gestao do territorio

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANAS Escola Internacional da Água para o Desenvolvimento - Hydroaid Programa de Modernização do Setor Saneamento Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental Ministério das Cidades Cooperação Brasil-Itália em Saneamento Ambiental

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Page 1: Gestao Do Territorio

GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS

ÁGUAS URBANAS

Escola Internacional da Água para o Desenvolvimento - HydroaidPrograma de Modernização do Setor Saneamento

Secretaria Nacional de Saneamento AmbientalMinistério das Cidades

Cooperação Brasil-Itália em Saneamento Ambiental

Page 2: Gestao Do Territorio

COOPERAÇÃO BRASIL-ITÁLIA EM SANEAMENTO AMBIENTAL

GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANAS

Brasília, outubro de 2005

Escola Internacional da Água para o Desenvolvimento - HydroaidPrograma de Modernização do Setor Saneamento

Secretaria Nacional de Saneamento AmbientalMinistério das Cidades

Page 3: Gestao Do Territorio

Ministério das Cidades

Secretaria Executiva

Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA)

Diretoria de Desenvolvimento e Cooperação Técnica da SNSA

Diretoria de Água e Esgotos da SNSA

Diretoria de Articulação Institucional da SNSA

Coordenação do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS)

Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS)

SCN, Quadra 1, Bloco F, 8º andar, Edifício America Office Tower – CEP 70711-905

Fone: (61) 3327-5006 FAX: (61) 3327-9339

[email protected]

www.cidades.gov.br e www.snis.gov.br

Coordenação editorial: Rosana LoboRevisão: Corina BarraCapa: Kleber SalesDiagramação: Informe ComunicaçãoFotolitos e impressão: Gráfica BrasilTiragem: 3.000 exemplares

É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.

Brasil. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental Gestão do território e manejo integrado das águas urbanas. – Brasília: Ministério das Cidades, 2005. 270p. 1. Saneamento ambiental. 2. Cooperação Brasil-Itália.3. Capacitação. 4. Manejo integrado das águas urbanas.5. Brasil. I. Programa de Modernização do Setor Saneamento. II.Título. III. Título: Gestão do território e manejo integrado das águas urbanas.

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PREFÁCIO ........................................................................................................................................... 5

PARTE I - SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL

1. Saneamento ambiental e águas pluviais ..........................................................................................................................7 Marcos Helano Montenegro e Carlos E. M. Tucci 1.1 Introdução ...................................................................................................................................................................................7 1.2 Impactos ......................................................................................................................................................................................8 1.3 Interface entre os sistemas .......................................................................................................................................................13 1.4 Política de saneamento ambiental ............................................................................................................................................14 1.5 Proposta de programa nacional de águas pluviais ...................................................................................................................15 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................................................20

PARTE II - GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADES

Belo Horizonte2. Visão de Belo Horizonte .................................................................................................................................................21

José R. B. Champs, Ricardo M. Aroeira e Nilo O. Nascimento 2.1 Introdução .................................................................................................................................................................................21 2.2 Breve histórico da cidade ..........................................................................................................................................................21 2.3 Dados demográficos, econômicos e sociais ............................................................................................................................. 23 2.4 Unidades da administração municipal responsáveis pela gestão da drenagem ......................................................................25 2.5 Características físicas ................................................................................................................................................................26 2.6 Política municipal de saneamento ............................................................................................................................................29 2.7 Infra-estrutura de saneamento .................................................................................................................................................31 2.8 Conclusão ..................................................................................................................................................................................46 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................................................47 ANEXO A ...............................................................................................................................................................................................48

3. Avaliação e proposta para Belo Horizonte ...................................................................................................................................49 Sérgio Papiri e Silvano Ravera

3.1 Diagnóstico ...............................................................................................................................................................................49 3.2 Propostas e conclusões ............................................................................................................................................................55

Manaus4. Gestão das águas urbanas em Manaus ..........................................................................................................................61

Raimundo Kennedy Vieira e Maria Izanete Guimarães 4.1 Características da cidade ..........................................................................................................................................................61 4.2 Características da infra-estrutura de águas urbanas.................................................................................................................64 4.3 Aspectos institucionais .............................................................................................................................................................78 4.4 Avaliação do sistema .................................................................................................................................................................83 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................................................86

5. Planejamento existente e propostas para melhoria da gestão em Manaus ...................................................................89 Gabriele Freni, Lamberto Griffini e Goffredo La Loggia 5.1 Quadro do planejamento existente ..........................................................................................................................................89 5.2 Propostas...................................................................................................................................................................................93 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................................................97 ANEXO B ...............................................................................................................................................................................................98 ANEXO C .............................................................................................................................................................................................107

Recife6. Recife e a convivência com as águas ...........................................................................................................................111

Jaime J. S. P. Cabral e Antônio Valdo de Alencar

SUMÁRIO

Page 5: Gestao Do Territorio

6.1 Introdução ...............................................................................................................................................................................111

6.2 Características da cidade ........................................................................................................................................................111

6.3 Águas urbanas .........................................................................................................................................................................115

6.4 Avaliação do sistema de drenagem urbana ............................................................................................................................124

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................130

7. Breve diagnóstico e propostas de intervenção para atender às necessidades de Recife ...........................................131

Ivo Fresia e Alessandro Paoletti, com a colaboração de Stefano Croci

7.1 Diagnóstico .............................................................................................................................................................................131

7.2 Propostas e conclusões ..........................................................................................................................................................138

Santo André

8. Drenagem urbana em Santo André ..............................................................................................................................163

Luiz Fernando Orsini, Sebastião Ney Vaz e Angélica Ferrini

8.1 Introdução ...............................................................................................................................................................................163

8.2 O Município de Santo André ...................................................................................................................................................164

8.3 Planos regionais ......................................................................................................................................................................176

8.4 Planos municipais ....................................................................................................................................................................178

8.5 Situação atual ..........................................................................................................................................................................183

8.6 Investimentos previstos ..........................................................................................................................................................192

8.7 Perspectivas futuras ................................................................................................................................................................194

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................196

9. Breve diagnóstico, propostas e conclusões para Santo André ....................................................................................197

Sandro Artina e Paolo Mosca

9.1 Diagnóstico e problemas detectados .....................................................................................................................................197

9.2 Propostas e conclusões ..........................................................................................................................................................212

PARTE III - VISÃO DA SITUAÇÃO NACIONAL DAS ÁGUAS URBANAS

10. Avaliação integrada e elementos sobre a gestão das águas urbanas nas quatro cidades brasileiras ........................219

Alessandro Paoletti

10.1 Instrumentos normativos ........................................................................................................................................................219

10.2 Aspectos higiênico-sanitários .................................................................................................................................................220

10.3 Cheias fluviais e drenagem urbana ..........................................................................................................................................228

10.4 A instabilidade das encostas e o controle do transporte sólido ...........................................................................................234

10.5 Estudos experimentais sobre bacias urbanas piloto ..............................................................................................................237

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................240

11. Águas urbanas no Brasil: Cenário atual e desenvolvimento sustentável ......................................................................243

Carlos E. M. Tucci e Luiz Fernando Orsini

11.1 Gestão das águas pluviais urbanas .........................................................................................................................................243

11.2 Impactos nas águas pluviais no Brasil ....................................................................................................................................243

11.3 Política atual de gestão das águas pluviais .............................................................................................................................254

11.4 Gestão sustentável ..................................................................................................................................................................260

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................268

SUMÁRIO

Page 6: Gestao Do Territorio

A Cooperação Brasil-Itália em Saneamento Ambiental visa contribuir para a formação dos gestores e técnicos na área de saneamento ambiental, agregando capacidade para formular programas e planos ancorados em uma visão integrada do saneamento ambiental no espaço urbano. Esta abordagem

intersetorial é uma das chaves para se equacionar os problemas recorrentes de má utilização dos recursos pú-blicos, resultado da falta de planejamento integrado das ações e dos investimentos em abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão dos resíduos sólidos e manejo das águas pluviais urbanas.

Para desenvolver o projeto foi firmado um Protocolo de Colaboração Interinstitucional entre o Ministério das Cidades do Brasil e a Escola Internacional de Água para o Desenvolvimento – Hydroaid, da Itália. No Ministério das Cidades a Cooperação desenvolve-se na Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), por intermé-dio do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS).

A Hydroaid é uma escola que acumula importante experiência de capacitação de técnicos de países em desen-volvimento com atuação na área do saneamento. A Escola, com instalações sediadas no campus da Organização Internacional do Trabalho – OIT, na cidade de Turim, Itália, conta entre seus associados com a representação dos governos da região do Piemonte, da província e da cidade de Turim, do Politécnico e da Universidade de Turim, da Compagnia di San Paolo e da SMAT S.p.A, companhia responsável pela gestão do serviço hídrico integrado na província de Turim. O principal agente financiador da HYDROAID é o Ministério das Relações Exteriores da Itália.

No lado brasileiro da Cooperação, o projeto também vai ao encontro das atividades que a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental desenvolve por intermédio do PMSS, voltadas para o apoio à reforma institucional e à melhoria da eficiência e eficácia do setor saneamento brasileiro, abarcando atividades de capacitação de ges-tores e técnicos do setor.

O componente da Cooperação, do qual resultou o presente livro, foi implementado na forma de análise de experiências em quatro municípios brasileiros (Santo André/SP, Belo Horizonte/MG, Recife/PE e Manaus/AM). Foram feitos diagnósticos e apresentadas proposições de enfrentamento dos principais problemas associados ao manejo integrado das águas urbanas. Essas experiências contaram com a participação de técnicos e gestores dos quatro municípios bem como de especialistas de universidades italianas e brasileiras gerando um relevante material didático a ser aplicado em cursos de curta duração dirigidos aos agentes municipais que atuam na área em todo o país.

O livro procura difundir uma nova concepção de manejo das águas urbanas, que não se limita ao princípio do-minante no meio técnico de drenagem, como afastamento e escoamento das águas pluviais, mas que agrega de modo integrado outras soluções de caráter estrutural e não estrutural. Pretende-se que as iniciativas de capacita-ção constituam base conceitual para a formulação de planos diretores municipais de manejo das águas urbanas. Com a aprovação da Lei nº 10257/2001, denominada Estatuto da Cidade, o município passou a dispor de uma gama maior de instrumentos capazes de tornar mais eficiente e efetiva a ação de planejamento e o controle so-bre o uso e a ocupação do solo urbano, incluindo a interação entre o manejo das águas urbanas e a dinâmica de urbanização.

Além disso, espera-se contribuir para a reversão do quadro de enormes fragilidades na organização institucional dos serviços de manejo das águas pluviais, quase que exclusivamente de responsabilidade dos municípios (os estados normalmente atuam apenas nas grandes obras de macrodrenagem). Elevar a qualidade de tais serviços requer a consolidação de um adequado perfil operacional nos municípios brasileiros, não somente no campo

PREFÁCIO

Page 7: Gestao Do Territorio

1

técnico e tecnológico, mas sobretudo no campo da gestão, que adote uma visão integrada das ações de sanea-mento e de desenvolvimento urbano, e a necessária articulação entre os agentes do setor.

A publicação do presente documento, que sistematiza a experiência na gestão das águas pluviais urbanas, cor-responde a um dos bem sucedidos resultados da Cooperação Brasil-Itália em Saneamento Ambiental, conduzida pela SNSA/MCIDADES, por intermédio do PMSS.

Brasília, agosto de 2006

Ernani Ciríaco de MirandaCoordenador da Unidade de Gerenciamento do PMSS

UGP/PMSS

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

página 7

1 Saneamento ambiental e águas pluviais Marcos Helano Montenegro e Carlos E. M. Tucci

1.1 Introdução

O desenvolvimento urbano nas últimas décadas modificou a maioria dos conceitos utilizados na enge-nharia em relação a temas como infra-estrutura de água nas cidades. A visão do desenvolvimento desses tópi-cos pelo prisma da engenharia é baseada na partição disciplinar do conhecimento sem implicar uma solução integrada.

O planejador urbano desenvolve a ocupação considerando que o engenheiro de transportes de sanea-mento e de outras infra-estruturas encontrará soluções para o uso do solo nas cidades. A água é retirada do manancial de montante (que se espera não estar poluído) e entregue a jusante sem tratamento; e a drenagem é projetada para retirar a água o mais rápido possível de cada local, transferindo para jusante o aumento do escoamento superficial. O resíduo sólido é depositado em algum local remoto para não incomodar as pessoas das cidades. Esse conjunto de soluções locais pode ser justificado no âmbito de um projeto local, com todas as equações que foram desenvolvidas ao longo dos anos, pelos engenheiros hidráulicos, hidrólogos e sanita-ristas, para resolver um “dado problema”.

Questiona-se: qual a conseqüência desses projetos para a sociedade? Infelizmente, tem sido um estron-doso desastre. Fazendo uma analogia com a medicina, seria como se vários especialistas receitassem remédios a uma pessoa, tomando por referência diferentes sintomas, sem avaliar os efeitos colaterais provocados pela combinação dessas distintas medicações.

Os problemas de saneamento ambiental refletem-se, atualmente, na saúde da população, nas inunda-ções freqüentes e na deterioração de um meio ambiente rico e diversificado em muitas regiões. Com a trans-formação de um ambiente rural em urbano, o problema tende a se agravar, e, se nada for feito, as futuras gerações herdarão um passivo muito alto, pelos efeitos dos impactos ambientais que sofrerão.

O que está errado e o que pode ser feito?• o desenvolvimento urbano não pode ocorrer sem a busca da sustentabilidade do espaço após a

ocupação da população. Para isso, devem ser definidas regras de uso e de ocupação que preservem condicionantes da natureza, permitindo que o sistema possa receber o transporte, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o tratamento, a drenagem urbana e a coleta, o processamento e a reciclagem dos resíduos;

• o abastecimento de água deve ser realizado de fontes confiáveis que não tenham sido contaminadas por outras fontes de montante;

• o esgoto sanitário deve ser tratado para que a água a ser consumida esteja apropriada ao consumo e o sistema hídrico tenha condições de se recuperar;

• a drenagem urbana deve preservar as condições naturais de infiltração, evitar transferência para jusante de aumento de vazão, volume e carga de contaminação no escoamento pluvial e erosão do solo;

• os resíduos sólidos devem ser reciclados na busca da sustentabilidade e da renda econômica dessa riqueza; e a disposição do restante deve ser minimizada.

1

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 81

A busca desses objetivos não pode ser realizada individualmente, mas deve ser um trabalho coletivo que se inicia pela educação. Infelizmente conceitos inadequados são ainda ensinados nas universidades, fazendo a população formar uma percepção errada das soluções. Portanto, é necessário mudar e buscar uma visão mais sustentável do homem no espaço.

1.2 Impactos

Impactos negativos do desenvolvimento urbano sobre a população e o meio ambiente têm sido gerados por conta da falta de uma gestão integrada do uso do solo e da infra-estrutura. Isso é ainda mais marcante quan-do relacionado com a infra-estrutura de água no meio urbano. O País possui alta cobertura de abastecimento de água, mas a parcela do esgoto sanitário que é devolvido aos rios tratado é muito pequena. Mesmo essa parcela tratada também apresenta deficiências quando ao nível de tratamento quando comparada aos parâmetros de projeto. A poluição gerada tem comprometido o abastecimento de água das cidades (meta que, de alguma forma, tinha sido atingida), criando condições para a proliferação de doenças, além de deteriorar o meio ambiente.

O desenvolvimento urbano também sofre com as inundações urbanas, que ocorrem em conseqüência de: (a) ocupação das áreas de risco pela população durante os períodos secos; essas áreas serão, porém, ocupa-das pelos rios durante o período chuvoso, trazendo graves problemas à popualação; (b) em virtude da urbanização dos últimos 40 anos, a impermeabilização do solo e a canalização dos rios urba-nos têm produzido aumento da magnitude e da freqüência das inundações urbanas nas pequenas bacias. Os impactos decorrentes das águas pluviais não se resumem ao grande volume de água; são agravados

pela grande carga de poluente que é carreada para os rios, além do material do esgoto sanitário. Esses poluentes são orgânicos e químicos, resultados do lixo urbano e da emissão de gases para a atmosfera, os quais se depo-sitam sobre as superfícies urbanas e são lavados durante as inundações. Estima-se que esse tipo de poluição represente 40% do total dos poluentes.

1.2.1 Impactos do desenvolvimento urbano

O crescimento urbano ocorrido nas últimas décadas transformou o Brasil num país essencialmente urbano (83 % da população é urbana). Esse processo se deu principalmente nas regiões metropolitanas (RM) e nas cida-des que se transformaram em pólos regionais. Essas regiões metropolitanas (RM) possuem um núcleo principal, com várias cidades circunvizinhas. A taxa de crescimento na cidade-núcleo da RM é pequena, enquanto o cresci-mento da periferia é muito alto. Cidades acima de 1 milhão crescem a uma taxa média de 0,9 % anual, enquanto os pólos regionais de população, entre 100 e 500 mil (cidades médias segundo IPEA/IBGE, MMA, 2000), crescem a taxa de 4,8% (IBGE, 1998). Todos os processos inadequados de urbanização e o impacto ambiental que se observaram nas RMs estão se reproduzindo nas cidades de médio porte. Cidades com população entre 50 mil e 800 mil habitantes têm aumentado sua participação no total da população urbana brasileira, chegando a 29%, enquanto as RM representavam 34,8% do conjunto da população, em 1996 (MMA, 2000).

O crescimento urbano tem sido caracterizado por expansão irregular da periferia, com pouca obediência à regulamentação urbana determinada pelo Plano Diretor e pelas normas específicas de loteamento, agravando-se o problema pela ocupação irregular de áreas públicas por população de baixa renda. Em algumas cidades, a população em área irregular ou informal chega a 50% [MMA,2000]. O crescimento da população favelada tem sido significativo e mesmo o seu adensamento é preocupante. O crescimento populacional ocorre principalmente na

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

página 9 1

população de baixa renda, e a população favelada pode dobrar nos próximos dez anos, chegando a 13,5 milhões de pessoas (Veja, 2004). Isso reflete o déficit habitacional resultado da situação econômica, já que a participação do Estado no aumento da moradia foi da ordem de 27% (MMA, 2000). Nas regiões mais pobres, toda a infra-es-trutura urbana (transporte, água, saneamento, coleta de lixo e drenagem) é mais deficiente, com conseqüências evidentes para os próximos moradores.

Os principais problemas relacionados com a ocupação do espaço podem ser resumidos no seguinte:• a expansão irregular mencionada acima ocorre sobre áreas de mananciais de abastecimento humano,

comprometendo a sustentabilidade hídrica das cidades;• a população de baixa renda tende a ocupar áreas de risco de encostas e áreas de inundações ribeirinhas,

por conta da falta de planejamento e fiscalização;• o aumento da densidade habitacional repercutirá no aumento de demanda de água e no aumento da

carga de poluentes sem tratamento lançados nos rios próximos às cidades (veja item seguinte);• com a acelerada impermeabilização, os rios urbanos serão canalizados ou desaparecerão debaixo das

avenidas de fundo de vale e outras, produzindo inundações em diferentes locais da drenagem.Os Planos que deveriam definir os padrões do desenvolvimento conforme os limites físicos da infra-estrutura

geralmente não consideram toda a infra-estrutura no planejamento. O que se observa, de forma geral, é que os planos contemplam especificamente o arruamento e o tráfego, o sombreamento e alguns aspectos ambientais. A infra-estrutura de água, relacionada com saneamento, abastecimento e drenagem urbana, é totalmente desprezada no planejamento. Na busca do adensamento urbano, ficam comprometidos: (a) a melhoria sanitária, já que é ne-cessário transportar o esgoto a longa distância para buscar espaço para tratamento; (b) o controle das inundações urbanas das áreas ribeirinhas e principalmente da drenagem, considerando que se acelera a impermeabilização e a redução de espaço para amortecimento; e (c) a conservação do ambiente urbano, já que não existe tratamento dos esgotos e das águas pluviais que transportam significativa carga.

1.2.2 Impactos sobre os mananciais e a gestão do abastecimento

O desenvolvimento urbano tem produzido um ciclo de contaminação gerado pelos efluentes da população urba-na, que são o esgoto doméstico/industrial e os esgotos pluviais. Esse processo ocorre em conseqüência do seguinte:

• despejo sem tratamento dos esgotos domésticos nos rios, contaminando esses rios que já possuem capacidade limitada de diluição. Isso resulta da falta de investimentos nos sistemas de esgotamento sa-nitário e nas estações de tratamento; mesmo quando existem, apresentam baixa eficiência;

• despejo dos esgotos pluviais, que transportam grande quantidade de poluição orgânica e de metais que atingem os rios nos períodos chuvosos. Essa é uma das mais importantes poluições difusa;

• contaminação das águas subterrâneas por despejos industriais e domésticos por intermédio das fossas sépticas e dos vazamento dos sistemas de esgoto sanitário e pluvial;

• depósitos de resíduos sólidos urbanos, que contaminam as águas superficiais e subterrâneas, funcionan-do como fonte permanente de contaminação;

• ocupação do solo urbano, sem um efetivo controle do seu impacto sobre o sistema hídrico. Com o tempo, locais que possuem abastecimento tendem a reduzir a qualidade da sua água ou a exigir maior

tratamento químico da água fornecida à população. Portanto, mesmo existindo uma boa cobertura do abastecimen-to de água, ela pode ficar comprometida ao longo do tempo,se não forem tomadas medidas de controle do ciclo de contaminação;

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 101

As principais condições de contaminação dos aqüíferos urbanos são devidas a:• aterros sanitários contaminam as águas subterrâneas pelo processo natural de precipitação e infiltração.

Assim, convém evitar que sejam construídos aterros sanitários em áreas de recarga e deve-se procurar escolher as áreas com baixa permeabilidade. Os efeitos da contaminação nas águas subterrâneas de-vem ser examinados quando da escolha do local do aterro;

• grande parte das cidades brasileiras utiliza fossas sépticas como destino final do esgoto. Esse sistema tende a contaminar a parte superior do aqüífero. Essa contaminação pode comprometer o abasteci-mento de água urbana quando existe comunicação entre diferentes camadas dos aqüíferos, em virtude de percolação e de perfuração inadequada dos poços artesianos;

• a rede de drenagem pluvial pode contaminar o solo em decorrência de perdas de volume no seu transporte e até por entupimento de trechos da rede que pressionam a água contaminada para fora do sistema de condutos.

1.2.3 Abastecimento de água e esgotos sanitários

Nos termos do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos de 2004, a situação da oferta dos serviços de água e esgotos no país é a seguinte: (Ministério das Cidades, 2006):

• o índice médio de atendimento urbano é de 95,4 %; • as perdas de faturamento de água são de 40,4%; • o índice médio de atendimento urbano com coleta de esgoto é de 50,3 % em média, no País, sendo

que 31,3% dos esgostos gerados é tratado. Da parcela tratada, a eficiência é muito baixa ao longo do tempo, por falta de fiscalização de resultados. Existem muitas redes que não coletam esgoto, e há estações ociosas porque, em alguns municípios, não há legislação que obrigue o proprietário a fazer a ligação do efluente da residência ao sistema de esgoto sanitário, evitando, com isso, o pagamento da tarifa de esgoto. Quando se executa a ligação, muitas vezes ela é feita no sistema de drenagem, que é o mais próximo conduto da residência.

A execução dos serviços de água e esgotos por empresas estaduais foi implementada pelo PLANASA em razão da economia de escala. No entanto, a Constituição estabeleceu que a titularidade dos serviços é municipal. Atualmente, as empresas estaduais prestam serviços de abastecimento de água à cerca de 82% da população atendida e oferecem o sistema de esgoto à 77% da população (IPEA,2002). Criou-se um impasse no arranjo insti-tucional dentro País. Nos últimos 10 anos, várias legislações foram enviadas ao Congresso para resolver o impas-se relativo à forma de prestação de serviços. Atualmente, a lei proposta pelo Executivo está em fase adiantada de entendimentos, apesar das grandes dificuldades para sua aprovação definitiva.

Os serviços que, na sua maioria, são públicos, não possuem fiscalização efetiva de preço e qualida-de. Toda a avaliação é realizada pelas próprias companhias e, portanto, sem metas de eficiência, na medida em que os custos podem ser transferidos para os preços. O Ministério da Saúde estabeleceu padrões de qualidade da água para consumo humano, mas a capacidade fiscalizadora ainda é pequena, mesmo porque poucas cidades dispõem de agências reguladoras.

Um número considerável de prestadores estatais-estaduais e municipais apresenta crônicos problemas econômicos, próprios de empresas estatais, não tendo, portanto, habilitação para tomar recursos financiados devido a baixa capacidade de endividamento e os serviços ineficientes. Além disso, o próprio sistema possui

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

página 11 1

baixa eficiência econômica, na medida em que programas de racionalização do uso da água entram em conflito com o faturamento da empresa ameaçando sua solvência. Em síntese, o sistema apresenta pouca eficiência e os resultados necessitam ser ajustados às metas preconizadas, de universalização do atendimento, eqüidade e custos adequados e eficientes.

1.2.4 Águas pluviais

Quando a precipitação é intensa e o solo não tem capacidade de infiltrar, grande parte do volume escoa para o sistema de drenagem, superando sua capacidade natural de condução de água. O excesso do volume que não con-segue ser drenado ocupa a várzea, inundando de acordo com a topografia das áreas próximas aos rios. Esses eventos ocorrem de forma aleatória, em função dos processos climáticos locais e regionais. Ele é conhecido como inundação ribeirinha.

Quando a população impermeabiliza o solo e acelera o escoamento através de condutos e canais, a quantidade de água que chega ao mesmo tempo no sistema de drenagem aumenta, produzindo inundações mais freqüentes do que as que existiam quando a superfície era permeável e o escoamento se dava pelo ravinamento natural. Esta inun-dação é devida à urbanização ou à drenagem urbana.

Esses dois efeitos podem ocorrer isoladamente ou combinados, mas geralmente as inundações ribeirinhas ocorrem em bacias de grande médio e portes (> 500 km2), no seu trecho onde a declividade é baixa e a seção de esco-amento é pequena, enquanto as inundações na drenagem urbana ocorrem em pequenas bacias urbanizadas (1 - 100 km2, cuja exceção são grandes cidades como São Paulo).

A tendência à urbanização das cidades brasileiras tem provocado impactos significativos na população e no meio ambiente. Esse processo é desencadeado principalmente pela forma como as cidades se desenvolvem, princi-palmente por projetos de drenagem urbana inadequados. Esses projetos têm como filosofia escoar a água precipitada o mais rápido possível da área projetada. Esse critério aumenta, em várias ordens de magnitude, a vazão máxima, a freqüência e o nível de inundação de jusante.

À medida que a cidade se urbaniza, em geral, ocorrem os seguintes impactos:• aumento das vazões máximas (em cerca de seis vezes) e da sua freqüência (decorrente do aumento da ca-

pacidade de escoamento através de condutos e canais e da impermeabilização do solo); • aumento da erosão, da produção de sedimentos e de resíduos sólidos;• deterioração da qualidade da água superficial e subterrânea, em virtude da lavagem das ruas, do transporte

de material sólido e das ligações clandestinas de esgoto cloacal e pluvial e da contaminação de aqüíferos;• em razão da forma desorganizada como é implantada a infra-estrutura urbana é implantada, verificam-se

os seguintes problemas: (a) obstrução do escoamento por pontes e taludes de estradas; (b) redução de se-ção do escoamento por aterros de pontes e para construções em geral; (c) deposição e obstrução de rios, canais e condutos por lixos e sedimentos; (d) projetos e obras de drenagem inadequados, com diâmetros que diminuem para jusante; (e) drenagem sem esgotamento, entre outros.

1.2.5 Resíduos sólidos

Os dois tipos principais de resíduos são os sedimentos gerados pela erosão do solo, resultante do efeito da precipitação e do sistema de escoamento, e os resíduos produzidos pela população. A soma dos dois compo-nentes é chamada de sólidos totais ou resíduos sólidos.

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 121

No desenvolvimento urbano, são observados alguns estágios distintos da produção de material sólido na drenagem urbana (Tdr), a saber:

(a) estágio de pré-desenvolvimento: a bacia hidrográfica naturalmente produz uma quantidade de sedimentos transportada pelos rios em decorrência das funções naturais do ciclo hidrológicos;

(b) estágio inicial de desenvolvimento urbano: quando ocorre modificação da cobertura da bacia, pela retirada da sua proteção natural, o solo fica desprotegido e a erosão aumenta no período chuvoso, aumentando, junto com ela, a produção de sedimentos. Disso tudo resulta: enquanto um loteamento é implementado, o solo fica despro-tegido e as ruas sem pavimento; cria-se erosão resultante do aumento da velocidade do escoamento a montante por áreas urbanizadas; na construção civil, por falta de manejo dos canteiros de obras, há grande movimentação de terra. Todo esse volume é transportado pelo escoamento superficial até os rios. Nessa fase, há predominância dos sedimentos sobre a quantidade de lixo;

(c) estágio intermediário: parte da população está estabelecida, ainda existe importante movimentação de terra por causa das novas construções. Em função da população estabelecida, existe também uma parcela de resíduos sólidos que se soma aos sedimentos;

(d) estágio de área desenvolvida: nesta fase, praticamente todas as superfícies urbanas estão consoli-dadas, resultando numa produção residual de sedimentos resultante das áreas não-impermeabilizadas, mas a produção de lixo urbano atinge seu limite, com a densificação urbana.

No Brasil, não existem dados que estimem a quantidade de resíduos sólidos na drenagem; conta-se ape-nas com algumas informações sobre sedimentos em alguns rios. No entanto, é visível a quantidade de resíduos na drenagem, que obstruem o escoamento.

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

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1.3 Interface entre os sistemas

O desenvolvimento atua sobre a ocupação do espaço urbano, definindo as necessidades da infra-estrutu-ra de água na cidade. As interações entre os sistemas são destacadas na figura 1.1 abaixo.

Figura 1.1 Interação entre os sistemas

O desenvolvimento urbano é, como já se viu, a fonte dos problemas. Vejamos por parte cada um dos ele-mentos que influenciam essa interface.

Abastecimento urbano: As principais interfaces com os outros sistemas são: (a) os esgotos sanitário e pluvial, que contaminam

os pluviais; (b) depósitos de resíduos sólidos (como aterros) podem contaminar as áreas de mananciais; (c) as inundações podem interromper o funcionamento do sistema de abastecimento.

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 141

Esgoto sanitário e drenagem urbana: As principais interfaces são: (a) quando a rede de coleta é mista, existe apenas uma rede, com comportamento

diverso nos períodos sem e com chuva; (b) quando a rede de coleta é separadora, existem interferências decorrentes da ligação do esgoto sanitário com a rede de drenagem e de águas pluviais no sistema de esgoto, tornando ineficiente o funcionamento.

Drenagem urbana, resíduo sólido e esgotamento sanitário: Se o sistema de coleta e limpeza dos resíduos é ineficiente, ocorre um grande prejuízo para o sistema de esco-

amento pluvial, resultante da obstrução dos condutos, dos canais e dos riachos urbanos; ademais, a erosão urbana modifica o sistema de drenagem, podendo destruir o sistema de esgotamento sanitário.

1.4 Política de saneamento ambiental

As maiores dificuldades para a implementação do planejamento integrado decorrem de:• limitada capacidade institucional dos municípios para enfrentar problemas tão complexos e interdisci-

plinares;• gestão municipal organizada sob a forma setorial;• inexistência de marco institucional e regulatório para o setor de saneamento. No projeto de lei nº 5296/2005 (Ministério das Cidades, 2005) encaminhado pelo governo ao Congresso, foram

definidos os principais elementos das diretrizes para o Manejo das águas pluviais. O art 2º, inciso I, define o que se entende por Saneamento Ambiental por

“- saneamento ambiental: o conjunto de ações com o objetivo de alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, compreendendo: o abastecimento de água; a coleta, o tratamento e a disposição dos esgotos e dos resíduos sólidos e gasosos e os demais serviços de limpeza urbana; o manejo das águas pluviais urbanas; o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças e a disciplina da ocupação e uso do solo, nas condições que maximizem a promoção e a melhoria das condições de vida nos meios urbano e rural;”

No artigo 2º, inciso III, é definido o que essa lei entende sobre o plano, o programa ou outra ação de go-verno, por:

“plano de saneamento ambiental: no que se refere a um determinado âmbito territorial, o conjunto de estudos, diretrizes, progra-mas, prioridades, metas, atos normativos e procedimentos que, com fundamento em avaliação do estado de salubridade ambiental, inclusive da prestação dos serviços públicos a ela referentes, define as soluções para a concretização de níveis crescentemente melhores de salubridade ambiental, inclusive a programação das ações e dos investimentos necessários para a prestação universal, integral e atualizada dos serviços públicos de saneamento ambiental;”

Ainda no artigo 2º, inciso VIII, é definido também o que a legislação entende por manejo de águas pluviais: “manejo de águas pluviais urbanas: a captação ou a retenção para infiltração ou aproveitamento, a coleta, o transporte, a reservação

ou contenção para amortecimento de vazões de cheias, o tratamento e o lançamento das águas pluviais.”Na seção V, artigo 9º, da legislação proposta, são definidas as diretrizes para o manejo das águas pluviais: “Art. 9o. São diretrizes para o manejo das águas pluviais urbanas:I - a promoção da concepção integradas e planejadas, articulando instrumentos de prevenção, minimização e gerenciamento das

enchentes, apoiado na adequada gestão do uso e da ocupação do solo;II - a garantia a toda população urbana do atendimento adequado por infra-estrutura e por ações de manejo das águas pluviais, com

vistas a promover a saúde, a segurança da vida e do patrimônio e a reduzir os prejuízos econômicos decorrentes das enchentes urbanas;III - o incentivo à valorização e ao uso adequado dos corpos d’água urbanos, sua preservação e recuperação e à promoção, sempre

que possível, de ações que priorizem:

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

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a) o equacionamento de situações que envolvam riscos à vida, à saúde pública ou perdas materiais;b) as alternativas de tratamento de fundos de vale de menor impacto no meio ambiente e que assegurem as áreas de preserva-

ção permanente e o tratamento urbanístico e paisagístico nas áreas remanescentes;c) a minimização da expansão de áreas impermeáveis; ed) a eliminação dos lançamentos clandestinos de efluentes líquidos e dos resíduos sólidos de qualquer natureza nos sistemas

de drenagem pluvial;IV - o incentivo ao aproveitamento das águas pluviais, condicionado ao atendimento dos requisitos de saúde pública e de

proteção ambiental pertinentes;V - a inibição do encaminhamento para o sistema público de drenagem urbana do acréscimo de escoamento superficial gerado

pela ocupação urbana do solo mediante sistema de incentivos e ônus vinculado ao uso adequado do serviço; eVI - a promoção das ações de educação sanitária e ambiental como instrumento de conscientização da população sobre a

importância da preservação das áreas permeáveis e o correto manejo das águas pluviais.“A Política Nacional de Saneamento Ambiental proposta estabelece nas disposições gerais (art 32º) que a

política deve (entre outros): “II - priorizar planos, programas e projetos que visem à implantação e ampliação dos serviços e ações de saneamento nas

áreas ocupadas por população de baixa renda;VII - minimizar os impactos ambientais relacionados à implantação e desenvolvimento das ações, obras e serviços de sanea-

mento e assegurar que sejam implementadas de acordo com as normas relativas à proteção ao meio ambiente, ao uso e ocupação do solo e à saúde;

IX - fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apropriadas e a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento ambiental;

X - promover a organização, o planejamento e o desenvolvimento do saneamento ambiental, com ênfase na capacitação gerencial e na formação de recursos humanos, considerando as especificidades locais e as demandas da população;

XI - adotar a bacia hidrográfica como unidade regional de referência para o planejamento das ações de saneamento ambiental; XII - promover o aperfeiçoamento institucional e tecnológico dos Municípios, visando assegurar a adoção de mecanismos adequados

ao planejamento, implantação, monitoramento, operação, recuperação, manutenção preventiva, melhoria e atualização dos sistemas de saneamento ambiental; e

XIII - promover alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação econômica e financeira dos serviços de saneamento am-biental, particularmente a gestão associada de serviços públicos de saneamento básico, nas situações em que haja interesse em desenvolver ações comuns a mais de um ente federativo.”

A legislação estabelece como um dos instrumentos da política, os Planos de Saneamento Ambiental, segundo o artigo 49. Os Planos de Saneamento Ambiental podem ser de âmbito nacional (PNSA), estadual, regional e muni-cipal.

A legislação proposta orienta-se pela implementação da promoção institucional da gestão integrada por meio do Plano de Saneamento Ambiental. É evidente que será necessário regulamentar esse instrumento no sentido de implementar os princípios da legislação proposta.

1.5 Proposta de programa nacional de águas pluviais

Os objetivos de um programa de drenagem sustentável são de reduzir a vulnerabilidade da população às inun-dações ribeirinhas, as que ocorrem na drenagem urbana, e a minimização dos impactos ambientais (Tucci, 2005).

A gestão das águas pluviais está na jurisdição municipal, mas a grande maioria dos municípios brasileiros

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não possui capacidade técnica para abordar e resolver esse tipo de problema. Além disso, os impactos resultan-tes das ações sobre o município são exportados para jusante, dentro da bacia hidrográfica.

Para atuar institucionalmente sobre esse problema, é necessário caracterizar que existem dois espaços, o interno e o externo à cidade. O espaço interno à cidade é de jurisdição legal e administrativa do município. O município espacialmente encontra-se dentro de uma ou mais bacias hidrográficas, para as quais exporta seus po-tenciais impactos, alterando a qualidade e a quantidade de água. Dessa forma, está na da jurisdição do estado ou da Federação, segundo a Lei de Águas de 1997 (artigo 12). Esse programa estabelece uma política de gestão em dois níveis: estadual e federal, chamado aqui de externo à cidade; e o municipal, interno à cidade (figura 1.2).

O programa é implementado por meio de um plano de ação em conjunto com os outros elementos do desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. A seguir, são apresentados os principais aspectos dos compo-nentes do programa dentro dos dois níveis.

Externo à cidade

Na figura 1.2, é apresentado um detalhamento dos componentes do programa, considerando de forma distinta esses dois espaços e a sua integração. O espaço externo é definido pela gestão estadual ou federal (de acordo com o domínio do rio). Para o controle externo, são definidas as condições que o município deve atender para minimizar a transferência de impactos para jusante. Já dentro do município, são estabelecidas as medidas para gerenciar o controle dos impactos nos limites da área urbana, reduzindo o impacto para a própria população e para jusante.

Como apresentado na figura 1.2, a Legislação de Água, no seu artigo 12, estabelece que estão sujeitas às outorgas as alterações de quantidade e qualidade. Portanto, ao contrário de estabelecer a outorga para cada conduto que entra nos rios principais da bacia, as cidades estariam sujeitas à preparação e à implementação do Plano Integrado de Saneamento Ambiental. Dessa forma, é realizada a ligação entre os planos de bacia (pelos estados e pela União) e o plano de cada cidade, integral ou parcialmente, existente dentro da bacia hidrográfica. Para tanto, é necessário regulamentar o artigo da legislação de recursos hídricos, que é de atribuição do Conselho de Recursos Hídricos. Essa é uma das atividades previstas pelo Plano de Ação.

Para que seja possível desenvolver esse programa, deve-se estabelecer a capacidade de gestão das en-tidades federais e estaduais para dar outorga e apoiar os municípios (figura 1). Os componentes da gestão são: gestão da outorga, apoio técnico, financiamento capacitação, desenvolvimento científico e tecnológico. A ges-tão da outorga, em âmbito federal, é de atribuição da Agência Nacional de Águas (ANA), portanto é necessário desenvolver os elementos técnicos e a capacitação que qualifique aquela agência a executar essa atividade. Da mesma forma, a Agência poderia desenvolver esse tipo de atividade para apoiar as entidades estaduais seguindo a mesma linha.

Os municípios não possuem capacitação para contratar ou mesmo acompanhar a preparação e a imple-mentação dos Planos. Cabe então aos poderes federal e estadual desenvolver escritório técnico de apoio aos municípios e de desenvolvimento de manuais e padrões que auxiliem a outorga e a preparação dos Planos. Essa atividade pode ser desenvolvida pelo Ministério das Cidades e por órgãos estaduais.

A capacitação está ligada diretamente à qualificação técnica e à motivação dos decisores em todos os níveis. O componente de Ciência e Tecnologia deve ser utilizado para o desenvolvimento de conteúdo necessário ao programa, para o qual não existem soluções adequadas.

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SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASILSaneamento ambiental e águas pluviais

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Figura 1.2 Interação entre os níveis de decisão

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O Financiamento é um dos componentes fundamentais do programa e se constitui dos seguintes elemen-tos principais:

• fonte de financiamento;• condicionantes para a tomada dos recursos e de uso pelo município;• Incentivos indutores; • revisão de recursos. Existem várias fontes de financiamento federal (apesar das dificuldades de disponi-

bilidade) que podem ser direcionadas para esse objetivo.Na etapa inicial do plano de ação, deve-se buscar reunir, nos ministérios, todas as fontes e verificar o

melhor direcionamento dentro das bases do programa. Os condicionantes para a obtenção dos recursos estão diretamente ligados à capacidade de endividamento dos municípios e aos condicionantes que devem existir no Plano da cidade para que seja possível a recuperação de custos. Os incentivos indutores relacionam-se com os subsídios para incentivar o município a se antecipar ao processo.

Considerando que não é possível que todas as cidades possam implementar esse processo ao mesmo tempo, foi necessário planejar algumas etapas de acordo com a dimensão da cidade, pois cidades maiores têm maior carga e maior impacto e possuem maior capacidade de investimento ou endividamento. Na tabela 1.1 abaixo, é apresentada a distribuição da população brasileira de acordo com o seu tamanho em população e os prazos para desenvolvimento do Plano e das Obras. Da mesma forma, são apresentados os investimentos totais necessários, considerando o manejo das Águas Pluviais. Esses números mostram que, em termos anuais, repre-sentam, no máximo 0,12 % do PIB brasileiro.

Tabela 1.1 Escalonamento do programa

Classificação dos municípios

P = população

Número de municípios

População em milhões

% da população

Prazo para conclusão dos

Planos

Prazo para Planos e conclusão das

obras(em anos)

Investimentos totais necessários

(R$ milhões)

P > 500 mil 30 45,257 27,25 5 11 7.615,1

100 < P < 500 mil 192 39,337 23,68 7 13 5.906,5

20 < P >100 1224 48,155 28,99 10 17 5.056,3

P < 20 mil 3061 33,363 20,08 14 24 2.802,5

Total 5507 166,112 100 21.380,3

Interno à cidade

O desenvolvimento e sua implementação na cidade depende do Plano Integrado de Saneamento Ambiental. Esse Plano, dentro do âmbito de Águas Pluviais, possui dois componentes fundamentais: (a) medidas não-es-truturais: legislação do uso do solo, programas, capacitação e fiscalização; essas medidas atuam principalmente controlando os impactos futuros; (b) medidas estruturais: envolvem as obras necessárias ao controle dos proble-mas existentes. O conjunto das obras é definido por um Plano para cada sub-bacia urbana, visando controlar os

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impactos já existentes e atender aos condicionantes estabelecidos para a alteração de quantidade e da qualidade a jusante da cidade.

Plano de ação

O Plano de Ação é entendido aqui como o conjunto de atividades que deverão ser desenvolvidas a cur-to, médio e longo prazos, para implementação do programa. Essas atividades foram escalonadas no tempo, de acordo com as fases apresentadas:

Fase I : FASE DA PREPARAÇÃO - nesta fase, são preparados os órgãos de governo para que possam desenvolver o externo à cidade. As atividades previstas são as seguintes:

• desenvolver a regulamentação do artigo 12 da Lei das Águas: (1) grupo de trabalho interministerial para a preparação da minuta de resolução para o Conselho de Recursos Hídricos; (2) discussão no âmbito do governo e no Conselho; (3) aprovação e divulgação;

• preparação de equipe para outorga na ANA e em entidades estaduais;• preparação de equipe no MC e em outros ministérios para a criação de documentos de base, o apoio aos

municípios e aos estados;• programa de capacitação: treinamento das equipes dos municípios, estados e entidade de fomentos e

população, por meio de um programa de capacitação abrangente. Foi previsto para esta fase o período de 1 ano.

Fase II : FASE DOS PLANOS - Nesta fase, os municípios passam a receber a outorga provisória antes de iniciar o Plano. Nesta fase, que envolverá um grande processo de esclarecimento à população e aos decisores municipais, será decisiva a ação do Ministério das Cidades e das entidades outorgantes, envolvendo eventos regionais por todo o país, esclarecendo as bases do programa e suas regras.

Fase III : DESENVOLVIMENTO DOS PLANOS - Acompanhamento e orientação dos Planos por todas as cidades e sua avaliação para a renovação da outorga pós-plano. Esta fase deverá ter um efeito de demonstração fundamental, no sentido de criar um movimento proativo dos municípios.

Fase IV : DESENVOLVIMENTO DAS OBRAS - Após os planos, seguir-se-á o desenvolvimento das obras e a implementação e a fiscalização das medidas não-estruturais. Deverá ser desenvolvida uma metodologia de acompanhamento e orientação aos municípios durante o processo.

Fase V : RENOVAÇÃO DAS OUTORGAS - Concluídas as obras, o programa se encerrará e as entidades outorgantes absorverão a capacidade gerencial de fiscalização do cumprimento dos padrões dos efluentes externos às cidades e o cumprimento das medidas estruturais internas, como condicionantes à renovação das outorgas.

A proposta apresentada aqui é um processo para a implementação de medidas sustentáveis, utilizando-se da estrutura existente dentro de um cenário de curto, médio e longo prazos. Provavelmente, esse programa sofrerá correção de rumo ao longo da sua implementação; no entanto, é fundamental que sejam mantidos os ob-jetivos e as metas a serem atingidas. Pode-se imaginar que 24 anos seja um período longo demais, mas cumpre lembrar que, num período menor que esse, os maiores problemas já deverão estar resolvidos, na medida em que o alto contingente populacional estará contido nas metas de curto prazo.

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REFERÊNCIAS

ANA, 2003 http://www.ana.gov.brIBGE, 1998 “Anuário Estatístico do Brasil”, 1997, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de

Janeiro, 1998 (CD-ROM)Ministério das Cidades, 2006. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos 2004. Sistema Nacional de

Informações sobre Saneamento SNIS. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Programa de Modernização do Setor Saneamento PMSS.

Ministério das Cidades, 2005. Projeto de Lei n. 5296/2005. Ministério das Cidades. MS, 1999 “Ministério da Saúde”, Home PageSUDERSHA, 2002. Medidas não-estruturais. Plano Diretor de Drenagem Urbana da Região Metropolitana

de Curitiba. CH2MHILL Engenharia do Brasil Ltda.TUCCI, C.E.M. 2005 Programa de Drenagem Sustentável Apoio ao Desenvolvimento do Manejo das Águas

Pluviais Urbanas. Ministério das Cidades. TUCCI, C.E.M. 2002. Gerenciamento da Drenagem Urbana, RBRH V7 N.1 p-5-25.TUCCI, C.E.M., 2003. Águas Urbanas. In: Inundações Urbanas da América do Sul. C. Tucci e J. Bertoni.

Capítulo 2. ABRH GWP. VEJA, 2004. A Multiplicação da pobreza. N.1857 9/06/2004. p82-86.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESBelo Horizonte

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2 Visão de Belo Horizonte José R. B. Champs, Ricardo M. Aroeira e Nilo O. Nascimento

2.1 Introdução

A visão da Cidade de Belo Horizonte descreve a situação atual do Saneamento Básico, apresentando a realidade de seus componentes, os aspectos de sua gestão e sua organização operacional, diagnósticos do funcionamento e avaliações de eficácia desses componentes. Sua elaboração foi orientada pela sistemática pro-posta pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, por intermédio da Unidade Gerenciadora do Programa de Modernização do Setor de Saneamento (UGP/PMSS), no contexto do convênio firmado entre este Ministério e a HYDROAID, entidade italiana de pesquisa e ensino associada a diversas entida-des universitárias e de gestão de águas urbanas daquele país. Um dos principais objetivos desse Convênio é o desenvolvimento da Gestão do Território e Manejo Integrado das Águas Urbanas.

2.2 Breve histórico da cidade

A Cidade de Belo Horizonte foi planejada em fins do século XIX para se tornar a nova capital do Estado de Minas Gerais, em substituição à Cidade de Ouro Preto. Sua inauguração deu-se em 8 de dezembro de 1897. A primeira ordenação do espaço ocupado pela nova cidade foi sua planta original (Monte-Mor et al., 1994 e Lemos 1988). Esse Plano estabeleceu o traçado básico do sistema viário, criando três espaços distintos de ocupação urbana, definidos por um zoneamento inicial: as zonas urbana, suburbana e rural. O projeto original definiu também usos específicos para algumas áreas dentro da zona urbana: área administrativa, bairro residencial de funcionários da administração, área hospitalar e um parque central, denominado Parque Municipal.

O projeto da cidade foi influenciado pelas concepções positivistas de urbanismo típicas do final do século XIV, caracterizadas, entre outros aspectos, pelo propósito de criar condições de higiene pública e de bem-estar que reduzissem os riscos de epidemias associadas a carências de saneamento básico. Para tal, a cidade deveria criar facilidades ao abastecimento domiciliar de água, ao escoamento de águas pluviais e servidas e à circulação do ar. A infra-estrutura viária deveria tanto facilitar a livre circulação de veículos quanto servir de base à implan-tação das redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário e pluvial. Em conseqüência, os cursos d’água urbanos foram incorporados ao traçado geométrico das vias (figura 2.1). O projeto contemplava ainda a implantação do tratamento de esgotos sanitários por um sistema de lagunagem localizado no Parque Municipal, nunca executado. Entretanto, o projeto original deixou de incorporar aspectos relevantes, tais como a ordena-ção e a infra-estrutura destinada aos bairros operários, que se formaram e se consolidaram fora da zona urbana, inicialmente ocupados pelos próprios operários engajados na construção da cidade. O elevado preço do solo urbano e a especulação imobiliária que logo se estabeleceu tornaram difícil o povoamento do espaço planejado, incentivando a ocupação desordenada das zonas suburbana e rural.

Por outro lado, segundo Baptista et al. (1997), as carências de infra-estrutura de interceptação e tratamen-to de esgotos sanitários converteram os cursos d’água urbanos em meros receptores de despejos sanitários e impediram que desempenhassem um papel secundário de composição da paisagem urbana. Em 1906, em razão

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da progressiva ocupação desordenada e insalubre, promoveu-se uma redefinição das zonas da cidade. Somente na década de 30, elaborou-se uma “Regulamentação Geral da Construção”, definindo padrões e normas constru-tivas em vilas já aprovadas. Promulgou-se, também nessa época, o Decreto Municipal 54, que tornou obrigatória a urbanização dos novos loteamentos. É importante destacar que esse Decreto estimulou a utilização dos fundos de vale, como locais prioritários para implantação de logradouros.

Figura 2.1 Planta Geral de Belo HorizonteComissão Construtora, 1895, apud Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997

Notar o projeto do sistema viário imposto sobre a hidrografia local

Na década de 40, foram estabelecidos o decreto 83/40, que regulamentou os serviços domiciliares de água e de esgotamento sanitário, e o de número 84/40, que definiu taxas de ocupação e gabarito de altura das edifi-cações além de outros critérios para a construção de edificações. Nos anos 60, surge uma nova legislação, modi-ficadora das condições de ocupação do solo, por intermédio do Decreto-Lei 271, de 28/2/67, que regulamentou o processo de parcelamento dos terrenos urbanos. Pretendeu-se, com essa legislação, substituir a ocupação urbana desordenada por um novo modelo no qual o lote seria oferecido juntamente com a moradia. O melhor exemplo dessa política é o Bairro Cidade Nova. A década de 70 foi marcada pela preocupação com o desenvol-vimento urbano, refletindo as elevadas taxas de crescimento da população urbana verificadas em quase todo o Brasil. Os dados censitários das décadas de 60 a 80 revelam que Belo Horizonte cresceu a taxas da ordem de 8% ao ano. Em âmbito federal, essa preocupação se reflete nas leis complementares federais 14/73 e 27/75, que estabeleceram as Regiões Metropolitanas. Em Minas Gerais, as leis estaduais n° 6.695/75 e n°6.765/76 trouxeram

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESBelo Horizonte

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a regulamentação da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e instituíram o Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Plambel), extinto em 1995, pelo decreto estadual.

Em 1976, entrou em vigor o Plano de Ocupação do Solo da RMBH e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo em Belo Horizonte. Em 1979, foi promulgada a Lei Federal n° 6.766, que instituiu novas exigências jurídi-cas e técnicas para a implantação e a comercialização de loteamentos urbanos, e institucionalizou a interferência da instância metropolitana na questão. Os anos 80 caracterizaram-se pela implantação de inúmeros loteamentos e conjuntos populares, tais como o Jardim Felicidade, o Conjunto Paulo VI e o loteamento do Taquaril, em fla-grante desacordo com as leis de parcelamento vigentes e ocupando áreas inadequadas à urbanização, além de serem desprovidas de infra-estrutura.

A preocupação com a institucionalização do planejamento urbano, já manifesta na década de 70, prosse-gue com a promulgação das Leis Municipais n° 7.165 e n° 7.166, de agosto/96, que contêm, respectivamente, o Plano Diretor Municipal e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. No corpo da Lei n° 7.166, encontra-se o Plano de Classificação Viária do município, contendo as diretrizes da articulação do sistema viário municipal. Reflete-se, nessa nova regulamentação urbana, a preocupação com os impactos do adensamento e do cresci-mento das taxas de impermeabilização de solos sobre a infra-estrutura urbana existente e sobre o meio natural. No que se refere ao controle de efeitos da impermeabilização sobre a geração de escoamentos de origem pluvial, a lei incorpora o emprego de técnicas compensatórias do tipo reservatórios domiciliares de águas pluviais.

2.3 Dados demográficos, econômicos e sociais

2.3.1 Demografia

O município apresenta uma população de 2.350.433 habitantes (IBGE - 2004), inserida numa região me-tropolitana (RMBH) que, no ano 2001, já contava com 4,3 milhões de habitantes, distribuídos em 34 municípios (figura 2.2).

2.3.2 Economia

Na composição estrutural do PIB de Belo Horizonte, o setor terciário (serviços e comércio) corresponde a 80% da riqueza produzida no município. Em contraste, o setor agropecuário não existe. Já o setor industrial par-ticipa com cerca de 20% do produto, englobando importantes ramos dessa atividade (PBH-SMPL-2.000).

Entre os anos de 1993 a 1999, o PIB municipal evoluiu favoravelmente, atingindo, no final desse período, a cifra de R$ 19 bilhões (PBH). Belo Horizonte encontra-se no centro da Região Metalúrgica de Minas Gerais, a mais rica do estado (figura 2.3). A arrecadação municipal em 2003 foi de R$ 3.700 milhões, cuja evolução é mostrada na tabela 2.1.

Pop. 2,3 milhõesDensidade: 68 hab./ha

Pop. Ocupações informais: 400 milCrescimento período 1991/2000: 1,12 a.a

Figura 2.2 Evolução populacional em Belo Horizonte

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2GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 24

Financiamento do serviço de drenagem pluvial

O serviço de drenagem é totalmente financiado com recursos oriundos da arrecadações tributária e fiscal feitas pelo município. Não existem fontes de receitas exclusivas para esse serviço.

No Programa Drenurbs, em seu componente de Fortalecimento institucional, serão feitos estudos objeti-vando a implantação de modelo de gestão para a drenagem, com a perspectiva de instituir formas de sua susten-tabilidade financeira. Esses estudos serão desenvolvidos a partir de 2005, com previsão de conclusão em 2006.

Tabela 2.1 Evolução da arrecadação municipal, de 2000 a 2003 (em R$)

ANOS ICMS OUTRO TOTAL

2000 2.120.239.815 313.382.363 2.433.622.178

2001 2.614.034.488 434.333.768 3.048.368.256

2002 2.844.508.031 492.310.874 3.336.818.905

2003 3.244.337.285 456.228.306 3.700.565.591

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESBelo Horizonte

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A Região Metalúrgica de Minas Gerais é uma das mais ricas do País em recursos minerais, detendo importantes reservas de ferro, ouro, manganês e calcário. Essa região abriga, ainda, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que, além da própria capital, inclui mais 33 municípios. Na RMBH, localiza-se um complexo industrial onde se destacam os setores de mineração, siderurgia, automobilístico, mecânica, têxtil, elétrico, autopeças e cimento.

Figura 2.3 Região Metalúrgica de MG

2.4 Unidades da administração municipal responsáveis pela gestão da drenagem

As unidades municipais com responsabilidade de gestão na drenagem são as seguintes:

Smurbe - Secretaria Municipal de Políticas Urbanas: Órgão da Administração Direta de 1o. grau hierárquico, subordinado ao prefeito municipal de Belo Horizonte – Lei n°. 9.011/2005, Decreto n° 11.918, de 1º de janeiro de 2005.

Missão: Articular a definição e a implementação das políticas de desenvolvimento urbano e ambiental do município, de forma integrada e intersetorial, visando ao pleno cumprimento das funções sociais da cidade.

Sudecap - Superintendência de Desenvolvimento da Capital: Autarquia criada pela Lei n° 1.747, de 9 de dezembro de 1969, com alterações introduzidas pela legislação posterior, tem seu objetivo circunscrito à implementação da política governamental para o Plano de Obras do município e ao planejamento e execução dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, segundo o disposto no Convênio de Gestão Compartilhada firmado com o Estado.

Competências Legais:• Elaborar projetos e executar obras em colaboração com a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas e

demais órgãos da administração municipal;• Executar os serviços e as obras de manutenção dos bens imóveis e logradouros públicos;• Prestar suporte técnico e administrativo ao Conselho Municipal de Saneamento - Comusa;• Gerenciar, por delegação específica, os contratos de obras e serviços de engenharia firmados pelo muni-

cípio, empenhados pela Secretaria Municipal de Política Urbana.No cumprimento de sua missão, cabe à Sudecap implementar a manutenção e a expansão do sistema de

drenagem urbana no ambiente urbano da cidade formal.

Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - Urbel: A Lei n° 9.011, de 1° de janeiro de 2005, em seu artigo 111, autoriza o executivo a promover atos de alteração dos objetivos da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte S.A. - Urbel, cuja constituição inicial como Ferro de Belo Horizonte S.A. - Ferrobel, ocorreu median-te autorização contida na Lei nº 899, de 30 de outubro de 1961, para circunscrevê-los, em colaboração com a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas - Smurbe, às seguintes atividades:

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• Coordenação e execução de projetos e obras de urbanização de vilas e favelas, em colaboração com os órgãos da Administração Municipal;

• Habitação popular em vilas e favelas;• Coordenação da estratégia de intervenção em áreas de risco no município;• Urbanização, reurbanização e administração de patrimônio imobiliário do Poder Público Municipal de

áreas classificadas em ZEIS-1;• Atividades de cooperação em nível técnico e de execução com a Administração Direta do Executivo,

mantidos os demais objetivos legais e estatutários;• No cumprimento de sua missão, cabe à Urbel implementar o sistema de drenagem pluvial nos locais de

ocupação informal (vilas e favelas).

Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana (SMARU): Tem basicamente duas funções:• Orientar e fazer cumprir a legislação que regulamenta as atividades urbanas no município de Belo

Horizonte; • Assegurar o conforto urbano para a população de Belo Horizonte, por meio da utilização de instrumen-

tos urbanísticos atualizados.

No cumprimento de sua missão, cabe à SMARU orientar e analisar, para fins de aprovação, os novos par-celamentos do solo urbano do município. Nesse contexto, também é feita a análise dos projetos de drenagem pluvial desses parcelamentos.

2.5 Características físicas

2.5.1 Localização

O município de Belo Horizonte localiza-se na região Sudeste do Brasil, sendo delimitado pelas latitudes 19° 46’ 35” e 20° 03’ 34” sul e pelas longitudes 43º 51’ 27” e 44° 03’ 47” oeste, de Greenwich (figura 2.4). Ocupa uma superfície de 331 km2, sendo que sua área urbanizada abrange 94% desse total (figura 2.4). Seu perímetro é de 120 km, dos quais 102 km encontram-se em espigões divisores de bacias hidrográficas (85% do total). Belo Horizonte tem divisas ao sul com os Municípios de Nova Lima e Brumadinho, a leste com Sabará e Santa Luzia, ao norte com Santa Luzia e Vespasiano e a oeste com Ribeirão das Neves, Contagem e Ibirité.

O município localiza-se na região central do Estado de Minas Gerais, uma das mais ricas do País em re-cursos minerais, detendo importantes reservas de ferro, ouro, manganês e calcário - utilizado principalmente na produção de cimento. Essa área abriga a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que, além da própria capital, inclui outros 33 municípios, perfazendo um total de 9.459,10 km2. Na RMBH, localiza-se um complexo industrial onde se destacam os setores de mineração, siderurgia, automobilístico, mecânica, têxtil, elétrico, au-topeças e cimento.

2.5.2 Hidrografia

Todo o território do município situa-se na bacia hidrográfica do Rio das Velhas, afluente do Rio São Francisco. O município ocupa as bacias dos Ribeirões Arrudas e da Onça, ambos afluentes da margem esquerda

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do Rio das Velhas. Dos demais 43,4 km2 de área da bacia, 13% situam-se em Contagem, a montante do município de Belo Horizonte, e 8% em Sabará, a jusante de Belo Horizonte.

O Arrudas tem uma extensão total de 58 km desde sua nascente (Córrego Jatobá) até sua foz. Recebe 35 afluentes diretos, sendo 28 em Belo Horizonte, 1 em Contagem e 6 em Sabará. Sua vazão máxima para o tempo de retorno de 200 anos foi estimada em 980 m3/s à época do dimensionamento da canalização atual do curso d’água. A bacia do Ribeirão da Onça abrange uma área de 212 km², dos quais 78,58% estão em Belo Horizonte, o que representa 50% da superfície do município, sendo que os 24,42% restantes localizam-se em Contagem, igual-mente a montante do município de Belo Horizonte. O Ribeirão da Onça tem uma extensão de 38 km, desde sua nascente (Córrego Sarandí) até sua foz e recebe 28 afluentes diretos, todos em Belo Horizonte. A vazão máxima para um tempo de retorno de 200 anos foi estimada em 555 m3/s.

Figura 2.4 Localização e mancha urbana do município de Belo Horizonte:94% da superfície do município encontra-se parcelada e

6% correspondem a área de preservação(Plano Diretor de Drenagem de Belo Horizonte, Sudecap, 1999)

Apenas 2% do município são ocupados por bacias tributárias diretas do Rio das Velhas. Os afluentes dos Ribeirões Arrudas e da Onça recebem, por sua vez, diversos outros afluentes, perenes ou intermitentes, totalizan-do aproximadamente 700 km de cursos d’água. Desse total, 200 km encontram-se canalizados, invariavelmente adotando-se o revestimento em concreto armado, a grande maioria em seção coberta (figura 2.5).

2.5.3 Clima

O clima predominante na Região Metropolitana de BH é o tropical de altitude, apresentando um regime pluvial com média anual de cerca de 1.500 mm. O período chuvoso estende-se entre os meses de outubro e março e concentra cerca de 90% do total pluviométrico anual, sendo que o mês de dezembro apresenta a maior média mensal de precipitação, 315 mm. O regime térmico da área apresenta oscilações suaves, com temperatura

BRASIL

MG

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média mensal variando de 18,1oC, em julho, a 23,6oC, em fevereiro. A variação da umidade relativa do ar durante o ano apresenta-se coerente com o regime pluvial, com valores da ordem de 75% no período chuvoso e 60% no período seco.

A variação anual do número de horas de insolação vai de 4,8 a 8,8 horas, observando-se os valores maio-res no período seco do ano. Por outro lado, a radiação solar diária incidente varia de 180 a 260 watt/m2, obser-vando-se os maiores valores no verão, notadamente em janeiro e fevereiro. A evapotranspiração potencial diária média mensal varia de 2,7 a 5,1 mm, considerando-se albedo de 10%, correspondente a um solo escuro. De forma similar ao observado para a radiação, os maiores valores são observado no verão.

Figura 2.5 Hidrografia das bacias Onça e ArrudasPlano Diretor de Drenagem – Sudecap, 1999

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A tabela 2.2 apresenta características climáticas médias mensais em Belo Horizonte, obtidas a partir das in-formações disponíveis relativas às estações climatológicas do Horto (1961-1978), de Lourdes (1936-1969), operadas pelo 5º Distrito Meteorológico do INMET, e dados fornecidos pela Cemig (1961-1990), segundo Pinheiro (1993).

Tabela 2.2 Dados climatológicos médios mensais de B. Horizonte (Pinheiro, 1993)

Variável Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Temperatura (oC) 22,8 23,2 23,0 21,1 19,8 19,5 18,1 19,0 21,0 21,9 22,2 22,2

Umidade Relativa (%) 79,0 75,1 74,7 73,9 72,5 71,4 68,7 64,5 65,1 69,8 74,1 78,0

Precipitação (mm) 296 188 164 61 28 14 16 14 41 123 228 319

Dias de chuva 17,4 15,3 10,9 6,9 3,7 2,3 2,7 1,8 4,6 12,2 16,7 17,3

2.5.4 Geomorfologia e permeabilidade do solo

A área de implantação da cidade caracteriza-se por um relevo ondulado, com declive contínuo, da Serra do Curral, parte do Complexo do Espinhaço, ao sul, ultrapassando a Bacia do Ribeirão Arrudas e atingindo a Bacia do Ribeirão da Onça, ao norte. Há uma predominância de colinas de topo plano a arqueado com encostas côn-cavo-convexas e altitudes entre 800-900m, formadas pela dissecação fluvial das áreas gnáissicas. O relevo plano ocupa 10% da área do município, enquanto o ondulado ocupa 70% e o montanhoso 20%. A altitude mínima é de 685 m na foz do Ribeirão da Onça e a máxima é de 1.583 m na Serra do Cachimbo.

A fisiografia de Belo Horizonte apresenta-se bastante diversificada e estreitamente vinculada às proprie-dades geológicas de seu substrato. Essencialmente distinguem-se três domínios geológicos e geomorfológicos fundamentais: o “Domínio do Complexo de Belo Horizonte”, instalado entre o compartimento de relevo acidenta-do do Quadrilátero Ferrífero e o relevo suave da bacia sedimentar do Grupo Bambuí; o “Domínio das Seqüências Metassedimentares”, ao sul do município e, finalmente, as coberturas cenozóicas descontínuas, que poderiam ser agrupadas no ‘Domínio das Formações Superficiais”.

A permeabilidade do solo no município foi amplamente verificada por estudos desenvolvidos em 1999 e 2000, por ocasião da elaboração da primeira etapa do Plano Diretor de Drenagem (PDDU-BH). Esses estudos fo-ram feitos levando-se em conta o conjunto das bacias elementares, sendo que cada qual teve sua caracterização quanto à permeabilidade / impermeabilidade do solo.

2.6 Política municipal de saneamento

O Município de Belo Horizonte apresenta índices elevados de cobertura por serviços de saneamento, quando comparados à realidade nacional, mas não se pode dizer que a situação seja satisfatória, já que cerca de 230 mil pessoas não têm seus esgotos coletados, mais de 100 mil não são atendidas por coleta de lixo, 45 mil pessoas vivem em áreas sujeitas a risco de deslizamento de encosta ou de inundação e o sistema de córregos e canais está poluído.

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Para alterar a forma de abordagem setorial e estanque, tradicionalmente utilizada para planejar e imple-mentar ações e serviços de saneamento, responsável inclusive por conseqüências nefastas ao sistema de drena-gem, que a Administração Municipal de Belo Horizonte concebeu a Política Municipal de Saneamento, materia-lizada na Lei n° 8.260/2001, institucionalizada e em processo de implementação, com a instalação do Conselho Municipal de Saneamento (Comusa), a operacionalização do Fundo Municipal de Saneamento (FMS) e a edição da primeira versão do Plano Municipal de Saneamento “2004/2007 - Saneamento para Todos”.

Foi estabelecida uma nova forma de gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sa-nitário, que preserva a atuação local da Companhia Estadual (Copasa), num arranjo de gestão compartilhada desses serviços. Estabeleceu-se uma efetiva participação na arrecadação de receitas, cujo montante é destinado diretamente a uma conta do FMS, que se reverte em investimentos definidos no Plano Municipal de Saneamento (PMS), aprovado pelo Comusa. É importante ressaltar que o repasse de recursos tarifários ao FMS não desonera a Copasa de suas responsabilidades com os investimentos em expansão, operação, manutenção e modernização dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de Belo Horizonte.

Nesse novo modelo, as prioridades de investimentos em saneamento são definidas pelo planejamento único no PMS, iniciativa situada entre as pioneiras no País, que incorpora uma lógica de planejamento inédita em capitais brasileiras. É importante destacar ainda que, segundo a Lei n° 8.260/2001, o PMS é o único instrumento hábil disciplinador da aplicação dos recursos financeiros do Fundo Municipal de Saneamento, estando inclusive vedadas quaisquer outras destinações.

O PMS foi elaborado segundo uma metodologia que definiu indicadores e índices setoriais das cinco áreas tradicionalmente incluídas no saneamento ambiental, resultando na formatação do Índice de Salubridade Ambiental (ISA), que, somado a critérios como o adensamento demográfico e a existência do planejamento das intervenções em vilas e favelas, além da consideração dos programas de saneamento já em curso na cidade, cul-minou com a hierarquização das 99 bacias hidrográficas elementares que compõem o território do município. A partir de uma metodologia que incorporou as bases e os conceitos do Plano Diretor de Drenagem, e que utiliza recursos modernos de geoprocessamento, planeja-se, com maior segurança, os investimentos prioritários em ações e serviços de saneamento em Belo Horizonte.

O PMS foi concebido como um processo dinâmico de planejamento das ações e dos serviços de sanea-mento na cidade. Para tanto, programou-se um monitoramento permanente dessas ações e serviços de forma que seja possível aprimorar sua gestão por meio da avaliação, da produção e da divulgação sistemática de dados e de informações atualizadas e confiáveis. Por outro lado, é preciso ter dêem mente que a implementação da Política Municipal de Saneamento e o processo de elaboração e atualização permanente do PMS não são ações suficientes para dar resposta a todas as problemáticas aqui levantadas. É preciso dar outros passos fundamentais para a efetiva consolidação de uma gestão setorial do manejo das águas pluviais urbanas, sem prejuízo da visão e da prática intersetorial e integrada, para obter o efetivo saneamento ambiental. Para bem integrar, é preciso construir bases setoriais consistentes no campo institucional, equacionar conflitos internos de competências dentro da administração e viabilizar mecanismos de financiamento de novos investimentos e de manutenção do sistema de drenagem.

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2.7 Infra-estrutura de saneamento

2.7.1 Drenagem pluvial

Em 2001, foi executado um levantamento de campo para o cadastro do sistema de drenagem pluvial de todo o município, abrangendo toda a microdrenagem e toda a malha da macrodrenagem. Foram cadastrados 4.270 quilôme-tros de vias (11,2 mil logradouros), registrando-se a infra-estrutura de drenagem superficial com suas 64 mil bocas-de-lobo, 11,5 mil poços de visita, 1.100 pontos de lançamento de águas pluviais, 4.400 dispositivos diversos (não-confi-gurados como elementos-padrão de infra-estrutura de drenagem adotados no município) e 768 km de redes tubulares. Do mesmo modo, foram também percorridos 285 km do sistema de macrodrenagem, sendo minuciosamente levanta-dos 177 km de galerias e 108 quilômetros de canais em leito natural de 210 diferentes cursos d’água.

As drenagens naturais, constituídas pelos talvegues e cursos d’água, tiveram seu cadastro complementado por levantamento cartográfico, culminando com o inventário de cerca de 1.000 cursos d’água em todo o municí-pio, abrangendo desde os pequenos filetes d’água até os maiores corpos receptores.

A expansão da infra-estrutura de drenagem é feita a partir de elementos estabelecidos na padronização contida no Caderno de Encargos da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), bem como nas “Instruções Técnicas para Elaboração de Projetos - Microdrenagem”, também da mesma Autarquia. As “Instruções” para a Macrodrenagem encontram-se em fase de elaboração. Os dados cadastrados estão arma-zenados em um Sistema de Informações Geográficas denominado SIG-Drenagem, com utilização de plataforma gráfica espacial.

A partir de 2005, etapas fundamentais de aprimoramento e modernização do serviço de drenagem no município terão início. Entre essas etapas, encontra-se a criação do Serviço Hidrológico Municipal, com a im-plantação de uma rede de monitoramento hidrológico, atualmente em fase de licitação pública, que tem entre seus objetivos contribuir para o conhecimento do funcionamento real do sistema de drenagem pluvial, para o aprimoramento da modelagem hidrológica e hidráulica desse sistema, e para a avaliação de efetividade de ações de controle de inundações e de redução da poluição dos cursos d’água urbanos empreendidas no contexto do Plano Diretor de Drenagem, tema que será tratado em itens subseqüentes. Uma outra etapa em fase de imple-mentação é o programa de atualização tecnológica, tendo por objetivos a aferição da eficácia dos elementos utilizados nos procedimentos atuais de drenagem (e.g.: eficiência de captação de bocas-de-lobo e emboques) e o desenvolvimento ou a adaptação ao contexto urbano e climático de Belo Horizonte de novas tecnologias de drenagem, tais como as chamadas soluções compensatórias.

Desde a fundação da cidade, constatam-se ocorrências de inundações, destacando-se as enchentes de 1908 e 1916, que levaram à canalização do Ribeirão Arrudas em 1928. A poluição dos cursos d’água foi outra conseqüência nefasta da percepção inadequada do papel dos recursos hídricos no plano da cidade. O avanço da urbanização e o conseqüente uso do solo passaram a provocar a redução do armazenamento natural dos deflú-vios, os quais se transferiram para outros locais no interior da cidade, gerando novas ocorrências de inundações, repetidas a cada estação chuvosa e sempre de forma evolutiva.

