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1 O USO SOCIAL DA BIODIVERSIDADE NA RESERVA EXTRATIVISTA RIO JUTAÍ (AM) Breenda Tayssa Matos Frazão Laboratório de Estudos Sociais, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. [email protected] Reinaldo Corrêa Costa Laboratório de Estudos Sociais, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. [email protected] Resumo O presente trabalho tratou do uso dos recursos naturais pelos moradores da Reserva Extrativista do Rio Jutaí, abordando extrativismo e produção agrícola com conservação e uso da biodiversidade, considerando a biodiversidade e seus elementos como habitats, populações, espécies e de genes, em um bioma com inúmeras espécies endêmicas tanto na flora quanto na fauna. A reserva é constituída com diferentes usos dos espaços pelos seus usos e práticas, sejam de caça, de pesca, de trabalho entre outros e não raro com baixo impacto destrutivo no meio, mesmo a diferentes escalas de tempo futuro, pois geralmente visam a reprodução e o re-uso de tais espaços em escalas próprias ao grupo, ao meio e a capacidade de suporte. Palavras-chave: Biodiversidade. Sistemas Naturais. Reserva Extrativista. Introdução O trabalho aborda o uso da biodiversidade em um território de uso específico com sujeitos sociais submetidos a regras de uso da natureza e de trabalho direto com os sistemas naturais, isto é, o manejo agrícola e as forças naturais produtivas e cuja reprodução do modo de vida é baseada no uso da natureza, isto é, a natureza é tratada como um recurso natural, com intuito de identificar e analisar algumas das dimensões da biodiversidade e de seu uso social. Este trabalho analisou o uso da biodiversidade e como isso se implica no recorte territorial da Reserva Extrativista do Rio Jutaí que se justifica pelo fato da região ser caracterizada pela conservação dos recursos naturais e, sobretudo, pela luta e resistência camponesa de agroextrativistas transformando-se em um mosaico de atividades diversas, porém concatenadas com os espaços herdados da natureza que faz uso da biodiversidade. Nesta pesquisa foram feito trabalhos de campo nos meses de julho (2011), janeiro e fevereiro (2012) com o uso de questionários semi- estruturados (roteiro de conversa), fotos, mapas, bibliografia e depoimentos para identificar o uso social do sistema natural levando em consideração que existe um vasto

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O USO SOCIAL DA BIODIVERSIDADE NA RESERVA EXTRATIVISTA RIO JUTAÍ (AM)

Breenda Tayssa Matos Frazão Laboratório de Estudos Sociais, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

[email protected]

Reinaldo Corrêa Costa Laboratório de Estudos Sociais, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

[email protected]

Resumo O presente trabalho tratou do uso dos recursos naturais pelos moradores da Reserva Extrativista do Rio Jutaí, abordando extrativismo e produção agrícola com conservação e uso da biodiversidade, considerando a biodiversidade e seus elementos como habitats, populações, espécies e de genes, em um bioma com inúmeras espécies endêmicas tanto na flora quanto na fauna. A reserva é constituída com diferentes usos dos espaços pelos seus usos e práticas, sejam de caça, de pesca, de trabalho entre outros e não raro com baixo impacto destrutivo no meio, mesmo a diferentes escalas de tempo futuro, pois geralmente visam a reprodução e o re-uso de tais espaços em escalas próprias ao grupo, ao meio e a capacidade de suporte. Palavras-chave: Biodiversidade. Sistemas Naturais. Reserva Extrativista. Introdução O trabalho aborda o uso da biodiversidade em um território de uso específico com

sujeitos sociais submetidos a regras de uso da natureza e de trabalho direto com os

sistemas naturais, isto é, o manejo agrícola e as forças naturais produtivas e cuja

reprodução do modo de vida é baseada no uso da natureza, isto é, a natureza é tratada

como um recurso natural, com intuito de identificar e analisar algumas das dimensões

da biodiversidade e de seu uso social. Este trabalho analisou o uso da biodiversidade e

como isso se implica no recorte territorial da Reserva Extrativista do Rio Jutaí que se

justifica pelo fato da região ser caracterizada pela conservação dos recursos naturais e,

sobretudo, pela luta e resistência camponesa de agroextrativistas transformando-se em

um mosaico de atividades diversas, porém concatenadas com os espaços herdados da

natureza que faz uso da biodiversidade. Nesta pesquisa foram feito trabalhos de campo

nos meses de julho (2011), janeiro e fevereiro (2012) com o uso de questionários semi-

estruturados (roteiro de conversa), fotos, mapas, bibliografia e depoimentos para

identificar o uso social do sistema natural levando em consideração que existe um vasto

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campo ainda para ser aprimorado em relação ao aproveitamento dos produtos relativos à

biodiversidade.

