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O USO DO APRENDIZADO BASEADO EM PROBLEMAS NO ENSINO DA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Michele de Cacea Dias (UNIFEI) [email protected] Joao Batista Turrioni (UNIFE) [email protected] Cristiano Vieira da Silva (FEPI) [email protected] O campo de atuação do engenheiro de produção cresceu expressivamente. É comum encontrar este profissional atuando na área de prestação de serviços, nas organizações públicas e em setores antes nunca pensados. Juntamente com este crescimentoo, vieram as novas exigências. Cabe a universidade preparar este profissional para atender à demanda do mercado, por isso, este trabalho apresenta a aplicação de um método ativo de aprendizado, centrado no aluno, que favorece o desenvolvimento de competências comportamentais, além das habilidades técnicas. Este método conhecido internacionalmente como Problem Based Learning (PBL), é tratado no Brasil como Aprendizado Baseado em Problemas (ABP). Usado de maneira bastante intensiva na área da medicina, o ABP encontra um campo vasto na engenharia para ser estudado, uma vez que sua aplicação nesta ciência é nova e relativamente rara. A metodologia utilizada nesta pesquisa foi o estudo de caso. O artigo apresenta a maneiro como a aplicação do ABP está sendo feita no curso de engenharia de produção da Universidade Federal de Itajubá e os próximos passos para a implantação. Torna-se uma importante contribuição com a comunidade acadêmica o compartilhamento do relato deste esforço de implantação do ABP, pois a literatura ainda é escassa a respeito deste assunto e também porque pode trazer novas perspectivas de metodologia de ensino da engenharia e consecutivamente uma melhoria na formação deste profissional. Palavras-chaves: Problem Based Learning, Aprendizado Baseado em Problemas, ensino, engenharia XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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O USO DO APRENDIZADO BASEADO

EM PROBLEMAS NO ENSINO DA

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Michele de Cacea Dias (UNIFEI)

[email protected]

Joao Batista Turrioni (UNIFE)

[email protected]

Cristiano Vieira da Silva (FEPI)

[email protected]

O campo de atuação do engenheiro de produção cresceu

expressivamente. É comum encontrar este profissional atuando na área

de prestação de serviços, nas organizações públicas e em setores antes

nunca pensados. Juntamente com este crescimentoo, vieram as novas

exigências. Cabe a universidade preparar este profissional para

atender à demanda do mercado, por isso, este trabalho apresenta a

aplicação de um método ativo de aprendizado, centrado no aluno, que

favorece o desenvolvimento de competências comportamentais, além

das habilidades técnicas. Este método conhecido internacionalmente

como Problem Based Learning (PBL), é tratado no Brasil como

Aprendizado Baseado em Problemas (ABP). Usado de maneira

bastante intensiva na área da medicina, o ABP encontra um campo

vasto na engenharia para ser estudado, uma vez que sua aplicação

nesta ciência é nova e relativamente rara. A metodologia utilizada

nesta pesquisa foi o estudo de caso. O artigo apresenta a maneiro

como a aplicação do ABP está sendo feita no curso de engenharia de

produção da Universidade Federal de Itajubá e os próximos passos

para a implantação. Torna-se uma importante contribuição com a

comunidade acadêmica o compartilhamento do relato deste esforço de

implantação do ABP, pois a literatura ainda é escassa a respeito deste

assunto e também porque pode trazer novas perspectivas de

metodologia de ensino da engenharia e consecutivamente uma

melhoria na formação deste profissional.

Palavras-chaves: Problem Based Learning, Aprendizado Baseado em

Problemas, ensino, engenharia

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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1. Introdução

Os desafios encontrados pelo engenheiro de produção extrapolam os limites da produção

industrial (berço da disciplina). A atuação deste profissional tem abrangido áreas, que em

décadas passadas, eram consideradas inacessíveis, como finanças, marketing, serviços ao

consumidor, em instituições públicas e privadas.

