaterais (Khor, 13 de abril de 2006). Na prtica, diferentemente das negociaes de Nama e agricultura, onde os conflitos de interesses mostram-se marcantes, nas negociaes plurilaterais de servios, no tm sido percebidas controvrsias que possam trancar a pauta, ainda que a oposio Norte/Sul esteja presente a todo o momento nesta e nas demais negociaes. A estratgia dos pases em desenvolvimento de grande porte parece ser a do equilbrio dentro da prpria negociao de servios: maiores concesses nas negociaes plurilaterais em troca maior espao para definio de suas polticas pblicas no captulo da regulamentao domstica. Em termos sintticos, os pases desenvolvidos tendem a se mostrar ofensivos em bens industriais e servios, defendendo a sua rpida abertura, enquanto protegem ao mximo o mercado agrcola; e os pases subdesenvolvidos, especialmente os grandes produtores agrcolas, mostram-se ofensivos neste setor, mas defensivos em indstria e servios. Na prtica, obviamente, a situao um pouco mais complexa do que parece primeira vista, j que certos pases subdesenvolvidos, que so grandes fornecedores de servios para a Europa e os Estados Unidos como a ndia no caso dos servios de telecomunicaes e software, por exemplo possuem uma postura mais ofensiva neste setor; enquanto os pases do G-33 e do G-90 temem que a abertura agrcola torne ainda mais precria a situao dos seus pequenos produtores rurais, alm de erodir a sua preferncia nos mercados dos pases desenvolvidos. Ou seja, trata-se de um conjunto de negociaes com geometria varivel, pois existem diversas alianas entre pases para cada um dos temas. Os pases subdesenvolvidos que lograram desenvolver Estados Nacionais minimamente articulados, e vinculados a mercados internos diversificados e a uma base industrial complexa, tendem a perder duplamente, tanto em Nama como no caso do setor servios. Dois exemplos tpicos seriam o Brasil e a frica do Sul, enquanto a China ganharia com a abertura industrial e a ndia com a possvel abertura do setor servios. O Brasil ganharia com seu agronegcio no se sabe quanto ainda, pois isto depende tambm do espao para proteo para produtos sensveis - enquanto boa parte dos pases desenvolvidos poderia sofrer com a maior fragilidade da produo agrcola voltada para o mercado interno. O Mxico, por exemplo, teme a abertura agrcola, mas defende a abertura do setor servios em algumas reas, na medida em que se beneficiaria da atuao de vrias de suas empresas, bastante internacionalizadas (como no caso da Telmex) na regio latino-americana. Esta clivagem Norte/Sul, apesar das especificidades apresentadas por alguns pases, tende a limitar a postura dos principais negociadores a um mero clculo de ganhos e perdas em

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    termos econmicos. Fazem-se as contas dos setores que perdem e daqueles que ganham, mas no se discute a capacidade de os pases desenvolverem projetos nacionais de desenvolvimento, os quais devem se pautar por dinmicas inter-setoriais e por metas em termos de incluso social. Tampouco se discute quais devam ser os setores estratgicos para a nao, e sob o controle de quem deve ficar a proviso dos seus servios. No caso de GATS, por exemplo, o que est em jogo, alm da soberania nacional, a capacidade de o Estado atuar como ofertante ou regulador em reas como infra-estrutura (transportes, comunicaes e energia eltrica), servios de educao e sade e, mesmo no setor financeiro, de modo a favorecer o desenvolvimento econmico com incluso social, a partir de certos condicionamentos para a liberao de crdito. Faz-se importante enfatizar que muitas destas negociaes possuem efeitos superpostos. Por exemplo, a abertura do setor de gua a empresas estrangeiras poderia levar restrio deste bem/servio bsico para a populao mais pobre, agravando os problemas de sade. Ou a expanso de multinacionais no setor de educao privada pode levar a um comprometimento da possibilidade de se desenvolver um setor de audiovisual nacional que se paute pelos valores culturais de sua sociedade. Por sua vez, a expanso da transnacionalizao da sade privada, ao invs de levar a uma concorrncia benfica, com ganhos para todos os consumidores, contribui para criar uma segmentao entre um sistema dos pobres e outro dos ricos. Felizmente, no caso do setor de sade, este no figura como prioridade dos pases desenvolvidos, at porque enfrenta duras reticncias por parte da Organizao Mundial de Sade (OMS) (Rebrip, abril de 2006). Da a importncia de se impedir as concesses dos pases em desenvolvimento na maioria dos quesitos das negociaes do GATS que possam levar a uma transnacionalizao passiva destes setores, acompanhada de uma perda de centros de deciso nacional e a um ainda maior enfraquecimento da capacidade de afirmao dos valores culturais prprios a estas naes. Tudo indica que o jogo da Rodada Doha provavelmente se definir nas negociaes casadas de agricultura e Nama. De qualquer forma, caso haja um acordo final, este pode incluir a liberalizao de segmentos sensveis do setor servios, tais como energia, ambinetais, tecolomunicaes, financeiros, educao e sade. Por isso, faz-se importante uma postura de crescente distanciamento destas negociaes por parte dos pases em desenvolvimento, combinada com uma presso cada vez maior por parte da sociedade civil mundial. Como Funciona o GATS?: Estrutura, Setores e Modos de Prestao de Servios Quando se analisa o GATS, observa-se que ele encontra-se distribudo em 3 grandes reas. Em primeiro lugar, aparece o quadro geral de obrigaes referentes a todos os pases. composto de 29 artigos, divididos em 6 partes (mbito e definio, obrigaes e disciplinas gerais, compromissos especficos, liberalizao progressiva, disposies institucionais e disposies finais). Seria a rea de maior rigidez do acordo, ainda que muitas vezes sujeita a interpretaes ambguas. Em segundo lugar, existem os acordos setoriais especficos para