Desenvolvimento A criação da Reserva Extrativista do Rio Jutaí no oeste do estado do Amazonas permite

aliar extrativismo e produção agrícola com conservação e uso da biodiversidade,

considerando a biodiversidade e seus elementos como habitats, populações, espécies e

de genes, em um bioma com inúmeras espécies endêmicas tanto na flora quanto na

fauna. A questão da preservação da biodiversidade mostra que a sociedade não é regida

apenas por comportamentos éticos e sociais, mas também por parâmetros de ordem

ambiental, dessa forma segundo Drew (2010) “a tradição cultural tem desempenhado o

seu papel na determinação do comportamento das pessoas em relação ao ambiente” e é

nesse contexto que se observa uma forte ligação dos agroextrativistas (auto

identificação) com o pertencimento a terra e a cultura relacionada à biodiversidade

assim também como a conservação, uma vez que a criação desta Resex foi produto da

luta das comunidades do Rio Jutaí, junto com outras comunidades do Médio e Alto

Solimões e calhas que originou também a criação das resex do Baixo Juruá e Auati-

Paraná do movimento seringueiro que se originou na Amazônia.

Figura 1 – Foto tirada na ASPROJU (Associação dos Produtores de Jutaí), localizada na cidade de Jutaí, onde se encontrava um dos moradores da Resex, a frase “A luta pela vida na floresta” na camisa é um exemplo de pertencimento a terra por meio de reconhecimento social e de suas identidades. Fonte: FRAZÃO, B. T. M. em Fevereiro de 2011.

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A diversidade biológica é explicada por Posey (1987) fazendo junção também as

diversidades sociais e culturais A diversidade biológica, no entanto, não se restringe a um conceito pertencente ao mundo natural; é também uma construção cultural e social. As espécies são objeto de conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais, e finalmente, mercadoria nas sociedades modernas.

Diante disso a Resex do Rio Jutaí surgiu reforçando a idéia de preservação daquilo que

ainda permanece por meio da proteção da natureza a fim de preservar os remanescentes

da biodiversidade, da diversidade de paisagens e da diversidade social e justiça social,

assim como a preservação dos saberes tradicionais dos agroextrativistas, que seguem o

modelo do ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) que é a

instituição responsável pela reserva afim de preservar a natureza através da agricultura

orgânica e da extração controlada de matérias-primas renováveis, instituído através da

Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000, Citado no Artigo 4º, Inciso XIII, cujo objetivo é

“[...] proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações

tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-

as social e economicamente”, neste sentido, em seu Artigo 18, o SNUC (Sistema

Nacional de Unidades de Conservação) define a Reserva Extrativista como: “[...] uma

área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no

extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de

animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a

cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da

unidade” (ICMbio, 2011).

Nesta unidade espacial de análise, não tem sido possível, mesmo para eles, manter a

exclusividade de mão-de-obra, em atividades de extração, como pede o modelo do

ICMbio. Isso significa segundo Santos & Rocha & Amaral (2007) que

Em base sobre a qual se vem dando o debate sobre o desenvolvimento sustentável na Amazônia, dentro da qual a proposta da resex se destaca como a mais desenvolvida, implica, sempre com a combinação entre as atividades extrativistas, agrícolas e criatórias, que podem variar desde situações na qual: o extrativismo é a atividade predominante e as demais são subordinadas; situações inversas, onde as atividades agrícolas e/ou criatórias sejam predominantes e o extrativismo aliado à agricultura e/ou criatórias seja predominante.

