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ano: 2012 . nr 19 . mês: Fevereiro . director: António Serzedelo . preço: 0,01 € http://jornalosul.hostzi.com 02 . 12 NR 19 Ilustração Dinis Carrilho O PODER DA IDEIA: PARA QUE QUEREMOS UMA CULTURA LIVRE? Há processos globalizantes mais globais que outros. Para o melhor e para o pior. Com o advento da Internet e com a popularização das tecnologias que lhe acessam, fecham livrarias e deterioram-se algumas naturezas humanas, mas criam-se canais de comunicação à escala planetária capazes de pôr a andar revoluções. Vimos agora que as redes sociais, gravações de telemóvel e blogues acelera- ram a compreensão e o contágio das mobilizações no Médio Oriente, Norte de África, Espanha, Grécia, Portugal e Estados Unidos da América. Alguns movimentos tornaram-se mais eficicazes e organizados, chegando a substituir facilmente o papel de jornalistas no terreno. No Egipto disse- se ‘a revolução na Tunísia inspirou-nos para começar a nossa revolução o mais rapidamente possível’ e na Grécia disse-se ‘os nossos protestos começaram a partir dos indignados, em Espanha’. A 17 de Setembro de 2011, Wall Street foi ocu- pada depois de um núcleo de protestantes ter entrado em contacto com protestantes de Espanha, Grécia e Norte de África. As ideias circulam pelo mundo e originam novas formas de organização social, política e económica. A cultura das nossas sociedades começa também a ser produzida online, partilhando, alterando e reproduzindo dados a uma velocidade futurista. A Internet tem um efeito que vai para além dela própria – um efeito que afecta a maneira como a cultura é produzida. A Internet causou uma mudança importante e não reconhecida nesse proces- so. Quem o diz é Lawrence Lessig, autor e activista por uma ‘cultura livre’. A ideia de Lessig é que ao contrário do paradigma anterior, em que as leis se concentravam na cultura comercial e regulada, controlada por indústrias intermediárias, agora surge no primeiro plano a importância e poder da criação e difusão de cultura não comercial. Os cidadãos estão hoje tão sujeitos às empresas distribuidoras como às ferramentas do faz-tu-mesmo. As possibi- lidades de comunicação cibernáuticas passaram a constituir-se como novas linguagens, garantes libertários e campos infinitos para a expressão dos ho- mens. E por isso as indústrias, que para além dos autores protegem a doutrina da ‘propriedade’, lutam pela afirmação do seu negócio neste novo mercado irregulado. Como seria, como sugere o nome de um movimento espanhol, se a Internet fosse uma outra TV? O conceito de ‘cultura livre’ surge no legado da defesa do software livre. Defende a protecção da autoria sem os contornos clássicos da propriedade, abrindo a discussão para a necessidade de adaptação das leis existentes à actual sociedade do conhecimento. De acordo com as tradicionais leis de copyright, os autores proibem que o seu trabalho seja reproduzido, adap- tado ou copiado. Por contraste, o movimento copyleft, soldado da cultura livre, permite que o autor se proteja, advogando simultaneamente o direito à reprodução, distribuição ou cópia o seu trabalho, se isso for feito de acordo com a mesma licença do trabalho original. Actualmente, novas licenças, como a creative commons, permitem ao autor decidir por si mesmo um pacote ad- equado de licenças, que retêm alguns direitos abdicando de outros. O movimento pela cul- tura livre entende que vivemos uma época revolucionária no que diz respeito à forma como o conhecimento e a cultura se criam, partilham e transfor- mam. Assim, o mod- elo de propriedade intelectual utilizado para proteger as bíblias de Gutenberg não pode ser aplicado na era digital. É urgente abrir espaço para a discussão de novas opções para protecção e livre dissemi- nação de conhecimento. Depois de um 2011 repleto de revoluções, com mobilizações massivas como não havia registo desde as manifestações americanas contra o Vietname, irrompem su- preendentemente propostas políticas como a SOPA (nos Estados Unidos da América) e a ACTA (na Europa): tratados que regulam de forma abusiva os direitos dos cidadãos no que toca à produção e ao acesso de infor- mação. Saibamos proteger os nossos autores, mas protejamos também o poder de uma ideia. Se a legislação que aí espreita tiver como principal objectivo proteger os monopólios restritivos de empresários, fornecedores de serviços de comunicação e indústrias de entretenimento, estaremos apenas a engrossar a lista de regimes a derrubar. Sandra Coelho Jornalista

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Jornal cultural e de debates

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Page 1: O Sul Fevereiro nº 19

ano: 2012 . nr 19 . mês: Fevereiro . director: António Serzedelo . preço: 0,01 €

http://jornalosul.hostzi.com

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O PODER DA IDEIA: PARA QUE QUEREMOS UMA CULTURA LIVRE?

