o territorio do sisal uma história econômica e social

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O TERRITÓRIO DO SISAL: UMA HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL. José Joisso de Santana 1 Resumo: É fato notório que a seca na região do semi-árido, do Brasil, constitui um problema secular para as populações que nela habitam, na medida em que a escassez de recursos hídricos dificulta a atividade econômica, principalmente a produção agropecuária. Neste contexto surge o sisal como uma solução para a agricultura da região, por ser uma planta que se adapta bem a este tipo de clima. Neste artigo objetivamos analisar a história econômica e social do sisal na região sisaleira. Ressaltando na conclusão, que a cadeia de serviço da atividade sisaleira abrange desde os trabalhos de manutenção até a extração e o processamento da fibra para o beneficiamento, as atividades de industrialização de diversos produtos e o uso para fins artesanais, que pode trazer diversos benefícios aos municípios localizados no semi-árido nordestino, nos aspectos econômicos, social ou ambiental contribuindo para a desconcentração do Produto Interno Bruto-PIB, pelo significativo impacto que pode gerar na economia local. Palavras - chaves: Região Sisaleira; relações de produção; sisal. Abstract: It is well known that the drought in the half-arid Brazil, is the secular one problem will be the people inhabiting it, you the extent that the scarcity of resources hampers economic activity, especially agricultural production. Sisal In this context arises the the a solution you the region's agriculture, because it is plant that adapts well you the this kind of to weather. In this article we aim you analyze the economic and social history of sisal in the sisaleira. Standing out the conclusion that the chain of sisal service activity stretches from maintenance work you the extraction and processing of to fiber will be the improvement, the activities of several of industrialization and uses products will be craft, which can bring numerous benefits you municipalities in the half-arid region in economic, social or environmental contribution you the devolution of Gross Domestic Product-GDP, the significant impact that can generate the local economy. Key words: Region Sisal, relations of production and sisal. 1 Licenciatura em História. UNEB-Ba. Correio eletrônico: [email protected]

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Page 1: O territorio do sisal uma história econômica e social

O TERRITÓRIO DO SISAL: UMA HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL.

José Joisso de Santana1 Resumo: É fato notório que a seca na região do semi-árido, do Brasil, constitui um problema secular para as populações que nela habitam, na medida em que a escassez de recursos hídricos dificulta a atividade econômica, principalmente a produção agropecuária. Neste contexto surge o sisal como uma solução para a agricultura da região, por ser uma planta que se adapta bem a este tipo de clima. Neste artigo objetivamos analisar a história econômica e social do sisal na região sisaleira. Ressaltando na conclusão, que a cadeia de serviço da atividade sisaleira abrange desde os trabalhos de manutenção até a extração e o processamento da fibra para o beneficiamento, as atividades de industrialização de diversos produtos e o uso para fins artesanais, que pode trazer diversos benefícios aos municípios localizados no semi-árido nordestino, nos aspectos econômicos, social ou ambiental contribuindo para a desconcentração do Produto Interno Bruto-PIB, pelo significativo impacto que pode gerar na economia local. Palavras - chaves: Região Sisaleira; relações de produção; sisal. Abstract: It is well known that the drought in the half-arid Brazil, is the secular one problem will be the people inhabiting it, you the extent that the scarcity of resources hampers economic activity, especially agricultural production. Sisal In this context arises the the a solution you the region's agriculture, because it is plant that adapts well you the this kind of to weather. In this article we aim you analyze the economic and social history of sisal in the sisaleira. Standing out the conclusion that the chain of sisal service activity stretches from maintenance work you the extraction and processing of to fiber will be the improvement, the activities of several of industrialization and uses products will be craft, which can bring numerous benefits you municipalities in the half-arid region in economic, social or environmental contribution you the devolution of Gross Domestic Product-GDP, the significant impact that can generate the local economy. Key words: Region Sisal, relations of production and sisal.

1 Licenciatura em História. UNEB-Ba. Correio eletrônico: [email protected]

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INTRODUÇÃO

É fato notório que a seca na região do semi-árido, do Brasil, constitui um problema

secular para as populações que nela habitam, na medida em que a escassez de recursos

hídricos dificulta a atividade econômica, principalmente a produção agropecuária. Neste

contexto surge o sisal como uma solução para a agricultura da região, por ser uma planta que

se adapta bem a este tipo de clima. Neste artigo objetivamos analisar a história econômica e

social do sisal na região sisaleira.

A pesquisa foi realizada obedecendo às seguintes fases. 1) Pesquisa exploratória, a partir

do método do levantamento bibliográfico por meio de publicações técnicas, relatórios de

pesquisas, livros, revistas, documentos oficiais dos governos (federal, estadual e local) e

bancos de dados de diversas ordens (EBDA, EMBRAPA, SEI, IBGE, etc.). 2) Entrevista

aberta, com base em roteiro previamente elaborado, com alguns segmentos representativos do

setor sisaleiro (produtores, trabalhadores e empresários). Estas entrevistas não terão os nomes

verdadeiros de seus depoentes, por razões éticas. Todo o material coletado passou por uma

análise interpretativa, de modo a permitir o entendimento dos processos e jogos de relações

existentes no setor sisaleiro.

O TEMA:

A exploração do sisal no Brasil concentra-se no semi-árido baiano, geralmente em

áreas de pequenos produtores, cujas condições de clima e solo são pouco favoráveis, com

escassa ou nenhuma alternativa para a exploração de outras culturas que ofereçam resultados

econômicos satisfatórios. Apesar de sua importância, esta cultura é explorada com baixo

índice de modernização e capacitação, o que tem dado origem, nos últimos anos, a um

acentuado declínio, tanto na área plantada quanto na sua produção beneficiada. Como forma

de atenuar tal situação, o consórcio do cultivo de sisal com a criação de bovinos ou caprinos é

uma prática usual entre os agaveicultores, porém, por causa do baixo potencial forrageiro

nativo do semi-árido nos períodos de seca, verifica-se baixa oferta de alimentos, ocasionando

elevada redução de peso nos rebanhos, com grandes prejuízos aos criadores.

