o trem 78 para assinantes néticos

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TREM O ITABIRA, A MINA ! MARÇO DE 2012 ! 78 ! ANO 8 ! R$ 6,00 Itabirano Democrático e crítico: democrítico O dia em que o itabirano ouviu isto, na avenida Rio Branco: “Drummond, como poeta, sou mil vezes superior a você”. A importância de ser ninguém. “ Tome o seu dinheiro de volta, coronel. Um homem alegre desse não se mata!” Fernando Pessoa perto do fim. Pedras no caminho de Minas. Na noite de autógrafos, dois jornalistas desempregados, uma ex-namorada, um político de poucos votos... Oração contra a magia imobiliária. O bar fecha a porta varrendo o boêmio. Portugal, província brasileira. Um sarau para sarar Ita poeticamente. O prefeito que mais pulou cambão. Tudo isso e mais com estes ilustres passageiros: Affonso Romano de Sant’Anna, Luís Pimentel, Marcos Caldeira Mendonça, Sylvio Abreu, Joana d’Arc Tôrres, Carlos Trigueiro, Silas Corrêa Leite, Hermínio Prates, Robinson Damasceno, Domingo Cruz, Fábio Lucas, Fernando Jorge, Edmílson Caminha, Anna Beatriz Bittencourt, Carlos Lúcio Gontijo, Léa Madureira Lima e Jorge Fernando dos Santos. Haja trem... Há uma pedra itabirana no caminho do obscurantismo

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Page 1: O TREM 78 para assinantes néticos

TREMOITABIRA, A MINA ! MARÇO DE 2012 ! 78 ! ANO 8 ! R$ 6,00 ItabiranoD

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O dia em que o itabirano ouviu isto, na avenida Rio Branco: “Drummond, como poeta, sou milvezes superior a você”. A importância de ser ninguém. “Tome o seu dinheiro de volta, coronel.Um homem alegre desse não se mata!” Fernando Pessoa perto do fim. Pedras no caminho de Minas.

Na noite de autógrafos, dois jornalistas desempregados, uma ex-namorada, um político de poucosvotos... Oração contra a magia imobiliária. O bar fecha a porta varrendo o boêmio. Portugal,província brasileira. Um sarau para sarar Ita poeticamente. O prefeito que mais pulou cambão.

Tudo isso e mais com estes ilustres passageiros: Affonso Romano de Sant’Anna, Luís Pimentel, MarcosCaldeira Mendonça, Sylvio Abreu, Joana d’Arc Tôrres, Carlos Trigueiro, Silas Corrêa Leite, HermínioPrates, Robinson Damasceno, Domingo Cruz, Fábio Lucas, Fernando Jorge, Edmílson Caminha, AnnaBeatriz Bittencourt, Carlos Lúcio Gontijo, Léa Madureira Lima e Jorge Fernando dos Santos. Haja trem...

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Há uma pedra itabirana no

caminho do obscu

rantism

o

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Repetir como um mantra: repetem isso como um mantra (Themistocles Rivadávia, filósofo itabirano)2 O TREM

O governo João Izael abriu licitação paraconstruir o segundo prédio da Unifei em

Itabira. Custará cerca de R$ 20 milhões edeverá ser concluído no fim deste ano.Obra muito importante para a cidade.

Ignácio de Loyola“Minha gente, deslumbrante a edição dOTREM Itabirano de fevereiro. Riquíssima. Es-tou tentando imprimir os textos antológicossobre Bartolomeu Campos de Queirós, meuamigo, com quem fiz algumas viagens. Eraum encantador de auditórios, de professo-res, de crianças, de escritores. As pessoasvão indo, indo. Envelhecer é colecionar per-das, algumas preciosas. Ótima entrevista comJuca Kfouri, ótima a nota sobre Antônio Tor-res, o português, não o brasileiro. E divul-guemos o refrão, o slogan, a máxima, o dogmasobre o Brasil de Bial e de Boal. Abraços.”Ignácio de Loyola Brandão, escritor, SP.

Tom Zé, o montanhoso“Montanhas, não mineiras, mas baianas, deagradecimentos pelo jornal O TREM Ita-birano. Obrigado, pessoal, e um abraço.”Tom Zé, cantor e compositor, São Paulo-SP.

Linha com Nova Iorque“Já não me surpreende ver a penetração dojornal e o reconhecimento nacional. É resul-tado de um trabalho sério, isento e com pes-soas capazes. O TREM é uma locomotivaque, em vez de só levar nossas riquezas mi-nerais, transporta cultura, conhecimento e in-teligência por este mundão afora. Parabéns.”Renato Moreira, assessor parlamentar, Ita.

Resposta - Renato Moreira refere-se ao comen-tário elogioso feito aO TREM no programa Ma-nhattan Connection, da Globo News em NovaIorque, em 5 de fevereiro – nota na página 8. Ojornal recebeu 923 e-mails sobre esse assunto.Como é impossível publicá-los todos, pede-se aosdemais internautas a gentileza de se sentiremmuito bem representados na mensagem acima.

Novo Hamburgo“Tomei conhecimento dO TREM em um pro-grama de TV. Fiquei curioso para saber maissobre esse jornal de Itabira. Na internet, acheium blogue com o número de outubro de 2011,em PDF. Pirei, deu vontade de me mandarpara Itabira só para conhecer esse importan-te jornal, muito bacana, e conhecer as pesso-as que fazem esse inteligente tabloide. Sou aquido sul do Brasil, publicitário, e adoro jornal. Gran-de abraço gaúcho e vida longa aO TREM.”Ademir Rodrigues, Novo Hamburgo-RS.

Professor paranaense“Itabiranos, sou paranaense e li uma repor-tagem ótima sobre O TREM Itabirano no siteObservatório da Imprensa, do nosso mes-tre Alberto Dines. Favor providenciar umaassinatura e, possível sendo, me mandem unsexemplares de cortesia para eu trabalhar commeus alunos. Sou professor de jornalismo.”Uidemar Elias Freixo, Ponta Grossa-PR.

Abaixo a ditadura“Tenham paciência, senhores maquinistas deItabira!!! Como é que vocês publicam aquelacarta de um tal Araxide Jabour dizendo-sesaudoso da ditadura militar no Brasil [ediçãode fevereiro]. E a tortura, e os mortos, e abomba no Riocentro, e a censura? Será queo senhor Araxide Jabour está com saudadede tudo isso ou desconhece as verdades?”Carlos Macieira, professor, Sabará-MG.

ACÁ, Ó

Marta Saldanha: diretora geral. Marcos Caldeira Mendonça: editor. Patrícia Alves:assessora jurídica. Gustavo Andrade e Roneijober Andrade: fotógrafos. Wesley Sena:diagramador. Liane Alves: secretária. Eric San-Mártin Rosenthal: chefe de hemeroteca.

Redação: rua Josefina Bragança, 21, centro, 35900-200, Itabira-MG.

ITABIRA_MG_MARÇO DE 2012_N.78O TREM Itabirano

Fone: (31) 3835-1329. E-mail: [email protected] - CNPJ: 08.052.879/0001-27

Colaboradores: Mariza Guerra de Andrade, Lúcio Vaz Sampaio, Chiquinho Alfaiate,Robinson Damasceno, Joana d´Arc Tôrres de Assis, Olga Savary, Affonso Romano de

Sant’Anna, Themistocles Rivadávia, Altamir Barros, Domingo Gonzales Cruz, Nelton Cruz,Renato Furst, Renato Sampaio, Flávio de Andrade Goulart, Fernando Jorge, Genin Quintão

Guerra, Edmílson Caminha, Anna Beatriz Bittencourt, Spencer Rosa, Laz Muniz, JorgeFernando dos Santos, Hermínio Prates, Jeán Kadar Prévoust e Cláudio Alecrim.

Antigas AntigasO prefeito deItabira que maispulou cambão

BOA ESSA

Arquivo dO TREM

Itabira precisa deixar o Carnaval baiano lá na Bahia e voltar a promover folias commarchinhas e blocos caricatos, como fazem Mariana, Ouro Preto, Diamantina e

outras cidades mineiras. A burrice de imitar Salvador destruiu o Carnaval itabirano.

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Do randevu para o palácio de JKHistória do Brasil. Darcy Silveira – itabirano de São Gonçalo do Rio Abaixo; lánasceu, aqui vive há quase 60 anos – trabalhou no Palácio da Alvorada entre1958 e 1959. Estoquista, cuidava da despensa da casa do presidente JuscelinoKubitschek, que já despachava em Brasília, ainda não inaugurada. Quem en-contrá-lo em dia bom, poderá ouvir dele, numa rajada só: “Deste PlanaltoCentral, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altasdecisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã de meu paíse antevejo esta alvorada, com uma fé inquebrantável e uma confiança semlimites no seu grande destino”. Além dessas bonitas palavras do diamanti-nense, Darcy Bantã guarda casos saborosos da capital. JK viajando, apareceramduas prostitutas – “moças de um randevu”, diz Barcy Bantã – e pediram paraconhecer o palácio. Gentilmente atendidas por ele, conluiado com um sargen-to, entraram, beberam, comeram e só deixaram o recinto por volta das 5h, antesda chegada das faxineiras. Como vazaram a segurança? Fácil, Darcy Bantãentregou às moças do randevu dois uniformes da gloriosa Marinha brasileira.

([email protected])

Em nove meses, o prefeito João Izael en-cerrará um duplo mandato com este vexami-noso título: o prefeito de Itabira que maisprometeu obras aos itabiranos e não as fez.Chefe do Poder Executivo desde 2004, traba-lha com cerca de R$ 2 bilhões, mas deixarámontanha de promessas sem cumprir. Nãoter honrado a palavra dada aos itabiranospara se eleger e se reeleger é uma das causasprincipais do brutal desgaste do prefeito.

Em julho de 2010, O TREM iniciou umasérie de reportagens sobre promessas nãocumpridas pelo prefeito, uma por edição. Emtodas, João Izael foi procurado para explicarpor que não as cumpriu, mas fugiu do diálo-go. Como prefeito, ele sempre correu quandoprocurado por jornalistas questionadores.

Este ano, os itabiranos escolherão o tãoprecisado novo prefeito e devem ficar aten-tos para não serem novamente enganados.Não é salutar que Itabira crie tradição de tole-rância com políticos que não cumprem o pro-metido. Estes devem ser rechaçados na urna.

A seguir, O TREM lembrará algumas daspromessas não cumpridas pelo prefeito.

João Izael prometeu montar um Centrode Atenção Psicossocial/Álcool e Drogas(Caps-AD), mas não montou.

João Izael prometeu cinema moderno,café-livraria e espaço para artesanato noCentro Cultural, mas não cumpriu.

João Izael prometeu um necessário pré-dio novo para o fórum, mas não cumpriu.

João Izael prometeu reativar a vaca mecâ-nica produtora de leite e pão de soja parapobres, mas a vaca permanece no brejo.

João Izael prometeu aeroporto, mas apalavra dele não decolou, empacou.

João Izael prometeu coreto projetado peloarquiteto Oscar Niemeyer, mas não cumpriu.

João Izael prometeu montar biblioteca nosobrado do antigo hospital, mas não cum-priu. Para piorar, a casa está miseravelmenteabandonada. Com um sopro, vai ao chão.

João Izael prometeu faculdade de medi-cina, mas cadê a faculdade de medicina?

João Izael prometeu quadro digital emcada sala de aula, mas ficou só no trololó.

João Izael prometeu estádio municipal,mas não o fez. Para ficar ainda mais feio, Ita-bira está há dois anos sem futebol amador.

João Izael prometeu Centro da Cidada-nia Itabirana, mas cidadania não é com ele.

João Izael prometeu Procon do Idoso, masficou só no blablablá de campanha eleitoral.

João Izael, copiando boa ideia do enge-nheiro Altamir Barros, prometeu jardim botâ-nico, mas não cumpriu e ainda loteou parteda Mata do Intelecto e do Pico do Amor.

João Izael prometeu Centro de Convi-vência da Terceira Idade, mas obra que ébom até agora nada, só da boca para fora.

João Izael prometeu fábricas de doce debanana e farinha de mandioca, mas deu umabanana para a promessa, que virou farinha.

João Izael prometeu erguer um teleféri-co no Pico do Amor, mas não cumpriu.

Acha muito, leitor? Essa lista não equiva-le a 20% das promessas não cumpridas porJoão Izael. Está tudo nos dois Planos de Go-verno assinados por ele. O TREM tem osoriginais e passa cópia a quem os quiser.

É histórico, nunca o itabirano foi tãoenganado por um político como está sen-do por João Izael, mesmo porque este ga-nhou oito anos de comando, somados osmandatos, para fazer os itabiranos de bobo.

Quatro anos de prefeito ruim é um atrasoimenso, é um prejuízo enorme. Imagine oito.

Carnaval itabiranona década de 40

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Eu confundo coisas com seus nomes. Isso é crença (Jean-Paul Sartre, filósofo francês)O TREM 3

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Compra de votos: o modusoperandi de João e Ronaldo

O TREM esmiuçou o processo que re-sultou na condenação do prefeito de Ita-bira, João Izael, do ex-prefeito Ronaldo Ma-galhães e da ex-secretária de Ação SocialMarli de Oliveira, por compra de votos, etraz um resumo dessa podridão. Conformeos autos, Ronaldo Magalhães, prefeito em2004, João Izael, vice dele, que disputavao cargo maior da prefeitura, e Marli Olivei-ra, usaram entrega de cestas básicas, deóculos e de material de construção em be-nefício do grupo político do trio. A conde-nação foi em primeira instância.

À Justiça, o comerciante João Delfinoda Silva contou ter se juntado a uma multi-dão no Centro Cultural para receber ócu-los da prefeitura, em agosto de 2004. A cam-panha política fervilhava. Durante a entre-ga aos carentes, o prefeito Ronaldo Ma-galhães discursou e pediu apoio eleitoralpara o candidato dele, o vice João Izael.

Depoimento de igual gravidade foi feitopor Neuza Guerra da Silva ao Ministério Pú-blico. Segundo ela, ao entregar os óculos,Ronaldo Magalhães usou o microfone parapedir votos para o candidato por ele apoia-do: “Ele disse que era para o povo pensarbem na hora de votar, para não votar na pes-soa errada e que Itabira tinha de continuar”.

Pelos dois depoimentos, fica claro queRonaldo Magalhães transformou essa en-trega de óculos em campanha favorável aJoão Izael. Este, beneficiado pela desonesti-dade, foi eleito em 2004 e reeleito em 2008.

Eliana Tarcísia Martins contou ao Minis-tério Público ter sido demitida da Secretariade Ação Social por perseguição política. Elanarrou ter ouvido da própria secretária deAção Social o motivo por que foi mandadaembora: não apoiar a candidatura João Izael.Eliana Martins construía uma casa em muti-rão com materiais repassados pela prefeitu-ra. Resignada com a demissão, pediu a Marlide Oliveira que pelo menos a prefeitura nãointerrompesse o fornecimento de materiais.A resposta, informou à Justiça, foi de quecontinuaria recebendo o benefício se passassea apoiar o candidato governista João Izael.

Wederson Amauri Moreira da Silva tra-balhou como porteiro no terceiro andar daprefeitura, contratado pela empresa Ader-

vis. Ele contou à polícia e confirmou à Jus-tiça que a um mês para a eleição de 2004 foiconvocado para uma reunião de que parti-ciparam, entre outros, João Izael e o mar-queteiro e então secretário de Governo,Peron Colombo, da agência Promocional,que vence todos os contratos milionáriosde publicidade da prefeitura desde 2001.A pauta principal do encontro, relatou We-derson da Silva, era como entregar cestasbásicas e angariar votos para João Izael.

Ainda segundo o porteiro declarou emjuízo, durante o repasse dos alimentos osentregadores diziam que a cesta básica eraentregue “a mando de João Izael” e que con-tavam com o voto de quem a recebia. Disseainda que a distribuição dos produtos foifeita até dois dias antes da eleição e deta-lhou: as cestas eram armazenadas num gal-pão no bairro Fênix e um dos veículos usa-dos na entrega era um gol azul, geração três,da prefeitura, que atendia a Peron Colombo.