Há processos globalizantes mais globais que outros. Para o melhor e para o pior. Com o advento da Internet e com a popularização das tecnologias que lhe acessam, fecham livrarias e deterioram-se algumas naturezas humanas, mas criam-se canais de comunicação à escala planetária capazes de pôr a andar revoluções. Vimos agora que as redes sociais, gravações de telemóvel e blogues acelera-ram a compreensão e o contágio das mobilizações no Médio Oriente, Norte de África, Espanha, Grécia, Portugal e Estados Unidos da América. Alguns movimentos tornaram-se mais eficicazes e organizados, chegando a substituir facilmente o papel de jornalistas no terreno. No Egipto disse-se ‘a revolução na Tunísia inspirou-nos para começar a nossa revolução o mais rapidamente possível’ e na Grécia disse-se ‘os nossos protestos começaram a partir dos indignados,

em Espanha’. A 17 de Setembro de 2011, Wall Street foi ocu-pada depois de um núcleo de protestantes ter entrado em contacto com protestantes de Espanha, Grécia e Norte de África.As ideias circulam pelo mundo e originam novas formas de organização social, política e económica. A cultura das nossas sociedades começa também a ser produzida online, partilhando, alterando e reproduzindo dados a uma velocidade futurista. A Internet tem um efeito que vai para além dela própria – um efeito que afecta a maneira como a cultura é produzida. A Internet causou uma mudança importante e não reconhecida nesse proces-so. Quem o diz é Lawrence Lessig, autor e activista por uma ‘cultura livre’.

A ideia de Lessig é que ao contrário do paradigma anterior, em que as leis se concentravam na cultura comercial e regulada, controlada por indústrias intermediárias, agora surge no primeiro plano a importância e poder da criação e difusão de cultura não comercial. Os cidadãos estão hoje tão sujeitos às empresas distribuidoras como às ferramentas do faz-tu-mesmo. As possibi-lidades de comunicação cibernáuticas passaram a constituir-se como novas linguagens, garantes libertários e campos infinitos para a expressão dos ho-mens. E por isso as indústrias, que para além dos autores protegem a doutrina da ‘propriedade’, lutam pela afirmação do seu negócio neste novo mercado irregulado. Como seria, como sugere o nome de um movimento espanhol, se a Internet fosse uma outra TV?

O conceito de ‘cultura livre’ surge no legado da defesa do software livre. Defende a protecção da autoria sem os contornos clássicos da propriedade, abrindo a discussão para a necessidade de adaptação das leis existentes à actual sociedade do conhecimento. De acordo com as tradicionais leis de copyright, os autores proibem que o seu trabalho seja reproduzido, adap-tado ou copiado. Por contraste, o movimento copyleft, soldado da cultura livre, permite que o autor se proteja, advogando simultaneamente o direito à reprodução, distribuição ou cópia o seu trabalho, se isso for feito de acordo com a mesma licença do trabalho original. Actualmente, novas licenças,

como a creative commons, permitem ao autor decidir por

si mesmo um pacote ad-equado de licenças, que retêm alguns direitos abdicando de outros.

O movimento pela cul-tura livre entende que vivemos uma época

revolucionária no que diz respeito à forma como o conhecimento e a cultura se criam, partilham e transfor-

mam. Assim, o mod-elo de propriedade

intelectual utilizado para proteger as bíblias

de Gutenberg não pode ser aplicado na era digital.

É urgente abrir espaço para a discussão de novas opções

para protecção e livre dissemi-nação de conhecimento. Depois de

um 2011 repleto de revoluções, com mobilizações massivas como não havia registo

desde as manifestações americanas contra o Vietname, irrompem su-preendentemente propostas políticas como a SOPA (nos Estados Unidos da América) e a ACTA (na Europa): tratados que regulam de forma abusiva os direitos dos cidadãos no que toca à produção e ao acesso de infor-mação. Saibamos proteger os nossos autores, mas protejamos também o poder de uma ideia. Se a legislação que aí espreita tiver como principal objectivo proteger os monopólios restritivos de empresários, fornecedores de serviços de comunicação e indústrias de entretenimento, estaremos apenas a engrossar a lista de regimes a derrubar.