A importância do sisal para a agricultura nordestina pode ser analisada por diversos

aspectos, merecendo destaque a sua exploração em terras secas e solos pobres da região semi-

árida, atividade econômica que representa uma fonte de renda e emprego para um contingente

de aproximadamente setecentas mil pessoas, além de propiciar fonte de divisas para o Estado

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da Bahia. As fibras de sisal possuem também outras aplicações como, por exemplo,

revestimento das paredes traseiras e laterais de ônibus e caminhões, reforço de matrizes, fibras

para tapeçaria e cordas, etc.

REGIÃO SISALEIRA

A região sisaleira, inserida totalmente no semi-árido, é uma área com chuvas mal

distribuídas ao longo do ano, situada no chamado Polígono das Secas e no sertão da Bahia

que abrange uma grande diversidade de realidades econômico-sociais e culturais. O Polígono

das Secas que compreende a área do Nordeste brasileiro é reconhecido pela legislação como

sujeita as repetidas crises de prolongamento das estiagens e, consequentemente, objeto de

especiais providências do setor público2. É composto de diferentes zonas geográficas, com

distintos índices de aridez. Em algumas delas o balanço hídrico é acentuadamente negativo,

apenas se desenvolvendo a caatinga hiperxerófila. Em outras, verifica-se balanço hídrico

ligeiramente negativo, desenvolvendo-se a caatinga hipoxerófila.

Existem também áreas de balanço hídrico positivo e presença de solos bem

desenvolvidos. Contudo, nessa área ocorrem, periodicamente, secas que representam, na

maioria das vezes, grandes calamidades, ocasionando sérios danos à agropecuária nordestina e

graves problemas sociais.

Esta região tem uma grande diversidade de climas, vegetações, solos, água, realidades

econômico-sociais e culturais. Entretanto no imaginário brasileiro, é identificada com a seca,

que é representada como uma coisa geral, homogênea, a representação da estiagem e da

região como uma coisa homogênea. Tem servido de base inclusive para justificar a

homogeneização das ações do Estado da Bahia e para acusar o seu povo de incapaz, já que lá

as ações e os e os programas oficiais não rendem resultados positivos. E como afirma

Albuquerque Júnior:

O discurso da seca e a indústria da seca já nascem associados a uma prática que a acompanhará por todo o século seguinte, a prática da corrupção generalizada, que é responsável pela criação de uma outra marca negativa com a qual são marcados os nordestinos, a de viverem às custas dos recursos vindos dos cofres públicos e da corrupção, como se este fosse um privilégio de uma determinada região ou de uma elite no país. [...] Neste discurso, muitas vezes, o nordestino é apresentado como aquele que vive às custas dos impostos pagos pelos contribuintes das outras regiões do país, sanguessuga dos cofres públicos, que retorno nenhum daria ao país. (MUNIZ, 2007, p.95).

2 Lei 175 de 1936 (revisada em 1951 pela Lei 1.348) reconheceu o Polígono das Secas como a área do Nordeste

brasileiro composta de diferentes zonas geográficas com distintos índices de aridez e sujeita a repetidas crises de prolongamento das estiagens.

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A realidade da região do sisal não é muito diferente da construção da idéia de

Nordeste demonstrada por Albuquerque Júnior3. O semi-árido baiano ocupa a região central

do estado, representando 60% da superfície territorial, abrangendo 258 municípios, dos quais

vinte4 compõem a chamada região do sisal, que recebe esta denominação devido a sua

principal atividade econômica ser a extração da fibra do sisal.

Existem algumas divergências quanto á delimitação da região sisaleira. Segundo a

Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR, 1994), a região é composta de 27

municípios integrantes de três Regiões Econômicas: Nordeste, Piemonte da Diamantina e

Paraguaçu. Neste artigo trabalharemos com os dados da SEI, Superintendência de Estudos

Econômicos e Sociais, por ser o nosso foco a cidade de Conceição do Coité e por

entendermos que estes municípios são hoje os mais representativos na produção do sisal na

região sisaleira e também porque a economia deles está baseada principalmente na extração

da fibra do sisal que depende, exclusivamente, das condições naturais. Vejamos o mapa com a

localização desses municípios na Bahia:

BAHIA: Região Sisaleira - Sisal Fonte: IBGE, 2008

3 Nascimento, H. M. Conviver o sertão: origem e evolução do capital social em Valente/BA. São Paulo. 2003. 4 Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente, nesses municípios 63% da sua população vive na zona rural. SEI, 2004.

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Nesses municípios o sisal tem grande importância na formação do valor bruto da

produção agropecuária e, principalmente, na ocupação da mão-de-obra. Devido às condições

climáticas e muita irregularidades de chuvas e também a grande concorrência dos mercados

externos, a cultura do sisal enfrenta grandes crises financeiras, refletindo diretamente na

qualidade de vida da população. A renda média dos chefes de família que desempenham

alguma atividade econômica, nesses municípios é inferior ao salário mínimo, incluindo os que

“têm alguma renda”, excluindo aqueles que não têm nenhum rendimento.

Essa região é caracterizada pela predominância de uma economia agrícola e por ter a

maioria da sua população estabelecida na zona rural. A principal atividade agrícola na maioria

dos municípios ocorre da produção do sisal, uma alternativa para os produtores rurais porque

é uma planta que apresenta grande resistência, mesmo nos períodos de intensa estiagem, cujas

adversidades são grandes. Portanto, a atividade de exploração do sisal que enfrentou períodos

de decadências após os anos 70, e ciclicamente é atingida por longos períodos de seca que

atingem a região, agravando os problemas econômicos e sociais.