A política de controle das inundações prevalecente no município até fins do século XX foi a da evacuação rápida das águas, por meio do aumento da velocidade dos escoamentos obtidos pela retificação e pelo revesti-mento dos leitos naturais dos cursos d’água. Essas foram as soluções adotadas pelos engenheiros responsáveis pelas questões de drenagem urbana, com o propósito de solucionar o problema da perda do armazenamento natural das águas pluviais.

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Planos

Duas importantes tentativas de planejar o sistema de macrodrenagem foram elaboradas na década de 70:

1975 - Plano metropolitano de águas pluviais e proteção contra cheias da RMBH: Elaborado pela Fundação João Pinheiro, com recursos do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - Serfhau. Objeto do Plano: “levantamento de dados, análise e proposições para a concepção do sistema de drenagem e controle de cheias e de recomendações gerais para a execução de trabalhos futuros.” Resumiu-se a uma apresentação de plantas das principais bacias hidrográficas da cidade e a um elenco de recomendações de ordem metodológica para a definição de critérios e parâmetros hidrológicos.

1979 - Plano de urbanização e saneamento de Belo Horizonte - Planurbs: Esse plano foi ela-borado pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital - Sudecap. Propôs a retificação e a canaliza-ção de todos os cursos d’água do município, associando as necessidades de implantação de interceptores de esgotos com empreendimentos viários estruturantes (avenidas sanitárias), a serem implementados pela municipalidade. Essas tentativas de planejamento não trouxeram solução para os problemas de inunda-ções; ao contrário, contribuíram para promover a exclusão de cursos d’água, principalmente daqueles situ-ados nas áreas centrais e em outras mais adensadas da cidade, e também não promoveram o saneamento das águas circulantes. Os impactos negativos dessas ações inadequadas de drenagem urbana puderam ser constatados com a realização do cadastro físico da macrodrenagem no escopo da 1a Etapa do Plano Diretor de Drenagem nos anos de 1999 e 2000, em que se concluiu que todos os córregos existentes na mancha urbana da cidade estão contaminados por esgotos sanitários.

Até os dias atuais, um número próximo a 200 km de cursos d’água foi submetido a essa concepção técnica de canalização associada à urbanização dos respectivos fundos de vale, onde, quase sem exceção, receberam via de tráfego do tipo avenida sanitária. Considerando-se um custo médio de US$ 7 milhões para cada quilômetro de canal com avenida, tem-se que foram aplicados investimentos que totalizam US$ 1,4 bilhão em 100 anos, somente no sistema de macrodrenagem da Cidade de Belo Horizonte.

A crise do sistema existente de drenagem

A crise do sistema existente de drenagem pluvial em Belo Horizonte apresenta-se sob três aspectos: o custo ambiental, o custo financeiro e o funcionamento inadequado das canalizações da macrodrenagem.

O custo ambiental do sistema tradicional de drenagem encontra-se, sobretudo, na exclusão dos cursos d’água do cenário urbano, na poluição de suas águas por esgotos sanitários e na poluição difusa de origem pluvial (a saber, resíduos sólidos urbanos, sedimentos, hidrocarbonetos, metais pesados e outros). As justi-ficativas em geral apresentadas para essa exclusão e a conseqüente implantação de canalizações são feitas sob os seguintes argumentos: (a) o curso d’água transformou-se em esgoto a céu aberto; (b) a comunidade deseja a canalização; (c) a canalização é necessária para viabilizar a implantação de uma via; (d) a canalização possibilita a implantação dos interceptores de esgotos; (e) a canalização facilita a manutenção do córrego; e (f) o córrego deve ser canalizado para aumentar a velocidade de escoamento, reduzir a profundidade de esco-amento para a cheia de projeto e, conseqüentemente, reduzir as ocorrências de inundações.

Outro aspecto da crise é a pouca disponibilidade financeira da prefeitura para dar continuidade à construção de um caro sistema de canalizações, além dos custos inerentes à sua manutenção. Somada a

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essa dificuldade está também a escassez de programas de financiamento de obras públicas aos municípios por parte da União. De fato, diversas grandes obras de regularização de cheias em cidades brasileiras foram, no passado, planejadas e executadas com recursos da União, em que o antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) desempenhava papel destacado. Há pouco mais de uma década, os municí-pios ainda podiam contar com financiamentos para drenagem oriundos da União por meio de programas do tipo Fidren e FAS, geridos pela Caixa Econômica Federal. Mais recentemente, o programa Prosaneamento, da Secretaria de Política Urbana (Sepurb) do Ministério do Planejamento, impunha maiores exigências para financiamento de programas municipais de drenagem urbana em comparação com outros tipos de empre-endimentos de saneamento. O tratamento hierárquico seguia a seguinte ordem: esgotamento sanitário; abastecimento de água; resíduos sólidos; e, por último, a drenagem urbana. A taxa de juros anual para a drenagem era de 8%, enquanto, para os outros programas, era de 5%. Do mesmo modo, discriminou-se também a contrapartida do município, sendo de 20% para a drenagem e de 10% para os outros sistemas. As condições para análise de engenharia das solicitações de financiamento também eram mais exigentes para a drenagem.

Desse modo, recai atualmente sobre as administrações municipais o fardo mais pesado do ônus financeiro dos custos de implantação e manutenção dos sistemas de prevenção e controle de inundações. O que ainda agrava essa situação é o fato de os municípios não disporem de meios de tributação pela pres-tação desses serviços. Assim, as prefeituras encontram-se desprovidas de condições financeiras para arcar com os elevados custos das novas obras e de manutenção do serviço municipal de drenagem, forçando a busca de soluções alternativas de menor custo.

O último aspecto da crise do sistema de drenagem é o seu funcionamento insatisfatório. Apesar das grandes somas dos recursos financeiros investidos na drenagem, Belo Horizonte continua padecendo com inundações. Muitos dos canais implantados funcionam de maneira inadequada, não comportando as va-zões para as quais foram projetados e recebendo cargas de entulhos que obstruem a passagem das águas. Entre as causas da deficiência de funcionamento de muitos desses canais, estão às interferências com ou-tros componentes da infra-estrutura urbana, tais como a rede coletora de esgotos, adutoras, lançamentos indevidos de resíduos sólidos, assoreamento, ocupação das margens pela população de baixa renda etc. Outros problemas decorrem do emprego, ao longo de muitos anos, de metodologias de cálculo hidrológi-co e hidráulico simplistas em face da complexidade adquirida pelo sistema (e.g.: métodos adaptados do método racional para o cálculo de hidrogramas de cheia, dimensionamento de canais em regime de esco-amento uniforme, sem verificação do comportamento do sistema em condições de escoamento variado e não-permanente, não consideração de efeitos de singularidades e de confluências sobre o escoamento, entre outros) e da ausência de monitoramento hidrológico.

Os registros de inundações na cidade vêm sendo feitos desde a década de 20 do século passado. Analisando a figura 2.6, podem ser observados dois momentos distintos na série histórica de inundações. Na passagem da década de 30 para a década de 40, tem-se um primeiro pico de ocorrências de enchentes; entre 1960/1980, um segundo, bem mais elevado que o anterior. Entre esses dois picos, a década de 50 é marcada por nenhuma ocorrência de inundação.

Segundo RAMOS (1998), o primeiro pico de ocorrência de inundações pode estar relacionado com o primeiro avanço imobiliário na cidade no final da década de 20, conjugado com a intensa ocupação da zona urbana no final da década de 30. O segundo pico, por sua vez, pode ser reflexo do boom do processo de urbanização e parcelamento do solo e do crescimento populacional do final da década de 60.

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Figura 2.6 Evolução populacional x ocorrências de inundaçõesSudecap, 2005

Na imprensa, as notícias de inundações passaram a ser mais freqüente ao final dos anos 60. Nesse perío-do, e ao longo dos anos 70, diversos eventos de inundações foram observados nos afluentes do Ribeirão Arrudas e em córregos da bacia do Ribeirão da Onça (figura 2.7).

Novos métodos de cálculo baseados em meios computacionais permitiram que outros elementos inter-venientes no ciclo da água pudessem ser incorporados aos critérios para dimensionamento das estruturas do sistema de macrodrenagem. O fato é que as dimensões das canalizações já implantadas revelaram-se insuficien-tes para o escoamento das cheias de projeto quando submetidos a uma análise por meio desses novos proce-dimentos.

A persistência crônica dessa crise revela uma deficiência de caráter estrutural na instituição administrativa do município para com a drenagem urbana. De fato, Belo Horizonte, assim como as cidades brasileiras de um modo geral, não dispõe de uma estrutura de gestão para esse serviço. Quando muito, existem apenas instru-mentos legais para aprovação de novos parcelamentos do solo urbano (incluindo-se a planta de drenagem), para a construção da infra-estrutura de drenagem das novas vias implantadas pela municipalidade e, por fim, para a conservação do patrimônio físico instalado. Como conseqüência inevitável dessa “não-gestão” está a falta de sustentabilidade para a operação do sistema, tanto no que se refere à sua manutenção quanto ao atendimento pleno de seu objetivo básico, que é o controle das inundações.

Pode-se, portanto, concluir que o sistema de drenagem em Belo Horizonte carece de uma estrutura institu-cional de gestão, com atribuições claramente definidas para cada unidade da Administração Municipal envolvida

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no trato do problema. No que se refere à sustentabilidade financeira do sistema, também não há, instituída, uma forma permanente de financiamento, não havendo cobrança de taxas ou tarifas para o serviço de drenagem urbana. A alternativa de cobrança pelo serviço de drenagem urbana como forma de financiamento do sistema e, caso viável, como forma de incitação à menor impermeabilização ou ao emprego de técnicas compensatórias, é tema a ser estudado no contexto do Plano diretor de drenagem urbana.

Figura 2.7 Mapa das ocorrências de inundações no período 1922–2002 (80 anos)Sudecap, 2005

OCORRÊNCIAS DE INUNDAÇÕES NO PERÍODO DE 1922 A 2002

01 A 10 OCORRÊNCIAS

11 A 20 OCORRÊNCIAS

21 A 30 OCORRÊNCIAS

MAIS DE 30 OCORRÊNCIAS

DIVISORES DE BACIAS ELEMENTARES

LIMITE DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE

SEM ESCALA

LEGENDA

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE

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Tendências para a drenagem urbana

O desejo das comunidades urbanas de canalizar os córregos é uma aspiração legítima, porém equivocada. É legítima porque reflete a vontade de se livrar de problemas decorrentes da falta de saneamento, da poluição, das doenças, dos maus odores, de cenários deploráveis de miséria e insalubridade. É equivocada porque essa medida apenas esconde os problemas, não os resolve nem combate suas causas. Trata-se de um falso saneamen-to, alimentado pela falta de informação e conscientização (educação ambiental) da população.

A inclusão dos cursos d’água na paisagem urbana é uma das demandas do mundo moderno, que também exige o saneamento de suas águas. A palavra de ordem para essa questão é a valorização das águas, incluindo as águas de corpos d’água urbanos (reservatórios, lagos e córregos).

O controle das cheias e a prevenção de inundações podem ser feitos também, de forma difusa, na área da bacia hidrográfica de um curso d’água, por meio de ações estruturais e não-estruturais. Para isso, medidas que visem ao aumento da permeabilidade do solo, da retenção e do retardamento dos escoamentos superficiais podem aliviar as vazões afluentes aos fundos de vale e calhas dos córregos. É possível, então, aplicar o conceito de vazão de restrição nos canais urbanos, seja em leito natural seja em revestido, tornando possível a proposição de soluções aplicáveis à bacia, invertendo o procedimento tradicional de intervir exclusivamente nos leitos dos cursos d’água, o que invariavelmente resulta em grandes estruturas de canais em concreto armado, cada vez maiores e de eficiência limitada.

O processo de tomada de decisão, por sua vez, vai depender das prioridades de intervenção já definidas pela Administração Municipal e dos pressupostos políticos estabelecidos pela sociedade. Em Belo Horizonte, onde a prefeitura instituiu a participação popular no processo de definição da aplicação de recursos do orçamen-to municipal nas obras de melhoria urbana, o planejamento de uma atividade setorial (por exemplo, a drenagem) deve estar articulado com a dinâmica dessa participação social. Na seqüência do processo, serão grandes as possibilidades de se criar um novo modelo de gestão para as águas circulantes na cidade. No bojo desse novo modelo, há que se aplicar o conceito de gestão solidária, compartilhando-se as responsabilidades com as comu-nidades envolvidas. Com a gestão solidária, a comunidade auxilia na escolha das soluções, responsabiliza-se pela conservação das estruturas e do funcionamento do sistema e também contribui para a erradicação da poluição.

Medidas para garantir a sustentabilidade do novo modelo devem ser adotadas. Entre elas devem ser prio-rizados a preservação do patrimônio já instalado para drenagem, a compensação dos efeitos da expansão da urbanização, o diagnóstico permanente do sistema de drenagem e sua sustentação financeira. Esse modelo está sendo implementado pelo Plano Diretor de Drenagem Urbana.

O Plano Diretor de drenagem urbana

Durante a elaboração do Plano Diretor Municipal, reconheceu-se a necessidade de se instituir um ins-trumento de planejamento da drenagem. Por isso, consta deste documento, aprovado em agosto de 1996 (Lei Municipal n° 7.165), em seu art. 27, o indicativo para a elaboração de um plano para a drenagem pluvial.

A primeira etapa desse plano foi iniciada pela PBH, por intermédio da Sudecap, em setembro de 1999. Durante 16 meses, foram elaborados e obtidos os seguintes produtos:

• cadastro da microdrenagem;• cadastro da macrodrenagem;

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• caracterização das bacias hidrográficas;• caracterização da estabilidade estrutural das canalizações existentes;• implantação do Sistema de Informações Geográficas para o sistema de drenagem (SIG-Drenagem).

Novas premissas foram estabelecidas para a gestão dos recursos hídricos na Cidade de Belo Horizonte, a partir do Plano Diretor de Drenagem (PDD), a saber:

• aplicar postulados de gestão solidária no qual se leve em conta a interdependência entre os diferentes territórios da cidade (centros urbanos, periferias urbanas e áreas rurais) e bacias a montante e a jusante, e entre as pessoas que as habitam e as freqüentam, onde o consenso da participação e da cooperação coletiva passa a ser objetivo a ser alcançado por meio de novas práticas comunitárias (Kauark-Leite, 2000). Por esse novo modo de gestão, a comunidade poderá auxiliar na escolha das soluções e também se responsabilizar juntamente com a municipalidade pela conservação das estruturas e pelo funciona-mento do sistema, além de contribuir para a erradicação da poluição;

• fazer interagir o sistema de drenagem com os demais sistemas urbanos. Os diversos sistemas que compõem a infra-estrutura urbana interagem entre si e integram-se num único corpo, que é a própria cidade. O serviço de coleta de lixo, o esgotamento sanitário, o controle das erosões, o planejamento da ocupação do solo e a estrutura viária interferem com o ciclo da água no espaço e no tempo, e impõem uma dinâmica de causa e efeito entre os elementos em jogo. A drenagem deve ser planejada de forma integrada aos demais sistemas e serviços urbanos;

• estabelecer metodologia para a análise e o planejamento do desenvolvimento urbano integrado por meio de pressupostos estratégicos que exigem um tratamento multidisciplinar dos problemas e pressu-põem soluções em longo prazo, levando em conta a negociação política e a participação social, priori-zando metas de desenvolvimento que têm por finalidade a melhoria da qualidade de vida e a busca de uma melhor organização econômica para a sociedade e a garantia da conservação do meio ambiente;

• não ampliar a cheia natural. A cheia natural não deve ser ampliada por causa dos efeitos de ocupação da bacia;

• não transferir prejuízos. Um plano de controle da drenagem urbana deve contemplar, como unidade de análise para implantação dos projetos e das obras, as bacias hidrográficas sobre as quais a urbanização se desenvolve. A adoção de estruturas de drenagem, em uma parcela de montante da bacia, não deverá implicar a transferência de prejuízos para trechos fluviais de jusante, como resultado da aceleração do escoamento nos canais e da sincronização dos picos das cheias;

• conhecer o funcionamento real do sistema. Somente a partir do conhecimento real do funcionamento do sistema, podem ser propostas soluções específicas e adequadas a cada caso. Nesse sentido, a ela-boração do cadastro da macro e da microdrenagens torna-se fundamental, assim como a obtenção de dados hidrométricos para a calibração de modelos hidrológicos e hidráulicos;

• compatibilizar o planejamento das expansões e dos adensamentos urbanos com as diretrizes de dre-nagem. O planejamento da ocupação das áreas de expansão urbana e o adensamento daquelas já loteadas deverão ser realizados em consonância com as diretrizes de um plano diretor de drenagem;

• valorizar as águas. Enquanto princípio geral, os canais naturais urbanos deverão ser preservados e in-tegrados à paisagem urbana. Nesse sentido, é necessário estabelecer regulação para as diretrizes dos novos parcelamentos, priorizando-se a preservação das várzeas e a sinuosidade dos cursos d’água;

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• instituir sistema de gestão. A instituição de um processo de gestão da drenagem visando ao acom-panhamento da expansão urbana é necessária para garantir o bom funcionamento do sistema;

• atribuir ônus financeiro aos responsáveis pela ampliação dos escoamentos na cidade. O custo da implantação das medidas estruturais e da operação e da manutenção da drenagem urbana deve ser transferido aos proprietários dos lotes, proporcionalmente à sua área impermeável, que é a geradora do volume adicional a ser escoado com relação às condições naturais;

• adotar o conceito de vazão de restrição. Os canais existentes devem ser preservados de acordo com sua atual capacidade de vazão. Todo acréscimo no volume das cheias deverá ser retido na bacia.

Todos os estudos e projetos relacionados ao PDDU-BH, desde o seu início, são coordenados pelo Grupo Gerencial do Plano Diretor de Drenagem de Belo Horizonte – GGPD / Sudecap.

A segunda etapa do PDDU-BH inclui as seguintes atividades: monitoramento hidrológico (chuva e vazão) e modelagem preliminar do sistema de macrodrenagem atual.

Para a terceira etapa, estão previstos a reestruturação do sistema de gestão e o início dos melhora-mentos necessários tanto para o sistema existente quanto para a necessidade de sua expansão. Uma quar-ta etapa estará baseada na operação do sistema de macrodrenagem, incluindo a implantação de sistema de alerta contra inundações.

O programa Drenurbs

Na seqüência do Plano Diretor de Drenagem (PDD), a prefeitura tomou a decisão de implementar ações de melhoramento ambiental visando à conservação de cursos d’água que, embora degradados pela poluição e pela invasão de suas margens, mantêm-se em seus leitos naturais. Assim, em 2001, lançou o Programa Drenurbs - Recuperação Ambiental e Saneamento dos Fundos de Vale e dos Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte.

O objetivo geral do Programa Drenurbs é de promover a melhoria da qualidade de vida da população do município de Belo Horizonte, por meio da valorização do meio ambiente urbano.

Os objetivos específicos do Programa são: Despoluição dos cursos d’água; Redução dos riscos de inundações; Controle da produção de sedimentos; e Fortalecimento institucional da Prefeitura de Belo Horizonte. O foco principal das melhorias ambientais são os recursos hídricos naturais, buscando a inte-gração das águas existentes ao cenário urbano.

As ações a serem desenvolvidas, previstas no Programa, são: • ampliação da coleta de esgotos sanitários (redes coletoras e interceptores); • tratamento de esgotos sanitários, quando for o caso; • ampliação da cobertura da coleta de resíduos sólidos; • ampliação da rede de drenagem pluvial; • implantação de equipamentos de controle de inundações; • controle da produção de sedimentos (combate às erosões e ao assoreamento);• ampliação da mobilidade e da acessibilidade urbana; • ampliação dos espaços comunitários de lazer e culturais; • implantação de programas sociais por meio da mobilização comunitária; • implementação de ações educacionais relacionadas ao ambiente urbano.

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Dentre os córregos e ribeirões existentes no município, foram escolhidos, para figurar no Programa, aque-les que reúnem as seguintes condições: encontrar-se em seus leitos naturais; percorrer áreas de significativo adensamento habitacional.

Foram selecionados cerca de 200 km de cursos d’água, de um total de 700 km, correspondendo às 47 bacias hidrográficas, de um total de 111 (figura 2.8). Para uma definição das melhores alternativas de ações, foi estabelecida a seguinte metodologia de trabalho, para cada bacia hidrográfica selecionada:

• elaboração de diagnóstico sanitário e ambiental;• elaboração dos projetos conforme as ações a serem desenvolvidas;• elaboração dos estudos de viabilidade técnica, ambiental, financeira, social e econômica.

Figura 2.8 Bacias integrantes do Programa Drenurbs

A orientação geral para elaboração dos projetos estabeleceu que o controle das inundações deve priorizar a reservação de água, evitando-se as soluções que impliquem revestimentos das calhas dos córregos e dos ribei-rões, para o incremento das velocidades de escoamento. Na condição de partes integrantes do fortalecimento institucional do município, serão desenvolvidas, para o Programa Drenurbs, os seguintes estudos previstos na segunda etapa do PDD:

• monitoramento hidrológico - implantação de uma rede hidrométrica urbana;• modelagem matemática do sistema de macrodrenagem;• atualização do SIG Drenagem;• atualização tecnológica para a drenagem urbana;• Formulação de modelo de gestão para a drenagem.

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Portanto, enquanto a primeira etapa do PDDU-BH produziu o Programa Drenurbs, esse Programa viabili-zará sua segunda etapa. O horizonte de implantação do Drenurbs, incluindo todos os seus serviços e obras, é de 25 anos, tendo sido estimado um custo total final de US$ 500 milhões. Para tornar o Programa viável financei-ramente, foi feita uma subdivisão em etapas sucessivas, sendo que a primeira reúne 8 áreas, abrangendo cerca de 22 córregos, a um custo de US$ 77,5 milhões. Em julho de 2004, a Prefeitura de Belo Horizonte assinou, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), contrato de empréstimo no valor de US$ 46,5 milhões para financiamento dos empreendimentos do Programa Drenurbs. No início de 2005, as licitações para a contratação dos serviços e obras do Programa Drenurbs foram iniciadas, incluindo a modelagem matemática do sistema de macrodrenagem e o monitoramento hidrológico das bacias hidrográficas de Belo Horizonte.

2.7.2 Abastecimento de água

Segundo informações da Copasa/MG, os sistemas produtores de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte garantem o abastecimento da cidade por, no mínimo, mais vinte anos. Serão necessárias, apenas, ampliações ao longo do tempo, nos Sistemas Rio das Velhas e Manso.

A capacidade instalada de produção para a Região Metropolitana é de 13.590 L/s, sendo que 7.430 L/s se destinam a Belo Horizonte, conforme mostrado na tabela 2.3. A integração do Sistema de Abastecimento de Água da Região Metropolitana de Belo Horizonte se dá a partir de determinados reser-vatórios de distribuição, subadutoras e redes alimentadoras, entre sistemas de mesma bacia ou de bacias diferentes. Quanto à reservação, o sistema integrado da Região Metropolitana é composto de 34 reserva-tórios de macrodistribuição, possuindo volume total de 275.712 m3, sendo os seguintes os reservatórios que atendem, exclusivamente ou não, ao município de Belo Horizonte:

O sistema de microdistribuição é composto de 103 reservatórios, com volume total de 22.401 m3. Em relação à distribuição de água, Belo Horizonte conta hoje com 6.225.600 m de rede implantada.

A tabela 2.4 apresenta os números relativos ao abastecimento de água em Belo Horizonte, segun-do o Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos - 2002 - do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

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Tabela 2.3 Capacidade dos sistemas produtores para RMBH e BH

Sistema produtorProdução total RMBH

(L/s)Produção destinada a BH

(L/s) (%)

Sistema Ibirité 400 260 65

Sistema Morro Redondo 750 750 100

Sistema de Água Bruta Barreiro 200 200 100

Sistema de Água Bruta Catarina 170 170 100

Sistema Rio das Velhas 6.000 4.250 70

Sistema Vargem das Flores 1.470 450 30

Sistema Serra Azul 2.600 600 23

Sistema Rio Manso 2.000 750 38

Total 13.590 7.430 55

Fonte: GGSAN / Sudecap, 2005

Tabela 2.4 Atendimento por abastecimento de água em BH (PMSS/SNIS, 2002)

População total (hab.) 2.277.402

População atendida (hab.) 2.275.124

Índice de atendimento (%) 99,9

Extensão de rede de distribuição (m) 6.225.600

Número de ligações 490.399

Número de economias 823.230

Índice de hidrometração (%) 99,8

Conforme se pode depreender, está praticamente universalizado o abastecimento de água em Belo Horizonte. As áreas não-cobertas pelo serviço se restringem, basicamente, às áreas de risco, nas quais a ação a ser implementada é a de remoção e de reassentamento da população. Segundo a Copasa/MG, são residuais as áreas ainda sujeitas à intermitência no fornecimento de água, em função dos investimentos mais recentes de re-forço no sistema de adução. Os dados disponibilizados pela operadora nos dão conta de que a qualidade da água produzida e distribuída atende aos padrões de qualidade estabelecidos pela legislação. No entanto, sem prejuízo do reconhecimento dos avanços alcançados, ainda há demandas por investimentos importantes, no tocante a:

• regularização e padronização de ligações prediais em áreas de urbanização precária, de forma a eliminar o risco sanitário dos ramais a céu aberto, muitas vezes mergulhados em valas de esgoto;

• garantia de um programa permanente de melhorias operacionais e de atualização tecnológica, desta-cando-se os aspectos ligados ao controle e à redução de perdas; e

• completa implementação, tanto por parte da operadora como da Vigilância Sanitária Municipal, dos procedimentos definidos pela Portaria n° 518/2004 do Ministério da Saúde, para controle e vigilância da qualidade da água produzida e distribuída.

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2.7.3 Esgotamento sanitário

O sistema de esgotamento sanitário existente em Belo Horizonte é constituído, basicamente, por redes coletoras, interceptores e estações de tratamento. A Comissão de Construção da Capital, em 1894, optou por um traçado geométrico, recusando a proposta do engenheiro Saturnino de Brito, que privilegiava o aspecto sanitário e baseava o traçado no sistema natural de escoamento das águas. Isso tem dificultado a implantação/ampliação, manutenção e gerenciamento da infra-estrutura de esgotamento sanitário. Belo Horizonte apresenta índices elevados de atendimento pelos serviços de esgotamento sanitário, quando comparados à realidade nacional. Segundo os dados do SNIS para Belo Horizonte, relativos ao ano de 2002, dos 2.277.402 habitantes, 90,8% são atendidos por coleta de esgoto sanitário, o que significa que cerca de 200 mil habitantes não têm seus esgotos coletados. O IBGE, no Censo de 2000, apresenta valores muito próximos a esses dados.

A tabela 2.5, apresentada a seguir, mostra as características do sistema de esgotamento sanitário do mu-nicípio de Belo Horizonte de acordo com o Censo de 2000 do IBGE e segundo dados do SNIS para 2002.

Tabela 2.5 Características do sistema de esgotamento sanitário de BH (IBGE,2002 e SNIS,2002)

Atendimento por esgotamento sanitário em BH Censo 2000IBGE

Dados 2002SNIS

População total (hab.) 2.238.526 2.277.402

População atendida (hab.) 2.040.185 2.115.261

Índice de atendimento (%) 91,1 90,8

Extensão de rede coletora/Interceptores (m) 3.639.800

Percentual de tratamento (%) 34,5

Número de ligações ativas de esgoto 425.976

Número de economias residenciais ativas de esgoto 648.853

Com relação à interceptação, a tabela 2.6 resume a situação atual nas bacias do Arrudas, do Onça e de contribuição direta ao Rio das Velhas no município de Belo Horizonte.

Assim como Belo Horizonte, o município de Contagem é carente dessa infra-estrutura e, por estar contido parcialmente nas porções de montante das Bacias do Arrudas e do Onça, contribui significativamente para a po-luição dos cursos d’água da capital.Tendo em vista a ausência ou a descontinuidade do sistema de interceptação, todos os córregos do município, canalizados ou não, encontram-se poluídos por lançamentos de efluentes de origem industrial e, principalmente, domiciliar. Existe um grande número de ligações clandestinas e lançamen-tos de esgoto na rede de drenagem natural ou construídas, tanto efetuadas pela população quanto pela própria Copasa/MG, apesar de ser adotado oficialmente o sistema separador absoluto, modelo no qual os esgotos sani-tários não devem se misturar às águas pluviais.

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Tabela 2.6 Situação da interceptação em BH (GGSAN,2003)

Extensão de Interceptores (km) - Belo Horizonte

Arrudas Onça Velhas

Necessários 278 301 6

∑ = 585

Existentes 96 161 0

∑ = 257

A serem implantados 182 140 6

∑ = 328

Outro aspecto importante a ser considerado é que só em outubro de 2001 entrou em operação a primeira estação de tratamento de esgotos de Belo Horizonte, a ETE Arrudas. Em dezembro de 2002, a ETE Arrudas pas-sou a operar já com o tratamento em nível secundário, aumentando assim sua eficiência na remoção da carga de poluição por matéria orgânica. Essa situação tende a melhorar já que a outra grande Estação de Tratamento de Esgotos planejada para BH - a ETE Onça - está em construção e deverá entrar em operação em 2006. Além disso, foi inaugurada, no final de 2002, a Estação de Tratamento das águas dos Córregos Ressaca e Sarandi, na entrada da Lagoa da Pampulha, que, operando somente nos períodos de estiagem, deverá melhorar a qualidade da água da represa. Outra ETE, essa de pequeno porte, está operando no Bairro Pilar/Olhos d’água, no Barreiro, e vai contribuir para a despoluição da Bacia do Córrego Bonsucesso.

Apesar desses avanços, fica claro que, dentre as ações de saneamento, o esgotamento sanitário é a que apresenta maior carência, principalmente se for considerado que são as populações mais pobres que estão sujeitas a essa realidade. As áreas não-atendidas compreendem basicamente as vilas e as favelas, onde o aten-dimento por formas convencionais de esgotamento sanitário exige ações conjuntas de urbanização e/ou remo-ções/desapropriações. Esses locais apresentam maiores dificuldades para a execução de obras convencionais em virtude, principalmente, dos seguintes fatores:

• o traçado e a largura de vielas e dos becos muitas vezes não permitem a implantação conjunta de rede de drenagem e de esgotos;

• a ocupação desordenada cria situações desfavoráveis como, por exemplo, fundos de vale em interior de quarteirão, ausência de pontos de lançamento, formação de áreas de risco, etc.;

• o dinamismo da ocupação dificulta o planejamento de ações de médio e longo prazos;• a ausência e/ou precariedade de infra-estrutura urbana, muitas vezes executada pelos próprios morado-

res, na maioria das vezes dificulta e encarece a implantação dos sistemas de esgoto sanitário.Como proposta para a solução desses problemas, seria necessária a adoção de tecnologias alternativas,

tais como sistema condominial, estações elevatórias, pequenas estações de tratamento coletivas ou individua-lizadas, sistema misto de drenagem e esgoto, com caixas separadoras junto à interligação, rede de esgoto aérea ou ancorada na tubulação/galeria de drenagem. Em alguns casos, a solução pode prever a remoção ou desapro-priação de moradias.

Tendo em vista todos esses problemas, a Prefeitura de Belo Horizonte, ao definir o novo arranjo institu-cional com a Copasa/MG, em convênio assinado em 13/11/2002, tomou para si a responsabilidade de atuar nas

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áreas de urbanização precária da cidade. Assim, a partir dessa data, as ações de saneamento dentro das vilas e favelas serão implementadas de maneira integrada pela PBH, com recursos repassados pela Copasa/MG, confor-me os termos do convênio.

Outra dificuldade encontrada nas áreas de vilas e favelas diz respeito à manutenção dos sistemas. A au-sência ou a precariedade do sistema de coleta de lixo, associada à falta de conscientização sanitária e ambiental, se configuram, também, em um grave problema para a vida útil das redes, que passam a demandar assim ma-nutenção mais freqüente. Além disso, os benefícios alcançados pela implantação de sistemas de esgotos ficam minimizados por conta do elevado número de ligações domiciliares que não são executadas por falta de adesão dos moradores ao sistema oficial. De acordo com o Código Sanitário Municipal, essa ligação é obrigatória, uma vez disponibilizado o sistema de coleta por parte da operadora. Evidentemente, a questão da situação de baixa renda dessas populações precisa ser levada em consideração, no sentido de facilitar ou eventualmente dispensar o pagamento da taxa de ligação, além de garantir-lhes o direito ao benefício da tarifa social.

A ausência de redes coletoras de esgotos, porém, não se restringe a vilas e favelas, embora elas apresen-tem uma maior concentração desse problema. Existem outras áreas na cidade que também não possuem esse serviço, como os loteamentos que não foram aprovados pela PBH na época de sua ocupação. Geralmente, o parcelamento dessas áreas não foi feito de forma adequada e a suas infra-estruturas viária e sanitária não foram completamente implantadas, gerando dificuldades na viabilização técnica de soluções convencionais de esgota-mento sanitário.

O restante das áreas não-atendidas corresponde a locais de baixo adensamento, cuja implantação de re-des coletoras não apresenta viabilidade econômico-financeira para a operadora dos serviços, dentro dos atuais critérios do crescimento vegetativo.

Quanto ao esgoto industrial, estudos contratados pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), e concluídos em julho/96, revelaram que apenas 32 empresas são responsáveis por 84% da vazão dos efluentes industriais, 83% da carga de DBO5, 86% da carga de DQO, 95% dos sólidos em suspensão e 96% dos metais pe-sados, sendo 19 delas responsáveis pela carga orgânica de DBO5, DQO e Sólidos em Suspensão, e as outras 13 pela descarga de Metais Pesados. Além disso, apenas quatro empresas representam 57,90% da carga de DBO5, a saber: a Mannesman S.A., a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, o Frigorífico Modelo Ltda. e o Fricon S.A. (Frigorífico Industrial de Contagem). A Mannesman Valourec e a Belgo Mineira respondem por 84,08% da carga de metais pesados, enquanto os dois abatedouros contribuem somente com carga orgânica.

A Copasa/MG ofereceu às indústrias a opção de receber os efluentes líquidos em seus coletores sob condições especificadas em sua Norma Técnica 187/0, de 5/8/98, para “lançamento de efluentes líquidos de indústrias na rede pública coletora de esgotos da Copasa/MG”, com obrigatoriedade de tratamento dos metais pesados e de pré-tratamento opcional no caso de cargas orgânicas. Na hipótese de a indústria assinar contrato com a Copasa/MG, essa companhia ficará responsável perante os órgãos ambientais pelos efluentes industriais.

2.7.4 Limpeza urbana

A Limpeza urbana em Belo Horizonte é feita pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), autarquia municipal da administração indireta. A gestão desse serviço considera os aspectos tecnológicos e operacionais aliados à mobilização da população e à qualificação dos trabalhadores num conjunto articulado de ações visando à percepção das questões da limpeza urbana não somente sob o aspecto da prestação de serviços. Na prestação dos serviços de limpeza urbana à população belo-horizontina, estão envolvidos quase 5 mil trabalhadores (4.954

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- ref. mar/05), incluindo pessoal administrativo e operacional. Desse total, 2.106 são servidores da PBH e 2.848 das empresas prestadoras de serviço.

Na atividade de coleta domiciliar, são utilizados 155 caminhões compactadores. Atualmente, a PBH atende, com serviços de limpeza urbana, a aproximadamente 95% da população belo-horizontina. Nos últimos anos, o orçamento da limpeza urbana representou aproximadamente 5% do orçamento da PBH. Para 2005, os recursos orçamentários previstos são da ordem de R$ 150 milhões. A cobrança pelos serviços é efetuada mediante a taxa de coleta inserida na guia do IPTU e cobre parte do custo total da limpeza urbana, ou seja, cerca de 60%. A complementação dos recursos é feita por meio de repasse do Tesouro municipal e uma pequena parte por meio da arrecadação com serviços espe-ciais de coleta e cobrança pelo aterramento de resíduos de particulares na Central de Tratamento de Resíduos Sólidos - CTRS BR-040. A produção média per capita diária de resíduos ficou em 0,521 kg/hab.dia, dos quais cerca de 67% são constituídos por matéria orgânica - restos alimentares, podas de jardins, material putrescível e ossos.

A destinação final dos resíduos coletados em Belo Horizonte ocorre na Central de Tratamento de Resíduos - CTRS BR-040, localizada às margens da BR-040, na região noroeste do município. A Central, que ocupa uma área de 132 hectares e está em funcionamento desde 1975, já apresenta sinais de esgotamento de sua vida útil. É necessária a licitação para a concessão da nova destinação final dos resíduos de Belo Horizonte. A coleta seletiva de papel, metal, plástico e vidro, se avaliada em termos do percentual da massa, atinge 0,4% do total diário coletado, já que o peso específico desses materiais, à exceção do vidro, é bastante pequeno. A PBH vem tentando viabilizar a implantação de outras modalidades de coleta seletiva, visando ampliar o alcance dela e o aumento dos recicláveis coletados.

O serviço municipal de coleta de lixo conta com os seguintes programas especiais:

Reciclagem de resíduos da construção civil: O programa de reciclagem de entulho tem como objetivo promover a recuperação da qualidade do meio ambiente urbano. Sua infra-estrutura física compõe-se de duas Estações de Reciclagem de Entulho e de uma rede de Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes (URPVs). O material reciclado é utilizado em obras da prefeitura, na construção de sub-bases de vias e de passeios, e uma pequena parte, na fabricação de blocos e peças de pavimentação.

Coleta seletiva dos recicláveis - papel, metal, vidro e plástico: A implantação da coleta seletiva vem ocorrendo gradativamente, por meio da instalação de Locais de Entrega Voluntária (LEVs) (cerca de 600 contêi-neres em aproximadamente 150 locais), da busca constante de parcerias como com a Asmare – Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável, a Santa Casa e outras, além do trabalho de mobilização social. No ano 2002, a coleta seletiva de papel, metal, plástico e vidro realizada e acompanhada pela PBH reco-lheu 5.747 toneladas de recicláveis.

Programa de compostagem: O programa de compostagem tem como principal premissa o manejo diferenciado de resíduos orgânicos, coletados seletivamente em suas principais fontes geradoras: mercados, su-permercados, feiras e “sacolões”. A matéria orgânica é coletada diferenciadamente e misturada à poda triturada proveniente da arborização pública para produzir composto orgânico.

Comunicação social: As ações de comunicação social visam a promover uma mudança cultural que des-perte um novo comportamento da população de Belo Horizonte em relação à limpeza urbana, aliada à instituição de uma postura de respeito do cidadão ao espaço em que vive.

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Mobilização Social: A questão da limpeza urbana deve ser tratada como um problema tão cultural quan-to técnico. O modelo de gestão de resíduos sólidos de Belo Horizonte pressupõe a participação comunitária, algo impossível se não houver um trabalho incessante de mobilização social. Assim, foram criadas diversas atividades artísticas de mobilização e sensibilização da população, buscando, pelo humor, pela estética e pelo lúdico, a mudança de comportamento dos belo-horizontinos em relação ao lixo. Trata-se de revisar valores e comporta-mentos, buscando a formação de uma consciência crítica, por meio de uma adesão afetiva e emocional no modo de perceber e lidar com o lixo.

2.7.5 Controle de vetores

As atividades de Controle de Zoonoses no município de Belo Horizonte são relatadas desde 1943, com ações de controle de cães errantes e da raiva animal. Atualmente essas ações são coordenadas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) e executadas pelas Gerências dos Distritos Sanitários nas Administrações Regionais, sendo que a Administração Regional Norte gerencia duas unidades de referência secundária para as atividades de controle de zoonoses, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e o Laboratório de Zoonoses (Lzon).

Os programas de controle têm como objetivo melhorar a qualidade de vida dos munícipes, utilizando um conjunto de ações, da educação em saúde à execução de métodos físicos, químicos e biológicos para controlar a fauna sinantrópica e doenças, agressões e injúrias que a ela são atribuídas. Os principais programas estão estruturados para o controle da raiva e da leishmaniose visceral urbana, controle de dengue, leptospirose e es-corpionismo.

2.8 Conclusão

Pode-se ver, conforme exposto ao longo desse documento, que os diversos sistemas que compõem a po-lítica urbana do município interagem e integram-se em um único corpo, que é a própria estrutura física da cidade. O serviço de coleta de lixo, o esgotamento sanitário, o controle das erosões, a saúde coletiva, o planejamento da ocupação do solo, a estrutura viária e outros componentes dessa política interferem com o ciclo da água no espaço e no tempo, e impõem uma dinâmica de causa e efeito entre os elementos em questão. A drenagem, portanto, só pode ser analisada e desenvolvida enquanto parte desse sistema complexo, assim como deve ser planejada de forma integrada aos demais sistemas e serviços urbanos.

Os métodos a serem utilizados para esse desenvolvimento integrado devem ajustar-se às modernas con-cepções de planejamento que dominam as cenas política e científica da parte desenvolvida do nosso mundo. Essas concepções exigem um tratamento multidisciplinar dos problemas e pressupõem soluções em longo prazo, negociação política e participação social. Priorizam metas de desenvolvimento, que têm por finalidade precípua a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a busca de uma melhor e mais justa organização econômica para toda a sociedade, bem como a garantia da conservação do meio ambiente.

Desse modo, soluções de planejamento que se subordinam a uma visão de emergência ou de urgência (imediatista), ou então sejam meramente tecnicistas e desvinculadas do contexto econômico e social, devem ser definitivamente descartadas.

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REFERÊNCIAS

BAPTISTA, M.B. et Alli, 1996. Aspectos da Evolução da Urbanização e dos Problemas de Inundações em Belo Horizonte. IV Seminário Nacional de Drenagem Urbana, Curitiba, PR.

CHAMPS et Alli. 2005. O Planejamento da Gestão das Águas de Belo Horizonte. Sudecap/PBH, Belo Horizonte, MG.

Fonte: GGSAN - 2003 - dados estimados a partir do cadastro de 2002 da Copasa MG.IBGE, 2000 Atlas do Censo Demográfico - 2000. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível

no site http://www.ibge.gov.br/censo.KAUARK-LEITE, L. La Prise en Compte des Eaux Pluviales dans l’Assainissement des Communes, Centre

Régional Ile-de-France Sud, Lyonnaise des Eaux, Simpósio de Drenagem Urbana, Sudecap, Belo Horizonte, 2000.

LEMOS, C. B., 1988. Determinações do Espaço Urbano: A Evolução conômica, Urbanística e Simbólica do Centro de Belo Horizonte. FAFICH/UFMG, B. Horizonte, MG.

MONTE-MÓR, R. L. M. (Coord.) et Alli, 1994. Belo Horizonte: Espaços e Tempos em Construção. CEDEPLAR/UFMG/PBH.

PINHEIRO, M.M.G. 1997. Estudos de Chuvas Intensas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, RMBH. V.1 (texto) e V.2 (anexos). UFMG, B. Horizonte, 81p.

RAMOS, M.H.D., 1998, Drenagem Urbana: Aspectos Urbanísticos, Legais e Metodológicos em Belo Horizonte. Dissertação de mestrado (EE-UFMG), Belo Horizonte, MG.

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Sudecap – 2.002. Plano Diretor de Drenagem Urbana – PDDU-BH – 1ª Etapa. B. Horizonte.Sudecap – 2.004. Programa DRENURBS – 1ª Fase. B. Horizonte.

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ANEXO A

Evolução das equações de chuvas intensas em Belo Horizonte:

O primeiro estudo em que se propôs uma equação de chuvas intensas (equações IDF) para Belo Horizonte foi elaborado por PFAFSTETTER (1957), em um trabalho de âmbito nacional, a partir de informações de um único posto pluviográfico, que dispunha de uma série histórica de apenas 12,8 anos. No início da década de 80, esta-beleceu-se uma nova equação IDF (Sudecap, 1982), baseada em 36 anos de observações, também de um único posto. Essa equação ficou conhecida como Equação Sudecap, tendo sido adotada nos estudos e nos projetos de drenagem até o ano 2002.

Nos dois trabalhos, foram utilizadas informações pontuais para o estabelecimento das equações IDF (da-dos provenientes de um único posto pluviográfico), não tendo sido utilizadas técnicas de análise hidrológica regional. Além disso, foram empregadas séries históricas curtas, as quais produzem grandes incertezas nas esti-mativas de precipitações de período de retorno elevado.

PINHEIRO (1997), utilizando um conjunto mais amplo de dados pluviográficos (11 postos) e técnicas de regionalização, estimou uma nova equação IDF válida para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Nesse caso, a precipitação média anual é utilizada para explicitar a variabilidade espacial da intensidade média dos eventos máximos de precipitação pontual, para cada duração e local especificado. Dessa forma, a equação IDF, adotada atualmente para estudos e projetos dentro da RMBH, é a seguinte:

iT,d = 0,76542. d-0,7059. PA0,5360 . µT,d

Para: T ≤ 200 anos e 10min. ≤ d ≤ 24 horas); onde: iT,d é a intensidade de precipitação (mm/h) de dura-ção d, associada ao período de retorno T; d é a duração da precipitação (horas); PA é a precipitação total anual média estimada para o local especificado (mm) a partir de um mapa de isoietas desenvolvido para a Região Metropolitana de Belo Horizonte no contexto do estudo de Pinheiro (1997); e µT,d são os quantis adimensionais associados a T e d (tabelados).

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3 Avaliação e proposta para Belo Horizonte Sergio Papiri e Silvano Ravera

3.1 Diagnóstico

Este capítulo, desenvolvido no âmbito do Programa de Cooperação Técnica Brasil-Itália, trata do diagnós-tico e de propostas sobre os principais aspectos das águas urbanas de Belo Horizonte. Nele, é apresentado um resumo dos principais problemas levantados a partir da análise da documentação resultante de visitas e reuniões técnicas realizadas com os funcionários do grupo de trabalho brasileiro, que resultaram na preparação de uma proposta com base nesse conjunto de elementos.

O texto apresenta os diferentes aspectos de cada um, enquanto o diagnóstico considera as interações entre esses aspectos e a necessidade de uma abordagem intersetorial.

3.1.1 Problemas habitacionais Cerca de 370 mil pessoas – 22% da população de Belo Horizonte – ainda vivem em vilas e favelas, isto é,

em situação habitacional extremamente precária, por conta da grande falta de segurança e de serviços básicos, tais como rede viária, esgotos sanitários, coleta de lixo e drenagem das águas pluviais.

O crescimento e o adensamento informal da malha urbana, fora do controle dos processos de aprovação de loteamentos e edificações, deu origem a uma série de loteamentos irregulares e favelas que, por ocuparem áreas impróprias para assentamentos, como planícies de inundação e áreas de risco geológico. produzem fre-qüentes prejuízos materiais e humanos. Esses são os principais problemas de Belo Horizonte que se assemelham, aliás, aos da maioria das grandes cidades brasileiras.

O grande montante de recursos financeiros necessários para revolver esses problemas faz presumir quesó se resolverão daqui a algumas décadas.

3.1.2 Problemas de coleta e tratamento de esgotos

Os grandes problemas relativos à coleta e ao tratamento de esgotos estão discutidos abaixo:O sistema de esgotamento sanitário existente em Belo Horizonte é constituído, basicamente, por redes

coletoras e interceptores. Com referência às redes coletoras, cerca de 213 mil habitantes não se beneficiam de coleta de esgotos. Mesmo que o percentual da população não-atendida (cerca de 6%) não seja particularmente elevado, o valor absoluto é, certamente, muito relevante. O problema é agravado pelo fato de que a maior parte dessa população encontra-se em áreas (vilas e favelas) com urbanização precária, apresentando dificuldades para a execução de obras.

O problema da extensão da rede de esgotos para as populações desassistidas de esgotos coletados é principalmente de teor financeiro, isto é, o grande custo a ser enfrentado; mas também é de ordem técnica, pela dificuldade de execução de obras nas vilas e favelas.

Estender os serviços de coleta e tratamento para quase toda a população envolve a construção de pelo menos

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328 km de interceptores. Ainda é grande a incidência de pontos de lançamento de esgotos em córregos canalizados e não-canalizados por redes coletoras desprovidas de interceptores. O desenvolvimento longitudinal dos intercepto-res é grande em termos percentuais e absolutos, representando a mesma extensão atual. O problema a resolver é, tecnicamente, bastante simples, mas, financeiramente, extremamente complexo por conta da enorme despesa a ser sustentada, e sem tem retorno econômico direto;

Apesar de o sistema separador absoluto ter sido estabelecido legalmente para todo o território nacional, a rede de drenagem em Belo Horizonte recebe, de forma ilegal e clandestina, despejos de esgotos sanitários de origem doméstica e industrial. Essa situação é muito difícil de ser resolvida, principalmente quando as redes estão separadas. Em primeiro lugar, por causa do seu elevado custo público que requer uma pesquisa individual, para identificar os usuários que, de forma clandestina, despejam esgotos de origem doméstica e/ou industrial em redes de drenagem. Em segundo lugar, pela dificuldade de controlar as obras de reparo das ligações. Mesmo para a iniciativa privada, fica oneroso o ato de reconstruir as ligações do sistema, ou até mesmo separar os esgotos das águas pluviais.

É comum o lançamento clandestino de águas pluviais em redes coletoras de esgotos. Esse problema, muito freqüente quando as redes de esgoto são separadas, é uma constante em Belo Horizonte. Como a rede de esgoto sanitário é dimensionada para canalizar apenas os esgotos, a presença de grande quantidade de águas pluviais pode colocá-la, facilmente, em crise. Se o problema é já sério para as redes coletoras de esgotos, é gravíssimo para os interceptores existentes, destinados a receber futuramente as emissões provenientes de novas redes coletoras que atendem a áreas de periferia, atualmente sem rede de esgoto.

As estações de tratamento, projetadas para tratar apenas os esgotos, não têm capacidade para volumes maio-res, como os que se verificam durante as chuvas; conseqüentemente, as águas mistas, muito pouco diluídas, são lançadas sem qualquer tratamento nos corpos receptores;

Essa situação ainda apresenta agravantes:• apenas 29% da vazão média estimada de esgoto coletado em Belo Horizonte é destinado ao tratamento de

depuração; as emissões de mais de 1,5 milhão de habitantes convergem para os corpos hídricos recepto-res sem nenhum tratamento. Essa situação se reflete negativamente no meio ambiente, já que os corpos hídricos receptores dos lançamentos de esgotos não tratados não têm capacidade suficiente de diluição por conta das pequenas dimensões das bacias naturais drenadas. Essa situação tende a melhorar, pois uma grande Estação de Tratamento de Esgotos, a ETE Onça, está em construção, devendo entrar em operação em 2005. Ademais, a construção de interceptores, já em fase de execução, aumentará substancialmente a quantidade de esgotos encaminhados para tratamento.

3.1.3 Problemas de drenagem das águas pluviais

Os problemas de drenagem das águas pluviais em Belo Horizonte são de três tipos, a saber: qualidade das águas de defluxo (na seca e durante eventos pluviais), capacidade de transporte do sistema de drenagem e ambiente fluvial.

Quanto à qualidade das águas de defluxo, destaca-se o seguinte:• lançamentos de esgotos sanitários brutos: a maior parte dos efluentes das redes de esgoto da Copasa

ainda é lançada diretamente nos córregos ou ribeirões, sem tratamento prévio;• existência de lançamentos clandestinos de esgotos em redes de drenagem;• lançamentos clandestinos de resíduos sólidos em todas as galerias e cursos d’água, a céu aberto;• forte presença, em tempos de chuva, de transporte sólido e de resíduos sólidos urbanos, provenientes

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essencialmente das favelas, onde, em virtude da ausência de um sistema de drenagem, da grande de-clividade, e da quase ausência de cobertura vegetal, os processos de erosão são bastante intensos. O sistema de coleta de resíduos sólidos é muito precário ou totalmente ausente nessas áreas;

• ausência, na rede de microdrenagem, de um sistema de interceptação das primeiras águas pluviais, que provoca erosão das superfícies impermeabilizadas, e que permita o seu envio para o tratamento de depuração; essas águas são muito carregadas de poluentes, principalmente materiais de origem tóxica (metais pesados, hidrocarbonetos, etc.) gerados pelo tráfego de veículos e pela corrosão das cobertu-ras metálicas. O problema é muito sério, principalmente nas vias urbanas de tráfego intenso.

Com relação à capacidade de transporte, os problemas são encontrados principalmente no sistema de macrodrenagem, verificando-se o seguinte:

• de 1928 a 2000, foram verificadas 200 inundações de significativa importância pelos danos provocados com prejuízos econômicos e, em alguns casos, com perdas de vidas humanas; 69,5% dos eventos de inundação aconteceram nas duas últimas décadas do século XX; a freqüência das inundações, classi-ficadas como de importância significativa, é totalmente inaceitável e demonstra a situação de grande criticidade no sistema de macrodrenagem;

• assoreamento: em quase todas as galerias ocorrereu deposição de sedimentos. A elevada presença de sedimentos e de dejetos urbanos reduz a capacidade de transporte, acentuando a já precária capaci-dade hidráulica de transporte;

• falta rede de medição dos níveis nos principais cursos d’água e de alguma forma de previsão dos níveis de cheias, em tempo real, que permita alertar a população, para que se previna dos efeitos das inundações.

Em resumo, os problemas gerais demonstrados pelo funcionamento da rede de drenagem das águas plu-viais da Cidade de Belo Horizonte confirmam o diagnóstico formulado em escala federal (Oficina de Trabalho - Gestão das Águas Urbanas - Cooperação entre o Governo do Brasil e a Cidade de Turim - Itália; Brasília, 29 - 30 de janeiro de 2004; “A Questão da Drenagem Urbana no Brasil” - O. de Moraes Cordeiro Netto):

• aumento das inundações em virtude da urbanização;• uso do sistema de drenagem para esgotamento sanitário doméstico e industrial;• ocupação das áreas de inundação pela população depois de anos de cheias menores;• aumento da produção de sedimentos;• geralmente, as áreas mais atingidas são ocupadas por populações pobres;• falta de tradição de medidas preventivas nas áreas de inundação;• concepção antiquada dos projetos de drenagem.

É evidente que a rede de macrodrenagem também necessita de sérias intervenções, a começar pela limpe-za do lixo e do material carreado, proveniente das erosões ocorridas nas partes altas das bacias.

3.1.4 Ambientes fluviais

As cidades que conservaram, pelo menos em parte, as características naturais de seus cursos, não o fi-zeram de forma consistente. A tendência é que mesmo que parte da cidade se mantivesse impermeabilizada, o fundo dos leitos dos rios urbanos permaneceu bastante natural, as vias marginais dos rios foram cuidadas com

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arborização, calçadões, intervenções arquitetônicas de minimização da artificialidade e de valorização pai-sagístico-ambiental dos próprios cursos d’água.

A recuperação e a renaturalização dos cursos d’água das cidades é uma tendência geral, contribuin-do positivamente para a contenção das enchentes, para o intercâmbio do curso d’água - lençóis freáticos –, para a biodegradação dos poluentes orgânicos e, também, para a redução da poluição inorgânica.

Na Cidade de Belo Horizonte, com exceção da zona da Lagoa da Pampulha - área muito agradável e de relevante valor -, segundo o que se pode observar, a progressiva artificialização, quase que total dos cursos d’água naturais, na realidade eliminou do contexto urbano qualquer reminiscência dos ambientes fluviais.

Em Belo Horizonte, existem cerca de 694 km de rios, dos quais 28% encontram-se revestidos (6% abertos e 22% fechados), correspondendo a 198 km de canais em concreto armado. Essa situação é par-ticularmente grave do ponto de vista ambiental, no que concerne aos principais cursos d’água. É também muito problemática quanto ao aspecto da engenharia, uma vez que a capacidade de transporte dos cursos d’água revestidos só é modificável a custos extremamente elevados.

A progressiva impermeabilização das bacias, inevitavelmente ligada à crescente urbanização, é agra-vada por uma tipologia urbanística, com baixíssimos índices de vegetação privada e pública. Como con-seqüência, reduziu-se drasticamente a infiltração das águas pluviais e as vazões dos cursos d’água na estiagem. Essas vazões são escassas e, em alguns casos, quase inexistentes, não fosse a presença de lançamentos de esgoto. Isso agrava ainda mais a aparência negativa da paisagem fluvial urbana.

3.1.5 Problemas de erosão e transporte sólido

Em aproximadamente 70% do território do município, existem solos silto-arenosos e arenosos. A presença de solos essencialmente arenosos nas áreas de relevo acidentado favorece a ocorrência de pro-cessos de erosão. Tais fenômenos são também agravados pela ocupação em áreas de relevo acidentado, onde se concentram as favelas. Essa ocupação envolve a remoção quase total da vegetação, com a expo-sição do solo descoberto e a alteração do sistema natural de drenagem.

Os fenômenos de erosão geram, naturalmente, o transporte sólido, criando, nos trechos de fundo de vale dos cursos d’água, problemas de produção de sedimentos. A produção de sedimentos gera as-soreamento das seções de drenagem, com redução da capacidade de escoamento dos condutos, rios e lagos urbanos. A Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte é um exemplo de um lago urbano que vem sendo assoreado.

Enfim, não existe para essas áreas um zoneamento que enfoque o risco de escorregamento, além da própria erosão e do aumento do escoamento. Esse é um cenário de constante risco para a população nos dias chuvosos.

3.1.6 Problemas de planejamento do sistema de macrodrenagem

O avanço da urbanização e o conseqüente uso do solo provocaram a redução do armazenamento natural dos deflúvios, os quais se transferiram para outros locais no interior da cidade, gerando novas ocor-rências de inundações, repetidas a cada estação chuvosa e sempre de forma evolutiva.

Duas importantes tentativas de planejar o sistema de macrodrenagem foram elaboradas na década

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de 70. A primeira, em 1975, foi feita através do “Plano metropolitano de aguas pluviais e proteção contra cheias da RMBH” (Região Metropolitana de Belo Horizonte), e a outra foi com o “Plano de Urbanização e Saneamento de Belo Horizonte” (Planurbs), elaborado em 1979 pela Sudecap.

O Plano de Urbanização e Saneamento de Belo Horizonte (Planurbs) propôs a retificação e a cana-lização de todos os cursos d’água do município, associando as necessidades de implantação de intercep-tores de esgotos com empreendimentos viários estruturantes (avenidas sanitárias) a serem implementados pela municipalidade.

Até os dias atuais, cerca de 200 km de cursos d’água foram submetidos a essa concepção técnica de canalização associada à urbanização dos respectivos fundos de vale, onde, quase sem exceção, recebe-ram via de tráfego do tipo avenida sanitária. Esse planejamento solucionou os problemas das inundações somente em nível local; agravou os problemas nos fundos de vale, e não poderia ser de outra forma, uma vez que as intervenções implementadas reduziram os tempos de escoamento das águas, aumentando con-seqüentemente as vazões de pico de cheias. Faltou gestão entre quem redige e aprova o plano de urbani-zação e quem projeta e gerencia a rede de drenagem.

3.1.7 Abordagem municipal aos problemas hídricos

Com base nas informações obtidas, a maior parte dos problemas hídricos é encarada principalmen-te, se não exclusivamente, sob a perspectiva municipal. Os vários projetos de drenagem urbana e de sane-amento estão apenas na escala da Cidade de Belo Horizonte, enquanto as partes das bacias hidrográficas a montante – fora da área municipal – não estão incluídas nos planos de intervenção. É, porém, evidente que os problemas das inundações, do transporte sólido e da qualidade dos corpos d’água que atravessam Belo Horizonte têm um componente que não pode ser ignorado, determinado pelas porções de território do município de Contagem, que incide sobre as bacias hidrográficas de Onça e Arrudas.

A superfície dessas bacias é bastante pequena, mas o aporte às vazões defluentes de cheia, especial-mente para o Ribeirão da Onça, é significativo. A contribuição para o transporte sólido que chega à Lagoa da Pampulha pela Bacia do Ribeirão da Onça, fora do município de Belo Horizonte, é bastante expressiva.

Com relação à poluição externa, verifica-se que os Córregos Sarandi, Água Funda e Água Branca (Bacias do Onça e do Arrudas, respectivamente) ingressam nos limites de Belo Horizonte com elevada carga poluidora originária do município de Contagem.

No caso de Belo Horizonte, a visão dos problemas em âmbito municipal tem relevância ainda maior, por causa dos efeitos que podem ser produzidos nos fundos de vale pelas vazões defluentes. Na realidade, não há dúvidas de que a grande impermeabilização dos solos, determinada pela expansão da parte urba-nizada de Belo Horizonte – assim como a de Contagem –, somada ao mais completo escoamento artificial dos cursos d’água, modificou intensamente o hidrograma de enchentes nas seções de confluência com o Rio das Velhas.

Mesmo com relação às cargas poluidoras transferidas para o fundo de vale, no Rio das Velhas, não se sabe se a carga poluidora lançada nos Rios Onça e Arrudas pelos Municípios de Belo Horizonte e Contagem – originária das descargas de esgotos urbanos não-tratados, de esgotos de origem industrial, das próprias descargas tratadas, da ação nas áreas urbanizadas ocasionada pelas primeiras chuvas – representa um aporte aceitável ou, ao contrário, uma carga que, somada às outras, possa comprometer irremediavelmente a qualidade do rio em questão e daqueles de fundo de vale.

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3.1.8 Gestão e finanças

Um dos principais problemas, já ressaltados pela Prefeitura de Belo Horizonte, e em particular pela Sudecap, como demonstrado no item 3.9, refere-se à organização da gestão dos vários departamentos do sistema hídrico e à definição clara das competências e das responsabilidades.

Para tanto, está em andamento a realização de uma consultoria para analisar a situação atual e propor uma reorganização mais funcional para a solução dos problemas e a sustentabilidade financeira do setor.

Segundo o que foi possível analisar, e conforme o que se apresentou no item 3.9, os aspectos mais críticos da situação atual podem ser resumidos da seguinte forma:

• A Copasa é responsável pelo abastecimento de água potável e pelo sistema de esgotamento sanitário e de tratamento, mas não da drenagem urbana. É uma empresa estatal, com participação significativa do município de Belo Horizonte. Como visto anteriormente, as interferências entre o sistema de esgotamen-to sanitário e o sistema de drenagem são muito fortes e as conseqüências, relevantes;

• Com relação ao sistema de drenagem, atualmente essa administração encontra-se disseminada em dife-rentes órgãos do Executivo municipal, conforme indicado a seguir:

o aprovação de novos parcelamentos (inclusive a planta da drenagem): Secretaria de Regulação Urbana; o drenagem em vilas e favelas (assentamentos subnormais): Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte

(Urbel); o manutenção e expansão do sistema existente: Sudecap; o expansão do sistema de microdrenagem: Administrações Regionais.

A gestão do sistema de drenagem urbana está pulverizada e precariamente coordenada entre quem plane-ja as novas urbanizações, quem gerencia o sistema de esgotamento sanitário e tratamento, aqueles que detêm a competência em relação à qualidade das águas superficiais e subterrâneas e a quem compete a defesa contra as enchentes. Outras interferências importantes referem-se aos aspectos paisagísticos e ambientais.

3.1.9 Água subterrânea

Pela análise dos documentos disponíveis, observou-se que se dá pouca atenção às águas subterrâneas. Com relação ao potencial produtivo, verifica-se que o Plano Diretor de BH subdivide o território municipal em três áreas de diferente produtividade. Parece certo que o abastecimento de água potável é totalmente garantido pela circulação hídrica das zonas elevadas de Serra. Não existem informações sobre a quantidade de captações industriais ou domiciliares de água subterrânea situadas no município de Belo Horizonte, e quantas dessas são controladas. Aparentemente, não existem controles sistemáticos da qualidade das águas do nível.

Presume-se que a impermeabilização dos solos, em conjunto com a quase total impermeabilização dos cursos d’água, tenha alterado substancialmente a troca natural entre águas superficiais e águas subterrâneas e, principalmente, o processo de recarga dos lençóis freáticos. Seria, portanto, necessário estabelecer em que me-dida esse fenômeno tem efeitos na circulação hídrica e na potencialidade dos lençóis freáticos.

Não foi também determinado o estado qualitativo dos lençóis freáticos, mas pode-se presumir que não seja muito bom e que esteja venha a piorar no futuro, em razão dos lançamentos – no solo e nos cursos d’água – de esgotos não-tratados e de resíduos sólidos urbanos, justamente nas zonas de recarga atuais, ocupadas, em parte, por vilas e favelas.

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3.2 Propostas e conclusões

A análise lúcida dos problemas de Belo Horizonte, elaborada pelos políticos e técnicos que colaboraram com a redação do PMS, dificulta a apresentação de propostas originais que sejam melhores do que as identifica-das para a solução dos problemas existentes. Considera-se, assim mesmo, útil listar algumas propostas, institu-cionais e técnicas, previstas ou já executadas, fazer algumas considerações e dar algumas sugestões.

3.2.1 Propostas institucionais e técnicas previstas e em fase de execução

Estrutura da política urbana

A partir da gestão iniciada em 1º de janeiro de 2005, uma nova estrutura organizacional foi sancionada pela Lei n° 9.011, de 1º de janeiro de 2005, objetivando definir um novo desenho político-jurídico e administrativo pró-prio e necessário a consagrar a prática, já desenvolvida, de gestão pública democratizada, comprometida com a participação popular, assim eleitas como balizas máximas na definição e na implementação de políticas públicas.

Smurbe – Secretaria Municipal de Políticas Urbanas: Órgão coordenador geral da política urbana no mu-nicípio. À Smurbe encontram-se vinculados todos os principais organismos municipais da política urbana e am-biental.

Sudecap – Vinculada à Smurbe, encontra-se a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap). Tem o objetivo de implementar a política governamental para o Plano de Obras do município e o planejamen-to e a execução dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em colaboração com a Administração Direta do Poder Executivo. As competências foram destacadas no capítulo 2.

Urbel – Atua na execução de projetos de urbanização de vilas e favelas, intervenção em área de risco, entre outras.

As demais entidades que integram a Política Urbana e Ambiental e subordinam-se à Smurbe são: Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Empresa de Trânsito (BHTRANS), Secretaria Municipal de Regulação Urbana, Secretaria Municipal de Habitação, Fundação de Parques e Jardins, Fundação Zoobotânica e Superintendência de Limpeza Urbana.

A Política Municipal de Saneamento identifica instrumentos institucionais, técnicos e econômicos para o alcance dos objetivos e conta com: o Conselho Municipal de Saneamento (Comusa); o Fundo Municipal de Saneamento (FMS); o Plano Municipal de Saneamento (PMS); a Conferência Municipal de Saneamento; Convênios e/ou contratos de concessão e de permissão; Política tarifária; Legislação ambiental e demais regulamentos legais.

O convênio PBH/Copasa MG 13/11/2002 atribui a gestão do serviço integrado a um gestor externo ao muni-cípio, mas mantém o controle político. Estabelece: a gestão compartilhada dos serviços por 30 anos; a participa-ção acionária da Prefeitura de BH na Copasa/ MG; a participação do município nos Conselhos de Administração e Fiscal da Copasa/MG; o planejamento conjunto das intervenções priorizadas pelo município; o acompanhamento e a fiscalização dos serviços pelo GGSAN por meio do Plano de Gestão.

O PMS é construído a partir do somatório ponderado de índices setoriais referentes aos cinco aspectos tradicionalmente identificados como componentes do saneamento ambiental, a saber: abastecimento de água; esgotamento sanitário; resíduos sólidos; drenagem urbana; e controle de vetores.

Os critérios de priorização para intervenção nas bacias elementares consistem em: menor nota do ISA; maior densidade demográfica; PGE - elaborado ou em elaboração; ocorrência de áreas prioritárias de interven-

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ções de Drenurbs ou do Propam; ocorrência de empreendimentos aprovados e ainda não-executados do OP; empreendimento com recurso assegurado e em negociação.

O Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDU) representa um novo modelo de gestão da drenagem. O PDDU foi concebido para ser implantado em fases. A primeira consistia em: (i) diagnóstico do sistema existente, por ba-cia hidrográfica; (ii) cadastro de macro e microdrenagem; (iii) implantação de Sistema de Informações Geográficas para a drenagem urbana.

Em linhas gerais, as fases subseqüentes conceberiam em: (i) campanhas de qualidade das águas e medição pluviométrica; (ii) estudos para a gestão do sistema de drenagem, com modelagem específica; (iii) campanhas de controle de poluição dos corpos d’água e plano de execução de obras; e (iv) estudos para a operação otimizada do sistema, com programa de alerta contra inundações. A estruturação das fases do plano e a implementação por bacia hidrográfica são bem fundamentadas. O programa prevê todas as fases necessárias, entre as quais prioriza o diagnóstico do sistema existente com a catalogação de macro e microdrenagem.

Na realidade, é indispensável um bom conhecimento do sistema existente para estabelecer um correto modelo da transformação vazões afluentes / vazões defluentes e a identificação dos pontos críticos do sistema. Deve-se observar que se trata, essencialmente, de um projeto técnico, no qual não parecem ser abordados os aspectos econômicos, financeiros e de operacionalidade garantida, isto é, justamente a possibilidade de ser acionado de forma completa, sem outros vínculos decisórios ou financeiros.

O Programa Drenurbs foi concebido para implementar ações de melhoramento ambiental, com ênfase na conservação de cursos d’água que, embora degradados pela poluição e pela invasão de suas margens, conser-vam-se em seus leitos originais. Assim, em 2001, lançou o Programa de recuperação ambiental e o saneamento dos fundos de vale e dos córregos em leito natural de Belo Horizonte (Drenurbs).

Os objetivos gerais do programa são: despoluição dos cursos d’água; redução dos riscos de inundação; controle da produção de sedimentos; fortalecimento institucional da Prefeitura de BH; e integração dos recursos hídricos naturais ao cenário urbano.

As ações que serão desenvolvidas, objeto de elaboração dos projetos básicos, são:ampliação da coleta de esgotos sanitários (redes coletoras e interceptores); tratamento de esgotos sani-

tários, quando for o caso; ampliação da cobertura da coleta de resíduos sólidos; ampliação da rede de drenagem pluvial; implantação de equipamentos de controle de inundações; controle da produção de sedimentos (combate a erosões e ao assoreamento

de corpos d’água); ampliação da mobilidade e da acessibilidade urbana; ampliação dos espaços comunitá-rios de lazer e culturais; implantação de programas sociais por meio da mobilização comunitária; implementação de ações educacionais conservacionistas do ambiente urbano; e implantação do monitoramento das condições hidro-lógicas, objetivando o conhecimento real dos fenômenos meteorológicos relacionados com as cheias urbanas.

3.2.2 Algumas considerações sobre o planejamento atual e algumas sugestões

Planejamento em escala de bacia hidrográfica

A generalidade dos problemas hídricos é vista por uma ótica excessivamente, se não exclusivamente, mu-nicipal. Deve-se planejar em escala de bacia hidrográfica:

• inundações, fenômenos de geração e propagação das enchentes, sistemas de mensuração e de alerta e ações de mitigação (minimizar impactos);

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• qualidade da fonte dos corpos d’água naturais, águas superficiais e subterrâneas: avaliação das condi-ções atuais, identificação dos pontos críticos e definição dos objetivos gerais inseridos na escala local. É necessário avaliar a política de uso das águas, das captações, para definir um balanço de bacia em termos qualitativos e quantitativos;

• a continuidade e a recuperação dos ambientes fluviais.Para tal fim, é necessário definir a organização institucional e administrativa permanente e os relativos

poderes e recursos para planejar e depois acompanhar em larga escala a realização do acima descrito.Em escala local, mas com uma vasta área identificada por meio da atividade de planejamento acima

mencionada, podem ser abordados os problemas de gestão com o escopo de atingir e manter os objetivos pre-vistos.

Quanto à defesa contra as inundações, em escala de bacia hidrográfica, Onça e Arrudas até a confluência do Rio das Velhas, e também em escala de sub-bacias, é necessário: identificar as áreas sujeitas a inundações com os respectivos níveis de freqüência e risco; estabelecer um sistema de monitoramento e de alerta, apoiado por modelos adequados para a previsão dos eventos pluviais graves, para a medição das precipitações e para a quantificação das enchentes; aprimorar um sistema de gestão de emergências associadas a eventos de trans-bordamento, alertando e colocando em segurança as pessoas e as instalações; realizar e gerenciar obras de contenção e de amortecimento das enchentes, como reservatórios de amortecimento de cheias, reservatórios de captação individual das chuvas, etc.; e revitalizar os cursos d’água onde for possível.

Com relação às águas subterrâneas, é necessário fazer o monitoramento qualitativo e dos níveis piezo-métricos, e quantificar as captações. Esses são fatores preliminares para o ajuste das questões em andamento. A essa atividade deverá seguir o planejamento de ações capazes de enfrentar e solucionar as situações críticas eventualmente encontradas.

Planejamento da despoluição hídrica

O planejamento de despoluição da água baseia-se no uso do sistema de esgotamento sanitário separado, realizado por escolha legislativa, e com forte centralização do tratamento de depuração.

Uma vez que é extremamente difícil implementar um sistema realmente separado, como demonstra a si-tuação existente, no momento de projetar as redes coletoras e os interceptores para as novas áreas carentes do serviço, deve-se considerar o afluxo das águas pluviais.

Nas favelas, é tecnicamente muito difícil construir um sistema de esgoto separado. A ampliação do serviço centralizado de tratamento nas áreas periféricas – atualmente não-atendidas – requer uma cuidadosa avaliação do volume de águas pluviais captadas por redes coletoras e interceptores, pois as existentes poderiam não ter suficiente capacidade residual de transporte que permitissem ampliar o serviço centralizado.

A centralização do tratamento de depuração é certamente uma técnica correta, considerando os grandes benefícios que normalmente produz em termos de gestão, mas geralmente exige maiores investimentos em vir-tude da necessidade de construir longos coletores, atrasando, conseqüentemente, a solução dos problemas nas áreas periféricas.

