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Praça Barão do Rio Branco, 93 CEP. 66.015-060 Belém-PA. Fone: (0xx91) 4006-8600 Fax: (0xx91)4006-8603 www.oabpa.org.br 1 PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 039/2014 Requerente: OAB/Pa Assunto: Autorização para ajuizamento de ação civil pública contra a construção de empreendimentos habitacionais multifamiliares nas orlas de Belém. Relator: Afonso Arinos de Almeida Lins Filho Relatório Trata-se de pedido de ajuizamento de ação civil pública visando coibir a construção de empreendimentos habitacionais multifamiliares nas orlas de Belém, bem como a demolição de edifício na Rua Nelson Ribeiro nº 93, no Bairro do Telégrafo, denominado Premium, construído à margem da Baia do Guajará. Segundo diversas entidades da sociedade civil que se manifestaram perante a Ordem requerendo a adoção de providências, pois entendiam que o procedimento de licenciamento do empreendimento estaria irregular por descumprimento de legislação ambiental vigente, causando prejuízo ambiental para os habitantes da cidade. Concluíram afirmando que a permanência do empreendimento à margem do rio cria precedente para construção de outros prédios semelhantes, comprometendo a ventilação e a mobilidade urbana naquela região da cidade. O assunto foi tema de diversas matérias jornalísticas nos principais meios de comunicação, gerando grande repercussão social. O clamor social contra a continuação da obra e pelos diversos pedidos de licenciamentos de obras semelhantes na mesma área, reabriu o debate do tema na Comissão de Meio Ambiente da OAB que deliberou pelo encaminhamento a este Conselho, da proposta de ajuizamento de ação civil pública com o intuito de impedir a urbanização desordenada e ilegal no Município de Belém. Em 20 de Maio de 2011, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública atacando especificamente o licenciamento do Edifício Premium, feito que tramita pela 9ª Vara Federal desta Capital sob o nº 0016934-22.2011.4.01.3900, em fase de instrução.

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1

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 039/2014

Requerente: OAB/Pa

Assunto: Autorização para ajuizamento de ação civil pública contra a

construção de empreendimentos habitacionais multifamiliares nas orlas de

Belém.

Relator: Afonso Arinos de Almeida Lins Filho

Relatório

Trata-se de pedido de ajuizamento de ação civil pública visando

coibir a construção de empreendimentos habitacionais multifamiliares nas

orlas de Belém, bem como a demolição de edifício na Rua Nelson Ribeiro nº

93, no Bairro do Telégrafo, denominado Premium, construído à margem da

Baia do Guajará.

Segundo diversas entidades da sociedade civil que se

manifestaram perante a Ordem requerendo a adoção de providências, pois

entendiam que o procedimento de licenciamento do empreendimento

estaria irregular por descumprimento de legislação ambiental vigente,

causando prejuízo ambiental para os habitantes da cidade.

Concluíram afirmando que a permanência do empreendimento

à margem do rio cria precedente para construção de outros prédios

semelhantes, comprometendo a ventilação e a mobilidade urbana naquela

região da cidade.

O assunto foi tema de diversas matérias jornalísticas nos

principais meios de comunicação, gerando grande repercussão social.

O clamor social contra a continuação da obra e pelos diversos

pedidos de licenciamentos de obras semelhantes na mesma área, reabriu o

debate do tema na Comissão de Meio Ambiente da OAB que deliberou

pelo encaminhamento a este Conselho, da proposta de ajuizamento de

ação civil pública com o intuito de impedir a urbanização desordenada e

ilegal no Município de Belém.

Em 20 de Maio de 2011, o Ministério Público Federal ajuizou ação

civil pública atacando especificamente o licenciamento do Edifício

Premium, feito que tramita pela 9ª Vara Federal desta Capital sob o nº

0016934-22.2011.4.01.3900, em fase de instrução.

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Durante este tempo, os empreendedores continuaram a

construção do empreendimento, autorizados judicialmente de forma liminar,

condição que se apresenta até o momento.

Após ser nomeado Relator do Conselho Seccional da OAB para

condução do caso posto, foram expedidos dois ofícios: o primeiro para a

empresa QUADRA ENGENHARIA LTDA, facultando a apresentação de

memoriais e o segundo para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente

requerendo cópia do Processo de Licenciamento.

Em resposta, a empresa QUADRA ENGENHARIA LTDA esclareceu

que é apenas a construtora contratada para realização da obra e que o

empreendimento é de responsabilidade e titularidade da Premium

Participações Ltda e do Condomínio do Edifício Premium.

Imediatamente após a resposta da Construtora, o relator

recebeu em sua residência, correspondência dos empreendedores, de

caderno identificado como “Edifício Premium, Fatos e dados”, contendo

informações e cópia de documentos sobre o processo de licenciamento

ambiental, sustentando a regularidade do Empreendimento.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente não se manifestou e

não encaminhou cópia do Processo de Licenciamento da obra como

requerido.

No dia 21 de Março de 2014, a Construtora Quadra Engenharia,

encaminhou para apreciação cópia do Projeto de Controle Ambiental, do

Estudo de impacto de vizinhança, de um estudo técnico científico em

relação ao aspecto climático, de estudo de impacto no trânsito e de

diversos documentos avulsos referentes ao licenciamento.

É o relatório.

Voto

Senhores Conselheiros, Senhoras Conselheiras, a repercussão

social deste processo administrativo demonstra a relevância da questão

para o Município de Belém, não somente por apontar um novo paradigma

de atuação da sociedade civil na defesa dos interesses difusos e coletivos,

como também por ressaltar o papel da OAB como legítima depositária da

segurança e esperança da sociedade, na defesa de seus interesses

intangíveis.

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A expectativa social sobre a posição deste Conselho não

permite que o enfrentamento da questão se limite apenas ao

empreendimento localizado na Rua Nelson Ribeiro nº 93, denominado

Edifício Premium, mas que se discuta a ocupação das próprias orlas da

cidade de Belém. Discutir apenas o empreendimento citado colocaria em

risco a credibilidade e a eficácia da atuação desta Seccional, em face da

possibilidade de implantação de outros empreendimentos imobiliários

semelhantes, da mesma forma contestados, postergando de forma

indefinida uma situação conflituosa, que em nada contribui para a paz

social.

A OAB, no exercício de seu papel social não atua de forma

casuística e direcionada com o intuito de defender interesses diretos ou

indiretos de grupos ou corporações privadas, nem tão pouco se associa a

ideologias políticas, tendo entre seus desígnios a defesa incondicional do

Estado democrático de Direito e do interesse público.

Não resta dúvida sobre o incômodo que o enfrentamento da

questão provoca, onde aparentemente, faremos opção entre o interesse

público e o privado, entre o prejuízo à sociedade ou aos empreendedores.

Sabemos que devemos agir com imparcialidade, pois ao

assumirmos o compromisso de representar a Ordem, carregamos o peso de

sua tradição, o que nos impede de sermos parciais e agir conforme as

conveniências.

A elaboração do presente Relatório seguiu algumas premissas

metodológicas cuja finalidade foi reduzir o grau de subjetividade da análise

da questão. Prestigiou-se o uso de dispositivos normativos e precedentes

jurisprudenciais, em detrimento de citações doutrinárias.

O Relatório foi estruturado em duas partes: a primeira versa

especificamente sobre a ocupação urbana das orlas do município de Belém

por empreendimentos verticais multifamiliares e a segunda, aborda a

situação jurídica da construção do Edifício Premium.

Preliminarmente, torna-se relevante esclarecer dois temas

relacionados que poderiam comprometer o entendimento do Relatório se

não fossem aclarados:

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O primeiro tema refere-se ao aparente conflito entre normas

jurídicas de natureza ambiental e urbanísticas.