Há outros depoimentos, mas o exposto ésuficiente para evidenciar o modus operan-di do grupo que governa Itabira desde 2001,ou melhor, que esfola Itabira desde 2001, quebrutaliza Itabira desde 2001. O que importa,para tal grupo, é vencer eleições. Democra-cia, lisura, honestidade, respeito aos itabira-nos? São valores apenas para os discursos.

Essa compra de votos é fato gravíssimode desonestidade contra Itabira, é golpeprofundo contra a democracia, um desres-peito imenso aos itabiranos, uma ação ne-fasta contra o desenvolvimento político dacidade. Em vez de oferecer às pessoas meiosde crescimento político, social e cultural, parapoderem votar bem e ajudar Itabira a progre-dir, o atual prefeito, João Izael, e o ex-prefeitoRonaldo Magalhães usaram a pobreza da po-pulação para se beneficiar politicamente.

João Izael foi condenado a pagar multa novalor de 20 vezes o salário que recebe comoprefeito; Ronaldo Magalhães foi multado em 15vezes o salário que embolsava como prefeito; eMarli de Oliveira foi apenada em 10 vezes oque recebia mensalmente como secretária.

Quem quiser ler todo o processo, podepedir cópia no fórum de Itabira, é documen-to público, mas convém usar luvas de couro.A lama é muito malcheirosa e pestilenta.

PODRIDÃO NA POLÍTICA ITABIRANA

Jorge Fernando dos Santos,de Belo Horizonte-MG.

Autorizadas pelo Ministério Público Fe-deral, entidades afro-brasileiras produziramem 2011 um vídeo de direito de respostacoletiva a uma reportagem da TV Record.O programa foi gravado, mas a emissorado bispo Edir Macedo recorreu da ação econseguiu adiar a exibição.

Intitulado “Diálogos das Religiões”, etendo quase uma hora de duração, o vídeoprega a tolerância religiosa e foi produzidopela TV PUC com a participação de repre-sentantes de entidades afro-brasileiras, ca-tólicas, budistas e muçulmanas, além deartistas e jornalistas.

Grupos católicos também têm reagidoao que chamam de “perseguição” da Igre-ja Universal do Reino de Deus. Um mo-vimento articulado nas redes sociais,auto-intitulado “Brasil Sem TV Record”,conclama internautas a boicotarem a pro-gramação da emissora.

Mesmo que não professe religião, qual-quer pessoa de bom senso deve defenderquem se sente atacado no seu direito de cul-to. Afinal, a própria Constituição Federal ga-rante esse direito e a legislação em vigorconsidera crime o preconceito religioso.

Não há sentido na ideia marxista de quea religião seja o ópio do povo, mas há quese reconhecer que ela entorpece os segui-dores toda vez que se torna um negócioou monopoliza a divindade.

Desde que o mundo é mundo, e princi-palmente após o advento cristão, a religiãotem dividido os homens mais que a própriapolítica. Não precisa ser historiador para re-conhecer que algumas das maiores atroci-dades da história foram praticadas em nomeda fé e do fanatismo religioso.

Contudo, quem já leu os Evangelhossabe que Jesus não pregava propriamenteuma religião, e sim o amor a Deus e ao pró-ximo. Consta no Novo Testamento que ele

só foi ao templo duas vezes em toda suavida: quando criança, para discutir com osdoutores; e já adulto, para expulsar osvendilhões.

Séculos mais tarde, as cruzadas promovi-das por papas e reis católicos massacraramsarracenos e pagãos, enquanto judeus e he-reges eram queimados pela Inquisição. Osislâmicos, por sua vez, responderam às in-cursões em seus territórios perseguindo edizimando comunidades cristãs.

Reivindicada por três religiões que ado-ram o mesmo Deus, Jerusalém tornou-sepalco de confrontos e atentados em nomeda fé. Os próprios muçulmanos se veemdivididos entre xiitas e sunitas, enquantoo Judaísmo tem as linhas progressistas eortodoxas de interpretação da Torá.

O mais intrigante, no entanto, é que nomundo antigo a intolerância religiosa nãochegou aos níveis registrados depois deCristo. Talvez por adorarem a vários deu-ses, os politeístas não se matavam em nomedeles. Os gregos, por exemplo, mantinhamum templo ao deus desconhecido, reser-vado aos estrangeiros.

Surgido no antigo Egito, o monoteísmoconquistou os israelitas e se espalhou pelomundo. No entanto, se o lema do AntigoTestamento é “olho por olho, dente pordente”, a lei de Jesus é a do perdão e doamor ao próximo – mesmo sendo este umromano ou samaritano.

Por sua própria condição histórica, e pelofato de ser desde sempre um país cultural eracialmente miscigenado, o Brasil não poderetroceder aos patamares da intolerância re-ligiosa. Discriminar este ou aquele grupo re-ligioso é desrespeitar a lei e a própria De-claração Universal dos Direitos do Homem.

O pecado da discriminação

Jorge Fernando dos Santos é jornalista,escritor e compositor mineiro. Tem 40 livrospublicados, entre os quais Palmeira Seca,

Sumidouro das Almas e Primavera dos Mortos.

Pelas janelas dO TREM,paisagens imutáveis do Jeito

Em 2009, escrevi O jeito brasileiro –um fenômeno cultural e ofereci o artigo arevistas nacionais. Não houve interesse. Di-ferentemente, foi publicado nos EstadosUnidos por Romance Notes e, na Argentina,por DeSignis-14 Gusto Latino, revistas aca-dêmicas com distribuição no mundohispânico, em países europeus de línguasromânicas e em outros países. Ao embar-car nO TREM Itabirano de janeiro, revi,através de suas janelas, algumas paisagensimutáveis do “Jeito” brasileiro.

Foi-me inevitável rememorar o artigocom suas abordagens histórica, culturale sociológica, mostrando o lado criativodo “Jeito” na política, na economia, no diaa dia, na música, no futebol, bem como suasvariações e mutações na violência urbana,na pirataria, na corrupção, entre outros as-pectos. Sendo um texto muito longo, trans-crevo aqui exclusivamente as conclusõesdo artigo:

Apesar da grande influência culturalluso-ibérica na mentalidade do povo bra-sileiro, seria infundado atribuir somente aopassado colonial o rol de fracassos civili-zatórios, mazelas e assimetrias sociais do

Carlos Trigueiro,do Rio de Janeiro-RJ.

país. Mesmo porque o lado bom da criati-vidade brasileira deve muito ao mosaicocultural que se instalou na colônia.

Além disso, após 187 anos de indepen-dência e 120 anos republicanos, a sociedadebrasileira tende a comportar-se motuproprio, ignorando os poderes coercitivosdo Estado, ou corrompendo-os. E não é ex-cessivo admitir um ciclo vicioso nisso tudo,pois o fulcro da deformidade está no poderpúblico ausente, incapaz, corrupto, ou omis-so na formação do civismo e da cidadania.Daí essa índole individual contagiosa – àrevelia do estrato social –, inclinada a sub-terfúgios imediatos, propensa à anomia e asubverter o dístico Ordem e Progresso dabandeira nacional. Daí essa índole horizon-tal e vertical, passível de variações e muta-ções, e que embute um “Jeito” economica-mente mais predador que construtivo; maisespoliativo que distributivo; administrativa-mente mais burocrático que empreendedor;politicamente mais inclinado ao conchavo doque ao confronto; judicialmente mais prolixoe moroso que justo; sociologicamente maisanárquico que disciplinado; moralmente maisfraudador que honesto; de costumes maispermissivos que castos; historicamenteemasculado de consciência crítica sobre opassado, indiferente aos desafios do pre-sente, e incapaz de projetar o futuro.

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As coisas mais belas são as que a loucura sopra e que a razão escreve (André Gide, romancista francês)4 O TREM

A intolerância e a imprensa “de menor”

Carlos Lúcio Gontijo,de Santo Antônio do Monte-MG.

Intolerantes, fanáticos e radicais de todaa espécie e cores partidárias estão no co-mando dos postos-chave das instituiçõesmundiais e não há perspectiva de algum alí-vio duradouro para os mais pobres, mesmoquando a esquerda assume o poder, pois ocapital necessário ao investimento continuana mão das elites aparentemente derrotadas,mas que, nos últimos anos, esvaziaram tantoo Estado que não importa mais quem ou quegrupos o dirigem, uma vez que ele se tornouum ente desprovido de competência, achan-do-se sob a tutela dos grandes conglomera-dos industriais, comerciais e financeiros.

Hoje, o que assistimos é ao destino dahumanidade sendo comercializado por auto-ridades, homens públicos e notórios cida-dãos próximos aos refrigerados gabinetes dedecisão, que se vendem por um punhado dedinheiro (os Judas são muitos) e se alimen-tam de vaidades tolas, ornadas por precon-ceitos crescentes à medida que avançam seuservilismo, sua falta de patriotismo e seu de-savergonhado comportamento entreguista.

Desculpem-nos, mas não cremos em mu-danças políticas que não sejam antecipadaspor uma irrestrita reforma humana, em quehaja abertura para a prática do amor ao próxi-mo e prevalência da visão cristã de que todoser humano é irmão espiritual um do outro.

Sem isso, todas as leis – não importam sevelhas, novas ou reformadas – estarão sem-pre impregnadas de privilégio, individualis-mo e ganância. A especialização dos que têmassento em cargos públicos é tão-somente rei-vindicar regaliasà custa do di-nheiro público.

Em ambienteassim, contrárioà convivênciasob o signo daigualdade, nãonos surpreendeconstatar a exis-tência de gru-pos contra a cri-ação de meca-nismos capazesde aumentar apresença de alu-nos provenien-tes das camadasmais pobres nasuniversidadesbrasileiras ou alamentável de-tecção de gentecombatendo amaterialização de programas como o BolsaFamília e a construção de casas populares,uma vez que o neoliberalismo, que conside-ra despesa inútil o investimento público des-

tinado ao refrigério dos dramas sociais, agiuferoz e friamente, durante muitos anos, mun-do afora, considerando os aposentados va-gabundos e os desprovidos de escolaridadesuficiente simplesmente “inempregáveis”,

como foi o caso deSalinas, no México;Fujimori, no Peru;Menem, na Argenti-na; Fernando Hen-rique, no Brasil.

Portanto, nãopodemos nos sur-preender com oatual nível de into-lerância que nos étão bem expostopor meio dos ata-ques homofóbicos,dos comportamen-tos racistas e, prin-cipalmente, o pre-conceito de classe,levando muitosbrasileiros a cerrarfileiras (muitos de-les pagos desde avirulenta campa-nha presidencial de

2010) na tropa de choque montada nas redessociais da internet, nas quais nos depara-mos com o explícito destilar de escabrosoódio, manifestado no rogar de pragas e

Desculpem-nos, mas não cremos em mudanças políticas que não sejam antecipadas por uma irrestrita reforma humana

desejo de que o ex-presidente Lula da Sil-va seja malsucedido no tratamento do cân-cer que o acomete.

Infelizmente, ao passo que a grande mí-dia, rebaixada a arremedo de partido políti-co, esperneia contra toda e qualquer pro-posta de marco regulatório dos meios decomunicação, tomando-o como item de cen-sura e agindo como se democracia fossesinônimo de plena desobrigação e salvo-conduto ilimitado, sinalizando-nos vonta-de inconfessável de jamais atingir a idadeadulta e eternizar-se como imprensa me-nor, que não pode ser responsabilizadapor seus atos e ações, fica-nos claro quea sociedade erguida pelas elites teme ruirse for devidamente estruturado qualquerinstrumento efetivo em prol de uma igual-dade mais abrangente e universal.

Cada vez mais estratifica a ideia de que oúnico cenário possível (e permitido) aos bra-sileiros menos favorecidos é assistir às au-toridades constituídas trabalhando pelo for-talecimento da miséria, que é o nutriente dosque tudo podem e a nada renunciam, sequera um grão de arroz, pois mesmo enfastiados,ao tê-lo nas mãos, preferem atirá-lo aos por-cos, sob o único objetivo de não dar origema mais um possível dependente da ração mí-nima fornecida pelo Estado, ao qual signifi-cativa quantidade de desvalidos, “do alto desuas vassouras” e na condição de cidadãosmais baixos na escala social, pede socorro.

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Maconha causa perda de memória e outras coisas de que não me lembro (Autor desconhecido) 5O TREM

PUBLICADO E PAGO POR ITABIRANOS QUE QUEREM ITABIRAPOLITICAMENTE BEM, COM BOM PREFEITO E BONS VEREADORES.

Comprar voto é desonestidade,Comprar voto é desonestidade,Comprar voto é desonestidade,Comprar voto é desonestidade,Comprar voto é desonestidade,é fazer o eleitor de imbecilé fazer o eleitor de imbecilé fazer o eleitor de imbecilé fazer o eleitor de imbecilé fazer o eleitor de imbecil

Todos juntos nesta eleição / Vamos acabar com a corrupção.Seja inteligente, tenha opinião / Voto não se troca por nada, não.

O candidato honesto nunca dá propina / O voto é a arma do bom cidadão.Quem oferece emprego, telha e gasolina / Ofende a consciência do eleitor cristão.

Refrão:Eleitor tem que ter independência / Compra de votos é violência.Quem vende voto não tem consciência / Voto não tem preço, tem consequência.

Quem trabalha pelo cidadão / Não tem que comprar votos numa eleição.O voto é recebido por compensação / O povo reconhece a boa intenção.

Quando o dia do voto já se aproxima / O candidato mau lhe dá algum tostão.O eleitor esperto logo raciocina / Se ele for eleito, vai roubar milhão.

Refrão:Meu amigo eleitor, pense direito / Pois quem vota não pode dar mancada.Candidato ruim lhe dá chinelo / Depois são quatro anos de chinelada.

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Um sarau, para sararpoeticamente Itabira

ELEIÇÕES 2012

Por todas as carambolas bichadas doquintal da, enfim reaberta, Casa do Brás; portodas as partículas de minério em suspensãono ar itabirano neste momento; por todos osfantasmas que João Nuvem garante ter vistono soturno castelinho da rua Doutor Guerra,por que Itabira não promove um belo sarau?

Por todas as incompetências, pesares emalogros, por que Itabira,que deu a sorte de ter umCarlos Drummond de An-drade, que é do tamanhode Fernando Pessoa, não éuma cidade poética, não éuma cidade literária?

Para não alongar, fique-mos só na questão sarau,ou melhor, na ausência de.Por todo o Brasil – sim, Bra-sil, não estou falando deEuropa – há cidades que fa-zem com sucesso esse tipode evento, criando uma gos-tosa efervescência em animados encontroscom poesia, comida, bebida e música.

Em janeiro, de férias em São Paulo, assistia um sarau espetacular no Teatro do Centroda Terra, no bairro Sumaré. Lá, toda últimaquarta-feira do mês, às 20h30, um senhor decasaca do século XVIII sobre ao palco e reci-ta o poema Fui, do grego Konstantino Ka-váfis, dando início às Noites na Taverna.

Fica lotado. Em cada mesa há um sininhoe livros. Para declamar um poema ou fazeralgum comentário, basta tocá-lo. Tudo mui-to democrático, leve, alegre, sem inscriçãoou fila. Entre 22h30 e 22h45, um relógioantigo toca, pondo fim às leituras da noite.

No Rio de Janeiro há vários saraus, como

o Poesia no Sesi, na Cinelândia, e o Corujãoda Poesia, na Barra da Tijuca, Catete e Nite-rói. No sul do país, também, como o SarauElétrico, em Porto Alegre. Em Recife, há oSarau Plural. De Minas Gerais, já ouvi falarbem das reuniões literárias da AcademiaOuro-Pretana de Letras, não obstante o peri-go que se deve ter com isso de academia.

Aqui em Lajinhas, no Piauí, para onde memudei há dois anos, fugindo do governo JoãoIzael, é feito duas vezes por mês o Sarau Es-

trelado, na linda praça daPoesia. No último a que fui,havia cerca de 800 pessoase vi até um policial a recitar,o que me trouxe à mente onosso “delegado bacanaque a ninguém encana”,João de Deus Sampaio:“Nosso delegado / não é deprender / Prefere, sossega-do, ler / Clássicos latinos”.