O NORDESTE

O conceito de Nordeste assume duas dimensões, nem sempre coincidentes. A

primeira, como macrorregião do órgão do governo federal, o Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), que viria a adotar essa definição a partir de 1969, e ganha sentido

enquanto divisão administrativa para coleta e consolidação de dados estatísticos. A segunda, a

de Nordeste enquanto região para planejamento e identidade socioeconômica, define-se

enquanto lugar de políticas públicas, sobretudo naquelas de combate às disparidades regionais

e sociais.5

O Nordeste, como todo recorte regional, é uma invenção humana, são os homens que

criam e definem as fronteiras regionais ou nacionais. As regiões não estão inscrita na natureza

e não existiram desde o começo dos tempos. Todo recorte regional, toda identidade espacial

surgiu em um dado momento histórico, emergiu a partir das ações humanas, sejam elas

motivadas por interesses econômicos, políticos, sociais ou ideológicos6.

5 Artigo da revista da assembléia Legislativa de MG. Autor Fabio Martins de Oliveira. (Professor da Universidade de Montes Claros, Unimontes). 6 JUNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. A Invenção do Nordeste e Outras artes. São Paulo: Cortez, 2001.

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A região Nordeste é a parte do território nacional que mais desafios têm colocado à

compreensão da inter-relação dinâmica dos fatores econômicos, políticos, sociais e territoriais

do processo de desenvolvimento. Sendo esse o espaço de colonização, de importância

econômica e de formação de uma elite política mais antiga do país, é também o território mais

consolidado em termos de ocupação populacional e de maior durabilidade de sua estrutura

produtiva. É nesse ambiente que o sisal operou uma profunda transformação social, criando

riquezas, fixando populações, desenvolvendo a economia regional, criando enfim, uma

civilização nova onde, dantes, só reinava a descrença e a desolação7.

No momento em que se analisa a literatura que discute o crescimento rural brasileiro

tem-se a impressão que a região Nordeste não foi contemplada ou foi esquecida. Ou seja, tem-

se a sensação de que, da mesma maneira que as políticas agrícolas brasileiras foram seletivas,

apesar do seu discurso universalista por parte do governo e da mídia, em termos de regiões, de

produtos e de produtores, também os estudos científicos que tratam dessa problemática

acabaram sendo seletivos. Além disso, em geral, os estudos realizados pelo governo sobre o

desenvolvimento rural do Nordeste são divergentes, quanto à quantidade e aplicação dos

recursos financeiros, daquele aplicado quando o objeto de estudo é o crescimento rural dos

estados mais ricos do país, para a modernização agrícola.8 A região sisaleira por estar inserido

no Nordeste da Bahia, também se recente de uma política de valorização para a cultura do

sisal e investimentos na modernização dos equipamentos agrícolas, ou seja, uma política de

incentivos para a produção sisaleira, para que os produtores tenham melhores condições de

enfrentar as crises da lavoura do sisal.

O SEMI-ÁRIDO BAIANO

A introdução do sisal no Brasil data de 1903. Chegou pelas mãos do agrônomo

Horáceo Urpia Júnior, que provavelmente trouxe as primeiras plantas da Florida, EUA. Mas

na Bahia, até 1936, nada de significativo ocorreu para que a cultura desse vegetal pudesse se

desenvolver, sobretudo na região onde seria mais plantado, o Nordeste baiano. O sisal

continuava a ser uma planta estranha, parecida com o gravatá que ali era abundante, e, por

isso, continuava a ser cultivado nos chamados “valados” com a função de cerca viva na roça

dos pobres que não podiam fazê-las de arame farpado, pois se prestava bem para isso,

7 Nonato Marques: Pessoas, Plantas e animais. Salvador. 1987. 8 Celso Antonio Fávero. Semi-árido: fome, esperança e vida digna. Salvador: UNEB. 2002.

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substituindo ou consorciado ao gravatá9 e a macambira10. Como se observa na fotografia a

seguir:

Cerca viva de sisal. Foto: Wilson Macedo Coutinho. 2006. EMBRAPA.

Somente em 1939-1940, houve expansão da cultura com finalidade econômica. No

Estado da Bahia houve várias ações de estímulo à cultura. A Secretaria de Agricultura, em

1939, instalava em Feira de Santana o primeiro campo de distribuição de mudas, e em 1940-

41 foi fundado, no município de Nova Soure, o Núcleo Colonial Presidente Vargas, com um

grande campo de cultivo de sisal, com a finalidade de se implantar ali uma lavoura básica. O

objetivo era econômico e social uma tentativa de fixação do nordestino na região, dando-lhe

condições para atravessar os períodos de estiagem sem grandes crises financeiras, uma vez

que, a falta de água, é constante na região e torna difícil o desenvolvimento da agricultura e a

criação de animais11. Desta forma, a seca provoca a falta de recursos econômicos para a

população, gerando fome e miséria no sertão nordestino.

A década de1940 foi importante para o sisal baiano, graças a ações por parte do

governo, e também de particulares, para estimular a cultura da planta nas terras semi-áridas

como recurso capaz de integrá-las, mais tarde, à economia do Estado. Nesta região a criação

de caprinos, introduzida quase simultaneamente com a do gado bovino, ganhou mais

expressão a partir do desenvolvimento da lavoura do sisal, pois nos períodos de estiagens

prolongadas a planta constitui complementação alimentar essencial para os animais, assim

9 Gravatá é o nome de uma planta que cresce na região. Uma planta cheia de espinhos e muito resistente É uma planta enorme, como se fosse um pé de abacaxi gigante e com uma enorme haste no meio. 10 A macambira é uma planta da família das bromeliáceas, do gênero Bromélia. Está presente nas áreas secas do Nordeste, desde a Bahia até o Piauí. 11 Nonato Marques. Pessoas, Plantas e Animais. Salvador. 1987.

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com os excedentes gerados pela atividade sisaleira foram criadas as condições necessárias

para que a pecuária se expandisse na região.

Existem movimentos ecológicos que incentivam a substituição da fibra sintética pela

vegetal, especialmente na confecção de tapetes, isto porque o sisal é natural e sua utilização

ser ecologicamente correta, além de contribuir para a preservação do meio ambiente. Este fato

tem levado várias indústrias a fazerem pesquisa para o uso do sisal, como por exemplo,

podemos citar a indústria automobilística que utiliza fibras desse vegetal para o estofamento

de bancos dos carros.