Seria necessária uma cuidadosa análise técnico-econômica para avaliar a conveniência de uma forte cen-tralização da forma como foi prevista. A centralização poderia incluir a necessidade de reconstrução – para ade-quação funcional – de vários trechos de interceptores existentes. Seria extremamente oportuno que os intercep-tores fossem dimensionados de modo que, no futuro, pudesse escoar para a estação de tratamento a primeira

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3GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 58

parte mais poluída das águas pluviais de áreas impermeáveis, particularmente das vias de grande tráfego e esta-cionamentos. As estações de tratamento de esgoto deveriam ser projetadas levando em conta a realidade, isto é, que, durante os eventos pluviais, chegam na estação águas mistas – efluentes e águas pluviais – e que, num futuro próximo, poderiam ser usados para tratar as primeiras águas pluviais. Deve-se definir o nível de tratamento ne-cessário para o saneamento ambiental desejado. O planejamento deveria, de fato, abordar os objetivos de quali-dade ambiental a serem atingidos pelos diversos corpos d’água no cenário futuro definitivo do plano e as metas intermediárias escolhidas com base nos critérios de prioridade e da efetiva viabilidade técnica e econômica. A escolha do nível de centralização da depuração é resultado de uma difícil decisão de compromisso, entre as exi-gências de qualidade ambiental dos diferentes corpos d’água, os aspectos inerentes à viabilidade tecnológica dos sistemas de esgotamento sanitário e de tratamento, e a compatibilidade e sustentabilidade dos compromissos econômico-financeiros. Naturalmente, tal decisão poderia ser “forçada” por uma legislação federal ou estadual que estabelecesse “por lei”, como na Europa e na Itália, os limites mínimos a serem atingidos em cada caso.

As redes pluviais de microdrenagem, que atualmente chegam aos pontos de escoamento sem qualquer tra-tamento, deveriam ser completadas com dispositivos de descarga de cheia, que separassem os volumes de chuva menores, a serem conectados à rede de esgoto para tratamento, daqueles maiores, que permanecem ligados aos pontos de descargas existentes. Assim sendo, é necessário, como mencionado acima, que a rede de esgotos seja capaz de escoar, para tratamento, volumes em tempo de chuva um pouco maiores, daqueles de pico em tempo de seca. Um padrão bastante aceitável poderia ser 2 a 2,5 vezes a vazão máxima de esgoto. Tais intervenções permitem também escoar automaticamente para tratamento os lançamentos irregulares de esgoto, inevitavelmente presentes nas redes pluviais, alcançando assim uma melhora decisiva da qualidade dos receptores.

Nas áreas atualmente não-servidas e naquelas de expansão urbana, a escolha do sistema de esgotamento a ser construído (único ou separado) deveria ser feita não em função da lei, mas em função das características locais da área, de acordo com a predominância de esgotos domiciliares ou industriais, das características hidráu-licas e ambientais dos corpos hídricos receptores.

Drenagem urbana

O progressivo e violento desenvolvimento urbano e da construção civil fez com que as seções dos cursos d’água fossem diminuídas e, às vezes, canalizadas em galerias, com conseqüente prejuízo de sua condutibilidade hídrica. Simultaneamente, esse mesmo desenvolvimento determinou um relevante crescimento das vazões e dos volumes de cheia, em virtude da impermeabilização do solo e da diminuição dos tempos de concentração do processo de formação das vazões defluentes meteóricas.

A engenharia hidráulica tradicional muitas vezes considerou como única solução a melhoria da capacida-de do transporte hidráulico, tanto da rede de drenagem urbana como dos cursos d’água. Mas tal política muitas vezes não obtém bons resultados pelo menos por três motivos: custos muito altos; substancial falta de solução do problema, em função do concomitante desenvolvimento urbano; deslocamento e agravamento do mesmo problema a jusante, com necessidade de enfrentar novos custos de reconstrução da rede.

A estratégia de canalização e escoamento das águas deve ser substituída pela estratégia de amortecimen-to e, quando possível, de infiltração das águas de cheia. Os novos planos, portanto, devem ser elaborados segun-do uma visão integrada da interconexão entre cheias fluviais e drenagem urbana, de modo a equilibrar, dentro da mesma malha urbanos, os efeitos hídricos da impermeabilização dos solos, de modo a não alterar, ou melhor, se possível reduzir a vazão das enchentes a jusante.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESBelo Horizonte

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A atual literatura científica e técnica internacional e brasileira são unânimes em relação a essa nova abor-dagem. Na Itália, em virtude da grande densidade de imóveis residenciais e industriais, inúmeros projetos foram abordados dessa forma. Por exemplo, a Região da Lombardia adotou, no próprio Plano de Saneamento das Águas (1993), algumas importantes limitações das vazões de drenagem urbana que foram recentemente confir-madas no Plano de Tutela das Águas (2005). Com base em tais determinações, em todo o território das regiões, as novas urbanizações devem limitar, mediante medidas locais de amortecimento das cheias ou de infiltração, as vazões pluviais, de forma a não exigir ajustes das redes de drenagem urbana a jusante. Os equipamentos urbanos municipais devem, portanto, prever que, na reconversão das áreas urbanas, ou na criação de novas expansões imobiliárias causadoras de um aumento da impermeabilização do solo, sejam sempre salvaguardadas as redes hidráulicas destinadas à coleta, de forma a evitar a contínuo círculo vicioso: nova urbanização – novas vazões – reconstrução das redes de fundo de vale.

Recuperação dos ambientes fluviais naturais

A Prefeitura de Belo Horizonte lançou, em 2001, o Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento dos Fundos de Vale e dos Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte (Drenurbs). A manutenção ou a recuperação das características naturais de trechos de cursos d’água, ainda existentes ou recuperáveis, é fundamental para salvaguardar ou recriar ambientes agradáveis para mitigar as enchentes, favorecer a eliminação de poluentes e manter as condições de intercâmbio entre águas superficiaise águas subterrâneas.

A recuperação da rede articial parece muito mais problemática do que em outros contextos urbanos. Podem-se propor apenas intervenções compensatórias, tais como a melhoria arquitetônica e de tipológica das margens revestidas e a plantação de árvores ao longo dessas margens.

Gestão

Em termos gerais, a proposta em relação às formas de gestão seria aquela abordada no enfoque sugerido no item 4.7 e aquela proveniente das experiências e das escolhas praticadas na Itália.

Imaginam-se basicamente dois níveis de gestão: (a) um nível em escala de bacia, de tipo mais institucional e com total suporte financeiro público, com funções de planejamento e de definição dos vários aspectos tratados em grande escala. As opções, uma vez definidas e aprovadas pelos vários interessados, agiriam de maneira vin-culante, pelas características e pela força das instituições envolvidas sobre os níveis inferiores, condicionando as escolhas a serem atuadas em âmbito local; (b) um nível em escala territorial, para os serviços de caráter unitário em “cadeia”: tipicamente os serviços hídricos considerados como serviços de consumo. Com relação às opções planejadas de bacia, podem ser gerenciadas em nível de “âmbito”.

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4 Gestão das águas urbanas em Manaus Maria Izanete Guimarães e Raimundo Kennedy Vieira

4.1 Características da cidade

Localização: O município de Manaus está localizado na região Norte do Brasil (figura 4.1), no centro geo-gráfico da Amazônia, aos 3° de latitude sul e 60° de longitude oeste, com altitude da sede de 92 m. Está assentado sobre um baixo planalto, que se desenvolve na barranca da margem esquerda do Rio Negro, na confluência deste com o Rio Solimões, onde se forma o Rio Amazonas. A área urbana de Manaus estende-se por 377km2, corres-pondendo apenas a 3,3% do território municipal. A superfície total do município é de 11.458,5 km2 (Lei Municipal nº 279, de 5 de abril de 1995).

Figura 4.1 Mapa da localização de Manaus

A acessibilidade a Manaus é feita predominantemente por transporte fluvial, coadjuvado pelos transpor-tes rodoviário e aeroviário. O Porto de Manaus é o ponto de convergência de navios de passageiros e de cargas, tanto de cabotagem como de longo curso, que garantem a conexão da cidade com portos nacionais e estran-geiros. Entre as rodovias que permitem o acesso a Manaus, destaca-se a BR-319, que liga a capital ao Estado de Rondônia. Outra rodovia é BR-174, que interliga Manaus a Roraima.

Demografia: Desde o ciclo áureo da borracha, entre 1890 e 1911, que representou o primeiro boom po-pulacional, quando o número de habitantes na cidade saltou de 20 mil para cerca de 100 mil, Manaus tem sofrido um processo de aumento populacional extremamente rápido, vinculado ao crescimento econômico, seguido por períodos de estagnação ou mesmo de decréscimo populacional ,acompanhando os períodos de recessão econô-mica da região. Isso se deveu principalmente aos intensos fluxos migratórios que foram responsáveis por esses processos de inchamento e de esvaziamento do contingente populacional da cidade. Tais processos repetiram-se durante todo o século XX. Esse fenômeno de rápido crescimento voltou a ocorrer a partir dos anos de 1960,

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4GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 62

quando se iniciou um novo ciclo econômico da cidade, com a criação da Zona Franca de Manaus, fato este que representou uma nova fase de desenvolvimento para a cidade e os municípios vizinhos.

A evolução da população de Manaus pode ser mais bem acompanhada pela tabela 4.1, que apresenta o crescimento populacional ocorrido entre 1889 e 2000. As zonas urbanas de Manaus foram definidas pelo Decreto Municipal nº 2.924/95. Elas estão listadas na tabela 4.2 e identificadas na figura 4.2. A Cidade de Manaus é dividi-da em seis zonas. Cada uma dessas zonas é composta por números distintos de bairros que, por sua vez, também apresentam uma densidade população total variável. A tabela 4.3 indica a densidade demográfica bruta verificada em 2000, para cada zona. A figura 4.3 apresenta a densidade demográfica por setor censitário (Fonte: Dados do IBGE/2000). Como se observa, o centro apresenta menor densidade habitacional.

Tabela 4.1 Crescimento populacional de Manaus (1889-2000)

Ano População (hab.)

1889 20.000

1900 52.000

1910 100.000

1920 75.000

1950 89.612

1960 154.040

1970 311.622

1980 633.383

1991 1.011.501

2000 1.405.835

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus, 2002, e IBGE – Censos

Tabela 4.2 Distribuição dos bairros por zonas

Zonas Bairros

SulCentro, Educandos, Aparecida, Colônia Oliveira Machado, Santa Luzia, Morro da Liberdade, Presidente Vargas, Cachoeirinha, Praça 14, São Lázaro, Crespo, Betânia, Vila Buriti, Petrópolis, São Francisco, Japiim e parte do Distrito Industrial

OesteSão Raimundo, Glória, Santo Antônio, São Jorge, Vila da Prata, Compensa, Santo Agostinho, Nova Esperança, Lírio do Vale, Ponta Negra e Tarumã

Centro-Sul São Geraldo, Chapada, Adrianópolis, Nossa Senhora das Graças, Aleixo, Parque 10 de Novembro e Flores

Centro-Oeste D. Pedro, Alvorada, Planalto e da Paz

Zona LesteMauazinho, Coroado, Armando Mendes, Zumbi dos Palmares, SãoJosé Operário, Tancredo Neves, Jorge Teixeira, Colônia Antônio Aleixo e Puraquequara

Norte Cidade Nova, Colônia Santo Antônio, Novo Israel, Monte das Oliveiras, Terra Nova e Santa Etelvina

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Figura 4.2 Divisão administrativa da cidade de Manaus – Zonas e bairros Fonte: Plano Diretor Urbano de Ambiental de Manaus, 2001

Tabela 4.3 População urbana residente de Manaus por zona

Zonas Habitantes %Área(ha)

Densidade demográfica(habitantes/ha)

Sul 308.340 22,00 3547,19 131

Oeste 214.075 15,28 13250,25 94,2

Centro-Sul 123.987 8,85 3695 415

Centro-Oeste 141.022 10,06 6692,4 254,8

Zona Leste 331.793 23,68 1897,55 95,3

Norte 282.083 20,13 7620,41 979,1

Total 1.401.300 100 36702,8 151,5

Fonte: Prefeitura Municipal, IBGE, 2002

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4.2 Características da infra-estrutura de águas urbanas

4.2.1 Abastecimento de água

O serviço de abastecimento de água em Manaus foi concedido em 2000 por iniciativa privada e é ope-rado pela empresa Águas do Amazonas, pertencente ao Grupo Suez, que é líder mundial do segmento. Foram investidos R$ 123 milhões até dezembro de 2004 pela concessionária, sendo que mais de R$ 100 milhões foram aplicados na recuperação do sistema de água (Recuperação das Estações de Tratamento, com a troca de 16 km de adutoras e a recuperação de poços tubulares). Estima-se que, ao final de 2005, com a conclusão dos progra-mas de expansão em andamento (“Água na sua Casa” e “Água e Cidadania”), mais de 60 mil novas famílias serão beneficiadas com o serviço de abastecimento de água.

Figura 4.3 Densidade demográfica por setor censitário Fonte: Plano Diretor Urbano de Ambiental de Manaus, 2001

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A cidade é abastecida de água a partir de três sistemas:Sistema principal – com produção e tratamento de água a partir de duas estações de tratamento de água

situadas na Ponta do Ismael, no Bairro da Compensa, e por uma estação de tratamento localizada no Bairro do Mauazinho – Distrito Industrial. A captação de água das três estações é realizada diretamente do Rio Negro;

Sistemas isolados – com a produção e o tratamento de água proveniente de lençóis subterrâneos, que provê redes de abastecimento independentes, em bairros da periferia, conjuntos habitacionais, loteamentos e prédios de apartamentos, nos quais o Sistema Principal não tem capacidade de atendimento;

Sistemas mistos – em áreas atendidas pelo Sistema Principal, cuja vazão é complementada por poços artesianos. Os sistemas assumidos pela empresa concessionária, em 2000, não abrangiam mais de 4 mil poços particulares, de características precárias, como pouca profundidade (80 m, em média) e operados sem controle, que se encontram espalhados por toda a cidade e abastecem cerca de 15% da população urbana.

Segundo dados do IBGE, em 2000, existiam na cidade 225.037 ligações de água, das quais apenas 81.256 eram medidas por hidrômetro, abastecendo 285.308 economias, sendo 269.329 de uso residencial. As redes de distribuição somavam 1.631km de extensão. A produção diária de água, naquele ano, atingia 670.322m3/dia. Do volume total produzido diariamente, eram tratados 545.100m3/dia, restando 125.222m3/dia sem tratamento (IBGE, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, 2000).

As perdas físicas e comerciais nos sistemas de abastecimento operados pela concessionária atingem índi-ces elevados, situando-se entre 75% e 80%. A figura 4.4 apresenta as redes de abastecimento e a rede de esgoto da cidade de Manaus.

Figura 4.4 Rede de abastecimento de água e rede de esgotamento sanitário de ManausÁguas do Amazonas, 2005

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4GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 66

4.2.2 Sistema de esgoto sanitário

As informações sobre os sistemas de esgotos sanitários instalados em Manaus são precárias, como admite a própria empresa concessionária dos serviços, a Cia. Águas do Amazonas. Segundo informações da empresa, em 2001 estavam cadastradas 8.581 ligações ativas e 11.066 economias (Águas do Amazonas, 2001). Em 2000, cerca de 10.646 economias residenciais tinham seus esgotos coletados, compreendendo um volume total coletado de 12.400 m3/dia (IBGE, 2000). O Censo registrou 106.394 domicílios conectados a redes de esgoto ou de águas pluviais, de um total de 324.704 domicílios identificados (IBGE, Censo 2000). Cerca de 164.550 domicílios dispu-nham de fossas sépticas ou rudimentares. Com base nesses dados, é possível inferir que, no ano 2000, apenas 3% dos domicílios estavam ligados às redes de esgoto e cerca de 50% lançavam os dejetos em fossas. O sistema de esgotos de Manaus é formado por rede coletora, coletores-tronco, estações elevatórias, estação de pré-condi-cionamento (EPC), localizada no Bairro dos Educandos, e um emissário subfluvial que tem início nessa estação.

As tabelas 4.4 e 4.5 e a figura 4.5 ilustram as áreas urbanas atendidas pelos diversos sistemas de esgota-mento sanitário, destacando os equipamentos em operação e os paralisados.

Tabela 4.4 Rede coletora de esgotos em 2000 (Águas do Amazonas, 2001)

Local Extensão (m)

Centro 43.594

Distrito industrial 46.963

Educandos 50.649

Conjuntos habitacionais 102.695

Cidade nova 117.827

Total 361.728

Tabela 4.5 Esgotamento sanitário de domicílios urbanos no ano de 2000 (IBGE, 2000)

Tipo de EsgotamentoDomicílios

Quantidade %

Rede geral de esgoto ou pluvial 106.394 32,77

Fossa séptica 119.847 36,91

Fossa rudimentar 44.700 13,77

Vala 10.598 3,26

Corpos d´água 22.211 6,84

Outro escoadouro 5.202 1,60

Ausência de banheiro ou sanitário 15.752 4,85

Total 324.704 100,00

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Figura 4.5 Mapa da Cidade de Manaus correspondente ao Sistema de Esgotamento Sanitário

Plano Diretor Urbano de Ambiental de Manaus, 2001

4.2.3 Sistema de coleta e disposição de resíduo sólido

Manaus tem a maior parte de seu lixo coletado direta ou indiretamente, mas um volume significativo é queimado ou lançado em terrenos baldios e corpos d’água, constituindo um dos principais problemas ambientais da cidade. O sistema de limpeza urbana operado pela prefeitura municipal vem sendo ampliado e modernizado para aumentar a eficiência da coleta e da disposição final do lixo urbano e hospitalar.

Na tabela 4.6, é apresentada a disposição das coletas feitas na Cidade de Manaus. A maior parte de seu lixo coletado direta ou indiretamente, um percentual que corresponde a 77,76%, apresenta a coleta direta com um percentual de 67,76% e a coleta indireta com 10,00%. Nos demais domicílios, o lixo é queimado (9,68%), en-terrado (0,43%), lançado em terrenos baldios (5,60%), lançado em corpos d’água (6,04%) ou tem um outro destino não-especificado (0,49%). O lixo queimado (veja tabela) ou lançado em terrenos baldios e corpos d’água é um dos principais problemas. Os resíduos são depositados no Aterro Sanitário da cidade, assim denominado, em que pese que a terminologia tecnicamente correta seja “aterro controlado”, uma vez que a área onde foi implantado o aterro não dispõe de infra-estrutura de base que permita a captação dos percolados e impeça a contaminação do solo e das águas subterrâneas.

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4GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 68

Tabela 4.6 Sistema de disposição de lixo de Manaus no ano de 2000

Tipo N° de Domicílios %

Coleta direta 670.252 67,76

Coleta indireta 98.864 10,00

Queimado 95.750 9,68

Enterrado 4.256 0,43

Lançado em terrenos baldios 55.428 5,60

Lançados em corpos d’água 59.745 6,04

Outro 4.828 0,49

Total 989.123 100,00

Fonte: IBGE, 2000

O aterro está situado em terreno pertencente à Prefeitura de Manaus, localizado na altura do Km 19, da Rodovia AM 010. O aterro é uma das grandes fontes poluidoras do Igarapé Matrinchã, além de já ter destruído de forma considerável dezenas de hectares de vegetação nativa. O projeto inicial implementado em sua concepção e operação não conseguiu limitar sua ação poluidora, que deverá ser contida para que se possa iniciar o processo de recuperação ambiental da área, paralelamente à elaboração dos estudos de alternativas locacionais para a definição da área de um novo aterro sanitário.

4.2.4 Saúde

A tabela 4.7 ilustra algumas doenças de veiculação hídrica em Manaus, no período de 1998 a 2001, se-gundo as zonas da cidade. Os dados utilizados para a elaboração da tabela foram fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Manaus por meio da Divisão de Vigilância Epidemiológica. A insuficiência da infra-estrutu-ra existente explica os altos índices de ocorrência de casos de doenças de veiculação hídrica, tais como a febre tifóide, a hepatite A e as diarréias, na cidade. Esses dados são também visualizados pelas figuras 4.6, 4.7 e 4.8.

Tabela 4.7 Algumas doenças de veiculação hídrica

Zonas dengue febre hepa leisv. leish lepto menin s.cSul 151 0 502 0 88 3 36 1

Norte 97 2 335 0 185 1 39 26Leste 97 5 351 0 173 2 41 6

Oeste 191 2 403 1 80 7 39 3C.Oeste 65 6 208 0 68 2 21 2

C.Sul 72 2 170 0 62 1 19 3Ignorado 20 0 27 0 105 0 4 1

Legenda: febre = febre tifóide; hepa = hepatite; leisv = leish. visceral; leish = leishmaniose; lepto = leptospirose; menin = meningite; s.c. = diarréia. Fonte: Prefeitura de Manaus, 2004

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Figura 4.6 Febre Tifóide – Ocorrências por zonas

No que diz respeito aos casos de hepatite A, verificamos que a Zona Sul apresentou maior número de ca-sos, totalizando 502 ocorrências, secundada pela Zona Oeste, com 403 casos. Com relação aos casos de diarréia, verifica-se um grande número de ocorrências em todas as áreas, com destaque para as Zonas Norte e Leste.

Com base nas informações sobre a evolução das doenças de veiculação hídrica, é possível verificar que a ocorrência dessas doenças muitas vezes leva a óbito, principalmente em crianças menores de cinco anos, como veremos mais adiante.

4.2.5 Drenagem urbana e inundações ribeirinhas

Clima: Manaus situa-se quase ao centro da grande Planície Amazônica, vivendo sob o clima classificado como equatorial quente e úmido, enquadrado no tipo “Afi” da classificação de Köppen. Segundo essa classificação, o clima de Manaus pode ser enquadrado no tipo “Afi” definido como equatorial quente e úmido. A zona climática “A” corresponde ao clima tropical praticamente sem inverno, com temperaturas médias para o mês mais frio sempre superior a 18°C. O tipo climático “f” indica a ocorrência de chuvas durante o ano, com precipitação superior a 60 mm no mês mais seco, que, em Manaus, corresponde a setembro. É a chamada variedade climática “i” (indicando isotermia), já que não existe grande diferenciação entre verão e inverno, com variações anuais de temperatura média que não atinge 5°C. As características climatológicas de Manaus são apresentadas na tabela 4.8

Manaus apresenta apenas duas estações ao longo do ano: chuvosa (inverno) – entre os meses de novembro e junho, período em que a temperatura é mais amena; e seca (verão) – de julho a outubro, período de sol intenso e temperaturas elevadas, em torno de 38°C, atingindo cerca de 40°C, no mês de setembro, o mais quente do ano.

A temperatura média anual observada em Manaus é de 26,7°C e variações médias entre 23,3°C e 31,4°C. Considerando os valores médios máximos de temperatura no período compreendido entre 1974 e 2003, verifi-ca-se que esses valores aparecem nos meses de setembro e outubro, com os valores mais elevados (38°C), em plena estação seca”. O valor mais baixo (35,1°C) está registrado no mês de abril, na estação chuvosa. Já com respeito aos valores médios mínimos de temperatura nesse mesmo período, é possível observar uma variação muito pequena dos valores mínimos: 20,5°C e 20,7°C em julho e agosto, e o valor máximo no mês de setembro é de 21,6°C), significando que existe, entre o máximo e o mínimo, apenas 1,1°C de diferença, valor muito baixo levando-se em consideração tratar-se de uma média anual.

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4GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 70

Figura 4.7 Hepatite A – Ocorrências por área

´

Figura 4.8 Diarréia – Ocorrências por áreas

Tabela 4.8 Parâmetros climatológicos característicos de Manaus (1974-2003)

Parâmetro Climatológico Valor

Temperatura anual média 34,1 oC

Temperatura máxima média 37,5 oC

Temperatura mínima média 21,0 oC

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Parâmetro Climatológico Valor

Mês mais quente Setembro

Precipitação anual média 2.296,4 mm/ano

Mês mais chuvoso Abril (255 a 352 mm)

Mês menos chuvoso Setembro (40 a 65 mm)

Umidade relativa anual média 82%

Vento Fraco, predominantemente do quadrante Este

Fonte: INMET, 2004

São altos os índices de umidade relativa do ar em Manaus. Os dados apontam para uma média anual de 82% (Tabela 4.8), muito embora sejam freqüentes os dias, principalmente na estação das chuvas, em que a umidade alcança os 100%. As médias mensais até 87% nos meses mais chuvosos (março e abril) e chegam a um mínimo de 77%, nos meses mais “secos” (agosto e setembro) figura 4.9. Observa-se que há uma estreita relação em os valores de chuva e os dados de umidade e não sendo esta um efeito exclusivo do ecossistema (floresta e rios).

Pluviometria: A precipitação pluviométrica média anual é de 2.286 mm e a densidade pluviométrica varia a cada seis meses. Observa-se claramente que a estação chuvosa ocorre no período entre maio e junho, quando chove quase diariamente e ocorrem às cheias do Rio Negro. Já a estação “seca”, vazante, corresponde aos meses de outubro a dezembro. Na figura 4.9, estão demonstrados esses valores, confrontando-os com os números de dias com chuva. Observando a figura, pode-se distinguir, perfeitamente, as duas estações climáticas.

Figura 4.9 Dias com chuva ao longo dos meses (média do período de estudo) e precipitação acumulada (mm) (1974 - 2003)Fonte: INMET, 2004

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Cheias no Rio Negro: As cheias fluviais do Rio Negro em Manaus, com ressalvas para o fato de que pos-sam apresentar maior ou menor amplitude, são fenômenos perfeitamente normais dentro da dinâmica dos rios em geral, e ocorrem anualmente, nos meses de junho e julho. As inundações ocorrem principalmente por conta das contribuições do Rio Solimões e dos seus afluentes da margem direita e, em menor grau, dos tributários da margem esquerda.

Mesmo quando o risco fica abaixo de cinco anos de risco, ocorrem impactos negativos nas áreas ribeirinhas da cidade, por conta da ocupação das margens dos igarapés e da orla ribeirinha do Rio Negro. Em 1999, a cheia atingiu a cota de 29,30 (figura 4.10), tendo atingido 42 mil pessoas da orla do Rio Negro e dos igarapés centrais de Manaus. A cheia de 1999 foi considerada a quinta maior da história (desde 1903, quando foram iniciadas as medi-ções sistemáticas). A população que pode ser atingida de acordo com a cota é apresentada na tabela 4.9.

A Defesa Civil da Prefeitura de Manaus considera que as principais áreas sujeitas a inundações estão si-tuadas na orla do rio Negro e nas margens de diversos cursos d’água da cidade, dentre os quais: Igarapé de São Raimundo, Igarapé dos Educandos, Igarapé do Quarenta, Igarapé Mestre Chico, Igarapé de Manaus, Igarapé Bittencourt e Igarapé Veneza.

Figura 4.10 Picos das cheias em Manaus de 1903 a 2003 Fonte: CPRM/AM, 2002

Tabela 4.9 Estimativa da população atingida em áreas alagáveis

Nível do Rio Negro (m) População Atingida (hab.)

27,00 1.000

27,50 2.000

28,00 6.000

28,50 15.000

29,00 30.000

29,50 50.000

Fonte: CPRM/AM, 2002

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Os trechos mais vulneráveis correspondem às áreas baixas dos seguintes bairros: Educandos, Glória, São Raimundo, Bariri, São Jorge, Morro da Liberdade, São Geraldo, Crespo, Raiz, Betânia, Vila da Prata, Santa Luzia, São Lázaro, Colônia Oliveira Machado, Matinha, Aparecida, Compensa, Pico das Águas, Mauazinho, Cachoeirinha e Presidente Vargas.

Bacias hidrográficas: A área urbana de Manaus abrange quatro bacias hidrográficas, todas contribuintes da grande Bacia do Rio Negro. Duas bacias encontram-se integralmente dentro da cidade – do Igarapé de São Raimundo e do Igarapé do Educandos. E duas parcialmente inseridas na malha urbana – do Igarapé do Tarumã-Açu e do Rio Puraquequara (figura 4.11).

O Igarapé do Tarumã-Açu, que em seu trecho inferior corresponde ao limite ocidental da área urbana, apre-senta diversos afluentes de sua margem esquerda nascendo na Reserva Ducke e percorrendo as Zonas Norte e Oeste de Manaus. O Rio Puraquequara, afluente da margem esquerda do Rio Amazonas, também apresenta parte de sua bacia localizada dentro de área ocupada e de áreas consideradas como de uso agrícola. Esse curso d’água, que em seu trecho inferior corresponde ao limite oriental da área urbana, ainda mantém muitas de suas caracte-rísticas naturais, mas já começa a sentir os efeitos da expansão da cidade sobre suas fronteiras orientais. O Rio Negro, que banha a orla sul da cidade, tem suas nascentes localizadas na depressão do Orenoco, percorrendo cerca de 1.550 km até encontrar o Solimões, formando o Rio Amazonas, na baía do “encontro das águas”.

Figura 4.11 Hidrografia da cidade de ManausFonte: Plano Diretor Urbano de Ambiental de Manaus, 2001

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O Rio Negro quase não apresenta planícies aluviais. Ele se desenvolve entre margens com vertentes em desníveis e margens escarpadas. Mas apresenta duas notáveis formações de restingas centrais de silte-argiloso, fixadas por um ecossistema de floresta de baixio. Em seu trecho inferior, existem dois tipos de arquipélagos flu-viais – do tipo Anavilhanas, localizado próximo a Manaus, e o outro situado próximo à confluência do Rio Branco com o Rio Negro.

Do longo percurso do Rio Negro, cerca de 780 km são navegáveis, dos quais a maior parte encontra-se em seu trecho inferior. As condições favoráveis à navegação estão também presentes no Igarapé do Tarumã-Açu e no Rio Puraquequara. Isso se deve à reduzida existência de desníveis ao longo de seus cursos. Na Cidade de Manaus registra-se apenas a presença de duas quedas d’água: a Cachoeira Alta, no Tarumã, e a Cachoeira do Tarumãzinho.

Integram a Bacia do Igarapé de São Raimundo:Igarapé do Mindu – principal tributário do S. Raimundo, tem uma de suas nascentes localizada no Bairro

Jorge Teixeira, na Zona Leste, próximo ao Jardim Botânico da Reserva Ducke. Cruza a cidade no sentido nordes-te-sudoeste, percorrendo e delimitando inúmeros bairros, como Jorge Teixeira, Tancredo Neves, Cidade Nova, Aleixo, Parque 10 de Novembro, N. S. das Graças e S. Geraldo.

Igarapé dos Franceses – localizado na Zona Centro-Oeste, é um dos principais contribuintes da bacia. Drena os Bairros de Alvorada I, Alvorada II, D. Pedro I e D. Pedro II.

Igarapé do Binda – nasce na Zona Norte e percorre os Bairros de Cidade Nova, Parque Dez e União.

Integram a Bacia do Igarapé do Educandos:Igarapé de Manaus – localizado próximo à área central de Manaus, corta importantes vias de acesso ao cen-

tro e, a exemplo do que ocorre com os Igarapés da Cachoeirinha e do Mestre Chico, sofre as conseqüências das cheias dos Rios Negro e Amazonas.

Igarapé do Quarenta – é o principal tributário da Bacia do Educandos, e sua nascente está localizada no Bairro Armando Mendes, na Zona Leste da cidade. Percorre áreas urbanas ocupadas, como o Distrito Industrial da Suframa e os Bairros do Coroado e Japiim.

Igarapé da Cachoeirinha - abrange os Bairros da Cachoeirinha, Petrópolis, Raiz e São Francisco. O igarapé atravessa vales que estão sujeitos a inundação, principalmente nos meses de janeiro a junho.

Igarapé do Mestre Chico – localizado próximo à área central de Manaus, abrange parte do Bairro da Cachoeirinha e cruza vias importantes de acesso ao centro da cidade até desaguar nos Educandos. Por suas características, também está sujeito a inundações.

Os tributários do Igarapé Tarumã-Açu pela margem esquerda, localizados dentro da área urbana, são:Igarapé Leão – nasce ao norte da Reserva Ducke e seu percurso corresponde a um trecho do limite seten-

trional da Área de Transição, definida pelo novo perímetro urbano de Manaus.Igarapé do Mariano – tem algumas de suas nascentes localizadas dentro da Reserva Ducke, e seu talvegue,

entre a Reserva e sua embocadura, constitui o limite norte da Área Urbana e do Bairro do Tarumã.Igarapé do Bolívia – nasce dentro da Reserva Ducke, cruza a Rodovia AM-10 e corta áreas em processo de

ocupação na Zona Norte da cidade, assim como o Bairro do Tarumã.Igarapé do Tarumãzinho – integralmente localizado dentro do Bairro do Tarumã.

Vulnerabilidade natural: As áreas críticas: Segundo dados da CPRM e da Defesa Civil Municipal, as áreas críticas em Manaus estão situadas em vários pontos da cidade, correspondendo a: (a) Águas poluídas, em

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quase todos os igarapés que cortam a área urbana, como os de São Raimundo, Mindu, Bindá, Franceses, Bolívia, Matrinxã, Tarumanzinho, Quarenta, Educandos, Mestre Chico, Manaus, Bittencourt e Franco; (b) Alagamento de áreas ocupadas por chuvas intensas – como as que ocorrem em vários bairros, como do Japiim, Petrópolis, Compensa, Aleixo, Parque 10 e Santa Etelvina; (c) Riscos de Desabamentos, estão presentes em inúmeros bair-ros, como Centro, Aparecida, Educandos, Petrópolis, Santa Luzia, Betânia, Aleixo, Parque 10, Santa Etelvina, Novo Israel, Colônia Terra Nova, N.S. Fátima, Cidade Nova, Canaranas, Multirão Amazonino Mendes, Mauazinho, São Lucas, João Paulo II, São José III, Coroado (I, II e III), Compensa, São Jorge, São Raimundo, Bairro da Paz, Redenção e, também, na Ceasa e na orla do Rio Negro; (d) Inundações por Cheias Fluviais, ocorrem nas partes mais baixas da área urbana, principalmente nos trechos localizados às margens dos cursos d’água, atingindo os Bairros de Educandos, Glória, São Raimundo, Bariri, São Jorge, Morro da Liberdade, São Geraldo, Crespo, Raiz, Betânia, Vila da Prata, Santa Luzia, São Lázaro, Colônia Oliveira Machado, Matinha, Aparecida, Compensa, Pico das Águas, Mauazinho, Cachoeirinha, Centro, Presidente Vargas, Igarapé do Quarenta, Igarapé Mestre Chico, Igarapé de Manaus, Igarapé Bittencourt, Jardim dos Barés, Igarapé Veneza, Beira do Rio Negro.

O estado da água (Igarapés): As grandes transformações sofridas por Manaus a partir da implantação da Zona Franca não foram acompanhadas por uma política de controle ambiental compatível com crescimento urbano. Ao longo desse processo, os cursos d’água que cortam a cidade transformaram-se em depósitos de esgotos e lixo, culminando no quadro que hoje se observa: valas poluídas e malcheirosas. Em suas margens, habitam milhares de famílias e crianças brincam nas águas que têm altos teores de metais pesados. Muitos moradores alimentam-se dos peixes que sobrevivem aos despejos dos esgotos e dos efluentes industriais.

As nascentes dos igarapés ainda apresentam condições satisfatórias, próximas às de ambientes natu-rais, embora já se observem processos de ocupação em áreas próximas a suas cabeceiras. Entretanto, nos trechos dos igarapés onde ocorrem ações antrópicas, as propriedades dos corpos d’água apresentam intensa alteração, chegando a atingir estado de total descaracterização, em virtude do pequeno porte e da pouca ca-pacidade de autodepuração das cargas poluidoras.

Isto se deve ao fato de que esses igarapés não são guarnecidos por matas ciliares, na maior parte de seus percursos, permitindo o carreamento de grande variedade de detritos para suas calhas, levados pelas águas pluviais. Em conseqüência, ocorrem o assoreamento dos talvegues e, freqüentemente, a alteração dos canais, além do represamento de águas altamente poluídas junto às margens, onde se instauram ambientes anóxicos, que provocam a exalação de odores desagradáveis. Esta é, aliás, uma situação que se observa em quase todos os igarapés que cruzam a cidade: o mau cheiro.

O Rio Puraquequara foi estudado em seu trecho inferior, cuja bacia direita ainda permanece com uma ocupação rarefeita, com usos predominantemente agrícolas, mas onde já se verificam indícios de transforma-ção de uso e aumento da ocupação do solo. Em que pesem as características ambientais naturais observadas, foram constatadas algumas alterações físicas e químicas no curso d’água, como turbidez e elevação dos valo-res de amônia, comparadas com as características dos demais igarapés da região.

O Igarapé Mindu, um dos tributários da Bacia do São Raimundo, tem uma das nascentes localizada no Bairro Jorge Teixeira, Zona Leste. Daí até sua foz, no Rio Negro, recebe esgotos domésticos, lixos entre outros.

O Igarapé do Quarenta é um dos principais tributários da Bacia do Educandos. Sua nascente está loca-lizada no Bairro Armando Mendes, onde ainda se encontra vegetação típica de mata primária, e apresenta cor marrom-escura. De sua nascente até a confluência com o Igarapé do Educandos, passa pelo distrito industrial, onde recebe efluentes de indústrias, esgotos e lixo domésticos, por atravessar uma vasta área residencial.

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Rio Negro e balneabilidade: A despeito de o Rio Negro receber intenso despejo de águas poluídas dos igarapés que cruzam a área urbana, vários trechos de sua orla são freqüentemente utilizados pela população de Manaus como balneários. As características físico-químicas de suas águas, com pH muito baixo, são responsá-veis pela rápida diluição da matéria orgânica nelas lançadas, permitindo que algumas de suas praias apresentem condições satisfatórias de uso.

Características do solo: Manaus apresenta um conjunto de relevo pouco pronunciado, com áreas pla-nas que se interligam por declives suaves, freqüentemente interrompido pelos desníveis causados pela rede de igarapés. Para melhor compreensão e dimensionamento das características do sítio urbano de Manaus, segue uma breve análise individualizada de cada um dos elementos mais importantes que compõem sua paisagem.

Esplanadas – correspondem às superfícies fragmentadas mais elevadas que circundam a cidade, atingindo, em média, altitudes entre 70 e 85 m sobre o nível do mar. O Distrito Industrial da Suframa, localizado na Zona Sudeste, e o Aeroporto Internacional Brigadeiro Eduardo Gomes, localizado na Zona Noroeste da área urbana, são exemplos desses fragmentos. A manutenção desses fragmentos, remanescentes do planalto arenítico original denominado Grupo Barreiras, deve-se à uma cobertura de laterite (canga), que os protegeu da erosão natural. Essas áreas apresentam o topo plano, mas, eventualmente, podem apresentar declives acentuados decorrentes da ação dos seguintes fatores: (a) erosão de cabeceira, uma vez que essas esplanadas atuam freqüentemente como divisores de águas; (b) erosão de vertente, em conseqüência das enxurradas. corina

Colinas Tabuliformes – formadas pela erosão do Grupo Barreiras, as colinas tabuliformes têm topos amplos, planos e estão localizadas em altitudes que variam entre 40 e 64 metros sobre o nível do mar; apresentam, em geral, suaves ondulações, mas, do mesmo modo que as esplanadas, podem apresentar as vertentes fortemente erodidas pelas enxurradas.

Baixas Colinas – apresentam-se encaixadas entre os desvãos do nível intermediário e esculpidas pela ação da rede de igarapés. Seus topos são planos, mas bem mais estreitos do que as colinas do nível intermediário, e suas vertentes apresentam ondulações suaves, só se tornando mais abruptas nos trechos mais estreitos dos igarapés.

Terraços – são mais representativos nos cursos médios dos igarapés, aparecendo, quase sempre, na mar-gem direita.

Várzeas de Inundação – embutidas entre terraços e colinas, apresentam fundo chato com depósitos que podem variar: areia nos altos e médio cursos e areia capeada por material argilosos nos baixos cursos. São mais amplas na porção média dos igarapés, onde há maior concentração de drenagem e menor grau de inclinação.

Cabeceiras dos Igarapés – apresentam-se como anfiteatros mais ou menos amplos onde o vigor da erosão provoca sulcos em forma dendritificada.

Igarapés – canais naturais estreitos, localizados entre duas ilhas, ou entre uma ilha e a terra firme. Constituem, sem dúvida, os elementos mais significativos do sítio urbano de Manaus, quer como unidade morfológica, quer como elemento de compartimentação topográfica.

Barrancas dos Igarapés e do Rio Negro – resultado da erosão lateral dos cursos d’água sobre os terrenos sedi-mentares de arenito da Formação Manaus (Grupo Barreiras).

As barrancas do rio Negro têm a aparência de verdadeiras falésias fluviais, com desnível de até 45 metros, estando as mais altas localizadas a sudeste da cidade e as mais baixas a sudoeste. O topo da barranca do rio Negro não é contínuo, apresentando alguns rebaixamentos em forma de colos.

Praias de Estiagem – localizadas no sopé da barranca do rio Negro, só são visíveis no período da estiagem,

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entre os meses de julho e dezembro, quando o nível das águas do rio está baixo. Apresentam largura média de 40 metros, mas podem atingir mais de 150 metros, como no caso das praias da Ponta Negra e do Tupé. Embora sejam interrompidas por trechos rochosos, as praias possibilitam a interligação de praticamente toda a orla da cidade, principalmente durante os meses de verão.

Riscos de deslizamentos: Levantamentos realizados por órgãos da Prefeitura Municipal de Manaus, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Amazonas e a Superintendência Regional da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM/AM, em 2001, identificaram 12 áreas suscetíveis a deslizamentos, ao longo da orla urbana do rio Negro.

Estas áreas, localizadas sobre taludes de alta declividade e amplitudes de 30 metros a 50 metros, apre-sentam características de “falésias” e estão sujeitas a forte antropismo. À ocupação intensa e/ou desordenada dessas áreas marginais, resultado de freqüentes invasões por população de baixa renda e por atividades portuá-rias irregulares, somam-se outros fatores antrópicos que contribuem para o aumento da suscetibilidade à erosão. Entre esses fatores destacam-se a realização de cortes abruptos do talude para consolidação das moradias e portos, a retirada da vegetação original e o lançamento indevido de águas pluviais e servidas na encosta.

Os levantamentos demonstraram que a interação dos aspectos físicos (terrenos instáveis) e a ocupação/uso do solo induzem a uma relação direta de causa e efeito: as moradias que ocupam a faixas mais próximas da orla, sujeitas ao risco de escorregamento devido à erosão das margens pelo rio, ficam mais suscetíveis ao proces-so erosivo em virtude da ação antrópica desencadeada pelos próprios moradores, que propicia o recuo da linha da orla e desestabiliza as edificações, atingindo inclusive moradias situadas em áreas anteriormente seguras.

O trabalho analisou de forma detalhada todas as áreas identificadas, domicílio a domicílio, a fim de per-mitir uma hierarquização das situações risco. Durante o levantamento observaram-se trincas no solo, nos muros e paredes dos domicílios, variando a ocorrência desses fenômenos de acordo com o distanciamento em relação à crista do talude, isto é, à linha de ruptura do maciço. A avaliação realizada nas 12 áreas está condensada na Tabela 4.10, contendo o número e o local das áreas inspecionadas, a classificação dos riscos e quantidade de moradias visitadas.

Tabela 4.10 Classificação de risco das moradias pesquisadas

Área de risco Iminente Alto Médio Baixo Total

001-Compensa 00 09 03 04 16

002-Compensa 02 23 06 04 35

003-Compensa 04 20 10 07 41

004-Compensa 00 25 21 00 46

005-São Raimundo 00 10 03 22 35

006-São Raimundo 00 26 13 00 39

007-São Raimundo 12 33 14 02 61

008-São Raimundo 00 14 29 00 43

009-São Raimundo 12 04 43 02 61

010-Educandos 06 19 05 04 34

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Área de risco Iminente Alto Médio Baixo Total

011-Educandos 04 23 23 00 50

012-Mauazinho 00 07 19 07 33

Total Geral 40 213 189 52 494

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus e CPRM, 2001

É importante observar que determinadas áreas concentram maior número de casos considerados de “risco iminente”, como no caso das áreas 007 e 009, que, juntas, representam 60% desse tipo de situação. Ressaltando ainda que, sozinha, a área 007 em questão apresenta 45 casos de riscos altos ou eminentes, número particu-larmente alto em relação às demais áreas. De acordo com o distanciamento do talude e com as características morfológicas do terreno, a situação de cada domicílio foi classificada como: risco iminente; risco alto; risco médio e risco baixo conforme ilustrado na Tabela 4.11 a seguir.

Tabela 4.11 Classificação de risco das moradias da orla do Rio Negro

Risco Iminente

Moradias localizadas na faixa de segurança de 8 metros ou na própria encosta, suscetíveis a desabamentos por escorregamento do talude e/ou pela condição precária de suas fundações, apresentando indicadores de risco (trincas no chão e parede, colunas e vigas inclinadas, fundações, expostas, concentração de águas pluviais etc.).

Risco AltoMoradias localizadas na faixa de segurança de 8 metros ou na própria encosta suscetíveis a desabamentos por escorregamento do talude.

Risco MédioMoradias situadas no topo do talude, próximo à faixa de segurança, e aquelas palafitas localizadas na área de aluvião do rio Negro.

Risco BaixoMoradias situadas na faixa de 100 metros do topo da orla, podendo, em função do recuo erosivo do talude, sofrer problemas futuros.

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus e CPRM, 2001

Além da identificação dos fatores de risco existentes nas áreas de estudo, o relatório contribuiu ainda com a elaboração de várias proposições em termos de obras e políticas de manejo que podem ser realizadas a custos relativamente modestos sendo muito eficazes no controle de tais processos erosivos. Vale ressaltar que em diversas situações a não realização desses trabalhos pode vir a contribuir para a evolução do risco, de forma muito acelera-da, implicando conseqüentemente o aumento do perigo de vida para as pessoas residentes nessas áreas.

4.3 Aspectos institucionais

4.3.1 Instrumentos públicos de gestão municipal

Os principais diplomas legais associados a regulação de águas urbanas são apresentados no Tabela 4.12. O Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus é o principal instrumento para a execução da política de desenvol-vimento e expansão urbana de Manaus, contendo no seu escopo, não só instrumentos de gestão e ordenamento

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territorial, como também componentes que determinam a gestão ambiental, econômica, social e institucional da cidade. Este plano propõe estratégias para a solução dos problemas urbanos e define restrições quanto as diferentes intervenções que ora possam ser realizadas na cidade.

4.3.2 Plano diretor urbano e ambiental de Manaus (PDM)

As estratégias propostas pelo Plano Diretor urbano e ambiental de Manaus para o Desenvolvimento do município são as seguintes:

“I – Valorização de Manaus como Metrópole Regional;II – Qualificação Ambiental do Território;III – Promoção da Economia;IV – Mobilidade em Manaus;V – Uso e Ocupação do Solo Urbano;VI – Construção da Cidade;VII – Gestão Democrática.” A Tabela 4.13 apresenta os objetivos e programas que devem ser implementados na execução do Plano

Diretor de Manaus. Segundo o Plano Diretor, os planos e programas supra mencionados deverão ser elaborados e aprovados, mediante um Projeto de Lei, a ser aprovado pela Câmara Municipal de Manaus e antecedido por uma audiência pública, no prazo de 2 (dois) anos, a contar da data de aprovação do Plano Diretor, prazo este que expirou em novembro de 2004.

Tabela 4.12 Instrumentos públicos de gestão municipal

Legislação municipal

Lei / Decreto / Norma Comentários

Lei nº 665/2002Regulamenta o Parcelamento do solo urbano no município de Manaus.Define as áreas não edificantes.

Lei Orgânica do Município de Manaus

Revela, quanto aos aspectos ambientais, a necessidade de viabilizar o empreendimento, antes do mesmo começar sua implantação, de acordo com as políticas urbanas satisfatórias à qualidade de vida da população.

Lei nº 671/02Plano Diretor

Teria como objetivo, definir as áreas de interesse social, econômico, urbanístico, histórico e ambiental. Além de definir a política urbana e os diversos planos e programas para sua efetiva implementação.

Lei nº 673/02Código de Obras do Município de Manaus

Destina a implantação, iluminação e ventilação dos compartimentos, menciona que a edificação no lote deve atender às exigências da legislação ambiental vigente quanto às faixas não edificáveis previstas e ao Plano de Proteção às Margens dos Cursos d’água.

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Legislação municipal

Lei / Decreto / Norma Comentários

Lei n º605/01Código Ambiental

Regula a ação do Poder Público Municipal e sua relação com os cidadãos e instituições públicas e privadas, na preservação, conservação, defesa, melhoria, recuperação e controle do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de natureza difusa e essencial à sadia qualidade de vida. Revela a abrangência das Áreas de Preservação Permanente; estabelece a necessidade de proteção e recuperação os ecossistemas aquáticos superficiais e subterrâneos, com especial atenção para as áreas de nascentes, as áreas de várzeas, de igarapés e de igapós e outras relevantes para a manutenção dos ciclos biológicos

Lei nº 672/02 Normas de Uso e Ocupação do Solo no Município de Manaus

Institui as Normas de Uso e Ocupação do Solo no Município de Manaus, Estado do Amazonas, e dá outras providências. Institui as Zonas de Proteção Ambiental - ZPA, que correspondem a áreas protegidas por instrumentos legais diversos devido à existência de suscetibilidade do meio a riscos relevantes, é vedada a edificação. E apresenta as Zonas de Recuperação Ambiental – ZRA, que correspondem às áreas em estágio significativo de degradação, são áreas prioritárias para aplicação do instrumento de intervenção da operação urbana consorciada.

Lei Nº 674/02, Licenciamento e Fiscalização de Atividades em Estabelecimentos e Logradouros

Relativa ao Licenciamento e Fiscalização de Atividades em Estabelecimentos e Logradouros, que integra o Conjunto de Posturas do Município de Manaus. Essa lei integra as Posturas Municipais, em conjunto com os códigos: Sanitário, Ambiental, de Obras e Edificações.

4.3.3 Plano de saneamento e drenagem

O Plano de Saneamento e Drenagem é definido pelo Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus como uma das estratégias de Operação Urbana Consorciada, cujo objetivo primordial é promover intervenções urbanís-ticas estruturais, em determinadas áreas da cidade, que resultem em melhorias sociais e qualidade ambiental.

Tabela 4.13 Principais estratégias a serem aplicadas na implementação do PDM

Estratégias Objetivos Programas/Ações

Valorização de Manaus como metrópole regional

Orientar as ações do governo e dos diferentes agentes da sociedade para a promoção do desenvolvimento sustentável e integrado na região.

Programa Manaus – Metrópole da Amazônia

Qualificação ambiental do território

Promover a proteção e valorização do patrimônio cultural e natural do município – no qual se incluem os cursos d’água e as áreas que lhes margeiam. prevê a criação de áreas de especial interesse ambiental, priorizando, dentre outras, as áreas às margens dos rios e igarapés que precisam ser recuperadas e que possam ser utilizadas para lazer público

Macro-programa de proteção do Patrimônio Natural: Programa de Proteção e Valorização dos Ambientes Naturais de Manaus e o Programa Valorização dos Ambientes Naturais e dos Cursos d’Água

Promoção da economiaPotencializar Manaus como centro articulador da dinâmica econômica da Amazônia Ocidental e produtor de conhecimento sobre a região.

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Estratégias Objetivos Programas/Ações

Mobilidade em Manaus Qualificar a circulação e a acessibilidade de modo a atender às necessidades da população em todo território municipal.

Programa de Melhoria da Circulação e Acessibilidade Urbana

Uso e ocupação do solo urbano

Ordenar e regulamentar o uso e a ocupação do solo para garantir a qualidade de vida da população, incluindo a reconfiguração da paisagem urbana e a valorização das paisagens não-urbanas.

Programa de Revitalização da Área Central. Programa de Dinamização de Centros de Bairros. Programa de Criação e Consolidação de Centros de Turismo e Lazer.

Construção da cidade Compõe-se de políticas habitacionais de acesso à terra e à moradia, com ênfase na promoção e compartilhamento dos benefícios sociais.

Programa para Melhoria das Condições de Habitabilidade em Áreas Consolidadas. Programa de Reassentamento da População Removida de Áreas de Riscos. Programa de Construção de Habitação de Interesse Social

Gestão democrática Implantar um Sistema Municipal de Planejamento e Gestão Urbana que se constitua em um processo contínuo, democrático e dinâmico de qualificação das funções inerentes ao próprio sistema, da cidadania e do controle da ocupação urbana, com base nas formulações e instrumentos do Plano Diretor Urbano Ambiental de Manaus.

A definição das áreas a serem escolhidas para a implantação dessas intervenções se baseia, dentre outros critérios, no diagnóstico de demandas das áreas de maior carência, estando incluídas nessa catego-ria as áreas das margens dos rios e igarapés do município de Manaus.

Os principais objetivos definidos para o Plano de Saneamento e Drenagem dizem respeito à pre-servação dos cursos d’água do município, principalmente através do controle e direcionamento de seus usos, bem como ao disciplinamento do lançamento de efluentes – domésticos, não domésticos e indus-triais. Para tanto, baseia-se na definição de alguns componentes: o Sistema de Macrodrenagem – tratan-do dos aspectos relacionados às áreas de preservação às margens dos cursos d’água, responsáveis por contribuições às bacias hidrográficas da região; o Sistema de Microdrenagem – tratando dos aspectos relacionados à drenagem da própria malha viária do município; e o Esgotamento Sanitário – tratando dos aspectos relacionados ao saneamento do município, envolvendo questões de tratamento e destinação final dos efluentes gerados. Outro aspecto importante desse Plano é a previsão de implantação de Zonas de Proteção Ambiental nas margens dos cursos d’águas, como estratégia de preservação das áreas verdes remanescentes.

– O Plano de Saneamento e Drenagem (art. 127, do Plano Diretor) será elaborado pelo Executivo Municipal, tendo como representantes os seguintes órgãos e concessionária:

I – Administração Municipal Direta e Indireta;II – Administração Estadual Direta e Indireta;III – Concessionária prestadora de serviços de águas e esgotos.

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4.3.4 Plano de saneamento ambiental

O principal objetivo do Plano de Saneamento Ambiental é promover a integração de todas as ações do Poder Executivo Municipal relacionadas às questões de saneamento básico. Para tanto, o Plano Diretor define os seus componentes imprescindíveis, dentre os quais destacamos as diretrizes básicas para a melhoria das condi-ções do saneamento ambiental, com vistas à promoção da saúde pública e saneamento urbano.

Assim como o Plano de Saneamento e Drenagem, o Plano de Saneamento Ambiental, este instrumento ainda deverá ser elaborado e aprovado no prazo de 2 (dois) anos, conforme os procedimentos definidos no artigo 138 da Lei nº. 671/02.

4.3.5 Plano de gerenciamento dos resíduos sólidos

As estratégias do Poder Executivo Municipal para gerenciamento dos resíduos sólidos, diagnóstico; proce-dimentos de acondicionamento, coleta, segregação, transporte, trasbordo, tratamento e disposição final; ações preventivas e corretivas para situações inesperadas com o manuseio; medidas para minimização da quantidade dos resíduos sólidos produzidos; ações de educação ambiental; e monitoramento das metas pré-estabelecidas, deve estar contidas no Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos.

Dentre os aspectos definidos pelo Plano, destacamos os que relacionam a necessidade de fiscalização de atividades, principalmente as comerciais e industriais, praticadas às margens dos rios e igarapés, sobre a emissão de efluentes sólidos.

4.3.6 Plano integrado de transporte

O Plano Integrado de Transporte é um instrumento definido pelo Plano Diretor cujo objetivo é promover a melhoria das condições de circulação e acessibilidade em Manaus, estando previsto no Estatuto da Cidade, na Estratégia de Mobilidade Urbana do município e na Operação Urbana Consorciada do município.

De uma maneira geral, determina a necessidade de melhorias da mobilidade urbana, bem como a implan-tação de equipamentos de suporte ao sistema intermodal de transporte no município. As áreas a serem esco-lhidas para a implantação dessas intervenções devem ser aquelas de maior carência, estando incluídas nessa categoria as áreas das margens dos rios e igarapés do município de Manaus.

4.3.7 Plano de proteção das margens dos cursos d’água

Segundo o Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus, nas margens dos cursos d’água do município, principalmente naquelas que ainda dispõem de áreas verdes remanescentes significativas, devem ser implanta-das Zonas de Proteção Ambiental, conforme determinações do Plano de Saneamento e Drenagem, já tratado anteriormente, e do Plano de Proteção das Margens dos Cursos d’água. Este último tem por objetivo delimitar as faixas marginais non aedificandi e adequar o uso e ocupação dos imóveis localizados nas proximidades das margens de rios e igarapés.

De uma maneira geral, a definição das faixas não-edificantes e dos critérios de ocupação demonstra a necessidade de proteção e recuperação dessas áreas, integrando ações de saneamento ambiental, de restrições à ocupação e ao uso e de educação ambiental.

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4.4 Avaliação do sistema

A ocupação desordenada das áreas marginais dos igarapés, a região mais urbanizada da cidade e o enor-me déficit de serviços de saneamento básico adequados, aliados à crônica dificuldade financeira dos municípios brasileiros, são as razões de serviço de abastecimento, esgotamento sanitário e de limpeza urbana apresentarem também deficiências no que diz respeito à abrangência do atendimento dos serviços quando no planejamento de ampliação da rede de saneamento.

4.4.1 Abastecimento de água

A Cidade de Manaus possuí aproximadamente 1,6 milhões de habitantes, sendo que aproximadamente 87% possuem o serviço de abastecimento de água e 8% possuem o serviço de esgotamento sanitário. Em alguns locais da cidade mesmo existindo o abastecimento, este acontece de forma precária, ou seja, apenas 1,1 milhão de pessoas possuem abastecimento 24 horas por dia.

A água produzida e distribuída na Cidade de Manaus segue os padrões da Portaria no 518/2004 do Ministério da Saúde, sendo que os Planos de Amostragem são definidos e encaminhados para aprovação da Vigilância Sanitária do município. A Cia. Águas do Amazonas realiza mensalmente cerca de 30 mil análises da água e enca-minha para a Arsam (Órgão Regulador). No que diz respeito ao controle de qualidade da água de abastecimento em Manaus, a responsabilidade é do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM), que não dispõe de informações sobre os procedimentos, a periodicidade e os resultados do controle realizado.

A situação atual de abastecimento de água, não é ruim se considerarmos a questão tão somente do aten-dimento o índice de hidrometração é considerável. O grande desafio no momento é suprir a demanda de água principalmente para as Zonas Norte e Leste da Cidade onde aproximadamente 60.000 famílias não possuem água e outras 50.000 possuem o abastecimento de água precário (algumas horas do dia). A população dessas áreas possui baixo poder aquisitivo (85% das famílias com renda de até 3 salários mínimos) e concentra-se em áreas de invasão onde o serviço de infra-estrutura vem sendo implantando pelo Governo do Estado e pela Prefeitura Municipal.

4.4.2 Esgotamento sanitário

No indicador de cobertura de esgotamento sanitário, os dados da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA) de 2001 indicam que a Região Norte comparece com os piores índices (20,14%). Dos sete esta-dos que integram a região, a quase totalidade deles - Amapá, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará e Tocantins – possui índices que não ultrapassam a metade da média nacional, que é de 60,66%. Em termos percentuais, as demais regiões possuem os seguintes indicadores: região Centro-Oeste, com 37,70%; região Nordeste, com 48,41%; região Sul, com 50,46%; e região Sudeste, com 81,27%.

De acordo com os Dados do IBGE, estimava-se que, no ano 2000, somente 3% dos domicílios estariam ligados às redes de esgoto e cerca de 50% lançariam os dejetos em fossas. Nas áreas onde inexiste rede coleto-ra, são utilizadas fossas e sumidouros nas residências e fossa/filtros anaeróbicos nos conjuntos habitacionais. Portanto, em toda a Cidade de Manaus, mesmo em áreas próximas ao centro, ocorrem lançamentos de efluentes domésticos nas ruas e nos vários igarapés que cruzam Manaus.

A situação de esgotamento sanitário em Manaus é precária. Onde a rede é inexistente, os esgotos são desti-

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nados a fossas, ruas e igarapés. Embora a área seja uma das poucas com sistema de coleta de esgotos da cidade, a porcentagem de cobertura frente ao universo de moradias é insignificante. A maior parte dos domicílios, principal-mente aqueles localizados às margens dos igarapés, lançam diretamente seus esgotos nesses corpos d’água.

4.4.3 Coleta de lixo

Em 2001, segundo os dados da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA/2001), a região Norte ocupou a quarta posição em relação às demais regiões do País no indicador “cobertura de lixo da população urba-na”, perdendo apenas para a região Nordeste, que ocupa o último lugar, com um percentual de apenas 64,39% de cobertura de coleta de lixo da população urbana.

Os dados sobre o indicador cobertura de coleta de lixo da população urbana parecem confirmar que uma parte ínfima das despesas sociais vai para o saneamento. Dados percentuais, de 1996, dos indicadores de recur-sos, especificamente o do gasto público com saneamento, como proporção do PIB, para a população urbana das regiões do País revelam o que se segue: A região Norte é a que menos gasta nesse indicador, com 295,5%, seguida em ordem ascendente das regiões: Nordeste, com 350,8%; Centro-Oeste, com 396,8%; Sul, com 481,6%; e Sudeste, com 513,7%.

É difícil explicar como investimentos tão baixos em um setor fundamental que interfere diretamente nas condições de vida da população e contribui, sobremaneira, para melhorar a expectativa de vida ao nascer e reduzir os índices de mortalidade infantil pode ser negligenciado nas políticas da região Norte e, em especial, no Estado do Amazonas.

Os estudos no Brasil e no Estado do Amazonas sobre o comportamento dos indivíduos quanto à questão do lixo são pouco freqüentes, dificultando, em certa medida, a problematização do lixo como uma questão ambiental no espaço urbano e, conseqüentemente, a implantação de projetos que resgatem aspectos educativos nos quais o debate ambiental se destacaria como fator mobilizador de todos os sujeitos envolvidos no processo de redução de lixo nas comunidades. O reduzido entrosamento entre os órgãos públicos que prestam serviços de coleta de resíduos sólidos na cidade e as comunidades, no cotidiano de trabalho de recolhimento do lixo, releva o quanto essa questão é secundarizada.

A limpeza urbana insere-se na problemática social e ambiental dos igarapés de Manaus, não só pela inter-face com a saúde – por meio do contato direto da população com o lixo não-coletado atirado nos igarapés, que, em função das características climatológicas da região (alto índice pluviométrico e umidade do ar e temperaturas médias também elevadas), entra rapidamente em processo de decomposição facilitando a proliferação de bactérias patogênicas e outros vetores (moscas, mosquitos, baratas, roedores, etc.) – como, também, com a área de drena-gem urbana, que, em Manaus, apresenta grande relevância pela capilaridade do sistema hidrológico.

4.4.4 Avaliação do sistema de drenagem urbana: passado, presente e futuro

No município de Manaus não existe um adequado sistema de microdrenagem, tecnicamente planejado e integrado à macrodrenagem. O que existe, em alguns casos, é a presença de algumas galerias de águas pluviais que, geralmente, coletam também os esgotos sanitários que escoam pelas sarjetas das vias.

Pode-se citar como exemplo a zona central da cidade, onde o sistema de microdrenagem é todo realizado de acordo com o antigo sistema coletor de esgotos, projetado pelos ingleses no início do século passado, que se situa no polígono formado pelas Ruas Joaquim Nabuco, Leonardo Malcher, Luiz Antony e pela margem do Rio

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Negro. Esse funciona como um sistema de esgotos sanitários, onde se misturam as águas pluviais e os resíduos líquidos lançados, diretamente pelas residências existentes na área, nas suas águas.

Observa-se que, nas áreas periféricas do município, a prefeitura tem tido uma atuação marcante, com a abertura de novas ruas e avenidas, com sistema de microdrenagem sub-superficial, com assentamento de tubos de concreto, e superficial, com as sarjetas e bocas-de-lobo, que conduzem as águas até os igarapés. Mesmo as-sim, como não existe um sistema separador absoluto, essa microdrenagem também recebe os resíduos líquidos despejados pelas moradias do entorno, contaminando os igarapés e as águas da região.

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REFERÊNCIAS

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ÁGUAS DO AMAZONAS. 2005. Descrição dos sistemas existentes de abastecimento de água e esgotamento sanitário. CD-ROM. Águas do Amazonas.

CPRM, 1996 Base Cartográfica de Manaus. CD-ROM. Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais Instituto Municipal de Planejamento Urbano e de Informática - INPLAM

_____________________ 2001 Laudos de balneabilidade das praias. Prefeitura Municipal de Manaus. SEDEMA/COVISA

____________________ (2001) Relatório Bacias hidrográficas: Projeto Avaliação dos Recursos Hídricos da Região Metropolitana de Manaus. 1997-2000. Manaus. CD-ROM.

__________________ 1996 – Projeto Grande Manaus. Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais.____________________ (2000) Documentário da cheia de 1999 em Manaus. Companhia de Pesquisas de Recursos

Minerais.____________________ (2001) Documentário da cheia de 2000 em Manaus. Companhia de Pesquisas de Recursos

Minerais.____________________ (2002) Chuvas diárias em Manaus: 1997-2002. Companhia de Pesquisas de Recursos

Minerais.IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Bases de informações por setor censitário: censo demográfico 2000

– Amazonas/Manaus. Sistema de Recuperação de Informações Georreferenciadas, versão 1.1. Rio de Janeiro, 2002.IBGE (2000) Pesquisa Informações Básicas Municipais. Disponível em http:// www.ibge.gov.br, consultado em

abril de 2002.INPLAN (1996) Plano de Desenvolvimento Local Integrado – PDLI de Manaus. Manaus: Prefeitura Municipal de

Manaus. Instituto Municipal de Planejamento Urbano e Informática,INMET (2004) INSTITUTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES METEOROLÓGICAS. Disponível em: http://www.inmet.

gov.br/climatologia/combo_climatologia_C.html, consultado em Janeiro de 2004.Prefeitura Municipal de Manaus 1984. Projeto Especial – Cidades de Porte Médio: Perfil da cidade de Manaus. Convênio:

MINTER/GEA/PMM._____________________ (1990) Lei Orgânica do município de 05 de abril de 1990._____________________ (1997) Lei n. 418 de 29 de dezembro de 1997: dispõe sobre o Plano Plurianual._____________________ (2002) Lei n. 639 de 14 de dezembro de 2001: dispõe sobre o Plano Plurianual para o

quadriênio 1998-2001.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESManauspágina 87 4

_____________________ (2001) Relatório final da comissão técnica para identificação das edificações em risco de desaba-mento da orla de Manaus-AM. PMM/MPE-AM/CPRMAM.CD-ROM.

_____________________ (2001) Lei n. 605 de 24 de julho de 2001: institui o Código Ambiental de Manaus._____________________ (2001) Decreto n. 5.875 de 18 de outubro de 2001: dispõe sobre a Estrutura, missão

institucional e finalidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente – SEDEMA._____________________ (2001) Decreto n. 5.400 de 29 de dezembro de 2000: aprova os quadros de despesas para

o exercício de 2001._____________________ (2002) Disponível em http://www.pmm.am.gov.br/, consultado em abril de 2002._____________________ (2001) Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus. Rio de Janeiro: IBAM._____________________ (2004) Relatório de Agravos. SEMSA.2004. CDROM.RIPSA (2001) – Rede Interagencial de Informações para a Saúde. Indicadores básicos para a saúde no

Brasil: conceitos e aplicações. Brasília: Ministério da Saúde/OPAS, 2001. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2001/matriz.htm, acessado em abril de 2002.

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5 Planejamento existente e propostas para melhoria da gestão em Manaus Gabriele Freni, Lamberto Griffini e Goffredo La Loggia

5.1 Quadro do planejamento existente

Neste documento, é feita uma breve análise sobre os planos, os projetos e os programas, tanto do go-verno estadual quanto do municipal, relacionados com a gestão integrada das águas urbanas, em execução ou planejados para o corrente ano. Na tabela 5.1, são resumidos os planos e os projetos do governo do estado, enquanto na tabela 5.2, os do governo municipal.

Sobre o Plano Diretor de Saneamento e Drenagem, são citadas apenas estratégias e objetivos que podem ser desenvolvidos em concordância com o Plano Diretor de Manaus (arquivo em anexo). O prazo de dois anos para que fosse elaborado e aprovado esse plano, a contar da data de aprovação da Lei do Plano Diretor Urbano e Ambiental, expirou em novembro de 2004. Até o presente momento, não há qualquer atividade sobre o assunto.

Os planos, os programas e os projetos distinguem-se por seu caráter executivo frente ao caráter diretor, normativo e orientador das políticas. Além das diferenças conceituais, existem as de caráter operativo, pois os planos, os programas e os projetos costumam formular medidas, ações e instrumentos mais exequíveis do que as políticas. Normalmente, estes têm esquemas mais rígidos de formulação, especialmente quando coerentes com algum tipo de norma que fixa os conteúdos e a estrutura organizacional para a gestão das ações propostas.

Intervenções não-estruturais

A seguir, são dadas informações relativas às intervenções não-estruturais já previstas no âmbito do plane-jamento existente.

Com relação ao planejamento para identificar as áreas inundáveis e os correspondentes níveis de risco de inundação, as medidas de remoção e de reassentamento de famílias, cumpre relatar o seguinte:

• não houve um planejamento para identificar as áreas inundáveis. O que está sendo feito pela Secretaria de Obras e Serviços Públicos (Semosb) é o cadastramento fundiário das áreas do município que foram invadidas. Nesse Programa, foi feito um levantamento das áreas de risco. O governo do estado, por meiodo Prosamim, visa ao reassentamento das famílias que vivem ao redor dos igarapés que fazem parte do programa. Enquanto não se encontrava uma solução definitiva para tais famílias, desenvol-veu-se uma infra-estrutura mínima para prevenir situações mais graves. Um exemplo disso pode ser visto em documentário fotográfico feito em dois igarapés atendidos pelo Prosamim – os Igarapés do Mestre Chico e Manaus – onde foram construídos uma passarela para a circulação da população, ins-talações de água e luz e até mesmo postos de saúde.

• não foram elaborados projetos para controle da impermeabilização do solo urbano e outros mecanis-mos de redução ou amortecimento das vazões de pico decorrentes de chuvas intensas no ambiente urbano, mediante reserva de áreas para exercer o papel de armazenamento e de amortecimento de cheias, nem foi feita adoção de medidas locais para controle dos escoamentos e da produção de sedimentos ou tratamento de erosões.

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Tabela 5.1 Programas e projetos do governo do estado do Amazonas sobre a gestão de águas urbanas

Programa/Projeto

Instituição e responsável

ResponsávelÁrea de

abrangênciaPeríodo de

atuaçãoMetas

Programa Cidadania para Todos – Projeto Cidadão

Várias secretarías

Contribuir para a melhoria do IDH no Amazonas, com ênfase na educação profissional para a geração de trabalho, emprego e renda

Promoção de trabalho e renda – Rendamaz

Seas:Marise Mendes

Perez

Incentivar a estruturação e a organização produtiva, de modo associativo-cooperativista

Bairro Centro 1998-2007 7.800 pessoas

Avaliação e Restauração de Moradias e Melhoria de Acesso em Áreas Alagadas

Seinf: João Bosco

Gomes Saraiva

Restaurar e melhorar as moradias em áreas alagadas

Manaus 1996 -2007 6.000 famílias

Programa Vivendo com Dignidade

Seas:Marise Mendes

Perez

Promover a inclusão social das famílias em situação de vulnerabilidade social e das pessoas no Estado do Amazonas

Manaus 2004 - 2007 79.876 pessoas

Profamília Seas:Marise Mendes

Perez

Contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população excluída socialmente

Manaus 2003 -2007 43.000 pessoas

Programa Saneamento é Saúde

Seinf:João Bosco

Gomes Saraiva

Fomentar a implementação, a ampliação e a estruturação dos serviços de saneamento

Manaus 2004–2007 -

Programa de Infra-Estrutura Urbana Viária para o Amazonas

Seinf:João Bosco

Gomes Saraiva

Melhoraria a infra-estrutura urbana viária das cidades do interior e da capital, agregando qualidade de vida, facilidade de acesso e deslocamento para a população

Manaus 2004-2007 800 km

Programa Galera Nota 10

Sejel:João Mendes da Fonseca Júnior

Atender a adolescentes e jovens em situação de risco de Manaus e do interior do estado, visando a sua inclusão social por meio de esporte, arte e educação social

2003– 2007 1.100

Projeto Protetores da Vida

Seduc:Vera Lúcia Marques Edwards

Resgatar a participação popular e a conservação do meio ambiente nas áreas de igarapés na Cidade de Manaus

1999–2007

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESManauspágina 91 5

Programa/Projeto

Instituição e responsável

ResponsávelÁrea de

abrangênciaPeríodo de

atuaçãoMetas

Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Seduc:Vera Lúcia Marques Edwards

Tabela 5.2 Programas e projetos da prefeitura municipal de Manaus com potencial interface com a gestão de águas urbanas

Programa/Projeto

Instituiçãoresponsável

ObjetivosÁrea de

abrangênciaPeríodo de

atuaçãoMetas

Programa SOS Igarapés

Várias secretariás

Melhorar a situação atual dos igarapés de Manaus por meio da remoção de lixo, da preservação das nascentes, da canalização dos igarapés e da urbanização das margens

Manaus 1999 - 2005 210 Km de Igarapés saneados

Programa Médico da Família

Semsa:Luis Sërgio M.

dos Santos

Oferecer serviços de medicina preventiva, e atender às ações básicas de saúde

Bairro Centro 1999 - 2005

Programa Defesa e Assistência a Populações Atingidas por Calamidades

Semdec Proceder ao cadastramento, à conscientização e à remoção de famílias de áreas de risco e inudação/deslizamento de terras

Manaus 2003 - 2005 4.800 famílias

Programa Promoção Social e Exercício da Cidadania

Semasc Manaus 2003-2005 69.000 pessoas

Centro de Apoio à Família

Semasc Realizar palestras, visitas domiciliares, atividades recreativas, festivas e desportivas

Manaus 2003 -2007 57.000 famílias

Programa SOS Criança – Criança Urgente

Seminf Atender crianças e adolescentes que vivem nas ruas dando a eles oportunidade de recuperação e reintegração às suas famílias e a sociedade

Manaus 2003-2007 4.750 crianças e

adolescentes

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti)

Seminf Erradicação do trabalho infantil no município de Manaus

Manaus 2000-2007 44.000 crianças

Projeto Agente Jovem

SeminfIntegrar crianças e adolescentes a comunidade, fazendo-os retornar às escolas

Manaus

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5GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 92

Programa/Projeto

Instituiçãoresponsável

ObjetivosÁrea de

abrangênciaPeríodo de

atuaçãoMetas

Projeto Sentinela Seminf Prestar atendimento a jovens vítimas de violência, abuso ou exploração sexual

Manaus 1999-2007 4.550 atendimentos

Uniambiente Sedema Oferecer atividades de formação ambiental gratuitamente, com emissão de certificados

Manaus 1999-2005

Projeto de Arborização

Sedema Produzir mudas em larga escala e gerir, qualificar e expandir o paisagismo e a arborização pública da Cidade de Manaus

Manaus 2003-2005 510 logradouros

públicos

Projeto de Proteção à Fauna e Flora

Sedema Manaus

Escola Itinerante de Meio Ambiente

Sedema Promover ações de educação ambiental por meio de visitas às comunidades

Manaus 2001-2005 661 comunidades

Projeto de Proteção e Recuperação de Recursos Hídricos

Sedema Proteger as nascentes ainda preservadas e recuperar das nascentes com algum grau de degradação

Manaus 2003-2005 75 nascentes

Recicla Manaus Sedema Realizar coleta seletiva de lixo na Cidade de Manaus

Manaus 1998-2005

Programa de implantação da Reserva Botânica SauimCastanheira

Sedema Receber, tratar e destinar animais silvestres apreendidos pelos órgãos competentes e oferecer atividades de educação ambiental

Manaus 2003-2005 50% da reserva

implantada

Programas de recuperação dos fundos de vale, despoluição de cursos d’água e conservação em leito natural, integração urbanística e valorização da dimensão paisagística

A ação que se enquadra neste item é o Programa SOS Igarapés e o Prosamim. Segue em anexo um arquivo com toda a proposta urbanística para a área de atuação do Programa.