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    os setores de transporte areo, servios financeiros e de telecomunicaes. Finalmente, so apresentadas as listas de compromissos especficos assumidos por cada pas para cada setor, sub-setor, levando em considerao os 4 modos de prestao de servios. De acordo com a definio do GATS, os servios podem ser divididos entre os seguintes 12 setores, os quais se distribuem em outros 161 sub-setores, o que revela a complexidade nas negociaes em curso. A complexidade deste acordo est no fato de que a proteo no se d por meio da aplicao de tarifas, como no comrcio de bens, mas de clusulas que regulamentam a liberdade completa, limitada ou mesmo a proibio do comrcio de servios entre os pases a partir de restrio aos princpios de nao mais favorecida, acesso a mercado e tratamento nacional. Alm disso, encontram-se sob o mesmo conceito de servios desde os profissionais, que incluem servios legais, de arquitetura e veterinrios, passando por aluguel de mquinas tambm incorporado no setor 1, alm dos servios de comunicao (que abarcam desde as telecomunicaes at os servios de audiovisual), educao e sade, ambientais (gua, energia eltrica e esgoto), de lazer, transportes e financeiros (inclusive seguros). Em alguns casos, a classificao adotada no mbito da OMC revela limitaes. Por exemplo, no caso da energia eltrica, os vrios servios de gerao, distribuio e correlacionados esto distribudos entre vrios dos setores abaixo indicados. Quadro 1 Classificao Setorial de Servios do GATS 1. Servios prestados s empresas, incluindo os servios profissionais (auditoria, arquitetura, jurdico, consultoria ...) 2. Servios de comunicao, incluindo postais, telecomunicaes e audivisuais 3. Servios de construo e correlatos de engenharia 4. Servios de distribuio 5. Servios de educao 6. Servios de meio-ambiente 7. Servios financeiros, incluindo seguros, resseguros e bancrios 8. Servios de sade e sociais 9. Servios de turismo e relacionados a viagens 10. Servios de recreao, culturais e de esporte 11. Servios de transportes, incluindo martimos, fluviais, areos e terrestres 12. Outros Fonte: OMC. Cada um destes setores e de suas sub-divises deve ser aberto, fechado, ou parcialmente limitado nas listas de compromissos especficos dos membros da OMC. Mas a complexidade no pra por a. Os servios nestes vrios sub-setores podem ser ofertados sob 4 diferentes modalidades, apresentadas abaixo:

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    Modo 1 comrcio transfronteirio: envolve o direito de prestar servios entre dois pases, tal como no caso de ligaes telefnicas e educao distncia. Neste caso, no ocorre movimento dos fatores de produo e tampouco dos beneficirios do servio. Ou seja, o prprio servio que se movimenta, desde que sejam criadas regras de cooperao e coordenao entre os pases envolvidos. Modo 2 consumo de servios no exterior: relaciona-se com o direito de ofertar servios para pessoas de outros pases, tal como no caso de turismo e programas de intercmbio. Aqui existe movimento dos beneficirios ou consumidores dos servios. Modo 3 presena comercial: vincula-se ao direito de um no-residente ofertar servios fora do seu pas de origem, seja via montagem de filiais ou via compra ou fuso com empresas locais, como nos setores de comrcio varejista, videolocadoras ou seguradoras de sade. Esta situao implica a mobilidade do capital. Modo 4 movimento temporrio de pessoas fsicas: possibilita o direito de as pessoas se transferirem de um pas para outro com o objetivo de fornecer servios, como no caso de advogados, consultores ou especialistas em softwares. Neste caso, a mobilidade do fator trabalho. A ttulo de ilustrao, segundo estimativas para o ano de 1997, a distribuio do comrcio de servios de acordo com as modalidades acima referidas apresenta-se da seguinte maneira: comrcio transfronteirio (41%), consumo de servios no exterior (19,8%), presena comercial (37,8%) e movimento de pessoas (0,1%), estando provavelmente a participao do modo 3 subestimada (Valls Pereira, 2002). Portanto, as ofertas dos pases envolvem um emaranhado regulatrio para os setores e sub-setores, para os 4 modos de proviso destes servios, alm dos compromissos horizontais, onde podem constar subsdios, salvaguardas emergenciais, medidas de regulamentao domstica, compras governamentais e crditos de liberalizao autnoma. Em termos de estrutura operacional, o GATS gerido pelo Conselho do Comrcio de Servios, composto dos seguintes Grupos de Trabalho: sobre Regras do Gats e sobre Regulamentao Domstica; alm dos Grupos de Trabalho sobre Comrcio de Servios Financeiros e de Compromissos Especficos (Marconini, 2003). Os outros dois Conselho da OMC so o do Comrcio de Bens e o referente gesto do TRIPs (Conselho dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio). Quem So os Principais Atores Sociais Envolvidos no GATS? As negociaes no mbito do GATS permitem observar o imenso territrio de conflitos e consensos, com vises contrastantes entre os vrios pases e os representantes das grandes corporaes e da sociedade civil, em que se transformou a economia global. A OMC um destes tabuleiros, ainda que pela metade, j que enquanto aos representantes da sociedade