Quando eu informei aoorganizador do Sarau Es-trelado que sou itabirana,o cabra, cordelista Fulgên-

cio Balbino Dias das Mercês, ficou zuretade tão interessado: “Mas me conte, meni-na Ana, os saraus lá na terra do Drummondsão bem dos arretados? Deve de ir gentedeste nosso mundão inteiro ver Itabira”.

É por isso que escrevi lá no início: portodas as carambolas bichadas do quintal daCasa do Brás; por todas as partículas de mi-nério... Por todos os fantasmas que JoãoNuvem garante ter visto no castelinho...

Sarau civiliza, encanta, alegra; sarau sara.Um belo evento poético deve constar de umconjunto governamental de ações para trans-formar Itabira em cidade literária. Fica essaboa sugestão ao prefeito... Ao prefeito queos itabiranos elegerão daqui a sete meses.

Anna Beatriz Bittencourt,de Lajinhas-PI.

Mudando de ideia:Portugal e nós

Como dizem os antigos, não há nada comoum dia depois do outro. Há 20 anos eu disseuma coisa e agora vou dizer o contrário. Ostempos mudam e a gente também. O assuntoé Portugal, ou melhor: um jornal americanochegou a sugerir, diante da crise na Europa,que Portugal vire logo uma província brasi-leira. E, de fato, estamos recebendo milharesde portugueses e outros aflitos imigrantesque largam seus países. Comparada com asituação deles lá, isto aqui é um paraíso.

Há 20 anos publiquei no Brasil e Portugalum artigo irônico e triste.Estávamos em crise. Osbrasileiros estavam imi-grando para Portugal eoutros países. Na ocasiãoestive em Portugal e vol-tei humilhado. Aquelepaís pequenininho nosdando lições de vida. En-tão, desesperado, fiz umasugestão para salvar oBrasil: deveríamos pedirdesculpas a Portugalpela independência, indenizá-los e consti-tuir de novo o Reino Unido como no tem-po de Dom João VI. Isso teria inúmerasvantagens: nossa moeda seria o euro, en-traríamos para a Comunidade Europeia e,se associássemos os outros cinco paísesde fala portuguesa na África, seríamos umapotência econômica.

Mas meu desespero irônico ia mais fun-do. Fizeram uma enquete com os escolaresna Espanha, descobriram que a nova gera-ção de espanhóis desconhecia a existênciade Portugal, para eles a Espanha ocupava

toda a Península Ibérica. Diante desse fato eda constatação de que os brasileiros ado-ram ter um rei: rei do pneu, rei do pão quen-te, rei Pelé, então propus que Portugal sefundisse com a Espanha. Assim teríamosduas vantagens. Além de ter um rei, falarí-amos o espanhol. E se juntássemos os setepaíses da área portuguesa mais os falan-tes de espanhol, mais a América Latina emais metade dos Estados Unidos (que falaespanhol), seríamos a maior força econô-mica, única capaz de enfrentar a China.

Acreditem, cheguei a sugerir isso a umassessor do rei Juan da Espanha.

Minha teoria era impecável e triste.Agora penso o con-

trário. Vinte anos depois,não só Portugal estápéssimo, mas a Espanhaestá numa crise de darpena. Então, sugiro oseguinte: considerandoque o Brasil (pelo menosestatisticamente) estáindo bem, sugiro que in-corporemos Portugal eEspanha e, claro, o restoda América Latina. Até

os Estados Unidos, conforme disse BarackObama, estão implorando para que os aju-demos. Então que o Brasil seja a sede doNovo Reino Unido. Assim, não apenas a“Europa se curvaria definitivamente dian-te do Brasil”, como quer nossa jactância,mas cumpriríamos o nosso destino históri-co superando o que o padre Vieira ideali-zou como o Quinto Império.

Que tal? Pensem nisso.Bem, nessas alturas já não sei se estou

fazendo uma profecia ou propondo umtema para o próximo Carnaval.

Affonso Romano de Sant’Anna,do Rio de Janeiro-RJ.

Eleição vem aí e não podemos mais permitir canalhices como compra de votos eoutras desonestidades. Como contribuição ao esclarecimento da população, apre-sentamos a letra da música-tema do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Page 6: O TREM 78 para assinantes néticos

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Nunca dirija mais rápido do que seu anjo da guarda possa voar (Autor desconhecido)6 O TREM

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Onde os grandes estilos se encontram

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Massada, umaCanudos para os judeus

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Assessoria Contábil - Assessoria Jurídica

Edmílson Caminha,de Brasília-DF.

A camioneta cruza o deserto da Judeia apequena distância do Mar Morto, aproxima-se do oásis de Ein Gedi e, 18 quilômetros àfrente, chega a um enorme platô com 400metros de altitude, onde se ergueu, antes deCristo, a célebre fortificação militar de Mas-sada (nome que significa exatamente fortale-za, em hebraico). Nela, Herodes, o Grande,que reinou no começo da era cristã, mandouconstruir um palácio, para o que reforçou eampliou o forte. Em 66 d.C., um comando ju-deu assaltou e conquistou a cidadela, início deuma das páginas que engrandecem a históriadesse povo. Para que se guarde sempre o quehouve ali, a Unesco declarou Massada, em2001, patrimônio cultural da humanidade.

Atualmente, sobe-se ao topo de funicu-lar, o que faço com a lembrança do que sobreo episódio conta Érico Verissimo no seu Is-rael em Abril. No ano 70, retomada Jerusa-lém pelos romanos, o governador FlaviusSilva ordena que se dê combate aos 967 ju-deus – homens, mulheres e crianças – reuni-dos em Massada sob o comando de EliezerBen Jair. Com estoques de água e comidapara uma longa sobrevivência na solidão dasalturas, os judeus resistem por dois anos aocerco de dez mil soldados, até que têm deescolher entre a derrota e a dignidade, a ren-dição e a honra, como narra o escritor gaú-cho e também se pode ver em Massada, fil-me de Boris Sagal, com Peter O’Toole nopapel do general romano. Conscientes deque já não há o que fazer, decidem os judeusnão dar aos inimigos o gosto da vitória, ecumprem o pacto que lhes propõe o coman-dante, como diz Érico: “Cada um deles liqui-dou com as próprias mãos sua mulher e seusfilhos. Depois amontoaram as coisas quepossuíam e atearam-lhes fogo. Dez deles fo-ram sorteados para executar os demais com-panheiros. Cada homem deitou-se ao ladodo cadáver da esposa e dos filhos, abraçou-se com eles e ofereceu a garganta aos execu-

tores. Os dez sobreviventes então liquida-ram-se entre si: o nono matou o décimo, ooitavo matou o nono e assim por diante, atéque restou um único homem no topo deMassada. E essa personagem de tragédiagrega se pôs a vaguear por entre os corpos,para verificar se em algum deles restava ain-da algum vestígio de vida, caso em que elalhe daria o golpe de misericórdia. Terminadaa horrenda missão, o sobrevivente incendiouo palácio da fortaleza e por fim suicidou-se, tom-bando ao lado dos membros de sua família.”

Em outra versão conta-se que, transpos-tos os muros, encontraram os romanos duasmulheres e cinco crianças, como, em 1897,os cinco sobreviventes de Canudos, “nafrente dos quais rugiam raivosamente cin-co mil soldados”, cena grandiosa com queEuclides arremata a epopeia de Os Sertões.Para Érico Verissimo, a nova geração de ju-deus, já nascida em território israelense, vêMassada como exemplo a seguir: “Os jo-vens sabras, que desde o estabelecimentodo Estado de Israel se têm revelado tão bonssoldados, aprendendo a usar o fuzil, a me-tralhadora e o canhão para se defenderemde seus inimigos, não compreendem que osjudeus da Europa se tenham deixado hu-milhar, torturar e matar nos campos deconcentração de Hitler, sem o menor ges-to de revolta, numa passividade de cor-deiros. Os sobreviventes desses massa-cres tentam explicar que qualquer resis-tência teria sido não só impossível comotambém inútil. Replicam os sabras: ‘Mor-rer por morrer, é sempre melhor morrer lu-tando e matando do que chorando e rezan-do.’ Estas palavras até certo ponto caracte-rizam o espírito do judeu novo de Israel”.

Como Canudos, Massada não se rendeu,com o que Eliezer Ben Jair deu ao exércitoinvasor a mais amarga das lições, a mais de-cepcionante das vitórias. Assim tambémAntônio Conselheiro, pertencentes, os dois,à grande espécie de homens para quem é amorte, muitas vezes, o mais digno, o maiselevado, o mais belo e o mais glorioso triunfo.

Joana d’Arc Tôrres de Assis,de Belo Horizonte-MG.

– Gracinha, pega suas coisas; olha oapito; envém o trem.

– Peso tá muito. Carregasse mil asas demariposa na mão, ia com elas no voo, epegava assento antes de o trem cruzar aesplanada da estação.

– Não sei o que tanto leva. Precisa detanto? Destino de pobre é traçado pra coi-sa pequena, mulher!

– Não é ida de mala e cuia? É muito não.Levo somente o que é semente dos dias dofuturo. Pois a gente vaimorar lá até quando?

– Só Deus sabe. É durodeixar Itabira. Trabalhar emVitória: ô coisa estranha!Seu passe tá comigo, viu?

– O trem, pra mim, éuma fortaleza nascida dapedra minério. Visto gos-tar da pedra, gosto dotrem. A ponto de tremerpor dentro a barriga todavez que escuto na redon-deza o trem que chega.

– Que converseira éessa? Entra, entra! Olhalugar bom ali. O da direita.

– Tou entrando, João! Ah, quando eu eramenina, esse mesmo trem vinha todo dia can-tar na porta da minha casa. Sonho que nãose aparta de mim. Mas florada de manga de-pressa é manguinha. Eu tava lá e tou aqui;tou aqui e já tou lá, de endereço na outraponta, a mais longe, do meu trem de ferro.

– Beirada de mar: a via começa aqui eacaba lá, mas foi batizada ao contrário: Vi-tória-Minas. Na verdade, tudo não come-ça aqui e acaba lá?

– O dia hoje clareou cinza com chocola-te; não demora, chove. É bom que dá praemendar pingo da chuva que a gente co-nhece com água do mar que a gente nãoconhece. Assim viajar no folega e resfole-ga fica menos cansativo.

– Eu conheço o mar; sabe disso.– Mas eu não. Tem mais, João: vou abo-

toar meus dias numa vontade toda hemati-ta, pra estudar até ser professora. Vai sermeu jeito de aprender o melhor de mim.Quem deixa pra trás seu quintal, suas espi-gas de milho na bica de dourar, tem que fazerde tudo pra ser ele mesmo, pra crescer.

– E quem fica sem partir não tem? ÔGracinha, tem um pente aí, fácil?

– Vai pentear cabelo no vagão? Cai cas-pa nos outros.

– Penteio no banheiro; vou lá mijar.As paredes do trem são casaca que tapa

toda visão, e que nunca mudaa fisionomia. Desde a origem,minério é bicho forte. Atraves-sou explosivo, curtiu fogo ra-chando ele todo, bebeu emtaça o choro de paisagens queruíam. O que não significa queele esteja isento de sofrer. Ede indagar: é obrigatório des-parafusar tudo? Alguém aípode reatar pra essa terra al-guma coerência?

Responder o quê? Acaba-mos de desembarcar em 2012.No mesmo vagão, quiçá feli-zes, mais do que grisalhos,

descobrimos João e Gracinha, que retor-nam. Aposentados – ele em serviços ge-rais, ela como professora – deixaram emVitória filhos, netos e bisnetos, decididosa morar em Itabira.

Não sei se sabem que há muito por aquitrem não apita, mas que buzinar ele buzina.Buzina até a lembrança de uma brincadeiraque todas as crianças, as que saíram e asque ficaram, repicavam nas paredes dascasas da cidade. A fala e o gesto nasciamjuntos, bem precisos: “Primeiro, seu lugar,sem rir, sem falar, com um pé, com o outro,com u’a mão, com a outra, com uma palma,todas duas, pirueta, tique-taque, vai indo,dar um salto”. Quem se lembra?

E lá pelos quintais as espigas perduramcheias, perto de dourar.

As espigas perduram cheias

Marcos Caldeira Mendonça

Page 7: O TREM 78 para assinantes néticos

7O TREM Desonestidade é o abandono da vantagem permanente por uma vantagem temporária (Christian Bovée, escritor estadunidense)

O poeta Drummond e o monstro

Prometi, na crônica anterior, narrar umepisódio curioso, inédito, da vida do meuamigo Carlos Drummond de Andrade.

Antes de contar essa história, preciso sa-lientar que fui também amigo do escritor bai-ano Jorge Medauar, membro da Academiade Letras de Ilhéus, professor de propagan-da e comunicação, na cidade de São Paulo,da Escola Superior de Propaganda e Marke-ting (ESPM). Ele é o autor de Água Preta,saboroso livro de contos no qual descreve avida no sul da Bahia; da novela A Procissãoe os Porcos, cheia de lances pitorescos; deChuva Sobre a tua Semente, volume de po-esias repletas de denso lirismo. Medauar eraum escritor de talento, pequeno apenas nofísico, mas grande pelo seu caráter, pelo seucoração e pela sua inteligência. Uma frater-nal amizade nos uniu. Tudo o que aconte-cia na sua vida, ele contava a mim. Lem-bro-me bem, após o início de um ano novo,o Jorge Medauar me confessou:

– Fernando, passei por um sério apuro,nas vésperas do Natal. Eu fiquei sozinho nomeu lar, quando a minha família se achavaem Santos. Às onze horas da noite, a campa-inha da porta de entrada da casa tocou forte-mente. Fui atender, era um poeta louco quefrequentava a sede da União Brasileira deEscritores, um fulano alto, musculoso, cabe-ludo, de olhar alucinado, olhar de doido mes-mo. A contragosto, eu o fiz entrar em minhacasa, naquela hora avançada da noite. Foium erro, arrependi-me depois. Ele se sentoujunto de mim, sacou uma faca comprida, pon-tuda, e garantiu que a enterraria no meu co-ração, se eu não lhe desse trezentos cruzeiros.Após me matar, iria suicidar-se com a faca.

Medauar parou de falar, emocionado.Eu comentei:

– Incrível, que monstro!Ele respondeu:– Um monstro louco. Suei frio, vi a mor-

te de perto.

Fernando Jorge,de São Paulo-SP

– E aí, o que você fez?– Por sorte, eu tinha os trezentos cruzei-

ros em casa e os entreguei logo ao monstro. Elese ergueu, abraçou-me e me besuntou o rostocom um beijo gosmento. E disse, antes de irembora: amo você como um filho ama o seu pai.

Todas as vezes que o Jorge Medauar narra-va esse episódio, a emoção se apoderava dele.

Dois meses depois, eu, Fernando Jorge,fui ao Rio de Janeiro, e no período da manhãencontrei o meu querido amigo na avenidaRio Branco. Alegres, marcamos um jantar norestaurante Lamas, perto do largo do Ma-chado, porém, de repente, o Medauar empali-deceu. Pensei que ele estava se sentindo mal:

– Você não está bem?O meu amigo sussurrou:– Fernando, o monstro me viu, ele vem

em nossa direção!– Quem?– O monstro da faca, o monstro que quis

me matar!Apareceu então em nossa frente um sujeito

cabeludo, fedorento, de estatura elevada, olhosesbugalhados, porte atlético, que berrou:

– Medauar, meu irmão, meu chapa!

E o fulano abraçou o trêmulo e apavoradoescritor baiano. Olhando para mim com despre-zo, o energúmeno quis saber quem eu era. Bran-co como um mármore da ilha de Paros, a gague-jar, o meu amigo balbuciou algumas palavras.

Andamos juntos, os três, pela avenidaRio Branco. Surgiu diante de nós, na esqui-na da rua do Ouvidor, a figura esguia de Car-los Drummond de Andrade. O poeta parou, afim de nos cumprimentar. E o Medauar, mui-to sem jeito, nervoso, ofegante, teve de apre-sentar o possesso ao Drummond. Quandoouviu esse nome, o monstro indagou:

– Drummond? Você é o Carlos Drum-mond de Andrade?

O poeta confirmou com a cabeça.– Cara – rosnou o desvairado – tu é

muito feio, tu parece um aborto, uma as-sombração. Como tu é feio, cara!