Ação 1) Controle das cheias urbanas e manejo de águas pluviais utilizando instrumentos da gestão de bacias hidrográficas (outorga para lançamento de águas pluviais):

- Não há. O que é feito é o levantamento das cheias pelo CPRM.Ação 2) Aproveitamento/reúso das águas pluviais para atender parte da demanda de água:- Não há.Ação 3) Adoção de indicadores adotados para a caracterização e o monitoramento da qualidade das águas

no município:

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESManauspágina 93 5

- O município adota a Resolução Conama 20, de 18 de junho de 1986.Ação 4) Uso da tributação como instrumento de cobertura dos custos e de gestão da demanda por siste-

mas de drenagem:- Não há.Ação 5) Licença para construir e reserva de espaço urbano para implantação dos sistemas de infra-estru-

tura urbana por redes:- Não há. O que se tem é o que está previsto no Plano Diretor Urbano e Ambiental.Ação 6) Cobrança de taxa pela área impermeabilizada, cuja base de cálculo é a relação dessa área com o

volume que cada imóvel contribui para a rede de drenagem:- Não há.

5.2 Propostas

Foram sintetizadas as análises desenvolvidas pelos diversos grupos de interesse (risco hidráulico, risco geológico – geotécnico e risco sanitário) com o objetivo de dar sugestões úteis para desenvolver o plano de mi-tigação dos riscos para a população e para a avaliação das prioridades da intervenção a ser realizada no futuro próximo.

No âmbito geral e organizacional, as visitas realizadas e os documentos analisados permitem tecer rele-vantes considerações. O nível técnico das entidades e das organizações que operam no território é alto; os co-nhecimentos e a preparação técnica encontrados no transcurso da visita demonstraram que os problemas foram bem percebidos e há disponibilidade de recursos técnicos para resolvê-los.

Por sua vez, a situação aparenta carências, com relação ao planejamento territorial e à coordenação entre as diversas entidades que operam no território. Com freqüência foi observado que os entes municipais, estaduais e federais agem independentemente, segundo suas próprias linhas de planejamento, as quais podem entrar em conflito.

Além disso, parece que as intervenções no território não são coordenadas de forma a ter influência recí-proca; ap contrário, elas levam os diferentes poderes públicos a desenvolver freqüentemente ações com total autonomia, anulando as já modestas tentativas de programação, a exemplo da construção de grandes áreas urbanas a montante dos igarapés (que conduz ao rápido aumento das vazões das enchentes), sem coordenação com a municipalidade que se ocupa da gestão da rede fluvial, e com a Defesa Civil, encarregada da proteção da população contra as inundações.

Com o objetivo de melhorar a coordenação das atividades, pode ser proposta a imediata criação de um Comitê da Bacia Urbana da Cidade de Manaus, que compreenda todas as entidades que atuam no território (e que, na sua maioria, estavam presentes durante as visitas realizadas em abril de 2005). Esse comitê teria, no seu mandato, o poder de coordenar as intervenções em curso no território e de iniciar um processo de planejamento das intervenções futuras.

As atividades do Comitê da Bacia poderiam seguir um modelo similar ao que consta da legislação italiana com relação à Autoridade das Bacias, cuja descrição é feita no documento conceitual da equipe de especialistas italianos.

Também é oportuno que a Prefeitura de Manaus adote um procedimento padrão para avaliar e selecionar as intervenções de mitigação, que permita avaliar, de forma objetiva e completa, as vantagens e as desvantagens relativas a uma solução de projeto. Com essa finalidade, seria útil desenvolver um sistema de suporte às deci-

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5GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 94

sões que venham a ser adotadas para todas as atividades de planejamento municipal, no âmbito da proteção contra os riscos hidrogeológicos e sanitário-ambientais. Sugere-se, para tal, manter uma visão do sistema de suporte do planejamento (Moma), produzido pelo Ministério Italiano do Meio Ambiente em colaboração com o Ente Nacional de Energia e Meio Ambiente (Enea) e com o Centro de Estudos de Hidráulica Urbana (CSDU). O Ministério decidiu criar esse sistema de apoio ao planejamento para tornar claros e homogêneos os critérios de avaliação total dos planos de intervenções, de modo a tornar acessível a quaisquer soluções técnicas, tanto sobre as vantagens quanto spbre as desvantagens das soluções criadas. O software está em italiano e pode ser baixado gratuitamente do site do Enea e do CSDU (wwwamb.bologna.enea.it/moma e www.csdu.it).

Sugere-se também que a Prefeitura de Manaus prepare uma regulamentação que integre as ações e os programas do território e das águas urbanas. Com esse método, será possível fixar um vínculo da descarga má-xima que qualquer área edificada poderá fazer na rede de drenagem, e assim as enchentes dos igarapés serão controladas.

Aspectos hidráulicos

Com relação ao risco de alagamento, foi observado que a avaliação das situações de risco está avançada com referência às eventuais elevações do nível do Rio Negro, porém ainda não é completa a respeito dos alaga-mentos locais originados pelo excesso de descarga nos rios e nos igarapés. Para essa finalidade, é oportuno que o futuro Comitê da Bacia Urbana ou a prefeitura se encarreguem de efetuar as análises de risco hidráulico na área urbana de Manaus e procedam, a seguir, com o planejamento das intervenções oportunas de mitigação.

Também se sugere superar a problemática da análise de riscos, com base na abordagem de modelo esta-tístico, em vez de utilizar dados históricos – empíricos, ajá que os últimos tendem a subestimar ou superestimar os riscos dos eventos históricos de alagamentos verificados no passado recente. Recomenda-se, para esse fim, a adoção da mesma metodologia usada na Itália, a qual é descrita no documento conceitual produzido pela equipe de técnicos italianos.

Nesse âmbito e fazendo referência específica à situação da Cidade de Manaus, recomenda-se a rápida adoção de um limite a ser inserido no plano diretor geral da cidade, o qual limitaria a descarga máxima das áreas residenciais, comerciais e industriais. A limitação da descarga pode ser estabelecida pela adoção de técnicas de Best Management Practices (Melhores Práticas de Gestão) e também Distributed Stormwater Management Practices, as quais são brevemente mencionadas no Anexo B.

Aspectos geológicos, erosão e transporte de sólidos

Como foi anteriormente mencionado, o problema relativo à instabilidade das encostas, aos fenômenos de erosão e ao transporte de sólidos está estreitamente relacionado e, na sua maioria, suas causas desencadeantes são de origem antrópica.

As obras que foram projetadas (por exemplo, no âmbito do Prosamim) certamente são válidas do ponto de vista técnico e de engenharia, porém deveriam ser integradas em um planejamento mais geral, de âmbito mu-nicipal, aparelhado com um critério de intervenção nas bacias.

A dificuldade desse processo – comum a toda a problemática e não só ao problema hidrogeológico – con-siste na impossibilidade prática de desenvolver contemporaneamente, ou em conjunto, e em curto prazo, todas as intervenções necessárias para a requalificação ambiental e a hidrogeológica da área. Com base nessas con-

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siderações, é evidente a urgência de elaborar um plano de intervenção no qual sejam previstas ações a curto, médio e longo prazos, que sejam compatíveis entre si e funcionais no decorrer do tempo.

Do ponto de vista operacional, na água subterrânea, é necessário, em primeiro lugar, disciplinar a ocupa-ção do solo, evitando as obras de escavação generalizadas, que causam o completo desmatamento dos terrenos, ou pelo menos proceder a uma imediata reimplantação da vegetação, eventualmente só herbácea, dos terrenos escavados. Observa-se que a urbanização se desenvolve com a remoção da vegetação natural (freqüentemente a floresta é considerada uma inimiga da qual há que se defender, em vez de um patrimônio ambiental a ser protegi-do), a desertificação e a degradação do solo. A capacidade de erosão do solo é destacada e o conseqüente trans-porte de sólidos estende-se ao longo das superfícies urbanas e dentro da canalização da drenagem urbana. Ficam evidentes as fortes penalizações da capacidade hidráulica de arraste das cargas pluviais e os conseqüentes, mais freqüentes e sérios alagamentos. Parece evidente que a manutenção da cobertura vegetal é indispensável, em particular ao longo das encostas e nas zonas mais íngremes, que são os locais mais sujeitos à ação das águas de fluxo difuso e canalizado. Essa ação na zona das cabeceiras das bacias permitiria um controle significativo da produção de sedimentos. Por outro lado, parece evidente que, em virtude da distribuição e da extensão da área das encostas sob os efeitos da erosão, as intervenções de estabilização não permitirão reduzir a zero a produção de sedimentos sólidos. Por isso, a prevenão para que permaneça sob controle é significativa.

Parece oportuno centralizar as ações nas obras de estabilização das encostas, e também em outras inter-venções de controle e retenção do transporte de sólidos em pontos críticos da rede de drenagem. A escolha do tipo de intervenção deverá ser cuidadosamente avaliada, de acordo com as condições locais da rede de drena-gem, levando em conta que as obras de retenção estão sujeitas a manutenções periódicas.

A reflexão sobre a metodologia a ser adotada para prevenir a instabilidade deve considerar uma análise detalhada dos mecanismos locais de desarranjo, que não podem prescindir de uma avaliação objetiva das condi-ções locais sobre a geometria das encostas (sejam elas naturais, sejam artificiais), das caraterísticas geotécnicas dos materiais envolvidos, das condições hidrogeológicas, a intensidade e persistência das precipitações e as caraterísticas da cobertura vegetal.

Atualmente, muitas tecnologias estão disponíveis para controle dos fenômenos da instabilidade da super-fície. Não existe uma tecnologia específica de cada processo de instabilidade, mas sempre haverá uma técnica apropriada à resolução dos problemas de instabilidade, de acordo com os mecanismos que regem o processo de desmoronamento.

Em resumo, recomenda-se o controle sobre os seguintes processos:• erosão superficial por ação da água que bate e do fluxo difuso;• erosão canalizada no curso de água; • instabilidade cortical ligada à ação da gravidade; • pressão e excesso de pressão da água intersticial.Para mitigar os efeitos desses fenômenos, conta-se com diversas tecnologias para fornecer uma proteção

passiva na defesa das áreas de interesse. Entre as tecnologias que apresentaram maiores vantagens, na sua maioria contra o processo de instablidade de caráter superficial ou de proteção contra a erosão, estão as cha-madas Intervenções da Engenharia Naturalista. É necessário enfatizar que esse tipo de intervenção é inadequado para estabilizar os fenômenos de desmoronamentos profundos ou de mecanismos complexos, porém deu óti-mos resultados na estabilização e no controle dos fenômenos superficiais em diversos ambientes orográficos e climáticos. No Anexo C, alguns princípios e seleção técnica da Engenharia Naturalista são mencionados, os quais poderiam ser úteis para a mitigação dos fenômenos erosivos verificados na área urbana de Manaus.

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Com referência à requalificação das áreas já degradadas das cabeceiras dos igarapés, poder-se-ia pensar em adotar técnicas de engenharia naturalista ou técnicas mistas, evitando intervenções estruturais que se adap-tam mal à situação local.

As intervenções para beneficiamento do desordenamento e da mitigação do transporte de sólido de-veriam, possivelmente, ser controladas no tempo, por meio de um adequado monitoramento, que permita a verificação da eficácia das intervenções realizadas e, eventualmente, das suas correção ou integração.

Proteção do lençol freático A poluição do lençol ocorre através da infiltração direta pela superfície, sobretudo no que tange aos iga-

rapés que são encontrados nos planaltos característicos da região, sempre relacionados a terrenos permeáveis. Ainda que a sedimentação seja mais recente, ou o estado atual dos igarapés esteja ligado a correntes

muito lentas e, portanto, ocorra principalmente a presença de partículas finas, ou muito finas, isto é, com pouca permeabilidade, temos, segundo os dados, uma poluição significativa do lençol que, nas zonas urbanas, aparece principalmente como de origem orgânica (bactéria e. coli, NH4, NO3); isso significa que a infiltração e a propaga-ção da poluição são possíveis e consideráveis.

Além disso, parece evidente que muitos dos poços encontrados não foram perfurados com as devidas precauções de isolamento das diversas partes do lençol e que, portanto, eles mesmos tornaram-se veículos de propagação da poluição, seja de origem antrópica seja industrial.

As intervenções nesse ambiente deveriam, antes de tudo, realizar-se por meio de processos de requali-ficação do sistema de tratamento de esgotos, que deve ser incluído pela implantação oportuna (centralizada, ou deslocada no território) e, com relação aos poços, pela adoção de instrumentos normativos adequados e de po-lítica hidráulico-ambiental para individualizar as fontes poluentes e proceder, se necessário, ao seu fechamento.

Com relação à poluição da rede hidrográfica superficial decorrente do afluxo de águas servidas, é opor-tuno sugerir que se tente obter um mínimo de qualidade para os corpos hídricos recebedores, de acordo com o conceito de padrão de efluente (stream standard) que estão detalhados no trabalho teórico realizado por espe-cialistas italianos e nas respectivas tabelas anexas.

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REFERÊNCIAS

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EVK1-CT-2002-0031 (www.daywater.org)EA/SEPA, 1998. A Guide to Surface Water Best Management Practices. Environment Agency/ Scottish

Environmental Protection Agency.LINDSEY, G.; L. ROBERTS, AND W. PAGE, 1991. Storm Water Management Infiltration. Maryland Department

of the Environment, Sediment and Storm Water Administration.LINDSEY, G., L. ROBERTS, AND W. PAGE. 1992. Inspection and maintenance of infiltration facilities. J. Soil

Water Conserv. 47(6):481-186.MARYLAND DEP. OF ENVIRONMENT, 1992-2000. Maryland Stormwater Design Manual. Water Management

Administration, Baltimore – Maryland.MASKELL, A.D. AND SHERRIFF, J.D.F., 1992. Scope for control of urban runoff. CIRIA, London.SCHUELER, T.R., 1992. A Current Assessment of Urban Best Management Practices. Metropolitan

Washington Council of Governments.U.S. EPA, 1982. Best Management Practices Implementation Manual. Minnesota Pollution Control Agency.U.S. EPA, 1983. Results of the Nationwide Urban Runoff Program. NTIS PD# 84-18- 5545.U.S. EPA, 1991. Detention and Retention Effects on Groundwater, Region V.U.S. EPA, 1992. Stormwater Management for industrial activities: Developing Pollution Prevention Plans

and Best Management Practices. EPA 833-R-92-006U.S. EPA, 1993. A Current Assessment of Best Management Practices: Techniques for Reducing Nonpoint

Source Pollution in the Coastal Zone.U.S. EPA, 1994. Combined Sewer Overflows Policy. EPA 830-B-94-001, Washington, D.C.WEF/ASCE, 1992. Design and Construction of Urban Stormwater Management Practices. Water Environment

Federation, Alexandria, VA, American Society of Civil Engineers, Washington, D.C.

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ANEXO B

Melhores práticas de gerenciamento para minimizar efluentes pluviais

Existem diversas classificações para essa técnica; uma das mais difundidas está baseada na distinção entre o sistema de controle de fonte (source control) e o sistema de controle centralizado (centralized control). No primeiro caso, o efluente não é lançado imediatamente no sistema de drenagem, mas, sim, armazenado, recebendo um trata-mento local que inclui varredura e irrigação. No segundo caso, o efluente é transferido internamente no sistema de dre-nagem e a uma distância considerável da área na qual o efluente foi gerado. Uma outra classificação pode ser realizada com base na sua localização em relação ao sistema de drenagem. Nesse sentido, faz-se a distinção dos elementos de intervenção em linha, que se encontram em todo o volume do efluente pluvial, e os elementos de intervenção fora da linha, que derivam em parte do volume do efluente, isolando-o do sistema de drenagem sem impactar o restante do sistema. Os primeiros, durante a estação de seca, incluem uma carga negra (e, nesse caso, passam por um sistema de drenagem unitário); os outros permanecem no seco por grande parte do tempo, sendo levados pelo efluente, princi-palmente por ocasião das chuvas. Finalmente, uma última classificação distingue entre elementos estruturais – que incluem a construção de estruturas para a geração de águas pluviais (como barreiras de contenção de infiltração, vasos de detenção, etc.) – e elementos de intervenção não-estruturais, que incluem procedimentos, atividades e normas que não exigem a construção direta de obras na bacia. Em geral, a realização de intervenções DSMP no final do gerencia-mento de efluentes superficiais baseia-se, principalmente, em três tipos de estrutura diferentes, ou seja:

• estrutura de infiltração;• estrutura de armazenamento;• filtros vegetais.

Os elementos de intervenção distribuídos pela infiltração

As estruturas de infiltração têm a capacidade de reduzir a carga de transbordo de volume do efluente. O seu emprego está freqüentemente ligado aos elementos de intervenção de infiltração dos efluentes para reduzir os agentes poluentes presentes, principalmente nas “águas das primeiras chuvas”.

O efeito de minimização de tais estruturas está associado ao armazenamento e à dispersão dos efluentes gera-dos nas superfícies deslizantes, reduzindo a carga longitudinal pelo sistema de drenagem e aumentando o volume do efluente infiltrado no terreno.

Entre as medidas de infiltração mais utilizadas (figura 5.1), tem-se:• barreiras de contenção de infiltração;• poços de drenagem;• bacia de infiltração;• piso permeável e poroso.O principal fator que influencia a utilização e o projeto e que pode afetar negativamente tais estruturas é a

capacidade de infiltração do terreno.Uma estrutura de infiltração, por exemplo, feita sobre um solo muito permeável (areia), precisa de um espaço

limitado e pode desenvolver um papel muito importante na redução de picos de carga, principalmente durante chuvas de baixa intensidade (Lindsey et al., 1991). Por sua vez, se o terreno é pouco permeável (argila ou terreno arenoso com-pactado), a infiltração dos efluentes durante o evento pluvial pode se tornar negligenciável, assumindo as estruturas a

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única função de retenção de parte do volume do efluente que permanece no solo por período mais longo (geralmente não superior a 72 horas).

Figura 5.1 Esquema funcional de técnicas de infiltração de efluentes; 1) sistema de drenagem; 2) poço de infiltração; 3) barreira de conteção; 4) tubo de infiltação; 5) piso poroso;

6) drenagem; 7) captação comum para esgoto

Além das características do terreno, as condições climáticas, a posição do lençol freático ou a morfologia da área podem reduzir a aplicabilidade de tais técnicas. Sempre que houver riscos para a saúde pública, ligados à presença de água parada, é freqüente a aplicação unicamente de estrutura fechada, subterrânea (figura 5.2). A vizi-nhança do nível do lençol daestrutura pode reduzir, significativamente, a capacidade de infiltração de tal estrutura. A Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency) (US EPA, 1993) sugere a não-utilização da técni-ca de infiltração quando o nível médio do lençol estiver a uma distância inferior a 2 m da base inferior da estrutura.

Figura 5.2 Esquema de piso poroso com estrutura de infiltração subterrânea

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Um outro elemento que restringe a aplicação da estrutura de infiltração está relacionado à presença de sedimentos, ou de outro material particulado sobre a superfície impermeável aderidos à estrutura, como no caso da drenagem de partes usadas na carga e na descarga dos materiais em pó (cimento, serragem, etc.). Nessas condições, os sedimentos transportados pelos efluentes pluviais podem, rapidamente, entupir a es-trutura de infiltração e os poros do terreno na sua vizinhança imediata, comprometendo a capacidade de infiltração. Com o objetivo de reduzir o impacto dos sedimentos sobre a eficiência da estrutura, tem-se como boa norma (US EPA, 1982) prover a inclusão de elementos de pré-tratamento antes do ingresso da estrutura de infiltração, como grades, removedores de areia ou filtros vegetais (que detalharemos mais adiante).

Em virtude da dificuldade de instalação mencionada acima, as estruturas de infiltração possuem um ciclo de vida relativamente curto. Estudos realizados no sul da Espanha, na França, na Itália e na Grécia (re-presentantes do clima mediterrâneo) demonstraram que cerca de 50% das estruturas analisadas apresentaram uma vida útil inferior a 5 anos (DayWater, 2003). Paralelamente, estudos comparativos de estruturas de infiltra-ção com pré-tratamento e preparadas com tais elementos demonstraram que, no primeiro caso, a vida útil da estrutura de atenuação multiplica-se medianamente (Lindsey et al., 1992).

Mesmo um recurso simples, como a manutenção das estruturas de infiltração com a remoção da ve-getação e a utilização de aspirador de pó para a remoção dos sedimentos, constitui meio eficaz para o pro-longamento de sua vida útil. A EPA (1983) sugere uma inspeção das estruturas de infiltração a cada 3 meses, uma manutenção comum realizada a cada 6 meses e uma eventual substituição dos materiais de enchimento a cada 5 anos.

A eficiência das estruturas de infiltração na atenuação dos fenômenos de alagamento fica condicionada à capacidade de infiltração do terreno, sendo significativa principalmente em terrenos fortemente permeáveis, como areias e saibro (com capacidade de infiltração até saturação superior a 80-100 mm/h). Em terrenos pou-co permeáveis, as estruturas de infiltração funcionam essencialmente como reservatórios laminares, produzin-do um efeito modesto na redução do pico de efluente e de um eventual alagamento da superfície. A eficiência de tais técnicas na atenuação de deságües poluentes está ligada ao regime pluviométrico da área, sendo tanto maior quanto mais o regime pluvial ficar distribuído no curso do ano e com intensidade moderada.

A eficiência das estruturas de infiltração na remoção de poluentes pode atingir valores próximos dos 100% em alguns eventos que geram um volume de efluente inferior ao volume próprio da estrutura, pelo que a descarga poluente, junto com os efluentes pluviais, aparece totalmente integrada à estrutura, sem pros-seguir em direção ao sistema de drenagem. Por ocasião de eventos pluviais mais intensos, a eficiência das estruturas de infiltração reduz-se em virtude da relação entre o volume de efluente e o próprio volume da es-trutura. Scheuler (1992) demonstrou que os elementos de intervenção de infiltração podem remover até 80% dos sólidos em suspensão presentes nos efluentes pluviais por ano e percentagens semelhantes podem ser obtidas para matéria orgânica e coliformes. A remoção de BOD ficou estimada entre 70% e 80% por ano. As percentagens de remoção mais baixas (inferiores a 30%) foram avaliadas no que tange aos poluentes solúveis (compostos de cloro, de nitratos e de fósforo) e aos metais pesados dissolvidos.

As principais desvantagens das estruturas de infiltração foram resumidas a seguir:• alto custo de implantação, usadas principalmente nas áreas residenciais nobres, ou em áreas de in-

teresse turístico;• quando não dimensionadas adequadamente, as estruturas demonstram uma clara tendência de en-

tupimento com séria redução de eficiência e vida útil;

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Figura 5.3 Esquema de uma barreira de contenção (fossa, escavação) de infiltração com pré-tratamento por filtro arbustivo

• se não forem ligadas ao sistema de drenagem existente, tais estruturas podem aumentar a probabilida-de de alagamento;

• possível poluição das águas do lençol, como resultado, principalmente, dos componentes solúveis de descarga de poluentes que, num regime produtivo, podem constituir um grave risco para a manutenção dos corpos hídricos subterrâneos;

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• a recuperação e o tratamento dos sedimentos coletados pela estrutura de infiltração podem ter um custo elevado porque, quando as superfícies drenadas possuem natureza produtiva, a concentração de metais e de outros micropoluentes não é compatível com o processo, como refugos comuns.

Os elementos de intervenção distribuídos no armazenamento

As estruturas de armazenamento representam a família mais numerosa de técnicas de atenuação dos alagamentos e da qualidade da água da chuva. Uma classificação básica permite individualizar basicamente dois tipos de estrutura:

• estrutura de detenção;• estrutura de retenção.Na primeira, todo o efluente, ou uma parte dele, fica temporariamente armazenado, sendo lançado para

o sistema de drenagem gradualmente. Este procedimento não permite o desperdício do volume de efluente. Na segunda, no entanto, todo o volume de efluente proveniente da área servida, ou parte dele, é tratado por um período mais longo e não é liberado ao sistema de drenagem, mas, sim, disperso (por evaporação, ou infiltração), ou reutilizado, por exemplo, em irrigação geral ou em área produtiva.

Em ambiente produtivo, as estruturas de armazenamento podem intervir eficazmente, quer pela atenua-ção da qualidade das águas pluviais, quer pela redução de carga no pico de descarga na rede de drenagem, ou no corpo hídrico receptor durante a estação das chuvas.

Figura 5.4 Exemplo de elemento de intervenção de armazenamento de águas pluviais para uso produtivo

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Esses elementos de intervenção trazem, também, a vantagem de uma fácil aplicação em bacias fortemen-te urbanizadas por meio da construção de condutos que são enterrados sob pisos de estacionamento, partes de estoque de mercadorias, ou sob viação secundária (figura 5.5). É necessária uma manutenção e um controle adequados para que os elementos de intervenção de armazenamento de águas pluviais possam encontrar espaço em áreas recreativas, como parques, ou em áreas esportivas, causando um bom impacto na opinião pública e au-mentando a conscientização da população com relação à questão das águas pluviais. Por seu turno, as estruturas de armazenamento sujeito a manutenção inadequada podem causar um impacto negativo à saúde pública e ao ambiente, pela geração de odores e pela proliferação de insetos.

Figura 5.5 Elementos de intervenção modular de armazenamentode água da chuva em uma área de estacionamento

A principal limitação à aplicação dos elementos de intervenção de armazenamento está ligada ao custo, à sua necessidade de espaço (no caso de estruturas a céu aberto) e ao impacto ambiental que podem gerar durante a sua construção (transferência de grandes volumes de entulho, longa e completa atividade nos canteiros de obras, principalmente em zonas muito urbanizadas, etc.). A manutenção de tais estruturas é onerosa até mesmo por causa da necessidade de inspeções freqüentes e de lavagens periódicas para evitar o acúmulo de sedimentos.

As estruturas de armazenamento de águas pluviais não constituem, geralmente, um risco de poluição ao len-çol freático, uma vez que, na quase totalidade dos casos, é adequadamente impermeabilizada; de qualquer forma, o potencial de risco de poluição de águas subterrâneas deve ser levado em consideração na fase do planejamento de tais elementos de intervenção, principalmente onde as águas do lençol sejam utilizadas para fins agrícolas, ou civis (US EPA, 1991; WEF/ASCE, 1992).

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A eficiência das estruturas de armazenamento na redução dos picos de carga que chegam à rede de dre-nagem está estritamente ligada ao seu volume e ao critério de dimensionamento empregado. Nesse sentido, não existe um critério universal de dimensionamento de tais estruturas (US EPA, DayWater), porém, em função do objetivo principal desejado (redução do pico de carga que chega à rede de drenagem, ou atenuação do impacto ambiental das primeiras águas da chuva), podem ser empregados dois critérios gerais:

• atenuação do pico de carga: o volume da estrutura é calculado com base na laminação de um evento crítico (freqüentemente com tempo de retorno calculado em 10 anos), para reduzir a carga máxima descarregada na estação das chuvas acima de um valor crítico (comumente fixado pelas normas de regulamentação urbana conforme a área drenada);

• atenuação do impacto ambiental das águas da chuva: o volume é calculado com base na interceptação total de um certo volume de chuva (comumente entre 2 e 10 mm) para recolher as primeiras águas de chuva e enviá-las a tratamento.

Com relação à eficiência dos elementos de intervenção de armazenamento na atenuação do impacto da poluição ligado à água da chuva, é interessante considerar separadamente os elementos de intervenção de de-tenção daqueles de retenção dos efluentes pluviais.

Nos elementos de intervenção de retenção, a eficiência fica bastante dependente do critério de dimen-sionamento do que foi utilizado para a sua realização, porém, geralmente, oscila entre 70% e 90% dos sólidos em suspensão, entre 40% e 60% do BOD, e entre 40% e 50% dos metais pesados e dos nutrientes (Maryland Stormwater Design Manual, 2000).

Os elementos de intervenção de detenção da água da chuva removem os poluentes presentes na água da chuva por meio de sua sedimentação em água corrente (no momento em que os efluentes ficam armazenados temporariamente). A sua eficiência com relação à freqüência depende da verificação do processo de repetição de suspensão, ou da formação de vias preferenciais para a corrente. Em média, tais estruturas conseguem a remoção de 40% a 80% dos sólidos em suspensão, de 30% a 60% do BOD, de 30% a 40% dos metais adsorvidos e de 10% a 20% de compostos dissolvidos (Scueler, 1992). A redução percentual de remoção dos poluentes dis-solvidos na água da chuva pode ser melhorada pela introdução de lagoas permanentes a montante da estrutura de armazenamento. Esse elemento de intervenção favorece a formação de colônias vegetais que podem fixar os compostos dissolvidos, promovendo uma remoção melhor.

A superfície vegetal e as barreiras arbustivas

As barreiras arbustivas são barreiras de contenção pouco profundas, por onde as águas pluviais fluem nor-malmente, com velocidade baixa, passando pela ação filtrante de uma vegetação em fileira. A espécie vegetal em-pregada possui a função de estabilizar a borda dessa barreira (protegendo contra erosão) e facilitar a infiltração da parte do efluente (fornecendo, também, um certo efeito estratificador), além de efetuar o tratamento da água, reduzindo a carga de sólidos suspensos e de nutrientes. A alimentação das barreiras arbustivas ocorre diretamente das áreas impermeáveis contíguas e do tempo de permanência do efluente sobre tais estruturas, que depende da capacidade de infiltração do terreno e da presença de uma conexão com o sistema de drenagem tradicional.

Os filtros vegetais possuem um funcionamento semelhante ao das barreiras arbustivas, com exceção do fato de que estes, normalmente, são caracterizados por sua fraca inclinação e por uma distribuição dos efluentes sobre uma superfície muito uniforme, promovendo uma estratificação através do tapete arbustivo e amplificando a capacidade filtrante da vegetação.

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Para realçar o funcionamento, a vegetação empregada nos filtros vegetais é selecionada para uma melhor absorção dos nutrientes e dos metais pesados.

As superfícies vegetais em geral podem ser empregadas onde o clima e as características do solo permitem a implantação da espécie arbustiva selecionada. Outros fatores que influenciam a aplicabilidade de tais técnicas são as características topográficas da área (inclinação, grau de permeabilidade, disponibilidade da área, etc.).

As barreiras arbustivas são comumente empregadas como técnica de atenuação autônoma para a drenagem dos efluentes gerados que margeiam estradas e as grandes artérias viárias; enquanto os filtros vegetais são mais eficazes quando empregados em coordenação com outras técnicas de DSMP, como as estruturas de infiltração.

Figura 5.6 Exemplo de barreiras arbustivas em um estacionamento

As principais vantagens da utilização de tais técnicas são:• melhoramento da qualidade das águas imersas no sistema de drenagem (principalmente em épocas de

eventos pluviais constantes);• redução do volume do efluente (caso as características do terreno permitam a infiltração);• redução da carga em pico.As principais desvantagens do emprego de barreiras arbustivas e de filtros vegetais são:• a não-aplicabilidade em áreas devastadas, úmidas, ou com tendência à erosão;• não-aplicabilidade a zonas densamente urbanizadas;

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• necessidade de a cobertura vegetal ser compatível com as características climáticas da área;• risco de a falta de cobertura vegetal incrementar a carga de poluentes no efluente;• riscos à saúde pública, favorecidos pelas águas estagnadas.É difícil fazer uma extrapolação sobre o rendimento de tais elementos de intervenção de aplicação por

causa da influência provocada pelos fatores climáticos (pluviosidade média, umidade do solo, etc.), ou pelos fa-tores morfológicos (inclinação média, presença de descontinuidade e ressaltos, etc.). Abaixo estão relatados os valores indicativos encontrados em campo, em um processo de monitoramento realizado na América do Norte (US EPA, 1992) e também em análise desenvolvida na Europa (UK Environmental Agency, 1998):

• sólidos em suspensão: 60% a 80%;• BOD: 60% a 70%;• compostos de nitratos: < 40%;• fósforo: <10%;• metais, hidrocarbonetos: 50% a 60%.Elementos de intervenção não-estruturais (light-DSMPs)Esta família de técnicas de DSMP inclui todos os elementos de intervenção de controle dos efluentes que

não antecipam o desenvolvimento de estruturas de atenuação na bacia. O manejo dos efluentes pode ser obtido por meio da elaboração de regulamentação específica, com a aplicação de programas de observação e manuten-ção (operation and maintenance) do sistema hidrográfico – sistema de drenagem; ou somente desenvolvendo uma conscientização maior na população com relação a tais problemas o que pode ser alcançado pelo emprego de campanhas educativas (Maskell e Sherriff, 1992). Exemplos de tais elementos de intervenção foram aplicados com grande sucesso no Japão, na Suécia e na Holanda: além do emprego de técnicas distribuídas para o manejo utilizadas pelo setor privado, há o incentivo concedido por leis fiscais; ao mesmo tempo algumas práticas como o uso de defensivos agrícolas, ou de outros produtos químicos ficam restritas e controladas, restringindo até mesmo as atividades que empregam esses métodos.

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ANEXO C

Elementos de intervenção naturais para atenuar os fenômenos de erosão e de instabilidade superficial

Os elementos de intervenção naturais incluem métodos biológicos e mecânicos para interromper o processo de erosão e de instabilidade superficial; esses elementos podem ser basicamente incluídos nas categorias apresenta-das na tabela 5.1, a seguir.

Tabela 5.1 Categorias, tipologia e usos das intervenções

Categoria Tipologia Uso

Vege

taçã

o vi

va

Implantação viva convencional

Cobertura com vegetação, hidrossemeadura, transplante de arbustos

Controle da erosão por meio de lâmina d’água difusa e erosão provocada pelo vento

Implantação viva de reforço

Cerca viva de vime, cerca viva de caniços, paliçada, cerca viva, etc.

Controle de erosão em canais, dos fenômenos de instabilidade, tratamento dos sedimentos

Categoria Tipologia Uso

Vege

taçã

o in

erte Estruturas vegetais

inertesMuros ou revestimento com madeira; grade reforçada com madeira

Controle da erosão e da instabilidade superficial em declives e proteção contra erosão concentrada decorrente de água encanada

Nos elementos de intervenção naturais, o papel do componente vegetal é essencial: o elemento estrutural da obra (cerca viva, paliçadas, etc.) permite a consolidação e a estabilização imediata do problema, já que a ação de consolidação é inerente à planta graças a seu sistema radicular.

A ação da planta não é apenas de contenção. Elas garantem uma melhora de qualidade da água e reduzem o processo erosivo.

Figura 5.7 Derramamento com processo de erosão e sistema de matriz recém-implantado

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Figura 5.7 Derramamento com processo de erosão e sistema matriz recém-implantado

Figura 5.8 O derramamento da figura anterior um ano após a intervenção

A função de consolidação das plantas pode ser explicada pelas seguintes ações:• interceptação de grande volume de águas pluviais com a redução da ação erosiva sobre o terreno;• retenção e detenção do terreno por meio de ações de melhoramento da resistência ao corte da porção

cortical do terreno, resultante da evolução do sistema radicular;• dispersão de grandes volumes de água presentes no terreno pelo efeito da transpiração;• melhoramento da circulação hídrica e da capacidade de absorção hídrica graças à porosidade e à

permeabilidade conferidas pelo solo. O sistema radicular que atravessa a camada argilosa reduz a formação de planos de deslizamento na porção superficial do terreno.

A adoção de elementos de intervenção de I.N. apresenta as seguintes vantagens:• as estruturas são duráveis pelo tempo de permanência da eficácia dos elementos estruturais em sua

composição;• apresentam custo relativamente baixo;• permitem o emprego de mão-de-obra local (adequadamente habilitada);• conservam e melhoram a paisagem e o patrimônio natural;• são favoráveis à dinâmica da água e incrementam a capacidade de retenção hídrica do solo, limitando

o transporte de sólidos e aumentando a vida útil da bacia;• não pertubam a relação curso d’água – lençol freático;As desvantagens na aplicação da técnica de I.N. podem ser resumidas abaixo:• exigem manutenção regular;• apresentam fatores limitantes como: altitude, luminosidade, regime termo-pluviométrico, tipologia do

solo, dos elementos de intervenção, etc.;

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Figura 5.9 Exemplo de estrutura viva em vime

Figura 5.10 Exemplo de estrutura viva em vime

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6 Recife e a convivência com as águas Jaime J. S. P. Cabral e Antônio Valdo de Alencar

6.1 Introdução

A cidade do Recife comemorou, em 2005, 468 anos de sua fundação, que teve sua origem em uma colônia de pescadores instalados na foz dos Rios Capibaribe e Beberibe, nos primeiros anos da Capitania de Pernambuco, que inicialmente tinha Olinda como sede. Com a invasão holandesa, Recife tornou-se sede do governo holandês no Brasil e, em 1827, na época do Império, foi elevada à condição de capital da Província de Pernambuco.

6.2 Características da cidade

6.2.1 Urbanização

A cidade do Recife ocupa a posição administrativa de capital do Estado de Pernambuco (figura 6.1), com uma população, segundo o censo de 2000, totalmente urbana, de 1.422.905 habitantes. Situa-se numa grande planície de baixa altitude, com cotas variando de 1 a 10 m acima do nível do mar, cercada por uma cadeia de morros baixos, com cotas de até 150 m de altitude.

Figura 6.1 Localização da Cidade de Recife

Com o crescimento das últimas décadas, a cidade propagou-se em direção às cidades vizinhas, formando uma região metropolitana que atualmente envolve 14 cidades, apresentando, no ano de 2000, uma população total de 3.337.565 habitantes, dos quais cerca de 97% ocupam áreas urbanas e apenas 103.000 habitantes áreas rurais.

A área do município é de 218 km², localizada nos paralelos 7° 55’ e 8° 10’ de Latitude Sul. A cidade apre-senta-se densamente urbanizada (figura 6.2), principalmente na área central e nos bairros da praia na zona sul, sendo a quase totalidade desses bairros ocupada por edificações e ruas pavimentadas, à exceção da superfície formada pelos cursos de água, pequenas áreas verdes representadas por alguns parques, praças e manguezais.

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6GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 112

Essa taxa de ocupação gera grande impermeabilização do solo, ocasionando índices altos de escoamento super-ficial e baixas taxas de infiltração de águas de chuvas.

Na parte oeste da cidade, a densidade populacional é menor, sendo muitos lotes ainda ocupados por casas com fruteiras no quintal. Na região de baixios com risco de alagamento, ocorre a ocupação informal, com habitações de população de renda baixa ou muito baixa, com uma série de problemas de drenagem urbana, es-gotamento sanitário e outros problemas ambientais.

Fonte: Portal do Recife Fonte: www.pernambuco.com.br

Figura 6.2 Vista aérea da planície do Recife

A ocupação informal ocorre também na área de morros. A cadeia de morros, da Formação Barreiras, é constituída de sedimentos de granulometria variada, não-consolidados e necessitando, portanto, da preservação da cobertura vegetal para a estabilização contra os processos de erosão provocados pelas chuvas. Como, na maior parte, a cobertura vegetal não foi preservada, hoje os morros do Recife são áreas de risco pelos freqüentes deslizamentos na estação de inverno. Atualmente, a cidade foi subdividida em 6 regiões político-administrativas, de acordo com a Figura 6.3.

6.2.2 Aspectos socioeconômicos

Considerando os aspectos socioeconômicos, a Região Metropolitana do Recife, que cobre uma área de 2.766 km², com a maior taxa de ocupação urbana do estado, verifica-se que 60% dessa população vive na linha de pobreza, com renda de até um salário mínimo por mês. A economia da Cidade de Recife baseia-se em atividades industriais, no comércio e, principalmente, no turismo e serviços. A renda per capita do Recife em 2000 foi de R$ 392,50 (IPEA, 2005), enquanto a da RMR foi de R$ 280,82 (PNUD, 2005).

O Recife, com um PIB (Produto Interno Bruto) de 11,4 bilhões de reais, ocupa a 1ª posição em relação ao PIB da região Nordeste, e participações percentuais relativas e acumuladas por grandes regiões, segundo os municípios e respectivas unidades da Federação, 2002 (IBGE, 2005). Considerando a Região Metropolitana do Recife, que cobre uma área de 2.766 km² e concentra a maior taxa de ocupação urbana do estado, verifica-se que a referida região corresponde a 56,11% do PIB do Estado de Pernambuco, a 6,27% do PIB do Nordeste e a 1,52% do PIB do Brasil.

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Com base no Censo 2000, o Recife apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ordem de 0,797, estando situado na categoria de “médio desenvolvimento humano”. Embora seja um índice que pretende ser uma mé-dia geral, não abrange todos os aspectos de desenvolvimento, haja vista que leva em consideração o PIB per capita, a taxa de analfabetismo e a taxa de matrículas em todos os níveis, e a longevidade, expectativa de vida ao nascer.

As Zonas Especiais de Interesse Social, por congregarem a população de baixa renda em estado extremo de pobreza, com ocupações subnormais em áreas alagáveis, nas margens dos rios, canais e mangues, têm eleva-do o grau de marginalidade, os problemas de saúde e a degradação humana. O programa Prometrópole (Programa de Ação Integrada nas Áreas de Baixa Renda da RMR) visa atender a ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) da Bacia do Rio Beberibe, para o que conta com financiamento assegurado pelo BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e contrapartidas do Governo do Estado e da Prefeitura do Recife, cuja con-cepção criou alternativas para equacionar os problemas relativos ao saneamento ambiental, contemplando os sistemas de coleta de esgoto, abastecimento de água, pavimentação, drenagem, coleta de resíduos sólidos e reassentamento de famílias.

Para a Bacia do Capibaribe, a Prefeitura do Recife está desenvolvendo outro projeto similar, denominado “Projeto Capibaribe Melhor”, também financiado pelo BIRD com contrapartida da Prefeitura do Recife.

RPA Área (km²) População

1 16 78.098

2 14 205.986

3 77 283.525

4 42 253.015

5 30 248.483

6 39 353.798

Total 218 1.422.905

RPA Bairros ZEIS ZEPH ZEPA

1 11 4 12 1

2 18 5 3 1

3 29 11 9 4

4 12 14 6 5

5 16 17 1 8

6 8 10 1 5

Total 94 61 32 24

Fonte: Prefeitura do Recife

Figura 6.3 Regiões Político Administrativas (RPAs), com indicação da quantidade de zonas especiais (ZEIS = Zona Especial de Interesse Social, ZEPH = Zona Especial de Preservação Histórica, ZEPA = Zona Especial de Preservação Ambiental)

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6GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 114

Outro programa importante desenvolvido em parceria com o Ministério das Cidades é do “Recife sem Palafitas”, que atua na requalificação de áreas de alagados com ocorrência de palafitas. A primeira foi no Bairro de Brasília Teimosa (441 famílias retiradas), que devolveu à cidade 1,3 km de praia. Nas margens do Rio Capibaribe, outras comunidades – denominadas de José de Holanda (192 famílias retiradas), Arlindo Gouveia (128 famílias re-tiradas), Vila Vintém II (187 famílias retiradas) e Bueirão (76 famílias retiradas) – foram transferidas para o Conjunto Habitacional da Torre (320 unidades) já construído, e o Conjunto Habitacional do Cordeiro (704 unidades), em construção em 2005. Quando a remoção das palafitas é feita, as famílias recebem auxílio-moradia enquanto aguardam a construção das casas em outra localidade.

6.2.3 Características físicas

A planície do Recife, formada por sedimentos flúvio-marinhos, é semicircundada por uma linha de morros, numa geoconformação com feição de anfiteatro. Esses morros, constituídos pelas rochas tércio-quaternárias do Grupo Barreiras, representam paleo-falésias que registram processos de transgressão e regressão marinhas a que foi submetida essa região em épocas passadas, enquanto a planície é recoberta pelos sedimentos quaternários, definindo o cenário geomorfológico da planície.

A cidade está situada na zona fisiográfica do litoral Mata Atlântica, e o clima da área é quente e úmido. A precipitação média anual é de 2.450,7 mm, alta se comparada regionalmente. O período chuvoso é de março a agosto (seis meses), com valor máximo em julho (389,7 mm); e o seco, de setembro a fevereiro (seis meses), com o valor mínimo em novembro (45,2 mm) e o valor médio mensal de 204,2 mm.

O Rio Capibaribe atravessa a cidade de leste a oeste, enquanto o Rio Beberibe passa ao norte, e o Rio Tejipió ao sul, cada um deles contando com diversos afluentes e canais de interligação, formando uma grande região estuarina compartilhada. A grande quantidade de rios e canais que meandram pela planície, cruzados por inúmeras pontes, levaram o Recife a ser chamado de Veneza brasileira.

A rede de drenagem superficial é complementada por mais de sessenta canais, formados por pequenos córregos canalizados, que drenam bairros no interior da área e bairros circunvizinhos, contribuindo para o sis-tema estuarino. Essa configuração torna a planície do Recife uma zona de captura de drenagem superficial, e as áreas mais baixas sujeitas a inundações, principalmente quando chuvas intensas coincidem com as marés mais altas (marés de sizígia).

Os riscos de alagamentos e inundações são devidos a: (1) Chuvas torrenciais na própria área da cidade; (2) Chuvas torrenciais nas áreas mais elevadas das cidades vizinhas; (3) Inundações fluviais causadas por chuvas nas bacias hidrográficas dos rios que cortam a cidade; e (4) Marés altas de maior amplitude que chegam a alagar algu-mas partes baixas da cidade. Logicamente, quando ocorre o efeito combinado de mais de uma dessas causas, as conseqüências são muito piores. Nas últimas décadas, tem sido feito um esforço considerável da parte de diver-sas instituições, para enfrentar os problemas das águas urbanas, com resultados positivos, embora a magnitude dos problemas seja grande demais, exigindo ações mais amplas e de maior envergadura.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESRecife

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6.3 Águas urbanas

6.3.1 Abastecimento d’água

A cobertura de abastecimento é da ordem de 88%, com uma rede de distribuição presente em quase a totalidade do território da cidade. O sistema é administrado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e está integrado ao Sistema de Abastecimento da Região Metropolitana do Recife. O sistema existente já não atende à demanda, portanto, para contornar o problema, é operado com uma escala de racionamento sistematizada por bairros.

Basicamente são dois sistemas que operam para o abastecimento de Recife. O primeiro é o Sistema Alto Céu, em atividade desde 1958, que produz 10% do volume de água distribuído na Região Metropolitana. Abastece toda a zona norte do Recife, parte de Olinda e o Bairro de Jardim Paulista, no município de Paulista. A captação é processada nos Rios Beberibe, Paratibe, Utinga e Pitanga. O segundo é o Sistema Tapacurá, atualmente respon-sável por 43% da produção de água na Região Metropolitana, sendo 89% desse volume para o abastecimento de Recife, 6% para Camaragibe, 3% para São Lourenço e 2% para Jaboatão dos Guararapes. A captação dá-se nos Rios Tapacurá, Duas Unas, Várzea do Uma e Capibaribe.

A concessionária utiliza água dos reservatórios de superfície e complementa cerca de 20% com água de poços. A vazão fornecida pela Compesa para o abastecimento da Região Metropolitana de Recife totaliza 10.300 L/s, que são apresentados na tabela 6.1.

Tabela 6.1 Mananciais

Manancial Vazão L/s

Reservatório Tapacurá 1.800

Reservatório Duas Unas 1.000

Reservatório Botafogo 800

Reservatório Várzea do Una 600

Poço na parte Norte da RMR 1.800

Captação a fio d’água 4.300

Total 10.300

Nos anos de pouca chuva, os reservatórios não dão vencimento à demanda, e o racionamento de água se intensifica. Em virtude disso, muitos prédios residenciais perfuraram os próprios poços e atualmente existem cerca de 12 mil poços particulares na RMR, dos quais aproximadamente 4 mil são poços profundos, com vazão total dos poços particulares estimada em 4.000 L/s. Recentemente, foi construída a barragem de Pirapama, na parte sul da RMR, planejada para fornecer 5.000 L por segundo, mas ainda falta ser construída a adutora e a es-tação de tratamento.

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6GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 116

6.3.2 Esgotamento sanitário

O sistema de esgotamento sanitário na RMR foi planejado como um sistema separado, com rede de coleta de esgoto independente de rede de águas pluviais, embora, em alguns locais, haja ligações clandestinas de esgoto nas galerias de águas pluviais.

O planejamento dos sistemas de esgotamento sanitário do Recife dividiu a área do município em 98 Unidades de Coleta (UCs), cuja nomenclatura posteriormente foi modificada para Unidades de Esgotamento (UEs). Atualmente, apenas uma pequena parte das unidades foi implantada. Existem três principais estações de tratamento de esgoto, das quais duas atendem ao Recife, uma em Peixinhos (capacidade projetada de 36.000 m3/dia), que atende ao norte de Recife (e parte de Olinda) e uma no Cabanga (capacidade projetada de 80.000 m3/dia) que atende à parte sul de Recife. Uma outra no Janga (capacidade projetada de 34.000 m3/dia) atende às cidades ao norte do Recife. Uma nova estação de tratamento está sendo planejada para a região oeste da Cidade de Recife.

Além das duas estações de tratamento convencionais que atendem à Cidade de Recife, existem cerca de seis dezenas de pequenos sistemas de coleta, alguns deles do tipo condominial, que atendem a conjuntos residenciais e a conjuntos de quarteirões. Alguns desses sistemas de coleta fazem também o tratamento, enquanto outros bombeiam para as grandes estações.

Por conta das dificuldades de manutenção, mesmo a parcela de esgoto que é coletado não é tratada ade-quadamente. Estima-se que atualmente cerca de 36% do esgoto do Recife é coletado pela rede e cerca de 21% são tratados. Nos trechos da cidade em que não existe coleta, as casas e os prédios construídos com aprovação dos órgãos competentes direcionam os esgotos para fossas sépticas e, em seguida, para valas de infiltração. Como o lençol freático é bastante elevado, muitas vezes as valas de infiltração não dão conta do volume de efluentes e mui-tos proprietários fazem uma canalização escondida, despejando o excedente dos efluentes na rede de drenagem de águas pluviais. No caso das sub-habitações da população pobre, o esgoto é direcionado diretamente para os cursos d’água.

6.3.3 Resíduo sólido: lixo

Em Recife, são recolhidas aproximadamente 2.500 t/dia de lixo, a um custo em torno de R$ 350 mil/mês para fazer seu recolhimento além dos custos para a disposição final dos resíduos sólidos. É feita coleta seletiva para uma pequena parte do lixo, com separação de plásticos, papéis, metais e vidros. Além disso, muitos catado-res também operam, tanto nas ruas como no Aterro da Muribeca, retirando materiais passíveis de reciclagem.

O Aterro da Muribeca é o maior aterro em operação na Região Metropolitana do Recife. Está localizado a 15 km da Cidade do Recife, no município de Jaboatão dos Guararapes. A área do aterro equivale a 60 ha e vem sendo utilizada para destino final de resíduos sólidos desde 1985. Recentemente, foi construída no aterro uma nova Unidade de Contenção e Tratamento do Chorume, com capacidade para processar, em média, o chorume produzido por 3.000 t de lixo por dia. Atualmente, o aterro é formado por células de dimensões variadas e passou por uma ampla reforma, depois de 18 anos de funcionamento como depósito de lixo. O tratamento do chorume é realizado com o auxílio de uma lagoa de recirculação das células (para receber 70% do chorume), uma de decan-tação anaeróbica, três lagoas facultativas para o processo aeróbico e duas lagoas de fitorremediação.

Embora a coleta de lixo seja realizada com bastante eficiência, cerca de 1% do lixo em áreas de difícil acesso é jogado pelos moradores de palafitas e favelas em áreas de manguezais ou em cursos d’água, causando problemas estéticos, ambientais e reduzindo a capacidade de escoamento dos rios e dos canais. Para mitigar

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESRecife

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esse problema, a prefeitura da cidade adquiriu dois barcos adaptados para a coleta de lixo flutuante e de lixo lançado nas margens do Rio Capibaribe, com resultados muito positivos.

Outro problema que repercute no sistema de drenagem urbana resulta do lançamento, nas ruas e calça-das, de folhas de papel distribuídos como propaganda, de sacos vazios de pipoca e de biscoitos, garrafas e copos de plástico descartáveis. Esses materiais, lançados de veículos em movimento ou lançados por transeuntes, são arrastados para as galerias de água pluvial, e como as declividades são muito baixas, vão se acumulando, atra-palhando o escoamento normal das águas.

6.3.4 Saúde

A Cidade do Recife é considerada o segundo pólo médico brasileiro, dispondo de bom número de hospi-tais, tanto públicos como privados. O serviço médico de Recife, além de atender à população da cidade, serve também um grande número de pacientes do interior do estado e dos estados vizinhos. Em virtude da grande procura por atendimento médico, clínico e hospitalar, pela população do Recife e de outras regiões, o serviço público apresenta uma longa fila de espera, como em todas grandes cidades brasileiras.

A ameaça de doenças por veiculação hídrica existe em Recife, pelo fato de a população conviver com sérios problemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. No quadriênio 2001-2004, além de ver-minoses e amebíase, houve registros de hepatite A, diarréias agudas, leptospirose, mas nenhum caso de cólera (Secretaria de Saúde de Recife, 2005).

A hepatite do tipo A, causa mais freqüente de hepatite viral no mundo, é endêmica em Recife, mas fe-lizmente de forma benigna. No período analisado, foi observado um decréscimo no coeficiente de detecção da ordem de 4,78%, quando comparados aos anos de 2001 e 2004. A predominância dessa doença entre crianças confirma o comportamento da enfermidade nos países subdesenvolvidos, caracterizado por precárias condições sanitárias e pelo baixo nível socioeconômico da população. Esse quadro reflete a urgente necessidade de priori-zar melhorias nas condições de saneamento básico do município. Quanto à leptospirose, zoonose endêmica em Recife, tem sua ocorrência estritamente associada ao período de chuvas e enchentes. No ano de 2002, observou-se uma elevação de 25,16% no Coeficiente de Detecção em relação ao ano de 2001, e em 2003, verificou-se uma diminuição de 52,35% quando comparado a 2002. No ano de 2004, houve um aumento no número de casos de 114,03%, quando comparado ao ano de 2003, com uma letalidade de 13,93% (tabela 6.2).

Tabela 6.2 Número de casos confirmados e coeficiente de detecção (por 100.000 hab.) das doenças de veiculação hídrica. Recife, 2001 – 2004

Doenças2001 2002 2003 2004*

Nº. C.D Nº. C.D Nº. C.D Nº. C.D

Cólera - - - - - - - -

Hepatite A 281 19,47 303 20,71 197 13,20 279 18,54

Febre tifóide 01 0,06 - - - -

Leptospirose 93 6,44 118 8,06 52 3,50 122 8,11

Fonte: Secretaria de Saúde, Recife

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A Secretaria de Saúde da Prefeitura elaborou um, Mapa de Risco da Água, (figura 6.4), em construção cole-tiva, pactuado entre diferentes atores das vigilâncias ambiental e epidemiológica, utilizando dados secundários, provenientes do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan), do Censo Demográfico 2000 (IBGE) e da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Os critérios norteadores da definição de risco foram: produtividade, vulnerabilidade e susceptibilidade.

A produtividade de agravos foi representada pela freqüência de casos de leptospirose e hepatite A, no triênio 2000-2002, e de cólera, no triênio 1998-2000. Como representativo da vulnerabilidade e da susceptibili-dade, utilizaram-se a intermitência de abastecimento de água no 1º semestre de 2003 (proporção de tempo sem abastecimento de água em um ciclo médio de 72 horas) e o indicador sintético de condições de vida, obtido por Guimarães (2003), a partir de indicadores de saneamento, educação e renda por meio de análise fatorial.

Bairros classificados como de elevado risco: Afogados, Imbiribeira, San Martin, Torrões, Brasília Teimosa, Areias, Jardim São Paulo, Barro, Iputinga, Mustardinha, Boa Viagem, Linha do Tiro, Nova Descoberta, Pina, Vasco da Gama, Jordão, Ilha Joana Bezerra, Água Fria, Várzea, Dois Unidos e Ibura.

Figura 6.4 Mapa de risco e agravos à saúde relacionados com a água no município de RecifeFonte: Secretaria de Saúde de Recife, 2005

6.3.5 Drenagem urbana

Hidrologia

O período chuvoso de Recife vai de março a agosto, sendo que os totais pluviométricos são maiores nos meses de abril a julho, caracterizando a chamada quadra chuvosa. Nos meses de verão, os totais pluviométricos são muito baixos com valores mínimos no mês de novembro. A tabela 6.3 mostra as médias mensais de precipi-tação para um período de trinta anos.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESRecife

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Tabela 6.3 Médias mensais da normal climatológica no período 1961 a 1990, na Estação do Recife (Curado)

MesesPrecipitação Evaporação Temperatura Umidade Relativa Insolação

(mm) (mm) (ºC) (%) (horas)

Jan 102,8 135,4 26,6 75 242,6

Fev 145,0 153,3 26,6 77 210,4

Mar 262,1 97,0 26,4 80 208,3

Abr 325,7 76,6 26,0 84 183,4

Maio 331,8 70,2 25,2 85 187,5

Jun 388,9 73,0 24,5 86 168,6

Jul 389,7 77,7 23,9 85 165,4

Ago 205,8 99,2 24,0 82 206,9

Set 123,6 114,5 24,6 79 217,2

Out 62,6 141,2 25,5 76 253,9

Nov 45,2 140,1 26,1 74 260,9

Dez 67,5 145,3 26,4 75 251,3

MÉDIA MENSAL 204,2 110,3 25,5 79,8 213,0

TOTAL ANUAL 2.450,7 1.323,4 - - 2.556,4

Fonte: INMET/3º DISME, 2003

A evaporação total alcança valores de 1.323,4 mm, superando a precipitação pluviométrica entre os meses de setembro e fevereiro. No entanto, a média anual da pluviometria supera a da evaporação em 1.127,3 mm. O valor máximo da evaporação é observado em dezembro (145,3 mm), para uma média mensal de 110,3 mm.

A temperatura média anual é de 25,5°C, com valor máximo médio mensal de 26,6ºC nos meses de janeiro e fevereiro, e média mínima mensal de 23,9°C no mês de julho. A amplitude térmica média anual é de apenas 2,7°C, tornando o clima da região muito agradável em qualquer época do ano. A umidade relativa do ar atinge um valor médio mensal de 79,8%. Esse alto valor é um reflexo da abundância das águas da região estuarina e da proximidade da cidade com o oceano, recebendo as massas de ar úmido ali geradas e trazidas para a região costeira do continente. A insolação média anual é de 2.556,4 horas, com máxima mensal de 260,9 horas em no-vembro e mínima de 165,4 horas em julho. Essa elevada taxa reflete a proximidade da região em relação à zona equatorial, onde a incidência da luz solar é mais intensa. No que diz respeito ao cálculo e à previsão de chuvas intensas para o dimensionamento das obras de micro e macrodrenagem e para controle de enchentes, têm sido adotados os resultados do Plano Diretor de 1980 (PDMD-1980), que deram origem à equação de chuvas intensas da RMR (PQA, 1997). Sua determinação foi feita a partir dos registros pluviográficos correspondentes a 15 anos de medições efetuadas em Olinda e a 10 anos observados no Posto do Curado (zona oeste de Recife).

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Daí estabeleceu-se que, para um determinado período de retorno, a intensidade de uma chuva com a duração definida é dada por: i = máximo entre i1 e i2, onde:

i1 = 456,768 ( T – 1,5 )0,117 x (1 – 4,54 x 10-21 x (t)8)( t + 6 ) 0,5811

i2 = 72,153 (T-1,75) 0,173

(t/60 + 1) 0,74826

Nessas expressões, T é o período de retorno, em anos, t é a duração da chuva, em minutos, i é a intensi-dade da chuva em mm/hora.

Macrodrenagem

A planície está confinada entre a orla marítima e os morros, e tem seu interior cortado pelos Rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió, que compartilham de um mesmo estuário e são os principais responsáveis pela macrodrena-gem. Constituem também a rede de macrodrenagem dois outros rios menores, Jordão e Jiquiá, e mais 66 canais. Como a cidade é muito plana, os gradientes hidráulicos são baixos, exigindo maiores seções transversais para dar escoamento às vazões das chuvas torrenciais relativamente freqüentes. Em virtude das cotas baixas e da combi-nação entre chuvas intensas e marés de amplitude elevada, a drenagem fica comprometida e alguns trechos da cidade ficam alagados por algumas horas. Ao longo dos últimos quatro séculos, a Cidade de Recife vem sofrendo aterros para ampliar as áreas de moradia, comércio e circulação de pessoas e veículos. Comparando-se os mapas de alguns séculos atrás com os mapas atuais, verifica-se que os aterros foram reduzindo o espaço de escoamento das águas, que hoje está muito reduzido em relação ao que era inicialmente (tabela 6.4).

A área de planície constituída por pequenas ilhas ao longo do tempo foi sendo ampliada com aterros su-cessivos, roubando espaços do mar, dos rios, dos mangues e dos alagados. Estudos apresentados por Gusmão Filho (1998, p. 77) dão conta de que o solo criado em Recife, proveniente de aterros, é estimado em 19 km², que corresponde a 17,5% da área total da planície e a 9,1% da área total da cidade.

Tabela 6.4 Os aterros na Cidade de Recife, a partir de 1631 (Gusmão Filho, 1998)

Local de referência

Área inicial (Ao) km²

Aumento de área (A) km²

Cresc. A/Ao %

Período (anos)

Volume de aterro (m³)

Espaço aterrado

Bairro do Recife 0,149 0,471 316 276 1.000.000 Mar e rios

Bairros Sto. Antônio e São José

0,259 0,707 273 276 2.000.000Rios, camboas

e mangues

Aterro da Boa Vista 0,571 0,678 118 148 2.000.000 Rios

Planície (parte estudada)

34 8,5 25 100 10.000.000Mangues e alagados

Planície (restante) 103,0 8,5* 8 100 10.000.000Mangues e alagados

TOTAL 108,0 18,856 - - 25.000.000 -

* Valor estimado

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A urbanização e sua conseqüente impermeabilização do solo é comum em quase todos os centros urba-nos brasileiros. Diversos bairros que, algumas décadas atrás, não apresentavam problemas de alagamento pas-saram a produzir esse efeito, decorrente de um somatório de fatores, como: verticalização das edificações (lotes onde antes havia apenas uma casa, hoje são ocupados por um prédio com dezenas de unidades habitacionais), pavimentação de ruas e calçadas, pavimentação de jardins e quintais (para construção de garagens, play-grounds e outros dispositivos, e mesmo as áreas gramadas são realizadas utilizando pequenas camadas de solo sobre uma laje de concreto.

Sistema de comportas

Uma das principais avenidas do Recife, a Avenida Agamenon Magalhães, que corta a cidade de norte a sul, margeando o canal Derby-Tacaruna (figura 6.5), nos últimos anos vinha sofrendo alagamentos nos períodos de maré alta, com inúmeros transtornos para o trânsito e as atividades comerciais e de serviços da cidade. O canal Derby-Tacaruna, de 5.600 m de extensão, é aproximadamente paralelo ao mar, tendo um trecho com uma suave declividade para norte, desaguando no segmento final do Rio Beberibe, e outro trecho com suave declividade para sul, desaguando no Rio Capibaribe.

Para evitar as inundações na maré alta, foram construídas comportas nas duas extremidades, que são fechadas nas horas de maré alta, nos dias em que a amplitude de maré supera uma altura pré-determinada. O sistema vem funcionado a contento, tendo eliminado os alagamentos da avenida. Além disso, o regime de opera-ção das comportas muitas vezes é utilizado para a redução de lixo flutuante: como o trecho final do Rio Beberibe apresenta freqüentemente sacos plásticos, garrafas pet e outros materiais flutuantes, as comportas são abertas defasadas no tempo, de modo que a circulação ocorra predominantemente de sul para norte, evitando que o lixo flutuante entre no canal.

Figura 6.5 Comporta no canal Derby Tacaruna para evitar inundações na maré alta

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Limpeza dos canais

Todos os canais do Recife são limpos periodicamente para favorecer a manutenção das condições de escoa-mento. As causas dos problemas dos canais são: sedimentos arenosos carreados pela chuva (provenientes de ruas não-pavimentadas, terrenos revolvidos em loteamentos novos, escavações para construções), lama de esgoto de-corrente de ligações de esgoto em redes pluviais ou falhas do sistema de tratamento, resíduos sólidos abandonados em terrenos baldios ou lançados diretamente em cursos d’água pelos moradores de áreas de favelas, vegetação que cresce nas margens e em alguns casos nos sedimentos de lama, e areia do assoreamento dos canais.

O trabalho de limpeza do mato e de retirada dos resíduos sólidos é feito manualmente, e a remoção do asso-reamento, que antigamente era feita com o uso de dragas, atualmente é feita por um sistema de barragem móvel, que produz uma onda de translação e arrasta os sedimentos, desobstruindo os canais.

O sistema de barragem móvel (figura 6.6) consta de uma lona apoiada em duas vigas metálicas, que são co-locadas em posição transversal ao eixo do canal. O espaço ocupado pela lona entre as duas vigas é preenchido com água e, com isso, a lona consegue bloquear o fluxo, de modo que após algumas horas um grande volume de água fica represado num dos lados da barragem. Num determinado instante, a lona é solta e o volume de água acumulado gera uma onda de translação que arrasta os sedimentos, limpando o canal. Os canais efetivamente têm ficado limpos com a aplicação desse sistema, a um custo bem mais baixo do que anteriormente. No entanto, esses sedimentos estão sen-do transportados para a foz da malha fluvial, e a administração da cidade está consciente de que a solução definitiva só se dará se for interrompida a produção de sedimentos na fonte, reduzindo a erosão nos lotes e ruas não-pavimentadas e eliminando a ligação de esgoto na rede pluvial.

Figura 6.6 Barragem móvel com lona para limpar o canal com a onda de translação da água

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Recalque de pavimentos

Outro problema que afeta o sistema de drenagem é a deformação vertical de pavimentos, que pode ser a causa de alagamentos localizados em alguns trechos de ruas. O subsolo de Recife, formado por sedimentos de origem flúvio-marinha, apresenta em diversos locais, camadas de argila (algumas vezes argila orgânica) intercala-das por camadas de areia, numa situação vulnerável à ocorrência de recalques.

Algumas ruas e avenidas de Recife foram construídas colocando-se o pavimento de concreto ou asfalto sobre uma camada de aterro de até 1 m de espessura. Com o passar dos anos, o peso do pavimento somado ao peso do aterro e associado às vibrações produzidas pelo trânsito provocou o recalque de algumas dezenas de centímetros, criando em diversos locais, depressões localizadas de difícil drenagem.

Riscos de inundação na bacia do Capibaribe

O Rio Capibaribe, com mais de 250 km de extensão, nasce no agreste e possui uma bacia hidrográfica que abrange uma grande área, tendo sido responsável no passado por grandes enchentes que chegaram a inundar 80% da cidade em algumas das vezes. Para enfrentar o problema das enchentes, o governo federal, na década de 70, investiu em diversos pro-jetos que, somados, garantem uma proteção razoável contra as inundações do Rio Capibaribe.

O sistema de proteção incluiu a construção de três grandes barragens de retenção das cheias na bacia: uma delas para retenção das cheias na bacia do Rio Tapacurá, afluente da margem direita do Capibaribe, com capacidade para armazenar 94 milhões de metros cúbicos; outra para retenção das cheias na bacia do Rio Goitá, também afluente da margem direita, com capacidade para 52 milhões de metros cúbicos; e a terceira barragem, construída no eixo do rio Capibaribe, no município de Carpina, com capacidade para 270 milhões de metros cúbicos, protege contra enchente do Rio Cotunguba e contra enchentes vindas do Alto Capibaribe. Poucos anos atrás, foi construída a barragem de Jucazinho, a montante de Carpina, com capacidade para 327 milhões de metros cúbicos, com a finalidade de abaste-cimento de algumas cidades do agreste, mas que também colabora na proteção contra enchentes.

Além disso, foi realizado o alargamento da calha fluvial na planície do Recife, algumas pontes foram derrubadas e construídas outras no mesmo local com alturas bem maiores para que as vigas da ponte não causassem represamen-to; e foi feita ainda uma retificação do curso do rio no Bairro de Apipucos, onde um meandro de grande sinuosidade apresentava baixas velocidades e causava um efeito de remanso.

Sistemas de água, esgoto e resíduos sólidos

Os serviços de esgotamento sanitário na RMR são obsoletos. Somente 36% do total dos domicílios estão conectados ao sistema de esgoto. O número de domicílios conectados ao sistema de tratamento de esgoto é de apenas 21% do total de domicílios. A conclusão dos 55 sistemas de esgotamento sanitário propostos aumentará a população atendida para 91% da população urbana na RMR (Jica, 2001). O sistema de esgotamento sanitário é do tipo separador, mas, na prática, existem ligações clandestinas de efluentes domésticos na rede pluvial e também infiltrações de água de chuva na rede de esgotos, ambas apresentando problemas.

A coleta de resíduos sólidos é bem eficiente e o destino final no aterro adota as condições técnicas ade-quadas, incluindo o tratamento de chorume, implantado recentemente. No entanto, cerca de 1% do lixo não é coletado por culpa da população que joga papéis e sacos plásticos nas ruas. Em alguns locais muito pobres, a população ainda joga lixo nos canais. Apesar de todo o esforço de coleta do lixo, o pequeno percentual que não

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é coletado traz problemas significativos para a drenagem urbana.É importante continuar e intensificar as campanhas de educação ambiental para pedestres e pessoas mo-

torizadas não lançarem papel e cascas de frutas no chão e acondicionarem o lixo em recipientes adequados.

6.4 Avaliação do sistema de drenagem urbana

Quando abordamos a drenagem do Recife temos que reconhecer que se trata de uma cidade em que para o seu desenvolvimento urbano não foi dada a devida atenção para a drenagem. Com os holandeses, foi dado início aos aterros de áreas de mar, rios, mangues e alagados e cujo processo, mesmo em menor escala, ainda continua. As iniciativas para a elaboração de um Plano Diretor de Drenagem até hoje não saíram do papel, e os mecanismos de controle urbano são ineficazes nas áreas de periferias de baixa renda, onde se concentra a ocu-pação subnormais e uma população marginalizada vivendo abaixo da linha de pobreza.

Historicamente, como já foi relatado, o processo de ocupação urbana do Recife fez-se de forma desorde-nada, desprovido de uma política governamental capaz de vencer os desafios e, como conseqüência, hoje conta com uma população maior do que a sua capacidade, um grande número de habitações subnormais, um elevado estado de degradação do meio ambiente e uma periferia com infra-estrutura urbana precária. Estudo realizado por Jaime Gusmão assim se refere a essa ocupação:

“Tão ampla foi esta intervenção no seu meio físico,que a cidade tem hoje a drenagemsufocada e em muitos pontos afunda sob o peso dos aterros”.(Gusmão, 1998)

Nesse cenário, é possível imaginar o quanto é difícil equacionar as questões de drenagem do Recife, pois não se trata apenas de uma questão de engenharia, mas, acima de tudo, de um problema social. Como conse-qüência, a cidade tem convivido com vários pontos críticos de drenagem, cujas ocorrências se dão nas áreas baixas, nas margens dos rios, nos canais e mangues ou em áreas ocupadas sujeitas à influência das marés, cuja solução aguardam por financiamentos externos, uma vez que as receitas do município são insuficientes para essas intervenções.

Atualmente, a cidade conta com uma rede de microdrenagem, composta por galerias e canaletas, com extensão aproximada de 1.000 km, apresentando, porém, segmentos subdimensionados por causa do elevado índice de impermeabilização de algumas localidades, que aumentaram drasticamente a carga de escoamento superficial, comprometendo, portanto, o sistema. Outro aspecto negativo é o baixo índice de esgotamento sa-nitário em rede pública, pois é comum encontrar ligações clandestinas na rede de galerias, o que compromete bastante a vida útil da tubulação, já que a cidade adotou redes independentes para o saneamento dos esgotos e das águas pluviais.

A Macrodrenagem do Recife é constituída pelos cursos d’água de drenagem natural, pré-existentes nos terrenos antes da ocupação, identificados como rios, canais, córregos e lagoas, que, na sua grande maioria, já sofreram intervenções para retificação da calha e revestimento.