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    civil vedada a participao nas negociaes, os representantes do setor privado fazem seus lobbies junto aos governos, sedo muitas vezes os destinatrios finais e at mesmo os elaboradores dos pedidos coletivos nas recentes negociaes plurilaterais. Nos Estados Unidos, a presso do setor empresarial para a liberalizao do setor servios antiga. J em 1982, seria formada neste pas a Coalizo de Indstrias de Servios (CSI). O seu objetivo fora fazer com que a reunio ministerial no mbito do GATT, realizada naquele ano, inclusse o tema de servios (Marconini, 2003). Apesar deste fracasso inicial, a CSI conseguiria exercer forte presso na Rodada Uruguai e tambm na Rodada Doha, colocando-se como uma das grandes foras interessadas na negociao multilateral de servios, ainda que no descuide da incluso do tema nos vrios acordos bilaterais assinados pelos Estados Unidos. Isto no impediu que grandes corporaes individualmente pressionassem pela abertura do setor servios, com destaque para American Express e Citicorp. Segundo um antigo diretor da Unidade de Servios da OMC, sem a enorme presso destas multinacionais, provavelmente o GATS no teria sido aprovado (Seattle to Brussels Network, 2005). Seria apenas no final dos anos noventa que os Estados Unidos contariam com o apoio decisivo da Unio Europia na promoo de uma agenda de negociaes de servios radicalmente liberal. No ano de 1999, criado o Frum Europeu de Servios (ESF), com o apoio do representante de comrcio do governo britnico. Esta entidade patronal e supranacional de servios no se restringiria ao papel meramente burocrtico das suas antecessoras, o Grupo de Servios da Comunidade Europia (ECSG) e a Rede Europia de Servios Comercializveis (ETSN). No seio do ESF, gesta-se o Grupo Europeu de Lderes de Servios, composto por executivos das principais multinacionais europias do setor (Seattle to Brussels Network, 2005). As duas organizaes compem junto com as entidades representantes de servios da Austrlia, Canad, Hong Kong, Japo, Nova Zelndia e Inglaterra, do Financial Leaders Group e de empresas como a NASSCOM indiana a Coalizo Global de Servios (Global Services Coalition). Em documento de abril de 2006, a entidade protesta contra a perda do prazo de 30 de abril para avano nas negociaes (Global Services Coalition, 29 de abril de 2006). Em documento paralelo, o ESF e a CSI defendem uma rodada ambiciosa para servios, recusando-se ambas a admitir que as discusses sobre agricultura e NAMA sejam as prioritrias. Finalmente, e de forma incisiva, confessam que o seu grande objetivo nesta rodada so os pases em desenvolvimento mais avanados (ESF & CSI, 9 de maro de 2006). Percebe-se, portanto, que no que diz respeito poltica comercial, e especialmente no caso do setor servios, as posies norte-americana e europia tm se tornado cada vez mais semelhantes (Garcia, 2005). Ainda que alguns intelectuais continuem a enfatizar o papel civilizatrio europeu, na dinmica concreta das negociaes, a Unio Europia no se diferencia em relao aos Estados Unidos. Os objetivos centrais so os mesmos: abrir o mercado dos pases perifricos como meio para expandir a sua lucratividade e a sua escala

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    de operao, vitaminando o processo de acumulao de capital dos grandes grupos econmicos. Ou seja, a poltica comercial pertence Unio Europia e no a cada pas-membro. A conduo das negociaes feita pela Comisso Europia, a partir de aval concedido pelo Conselho, que para tanto designa o Comit 133, composto de especialistas comerciais facilmente influenciveis por grupos de interesse. Existe a possibilidade de cada pas influenciar as negociaes por meio do Conselho e do Comit. Ressalte-se inclusive que at o Tratado de Nice (2001), vrios aspectos do GATS e do TRIPS que no se encontravam sob a alada do artigo 133 do tratado europeu tiveram que ser ratificados pela UE junto com cada um dos pases-membros. Entretanto, algumas excees foram mantidas nas reas de servios culturais, audiovisuais, de educao e de sade (Garcia, 2005). Por outro lado, vrias organizaes como a Rede Brasil pela Integrao dos Povos (REBRIP), junto com a Aliana Social Continental (ASC), a CIOSL, representando o sindicalismo internacional, especialmente por meio da Public Services Internacional (PSI), federao mundial dos trabalhadores do setor pblico, batalham contra o prosseguimento das negociaes no GATS. Algumas redes sociais, contando com militantes de vrios Ongs, situadas nos mais diversos pases, tambm exercem uma presso contrria privatizao e mercantilizao do setor servios. o caso, por exemplo, da OWINFS (Our Word Is Not for Sale). Estas entidades da sociedade civil que defendem a no-desregulamentao do setor servios no dispem da mesma capacidade de presso junto aos governos dos pases-membros da OMC. Enquanto os governos dos pases desenvolvidos tendem a defender as negociaes do GATS de forma quase irrestrita, os governos dos pases em desenvolvimento na melhor das hipteses, como no caso brasileiro, se protegem dos interesses ofensivos dos demais pases, mas sem procurar apoio na sociedade, j que no seu entender a manuteno do sistema multilateral transforma-se na prioridade mxima. Procuram atenuar assim alguns dos efeitos potencialmente disruptivos das negociaes sobre os seus pases, mas se opor lgica ganha-perde subjacentes s mesmas. A Oferta Brasileira durante a Rodada Uruguai A oferta brasileira consolidada durante a Rodada Uruguai pode ser distribuda em duas partes: compromissos horizontais e setoriais. Na primeira parte, as medidas tratam de aspectos regulatrios, geralmente referentes aos modos de prestao 3 e 4, ou seja, aqueles relacionados ao movimento dos fatores produtivos (capital e trabalho). Adicionalmente, fez-se referncia aos subsdios para todos os modos de prestao. Ou seja, ficou reservado o direito ao pas de subsidiar empresas pblicas ou de capital nacional na prestao de qualquer tipo de servio (Marconini, 2003). No que diz respeito ao modo 4, permite-se a tcnicos especializados e profissionais altamente qualificados estrangeiros trabalhar sob contrato temporrio no Brasil, em empresas nacionais ou estrangeiras, desde que o contrato seja aprovado pelo Ministrio do Trabalho. Em algumas rea do setor servios, exige-se o respeito a uma proporo de pelo menos 2 trabalhadores brasileiros para cada 3 contratados pela empresa.