A doutrina jurídica ensina que as classificações dos ramos do

Direito são convencionais e didáticas, pois, as normas jurídicas introduzidas

corretamente no Sistema Jurídico posto, em observância dos princípios

constitucionais e em conformidade com o processo legislativo são

denominadas apenas normas jurídicas, que de forma integrada formam as

proposições gerais e abstratas constantes nas hipóteses de incidência das

Leis (em sentido amplo).

O próprio sistema jurídico estabelece regras de coerência

interna, pois a existência de antinomia entre normas resultaria na ruptura

sistêmica, causando o comprometimento de sua validade e existência.

As regras de coerência são estabelecidas pelos princípios

constitucionais (em especial o da supremacia da Constituição e da

hierarquia das normas), pela distribuição da competência legislativa e pelo

cumprimento do processo legal de criação de normas jurídicas.

Qualquer norma jurídica introduzida no Sistema Jurídico, sem

observância das regras de coerência, dele é excluída mediante o uso dos

instrumentos de controle de constitucionalidade indicados na Constituição.

O segundo tema refere-se à necessidade de compreensão dos

níveis de imposição normativa ambiental, incidentes sobre ocupação

urbana de Belém: o primeiro nível é decorrente das Constituições Federal e

Estadual e de leis federais de caráter geral, como a que trata das áreas de

proteção permanente; e o segundo nível decorrente de normas jurídicas de

ordenamento territorial municipal.

Esclarecimentos prévios feitos, passo à análise da questão.

I-SOBRE A OCUPAÇÃO URBANA DAS ORLAS DO MUNICÍPIO DE BELÉM POR

EMPREENDIMENTOS VERTICAIS MULTIFAMILIARES

I.1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE

A Constituição Federal brasileira é o instrumento jurídico

supremo de organização do Estado e norteador dos ideais políticos e sociais

necessários para a construção de uma sociedade fraterna, igualitária e

harmônica, onde se objetiva assegurar a todos o exercício dos direitos sociais

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e individuais, a liberdade, a segurança e o bem-estar. Suas normas, sejam de

eficácia plena, contida ou limitada, projetam-se sempre para o futuro, na

busca incessante de realização de seus fins.

Foi com esse olhar para o futuro que o legislador constituinte

produziu normas constitucionais consideradas extremamente avançadas,

estabelecendo direitos fundamentais de terceira geração, como são

chamados os direitos de fraternidade ou de solidariedade, cuja destinação

específica é a proteção dos interesses difusos e coletivos.

Entre os direitos fundamentais de terceira geração, instituído

para garantir às presentes e futuras gerações, a condição de viver em um

meio ambiente ecologicamente equilibrado, como prescreve o Art. 225 da

Carta Magna:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O dispositivo acima, expressa o princípio do desenvolvimento

sustentável, que se espraia pelo conjunto normativo constitucional,

estabelecendo obrigações ao Poder Público e limitações à iniciativa

privada, com o intuito de conciliar o binômio desenvolvimento

econômico/meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Podemos citar entre limitações da atividade privada, a

obrigatoriedade da propriedade privada atender a função social, conforme

prescreve o inciso XXIII do Art. 5º e a exigência de defesa do meio ambiente

pelos agentes econômicos no exercício de suas atividades constante no

inciso VI do art.170:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano

e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus

processos de elaboração e prestação;

A relevância constitucional da defesa do meio ambiente é

reconhecida e declarada pelo Supremo Tribunal Federal em diversos

julgados, dos quais transcrevemos parte de alguns acórdãos paradigmas:

“(STF – ADI 3540 MC – DF – T. Plen. – Rel. Min. Celso De Mello – DJU

03.02.2006) – MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA

INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU

CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO

(OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA

SOLIDARIEDADE – NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A

ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS

INTERGENERACIONAIS – ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE

PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) – ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO

REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE – MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILIDADE DE A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS,

AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS

ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO

A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE

PROTEÇÃO ESPECIAL – RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C

O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) – COLISÃO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS – CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO

ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES – OS DIREITOS BÁSICOS

DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU

DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) – A QUESTÃO DA

PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – UMA

LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF,

ART. 170, VI) – DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQÜENTE

INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR – A PRESERVAÇÃO

DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE – EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE

UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS

– Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206).

Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de

defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações,

esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ

164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável,

representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da

coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo

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desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na

proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral.

Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM

DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A

PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente

não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar

dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda

mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a

disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros

princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente"

(CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções

de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio

ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.

Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza

constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente,

para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são

inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde,

segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de

causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental,

considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO

DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE

PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O

PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE

OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA

E AS DA ECOLOGIA...”.

(STF – ADPF 101 – Relª Minª Cármen Lúcia – DJe 19.06.2012 – p. 18)

JCF.170 JCF.196 JCF.225 JCF.237 JCF.170.I JCF.170.VI JCF.170.PUN –

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL –

ADEQUAÇÃO – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE –

ARTS. 170, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA –

CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS PROIBITIVOS DA

IMPORTAÇÃO DE PNEUS USADOS – RECICLAGEM DE PNEUS USADOS –

AUSÊNCIA DE ELIMINAÇÃO TOTAL DE SEUS EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E

AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

EQUILIBRADO – COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU

EXAURIDO – IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO – DECISÕES JUDICIAIS

COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO TEMPO – PROIBIÇÃO DE NOVOS

EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO – ARGUIÇÃO JULGADA

PARCIALMENTE PROCEDENTE –“... 4- Princípios constitucionais (art. 225)

a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e

responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente

equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações

futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com

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garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da

população, cujos direitos devem ser observados em face das

necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para

garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da

precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os

demais princípios da ordem social e econômica...”..

(STF – MS 25284 – Rel. Min. Marco Aurélio – Tribunal Pleno – J. 17.06.2010

– DJe-149 – Divulg. 12.08.2010 – Public. 13.08.2010; Ement. – v. 02410-02

– p. 00298)– DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – RESERVA EXTRATIVISTA –

DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA –

INCOMPATIBILIDADE – PREVALÊNCIA DO PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR

– RECONHECIMENTO – ...“Meio ambiente. Reserva extrativista. Conflito

de interesse. Coletivo versus individual. Ante o estabelecido no art. 225

da Constituição Federal, conflito entre os interesses individual e

coletivo resolve-se a favor deste último. Propriedade. Mitigação. O

direito de propriedade não se revela absoluto. Está relativizado pela

Carta da República – arts. 5º, incisos XXII, XXIII e XXIV, e 184. ...”.

Não menos arrojada, a Constituição do Estado do Pará pugna

pela proteção ao meio ambiente em quatro artigos, os quais transcritos

abaixo:

Art. 50. A organização regional tem por objetivo:

III - a gestão adequada dos recursos naturais e a proteção ao meio

ambiente;

Art. 252. A proteção e a melhoria do meio ambiente serão

prioritariamente, consideradas na definição de qualquer política,

programa ou projeto, público ou privado, nas áreas do Estado.

Art. 253. É assegurada a participação popular em todas as decisões

relacionadas ao meio ambiente e o direito à informação sobre essa

matéria, na forma da lei.

Art. 255. Compete ao Estado a defesa, conservação, preservação e

controle do meio ambiente, cabendo-lhe:

III- assegurar a diversidade das espécies e dos ecossistemas, de modo a

preservar o patrimônio genético, biológico, ecológico e paisagístico e

definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos;

Da mesma forma, a Lei Orgânica do Município de Belém

estabelece o compromisso da municipalidade com a proteção ao meio

ambiente como reza o artigo 160, incisos II e VII:

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Art. 160. Compete ao Município, em colaboração com o Estado e a União

e no exercício de suas atribuições, a defesa, conservação, preservação e

controle do meio ambiente, cabendo-lhe:

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio biológico,

paisagístico e genético, fiscalizando na sua área de competência as

entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético;

VII - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de

suas formas;

A interpretação das normas jurídicas fundamentais acima

citadas, não deixa dúvida da relevância do princípio constitucional do

desenvolvimento sustentável e sua plena eficácia sobre as políticas públicas

de todos os entes federativos, bem como sobre a atividade econômica de

natureza privada em defesa do meio ambiente natural, cultural, artificial e

do trabalho.