Além da expansão no campo de atuação, as funções exercidas pelo engenheiro são,

tradicionalmente, de liderança e exigem habilidades que vão ultrapassam o conhecimento

técnico. As empresas têm buscado profissionais que saibam lidar com pessoas, que tenham

habilidade para resolver problemas e que colabore com o crescimento da organização. Neste

sentido, as universidades precisam desenvolver estratégias de ensino, que favoreçam a

formação de profissionais que atendam à expectativa do mercado.

Uma abordagem pedagógica que tem sido amplamente estudada e aplicada no ensino das

ciências médicas é o Problem Based Learning (PBL), trata-se de um método ativo de ensino,

centrado no aluno que, além de transmitir informação, favorece o desenvolvimento de

habilidades como trabalho em equipe, resolução de problemas, liderança entre outras.

Conhecido no Brasil como Aprendizado Baseado em Problemas (ABP), o PBL não é uma

abordagem nova, há relatos de que já é utilizado há vários anos, em áreas como medicina e

direito, porém, no ensino da engenharia é algo novo e relativamente raro (CARDOSO, 2011;

YEO, 2005).

Uma busca realizada na base de dados Isi web of knowlegde por Problem based learning,

entre os anos de 2007 a 2012, apresentou um mínimo de 700 publicações e um número

máximo de 1.200 trabalhos sobre o tema por ano; porém, quando, acrescentada a palavra

engineering (engenharia em inglês) e feito novamente o refinamento na busca, houve uma

diminuição expressiva na quantidade de trabalhos, chegando a um número máximo de 60

publicações no ano de 2010. Isso comprova que, na área de engenharia, há muito a se explorar

sobre o tema, justificando a realização deste trabalho.

O objetivo desta pesquisa é apresentar a aplicação do Aprendizado Baseado em Problemas no

curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Itajubá.

Para esta pesquisa, o método utilizado será o estudo de caso, por se tratar de projeto em

andamento e com aspectos a serem explicados. Yin (2005, p. 32), “Um estudo de caso é uma

investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da

vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão

claramente definidos”.

2. Aprendizado Baseado em Problemas

2.1 Algumas Considerações Iniciais

Nos últimos anos foram feitas pesquisas com empresas de diversos países para identificar

quais eram as habilidades técnicas e pessoais que os engenheiros deveriam apresentar. Foram

identificadas características como boa comunicação, trabalho em equipe, preocupação com

questões sociais, ambientais e econômicas, mas a principal constatação foi: os engenheiros

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estão graduando-se com bons conhecimentos técnicos, mas eles não sabem colocar esse

conhecimento em prática (ECHAVARRIA, 2010).

Uma das explicações para este cenário pode estar dentro da universidade, na maneira como o

aluno é tratado. O ensino tradicional é marcado pela figura do professor como o transmissor

do conhecimento e do aluno como receptor, favorecendo uma postura passiva por parte do

estudante. Há pesquisadores avaliando outros métodos de ensino que possibilite obter mais

dos alunos (conhecimento, habilidades e atitudes). Uma proposta seria uma abordagem com

foco na atividade prática, que estimule a participação do aluno como agente ativo no

aprendizado (CARDOSO, 2011).

Yeo (2005) defende que as técnicas modernas de educação requerem do aluno um papel mais

ativo no processo de obtenção do conhecimento, afim de fazê-lo experimentar vários

processos que vão desde o autoaprendizado direto até grupos de discussão, passando por

estudo em pares e orientação do professor. É válido salientar que neste novo modelo, a

responsabilidade maior está sob o aluno e não mais sobre o professor.

Uma abordagem que atende as novas propostas de ensino é o Problem-based Learning (PBL)

expressão inglesa para Aprendizado Baseado em Problemas (ABP), trata-se de uma estratégia

pedagógica centrada no aluno, que ensina por meio de trabalhos em equipes, apresentando

problemas que os discentes encontrarão na vida real em suas carreiras profissionais. Nesta

abordagem, os alunos são responsáveis pela sua própria aprendizagem, o papel do professor

passa ser de um facilitador. O aluno é induzido a quebrar o paradigma de que depende do

professor para aprender; passa-se para a concepção da autossuficiência. (YEO,2005;

ECHAVARRIA, 2010, CARDOSO,2011).