O SISAL E CONCEIÇÃO DO COITÉ

Conceição do Coité está localizada no sertão baiano, a uma distância de 210 km de

Salvador. A cultura do sisal ou agave foi, durante muito tempo, a mais importante atividade

econômica da cidade, colocando o município no centro de maior produtor do país, inclusive

dando-lhe o título de “Capital do Sisal”. Atualmente, Conceição do Coité é um dos mais

destacados centros de comercialização dessa fibra no país, recebendo a produção de cidades

circunvizinhas. Existem em todo município 21 usinas de beneficiamento destinadas à

industrialização de fibras e mais de duzentas e cinquenta máquinas primitivas, denominadas

paraibanas, principal instrumento do desfibramento do sisal no campo.

O perfil econômico entre a maioria dos produtores de sisal da região é de pequenos

produtores que tem em média dez a vinte hectares de terra. São pessoas que têm no sisal a sua

principal fonte de renda familiar. Segundo levantamento de sindicatos e associações de

produtores de municípios como Valente, cidade vizinha a Conceição do Coité, a 238 km da

capital, essa renda é inferior a um salário mínimo12.

A persistência e o crescimento da pequena produção é, hoje, um fato comprovado,

mesmo em países desenvolvidos13. Embora se trate de uma categoria social heterogênea em

termos de acesso à terra, o mercado a pequena produção é importante porque usa mais

intensivamente os fatores disponíveis, aproveita maior a parcela de sua terra e emprega mais

mão-de-obra. Portanto, o real valor do sisal para a economia de Conceição do Coité consiste

na sua capacidade de tornar produtivos os locais do município, onde vivem comunidades

rurais sem muitas alternativas econômicas, pois são áreas de solos fracos em que a quantidade

12 APAEB. 20 anos. Reinventando o Sertão. Valente: 2000. 13 EMBRATER, 1990. P.14

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de chuva é pequena durante todo o ano, inviabilizando outro tipo de cultura14. Além disso, o

cultivo do sisal evita os deslocamentos migratórios, pelo aproveitamento da mão de obra rural

incorporando-o ao processo produtivo local.

Como o sisal é considerado uma cultura de subsistência15, isto caracterizaria de um

modo geral, as ações econômicas dos pequenos produtores agrícolas, denominados

oficialmente de “produtores de baixa renda”, as quais, na verdade, estão bem mais próximas

às de uma economia camponesa. Que é um dos pontos centrais para definir a situação

econômica do camponês. Em relação a esta, ele é caracterizado pelo tipo de organização da

unidade de produção, que é tanto um elemento econômico como um agregado social.

ATIVIDADES COM SISAL NA REGIÃO SISALEIRA

A região sisaleira da Bahia tem enorme potencial de emprego de mão-de-obra e

geração de renda. Ao mesmo tempo enfrenta sérios problemas no processo de produção,

principalmente na etapa de desfibramento, o que gera uma baixa produtividade e elevação do

custo final do produto.

Processo Produtivo

A produção agrícola sisaleira é processada em pequenas glebas; a mão-de-obra é

complementada, por exemplo, nos momentos de grande exigência como a colheita, pelo

auxílio da vizinhança ou, mais propriamente, de uma parentela que não pertence ao núcleo

familiar diretamente ligado àquela gleba. Atualmente essa mão-de-obra pode ser assalariada.

Dado o pequeno tamanho das propriedades, a terra é cultivada exaustivamente e aproveitada

em toda sua extensão. Não havendo especialização na produção.

A unidade produtiva é também uma unidade de consumo, daí cultivar-se de tudo: a

policultura é a regra, associada à criação de pequenos e grandes animais, a um pequeno

artesanato utilitário e a uma também pequena indústria alimentar.

Processo de desfibramento

14 EBDA. Melhorando o sertão. 2003. 15 São desenvolvidas em pequenas extensões de terra com o emprego de técnicas rudimentares. A produção destina-se primordialmente a manutenção da família, ou conduzindo-se parte o mercado tendo em vista a obtenção de recursos para aquisição de outros bens, não produzidos na unidade familiar, mas necessários à manutenção dos níveis mínimos de sobrevivência.

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Normalmente o cultivo do sisal é manual, com reduzida utilização de métodos de

preparação do solo, onde a colheita se processa de maneira precária, baseada em condições

que determinam cortes excessivos nas folhas, resultando em fibras de baixa qualidade,

dificuldades quanto à brotação de novas folhas e prejuízo na recuperação das plantas. É

desenvolvido em pequenas propriedades e o seu beneficiamento feito de modo artesanal, com

grandes riscos para a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras em tal atividade.

O processo de trabalho no sisal, na pequena propriedade familiar, se inicia com a

preparação da terra para o plantio, como acontece com outros produtos agrícolas, por meio de

práticas de roçagem16, derruba, queima e destoca17. O preparo do solo se dá com a utilização

de instrumentos de trabalhos simples, como a enxada e a foice, pois dificilmente os

agricultores pobres adquirem instrumentos mais modernos para a sua produção, situação

diferente das grandes propriedades.

Durante cerca de quarenta anos de produção do sisal no Nordeste brasileiro, a

descorticação das folhas tem sido feita com o “motor Paraibano”18, cujo maior problema é

provocar acidentes que resultam em graves mutilações de dedos, mãos e mesmo parte do

braço. Isso porque o trabalho nessa máquina, que gira em alta velocidade, obriga que operador

aproxime as mãos das engrenagens para introduzir as folhas do sisal e para puxar as fibras já

beneficiadas. Este é considerado a atividade mais perigosa do processo de produção.

Máquina paraibana para o desfibramento do sisal. Foto: Wilson Macedo Coutinho. 2006. EMBRAPA.