I.2. DAS NORMAS JURÍDICAS ORIENTADORAS DA POLÍTICA URBANA NO BRASIL

Tendo definido de forma programática a defesa do meio

ambiente como princípio a ser observado por todos, o legislador constituinte

remeteu ao poder legislativo ordinário, a competência de garantir sua

efetividade, determinando o estabelecimento de diretrizes gerais para o

desenvolvimento urbano ambientalmente saudável, como prescreve o

artigo 182, caput da Constituição Federal:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem-estar de seus habitantes.

Em 10 de julho de 2001, em cumprimento ao mandamento

constitucional, foi promulgada a Lei nº 10.257, mais conhecida por Estatuto

das Cidades, que estabeleceu normas de ordem pública e interesse social

que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da

segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental,

entre as quais a de proteger, preservar e recuperar o meio ambiente natural

e construído, o patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico, conforme transcrito abaixo:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as

seguintes diretrizes gerais:

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XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e

construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico;

O mesmo diploma reforça a obrigatoriedade de observância

das diretrizes gerais elencadas no Estatuto das Cidades, pelos planos

diretores de cada município, na implantação de políticas urbanas ao

ratificar que a propriedade urbana cumpre sua função social quando

atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no

plano diretor com a finalidade de atendimento das necessidades dos

cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento

das atividades econômicas. Assim dispõe o artigo 39 da referida Lei:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano

diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos

quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das

atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta

Lei.

Portanto, observadas as Leis Federais que estabelecem regras

gerais para sua elaboração, conclui-se que o Plano Diretor Municipal é o

instrumento de política pública determinante para o ordenamento urbano

de cada Município, submetendo os Poderes Públicos e à sociedade ao

cumprimento de seus comandos normativos.

I.3. DAS NORMAS JURÍDICAS AMBIENTAIS LIMITADORAS DE OCUPAÇÃO

URBANA – FAIXAS MARGINAIS DE CURSOS D´ÁGUA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE

O exercício da competência legislativa Municipal para

ordenamento de seu território não é absoluta, pois sofre limitações de

normas jurídicas de caráter geral decorrentes da competência legislativa da

União e do Estado, nos termos do Art. 24, inciso I, parágrafos 1º e 2º da

Constituição Federal: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União

limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui

a competência suplementar dos Estados.

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Entre as leis federais de caráter geral que restringem a atuação

do legislador municipal está a Lei nº 12.651/12, quando impõe regras de

proteção às áreas de preservação permanente, como dispõe o artigo 1º-A:

Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da

vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva

Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria prima florestal, o

controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos

incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para

o alcance de seus objetivos.

E o que são áreas de preservação permanentes? A própria Lei n°

12.651/12, em seu Art. 3º, inciso II cominado com o Art. 4º, caput às as

definem como áreas rurais e urbanas protegidas, cobertas ou não por

vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos

hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o

fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das

populações humanas:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei entende-se por:

II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou

não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a

biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e

assegurar o bem-estar das populações humanas;

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou

urbanas, para os efeitos desta Lei:

Entre as áreas de preservação permanente estão as faixas

marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos

os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, cuja extensão

depende da largura do curso d´água, variando de 30 a 500 metros,

conforme estabelece o inciso I e respectivas alíneas do Art.4º: Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou

urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e

intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito

regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros

de largura;

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12

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a

50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta)

a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200

(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura

superior a 600 (seiscentos) metros;

Portanto, pela interpretação do dispositivo legal supracitado,

não resta dúvida que o Poder Legislativo Municipal não pode produzir norma

jurídica de ocupação urbana nas faixas marginais dos cursos d´água sem

considerar as limitações estabelecidas para proteção de áreas de

preservação permanente.

Se não bastassem as regras constitucionais aplicáveis à

competência legislativa concorrente entre os entes federativos, o Legislador

ordinário ratificou a obrigatoriedade de convergência entre a Lei nº

12.651/12 e as leis do Plano Diretor Municipal e Uso do solo, como dispõe o

parágrafo décimo do Art.4º:

Art. 4º... § 10. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos

perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões

metropolitanas e aglomerações urbanas, observar-se-á o disposto nos

respectivos Planos Diretores e Leis Municipais de Uso do Solo, sem

prejuízo do disposto nos incisos do caput. (NR) (Parágrafo acrescentado

pela Medida Provisória nº 571, de 25.05.2012, DOU de 28.05.2012).

I.4. FAIXAS MARGINAIS DE CURSOS D´ÁGUA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE – INTERVENÇÕES PERMITIDAS

A afirmação que a ocupação urbana em áreas de proteção

permanente sofre limitações, já traz em sua proposição a permissão de

intervenção.

Na tentativa de conciliação entre a obrigatoriedade de

proteção destas áreas de importância ambiental e o uso das áreas para fins

de urbanização, o Legislador condicionou que as intervenções nas áreas de

proteção permanente somente ocorram em razão de utilidade pública, de

interesse social ou intervenção de baixo impacto ambiental, nos termos do

Art. 8º, caput e parágrafo 4º:

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Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de

Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade

pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta

Lei.

§ 4º Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras

intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta

Lei.

De acordo com o Art. 3º, incisos VIII, IX e X e respectivas alíneas

do mesmo diploma legal, as intervenções de utilidade pública, de interesse

social ou e baixo impacto ambiental são as seguintes:

Art3º. .... VIII - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços

públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos

parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento,

gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações

necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais

ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a

extração de areia, argila, saibro e cascalho;

c) atividades e obras de defesa civil;

d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção

das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;

e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas

em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do

Chefe do Poder Executivo federal;

IX - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação

nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da

erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies

nativas;

b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena

propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades

tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e

não prejudique a função ambiental da área;

c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e

atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais

consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;

d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados

predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas

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consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977,

de 7 de julho de 2009;

e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de

água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são

partes integrantes e essenciais da atividade;

f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho,

outorgadas pela autoridade competente;

g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas

em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do

Poder Executivo federal;

X - atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:

a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e

pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d'água, ao acesso

de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos

oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;

b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de

água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de

uso da água, quando couber;

c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;

d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno

ancoradouro;

e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de

comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais

em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio

dos moradores;

f) construção e manutenção de cercas na propriedade;

g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros

requisitos previstos na legislação aplicável;

h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e

produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a

legislação específica de acesso a recursos genéticos;

i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e

outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da

vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;

j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e

familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros,

desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem

prejudiquem a função ambiental da área;

k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e

de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio

Ambiente - CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;

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Qualquer outro tipo de intervenção pública ou privada que não

estejam entre as elencadas são absolutamente ilegais.

I.5. DAS LEIS MUNICIPAIS DE BELÉM E AS NORMAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

LIMITADORAS DA OCUPAÇÃO URBANA NAS ORLAS DE BELÉM

Diante de todo esse arcabouço jurídico, associado às

características naturais e culturais na cidade de Belém, não se esperava

nada menos que ousadia aos edis municipais na sua missão de representar a

sociedade e projetar a cidade Belém de modo a se tornar um local aprazível

para se viver, para esta e às futuras gerações.

De forma clara e objetiva, o Poder Legislativo de Belém, ao

longo dos anos, produziu farta normatização que reafirma o compromisso da

sociedade paraense/belenense de preservar suas raízes ancestrais,

essencialmente amazônicas, bem como sua vocação de viver em harmonia

com o meio ambiente natural.