Sakai e Lima (1996) apresentam o ABP da seguinte maneira:

“O PBL é o eixo principal do aprendizado teórico do currículo de algumas

escolas de Medicina, cuja filosofia pedagógica é o aprendizado centrado no

aluno. É baseado no estudo de problemas propostos com a finalidade de

fazer com que o aluno estude determinados conteúdos. Não constitui uma

única prática pedagógica. Esta metodologia é formativa à medida que

estimula uma atitude ativa do aluno em busca do conhecimento e não

meramente informativa como é o caso da prática pedagógica tradicional.”

Duch (2008) afirma que o ABP é um método de ensino que desafia os alunos a "aprender a

aprender", nele, é priorizado o trabalho em equipe para buscar soluções para os problemas do

cotidiano profissional. Estes problemas são usados para despertar a curiosidade dos alunos e

iniciar o processo de aprendizagem. O ABP favorece o pensamento crítico e analítico.

Ribeiro (2005) afirma que o Aprendizado Baseado em Problemas não está relacionado à

teoria, não se trata de uma pesquisa bibliográfica, não é um método de estudo de casos tão

pouco uma técnica de resolução de problemas.

Echavarria (2010) explica que há na literatura várias tentativas de definir ABP, porém não

encontrou uma teoria predominante, a autora atribui este fato ao desenvolvimento do ABP ter

ocorrido em primeiro lugar e acima de tudo da prática. Mesmo assim foram encontrados

princípios que são comuns aos principais estudiosos do ABP:

Um problema é o ponto de partida do processo de aprendizado;

O aprendizado é centrado no aluno;

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Os alunos usam suas experiências e interesses no processo de aprendizado;

O ABP requer que o aluno pesquise sobre o problema, que encontre e julgue a melhor

decisão a ser tomada e relate sobre elas;

Inter- multi-disciplinaridade, uma vez que a solução do problema vai além dos limites

individuais;

Aprendizado através da prática;

Grupo de aprendizado, tendo em vista que os processos são realizados em equipe.

2.2 A História do Aprendizado Baseado em Problemas

O aprendizado baseado em problemas teve origem na escola de medicina da Universidade

McMaster, no Canadá, no final dos anos 60. Foi inspirado no método de estudo de casos da

escola de Direito da Universidade de Harvard (EUA) na década de 1920 e no modelo

desenvolvido na Universidade Case Western Reserve (EUA) para o ensino de medicina nos

anos de 1950 (CARDOSO, 2011; RIBEIRO 2005; RIBEIRO e MIZUKAMI, 2004). Os

autores relatam que o ABP é uma resposta à insatisfação e ao tédio dos alunos em relação aos

conteúdos e conceitos considerados, por eles, irrelevantes à prática médica.

Nos anos 80 e 90 o ABP passou a ser usado em outras escolas de medicina e passou a ser

aceito na América do Norte e na Europa. Estudos realizados comparando o ABP ao processo

convencional de ensino mostrou que os alunos que estudaram pelo ABP tiveram melhores

resultados nas competências relacionadas a solução de problemas clínicos, embora ambas as

abordagens apresentem resultados similares em testes tradicionais de conhecimento

(CARDOSO, 2011).

O mesmo autor, explica que tento iniciado o uso na área médica, o ABP sofreu modificações

e adaptações para a área de engenharia pelo fato de as soluções procuradas no ensino dessa

área não se reduz à obtenção de um diagnóstico e a escolha de um entre vários medicamentos,

conforme praticado na medicina. Na engenharia, o processo de resolução do problema é mais

complexo e normalmente tem como resultado mais de uma solução.