A Resex do Rio Jutaí é ocupada pelas comunidades que se distribuídas em duas bacias

hidrográficas: Rio Riozinho e Rio Jutaí, “com 275.532,88 hectares pertencendo ao

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município de Jutaí que ocupa 69.552 km², limita-se com os municípios de Amaturá,

Benjamin Constant, Carauari, Eurinepé, Fonte Boa, Itamarati, Juruá, Santo Antônio do

Içá, São Paulo de Olivença e Tonantins. Dista da capital do estado, Manaus, 750 km

em linha reta e 1.072 por via fluvial” (ICMbio, 2011). É composta de planaltos (terra

firme e paleovárzeas) e planícies inundáveis (várzeas e igapós) em terreno semi-plano

está localizada na unidade estratigráfica denominada Formação Solimões. Sendo esta

caracterizada pela sedimentação cenozóica de clásticos pelíticos em ambiente flúvio-

continental de planície de inundação, seguindo-se os sedimentos recentes de idade

provável Pleistoceno Superior ao Recente relacionados às praias atuais e depósitos

aluviais ao longo dos rios (RADAMBRASIL: 1977)

Figura 1. Reserva Extrativista do Rio Jutaí, exemplificando por meio dos pontos brancos a distribuição das comunidades, observando-se também a hidrologia da resex que é composta pela calha do Rio Jutaí e pela calha do Rio Riozinho.

Fonte: ICMbio, 2011.

A Resex do Rio Jutaí foi produto da luta do movimento seringueiro, entretanto apesar

do movimento seringueiro ter sido forte a alguns anos, hoje encontra-se em

enfraquecido, segundo os moradores por que não possuem equipamento para a extração

do látex, uma vez que grande parte trabalhava para comerciantes que passavam com

seus barcos carregados de mercadoria e que eram designados “patrões”, mas também

conhecidos como “atravessadores” que compravam as placas de borracha por valores

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considerado muito baixos ou trocavam uma placa de borracha por alimentos não

perecíveis como arroz, feijão e café, quem dava o material para a extração do látex

também eram os patrões, devido esse “auxílio” os moradores ficavam dependentes

tornando-se uma espécie de escravos pois só recebiam material de trabalho e

alimentação, devido a decadente economia da borracha, desencadeou-se o saída do

seringal e também a migração de seringueiros para centros urbanos como Jutaí, Fonte

Boa e Tefé, ambas no Amazonas. Atualmente alegam que não trabalham

exclusivamente com a extração porque a ASPROJU (Associação dos Produtores

Agroextrativistas de Jutaí) responsável atualmente pelo auxílio na produção e compra

dos materiais, desde o principio deu foco na agricultura, por isso muitos abandonaram

os seringais e plantaram roças, sendo essa a maior fonte de renda da resex, entretanto

esta enfrentou problemas na comercialização dos produtos devido à falta de

compradores. O movimento social rural nesta área surgiu também junto a Igreja

Católica pelo Movimento Eclesiástico de Base com missionários de Minas Gerais que

ensinaram técnicas no uso da terra gerando também a criação do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais em Jutaí (STRJ).

Apesar do Rio Riozinho e o Rio Jutaí ficarem dentro da mesma reserva, os dois

possuem apoio de órgãos governamentais sob diferentes escalas de produção, levando

em consideração o manejo local de recursos naquela que oferece maior economia para a

resex, sendo a maior produtora as comunidades do Rio Jutaí que trabalham com a venda

de artesanato, pesca principalmente de pirarucu, extração da borracha, além da venda de

farinha de mandioca comum (passada apenas uma vez na peneira simples, com grãos

que variam de tamanho), farinha ova (passada na peneira própria e girada em uma

máquina manual para que na rotação os grãos fiquem pequenos e ovais) e de frutas;

enquanto as comunidades do Rio Riozinho trabalham com a venda apenas de peixes

como jaraqui, cará, matrinxã, sardinha, surubim e outros, uma vez que esta área não

possui lagos, sendo também de baixa profundidade, fazendo com que no verão diminua

de 7 a 15 metros, dificultando até mesmo o acesso às comunidades, podendo ser feito

apenas por canoas e voadeiras, a venda de farinha de mandioca do tipo comum e banana

é o que mais gera economicidade e renda nesta área, seguido pela venda de frutas.