16 Corte de vegetação que nasce entre a plantação de sisal. 17 Arrancar os tocos ou cepos da roça. 18 Inventada na década de sessenta por José Faustino dos Santos, Natural de Nova Floresta, na Paraíba

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A “paraibana” ainda continua sendo a mais usada no desfibramento do sisal por não

existir, ainda no Brasil, um modelo de desfibradora adaptada à pequena produção, testado e

validado em campo, que seja capaz de proporcionar segurança ao operador, ao mesmo tempo

em que supere a produtividade da máquina atualmente em uso19. Essa atividade requer muita

habilidade e destreza, pois além dos riscos de mutilações, quase sempre provocadas pelo

caráter resinoso e perigoso das fibras, que facilita que as mãos e os braços sejam puxados para

dentro do motor, riscos que podem comprometê-los por toda vida.

As atividades finais do processo de trabalho são realizadas pelo resideiro, o

trabalhador que retira os restos de fibra que fica embaixo da máquina, geralmente um adulto

do sexo masculino, que faz a limpeza retirando a mucilagem (restos de fibras) que se acumula

embaixo do motor e a pesagem. Por fim, o estendedor - trabalhador encarregado de estender o

sisal em arames para secar - se encarrega de retirar a fibra a balança e estendê-la em varais de

madeira ou arame para secar. Após o processo de secagem da fibra em campo, é feito o

transporte para galpões fechados, em geral, localizados na zona urbana dos municípios, onde

estão localizadas as máquinas denominadas de batedeiras, onde ocorre a etapa de batimento

das fibras, para remoção do pó que as envolvem e é utilizado na mistura com milho para a

preparação de ração animal.

A bucha, outro subproduto do sisal é utilizada para fazer cordas de qualidade inferior e

manta, para proteção de encosta na agricultura. Após o batimento a fibra é classificada e

enfardada para então ser comercializada.

É importante observar que a tecnologia adotada no batimento da fibra, bastante

arcaico, não passou por inovações desde que se implantou a cultura do sisal no Nordeste

brasileiro. Portanto, há grande espaço para ganho de produtividade no batimento da fibra,

desde que se avance na tecnologia adotada no processo.

A Industrialização

Quanto ao processo de industrialização, verifica-se que as máquinas utilizadas foram

importadas da Inglaterra e a fabricação data dos anos de 1970. No Brasil foram períodos de

massiva propaganda da ditadura militar, falta de liberdade, censura e perseguições. Diante da

queda de consumo da fibra desse vegetal, ocorrido naquela década, em decorrência da entrada

dos fios sintéticos no mercado, o avanço tecnológico das máquinas estacionou. De acordo

19 APAEB. Experiência Alternativa de Convivência com o Semi-árido. Valente: 1996.

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com informações colhidas de empresários da região sisaleira, todas as máquinas de

industrialização de fios de sisal existentes na Bahia, hoje, são remanescentes desse período,

conforme entrevista abaixo do senhor Pedro Barbosa dos Santos20, um dos empresários

entrevistados: “A região do sisal sempre ficou em segundo plano, pois desde a década e

setenta quando comecei a trabalhar com o sisal as máquinas nunca mudaram, não existe uma

preocupação por parte do governo em avanço tecnológico para o setor sisaleiro”.

O sisal é destinado em boa parte à indústria de tapetes e carpetes que trabalham

diversos produtos à partir da fibra do sisal como cordas e fios. Estes produtos, principalmente,

os tapetes e carpetes, abastecem os mercados internos e externos. O artesanato também é uma

das principais fontes de renda na região, feito principalmente do sisal.

O processo de elaboração e produção dos fios e cordas consiste em conduzir a fibra

por uma série de máquinas denominadas de passadeiras com agulhamentos de diâmetros

diferentes, de forma a afiná-la progressivamente, até que a mesma esteja com a espessura

desejada para o fio. As máquinas têm produtividade de doze toneladas por oito horas

trabalhadas.

ENTRE AS CRISES E O APOGEU

Com a expansão da cultura do sisal e de sua importância econômica a partir de 1940,

houve um aumento da procura pela fibra natural. Neste mesmo ano uma usina foi instalada

em Valente. Outras indústrias também foram instaladas na região, inclusive em Conceição do

Coité, tendo como objetivo principal preparar a fibra do sisal para comercialização externa, ao

mesmo tempo em que os produtores de sisal aumentavam as áreas plantadas na região

sisaleira.

A planta que até então era cultivada em terras de lavouras de subsistência podia agora

se desenvolver e grandes áreas para comercialização no mercado externo. Com isso, o

desenvolvimento inicial do sisal foi ganhando forças, devido também ao contexto mundial e à

destruição das plantações em países como Filipinas, Quênia, Moçambique, produtores de

fibras naturais, durante a Segunda Guerra Mundial. Assim abriu-se espaço, e criou-se uma

demanda pela fibra do sisal que cresceu bastante durante esta época, pois era usada na

fabricação de sacarias, na cordoaria em geral, cordas marítimas, barbantes, fios e similares, o

20 Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.

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que acabou impulsionando o desenvolvimento da cultura no Brasil e principalmente, na

Bahia.

Nesse contexto o sertão baiano reuniu condições efetivas de integração ao mercado

estadual com possibilidades reais de expansão aos mercados nacional e internacional, o que

veio a ocorrer nos anos 1950 e 1960. Com a exploração comercial da matéria-prima, a fibra

do sisal, era importante para a indústria de fiação do centro-sul do Brasil, gerando divisas ao

atender também a demanda dos mercados dos Estados Unidos e da Europa21. Porém, por

causa dos preços baixos, do desinteresse do produtor e de áreas pouco produtivas, na década

de 70, o estado da Bahia torna-se líder nacional na produção da fibra de sisal.