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    Em relao ao modo 3, fica estipulado que as empresas estrangeiras com presena comercial no Brasil devem se organizar de acordo com algumas das formas societrias previstas pela legislao nacional. O quadro abaixo apresenta os setores nos quais o Brasil apresentou compromissos. Alguns grandes blocos ficaram de fora da oferta brasileira, tais como educao, sade, meio ambiente e cultura. O que une estes setores o fato de que bens culturais no sentido mais amplo ou ento no caso de meio ambiente um setor que se avalia como sujeito regulao, sendo ainda em grande medida controlado pelo setor pblico no pas. Ofertas expressivas foram realizadas para quase todos os setores do mesmo bloco para os setores de construo civil, distribuio, financeiros e transportes. Ainda que no apontado no quadro abaixo, o setor de telecomunicaes tambm seria negociado aps o fim da Rodada Uruguai, concluindo-se um acordo em abril de 1997. Estes setores tambm possuem algo em comum, com algumas especificidades. Ou j eram bastante abertos, como distribuio, ou foram abertos ao capital estrangeiro ao longo da dcada de noventa (financeiro, telecomunicaes e transportes), ou ento se destacam pelo fato de o Brasil possuir interesses ofensivos, haja vista sua escala e internacionalizao, sendo o caso mais tpico o de construo civil. Quadro 2 Setores Negociados e Oferta Brasileira na Rodada Uruguai 1. Servios Prestados s Empresas 6. Meio Ambiente A. Profissionais A. Tratamento de Esgoto B. Informtica B. Tratamento de Resduos Slidos C. Pesquisa e Desenvolvimento C. Saneamento D. Imobilirios D. Outros E. Aluguel/Leasing 7. Financeiros F. Outros A. Seguros 2. Comunicaes B. Bancrios A. Postais C. Outros B. Courier 8. Sade C. telecomunicaes A. Hospitalares D. Audiovisuais B. Outros relacionados a sade humana E. Outros C. Sociais 3. Construo 9. Turismo A. Edifcios A. Hotis e Restaurantes B. Engenharia Civil B. Agncias de Viagem C. Instalao e Montagem C. Guias de Turismo D. Concluso e Acabamento D. Outros E. Outros 10. Recreao, Culturais, Esportes 4. Distribuio A. Entretenimento A. Agentes Comissionados B. Agncias de Notcias B. Atacado C. Bibliotecas, Arquivos e Museus C. Varejo D. Esportes

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    D. Franchising E. Outros E. Outros 11. Transportes 5. Educao A. Martimos A. Primria B. Fluviais B. Secundria C. Areos C. Superior D. Espaciais D. Adulto E. Ferrovirios E. Outros F. Rodovirios G. Gasodutos H. Auxiliares I. Outros Fonte: Marconini (2003). No caso dos compromissos setoriais, percebe-se que o Brasil na grande maioria dos casos no consolidou oferta para os modos 1 e 2. Dos 54 setores oficiais negociados, o Brasil estabeleceu compromisso em 17 (ver quadro abaixo), cerca de 1/3 do total, geralmente estabelecendo no modo 3, onde a legislao brasileira tende a ser mais liberalizante, ainda que com a manuteno de algumas restries. Quando se compara a oferta brasileira com a de outros pases, pode-se depreender que o Brasil se comprometeu com mais setores que maioria dos pases em desenvolvimento, com a exceo de seguros e servios de hotis e restaurantes, onde a oferta se mostrou generalizada. Paralelamente, naqueles setores que o Brasil no abriu, no fez mais do que seguir a tradio dos demais pases em desenvolvimento (Marconini, 2003). Pode-se chamar, portanto, a oferta brasileira de meio-termo, resultante de uma tentativa de preservar o espao multilateral, saciando parcela dos interesses dos pases desenvolvidos, pero no mucho. Quando se compara o Brasil com a mdia dos pases da OCDE, apenas para o modo 3, observa-se que os compromissos assumidos representaram 25% do total, contra 53% da OCDE. J o percentual de compromissos sem limitaes no total de assumidos foi de 12,2% para o Brasil, contra 41,3% para a OCDE, com um percentual acima de 50% para os demais pases do Mercosul (Marconini, 2003), o que indica a predominncia seja dos governos de corte liberal na conduo das polticas nestes pases, ou o quadro j existente de liberalizao quase plena. No que diz respeito ao modo 3, naqueles setores onde o pas realizou alguma oferta, esta no apresentou o mesmo formato, podendo ser classificada em 3 diferentes modalidades. Ou se consolidou completamente o setor (limpeza de edifcios, courier e servios privados de telecomunicaes), ou se exigiu que a empresa prestadora estivesse associada a empresa nacional (servios de contabilidade e arquitetura), ou ento se limitou o seu acesso ao mercado seja por uma limite mximo na composio acionria, seja por decreto presidencial (servios de publicidade, servios financeiros e servios pblicos de telecomunicaes).