Eu e o Medauar ficamos horrorizados.O monstro prosseguiu:

– Você, seu Drummond, é feio como Belze-bu, o chefão dos demônios. Dou-lhe umconselho de graça: não saia de casa, vocêassusta todo mundo, pois é o homem maisfeio que já vi! Juro, você é um monstro!

Em seguida, após limpar o nariz com asua mão esquerda, do qual saía uma babareluzente, ele acrescentou:

– Ouça, não fique com inveja, eu, comopoeta, sou mil vezes superior a você, por-que escrevi o poema “Linda prostituta si-filítica, tu és a minha paixão”.

Impassível, sem revelar na fisionomiaqualquer contrariedade, o poeta se despe-diu, foi embora. E o Medauar, diante doanimal, não se conteve:

– Por que você fez isto?Dando uma pancada vigorosa no peito

do escritor, que o obrigou a se encolher, olunático se defendeu:

– Medauar, tu é meu irmão, meu camara-da, tu sabe que não minto, o Drummond é mes-mo feio pra caramba, parece um monstro!

À noite, eu e o Medauar decidimos ir àpresença do poeta mineiro, lá em Copacaba-na. E o escritor nascido em Ilhéus explicou:

– Viemos aqui, Drummond, só para pe-dir desculpas, pois não queríamos apre-sentar a você aquele monstro.

Ao lado de sua carinhosa filha, MariaJulieta, e sempre digno, polido, o nossoinesquecível amigo se limitou a dizer:

– Jorge Medauar e Fernando Jorge, sei oque sentiram hoje de manhã. Vi o sofrimentode vocês, eu compreendo, não se desculpem.

Emocionado, o Medauar contou ao poeta:– Drummond, esse maluco quase me as-

sassinou na véspera do ano novo, com umafacada no coração. Disse que iria me liquidar,se eu não lhe arranjasse trezentos cruzei-ros. Me mataria e depois se suicidaria. Fe-lizmente, eu tinha o dinheiro e salvei-me.

O poeta respondeu, irônico:– Espero que ele não queira me matar,

por causa da minha feiura...Cena final. Decorridos três meses, após es-

bofetear um padre negro, em quem enxergou amaterialização do Belzebu, o monstro foi inter-nado num manicômio, onde, segundo me in-formaram, vivia a declamar o seu poema “Lin-da prostituta sifilítica, tu és a minha paixão”.

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Page 8: O TREM 78 para assinantes néticos

O segredo é o emblema da fraude (John Chadwick, juiz inglês)8 O TREM

i s t i f ó r i oM i s t i f ó r i o Brincando com comunicaçãoHá anos um site de Itabira exibe este tex-to: “Atualmente, a Casa do Brás perten-ce à Fundação Cultural Carlos Drummondde Andrade. No local, acontecem váriasoficinas, saraus, seminários, exposiçõese outros eventos culturais”. Chapa-bran-quismo, delírio ou algo pior? A Casa doBrás ficou com as portas fechadas de 2005até fevereiro deste ano, por causa de umincêndio que consumiu parte do sobra-do e uma biblioteca. Aproveitando-se dafalta de vigilância, suspensa pelo gover-no João Izael, meninos entraram parafurtar e puseram fogo. Gente, gente,mais seriedade na comunicação, gente.

Não, gente, não é anedotaEsta parece piada, publicada pelo portalLesteMais na madrugada de 8 de feverei-ro: “O portal apurou, junto a uma fonteligada ao PSD, que a sigla deverá oficiali-zar nas próximas horas o nome do empre-sário Lucas Sampaio, proprietário da em-presa Santa Fé, como presidente do Dire-tório Municipal do partido. Pelo avançarda hora, nossa reportagem não conseguiuconfirmar a notícia. Aguarde mais infor-mações”. É o tipo de “notícia” que deveriavir com este alerta: “Caro leitor, estou lhedando uma informação, mas, ó, veja bem,pode não ser verdade, e se não for verda-de você fará papel de trouxa se ler isso”.

Informação para o KikoEsta “notícia”, não é piada, foi veiculadaem portal itabirano: “Bailarina do Faus-tão passa o Carnaval em Barão de Co-cais”. Vale a conhecida brincadeira: e oKiko, pessoal – Kikotenho com isso?

Momento cabotino: apitos em Nova Iorque e em MonlevadeA turma do programa Manhattan Connection, da Globo News em Nova Iorque, serviu a estalocomotiva, em fevereiro, mais um prato de boa canja. “O TREM Itabirano é um jornal interes-sante, inteligente. Se eu fosse a revista Piauí, faria um perfil dO TREM e também de Itabira”,sugeriu o jornalista Lucas Mendes, exibindo na tela a edição de fevereiro, após comentáriossobre o The Wall Street Journal e o New York Post. Desta vez, o pessoal fez mais bonito:exibiu O TREM ao som de uma locomotiva em movimento – bela sonoplastia. Caio Blinder,brincalhão, disse que O TREM chegou a Nova Iorque de navio. Já o perfurocortante DiogoMainardi nada comentou, mas é possível que tenha perguntado em pensamento: “Pra queperder tempo do nosso programa com esse jornalzinho vagabundo lá de Itabira?” De NovaIorque para João Monlevade, a Casa agradece também à turma do jornal A Notícia, que, naedição 1782, publicou um resumo da história desta locomotiva. O texto, adaptado de reporta-gem sobre O TREM publicada na revista eletrônica Observatório da Imprensa, saiu na capado caderno Variedades, sob o título “Um trem de cultura e boa leitura: jornal itabirano édestaque na imprensa nacional pela irreverência, coragem e espírito crítico”. Ótima notícia: éItabira sendo respeitada, Brasil e mundo afora, como cidade que faz jornalismo decente.

Papo entre três aposentadosEsta veio do escritor e radialista MarcoLacerda, de Belo Horizonte. Conversaentre três aposentados mineiros:

– O que você está fazendo, João Oswal-do, depois que deixou a empresa Pirelli?

– Montei uma recauchutadora depneus. Não conto com a estrutura e or-ganização que havia quando eu traba-lhava lá, mas meu negócio vai bem.

– José, e você, como vai após a Shell?– Abri um posto de gasolina. Claro

que não tenho a estrutura e a organiza-ção dos tempos da empresa, mas estouprogredindo maravilhosamente bem.

– E você, Marcos, montou algo, depoisde tantos anos no Congresso Nacional?

– Sim, abri um puteiro, a boate Xana-du. É claro que não é aquela zona todaque há lá no Congresso Nacional, mastambém está dando um lucro fantástico.

Vale é eleita a pior do mundoA Vale foi eleita neste início de ano a piorempresa do mundo no Public Eye Awards,anti-prêmio concedido anualmente desde2000, no Fórum Mundial de Davos, a corpo-rações que geram megaproblemas ambien-tais, sociais e trabalhistas. A mineradora cri-ada em Itabira, hoje a maior empresa privadada América Latina, presente em 38 países,teve 25 mil votos num total de 88 mil. Um dospesados argumentos contra a Vale é o des-pejo de 114 milhões de metros cúbicos deefluentes em rios e oceanos. A empresa re-bateu dizendo que cumpre a legislação. Sevivo, o vovô contestador Aníbal Moura re-produziria notícias de jornais sobre essa elei-ção e as distribuiria a políticos, repetindo o quebradou por décadas pelas ruas de Itabira: a Valedá lucro para poucos e prejuízo para todos.

Câmara tem de ter boa sedeO presidente da Câmara de Vereadores deItabira, Geraldo Torres, anunciou a constru-ção de um anexo para a sede do legislativo emuitos esbravejaram contra, na internet. Se aobra for bem planejada e com lisura, será útil.A cidade, que terá 17 vereadores, precisa ofe-recer a eles condições para exercer bem omandato. Um Poder Legislativo é muito im-portante. Se tudo o que a câmara faz hoje émalvisto, é porque os vereadores são sub-missos ao prefeito e não cumprem obriga-ções basilares, como fiscalizar a prefeitura ediscutir os grandes assuntos itabiranos. Porisso, tudo o que fazem recebem carimbo degasto público supérfluo – problema gravede falta de credibilidade. A população, noentanto, deve pensar para a frente, em tercâmara atuante, com vereadores competen-tes, independentes, cumpridores da função.Um legislativo assim merece prédio amplo econfortável, e eleger uma câmara assim éresponsabilidade do eleitor. Não se pode orga-nizar a cidade com base em políticos péssimos.

Caso 50 mil com quem quiserEm 2010, quando o prefeito João Izael anun-ciou que traria siderúrgica da empresa Valepara Itabira, apostei uns cobres no “não tra-rá” e ganhei o capilé. O leitor se lembra dapromessa que ele fez de trazer curso de medi-cina? Aposto 50 mil reais com quem quiser.Claro, aposto no “não trará”. Nunca perdidinheiro por subestimar o governo João Izael.(Nilton Gomide Praxedes, o Niltin Agiota)

Mictório do Trailler do PapagaioA foto acima, de um aviso em lanchonetepaulista, foi enviada aO TREM pelo jornalis-ta Moacir Japiassu. Fez lembrar um caso doTrailler do Papagaio, na Rua do Jairo, em Ita.Para reduzir o odor de urina no banheiro mas-culino, o dono punha fatias de limão no co-cho de micção. As rodelas da fruta ficavamcomo espuma mergulhada num balde cheioe, como o local recebia bêbados nas maiscalamitosas condições, penduraram esta pla-ca no recinto: “Favor não chupar os limões”.

Campanha publicitária ruimFuleiríssima a campanha de conscientizaçãono trânsito criada pela agência Promocionalpara o governo João Izael. Peças ruins, semtalento, com texto fraquíssimo, de difícil co-municação, tudo muito amador. A prefeituragasta dezenas de milhões de reais com pu-blicidade (dinheiro do itabirano) e recebe umserviço de quinta categoria. Que fase, Itabira...(Renato Furst Alvarenga, doido para votar)

RONDA

O bar fecha a porta varrendo o boêmioNo canto do sonho a mágoa deságuaNotívago oscila entregue ao relentoFiel ao profano o copo quebrado Primeiros apitos manhã clara e friaÀ sombra do espólio das dores dissídiosOs passos encontram em busca do ofícioEscalam muralhas de tédio e conflito O ébrio e o sóbrio fantasmas despertosÀ ronda incessante de seus mamulengosNa trama insuspeita às ruas conscritosEncontram o verbo derrubam seus mitos

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Não estão fazendo direitoÓtima notícia. Itabira tinha dois cursos ruinsde direito, o da Funcesi e o do Censi. Agora,só tem um. O Censi acabou com a matéria.

O colossal suspiro coletivoHá gente muito preocupada com o tamanhãodo “ufa!!!” que será dado em Itabira em 31 dedezembro deste ano, por uma multidão. Omedo é de que o gigantesco suspiro coleti-vo se transforme num daqueles tornados quearrasam cidades nos Estados Unidos. A es-perança é de que o vento que começará a so-prar em Itabira no dia primeiro de janeiro de2013 seja para a cidade brisas de felicidade.(Anna Beatriz Bittencourt, a itabirana quefoi para Lajinhas (PI), fugindo do governode João Izael e da BR 381, nessa ordem)

O pior Carnaval do mundoPassei o Carnaval longe de Itabira, como sem-pre, mas pedi para gravar a transmissão dafolia itabirana na TV Cultura. Vi a maçaroca eanotei 387 bizarrices. Citarei quatro. Uma, pa-rece que o prefeito João Izael manda o locu-tor do evento falar o nome do político demeia em meia hora. Dois, o locutor disse isto:“Homenagem a Carlos Drummond de An-drade, o maior poeta de Itabira”. Disse e re-petiu. Três, o locutor também disse isto: “Da-qui a pouco dois megashows com as bandasStigma, de Montes Claros, e Boca Elétrico,de Governador Valadares”. A melhor, no en-tanto, foi o repórter Percival Afonso entre-vistando o prefeito. “O Carnaval de Itabira émaravilhoso, sensacional”, disse João Izael.

Ufa, vai acabando o sofrimentoAcabamos de sofrer o último Carnaval dohorrendo governo João Izael. Em julho, pe-naremos com o último Festival de Invernodele e no ano que vem, enfim, sob o coman-do de um tão precisado prefeito novo, come-çaremos nova história. Que seja bonita, sau-dável, divertida, feliz, como Itabira merece.(Renato Furst Alvarenga, já vivendo 2013)

Estátua do poeta na câmaraA besteira que resultou na colocação de umaestátua de Carlos Drummond de Andrade nafrente da Câmara de Vereadores começoucom uma visita de meninos de escola ao le-gislativo. Um deles perguntou ao presidenteda Casa em 2011, Sebastião Leite, por que acâmara não homenageava o poeta. O verea-dor então teve a tola, péssima, horrorosa ideiade aumentar o número de estátuas na Drum-monlândia. O garoto bem que poderia ter per-guntado: por que Itabira não tem uma câma-ra com vereadores competentes, independen-tes, insubmissos, fiscalizadores da prefeitu-ra, cumpridores das funções para as quaisforam eleitos e pelas quais recebem salário?

A sinceridade do delegadoO repórter Percival Afonso, da incrívelTV Cultura, perguntou ao delegadoPaulo Tavares, novo em Itabira, sobre aestrutura da Polícia Civil na cidade. Res-posta: “Há lugares piores que aqui”.

Por Léa Madureira Lima, Rio de Janeiro.

Marcos Caldeira Mendonça

Marcos Caldeira Mendonça

SÓ SE GARANTE O TREM ASSINANDO-O

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O TREM Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam (Henry Ford, empresário estadunidense) 9

Ufa, reabertos o museu, ufa, e a Casa do Brás, ufaO governo João Izael reabriu o museu e a Casa do Brás. Depois de O TREM cobrarveementemente, com notas em sucessivas edições, durante anos, enfim a prefeituradevolveu ao itabirano esses dois espaços culturais. A casa estava fechada desde 2005,quando foi incendiada por causa de desleixo do próprio governo municipal, que burra-mente suspendeu a vigilância do imóvel nos finais de semana. Meninos entraram parafurtar e queimaram parte do imóvel, uma biblioteca e equipamentos de coral. O museuestava inativo desde o final de 2008, quando foi trancado para a demorada reforma.Cidades do Japão foram destruídas por tsunami e se reergueram em meses, já o prefeitoJoão Izael gastou três anos para reformar um pequeno museu e sete para restaurar umacasa... Sem forte pressão dO TREM, que desencadeou outras pressões, talvez o prefeitoencerraria o duplo mandato com os imóveis fechados, pois despreza a cultura. Despre-za tanto que, após sete anos sem a Casa do Brás e três sem o museu, reabriu ambossem programação cultural de relevância. É perda de tempo cobrar do governo JoãoIzael programas fecundos na área da cultura. A incompetência está provada e, comodiz o locutor Da Cruz Diniz, “aí é querer tirar muito do pouco”. O bom funcionamentodo museu e da Casa do Brás é para o prefeito que os itabiranos elegerão em sete meses.

Não é só com CaterpillarJá estou estalando meus dedos para votar,em outubro. Só penso nisso, livrar-me paratodo o sempre deste nefasto governo JoãoIzael. Que Santa Urna dê a Itabira um prefei-to com tirocínio suficiente para entender quedesenvolvimento não se faz só com Caterpi-llar, manilha e ferragens, também com livros,museu, centro cultural, teatro, boa música...

Recadinho do coraçãoDjanir, Nenego manda avisar que só pagaráaquela bufunfa que lhe deve no dia em queo cinema de Itabira passar filme iraniano.

Poluição sonora, essa pesteQue o prefeito de Itabira – o próximo, claro –acabe com a poluição causada por som-vo-lante. Está entre as coisas mais irritantes nacidade, do nível do desperdício de dinheiropúblico, do desprezo oficial pela cultura e danossa submissa e vã Câmara de Vereadores.(Albertinho Fróes e Alcântara, nervoso)

Programa Informativo do ServidorPrograma Informativo do ServidorPrograma Informativo do ServidorPrograma Informativo do ServidorPrograma Informativo do Servidor

Toda segunda-feira, de 12h às 12h30, na rádio Liberdade FM (87,9), com o combativo presidentedo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos Municipais de Itabira, José da Penha Costa.