As comunidades do Rio Jutaí contribuem para movimentar a economia e o comércio das

cidades próximas, cultivando, transformando a matéria prima e comercializando por

meio dos setores primário (roça, quintal), secundário (Industrial – Como a casa de

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farinha, pois há a transformação da matéria prima, neste caso a mandioca em farinha) e

terciário (comércio, serviços), desta forma é importante enfatizar os diferentes conceitos

de capital nas palavras de Begossi (2011) quando explica que: O conceito de capital em economia ecológica compreende capital natural, capital produzido pelo homem e capital cultural. O capital natural incluiu recursos não-renováveis (como petróleo e minério), recursos renováveis (tais como plantas animais, água) e serviços ambientais (tais como o ciclo hidrológico, a assimilação de resíduos, a reciclagem de nutrientes, a polinização de cultivares); o capital produzido pelo homem é o capital gerado via atividade econômica, e o capital cultural refere-se a fatores que provêm as sociedades humanas dos meios e adaptações para que interajam e modifiquem o ambiente (Berkes e Folke, 1992). O capital cultural também recebe outras denominações de diferentes autores, tais como “capital adaptativo” (no sentido evolutivo), “capital social” (organização social), e “capital institucional” (suprimento de habilidades e estruturas organizacionais de uma sociedade) (Berkes E Folke, 1994).

É preciso analisar para entender como é a dinâmica do processo do capital gerado na

resex e o comportamento das políticas públicas sobre diferentes níveis de uso da

biodiversidade e manejo de recursos naturais. A preservação da natureza não tem valor

econômico em si, mas se constitui numa fonte de “recursos naturais” a serem explorados

pelos grupos sociais. Sendo parte significativa da biodiversidade pouco conhecida e

explorada, essa relação mostra a real distância da exploração da biodiversidade da resex

ou da Amazônia e o uso real em todo o mundo, sendo seu uso na maior parte das vezes

restrito às comunidades locais, desta forma os moradores da Resex se aproveitam ao

máximo dela extraindo recursos de forma tradicional por meio do etnoconhecimento que

se adquire com a família e as comunidades e como exemplos: a extração do óleo de

andiroba e copaíba assim como plantas medicinais que oferecem uma alternativa aos

medicamentos alopáticos e são impulsionados pela falta de serviço público de saúde e

pela cultura de utilização de plantas entre outros aspectos sociais, econômicos e culturais

do lugar; confecção de objetos artesanais, como miniaturas de peixes e quelônios

produzidas com troncos de árvores mortas encontrados na área de mata.

Isso acontece por meio de um projeto desenvolvido pela Associação dos Produtores de

Jutaí (ASPROJU), peneiras e tipiti com palha retirada da floresta; telhados

confeccionados com palha de Caranã e Ubim tecidas com ripa (lasca do tronco da

árvore) de Paxiubinha (palmeira) que são extraídas nas florestas galerias do Rio Jutaí ou

do outro lado do Rio Riozinho, na Terra Indígena Tikuna; pesca de peixes como jaraqui,

cará matrinxã, sardinha e surubim, mas principalmente do pirarucu porque possui

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maior valor econômico por meio do manejo, sendo utilizados pedaços da semente de

andiroba como isca e respeitando os lagos de que são considerados pelas famílias da

reserva como importantes áreas de reprodução de peixes, por isso a pesca é realizada

com menor intensidade.

Além de terem sido treinados para realizar a contagem de pirarucus nos lagos de

preservação, auxiliados por técnicos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de

Fonte Boa sendo o lago Jurará o único meandro do Rio Jutaí, o restante também são do

tipo meandros mas estes tiveram origem nos paranás que cortam a planície, os paranás

são caracterizados por duas ligações com o rio, esta estratégia é utilizada pelas famílias

para garantir a perpetuação da espécie; monitoramento de tabuleiros de desova de

quelônios constituídos pelas praias que se concentram apenas no Rio Jutaí, uma família

de cada comunidade fica responsável pelo monitoramento alojando-se na praia afim de

evitar o roubo de ovos quelônios por pessoas que não são da resex, fato que se torna

constante nos meses de agosto a novembro, auxiliados pelo ICMbio com suprimento

para os dias que estiverem em monitoramento e verba; extração do látex da seringa na

mesma época de monitoramento dos quelônios; entre outros.