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    O quadro abaixo permite que sejam avaliadas estas especificidades. Depreende-se que os negociadores brasileiros buscaram estabelecer algumas restries para alguns setores considerados estratgicos em modo 3. Ainda assim, algumas destas restries especialmente quando no-quantitativas acabaram sendo flexibilizadas na prtica pela mudana regulatria nacional. No caso dos setores de telecomunicaes e do setor financeiro, a agenda nacional pr-privatizaes acabou por submeter literalmente o compromisso junto OMC ao novo marco regulatrio. Ao se estabelecer o decreto presidencial como exigncia para abertura, na prtica, o governo brasileiro estava liberalizando a presena comercial para estes setores. Tal caso revela que as negociaes do GATS no impem necessariamente uma desregulamentao da legislao nacional. O contrrio parece mais verdadeiro. Os negociadores realizam ofertas que no vo alm daquilo que j se desregulou internamente. Vale ressaltar, contudo, que o Congresso Nacional no ratificou os acordos posteriores de servios financeiros e de telecomunicaes. Ou seja, existe uma defasagem entre o que o Brasil ofertou na OMC e o que se regulamentou no plano nacional. Quadro 3 Detalhamento da Oferta Brasileira na Rodada Uruguai em Alguns Setores - Modo 3 Tipo de Abertura no Modo 3 Setor Especificao

    Abertura completa Servios de limpeza de edifcios Servios de traduo e interpretao

    (excludo tradutores oficiais)

    Servios de courier (recolhimento, transporte e entrega de cartas, cartes postais e correspondncia)

    servios de turismo e relacionados a viagens Servios privados de telecomunicaes * Servios de construo Acesso livre depois de 5 anos da

    entrada em vigncia do GATS Abertura com necessidade de parceria ou consrcio com empresa nacional

    Servios de contabilidade, auditoria e escriturao

    No permitida participao de no-residentes nas empresas nacionais, mas as empresas estrangeiras podero ceder o seu nome para profissionais brasileiros.

    Servios de arquitetura e engenharia Prestadores estrangeiros devero atuar de forma consorciada com os nacionais.

    Abertura com exigncias de participao acionria mnima ou de decreto presidencial

    Servios de publicidade e outros servios empresariais

    Limite mximo de participao do capital estrangeiro de 49%, devendo a direo permanecer sob controle de scios brasileiros

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    Servios de transportes ferrovirios Exigida autorizao governamental Servios de transportes rodovirios Participao estrangeira limitada a

    1/5 do capital social com direito a voto

    Servios de seguros Incorporao segundo a legislao brasileira, na forma de sociedade annima, e exigncia de decreto presidencial

    Servios financeiros * Novas agncias e subsidirias e aumento da participao acionria de estrangeiros submetidos a decret presidencial. Os investidores podem participar do programa de privatizaes.

    Servios pblicos de telecomunicaes * No-consolidado, ao menos at uma depois da sano pelo presidente da Repblica da Lei Geral de Telecomunicaes

    Fonte: Elaborao a partir de Marconini (2003). * as negociaes nestes setores prosseguiram depois da Rodada Uruguai, assumindo o Brasil novos compromissos. As Negociaes nos Setores Financeiro e de Telecomunicaes ps-Rodada Uruguai: A Presso dos Pases Desenvolvidos Prossegue! Vejamos com mais detalhe agora como e porque se realizaram negociaes posteriores concluso da Rodada Uruguai. Outros dois temas ficariam pendentes no que tange ao setor de servios ao final da Rodada, o modo 4 e transporte martimo, os quais entretanto no avanaram por recusa dos Estados Unidos. No caso dos servios financeiros, a potncia norte-americana criticou a ausncia de ambio nas negociaes e conseguiu prorrog-las. Em junho de 1995, os Estados Unidos continuariam na sua postura ofensiva, ameaando retirar as suas ofertas, caso as dos demais parceiros no fossem aprimoradas (Oliveira et al., 2005). Finalmente, em dezembro de 1997, no mbito do Quinto Protocolo do GATS, logrou-se substituir as ofertas antigas pelas novas. Foram ao todo 56 novas ofertas, computando-se a UE como pas um membro (Prospectiva, setembro de 2004). A oferta brasileira caracterizou-se por uma posio mais flexvel. Incorporou, como vimos, uma abertura limitada e condicionada criao de uma sociedade annima segundo a legislao brasileira (so proibidas as filiais), a exigncia do decreto presidencial, alm de no ter aberto o monoplio dos resseguros e dos seguros de acidentes de trabalho. Duas questes particularizam a posio brasileira, especialmente nas negociaes mais recentes do GATS-2000. O Brasil um dos 3 pases que no ratificou o Quinto Protocolo. Alm disso, no mbito do Comit sobre Comrcio de Servios Financeiros, o governo brasileiro tem se oposto de forma enftica a qualquer compromisso de liberalizao dos servios financeiros, especialmente modo 1, em virtude dos riscos tal atitude poderia trazer para a conta de capitais do balano de pagamentos do pas (Prospectiva, setembro de 2004). O governo tem, portanto, se recusado a fazer qualquer abertura que altere o grau de liberalizao hoje existente no mercado domstico (Macedo Cintra, abril/junho 2004).