NO AR, A VERDADE SOBRE ITABIRAA cidade, a política e os direitos do servidorCom toda liberdade para dizer a verdade

ComunicaTREM

Cesário põe o dedo na políticaA cogitação de que o urologista Cesário Car-neiro será o candidato a prefeito apoiado porJoão Izael rendeu muitas piadas. Eis quatro:- Prefeito quer candidato-urologista paracontinuar dando dedada nos itabiranos.- João Izael tornou Itabira doente. Agora, sómesmo um bom médico para tentar curá-la.- João Izael já deu muitas dedadas nos olhossuperiores dos itabiranos. Não satisfeito,pretende dá-las também no olho inferior.- Prefeito quer lançar o urologista CesárioCarneiro para sucedê-lo. Toque de mestre!

Recadinho do coraçãoMarly, Sandra Núbia pede o obséquio de lhetransmitir que sua blusa de cacharrel só serádevolvida quando a TV Cultura fizer repor-tagem sem entrevistar o prefeito João Izael.

Publicidade constrangedoraÉ impossível contar os litros de água do mar,as estrelas do céu, os grãos de areia do lito-ral brasileiro e a quantidade de erros na pu-blicidade do governo João Izael. Está em umanúncio de alerta contra a dengue publicadono jornal Pedra Lisa, número 106: “Parou dechover, vamos eliminar as poças em torno deonde moramos e alertar, também, os nossovizinhos”. Sim, “os nosso vizinhos”. A pre-feitura e a câmara gastam dezenas de milhõesde reais (dinheiro do povo) em publicidade,via agência Promocional, mas recebem umserviço péssimo, constrangedor para Itabi-ra: “desponibilizar”, “sansão” por sanção,“paralizar”, “atrazo”, “os nosso vizinhos”...

Mais 13 anos sem vir a ItabiraItabirano radicado em Londres, fiquei 13 anossem ir a Itabira. Estive na cidade no início de2012 e acho que ficarei mais 13 sem voltar.Por todos os lados, vi minha cidade ao aban-dono, com buracos nas ruas, muito lixo, par-ques, praças e monumentos estragados, pa-trimônio histórico caindo. Lastimável desca-so com o bem público. Papeando com con-terrâneos, percebi amargor em relação à polí-tica, sentimento de revolta. Que Itabira selivre desses males nessa próxima eleição.(Márcio Vaz Cabral, Londres, Inglaterra)

Boa, ótima, excelente notíciaEste ano, Itabira não terá o evento EnsaioAxé Brasil, que traria os shows (shows?) deParangolé e Tomate. A bagaça foi cancelada.

Buracos em ruas: protestoMoradores de Frutal, no Triângulo Mineiro,protestaram de forma criativa contra políti-cos locais por causa dos muitos buracos emuma rua. Com tinta branca, circularam as fa-lhas e escreveram várias vezes a sigla IPVA(Imposto sobre a Propriedade de VeículosAutomotores). Virou notícia estadual, comespaço em alguns dos maiores jornais minei-ros. Em Itabira, se fossem fazer algo similar, es-gotariam o estoque de tinta em toda a região.

Recadinho do coraçãoFufuca, Edil informa que só se casará comvocê no dia em que os vereadores de Ita-bira deixarem de ser ao prefeito submissos.

Políticos, escritores e sinhásOuvi no rádio um ditado antigo: “Políticos,antes das eleições, prometem mundos e fun-dos; eleitos, só tem fundos imundos”. O ar-tigo Porque sou professor, de Silas CorrêaLeite, nO TREM de fevereiro, devia estar nacartilha de todo aquele que ama a profissãode ensinar. Lendo o texto de Cineas Santos,lembrei-me de que um dono de engenho man-dou moer o braço de um escravo por este terfurtado cana. Monteiro Lobato conta em li-vro que um escravo foi morto por um cão sópara o dono provar que o bicho era obedien-te. Em várias cidades, e na minha Itabira tam-bém, há casos escabrosos de sinhá que, aover nascer escravo com olhos verdes ou pelemais clara, jogava-o aos porcos porque erasinal de pecado da escrava com o sinhô. (José Senem, itabirano, Nova Iguaçu-RJ)

A rigorosa dieta de LewisEstou fazendo uma dieta rigorosa. Cortei abebida e as comidas pesadas. Em quatorzedias, perdi duas semanas. (Joe E. Lewis)

Temporada de barganhasA cada dez minutos surge um novo pos-sível candidato a prefeito de Itabira. Atática é lançar nomes para poder barga-nhar retiradas e apoios. Que os partidoso façam, vá lá, é da democracia. O feio éver jornalista de 60, 70 anos caindo nessamanjada esparrela. Só haverá dois candi-datos com chances reais: Damon de Sena(PV), cacifadíssimo, e o indicado pelo pre-feito João Izael, que herdará um desgastebrutal, mas terá o benefício da máquinapública. O resto é enfadonho blablablá.(Eric San-Mártin Rosenthal, repórter)

MÉDICO DO TRABALHONecessita-se de Médico do Trabalho com experiência em área da

empresa Vale e formação em medicina do trabalho. Os interessadosdevem enviar currículo para avenida das Rosas, 208, bairro São Pedro.

Marcos Caldeira Mendonça

Átila Lemos

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Justiça é a verdade em ação (Benjamin Disraeli, político inglês)10 O TREM

Fora dos trilhos

Fábio Lucas,de São Paulo-SP.

1. O TREMUm dia, o grande jornalista e homem de

Letras Audálio Dantas solicitou-me escreves-se, entre vinte e trinta linhas, sobre a funçãodo tabloide na imprensa contemporânea, to-mando como exemplo O TREM Itabirano, jáem franca aceitação nacional. Acrescentouque eu deveria remeter-lhe o texto no dia se-guinte, o que foi feito. Eis o que lhe enviei:

Que dizer do tabloide que se publica emItabira, interior de Minas? Chama-se OTREM. Bem escrito e paginado, contesta-dor, reivindicante, concede espaço a escri-tores, jornalistas e intelectuais do país intei-ro. Consegue sufocar o jeito grupal ou pro-vinciano de que não se libertam os jornalõesdo Rio e de São Paulo, para os quais “cultu-ra” não passa de futebol e show-business.

Retoma o clima do jornalismo informativo,necessário às exigências do público diversifi-cado. Portanto mantém em bom nível o aspec-to cultural e investigativo, sem manifestar de-pendência dos operadores dos interesses in-ternacionais. Ou seja, das agências e dos jor-nais que empunham abandeira da imprensalivre, enquanto prote-gem ações monopolis-tas e vergonhosa ma-nipulação do noticiá-rio em favor do agro-negócio devastador edestrutivo, da expor-tação pura e simplesde riquezas naturais (Itabira foi vítima his-tórica da exportação de minérios), da explo-ração do petróleo (veja-se a guerra intermi-nável no Oriente Médio, região em que aspotências infiltram armas e mercenários, afim de dissimular revolta do povo).

O TREM é festivo, vibrante, alegre. Aju-da o leitor a refletir e a desenvolver o sensocrítico. Oxalá sobreviva por muitos, muitosanos. Sensacional sem ser sensacionalista.Polêmico e escrupuloso ao mesmo tempo.

Depois disso, eis que a editora Autênti-ca, de BH, encaminhou-me a nova obra deMarco Antônio Tavares Coelho, Rio Doce –a Espantosa Evolução de um Vale (2011),um dos mais importantes trabalhos jamaispublicados no Brasil sobre a exploração dominério em Minas Gerais e sobre a compa-nhia Vale do Rio Doce, sua exportação doferro e produção do aço. Sem descurar detemas como o genocídio dos índios e comoas questões ambientais. Sobre o destino dos“botocudos” deu ouvidos a Ailton Krenak,líder da comunidade Krenak. Acerca da ques-tão ambiental, valeu-se da ajuda de Washing-ton Novaes. O livro aparece recheado de fotos,material iconográfico bastante ilustrativo. Creioque Itabira em peso haverá de sensibilizar-secom a obra de Marco Antônio Tavares Coelho.

2. Mensagem a Rui MourãoComo colega de faculdade, companheiro

de jornada literária desde 1950, amigo e par-ceiro de atividades intelectuais do ensaísta eficcionista Rui Mourão, não posso deixar deaplaudir a organização do Fórum das Le-

tras, especialmente a professora Guiomarde Grammont, pela feliz escolha do autormineiro, legítimo criador e intérprete da nar-rativa, para ser, com justiça, homenageado.

Toda a vida de Rui Mourão tem sidopautada pelo estudo da manifestação lite-rária e pela criação de romances capitaisda nossa Literatura. Leitores e críticos com-partilham na construção da imagem queprojeta o escritor na consciência nacional.

Além da mitografia, original, diversifi-cada, gestora de personagens e coletivi-dades pejadas de representação mimética,o narrador de Bambuí entregou-se de cor-po e alma à administração da herança cul-tural do país, expurgando-a da crosta acu-mulada de autoritarismo e estagnação. Temventilado os mananciais da legítima criaçãoartística do Brasil, sem apagar os sinais ul-trajantes da dominação. Externa e interna.

Avolumou-se de tal modo a produção li-terária de Rui Mourão, que é de admirar acapacidade demonstrada por ele no resguar-do de figuras históricas e na reflexão acercada conduta produtiva de artistas, de personali-dades públicas que se entregaram à cultura.

No perfil intelectual de Rui Mourão ca-bem os dois hemisféri-os da captação do real:a razão e a emoção,pois ele é mestre no sa-ber acumulado e vitorio-so agenciador da sensi-bilidade criativa. Oportu-na e merecida a home-nagem que lhe é presta-da, pois, para lembrar

emotivas palavras de Tomás Antônio Gonzaga,as glórias que vêm tarde já vêm frias. Diríamos,complementarmente, que o calor dos contem-porâneos ajuda a aquecer as glórias futuras.

3. Ignácio de Loyola BrandãoSinto-me à vontade para falar de Ignácio

de Loyola Brandão como um caso particularda arte de comunicação. É que o escritor sabeusar à perfeição ambas as formas de expres-são linguística: a oral e a escrita. Pois é agra-dável a qualquer ouvinte ou leitor lidar com aexpressão de Ignácio de Loyola Brandão.

A sua exposição verbal guarda atributosda narrativa escrita, assim como os seus tex-tos literários apresentam virtudes da oralidade.

Mas isso não é tão somente uma qualida-de inata. É fruto de estudo e de prática daarte de se comunicar. Ignácio de Loyola Bran-dão logrou encurtar a distância entre a ora-lidade e a escrita. É que ele adotou o estiloconfidencial para dirigir-se a seu público.Ele fala ou escreve como se estivesse sedirigindo pessoalmente a cada ouvinte ouleitor, usando um repertório comum.

Daí o seu estilo próprio, irredutível a qual-quer estilo de época. O escritor utiliza os epi-sódios e circunstâncias da sua experiênciapara se comunicar artisticamente com o pú-blico. Essa é a sua armadilha estilística a fim decapturar a atenção dos ouvintes ou leitores.Ninguém escapa de seu poder verbal. Tor-nou-se um artista refinado, empregando umestilo coloquial, retirado do seu fundo ínti-mo, existencial. Foi mais longe: fez do humoruma sátira das ilusões germinadas no úterodo sistema de exploração do ser humano.

O TREM Itabirano consegue sufocar o jeito grupal ou provincianode que não se libertam os jornalões do Rio de Janeiro e de São Paulo

Sá Maria dos Sobrados Mutantesque não sobram mais em Itabiraveja como soçobram nas ondulações das ruasas histórias dos casarões desintegrados

Sá Maria dos Cupins Dietéticosalérgicos ao bronze dos bustos esquecidosorai por nossos nós desatadose pela derrocada das janelas coloniaisenterradas nestes edifícios desmemoriados.

Sá Maria das Missões Impossíveisnão dá para somar subtraindoesta loucura no entardecer ferruginosodas sacadas ensacadas nos cofres dos bancospara criar ausências e paisagens sem raízesonde fantasmas fogemfugazes nas peneiras celestesda poeira ferro em póinvadindo nossas retinasque ficam mais franzinaspara aspirações sem créditos especulativos

Sá Maria das Crianças Itabiranasagora elas crescem ou fenecemsem os sofás antigosdescosturados em suas almase levam nas palmas das mãosa tatuagem do diamante derradeiroe portas despencam sobre o barroe lustres não mais ilustressão vendidos a preço de bananae poucos sobrevivem em museus imperiais

Sá Maria dos Turistas Desavisadosos quartos das noivas viúvas do século XIXque perderam maridos fujõesdesaparecem sem lágrimas rendadasousem sons silenciosos suspirandoousem palavras gosmentas multiplicadas por novedentro das noites formicidas

Sá Maria das Dores de Viverbirras centenárias em Itabiraassolam corações e vulcões submersosnos rangidos dos palacetes defloradosou nas braúnas esvoaçantessobre o acinzentado córrego da Penha

Sá Maria do Menino Poeta Aventureirorogai pelos nossos corpos internautasnão existe sanidade no horizonte forasteiroapenas o deserto sem tropeiros pacifistasque Carlos Drummond de Andradepercebeu em tenra idadetransformando em eterna poesiaesta paixão desesperada.

ORAÇÃO CONTRA AMAGIA IMOBILIÁRIA

Por Domingo Gonzales Cruz, RJ

Fotos: Átila Lemos e Marcos Caldeira Mendonça

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Um escravo é aquele que espera por alguém mais para libertá-lo (Ezra Pound, poeta e crítico estadunidense) 11O TREM

O matador de aluguel

A UBE, União Brasileira de Escritores, ao término do Congresso Brasileiro deEscritores de 2011, realizado em Ribeirão Preto (SP), de 12 a 15 de novembro de 2011,com a presença, durante quatro dias, de centenas de escritores, em um grau de mobi-lização e participação inédito em décadas, apresenta seu documento final, com pro-postas aprovadas em plenário. Por meio dele, os escritores brasileiros reafirmam ocompromisso de trabalhar junto a seus pares, ao governo e à sociedade, para que aarte possa ser construída com liberdade e qualidade, de modo a constituir legadosignificativo para o futuro; e reafirmam seu compromisso incondicional com a democraciae a liberdade de expressão, valores que determinaram a criação da UBE. Por isso,

1. Protestam contra modalidades de censura ainda em vigor, como as restrições abiografias e outras pesquisas a pretexto de defender sucessores ou pesquisados, resul-tando em censura judicial; consequentemente, lutarão para impedir o cerceamento àliberdade criadora do escritor, especialmente aquele originado de iniciativas de her-deiros ou proprietários de direitos autorais para impedir a circulação de obras;

2. Sustentam, como premissa, que o governo brasileiro proponha e defenda uma políticacultural nacional, equilibrada, justa, democrática e aberta, da qual o Estado participe como facilitador, e não como mentor, exigindo a defesa, incentivo e proteção de toda criação artística,pautada pelo respeito ao direito autoral, à liberdade de expressão, à busca de ampla divulgaçãoe publicidade, em atendimento aos preceitos do desenvolvimento cultural de um país: educa-ção, cidadania, democracia, igualdade, liberdade, diversidade, direitos humanos e preser-vação do acervo e do patrimônio cultural, estético, artístico e ecológico do país;

3. Entendem ser prioridade a defesa intransigente da qualidade da educação no Brasil,esperando do Estado os investimentos necessários à qualificação e ao aprimoramento dosprofessores e à manutenção de escolas e equipamentos; em especial, que seja resgatado oensino da literatura nas escolas, com atenção ao conteúdo e valor, tanto pedagógico quantoartístico, das obras adotadas para leitura e exame, com ênfase para a produção nacional;

4. Declaram imprescindível a ampliação dos programas em curso, especialmente deórgãos do Ministério da Cultura, para estimular a leitura e promover a difusão da literaturabrasileira, assim enfrentando o dramático descompasso em nosso país de índices deleitura de livros e, correlatamente, do alarmante analfabetismo funcional;

5. Requerem, igualmente, por parte dos órgãos públicos, consistência e regularida-de nos programas de difusão da literatura brasileira no exterior, apoiando traduçõesde obras, mostras e apresentações de autores, a exemplo do que é feito, rotineiramen-te, pelos governos de outros países;

6. Esperam esforços equivalentes das administrações estaduais e municipais, paraque desenvolvam políticas culturais em consonância com esse esforço; especialmen-te, ao manterem e equiparem bibliotecas públicas e programas de promoção da litera-tura e incentivo à leitura, e pela boa divulgação da produção nacional em seus equi-pamentos culturais e meios de comunicação;

7. Como tópicos da defesa dos direitos do autor:7.1. Repudiam frontalmente programas de difusão de livros e incentivo à leitura, espe-

cialmente na área educacional, que exijam a renúncia a direitos autorais e de edição.7.2. Declaram inadmissível qualquer equiparação da tradução literária ou qualquer

escrita criativa à prestação de serviços, obliterando ou suprimindo direitos autorais;7.3. Exigem maior transparência nas prestações de contas a autores por parte de

editores; por isso, propõem, como tópico da lei de direitos autorais ora em exame, ainserção de informe da tiragem pela gráfica nas edições em maior escala; e, naquelasem impressão digital ou nos livros por encomenda, que as editoras numerem cadaexemplar; e que, em livros eletrônicos ou quaisquer edições no meio digital, sejagarantido ao autor o conhecimento a qualquer tempo da quantidade de exemplaresadquiridos por esse meio; e, ainda, que seja assegurado, nas compras de grandesquantidades de livros por órgãos públicos – MEC, MinC etc –, a comprovação peloeditor de que o titular de direitos autorais foi informado da compra;

8. Lutarão pelo fim dos privilégios no fomento à produção artística; pela reestrutu-ração do Fundo Nacional de Cultura, de modo que esse receba recursos originadosde imposto de renda devido pelas empresas, a serem destinados a projetos aprova-dos por um conselho de representantes da sociedade civil que analisarão projetos aserem financiados por leis de incentivos, assim retirando das empresas patrocinado-ras o poder decisório sobre a destinação final de tais recursos;

9. Solicitam dos meios de comunicação, concessionários que são, atenção à pro-dução artística nacional e às demandas dos seus produtores, por meio da instalaçãode um Conselho Nacional de Comunicação que tenha maioria de membros indicadospor organizações da sociedade civil;

10. Tendo tido a honra de entregar o Prêmio Juca Pato – Intelectual do Ano, ao finaldo Congresso, ao professor Aziz Nacib Ab’Sáber, associam-se às causas sustentadaspor esse notável ambientalista em defesa do meio ambiente e da própria continuidadeda vida em nosso planeta.