A falta de planejamento urbano com visão de futuro e de uma política de controle ambiental contribuiu decisivamente para os problemas de drenagem da cidade, inclusive forçando a adoção de soluções não muito apropriadas. Apesar disso, ainda se conserva a grande maioria dos canais como conduto livre, embora, em muitos casos, com as respectivas margens ocupadas e sem acesso à manutenção e à limpeza. Os poucos ca-nais fechados resultaram de exigências impostas pelo traçado urbano, em face de ocupação desordenada, ou

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para melhoria do sistema viário. Existem, também, alguns canais com o leito preservado, sem intervenções de alteração do curso d’água, não sendo, pois, necessária a utilização de soluções estruturais; porém, está difícil mantê-los, haja vista a evolução da ocupação urbana e a escassez de recursos financeiros para a preservação permanente dessas áreas.

Na figura 6.7, pode ser identificada toda a rede de macrodrenagem do Recife, desde os cinco rios: Capibaribe, Beberibe, Tejipió, Jordão e Jiquiá. Observa-se, em cada uma dessas bacias, a formação de uma malha considerável de vários canais, córregos e riachos que, associados a uma rede de galerias, realizam a drenagem urbana. Essa rede de canais, com extensão total de aproximadamente 105 km, apresenta sérios problemas, em virtude de vários trechos de suas margens estarem totalmente ocupados, dificultando o acesso à limpeza e à manutenção, sem contar com a presença de barracos fincados na própria calha de drenagem, como é o caso do canal do Jacarezinho, do Jordão, de Lemos Torres, entre outros.

Entre os estudos recentes relacionados à drenagem urbana da Cidade do Recife, destaca-se o PQA (Projeto de Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica das Bacias dos Rios Beberibe, Capibaribe e Jaboatão), realizado de 1996 a 1998. Mais recentemente, foram realizados dois outros estudos: um da Jica (concluído em 2001), com abrangência da Região Metropolitana do Recife (RMR), excluindo a bacia do Rio Beberibe; e outro chamado Prometrópole. com apoio da GTZ, com enfoque na bacia do Rio Beberibe. Para o Prometrópole, foram conseguidos recursos e algumas obras estão sendo executadas.

Em Recife, as chuvas intensas trazem também outros problemas relacionados ao deslizamento de encos-tas na zona norte ou na zona oeste da cidade. Para lidar com os problemas técnicos e sociais relacionados ao risco de deslizamento nos morros, a Prefeitura do Recife preparou o Programa Guarda-Chuva, que reúne diversos setores técnicos municipais integrados com a comissão de defesa civil.

Um dos componentes do PQA, relativo à drenagem, analisou as bacias dos Rios Beberibe, Capibaribe e Jiquiá nos Municípios de Camaragibe, Olinda e Recife, numa abordagem da macrodrenagem, com o objetivo de preparação de um programa de investimentos nas bacias dos rios acima citados. Com base em todos os levan-tamentos de campo e de dados hidrológicos locais, foi elaborado um diagnóstico da situação da rede de ma-cro-drenagem das bacias estudadas. Os problemas principais observados na época, e que continuam existindo, embora com menos intensidade, são os seguintes:

• lançamento e deposição de lixo nas calhas de drenagem;• assoreamento das calhas em virtude das erosões de encostas e do desmatamento;• crescimento de vegetação no leito, agravada pela elevada carga de nutrientes orgânicos existentes nas

águas, resultantes de esgotos domésticos;• estrangulamento das calhas por ocupações habitacionais irregulares;• obstrução de bueiros e pontes por redes de serviços públicos, tais como adutoras, coletores-tronco de

esgotos, redes telefônicas, entre outras;• deficiências e inadequações de dispositivos coletores de microdrenagem.

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Figura 6.7 Rede de macrodrenagem de Recife

Quanto aos tempos de retorno, o PQA fez uma recomendação de 10 anos para microdrenagem e de 20 anos para canais e cursos d’água. A Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) elaborou um Estudo sobre o Plano de Gerenciamento da Drenagem de Águas Pluviais e do Esgotamento Sanitário para a Região Metropolitana do Recife, incluindo os municípios do Recife, de Olinda e de Jaboatão dos Guararapes. Não foram previstas intervenções na bacia do Beberibe, uma vez que essa bacia foi escolhida pelo Prometrópole.

O projeto da Jica consiste num Plano Diretor para 7 sistemas de esgotamento sanitário e drenagem das águas fluviais, sendo prioritários os projetos para os sistemas de Conceição, Janga, Cabanga, Boa Viagem, Cordeiro, Prazeres e Curcurana. O Plano foi composto de um Plano de Gerenciamento do Esgotamento Sanitário e de um Plano de Gerenciamento da Drenagem Pluvial.

O Plano de Esgotamento indicou 55 projetos prioritários a serem recuperados e implantados até 2020, envolvendo recursos da ordem de R$ 853 milhões (tx. de câmbio na época: R$ 1,90 = US$ 1,00). O custo anual de operação e manutenção foi estimado em R$ 44 milhões, o que corresponde a 7% do custo direto da constru-ção. O Plano de Drenagem Pluvial prevê melhorias nos Municípios do Recife (15 áreas críticas de inundação), de Jaboatão (4 áreas de inundação) e de Olinda (3 áreas de inundação). Os custos dos obras de drenagem foram

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estimados em R$ 5,04 milhões (tx. de câmbio: R$ 1,90 = US$ 1,00). O custo anual de operação e manutenção foi estimado em R$ 0,12 milhão, o que corresponde a 2% do custo direto da construção.

O Prometrópole tem como área de abrangência a bacia do Rio Beberibe em Olinda e Recife, e é um plano de desenvolvimento integrado que abrange os sistemas de coleta de esgoto, abastecimento de água, pavimen-tação, drenagem, coleta de resíduos sólidos e proposta de reassentamento de famílias que estão em área de risco. O Prometrópole leva em conta os aspectos técnicos, econômicos, financeiros, sociais e ambientais, e é um Programa do Governo do Estado de Pernambuco a ser executado em cooperação com diversas entidades da administração direta e indireta do Estado e com Prefeituras Municipais da Região Metropolitana do Recife. Tem como objetivo: “promover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; e combater as cau-sas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

O Prometrópole tem, como área de intervenção, locais de baixa renda, de interesse da Região Metropolitana do Recife, e visa ao enfrentamento desses problemas numa atividade compartilhada por municípios e pelo es-tado. Assim, o sistema de gerenciamento desenhado para o Programa foi “um sistema de gestão, que articula e integra o estado, os municípios e as comunidades objeto das intervenções, ou seja, uma gestão compartilhada com os diversos níveis”.

Em termos de atividades integradas à drenagem urbana, o Prometrópole prevê a coleta e o tratamento de esgotos domésticos nas localidades formadas por sub-habitações ocupadas por população de baixa renda, bem como a retirada de casas que ocuparam a calha do rio e o reassentamento das famílias. A calha fluvial será recuperada, mantendo um espaço para calha ampliada, que comporte as vazões no período de inundações e que seja utilizada para lazer em períodos de baixas vazões.

Foram conseguidos recursos financeiros do Banco Interamericano, para implementação das atividades previstas. Os trabalhos encontram-se no ponto de detalhamento de projetos e de elaboração de projetos exe-cutivos. A execução de algumas obras de campo tem início previsto para 2006, no Bairro de Campo Grande, em Recife, e no Bairro de Passarinho, em Olinda.

Na Cidade do Recife, os serviços de construção dos sistemas de drenagem ficam a cargo da URB (empresa municipal), que realiza o projeto e a execução. Os serviços de manutenção, incluindo limpeza, consertos e adap-tações, fica a cargo da EMLURB (empresa municipal). A coleta e o destino final dos resíduos sólidos são também de responsabilidade da EMLURB. Quanto ao abastecimento d’água e ao sistema de esgoto, como já foi dito an-teriormente, ficam a cargo da Compesa (concessionária estadual).

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Figura 6.8 Região de morros de Recife com risco de deslizamento e contribuição grande de volumes d’água para inundação da planície

O Programa Guarda-Chuva tem por objetivo realizar ações preventivas e emergenciais na proteção das áreas de risco nos morros e nos alagados, por ocasião das chuvas intensas. O Programa é organizado pelo Sistema de Defesa Civil da Cidade do Recife e abrange um grande número de órgãos e setores da administração pública, para garantir a eficiência do trabalho integrado, evitando a superposição de esforços. A figura 6.8 mostra um exemplo de ocupação dos morros de Recife em áreas íngremes, típicas da área de atuação do Programa Guarda-Chuva.

Em muitos lugares da cidade, a população invade os cursos d’água, construindo edificações não-autori-zadas para moradia ou eventualmente comércio nos bairros muito pobres. Em situações críticas de obstrução quase completa do curso d’água, a prefeitura tem intervido por meio de ação judicial. Ao ser autorizada judi-cialmente, a prefeitura realiza as demolições das construções irregulares nos leitos de rios e canais, conforme exemplo do Rio Jordão, mostrado na figura 6.9.

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Figura 6.9 Demolição, feita pela prefeitura, de edificações irregulares, construídas no curso d’água

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REFERÊNCIAS

BRASIL (2000) - Presidência da República; Secretaria Especial de desenvolvimento Urbano; Programa HABITAR-Brasil / BID;

FIDEM / PERNAMBUCO (1997) - Projeto de Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica das Bacias dos Rios Beberibe, Capibaribe e Jaboatão – PQA/PE; Estudos sobre o Sistema de Esgotos da RMR;

FIDEM / PERNAMBUCO (1997) - Projeto de Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica das Bacias dos Rios Beberibe, Capibaribe e Jaboatão – PQA/PE; Estudos sobre o Sistema de Macro drenagem da RMR;

FIDEM / PERNAMBUCO (1997) - Projeto de Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica das Bacias dos Rios Beberibe, Capibaribe e Jaboatão – PQA/PE; Diagnóstico das Áreas Pobres Prioritárias;

GUIMARÃES, M.J.B. (2003) Desigualdades intra-urbanas de mortalidade infantil no Recife. Tese de Doutorado em Saúde Pública (ENSP-FIOCRUZ).

GUSMÃO FILHO, J.A. (1998) Fundações: do Conhecimento Geológico a Prática de Engenharia.IBGE (2005). – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em www.ibge.gov.br/home/estatistica/

economia/pibmunicipios/2002/tab01.pdf Acesso em 11 jul 2005.IPEA (2005). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Fragmento disponível em www.epidemio.ufpel.org.br/proesf/Recife.PDF Acesso em 11 jul 2005.JICA (2001) - Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA); Estudo sobre o Plano de Gerenciamento

da Drenagem de Águas Pluviais e do Esgotamento Sanitário para a Região Metropolitana do Recife;PERNAMBUCO (1998) - Secretaria de Planejamento; Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana

do Recife; Plano Diretor da Região Metropolitana do Recife – Metrópole 2010; Recife.PNUD (2005) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – ONU. Disponível em: www.

pnud.org.br/atlas/regioes_metropolitanas/atlas_consulta.php Acesso em 11 jul 2005.PREFEITURA DE RECIFE (2004), Plano de Desenvolvimento Local Integrado, Programa de Intervenções

Sociais. Programa de Saneamento Integrado, UE20, UE21, UE23, Recife - PernambucoPREFEITURA DO RECIFE (2005). Perfil Epidemiológico do Recife, Maio-2005, Diretoria de Epidemiologia e

Vigilância à Saúde, Diretoria Executiva de Epidemiologia, Secretaria de Saúde,

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7 Breve diagnóstico e propostas de intervenção para atender às necessidades de Recife Ivo Fresia e Alessandro Paoletti, com a colaboração de Stefano Croci

7.1 Diagnóstico

Neste texto, são sintetizados os resultados do exame de documentos, visita técnica e encontro com os técnicos da Cidade do Recife. Os temas são apresentados separadamente, mas a análise foi realizada de forma integrada.

7.1.1 Cheias fluviais

Na escala da área metropolitana, o risco de alagamento atinge algumas zonas críticas localizadas ao longo dos seguintes cursos fluviais: Rio Fragoso e Riachos dos Bultrins na Bacia do Paratibe, Rio Beberibe, Córrego do Abacaxi, Rio Tejipió, Rio Jaboatão e Rio Pirapama.

Esses pontos críticos derivam de sinalizações de alagamentos históricos, e não de uma análise das situa-ções de risco ligadas a estudos hidrológico-hidráulicos detalhados, que relacionem extensões de áreas sujeitas a enchentes a eventos específicos, caracterizados em termos de freqüência esperada ou em tempo de retorno. O quadro disponível do risco de enchentes fluviais pode estar, portanto, incompleto e/ou subestimado em relação às efetivas condições do arranjo dos cursos ou das obras de proteção presentes.

Para a Cidade do Recife, o problema das enchentes está historicamente relacionado ao Rio Capibaribe, que provocou, no passado, alagamentos recorrentes, que atingiram extensas porções do perímetro urbano.

Esse fenômeno parece estar hoje sob controle após a realização de três barragens de retenção (Barragem do Carpina, Barragem do Rio Goitá e Barragem do Rio Tapacurá) e de algumas obras na calha do Capibaribe para melhorar as condições do escoamento na zona urbana da cidade, com a finalidade de diminuir o nível das águas não-retidas pelas barragens. A gestão da bacia é de competência da Compesa, mas não foi possível aprofundar as funções específicas desempenhadas em relação ao amortecimento das ondas de cheia que entram nas três barragens de retenção.

De maneira geral, as cheias pluviais provenientes do Capiparibe não constituem um elemento de criticida-de para a Cidade do Recife após as intervenções de amortecimento realizadas a montante. Contudo, o nível de conhecimento adquirido dos documentos disponíveis não foi bastante para uma precisa quantificação do risco atual e da funcionalidade, sobretudo no que se refere às medidas de intervenção não-estrutural. Por exemplo, o alerta de cheias e os procedimentos de proteção civil no caso de ocorrer um sinistro.

Com esse propósito, é importante conhecer os seguintes elementos para uma completa caracterização do problema:

• a funcionalidade atual das barragens e suas modalidades operacionais no caso de cheias;• o nível de amortecimento oferecido em relação aos tempos de retorno das descargas de pico e das

ondas de cheias provenientes de montante;• o risco residual que permanece na área urbana (zoneamento da área por diferentes graus de periculo-

sidade e de riscos residuais);

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• o sistema de alerta de enchentes existente e as relativas competências administrativas;• o nível de coordenação existente entre o alerta da cheia, a gestão dos reservatórios e as operações

ligadas ao serviço de enchentes e defesa civil;• a existência de protocolos de intervenção da defesa civil no decorrer de eventos na escala do município

do Recife.

Todavia é evidente que, no caso em que os pontos indicados não tenham sido abordados, ou seja, que o nível de definição não seja satisfatório, é oportuno que sejam realizados, visando garantir à área urbana um nível adequado de segurança em relação ao risco de alagamento provocado pelo Rio Capibaribe.

Uma abordagem semelhante deveria ser oportunamente estendida, em escala de área metropolitana, a todos os cursos de água que dão lugar a zonas críticas, como aquelas acima assinaladas.

Em relação aos reservatórios de amortecimento de cheias da Bacia do Capibaribe, convém nos referir ao documento Acqua-Plan, de 1980, que cita os resultados das simulações feitas pelo Plano de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Capibaribe. A primeira foi uma simulação retrospectiva da cheia de julho de 1975 (tempo de retorno entre 75 e 100 anos), que resultou em controle satisfatório da cheia. A segunda foi uma simulação de uma cheia hipotética maior que a de 1975, cheia cuja descarga de pico, em São Lourenço da Mata, correspondia ao tempo de retorno de 750 anos. Amortecida, essa cheia apresentaria descargas um pouco menores que a nova capacidade de 1.600 m3/s, resultante das obras propostas na calha do Rio Capibaribe.

Como o nível de amortecimento garantido parece excessivo em relação aos padrões normais de segurança adotados, as avaliações descritas induziram ao endereçamento de estudos aprofundados relativos ao gerencia-mento dos reservatórios, com a finalidade de definir as modalidades de regulação mais articuladas, que consis-tam, juntamente com a finalidade de amortecimento – que permanece prioritária –, de utilizar a capacidade de armazenamento disponível, de maneira integrada também para as demandas de água potável e para a irrigação.

7.1.2 Abastecimento de água

O abastecimento hídrico potável, em parte por águas superficiais, em parte pelos lençóis freáticos sub-terrâneos, constitui um problema de alta criticidade para a Cidade do Recife, resumível nos dados que seguem (Prefeitura do Recife, Secretaria de Saneamento):

• 9,6% são atendidos por poços ou nascentes, dos quais 8,7% não possuem canalização;• 88% dos domicílios estão ligados à rede geral de abastecimento de água;• racionamento crônico;• precário controle da operação de poços particulares e de caminhões-pipa;• cerca de 1,5 milhão de pessoas sem abastecimento regular de água; • cerca de 190 mil pessoas sem ligações à rede pública de água. O tema não está diretamente relacionado ao objeto desta pesquisa. Deve ser, de qualquer modo, con-

siderado no âmbito do quadro de saneamento ambiental, principalmente em relação aos aspectos inerentes à retirada de água dos lençóis subterrâneos locais, considerando sobretudo os seguintes aspectos:

• possibilidade de poluição dos lençóis por parte das águas superficiais, até mesmo por meio dos pró-prios poços de captação, por conta de defeitos de construção ou de funcionamento;

• risco de ingresso de águas salgadas no lençol por conta de sua exploração excessiva;

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• risco do incremento dos fenômenos de subsidência, relacionados ao abaixamento do lençol, provoca-do por retiradas de água superiores à capacidade de alimentação do próprio lençol freático.

7.1.3 Cheias urbanas (macrodrenagem) O Recife possui cinco rios principais, para onde converge toda a macrodrenagem da cidade. São eles: o

Beberibe (20 canais), o Capibaribe (20 canais), o Tejipió (5 canais), o Jordão (4 canais) e o Jiquiá (17 canais). As características gerais do sistema de drenagem sofrem em geral de uma morfologia não particularmente favorável, à qual se soma uma rede de canalizações subdimensionada em relação às vazões de água pluvial a ser escoada.

A planície está muito próxima do nível do mar e apresenta adensamento urbano desordenado nas mar-gens dos seus principais rios e canais; nessa parte, o funcionamento da rede está influenciado pelas marés. A parte com elevações, urbanizada de forma densa e desordenada, constitui a porção do território urbano em que o escoamento das águas pluviais acontece prevalentemente de maneira difusa ou pelas ruas, alimentando concentrada e consistentemente a rede de drenagem da planície. Em resumo, os problemas gerais evidenciados pelo funcionamento da rede de drenagem das águas pluviais da cidade do Recife confirmam o diagnóstico geral formulado em escala federal. (Oficina de Trabalho Gestão das Águas Urbanas - Cooperação entre o Governo do Brasil e a Cidade de Turim (Itália); Brasília, 29-30 de janeiro de 2004; “A Questão da Drenagem Urbana no Brasil” – O. de Moraes Cordeiro Netto):

• aumento das inundações em decorrência da urbanização;• uso do sistema de drenagem para esgotamento sanitário doméstico e industrial;• ocupação das áreas de inundação pela população depois de anos de cheias menores;• aumento da produção de sedimentos;• geralmente, as áreas mais atingidas são as de populações pobres;• não existe tradição em medidas preventivas nas áreas de inundação;• concepção antiquada nos projetos de drenagem.O PQA identifica, na Cidade do Recife, 24 áreas afetadas por fenômenos de alagamento. Outras áreas es-

tão presentes em outras cidades da RMR, o que demonstra a ampla difusão do fenômeno.As causas específicas são identificadas nos pontos que seguem (PQA):• redução da vazão que pode transitar no sistema de drenagem por efeito dos refluxos induzidos pelas

oscilações das marés;• presença de obstruções do leito fluvial e nos canais do sistema de drenagem em virtude do lançamento

de resíduos e da presença de vegetação;• existência de singularidade hidráulica, por causa de aterramento das margens, retificações e desvios de

curso, além de grande ocupação das várzeas naturais;• presença de bocas-de-lobo semi-obstruídas;• insuficiência de dispositivos de microdrenagem com trechos danificados e obstruídos;• presença de inúmeros bueiros de travessia subdimensionados e obstruídos (lixo e assoreamento) com

seção bastante reduzida;• subdimensionamento do sistema de microdrenagem.Muitas das causas são relacionadas a carências de manutenção, de tipo ordinário ou extraordinário, da rede; as

outras causas estão ligadas a inadequações estruturais de cada uma das canalizações ou do sistema (efeito das marés, dificuldade de escoamento na rede principal por ausência da rede de microdrenagem ou por baixa declividade).

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Sem dúvida, os aspectos ligados à manutenção têm grande importância; no entanto, é de grande interesse uma verificação (por meio do uso de um instrumento de simulação numérica adequado) da real capacidade de escoamento da rede principal em relação às chuvas de projeto (tempo de retorno de 10 ou 20 anos para a rede menor, até 50 a 100 anos para a rede de maior importância, ou ligada às situações mais críticas), que permita definir as modalidades de funcionamento da rede e seu relativo estado de dimensionamento em relação ao fluxo hídrico que deve ser escoado.

Os critérios segundo os quais estão organizadas as atividades de manutenção parecem muitos bem estrutu-rados. A manutenção e a limpeza dos sistemas de microdrenagem e macrodrenagem são realizadas simultaneamen-te nas 18 microrregiões, que correspondem às regiões político-administrativas da cidade. Em termos de manuten-ção, os caminhos tomados pela atividade da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) para a melhora das condições da rede são os seguintes (Gestão da Drenagem Urbana em Recife - Engº Antônio Valdo de Alencar):

• melhorar o planejamento das ações de drenagem a partir das informações do Cadastro de Galerias a ser elaborado;

• consolidar os instrumentos de controle das remoções dos materiais retirados das galerias, das canale-tas e dos canais, como forma, também, de proteger o meio ambiente;

• otimizar a utilização dos equipamentos de limpeza mecanizada de galerias (SLM);• desenvolver estratégias de manutenção para manter os sistemas limpos por mais tempo.Sob esse aspecto, é também interessante citar o “Plano para Retenção de Resíduos Sólidos Flutuantes

nas Bacias Projeto Piloto: Açude de Apipucos e Canal Vasco da Gama-Peixinhos”, delineado segundo os se-guintes objetivos:

• implantar grades para retenção dos resíduos flutuantes em pontos estratégicos, impedindo o despejo na calha principal do canal;

• implantar rotinas de serviços para a remoção contínua dos resíduos retidos;• mudar o paradigma de “limpar canal” para o de “manter canal limpo”, com o envolvimento da comuni-

dade, aliciada por meio de um plano de educação socioambiental permanente;• melhorar a limpeza urbana nas áreas de vizinhança das margens dos canais e nas localidades que con-

tribuem para as bacias.As motivações do plano residem nas seguintes considerações:• o Açude de Apipucos e o Canal Vasco da Gama–Peixinhos são de grande importância para a drenagem

da cidade do Recife; no entanto, são fortemente degradados por conta dos constantes lançamentos de resíduos flutuantes em seus leitos e margens;

• a manutenção desses equipamentos de drenagem repercute nos indicadores de saúde e bem-estar da população;

• o importante é “manter o canal limpo”, visto que, em alguns locais, o canal pode ficar cheio de lixo transcorridos alguns dias após a limpeza;

• a qualidade da manutenção está associada ao grau de conformidade entre o funcionamento e a capaci-dade do equipamento ou o sistema associado à degradação. Quando um equipamento ou sistema está em operação, qualquer mudança de suas características não pode exceder os limites de tolerância.

Como pode ser concluído da análise supracitada, a grande maioria dos pontos de alagamento está locali-zada longe das margens dos cursos d’água principais, o que permite afirmar que um dos principais problemas da área em estudo é a insuficiência, em quantidade e em qualidade, dos dispositivos de microdrenagem.

É evidente que a rede de macrodrenagem também necessita de sérias intervenções, a começar pela lim-

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peza do lixo e do material carreado proveniente das erosões ocorridas nas partes altas das bacias. Igualmente importante é a desobstrução das calhas, provocada por interferências com outros sistemas de infra-estrutura urbana. Para isso, as descargas desses canais devem ser avaliadas, para um período de retorno adequado, de modo que seja possível definir a seção de escoamento necessária. Deve ser observado que, em muitos casos, a atual capacidade de escoamento de muitos desses canais não pode ser posta à prova porque grande parte dos deflúvios gerados nas bacias fica retida nos alagamentos.

No âmbito da drenagem de superfície, a ocorrência de eventos de inundações ou alagamentos tem ori-gem em uma série de fatores naturais ou antrópicos, classificáveis segundo os elementos principais que atuam, isoladamente ou em conjunto, restringindo os escoamentos. Dessa maneira, são reconhecidas as seguintes situações típicas:

• extravasamentos das calhas decorrentes da superação da capacidade de vazão. Às vezes, o extravasa-mento ocorre pelas seguintes razões: redução da capacidade das calhas em relação à do lançamento e da deposição de lixo; assoreamento resultante de erosões de encostas e de desmatamentos; cres-cimento de vegetação no leito, agravada pela elevada carga de nutrientes orgânicos existentes nas águas provenientes de esgotos domésticos; ocupações habitacionais irregulares; obstrução de bueiros e pontes por redes de serviços públicos, tais como adutoras, coletores-tronco de esgotos, redes tele-fônicas, entre outras;

• extravasamentos resultantes da presença de singularidades hidráulicas, que ocasionam perdas de energia excessivas para o trânsito das vazões;

• existência de restrições naturais a jusante. Praticamente em toda a porção mais urbanizada da RMR, a jusante da BR-101, ocorrem avanços (de fluxo) das marés, em situações de marés máximas, pelas calhas principais; e

• insuficiências de dispositivos da microdrenagem.Em relação aos numerosos fenômenos de alagamento que atingem as áreas habitadas, existe, no âmbito

do PQA, uma delimitação cartográfica das áreas historicamente sujeitas a alagamentos, enquanto parece não haver uma delimitação análoga efetuada em função da intensidade dos fluxos pluviais e das características hi-dráulicas da rede de drenagem.

Analogamente, no que concerne ao plano do sistema de monitoramento hidrológico, a rede de instru-mentos de medição das precipitações não parece adequada – tanto pelas suas características tecnológicas como pela distribuição espacial –, para atender à necessidade de uma caracterização detalhada da distribuição das precipitações de elevada intensidade.

Quanto à previsão dos fenômenos de alagamento, no curso das visitas técnicas efetuadas tomou-se co-nhecimento da existência de um plano de desocupação dos assentamentos mais expostos, motivada sobretudo pelos efeitos da maré; não parece, porém, que tal procedimento seja praticado no contexto urbano.

Sob o aspecto econômico programático, a documentação disponível não contém um programa geral de adequação da rede de drenagem, como existe, por exemplo, para o esgotamento sanitário, nem no que concerne às intervenções estruturais, tampouco no que diz respeito aos não-estruturais; existe, contudo, uma estimativa do custo anual de manutenção da rede, calculado em 2% em relação ao custo direto de construção, cujos crité-rios de avaliação ainda não foram definidos.

Quanto ao aspecto administrativo do saneamento, deve ser ressaltado que, além do sistema de tarifação do lixo, o sistema de tarifação vigente refere-se apenas à distribuição de água potável e ao serviço de esgoto e tratamento, estando pendente uma cota de tarifa relativa ao sistema de drenagem urbana.

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7.1.4 Problemas nas encostas dos morros

Na parte alta da Cidade do Recife, principalmente na Zona Norte, a situação da densidade demográfica é ainda mais crítica, uma vez que as encostas dos morros não foram preservadas, colocando a população em permanente risco de morte.

O planejamento dos sistemas de drenagem tem amplo poder sobre o controle da erosão, tanto porque pode impedir seu desenvolvimento como pode sofrer os efeitos dessa erosão.

Com efeito, a ocupação das áreas urbanas modifica o padrão de cobertura do solo, o que, em geral, altera sua condição de equilíbrio. Se a ocupação não for precedida de um planejamento adequado, desenvolvem-se processos de erosão superficial nas áreas de declividade mais acentuadas, acompanhados de assoreamento dos cursos d’água nos terrenos mais planos. Tal assoreamento decorre da redução da capacidade de transporte sóli-do pelas correntes hídricas, resultante da diminuição dos níveis de energia de escoamento.

Em resumo, o problema do gerenciamento das águas pluviais nos morros nos remete aos seguintes pontos:• quanto aos riscos locais – o deslizamentos e a instabilidade resultante da infiltração podem oferecer

grande perigo às habitações locais;• quanto ao agravamento das condições de vale, associado aos fenômenos de erosão e de carreamento

do material sólido e ao escoamento hídrico – os dois fatores sobrecarregam a rede de drenagem a jusante (por causa da sedimentação e da obstrução dos canais; das dificuldade de interceptação dos resíduos sólidos; da redução dos tempos de transporte e do aumento da vazão.

Durante a visita técnica, foram observadas intervenções de proteção das partes mais íngremes, realizadas por meio de coberturas em concreto, que, embora fossem eficazes contra os efeitos de infiltração das águas plu-viais, não contribuiam para a impermeabilização da área, provocando o aumento da velocidade de escoamento e das vazões defluentes em direção a jusante.

É necessário, enfim, que exista, para as áreas dos morros, a delimitação de um zoneamento em função do risco de instabilidade relativa, tanto para as áreas habitadas quanto para aquelas ainda não atingidas pela urbani-zação. A questão parece de notável importância se for levada em conta a elevada periculosidade dos fenômenos potenciais em relação à segurança das pessoas. Parece, além disso, imprescindível aprofundar a viabilidade de sistemas de medição das precipitações e de sistemas de alarme ou prenúncio quando assinalada a superação de limites críticos de precipitações.

7.1.5 Sistema de coleta de efluentes sanitários, descarga e tratamento das águas servidas

Os pontos críticos relacionados ao serviço de esgoto e tratamento estão representados pelos seguintes dados (Prefeitura do Recife, Secretaria de Saneamento):

• 42,9% dos domicílios estão ligados à rede geral de esgoto ou rede pluvial;• 46,6% utilizam fossas sépticas e rudimentares;• 7,8% jogam os dejetos sem tratamento, em valas, rios, lagos, mares ou outros escoadouros;• 2,7% dos domicílios sequer dispõem de instalação sanitárias;• cerca de 1 milhão de pessoas não se beneficiam de serviços de coleta de esgoto.As principais deficiências do sistema atual de esgotamento, resumem-se em:• precariedade do atendimento e baixo nível de cobertura dos serviços;• impossibilidade de se avaliar a efetiva capacidade instalada;

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• grande número de estações elevatórias e de tratamento desativadas por problemas de operação e manutenção, bem como de invasão das áreas e de construção de edificações sobre as tubulações de emissários de recalque;

• inexistência de manutenção preventiva;• operação dos sistemas ineficientes;• existência de grande número de fossas e ligações domiciliares conectadas ao sistema de drenagem

pluvial e/ou lançando diretamente nos rios e canais;• indefinição do destino final dos lodos das fossas;• operação e manutenção inadequadas de fossas;• ausência de instalações hidrosanitárias adequadas na maioria das residências da população de baixa

renda;• ausência de investimentos nos sistemas para recuperação, ampliação e construção de novas unidades;• coletores obsoletos em conseqüência do adensamento populacional; • coletores trabalhando sob pressão, com o refluxo provocado pela variação da maré. Resultam disso

vazamentos com carreamento do solo adjacente e conseqüente quebra da tubulação por falta de su-porte;

• sistema de coleta atual beneficia a população de maior poder aquisitivo em prejuízo da população de baixa renda, que não possui meios para resolver individualmente o problema.

Quanto aos sistemas de coleta condominiais, no levantamento apresentado no estudo de alternativas do “Programa Estruturador da Cidade do Recife”, foram identificadas as seguintes deficiências:

• uso inadequado da rede para drenagem de águas pluviais, com carreamento de materiais sólidos que entopem a rede;

• prática de construções definitivas sobre o local de passagem das tubulações no fundo dos lotes;• falta de participação efetiva dos usuários na operação e na manutenção dos ramais condominiais;• deficiência de estrutura das prefeituras para a construção, a operação e a manutenção de sistemas de

esgotamento sanitário;• inexistência de sistema tarifário quando executado e operado pelos municípios;• falta de orientação aos novos moradores sobre como usar o sistema;• uso inadequado por moradores, como lançamento de lixo nas caixas de passagem;• mau funcionamento da rede pública que recebe os ramais condominiais;• problemas construtivos;• baixo nível de educação sanitária e ambiental dos usuários.

A situação de grave carência do sistema de transporte e tratamento dos esgotos provoca condições de elevada poluição dos cursos de água receptores, como também nas canalizações principais de drenagem das águas pluviais, que recebem parte das águas efluentes por causa de descargas abusivas e da falta de canalizações de coleta de efluentes. É significativa a poluição de origem urbana dos cursos de água que ocupam a cidade do Recife, visivelmente evidenciado nas estações de monitoramento de qualidade da água.

Sob o aspecto econômico programático, parece oportuno citar o programa de intervenções contido no “Estudo sobre o Plano de Gerenciamento da Drenagem de Águas Pluviais e do Esgotamento Sanitário para a Região Metropolitana do Recife, na República Federativa do Brasil”(Jica, 2001), nos quais estão indicados 55 projetos prio-

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ritários (dos 85 previstos no PQA), cuja realização está prevista para 2020, com um comprometimento financeiro estimado em até 853 milhões de reais. O programa prevê uma primeira fase, até 2010, de intervenção sobre 25 sistemas de esgotamento; e uma segunda fase, até 2020, para os 35 sistemas que restam. Concluída a intervenção, estima-se que o percentual de população servida alcance 91%. No âmbito de tal programa, estima-se que o custo de manutenção e de gerenciamento da rede seja aproximadamente de 7% do custo direto da construção.

É oportuno finalmente lembrar o sistema de tarifação vigente relativo à distribuição de água potável e ao serviço de coleta de esgoto e tratamento. Os domicílios conectados ao sistema de esgoto pagam tarifas de con-sumo de água e de serviço de esgoto para a Compesa. As tarifas de consumo de água são baseadas no tipo de usuário – residencial, comercial, industrial e público. As tarifas do serviço de esgoto são calculadas em proporção às tarifas de água: essa proporção varia entre 40% e 100%, dependendo do tipo da planta de tratamento de es-goto e do sistema de coleta de esgoto, a saber:

• com estação de tratamento convencional: (a) sistema de coleta convencional: 100% da tarifa de água; (b) sistema de coleta tipo condominial: 50% da tarifa de água;

• com estação de tratamento simplificada: sistema de coleta convencional: 80% da tarifa de água; sis-tema de coleta tipo condominial: 40% da tarifa de água.

As tarifas para a água potável são (por R$/m3):• uso residencial: 0,73 – 3,25 (tarifa mínima R$ 4,6 até 10 m3);• uso comercial : 2,2 (tarifa mínima R$ 11,1 até 10 m3);• uso industrial: 2,96 (tarifa mínima R$ 13,9 até 10 m3);• uso público: 1,63 (tarifa mínima R$ 10,7 até 10 m3).A média da tarifa da rede de coleta de esgotos foi estimada em 1999 em R$ 0,84/m3, com base nas receitas

públicas provenientes dos serviços de coleta e tratamento.

7.2 Propostas e conclusões

O quadro dos pontos críticos sobre a Municipalidade do Recife e a RMR, sinteticamente representado no ponto anterior, aparece claramente na documentação técnica colocada à disposição das visitas técnicas.

De um modo geral, observa-se que existe um bom nível de conhecimento sobre os temas de interesse, tendo sido desenvolvidos numerosos estudos e projetos, citados nos capítulos anteriores, com linhas e pro-gramas de intervenção. Parece-nos, todavia, oportuno avançar algumas propostas tanto quanto ao mérito dos instrumentos normativos de governo do território, como em relação aos aspectos técnicos de intervenção.

A seguir, estão expostos os critérios de abordagem considerados essenciais para um novo Instrumento de Programação que apresente caráter e força de lei. São apresentados, em seguida, alguns tópicos de discussão e con-seqüentes propostas de linhas de intervenção sobre as necessidades de saneamento sanitário e do meio ambiente.

7.2.1 Instrumentos normativos

O Plano Diretor da Cidade do Recife, ao prever a realização de um Plano de Saneamento Ambiental Integrado, reconhece uma forte relação entre a planificação urbanística e aquela relativa aos componentes am-bientais, de extrema relevância nesta específica realidade territorial, em que são evidentes as interferências entre as escolhas dos assentamentos e os objetivos de proteção do solo e de tutela dos recursos naturais.

Trata-se de uma relação forte e crítica, porque prevê, de fato, uma relação direta entre dois instrumentos

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de planejamento com conteúdos diferentes e objetivos, em alguns sentidos, concorrentes. Parece que – como também aconteceu na história da planificação territorial e ambiental italiana – a obtenção de um resultado positivo ou negativo relativo ao alcance dos objetivos de salvaguarda e valorização ambiental do Plano Diretor dependerá estritamente da capacidade institucional e operacional dos sujeitos prepostos a sua implementação. Além disso, as numerosas situações críticas que atualmente afligem o território municipal, pelos aspectos ligados à proteção contra as cheias e à qualidade da água, indicam claramente como o efetivo alcance dos objetivos de saneamento ambiental não podem ser considerados como certos e definitivos, mas sim de realização incerta e com grandes dificuldades.

Uma articulação fundamental no percurso do planejamento concerne ao papel real a ser conferido ao plano de saneamento ambiental, classificável como plano territorial setorial, em relação aos outros setores da técnica, que confira, por exemplo, aos vínculos sobre o uso do solo e sobre as características quali-quantitativas das descargas, uma função prevalente em relação aos outros aspectos de planejamento de setor, os quais devem conseqüentemente adequar-se a ele.

O modelo de planejamento hierárquico e “supraordenado” proposto na Itália, com a Lei 183/89, sobre Planos de Bacia Hidrográfica, demonstrou também lacunas e dificuldades de implementação, quando aplicado em contextos que pedem a aproximação e a integração de disciplinas diferentes. A lógica “supraordenada” que atua entre limitações e vínculos torna-se inadequada quando se passa do dizer “aquilo que não deve ser feito” para “aquilo que deve ser feito”, ou “como deve ser feito”, ou seja, quando se entra na parte de implementação de um plano que pede a responsabilização e a ativação dos operadores.

Temos então que a união “supraordenada” dos instrumentos do planejamento ambiental é útil somente no caso em que o plano de saneamento seja abordado com mecanismos de flexibilidade e por meio de determi-nações e escolhas progressivas, calibradas com base no estado dos conhecimentos disponíveis e baseadas em princípios de responsabilidade e participação dos sujeitos envolvidos na implementação (plano-processo).

Quanto ao processo de construção do Plano de Saneamento Ambiental, acredita-se que este deva eviden-ciar os componentes estruturais, concernentes às características físicas do território – permanentes ou de lenta transformação, e aqueles operacionais, referentes à executabilidade das previsões de plano em curto ou médio prazos. Reconhece-se também que eventuais atualizações ou modificações de componentes estruturais devam seguir procedimentos de aprovação particularmente garantidas em matéria de participação e compartilhamento, e de modo a favorecer a máxima estabilidade possível das escolhas feitas no tempo. Reiterando, os componentes estruturais dos planos devem ser sempre produzidos com o método da participação cooperativa.

As previsões operacionais, contudo, mantendo os princípios gerais de transparência, representatividade e participação, além do respeito aos componentes estruturais, devem ter procedimentos de aprovação simplifi-cados e breves.

Considerando especificamente o plano de saneamento ambiental, parece evidente que, a ele, o Plano Diretor da cidade pretende confiar a tarefa de busca e de obtenção de um equilíbrio global no uso dos recursos ambientais do território, o que implica a salvaguarda de uma elevada e generalizada qualidade do meio ambiente e se exprime em uma articulação diferenciada de instrumentos analíticos e administrativo-projetuais. Além dos conteúdos especificamente técnicos, o plano deve conter instrumentos de coordenação, endereçamento e ges-tão do território. Além da identificação e da programação das intervenções estruturais específicas, enfrenta te-mas gerais, como as medidas de BMP (Best Management Practices), as normas corretas de projeto, o reequilíbrio dos orçamentos hídricos, o controle da subsidência, a defesa do sistema costeiro, a recuperação dos ambientes naturais, etc. Convém ainda que ele se coloque coerente e eventualmente como fase de implementação de ins-

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trumentos de planejamento de espectro mais amplo, como é o da Região Metropolitana e da bacia hidrográfica.À luz dessas considerações, o plano de setor relativo ao saneamento ambiental deve ser delineado como

plano-processo, em paralelo ao Plano Diretor, identificando uma estrutura que tenha especificamente responsa-bilidade de formação (treinamento) e implementação progressiva. Tal estrutura pode estar disponível no próprio município do Recife ou, então, pode ser formada para esse fim específico.

Por orientação do plano, podem ser definidas as escolhas estratégicas relativas especificamente às seguin-tes questões: problemas de drenagem urbana, interações existentes com os outros componentes do sistema territorial, cursos de águas naturais que funcionam como receptores, sistema costeiro, rede das águas de esgoto, entre outras.

Sob o aspecto de procedimento, parece importante que o Plano tenha um caráter supraordenado em relação ao Plano Diretor no que concerne aos vínculos de diversos tipos (sobre o uso do solo ou de conteúdos específicos) quanto ao desequilíbrio hidrogeológico, às inundações da rede de drenagem urbana e ao saneamen-to hídrico, e que contenha protocolos que estabeleçam um processo de interação estável com os outros instru-mentos de planejamento (no campo urbanístico e da defesa civil). É necessário também que o procedimento de formação e aprovação – como, aliás, já foi previsto pelo Plano Diretor – proponha informação constante e partici-pação do público nas escolhas estratégicas e que se conclua com uma adoção formal com valor administrativo.

Sob o ponto de vista dos conteúdos, além do programa das intervenções estruturais e das relativas prio-ridades de implementação, são essenciais os vínculos sobre os destinos do uso do solo e as diretrizes e os regulamentos para a atuação das intervenções e para a gestão dos aspectos relacionados. Além disso, cumpre que sejam definidos os procedimentos para as atualizações e as eventuais modificações do mesmo plano e os instrumentos para o monitoramento da atuação e a avaliação da eficácia do plano no alcance dos objetivos.

Em relação às condições atuais do sistema ambiental, objeto do planejamento, e aos inúmeros pontos críticos existentes, sugere-se uma abordagem operacional do plano, e diferenciada, em relação aos conteúdos e aos instrumentos a serem colocados em campo, entre os quais:

• uma fase inicial, voltada para enfrentar os aspectos mais graves e urgentes, por meio de intervenções de caráter estrutural e não-estrutural, típicos das situações emergenciais, tais como: obras estruturais e normas de salvaguarda orientadas para a redução das condições de risco existentes para os diferen-tes setores;

• uma fase ordinária de ação ordinária, direcionada ao governo das condições do território e das rela-tivas linhas de desenvolvimento, na qual os aspectos ocupacionais e territoriais sejam definidos em coerência com as exigências postas pelas características intrínsecas dos recursos ambientais, de modo a evitar que o aumento dos fatores de pressão antrópica produza condições de crescimento de risco.

Sob o aspecto financeiro, enfim, há consenso com o conteúdo do Plano Diretor de implementar a criação de um Fundo Municipal de Saneamento Ambiental Integrado, de integralizá-lo com recursos do Orçamento Fiscal e de promover gestões para que sejam criados mecanismos de repasse dos recursos por parte dos governos federal e estadual.

7.2.2 Aspectos higiênico-sanitários

A situação atual das infra-estruturas de coleta e de tratamento dos esgotos urbanos é muito carente em toda a RMR. Resumindo os dados relativos ao esgotamento sanitário, somente 21% da população (30% em Recife) está ligada ao sistema operado pela Compesa. É estimado que cerca de 2% da população está ligada a

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sistemas isolados não operados pela Compesa, e o restante tem soluções individuais ou não tem acesso a um sistema de esgotamento, o que implica indiretamente o lançamento de uma grande carga poluidora no lençol fre-ático através de infiltração no solo, e de lançamento de parte desses dejetos nos cursos d’água, com gravíssimas conseqüências sanitárias para todo o meio ambiente urbano e para a saúde da população. Em alguns casos espe-cíficos (grandes hotéis, edifícios de apartamentos e conjuntos habitacionais utilizados pela população de renda mais alta), existem estações de tratamento localizadas no próprio lote e submetidas, normalmente, a tratamento em fossas sépticas, seguidas de filtros biológicos anaeróbios, sendo o efluente final despejado em galerias ou canais de águas pluviais. Esses sistemas, no entanto, funcionam, na grande maioria dos casos, de forma precária, em decorrência, principalmente, da limpeza irregular das fossas.

Essa deficiência dos serviços de saneamento urbano é responsável, hoje em dia, só na Cidade do Recife, por 70% de óbitos de crianças com menos de quatro anos de idade, decorrentes de doenças infecto-parasitárias veiculadas pela água.

O Diagnóstico Inicial do “Estabelecimento de Marco Regulatório para a Gestão de Serviços de Água e Esgoto no município do Recife”, de 1997, divulga os seguintes os dados gerais estimados para esses sistemas:

• população efetivamente atendida: 795.240 habitantes (23%);• volume de esgoto produzido: 8,40 m3/s;• volume de esgoto coletado: 2,80 m3/s;• capacidade de tratamento instalada: 2,35 m3/s;• vazão de esgoto tratado: 1,60 m3/s;• vazão de esgoto não-tratado: 6,80 m3/s.São dados que apontam para a urgente necessidade de ampliar os índices de cobertura desses serviços para

áreas mais carentes. Tendo em mente todas essas premissas, parece importante que o novo Plano de Setor seja delineado com base em algumas orientações lógicas, que não foram encontradas na documentação analisada.

7.2.3 Nível de centralização do serviço e nível de tratamento a ser alcançado

A Região do Recife é composta por estreita interconexões entre os sistemas hídricos superficiais e subterrâ-neos, assim como entre os sistemas hídricos fluviais, o sistema marinho e o sistema de esgotamento e drenagem urbano. Tal interconexão torna-se ainda mais significativa pelo importante componente de abastecimento hídrico alimentado por poços (alguns milhares, entre os quais em boa parte privados e mal conhecidos) que induzem mistu-ras, nos lençóis freáticos, entre águas salgadas e doces, e que deslocam enormes quantidades de recursos hídricos do sistema subterrâneo para o sistema superficial de rede de esgoto.

O estado de elevado comprometimento higiênico-sanitário e ambiental induzido pela carência dos serviços de esgotamento e pelo tratamento repercute, de maneira mais ou menos direta, em todos os sistemas hídricos citados.

Numa situação como essa, é bastante fácil afirmar que todas as descargas de efluentes devem ser ligadas às redes de esgoto e tratadas, mas não é absolutamente fácil “adotar” uma planificação que seja capaz de indentificar as lógicas compartilhadas de desenvolvimento econômica e tecnologicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis.

A difícil decisão que desencadeia todo o resto concerne ao nível de depuração necessário para o saneamento ambiental. O planejamento deveria ser delineado, de fato, tendo como base os objetivos de qualidade ambiental a serem alcançados pelos vários corpos hídricos dentro de um cenário futuro, mas definitivo do Plano, e as metas inter-mediárias deveriam ser escolhidas com base em critérios de prioridade e de efetiva viabilidade técnico-econômica.

Questiona-se, por exemplo: considerada a atual situação econômica, social e ambiental do Recife a da

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RMR, seria possível delinear o Plano adotando como futuro e definitivo cenário aquele adequado a obter os limi-tes de tratamento impostos pelas diretrizes européias e pela legislação italiana? Nesse caso, de fato, levando-se em conta que é totalmente hipotético que o ambiente hídrico de Recife apresente as características de “área sen-sível”, os principais requisitos mínimos1 de depuração de todo o Recife e da RMR deveriam atender aos seguintes valores (dos quais às tabelas 1,2 do D. Lgs. 152/99): SS = 35 mg/L; BOD5 = 25 mg/L; COD = 125 mg/L; Ntot = 15 mg/L (10 mg/L por população > 100.000 habitantes equivalentes); Ptot = 2 mg/L (1 mg/L por população > 100 mil habitantes equivalentes). Como se pode observar, trata-se de limites passíveis de ser alcançados e ga-rantidos graças a uma boa estação de depuração biológica, desde que equipada com denitrificação; entretando, parece impossível de serem alcançados ou garantidos em um sistema disseminado em tantas pequenas plantas, mesmo para uso condominial, cuja gestão e cujo controle recaem diretamente sobre entes privados e que, de todo modo, não apresentam a capacidade de homogeneizar e digerir situações transitórias, incontroláveis e im-previsíveis de acesso.

Se, portanto, acredita-se que, no futuro, devam ser obtidos na RMR níveis de depuração razoavelmente elevados, como aqueles citados acima, necessariamente o Plano deveria conceber um estado futuro de significa-tiva centralização dos efluentes (por exemplo, com instalações de potencialidades não inferiores ao equivalente a 20 mil a 30 mil habitantes, cujo gerenciamento poderia ser confiado a um gestor, mesmo privado, de capacidade técnica comprovada e controlado por alguma instituição pública). Se, por outro lado, considerar-se irrenunciável, mesmo para o futuro, que, em zonas percentualmente importantes, devam permanecer, dadas as características do Recife e da RMR, pequenos sistemas de esgoto sem tratamento ou dotados de sistemas de depuração de limitada eficiência (Imhoff ou equivalentes) como aqueles de nível condominial, significa que o Plano renunciou, para essas zonas, a um bom nível de depuração.

Eis então que a linha de orientação à centralização do tratamento provém de uma difícil decisão de com-promisso entre as exigências de qualidade ambiental dos diferentes corpos hídricos, dos aspectos inerentes à viabilidade tecnológica dos sistemas de esgotamento sanitário e de tratamento, da compatibilidade e da susten-tabilidade dos compromissos econômico-financeiros. Naturalmente, tal decisão poderia ser “forçada” por uma legislação federal ou estadual que identificasse “por força de lei”, como na Europa ou na Itália, quais seriam os limites mínimos a serem alcançados em cada caso.

Por fim, parece necessário que, sob essa ótica, sejam atentamente reexaminados os estudos anteriores (PQA e Jica) e seja adotado um Plano que se baseie na escolha explícita dos objetivos finais a serem alcançados em relação aos níveis de tratamento e quanto ao planejamento dos objetivos intermediários com base nas prio-ridades de saneamento e nas disponibilidades econômicas.

7.2.4 Águas de esgotos e águas pluviais urbanas

Na legislação brasileira, a separação entre as redes de águas servidas e aquelas de origem pluvial está

1 A legislação italiana e a européia indicam os requisitos de qualidade ambiental (físico, química e biológica) dos corpos hídricos superficiais e subterrâneos a serem alcançados taxativamente até 2016 para obter o status de “bom”. Estabelece também, nas tabelas acima reproduzidas, os requisitos mínimos que os efluentes hídricos de origem antrópica devem satisfazer, salvo a necessidade de alcançar características qualitativas ainda melhores em função das exigências específicas do corpo hídrico para alcançar o supracitado estado de qualidade ambiental “bom”. O Plano de Tutela das Águas é o instrumento normativo que indica, para todos os corpos hídricos superficiais e subterrâneos, os instrumentos e as medidas estruturais e não-estruturais para o sucesso de tais objetivos.

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prevista há muito tempo. Disso resulta que a maior parte das redes de coletas de esgoto é hoje separada das de drenagem urbana e que os sistemas mistos que continuam a existir (sobretudo nos centros históricos) são vistos como um erro a ser eliminado mais cedo ou mais tarde, ou pelo menos teriam de ser reduzido.

De fato, os sistemas separados apresentam a vantagem de evitar que a coleta das águas servidas seja in-fluenciada pelas águas pluviais e pelos sedimentos e detritos trasportados por ela, permitindo que a estação de tratamento funcione com características de vazão e qualidade das águas de ingresso mais constantes no tempo e mais próximas das características do projeto, além de evitar que ele seja influenciado pelos menos controláveis, rápidos e transitórios tempos chuvosos.

A essa visão opõem-se essencialmente dois pontos de vista:• na prática, as redes completamente separadas não existem. Todos os sistemas são mais ou menos

afetados por ligações incorretas, que conectam sistema de água pluvial ao sistema de esgotos, e vice-versa. Em muitas zonas do Recife, como foi constatado em visita técnica, as duas redes, formalmente etiquetadas como de águas servidas e pluviais, são, na realidade, duas redes mistas. Assim, além de irreal, uma futura e efetiva separação seria bastante onerosa;

• se deslocarmos a ótica da eficiência da estação de tratamento para a eficiência ambiental do sistema integrado de rede de esgotos e drenagem urbana, e se considerarmos o elevado grau de poluição que as superfícies urbanas induzem nas águas pluviais, seria necessário encontrar soluções que, pelo menos numa perspectiva futura, previssem também o tratamento de uma parte significativa da água pluvial.

Com base nessas considerações – amplamente compartilhadas por todo o mundo técnico e internacional do setor –, está em andamento um amplo debate acerca da necessidade e da oportunidade de adequação das estruturas de esgotos e de drenagem urbana atuais. Tal debate apresenta pontos relacionados tanto aos aspectos tecnológicos como aos aspectos de gerenciamento, assim como de tarifação e sustentabilidade econômica. A literatura técnica é, nesse tema, rica de contribuições em relação às quais não nos parece necessário entrar aqui em detalhes.

No entanto, vale a pena insitir sobre alguns pontos fundamentais que têm a ver com a realidade do Recife.Parece-nos absolutamente fora de questão uma reconstrução da rede de coleta de esgotos e de drenagem,

salvo onde se fizer necessário por outros motivos, como a insuficiência hidráulica ou o estado de dificuldades estruturais, só para responder às exigências intelectuais de haver um sistema separado ou misto, segundo a ótica e a visão cultural do proponente. O custo elevadíssimo das infra-estruturas das redes de esgoto e de drenagem urbana é de fato tal que é melhor manter ou reabilitar as existentes, visando concentrar os esforços na realização das existentes.

Diante de tal abordagem, parece-nos melhor uma política pragmática, em relação à qual, segundo a nos-sa visão, deveria ser delineada uma nova legislação que, sem impor legalmente ou um sistema separado ou um sistema misto, estabeleça:

• a manutenção e a salvaguarda dos sistemas existentes, não importando se mistos ou separados. Se o sistema atual for misto, deve-se equipá-lo com descarregadores de cheia aptos a deixar prosseguir, com segurança, em direção à estação de tratamento, uma vazão pelo menos igual, em tempo seco, à vazão das águas servidas do horário de pico (por exemplo 2 a 3 vezes a vazão de águas servidas: média diária do dia de maior consumo) e, em tempo de chuva, uma vazão igual a um múltiplo 3 a 5 da vazão de águas servidas: média do dia de maior consumo;

• nos casos em que, na rede, também estejam presentes, em tempo seco, vazões externas provenientes ou de infiltrações de águas de lençóis nos canos, ou de lançamentos de rios ou de outras águas super-ficiais, essas vazões deveriam ser progressivamente eliminadas ou convenientemente reduzidas a fim

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de não penalizar a eficiência da mesma rede e da estação de tratamento;• se a rede for separada (como acontece normalmente) e tiver ligações abusivas, a rede de águas servi-

das deveria estar integralmente interligada à estação de tratamento, sem prever descargas do ladrão (apenas reduzir o quanto possível as ligações de água pluvial e eliminar ou reduzir convenientemente, como dito acima, as vazões externas provenientes ou de infiltrações de água dos lençóis freáticos nos canos ou das emissões de rios ou de outras águas superficiais) e, portanto, supondo que, na estação de tratamento, chegue inevitavelmente também um componente de tempo chuvoso, que, além do mais, sendo este também poluído, deve ser oportunamente tratado;

• a rede pluvial que, atualmente, chega aos pontos de descarga sem nenhum tipo de tratamento deveria ser complementada, pelo menos futuramente, com equipamentos descarregadores de cheia, aptos a dividir as menores vazões pluviais (a serem ligados à rede de águas servidas conduzidas para o tra-tamento) das maiores, que permanecem ligadas aos pontos de descarga já existentes. Diante de tal colocação, é necessário que a rede de águas servidas possa transportar para o tratamento vazões em tempo de chuva pouco superiores àquelas das águas servidas de pico em tempo seco. Um padrão, por exemplo, bastante aceitável poderia ser igual a 2, 2,5 vezes a vazão de águas servidas de pico, padrão que muitas vezes já se encontra disponível na seção dos dutos da rede coletora de águas servidas, considerados os valores reduzidos das vazões de águas servidas e as normais margens de segurança do projeto;

• a construção, nas áreas atualmente não-servidas e naquelas de expansão urbanística, de um novo sistema, tanto separado como misto, a ser escolhido não por força da lei, mas em função das carac-terísticas locais atinentes aos aspectos de eficiência hidráulica dos canos, da presença de fenômenos erosivos que implicam elevadas quantidades de sedimentos sobre as superfícies das estradas (mas, para os quais, podem ser introduzidas as técnicas de contenção discutidas mais adiante), da predomi-nância doméstica ou industrial dos efluentes, das características ambientais, hidráulicas e territoriais dos corpos hídricos receptores. Nesse sentido, a escolha entre o sistema misto ou o separado pode ser também diferente no âmbito de uma mesma cidade, a depender da variabilidade dessas caracte-rísticas. As linhas de endereçamento tecnológico para os dois sistemas, aptas a enviar ao tratamento, pelo menos no futuro, também parte das águas pluviais, são aquelas acima citadas;

• em todos os casos e, portanto, tanto nos sistemas mistos como nos separados, as estações de trata-mento deveriam ser complementadas, eventualmente com metas progressivas a serem alcançadas com o passar do tempo, também com seções de plantas destinadas ao tratamento das águas escoadas em tempo de chuva. Uma programação correta de reservatórios de primeiras chuvas ao longo das redes ou junto à estação de tratamento pode permitir a retenção temporária, nelas, de maiores vazões pluviais e evitar, assim, que as estações de depuração sejam afetadas por fenômenos de sobrecarga sanitária.

Os estudos hidráulicos deveriam colocar à luz quais são características hidráulicas atuais dos diversos tre-chos das redes existentes, a fim de verificar se a necessidade de pontencialização ou reconstruçção com vista a um futuro escoamento para tratamento de uma significativa parte das águas pluviais. Lembramos que tal atitude não requer nem uma renúncia ao sistema atual, misto ou separado que seja, nem uma necessidade imediata de reconstrução, mas permite uma máxima flexibilidade operacional.

Na prática, as etapas fundamentais de delineamento do Plano deveriam ser:a. análise do atual estado das redes de esgoto e da drenagem urbana e das instalações de tratamento

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e sua necessidade de progressiva adequação de acordo com o cenário de referência, com base nos princípios antes expostos;

b. identificação das metas intermediárias a serem alcançadas nas redes e nas estações de tratamento segundo a classificação do estado de comprometimento, sanitário e ambiental, das coerentes priori-dades de intervenção, da conseqüente programação econômico-financeira.

Em relação ao item b, é útil lembrar os modernos Sistemas de Suporte às Decisões. Trata-se de pacotes informáticos que, com base na seleção de apropriados indicadores de eficiência ou funcionalidade, analisam com algoritmos as diferentes alternativas e fornecem uma resposta final consistente com suas avaliação e classificação.

Entre esses sistemas deve-se citar o Sistema Inteligente Moma, pensado e aprimorado na Itália em 2002, pelo Centro de Estudos de Hidráulica Urbana (www.csdu.it), por conta do Ministério do Meio Ambiente e da Tutela do Território e do ENEA (Entidade para as Novas Tecnologias, Energia e Ambiente)2. O Moma© tem a finalidade de avaliar os níveis de conhecimento e a confiabilidade das propostas de planejamento, de projetos e de geren-ciamento das estruturas de aquedutos, rede de esgotos e de tratamento do Serviço Hídrico Integrado, conforme a Lei 36/94 (Legge Galli), visando também cumprir o que for previsto pelas normas comunitárias e pelo Projeto de Lei 152/99 em mérito a questões ambientais.

Em particular, o Sistema Inteligente Moma© constitui um conjunto de módulos informáticos que, por intermédio de sistemas de avaliação objetiva, permite:

• fazer uma avaliação, em relação a uma classificação objetiva, do nível de conhecimento do atual esta-do das redes de coleta de esgoto e de tratamento e das relativas localizações e impactos;

• orientar a escolha das prioridades de reconhecimento, projeto e intervenção; • fazer uma avaliação da validade das propostas de planejamento e de projetos em seus aspectos fun-

cionais, administrativos e ambientais, segundo uma classificação fundamentada na relação custo/be-nefício;

• fazer uma avaliação, em relação a uma classificação objetiva, do modelo de gestão do plano de desen-volvimento tarifário e do plano econômico-financeiro contidos nos Planos de Âmbito;

• verificar a eficácia da intervenção e medir no tempo a progressiva melhora da qualidade do serviço e ambiental.

Deve-se ressaltar que, do ponto de vista gerencial e tarifário, a abordagem acima exposta apresenta um lado crítico bastante relevante relativo aos custos de exercício e adequação estrutural necessários para o con-trole hidráulico e depurativo das águas pluviais urbanas. De fato, se as redes estão oficialmente separadas, ou supostamente deveriam estar, o gestor da rede de esgotos pode atribuir os custos da gestão de esgotos e o tratamento exclusivamente ao volume de efluentes medidos com base nas vazões fornecidas pelo aqueduto ao usuário individual e identificar assim a tarifação adequada ao serviço.

Se, no entanto, o sistema for misto ou separado, mas com infra-estruturas aptas, como dito acima, de forma a permitir também o escoamento e o tratamento de depuração de parte das águas pluviais, os custos do serviço de esgotos e depuração serão mais altos e, estando ligados a fenômenos pluviais, não são mais atribuíveis somente aos volumes de água fornecida pelo aqueduto, mas também à extensão das superfícies antrópicas.

Pode-se dissertar sobre esse tema de infinitas maneiras e não só em caráter técnico-econômico, mas

2 O Sistema Inteligente Moma está gratuitamente disponível no endereço: http://www.amb.bologna.enea.it/moma. Para mais informações, consulte também o site do CSDU: www.csdu.it.

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também seguindo uma abordagem filosófico-intelectual (conceito de “quem suja paga”) Portanto, o trata-mento das águas pluviais também deve ser pago pelos cidadãos usuários do serviço de esgoto a partir do momento que são eles que produzem a poluição das superfícies urbanas – diferenciação entre o ônus que deve incidir sobre os impostos gerais e o atribuído às tarifas de serviço, etc.). Na Itália, por exemplo, esse tema está atualmente em discussão e ainda não foi resolvido.

Parece-nos, além do mais, que essa problemática tenha que ser abordada em relação a dois pontos-chave que concernem às características intrínsecas dos sistemas da rede de coleta de esgoto-tratamento e do ambiente urbanizado:

1. a estreita concomitância no território urbano do sistema de esgotos e drenagem urbana (ma-crodrenagem e microdrenagem) aconselha, ou melhor, impõe, que a gestão, a manutenção e a operação sejam atribuídas a um único gestor;

2. o controle da poluição das superfícies urbanas e o conseqüente tratamento das águas pluviais é ambientalmente necessário e está destinado a ser progressivamente mais sentido pela po-pulação, juntamente com a eficiência do tratamento dos efluentes de tempo seco e da correta gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Concluindo, parece-nos que as soluções do Plano devam obrigatoriamente levar em conta tais as-pectos no que se refere ao cenário futuro, enquanto a progressividade e a gradualidade das metas interme-diárias do Plano podem fornecer a possibilidade de identificar as escolhas intermediárias de acordo com os recursos disponíveis e, entre estas, aquelas factíveis, com base nos financiamentos gerados de impostos em geral ou de tarifas do serviço hídrico.

Para tanto, o escoamento e o tratamento da parte mais poluída das águas pluviais podem encontrar uma solução de forma progressiva no tempo, destinando os recursos atuais à extensão do serviço de coleta de esgotos e tratamento das águas servidas. Em outros termos, parece-nos inaceitável abordar um planeja-mento tão importante como este sem levar em conta os aspectos aqui expostos, já que não se sabe a quem caberá o ônus do componente do serviço ligado à água pluvial. Negligenciar hoje tal componente pode induzir de fato a escolhas infra-estruturais do Plano, que mais tarde se revelariam errôneas até o ponto de comprometer a qualidade sanitária e ambiental do território urbanizado, com possíveis custos extras de reconstrução de obras já realizadas, mas, posteriormente reconhecidas como inadequadas.

7.2.5 Marés, cheias fluviais e drenagem urbana

A drenagem urbana do Recife deve ser considerada de maneira integrada com as cheias fluviais e com os efeitos de refluxo induzidos pelas marés. Tal visão integrada está bem presente nos documentos colocados à disposição e sinteticamente expostos nos capítulos precedentes.

Marés

Parece-nos que os problemas conseqüentes das marés altas são bem conhecidos e corretamente enfrentados por meio das técnicas já adotadas de fechamento hidráulico com barragens móveis e com outros estudos em andamento e desenvolvimento. Com esse sistema, o refluxo provocado por marés mé-dio-altas é hoje controlado na área urbana adjacente ao importante canal Derby-Tacaruna, protegendo a Av. Agamenon Magalhães dos fenômenos de alagamento que ocorriam em condições de alta maré. É também

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bastante interessante a técnica adotada, que consiste na movimentação, em tempo real, de tais comportas móveis para utilizar o significativo desnível hídrico ligado à maré (a semiamplitude média da maré está na ordem de um metro), visando gerar, ao longo dos canais subjacentes às barragens, ondas de translação de energia significativa, capazes de remover os resíduos e os sedimentos poluídos e substituir a água.

Naturalmente, essa técnica permite a realização da limpeza do canal, mas com uma ação de desloca-mento ou afastamento dos poluentes para um outro lugar, e, não, de remoção e tratamento dos poluentes. Trata-se de uma técnica interessante de manutenção, mas que não é de saneamento ambiental.

Mesmo se, como mencionado, os problemas ligados às marés são bem conhecidos e em parte já amplamente tocados, entre os documentos que nos foram fornecidos não há um estudo que contenha a análise probabilística do estado de risco hidráulico conseqüente de marés excepcionais, principalmente se ocorrer simultaneamente a eventos chuvosos. Em particular, parece faltar um zoneamento que atenda aos critérios probabilísticos de áreas submetidas a situações de exposição, vulnerabilidade e risco de ala-gamento por efeitos da maré, com ou sem a concomitância de cheias fluviais, ou de elevada pluviosidade, com crise do sistema de drenagem urbana.

A esse propósito, deve-se lembrar que as áreas potencialmente afetadas pelo risco de alagamento podem ser identificadas e delimitadas cartograficamente com base nas seguintes classificações:

Risco

É o valor esperado de perdas humanas, de feridos, de danos causados às propriedades e de pertur-bações das atividades econômicas em decorrência de um determinado fenômeno, com certa intensidade. É expresso como o produto da periculosidade x vulnerabilidade x exposição, assim definido:

• periculosidade: probabilidade que, em um determinado intervalo de tempo, verifique um evento de certo porte;

• vulnerabilidade: valor do patrimônio habitacional e das infra-estruturas;• exposição: quantificação de população atingida e de danos econômicos.Resumindo, o risco depende não só da presença potencial de um fenômeno perigoso que atinge

uma área determinada, mas também da presença de elementos expostos e da sua capacidade de resistir à intensidade do fenômeno.

Deve-se ressaltar que a identificação no território de áreas com diferentes níveis de risco leva a duas importantes conclusões:

• uma eficaz identificação das prioridades de proteção e, portanto, a adoção de uma objetiva programação do momento oportuno de intervenção;

• a adoção de medidas não-estruturais de defesa civil, de progressiva reclassificação urbanística das próprias áreas, com a adoção de normas e regimes fiscais ou de seguros coerentes com o estado de risco.

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Figura 7.1 Exemplo de uma área sujeita a risco de inundação de cheia, para a qual a intersecçãocartográfica das classificações de vulnerabilidade, a exposição e a periculosidade levam à determinação

do mapa conclusivo que contém a delimitação das áreas com diferentes níveis de risco geral

Cheias fluviais Quanto às cheias fluviais, dissemos que as cheias do Rio Capibaribe, o mais importante do Recife, estão

hoje muito bem controladas pelas três barragens de amortecimento (Barragem do Carpina, Barragem do Rio Goitá e Barragem do Rio Tapacura), construídas a montante da cidade. Com base nos volumes disponíveis em tais barra-gens, parece plausível acreditar que resultem eficazes mesmo em caso de eventos de absoluta excepcionalidade. Todavia, entre os documentos que nos foram fornecidos, falta um estudo hidráulico detalhado que julgue o risco residual de alagamento do território colocado a jusante das barragens, ou seja, de um estudo que trate, sobretudo, do tema importante de sua gestão, ou seja, quais disciplinas compartilhariam dele e quem seriam os oficiais de ge-renciamento dos reservatórios, de forma a garantir sua máxima eficiência de amortecimento nas fases de pré-aviso metereológico das cheias e no desenrolar de eventos críticos.

Se, de qualquer forma, o Rio Capibaribe parece ter sido reconduzido a um certo nível de segurança, não detectamos, entre os documentos que nos foram fornecidos, estudos que definissem o nível de risco dos outros cursos de água de interesse da RMR e do Recife (como dos Rios Beberibe, Tejipio, Joboatão, etc.). Para alguns desses cursos de água, os documentos relatam somente as áreas de alagamento deduzidas da experiência, e não aquelas que respondem a delimitações obtidas de estudos que atendam a critérios objetivos probabilísticos, fundamenta-dos nos conceitos anteriormente citados de periculosidade, exposição e vulnerabilidade e risco de alagamento.

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Drenagem urbana

A área urbanizada do Recife e da RMR constitui um notável exemplo de área na qual o risco de inundação depende tanto das cheias dos cursos de água naturais que atravessam as cidades, como das vazões que nelas se formam durante as precipitações. O progressivo e violento desenvolvimento urbano e da construção civil trouxe a necessidade de reduzir as seções dos cursos de água e por vezes fechá-los em galerias, com uma conseqüente penalização da sua condutibilidade hidráulica. Entretanto, o mesmo desenvolvimento determinou um importante incremento das vazões e dos volumes de cheia em decorrência da impermeabilização do solo e da diminuição dos tempos de concentração do processo de formação das vazões defluentes pluviais.

A engenharia sanitária tradicional considerou freqüentemente como única solução aquela de melhorar a capacidade de transporte das águas, tanto pela rede de drenagem como pelos cursos d’água. Mas essa política resulta muitas vezes em insucessos, por três motivos:

• custos demasiadamente altos;• falta de resolução substancial dos problemas em virtude do desenvolvimento urbano simultâneo; e • deslocamento e agravamento do mesmo problema a jusante, com necessidade de arcar com novos

custos de reconstrução da rede hidráulica.A estratégia de transporte e de canalização das águas deve ser substituída, portanto, pela estratégia de

amortecimento e, quando possível, pela de infiltração das águas de cheia. Os novos planejamentos devem ser abordados por meio de uma visão integrada da interconexão entre cheia fluvial e drenagem urbana, de modo a equilibrar, no próprio tecido urbano, os efeitos hidráulicos da impermeabilização dos solos, e não alterar, até se possível reduzir, as vazões de cheia para jusante.

Recentes literaturas científicas e técnicas internacionais e brasileira são unânimes nessa nova abordagem, que, aliás, não parece ainda plenamente acolhida pelas políticas locais de drenagem urbana. Na Itália, em virtude do elevado grau de densidade habitacional e industrial, muitos planejameantos já foram realizados dessa forma.

Por exemplo, a região da Lombardia adotou, no seu Plano de Saneamento das Águas (1993), algumas impor-tantes limitações das vazões de drenagem urbana, que foram depois recentemente confirmadas no Plano de Proteção das Águas (2005). Com base nessas colocações, em todo o território regional, as novas urbanizações devem limitar, mediante medidas locais de amortecimento ou de infiltração, as vazões pluviais, de modo a não necessitar de adequa-ções das redes de drenagem urbana a jusante. Os instrumentos urbanísticos municipais devem, portanto, prever que, na reconversão das áreas ou na formação de novas áreas habitacionais que causem incremento de impermeabilização do solo, sejam sempre salvaguardadas as redes hidráulicas destinadas ao seu acesso, de forma a evitar o constante círculo vicioso: nova urbanização – novas vazões – reconstrução da rede a jusante.

Além disso, com referência ao território indicado pela linha pontilhada na figura 7.2, que compreeende as maiaores cidades da Lombardia, entre as quais Milão, as vazões máximas de drenagem urbanas recebidas na descarga dos cursos d’água nunca devem superar o valor de 40 Lt/seg. por hectare impermeável (igual ao produto da superfície subjacente da bacia multiplicado pelo seu runoff coefficient), para as área urbanas já existentes, ou de 20 L/s por hectare impermeável, para aquelas de nova urbanização, ou valores inferiores a esses, quando demandados pela capacidade hidráulica dos cursos d’água receptores. Considerando que as vazões de pico durante as chuvas mais intensas podem alcançar até valores de 200 L/s por hectare imperme-ável, tal regulamentação impõe a adoção de estratégias drásticas para o amortecimento das vazões de pico e, portanto, a proteção sanitária dos cursos d’água.

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Figura 7.2 Região da Lombardia e a área pontilhada sujeita à limitação das vazões de drenagem urbana

Recentemente, essa regulamentação da drenagem urbana da Região da Lombardia obteve também confirmação no planejamento de bacia efetudo pela Autoridade de Bacia do Rio Pó, na qual a otimização técnico-econômica identificou soluções que preveêm amortecimentos múltiplos fluviais e urbanos, com o objetivo de que sejam obtidas vazões de cheias ao longo das margens fluviais quando compatíveis com as seções hidráulicas disponíveis. Como exemplo, citamos os casos do Rio Lambro (figura 7.3) e da Bacia do Torrente Lura (figura 7.4), que atravessam territórios da Lombardia fortemente urbanizados e nos quais os estudos hidráulicos levaram à adoção de uma combinação de reservatórios de amortecimento fluviais com reservatórios de amortecimento urbanos.