É com esse espírito que a Lei Orgânica de Belém determina que

a política urbana seja formulada com o objetivo de preservar o patrimônio

ambiental e valorizar o patrimônio arquitetônico, artístico, cultural e

ambiental do Município, através da proteção ecológica, paisagística e

cultural, como rege o art.116, inciso VI:

Art. 116. A política urbana a ser formulada e executada pelo Município

terá como objetivo, no processo de definição de estratégias e diretrizes

gerais, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a

garantia do bem-estar de sua população, respeitados os princípios

constitucionais federais e estaduais e mais os seguintes:

VI - preservar o patrimônio ambiental e valorizar o patrimônio

arquitetônico, artístico, cultural e ambiental do Município, através da

proteção ecológica, paisagística e cultural;

Na busca de conseguir cumprir o objetivo de preservar o

patrimônio ambiental e cultural, a Lei Orgânica de Belém prescreve que

nenhuma intervenção urbana pode restringir o acesso aos bens de uso

comum do povo, entre estes, os terrenos marginais aos rios, sendo obrigatória

a constituição de reserva de faixa onde seja proibido qualquer tipo de

construção (non aedificandi), como dispõe o art.129, parágrafos 1º e 2º : Art. 129. Respeitado o disposto na legislação federal e municipal,

notadamente no Plano Diretor, são considerados bens de uso comum do

povo as praias e os terrenos marginais aos rios e lagos, sendo

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assegurado, sempre, livre e franco acesso a eles, em qualquer direção e

sentido, garantidos os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada.

§ 1° Não será permitida a urbanificação ou qualquer forma de utilização

do solo que impeça ou dificulte o acesso assegurado no "caput" deste

artigo.

§ 2° Ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio

público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma

faixa "non aedificandi"

De forma mais contundente, a Lei Complementar Municipal nº

02/99, que dispõe sobre o parcelamento, ocupação e uso do solo urbano de

Belém, veda a urbanização de áreas localizadas nos leitos do Rio Guamá e

Baia do Guajará nos termos dos artigos 12, inciso I, alíneas “f” e “h”; art.38,

inciso I e art.41, parágrafo 2º, incisos I e II:

Art.12. A política setorial de meio ambiente deverá atender:

I – o controle do espaço urbano, de modo a garantir conjuntos

morfológicos cujo potencial de desempenho térmico seja compatível com

as condições climáticas regionais, assegurando-se:

f) a orientação de expansão e verticalização da cidade de modo a

assegurar melhor aproveitamento dos ventos gerais do continente e das

brisas do Rio Guamá e Baia do Guajará.

h) a eliminação de barreiras entre a cidade e a Baia do Guajará e o Rio

Guamá, restabelecendo a circulação dos ventos.

Art.38. Não são passíveis de urbanização e regularização fundiária as

ocupações localizadas nos bens públicos de interesse coletivo, nas

seguintes condições:

I – Leito de cursos d´água e igarapés;

Art.41. São Zonas especiais de preservação do patrimônio ambiental

aquelas cujas características paisagísticas e ambientais as tornem de

interesse público para fins de preservação e recuperação.

§ 2º. São de interesse público para fins de recuperação paisagística,

conforme delimitadas no mapa 3, anexo 10, desta Lei:

I – a Orla do Rio Guamá

II – a Orla da Baia do Guajará

Por fim, o Plano Diretor de Belém, instrumentalizado pela Lei nº

8.655/08, impõe restrições para ocupação de áreas de preservação

permanente, em especial nas faixas marginais (orla).

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O Art. 27 do Plano Diretor Municipal estabelece como diretriz da

política habitacional, a restrição de ocupação de terras públicas para

implantação de projetos habitacionais:

Art. 27 São diretrizes para a Política Municipal de Habitação:

I - utilizar prioritariamente terras de propriedade do Poder Público, desde

que não sejam de interesse à preservação ambiental, para implantação

de projetos habitacionais de interesse social, a partir da aplicação de

instrumentos previstos no Estatuto da Cidade;

Da mesma forma, o Art.81, inciso II da citada norma de regência

estabelece a diretriz de resgate das áreas da orla fluvial, de praias e das

margens dos cursos d´água com a finalidade de proteção e preservação do

meio ambiente:

Art. 81 São diretrizes da Macrozona do Ambiente Urbano (MZAU):

II - resgatar áreas da orla fluvial, das praias e margens dos cursos d’água,

objetivando a proteção e preservação do meio ambiente;

Diante das diretrizes impostas, o Plano Diretor Municipal

estabeleceu zonas espaciais de interesse ambiental (ZEIA), definidas como

“espaços livres ou ocupados, de domínio público ou privado, cujos

elementos do ambiente natural assumem função de interesse público, por

serem importantes para a manutenção do equilíbrio sócio ambiental do

Município, podendo estar localizadas tanto na área continental como na

região insular de Belém”, como reza o Art.108.

Art. 108. As Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA) são espaços

livres ou ocupados, de domínio público ou privado, cujos elementos do

ambiente natural assumem função de interesse público, por serem

importantes para a manutenção do equilíbrio sócioambiental do

Município, podendo estar localizadas tanto na área continental como na

região insular de Belém (ANEXO VI).

Entre estas zonas especiais criadas, cujo interesse da

municipalidade limita-se à recuperação urbanística, paisagística e do

patrimônio arquitetônico, estão as orlas continentais do Rio Guamá e da

Baia do Guajará, e das orlas do Rio Maguari e das ilhas de Mosqueiro,

Cotijuba e Caratateua como podemos observar na leitura do Art.111, incisos,

V, VI e VII e parágrafo 1º da Lei Municipal nº 8655/08 :

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Art. 111 Constituem-se Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA), da

Macrozona do Ambiente Urbano (ANEXO VI):

V - orla do rio Maguari;

VI - orla continental do rio Guamá e baía do Guajará;

VII - orla das ilhas de Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba;

§1º. As orlas urbanizadas do Município ficam definidas como zonas de

interesse para fins de recuperação urbanística, paisagística e do

patrimônio arquitetônico, identificadas no ANEXO VI como Setor A.

De acordo com as diretrizes urbanísticas para estas zonas, está a

de recuperação das áreas degradadas, livres ou ocupadas, potencializando

as suas qualidades materiais e imateriais para que possam ser incorporadas a

Unidades de Paisagem, como versa o Art.110, inciso I do Plano Diretor:

Art. 110 São diretrizes das Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA):

I - recuperar áreas degradadas, livres ou ocupadas, potencializando as

suas qualidades materiais e imateriais para que possam ser incorporadas

a Unidades de Paisagem;

Portanto, as normas jurídicas vigentes exaradas pelo Poder

Legislativo Municipal para o ordenamento urbano de Belém referente as

zonas especiais de interesse ambiental como as orlas de Belém o são, impõe

restrições à intervenções que não se destinem prioritariamente aos interesses

difusos e coletivos de natureza ambiental e cultural.

L.5. DAS RESTRIÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE EMPRENDIMENTOS HABITACIONAIS NAS

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E ESPECÍFICAMENTE NAS ZONAS URBANAS

ESPECIAIS ONDE ESTÃO LOCALIZADAS AS ORLAS DE BELÉM.

Esclarecimentos feitos, após referenciar uma elevada

quantidade de normas jurídicas de regência sobre a matéria, interpretando-

as de forma sistemática, observando as regras existentes sobre aplicação de

leis em matérias de competência legislativa concorrente e de hierarquia

entre as normas, podemos determinar que tipo de empreendimentos

habitacionais podem ser instalados nas faixas marginais dos cursos d´água,

em especial nas orlas de Belém, da seguinte forma:

1. Em observância dos artigos 3º e 4º da Lei n° 12.651/2012, as faixas

marginais dos cursos d'água dos Rios Maguari e Guamá, da Baia do Guajará,

das ilhas de Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba sofrem restrições para

instalação de empreendimentos habitacionais, por se tratarem de área de

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preservação permanente. A restrição interventiva varia de acordo com a

distância da borda da calha do leito regular, variando de 30 a 500 metros.

No caso das orlas de Belém, verifica-se que as larguras dos

cursos d´água à frente da cidade o que resulta em uma faixa de proteção

permanente superior a 500 metros de largura.