Votado e aprovado em Ribeirão Preto, dia 15 de novembro, Dia da República, de 2011.

MANIFESTO DOS ESCRITORES BRASILEIROSCONGRESSO BRASILEIRO DE ESCRITORES DE 2011

INFORME ESPECIAL

Caruá, para quem não conhece, fica em re-gião incerta e não sabida no sertão nordestino.Avessa a badalações, divulgação ou febres tu-rísticas, a população local me pede que jamaisdê qualquer pista que identifique a cidade nomapa; até porque Caruá não está no mapa.

Eis que notório homem de terras caru-arenses resolveu eliminar um desafeto,com quem vivia às turras por conta dependengas rurais. Contratou um matadorde aluguel, que atendia pelo sugestivonome de Trabuco, e encomendou o servi-

Luís Pimentel,do Rio de Janeiro-RJ.

ço. Com uma ressalva das mais curiosas:– Não dê conversa pro Fulano, pois ele

é muito camaradeiro.Monte a arapuca, façao serviço e venha em-bora, pois, se cair nabesteira de prosear,você desiste de cum-prir a tarefa. Leve me-tade do dinheiro, de-pois do trabalho feitovenha buscar o restante.

O matador partiu e o fazendeiro foi acen-der uma vela pela alma do futuro defunto.Depois de aguardar o tempo regulamentar

combinado nesse tipo de empreitada – umasemana –, pelo retorno de Trabuco, que

viria trazer a prova docrime e receber a outraparte do pagamento, ofazendeiro resolveudar uma incerta no lo-cal combinado para atocaia, à procura de al-gum vestígio do ser-viço: o corpo, sinais deluta, um cartucho de

espingarda, o que fosse.Lembram do aviso? Não dê conversa pro

fulano, pois ele é muito camaradeiro. Não deu

outra. Debaixo de um pé de umbu, curtindo asombra em volta de uma garrafa de pinga,cigarrinho de palha entre os dedos, estavamo ex-quase-futuro morto e aquele que deve-ria mandá-lo desta para uma melhor. A prosaparecia das mais animadas, o camaradeiroentregue à sua atividade principal, o exercí-cio da camaradagem, e o (im)provável ma-tador às gargalhadas, embevecido com ashistórias deliciosas que ouvia.

Ao ver o contratante, pasmo e incrédulosobre o cavalo, o contratado pegou o maçorecebido como adiantamento e o devolveu, comesta pérola: – Tome o seu dinheiro de volta,coronel. Um homem alegre desse não se mata!

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O revolucionário bem-sucedido é um estadista, o malsucedido é um criminoso (Erich Fromm, sociólogo alemão)12 O TREM

Noite de autógrafosHermínio Prates,

de Janaúba-MG.

Não era isso que sempre desejara? Entãopor que a tristeza, esse ar de derrota que ima-gino tornar ainda mais lúgubre meu rosto decansaço? Eu deveria rir, dizer frases inteli-gentes, receber com modéstia – ou falsa? – ocumprimento dos amigos. Mas como sa-ber se há franqueza nos gestos e palavrasou se eles estão apenas sendo gentis?

Sei que me esforcei, fiz o que pude, sedi-mentei vivências com leituras, pesquisas,palestras, conversas com quem tem o quedizer. E para exercitar o espírito resenheiobras alheias, publiquei aqui e ali crônicas,artigos, alguma poesia. Ousei, ousei sim, seique corri riscos ao desafiar saberes maiores,pretendendo avanços no bom pensar de fi-lósofos de carreira feita. Não é uma temerida-de ver preconceitos e iniquidades, contradi-ções e vazios em mentes privilegiadas comoforam as de Aristóteles, Sócrates, Platão eaté de Shakespeare, para desagrado dosde Londres? Pois na ânsia de dar um pas-so além do já definido, eu o fiz. Para desa-grado e espanto de muitos, amigos até.

Sabe aquele pensamento besta ineren-te à juventude de que tudo que acontececom você é diferente e que as trapaças quechamam de destino nunca vão pular o seumuro? Pois assim era eu, como são todosque apenas olham para o umbigo. E quan-do o intelecto se arrisca a tomar as rédeasda exclusividade, aí é que a lógica se perdenos labirintos da pretensão.

Sempre esperei por esse momento, váriasvezes sonhei com ele. E costurei cada deta-lhe com o esmero de quem quer tudo comperfeição. Vi um salão cheio, amigos e mui-tos desconhecidos de copos na mão, con-

versando alegres, a maioria na longa fila deautógrafos. O meu livro era um sucesso, asentrevistas dadas aos jornais, televisão e rá-dios atraíram aquela multidão. Ou teria sidoapenas o meu nome na capa? Afinal, haviauma longa tradição que me recomendavacomo homem de letras, pensador sagaz, “umaforça centrípeta que espargia ideias”, no dis-cutível dizer de umcrítico. E como o so-nho rompe barrei-ras, também incluínele moçoilas de lá-bios rubros, umasmorenas, outraslouras de olhos cla-ros, quem sabe atéumas ruivas filhasda moda, mas todasbelas e tietes, que-rendo um afago in-telectual daqueleguru de sapiênci-as, que todos ga-rantiam ser eu. Ecomo não sou enunca fui de esgri-mir preconceitos, lá estavam meninas afroscom penteados quase estranhos, mas to-dos realçando a sensualidade de cada sorri-so muito branco no contraste com a pele enas curvas que levam ao pecado.

Entre o real e o faz de conta, lá estavaeu, olhando o salão quase vazio, com min-guados amigos e alguns parentes no sa-crifício de fazer número. Flagrei sorrisosesparsos, comentários sobre a novela quenão estava sendo vista naquele momentoe sobre futebol, mas nenhuma frase que sereferisse ao livro, ora sendo lançado. Pou-cos vieram, alguns depois dariam uma des-

culpa, a maioria nem isso, pois a pressa docotidiano não requer gentilezas.

Aquele era um momento único. Para ele,apenas para ele. E disso tive provas quan-do, no meio do marasmo, fui ao banheiro.Estava de porta fechada em um dos boxes,pois humílimo que sou, não queria exibirminha inapetência para verter o líquido re-

presado pela prósta-ta crescida e pudeouvir, sem que per-cebessem, a conver-sa de jovens quetêm o mundo paradominar. Como euimaginara um dia.Disse o primeiro:

– Mas que fura-da! Só tem muxiba naparada. O que salvaé a cerveja.

– A cerveja táquente pra caralho.

– Você comprouo livro?

– Vai te foder,cara. Comprar livro

pra quê? Num tenho tempo nem de ler ose-mails e acessar o Facebook.

– Nem eu. Uma vez quase li um livro,por exigência do professor. Ainda bem queachei uma crítica sobre o livro na internet eescapei da furada.

A conversa e o som da quase cachoeirados dois era um acinte ao meu pinga-pin-ga, eu, um escritor descartável pela mo-dernidade. As lágrimas foram mais fartasdo que o xixi, mas aguentei quieto até queos rapazes saíssem comentando sobre umacerta “franguinha” de blusa grená que es-taria dando mole para um deles. A única

mocinha de blusa grená, pelo que me lem-brava, era a minha neta. Aqueles safados!

De volta ao salão, não consegui identi-ficar os sacanas do banheiro, mas percebiclaramente que muitos aproveitaram minhaausência para escapulir do que julgavamser uma missão espinhosa.

Quem estivera na ansiada noite de autó-grafos, além dos parentes? Dois jornalistasdesempregados, uma ex-namorada, um po-lítico de poucos votos, o porteiro do prédioonde morava e que imaginava publicar osacontecidos da vida como se grande aven-tura fosse, quem mais? Quem mais? Já nemme lembro, pois se era capaz de narrar peri-pécias sob a sombra de uma mangueira, nosperdidos seis anos de vida, mal me lembra-va de quem apertara minha mão nas primei-ras horas da noite. Só sabia, se a contabili-dade mental não me traísse, que foram pou-cos, bem menos do que imaginara. Nuncacalculara ganhar dinheiro com o livro, mas tal-vez salvar o que investira na publicação. Osmil exemplares, bancados com as economi-as, deveriam pagar a edição e – quem sabe?– financiar o segundo livro. Esse era o pla-no inicial, mas, pelo visto, não terei ânimopara insistir na aventura e nem incomodar afamília e os poucos amigos para nova tortu-ra de noite única. Nunca mais!

Mas quem pode garantir?Embora seja cético, tenha devorado Ni-

etzsche e nem me confesse um incrédulo,quem sabe um dia? Se os apostadores com-pulsivos sonham com o nirvana da sorte,por que não os escrevinhadores, que seimaginam no topo da ficção?

Nunca mais mesmo ou essas palavrinhasmarotas que se atropelam no imaginário po-dem ser o começo de um conto, de um ro-mance, quem sabe de uma obra definitiva?

As contas mineiras estão equacionadase em dia. O Estado produz hoje um superávitmaior que o do governo federal. E mesmoassim o governo Antonio Anastasia mostra-se parco em realizações visíveis. Olha-se paraMinas Gerias e tem-se a impressão de umparadeiro que não encontra explicações ra-cionais. Estamos, como dizia MagalhãesPinto, “onde sempre estivemos”.

Entretanto, elas existem – e não sãopoucas. São realizações que morrem em al-guma escrivaninha em Brasília. Para come-çar, as famosas e invisíveis obras do PACinviabilizam iniciativas locais, pois é preci-so esperar que as verbas federais se mate-rializem, o que não acontece. Em outras pa-lavras, a incompetência gerencial do go-verno federal engessa o governo mineiro.

Na questão do superávit produzido porMinas Gerais, outro problema. Ainda queas moedas criadas com o trabalho dos mi-neiros produzam um ruído excelente, essedinheiro não pode ser utilizado sem o be-neplácito do governo federal, em mais umaprova da tremenda distorção da ordem fe-derativa que nos domina.

Só para fechar esse caso em particular,

Pedras no caminho de MinasRobinson Damasceno dos Reis,

de Belo Horizonte-MG.Minas produziu em 2011 cerca de U$ 28 bi-lhões em superávit primário e o Brasil, comoum todo, gerou U$ 29 bilhões. Mas nenhumcentavo desse belo resultado voltou em ter-mos de estradas, escolas, hospitais e demaisserviços ansiados pela população. Aliás, quan-tos cidadãossabem o que ésuperávit pri-mário? O quesignifica isso emseu padrão devida, afinal?

Por aí se vêa necessidadeurgente de umnovo pacto fede-rativo, bemcomo a de umareforma tributá-ria. A recentegreve dos pro-fessores, quedurou cerca de cem dias e causou um enormeprejuízo para o Estado e para os alunos de es-colas públicas, bem mostra o engessamento dasfinanças estaduais, que resulta em desgastepara o governo como um todo, que saiu doepisódio com fama de vilão insensível.

Outro problema nascido em Brasília, mas

que reflete de imediato em Minas, diz res-peito ao novo código mineral, atravanca-do em meio à burocracia federal.

Isso não deixa de ser instigante, quandose compara com a agilidade suspeita dosroyalties do petróleo, o que nos leva a outra

reflexão minu-ciosa: temosuma bancadade deputados esenadores ab-so lu tamentedesligada de seupróprio estado,que lhes rendevotos e umconforto acimadas expectati-vas do maiscomum dos se-res normais?

Os royalti-es da minera-

ção, quando nos deparamos com a riquezade nosso solo, seriam fundamentais paraacabar de vez com a nossa penúria fiscal,bem como para salvar centenas de municípi-os que vivem à sombra da poeira e da degra-dação ambiental, sem o menor retorno.

Pergunta-se, com certa indignação,

onde está a voz de Minas. Ou teremos quelidar todo o tempo com pedras no meio docaminho, como diria o poeta itabirano?

Entretanto e ainda versando sobre otema da mineração, há o prenúncio deboas-novas por parte de nossa oposiçãona câmara e no senado. Ao que consta,essa agenda, tão importante quanto vital,está na ordem do dia, a partir de esforçosdo senador Aécio Neves, ele própriooriundo da região mineral do estado.Resta esperar que se concretizem essesavanços que já tardam.

Enquanto nada se resolve, temos quelidar com estradas que levam direto ao in-ferno, como a BR 381 ou a BR 456. Temosde nos conformar com escolas precárias,falta de equipamentos nos hospitais e de-mais mazelas de quem não tem fundos parainvestir. Entretanto, sabedores da realida-de, custa muito o conformismo.

Nesse ponto, por mais boa vontade quetenhamos, o governador mostra fraqueza deânimo para lutar por soluções dignas. Aparen-temente, isso tem faltado a Antonio Anasta-sia, de resto homem bom e bem-intencionado.

Portanto, é hora de acordar. Minas Ge-rais não pode se dar ao luxo da pobreza,sendo tão rica e com possibilidades infini-tas de bem-estar para seu povo.

Marcos Caldeira Mendonça

Page 13: O TREM 78 para assinantes néticos

Em ano eleitoral, o ar está cheio de discursos, e vice-versa (François-Joseph Nolau, arquiteto francês)O TREM 13A

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Page 14: O TREM 78 para assinantes néticos

O jornalismo e a literatura sempre foram o refúgio dos apedeutas (Eduardo Frieiro, escritor mineiro)14 O TREM

Planos para o jantarSylvio Abreu,

de Caratinga-MG.

Dia desses, ao ver alguns mendigos reu-nidos sob o viaduto que liga a avenida Pi-nheiro Machado ao túnel Santa Bárbara,no Rio, escondi-me atrás de um pilar e tes-temunhei verdadeira cena de teatro (de are-na, evidentemente).

Afastado dos colegas, um casal – comum filho, no chão, deitado sobre panos en-cardidos – fazia o “caixa”.

“Quanto conseguimos até agora?”, omendigo perguntou à mulher.