Os problemas com a cultura do sisal datam desde a sua implantação no Estado da

Bahia como cultura agrícola, pois já em 1957, na Segunda Convenção Regional do Sisal,

realizada em Serrinha, um produtor queixou-se dos problemas existentes na cadeia produtiva

do sisal:

A Deus suplicamos misericórdia contra as secas e a miséria. E aos Governos agradecemos esta oportunidade onde pela primeira vez ao tabaréu nordestino é facultado o direito de conversar franca e publicamente com os seus dirigentes, para nos desabafar da revolta que nos causa tanta injustiça, maltrato, abandono e ingratidão. Talvez os meus assuntos que sem dúvida alguma é o assunto geral do homem do interior não sejam ouvidos nem tão pouco considerados por que de direito. Pois, já estamos descrentes, cansados de pedir e de esperar por projetos e promessas bonitas como as das campanhas eleitorais. Meus senhores, tratando-se do sisal é o assunto primordial desta conveção, não é preciso se falar muito para dizer que o sisal segundo os preços últimos e atuais, numa época de custo de vida elevadíssima como a que vivemos. De lucros fabulosos em qualquer setor de atividade, de ordenados astronômicos é uma lavoura em franca, progressiva e incontestável decadência. (J. J. O., II Seminário do sisal, 1957).

Analisando este texto escrito na década de cinqüenta, podemos perceber que o sisal

mesmo nas épocas em que a bibliografia hoje existente cita como as melhores décadas para os

produtores, estes já se lamentavam das péssimas condições econômicas que o sisal lhes

proporcionava.22

A crise que se abateu sobre a economia sisaleira mundial, a partir de 1964, levou os

principais países produtores e consumidores a tomarem posição quanto ao ponto de equilíbrio

entre a oferta e a demanda23. A partir daí, com o aparecimento de sucedâneos sintéticos, como

o polipropileno (produzido a preços mais baixos que o sisal e com qualidade superior para a

21 Série desenvolvimento rural nº 12, 1995. 22 SILVA. Odilon Reny Ribeiro Da. Agronegócio do sisal no Brasil. Brasília: Embrapa-SPI, Campina Grande: Embrapa-CNPA, 1999. 23 Silva, Odilon Reny Ribeiro Ferreira. O agronegócio do sisal no Brasil. EMBRAPA-SPI, Campina Grande: Embrapa-CNPA, 1999.

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maioria dos fins a que se destinam as fibras duras naturais), o sisal entrou em decadência

mundial em proporções crescentes, fato que pode ser colocada como a primeira crise

estrutural da economia sisaleira.

A década de setenta é conhecida pelos sisaleiros como a “época de ouro” para a

economia sisaleira, chegando mesmo a denominar o sisal como o “ouro verde do sertão”24,

por sua grande importância para a economia dos municípios produtores. Nessa década o sisal

chegou a experimentar sua fase de apogeu, provocada pelo choque do petróleo, que encareceu

os preços concorrentes das fibras sintéticas, fazendo com que as fibras naturais alcançassem

preços bem vantajosos para os produtores, visto que existiu uma grande procura do mercado

externo nesta década. Fato este que não provocou um aumento da área plantada e também na

quantidade produzida de sisal na região de Conceição do Coité, conforme se observa na tabela

abaixo:

TABELA I

Município = Conceição do Coité –Ba – Lavoura permanente = Sisal ou agave (fibra) ANO ÁREA PLANTADA (Hectares) QUANTIDADE PRODUZIDA

(Toneladas) 1975 16.961 18.132 1976 14.700 9.871 1977 13.190 6.656 1979 13.289 8.092 1980 11.752 12.986

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal: culturas temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: 1977, 1983-84. p. 797, 292, 287.

A década de 1980 o preço e a demanda no mercado externo do sisal caem bastante,

provocando diminuição do número da área plantada da cultura; os produtores desiludidos com

o sisal queimavam ou mesmo abandonavam as plantações, pois os preços pagos pelo mercado

não era suficiente para o seu beneficiamento, ocasionando uma grande migração da população

para os grandes centros urbanos do país25.

Em meados da década de 1990, a lavoura do agave sofre mais um retrocesso em

virtude das sucessivas quedas do preço internacional da fibra de sisal, e com isto, a lavoura

vai dando lugar ao avanço da criação de animais, existindo uma expansão da pecuária bovina,

em detrimento da cultura, e o produto passa a ser tratado como complemento alimentar para

os animais em épocas de seca. Nesse período, a crise produtiva do sisal ganhou proporções

24 Entrevista com produtor de sisal. U. F.M. EBDA. 12.08.2009. 25 Gustavo Bittencourt. Pobreza e desenvolvimento no sistema Agrário do Sisal. Região Semi-árida do Brasil. Salvador: UFBA, 2008.

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gigantescas, marcando o aprofundamento das condições de pobreza e miserabilidade, e

afetando os ganhos das elites locais.

Nos quatro primeiros anos da década de 1990 a área plantada de sisal aumenta de

forma significativa, entretanto a quantidade produzida cai assustadoramente, e apenas a partir

de 1994, a área plantada diminui na mesma proporção da quantidade produzida. Mas, com o

crescimento da demanda mundial pelo sisal baiano, a partir de 1999, a área plantada volta a

crescer e aumenta muito a quantidade produzida, levando a crer que este ano foi de preços

elevados para o referido produto no mercado externo, como se constata através da tabela:

TABELA II

Município = Conceição do Coité –Ba – Lavoura permanente = Sisal ou agave (fibra) ANO ÁREA PLANTADA (Hectares) QUANTIDADE PRODUZIDA

(Toneladas) 1990 18.400 12.880 1991 22.000 17.600 1992 21.000 14.400 1993 18.000 10.200 1994 10.500 8.400 1995 12.000 7.200 1996 12.000 10.000 1997 12.500 10.000 1998 12.500 8.640 1999 17.400 23.352

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal: culturas permanentes e temporárias. Rio e Janeiro. 2000.

Entretanto, nos últimos anos, a valorização cambial brasileira passa a ser um fator de

desestabilização do setor, uma vez que, o sisal depende fortemente do setor externo. Apesar

de o sisal representar aproximadamente 0,9% MIDIC, (2009),26 na pauta de exportações

baianas, ele possui grande importância para PIB do Território do Sisal e representa uma

grande fonte de geração de renda para os pequenos produtores e a população dos municípios

que o compõem.