2.3 Aplicação do Aprendizado Baseado em Problemas

A aplicação do aprendizado baseado em problemas consiste em uma sequencia de ciclos de

trabalho com problemas. Entre as diversas formas de aplicação do ABP descritas na literatura,

é possível consolidá-las em 10 etapas, que são descritas a seguir, conforme relatadas no

trabalho de Ribeiro (2008), Cardoso (2011) e Berbel (1998):

1- Apresentação do problema – o primeiro passo da aplicação do ABP é a apresentação

do problema, ou cenário que será analisado pelos alunos. Nesta fase os alunos são

levados a definir o problema. Julga-se esta etapa muito relevante, uma vez que muitos

profissionais não conseguem resolver problemas da vida real porque não conseguem

defini-los.

2- Levantamento de hipóteses – livre discussão sobre o problema e levantamento das

prováveis causas (hipóteses).

3- Tentativa de resolução do problema com os conhecimentos antigos – perante as

hipóteses levantadas, os alunos buscam resolver o problema com o conhecimento que

já possuem.

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4- Levantamento das necessidades de aprendizagem – após tentarem resolver o problema

com os conhecimentos que já possuem, os alunos fazem um levantamento dos

conhecimentos que precisam adquirir para que seja possível soluciona-lo.

5- Elaboração do plano de trabalho – os alunos fazem o planejamento de como será

conduzido o trabalho.

6- Busca por informações – de maneira autônoma, os estudantes buscam conhecimentos,

conceitos e informações previamente definidas.

7- Compartilhamento de informações – essa atividade pode acontecer sem a presença ou

participação do tutor.

8- Aplicação dos conhecimentos para resolução do problema – nesta fase os alunos usam

seus conhecimentos para resolver o problema, essa prática é repetida quantas vezes

forem necessárias, até que o grupo considere a solução encontrada como satisfatória.

9- Apresentação de relatório – Ao final dos trabalhos os alunos apresentam um relatório

para o tutor, examinador e/ou professor.

10- Avaliação – os alunos avaliam a atividade, o trabalho em grupo, o desempenho

próprio e o desempenho dos outros integrantes do grupo.

Cardoso (2011) alega que a estrutura pode ser modificada para atender aos objetivos do tutor

ou do currículo.

A esfera cognitiva do Currículo ABP deve garantir que o aluno estude situações suficientes

para se capacitar a procurar o conhecimento por si mesmo quando se deparar com uma

situação problema ou um caso real (BERBEL, 1998).

O ABP é realizado através de um grupo tutorial como apoio para os estudos. O grupo tutorial

é composto de um tutor e pelo grupo de alunos. Para a equipe são apresentados o problema

que deverá ser resolvido. Importante é ter ciência de que o ABP tem uma sequência de

problemas a serem estudados. Ao término de um, inicia-se o estudo do outro de maneira

conexa. O conhecimento adquirido em cada tema é avaliado ao final de cada módulo, com

base nos objetivos e nos conhecimentos científicos (BERBEL, 1998).

2.3 A Construção do Problema

Um dos aspectos importantes no ABP é a formulação dos problemas (Ribeiro, 2005).

Os limites (ou contornos) do problema são dados pelas especificações nele contidas e pelas

limitações do contexto educacional (tempo, recursos humanos, etc).

A eficácia do ABP pode ser influenciada pela concepção do problema, que por sua vez pode

exigir inadequada cobertura do conteúdo (insuficiente ou excessivo), impor habilidades

inapropriadas de resolução de problemas (abaixo ou acima das habilidades dos alunos), ou

incluir informações ambíguas nos problemas (CARDOSO, 2011).

Para evitar inconsistência na formulação do problema, Sakai e Lima (1996) orientam que a

construção do mesmo deve:

1. Consistir de uma descrição neutra do fenômeno para o qual se deseja uma explicação no

grupo tutorial;

2. Ser formulado em termos concretos;

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3.Ser conciso;

4. Ser isento de distrações;

5. Dirigir o aprendizado a um número limitado de itens;

6. Dirigir apenas a itens que possam ter alguma explicação baseada no conhecimento prévio

dos alunos;

7. Exigir não mais que em torno de 16 horas de estudo independente dos alunos, para que seja

completamente entendido de um ponto de vista científico (complementação e

aperfeiçoamento do conhecimento prévio).