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    No caso deste setor, importante ressaltar que ao contrrio do que prega o discurso dos Estados Unidos e da UE o setor financeiro apresenta-se bastante regulado nos seus territrios. O Primeiro Anexo em Servios Financeiros do GATS impede inclusive o questionamento de medidas prudenciais que visem proteo dos agentes econmicos nacionais e da integridade e estabilidade do sistema financeiro (Prospectiva, setembro de 2004). Conforme constata documento da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministrio da Fazenda (fevereiro de 2006), existem vrias limitaes presena de bancos brasileiros, ou de qualquer pas, no mercado dos pases desenvolvidos, seja por meio de medidas administrativas, de normas de limitao de acesso a mercado e de tratamento nacional, inclusive impedindo aquisies de empresas nacionais, seja no que diz respeito aos testes de necessidade econmica, os quais apurariam se determinado setor permite assimilar a entrada de novos players. Enquanto na Europa, no existe regulamentao unificada sobre a presena comercial de instituies financeiras nas suas vrias naes; nos Estados Unidos no existem compromissos no GATS de tratamento nacional ao nvel federativo, possuindo cada estado a sua legislao. O setor de telecomunicaes tambm contou com negociaes adicionais ps-Rodada Uruguai, por presso dos pases desenvolvidos. Aqui tambm os prazos foram adiados mais de uma vez, tendo finamente se concludo as negociaes em julho de 1998. Ao final do processo, cerca de 69 pases haviam includo o setor nas suas respectivas listas de compromissos, includo telecomunicaes bsicas no mbito do Quarto Protocolo em Telecomunicaes - enquanto parte expressiva destes adotou o chamado Documento de Referncia parcial ou integralmente (Oliveira et alli, 2005). Este documento definiria alguns aspectos regulatrios referentes a salvaguardas em relao concorrncia, interconexo, servio universal, publicidade dos critrios de concesso e de licenas, dentre outros (Marconini, 2003). Percebe-se que a ampla maioria das ofertas concentrou-se nos pases desenvolvidos, os quais tm mais interesse no setor, em virtude da crescente internacionalizao dos seus grandes grupos econmicos. Adicionalmente, os Estados Unidos exerceram, tal como no setor financeiro, o papel de maior interessado na presso por um regime internacional de telecomunicaes. Um dos motivos claros o fato de que, como este pas terminava mais ligaes do que originava, acabava por gerar um fluxo negativo de recursos, os quais atingiram a casa dos US$ 5 bilhes em 1995 (Oliveira et al., 2005). O primeiro acordo internacional a dispor deste setor seria o Nafta, transplantando os Estados Unidos o seu modelo de negociaes, j que no mbito da Unio Internacional de Telecomunicaes (ITU) predominavam os interesses dos grandes grupos monopolistas do setor pblico. No caso da oferta brasileira, esta mostrou-se bastante liberal para os servios sem carter pblico e os de valor agregado (correio eletrnico, correio de voz, acesso on-line a base de dados e informaes). Para os servios mveis celulares e os servios de transporte de telecomunicaes por satlite, exigiu-se um limite mximo de capital estrangeiro de 49%.

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    No caso dos servios pbicos, assumiu-se o compromisso de consolidar a situao regulatria instaurada a partir da Lei Geral de Telecomunicaes, de julho de 1997 (Marconini, 2003). Em sntese, o Brasil, apesar de no assinar o Documento de Referncia, adotou o Quarto Protocolo, comprometendo-se a retirar a limitao ao capital estrangeiro e terminar com o monoplio em telefonia fixa. Adicionalmente, excluiu-se da oferta a distribuio da programao de rdio e TV (Prospectiva, maro de 2006 e Olliveira et al., 2005). Entretanto, ainda assim, tais compromissos, tal como no caso financeiro, no foram ratificados pelo Congresso Nacional. Vale lembrar que, em 2000, quando tem incio uma nova rodada de negociaes do GATS, que assimilada pela Rodada Doha, o Brasil disps-se a melhorar a sua oferta, acabando com o monoplio, mas mantendo a possibilidade limitao participao do capital estrangeiro, o que fez com que a sua proposta fosse recusada pelos demandantes (Prospectiva, maro de 2006). A Oferta Brasileira em Servios durante Hong Kong e os Demandantes e Ofertantes nas Negociaes Plurilaterais At novembro de 2005, 69 ofertas novas ofertas de servios haviam sido realizadas - as quais correspondiam a 98 pases membros (South Centre, novembro de 2005) no sentido de ampliar a abertura do setor de servios no mbito do GATS. O Brasil fez sua oferta inicial de servios em julho de 2004, a qual foi revisada em junho de 2005. Percebe-se, em linhas gerais, que no houve mudanas radicais na proposta brasileira em relao a negociaes anteriores. Tratou-se, em grande medida, de inserir alguns setores que no haviam sido ofertados anteriormente e de realizar liberalizaes adicionais em alguns outros setores. Por outro lado, observa-se tambm como o governo brasileiro tem satisfeito o princpio da liberalizao progressiva. At agora, tem-se contado com uma certa margem de manobra, mas no se sabe at quando se conseguir alijar setores estratgicos do processo de abertura. O trunfo do governo parece ser o no-avano nas outras reas, o que pode se transformar num tiro pela culatra, forando uma abertura rpida de setores de servios no cobertos pela presente oferta, caso sejam destravadas as negociaes. Duas ressalvas devem ser feitas s ofertas do governo brasileiro junto OMC. Em primeiro lugar, ambas as ofertas, a inicial e a revisada (WTO, 2004 e WTO, 2005), partem do pressuposto de que elas dependem do avano nas demais negociaes, especialmente em agricultura, mas tambm da abertura nos modos de prestao de servio e setores onde o Brasil atua como demandante; bem como das discusses referentes a regulao domstica, salvaguardas emergenciais e subsdios. Dependendo do andamento das negociaes, a oferta brasileira pode ser modificada, reduzida e, inclusive, retirada (WTO, 2005). Os novos setores includos nas negociaes, e que no trazem nenhuma limitao em termos de acesso a mercado e tratamento nacional, a no ser aquelas mencionadas no captulo horizontal, so os servios veterinrios e servios de pesquisa amostral, atuariais e de consultoria.