Uma estratégia bastante conhecida é a que consiste no amortecimento em áreas de transbordameanto localizadas em pontos urbanisticamente disponíveis e idôneos, situados a jusante de parte ou da totalidade das redes de drenagem urbana. Por conta da intensidade e da densidade dos assentamentos e da distribuição dos pontos hidráulicos críticos, tal estratégia pode necessitar da identificação de uma série até numerosa de reserva-

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tórios de amortecimento, cuja eficácia total, que provém da combinação dos efeitos de cada reservatório, deve ser estudada em modelos hidráulicos do tipo distribuído. Já que os reservatórios de amortecimento localizam-se ao longo das redes de drenagem ou a jusante delas, a sua construção é de responsabilidade da administração pública, e a sua manutenção e sua gestão ficam normalmente sob a responsabilidade do mesmo órgão encarre-gado da gestão das redes.

Uma estratégia – de alguma forma alternativa e atualmente muito incentivada – consiste na adoção das chamadas Best Management Practices (BMP), isto é, de um conjunto de estratégias não-estruturais relativas ao uso do solo e estruturais de amplo espectro, aptas a incentivar a infiltração e o amortecimento local das vazões pluviais a montante das redes de drenagem urbana e dos cursos de água naturais. O objetivo que se costuma indicar consiste na obtenção de vazões e volumes defluentes que entrem na malha hidrográfica menores ou pelo menos não maiores que aquelas pré-existentes na urbanização (assim chamado impacto zero). Nesse caso, já que a estratégia é de amplo espectro e fracionada até o interior de cada propriedade, a sua adoção pode ser imposta aos donos dessas propriedades, mediante normativa idônea, não ficando a cargo de órgãos públicos.

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Figura 7.3 Áreas urbanizadas do Rio Lambro em 1936 e em 1991

Figura 7.4 Na pequena Bacia do Torrente Lura (ao norte de Milão), fortemente urbanizada , o Plano de Bacia prevê a necessidade de 16 reservatórios de amortecimento, dos quais 9 urbanos e 7 fluviais, para um volume total de conteúdo igual a

1.200.000 m3 em relação a um volume total da cheia igual a (T=100 anos) = 2.640.000 m3

A limitação das vazões de cheias urbanas pode ser obtida por diferentes estratégias. É aconselhável examinar a ampla literatura técnica sobre o tema para uma completa visão concernente às técnicas das BMP a serem adotadas.

Obviamente, as características pedológicas do solo e dos lençóis freáticos permitem incentivar a infiltração das águas pluviais no solo. Com essa medida, diminui-se muito a necessidade de transporte e conseqüentemente os custos das redes. As BMP permitem, além de conter drasticameante as vazões, uma economia de gastos.Trata-se de uma política muito favorável para os países em via de desenvolvimento, nos quais os custos com a infra-estrutura sanitária podem resultar proibitivos. É necessário, contudo, considerar que a infiltração no solo pode resultar bastante problemática, não apenas pelo efeito de características pedológicas não-favoráveis, mas tam-bém pelo efeito da progressiva e inevitável redução do coeficiente de permeabilidade e, portanto, da capacidade de infiltração causada pela oclusão induzida pelas substâncias sólidas transportadas pelas águas pluviais e pelo desenvolvimento das biomassas que aderem a partes do terreno. A redução da capacidade de infiltração pode, portanto, chegar a anular os efeitos favoráveis alcançados nas primeiras fases de vida das estruturas de infiltra-ção. Além do que, o restabelecimento da capacidade de infiltração inicial pode resultar muito difícil, sobretudo se as estruturas de infiltração estiverem sob a responsabilidade das propriedades individualmente e, portanto, demasiadamente difundidas, de pequena dimensão e de gestão caracterizada por escassa confiabilidade.

Ademais, a infiltração de águas pluviais que contêm elevadas cargas poluidoras deve ser considerada

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inaceitável. De fato, deve-se considerar que a poluição do solo ou de um lençol subterrâneo pode constituir um dano definitivo ao meio ambiente, e que pode repercutir por muitas décadas no futuro, considerando o longo tempo que os fenômenos hidrogeológicos levam para fazer uma reposição. Se, portanto, o território objeto de possível infiltração caracteriza-se por tráfego automobilístico ou atividade comercial e industrial produtores de emissões de substâncias poluentes nas superfícies pavimentadas, a infiltração não deve ser adotada, a menos que se instalem filtros bioquímicos antes do acesso das estruturas de infiltração. Mas isso obviamente multipli-caria os custos das infra-estruturas e do gerenciamento.

Caso as características dos solos e dos lençóis não ofereçam a possibilidade de incentivar significativa-mente a infiltração, as medidas de BMP consistem essencialmente nos amortecimentos locais a serem realizados a montante das ligações da rede pública de drenagem urbana e dos corpos receptores. Nesse caso, também a redução das vazões implica decisiva diminuição de gastos na realização e no gerenciamento das redes públicas de drenagem. Mas, para uma avaliação econômica geral, ocorre acrescentar também os custos mais altos para a realização e o gerenciameanto dos amortecimentos privados. Evidentemente, a análise ecinômica deve ser con-duzida caso a caso, conforme as características hidrogeológicas e sanitárias locais para avaliar, tanto o efetivo benefício alcançável por meio das BMP, como a confiabilidade delas ao longo do tempo.

Temos a impressão de que a adoção das BMP parece certamente possível nas áreas de economia e tec-nologia desenvolvidas e adotadas por populações com elevado senso cívico, e que tenham cuidado e respeito pelo uso do solo, nas quais a imposição de amplas medidas de amortecimento e de infiltração, com eventual uso de técnicas de bioinfiltração, podem obter concretas possibilidades de sucesso. Mas o que nos interessa nesta rede, e que também representa um desafio, é verificar a aplicabilidade das BMP mesmo nas áreas de forte concentração urbana e de grande pobreza que caracterizam muitos Países em via de desenvolvimento (como por ex. as favelas brasileiras), nas quais a sua adoção seria em teoria extremamente favorável pelo conteúdo das vazões e pelos volumes das vazões defluentes pluviais. Com tal propóstio parece aconselhável caminhar por etapas, inciando-se na primeira fase com um estudo sobre a aplicabilidade das BMP em “áreas demonstrativas” a serem cuidadosamene selecionadas de modo que, com uma intensa e contínua companha de sensibilização e informação, a população não crie obstáculos, mas pelo contrário coopere, com experimentações em campo das diferentes técnicas úteis para a redução das vazões e dos volumes de escoamento pluvial.

Portanto, as diretrizes que parecem ser recomendáveis são:• limitação das vazões de descarga, a serem atingidas através de amortecimentos ou, sempre que pos-

sível, com infiltrações das águas pluviais urbanas, com imposições, mediante adequada regulamen-tação, de valores máximos a não serem superados de modo a respeitar a atual capacidade sanitária dos corpos receptores ou das redes de drenagem urbana a jusante;

• adoção de técnicas de infiltração apenas aonde não há risco de poluição dos lençóis, consideran-do-se o conteúdo fortemente poluidor das águas pluviais causadoras de lixiviação das superfícies urbanas caracterizadas pelo tráfego automobilístico ou pelas atividades comerciais e industriais produtoras de emissões de substâncias poluidoras;

• escolha entre os sistemas de amortecimento a jusante das redes de drenagem urbana (solução tra-dicional confiada aos órgãos públicos) ou a montante das próprias redes (novas soluções de BMP a serem realizadas principalmente nas propriedades privadas) em função da avaliação da sua provável confiabilidade no tempo e dos custos globais (somatória dos custos de construção e gerenciamento tanto dos órgãos públicos como dos privados);

• aplicação e incentivo em relação às BMP em áreas demonstrativas, caracterizadas por forte con-

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centração urbana (favelas), cujas populações sejam cuidadosamente selecionadas e previamente sensibilizadas e informadas.

7.2.6 Instabilidade dos morros e controle do transporte sólido

O movimento do campo para a cidade ocorreu e continua acontecendo no Brasil de forma tumultuada. Como conseqüência, amplas áreas foram ocupadas e transformadas com remoção da vegetação natural (fre-qüentemente a floresta é vista como um inimigo contra o qual é necessário defender-se, mais do que um bem ambiental a ser protegido) e devastação e empobrecimento do solo. Exacerbou-se assim a erosão do solo e, por conseguinte, o transporte de sedimentos alastra-se ao longo das superfícies urbanas e nas canalizações de drenagem urbana.

Obviamente a capacidade de transporte das vazões de águas pluviais fica penalizada causando alagamen-tos mais freqüentes e mais graves (figura 7.5). Durante as visitas técnicas entre os dias 13 e 16 de abril de 2005, pôde-se verificar o notável empenho de recursos humanos e econômicos que a Emlurb despende nas ações de manutenção da rede de drenagem urbana destinada à remoção dos materiais depositados nos canais e, portanto no restabelcimento das seções hidráulicas. Contudo, esse notável esforço corre continuamente o risco de ser anulado pela nova entrada de sedimentos. É necessário acompanhar as obras de manutenção com intervenções de estabilização dos solos passíveis de erosão e de contenção do transporte sólido.

Estabilização das encostas Como mencionado o PQA prevê a adoção de métodos de proteção das encostas para evitar erosão e as-

soreamento dos canais, por exemplo, através da pavimentação e construção de escadas nos morros, revegetação das áreas afetadas pela ocupação, proteção das encostas com muros e outros tipos de contenção.

As fotos da figura 7.6 mostram as intervenções em curso junto ao bairro Alto do Céu de Recife.

Figura 7.5 As duas fotos mostram como os canais de drenagem urbana que afluem ao Rio Jordão no trecho ao longo da Avenida Maria Irene, entre a Cidade de Recife e o município de Jaboatão dos Guararapes, são fortemente penalizados pela presença de

sedimentos que impedem o transporte dos efluentes e determinam o seu refluxo nas superfícies das estradas

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Figura 7.6 As duas fotos mostram as intervenções de revestimento com cimento das encostas em erosão – retenção do transporte sólido

O quadro observado é emblemático de uma situação bastante difundida ligada à urbanização dos morros, cujos principais aspectos críticos dizem respeito a:

• fenômenos de instabilidade local das encostas, após chuvas, com elevado risco quanto à segurança da população que ocupa a área;

• erosão do solo, com transporte a jusante de grandes quantidades de material que é posteriormente depositado nas redes de macrodrenagem nos trechos de declividade moderada obstruindo as sessões de vazões defluentes;

• aumento das vazões pluviais descarregadas a jusante como efeito da impermeabilização do solo.Como se vê na foto, algumas áreas em erosão, sem vegetação e com forte declividade, já foram revestidas

de cimento para conter a erosão e para impedir a infiltração de águas perigosas para a estabilidade da encosta e das moradias subjacentes. Além do mais, estão sendo construídos muitos muros de arrimo, novas pavimenta-ções e escadas junto às passagens de pedestres e às estradas com relativos canais de drenagem, com o objetivo de controlar eficazmente as águas pluviais e impedir que estas escoem e se infiltrem ao longo das superfícies das encostas.

Entretanto, enquanto as intenções e as soluções adotadas podem ser na maioria compartilhadas, as técni-cas de revestimento com concreto adotadas nos solos aonde a vegetação foi devastada, causam algumas perple-xidades. Poderiam ser adotadas as técnicas de engenharia naturalista, fundamentada na revegetação e estabiliza-ção das encostas, mesmo do ponto de vista estético e paisagístico, para devolver às encostas, o asapecto de tipo pré-urbano de funcionamento hidrogeológico. Em outros termos as técnicas de engenharia naturalista poderiam agir na ótica das acima citadas BMP, isto é, propiciando o controle e a redução local das águas pluviais, e com custos mais baixos, enquanto que as intervenções em andamento agem na ótica do afastamento e transporte a jusante das águas pluviais. Mesmo neste caso seria igualmente interessante, realizar estudos e experimentações de confronto de diferentes alternativas em áreas demonstrativas.

É absolutamente evidente que devido à distribuição e extensão da área das encostas em erosão, as in-tervenções de estabilização nunca poderão, até pelo seu alto custo, reduzir a zero a produção de sedimentos sólidos. É assim previsível que esta permanecerá mais ou menos relevante, mas sempre significativa.

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Torna-se, portanto, indispensável realizar junto às obras de estabilização das encostas outras interven-ções de controle e retenção do transporte de sedimentos em pontos críticos da malha de drenagem. Com estas intervenções obtém-se o duplo objetivo de evitar a propagação descontrolada dos sedimentos para jusante e permitir à Emlurb concentrar os seus esforços de manutenção e remoção dos sedimentos em estruturas predis-postas para este fim. Estas intervenções consistem na construção de reservatórios e aprisionamento dos sedi-mentos a serem postos em correspondência às mudanças de declividade, na confluência de diversos canais, nos pontos de localização e manutenção mais favorável, etc. Os reservatórios, em função de sua distribuição ao lon-go da rede de drenagem, podem ter dimensões muito variáveis e responder a tipologias diferentes; por exemplo, podem ser abertas ou do tipo fechado e podem ser colocados sob a pavimentação das estradas (figura 7.7).

Concluindo, parece aconselhável avançar em termos de um novo planejamento em relação a estes pro-blemas, porém não encontramos deste nenhum vestígio no PQA nem nos outros documentos colocados à nossa disposição. Tal planejamento consistiria em:

• estudo do efeito da esrosão nas encostas mesmo em função das intervenções de estabilização pro-gramadas ou em andamento e, avaliação quantitativa da provável produção sólida;

• análise em termos sanitários da rede de drenagem existente ou em projeto, a fim de identificar os pontos críticos nos quais posicionar os reservatórios de retenção dos sólidos;

• Identificação das diversas alternativas de distribuição e de consistência dos reservatórios, fazendo um con-fronto entre eles em termos técnico-econômicos (em relação a custos de construção e de gerenciameanto);

• identificação das prioridades de intervenção.

7.2.7 Favelas

Nas favelas de Recife, como nas de outras cidades brasileiras, todos os problemas discutidos, não apenas estão presentes, mas de forma ameaçadora e com níveis de alta periculosidade (figura 7.8):

• A impermeabilização pode chegar a ser quase que total (runoff coefficient – 1); • A rede de drenagem pluvial ou é completamente ausente ou é gravemente carente por causa das ruelas

estreitas;“a”

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“b”

Figura 7.7 O ponto “a” mostra um reservatório de retenção de transporte sólido realizadorecentemente em Nápoles; o ponto “b” mostra um tipo de pequeno reservatório

subterrâneo colocado ao longo de um canal urbano de drenagem

• a situação higiênico-sanitária supera qualquer medida crítica. De fato, a rede coletora de esgoto ou é completamente ausente ou é gravemente carente; as águas servidas das moradias permanecem ou em-baixo das casas (para as casas que não dão a frente para a rua), ou nas ruas, ou na rede de drenagem pluvial, quando esta existe. Durante as chuvas, os líquidos expandem-se, fluindo para qualquer lugar, misturando-se simultaneamente aos freqüentes alagamentos;

• a drenagem das águas servidas e pluviais é sacrificada ou impedida pela forte presença de sedimentos e de outros resíduos sólidos;

• nas favelas, dispostas nas encostas em declive, é freqüente o aparecimento de graves instabilidades, deslizamentos e desmoronamentos, com possibilidade de perda de vidas humanas.

Como já exposto anteriormente, a possibilidade de remoção dessas ocupações informais com o objetivo de proteção dessas áreas é inviável, porque, tomando por base experiências passadas, sabe-se que esse tipo de ação tem pouco sucesso já que tão logo a antiga população seja evacuada, nova ocupação é feita, bastando que a vigilância seja relaxada. Por isso, não é recomendada a remoção das ocupações existentes.

As áreas atualmente desocupadas devem ser protegidas da ocupação ilegal.

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Figura 7.8 Grau de impermeabilização das favelas

Em tal contexto habitacional, é enorme a dificuldade de construir uma nova rede capilar de drenagem das águas servidas e daquelas pluviais. Esta de fato, poderia ser construída apenas após abertas novas estradas nas áreas ocupadas, após demolições com esse fim e o remanejamento dos habitantes para novas construções. É exatamente o que está realizando a Secretaria de Saneamento do município do Recife, com muita inteligênia e entusiasmo, no Bairro da Mangueira e da Mustardinha, onde foram realizados trabalhos integrados de urbaniza-ção, pavimentação, abastecimento de água, coleta de esgoto e drenagem urbana.

Tais intervenções, por conta dos custos demasiadamente elevados, podem ser realizadas apenas parcial-mente, iniciando, por exemplo, pelo esqueleto principal das novas redes de drenagem. A solução completa dos problemas anteriormente citados pode apenas ser planejada a longo prazo e, tão-somente, se acompanhada por uma evolução cultural das populações assentadas. A importância de tal aspecto cultural está muito presente na Secretaria de Saneamento, como demonstra a interessante realização do Centro de Documentação e Informação da População (figura 7.9 b).

Como já exposto anteriormente, seria muito interessante verificar a aplicabilidade nas favelas das lógicas de intervenção difundida (tipo BMP), visando implementar intervenções de micro-amortecimento para reduzir os fenômenos de alagamento, de ligações e de tratamento local das águas servidas para melhorar a situação higêni-co-sanitária, e de retenção dos sedimentos e resíduos sólidos transportados pelas águas.

Intervenções de incentivo da infiltração parecem, no entanto, menos aconselháveis pelo volume de polui-ção que é espalhada e pelo conseqüente perigo de contaminação dos lençóis.

Do ponto de vista do micro-amortecimento, seria suficiente que cada unidade habitacional tivesse um pe-queno tanque de coleta de água de chuva que caísse do próprio telhado. Para amortecer eficazmente as vazões pluviais de pico: um tanque de cerca 500 litros para cada 10 m2 de superfície de telhado, dotado de uma descarga de fundo de diâmetro limitado, seria suficiente para alcançar tal objetivo.

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“a” “b”

Figura 7.9 O ponto “a” mostra as duas maquetes que reproduzem uma favela na situação atual e na situação prevista no projeto. No ponto “b”, vê-se o centro de documentação e de informação e o muro com o painel pintado realizado pelas estudantes da favela, ilustrando o ciclo urbano da água

Evidentemente, tal providência seria praticável apenas com participação da população e a responsabili-zação pela sua manutenção, e apenas após terem sido analisados e resolvidos todos os conseqüentes reflexos higiênico-sanitários, inclusive a necessidade de evitar a proliferação de pernilongos e do mosquito da dengue.

É também aconselhável, para atingir tal objetivo, avançar por etapas. Começando numa primeira fase, com o estudo de aplicabilidade em “áreas demonstrativas”, a serem selecionadas cuidadosamente, de modo que, com uma intensa e contínua campanha de sensibilização e informação, a população não crie obstáculos, mas, pelo contrário, ofereça adesão aos experimentos de campo.

7.2.8 Aspectos paisagísticos e ambientais dos ambientes fluviais

Como foi dito, o sistema hidrográfico natural constitui, junto com o sistema costeiro, um dos mais impor-tantes componentes do território urbano da cidade do Recife, além de representar um recurso natural e econô-mico. Em especial o Rio Capibaribe, que é o curso de água de maior importância, tanto pelas suas dimensões como pelo seu traçado, atravessando a cidade e alcançando o mar junto ao porto e na parte populacional mais antiga.

Por sua vez, o estado de qualidade do meio ambiente dos cursos d’água do Rio Capibaribe, especifica-mente, está muito deteriorado, por causa da elevada carga poluidora de origem antrópica, que é despejada pelas redes de coleta de esgoto. A esse aspecto, que é sentido em todo o trecho urbano do curso d’água, deve-se adicionar o fato da ocupação das margens por palafitas, que cobrem extensas partes do leito e provocam uma consistente degradação, além de contribuírem para uma poluição adicional.

A despeito desse cenário desestimulante, durante a visita de campo efetuada ao Rio Capibaribe, teve-se a oportunidade de avaliar o notável valor paisagístico e ambiental do sistema fluvial.

Surge, portanto, de importância fundamental inserir, no âmbito do processo de construção dos instrumen-

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tos de planejamento para o saneamento do meio ambiente, o objetivo de recuperação do equilíbrio ecológico do curso de água, junto com a valorização perceptiva da estrutura da paisagem fluvial e da utilização social do curso d’água e das áreas ribeirinhas (possibilidade de percorrer as margens, navegabilidade turística e recreativa).

As linhas de ação a serem colocadas em prática com esse propósito apontam de início para o reconhe-cimento de que o curso de água, mesmo apresentando grandes recursos naturais e paisagísticos, sofre em geral uma excessiva pressão humana, sobretudo em relação ao acúmulo das cargas poluidoras e à ocupação das margens com as palafitas, que implicam uma multiplicação de riscos de sobrecarga ambiental nas áreas mais sensíveis, com amplos efeitos de degradação e de alteração de recursos que são escassos e irreprodutíveis.

Figura 7.10 Visita de campo efetuada no Rio Capibaribe

A esse propósito, deve ser lembrado que louváveis iniciativas de intervenção nesse setor já estão sendo realizadas, nos programas do município do Recife, tanto no que concerne às intervenções sobre as descargas poluidoras, quanto no que se aplica à remoção dos assentamentos que ocupam as margens (Projeto Capibaribe Melhor).

As intervenções de coleta e de depuração das descargas domésticas e industriais constituem naturalmen-te a intervenção prioritária para a melhora da qualidade ambiental do curso d’água. É também evidente que as intervenções nas favelas que ocupam as margens, para as quais é difícil sugerir soluções alternativas de rema-nejamento, constituem uma intervenção decisiva, além de extremamente complicada por implicar altos custos pecuniários.

As ações prioritárias são, portanto, aquelas já iniciadas. Em relação a elas, deve ser considerado que o grande esforço econômico a elas relacionado impõe, infelizmente, prazos de realização médio-longos. Mesmo considerando experiências semelhantes de recuperação de cursos d’água conduzidas na dimensão italiana e européia, tais ações devem ser acompanhadas por um conjunto de iniciativas bastante articuladas e complexas, e que se estendam pela região fluvial e pelos trechos a montante do mesmo curso d’água, sobretudo em relação às cargas poluidoras e ao uso dos recursos hídricos. Qualquer exploração produtiva e econômica deverá ser rigorosamente subordinada às exigências de recuperação e de salvaguarda do ambiente fluvial. Paralelamente, portanto, às intervenções visando à redução e à prevenção da poluição, cujas importância e prioridade são indis-

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cutíveis, os aprofundamentos de conhecimento permitem agora evidenciar algumas linhas de intervenção que, não obstante caracterizadas por conteúdos setoriais, apresentam relevantes implicações intersetoriais e podem, portanto, desempenhar um papel determinante para a requalificação integrada da região fluvial. Essas interven-ções dizem respeito a ações de:

• restruturação e requalificação do meio ambiente e do paisagismo;• recuperação e valorização do patrimônio histórico e cultural;• recuperação e potencialização dos equipamentos e das infra-estruturas, tanto no que concerne ao

acesso quanto ao uso.A implementação dessas iniciativas deve ser subdividida no tempo e aplicada com base no progresso dos

efeitos obtidos pelas intervenções prioritárias de despoluição, promovendo uma progressiva mudança da filoso-fia geral de abordagem em relação a um curso d’água – de corpo hídrico a ser explorado (para ser usado e como receptor de descargas) para recurso a ser valorizado –, inserindo-se, de forma funcional, no contexto urbano, utilizando formas compatíveis e preservando para as gerações futuras.

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8 Drenagem urbana em Santo André Luiz Fernando Orsini, Sebastião Ney Vaz e Angélica Ferrini

8.1 Introdução

Assim como acontece com a maioria das cidades brasileiras, Santo André enfrenta seus problemas no manejo das águas urbanas, em especial no que diz respeito ao controle das águas pluviais e da poluição hídrica. Entretanto, diferentemente das demais cidades, Santo André conseguiu implantar um sistema de gestão diferen-ciado com relativo sucesso.

Caso raro no Brasil, Santo André encontra-se na área de abrangência de dois planos diretores de drenagem (Plano Estadual e Plano Municipal) e de um Plano de Bacia (Plano da Bacia do Alto Tietê). O resultado é que Santo André conta com ferramentas de suporte para um planejamento mais eficaz das ações voltadas ao manejo das águas, mesmo enfrentando as limitações orçamentárias que restringem os investimentos, comuns à maioria das cidades do País.

Santo André também se distingue por ser o único município no Brasil a implantar um sistema de cobrança pelos serviços de drenagem. Pagando diretamente por esses serviços, a população tem a oportunidade de per-ceber que o desenvolvimento urbano impacta o sistema público de drenagem e que o manejo das águas pluviais tem um custo; percebe também que o sistema de drenagem faz parte da infra-estrutura da cidade tanto como o sistema de esgotos e o sistema de abastecimento de água. Com a arrecadação dessa taxa a prefeitura conta com recursos exclusivos para o manejo das águas pluviais, mesmo tendo que complementá-los para fazer frente aos custos de manutenção e de investimentos.

O sistema institucional de gestão também é singular. O Município de Santo André concentra todos os ser-viços de saneamento ambiental (distribuição de água, esgotos, águas pluviais, resíduos sólidos e licenciamento) em um único órgão, o Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa), o que favorece o planejamento integrado e interdisciplinar das águas urbanas.

Os dados apresentados neste capítulo mostram que, mesmo contando com instrumentos de gestão mais evoluídos que os dos demais municípios, Santo André ainda assim enfrenta grandes desafios. A quantidade de esgotos tratada ainda é muito baixa, os níveis de poluição dos cursos de água são altos e ainda existem muitas áreas sujeitas a inundações.

Os trabalhos realizados por intermédio do convênio entre o Ministério das Cidades e a Hydraid, com o apoio da equipe técnica da prefeitura de Santo André, apontam caminhos para a superação desses desafios. Trazem também uma preciosa contribuição para o desenvolvimento da Gestão do Território e Manejo Integrado das Águas Urbanas, não só para o caso particular de Santo André, como também para os demais municípios brasileiros.

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8.2 O Município de Santo André

8.2.1 Território e hidrografia

Santo André situa-se na região sudeste do Estado de São Paulo, a cerca de 25 km do centro da capital do estado, sendo um dos 39 municípios pertencentes à Região Metropolitana de São Paulo - RMSP (Figura 4.1). O território do município, com 175 km2 e perímetro de 128 km, desenvolve-se para oeste e noroeste, a partir dos cumes da Serra do Mar. A altitude da sede municipal é de 755 m.

Pouco mais de um terço do território é ocupado pela área urbanizada, onde se concentra 95% da popula-ção, conforme mostrado na Figura 4.2 e na Tabela 4.1. Os dois terços restantes constituem área de preservação ambiental (Mata Atlântica da Serra do Mar), área de proteção de mananciais e a Represa Billings.

Figura 8.1 Localização de Santo André no Estado de São Paulo

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Tabela 8.1 Distribuição da área do Município de Santo André

CategoriaÁrea

(km2) (%)

Área Urbana 66,45 38,11

Área de Mananciais 96,14 55,13

Área da Vertente do Rio Mogi 11,79 6,76

Área Total 174,38 100,00

Fonte: GPU / DDU / SDU / PMSA

Figura 8.2 Macrozoneamento do Município de Santo André segundo o Plano Diretor

O relevo ondulado apresenta variações altimétricas moderadas, entre 30 e 80 m. A área urbanizada é cor-tada por uma rede hidrográfica capilar muito desenvolvida, alimentada por um regime de chuvas intenso. A maior parte dessa rede encontra-se canalizada em galerias fechadas.

O Município de Santo André encontra-se nas macrobacias do Rio Tamanduateí, da Represa Billings e do Rio Moji (Figura 4.3). O Rio Tamanduateí, cuja bacia tem uma área total de 323 km2, nasce no município vizinho de Mauá. Com 35 km de extensão, atravessa a região densamente urbanizada da sede municipal, e segue por São Caetano do Sul e São Paulo, até desaguar na margem esquerda do Rio Tietê.

A Represa Billings, construída no início do século passado para alimentar a usina hidroelétrica Henry

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Borden, em Cubatão, no sopé da Serra do Mar, e que começou a operar em 1926, é hoje um dos importantes mananciais da região do ABC paulista. Originalmente era alimentada parcialmente pelas águas do Rio Pinheiros, através de um sistema de reversão. Com o crescente aumento dos níveis de poluição, essa reversão foi suspen-sa, o que provocou redução significativa da produção de energia. Por meio do chamado Sistema Produtor Rio Grande, que capta água de braços isolados e menos poluídos da represa, abastece os Municípios de Diadema, São Bernardo do Campo e parte de Santo André, produzindo cerca de 12 m3/s.

O Rio Moji, que possui apenas uma pequena parcela de sua bacia em Santo André, ao contrário do Tamanduateí, que escoa para o interior do Estado de São Paulo, desce pelos contrafortes da Serra do Mar e deságua no litoral. Aproximadamente 53% da área urbana de Santo André é drenada diretamente para o Rio Tamanduateí. O restante contribui para dois de seus afluentes: Ribeirão Oratório e Ribeirão dos Meninos.

O Ribeirão Oratório, afluente da margem direita do Rio Tamanduateí, nasce em Mauá e delimita a divisa en-tre Santo André e São Paulo. Já o Ribeirão dos Meninos, que é o principal afluente de esquerda do Rio Tamanduateí, nasce em São Bernardo do Campo e delimita a divisa entre Santo André e São Bernardo do Campo.

A Tabela 4.2 apresenta os principais afluentes de primeira ordem dos três rios da zona urbana de Santo André, com a indicação daqueles que já foram objeto de estudos de drenagem. A imagem de satélite da Figura 4.4 e o mapa do macrozoneamento da Figura 4.2 ilustram essa situação. A comparação com o mapa das macrobacias (Figura 4.3) mostra que a urbanização de fato se concentra na Bacia do Tamanduateí, permanentemente afetada por problemas de inundação, poluição e assoreamento, provocados pelos esgotos domésticos, industriais e pe-las ações antrópicas relacionadas ao uso do solo.

Figura 8.2 Macrobacias Hidrográficas do Município de Santo André

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Tabela 8.2 Rios da área urbana de Santo André e afluentes de 1ª ordem

Rio Margem Afluentes de 1ª Ordem (de montante para jusante)

Tamanduateí Esquerda Itrapó, Cassaquera *, Guarará *, Apiaí, Carapetuba, Cemitério, Beraldo, Utinga *

Tamanduateí Direita Alzira Franco *, Sorocaba *, André Ramalho *, Jaçatuba, Comprido *, Jundiaí, Calcutá

Oratório * Esquerda Divisa, Cândido Camargo, Almada, Guaixaya *, Lavapés, do Meio, Bahamas, Maria Quitéria, Taubaté

Meninos * Direita Taióca, Pirambóia, Araçatuba, Itororó, Monte Alto, Grã Bretanha, Contravertente do Beraldo, Maquiavel, Pedreneiras

* Bacias com estudos ou projetos existentes, conforme levantamento realizado na Semasa.

Fonte: Semasa

8.2.2 História

Segundo a historiadora Suzana Cecília Kleeb, do Museu de Santo André, para contar a história da região de Santo André é preciso retomar parte da história do Brasil Colonial. Nos primeiros anos dessa história, os portugueses tinham grande preocupação em defender as costas brasileiras de possíveis invasões de franceses e holandeses, pois esses dois países não compartilharam do Tratado de Tordesilhas, que dividiu o Novo Mundo, a terra a ser descoberta, entre portugueses e espanhóis.

Figura 8.3 Imagem Landast de 1999, mostrando a mancha urbana do Município de Santo André e dos arredores

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No início do século XVI, os países que tivessem terras onde se pudessem explorar riquezas minerais, em especial ouro e prata, estavam à frente dos demais. Explica-se por aí o interesse pelas terras dessa vasta colônia portuguesa. Por conta de vários ataques às suas terras, a partir de 1530, Portugal intensificou a colonização das costas brasileiras. Nesse contexto, é enviado para cá, por ordem de D. João III, rei de Portugal, Martim Afonso de Souza, com a incumbência de fundar vilas para fortificar o litoral.

Aliada a essa história está a figura de João Ramalho, português que representava, nesse momento, uma porta de entrada para o contato com os índios e para a colonização, pois ele conhecia algumas tribos e conseguia se comunicar com elas. Em contrapartida a sua ajuda, João Ramalho solicitava, desde o início, que o local em que vivia, situado acima da Serra do Mar, fosse transformado em vila. Seu pedido foi atendido apenas em 8 de abril de 1553, quando foi criada, pelo governador-geral Tomé de Souza, a vila de Santo André da Borda do Campo.

Nesse período, a busca de metais impulsionou as entradas para o interior, e a vila foi se desenvolvendo. Os jesuítas instalados em São Vicente tinham interesse em transferir seu colégio para próximo dessa região, nos campos de Piratininga, pois havia uma grande evasão de pessoas do litoral para o interior. Tal fato ocorreu a 25 de janeiro de 1554, com a criação da Aldeia de São Paulo de Piratininga. Em 1560, por dificuldades de subsistência e de proteção, a Vila de Santo André foi incorporada por São Paulo de Piratininga, a partir de proposta do padre Manoel da Nóbrega ao governador-geral Mem de Sá.

A partir de então, Santo André deixou de existir na condição de unidade administrativa, passando a ser um bairro de São Paulo. A região passou por um período de estagnação, tornando-se local de passagem entre o Porto de Santos, a capital e o interior. No entanto, já em 1561, grande parte das terras foi concedida como sesmaria a Amador de Medeiros, ouvidor da Capitania de São Vicente. Boa parte dessa sesmaria foi repassada, em 1637, à Ordem de São Bento, formando-se ali a Fazenda São Bernardo, área atualmente ocupada em grande parte pelo município de São Bernardo do Campo. Outra área importante de domínio dos beneditinos era a Fazenda São Caetano, doada à Ordem em 1631, pelo capitão Duarte Machado e sua esposa Joana Sobrinha. As outras terras eram menores e foram passando por vários donos até o início do século XX, quando foram loteadas.

Nesse período, a atividade econômica ficou restrita à subsistência e à locação de pastagens para as tro-pas. As duas fazendas dos beneditinos, São Bernardo e São Caetano, tinham uma atividade mais regular: a pri-meira produzia gêneros alimentícios, e na segunda fabricavam-se tijolos e artefatos de cerâmica. Essas fazendas ficaram sob a propriedade dos beneditinos até 1870, quando foram compradas pelo Estado para a criação de colônias de imigrantes. Antes disso, porém, ao redor da Fazenda São Bernardo, foi surgindo um pequeno núcleo urbano, que mais tarde garantiria a criação do município de São Bernardo.

Um outro fator importante no contexto de modernização da região em meados do século XIX foi a instala-ção da ferrovia nas proximidades do Rio Tamanduateí. Esse empreendimento visava à melhoria do transporte de produtos agrícolas do interior para o Porto de Santos, em especial o café, que começava a ser produzido em larga escala na Província de São Paulo. Tal situação começou a atrair indústrias que se aproveitavam das facilidades de transporte, da disponibilidade de áreas próximas à linha férrea e ao rio, além dos incentivos fiscais apresentados pelo município.

O Município de São Bernardo nasceu em 1889 sob a marca da industrialização. Abrangia toda a atual região do Grande ABC e sua economia desenvolvia-se graças à mão-de-obra de imigrantes. As indústrias que se instalavam na nova cidade eram, em geral, ligadas à produção química, à têxtil e à de móveis. Além disso, foram surgindo pequenos negócios, como carpintarias, funilarias, sapatarias, barbearias, pequenas pensões e restau-rantes, que foram dando uma feição mais urbana à região. Nesse contexto, ressurge o nome Santo André, dado ao distrito criado em 1910, e que compreendia áreas próximas à Estação.

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A expansão industrial remonta ao final do século XIX e caracteriza-se, durante muito tempo, por um misto de produção industrial e artesanal. Uma das primeiras indústrias foi a Tecelagem Silva Seabra & Cia, conhecida também como Fábrica Ypiranguinha por estar sediada na região de mesmo nome. Foi inaugurada em 1885 e pro-duzia brim de algodão. Essa indústria operou até a década de 1970. Outra tecelagem instalada ainda no século XIX foi a Bergman, Kowarick & Cia., que iniciou suas atividades em 1889, e fabricava casemiras. A primeira fábrica de móveis foi a Companhia Streiff de São Bernardo, inaugurada em 1897, que produzia principalmente cadeiras.

Tecelagens menores também se instalaram no início do século XX, como a Fiação e Tecelagem Santo André (1908), a Fábrica de Tecidos de Algodão (1920), a Fábrica de Tecidos São Geraldo (1926), o Jutifício Maria Luiza Ltda. (1933), entre outras. Essas empresas eram, em sua maioria, pequenos empreendimentos gerencia-dos por seu proprietário. Todas já desapareceram, principalmente por não conseguirem se impor às inovações tecnológicas após a década de 1950. Outras, porém, fundadas nesse mesmo período. modernizaram-se, como a Companhia Chimica Rhodia S/A e a Companhia Brasileira de Seda Rhodiaseta.

Figura 8.4 Fábrica Rhodiaceta ao fundo e estrada de ferro da São Paulo Railway à frente, em 1930. A fábrica ainda ocupa essa área

Foto: Carlos Haukal. Col.: Dalvira Ribeiro CangussúAcervo: Museu de Santo André

O Distrito de Santo André abrigava, na década de 1930, várias indústrias importantes. Nele se situava a Estação de São Bernardo, por onde era transportada grande parte da produção, e tinha entre seus moradores vários políticos influentes. Tal situação levou, em 1939, à transferência da sede do Município de São Bernardo para Santo André. Toda a região do Grande ABC, composta por vários distritos, passou, então, a ser denominada por Santo André.

Na década de 1940, os distritos foram tornando-se municípios. Em 1945, foi a vez de São Bernardo do Campo; em 1949, São Caetano do Sul; e em 1953, Mauá e Ribeirão Pires. A partir de então, Santo André passou a ter uma área de 174,38 km², contando com os seguintes distritos: Sede, Capuava e Paranapiacaba.

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Na década de 1950, com os investimentos estatais e o capital estrangeiro, ocorreu um crescimento nos setores automobilístico, mecânico, metalúrgico e de material elétrico. Santo André, a partir daí, passou a abrigar várias indústrias de autopeças. A indústria foi, então, delineando um outro perfil. A mão-de-obra tornou-se mais especializada e as máquinas mais produtivas. Nesse momento, a mão-de-obra deixou de ser determinante para o aumento da produção.

Na década de 1970, houve um momento de expansão e concentração da indústria na Grande São Paulo. Foi o período denominado de “milagre econômico”. Na década seguinte, o ritmo de crescimento sofreu um de-créscimo, culminando com a recessão dos anos 80. Nos anos 90, a produção industrial continuou desacelerada, com os incentivos fiscais voltados para outras áreas do Estado de São Paulo, além das dificuldades de transporte e o custo de mão-de-obra. O ABC, em especial Santo André, perdeu várias indústrias. Hoje em dia, há um gran-de esforço do setor público e da sociedade para a manutenção das indústrias existentes. Além disso, tem-se observado um aumento de atividades nos setores de serviços e no comércio. O desafio do início deste século XXI está relacionado à criação de novas alternativas para a cidade, que vai se transformando, para que melhores condições sejam garantidas aos seus moradores.

Figura 8.5 Centro de Santo André atualmente

8.2.3 Economia

Localizado na região do ABC, o mais importante pólo da indústria de transformação do país, Santo André gerou em 2002 um PIB de R$ 7,7 bilhões. Isso o colocava, naquele ano, na 20ª posição entre os municípios com maior PIB do Brasil e na 6ª posição entre os municípios de maior PIB do Estado de São Paulo (IBGE, 2005).

Mesmo com a estagnação da indústria da região, ocorrida nos últimos anos, e apesar da perda expressiva de indústrias, o PIB de Santo André continuou a crescer. Entre 1999 e 2002, o PIB Total do município teve um acréscimo de 30% e o PIB Per Capita foi de 27%, conforme mostrado na Tabela 4.3 e na Figura 4.7.

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Por sua vez, a arrecadação de ICMS caiu 14,9% de janeiro a julho de 2005, em relação a igual período de 2004 (Observatório Econômico, 2005). E a explicação está na queda brusca de arrecadação em setores como o de comér-cio atacadista (menos 53,25%) e de revendedores de veículos (menos 55,68%). Também tiveram queda os setores de metalurgia básica não-ferrosos (menos 34,65%) e de máquinas e aparelhos elétricos (menos 35,18%). Houve, em contrapartida, arrecadação crescente em alguns setores. As indústrias de produtos químicos e de plásticos geraram mais ICMS – com expansão de 14,8% e 10,9%, respectivamente – de janeiro a julho deste ano em relação a igual período de 2004. Destaque positivo também para o setor de supermercados, cuja arrecadação cresceu 45,5%, pas-sando de R$ 19,2 milhões, de janeiro a julho de 2004, para R$ 27,9 milhões de janeiro a julho de 2005.

As maiores empresas de Santo André, segundo o VAf (Valor Adicionado Fiscal) de 2004, são: Pirelli, Bridegstone/Firestone, Solvay e Petroquímica União. A receita orçamentária da prefeitura totalizou R$ 464 mi-lhões em 2003, sendo as maiores fontes: tributos municipais com R$ 183 milhões e transferências do Estado e da União com R$ 253 milhões (GCFO/ Secretaria de Finanças da PMSA, 2005).

Tabela 8.3 Evolução do PIB de Santo André

Ano PIB PIB Per Capita

1999 5.954.254 9.191

2000 6.828.183 10.482

2001 7.378.398 11.265

2002 7.710.778 11.708

Fonte: IBGE

Figura 8.6 Evolução do PIB e do PIB per capita de Santo André

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8.2.4 População

A população atual do município é estimada em cerca de 650 mil habitantes. Entre 1960 e 1970, fase áurea do crescimento brasileiro, grande parte impulsionado pela indústria automobilística que começava a se instalar no ABC, a população nacional passou de 70 para 93 milhões, um crescimento de 33%. No mesmo período, a população do Grande ABC evoluiu de 504 mil para 989 mil habitantes, um crescimento de 96%. Já a população de Santo André, que era de 245 mil habitantes em 1960, cresceu 71%, saltando para 419 mil em 1970.

Nos anos seguintes, as taxas de crescimento do País, do Estado de São Paulo e do ABC foram paulati-namente declinando, conforme mostrado no gráfico da Figura 4.8. Em virtude da área urbanizável restrita e da redução do ritmo de crescimento econômico, as taxas de crescimento populacional de Santo André declinaram de forma mais acentuada. Os 71% observados na década de 60 passaram a 32% entre 1970 e 1980, a 12% entre 1980 e 1991 e a 5% entre 1991 e 2000. O mesmo aconteceu em relação ao crescimento populacional do Grande ABC e da RMSP, conforme mostrado no gráfico da Figura 4.9 e na Tabela 4.4.

Figura 8.7 Crescimento demográfico do Brasil, do Estado de São Paulo, da Região Metropolitana de São Paulo, do Grande ABC e de Santo André segundo os censos do IBGE

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Figura 8.8 Evolução da população do Grande ABC e de Santo André

Tabela 8.4 Área, população e taxa geral de crescimento anual dos principais municípios da Grande ABC, de São Paulo e da RMSP

MunicípiosÁrea (km²)

População Tgca (% aa)

1991 1996 2000 1996/1991 2000/1996

Diadema 32 305.287 323.116 357.064 1,14 2,53

Mauá 67 294.998 342.909 363.392 3,06 1,46

Santo André 175 616.991 625.564 649.331 0,28 0,94

São Bernardo 411 566.893 660.396 703.177 3,10 1,58

São Caetano 12 149.519 139.825 140.159 (1,33) 0,06

São Paulo 1.509 9.646.185 9.839.436 10.434.252 0,40 1,48

RMSP 8.051 15.444.941 16.583.234 17.878.703 1,43 1,90

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / CIS / SOPP / PMSA

A Figura 4.10 mostra que, a partir de um núcleo situado às margens do Rio Tamanduateí, a população foi se distribuindo, ao longo do tempo, para o restante da bacia. A ocupação das várzeas desse rio remonta ao início da urbanização do município.

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Figura 8.9 Evolução urbana e distribuição espacial da população no Município de Santo André

Na bacia da represa Billings, onde já havia Paranapiacaba, núcleo de operários da Ferrovia Santos-Jundiaí, instalado ainda no século XIX, a partir de 1945 começam a surgir novos assentamentos. Embora ainda hoje espar-sos, esses assentamentos constituem uma preocupação para a Administração Pública por se tratarem de áreas de mananciais e de preservação ambiental.

A Tabela 4.5 mostra o quadro da distribuição territorial da população do município de Santo André no ano 2000, destacando-se que, dos 649 mil habitantes, 618 mil viviam na área urbana da bacia do Rio Tamanduateí.

Tabela 8.5 Distribuição territorial da população de Santo André

ZonaÁrea Total

(km²)População

TotalDomicílios

Ocupação Média (hab./dom.)

Densidade Média(hab. / km2)

Urbana 66,45 618.176 178.460 3,46 9.302,87

Mananciais 96,14 31.111 6.987 4,45 323,60

Vertente do Rio Mogi 11,79 44 14 3,14 3,73

Total 174,38 649.331 185.461 3,50 3.723,66

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 / CIS / SOPP / PMSA

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8.2.5 Regime hidrológico

Na bacia do Rio Tamanduateí, onde se concentra a ocupação urbana, a precipitação média anual é de 1.400 mm (posto E3-029 - Utinga, com observações de 38 anos). Já a área do município situada na bacia do Rio Moji recebe um dos maiores índices pluviométricos de todo o território nacional, com uma média anual de 3.150 mm (posto E3-037, em Paranapiacaba, com 63 anos de observação).

As dez maiores precipitações diárias registradas pela estação E3-029 são apresentadas na Tabela 8.6.

Tabela 8.6 As dez maiores precipitações em Santo André, entre 1956 e 1993

Ordem Data Precipitação (mm)

1 7/mar/66 134,0

2 2/mar/60 133,0

3 18/dez/60 126,0

4 23/jan/87 119,9

5 2/fev/83 116,1

6 20/mar/91 111,3

7 19/jan/77 105,0

8 16/fev/62 104,0

9 20/jan/68 102,5

10 4/abr/84 98,1

Fonte: SIGRH/SP

Figura 8.10 Precipitações médias mensais em Santo André, bacia do rio Tamanduateí

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8.3 Planos regionais

Como destacado na introdução deste capítulo, Santo André situa-se em uma região que, talvez por ser a mais populosa e rica do Brasil, é repleta de planos. Infelizmente poucos desses planos têm sido seguidos à risca. A carência de recursos geralmente é apontada como o principal motivo desse abandono. O resultado é que as ad-versidades decorrentes da falta de planejamento ampliam os problemas da região, notadamente aqueles relativos à gestão das águas. Na tentativa de corrigir o rumo perdido, novos planos são desenvolvidos, gerando propostas cada vez mais onerosas que, por sua vez, também não são implementadas por falta de recursos. Instala-se então um círculo vicioso extremamente prejudicial à recuperação dos recursos hídricos: as soluções não são implan-tadas porque são consideradas muito caras; mas os problemas decorrentes dessa postura são ainda mais caros para a sociedade e para o poder público.

Pode-se citar como exemplo o Plano de Controle de Inundações do Vale do Anhangabaú (Consórcio JMR/Hidrostudio e PMSP, 2003), na cidade vizinha de São Paulo. As inundações nesse local custam, ao município e à sociedade, R$ 6 milhões por ano, a preços de 2003. Os estudos de viabilidade comprovaram, entretanto, que, com R$ 3,5 milhões por ano, o problema pode ser resolvido. Portanto, para solucionar o problema, seriam neces-sários 44% dos recursos efetivamente gastos para conviver com o mesmo problema.

Entre os planos relacionados ao tema destacam-se o Plano da Bacia do Alto Tietê e o Plano Diretor de Drenagem da Bacia do Alto Tietê, dos quais foram extraídas as informações apresentadas em seqüência.

8.3.1 Plano da bacia do Alto Tietê

Desenvolvido pela Fundação Universidade de São Paulo para o Comitê da Bacia do Alto Tietê em outubro de 2000, o Plano da Bacia do Alto Tietê apresenta um diagnóstico completo da bacia, propondo um programa de investimentos com base nos outros planos setoriais. O Plano de Bacia sintetiza, organiza e propõe a integração desses planos, associando-os a um sistema de gestão condizente com a realidade da bacia.

As grandes medidas estruturais que o Plano propõe são compostas principalmente pelos planos setoriais já em andamento, que englobam:

• o prosseguimento da implantação das obras previstas pelo Plano Diretor de Esgotos da Sabesp;• as ampliações já previstas dos sistemas de abastecimento de água, principalmente com a conclusão do

Sistema Alto Tietê;• as obras previstas no Plano de Macrodrenagem para a ampliação da capacidade de escoamento e de

detenção na Bacia.As medidas de caráter institucional e legal referem-se à efetiva implantação da gestão integrada na Bacia

do Alto Tietê. Contemplam, entre outras propostas, a implementação de um sistema de adesão negociada e gradativa às metas do Plano de Bacia, com incentivos financeiros aos municípios que se mantiverem dentro de padrões de conformidade.

O Plano propõe também medidas de apoio ao processo de decisão do Comitê de Bacia, destacando-se: investimento em sistemas de informação, capacitação de recursos humanos, programas de comunicação social e de estímulo à participação pública.

O programa de investimentos do Plano de Bacia previa o aporte de R$ 5,3 bilhões para a implementação das medidas propostas, quantia que, no ano 2000, correspondia a 2,7% da soma dos PIBs dos municípios da Bacia do Alto Tietê, daquele mesmo ano. Desse total, o Plano previa ainda que R$ 1,49 bilhões seriam aplicados

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entre 2000 e 2003, o que corresponderia a 0,17% do PIB dos mesmos municípios no período.Dos valores previstos, 97,2% seriam aplicados em serviços e obras. Apenas 2,8% no desenvolvimento ins-

titucional, planejamento e gestão. Um novo relatório de situação do Plano de Bacia está em fase de contratação. Mas, de antemão, sabe-se que, mesmo representando uma parcela pequena do PIB regional, apenas uma parte dos recursos previstos foi de fato aplicada.

8.3.2 Plano Diretor de macrodrenagem da bacia do Alto Tietê

A equipe italiana da Hydroaid, ao analisar o PDMAT, verificou que o plano não apresenta soluções alterna-tivas. Verificou também que a maioria dos reservatórios projetados não é esgotada por gravidade, exigindo a ins-talação e a operação de sistemas de bombeamento, e que as propostas se concentram em soluções estruturais, deixando em segundo plano as ações não-estruturais, que além de mais econômicas, poderiam ser implantadas de imediato.

Figura 8.11 Reservatórios de amortecimento de cheias conforme o Plano Diretor de Drenagem da Bacia do Alto Tietê (CANHOLI, 2003)

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Embora limitado, o Plano Diretor de Macrodrenagem pode ser considerado uma evolução em relação às soluções tradicionais adotadas na maioria das cidades brasileiras e que ainda privilegiam a aceleração do escoamento. A tabela 8.7 resume a evolução dos conceitos de drenagem urbana na Região Metropolitana de São Paulo.

8.4 Planos municipais

Os planos municipais que tratam da questão do saneamento ambiental em Santo André são os seguintes:• plano Diretor do município (Lei n° 8.696, 2004);• plano Diretor de Abastecimento de Água (Consórcio JNS/Hagaplan, 1991);• plano Diretor de Esgoto (Coplasa, 1996);• plano Diretor de Drenagem (Coplaenge, 1998);• plano Diretor de Resíduos Sólidos (Semasa, em elaboração).Entre esses planos, destacam-se o Plano Diretor do município e o Plano de Drenagem por seus aspectos

inovadores em relação ao tratamento que dão às questões da água em âmbito municipal. Esses aspectos são destacados nos itens seguintes.

Tabela 8.7 Evolução dos conceitos de drenagem urbana na RMSP (adaptado de CANHOLI, 2003)

Período Planejamento Descrição

Até 1994 Canalização principalmente fechada -Visão higienista

Após 1994 Retenção Reservatório do Pacaembu- Visão conservadora

1994-1998 Integrado Retenção e canalização, Reservatórios Cabuçu de Baixo, Água Espraiada e Alto Aricanduva (PMSP), Reservatórios Tamanduateí e Pirajussara (DAEE)

1998 Integrado Planos Diretores de Macrodrenagem: Bacia do Alto Tietê e de Santo André

2002 Integrado Alargamento e redução das velocidades de escoamento do Aricanduva (PMSP)Ampliação dos Sistemas de Alerta (PMSP/FCTH)

2003 Integrado Requalificação de fundos de vale da Bacia do Aricanduva (PMSP/SVMA)Redução das vias de Fundo de Vale (Programa Drenus)

Futuro Integrado Aperfeiçoamento dos controles de quantidade - Controle da qualidade da água - Parques Lineares - WetlandsOperação em tempo real - MonitoramentoÊnfase nas medidas não-estruturais

8.4.1 Plano Diretor do município

O Plano Diretor do município de Santo André foi promulgado pela Lei n° 8.696, de 17 de dezembro de 2004. De forma inédita, essa Lei reserva um capítulo especial para a questão do saneamento integrado do município.

No seu artigo 15, a Lei estabelece que: “a política de saneamento ambiental integrado tem como objetivo manter o meio ambiente equilibrado, alcançando níveis crescentes de salubridade, por meio da gestão ambiental,

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do abastecimento de água potável, da coleta e do tratamento do esgoto sanitário, da drenagem das águas pluviais, do manejo dos resíduos sólidos e do reúso das águas, promovendo a sustentabilidade ambiental do uso e da ocupação do solo”.

Destaca que, entre os objetivos da política de saneamento ambiental integrado, o poder público deve “assegurar sistema de drenagem pluvial, por meio de sistemas físicos naturais e construídos, o escoamento das águas pluviais em toda a área ocupada do município, de modo a propiciar a recarga dos aqüíferos, a segurança e o conforto aos seus habitantes”.

Segundo a Lei, a política de saneamento ambiental integrado deverá ainda:a) garantir serviços de saneamento ambiental a todo o território municipal;b) ampliar as medidas de saneamento básico para as áreas deficitárias, por meio da complementação

e/ou ativação das redes coletoras de esgoto e de água;c) investir prioritariamente no serviço de esgotamento sanitário que impeça qualquer contato direto no

meio onde se permaneça ou se transita;d) complementar a rede coletora de águas pluviais e do sistema de drenagem nas áreas urbanizadas do

território, de modo a minimizar a ocorrência de alagamentos;e) Elaborar e implementar sistema de gestão de resíduos sólidos, garantindo a ampliação da coleta

seletiva de lixo e da reciclagem, bem como a redução da geração de resíduos sólidos;f) assegurar à população do município oferta domiciliar de água para consumo residencial e outros usos,

em quantidade suficiente para atender às necessidades básicas e de qualidade compatível com os padrões de potabilidade;

g) assegurar sistema de drenagem pluvial, por meio de sistemas físicos naturais e construídos, o esco-amento das águas pluviais em toda a área ocupada do município, de modo a propiciar a recarga dos aqüíferos, a segurança e o conforto aos seus habitantes;

h) promover a educação ambiental como instrumento para sustentação das políticas públicas ambien-tais, buscando a articulação com as demais políticas setoriais;

i) promover a qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais, por meio do planejamento e do controle ambiental;

j) garantir a preservação da Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais, dos remanescentes de Mata Atlântica e das unidades de conservação;

k) promover a recuperação ambiental, revertendo os processos de degradação das condições físicas, químicas e biológicas do ambiente;

l) promover o manejo da vegetação urbana de forma a garantir a proteção das áreas de interesse am-biental e a diversidade biológica natural;

m) implementar programas de reabilitação das áreas de risco;n) considerar a paisagem urbana e os elementos naturais como referências para a estruturação do

território;o) incorporar às políticas setoriais o conceito da sustentabilidade e as abordagens ambientais;p) implementar o Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer.Nos artigos 17 e 18, a Lei estabelece que, ”para se alcançar o objetivo de promoção do Saneamento

Ambiental Integrado, deve ser elaborado Plano de Gestão e Saneamento Ambiental - Plagesan, como instrumen-to da gestão do saneamento ambiental”.

“O Plagesan deverá conter, no mínimo”:a) Diagnóstico socioambiental que caracterize e avalie a situação de salubridade ambiental no municí-

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pio, por meio de indicadores sanitários, epidemiológicos e ambientais;b) Metas e diretrizes gerais da política de saneamento ambiental, com base na compatibilização, na

integração e na coordenação dos planos setoriais de água, esgoto, drenagem, resíduos sólidos, con-trole de riscos ambientais e gestão ambiental;

c) Definição dos recursos financeiros necessários à implementação da política de saneamento ambien-tal, bem como das fontes de financiamento e das formas de aplicação;

d) Caracterização e quantificação dos recursos humanos, materiais, tecnológicos, institucionais e ad-ministrativos necessários à execução das ações propostas;

e) Regulação dos instrumentos de planejamento e controle ambiental;f) Programa de investimento em obras e outras medidas relativas à utilização, à recuperação, à conser-

vação e à proteção do sistema de saneamento ambiental;g) Regulamentação do Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer, com disposições sobre: . a hierarquização das áreas verdes destinadas à preservação e ao lazer; . os critérios de provisão e distribuição das áreas verdes e de lazer; . o tratamento paisagístico a ser conferido às unidades do sistema, de forma a lhes garantir multifun-

cionalidade e atender às demandas por gênero, idade e condição física; . os critérios para definição da vegetação a ser empregada no paisagismo urbano, garantindo sua

diversificação.Finalmente, sobre o controle do escoamento pluvial, a Lei considera a taxa de permeabilidade (relação

entre a área permeável e a área do lote) como um dos parâmetros urbanísticos reguladores da ocupação do solo. Essa taxa varia de 15% a 20%, dependendo da zona em que o lote está situado.

8.4.2 Plano Diretor de Esgoto Sanitário

O Plano Diretor de Esgoto Sanitário do município de Santo André foi concluído no ano de 1997. Foi ela-borado para o Semasa pela empresa Coplasa, tendo como horizonte o ano 2015.

Parte das informações utilizadas na sua elaboração teve como origem o Plano Diretor de Abastecimento de Água, de 1990, que, por sua vez, havia utilizado alguns dados populacionais desatualizados. O enfoque do en-caminhamento para tratamento dos esgotos também foi alterado, por conta de algumas mudanças promovidas pelo Semasa e pela Sabesp.

O Plano divide o município em 5 bacias de esgotamento e em 61 setores sanitários, a saber:• Alto Tamanduateí com 29 setores sanitários;• Zona Expansão Urbana com 8 setores sanitários;• Tamanduateí com 15 setores sanitários;• Oratório com 9 setores sanitários;• Meninos com 5 setores sanitários.Desde o término do Plano Diretor de Esgotos Sanitários, ocorreram mudanças no município, que tornam

necessária uma atualização. A mudança mais importante é que hoje o Semasa adota o conceito de Saneamento Ambiental Integrado, que preconiza ações que o Plano Diretor não previu.

A atualização do Plano, portanto, deverá contemplar a nova realidade advinda principalmente das di-retrizes do Plano Diretor do município e dos Planos Diretores de Drenagem, além das novas proposições da Sabesp para a região.

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8.4.3 Plano Diretor de Drenagem

O Plano Diretor de Drenagem do Município de Santo André foi elaborado pela Coplaenge, para a Semasa, em 1998. O principal objetivo do Plano foi fornecer elementos para o balizamento, o controle e o planejamento da expansão urbana e priorizar as intervenções municipais, com a definição de medidas a serem tomadas para mitigação das inundações que ocorrem no município.

As medidas mitigadoras foram elaboradas para conciliar as funções que os dispositivos naturais de uma bacia têm no ciclo hidrológico com as necessidades de expansão urbana. Nesse sentido, o Plano procura contri-buir para preservar a capacidade de transporte e armazenamento dos canais, a capacidade de retenção das de-pressões, a permeabilidade do solo e a cobertura vegetal, mantendo suas características de infiltração e retenção e o armazenamento das várzeas.

O aspecto mais inovador do Plano é o fato de ter sido elaborado por uma cidade das dimensões de Santo André, caso raro no Brasil. O Plano compreende basicamente um diagnóstico da situação atual e proposições de medidas de controle.

O Plano apresenta o estudo das medidas a serem tomadas para a redução dos riscos de inundação pro-vocadas pelos rios da área urbana, considerando soluções que resultassem em uma relação custo x benefício (econômico e social) otimizado. Na primeira parte do Plano, são apresentadas as informações coletadas de uma forma sistematizada e consolidada. Com essa base de dados, foi elaborado o diagnóstico da situação existente.

A base de dados compreendeu o diagnóstico dos sistemas de drenagem, as informações sobre o quadro institucional existente, o Plano Diretor da Cidade, as características das áreas de preservação existentes e as medidas não-estruturais previstas nos estudos do DAEE, para a região do Alto Tamanduateí.

O diagnóstico identificou pontos críticos de inundação, pontos com macro e microdrenagem insuficien-tes, áreas baixas com problemas de inundação e problemas de saúde pública associados a inundações. Para os pontos mais críticos identificados, foram propostas medidas de curto prazo.

As principais atividades desenvolvidas no Plano foram:a) identificação da situação hidrológica da rede hidrográfica onde são calculados os hidrogramas de

cheia, sua propagação e sua composição. b) diagnóstico da situação atual e propostas de medidas de controle, compreendendo: . plantas-base e cadastros existentes – Semasa; . levantamentos topográficos; . levantamento das áreas inundáveis; . estudos hidrológicos; . apanhado dos estudos e dos projetos existentes com destaque para o Plano Diretor de Drenagem para

a Bacia Hidrográfica do Alto Tamanduateí (DAEE, 1979) e para o Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê.

c) diagnóstico que abrangeu: . elaboração de estudos hidrológicos, com simulações efetuadas com o modelo Multirouth; . cálculo das capacidades de vazão da macrodrenagem existente; . comparação das capacidades com as demandas (para os períodos de retorno de 2, 10 e 25 anos); . análise das informações que constam do levantamento de áreas inundáveis.Com base nas vazões de cheias com tempos de retorno de 2, 10, 25, 50 anos comparadas com as capaci-

dades de vazão de cada curso de água, foram definidas as intervenções propostas, que incluíram: ampliações de

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seção ou substituição dos grandes coletores (galerias), construção de reservatórios de amortecimento de cheias, leitos artificiais, elevação das vigas das pontes, entre outras propostas. Para todas essas intervenções, foi calcu-lado o custo e foi realizada uma pesquisa de custos/benefícios.

As principais Medidas Estruturais propostas no Plano Diretor de Drenagem foram:a) modificações nos canais ou execução de galerias;b) armazenamento ou desvio das águas a montante da região sujeita a inundações;c) diques e muros;d) alteração ou reposição de pontilhões e bueiros;e) bacias de detenção e retenção;f) sistemas de infiltração.As principais Medidas Não-Estruturais propostas foram:a) preservação da várzea;b) controle do uso do solo em bacia hidrográfica;c) seguro-inundação;d) dispositivos individuais de combate a inundação; e) relocação ou demolição de estruturas;f) tratamento de encostas e áreas baixas.g) programa de manutenção e inspeção;h) manual de drenagem;i) educação ambiental.O Plano propõe ainda um Plano de Ação de Emergência com os seguintes componentes:a) preparação anterior à inundação;b) monitoramento e alerta;c) combate a enchentes;d) limpeza após a cheia.

Para a elaboração do Plano Diretor de Drenagem, a Semasa investiu cerca de R$ 1 milhão. O custo total das obras previstas no Plano foi avaliado em R$ 100 milhões. Desse total, a Semasa já investiu aproximadamente R$ 60 milhões, 60% do valor total previsto.

Como o Plano foi concluído há mais de cinco anos, é preciso atualizá-lo para atender às novas demandas que surgiram desde então. Entre essas demandas, destacam-se:

• a expansão urbana que está se desenvolvendo em áreas que não foram consideradas no PDD;• a necessidade de intervenções em Áreas de Mananciais para que seja atendida a legislação ambiental

federal;• reavaliar intervenções que têm rebatimento com medidas propostas pelo Estado através do DAEE -

Departamento de Águas e Energia Elétrica;• estudar medidas não estruturais para que sejam incorporadas na legislação municipal.Várias das obras previstas já foram executadas, destacando-se as seguintes:• obras de Canalização e Microdrenagem no Centro, Bacia dos Córregos Carapetuba e Cemitério;• canalização do Córrego Comprido (entre a Av. Antônio Cardoso e a Rua Paulina Isabel de Queiroz);• canalização do Córrego Apiaí;• canalização do Córrego na Av. Industrial (entre a Rua Caneleiras e a Padre Vieira);

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• obras de drenagem no Bairro Santa Terezinha;• prolongamento da Marginal Guarará, com a canalização do córrego (entre a Av. São Bernardo e a Estrada

do Pedroso);• obras de drenagem no Bairro Casa Branca;• reservatório de amortecimento da Vila América e obras de drenagem no Bairro;• canalização do córrego da Rua Alemanha;

• obras na Vila Pires (Drenagem e Reservatórios de Retenção), com revestimento das paredes do Córrego Guarará;

• obras de drenagem no bairro Assunção (Ruas Peru, Belém e proximidades).

8.5 Situação atual

8.5.1 Esgotos sanitários

O sistema de esgotos sanitários de Santo André apresenta os seguintes índices:• Atendimento por rede coletora de esgoto: 95% da população. O esgotamento das áreas urbanas conso-

lidadas é realizado por meio de rede convencional. Nas áreas de submoradias e nas áreas de proteção ambiental onde a densidade demográfica é baixa, são utilizadas soluções individualizadas;

• Esgoto tratado: 30%, sendo que 70% são lançados diretamente no sistema de drenagem. A meta da Semasa é que, até 2008, 70% do esgoto coletado seja enviado à ETE;

• Extensão da rede coletora: 1.050 km;• Quantidade de ligações: 157.578;• Economias atendidas: 246.805 economias;• Quantidade de estações elevatórias: 5 elevatórias.A rede coletora está sob a responsabilidade do Semasa. Os coletores-tronco, interceptores (nas margens

dos cursos de água), bem como sua conexão com a rede coletora, são de competência da Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

A estação de tratamento que atende à área urbana de Santo André situada na bacia do Rio Tamanduateí é a ETE ABC, também construída e operada pela Sabesp. Segundo o Plano da Bacia do Alto Tietê, o início da im-plantação da ETE ABC ocorreu em 1978, a partir dos parâmetros básicos estabelecidos no Plano Diretor Sanegran e dos projetos elaborados pela Hidroservice Engenharia Ltda. A instalação foi inicialmente modulada na vazão de 6,0 m³/s para um total de 2,5 módulos, correspondentes a 15,0 m³/s.

Com a revisão do Plano Diretor de Esgotos da RMSP, elaborado pelo Consórcio Engiesan, em 1985, a ca-pacidade final da estação foi reduzida de 15,0 m³/s para 8,5 m³/s. Essa nova capacidade seria alcançada a partir de um único módulo de 6,0 m³/s, com suas unidades de tratamento redimensionadas, permitindo o tratamento de 8,5 m³/s, sem prejuízo da eficiência inicial prevista.

A revisão do Plano Diretor de Esgotos definiu como meta inicial o tratamento de 3,0 m³/s. Essa vazão seria atingida com a operação de meio módulo, com ociosidade na capacidade de tratamento de algumas unidades.

A ETE ABC situa-se no município de São Paulo, na margem esquerda do Ribeirão dos Meninos, em terreno lo-calizado no cruzamento da Av. Delamare com a Av. Guido Aliberti, distante cerca de 2 km da confluência desse curso de água com o Rio Tamanduateí. Os esgotos das Cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema e Mauá, acrescidos de parte dos esgotos da Cidade de São Paulo, são tratados nessa estação.

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Os esgotos chegam à ETE ABC através do Interceptor Meninos (IM1) e do Emissário ABC (EM-3), e a ela são conduzidos através da Estação elevatória final, após gradeamento grosseiro.

As vazões previstas são as seguintes:• primeira etapa: 3,14 m3/s, sendo 1,14 m3/s da Bacia Meninos, e 2,00 m3/s da Bacia do Tamanduateí;• segunda etapa: 8,61 m3/s, sendo 4,04 m3/s da Bacia Meninos, e 4,57 m3/s da Bacia do Tamanduateí. O processo de tratamento é o de lodos ativados convencional com eficiência nominal de 90% de

remoção de DBO e sólidos em suspensão.

8.5.2 Abastecimento de água

Da água que abastece Santo André, 95% é adquirida da Sabesp e 5% é produzida pelo Semasa, res-ponsável pela distribuição em todo o município. O Sistema Produtor Rio Claro fornece 70% da demanda, e os outros 60% são fornecidos pelo Sistema Produtor Rio Grande.

O sistema de água apresenta os seguintes índices:• sistemas produtores: . Rio Claro, da Sabesp, responsável por 70% da produção (118.000 m3/dia), . Rio Grande, da Sabesp, responsável por 25% da produção (42.000 m3/dia), . Pedroso, do Semasa, responsável por 5% da produção (8.000 m3/dia);• atendimento: 98% da população é atendida pela rede de distribuição. Os 2% restantes residem fora

da área urbana, em habitações subnormais, ou vivem nas áreas de proteção ambiental. O abaste-cimento dessa população é feito por carros-pipa, de modo que 100% da população recebe água potável do Semasa;

• volume fornecido: 57 milhões de m3;• índice médio de perdas: 28%;• extensão da rede de distribuição: 1.750 km;• quantidade de ligações: 163.000;• economias atendidas: 254.000;• 22 centros de reservação telemetrizados e telecomandados;• volume reservado: 102.900 m³;• água de reúso: 1.800 m³/mês;• extensão executada: 1.200 m/mês.

8.5.3 Resíduos sólidos

O sistema de resíduos sólidos operado pelo Semasa apresenta os seguintes índices:• 100% da população atendida por coleta de lixo;• 240.000 t/ano de resíduo coletado; • 2.400 t/ano de material comercializado;• 100% da varrição e de limpeza manual em vias pavimentadas.

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8.5.4 Manejo das águas pluviais

Sistema de drenagemO sistema de drenagem de Santo André, também operado pelo Semasa, possui as seguintes caracterís-

ticas básicas:• Extensão da rede de microdrenagem: 302 km, com 42 mil bocas-de-lobo e bocas-de-leão;• 60 km de córregos não-canalizados;• 49 km de córregos canalizados;• Reservatórios de amortecimento da rede de macrodrenagem: . estão previstos 28 reservatórios de amortecimento na rede de macrodrenagem, . quatro reservatórios já foram construídos, . dois reservatórios estão em construção, . dois reservatórios já têm projetos executivos, . o custo dos reservatórios varia entre R$ 250,00 e R$ 1.000,00 por m3;• Reservatórios de amortecimento da rede de microdrenagem: . estão previstos 10 reservatórios a serem construídos na rede de microdrenagem, sob as vias públicas,

no Bairro de Vila Pires, . o volume total desses reservatórios é de 10.000 m3.

Poluição hídricaConforme já mencionado, praticamente toda a área urbanizada de Santo André é atendida por rede de

coletoras de esgoto, mas a maior parte dessa rede deságua no sistema de drenagem. Por esse motivo, a qualidade da água dos rios urbanos é tida com péssima.

A Figura 8.13 apresenta a situação dos rios e dos reservatórios da região de Santo André quanto aos res-pectivos Índices de Qualidade da Água, apurados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), conforme apresentados no Plano da Bacia do Alto Tietê. Embora os dados sejam antigos, nenhuma ação foi implantada desde então, que pudesse melhorar esses índices.

A poluição dos rios e dos córregos não afeta apenas as águas superficiais. É importante observar que as águas poluídas também podem contaminar o aqüífero subterrâneo. Em 2000, havia somente 12 poços cadastra-dos em Santo André segundo o Plano da Bacia do Alto Tietê (FUSP, 2000). Embora esse número possa ser maior, pois existem muitos poços não-registrados na RMSP, o uso de água subterrânea não é extensivo em Santo André. Entretanto, estatísticas recentes mostram que a o abastecimento por poços tem aumentado significativamente, dado o custo da água canalizada, principalmente pela demanda de estabelecimentos industriais e comerciais. Por outro lado, a Figura 4.14 mostra que a vulnerabilidade hidrogeológica na área urbana de Santo André varia de média/alta a alta. Portanto, essa questão também deve ser considerada ao se planejar o controle de poluição hídrica.

Atualmente, para reduzir esses problemas, estão em processo de execução, por parte da Sabesp - coleto-res-tonco ao longo dos principais cursos de água, que conduzirão os esgotos até estação ABC.

Um outro ponto negativo resulta do fato de que as populações ribeirinhas freqüentemente despejam as águas servidas na rede de águas pluviais que confluem diretamente nos cursos de água; não há previsão de interceptação desses coletores e, portanto, permanece o perigo de que os cursos de água continuem poluídos, mesmo em menor grau, após a execução dos coletores-tronco.

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Figura 8.12 Índice de Qualidade das Águas (IQA) na região de Santo André Plano de Bacia do Alto Tietê, FUSP, 2000

Também é preciso destacar que os projetos existentes ainda não levam em consideração o problema da poluição pelas águas das primeiras chuvas (first flush). Conseqüentemente, permanece elevado o risco de polui-ção dos cursos de água causada pelas substâncias erosivas das primeiras precipitações urbanas, em particular nas zonas onde o tráfego automobilístico é particularmente intenso. Contribuem bastante para o aumento desse problema as zonas que acolhem atividades comerciais e industriais e que, em Santo André, desenvolvem-se principalmente em torno do Rio Tamanduateí.

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Figura 8.13 Vulnerabilidade hidrogeológica da região de Santo André Plano da Bacia do Alto Tietê, FUSP, 2000

Cheias naturais provenientes de montanteEsse tipo de cheia não é particularmente prejudicial ao território de Santo André. As cheias mais importan-

tes provinham do município de Mauá, pelo Rio Tamanduateí. Com a construção de três reservatórios de retenção em Mauá, essa situação foi sensivelmente melhorada.

As cheias do Ribeirão Oratório e do Ribeirão dos Meninos, que também nascem em municípios vizinhos, também não são preocupantes. Porém, também nesses rios, está prevista a construção de reservatórios de amor-tecimento.

Cheias urbanasAs cheias urbanas são aquelas que derivam essencialmente da transformação e da ocupação do solo.

Sua principal origem está no crescimento rápido e desordenado das áreas urbanizadas. A impermeabilização do solo, a construção de galerias e a canalização de córregos aumentam os volumes escoados e acelera as ondas de cheias, provocando inundações a jusante.