A despeito da crise que a cultura vem enfrentando nos últimos anos, os dados oficiais

revelam crescimento, tanto da área cultivada quanto da produção colhida no Estado da Bahia

(CAR, 2000), o que pode ser ilustrado, ou melhor, visualizado, com o gráfico a seguir27. Nele,

vemos que a área plantada e a quantidade produzida se estabilizaram nos últimos anos.

26 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. MIDIC. Exportações do Estado da Bahia, anos 2007 e 2008. 27Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE. Produção Agrícola Municipal. Rio de Janeiro. 2000. p. 652.

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TABELA III

Município = Conceição do Coité –Ba – Lavoura permanente = Sisal ou agave (fibra) ANO ÁREA PLANTADA (Hectares) QUANTIDADE PRODUZIDA

(Toneladas) 2000 19.000 22.100 2001 19.000 15.750 2002 17.500 15.300 2003 18.000 15.300 2004 18.500 16.200 2005 18.000 16.200 2006 19.000 16.650 2007 19.000 16.380 2008 19.800 17.820

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal: culturas temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: 2008.

Com uma produção de 168 mil toneladas e uma área colhida de 218 mil hectares em

1991, a Bahia é, desde a década de setenta, o maior produtor e exportador brasileiro de sisal.

Por outro lado, o nível de produtividade declina, no mesmo período, de 1.087 kg/ha para 771

kg/ha, o que reflete a necessidade de uma ação agressiva por parte das organizações geradoras

e difusoras de tecnologias junto aos produtores de sisal, com o objetivo de melhorar o padrão

tecnológico de seus cultivares.

RELAÇÃO DE TRABALHO NO SETOR SISALEIRO DA BAHIA

A cultura do sisal na região sisaleira tem uma infra-estrutura voltada para a produção

para exportação. Sendo assim, ao mesmo tempo em que produz a riqueza de uma pequena

elite oligárquica, também reproduz a pobreza do trabalhador e a vulnerabilidade do sistema

agrário aos condicionantes do mercado externo.

Estima-se que o setor sisaleiro na Bahia, que responde por 95,65% da produção

nacional, absorva cerca de 700 mil trabalhadores. A bibliografia diverge quanto ao número de

pessoas envolvidas, valendo registrar que estimativas do governo da Bahia apontam para a

cifra de mais de um milhão, considerando toda a cadeia produtiva do sisal.28 Além de grande

contingente de mão-de-obra envolvido nas atividades de implantação, manutenção, colheita e

desfibramento, há outros grupos dependentes da cultura sisaleira, a saber: proprietários

sitiantes, fazendeiros que exploram o sisal, fazendeiros administradores, fazendeiros

absenteístas e outros agentes produtivos vinculados ao beneficiamento, industrialização e

exportação. 28 SILVA. Odilon Reny Ribeiro Da. Agronegócio do sisal no Brasil. Brasília: Embrapa-SPI, Campina Grande: Embrapa-CNPA, 1999. PEIXOTO, Sérgio Elísio Araújo Alves. Transferência para a agricultura: um estudo de caso no Estado da Bahia. Brasília, 1997.

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Os proprietários dos campos de sisal participam indiretamente do processo produtivo,

uma vez que os intermediários atuam estabelecendo relações de trabalho diretamente com os

agricultores, livrando-os dos compromissos trabalhistas e do estabelecimento de um sistema

de assalariamento rural. Assim, apenas 2% dos trabalhadores do setor sisaleiro teriam registro

trabalhista.29 Eles são, em geral, “donos dos motores”, sendo, também, pequenos produtores

de sisal. Os recursos para pagamento da mão-de-obra e aquisição do óleo do motor são

adiantados aos intermediários pelos donos de batedeira/exportadores, onde os intermediários

se encarregam da mobilização e contratação dos trabalhadores, cuja remuneração é feita por

produção.

Até pouco tempo atrás, muitos produtores de sisal contratavam os serviços de corte e

desfibramento, efetuando o pagamento por quilo de fibra bruta seca produzida, para evitar o

pagamento do salário mínimo que a lei assegura aos trabalhadores e os ônus com a seguridade

social e com possíveis mutilações, durante o processo de descorticação. Hoje, o produtor

negocia sua lavoura com o proprietário do motor, que, na maioria das vezes, utiliza a mão-de-

obra familiar, e como exerce uma atividade itinerante, de reduzida capacidade econômica, faz

constante rodízio de pessoas e não assume os encargos sociais. Normalmente, o desfibrador

estabelece uma relação financeira com o intermediário, que financia todas as despesas com o

desfibramento e o transporte, em troca do compromisso de entrega da fibra bruta.

No processo de produção e desfibramento do sisal, a literatura aponta como funções

essenciais as seguintes: Cortador é quem colhe folhas nos campos, cortando-as com foice

apropriada; cambiteiro é quem utiliza jumentos, para transportar as folhas do campo até o pé

da máquina desfibradora “Paraibana”; puxador aquele que alimenta as máquinas com as

folhas de sisal; banqueiro o responsável pelo recolhimento das fibras após o processamento,

pesando-as ainda verdes; bagaceiro quem abastece os puxadores com folha e retira da

máquina os resíduos provenientes do desfibramento; Lavadeiras são as mulheres que cuidam

da lavagem e da secagem das fibras e fazem o enfeixamento.30

O maior problema observado na cadeia produtiva do sisal na Bahia diz respeito à

concentração da remuneração “nas mãos” do elo mais forte, o industrial. A propósito, em

seminário realizado em Conceição do Coité (BA)31, com o objetivo de discutir a problemática

em torno da economia sisaleira, verificou-se que, em todas as palestras ministradas, foi

enfatizada a grande importância da atividade para o semi-árido, principalmente pela

29 Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado da Bahia. FAPESB. Enquadramento do arranjo produtivo do sisal. Salvador, 2002. 30 Atar em feixe o sisal, juntar, reunir. 31 Seminário da Lavoura Sisaleira. Conceição do Coité (BA), 06/04/2004.

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capacidade de adaptação às condições edafoclimáticas e de geração de emprego e renda.