Cardoso (2011) defende que o problema deve ser mal estruturado e permitir o livre

questionamento dos alunos. Justificativa para esta afirmação está no fato de que no mundo

real os problemas se apresentam mal estruturados, fazendo necessário que o aluno utilize sua

habilidade crítica para identificar os problemas e definir parâmetros para o desenvolvimento

da solução.

Hung (2009) propõe um modelo de formulação de problemas denominado de 3C3R. Este é

composto pelos componentes principais (Conteúdo, Contexto e Conexão) e pelos

componentes de processamento (research ou pesquisa, raciocínio e reflexão). A figura 01

apresenta o modelo 3C3R.

Figura 01 – Modelo 3C3R

Fonte: Hung (2009)

Os três componentes principais do modelo estão relacionados ao foco de aprendizado do

ABP, que é a estruturação do conhecimento e a construção de um quadro conceitual em torno

do tema em estudo:

Conteúdo – aborda a essência de um problema.

Contexto – situa a aprendizagem em um contexto prático.

Conexão – o ABP é composto por uma série de casos ou problemas que englobam

diferentes partes do currículo, estes casos devem apresentar alguma conexão de modo

a favorecer o aprendizado contínuo dos alunos e não apenas conceitos independentes.

Em se tratando dos componentes de processamento, eles contribuem para o engajamento

consciente e significativo na investigação científica e para os processos de resolução de

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problemas. Além de direcionarem os alunos em relação aos objetivos de aprendizagem

previstos, ajustarem o nível de processamento cognitivo requerido e aliviarem o desconforto

inicial que os alunos podem experimentar com o ABP. Os componentes de processamento

são:

Pesquisa (research): é o primeiro passo do ABP, pois os alunos precisam,

necessariamente, compreender o problema que lhes foi apresentado através da

pesquisa das informações que já possuem.

Raciocínio: é necessário que os alunos apliquem os conhecimentos adquiridos no

processo de investigação, sendo assim, eles analisam as informações, geram e testam

hipóteses, enfim, há um processo de raciocínio ao invés de apenas memorização.

Reflexão: os estudantes são levados a refletir sobre os conhecimentos construídos ao

longo do processo de resolução de problemas. Nela os alunos têm a oportunidade de

organizar e integrar os seus conhecimentos do domínio.

Cardoso (2011) considera que atentar aos componentes do 3C3R favorece a elaboração de

problemas do ABP mais eficazes.

3. Aplicação do ABP na Engenharia de Produção O objetivo deste estudo é apresentar a aplicação do ABP no curso de engenharia de produção

da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), mas especificamente para a disciplina de

Gestão da Qualidade.

A disciplina é composta por 45 horas/aula divididas em 15 encontros de 3 horas/aula cada.

Fazem parte do conteúdo programático do curso um breve histórico e evolução da qualidade, os

princípios e conceitos básicos da qualidade total, processos, item de controle, carta de controle, mapeamento e padronização de processos, gerenciamento da rotina, melhoria continua, ferramentas da qualidade, implementação de programas de melhoria e a série ISO.

Como recursos pedagógicos o educador conta com aulas expositivas, equipamentos multimídia, dinâmicas de grupos e ultimamente tem interesse em introduzir o método ABP como ferramenta educacional.

Ao propor a inserção do ABP em suas aulas, o professor pretende:

Aproximar a teoria da prática;

Desenvolver nos alunos a capacidade de trabalhar em equipe;

Desenvolver o pensamento crítico;

Favorecer a habilidade de resolução de problemas;

Favorecer o aprendizado colaborativo;

Desenvolver a capacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos;

Melhorar a pró-atividade dos alunos;

Estimular o raciocínio analítico.

A proposta é que os problemas apresentados estejam ligados a gestão da qualidade, seus

fundamentos, sua aplicação e pensamento crítico voltado a esse tema.

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Para que o ABP seja aplicado, é necessário que os alunos sejam capazes de acessarem em

suas memórias os conhecimentos já adquiridos ao longo de seus estudos e/ou experiências,

deste modo, optou-se em realizar quatro encontros conteudistas antes da aplicação do

problema para garantir que os alunos teriam conteúdo teórico que lhes oferecesse suporte à

resolução do problema.