“Só isso”, ela mostrou o dinheiro.Fazia um raro friozinho de Rio de Janei-

ro, ele olhou para os lados:“Não vai aparecer mais ninguém”.Ela consultou o céu de onde, esperava,

só cairia mesmo chuva:“E começa a pintar um pé d’água, você

notou?”Ele sorri, magnânimo:“E dizem que a infla-

ção este ano vai subir.Nossa salvação é o FMI,ri, ri, ri”.

Ela percebe a intenção domarido. Quando ele se tor-na assim evasivo, já sabe.

“Pelo amor de Deus!Pelo fato de estar fazen-do frio e eu ter falado emchuvas, não pense nemde leve em cachaça.”

“Ora, calma. O dinheirodá pra duas, uma pra mim eoutra pra você. Isto é, se abranquinha não tiver subidode preço de ontem pra hoje.”

“É, bebé. Depois, oque a gente vai comer?”

“Depois é depois. Jáque você não tem mesmopeito pra roubar...”

“De quem? Além domais, da outra vez entra-mos pelo cano tentandopegar uma simples batata-doce no caixote da mercearia. Até hoje sinto oresultado”, apalpando as costelas.

Ele, atarantado, olhando pro menino:“Será que não passa mais nenhum filho

de Deus?”“A rua está vazia. Se pintar alguém, ou é

teso ou também está na luta.”Quase saí de trás do meu esconderijo, re-

clamando que não sou ladrão. Mas acheimelhor não aceitar provocações. O mendigocoçou a cabeça: “Vamos apelar para a lixeira”.

“Devíamos ter feito isso bem mais cedo.Agora, o lixeiro já passou.”

“Quer dizer que você já deu uma olhada?”“Fucei tudo que é lata. Não tem nem gar-

rafa de plástico. Você está careca de saberque essa hora não dá mais nada, mas insis-te em argumentar para se fingir de deses-perado e apelar para a...”

“Não é desculpa. Está mesmo fazendofrio. Ou não está?”

“Mas uma cachaça só não vai resolver.”“Fale baixo, se o guri acordar vai querer

comer alguma coisa e aí, adeus nosso dinheiro.”“Falar em comer”, a mulher desvia a atenção

do marido, “tive uma ideia. Mas temos que deci-

dir logo, pois o boteco aí do lado vai fechar”.“Assaltar ele?”, o marido ri, fazendo uma

careta.“Só se for com a bunda. Você sabe que

não temos arma.”“E meu chucho?”“Não lembra que você trocou com o alei-

jado em troca do par de botinas? Além domais, que que ia valer? O quitandeiro temum revólver.”

“Então, qual a ideia?”“Simples. Comprar todo o dinheiro em

bananas.”“Essa mixaria? Dá mal e mal pra três ou

quatro bananas, ou cinco miúdas.”“Das grandes, dá uma pra cada um e so-

bra outra pra dividir em três.”“Se o garoto não acordar, duas pra cada

um, rá, rá, rá.”“Cof, cof, cof”, a criança se manifesta.“Tá vendo só? O desgraçado não pode

ouvir falar em comida.”“Esse quitandeiro é um

miserável, pensando bem.”“Ele é que é feliz. Com

todas aquelas bananas.”“E manga, abacaxi, e

mamão...”“E mantas de carne de

sol.”“Oh, não. Para! E aquele

gatão gordo que até pareceque pinta os bigodes? Ah,deixa eu te contar a maior”,vai dizendo a mulher,“você sabia que aquelegato só come mortadela”?

“Só pode ser pra saca-near a gente.”

“Se ao menos ele passas-se miando por aqui, se esfre-gando em nossas pernas...”

“A gente matava ele a bo-tinadas, já que não tenho maischucho, rá, rá, rá. Com a bo-tina do aleijado, rá, rá, rá.”

E riram pelo menos unsdez minutos, dando socosno asfalto. Mas depois

murcharam e a mulher acabou concordan-do com o marido. Os dois aceitaram a ideiade tomar apenas uma cachaça e trazer umabanana de troco para o garoto.

Apalpei os bolsos, pensando em aliviaraquele sofrimento. Tinha uns trocados quenão me fariam falta. Saquei uma nota dedez e saí de trás da coluna, como quem vi-esse andando calmamente de longe. Pas-sei por eles e entreguei o dinheiro na mãoda mulher. Ela olhou para o marido, franziua sobrancelha e sacudiu os ombros, con-formada, dizendo:

“Não te falei que a partir de agora sópassa ladrão ou teso? Pelo menos esse nãoquis nos roubar, rá, rá, rá!”

O homem, como que escondendo um ri-sinho de ironia, me disse, acenando com amão esquerda:

“Vá com Deus, patrão”.Depois ainda dizem por aí que os po-

bres não têm senso de humor.

Sylvio Abreu, mineiro, escreveu nos jornaisPasquim, Movimento, Tribuna da Imprensa eÚltima Hora. Foi editor da revista Mad.

Como é bom não ser ninguém, não ser re-conhecido na rua por qualquer motivo oucoincidências de circunstâncias, não correrriscos desnecessários, portanto, não ter bens,então nenhum burocrata ladrão vai se inte-ressar por você, nenhum político neoliberalvai ver chance de levar vantagens, ou algumvendedor de terrenos na lua jamais vai que-rer enganar você. Que gostoso ser um ilustredesconhecido total, a paz de não ser famoso,a tranquilidade de ser comum no trivial dessamaravilhosa vida que é simples e boa. Essa é,entre outras coisas, a importância de não serninguém para quem quer aparecer, ser famo-so, imitar artista, parecer rico, correr riscos comtudo isso de inócuo, sem conteúdo existencial.

Eu não. Eu sou ninguém. Quando muito,têm pena de mim – um ninguém também re-presenta risco para os tantos possuídos “al-guéns” – ou podem ter medo da minha apa-rência humilde, comum, já que me misturotranquilamente com o povo e me pareço di-reitinho com ele, de igual para igual, cara acara, olho no olho. Um ninguém se reconhe-ce no outro ninguém? Ah, que ventinhobom, que espaço generoso em abundância,que sombra e água fresca. Posso ver a vidainteira e infinita do andar de baixo, e assimtenho muito mais tempo para olhar com aconsciência tranquila lá para cima, para oalto, e ver muito além da linha do horizonte,ver muito além do sol. Como é bom não serninguém, poder ver o outro como um irmão,companheiro de andanças, brasileirinho dejornada, o carente como um ser humano aser ajudado – o necessitado em seu cami-nho pode ser um anjo enviado por Deuspara testar sua alma – e assim caminhando ecantando e seguindo a canção, ouvir o re-lho do ventinho de chuva no ipê-amareloque dança. Ouvir a voz terna da criança nacreche periférica contar como pula amareli-nha, ouvir que, ao longe – no devir? – al-guém sola uma clarineta e meu espírito sere-no recebe a pelica dessa bênção.

Como é bom não ter que dar autógrafos,coisa mais ridícula do capitalismo burro; comoé bom não ter compromissos agendados, otelefone celular incomodando você o tempotodo, você ter todo o tempo do mundo para ire vir, sem compromisso, mas ser e parecer ser.Como é bom não ter uma câmera intrusa fil-mando você e ser violada a sua intimidade, oseu lado pessoal de simplesmente ser, comoé extremamente bisonho e ruim. Com quasetodos querendo aparecer – carências múl-tiplas – e você só querendo saborear in-tensamente a lição do verbo existir, um pi-colé de uva, um pão de queijo quentinho,um abraço apertado do filho, um livro depoemas falando de Pasárgada, um pôr-do-sol, uma nuvem em formato de pelicano.

Como é bom não ser importunado portelefonemas de madrugada, e-mails aos mi-lhares, pedindo respostas prontas, quilosde cartas querendo fotos e lembrancinhas,inocentes inúteis querendo chamego, cu-riosos suplicando sinais, fanáticos e des-preparados (para viver) caçando você, afoto, o susto, o flagrante, a intromissão;você incomodado, se policiando numa per-sona que às vezes nem lhe cabe inteira-

mente, só para agradar a gregos e baianosque querem ser você, quando até, pode ser,você não aguenta tudo isso de ser você in-teirinho, o tempo todo sendo você mesmo.

Como é bom ser ninguém, como tantosoutros ninguéns que abundam pelaí, mun-dão afora, entrar tranquilo em lojas clandesti-nas, porões proibidos, passear em praças pi-ratas sem despertar desconfiança e sem nin-guém sequer reparar que você está ali. Asso-biar Caetano Veloso (Um índio descerá deuma estrela colorida, brilhante...), Taiguara(Que as crianças cantem livres...) ou GeraldoVandré (Para não dizer que não falei de flo-res...) e ver pardais albinos nos fios de altatensão, ver flores que não existem nas pes-soas sadias espiritualmente, sentir-se livre esuave e pleno de vida, enquanto um carame-lizado mauricinho démodé ou uma indócilsandy jeca não tem esse prazer porque que-rem ser mais do que são, sem conteúdos, vi-vendo de ilusão – são tantas as ilusões. Porisso, usam maquiagens importadas, pontospostiços, botox, máscaras epidérmicas, e fo-gem do tempo como o diabo da cruz, vege-tam entre camarins, fã-clubes, spotlights eincuráveis segredos íntimos que resignarãoem cachês, aplausos, solidões (depois doespetáculo), egos, neuras e até infelicidadessomatizadas por abusos indevidos sem pe-ças de reposição, porque a fama é reles, afama dói. Não vale a pena o alto preço apagar pela paz e a intimidade preservadas.

Como é bom ser ninguém, único, e não separecer com ninguém, não ter nada a ver comnada de edição midiática, como se um sim-ples e pobre mortal comum, uma espécie deET em terra afro-tupibrasilis de estrelas, ondetodos querem luz, câmera, ação. Abrem ascortinas, mas não têm nada a dizer; desfilamvazios como envelopes de abandonos sen-soriais. Sachês de aparências fazem posesdecoradas que não significam nada, não di-zem nada, não acrescentam nada a nada, re-presentam o que não são, pois na verdadenem sabem o que são sendo assim, reféns doconsumismo, da grife pegajenta e pífia, daestética de todos serem iguais a todos e por-tanto, sendo assim, nada são por si mesmos.

Como é bom ser ninguém, votar no maisradical – radical é a miséria –, ser diferentepara você mesmo, não acompanhar aquelesque seguem o berrante das modas bobas,procurar ter personalidade própria, pensarpara votar, discutir sim, futebol, política e re-ligião, ter medo dos donos da verdade, termedo daqueles que são usados e acham queestão agradando; afinal, ser ninguém é sergente no sentido mais magno da palavra.

Quem quer ser gado marcado no curraldas aparências que seja. Bonés, tatuagens,frases feitas, gírias de baixo calão, que bai-xaria, que baixa cultura.

Tente ser feliz. Se não conseguir, pelomenos tente não fazer ninguém infeliz. Isso,por si só, é a primeira moeda de uma futurafortuna de imensa felicidade.

Seja você mesmo o tempo inteiro, a vidatoda. É tão fácil não ser ninguém sendointenso, pleno e verdadeiro, sem penduraruma melancia de plástico no pescoço.

Mas seja um ninguém simples, humilde,comum, bacana, e assim, por isso mesmo tal-vez, numa sociedade de marionetes, finalmentevocê será verdadeiramente e a pleno vapor.

Silas Corrêa Leite,de São Paulo-SP.

A importânciade ser ninguém

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Conversa é barata, exceto quando o congresso faz isso (Cullen Hightower, consultor de vendas estadunidense) 15O TREM

Os últimos dias de Fernando Pessoa, parte 2José Paulo Cavalcanti Filho,

de Recife-PE.

Os textos entre aspas são de Fernado Pessoa.

Vinte e nove de novembro de 1935, sexta-feira. O porvir que imaginou em versos, tãoansiado, afinal se aproxima. “Meu Deus, quefiz eu da vida?” Mais uma vez está sozinhono apartamento. “A vida não tinha dentro.”A irmã continua no Estoril, com uma pernaquebrada. Vem-lhe a primeira cólica, bemcedo. A vizinha de porta Virgínia Sena Perei-ra (tia do poeta Jorge de Sena), que o atendenas ausências dessa irmã, diz à família queseu quadro exige cuidados. Não há consen-so sobre essa data; segundo o médico Ta-borda de Vasconcelos, o aviso teria se dadodois dias antes; ou na véspera, para o sobri-nho de dona Virgínia e o primo Eduardo Frei-tas da Costa. Chama-se o primo de Pessoa (eseu médico), o dr. Jaime Pinheiro de AndradeNeves – um inútil, diz uma das pessoas pró-ximas, lembra Robert Bréchon sem identifi-car o autor do comentário. Esse primo deci-de levá-lo ao hospital. Àquela hora, com ele,também estão o amigo íntimo Armando Ra-belo; um companheiro do escritório em queentão trabalhava, Francisco Gouveia; e Car-los Eugênio Moitinho de Almeida – proprie-tário da Casa Moitinho de Almeida, onde tra-balhava. Pede para fazer a barba e chamam ovizinho Manassés. Lembrando que seu tele-grama não chegara, no aniversário da irmã,encarece que um dos amigos lhe passe ou-tro. “Vou fazer as malas para o definitivo.”Veste um pijama de calça comprida e blusão,amarrado com uma fita na cintura. Vai até aestante e retira de lá o menor livro (9 por 13centímetros) que encontra: Sonetos Escolhi-dos, de Bocage – que, em 1921, lhe haviasido dado com o respeito que lhe merece oseu talento pelo prefaciador da obra, o ami-go íntimo (Alberto) da Cunha (Dias). Põe olivrinho no bolso direito. Está pronto. Umaautomaca (maca montada em automóvel,predecessora das ambulâncias de hoje) o levaembora dessa casa à qual jamais voltaria.“Perdi a esperança como uma carteira vazia.”

Talvez a vitória seja a morte, e a glóriaSeja ser só memória dissoE talvez vencer seja mais morrerQue sobreviver... Que é a morte? É ocaso...A vida é só tê-la, vivê-la e perdê-la.A um revolucionário morto, Álvaro de

Campos.

Hospital São Luís dos Franceses. “Trazeipajens; trazei virgens; trazei, servos e ser-vas, as taças, as salvas e as grinaldas para ofestim a que a Morte assiste! Trazei-as e vin-de de negro, com a cabeça coroada de mir-tos. Vai o Rei a jantar com a Morte no seupalácio à beira do lago, entre as montanhas,longe da vida, alheio ao mundo.” Mas suavida nem sempre imita a arte; que o “palácioantigo”, com que sonhou, não fica à beira denenhum lago. Nem está próximo de monta-nha nenhuma. Trata-se de um dos melhorese mais caros hospitais particulares da Lisboadaquele tempo, o São Luís dos Franceses.Fica no bairro Alto de São Roque, na rua(Simão da) Luz Soriano, 182 – lugar calmo esombreado, com bancos de ferro à volta, amenos de um quilômetro do apartamento emque nasceu. “Disseram-me hoje que tinha en-trado para o hospital, para ser operado.” É con-duzido ao quarto 30 (mais tarde renumeradopara 308) – o mesmo em que morrerá, depois, oamigo Almada Negreiros (em 1970). Tão distan-te do que pressente, em “O marinheiro”, “(um)quarto que é sem dúvida num castelo antigo”.

Diferente do verão, a luz é pouca naquelequarto acanhado – 3 metros por 4, cama deferro como as de todos os hospitais, um ar-mário alto, outro pequeno com telefone porcima, sofá para dois lugares, cadeira e mesade cabeceira moderna. Entre cama e janelafica o rendado miúdo de um mosquiteiro,embaçando a paisagem, cenário perfeito paraverso que antes escrevera – “Há entre mim eo mundo uma névoa que impede que eu vejaas coisas como verdadeiramente são”; ou,quase as mesmas palavras do “Primeiro Faus-to”, “há entre mim e o real um véu”. As pare-des são limpas, pintadas de uma tinta escuraaté 2 metros; acima disto, e no teto, brancoimaculado. Sem um único quadro. Hoje essequarto tem, pela frente, o elevador que levaao primeiro andar. A parede é clara e áspera,salpicada por cimento até 2 metros de altura;e, a partir daí, lisa como antes. O teto é degesso. Um sofá de dois lugares, bem antigo,fica entre a cama e uma janela que tem grade porfora. Armário, mesa de cabeceira austera etrês cadeiras comuns de madeira comple-tam a decoração. Sem grandes mudançasem relação à decoração daquele tempo.