Dentro desta faixa de 500 metros de largura de área de

proteção permanente poderão sofrer intervenções urbanas apenas as de

utilidade pública, interesse social e de baixo impacto ambiental.

No caso de implantação de empreendimentos habitacionais,

são permitidos apenas os de regularização fundiária de assentamentos

humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em

áreas urbanas, sendo vedada a construção de habitações multifamiliares

verticais e horizontais para população de média ou alta renda.

2. Em observância ao que prescreve a Lei Complementar Municipal nº

02/99, artigos 12, inciso I, alíneas “f” e “h”; art.38, inciso I e art.41, parágrafo

2º, incisos I e II, o uso do solo urbano de Belém não permite a implantação

de empreendimentos que impeçam o melhor aproveitamento dos ventos

gerais do continente e das brisas do Rio Guamá e Baia do Guajará, o que

impede a construção de habitações multifamiliares verticais (edifícios).

3. Em observância ao Art.65 e 66 do Plano Diretor, é proibido qualquer

tipo de construção em uma faixa de trinta metros ao longo de cada uma

das margens dos cursos d’água e de 100 metros na orla das praias e ilhas de

Belém, para implementação de corredores ecológicos. Após a faixa

gravada como non aedificandi, apenas serão permitidos empreendimentos

privados de baixo impacto ambiental:

Art. 66 Para a efetiva implementação dos programas de Corredores de

Integração Ecológica, deve ser prevista uma faixa de domínio ao longo

dos cursos d’água, determinando larguras mínimas e máximas, conforme

as situações abaixo:

I - cursos d’água com presença de vegetação ainda preservada:

a) considera-se área non aedificandi a faixa de trinta metros ao longo de

cada uma das margens dos cursos d’água, destinada à implantação dos

Corredores de Integração Ecológica;

b) após a faixa delimitada na alínea “a”, considera-se uma faixa non

aedificandi de setenta metros permitindo-se apenas o uso de áreas

verdes provenientes de empreendimentos urbanísticos, públicos ou

privados, objeto de parcelamento do solo para a implantação de Parques

Lineares.

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II - orla continental, orla urbanizada das ilhas e cursos d’água com

presença de vegetação já modificada por ação antrópica, ou em processo

de degradação:

a) considera-se área non aedificandi a faixa mínima de trinta metros, ao

longo de cada uma das margens dos cursos d’água, destinada à

implantação dos Corredores de Integração Ecológica;

b) após a faixa delimitada na alínea “a”, considera-se área destinada à

implementação de empreendimentos residenciais e não residenciais de

baixo impacto ambiental, a serem executados pela iniciativa privada ou

pelo Poder Público.

III - áreas das orlas das praias e demais ilhas do Município de Belém, nas

quais considera-se área non aedificandi a faixa mínima de cem metros, a

partir da linha de maior preamar.

4. Em observância ao Art.41 § 2º, incisos I e II e Art.111, incisos V,VI e VII

cominados com o parágrafo primeiro do mesmo artigo, as orlas continentais

do Rio Guamá e Baia do Guajará e as orlas do Rio Maguari e das ilhas de

Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba são zonas especiais de interesse para fins

de recuperação urbanística, paisagística e do patrimônio arquitetônico, não

sedo permitida nenhum empreendimento habitacional nestas áreas.

Art. 111 Constituem-se Zonas Especiais de Interesse Ambiental (ZEIA), da

Macrozona do Ambiente Urbano (ANEXO VI):

V - orla do rio Maguari;

VI - orla continental do rio Guamá e baía do Guajará;

VII - orla das ilhas de Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba;

§1º. As orlas urbanizadas do Município ficam definidas como zonas de

interesse para fins de recuperação urbanística, paisagística e do

patrimônio arquitetônico, identificadas no ANEXO VI como Setor A.

Conclui-se, que nas áreas de preservação permanente de

Belém somente podem ser construídos empreendimentos habitacionais para

população de baixa renda, considerados de baixo impactos ambiental,

sendo vedados nas zonas especiais de interesse ambiental como são

consideradas as orlas continentais do Rio Guamá e Baia do Guajará e

demais orlas igualmente protegidas, a implantação de empreendimentos

habitacionais de qualquer natureza.

Portanto, a construção de empreendimentos multifamiliares

verticais (edifícios) nas faixas marginais dos cursos d´água em Belém é

proibida pela legislação federal, estadual e municipal vigentes.

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Passo então ao próximo item deste Relatório, que analisa

especificamente a situação jurídica do empreendimento localizado na Rua

Nelson Ribeiro nº 93, no Bairro do Telégrafo, denominado Premium.

II. SOBRE A SITUAÇÃO JURÍDICA DO EMPREENDIMENTO CONSTRUÍDO ÀS

MARGENS DA BAIA DO GUAJARÁ DENOMINADO EDÍFICIO PREMIUM

Por tudo que foi exposto até o presente momento, não há

dúvida que o Edifício Premium foi construído em área de proteção

ambiental permanente e de interesse especial, em absoluta e completa

transgressão da legislação ambiental e urbanística vigente.

O empreendimento foi licenciado e construído em desacordo

com a Lei Federal de proteção às áreas de preservação permanente e das

Normas municipais de ocupação urbana de Belém.

Os documentos acostados aos autos com objetivo de

demonstrar que o Empreendedor agiu em conformidade com as normas

procedimentais para o licenciamento da obra e, após vários anos de

contestação pública sobre sua legalidade e legitimidade, sem que os

anseios sociais fossem considerados, bem como a evidente e manifesta

ilegalidade de sua localização, somente expõe a maior mazela deste País,

que faz sangrar a esperança do seu povo, que é a falta de compromisso e

seriedade de seus governantes com os interesses da sociedade.

A citada obra (já em fase de acabamento), se mantida de pé,

tornar-se-á um ícone permanente do desapreço pelo cumprimento da lei e

da omissão do Poder Público.

Não há outro caminho para a construção de uma sociedade

fraterna, cooperativa, tolerante e igualitária sem que a sociedade tenha

como dogma o respeito à Lei, no exercício de seus direitos e no

cumprimento de seus deveres.

A sociedade que não prestigia o Estado de Direito elege para si

a barbárie e a violência. Aqueles que acreditam na impunidade e que seus

interesses pessoais são dissociados dos interesses da coletividade, não

compreendem que são agentes determinantes para o comprometimento

das futuras gerações, que deixaram de herdar um dos valores mais valiosos

para o ser humano: a liberdade.

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22

De quem é a culpa da situação em que se encontra o polêmico

empreendimento? É exclusivamente do Poder Público.

Não entendo que os empreendedores do Edifício Premium

agiram de má fé ou com a intenção de burlar a Lei, como muitos se

manifestam. Em verdade, se desconsiderarmos a hipocrisia de uns e o

discurso ultrapassado da luta de classes de outros, a maioria dos críticos, se

permitido fosse, não resistiria ao desejo de morar às margens de um rio ou

mar.

A boa fé dos empreendedores foi demonstrada pela iniciativa

de requerer ao Poder Público, a concessão de licença para realização do

empreendimento.

A manifestação dos diversos Órgãos Públicos que participaram

do procedimento de licenciamento da obra induziu aos empreendedores, a

presunção de legalidade da obra.

Estes foram vítimas da incompetência das autoridades

administrativas e saberão buscar a reparação pelos danos sofridos.

II.1. DA NULIDADE DO LICENCIAMENTO DA OBRA DO EDIFÍCIO PREMIUM

A Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente exige em seu artigo 10 que a construção, instalação, ampliação e

funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos

ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer

forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio

licenciamento ambiental.

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de

estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva

ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar

degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

Por sua vez, a resolução CONAMA (Conselho Nacional de Meio

Ambiente) no 237/97, é o instrumento normativo que regulamenta o

processo de licenciamento ambiental no Brasil.