Parte considerável desses usos esta ligada diretamente com a economia, pois as Reserva

Extrativista segundo Begossi (2011) “são contempladas com a conservação do capital

natural, a do capital cultural (conhecimento local e científico) e a do capital produzido

pelo homem (inclui a economia e o comércio)”, que é o mais presente transformando o

capital natural neste caso a produção da roça com a cultura de mandioca (farinha) que

aparece no sistema de produção com maior expressividade em relação a outras culturas,

o peixe, artesanato, óleo de andiroba e copaíba e a borracha em capital empregando a

capacidade de suporte que é definida por Roughdargen (1979) in Ehrlich (1994) apud

Begossi (2001) como “o tamanho máximo populacional de uma espécie que uma área

pode sustentar sem reduzir sua habilidade de sustentar a mesma espécie no futuro”,

Fearnside (1986) apud Begossi (2001) sugere que “a capacidade de suporte humana

deve ser considerada central para políticas públicas de desenvolvimento. O manejo de

recursos contemporâneo, incluindo populações nativas em áreas de conservação, tais

como florestas tropicais, deve incluir medidas de capacidade de suporte. É impossível

hoje lidar com o manejo local de recursos naturais sem uma análise da capacidade de

suporte”.

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Do ponto de vista da economia de mercado, os agroextrativistas da Resex de Jutaí

contribuem muitas vezes para a conservação dos sistemas naturais e para a proteção da

biodiversidade. O modo como as comunidades vivem e se relacionam com os recursos

da natureza gera reflexos para além de seu meio de atuação, sua escala de ação,

impactando inclusive outras comunidades por meio da mídia local e de músicas

compostas por agentes das comunidades tratando da preservação como no trecho

cantado pelo compositor Abel Vieira Da Silva, morador da resex “Sou lavrador, sou

caboclo da beirada, que topo qualquer parada tenho toda opção/ sou compositor e faço

minhas diversão/ trabalho de agricultor, e vivo de plantação/ sou carpinteiro e trabalho

pelas matas, também faço artesanato e tenho diversas profissão/ tenho limite é de

cultivar a terra, eu moro numa reserva e cuida da preservação”.

Essa letra mostra como é forte a identidade adquirida pelos agroextrativistas como

responsáveis pelo uso da natureza, por isso é importante incentivar atividades ligadas ao

uso e a reprodução das condições de uso e acesso, priorizando o valor da biodiversidade,

quanto ao uso dos recursos naturais, dando importância ao seu valor de existência, uma

vez que para o tamanho do Amazonas, pouco estudo se tem relacionados à potencialidade

desses recursos, principalmente na bioprospecção, segundo Funari & Ferro (2005) quando

argumentam que “estas constatações devem estimular o debate, sobretudo no seio de

países em desenvolvimento e detentores de rica biodiversidade e de conhecimentos

tradicionais, como é o caso do Brasil, sobre a necessidade da instituição de modelos de

saúdes nacionais, pautados em suas aptidões e carências, e sobre as oportunidades

econômicas que o uso ético da biodiversidade apresenta.”

Há quatro classificações nativas básicas de solo: terra amarelaça, terra barrenta, terra de

raiz e terra areiusca, esses estão distribuídos em manchas de tom, textura e estruturas

diferenciadas e são classificados pelos agroextrativistas de acordo com o ambiente

específico em que se encontram. O modo como são utilizadas na agricultura de acordo

com os entrevistados varia, uma vez que enquanto um prefere a terra areiusca para o

plantio de mandioca, outro prefere a barrenta. Também há variedades de mandioca, as

mais utilizadas: manaus, índia e baixinha, as características de qualidade variam de

acordo com cada entrevistado.

As oportunidades para identificação de produtos com possíveis utilizações econômicas

aumentam com estas diversidades. Com o desenvolvimento de biotecnologias as plantas

começam a ganhar valor, antes eram apenas parte da natureza, mas se caiu no uso social

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entra como recurso natural. Dessa forma muitas espécies são utilizadas com fins

medicinais pelos agroextrativistas a fim de amenizar a ineficiência dos serviços de

saúde prestados na Resex e também pela cultura local de utilização de plantas

medicinais, por meio do etnoconhecimento passado de geração em geração ou de

conversas informais entre os vizinhos, a utilização dessas plantas é comum desde os

mais velhos aos membros mais jovens da Resex, isto é uma das características do modo

de vida tradicional dessas comunidades.

A distribuição dessas espécies ocorre geralmente no entorno das casas, de plantios

adquiridos com vizinhos, sendo assim nenhuma planta é comprada ou comercializada,

as cascas medicinais de árvores são encontradas também na área de sítio e na área de

mata, nas comunidades do Rio Riozinho algumas árvores como a andiroba, de onde são

coletadas as sementes são extraídas da área indígena que se localiza na frente da mesma,

entretanto devido atritos com moradores da áreas indígenas algumas pessoas preferem

extrair o óleo de andiroba de outros locais, nesse sentido segundo Torres; Oliveira;

Alves & Vasconcellos (2009) “considerando que a medicina esta intimamente

relacionada a biodiversidade, torna-se imperativo a sua inclusão nos assuntos

relacionados a conservação, uma vez que uma ampla variedade de plantas e animais é

usada na preparação de medicamentos tradicionais”.