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    Outros setores foram includos na lista, com abertura apenas em modo 3, no se consolidando compromissos para os modos 1,2 e 4. o caso dos servios de informtica, servios incidentais pesca, servios de testes e anlises tcnicas, servios de intermediao de mo-de-obra, servios de investigao e segurana, servios de manuteno e reparo de equipamentos, servios fotogrficos, servios de empacotamento, servios de convenes, servios de agentes comissionados, servios de seguros de vida e de seguro-sade (exceto medicina pr-paga), servios auxiliares de previdncia privada, servios de agentes de viagem, servios de guias tursticos e servios de exportes. No setor de servios gerais de construo civil, abriu-se o modo 3, extinguindo-se o prazo de 5 anos estabelecido no GATS-95. Houve ainda a possibilidade se consolidar o modo 2 nos setores onde o modo 3 j havia sido flexibilizado. Neste caso, encontram-se os setores de pesquisa de mercado e de opinio pblica, consultoria de gesto, servios de limpeza de edifcios e servios martimos e auxiliares. importante ressaltar que no captulo horizontal a oferta brasileira mantm a necessidade de adequao do capital estrangeiro legislao brasileira no modo 3, enquanto em modo 4, algumas especificaes adicionais so elaboradas, legislando sobre as condies para transferncia de mo-de-obra intra-corporao e para o trabalho de executivos e gerentes da empresa, tendo como requisitos o nvel mnimo de investimento, os empregos criados e a durao mxima de 3 anos. So estabelecidas ainda as condies para contratao de especialistas pelas empresas multinacionais, devendo ser os respectivos contratos aprovados pelo Ministrio do Trabalho. Para os visitantes de negcios, so definidas as condies de atuao dos visitantes de negcios e pessoas responsveis pela montagem da presena comercial, devendo ser respeitada a estadia mxima de 90 dias. No setor de servios de telecomunicaes, algumas menes so realizadas previamente oferta. No caso dos provedores de servios que j atuam no pas, estes tm os seus direitos adquiridos garantidos pela Constituio. reservada, contudo, ao poder Executivo a prerrogativa legal de limitar a participao do capital estrangeiro na composio acionria dos fornecedores de servios. Para operar no servios de telecomunicaes nacional, as empresas devem obter uma licena da Anatel, devendo para tanto estar constitudas de acordo com a legislao brasileira. J no que tange oferta, foram includos os servios locais, de longa distncia e internacionais, para uso pblico ou no, fornecidos por meio de qualquer tecnologia, o que vale tambm para os servios de telefonia celular. Entretanto, no se consolidou oferta para os modos 1,2 e 4, enquanto no modo 3 se remete captulo horizontal setorial e geral. Ou seja, no se eliminou a possibilidade de restrio participao do capital estrangeiro. O mesmo se passou para outros servios bsicos de telecomunicao. No setor de servios financeiros - que inclui os segmentos de seguros e de servios bancrios e outros servios financeiros, existem duas menes horizontais. No caso do modo 2, fica claro que os compromissos so aplicveis apenas a indivduos e entidades