As cheias urbanas são ainda agravadas pelos processos erosivos, acelerados por movimentos de terra

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não-mitigados e pela ocupação desordenada. Estes processos aumentam o aporte de sedimentos que assoreiam os corpos hídricos, reduzindo sua seção de escoamento.

Em 1988, foram identificados 70 pontos críticos de inundação na região urbana de Santo André. Já em 2005, foram identificados 44 pontos críticos. Esses números sugerem que as medidas de controle implantadas nesse período, notadamente os reservatórios de amortecimento, reduziram o número de áreas sujeitas à inunda-ção em 37%. Entretanto, é preciso averiguar a intensidade dos eventos pluviométricos ocorridos na época dessas contagens.

A Figura 8.15 mostra as principais áreas de inundação da região urbana de Santo André, no período de 1994 a 1998.

Figura 8.14 Pontos críticos de inundação na área urbana de Santo André

População afetada pelas inundaçõesDos 650 mil habitantes de Santo André, 30 mil a 40 mil (5% a 6%) habitantes residem em áreas de risco de

inundação. Perdas e danos provocados pelas cheias afetam diretamente 2 mil a 3 mil habitantes.

Instabilidade das encostasComo já mencionado, a orografia do território urbano de Santo André é bastante movimentada e é cons-

tituída por colinas de modesta altitude e por depressões, enquanto as zonas periféricas, onde está a maior parte das favelas, apresenta relevos e depressões muito mais acentuados.

Essa situação contribui para a instabilidade das encostas e dos morros, aumentando o risco das moradias subnormais e da erosão do solo. Além disso, como esse problema acontece principalmente nas cabeceiras dos

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córregos que atravessam as áreas urbanas, a instabilidade das encostas afeta também as zonas regularmente ur-banizadas, tanto pelo assoreamento da rede de drenagem, que acaba aumentando a freqüência das inundações, quanto pelo transporte de material sólido que deteriora a qualidade das águas.

Ressalte-se que, no município de Santo André, há 139 favelas, onde habitam cerca de 27 mil famílias, que representam aproximadamente 120 mil habitantes, ou 18% da população municipal. Trata-se de uma questão de grande relevância que envolve não somente aspectos de engenharia como também questões socioeconômicas.

Efeitos da urbanizaçãoOs gráficos das figuras 8.16 e 8.17 sugerem que, mesmo não havendo alterações significativas nas inten-

sidades das precipitações nos últimos anos, as vazões máximas do Rio Tamanduateí têm aumentado em propor-ções elevadas. Os registros do posto fluviométrico 3E-076 mostram um incremento médio de 3,4 m3/s.ano nas vazões máximas, ou 37 m3/s no período observado de 11 anos. Os dados levam a concluir que a impermeabiliza-ção do solo aliada às obras de canalização das águas pluviais têm produzido o aumento considerável das vazões escoadas. Nesse mesmo período, a densidade demográfica na área urbana de Santo André saltou de 60 para 80 habitantes por hectare.

Figura 8.15 Chuvas diárias máximas na bacia do Rio Tamanduateí em Santo André Posto E3-029, Utinga

Os dados disponíveis no SIGRH/SP, entretanto, não abrangem os períodos posteriores à implantação dos reservatórios de amortecimento. A avaliação das medições efetuadas após essas obras seria importante para avaliar seu efeito mitigador e iniciar um processo de monitoramento do desempenho dos reservatórios implantados.

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Figura 8.16 Vazões máximas no Rio Tamanduateí, a jusante de Santo André (Posto 3E-076, Mooca)

8.5.5 Quadro institucional

O Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André - Semasa, foi criado em novembro de 1969 como resultado da modernização do antigo Departamento de Água e Esgoto (DAE), órgão de administração dire-ta da prefeitura. A criação do Semasa teve como objetivo fortalecer e instrumentalizar a administração municipal a partir de uma organização ágil e independente para executar as melhorias que a cidade necessitava. Nesse período, todo o País passava por um momento de grande expansão dos centros urbanos, e os serviços de sane-amento deveriam acompanhar esse crescimento. Mas muitos municípios não conseguiram enfrentar esse desafio e, alegando falta de recursos, entregaram a operação de seus serviços de saneamento a companhias estaduais, criadas nos anos 70, a partir do Plano Nacional de Saneamento, o Planasa.

Santo André resistiu a essa centralização, e o Semasa continuou existindo e até mesmo ampliado suas redes, atingindo índices de cobertura muito acima da média da maioria das cidades brasileiras.

O Semasa, portanto, segue um modelo pioneiro de saneamento ambiental integrado, no qual a oferta de água, a coleta de esgoto, a drenagem urbana, a gestão dos resíduos sólidos, a gestão ambiental e a gestão de riscos ambientais, por intermédio da defesa civil, estão integradas (Figura 8.18).

Hoje, o Semasa arrecada R$ 150 milhões anuais para atender a todas as áreas em que atua (água, esgoto, drenagem, resíduos sólidos, gestão ambiental e defesa civil).

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Figura 8.17 Sistema de gestão integrada em Santo André: fases de implantação e transferência dos serviços de saneamento ambiental à Semasa

8.5.6 Cobrança pela drenagem

A cobrança pelos serviços de drenagem foi instituída pela Lei Municipal n° 7.606, de 23 de dezembro de 1997. No seu artigo 2º, a Lei justifica a criação da taxa de drenagem da seguinte forma: “A taxa de drenagem é devida em razão da utilização efetiva ou da possibilidade de utilização, pelo usuário, dos serviços públicos de drenagem de águas pluviais, decorrentes da operação e manutenção dos sistemas de micro e macrodrenagem existentes no município”.

A taxa de drenagem é cobrada na Conta de Saneamento Ambiental de todos os imóveis, conforme exem-plo da Figura 8.19. O montante é definido em função da área coberta do imóvel. Os valores cobrados são:

• valor mínimo: R$ 0,56 por mês;• valores médios: R$ 2,00 a R$ 3,00 por mês.Com a cobrança da drenagem, o Semasa arrecada cerca de R$ 6 milhões por ano, o que é suficiente para

cobrir 50% dos gastos de manutenção da rede. Hoje, o nível de aceitação da população é alto em que pese ter havido alguma resistência inicial. Porém, o índice de inadimplência é de cerca de 20%. Todavia, se comparado à inadimplência em relação às contas de saneamento em outros municípios, esse índice é bastante razoável.

No exemplo da Figura 8.19, para uma conta total de R$ 27,39, a taxa de drenagem cobrada foi de R$ 2,59,

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correspondente a 9,5% do total da conta. No mesmo exemplo, em que o imóvel consumiu 23 m3 de água, a taxa de drenagem corresponde a 38% do valor cobrado pelos serviços de esgotos.

Note-se que na conta não é demonstrado o cálculo da taxa de drenagem que, segundo a lei, é proporcio-nal à área coberta da edificação. Esse demonstrativo seria importante não só para que o consumidor saiba com mais precisão o que está pagando, como também para incentivar a desimpermeabilização. Essa medida poderia inclusive reduzir o carregamento das redes de drenagem, reduzindo também os custos de manutenção e os in-vestimentos necessários a sua ampliação.

Figura 8.18 Exemplo de conta de saneamento ambiental emitida pelo Semasa com destaque à taxa de drenagem

8.6 Investimentos previstos

Neste item (tabelas 8.8 e 8.9), é feita uma comparação entre os investimentos em drenagem, programados pelo Semasa, com o Produto Interno Bruto projetado para Santo André.

A projeção do PIB foi feita para os anos 2003 a 2009, com base nos PIBs calculados pelo IBGE no período de 1999 a 2002. A projeção foi bastante conservativa, adotando-se taxas decrescentes, seguindo a tendência dos últimos anos.

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Os valores dos investimentos foram fornecidos pela Semasa. Esses investimentos equivalem a R$ 11,6 mi-lhões anuais em média. Podem parecer altos se forem analisados os valores absolutos isoladamente. Entretanto, correspondem a apenas 0,13% do PIB projetado, com taxas pessimistas, no período.

Tabela 8.8 Projeção do PIB de Santo André

Ano PIB (R$ 1.000)* Crescimento Anual

1999 5.954.254 -

2000 6.828.183 14,68%

2001 7.378.398 8,06%

2002 7.710.778 4,50%

2003 8.000.000 3,75%

2004 8.200.000 2,50%

2005 8.400.000 2,44%

2006 8.600.000 2,38%

2007 8.800.000 2,33%

2008 8.900.000 1,14%

2009 9.000.000 1,12%

* PIBs de 1999 a 2002 calculados pelo IBGE

Tabela 8.9 Investimentos programados em drenagem urbana em Santo André e comparação com o PIB municipal projetado

Ação 2006 2007 2008 2009

Plano emergencial no Recreio da Borda do Campo 700.000 700.000 700.000 700.000

Implantação de sistema de controle de cheias 15.000 15.000

Controle de enchentes Vila Metalúrgica 1.860.000

Canalização - trecho Córrego Apiaí 1.010.000 1.310.000

Micro Drenagem - Vila Pires II 1.000.000 2.500.000

Plano preventivo de limpeza das bacias 500.000 200.000

Execução de obras de manutenção dos Piscinões AM-3 e Bom Pastor

900.000 500.000

Contenção das margens do Rio Tamanduateí 1.000.000

Canalização - Córrego Taioca (Recursos Externos) 3.800.000 9.860.000 9.550.000 9.550.000

Total 10.785.000 15.085.000 10.250.000 10.250.000

PIB Projetado 8.600.000.000 8.800.000.000 8.900.000.000 9.000.000.000

Investimentos / PIB 0,13% 0,17% 0,12% 0,11%

Fonte: Semasa

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8.7 Perspectivas futuras

Para ampliar e melhorar os serviços de saneamento ambiental em Santo André, o Semasa estabeleceu as metas descritas abaixo.

Atualização dos planos diretores• Plano diretor de abastecimento de água: . Licitação: 4/2005 a 8/2005; . Elaboração da atualização do plano: 8/2005 a 5/2006.• Plano diretor de esgotos: . Licitação: 1/2006 a 5/2006; . Elaboração da atualização do plano: 5/2006 a 4/2007;• Plano diretor de drenagem: . Licitação: 12/2006 a 4/2007; . Elaboração da atualização do plano: 4/2007 a 2/2008.

Esgotos sanitários• coleta e interligação da rede da zona urbana aos coletores-tronco e condução dos esgotos até a ETE

- metas para 2008: . 93% da vazão total prevista pela Sabesp; . Bacia Tamanduateí: 91,72% da vazão total prevista pela Sabesp; . Bacia Oratório: 100% da vazão total prevista pela Sabesp; . Bacia Meninos: 100% da vazão total prevista pela Sabesp.• coleta e interligação da rede da zona de expansão urbana aos coletores-tronco e condução dos esgotos

até a ETE: . Recreio da Borda do Campo: 100% até 2008; . Miami Riviera: 100% até 2008; .Área Solvay: 100% até 2006.• coleta e tratamento de esgotos da zona de expansão urbana - metas para 2008: . Paranapiacaba: 100%; . Parque Adeense: 100%.• regularização de ligações cruzadas esgotos x águas pluviais (caça-esgotos): . 20% da área atendida por rede de esgotos até 2008.

Abastecimento de águaAtualmente, o sistema de abastecimento de água já atende a 100% da população do município e o Plano

Diretor encontra-se totalmente implantado. Entretanto, as perdas no sistema ainda são altas.Para enfrentar esse problema, foi montado um comitê interdisciplinar, que tem como função reduzir as

perdas de água até padrões aceitáveis.

Resíduos sólidosNo passado, eram coletados e encaminhados ao aterro sanitário 4.800 t/ano de resíduos sólidos prove-

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nientes do desassoreamento de canais e da limpeza de bocas-de-lobo. Hoje, essa quantidade foi reduzida para 4.200 t/ano, graças ao trabalho de incentivo à reciclagem e à conscientização popular.

Pretende-se, no futuro, implantar o Plano Diretor de Resíduos (com horizonte de 10 anos) e ampliar as cooperativas de reciclagem (vidros, plásticos, metais e entulhos).

Sistema de drenagemO maior desafio a ser enfrentado é reverter os conceitos superados de afastamento rápido das águas

pluviais, tão apregoado no passado. Além disso, deverão ser enfrentados os problemas da ocupação urbana desordenada e da ocupação das várzeas de inundação.

Atualmente, o município procura cumprir as diretrizes do PDD, que preconizam canalizações abertas com baixas velocidades de escoamento, e a implantação de reservatórios de amortecimento como solução prioritária. Outras medidas também têm sido tomadas, entre as quais:

• educação ambiental;• monitoramento telemetrizados dos tanques de reservação;• controle da ocupação urbana;• redução dos pontos inundáveis por meio de medidas corretivas (comportas, alteamento de pontes, re-

tardamento dos despejos nos corpos receptores, etc.);• manutenções preventivas (desassoreamento de canais, limpeza de bocas-de-lobo, desobstrução de ga-

lerias de águas pluviais).Como metas futuras pretende-se:• ampliar as áreas de reservação;• ampliar as obras de micro e de macrodrenagem, obedecendo ao PDD;• atuar com mais intensidade no controle da expansão urbana;• aumentar as ações de preservação das áreas de proteção aos mananciais;• expandir a educação ambiental;• ampliar a rede de monitoramento dos canais por meio do sistema telemétrico.

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REFERÊNCIAS

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CANHOLI, A. P., 2005. Drenagem Urbana e Controle de Enchentes. Oficina de Textos, São Paulo, SP.FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ, 2000.

Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, Relatório Zero de Situação dos Recursos Hídricos - Revisão II, 2 volu-mes.

IBGE, 2005 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Demográficos e Indicadores Econômicos dos Municípios. Disponível no site http://www.ibge.gov.br/censo, acesso em 5 de outubro de 2005.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO ANDRÉ, 2005. Portal na internet. Disponível em http://www.santoandre.sp.gov.br/, acesso em outubro de 2005.

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, CONSÓRCIO JMR/HIDROSTUDIO, 2003. Plano de Controle das Inundações do Vale do Anhangabaú - Estudo de Viabilidade.

SIGRH, Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo, 2005. Disponível em http://www.sigrh.sp.gov.br/, acesso em 13 de outubro de 1005.

SEADE - Fundação Estadual de Análise de Dados, 2005. Disponível em http://www.seade.gov.br/, acesso em outubro de 2005..

TUCCI, C. E. M. et alli, 2000. Avaliação e Controle da Drenagem Urbana. Ed. Universidade/UFRGS, Porto Alegre, RS.

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9 Breve diagnóstico, propostas e conclusões para Santo André Sandro Artina e Paolo Mosca

9.1 Diagnóstico e problemas detectados

9.1.1 Cheias fluviais e fenômenos de enchentes

O Rio Tamanduateí, afluente do Rio Tietê, atravessa com o seu curso e com o curso de seus afluentes o território dos Municípios de Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, São Caetano do Sul e São Paulo, municípios nos quais, ao longo das últimas décadas, observou-se uma transferência da população do campo para a cidade, chegando a atingir 18 milhões de habitantes.

O fenômeno da urbanização ocorreu privilegiando a recuperação de áreas úteis para os assentamentos civis e industriais, em detrimento das áreas de existência natural dos rios e de seus afluentes, os quais foram fortemente canalizados e obrigados a assumir uma disposição bem distinta da sua original.

Nesse sentido, podemos observar as fotos 9.1 e 9.2, que falam por si sós e retratam os dois trechos do Tamanduateí no centro de São Paulo. A primeira, do final do século XIX, junto ao mercado velho, e a segunda, em 1960, próxima ao mercado novo.

Outra imagem eloqüente aparece na foto 9.3, que mostra o curso atual do Tamanduateí totalmente cana-lizado no trecho da divisa entre os Municípios de Mauá e de Santo André.

Foto 9.1 Tamanduateí em 1800, nas proximidades do antigo mercado

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Foto 9.2 Tamanduateí em 1960, na proximidade do novo mercado

Foto 9.3 Tamanduateí no estado atual, na divisa entre os Municípios de Mauá e Santo André

A alteração dos rios levou à manifestação de fortes fenômenos de inundação e de alagamento, os quais, além de provocarem danos hidráulicos, incitam grandes riscos de tipo sanitário, uma vez que esses cursos de água funcionam também como coletores de esgoto, e são extremamente contaminados pela presença de ratos.

Para sanar esse estado de emergência, o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) elaborou um plano de ação que prevê a realização de 46 reservatórios na bacia do Alto Tamanduateí, dos quais 14 já foram concluídos em 2002. O complexo de reservatórios está ilustrado de forma esquemática na Figura 9.1.

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Logo após, as imagens que seguem descrevem os dois reservatórios construídos e que foram objeto de visita de campo, no decorrer da missão, por parte das pessoas que estão redigindo o presente relatório.

O primeiro é um reservatório de contenção construído na derivação do Tamanduateí, no trecho já ilustrado na foto 9.3, na divisa entre os Municípios de Mauá e Santo André. Ele oferece um volume útil de aproximadamen-te 800.000 m3 de reservatório subterrâneo (Foto 9.4), para a qual as vazões chegam através de um descarregador de superfície (Foto 9.5), e do qual saem através de uma estação elevatória (fotos 9.6 e 9.7).

O fundo do reservatório, no momento da visita de campo, tinha grande deposição de sedimentos, índice da presença considerável de substâncias sólidas em suspensão nos efluentes (fotos 9.4 e 9.5), que evidentemen-te requerem grande atividade de manutenção (foto 9.6).

Figura 9.1 Complexo de reservatórios do plano de ação que prevê a realização de 46 reservatórios na bacia do Alto Tamanduateí

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O segundo é constituído também de um reservatório de contenção em derivação (foto 9.8) construída no território do município de São Bernardo do Campo, com volume de aproximadamente 380.000 m3, também com acesso através de descarregador de superfície (foto 9.9) e saída por estação de elevação (foto 9.10).

Pelo que foi possível aprender no decorrer dessa breve missão, o sistema de reservatórios mencionado representa uma solução que certamente está no caminho correto para enfrentar e resolver os problemas de inun-dação da bacia do Tamanduateí. Não sabemos se as dimensões dos reservatórios, o comportamento dos órgãos controladores do setor hidráulico e o seu efeito combinado na limitação do risco tenham sido objeto de estudos de simulação hidráulica adequados.

Foto 9.4 Reservatório de contenção de águas pluviais executado na derivação do Tamanduateí, no trecho situado na divisa entre os Municípios de Mauá e Santo André

Foto 9.5 Reservatório de contenção de águas pluviais, descarregador de superfície com acesso do Tamanduateí

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Foto 9.6 Reservatório de contenção no Tamanduateí. Remoção dos sedimentos

Foto 9.7 Reservatório de contenção de águas pluviais, canais de vazão da estação elevatória

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Foto 9.8 Reservatório de contenção de águas pluviais, construído no território do Município de São Bernardo do Campo

Caso isso não tenha ocorrido, então recomendamos que, no futuro próximo, seja adotado esse tipo de pesquisa detalhada, antes de dar continuidade à construção dos 34 reservatórios remanescentes.

9.1.2 Drenagem das águas pluviais nas zonas urbanas

As zonas urbanas visitadas durante as inspeções geralmente apresentavam um sistema de drenagem de águas pluviais muito desuniforme, formado em parte por coletores de média e grande dimensão (galerias), e des-tinado em parte à vazão defluente, que ocorre nas sarjetas e sobre a superfície das ruas.

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Foto 9.9 Reservatório de contenção de águas pluviais, construído no território municipal de São Bernardo do Campo: descarregador de superfície de acesso

Foto 9.10 Reservatório de contenção de águas pluviais, construído no território municipal de São Bernardo do Campo: usina de elevação

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As águas dos tetos geralmente são escoadas e dispersas sobre a manta rodoviária, a manta asfáltica, e a presença de bueiros e de bocas-de-lobo é bastante desuniforme e pouco difundida. Em geral, são concentradas, assim como os canais, nas zonas onde as condições hidráulicas são mais críticas.

A presença de uma rede não-estruturada de forma orgânica, o forte aumento da carga dos efluentes como conseqüência da progressiva impermeabilização do terreno e as dificuldades de descargas nos receptores, que, por sua vez, são afetados pelas condições de forte insuficiência hidráulica, tornam bastante freqüentes os casos de inundação, em particular dos canais terminais nas proximidades de suas descargas nos receptores.

Com a finalidade de aliviar essa realidade, o gestor do Semasa encarregou-se de construir verdadeiros e próprios reservatórios de contenção, que visam à redução do ponto máximo do volume das chuvas provenientes das zonas urbanas, retardando a sua entrada nos receptores, até que seu nível de água tenha diminuído.

Nessa categoria, encontram-se o Reservatório Subterrâneo de Santa Terezinha, os Reservatórios de con-tenção em concreto armado, construídos sob as vias voltadas para a Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo antes do lançamento das galerias no Córrego Guarará, afluente do Tamanduateí, e um grande reservatório em concreto situado na localidade de Vila América.

O Reservatório de contenção de Santa Terezinha é formado por um grande reservatório subterrâneo (Foto 9.11 e 9.12), com saída auxiliada pela força de gravidade para o receptor, controlada por comportas (Foto 9.12). Em seu interior, apesar da má qualidade das águas ali contidas, foi construída uma zona de recreação, que pode ser utilizada nos períodos em que o reservatório está vazio (Fotos 9.13 e 9.14).

Foto 9.11 Reservatório de contenção de Santa Terezinha: detalhe da descarga

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O Reservatório de Vila América foi construído em concreto, e a entrada das vazões ocorre por meio de tubulações visualizadas na parede do fundo da Foto 9.15, enquanto a saída ocorre com sistema elevatório, pelas estações reproduzidas nas Fotos 9.17 e 9.19. Como se pode observar, o fundo do piscinão está coberto por um depósito de sedimentos (Fotos 9.16 e 9.18).

No passado, as inundações que ocorriam nas zonas urbanas, provocadas por volumes de águas caracteri-zados pela forte mistura de águas de chuvas (drenagem) e de efluentes doméstico e industrial (esgoto), levaram ao surgimento de problemas sanitários graves.

De modo particular, existia um outro risco sanitário, atribuído ao fato de as águas de cheia veicularem excrementos de ratos, fortemente presentes nas redes de esgoto, assim propagando o risco de infecções por leptospirose.

A execução dos reservatórios de contenção teve um efeito positivo na atenuação das inundações nas áre-as urbanas, porém deixou imutável o problema sanitário.

Foto 9.12 Reservatório de contenção de Santa Terezinha: descarga e sedimentos

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Foto 9.13 Reservatório de contenção de Santa Terezinha: área de recreação

Numa perspectiva futura, o plano de ação previsto pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) seguramente melhorará as condições de vazão defluente nos corpos receptores, e, portanto, atenuará os fenômenos de regurgito induzidos nos sistemas de drenagem urbana, melhorando, assim, o funcionamento hidráulico na época das precipitações.

Os aspectos sanitários, porém, somente poderão melhorar quando os dois sistemas de drenagem – aquele destinado às águas de chuva e aquele separado para os esgotos sanitários e industriais – forem efetivamente independentes, e quando o sistema separado para esgotos correr para a estação de tratamento já prevista no local através de coletores de calha, há muito tempo previsto, à esquerda e à direita do Rio Tamanduateí e de seus afluentes.

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Foto 9.14 Reservatório de contenção de Santa Terezinha: área de recreação

Foto 9.15 Reservatório de contenção de Vila América: canais de acesso

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9. 1.3 Coleta dos esgotos

O sistema de coleta separado para águas de esgoto é muito difundido na malha urbana, e os afluentes o recolhem de forma capilar.

Os problemas sanitários e ambientais têm origem no fato de que os volumes de esgoto coletados são atualmente despejados diretamente nos cursos de água receptores, sem nenhuma forma de tratamento. É ver-dade que, há muito tempo (desde os anos 70), havia sido projetado e, em parte executado, um sistema de calhas destinado à coleta e ao encaminhamento dos esgotos para a estação de tratamento, composto de dois dutos de grandes dimensões (até 3 m de diâmetro), correndo à direita e à esquerda do Tamanduateí .

Infelizmente, a finalização da execução desses coletores ficou entre os projetos ainda não-finalizados, aparentemente por causa da ausência de financiamentos adequados. Portanto, a solução técnica para enfrentar esse problema já foi identificada e até projetada de forma correta há muito tempo, mas a execução das obras ainda não foi iniciada.

Foto 9.16 Reservatório de contenção de Vila América: depósito de sedimentos

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Foto 9.17 Reservatório de contenção de Vila América: construção da estação elevatória

Foto 9.18 Reservatório de contenção de Vila América: vista do reservatório

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Foto 9.19 Reservatório de contenção de Vila América: instalações da estação elevatória

9.1.4 Problemas específicos das favelas

As entrevistas feitas com os técnicos do Semasa e as inspeções efetuadas permitiram identificar os proble-mas que atingem as áreas nas quais foram assentadas as favelas.

O primeiro tem origem, mais uma vez, no fato de que os efluentes provenientes das moradias são dire-tamente despejados nos corpos receptores, pela total falta de canalização, como podemos observar nas Fotos 9.20 e 9.22.

Foto 9.20 Córrego Guarará: descargas diretas de esgoto

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Os funcionários do Semasa estão iniciando um programa de construção de coletores-tronco de esgotos no interior das favelas, onde os habitantes de qualquer forma dispõem de ligações (“gatos”), embora precárias e ilegais, para o sistema de abastecimento hídrico e elétrico.

Como perspectiva, esse conjunto de ações com as quais o Semasa procura envolver a população local de residentes, representando a única possibilidade de amenizar o impacto dos efluentes provenientes dessas zonas. Dessa forma, os esgotos atingiriam a rede separada propositadamente, já predisposta nas áreas de urbanização subnormais, para depois serem direcionadas para tratamento.

Um exemplo desse tipo de ligação de descarga, decididamente não-convencional e precária, foi construída pelos moradores e está retratada na Foto 9.22.

Foto 9.21 Aspecto das habitações nas favelas Foto 9.22 Terreno exposto, pela construção de uma habitação subnormal, como exemplo de descarga precária nas tubulações de coleta recém-realizadas

Outro problema grave nas áreas de assentamento ilegal é representado pelo grande transporte sólido que ali se origina, em particular nos canteiros de obras em rápida e contínua evolução, para a execução de novas ha-bitações, sempre subnormais. As atividades de escavação e construção são realizadas, como vemos na Foto 9.22, sem nenhum tipo de cuidado e prevenção. O material carregado pelas precipitações desce a jusante percorrendo, antes, as estradas não-asfaltadas, para depois chegarem até a drenagem natural receptora, ou seja, aonde existe a rede de tubulações de esgotos.

Em ambos os casos, assim que chegamos nas primeiras zonas dotadas de declives mais escassos, o ma-terial sólido transportado tende a sedimentar-se, criando, assim, zonas de depósito e de oclusão, que reduzem a seção livre dos rios e dos canais, com conseqüentes dificuldades de vazão defluente do sistema hidráulico.

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9.2 Propostas e conclusões

A seguir, vamos reiterar e resumir as considerações e as sugestões parcialmente mencionadas no decorrer do relatório, relacionadas à possível atenuação ou solução dos problemas encontrados.

9.2.1 Planejamento em termos de bacia

Como já mencionado inúmeras vezes, é importante que haja um maior envolvimento em termos de plane-jamento entre as municipalidades do assim chamado ABCD e São Paulo, especialmente no que diz respeito aos seguintes aspectos:

• controle da eficiência dos reservatórios de contenção executados nas bacias imbríferas a montan-te do Tamanduateí, do Ribeirão Oratório e do Ribeirão dos Meninos, com exceção das áreas de Santo André e de São Paulo;

• elaboração do plano de bacia do Rio Tietê, que deverá também incluir os cursos de água de Santo André;

• coordenação da construção dos coletores interceptores dos efluentes de todas as áreas das diver-sas municipalidades situadas a montante da estação de tratamento no Rio Tamanduateí, de modo que ela seja construída funcionalmente, partindo de jusante para montante, sem interrupções de continuidade;

• unificação das normas técnicas relacionadas às percentuais de áreas impermeáveis urbanas ad-missíveis nas diversas municipalidades;

• unificação, na medida do possível, dos níveis de tarifação dos serviços municipais.

9.2.2 Cheias fluviais e fenômenos de enchentes

Para solucionar, ou pelo menos para atenuar o problema das cheias nos cursos naturais de águas, acre-ditamos que o plano de ação elaborado pelo DAEE do Estado de São Paulo seja o instrumento correto, na me-dida em que sugere um caminho de ação, abordado de forma correta, em escala global, e não local, de bacia.

O plano prevê a construção de 46 reservatórios na bacia do Alto Tamanduateí, dos quais 14 já foram executados em 2002.

No decorrer desta breve missão, não foi possível saber se o dimensionamento dos reservatórios, o projeto dos órgãos sanitários que os controlam quanto ao acesso e à saída, e a verificação dos seus efeitos combinados para a limitação do risco de inundação foram objeto de estudo profundo realizados por simula-ções dinâmicas da propagação da onda de cheia.

Caso isso não tenha ocorrido, recomendamos que, no futuro próximo, seja realizado esse tipo de in-vestigação, que exige detalhamento hidráulico, antes de dar continuidade à construção dos 34 reservatórios remanescentes.

Uma outra consideração surge naturalmente, após constatar-se que ambos os reservatórios de conten-ção objeto da investigação passam pela fase de esvaziamento mediante elevação mecânica.

É claro que, antes de recorrer a tal solução, cada alternativa deverá ser experimentada, com o objetivo de estudar a possibilidade de fazer defluir dos reservatórios os volumes lá presentes por meio de efeito de gra-vidade, aplicando posteriormente esse critério ao maior número de reservatórios, ainda na fase de projeto.

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Tal procedimento deve ser atuado por motivos óbvios, relacionados especialmente à confiabilidade do sistema e, indiretamente, aos custos de execução e de manutenção.

9.2.3 Considerações gerais acerca dos sistemas de esgoto das águas pluviais e dos efluentes

Os especialistas italianos que visitaram os quatro municípios brasileiros discutiram em profundidade a questão da adoção de esquemas de fossas unitárias (ou mistas) ou independentes nos centros urbanos brasilei-ros, tendo chegado às seguintes considerações:

• segundo as informações fornecidas pelos técnicos do Semasa, boa parte das cidades brasileiras apre-senta sistemas de fossas independentes, com duas redes distintas para as águas de esgoto e para aquelas pluviais;

• os sistemas unitários parecem ser considerados não-idôneos; • é verdade que a rede dupla de águas pluviais e de esgoto apresenta a vantagem de ter a estação de tra-

tamento alimentada somente pelo escoamento de água de esgoto, que é relativamente contínuo, com leves variações no decorrer do dia, e não está sujeito aos volumes de águas pluviais, que são pulsantes e de porte muito maior.

• as duas redes nunca estão efetivamente separadas, pois existem muitas ligações clandestinas de águas de esgoto nos coletores pluviais e vice-versa, tornando-se assim discutível existir uma verdadeira separação;

• as águas pluviais, especialmente as derivantes da primeira parte das precipitações pesadas, as chamadas “águas de primeira chuva”, vêm a ser altamente poluídas, apor conta da lavagem das superfícies urbanas que são também poluídas, e deveriam, portanto, ser também tratadas na estação de tratamento.

Diante dessas considerações, e analisando-se também o elevado custo de execução das redes de esgoto, parece oportuno fornecer as seguintes sugestões:

• intervir nas redes somente onde os coletores individuais apresentem capacidade insuficiente de vazão;• construir, na rede de águas pluviais, equipamentos de escoamento que descarreguem nos cursos de

água as vazões (de longe menos poluidoras) excedentes, aquelas das primeiras precipitações, e que possam um dia ser escoadas por meio de oportunas ligações, na rede de esgotos e finalmente na esta-ção de tratamento. Uma regra bastante simples para a avaliação dos volumes das primeiras precipita-ções pode ser a de considera-las equivalentes a 4 a 5 vezes maiores daquelas das águas de esgoto;

• projetar e executar, mesmo em fases sucessivas, ampliações de estações de tratamento, com o objetivo de torná-las idôneas para tratar de volumes 4 a 5 vezes maiores daqueles de “tempo seco”;

• desenvolver uma política de limpeza urbana com o objetivo de identificar e ajustar as ligações clandes-tinas, especialmente as das águas de esgoto nas águas pluviais.

Para tanto, é oportuno ter um conhecimento físico detalhado das redes existentes, de modo a poder re-alizar, por meio de modelos numéricos dos recursos hidráulicos, validados em estudos de campo, averiguações necessárias para a escolha ideal (também sob o aspecto econômico) das ações a serem praticadas.

9.2.4 Drenagem das águas pluviais nas áreas urbanas

Como vimos, a função da drenagem urbana das águas pluviais é amplamente atribuída à vazão defluente que ocorre nas sarjetas das superfícies rodoviárias, e somente esporadicamente se verifica no interior de partes da rede adequadamente separada, previstas para as águas de chuva.

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Parece, no entanto, não resultar que essa parte do sistema tenha sido concebida para o escoamento das precipitações do tecido urbano presente. Aliás, geralmente, ocorrem graves episódios de mal funcionamento.

No entanto, está claro que os problemas se manifestam, e de forma grave, nas localidades onde as águas de chuva amplamente provenientes das zonas urbanas impermeáveis são despejadas nos corpos receptores, uma vez que, geralmente, eles se encontram demasiadamente cheios, com regurgitação dos emissários e, por-tanto, provocando inundações mesmo em áreas muito vastas.

Para solucionar o problema, a operadora local pensou em construir, no momento oportuno, piscinões des-tinados a conter temporariamente as cheias provenientes das áreas urbanas, liberando-as nos corpos receptores de tempo em tempo, quando a cheia estiver em fase de esgotamento neles.

As obras realizadas com essa finalidade, e que foram objeto de pesquisa de campo, como o Reservatório de Santa Terezinha e aquele da Vila América, têm certamente um efeito positivo no que diz respeito à crise do sistema hidráulico, porém, infelizmente, apresentam problemas colaterais que não podem ser negligenciados, relacionados ao fato de que o sistema de drenagem existente nas áreas urbanas, de fato revela – como já ante-riormente mencionado- uma forte mistura entre o sistema pluvial e o sanitário.

Portanto, os reservatórios são atravessados por uma vazão altamente carregada de sedimentos e de subs-tâncias poluentes, provenientes da lavagem de pavimentação e de superfícies urbanas e das descargas de esgo-tos domésticos.

Isso comporta altos custos de manutenção para a remoção do sedimento e, especialmente, elevados riscos sanitários para a população.

Enquanto não surgirem perspectivas de melhora para o transporte de substâncias sólidas oriundas da lavagem das superfícies urbanas, poder-se-á, dizer que uma separação mais rigorosa de uma rede destinada uni-camente às águas de esgoto, associada à conclusão do sistema de coletores de calha há tempo previsto para a margem esquerda e a direita do Tamanduateí e de seus afluentes, poderá limitar os problemas de crise do sistema de drenagem urbana somente no âmbito do risco hidráulico.

Raciocínio similar pode ser feito em relação ao risco sanitário de casos de leptospirose, atribuídos ao fato de que as águas transbordantes veiculam excrementos de ratos. Isso também aconteceria no caso de insuficiên-cia hidráulica de um sistema separado, perfeitamente dimensionado e operante, para águas de chuva. Portanto, a solução para esse problema específico somente poderá ser o resultado de medidas como aquelas já adotadas pelo gestor, que vêm a ser o combate à presença de focos de ratos.

9.2.5 Coleta de esgoto

A rede separada para coleta dos esgotos domésticos, e presumidamente artesanais e industriais, demons-tra-se difundida de maneira muito capilar na malha urbana.

Os dados fornecidos pela operadora referem-se a uma percentagem muito elevada de população abaste-cida (aproximadamente 97%), mas uma porcentagem bem mais baixa das dos efluentes efetivamente tratadas – estimados em torno de 25% a 30%, uma vez que ainda aguardamos a finalização do sistema de coletores de calha previstos há muito tempo para a margem direita e a esquerda do Tamanduateí e de seus afluentes.

Cabe ressaltar que a solução do problema de longo prazo já foi há muito tempo identificado como sendo a construção de um sistema separado para os esgotos equipados com descarregadores de superfície (ainda a serem executadas) que bombeiam as vazões defluentes ou diluídas para as estações de tratamento (já existentes) por meio do sistema de coletores de calha beirando o Tamanduateí, os quais foram somente parcialmente construídos.

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É porém evidente que uma significativa melhora ambiental poderá ser atingida quando o sistema global, formado por uma rede de esgotos já efetivamente separada por descarregadores, por coletores e pela estação de tratamento, estiver quase que integralmente construído.

Em particular, com o propósito de designarmos prioridades, e, portanto, uma precedência na busca e alocação de financiamentos para a realização das obras, identificou-se, como fase prioritária, a conclusão dos coletores de calha e a construção dos descarregadores.

É importante ter em mente, como perspectiva, que a conclusão do sistema de corpos coletores previstos para conduzir as vazões de água até a estação de tratamento permitirá enfrentar também o problema relacionado à poluição das águas de primeira chuva. De fato, se tais coletores revelarem ter seções suficientes, será então pos-sível prever, nas redes destinadas às águas de chuva, equipamentos separadores, munidos de piscinões de primeira chuva, destinados a recolher temporariamente a primeira parte mais poluída das descargas das vazões defluentes superficiais, para, mais tarde, enviá-las até a estação de tratamento, por intermédio, justamente, dos coletores.

9.2.6 Instabilidade das encostas e controle do transporte dos sólidos

Como já mencionado, a orografia de Santo André é de planalto, com relevos mais modestos na parte já urbanizada há algum tempo, e mais marcante nas partes das cabeceiras das bacias imbríferas dos cursos de água que atravessam a cidade, onde ocorreu o maior assentamento das favelas.

O desenvolvimento urbano evidentemente resultou na eliminação da manta vegetal superficial (Foto 9.8), com todas as suas óbvias conseqüências, e, portanto, um aumento do volume de águas pluviais - diversos des-moronamentos e erosões que, por sua vez, comportam enormes volumes de transporte sólido ao longo das superfícies urbanas e no interior das canalizações da drenagem urbana.

Durante as visitas técnicas dos dias 13 a 16 abril de 2005, teve-se a oportunidade de perceber o empenho duro e constante realizado em ações de manutenção das redes de drenagem urbana destinadas à remoção dos materiais depositados.

Considera-se, portanto, necessário operar recorrendo às duas intervenções descritas a seguir:

Estabilização das vertentes

As técnicas de engenharia ambiental são as mais indicadas:• intervenções anti-erosão: semeaduras, telas de proteção, revestimentos vegetativos em rede etc.;• intervenções estabilizadoras, com materiais naturais, como plantio de gramíneas por leivas, patamares

escalonados, bordas de pedras e matacões, paliçadas (amontoado de ramos e gravetos);• intervenções de consolidação, constituídas essencialmente por muros de gabião;• revegetação de áreas sem cobertura vegetal (taludes em estradas, etc.).

Retenção do transporte sólido

As ações mencionadas não exaurem as possibilidades de contenção do transporte sólido, e, portanto, sugere-se que sejam integradas com a construção de reservatórios que retenham o transporte de sólidos não-refinados, devendo ser instalados ao longo dos cursos de água, nas ramificações onde ocorre uma nítida dimi-nuição da inclinação e, portanto, da velocidade da água.

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É evidente que esses piscinões deverão ser esvaziados periodicamente, envolvendo assim uma manu-tenção relativamente cara, mas as experiências italianas demonstraram que o trabalho de implementação e de experimentações compensa amplamente o ônus dos danos que o transporte sólido pode causar aos canais e aos coletores.

9.2.7 Problemas específicos das favelas

A visita de campo feita a uma única favela (Fotos 9.9 e 9.10), na região da cabeceira da bacia do Córrego Guarará, evidenciou, principalmente, os problemas ambientais relacionados à forte tendência nessa área na pro-dução de transporte de sólidos, e à poluição das fossas e dos córregos superficiais, em conseqüência do despejo livre, por toda parte, do esgoto doméstico e de lixos sólidos urbanos.

Como já dito anteriormente, o transporte sólido tem origem principalmente nas áreas destinadas aos can-teiros de obras, para construção de habitações novas: em geral, trata-se de pequenos canteiros, organizados de forma improvisada e precária, assim como acontece com as habitações que serão ali construídas.

Qualquer forma de cobertura vegetal preexistente é removida dessas áreas, para permitir que as obras sejam realizadas; e mesmo quando as obras estiverem concluídas, o terreno permanecerá nessa condição, sem que nenhuma vegetação seja plantada, continuando, portanto, a gerar transporte sólido na ocasião das precipi-tações, sendo ele, portanto, transportado a jusante, percorrendo as estradas, a rede de drenagem superficial e, quando presentes, os canais e tubulações.

Na opinião do redator deste relatório, a hipótese de combater o fenômeno projetando e construindo adequadas obras de arte que tenham o papel de armadilhas e de consolidadoras não parece muito plausível, não exatamente por questões de viabilidade ou eficácia, mas, sim, por questões relacionadas às inevitáveis operações de manutenção, que presumiriam a limpeza delas e o transporte para aterro do material sedimentado, cujos vo-lumes poderiam vir a ser bastante relevantes.

No que se refere a emissões dos esgotos nos corpos receptores, já está sendo executado um programa de construção ao longo das principais vias que atravessam os entroncamentos de esgoto que coletam os esgotos domésticos. Em direção aos mesmos afluem as tubulações que saem das casas, como no caso ilustrado na Foto 9.13. O Semasa executa esse programa envolvendo também a população local nos trabalhos, em um contexto de programa de recuperação ambiental e social que parece já produzir os seus primeiros frutos.

Apesar disso, pelo menos no que diz respeito ao risco sanitário, a situação identificada nas favelas visita-das não parecia pior do que a daquelas encontradas em outras zonas urbanas subnormais.

Questionamos se um programa semelhante não poderia ser desenvolvido, de modo a envolver a popu-lação local também nas atividades de revegetação das áreas devassadas pelos canteiros de obras, apostando especialmente na contribuição que os mais jovens poderiam trazer e no fato de que isso poderia tornar menos hostil e degradado o ambiente em que vivem as pessoas das favelas.

Demonstraram-se completamente inviáveis as ações estruturais sistemáticas efetuadas pelas operadoras, que pretendiam também executar, nas favelas, redes de serviços (redes de esgoto e galerias de águas pluviais) projetadas com os mesmos critérios adotados nas áreas urbanas não-subnormais; e isso particularmente por causa de dificuldades operacionais relacionadas às características das localidades, e aos conseqüentes custos.

Talvez o único caminho viável fosse a adoção de medidas temporárias limitando ao máximo o desconforto dos habitantes, enquanto se espera que a população ali residente possa progredir economicamente e, portanto, transferir-se espontaneamente em direção a zonas de melhor qualidade de vida.

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GESTÃO DAS ÁGUAS URBANAS E AVALIAÇÃO DAS CIDADESSanto André

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Porém, não querendo ser pessimista, é fundamental reconhecer que, com exceção de algumas favelas que poderão ser demolidas, com remanejamento da população para casas melhores, parece inevitável que todas as outras favelas permanecerão onde estão, além daquelas que continuarão a assentar-se no futuro.

O problema das favelas parece permanente ou não é aceitável, em nossa opinião, que o planejamento do cenário futuro não leve em consideração, para essas populações, uma solução dos problemas quali-quantificati-vos igual à das áreas urbanizadas mais centrais.

Naturalmente as enormes dificuldades incentivarão a busca de novas soluções, em sentido amplo, com menor tecnologia e baratas em relação às outras populações, mas que tornem a vida das populações pobres mais aceitável e segura (no sentido hidráulico e ambiental).

9.2.8 Pesquisas de campo

Concluída esta primeira pesquisa, a sugestão dos especialistas italianos é de que sejam realizados testes e estudos em várias áreas-amostra de setores urbanos, relacionados aos seguintes temas: distribuição das cheias em pequenos reservatórios de expansão; medidas hidráulicas (capacidade, velocidade e níveis) nos corpos cole-tores e nos córregos, para a validação do comportamento das simulações numéricas; e estabilização dos declives e do transporte sólido.

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10 Avaliação integrada e elementos sobre a gestão das águas urbanas nas quatro cidades brasileiras

Alessandro Paoletti

10.1 Instrumentos normativos

Em relação aos temas ligados ao quadro institucional e aos instrumentos normativos, mesmo considerando as significativas diferenças entre a situação brasileira e a italiana, como conseqüência da história de cada país (tradi-ções culturais, políticas, econômicas ea dimensões territoriais e físicas dos problemas enfrentados), pode-se chegar a algumas considerações de ordem geral,que se limitarão a ressaltar alguns dos aspectos de maior interesse.

Essas considerações derivam da experiência italiana, sobretudo dos últimos 10 a 15 anos, tanto sobre os resultados positivos como, e sobretudo, os negativos, em relação aos pontos não realizados ou que não se mos-traram eficazes ou, ainda, que foram de difícil realização. Quanto à situação brasileira, as informações declaradas foram adquiridas no decorrer das visitas e dos encontros técnicos efetuados, acrescidas da documentação que nos foi apresentada, mantendo sempre presente, a complexidade do tema e, portanto, a dificuldade em entender integralmente o seu funcionamento.

Nos dois casos, observa-se uma substancial semelhança das finalidades, dos objetivos e dos instrumentos que os respectivos sistemas legislativos definem quanto à gestão dos recursos hídricos em geral, e, em específico, quanto aos aspectos ligados à qualidade do ambiente nas cidades. As diversidades, sobretudo em relação aos ins-trumentos, aparecem associadas basicamente à diferente articulação institucional, à organização administrativa e às notáveis deformidades que caracterizam a distribuição territorial em virtude das pressões antrópicas.

Em ambos os países, foram constatados elementos comuns nos quadros legislativos que supervisionam as ações de governo em relação aos temas ambientais e aos recursos hídricos em especial, tendo em comum as seguintes características:

• as intervenções no setor devem se apoiar necessariamente em um instrumento de planejamento que, se adequadamente construído, permitirá orientar as políticas, quanto a escolhas, prioridades e programação econômico-financeira;

• o planejamento deve ser firmemente ligado a uma escala territorial, que tenha a bacia hidrográfica (even-tualmente articulada em sub-bacias ou em distritos hidrográficos) como ponto de referência, em relação ao qual se possa enquadrar toda a forma de uso ou pressão nos recursos hídricos;

• a colaboração interinstitucional, nos diversos níveis de competência, é um fator determinante para o sucesso de qualquer política de intervenção;

• a participação da população no processo de formação dos planos, na fase de diagnóstico e na escolha é outro elemento-chave para a realização de ações do Plano.

No que respeita à execução das intervenções voltadas ao saneamento ambiental, a situação italiana está bem mais avançada, provavelmente por ter maior experiência no trato com as dificuldades decorrentes da exe-cução. É mesmo compreensível que os maiores empecilhos residam no modelo de execução e de gestão próprios de qualquer plano, que sejam conduzidos pela administração pública, e eventualmente por sujeitos privados que possam ser envolvidos em algumas atividades.

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Neste último aspecto, que está inter-relacionado a uma multiplicidade de fatores, a experiência italiana pode provavelmente servir de protótipo ou mesmo inspirar sugestões importantes para o processo de evolução progres-siva dentro dos objetivos desejados pelo setor, tanto em âmbito federal quanto local. A seguir, estão relacionados alguns pontos de interesse.

Os aspectos financeiros constituem naturalmente um fator decisivo para o alcance dos objetivos do setor. É indiscutível a participação consistente de financiamento público, aliada a outras fontes de contribuição por parte do usuário, como por exemplo, a taxa de urbanização e a tarifa para o serviço de drenagem. Para a quota de fi-nanciamento público, pode, portanto, ser considerado um modelo de procedimentos igual àquele instituído pela Lei 183/89 na Itália, que sinteticamente previa:

i) o projeto e o o programa orçamentário para a sua execução são aprovados pelo governo; ii) a articulação acontece em programas trienais, que são inseridos para o financiamento das respectivas

anuidades na lei orçamentária do país. A lei é, portanto, um instrumento-piloto que que expressa o procedimento econômico de financiamento. As vantagens estão essencialmente ligadas à singulari-dade da programação e à certeza do fluxo dos recursos econômicos.

Um outro aspecto deve ser o de uma abordagem de planejamento apoiada numa clara subdivisão hierárquica do território de referência – por exemplo, a bacia hidrográfica (ou o distrito hidrográfico, segundo a definição da Diretiva 2000/60 UE), quanto aos aspectos gerais e estratégicos dos recursos hídricos, e a uma divisão ter-ritorial homogênea (por exemplo, o âmbito ideal da Lei Italiana 36/94 ou da área metropolitana) para o ciclo municipal das águas. Naturalmente, devem ser estabelecidos os vínculos das relações de cima para baixo, e vice-versa, entre os dois níveis de planejamento, de modo a ter instrumentos integrados e com funções em sinergia. Acrescente-se a isso a abordagem do processo de planejamento como um conjunto de procedimentos e de ins-trumentos dotados de flexibilidade, mecanismos de simples execução, funções de monitoramento da execução e dos efeitos alcançados, procedimentos de fácil revisão e atualização. É, portanto, necessário prever, de modo específico, o sujeito competente para proceder à predisposição e à execução do plano, adotando as disposições administrativas adequadas para tornar operacionais as diversas funções que devem ser levadas a cabo pelo res-ponsável pelo projeto.

Com referência às características específicas do ciclo municipal das águas, considera-se interessante o modelo italiano estabelecido pela Lei 36/94, que distingue claramente entre funções de planejamento e controle e aquelas de gestão das redes. A primeira função, de competência pública, cabe aos “âmbito territoriale ottimale (ATO), cujo desempenho deve garantir o alcance dos objetivos gerais e controlar a gestão de tutela ao usuário; a segunda, cabe às estruturas de direito privado, de capital público ou privado, que concorrem para a adjudicação das diversas atividades de gestão segundo as regras do mercado de serviços.

10.2 Aspectos higiênico-sanitários

Como já referido em outros capítulos, a gravidade da situação higiênico-sanitária é de total conhecimento das administrações visitadas e, conseqüentemente, todos os projetos analisados contêm as necessárias pre-visões de desenvolvimento das infra-estruturas das redes coletoras de esgotos e das estações de tratamento. Todavia, evidenciou-se que a obtenção de uma boa cobertura dos serviços de esgoto e de tratamento parece configurar-se apenas como uma mera hipótese, em um futuro distante, tanto pela difícil possibilidade de conse-guir financiamento para a finalização dos sistemas, como pelos consideráveis problemas técnicos de execução das obras de coleta, principalmente nas áreas mais pobres, e de construções civis abnormais ou espontâneas,

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como enfim pela elevada tendência de crescimento das populações brasileiras, que abandonaram os campos, e a intensa expansão das áreas urbanizadas.

É, portanto interessante avaliar se subsistem elementos críticos na própria abordagem das soluções pla-nejadas, ou se podem ser buscadas estratégias alternativas que impliquem uma maior elasticidade de execução e menores custos.

Especificamente, como já mencionado, esses aspectos críticos referem-se à adoção por lei do sistema separador absoluto e à estratégia centralizada das soluções identificadas.

10.2.1 Águas de esgotos e águas pluviais urbanas

Falou-se que a escolha de sistemas completamente separados pode se justificar somente se for garantida a pré-condição de que sejam reduzidas ao mínimo as ligações ilegais de águas servidas na rede pluvial e de águas de chuva na rede de águas servidas. Porém, quando isso não ocorre e as ligações ilegais são percentualmente significativas, como se verifica em muitos locais visitados no Brasil, a ineficiência hidráulica e a ambiental do sis-tema separador alcança níveis intoleráveis.

Em tais situações, seria então necessário avaliar empiricamente se seria mesmo conveniente permanecer-mos rigidamente ancorados na “teoria” do sistema separador absoluto, ou se seria melhor aderir à realidade de um sistema misto, obtendo conseqüentemente custos muito menores e com uma eficiência sanitária e ambiental muito maior. Considerações idênticas podem ser feitas em relação à zona urbana atualmente servida por um sistema misto, na qual a realização do sistema separador pode ter custos inaceitáveis e apresentar resultados sanitários e ambientais desalentadores.

Por outro lado, o elevadíssimo custo das infra-estruturas coletoras de esgoto e de drenagem urbana é de tal magnitude que nos parece aconselhável mantê-las ativas e reabilitar as já existentes, de forma a concentrar os esforços na realização daquelas que ainda não existem.

Partindo dessa abordagem, parece ser mais aconselhável uma política pragmática, na qual deveria ser de-lineada uma nova legislação, que, sem impor “por lei” o sistema separado ou o sistema misto, preveja:

• A manutenção e a salvaguarda dos sistemas existentes, mistos ou separados. (a) Se o sistema atual for misto (figura 10.1), é necessário equipá-lo com artefatos descarregadores de

cheia para permitir que uma vazão igual ou até três vezes da vazão estiagem siga para a estação de tratamento, prosseguindo com segurança para a estação de tratamento. No período chuvoso, uma vazão igual a um múltiplo 3 – 5 da vazão média de efluentes do dia de maior consumo. Nos casos em que há, nas redes, em tempo de estiagem, a presença de vazões externas – provenientes ou de infiltrações de águas freáticas nos dutos, ou de emissões de rios, ou de outras águas superficiais –, tais vazões externas deveriam ser progressivamente eliminadas ou convenientemente reduzidas para não sacrificar a eficiência da rede em si e da estação de depuração.

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Figura 10.1 Nos sistemas mistos, a rede é única para as águas servidas e as águas pluviais, e é dotada (caso “a”) de descarregadores de cheia, aptos a conduzir para os receptores os picos de vazão pluvial e lançar, para a depuração, uma vazão

igual, em tempo de chuva, a um múltiplo de 3 – 5 da vazão de efluentes, média de tempo de estiagem do dia de maior consumo. Em futuros trabalhos de finalização (caso “b”), os descarregadores de cheia mais importantes podem ser finalizados com

reservatórios de chuva capazes de manter as águas pluviais mais poluídas (normalmente correspondentes a 3 – 5 mm de chuva, equivalente a 30 - 50m3/ha imp.). O acréscimo dos reservatórios de chuvas não implica nenhuma necessidade de modificar a

rede, nem mesmo a estação de tratamento

(b) Se a rede for separada (figura 10.2), mas como comumente caracteriza-se por ligações incorretas, a rede de águas servidas deveria ser integralmente ligada à estação de tratamento, sem prever descargas do ladrão (sal-vo se reduzidas ao máximo possível as ligações de água pluvial e eliminadas ou reduzidas convenientemente, como acima mencionado, as vazões externas provenientes de infiltrações ou de águas freáticas nos dutos ou de emissões dos rios ou outras águas superficiais), e, portanto, aceitando que na estação de depuração chegue também componentes de tempo chuvoso que, também poluídos, também precisaria ser tratada;

(c) A rede pluvial, que alcança os pontos de descarga sem nenhum tratamento, deveria ser equipada, pelo me-nos no futuro, com alguns equipamentos descarregadores de cheia, capazes de separar as vazões menores de chuva – a serem ligadas à rede de efluentes e conduzidas para tratamento – daquelas maiores, que per-maneceriam ligadas aos pontos de descarga existente;

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(d) Por essa finalidade, é necessário que a rede de efluentes possa escoar, para a depuração, vazões em tempo de chuva superiores àquelas das águas servidas de pico em tempo de estiagem. Por exemplo, um padrão bastante aceitável poderia ser igual a 2 a 25 vezes a vazão de águas servidas de estiagem, padrão que muitas vezes já está ativado na seção dos dutos da rede de efluentes, pela expectativa de valores reduzidos das vazões e pelas margens normais de cautela do projeto.

Figura 10.2 Nos sistemas separados tradicionais (caso “a”), a rede de águas servidas escoa os efluentes em direção à estação de tratamento, e a rede pluvial escoa as águas pluviais no ponto de descarga nos receptores. O sistema pode ser melhorado no futuro, inserindo na rede pluvial descarregadores de cheia (caso “b”) aptos a escoar, em direção aos receptores, os picos de vazão pluvial, e a escoar, em direção ao tratamento, uma vazão a ser depurada da ordem de 1 L/s/ha imp. Em obras posteriores de finalização (caso

“c”), os descarregadores de cheia mais importantes podem ser completados com reservatórios de chuva aptos a reter as águas pluviais mais poluídas (normalmente na proporção de 3 – 5 mm de chuva, equivalentes a 30 – 50 m3/ha imp.)

• a construção, nas áreas atualmente não servidas e naquelas de expansão urbanística, de um novo sis-tema separado ou misto, a ser escolhido não “por lei”, mas em função das características locais ligadas

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aos aspectos de eficiência hidráulica dos dutos, à presença de fenômenos de erosão que implicam grandes quantidades de sedimentos nas superfícies das estradas (mas, para os quais, podem ser intro-duzidas técnicas de retenção que discutiremos mais adiante), à predominância doméstica ou industrial dos efluentes, às características ambientais, sanitárias e territoriais dos corpos hídricos receptores. Nesse sentido, a escolha entre sistema misto ou separado pode ser também diferente no âmbito de uma mesma cidade, conforme a variabilidade de tais características. As linhas de orientação tecnoló-gica para os dois sistemas, aptas a lançar para o tratamento, pelo menos no futuro, parte também das águas pluviais, são aquelas citadas anteriormente.

• em todos os casos, e, portanto, tanto nos sistemas mistos como nos separados, as estações de trata-mento deveriam ser equipadas, eventualmente, com metas progressivas a alcançar ao longo do tempo, e até com seções da estação destinadas ao tratamento das vazões alcançadas em tempo de chuva.

• uma correta programação dos reservatórios de água de primeiras chuvas ao longo das redes ou junto à estação de depuração pode permitir reter temporariamente, nestas, as maiores vazões das chuvas, evi-tando, assim, que as estações de depuração sejam atingidas por fenômenos de sobrecarga hidráulica.

O acréscimo ao sistema tradicional (caso “a”) dos descarregadores de cheia (caso “b”) e/ou dos reserva-tórios de chuvas (piscinões) (caso “c”) implica que a rede de águas servidas seja dotada de capacidade hidráulica de escoar, para a depuração, uma parte das águas pluviais (normalmente, é razoavelmente aceitável uma vazão mista igual a 2 – 2,5 vezes a vazão de efluentes de pico e, portanto, 4 – 5 vezes a vazão média de efluentes); por sua vez a estação de tratamento deve poder reter, em tempo de chuva, a mesma vazão.

Os estudos de hidráulica deveriam mostrar as características hidráulicas atuais dos diversos setores das redes existentes, mistas ou separadas, para a verificação das necessidades de potencializações ou de reconstru-ções capazes de melhorar com custos mínimos a eficiência hidráulica e ambiental do sistema. Reiteramos que tal abordagem não requer uma renúncia ao atual sistema, tampouco uma necessidade imediata de reconstrução; pelo contrário, oferece a máxima flexibilidade operacional.

Na prática, as etapas fundamentais para a elaboração do Plano deveriam ser:a) análise do estado atual das redes de esgoto e de drenagem urbana e das estações de tratamento e da

sua necessidade de adequação progressiva em função do cenário futuro de referência, com base nos princípios expostos;

b) identificação das metas intermediárias a serem alcançadas nas redes e nas estações de tratamento, em função da classificação do estado de comprometimento sanitário e ambiental, das conseqüentes prioridades de intervenção e da conseqüente programação econômico-financeira.

Deve-se ressaltar que, do ponto de vista de gestão e de tarifas, a abordagem anteriormente exposta presta-se às críticas em relação aos custos de manutenção e à adequação estrutural necessários para o controle hidráulico e o tratamento das águas pluviais urbanas. De fato, se as redes estão oficialmente sepa-radas, ou supostamente deveriam estar, o operador do serviço da rede de esgotos pode atribuir os custos de gestão da rede de esgotos e do tratamento exclusivamente aos volumes de águas servidas, medidos com base nos volumes de água abastecida ao usuário individual, e identificar a tarifa adequada ao serviço. Se, porém, o serviço é misto ou separado, mas com infra-estruturas adequadas, como exposto anteriormente, de modo a permitir o escoamento e o tratamento depurativo de parte das águas de chuva, os custos de gestão do serviço da rede de esgoto e de depuração são mais altos e, estando ligados aos fenômenos de chuvas, não são mais atribuíveis exclusivamente aos volumes de água abastecidos, mas também à extensão das superfícies antropizadas.

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Esse tema dá margem a infinitas discussões de caráter não apenas técnico e econômico, mas também fi-losófico-conceitual (conceito popular de “quem polui paga”, e, portanto, o tratamento das águas pluviais deveria ser pago pelos cidadão usuário do serviço de esgoto, já que é ele quem polui as superfícies urbanas), separando o ônus que deve incidir no âmbito fiscal geral daquele atribuível às tarifas de serviço, etc. Na Itália, por exemplo, esse tema continua altamente polêmico, e ainda não foi resolvido.

Parece-nos, por outro lado, que essa problemática deve ser abordada a partir de dois pontos básicos, que se referem às características intrínsecas dos sistemas de esgoto e de tratamento e do ambiente urbanizado, a saber:

a) A estreita concomitância e inter-relação, no território urbano, entre o sistema de esgoto e o sistema de drenagem urbana (macrodrenagem e microdrenagem) faz com que a sua gestão, sua manutenção e sua operação sejam atribuídas a um único gestor;

b) A poluição das superfícies urbanas e a conseqüente depuração das águas pluviais é ambientalmente necessária e, com toda a certeza, será cada vez mais sentida pelas cidades, ao lado da eficiência do tratamento dos efluentes de estiagem e da correta gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Para concluir, parece-nos que as soluções do Plano tenham que obrigatoriamente considerar tais aspec-tos em relação ao panorama futuro, enquanto a progressividade anteriormente citada e a gradativa das metas intermediárias do Plano podem fornecer a possibilidade de identificar as escolhas intermediárias em função dos recursos disponíveis e, entre esses, aqueles viáveis com base em financiamentos atribuíveis ao âmbito fiscal geral ou às tarifas do serviço hídrico. Portanto, o escoamento e o tratamento da parte mais poluída das águas pluviais podem encontrar soluções ao longo do tempo de forma progressiva, destinando, contudo os recursos atuais à extensão do serviço de coleta de esgoto e de tratamento das águas servidas. Em outros palavras, pare-ce-nos inaceitável abordar um planejamento tão importante come este, sem avaliar os aspectos aqui expostos, considerando, principalmente, que não se sabe quem pagará o componente do serviço ligado às águas pluviais. Negligenciar, hoje, tal componente pode, de fato, conduzir, no futuro, a escolhas de infra-estrutura de Plano que poderiam se revelar erradas, de forma a comprometer a qualidade sanitária e a ambiental do território urbani-zado, com possíveis custos extras de reconstrução de obras já executadas, mas invariavelmente reconhecidas como inadequadas.

10.2.2 Nível de centralização do serviço e nível de tratamento a ser alcançado

A estratégia que prevê uma substancial centralização do tratamento de depuração conduz geralmente à notáveis benefícios de gestão, mas ao mesmo tempo a enormes investimentos de coleta pela necessidade de se construir longos coletores. Esta estratégia pode assim levar muito tempo para a solução dos problemas nas áre-as periféricas e à necessidade de reconstrução, para uma adequação funcional, de vários trechos dos coletores existentes.

Como alternativa, uma estratégia que considere a possibilidade de descentralizar o tratamento em um maior número de estações de dimensões reduzidas poderia permitir uma grande diminuição dos custos de construção do sistema de coleta de esgoto e, conseqüentemente, uma mais rápida execução das intervenções. Portanto, uma amenização em um tempo mais curto dos gravíssimos problemas higiênico-sanitários atuais.

É evidente que, se a escolha entre as duas estratégias tivesse que depender apenas dos mencionados fatores custos e tempos, a escolha pela descentralização prevaleceria sobre as demais, sobretudo nas atuais contingências político-econômicas do País, em que muitos problemas derivam das áreas urbanas mais pobres e periféricas. A escolha torna-se ainda mais difícil diante dos aspectos de gestão e ambientais que poderiam induzir

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a uma estratégia centralizada. Se, de fato, é verdade que as plantas de pequeno porte evidenciam despesas e ne-cessidade de cuidados em proporções muito maiores do que as das instalações de grande porte, e que a coleta e o escoamento para plantas maiores resultam em escolhas preferíveis, deve-se, contudo, considerar que os custos energéticos vinculados a elevações internas, compressores, recirculações, pagamento de funcionários, custos de retirada e eliminação do lodo são itens de exercício que, numa planta de maior porte, não são eliminados, mesmo diminuindo a incidência percentual. Por outro lado, são acrescentados os custos da construção da rede de canalização, da sua manutenção e os custos energéticos derivados das eventuais estações elevatórias. Sem contar que o problema da introdução, no ambiente, de grandes estruturas depurativas pode resultar em casos de mais difícil resolução do que a adoção de estruturas modulares de pequeno porte, mais ou menos distribuídas de forma uniforme no território.

Em relação aos aspectos de gestão, a experiência italiana foi até agora bastante clara. Uma grande quan-tidade de pequenas obras construídas em todo o País está hoje quase que totalmente abandonada e inutilizada em razão de graves carências de gestão, por causa da impossibilidade, por parte das administrações encarre-gadas, de se responsabilizarem pelo ônus da gestão e também por não disporem de meios compatíveis e de pessoal capacitado. Na Itália, portanto, a solução adotada no planejamento foi geralmente a de uma substancial centralização: poucas grandes plantas são mais confiáveis e mais passíveis de administrar do que muitas peque-nas plantas. Mas, após a introdução na Itália do “Ambito Territoriale Ottimale” (ATO) e do correspondente Gestor Único para todas as estações de tratamento do ATO, a adoção de um maior número de estações de dimensões mais reduzidas pode ser novamente considerada, mantendo as outras condições, pois o bom nível de gestão é garantido pela dimensão do Gestor Único e pelas suas qualidades tecnológicas e profissionais. Os custos de gestão de várias estações são talvez maiores, mas não deixando de ser sustentáveis, e se o nível de depuração garantido por eles em geral é ambientalmente aceitável, a solução parcialmente descentralizada pode ser viável e pode tornar-se desejável. Efetivamente, hoje, na Itália, em muitas áreas, como as rurais, são adotadas soluções descentralizadas entregues a uma única entidade gestora.

Com a introdução de um gestor único, o problema de gestão pode se orientar basicamente para questões ligadas ao aspecto ambiental, que se torna decisivo para a escolha da estratégia ideal. O confronto entre as diversas alternativas deveria ser delineado, garantindo que, qualquer que seja a escolha, o nível de tratamento estará apto a responder aos requisitos de qualidade dos corpos hídricos receptores ou dos limites impostos por leis federais ou estaduais. Em outras palavras, a difícil decisão da qual deriva todo o resto refere-se ao nível de depuração necessária para o saneamento ambiental dos corpos hídricos, específico de cada realidade local.

Mesmo sob o aspecto ambiental, a escolha da solução descentralizada pode ser hoje mais viável, já que o contínuo desenvolvimento tecnológico do setor levou a aprimorar as plantas de dimensões médio a pequenas, confiáveis e capazes de oferecer bons níveis de depuração.

Definitivamente, a solução descentralizada pode tornar-se razoavelmente sustentável, desde que seja ga-rantido um nível de depuração que respeite os requisitos ambientais e desde que as estações de tratamento sejam geridas por um operador único, dotado de adequados recursos e competências.

No Brasil, por exemplo, em muitas cidades visitadas, já existem entidades gestoras, dotadas de grande dimensão e de elevada capacidade tecnológica e financeira, a exemplo de: Copasa em Belo Horizonte, Semasa em Santo André, Compesa em Recife, e Semosb em Manaus. Uma eventual estratégia descentralizada poderia conseqüentemente ser analisada e não ser eliminada a priori.

A escolha quanto ao planejamento deveria, portanto, ser delineada com base em objetivos de qualidade ambiental a serem alcançados para os diversos corpos hídricos no cenário futuro definitivo do Plano e também

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com base nas metas intermediárias escolhidas e fundamentadas em critérios de prioridade e de efetiva viabilida-de técnico-econômica.

Para sedimentar essa idéia, pergunta-se: seria possível, em conformidade com a atual situação econômi-ca, social e ambiental de uma determinada municipalidade, utilizar o Plano adotando como futuro e definitivo cenário o utilizado na obtenção de limites de depuração impostos pelas diretivas européias e pela legislação italiana? Nesse caso, admitindo que, no contexto territorial, encontram-se características de “área sensível à eutrofização”, os principais requisitos mínimos de depuração deveriam atender aos seguintes valores mínimos (conforme as tabelas 1, 2 do D. Lgs. 152/99): SS = 35 mg/L; BOD5 = 25 mg/L; COD = 125 mg/L; Ntot = 15 mg/L (10 mg/L para população > 100.000 habitantes equivalentes); Ptot = 2 mg/L (1 mg/L para população > 100.000 habitantes equivalentes). Como se pode observar, trata-se de limites exeqüíveis,que seriam garantidos por uma boa estação de tratamento biológica, equipada com sistema de nitrificação e denifricação, tratamento que pode ser realizado em uma pequena bacia, para uso de 20 mil a 30 mil habitantes. Esse nível de depuração, porém, é absolutamente impossível de se alcançar em um sistema disseminado com muitas pequenas estações do tipo Imhoff.

Enfim, convém que, por essa ótica, sejam atentamente revistos os estudos pregressos com o objetivo de verificar se a estratégia descentralizada, que implica custos muito mais baixos e menor tempo de execução, pode levar a uma mais fácil e mais aceitável recuperação das atuais condições higiênico-sanitárias, não prejudicando a qualidade do meio ambiente para as gerações futuras.

10.2.3 As possibilidades oferecidas pelos modernos sistemas de suporte às decisões. O Sistema Inteligente Moma FD©

A identificação das estratégias do Plano e das metas intermediárias a serem progressivamente atingidas nas redes e nas estações de depuração – de acordo com a classificação do estado de comprometimento sanitário e ambiental, das conseqüentes prioridades de intervenção e das programações econômico-financeiras – pode ser facilitada por modernos sistemas de suporte às decisões.

Referimos a pacotes informáticos que, com base numa idônea seleção de indicadores de eficiência ou funcionalidade, codificam as informações disponíveis, ou seja, fornecem um guia para a coleta das informações eventualmente ainda não conhecidas, analisam com algoritmos apropriados às diversas alternativas e fornecem uma resposta final consistente, com as respectivas avaliação e classificação. As mais recentes convenções inter-nacionais deram amplo espaço a esses sistemas pela otimista expectativa de sua utilidade. Entre esses sistemas, podemos citar o Sistema Inteligente Moma FD©, aperfeiçoado na Itália em 2002, pelo Centro Studi Idraulica Urbana (Dades), sob responsabilidade do Ministério do Ambiente e da Tutela do Território e do Ente per le Nuove Tecnologie, l’Energia e l’Ambiente (Enea). O Moma FD© tem por objetivo avaliar o nível de conhecimento e con-fiabilidade das propostas de planificação, de execução e de gestão das estruturas de esgoto e de tratamento, e cumprir as normas européias e italianas quanto ao seu impacto ambiental.

O Sistema Inteligente Moma FD© é constituído por um conjunto de módulos informáticos que, por meio de sistemas objetivos de avaliação, permite:

• expressar uma avaliação, referente a uma escala de classificação objetiva, do nível de conhecimento do estado atual das estruturas das redes de esgoto e de depuração, e das relativas localizações e plantas;

• orientar a escolha das prioridades de reconhecimento, execução e intervenção;• expressar uma avaliação sobre a legitimidade das propostas de planificação e de execução nos seus

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aspectos funcionais, de gestão e ambientais, segundo uma classificação fundamentada em relações custos/benefícios;

• expressar uma avaliação, em relação a uma escala de classificação objetiva, do modelo de gestão, do plano de desenvolvimento tarifário e do plano econômico-financeiro contidos no Plano de Âmbito;

• verificar a eficiência das intervenções e medir, ao longo do tempo, o melhoramento progressivo da qualidade do meio ambiente.

10.3 Cheias fluviais e drenagem urbana

Os riscos de inundação das áreas urbanizadas, provocados pelas cheias fluviais e pelas cheias urbanas ou pelo efeito combinado dos fenômenos, são muito freqüentes e sentidos nas cidades brasileiras. O progressivo e impetuoso desenvolvimento urbano e da construção civil conduziu a uma redução dos cursos de água, que, em alguns casos, foram encerrados em galerias, com conseqüente restrição a sua condutibilidade hidráulica. Paralelamente, o mesmo desenvolvimento determinou um significativo incremento das vazões e dos volumes de cheia por causa da impermeabilização do solo e da diminuição do tempo de concentração do processo de formação das vazões defluentes pluviais.

Mesmo rica e detalhada, a documentação disponível carece de estudos de delimitação territorial que respon-da a critérios objetivos e probabilísticos, das áreas submetidas a situações de periculosidade, exposição e vulnera-bilidade e risco. O risco, substancialmente, não depende apenas da presença potencial de um fenômeno perigoso – por exemplo, do alagamento de cheia fluvial, que atinge uma área determinada –, mas está ligado à probabilidade de verificar-se um evento danoso a bens expostos e à capacidade de resistir à intensidade do fenômeno.

É importante notar que a identificação das áreas com alto risco de inundação conduz a duas importantes conseqüências:

• uma eficaz identificação das prioridades de defesa e adoção de uma objetiva programação do tempo necessário para proceder à intervenção;

• a adoção de medidas estruturais de defesa civil, de reclassificação urbanística progressiva dessas áre-as, com a adoção de normativas e regimes fiscais ou de seguros coerentes com o estado de risco.

Como já citado, nas atuais tendências da engenharia sanitária não se ocupa mais de uma política de de-fesa sanitária do território, elaborada em relação à potencialização dos sistemas e das características hidráulicas dos canais, de modo a aumentar a capacidade de transporte hidráulico. Essa estratégia, de fato, não se faz em longo prazo e aumenta notavelmente os custos, pois transfere e multiplica o problema em direção a jusante. A estratégia da canalização e do escoamento a jusante das águas deve, portanto, integrar-se a uma estratégia que incentive o controle e a redução local das vazões de cheia, mediante reservatórios de amortecimento e métodos de infiltração, desde que estes últimos sejam compatíveis com a natureza dos solos e a qualidade das águas.