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Conforme dispõe o artigo 8º e inciso da Resolução nº 237/97,

serão expedidas as seguintes licenças conforme a fase do empreendimento:

I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do

empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção,

atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e

condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua

implementação;

II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento

ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos,

programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle

ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo

determinante;

III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou

empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que

consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e

condicionantes determinados para a operação.

O procedimento de licenciamento ambiental é o instrumento

administrativo disponível ao Poder Público para autorizar a localização,

instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades

utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente

poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar

degradação ambiental.

O procedimento de licenciamento é obrigatoriamente

conduzido por servidores públicos, que no exercício de atividade, produzem

atos administrativos vinculados e discricionários que atuam para garantir que

o empreendimento, atividade ou obra se desenvolvam em conformidade

com a legislação ambiental.

A primeira fase do processo de licenciamento se inicia com o

requerimento do Empreendedor solicitando a expedição de licença prévia,

que consiste na declaração do Poder Público de que a localização e

concepção do empreendimento estão de acordo com a legislação,

atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e

condicionantes.

No caso do Edifício Premium a licença prévia foi concedida em

30 de Janeiro de 2009 pela Secretária Municipal de Meio Ambiente à época,

Sra. SYLVIA CHRISTINA SOUZA DE OLIVEIRA SANTOS e pelo Diretor do

Departamento de Controle Ambiental à época, JOSÉ CLAUDIO MOREIRA

CUNHA, que desconsideraram diversas informações constantes do processo

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de licenciamento que apontavam para a sua ilegalidade, cito como

exemplo o item 4.4.2.4 – Considerações finais, do Projeto de Controle

Ambiental, constante à fl. 135, que o empreendimento estava situado em

área de mata ciliar. Mesmo atestando que a área apresenta fortíssima

antropização, o Projetista reconhece que “As matas ciliares exercem

importante papel na proteção dos cursos d´água funcionando como filtros,

retendo defensivos agrícolas, poluentes e sedimentos que seriam

transportados para os cursos d´água, afetando diretamente a quantidade e

a qualidade de água e consequentemente a fauna a aquática e a

população humana”.

Conclui-se que a licença prévia foi ilegal e não poderia ter sido

concedida, pois não preenchia um dos requisitos legais de validade: a

localização do empreendimento.

A ilegalidade da licença prévia ensejaria sua anulação pela

própria Administração Municipal, restabelecendo a legalidade

administrativa, como ratificam as Súmulas nº 346 e 473 do Supremo Tribunal

Federal:

346 - A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios

atos.

473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de

vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou

revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os

direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Entretanto, a Administração Pública Municipal não só manteve a

licença prévia, como concedeu licença de instalação em 09 de Dezembro

de 2011, assinada pela Sra. CAMILLA PENNA DE MIRANDA FIGUEIREDO,

Secretaria Municipal de Meio Ambiente em exercício e SUSANY DE SENA

NERY LIMA, Diretora do Departamento de Controle Ambiental.

Entendo que a licença prévia concedida ilegalmente,

compromete todo o licenciamento, por consequência, a obra.

Fulminada pelo vício da nulidade a licença prévia, todos os atos

posteriores à concessão da licença prévia se tornam imprestáveis, pois o

vício de ilegalidade por ilícitos ambientais não se convalidam, por versarem

sobre direitos irrenunciáveis da sociedade.

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A declaração de nulidade da licença prévia exarada e mantida

de forma ilegal produz efeitos contra as autoridades administrativas

concedentes e aos empreendedores e, por decorrência, no

empreendimento.

Os efeitos da declaração de nulidade da licença prévia e por

consequência de todo processo de licenciamento do Edifício Premium serão

os seguintes.

II.2. DOS EFEITOS DA NULIDADE DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL SOBRE OBRA

A nulidade do licenciamento ambiental da obra decorre da

impossibilidade de locação da obra em área de preservação permanente e

de interesse urbano espacial.

Se a obra não poderia ser iniciada, decerto não poderá

permanecer, devendo ser demolida.

Há muitos questionamentos sobre a possibilidade jurídica de

demolição da obra, em razão desta estar em fase de acabamento, ou seja,

em conclusão. Algumas acreditam que a obra não poderá ser mais

demolida, pois com base na Teoria do fato consumado, o dano social seria

maior que os benefícios a serem obtidos.

Desconsiderando neste momento o fato dos empreendedores

terem iniciado e continuado a construção do Edifício com base de

mandado liminar concedido pela 9ª Vara Federal, a resposta a esta questão

é dada pelas manifestações proferidas em número elevado de acórdãos

dos Tribunais Superiores do Brasil.

Menciono alguns exemplos de julgados em que se determina a

retirada de empreendimento imobiliário irregular localizado em área de

preservação permanente:

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Citamos inicialmente acórdão proferido pelo Superior Tribunal de

Justiça relatado pela Ministra Eliana Calmon, onde se reconhece a

imprescritibilidade de reparação do dano ambiental e afasta a aplicação

da teoria do fato consumado:

101000344829 JCFLO.8 JCF.225 JSUMSTJ.211 – AMBIENTAL E

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO

EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP – CASAS DE VERANEIO –

MARGENS DO RIO IVINHEMA/MS – SUPRESSÃO DE MATA CILIAR –

DESCABIMENTO – ART. 8º DA LEI 12.651/2012 – NÃO ENQUADRAMENTO

– DIREITO ADQUIRIDO AO POLUIDOR – FATO CONSUMADO –

DESCABIMENTO – DESAPROPRIAÇÃO NÃO CONFIGURADA – LIMITAÇÃO

ADMINISTRATIVA – DANO AMBIENTAL E NEXO DE CAUSALIDADE

CONFIGURADOS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA

211/STJ – 1- Descabida a supressão de vegetação em Área de

Preservação Permanente - APP que não se enquadra nas hipóteses

previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social

e baixo impacto ambiental). 2- Conquanto não se possa conferir ao direito

fundamental do meio ambiente equilibrado a característica de direito

absoluto, certo é que ele se insere entre os direitos indisponíveis,

devendo-se acentuar a imprescritibilidade de sua reparação, e a sua

inalienabilidade, já que se trata de bem de uso comum do povo (art. 225,

caput, da CF/1988). 3- Em tema de direito ambiental, não se cogita em

direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do

fato consumado. Precedentes do STJ e STF. 4- A proteção legal às áreas

de preservação permanente não importa em vedação absoluta ao direito

de propriedade e, por consequência, não resulta em hipótese de

desapropriação, mas configura mera limitação administrativa. Precedente

do STJ. 5- Violado o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, pois o Tribunal de

origem reconheceu a ocorrência do dano ambiental e o nexo causal

(ligação entre a sua ocorrência e a fonte poluidora), mas afastou o dever

de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos

remanescentes. 6- Em que pese ao loteamento em questão haver sido

concedido licenciamento ambiental, tal fato, por si só, não elide a

responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente,

uma vez afastada a legalidade da autorização administrativa. 7- É

inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo

Tribunal de origem, por falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ). 8-

Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (STJ – REsp

1.394.025 – (2013/0227164-1) – 2ª T. – Relª Minª Eliana Calmon – DJe

18.10.2013 – p. 192) v104

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Em outro caso julgado pelo STJ referente ao loteamento

localizado no município de Ivinhema, o Ministro Herman Benjamin sustenta

que:

“Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza

do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta

ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não

compete a nenhum deles – de modo direto ou indireto, muito

menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias

ou compensatórias vazias ou inúteis – dispensar exigências legais,

regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de,

ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o

ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir,

pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei

dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei

da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua

responsabilização civil em regime de solidariedade com os

autores diretos de eventual dano causado” (STJ – REsp 1.245.149

– (2011/0038371-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe

13.06.2013 – p. 1589).