A interdisciplinaridade também se fez constante, pois além dos conceitos a respeito de gestão

da qualidade, os alunos eram levados a se preocuparem com desperdício, custo e uso

consciente de matéria prima.

O primeiro problema apresentado aos alunos visava a aplicação dos seguintes conceitos:

Melhoria Contínua (PDCA),Procedimentos, Especificação e Auditoria;

Até a data da aplicação do ABP, a disciplina foi planejada da seguinte maneira:

Aula 1: Apresentação da disciplina. Qualidade Total e seus Gurus;

Aula 2: Apresentação da filosofia 5S;

Aula 3: Gestão por processos;

Aula 4: Padronização, evolução da Gestão da Qualidade Total e os modelos de sistema de

gestão da qualidade;

Aula 5: Aplicação do ABP.

É válido salientar que para a formulação do problema ABP foram levados em consideração os

princípios do modelo 3C3R, descrito anteriormente.

Inicialmente os alunos foram divididos em quatro equipes (conforme figura 01) equipes de

maneira aleatória e posteriormente inseridos em uma prática comum na rotina das empresas,

que é o atendimento a um pedido do cliente.

Os alunos receberam a seguinte descrição do problema:

“A Brinquedos & Educação, empresa de brinquedos educativos, decidiu colocar um pedido de

10.000 barcos de papel/mês. Além da quantidade mensal, o cliente estabeleceu algumas

características necessárias ao produto. O barco montado deve ser leve, com superfície lisa e

conter uma escotilha em cada lateral com diâmetro de 20 1(mm). As dimensões exigidas

para o produto final encontram-se no esquema abaixo, o qual foi enviado pelo próprio cliente.

Ao fornecedor Barcos de Papel & Cia cabe desenvolver o projeto do produto, o projeto do

processo, bem como o projeto de manufatura e controle, para garantir a quantidade e

qualidade do produto final.”

Juntamente com a descrição os alunos receberam uma representação gráfica (figura 02) do

produto “encomendado pelo cliente”.

210 5

22

3

43

3

25 5 20 1

Obs.: o barco deve ter bom acabamento.

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Figura02: Especificação do Cliente

Fonte: Autores

Outras recomendações foram feitas aos estudantes:

Antes de iniciar a análise do problema, a equipe deveria nomear alguns elementos da

empresa, conforme as exigências a seguir:

1 gerente comercial

1 gerente de produto/processo

1 gerente de controle de qualidade

1 supervisor da produção

1 planejador/programador

2 operários

Assim como em uma empresa real, cada membro seria responsável por suas atividades e

deveria estar identificado. Não era permitido que um membro interferisse na função do outro.

Um coordenador também foi eleito para coordenar as atividades do grupo, (presidente da

empresa), ficando responsável, também, pelo controle do processo (controle do tempo).

A primeira atividade do grupo foi ler todo problema, para ter uma visão geral do que seria

realizado e o tempo que teriam disponível (Fase de Avaliação do Problema).

Outras informações que ficaram disponíveis aos alunos foram:

. Preço de venda por unidade do produto: 5 U.M. (unidades monetárias)

. Custo da matéria-prima:

De 0 à 4 unid.: 4,5 U.M.

De 5 à 9: 4,4 U.M.

De 10 à 14: 4,3 U.M.

De 15 à 19: 4,2 U.M.

De 20 à 24: 4,1 U.M.

De 25 à 29: 4,0 U.M.

Acima de 30: 3,9 U.M.

O problema informava que o tempo médio para a montagem de um barco costumava estar

entre 45 e 55 segundos e que o material necessário para realização do trabalho eram folhas de

papel, réguas, moedas, lápis e borracha.

Assim como nas empresas, algumas limitações foram colocadas, por exemplo, o tempo de

produção em cada ciclo era de 5 minutos; a sobra de matéria-prima não poderia ser devolvida

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(seriam cobradas dos alunos independente do uso) e os pedidos de matéria-prima de última

hora sofreriam acréscimo de 10%.