Os novos planejamentos devem ser elaborados com uma visão integrada da interconexão entre cheias flu-viais e drenagem urbana, de modo a equilibrar, dentro do próprio tecido urbano, os efeitos sanitários da imperme-abilização dos solos, de forma a não alterar, e se possível reduzir, as vazões de cheia em direção a jusante. Aliás, essa concepção não parece ser totalmente acolhida pelas políticas locais de drenagem urbana. Na Itália, por causa do alto grau de densidade de construção civil e industrial, muitos planejamentos seguem essas orientações.

A Região da Lombardia, por exemplo, adotou, no âmbito do Plano de Saneamento das Águas (1993), al-gumas importantes limitações às vazões de drenagem urbana, que foram recentemente confirmadas pelo Plano de Tutela das Águas (2005).

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Com base nessas abordagens, as novas urbanizações devem limitar, em todo o território urbano, por meio de medidas locais de amortecimento e de infiltração, as vazões pluviais, de modo a não precisar recorrer a adequações das redes de drenagem urbana a jusante. Os instrumentos urbanísticos municipais devem prever que – na reconversão das áreas urbanas ou na formação de novas expansões da construção civil que implicam o incremento da impermeabilização do solo – sejam sempre salvaguardadas as redes hidráulicas destinadas à sua recepção, evitando, assim, contínuo círculo vicioso:

Nova urbanização – novas vazões – reconstrução das redes de jusante.

Figura 10.3 Área sujeita a risco de inundação por cheia, em que a intersecção cartográfica das classificações de vulnerabilidade, de exposição e de periculosidade conduz à determinação do

mapa final, com a delimitação das áreas conforme seus níveis de risco

Em relação ao território indicado com linha pontilhada na figura 33, que compreende as maiores cidades da Lombardia, entre as quais Milão, as vazões máximas de drenagem urbana admitidas para lançamento nos cursos de água nunca devem superar o valor de 40 L/s por hectare impermeável (igual ao produto da superfície subjacente da bacia pelo seu runoff coefficient), para as áreas urbanas já existentes, ou de 20 L/s por hectare impermeável, para aquelas de nova urbanização, ou valores mais baixos quando em conseqüência da limitada capacidade hidráulica dos cursos de água receptores. Considerando que as vazões de pico durante as chuvas podem atingir valores até superiores a 200 L/s por hectare impermeável, essa regulamentação impõe a rea-lização de intervenções bastante importantes para a redução das vazões de pico e, portanto, a salvaguarda hidráulica dos cursos de água.

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Recentemente, essa regulamentação de drenagem urbana da Região da Lombardia encontrou mais uma vez confirmação no planejamento da bacia efetuada pela Autodridade de Bacia do Rio Pó, na qual a otimização técnico-econômica identificou soluções que prevêem amortecimentos múltiplos fluviais e “urbanos”, com o objeti-vo de obter vazões de cheia ao longo dos cursos dos rios compatíveis com os sistemas hidráulicos hoje disponíveis. Como exemplo, citamos os casos de F. Lambro (figura 34) e de T. Laura (figura 35), que atravessam os territórios da Lombardia significativamente urbanizados e nos quais os estudos hidráulicos conduziram à adoção de uma combi-nação de reservatórios de amortecimento fluvial e de reservatórios de amortecimento urbanos piscinões).

Figura 10.4 Região da Lombardia: a área pontilhada está sujeita à limitação das vazões de drenagem urbana

A limitação das vazões das enchentes urbanas pode ser obtida por diferentes estratégias. Uma delas, bem conhecida, é a do amortecimento construído em áreas de transbordamentos localizados em zonas urba-nisticamente disponíveis e idôneas, e colocados a jusante de uma parte ou de toda a rede de drenagem urbana. Dependendo da intensidade e da densidade dos assentamentos, além da distribuição dos pontos hidráulicos críticos, essa estratégia pode exigir a identificação de uma série – por vezes um grande número – de reservatórios de amortecimento, cuja eficácia total, gerada pela soma dos efeitos dos amortecimentos individuais, deve ser estudada em uma modelagem hidráulica confiável, do tipo distribuída.

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Figura 10.5 As áreas urbanizadas do rio Lambro em 1936 e em 1991

Figura 10.6 Na pequena bacia do Torrente Lura (norte de Milão), área intensamente urbanizada, o Plano de Bacia prevê a necessidade de 16 reservatórios de amortecimento, dos quais 9 urbanos e 7 fluviais, para um volume total de 1.200.000 m3, em

relação a um volume total da cheia igual a (T = 100anos) = 2.640.000 m3

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Como os reservatórios de amortecimento localizam-se ao longo dos locais onde se desenvolvem as redes de drenagem ou a jusante destas, sua construção fica sob a responsabilidade da área financeira pública, enquanto sua manutenção e sua gestão ficam geralmente a cargo do mesmo órgão responsável pelo gerencia-mento da rede.

Uma estratégia de alguma forma alternativa e hoje em dia muito incentivada é a adoção das chamadas Best Management Practices (BMP), isto é, um conjunto de estratégias não-estruturais quanto ao uso do solo e estruturais de caráter difuso, para incentivar a infiltração e o amortecimento local das águas pluviais a mon-tante, das redes de drenagem urbana e dos cursos d’água naturais (figura10.7).

O objetivo geralmente proposto é a obtenção de vazões e volumes de defluxo entrando nas redes hi-drográficas menores ou, pelo menos, não maiores que aqueles anteriores à urbanização (chamado de impacto zero). Nesse caso, visto que a estratégia é de caráter difuso e fracionado até o interior de cada propriedade, sua adoção pode ser imposta aos titulares dos imóveis, por normativa legal, não ficando sob a responsabilidade do órgão público.

Obviamente, se as características pedológicas do solo e dos lençóis freáticos permitem incentivar ao máximo a infiltração das águas pluviais no terreno, com essa estratégia diminuem muito as necessidades de escoamento e, conseqüentemente, os custos das redes. As BMP proporcionam, além da drástica contenção das vazões, grande economia. Trata-se, portanto, de uma política muito favorável aos países em desenvolvimento, onde os custos de implementação da infra-estrutura hidráulica, nas áreas urbanizadas, chegam a ser proibitivos.

Entretanto, é necessário considerar que a infiltração do solo pode ser bastante problemática não só por causa das características pedológicas desfavoráveis, mas também pela progressiva e inevitável redução do coeficiente de permeabilidade e, portanto, da capacidade de infiltração provocada pela oclusão causada pelas substâncias sólidas transportadas pelas águas pluviais e pela geração de biomassa que adere às partículas do terreno. A redução da capacidade de infiltração pode, portanto, chegar a anular rapidamente os efeitos posi-tivos obtidos nas primeiras fases de vida das estruturas de infiltração. A recuperação da capacidade primitiva de infiltração pode ser muito difícil se as estruturas de infiltração dependerem de características individuais, estiverem muito difusas, forem de pequeno porte e de gestão pouco confiável.

Devemos acrescentar que a infiltração de águas pluviais que contenham – como já mencionado – elevadas cargas de poluentes deve ser considerada inaceitável. Devemos lembrar que a contaminação do solo ou de lençol freático pode constituir um dano ambiental definitivo, ou que repercutirá por muitas décadas futuras, em virtude do longo tempo exigido para a reposição de fenômenos hidrogeológicos. Se o terreno passível de infiltração for caracterizado por tráfego automobilístico ou por atividade comercial e industrial que produza resíduos – sobre as superfícies pavimentadas – de metais pesados e substâncias tóxicas bioacumuladoras, a infiltração não deve ser adotada, a menos que se instalem filtros bioquímicos a montante na entrada das estruturas de infiltração. Mas isso obviamente multiplicará os custos de execução de infra-estruturas e de gestão.

Se as características dos solos e dos lençóis não oferecem facilidades à infiltração, as medidas das BMP consistirão essencialmente na realização de reservatórios de amortecimento locais, a serem construídos a mon-tante das ligações na rede pública de drenagem urbana ou dos receptores. Mesmo nesse caso, a redução das va-zões traz economias na realização e na gestão das redes públicas de drenagem. Mas, para termos uma avaliação econômica abrangente, é necessário acrescentar os maiores custos necessários para a construção e a gestão dos amortecimentos privados. Evidentemente, esse estudo deve ser feito caso por caso, por causa das características hidrogeológicas e hidráulicas locais – para avaliar tanto o benefício efetivo a ser alcançado com as BMP, como a confiabilidade nelas no futuro.

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Figura 10.7 Esquemas de drenagem urbana tradicionais, comparados àqueles que atendem à lógica das BMP Mikkelsen, 2003

A adoção das BMP parece viável nas áreas econômica e tecnologicamente avançadas e habitadas por uma população de alto sentido cívico e de atenção e respeito ao uso do solo. Nessas comunidades, a implementação de medidas de amortecimento e infiltração difusa, eventualmente com um leque de técnicas de biofiltragem, teria grande possibilidade de sucesso. No entanto, o que nos interessa, e é um desafio, é a verificação da aplicabili-

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dade das BMP também em áreas de grande concentração urbana e de extensa pobreza, que são características de muitos países em desenvolvimento (por exemplo, as favelas no Brasil). Nesses casos, a sua adoção atenderia amplamente às vazões e aos volumes das águas pluviais. Nesse sentido, parece aconselhável caminhar por etapas, realizando, numa primeira fase, o estudo de aplicabilidade das BMP em “áreas-amostra” – a serem cui-dadosamente selecionadas – para que, com uma intensa e contínua campanha de sensibilização e informação, a população passe colaborar com os testes de campo das diferentes técnicas, para a diminuição das vazões e dos volumes da vazão defluente das águas pluviais.

Concluindo, as linhas indicadas são as seguintes:• limitação das vazões de descarga por meio de amortecimentos ou, quando possível, com infiltração

das águas pluviais urbanas, impondo, em normas específicas, os valores máximos, que não devem ser ultrapassados para respeitar a atual capacidade hidráulica dos receptores ou das redes de drenagem urbana a jusante;

• adoção de técnicas de infiltração somente onde não há probabilidade de riscos de contaminação dos lençóis freáticos, sem negligenciar o conteúdo fortemente poluidor das águas pluviais, com capacidade de lixiviação das superfícies urbanas, caracterizadas por tráfego de automóveis ou atividades comer-ciais e industriais geradoras de substâncias poluidoras;

• escolha entre “sistemas de amortecimento a jusante” das redes de drenagem urbana (solução tradicio-nal a cargo de órgão público) ou “a montante” das mesmas redes (novas soluções de BMP realizadas primordialmente dentro de propriedades privadas), a depender da avaliação de sua confiabilidade no tempo e dos custos totais (somatória dos custos de construção e gestão, delegados ao órgão público ou a particulares);

• aplicação e incentivo às BMP em áreas-amostra, caracterizadas por forte concentração urbana (favelas) cuidadosamente selecionada, e prévia sensibilização e informação contínua às populações interessadas.

10.4 A instabilidade das encostas e o controle do transporte sólido

A urbanização no Brasil sempre ocorreu de modo desordenado. Como conseqüência, houve extensas ocu-pações e transformações do solo com remoção da vegetação natural (freqüentemente a floresta é considerada um inimigo do qual precisamos nos defender, mais do que um ativo ambiental a ser protegido), ficando o solo descoberto e empobrecido. A capacidade de erosão do terreno extrapolou e o conseqüente transporte sólido se espalhou ao longo das superfícies urbanas e dentro da tubulação de drenagem urbana.

Os pesados prejuízos para a capacidade de escoamento das águas pluviais e as conseqüentes enchentes – cada vez mais freqüentes e com efeitos mais graves – são óbvios. O grande comprometimento de recursos hu-manos e financeiros por parte das instituições responsáveis pela manutenção das redes de drenagem urbana e pela remoção dos materiais depositados nos canais arrisca a ser continuamente inutilizado por conta dos novos aportes sólidos. É, portanto, necessário acompanhar as obras de manutenção com intervenções de estabilização dos solos passíveis de erosão e de contenção do transporte sólido.

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Figura 10.8 As duas fotos demonstram como os canais de drenagem urbana, que aferem ao Rio Jordão no trecho ao longo da avenida Maria Irene, entre a cidade do Recife e o município de Jaboatão dos Guararapes, são duramente prejudicados pelo

assoreamento, que dificulta o escoamento dos efluentes e provoca seu refluxo sobre a superfície das ruas

Estabilização das encostas

Em alguns estudos consultados, está prevista a adoção de métodos de proteção das encostas para evitar a erosão e o assoreamento dos canais, como: a pavimentação e a construção de escadas nos morros, a recupe-ração das áreas verdes das áreas afetadas pela ocupação, a proteção das encostas com muros e outros tipos de contenção.

O que foi observado é um exemplo de uma situação já há muito difundida, ligada à urbanização dos mor-ros, cujos principais aspectos críticos se referem a:

• Fenômenos de instabilidade local das encostas, após as chuvas, com risco elevado quanto à segurança da população assentada;

• Erosão do solo, com transporte de elevadas quantidades de material a jusante, continuamente depo-sitado na rede de macrodrenagem nos trechos com declive moderado, obstruindo as seções de vazão defluente;

• Aumento das águas pluviais descarregadas a jusante, como resultado da impermeabilização do solo.Em Recife, por exemplo (fig 10.9), algumas áreas de erosão, carentes de vegetação e com forte declive, já

foram revestidas de cimento para conter a erosão e para evitar a infiltração de águas que sejam perigosas para a estabilidade da encosta e das moradias localizadas abaixo. Além do mais, estão sendo construídos muros de sus-tentação, novas pavimentações e escadas ao longo dos percursos dos pedestres e de ruas, com os respectivos canais de drenagem, para controlar eficazmente as águas pluviais e evitar que provoquem o efeito de lixiviação e se infiltrem ao longo das superfícies das encostas. Se os propósitos e as soluções adotadas são, em grande par-te, eficazes e louváveis, a técnica de revestir com cimento os solos descobertos levanta algumas questões. Esse tipo de procedimento, certamente eficaz para barrar a infiltração das chuvas, causa um aumento dos volumes de águas superficiais, com o agravamento da drenagem a jusante.

Mesmo do ponto de vista estético e paisagístico, seriam preferíveis técnicas de engenharia naturalista, baseadas na recuperação da vegetação e na estabilização das encostas, para trazê-las de volta a uma função

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hidrogeológica do tipo pré-urbano. Essas são possibilidades oferecidas pelos métodos e critérios da engenharia naturalista.

Em outras palavras, as técnicas da engenharia naturalista poderiam atuar sob a ótica das supracitadas BMP, i.e., buscando controlar e reduzir localmente as águas pluviais de escoamento superficial, inclusive a custos mais baixos, enquanto as intervenções implementadas atuam sob a ótica do distanciamento e da condução das águas pluviais a jusante. Nesse caso, seria também indicado conduzir estudos e testes de comparação entre di-ferentes alternativas em áreas de amoragem.

Figura 10.9 As duas fotos mostram as intervenções de revestimento com cimento nas encostas de erosão

Controle do transporte sólido

É absolutamente evidente que, por causa da distribuição e da extensão areal das encostas em erosão, as intervenções de estabilização jamais poderão – em virtude também de seu elevado custo – anular a geração de sedimentos sólidos. Portanto, é de prever-se que ela permanecerá mais ou menos relevante, mas sempre significativa. Torna-se, então, indispensável somar, às obras de estabilização das encostas, outras intervenções de controle e de retenção do transporte sólido, em pontos críticos da rede de drenagem. Essas intervenções consistiriam em: construção de reservatórios de retenção e de aprisionamento dos sedimentos, de acordo com as mudanças de declive; confluências de diferentes canais; pontos de melhor localização e manutenção; etc. Conforme sua distribuição ao longo da rede de drenagem, os reservatórios podem ser de tamanhos variáveis e, portanto, podem atender a tipologias diferentes. Por exemplo, podem ser do tipo aberto ou do tipo fechado, ou enterrado sob a pavimentação das ruas (figura 10.10).

Com essas intervenções, atinge-se um duplo objetivo:• Evita-se a propagação descontrolada de sedimentos a jusante;• Permite-se que o gestor possa concentrar os compromissos de manutenção e remoção de sedimentos

em estruturas predispostas para tal fim, sem precisar intervir, de forma mais trabalhosa, ao longo da formação das vazões defluentes nas ruas e dentro dos dutos.

Conclui-se que, para enfrentar esse problema, seria aconselhável elaborar um novo plano, composto de:• Estudo da possibilidade de erosão das encostas, também em conseqüência das intervenções de estabi-

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lização programadas ou implementadas, e avaliação quantitativa da provável produção sólida; corina• Análise hídrica da rede de drenagem existente ou projetada para identificar os pontos críticos onde se

deve instalar os reservatórios de retenção de sólidos;• Identificação das diferentes alternativas de distribuição e robustez dos reservatórios e sua avaliação téc-

nico-econômica (em termos de custos de construção e de gerenciamento); • Identificação das intervenções prioritárias.

10.5 Estudos experimentais sobre bacias urbanas piloto

Conforme já explanado (item 3.2), no caso de construções em áreas de população de baixa renda, os problemas referentes a saneamento básico, drenagem urbana e estabilização dos solos assumem grande valor e apresentam dificuldades de solução, que chegam a parecer intransponíveis.

No entanto, o desafio não pode ser assumido uma vez que, pelos motivos já expostos, essas realidades são destinadas a permanecer no local por um tempo indeterminado.

Parece oportuno propor um teste cuidadoso nas áreas-piloto, a serem posteriormente selecionadas com base nos problemas técnicos que se quer analisar e com base no contexto local - social e civil. Se todas as ex-periências de campo forem difíceis, demoradas e onerosas, aquelas aqui propostas - se não se chegasse a uma plena participação da comunidade local - resultariam ainda mais onerosas e aleatórias.

É necessário que, com uma intensa e contínua campanha de sensibilização e informação, a população não crie obstáculos, mas colabore com os testes de campo. A abordagem pode ser igual àquela já mencionada e implementada com sucesso em Belo Horizonte e o Reife.

“a”

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“b”

Figura 10.10 Foto a) mostra um reservatório de retenção do transporte sólido recentemente construído em Nápoles; b) mostra um tipo de tanque/reservatório subterrâneo ao

longo de uma tubulação de drenagem urbana

Como já mencionado, os objetivos das experiências deveriam ser relativos aos aspectos mais críticos evi-denciados nos capítulos anteriores e em particular:

• Aplicação das lógicas de intervenção difusa (tipo BMP), acionando intervenções de micro-amorteci-mento para reduzir os fenômenos de inundação. Uma primeira tentativa experimental poderia ser o aparelhamento das unidades habitacionais selecionadas com um pequeno reservatório de captação de água de chuva que cai do telhado para amortecer a vazão de pico;

• Um reservatório de aproximadamente 500 litros para cada 10 m2 de superfície de teto e dotado de uma descarga no fundo de diâmetro limitado, poderia ser suficiente para tal finalidade e de custo muito baixo. Evidentemente essa providência seria viável somente com o compartilhamento e a colaboração da população para a sua manutenção. Somente depois de ter analisado e resolvido todos os reflexos de saneamento (higiênico-sanitários), incluindo a necessidade de evitar a proliferação de mosquitos e mosca da dengue.

• Aplicar as intervenções que melhorem a infiltrabilidade do solo, afastando a preocupação de risco de contaminação do subsolo e das águas subterrâneas;

• Verificar a viabilidade e a capacidade de gerenciamento das redes locais de esgotos direcionadas para estações de tratamento de tamanho pequeno a médio, de tecnologia simples e de baixo custo, com a finalidade de pelo menos atenuar as situações de higiene/saneamento mais críticas;

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• Verificar a viabilidade e a capacidade de gerenciamento de intervenções de engenharia naturalista (bio-engenharia) difusa, capazes de atender à formação de instabilidade, de conter a erosão do solo e de mitigar o transporte sólido a jusante.

Além de ampliar o conhecimento e as descobertas no local, as experiências poderiam resultar num ajuste de “diretrizes” de utilidade geral. Para tanto, as experiências deveriam ocorrer simultaneamente num grupo diver-sificado de áreas de amostragem. Isso permitiria atingir, num curto espaço (poucos anos), um amplo espectro de resultados úteis, para se obter um panorama representativo dos problemas a serem resolvidos.

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11 Águas urbanas no Brasil: Cenário atual e desenvolvimento sustentável Carlos E. M. Tucci e Luiz Fernando Orsini

11.1 Gestão das águas pluviais urbanas

O manejo das águas pluviais e o controle dos impactos sobre a sociedade devem ser entendidos em dois ambientes distintos (capítulo 1):

• a bacia hidrográfica de médio e grande porte (> 500 km2), na qual predomina a ocupação rural, com inundações naturais quando o rio ocupa seu leito maior denominado aqui de Inundações ribeirinhas; e

• na bacia pequena, na qual predomina a urbanização do solo (geralmente variando de 2 a 100 km2), e onde prevalece o aumento da inundação por conta dos efeitos de impermeabilização do solo e da aceleração do escoamento decorrente de condutos e canais, denominado aqui de drenagem urbana.

Em algumas cidades ou regiões metropolitanas, esses dois cenários podem ocorrer na mesma bacia. Em razão das divisões disciplinares na sociedade organizada, esses dois ambientes têm sido tratados por profis-sionais de diferentes formações e entendimento da bacia hidrográfica e de seus efeitos, e têm sido geridos por entidades em distintos níveis.

A seguir, é apresentado um resumo dos impactos e dos problemas relacionados com a drenagem urbana e as inundações ribeirinhas nas cidades brasileiras, e os aspectos institucionais a eles relacionados.

11.2 Impactos nas águas pluviais no Brasil

11.2.1 Áreas ribeirinhas

As inundações são mais antigas que a existência do homem na terra. O homem sempre procurou se ins-talar perto dos rios para usá-lo como transporte, obter água para consumo e mesmo como meio para dispor de seus dejetos. As áreas próximas aos rios geralmente são planas, propícias para o assentamento humano, o que motivou a sua ocupação.

O desenvolvimento histórico da utilização de áreas livres explica os condicionamentos urbanos hoje exis-tentes. Em decorrência da grande dificuldade de meios de transporte no passado, utilizava-se o rio como a via principal. As cidades desenvolveram-se às margens dos rios ou no litoral. Pela própria experiência dos antigos moradores, a população procurou habitar as zonas mais altas aonde o rio dificilmente chegaria. Com o cresci-mento desordenado e acelerado das cidades, principalmente na segunda metade do século 20, as áreas de risco considerável, como as várzeas inundáveis, foram ocupadas, trazendo como conseqüência prejuízos humanos e materiais de grande monta resultantes das subseqüentes inundações.

As inundações ribeirinhas ocorrem principalmente por causa da ocupação do solo do leito maior. Nos perío-dos de pequena inundação, costuma-se ocupar as áreas de risco e quando ocorrem as grandes inundações os pre-juízos são significativos. A seguir, são apresentados alguns casos sobre impactos derivados desse tipo de cenário:

(a) No rio Itajaí, no Estado de Santa Catarina, existe uma série de níveis máximos de inundações desde 1852. Desse histórico pode-se observar que as três maiores inundações em Blumenau ocorreram entre 1852 e 1911, sendo a maior em 1880, com 17,10 m (figura 11.1). Entre 1911 e 1982, não ocorreu

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nenhuma inundação com cota superior a 12,90 m, o que fez a população perder a memória dos eventos críticos e passasse a ocupar o vale de inundação. Em 1983, quando a cidade se encontrava bem desen-volvida, com população de cerca de 500 mil habitantes, ocorreu uma inundação (a quinta em magnitude dos últimos 150 anos) com cota máxima de 15,34 m. Os prejuízos resultantes em todo o Vale do Itajaí representaram cerca de 8% do PIB de Santa Catarina. A lição tirada desse exemplo é que a memória so-bre as inundações se dissipa com o passar do tempo e a população deixa de considerar o risco. Assim, sem planejamento do espaço de risco, a ocupação volta a ocorrer, submetendo-se a enormes prejuízos. No entanto, a Cia. Hering em Blumenau (fundada em 1880, ano da maior inundação) manteve na me-mória o valor de 17,10m e desenvolveu suas instalações em cota superior a essa. Sem planejamento, os relatos históricos são as únicas informações disponíveis para orientar as pessoas.

Figura 11.1 Níveis de inundações em Blumenau, Santa Catarina

(b) Na figura 11.2, podem-se observar os níveis de enchentes no rio Iguaçu, em União da Vitória. Entre 1959 e 1982, ocorreu apenas uma inundação com risco superior a cinco anos. Esse período foi jus-tamente o de maior crescimento econômico e expansão das cidades brasileiras. As enchentes após 1982 produziram prejuízos significativos na comunidade (tabela 11.1).

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Tabela 11.1 Perdas por inundações em União da Vitória e Porto União (Jica, 1995)

Ano PrejuízosUS$ milhões

1982 10.365

1983 78.121

1992 54.582

1993 25.933

Figura 11.2 Níveis máximos de enchentes no rio Iguaçu em União da Vitória (bacia de cerca de 25.000 km2), (Tucci and Villanueva, 1997)

(c) No alto rio Paraguai, existe um dos maiores banhados do mundo, denominado Pantanal. Nessa re-gião, sempre houve uma convivência pacífica entre o meio ambiente e a população. Na figura 11.3, podem-se observar os níveis máximos de enchentes em Ladário desde o início do século. Na tabela 11.2, são apresentados valores do nível máximo médio de inundação e das áreas inundadas do Pantanal em três períodos distintos. Pode-se observar a grande diferença da década de 60 com rela-ção às demais. Nesse período, houve ocupação dos vales de inundação por períodos longos, e não apenas sazonalmente. A população foi desalojada nas décadas seguintes em virtude do aumento da freqüência dos níveis de inundação. A perda econômica do valor das propriedades e a falta de sus-tentação econômica foram as conseqüências imediatas. Essa população passou a viver na periferia das cidades da região, em estado de pobreza. Uma propriedade que ficava inundada 20% do tempo na década de 60 atualmente fica 80% inundada.

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Figura 11.3 Níveis máximos anuais em Ladário, no Rio Paraguai, e média dos períodos: (a) 1900-1961; (b) 1961-1973; (c) 1973-1991

Tabela 11.2 Valores estimados de níveis e áreas inundadas no Pantanal (valores aproximados)

Período Nível Máximo Médiom

Área Inundada Média no Pantanal1 1.000 km2

1900-1959 4,16 35

1960 – 1972 2,21 15

1973-1992 5,49 50

Fonte: Valores aproximados obtidos de Hamilton (1995)

(d) Em Porto Alegre, RS, existem níveis de inundação desde 1899, quando se observaram vários eventos até 1967 (figura 11.4). Em 1970, foi construído um dique de proteção para a cidade e desde 1967 não ocorre nenhuma inundação com tempo de retorno superior a 10 anos (~2,94 m). Nos últimos anos, houve um movimento na cidade para a retirada do dique de inundação, considerando que não tinham ocorrido eventos nos últimos 38 anos. Essa percepção errada do risco de inundação levou a Câmara de Vereadores a aprovar a derrubada do dique, que felizmente não foi executada pelo município.

O ambiente institucional de controle de inundações nos países em desenvolvimento geralmente não leva a uma solução sustentável. Existem apenas poucas ações isoladas de alguns profissionais. Em geral, o atendimento a enchentes somente é realizado depois de sua ocorrência. A tendência é que o problema caia no esquecimento após cada enchente, retornando na seguinte. Isso se deve a vários fatores, entre os quais estão os seguintes:

• falta de conhecimento sobre controle de enchentes por parte dos planejadores urbanos;• falta de planejamento e gestão de inundações em âmbito federal e estadual;

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Figura 11.4 Níveis de inundação em Porto Alegre, no período 1899-1994

• pouca informação técnica sobre o assunto e escasso conhecimento na formação técnica de engenheiros;• o desgaste político para os administradores públicos no controle não-estrutural (zoneamento), já que

a população está sempre esperando uma obra hidráulica, por falta de uma maior capacitação sobre o assunto;

Em alguns locais, não existe interesse na prevenção das inundações, pois, quando ocorrem, os recursos são fornecidos a fundo perdido.

11.2.2 Drenagem urbana

O desenvolvimento urbano modifica a cobertura vegetal, provocando vários efeitos que alteram os com-ponentes do ciclo hidrológico natural. Com a impermeabilização do solo, por meio de telhados, ruas, calçadas e pátios, a água que infiltrava passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamento superficial. O volume que escoava lentamente pela superfície do solo e ficava retido pelas plantas, com a urbanização passa a escoar através de superfícies impermeáveis, condutos e canais, exigindo maior capacidade de escoamento e aumento das seções e da declividade do conduto ou canal.

Com a urbanização, são introduzidas as seguintes alterações no ciclo hidrológico:• Redução da infiltração no solo;• Aumento do escoamento superficial. O volume que deixa de infiltrar, ao ficar na superfície, aumenta o

escoamento superficial. Com os condutos pluviais, aumenta a velocidade do escoamento superficial, reduzindo o tempo de deslocamento. As vazões máximas também aumentam, antecipando seus picos no tempo (figura 11.2). A vazão máxima média de inundação pode aumentar de seis a sete vezes. Na bacia do Rio Belém, em Curitiba, com área de drenagem de 42 km2 e áreas impermeáveis da ordem

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de 60%, foi obtido um aumento de 6 vezes na vazão média de cheia das condições rurais para a con-dição atual de urbanização. Na figura 11.5, é apresentada a vazão média de cheia em função da área de drenagem para bacias rurais e para a bacia do Rio Belém. A tendência dos valores das bacias rurais permitiu estimar a vazão média de cheia da sua situação de pré-desenvolvimento, comparando o valor atual (ponto na figura);

• Redução da água subterrânea e da evapotranspiração.

Figura 11.5 Vazão média de cheia em função da área de drenagem na região metropolitana de Curitiba

Sedimentos: Durante o desenvolvimento urbano, o aumento dos sedimentos produzidos pela bacia hi-drográfica é significativo, em decorrência de construções, da limpeza de terrenos para novos loteamentos, da construção de ruas, avenidas e rodovias, entre outras causas.

As principais conseqüências ambientais da produção de sedimentos são as seguintes:• Erosão das superfícies, gerando fortes áreas degradadas. Nas figuras 11.6 e 11.7, pode ser observado

o efeito da erosão sobre as superfícies urbanas desprotegidas. Na foto da direita, observa-se a erosão gerada pelo aumento de escoamento de drenagem a montante. O aumento da energia e da velocidade do escoamento pode produzir verdadeiros canyons, que chegam a 30 m de profundidade e a 50 m de largura em solos frágeis;

• Assoreamento das seções da drenagem, com redução da capacidade de escoamento de condutos, rios e lagos urbanos. A Lagoa da Pampulha é um exemplo de um lago urbano que tem sido assoreado. O Arroio Dilúvio em Porto Alegre, em razão de sua largura e da pequena profundidade, durante as estia-gens, tem depositado, no canal, a produção de sedimentos da bacia e criado vegetação, reduzindo a capacidade de escoamento durante as enchentes;

• Transporte de poluentes agregados ao sedimento, que contaminam as águas pluviais.

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Figura 11.6 Erosão urbana (Campana, 2004)

Figura 11.7 Erosão urbana (Campana, 2004)

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Obstruções ao escoamento: obstruções ao escoamento, como aterros e pontes, drenagens inadequa-das e obstruções ao escoamento junto a condutos e assoreamento. Alguns dos exemplos de obstrução do esco-amento são documentados a seguir:

(a) Produção de resíduo sólido que obstrui o escoamento: o material sólido, além de reduzir a capacidade de escoamento, obstrui as detenções urbanas para o controle local do escoamento. Na figura 11.8, são apresentados sistemas obstruídos por material sólido e por canalização que atraves-sa a drenagem;

(b) Resíduo sólido no sistema de detenção: À medida que a bacia é urbanizada e a densificação consolidada, a produção de sedimentos pode reduzir, mas um outro problema aparece, que é a pro-dução de lixo. O lixo obstrui ainda mais a drenagem e cria condições ambientais ainda piores. Esse problema somente é minimizado com adequada freqüência da coleta e educação da população com multas pesadas. Na figura 11.9, pode-se observar a quantidade de lixo urbano no sistema de drena-gem. Como se observa, grande parte desse lixo é devido a plásticos, com grande concentração de garrafas do tipo pet e de sacos de supermercados;

(c) Problemas de manutenção: podem ocorrer vários problemas de escoamento em decorrência da falta de limpeza do sistema de drenagem e de projetos inadequados que não consideram o assorea-mento em seções muito largas (figura 11.10).

Figura 11.8 Obstrução e resíduo na drenagem (Belo Horizonte e São Paulo)

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Figura 11.9 Lixo retido na drenagem (São Paulo)

Figura 11.10 Obstruções ao escoamento em canais (Porto Alegre)

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(d) Obstrução do escoamento por construções e aumento do risco: O desenvolvimento urbano ten-de a ocupar a drenagem, deixando pouco espaço para ela, trazendo, com isso, risco para a habitação e para montante (figura 11.11).

Figura 11.11 Construções na drenagem (Caxias do Sul)

Áreas de risco de encostas: a ocupação das áreas de relevo nas cidades é uma das principais causas de morte durante o período chuvoso, em virtude do escorregamento de terra das encostas, em conseqüência da infiltração de água no solo e da falta de sustentação de maciços naturais e alterados (figura 11.12).

Figura 11.12 Ocupação em áreas de risco

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Qualidade da água pluvial: A qualidade da água do pluvial não é melhor que a do efluente de um tra-tamento secundário. A quantidade de material suspenso na drenagem pluvial é superior à encontrada no esgoto in natura. Esse volume é mais significativo no início das enchentes. Na figura 11.13, pode-se observar a amostra de água pluvial em tempos, representado por um relógio (figura das garrafas). No início, existe pequena concen-tração, logo após, a concentração é alta, para após alguns intervalos de tempo se reduzir substancialmente. Nos primeiros 25 mm de chuva, geralmente se concentram 95% da carga. O polutagrama gerado por uma área urbana após um período seco mostra um pico de concentração antes do pico do hidrograma, indicando que a concen-tração no início é alta, mesmo com pequena vazão.

Os esgotos podem ser combinados (cloacal e pluvial num mesmo conduto) ou separados (rede pluvial e sanitária separadas). No Brasil, a maioria das redes é do segundo tipo; somente em áreas antigas de algumas cidades existem sistemas combinados. Atualmente, por conta da falta de capacidade financeira de ampliação da rede de cloacal, algumas prefeituras têm permitido o uso da rede pluvial para transporte do cloacal, o que pode ser uma solução inadequada já que esse esgoto não é tratado, além de inviabilizar algumas soluções de controle quantitativo do pluvial.

Figura 11.13 Amostradores de qualidade da água pluvial. Início da precipitação com a garrafa marrom (posição do relógio a 45 min)

Os poluentes que ocorrem na área urbana variam muito, desde compostos orgânicos a metais altamente tóxicos. Alguns poluentes são resultados de diferentes atividades no ambiente urbano – como inseticidas, fertili-zantes e chumbo provenientes das atividades dentro do ambiente urbano. A fuligem resultante das emissões de gases dos veículos, das indústrias e da queima de resíduos se depositam na superfície e são lavados pela chuva. A água resultante dessa lavagem chega, contaminada, aos rios.

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Os principais poluentes encontrados no escoamento superficial urbano são: sedimentos, nutrientes, subs-tâncias que consomem oxigênio, metais pesados, hidrocarbonetos de petróleo, bactérias e vírus patogênicos.

A qualidade da água da rede pluvial depende de vários fatores: da limpeza urbana e sua freqüência, da intensidade da precipitação e sua distribuição temporal e espacial, da época do ano e do tipo de uso da área urbana. Os principais indicadores da qualidade da água são os parâmetros que caracterizam a poluição orgânica e a quantidade de metais.

Contaminação de aqüíferos: As principais condições de contaminação dos aqüíferos urbanos são de-vidas ao seguinte:

• Aterros sanitários contaminam as águas subterrâneas pelo processo natural de precipitação e infiltra-ção. Deve-se evitar que sejam construídos aterros sanitários em áreas de recarga e procurar escolher as áreas com baixa permeabilidade. Os efeitos da contaminação nas águas subterrâneas devem ser examinados quando da escolha do local do aterro;

• Grande parte das cidades brasileiras utiliza fossas sépticas como destino final do esgoto. Esse conjunto tende a contaminar a parte superior do aqüífero. Essa contaminação pode comprometer o abasteci-mento de água urbana quando existe comunicação entre diferentes camadas dos aqüíferos, através de percolação e de perfuração inadequada dos poços artesianos;

• A rede de condutos de pluviais pode contaminar o solo por meio de perdas de volume no seu transpor-te e até por entupimento de trechos da rede que pressionam a água contaminada para fora do sistema de condutos.

11.3 Política atual de gestão das águas pluviais

A legislação brasileira não distingue as inundações ribeirinhas das decorrentes da urbanização, e observa-se um conjunto de elementos legais relacionados com o termo de inundação sem que a distinção seja realizada. Observa-se que as inundações ribeirinhas possuem uma maior intervenção federal em associação com os mu-nicípios, e os problemas de inundações na drenagem urbana ficam dentro do contexto apenas do município. A seguir, são analisados os principais elementos institucionais nesses dois ambientes.

11.3.1 Inundações ribeirinhas

A Constituição Federal de 1988, no título III, capítulo II, artigo 21°, estabelece que "compete à União” e, no inciso XVIII, “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações”.

Até 1990, o extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), em âmbito federal, atendia a parte desses problemas, com obras de barragens, canalização e diques de proteção contra inundações, como pode ser observado em diferentes cidades brasileiras (Porto Alegre, Teresina, bacia do Rio Itajaí-Açu, etc.). Com o fechamento dessa instituição, a Secretaria de Desenvolvimento Regional ficou com o pouco que resta para apoiar as cidades. As atribuições relativas a enchentes e secas da Secretaria de Desenvolvimento Regional, após várias reformas administrativas nos anos 1990, passaram à responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, que coordena o Sistema Nacional de Defesa Civil.

Em 2000, pela Lei n.º 9.984, que cria a Agência Nacional de Águas (ANA), é a ela atribuída, no art. 4°, item X, a função de “planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão central do

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Sistema Nacional de Defesa Civil , em apoio aos Estados e Municípios”. Foi a Lei n.º 9.433, de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, acima referido, e que regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal. Entre os vários fundamentos contidos nessa lei, pode-se destacar para as enchentes que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A gestão dos recursos hídricos deve ser descentra-lizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. Entre os objetivos, está a preservação e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais. Entre as diretrizes que podem ter maior efeito no combate às enchentes, destacam-se a integração e a articulação da gestão de recursos hídricos com: a gestão ambiental, os planejamentos regional, estadual e nacional e de uso do solo. Como instrumentos básicos, destacam-se os Planos de Recursos Hídricos.

De acordo com esse quadro institucional, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, no que se refere à prevenção e ao controle de cheias, sobrepõe-se, mas não se opõe à estrutura administrativa existente. A lei mantém as competências dos organismos existentes e potencializa sua atuação, envolvendo basi-camente a Agência Nacional de Águas e o Ministério da Integração Nacional, além de dois importantes apoios, a saber, a Secretaria de Obras e o Sistema Nacional de Defesa Civil, principalmente a sua articulação e aproximação com estados e municípios. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, ao promover uma des-centralização da gestão para a esfera local da bacia hidrográfica, procura efetivar uma parceria do poder público com a sociedade civil organizada. O poder decisório passa a ser compartilhado nos Comitês de Bacia Hidrográfica e nos Conselhos de Recursos Hídricos (Nacional ou Estaduais). Está prevista também a viabilidade financeira, ao destinar parte dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água ao custeio dos organismos que inte-gram o sistema e para o financiamento das intervenções identificadas pelo processo de planejamento.

Apesar da melhora institucional, talvez por ser muito recente, verifica-se que, atualmente, as administra-ções estaduais, em geral, não estão preparadas técnica e financeiramente para planejar e controlar os impactos das enchentes, já que os recursos hídricos ainda são normalmente tratados de forma setorizada (energia elétrica, abastecimento urbano e tratamento de esgoto, irrigação e navegação), sem que haja maior interação na adminis-tração e no seu controle. A regulamentação do impacto ambiental envolve o controle da ação do homem sobre o meio ambiente, mas não tem sido eficiente nas ações de prevenção e controle de enchentes.

Na esfera municipal, as prefeituras foram pressionadas a estabelecer Planos Diretores Urbanos (a Constituição de 1988 estabelece prazo aos municípios para a elaboração desses Planos), que, na sua quase totalidade, não contemplam os aspectos de prevenção contra a ocupação dos espaços de risco de enchentes. Observa-se que os Planos Diretores já tratam de aspectos de preservação ambiental do espaço, disseminados pela divulgação da proteção ambiental, mas, por falta de conhecimento e orientação, não se observa nenhum dispositivo de prevenção da ocupação das áreas de risco de enchentes.

Em geral, o atendimento a enchentes somente é realizado depois de sua ocorrência. A tendência é que o problema seja esquecido logo após a enchente, retornando na seguinte. Isso se deve a vários fatores, entre os quais podemos arrolar:

• Falta de conhecimento sobre controle de enchentes por parte dos planejadores urbanos;• Ações federal e estadual limitadas, restrigindo-se a declarar a calamidade e a fornecer fundos para

mitigar os efeitos ocorridos;• Pouca informação técnica sobre o assunto em nível de graduação em Engenharia e em outras profissões;• Desgaste político para os administradores públicos, resultante do controle não-estrutural (zoneamen-

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 25611

to), já que a população está sempre esperando uma obra hidráulica; • Falta de educação da população sobre controle de enchentes.

11.3.2 Drenagem urbana

A gestão atual da drenagem urbana é de atribuição municipal e tem sido exercida isoladamente, sem com-patibilidade com os municípios vizinhos da mesma bacia. A responsabilidade fica geralmente com a secretaria de obras do município. O controle de enchentes urbanas é estabelecido em medidas desenvolvidas no município, por meio de legislação municipal e ações estruturais específicas.

Os principais problemas relacionados a essa gestão foram apontados no capítulo anterior, ou seja: imper-meabilização e canalização do escoamento que aumenta o pico do hidrograma, volume do escoamento super-ficial, piora da qualidade da água e aumento dos resíduos sólidos. Esse processo ocorre em virtude de alguns aspectos fundamentais, que são:

Limitações profissionais: A drenagem urbana sempre foi vista como uma ação marginal dentro do sa-neamento. Geralmente, o profissional que atua em saneamento trata da microdrenagem conforme o raciocínio de drenar a água pluvial o mais rápido possível até encontrar a macrodrenagem urbana, que pode ser um riacho, um conduto ou um canal. Enquanto as cidades eram pequenas, isso não era um problema, pois o excesso gerado inundava superfícies rurais a jusante. Com o desenvolvimento urbano acelerado depois dos anos 70, os proble-mas de inundação na drenagem urbana começaram a aparecer e os municípios não possuíam capacidade técnica para resolvê-los (ainda não possuem). Assim, a prática da microdrenagem passou a ser aplicada também para a macrodrenagem, com efeito destrutivo e economicamente insustentável, já que a vazão, para transportar o mais rapidamente possível, aumentou de forma significativa e a distância também. Infelizmente, os engenheiros não se atualizaram e não compreenderam o problema no seu conjunto. A própria universidade preparou toda uma geração de profissionais com conceitos errados sobre drenagem. Só recentemente esse panorama vem sendo modificado, mas ainda existe uma geração de profissionais desatualizada que continua praticando e ensinando conceitos inadequados de drenagem urbana, que se refletem numa gestão municipal despreparada.

Inadequada legislação do uso do solo: A legislação sobre o uso do solo, que pode ter efeito sobre en-chentes urbanas, é municipal. Porém, os Estados e a União podem estabelecer normas para o disciplinamento do uso do solo visando à proteção ambiental, ao controle da poluição, à saúde pública e da segurança. Dessa forma, observa-se que, no caso da drenagem urbana que envolve o meio ambiente e o controle da poluição, a matéria é de competência concorrente entre município, estado e Federação. A tendência é de os municípios introduzirem diretrizes de macrozoneamento urbano nos Planos Diretores urbanos, incentivados pelos estados. Observa-se que, no zoneamento relativo ao uso do solo, não são contemplados pelos municípios os aspectos de drenagem e inundações. Além disso, as legislações são restritivas, como a de proteção de mananciais e a ocupação de áreas ambientais, sem permitir alternativas ao proprietário da terra, gerando, na realidade, um confisco. Esse tipo de legislação somente produz reações negativas e desobediência, incentivando o loteamento irregular.

Gestão municipal da macrodrenagem: A tendência da urbanização é de ocorrer no sentido de jusante para montante, na macrodrenagem urbana, por conta das características de relevo. Quando um loteamento é projetado, os municípios exigem apenas que o projeto de esgotos pluviais seja eficiente no sentido de drenar a

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água do loteamento. Quando o poder público não controla essa urbanização ou não amplia a capacidade da ma-crodrenagem, a ocorrência das enchentes aumenta, com perdas sociais e econômicas. Normalmente, o impacto do aumento da vazão máxima sobre o restante da bacia não é avaliado pelo projetista ou exigido pelo município. A combinação do impacto dos diferentes loteamentos produz aumento da ocorrência de enchentes a jusan-te. Esse processo ocorre por meio da sobrecarga da drenagem secundária (condutos) sobre a macrodrenagem (riachos e canais) que atravessa as cidades. As áreas mais afetadas, em decorrência da construção das novas habitações a montante, são as mais antigas, localizadas a jusante (figura 11.14).

Para buscar resolver esses problemas, os municípios passam a canalizar a macrodrenagem. Geralmente ocorre a seguinte seqüência:

Estágio 1: a bacia começa a ser urbanizada de forma distribuída, com maior densificação a jusante, apa-recendo, no leito natural, os locais de inundação em virtude de estrangulamentos naturais ao longo do seu curso e do efeito de urbanização de montante;

Estágio 2: as primeiras canalizações são executadas a jusante, com base na urbanização atual; com isso, o hidrograma a jusante aumenta, mas é ainda contido pelas áreas que inundam a montante e porque a bacia não está totalmente densificada;

Figura 11.14 Tendência da ocupação e impacto

Estágio 3: com a maior densificação, a pressão pública faz com os administradores continuem o proces-so de canalização para montante. Quando o processo se completa, ou mesmo antes, as inundações retornam a jusante, devido ao aumento da vazão máxima, quando esta não tem mais condições de ser ampliada. As áreas de montante funcionavam como reservatórios de amortecimento. Nesse estágio, a canalização simplesmente transfere a inundação totalmente para jusante. Já não existem espaços laterais para ampliar os canais a jusante, e as soluções convergem para o aprofundamento do canal, com custos extremamente altos (podendo chegar a US$ 50 milhões/km, dependendo do subsolo, largura, revestimento, etc.).

As conseqüências dessa falta de planejamento e regulamentação são sentidas em, praticamente, todas as cidades de médio e grande porte do país. Depois que o espaço está todo ocupado, as soluções disponíveis são extremamente caras, tais como canalizações, diques com bombeamentos, reversões e barragens, entre outras. O

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poder público passa a investir uma parte significativa do seu orçamento para proteger uma parcela da cidade que sofre devido à imprevidência da ocupação do solo. ]

11.3.3 Cenário combinado

Algumas cidades brasileiras apresentam impactos combinados de inundações ribeirinhas com drenagem urbana, que tem levado a um cenário insustentável decorrente de uma má gestão. O exemplo típico ocorre da seguinte forma: no primeiro estágio, a cidade localiza-se junto a um rio onde ocorrem inundações ribeirinhas; a população, ainda pequena, não ocupa a várzea, já que escolheu a parte mais alta da cidade. Num segundo estágio, com a valorização dos imóveis e com o crescimento urbano, são exercidas pressões para a ocupação da várzea de inundação, levando o poder público a construir um canal na área urbana para conter a inundação atual. Assim, a população move-se para a várzea de inundação e ocupa o espaço até as margens do rio. Com o crescimento urbano para montante, ocorre o aumento das vazões de escoamento superficial, e o canal construído perde a capacidade de transportar o volume gerado para bacias com os mesmos riscos de inundações. Nesse estágio, não existem mais espaços para ampliar a capacidade do canal, a não ser escavando, o que envolve custos extremamente altos, pois é necessário canalizar o rio por trechos longos. Esse cenário ocorreu em São Paulo, tendia a ocorrer em Curitiba e na maioria das cidades próximas a um rio de grande porte, que se expande na sub-bacia. Na figura 11.15, são apresen-tados os impactos gerados pelo conjunto da ocupação desordenada no ambiente urbano.

Figura 11.15 Processo de impacto da drenagem urbana (Sudersha, 2002)

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11.3.4 Experiências de políticas de controle

As políticas de controle das inundações em âmbito mundial têm sido desenvolvidas para áreas ribeirinhas, onde o problema se resume aos impactos quantitativos, e para drenagem urbana, em que o controle se dá sobre os impactos quantitativos e de qualidade da água. No Brasil, esses dois universos mostram-se fortemente inter-relaciona-dos por conta do grande avanço das inundações na drenagem urbana e do crescimento desordenado das cidades.

Áreas ribeirinhasAtualmente, no Brasil, não existe nenhum programa sistemático de controle de enchentes que envolvam

diferentes aspectos. O que se observa são ações isoladas por parte de algumas cidades. Estrela, no Rio Grande do Sul, implementou, conforme determinava seu Plano Diretor, a legislação de zonas de uso especial, definidas pela restrição de ocupação e de construções abaixo de determinadas cotas, estabelecidas no zoneamento de inundação previamente elaborado (Rezende e Tucci, 1979). O município prevê, na legislação, a troca de área de inundação por índice de ocupação em zonas valorizadas, como uma forma de adquirir áreas de risco para uso público.

Drenagem urbanaNo Brasil, existem experiências variadas, descritas a seguir:Belo Horizonte: No Plano Diretor Urbano de Belo Horizonte de 1996, foram previstas áreas permeáveis de

acordo com a zona da cidade (como na maioria das cidades). Foi previsto um artigo que permite ao proprietário substituir a área permeável por um reservatório na relação de 30:l para cada 1 m2 impermeabilizado. Foi prevista uma exceção, em que a viabilidade da construção do reservatório dependia de parecer de um engenheiro. Na prática, observou-se que o proprietário construía a área impermeável e depois obtinha um parecer do engenheiro inviabilizando o reservatório. Dessa forma, nenhum reservatório foi construído. Mesmo que o reservatório fosse construído, não resolveria o problema, pois o restante da superfície continuaria impermeável e o aumento da vazão ocorreria.

Guarulhos: A legislação de Guarulhos baseia-se na construção de reservatório para controle da drenagem urbana para áreas maiores ou iguais a 1 hectare. A regulamentação estabelece critérios de construção de reten-ção/detenção, mas não estabelece critérios quanto a manutenção de vazão pré-existente.

São Paulo: A legislação de São Paulo estabelece a construção de reservatório para lotes acima de 500 m2, mas também não estabelece uma vazão limite para entrada na rede pública.

Porto Alegre: O PDDUA prevê, na legislação, alguns instrumentos importantes para a drenagem urbana de acordo com o enquadramento das áreas: (a) Área de ocupação rarefeita (art. 65), onde estão previstas medidas que controlem a contaminação das águas, não alterem a absorção do solo e não ofereçam risco de inundação; (b) Áreas de contenção de crescimento urbano (art. 80) são áreas que podem ser definidas conforme a densificação atual e seu futuro agravamento de restrições pelo aumento das inundações ou dos condicionantes de drenagem. A cidade de Porto Alegre possui uma extensa área ribeirinha, onde os custos de drenagem são muitos altos. Com a impermeabilização excessiva dessas áreas, verificaram-se problemas significativos na drenagem, com freqüen-tes alagamentos; (c) Áreas de Revitalização (art. 81): representam áreas de patrimônio ambiental ou relevante para a cidade, que necessitam de tratamento especial;

O art. 97, ao estabelecer uma das principais bases para a regulamentação da drenagem urbana, determinou que, nas zonas identificadas como problemáticas, deverão ser construídos reservatórios de detenção pluvial. No

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seu parágrafo único, define que será de atribuição do executivo a definição dos critérios, por meio de decreto. No parcelamento do solo, o art. 135, parágrafo 3o, estabelece os condicionantes do espaço para a drena-

gem urbana como faixa “não-edificável”, enquanto o parágrafo 6O define que os novos empreendimentos devem manter as condições hidrológicas originais da bacia, por meio de amortecimento da vazão pluvial.

O artigo 136 restringe o parcelamento do solo ( I ) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundação, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas e proteção contra as cheias e inundações e (IV) em terrenos onde as condições geológicas e hidrológicas não aconselhem edificações. No parágrafo 1o, são definidas as áreas alagadiças nas margens do Guaíba, e no parágrafo 5o é transferido para o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), a sua definição. O art. 137 reserva área para os equipamentos urbanos, entre os quais a drenagem urbana. O artigo 163 X, das Disposições Transitórias, destaca a necessidade de decreto do legislativo para a definição e o dimensionamento dos reservatórios de águas pluviais.

Foi proposto um decreto de controle da drenagem urbana (anexo B) baseado no princípio de controle na vazão de saída, e não no uso obrigatório de reservatório. O uso do controle da vazão de saída permite, ao usuá-rio, maior grau de liberdade para a escolha do controle.

11.4 Gestão sustentável

11.4.1 Fases da gestão

No final do século XIX e parte do século XX, água urbana resumia-se no abastecimento humano, ou seja, em entregar a água à população, retirar o esgoto para longe e dispor na natureza sem tratamento. Essa fase, que pode ser chamada higienista, em função da preocupação dos sanitaristas em fornecer água segura e evitar a proliferação de doenças de veiculação hídrica, retirando o esgoto de perto das pessoas. Neste período a solução envolve coletar a água a montante e dispor o esgoto à jusante. As águas pluviais eram planejadas para escoar pelas ruas até os rios. Este cenário foi aceitável enquanto as cidades tinham população de até 20 mil habitantes ou se encontravam distantes uma da outra para que o esgoto de uma cidade não contaminasse o manancial.

As cidades cresceram, ficaram mais próximas umas das outras e a estratégia de desenvolvimento se manteve na fase higienista, gerando o que é chamado de “ciclo de contaminação”, onde a cidade de montante polui a de jusante e esta deverá poluir a seguinte. Muitas cidades através de seus decisores consideraram que o investimento em trata-mento de esgoto é muito alto e optaram por investimentos em setores considerados mais importantes, sem entender que estavam deixando de combater o câncer na sua origem. Hoje ele está tomando conta do sistema e o custo para sua solução é extremamente alto devido ao passivo que se acumulou para a geração seguinte. Na década de 70 houve uma preocupação em preservar as áreas de potenciais das cidades e criou-se a lei de mananciais. Esta legislação im-pedia a ocupação urbana nas áreas que poderiam ser utilizadas pela cidade como abastecimento de água. No entanto, devido a falta de entendimento dos mecanismos econômicos de desenvolvimento das cidades estas foram as áreas mais ocupadas e poluídas. Isto se deu devido ao confisco da área pelo poder público do seu proprietário na medida em que não permitia sua ocupação e ao mesmo temo cobrava imposto. As áreas foram abandonadas pelos proprietários e invadidas pela população carente. Alternativamente os proprietários desenvolviam empreendimentos irregulares ou convidavam esta mesma população para invadir suas áreas visando vencer a legislação.

Os países desenvolvidos saíram da fase chamada aqui de higienista (tabela 1.3) para a fase corretiva com o tratamento de esgoto doméstico e controle das inundações urbanas com detenções (amortecimento). O esgoto doméstico foi implementado até a cobertura quase total, desta forma o ambiente urbano se tornou melhor, mas

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não recuperou sua condição natural. Observou-se que além do esgoto cloacal existia a carga do esgoto pluvial e a adequada distribuição dos resíduos sólidos, processos totalmente inter-relacionados no cotidiano. O resíduo que não é coletado acaba dentro do sistema de drenagem. Os países desenvolvidos estão atuando para resolver este tipo de problema. Este impacto apresenta um custo ainda maior, pois é difuso e distribuído na cidade. Nesta busca de solução verificou-se que não bastava atuar sobre o problema no “end of pipe”, ou seja depois que ocor-reu e está nos condutos, mas é necessário trabalhar preventivamente na origem do desenvolvimento urbano. Da mesma forma que a medicina moderna está se transformando numa ação preventiva e não curativa.

Para buscar uma solução ambientalmente sustentável é necessário o gerenciamento integrado da infra-estrutu-ra urbana, iniciando-se pela definição da ocupação do espaço com preservação das funções naturais como a infiltra-ção e a rede natural de escoamento. Este tipo de desenvolvimento tem recebido a denominação de LID (Low Impact development) nos Estados Unidos (U.S. Department of Housing and Urban Development, 2003 e NAHB Research Center, 2004 e U.S. Environmental Protection Agency, 2000) ou Water Sensitive Urban Design (WSUD) na Austrália.

Apesar de representar a forma moderna e ambiental de ocupação nos países desenvolvidos, no Brasil esta visão de ocupação do espaço não é nova, pois Saturnino de Brito no início do século 20 planejou algumas cidades segundo esta concepção e estava adiante do seu tempo. Infelizmente nem todas as cidades adotaram esta visão.

Os países em desenvolvimento estão tentando sair da primeira fase para uma ação corretiva e não possui praticamente nenhum desenvolvimento dentro da fase sustentável. A terceira fase envolve a integração entre o projeto de implantação no espaço, o projeto arquitetônico e as funções da infra-estrutura de água dentro do ambiente urbanizado e não apenas a busca de espaço de infiltração dentro do design de um projeto.

Tabela 11.3 Estágios do desenvolvimento sustentável urbano nos países desenvolvidos

Anos Período Características

Até 1970 Higienista Abastecimento de água sem tratamento de esgoto, transferência para jusante do escoamento pluvial por canalização

1970- 1990 Corretivo Tratamento de esgoto, amortecimento quantitativo da drenagem e controle do impacto existente da qualidade da água pluvial. Envolve principalmente a atuação sobre os impactos.

1990* - ? Sustentável Planejamento da ocupação do espaço urbano, obedecendo aos mecanismos naturais de escoamento; Controle dos micro-poluentes, da poluição difusa e o desenvolvimento sustentável do escoamento pluvial através da recuperação da infiltração.

* período que iniciou este tipo de visão

11.4.2 Gestão integrada do território

O impacto dos efluentes de esgotamento sanitário e da drenagem urbana pode ser analisado dentro de dois contextos espaciais diferentes, discutidos a seguir:

Impactos que extrapolam o município: ampliando as enchentes e contaminando a jusante os corpos hídricos como rios, lagos e reservatórios. Esta contaminação é denominada poluição pontual e difusa urbana.. Este tipo de impacto é a resultante das ações dentro da cidade, que são transferidas para o restante da bacia. Para o seu controle podem ser estabelecidos padrões a serem atingidos e geralmente são regulados por legislação ambiental

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e de recursos hídricos federal ou estadual;Impacto dentro das cidades: estes impactos são disseminados dentro da cidade, que atingem a sua própria

população. O controle neste caso é estabelecido através de medidas desenvolvidas dentro do município através de legislação municipal e ações estruturais específicas.

Legislações brasileiras

As legislações que envolvem as águas urbanas estão relacionadas com: recursos hídricos, uso do solo e licenciamento ambiental. A seguir é apresentada uma análise dentro do cenário brasileiro onde existem os níveis: Federal (país), Estadual (Estado ou Província) e Municipal (figura 11.16).

Quanto aos recursos hídricos: A constituição Federal define o domínio dos rios e a legislação de recur-sos hídricos a nível federal e estabelece os princípios básicos da gestão através de bacias hidrográficas. As bacias podem ser de domínio estadual ou federal.

Algumas legislações estaduais de recursos hídricos estabelecem critérios para a outorga do uso da água, mas não legislam sobre a outorga relativa ao despejo de efluentes de drenagem. A legislação ambiental estabe-lece normas e padrões de qualidade da água dos rios através de classes, mas não define restrições com relação aos efluentes urbanos lançados nos rios. A ação dos órgãos estaduais de controle ambiental é limitada devido à falta de capacidade dos municípios em investir neste controle. Portanto, não existe exigência e não existe pressão para investimentos no setor.

Dentro deste contexto o escoamento pluvial resultante das cidades deve ser objeto de outorga ou de controle a ser previsto nos Planos de Bacia. Como estes procedimentos ainda não estão sendo cobrados pelos Estados, não existe no momento uma pressão direta para a redução dos impactos resultantes da urbanização.

Figura 11.16 Espaços do gerenciamento (Tucci, 2003)

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Quanto a uso do solo: Na constituição Federal, artigo 30, é definido que o uso do solo é municipal. Porém, os Estados e a União podem estabelecer normas para o disciplinamento do uso do solo visando a prote-ção ambiental, controle da poluição, saúde pública e da segurança. Desta forma, observa-se que no caso da dre-nagem urbana, que envolve o meio ambiente e o controle da poluição a matéria é de competência concorrente entre município, Estado e Federação. A tendência é dos municípios introduzirem diretrizes de macrozoneamento urbano nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, incentivados pelos Estados.

Observa-se que no zoneamento relativo ao uso do solo não têm sido contemplados pelos municípios os aspectos de águas urbanas como esgotamento sanitário, resíduo sólido, drenagem e inundações. O que tem sido observado são legislações restritivas quanto à proteção de mananciais e ocupação de áreas ambientais. A legislação muito restritiva somente produz reações negativas e desobediência. Portanto, não atingem os objeti-vos de controle ambiental. Isto ocorre na forma de invasão das áreas, loteamentos irregulares, entre outros. Um exemplo feliz foi o introduzido pelo município de Estrela (RS) Brasil, que permitiu a troca de áreas de inundação (proibida para uso) por solo criado ou índice de aproveitamento urbano acima do previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano nas áreas mais valorizadas da cidade.

Ao introduzir restrições do uso do solo é necessário que a legislação dê alternativa econômica ao proprie-tário da terra ou o município deve comprar a propriedade. Numa sociedade democrática o impedimento do uso do espaço privado para o bem público deve ser compensado pelo público beneficiado, caso contrário torna-se um confisco. Atualmente as legislações do uso do solo se apropriam da propriedade privada e ainda exigem o pagamento de impostos pelo proprietário, que não possui alternativa econômica. A conseqüência imediata na maioria das situações é a desobediência legal.

Quanto ao licenciamento ambiental: este licenciamento estabelece os limites para construção e ope-ração de canais de drenagem, regulado pela Lei 6938/81 e resolução CONAMA n. 237/97. Da mesma forma, a resolução CONAMA 1/86 art 2o , VII estabelece a necessidade de licença ambiental para �obras hidráulicas para drenagem”.

11.4.3 Gestão urbana e da bacia hidrográfica

A gestão das ações dentro do ambiente urbano pode ser definida de acordo com a relação de dependência da água através da bacia hidrográfica ou da jurisdição administrativa do município, Estado ou nação (tabela 11.4). A tendência da gestão dos recursos hídricos tem sido realizada através da bacia hidrográfica, no entanto a gestão do uso do solo é realizada pelo município ou grupo de municípios numa região Metropolitana. A gestão pode ser realizada de acordo com a definição do espaço geográfico externo e interno a cidade.

Os Planos das bacias hidrográficas têm sido desenvolvidos para bacias grandes (>3.000 km2). Neste cená-rio existem várias cidades que interferem umas nas outras transferindo impactos. O Plano da bacia dificilmente poderá envolver todas as medidas em cada cidade, mas devem estabelecer os condicionantes externos às cidades como a qualidade de seus efluentes, as alterações de sua quantidade, que visem a transferência de impactos.

O ambiente interno das cidades são as gestões dentro do município para atender os condicionantes externos previstos no Plano de Bacia para evitar os impactos e buscar a melhoria da quantidade e qualidade da água no conjunto da bacia, além dos condicionantes internos que tratam de evitar os impactos a população da própria cidade.

Estes dois espaços principais definem os gestores, os instrumentos e as metas de gestão destes instrumen-tos como descrito na tabela 11.4. A construção global desta estrutura de gestão esbarra em algumas dificuldades:

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Tabela 11.4 Espaço de gestão das águas urbanas

Espaço Domínio Gestores Instrumento Característica

Bacia Hidrográfica1 estado ou governo federal

Comitê e Agências

Plano de bacia Gestão da quantidade e qualidade da água no sistema de rios que formam a bacia hidrográfica, evitando a transferência de impactos

Município2 município ou região metropolitana

município Plano Diretor urbano e Plano integrado de esgotamento, drenagem urbana e resíduo sólido

Minimizar os impactos de quantidade e qualidade dentro da cidade, nas pequenas bacias urbanas e não transferir impactos para o sistema de rios

1 – bacias de grande porte (> 1000 km2); 2 - área de abrangência do município e suas pequenas sub-bacias de macrodrenagem (< 50 km2). Os valores de áreas são indicativos e podem se alterar para cidades de grande porte

• limitada capacidade dos municípios para desenvolverem a gestão, considerando que a maioria destes;• o sistema de gestão das bacias ainda não é uma realidade consolidada na maioria dos países da

América do Sul; • reduzida capacidade de financiamento das ações pelos municípios e o alto nível de endividamento. No primeiro caso, a solução passa pelo apoio estadual e federal através de escritórios técnico que apóiem

as cidades de menor porte no desenvolvimento de suas ações de planejamento e implementação. O segundo dependerá da transição e evolução do desenvolvimento da gestão no país. O terceiro dependerá fundamental-mente do desenvolvimento de um programa a nível federal e mesmo estadual com um fundo de financiamento para viabilizar as ações.

Gerenciamento de bacias urbanas compartidas entre dois ou mais municípios: grande parte das cidades possui bacia hidrográfica comum com outros municípios. Geralmente existem os seguintes cenários: (a) um mu-nicípio está a montante de outro; (b) o rio divide os municípios.

O controle institucional das águas urbanas, que envolve pelo menos dois municípios, pode ser realizado com base nos seguintes recursos:

• uma legislação municipal adequada a cada município; ou • uma legislação estadual que estabeleça os padrões a serem mantidos nos municípios, de tal forma a

não serem transferidos os impactos; • combinação dos dois procedimentos anteriores. Esses entendimentos podem ser realizados dentro do comitê da bacia e os Planos Estaduais desenvolvam a

regulamentação setorial. Portanto, quando forem desenvolvidos os Planos das Bacias que envolvam mais de um muni-cípio, deve-se buscar acordar ações conjuntas com tais municípios para se obter o planejamento de toda a bacia.

Potenciais medidas de controle externo às áreas urbanas: O mecanismo previsto na legislação brasileira para o gerenciamento externo das cidades é o Plano de Recursos Hídricos da Bacia. No entanto, no re-ferido Plano dificilmente será possível elaborar os Planos de Drenagem, Esgotamento Sanitário e Resíduo Sólido de cada cidade contida na bacia. O Plano deveria estabelecer as metas que as cidades devem atingir para que o

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rio principal e seus afluentes atinjam níveis ambientalmente adequados de qualidade da água. O Plano Integrado de Drenagem Urbana, Esgotamento Sanitários e Resíduos Sólidos deve obedecer aos controles estabelecidos no Plano da bacia no qual estiver inserido.

Os mecanismos de indução básicos para este processo são: (a) institucional e (b) econômico financeiros.A legislação: Atualmente a legislação prevê a outorga para efluentes. Desta forma, poderiam ser estabe-

lecidos dois mecanismos básicos: (a definição de normas e critérios para outorga de efluentes que alterem a qualidade e quantidade de águas provenientes de

áreas urbanas;Por exemploArt.(?) É de responsabilidade da (?) a definição de critérios e normas quanto as alterações na quantidade e qualidade da

água pluvial proveniente de áreas urbanas.O segundo componente se refere ao mecanismo para atingir estes objetivos. Este mecanismo deve ser um

Plano de Saneamento Ambiental. Não é possível imaginar um planejamento setorial já que os aspectos citados estão intimamente ligados. Por exemplo,

Art (?) A outorga dos esgotos cloacais, pluviais e disposição dos resíduos sólidos dos municípios deve ser precedido dos Planos Integrados de Esgotamento Sanitário, Resíduos Sólidos e Drenagem Urbana do município visando o atendimento das exigências do artigo (?) deste decreto.

Parágrafo 1O: Para as cidades com mais de 200.000 (a ser melhor definido) habitantes o plano deverá ser concluído no máximo em 5 anos. Para as demais cidades o plano deverá ser concluído em até 10 anos.

Parágrafo 2O: O acompanhamento da implementação dos Planos ficará a cargo do comitê das bacias hidrográficas.Os potenciais elementos de indução para os municípios seriam os seguintes:• utilização dos recursos, por parte do comitê de bacia subsidiária, para a elaboração dos Planos;• criação de um fundo econômico para financiar as ações do Plano previsto para as cidades. O ressarci-

mento dos investimentos proviriam de taxas municipais específicas para esgotamento sanitário, resí-duo sólido e drenagem urbana; este último baseado na área impermeável das propriedades. O Plano deveria induzir a transparência desses mecanismos dentro do município, visando à sustentabilidade de longo período do sistema de cobrança, com a devida fiscalização;

• estabelecimento de padrões de financiamento pelos governo federal e estadual para financiar planos e projetos que contemplem a gestão integrada.

11.4.4 Gestão interna na cidade

A gestão municipal de todos os componentes tem sido realizada desintegrada com muito pouco foco no conjunto da cidade, atuando sempre sobre problemas pontuais e nunca desenvolvendo um planejamento pre-ventivo e indutivo. A visão profissional é pouco integradora e muito limitada, infelizmente os profissionais que atuam na área de Saneamento são muito limitados na visão de conjunto dos problemas da cidade. A visão mo-derna envolve o Planejamento integrado da água na cidade e incorporada ao Plano de Desenvolvimento Urbano (figura 11.17) onde os componentes de manancial, esgotamento sanitário, resíduo sólido, drenagem urbana, inundação ribeirinha são vistos dentro de um mesmo conjunto e relacionados com a causa principal que é a ocupação do solo urbano.

O desenvolvimento do planejamento das áreas urbanas envolve principalmente:• planejamento do desenvolvimento urbano;

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• transporte;• abastecimento de água e saneamento;• drenagem urbana e controle de inundações;• resíduo sólido;• controle ambiental.

Figura 11.17 Visão integrada do planejamento dos aspectos da água no ambiente urbano

O planejamento urbano deve considerar os aspectos relacionados com a água, no uso do solo e na defi-nição das tendências dos vetores de expansão da cidade. Considerando os aspectos relacionados com a água, existe uma forte inter-relação entre os mesmos. Quando desenvolvidos isoladamente, dentro de cada uma suas disciplinas, os planos setoriais produzirão resultados inadequados para a sociedade. Na figura 16.18 pode-se observar a representação do planejamento integrado dos setores essenciais relacionados com o meio urbano.

Figura 11.18 Interface entre os planos da cidade e o plano diretor de águas pluviais ou de drenagem urbana

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Algumas destas inter-relações são as seguintes: • o abastecimento de água é realizado á partir de mananciais que podem ser contaminados pelos esgo-

tos cloacais, pluviais ou por depósitos de resíduos sólidos;• a solução do controle da drenagem urbana depende da existência de rede de esgoto cloacal e suas

características;• a limpeza das ruas, a coleta e disposição de resíduos sólidos interferem na quantidade e na qualidade

da água dos pluviais. A maior dificuldade para a implementação do planejamento integrado decorre da limitada capacidade

institucional dos municípios para enfrentar problemas tão complexos e interdisciplinares e a forma setorial como a gestão municipal é organizada.

11.4.5 Plano diretor de águas pluviais

O Plano Diretor de Águas Pluviais ou Drenagem Urbana tem o objetivo de criar os mecanismos de gestão da infra-estrutura urbana relacionado com o escoamento das águas pluviais e dos rios na área urbana da cidade. Este planejamento visa evitar perdas econômicas, melhoria das condições de saúde e meio ambiente da cidade dentro de princípios econômicos, sociais e ambientais definidos pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.

O Plano Diretor de Águas Pluviais tem como meta: (a) planejar a distribuição da água pluvial no tempo e no espaço, com base na tendência de ocupação urbana e compatibilização esse desenvolvimento a infra-estrutura para evitar prejuízos econômicos e ambientais; (b) controlar a ocupação de áreas de risco de inundação através de restrições nas áreas de alto risco e; (c) estabelecer uma convivência harmônica com as enchentes nas áreas de baixo risco.

Os condicionamentos urbanos são resultados de vários fatores que não serão discutidos aqui, pois estão no campo de estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. apor causa da interferência que a ocupação do solo exerce sobre a drenagem, existem elementos do Plano de Águas Pluviais que são utilizados para regulamentar os artigos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. A concepção de controle da drenagem urbana baseia-se:

• nos princípios de controle da drenagem urbana apresentados;• nas estratégias de desenvolvimento do Plano como a compatibilidade entre os planos preparados para

a cidade, cujo aspecto é destacado no item;• na definição de cenários de desenvolvimento urbano e dos riscos de inundações;• nos padrões para as variáveis de controle da regulamentação; • na viabilidade econômica das medidas.O desenvolvimento do Plano Diretor de Águas Pluviais de cada bacia é realizado segundo duas estratégias

básicas: (a) legislação e sua regulamentação ou outras medidas não-estruturais para as áreas não-ocupadas; e (b) Plano de controle dos impactos das inundações na drenagem para as bacias ocupadas ou áreas ocupadas.

Os produtos do Plano são a legislação, a regulamentação ou outras medidas não-estruturais, o plano de controle de cada macro urbana da cidade e o manual de drenagem urbana, para orientar os profissionais quanto aos projetos de drenagem na cidade.

No Plano de Ação são definidos os seguintes: a) gestão da implementação do Plano, que envolve a defini-ção das entidades que complementarão as ações previstas; b) viabilidade econômica, que consiste no mecanis-mo de funcionamento das implementações das ações do plano; c) seqüenciamento de ações relacionadas com o plano de cada sub-bacia.

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GESTÃO DO TERRITÓRIO E MANEJO INTEGRADO DAS ÁGUAS URBANASpágina 26811

REFERÊNCIAS

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