Da mesma forma o Tribunal Regional Federal da 5ª Região

proferiu acórdão determinando a demolição obra localizada em área de

preservação permanente:

251500000675 JCF.23 JCF.23.IV JCFLO.1 JCFLO.1.2 JCFLO.1.2.II JCFLO.4

JCF.225 JCF.225.III JCF.20 JCF.20.IV – PRAIA – CONSTRUÇÃO IRREGULAR

– AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO – DEMOLIÇÃO – POSSIBILIDADE –

“Administrativo e ambiental. Ação civil pública. Construção realizada em

área de preservação permanente. Ausência de licenciamento. Praia. Bem

de uso comum do povo. Ausência de autorização da SPU. Demolição.

Possibilidade. 1. O art. 23, IV, da CF, fixa a competência comum para a

União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção

do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas, de

sorte que a municipalidade que desatende a este dever constitucional –

quedando-se inerte ante a ocorrência de dano ambiental de caráter local,

afigura-se como parte legítima para figurar no pólo passivo desta ação

civil pública. 2. A área de preservação permanente (APP) é espaço

especialmente protegido pela legislação ambiental (arts. 1º, § 2º, II, e 4º,

da Lei nº 4.771/1965, e 225, III, da CF), devendo, a rigor, ser mantida

intacta, de modo a garantir a preservação dos recursos hídricos, da

paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico

de fauna e flora, e do solo. 3. Comprovada a irregularidade da edificação,

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uma vez que erguida em área de praia, bem de uso comum do povo (art.

10 da Lei nº 7.661/1988), de domínio da União (art. 20, IV, da CF) e sem

a devida autorização desta, através da Secretaria do Patrimônio da União,

há que ser determinada a sua demolição, às expensas daquele que

ergueu o imóvel, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei nº 7.661/1988. 4. In

casu, verifica-se que foi edificada construção irregular em APP, sem a

prévia realização de licenciamento ambiental, de sorte que a obra deve

ser demolida, para que se restaure o status quo ante do meio ambiente.

5. Apelações desprovidas.” (TRF 5ª R. – AC 2004.82.00.011653-4 –

(420275/PB) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe

12.09.2012 – p. 303)

Na mesma linha o Tribunal Regional Federal da 4ª Região

determinou a demolição de conjunto hoteleiro construído em área de

preservação permanente, sem observância das exigências legais:

250700001731 JCF.225 – MEIO AMBIENTE – ÁREA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE – CONSTRUÇÃO DE HOTEL – DESTRUIÇÃO DE ROCHAS –

INADMISSIBILIDADE – EFEITOS – "Administrativo. Ação civil pública. Dano

ambiental. Edificação de conjunto hoteleiro em área de preservação

permanente. Supressão de Mata Atlântica. Destruição de rochas.

Demolição da obra e recomposição ambiental da área degradada. 1. O

empreendimento imobiliário ocasionou graves danos ao meio ambiente,

ocorrendo poluição, erosão do solo, supressão de vegetação nativa de

Mata Atlântica, inclusive com provável utilização de explosivos para o

‘corte de pedras’ e alteração da fauna, o que ocasionou alterações na

paisagem, sendo que a obra se sobressai e as modificações decorridas

contrasta com o ambiente natural, descaracterizando-o. 2. Em última

análise, cabe ao Estado a atribuição de determinar se há ou não utilização

racional do meio ambiente, conforme o art. 225 da Constituição Federal

de 1988, em última análise. 3. A Lei nº 7.661/1988 instituiu o Plano

Nacional de Gerenciamento Costeiro, para orientar a utilização nacional

dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a

qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio

natural, histórico, étnico e cultural. Em seu art. 6º, tratou do licenciamento

para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalações

das características naturais da Zona Costeira. 4. A construção do

empreendimento imobiliário deu início sem autorização de nenhum dos

órgãos competentes para tanto, e a autorização concedida pela Fatma

para a implantação do projeto, representada pela Licença Ambiental

Prévia – LAP, ficou condicionada ao respeito à legislação ambiental.

Entretanto, de nada serve se expedir uma licença que tem o caráter de

provisoriedade, mas mediante a qual se viabiliza uma obra que produz

um dano efetivo ao meio ambiente, sem antes verificar e estabelecer as

restrições específicas do caso concreto. 5. Não há que se falar em

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limitação ao direito de propriedade como algo isolado. De fato, neste

direito está inserido o uso do imóvel, que deve atender à sua função social

e ao disposto na lei, compreendida, aqui, em sentido amplo. Se a lei

trouxe limitação ao direito de propriedade, não está legitimado o

proprietário a usar da autotutela e dar ao imóvel o uso que bem entender,

ademais quando há legislação específica sobre a preservação da Zona

Costeira e da Mata Atlântica, que protege suas características naturais.

Além disso, é certo que o direito de propriedade, que beneficia o indivíduo

titular do domínio, deve ceder ao direito ao meio ambiente, cuja

titularidade é da coletividade. 6. Não obstante a Fundação de Amparo à

Tecnologia e ao Meio Ambiente – Fatma ter lavrado termos de infração

por corte de vegetação e de pedras dentro da praia, construção de

trapiche, marina e de dez casas sem prévia autorização dos órgãos

competentes, o apelado continuou a construir. Ademais, sequer foi

produzido o relatório de impacto ambiental exigido pela Lei nº

7.661/1988 para o licenciamento. 7. De acordo com o texto do Decreto

nº 99.547/1990, mantido no Decreto nº 750/1993, que o revogou, ficam

proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou

nos estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica. Ora,

havendo proibição expressa para o corte da vegetação nativa da Mata

Atlântica, que é a que cobre o imóvel, é certo que nenhuma obra, desde a

abertura de estradas à construção do empreendimento, poderia ter sido

executada, pois, para tanto, imperioso seria a derrubada da vegetação,

como efetivamente ocorreu. 8. Conclui-se que houve poluição e que o réu

é poluidor, nos termos do art. 3º da Lei nº 6.938/1981, razão pela qual é

cabível sua condenação em reparar os danos causados ao meio

ambiente, como prevê o art. 14, § 1º, da mesma Lei." (TRF 4ª R. – AC

2000.04.01.118760-8/SC – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marga Inge Barth

Tessler – DE 18.02.2008).

Não menos contundente o Tribunal Regional Federal da 1ª

Região decidiu sobre a possibilidade de demolição de obra irregular:

251500000720 JCFLO.2 JCFLO.3 JCFLO.2.B JCFLO.3 JCFLO.3.1 – DANO

AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL –

LICENÇA EXPEDIDA PELO ÓRGÃO RESPONSÁVEL – CONTRARIEDADE AO

CÓDIGO FLORESTAL – DEMOLIÇÃO – ADMISSIBILIDADE – “Ambiental e

administrativo. Ação civil pública para demolição de obra e reparação de

dano ambiental. Licença expedida por órgão ambiental do Estado do

Tocantins para permitir edificação de chácara de lazer individual em Área

de Proteção Ambiental (APP) às margens do Lago do Lajeado.