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O Fluxograma mostra as forças naturais produtivas da Resex do Rio Jutaí e o uso da

biodiversidade, levando em consideração que todos os recursos dependem de processos

(sociais, econômicos e políticos), porque a natureza vira recurso quando é utilizada sob

uma determinada relação. O recurso natural é entendido como: elemento do meio

geográfico que pode ser utilizado para produção de energia, produtos alimentícios entre

outros, já as condições naturais são: solo, relevo, precipitação, clima. Ambos estão

sujeitos a forma (social, política, econômica e cultural) de sua existência espacial.

Conclusões As construções no espaço da Resex se diferenciam pelos usos e práticas, sejam de caça,

de pesca, de trabalho entre outros e não raro com baixo impacto destrutivo no meio,

mesmo a diferentes escalas de tempo futuro, pois geralmente visam a reprodução e o re-

uso de tais espaços em escalas próprias ao grupo, ao meio e a capacidade de suporte. Foi

possível identificar o quão são importantes os recursos naturais no modo de vida dos

agroextrativistas, como fonte de renda, mas ainda sendo necessário agregar valor aos

produtos da biodiversidade para comercialização, uma vez que produtos como óleo da

andiroba e copaíba são vendidos a preços baixos levando em consideração a mão-de-obra

utilizada, por meio da padronização (quantidade e qualidade) da produção facilitando

contratos futuros de fornecimento contribuindo para a geração de trabalho e renda.

Ainda se tratando do uso da biodiversidade temos também o fator da superação de

dificuldades financeiras, por exemplo, o telhado das casas que são feitos de palha e

confeccionados pelos próprios moradores, visto que a telha de barro e a de alumínio são

muito caras para o poder de compra dos agroextrativistas, outro exemplo são os

pescadores que utilizam pedaços de semente de andiroba como isca na pesca, por ser

um material que não precisa ser comprado uma vez que se consegue em toda a reserva.

Desta forma a biodiversidade deve ser preservada em função de sua existência espacial,

independente de sua utilidade ante as técnicas e tecnologias atuais e as condições de uso

e acesso dos modos de vida agroextrativistas. O conhecimento acumulado sobre a Resex

do Rio Jutaí é insuficiente para determinar os impactos na remoção de qualquer

componente do sistema natural.

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Referências BEGOSSI, A. Escalas, economia ecológica e a conservação da biodiversidade. Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. CAVALCANTI,C (org). 3 ed – São Paulo; Cortez; Recife. Fundação Joaquim Nabuco, 2001. DREW, D. Processos Interativos Homem – Meio Ambiente. 7 ed – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. FUNARI, C.S & FERRO, V.O. Uso ético da biodiversidade brasileira: necessidade e oportunidade. Revista Brasileira de Farmacognosia, 2005. ICMbio. Plano de Manejo da Reserva Extrativista do Rio Jutaí. Versão Final. Tefé, 2011. POSEY. D. Etnobiologia: teoria e prática. In RIBEIRO, B. Suma Etnoecológica Brasileira. Etnobiologia. Petrópolis: Vozes/FINEP: 15-25, 2 Ed. 1987. RADAMBRASIL – Folha SA.19 – Içá, 1977. SANTOS, I. V; ROCHA, C. G. S; AMARAL, M. A. N. Uso Sustentável dos Recursos Naturais: uma tradição das famílias da comunidade São João do Cupari, Reserva Extrativista “Verde para Sempre”, Porto de Moz – Pará. In: VII Encontro da Sociedade Brasileira de Sistema de Produção. Agricultura Familiar, Políticas Públicas e Inclusão Social.Ceará, 2007. TORRES, D. D. F; OLIVEIRA, E. S. D; ALVES, R. R. N; VASCONCELLOS, A. Etnobotânica e Etnozoologia em Unidades de Conservação: Uso da biodiversidade na APA de Genipabu, Rio Grande do Norte, Brasil. Revista Interciência. Vol 34 nº9, 2009.