Entretanto, essas colocações mais pareceram mera repetição de um “jargão”, tendo em vista

que não faziam parte da essência da pauta de discussão, as questões relacionadas com as

perversas relações de produção no setor, as quais produzem uma concentração de renda na

ponta mais forte da cadeia produtiva e obrigam parte dos agricultores a utilizarem o trabalho

feminino e infantil no processo de produção. Essa tese é reforçada pela declaração existente

no documento da FAPESB 32 o qual afirma que, em alguns municípios da região central

sisaleira da Bahia:

Se constata a dura realidade dos trabalhadores dos campos de sisal, que enfrentam dificuldades as mais diversas, seja pela aridez climática; a precariedade das relações de trabalho e saúde; a exposição permanente aos riscos ocupacionais, a baixa remuneração da sua força de trabalho numa das áreas de maior pobreza do território baiano.

Dentro de todo esse processo os maiores perdedores são os trabalhadores e donos de

motores, os primeiros permanecem durante toda a semana, em dormitórios improvisados, sem

condições de higiene e conforto, sem água potável e sanitários. Não existem equipamentos de

proteção individual, os cortadores e cevadores utilizam apenas avental e luvas de borracha

feitas por eles mesmos para o cultivo. Além disso, as relações de trabalho são precárias e as

de produção são atrasadas em virtude da predominância do trabalho informal. Também existe

um alto grau de analfabetismo e ainda alguma inserção do trabalho infantil no corte e

processamento do sisal, com jornadas de até doze horas diárias.33

Sem perspectiva de vida melhor a população economicamente ativa, em especial a

jovem, migra para outras regiões, principalmente para os grandes centros urbanos, na busca

da sobrevivência, onde, via de regra, não encontra. Ao contrário, passam a engrossar os

cinturões de miséria já formados nesses locais. Sendo assim, o sisal é um meio para que o

trabalhador rural da região permaneça no campo, como podemos perceber nesta entrevista:

concedida por José João34.

Rapaz... Depois que comecei com o sisal que eu não tinha sisal melhorou muita coisa pra mim. Até a minha vida melhorou mais um pouco, eu vivia trabalhando ao outros, mas depois que eu comprei isso aqui já tinha sisal já mim desapertou bastante não trabalhei mais para ninguém só na minha roça mesmo fazendo minhas horas e tirando sisal de ano em ano fazendo um dinheirinho comendo e gastando na roça. (produtor e trabalhador de sisal).

32 Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado da Bahia. FAPESB. Enquadramento do arranjo produtivo do sisal. Salvador, 2002. p.28. 33 Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares da Região do Sisal e Semi-Arido da Bahia. FATRES. 2004. 34 Nome fictício para preservar o entrevistado.

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A segunda parte mais prejudicada na cadeia produtiva do sisal são os donos de

motores de sisal, pois os mesmos só ganham alguma coisa se forem também donos da terra,

como podemos facilmente perceber nesta entrevista:

Minha família sempre viveu do sisal. Tem tempo que ta bom e tem tempo que a coisa fica preta só dá mesmo para cobrir as despesas. Hoje pra eu viver do sisal não ta fácil, pois um motor trabalhando normal não sobra pra o dono do motor nem 50,00 por semana, adepois de tirar toda as despesas. É por isso que a gente fica a vida toda devendo aos donos de batedeira, não tem jeito se não for assim a gente passa fome mesmo. Agora mesmo se não fosse essa compra do governo a gente tava morto, porque os homens não querem o sisal toda semana bota uma desculpa, e aí fica difícil arrumar o dinheiro da feira. A sorte é que o motor é meu e a roça também e os trabalhadores são todos da família se não fosse assim já tinha parado. (J. O. P. produtor, trabalhador e dono de motor).

Na segunda metade da década de 1990, houve uma grande crise o que levou

trabalhadores a investirem em ações de mobilização da opinião pública, conquistando

visibilidade através da campanha “Sisaleiros pedem socorro”, articulando, de maneira inédita,

várias entidades da sociedade civil, prefeitos, vereadores, deputados e meios de comunicação.

Toda esta mobilização, aliada à pressão internacional e ao apoio de alguns segmentos estatais,

permitiu a criação em 1996 do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), a

primeira política pública voltada para o Território do Sisal, que lançou as bases para uma

nova relação entre sociedade civil e poder público, incorporando elementos inovadores na

gestão pública local e marcando definitivamente a consolidação de uma política do

diferenciada para o sisal.

CONCLUSÃO

A cadeia de serviço da atividade sisaleira abrange desde os trabalhos de manutenção

até a extração e o processamento da fibra para o beneficiamento, as atividades de

industrialização de diversos produtos e o uso para fins artesanais, que pode trazer diversos

benefícios aos municípios localizados no semi-árido nordestino, nos aspectos econômicos,

social ou ambiental contribuindo para a desconcentração do Produto Interno Bruto-PIB, pelo

significativo impacto que pode gerar na economia local. Gera divisas, pelo grande potencial

exportador, servindo de cobertura do solo, impedindo a desertificação, sendo fonte de renda e

emprego, por ser intensiva em utilização de mão-de-obra em todas as fases de implantação,

manutenção, colheita e desfibramento; favorecendo a desconcentração da estrutura fundiária,

e também viabilizando economicamente as pequenas propriedades familiares.

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O Centro de Artesanato e Arte da Região do Sisal recentemente inaugurado na cidade

de Valente será um ponto estratégico para integrar a capacitação e a comercialização,

fortalecendo os grupos de artesãos da região, que já produzem tapetes, utensílios do lar e

acessórios de vestuário feitos com fibras de sisal.

Sendo assim, o processo de modernização da agricultura do sisal não deve ser visto

apenas sob o ângulo da produção e do lucro, haja vista que é de fundamental importância para

melhorar a qualidade de vida da sociedade da região sisaleira, na medida em que podem

contribuir significativamente para a redução, ou mesmo, eliminação de mazelas sociais, como

fome, doenças e mortes causadas por deficiências nutricionais.

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