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    no-financeiras. No modo 3, faz-se a ressalva de que a empresa deve se constituir enquanto pessoa jurdica submetida legislao brasileira. Para o sub-setor de servios bancrios e outros, alm da ressalva acima, se faz acrescer a necessidade de autorizao do Executivo, por meio de decreto presidencial, no caso de estabelecimento no pas ou de aumento na participao acionria. No caso 4, ressalva-se que os compromissos no so consolidados em virtude de problemas tcnicos. Tambm para o sub-setor de servios bancrios e outros, vale ressaltar que no existem ofertas para modo 1, sendo os modos 3 e 4 limitados pelo captulo horizontal. Foram adicionadas tambm algumas excees clusula da nao mais favorecida, no caso dos servios audiovisuais - no caso dos pases com os quais o Brasil possui acordos de co-produo. E tambm para caso de transporte terrestre, no caso de comrcio transfronteirio, que inclui os acordos que o Brasil possui com os pases do mercosul, Bolvia e Peru. Finalmente, no caso do transporte martimo, para aqueles pases com os quais o Brasil estabeleceu acordos bilaterais no transporte de carga. Portanto, em linhas gerais, ainda que o Brasil tenha caminhado no sentido da liberalizao, especialmente de alguns servios especficos, geralmente no mbito do modo 3, no caso dos setores de telecomunicaes e financeiros onde os interesses ofensivos dos pases desenvolvidos so fortes os avanos no se mostraram considerveis. Esta oferta brasileira, considerada - tal como a de outros pases em desenvolvimento - pouco ambiciosa pelos pases desenvolvidos, deveria ser aprimorada durante o primeiro semestre de 2006, caso as negociaes em Nama e agricultura avanassem. Como vimos acima, por meio das negociaes plurilaterais, definidas a partir da reunio de dezembro de 2005 em Hong Kong, os pases se dividiram em 20 sub-setores e modos de prestao de servios, podendo atuar como demandantes ou ofertantes. Em maio de 2006, o Brasil aparecia como demandado em 17 temas, demandante em 1 setor (servios agrcolas) e no modo 4 de prestao de servios. Mais recentemente, o governo brasileiro recusou-se a participar das negociaes em dois setores: educao e audiovisual, nos quais aparecia como demandado at o ms de abril, atitude adotada por vrios outros pases desenvolvidos e em desenvolvimento (Carta de Genebra, abril de 2006). Ressalte-se ainda que, no setor de servios de energia, o pas participa das negociaes, porm no possui disposio para negociar (Arslanian, 2006). Quando se compara o Brasil com conjunto de pases em desenvolvimento, depreende-se que apenas China, Tailndia e Indonsia so to demandados, ou seja, presena em 17 negociaes plurilaterais. Os grandes pases em desenvolvimento da frica, Egito e frica do Sul, so bastante demandados, 14 e 15 vezes, respectivamente, mas no participam de nenhuma negociao como demandantes. ndia e China so tambm bastante demandados, mas possuem interesses ofensivos em algumas negociaes (ndia modo 4 e modos 1/2; e China modo 4 e iseno clusula

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    da nao mais favorecida).A estratgia negociadora em servios destes pases merece destaque. A ndia, ao defender a abertura de todos os modos com a exceo do 3 assegura a sua vantagem de exportadora de servios profissionais e transfronteirios, enquanto mantm espao para regulao no mercado domstico, via modo 3. J a China prefere no atuar como demandante, para no oferecer vantagens em outras negociaes, haja vista a sua competitividade natural tanto em servios quanto bens industriais. Cumpre enfatizar tambm o perfil hbrido da posio de pases como Chile, Mxico e Coria do Sul, todos com parte do seu setor de servios internacionalizado. No toa estes pases j assinaram ou esto por assinar (Coria do Sul) acordos de livre-comrcio com os Estados Unidos, onde a negociao de servios aparece como obrigatria. No caso especfico de Chile e Mxico, estes pases so demandantes nos setores em que possuem forte presena, especialmente na Amrica Latina. Porm, a sua oferta no to ambiciosa, j que priorizam a liberalizao por meio de acordos bilaterais, no priorizando a agenda multilateral. Finalmente, Estados Unidos e Unio Europia aparecem como demandantes em 12 e 13 negociaes, respectivamente, dentre elas, servios financeiros, de telecomunicaes e energia eltrica; enquanto so escolhidos como demandados em 8 e 5 negociaes plurilaterais, respectivamente. Os Estados Unidos so demandados em transporte martimo e areo, servios de logstica, modos 1 e 2, modo 3, modo 4, iseno clusula mais favorecida e servios relacionados agricultura. J Unio Europia so solicitadas ofertas nas negociaes de servios audiovisuais, servios de logstica, modos 1 e 2, modo 4 e servios relacionados agricultura. O fato de os Estados Unidos ser bastante demandado revela que este pas mantm um conjunto pormenorizado de restries para a atuao de empresas de outros pases no seu mercado interno, procurando restringir, por meio de vrios estratagemas regulatrios - muitas vezes pouco transparentes ou ento dependentes das legislaes estaduais - a competio com outros pases no comrcio transfronteirio e modo 4.

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    Grfico 6 Nmero de Vezes que Cada Pas Aparece como Demandante e Demandando Negociaes Plurilaterais Abril de 2006

    0

    2

    4

    6

    8

    10

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    Arge

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    Africa

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    ulBr

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    Chile

    China

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    ia

    Indon

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    Mxic

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    Taila

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    Turqu

    ia

    Unio

    Europ

    ia

    Estad

    os U

    nidos

    Demandantes Demandados

    Fonte: CSI e Carta de Genebra. Quadro 4 Demandantes e Demandados nas 20 Reunies Plurilaterais Primeiro Semestre de 2006

    Energia

    Coordenador: European Communities Demandantes: Australia, Canada, the European Communities, Japan, Norway, The Kingdom of Saudi Arabia, Republic of Korea, Separate Customs Territory of Taiwan, Penghu, Kinmen and Matsu, Singapore, the United States.

    Demandados: Argentina, Brazil, Brunei, Chile, China, Colombia, Ecuador, Egypt, India, Indonesia, Kuwait, Malaysia, Mexico, Nigeria, Oman, Pakistan, Peru, Philippines, Qatar, South Africa, Thailand, Turkey, United Arab Emirates

    Servios Ambientais

    Coordenador: European Communities Demandantes: Australia, Canada, the European Communities, Japan, Korea, Norway, Switzerland, The Separate Customs Territory of Taiwan, Penghu, Kinmen and Matsu, and the United States.

    Demandados: Argentina, Brazil, Chile, China, Colombia, Costa Rica, Egypt, India, Indonesia, Israel, Malaysia, Mexico, Namibia, New Zealand, Nicaragua, Nigeria, Pakistan, Peru, Philip