Contrariedade à Lei Federal (Código Florestal). Dano ambiental

incontroverso. Responsabilidade objetiva. Dever de reparar dano. Parcial

provimento da apelação. 1. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil

pública contra Ana Rosa Guimarães Fonseca objetivando a condenação

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da apelada a demolir edificação, chácara de lazer, construída em Área de

Preservação Permanente (APP), às margens do Lago [...] do Lajeado; (b)

abster-se de nova construção na área, (c) reparar o dano ambiental na

área da APP e (d) indenizar o dano em valor a ser apurado em execução

de sentença. 2. A sentença recorrida julgou improcedentes os pedidos sob

o fundamento de que no curso da demanda a apelada obteve a licença

ambiental do empreendimento expedida pelo Naturatins. 3. Área de

preservação permanente, protegida nos termos dos arts. 2º e 3º do

Código Florestal (Lei Federal nº 4.771/1965), significa aquela coberta ou

não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade,

o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar

das populações humanas (art. 1º, II). 4. Consideram-se de preservação

permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas

ao redor das lagoas ou reservatórios d’água naturais ou artificiais (Lei nº

4.771/1965, art. 2º, b). 5. Segundo o Código Florestal (art. 3º, § 1º) a

supressão das áreas de APP só será admitida com prévia autorização do

Poder Executivo, quando for necessária à execução de obra, atividades ou

projetos de utilidade pública ou interesse social. 6. Causa de dano

ambiental é qualquer atividade que de forma direta ou indireta afete

desfavoravelmente o meio ambiente (Lei Federal nº 6.983/1981, art. 3º,

III, c). A existência de construção à beira do lago conduz a dano devido a:

(a) aumento da probabilidade de ocorrer processo erosivo pela retirada da

cobertura vegetal nativa; (b) assoreamento das margens do lago pelo

transporte de sedimentos, prejuízo à fauna local porque a vegetação

exótica provoca o afastamento dos animais da região; (d) compactação e

impermeabilização do solo; lixo depositado pelas pessoas que utilizam o

local; (e) construção de fossa séptica com risco de contaminação do

lençol freático e corpo d’água, conforme relatório de vistoria dos agentes

de fiscalização do Ibama. 7. Violando disposições da legislação ambiental

federal de proteção de APP foi erigida construções da Chácara Lago Azul,

Município de Palmas/TO, às margens do Lago da UHE do Lajeado e

concedida licença ambiental pelo Naturatins, no curso da demanda. 8. É

juridicamente irrelevante que o Estado do Tocantins tenha promulgado a

Lei Estadual nº 1.939/2008 considerando como de utilidade pública e

interesse social e chácaras de lazer em volta do Lago do Lajeado em

Palmas/TO e com isso permita a supressão de vegetação em Área de

Preservação Permanente (APP). 9. Não se altera mediante norma jurídica

a natureza das coisas: luxo, construção de casas de lazer e conforto

individuais não se tornam, por definição legal, atividade de interesse

social e utilidade pública. 10. O art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1991

estabeleceu a responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao

meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. 11. O art. 18 da

Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, as áreas de preservação permanente são consideradas reserva

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ou estação ecológica, de responsabilidade do Ibama: ‘são transformadas

em reservas ou estações ecológicas, sob responsabilidade do Ibama e

demais formas de vegetação natural de preservação permanente,

relacionadas no art. 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965’. 12.

A demolição de obra irregular em Área de Preservação Permanente (APP)

tem previsão legal e é medida que pode ser inclusive, aplicada pelo órgão

ambiental, após regular processo administrativo (Lei nº 9.605/1998, art.

72, VIII). 13. ‘A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela

autoridade ambiental quando verificada a construção de obra em área

ambientalmente protegida, em desacordo com a legislação ambiental’

(Decreto nº 6.514/2008). 14. Apelação parcialmente provida.” (TRF 1ª R.

– AC 0000108-79.2011.4.01.4300/TO – Relª Desª Fed. Selene Maria de

Almeida – DJe 07.11.2012 – p. 348)

Portanto, a demolição do edifício é possível e provável diante

das peculiaridades legais da questão e das repercussões sociais e

ambientais que sua permanência causará.

Senhores Conselheiros, Senhoras Conselheiras,

No início deste relatório, declarei minha crença que a decisão

deste Conselho poderá representar um novo paradigma de atuação da

sociedade civil na defesa dos interesses difusos e coletivos.

Não há como dissociar a questão proposta do contexto histórico

em que nós nos encontramos. Assistimos todos os dias, um movimento

crescente de contestação contra a atuação do Poder Público e seus

representantes na solução dos problemas relevantes para a sociedade.

Entre outros fatores, as maiores insatisfações sociais decorrem do

caos urbanos em que as grandes cidades estão submetidas, pelo descaso e

preconceito que o Poder Público trata os problemas ambientais.

A ideia distorcida e equivocada de que as questões ambientais

atrapalham o desenvolvimento econômico, defendida por autoridades

administrativas, políticos e lideranças setoriais, esconde em si, o desejo de

perpetuação de uma cultura patrimonialista e exploratória do Estado, onde

o cumprimento da lei e o interesse público são secundários, ante a ânsia de

viabilizar projetos pessoais de poder político e econômico. Mal sabem que

suas visões toscas, os levam para o caminho inverso de seus objetivos, pois o

desenvolvimento econômico e a legitimação política somente prosperam

em um ambiente de paz social, onde todo cidadão disponha de condições

de exercer na plenitude seus direitos e obrigações.

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A inteligência da norma jurídica do Art.225 da Constituição

impõe à sociedade brasileira a responsabilidade de garantir às gerações

futuras as condições necessárias para que possam cumprir seus desideratos,

individuais e coletivos no constante e difícil processo de evolução

civilizatória.

Diante de tão grande desafio, a construção deste legado, onde

transmitiremos nossos ideais, valores e tradições, edificados ao longo do

tempo pelo esforço e sacrifício dos nossos ascendentes, nos impõe trilhar

este caminho, projetando o futuro, sem esquecer o passado.

Foi com os olhos no passado, em um ato de afirmação cultural

que o Poder Legislativo de Belém, impôs limitações à sociedade de

ocupação do solo urbano de diversas áreas da cidade, entre elas a orla do

Rio Guamá e da Baia do Guajará, permitindo somente intervenções de

interesse paisagístico e cultural.

Às vésperas de completar 400 (quatrocentos) anos, lembremos

que Belém nasceu de frente para o rio. Surgiu altiva como guardiã do

território da antiga colônia portuguesa; aqueles que aqui chegaram tiveram

o rio como estrada; foi pelo rio que Belém, por três séculos acolheu

paraenses de todas as regiões deste Estado; foi pelo rio que saiam as

riquezas do Pará, que tornam Belém a Metrópole da Amazônia, nos tempos

áureos do ciclo da borracha. O aclamado urbanista paraense Alcir Meira,

em audiência pública promovida em 2013, pela Comissão de Meio

Ambiente, declarou que Belém “voltou-se de costas” para o rio após a

construção da BR 316 (Belém-Brasília), inaugurada na década de 60,

quando a urbanização da cidade desenvolveu-se naquela direção.

Portanto, este curto espaço de tempo em que a orla de Belém

ficou esquecida e maltratada pela ocupação urbana desordenada, não

compromete sua vocação, nem a relação de seu povo com o este

ambiente natural. Ao contrário, as intervenções urbanas recentes na orla do

Rio Guamá como o Portal da Amazônia, Mangal das Garças, Complexo Feliz

Luzitânia, Estação das Docas e às margem da Baia do Guajará, o Complexo

Turístico “Ver o Rio”, ratificam a determinação do Plano Diretor Municipal de

recuperação paisagística destas áreas especiais da cidade.

Não há como negar a atração da população belenense pelo

rio, atração esta sentida pelos próprios empreendedores do Edifício Premium

que elegeram fazer sua morada à sua margem.

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Portanto, além de ilegal não há dúvida nenhuma que o

empreendimento em análise está em completa dissonância com a história,

cultura, os valores, a política urbana de Belém, a obrigação de defesa do

meio ambiente e com os interesses e necessidades da coletividade.

Ante o exposto, submeto a este Colegiado as seguintes

proposições:

1. O ajuizamento de ação civil pública contra o Município de Belém para

que se abstenha de licenciar qualquer intervenção urbana nas orlas de

Belém que não tenham exclusivamente finalidade paisagística e cultural de

interesse difuso e coletivo.

2. A autorização previa do ajuizamento de Ação Civil Pública para

exclusão de todos os empreendimentos em dissonância com a legislação

ambiental e urbana nas orlas de Belém.

3. A notificação judicial da Superintendência do Patrimônio da União

para que cumpra sua responsabilidade pública de proteção das áreas de

preservação permanente, ao conceder autorização de uso das áreas de

marinha para intervenções de utilidade pública, interesse social ou de baixo

impacto ambiental.

É o voto.

Afonso Arinos de Almeida Lins Filho

Conselheiro Relator