As etapas de realização da atividade proposta aos alunos eram:

Reunião de Planejamento

Reunião de Preparação

Reunião de Produção

Ao final da reunião de preparação, o grupo deveria definir a quantidade de matéria-prima

(folhas de papel) necessária para a produção dos barcos (Fase de levantamento das hipóteses).

Ao término do período de produção, o vendedor (gerente comercial) deveria entregar os

barcos produzidos ao cliente (tutor), o qual faria a inspeção de recebimento de acordo com as

especificações (Fase Tentativa de Resolução do Problema com os Conhecimentos Antigos).

Para concluir foram realizados os cálculos do lucro (receita - custo), de cada empresa.

4. Resultados da Primeira Aplicação do Aprendizado Baseado em Problemas

Na fase de avaliação do problema, os alunos analisaram o tempo que teriam para executar a

atividade, o tempo gasto para construir um barquinho e a quantidade de matéria prima que

deveriam comprar de modo que não faltasse e também não sobrasse muita matéria prima.

Na fase de criação de hipótese, os estudantes planejaram a quantidade que seria produzida e

compraram a matéria prima que usariam.

Na etapa de resolução do problema com os conhecimentos antigos, os alunos iniciaram a

produção dentro do tempo determinado. Depois que o tempo previsto para a produção

esgotou, iniciaram os processos de auditoria (feita pelo tutor). As figuras 03 e 04 mostram os

grupos de trabalho e o desenvolvimento das atividades conforme descrita no problema.

Figura03: Grupos de estudo Figura 04: Desenvolvimento das atividades

Fonte: Autores Fonte: Autores

Embora os grupos tenham de certa forma, atingido a meta de produzir o que haviam

planejado, eles não se preocuparam com as exigências do cliente. Portanto, os barcos estavam

fora das especificações e foram rejeitados, proporcionando prejuízo para a “empresa”.

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Os alunos foram chamados novamente a se reunirem e a verificarem quais eram as

oportunidades de melhoria. Esta foi a fase de levantamento das necessidades de

aprendizagem.

O passo seguinte foi a elaboração do novo plano de trabalho, as equipes repensaram as

estratégias e se prepararam para o novo ciclo de produção.

Foi na fase de busca de informações que os alunos chegaram a criação de ferramentas que

diminuíram a possibilidade de produzir fora das especificações do cliente.

O segundo ciclo ocorreu de maneira mais planejada, onde os alunos priorizaram, também, a

qualidade do produto, o processo de produção e a padronização das atividades (Fase de

Aplicação dos Conhecimentos para a Resolução do Problema).

Ao final da aplicação do ABP os alunos foram convidados a apresentarem os resultados de

“lucratividade” e de “qualidade”. Os alunos entregaram um relatório chamado de 3 gerações

com os problemas encontrados no primeiro ciclo, as decisões tomadas na reunião de

planejamento e as ações que foram tomadas no segundo ciclo.

A avaliação da atividade foi uma das limitações encontradas e que pode ser considerada como

um ponto de melhoria nas próximas atividades. Não houve uma avaliação realizada por parte

dos alunos. A avaliação foi feita pelo tutor/professor.

O que se observou foi uma postura ativa por parte dos alunos, que além de participarem da

atividade, se empenharam para resolver o problema que lhes foi apresentado.

Já existem outros problemas sendo formulados para aplicação do ABP nesta mesma turma, e

o modelo de formulação do problema 3C3R será novamente utilizado. Porém em entrevista

com o educador, verificou-se que a presença de alunos dos programas de pós-graduação na

aplicação do ABP pode ser uma alternativa eficiente.

Como proposta para trabalhos futuros, indica-se a comparação do desempenho desta turma

(que está utilizando o ABP em seu aprendizado) com turmas anteriores (que não tiveram esta

metodologia aplicada).

5. Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais –

FAPEMIG pelo apoio a esta pesquisa.

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