Pergunta – De onde vens?Resposta – Não sei.P – Aonde vais?R – Não me disseram (sei).P – O que sabes?R – O que esperei (Nada).P – Que vês?R – Sou cego.P – Que vestes?R – Estou nu.P – Que tens?R – Só a mim.P – O que queres?R – Ver a luz.P – Que luz?R – A que houver.P – Qual é a que houver?R – A que me for dada.P – Se te a derem, como a verás?R – Com meus olhos.P – Se te a não derem como a verás?R – Com o meu coração.P – Se te a nem derem nem não derem,

como a verás?R – Comigo.P – Que tens ao pescoço?R – O passado.P – Que sentes sobre o peito?R – O futuro.P – Que tens a teus pés?

R – O presente.P – O que sentes?R – A treva, o frio, e o perigo.P – Como os vencerás?R – À treva pelo dia, ao frio pelo sol, ao

perigo pela vida.P – E como obterás o dia e o sol e a vida?R – Não ficando cego, nem nu, nem eu

aqui sozinho.P – Quem te criou?R – Não sei.P – Por que o não sabes?R – Por que nasci.P – Queres sabê-lo?R – Sim, porque morrerei.Mestre do Átrio – Basta que me digas sim.O Neófito – Sim.Mestre do Átrio – A paz seja contigo.Ritos iniciáticos, Fernando Pessoa.

O fim, afinal, está próximo.O cenário do festim está pronto. Em vez

de pajens, virgens ou servos, é acompanha-do apenas por austeras enfermeiras. Semmúsica ou dança, há lá só aquele silêncioque prenuncia eternidade. Luís Pedro Moiti-nho de Almeida confirma, citando depoimen-to de amigos: Não se lhe ouvia um queixu-me. Só dizia o que era preciso. “Quem sabese morrerei amanhã?” Pressente o desastreinevitável e pede um lápis; é que, deitado nacama, tem mesmo que recorrer a ele – dadonão lhe ser possível usar o bico da pena comque quase sempre se escrevia, naquela épo-ca, por só funcionar com essa pena para baixo.E por não haver onde repousar o tinteiro. Esselápis a família guarda, ainda hoje. Então põe nopeito sua inseparável pasta preta, sobre elaum papel, e, em inglês, deixa sua última fraseescrita: I know not what tomorrow will bring.

Mesmo no inglês corrente do seu tempo,a frase deveria ter sido I don’t know whattomorrow will bring. O uso intencional des-se estilo arcaico, com know not, acentua osentido literário que quis lhe dar. Já para Pi-zarro, Ferrari e Cardiello, terá sido eco evi-dente de um epigrama de Palladas de Ale-xandria (To-day let me live well; none kno-ws what may be to-morrow), publicado noprimeiro volume de Greek Anthology (1916)– um livro que estava nas estantes de Pes-soa. Para Jorge Monteiro, em outra versão,escreve a frase evocando conscientementeas Escrituras (Provérbios, 27:1) que dizem:Não te felicites pelo dia de amanhã/ Poisnão sabes o que hoje vai gerar. Segundo

sua sobrinha Manuela Nogueira, não foi aprimeira vez que disse essas palavras. A confir-mar esse depoimento, bom notar que quase re-produz versos incompletos, escritos em 28 deoutubro de 1920, depois encontrados na Arca:

I, that know not if I shall live tomorrow,How but my hope of that live I today.Não literalmente,Eu, que não sei se viverei amanhãNada tenho senão a esperança de vi-

ver hoje.No Desassossego, pressente “a tortura

do destino!” e se pergunta: “Quem sabese morrerei amanhã?” Essas palavras sóagora estavam certas. E todos o sabiam,inclusive ele próprio.

É talvez o último dia da minha vida.Saudei o sol, levantando a mão direita,Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais

nada.Poemas inconjuntos, Alberto Caeiro.

O último dia. Trinta de novembro, sába-do. “Aquele depois de amanhã”, dos versosde antes, afinal chegara. O “tomorrow” daúltima frase, que não sabia o que lhe traria,seria o próprio amanhã. O do dia seguinte. Oamanhã sem metafísica. “Ah, que manhã éesta?” As horas passam vadias. “A últimatarde já não temo.” Essa tarde vai findando“e o poente em cores da dor de um deuslongínquo ouve-se soluçar para além dasesferas”. Escurece. “A noite desce, o calorsoçobra um pouco, estou lúcido como senunca tivesse pensado.” No Desassossego,confessa: “Só pedi à vida que me não tirasseo sol.” Nunca mais o veria. E treme ao pres-sentir o que está para acontecer. “Bem nofundo de tudo, calada, a noite era o túmulode Deus.” Seja. “Senhor, a noite veio”, “comseu negro mistério roto de astros”. É umanoite de chuva. Seria sua derradeira.

Véspera de viagem, campainha...Não me sobreavisem estridentemente!Quero gozar o repouso da gare da alma

que tenhoAntes de ver avançar para mim a che-

gada de ferroDo comboio definitivo,Antes de sentir a partida verdadeira

nas goelas do estômago,Antes de pôr no estribo um péQue nunca aprendeu a não ter emo-

ção sempre que teve que partir.Là-bas, je ne sais où..., Álvaro de Campos.

“Fito o meu fim que me olha, tristonho,do convés do Barco todos os barcos” e “cer-ro os olhos lentos e cheios de sono”. Pelas 7da noite, imaginando que Pessoa está bem, eprecisando cuidar da mulher doente em casa,o cunhado volta ao Estoril. No quarto ficamo dr. Jaime Pinheiro de Andrade Neves e ummédico do hospital, o dr. Alberto Antônio deMoraes Carvalho. Logo após a partida docunhado, chegam os amigos Francisco Gou-veia, Vítor da Silva Carvalho e Augusto Fer-reira Gomes. Certamente, segundo o hospi-tal, havia lá também um capelão e uma enfer-meira – talvez religiosa, dado ser esse hospi-tal então administrado pela Ordem de SãoVicente de Paula (busquei no hospital, hoje dogoverno francês, nome do capelão e relaçãodas religiosas daquela época. Sem mais regis-tros, ali, de quem eram). Aos amigos, segundoinformam Antônio Quadros e Gaspar Simões,ainda consegue perguntar com voz clara e alta:

Amanhã a estas horas, onde estarei?Não há memória do que lhe tenham respon-

dido. “Partir! Meus Deus, partir! Tenho medode partir!...”, escrevera tão antes. E agora sentiaisso, na própria carne (finaliza em abril).

O escritor Nelson Tangerini cumprimenta um Fernando Pessoa de bronze em Lisboa

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Ler, para mim, é um ato de fé na humanidade (Lima Duarte, ator mineiro)16 O TREM

(Panem et Circenses)

Por Marcos Caldeira Mendonça

Pão eCirco

AMPUNHETA: o tempo, na sua eterna masturbação

Quatrocentas mil toneladas de minério mar adentroEsse bichãozão na foto é o Vale Rio de Janeiro, que fez este ano um dos maiores carregamen-tos marítimos de minério da história. Transportou 386 mil toneladas até o porto de Roterdã, naHolanda. Tem capacidade para 400 mil toneladas e só não foi com lotação completa por causado lastro. Para entrar no canal do porto, teve de deixar 14 mil toneladas no Brasil. Encomen-dado pela Vale ao estaleiro coreano Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering Co, tem 362metros de comprimento e 65 metros de largura. Tião Lampranha informou lá no Bar do Tatadoque se trata de um supercargueiro Very Large Ore Carrier e explicou: “Esse tipo de navio fazparte da solução logística da Vale para ligar os terminais marítimos da empresa no Brasil aclientes asiáticos e europeus. A ideia é maximizar a eficiência das operações, reduzir o custode transporte transoceânico de minério de ferro para siderúrgicas e contribuir para a reduçãodas emissões de carbono por tonelada de minério transportada”. Perguntado como soubedisso, respondeu: “Um maioral da Vale me contou”. Tião Lampranha não soube informarquanto dessas 386 mil toneladas de minério saiu do solo itabirano, mas disse que é muito.

Boa ideia: passar para a sociedade a decisão sobre a ouvidoriaPassar para a sociedade a prerrogativa de indicar o ouvidor público municipal é uma boaproposta surgida na etapa itabirana da Conferência Nacional sobre Transparência e ControleSocial (Consocial). A nomeação cabe ao prefeito, que tem o poder de demitir quem tem odever de fiscalizá-lo. O cargo foi criado em 1993, no governo Olímpio Guerra, mas os ocupan-tes nunca cumpriram com firmeza a função, que é a de representar o povo no governo.Ouvidoria é importante, mas em Itabira sempre foi inócua. Além de ouvidores bambos,políticos no poder não fazem questão de muita democracia e a população, salvo um e outro,não aciona a ferramenta porque ignora direitos ou tem medo de exigi-los. Já tivemos prefeitosque, para combater a ociosidade de ouvidores, deram a eles tarefas que nada têm a ver como cargo. Portanto, apoiado, é bem-vinda essa tentativa surgida na Consocial de aperfeiçoara ouvidoria. Um bom ouvidor tem de incomodar o prefeito, tem de cobrar eficiência e transpa-rência dele, tem de levar indagações do povo ao gabinete-mor e exigir respostas. Uma pessoacujo emprego não dependa da canetada do prefeito tem mais condições de fazer o serviço.

Agência Vale

Para a artista Yara TupinambáNo largo do Batistinha, puxo papo com umsenhor que bicava manchetes de jornais. Papovai, me informa que é de Ferros. Pergunto seAdão e Eva continuam pelados na igreja, re-ferindo-me à polêmica pintura de Yara Tupy-nambá na qual ele aparece com o pênis àmostra, e ela tapando a vagina com a mãodireita. Resposta: “O que o pessoal fala láem Ferros é que pagaria mil para Adão ves-tir cueca e dois mil para Eva tirar a mão”.

Na fronha do Carlos ChagasAcompanhei uma pessoa na sala de obser-vação do hospital Carlos Chagas por trêshoras. Entraram três funcionários da casa,administrada pela Fundação Comunitária deEnsino Superior de Itabira, mas não ouvi bom-dia de nenhum deles, tampouco “olá, comovai?”. Agiram como se não houvesse paci-ente e acompanhante, fizeram o serviço esaíram. Na fronha e no lençol dos leitos, estáescrito: “A educação humanizando a saúde”.

Algo que precisa ser criadoPor falar em hospital, já passou da hora dealgum cabeçudo inventar um cola-pele paraeliminar os tradicionais pontos de estancarsangramentos. É inaceitável que nesta altu-ra do desenvolvimento de tudo ainda sejapreciso costurar gente. Basta bolar um ade-sivo que faça o serviço e depois se despren-da com água e sabonete – e que o criadorganhe mais dinheiro que aquele menino doFacebook. Ora, quem gosta de linha com agu-lha é brim, linho, tergal e máquina Singer.

Para a biblioteca dO TREMRecebi dos autores os livros A Mesa de Car-los Drummond de Andrade (Adi), de YaraTupynambá e Ozório Couto; Cena de Cine-ma (Myrrha), contos de Luís Pimentel; DoPico do Amor pelo Cauê, poemas de OzórioCouto; O Muito e o Pouco (Mazza), literatu-ra infantojuvenil de Joana d’Arc Tôrres deAssis; e Criadores de Mantras e Cinco His-tórias de Bichos, ambos de Anderson BragaHorta, pela editora Thesaurus, e trazem con-tos, ensaios e conferências. A Casa agradece.

Taquinho, o homem-máquinaMexendo em meu arquivo de imagens, acheiessa, que fiz em 2004, do fotógrafo Eustá-quio Silva, o Taquinho, do qual todos os jor-nalistas itabiranos eram dependentes. A câ-mera digital libertou-nos. Será que alguémme fotografou fotografando o fotógrafo?

Affonso Romano no Rio e o cabruuummm da Vale em ItaManhã dessas, Affonso Romano de Sant’Anna me liga do Rio de Janeiro: “Uai, Marcos,já de pé? Que beleza, aí em Itabira vocês devem acordar ao som de galos”. Não, caropoeta, respondi, o que nos desperta para o dia é o barulho nas minas da empresa Vale.Papo veio, papo foi e, assim que pusemos fim ao telefonema, a mineradora tascou umcabruuummm daqueles, tonitruantes, assustando sanhaços, acordando criancinhas efazendo a cidade tremer. Se a prosa com Affonso tivesse durado mais quarenta segun-dos, ele ouviria pelo fio que o que a Vale faz está longe de ser prazeroso cocoricocó.

Li, gostei, indico: Zuenir Ventura e biografia de Firnando Pissoa

Vassourada no Bar do TatadoMihi maxime debetur Brasiliae incremen-tum. Após resmungar um latim que lhe veiodo Caraça, Glício Camillo teve um ataque deitabiribairrismo lá no Bar do Tatado. “Itabiradeu ao Brasil Carlos Drummond de Andradee a empresa Vale, mas Vassouras (RJ) temcoragem de dizer que o progresso do país sedeve a eles”. Como assim, professor?, inda-gou Lé Pichorra, e o itabirano – copo NadirFigueiredo cheio na mão – traduziu, apoplé-tico, a divisa daquela cidade: “O crescimen-to do Brasil deve-se principalmente a mim”.

Como goteira em casa velhaFoi com insistência de goteira em telhadovelho que O TREM cobrou a reabertura domuseu e da Casa do Brás. Leitores até recla-maram da exaustiva repetição da pauta, masesta locomotiva foi firme porque é inadmissí-vel que Itabira feche casas culturais. O resul-tado aí está: casa e museu reabertos. Des-cansar? Nananinanão, agora é cobrar a re-forma da casa do santeiro Alfredo Duval e dosobrado do antigo hospital. Avante, prefeito...

Cid se referia ao HouaissEstá no Jornal Pessoal, editado em Belém(PA) por Lúcio Flávio Pinto. Indagado porrepórter sobre o significado de uma pala-vra que dissera, o governador do Ceará,Cid Gomes, tascou isto: “Vá ver no Oásis”.

Janeiro, fevereiro, março...Começou a contagem depressiva parao fim, enfim, do governo de João Izael.

Eleições 2012Como um navio de água precisa,

Como a inteligência repele o defeito,Como um cético casado com a cisma,Itabira carece de um novo prefeito.

Chiquinho Alfaiate, arquivivoO cronista Francisco Almeida, Chiquinho Al-faiate, colaborador dO TREM e glória itabi-rana, fez 97 anos em 9 de março. “A cabeçaestá funcionado muito bem”, diz ele. É omelhor arquivo vivo (arquivivo) da cidade.

“... Deus ao mar operigo e o abismodeu, / Mas nele éque espelhou océu.” FernandoPessoa – Uma Qua-se Autobiografia(Record) é um livra-ço escrito pelo per-nambucano JoséPaulo CavalcantiFilho sobre o imen-so poeta luso, também conhecido como Fir-nando Pissoa. A rapadura tem 736 páginas etodas valem a pena porque a obra não é pe-quena. “Na santa Igreja / Na minha lira / Deuslhe proteja / Bendita seja / Doce Itabira”, es-creveu o autor no exemplar que mui cortes-mente me enviou. Apontar pequenos errosem obra de grande valor é tolice, dizem, mastambém pode ser visto como gesto de cari-

nho. A página 228informa que CarlosDrummond de An-drade morreu em1983. O correto é1987. A outra dicado mês é MinhasHistórias dos Ou-tros (Planeta), quetraz memórias auto-biográficas do jor-nalista Zuenir Ven-

tura: a chegada da Aids, o pênis no caso dabomba no Riocentro, Glauber Rocha, DarcyRibeiro, Pedro Nava, o assassinado pela di-tadura Vladimir Herzog... Entre os lances pi-torescos, uma incrível entrevista coletiva comum coronel, na qual os jornalistas não pude-ram perguntar, só ouvir, e a foto que fez (edepois perdeu) da calcinha branca de Jacque-line Kennedy, “deusa do Olimpo terrestre”.

Marcos Caldeira Mendonça