Sandra CoelhoJornalista

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O sonho da Europa

A mentalidade europeia en-controu fracas resistências para se impor em Portugal nos últimos trinta anos, tal era o desejo popular de superar a pobreza e o analfabe-

tismo a que Portugal parecia histo-ricamente condenado. A Europa era vista, não como o armazém de secos e molhados, segundo Agostinho da Silva, mas como um hipermercado

de luxo, riqueza, abundância, indi-vidualismo e ostentação.

Com uma guerra de 13 anos às costas, um Império anacrónico e uma política autoritária ao longo de cinquenta anos, sentíamo-nos mal com o nosso próprio corpo. A Europa cons-tituiu a materialização do sonho adolescente de Portugal. Virámos as costas ao Império e oferecemo-nos a uma jovem democra-cia, acreditando na ri-queza material como panaceia da felicidade.

Povo rural e co-merciante, quisemo-nos, mais do que industrializados, infor-matizados; povo pré-moderno, quisemo-nos pós-modernos; povo comunitário, acolhemos sorridentes o individualismo, o narcisismo e o egoísmo como fins de vida; povo solidário, vimos instalar-se entre nós uma abissal diferença entre pobres e ricos; povo que era co-nhecido na Europa pelos bigodes das concièrges parisienses, passá-mos a ser conhecidos pelo povo de um miúdo da Madeira de pés tão cheios de malabarismo quando de mente vazia.

Trinta anos demorámos a per-ceber que o sonho da Europa não passa disso mesmo, um sonho que estava em nós e não na Europa. Nós “víamos” a Europa que sonhámos para Portugal. A Europa da riqueza, a Terra sem Mal, a Terra do Rio de Amêndoas e Mel esfuma-se todos os dias na farsa bailada entre po-líticos janotas como Berlusconi e Sarkozy, que da organização do viver colectivo possuem apenas um senso económico.

Hoje, já percebemos que o so-nho europeu foi um falso sonho:

- Em 25 de Abril de 1974, éra-mos o país menos industrializado da

Europa, hoje continuamo-lo a ser;- Éramos um dos países mais

iletrado da Europa, hoje continua-mo-lo a ser – menor índice de fre-quência de espectáculos, de consu-mo de jornais, de compra de livros…

- Em contraparti-da, éramos dos países com maiores estádios da Europa, hoje conti-nuamo-lo a ser;

- Éramos dos pa-íses mais pobres da Europa, hoje continu-amo-lo a ser;

- Éramos dos pa-íses com maior nível diferencial de salários, hoje continuamo-lo a ser;

Etc, etc.Não há dúvida – a

culpa não é da Euro-pa, que nos forçou a sermos democratas e a aceitar a tolerân-

cia e os direitos humanos como vector ético e existencial de vida. Culpadas são, sem dúvida, as elites portuguesas, que nos últimos trinta anos promoveram uma autêntica razia dos valores tradicionais por-tugueses: a solidariedade substituída pelo individualismo; a cooperação substituída pela competição como valor económico abso-luto; os valores da ho-nestidade, da amizade, da lealdade, substituí-dos pela omnipotência do dinheiro; os valores espirituais substituídos pelos valores económicos; a pessoa humana igualada à peça de uma máquina.

O saldo europeu hoje, se bem medido, para além do valor da democracia e da tolerância, já in-teriorizados pelas novas gerações, mede-se menos em sabedoria, humanismo, conhecimento e feli-cidade, e mais em betão, alcatrão, ci-mento e desemprego – eis a herança

cavaquista. Porém, até a expansão acelerado do consumo, santo-e-senha da mentalidade europeia, se está esfumando aos primeiros sinais de uma crise económica in-ternacional.

Ao mesmo tempo que, de um ponto de vista manifesto, a men-talidade europeia submergia todas as nossas iniciativas, inconsciente-mente íamos fazendo um penoso trabalho de luto – luto pela perda do Império; luto pela perda de um Por-tugal rural, lento, sereno, humilde, honesto na palavra, supersticioso, um Portugal dos valores absolutos, dos imperativos éticos, um Portu-gal aberto à totalidade do mundo, o Portugal solidário do interior das famílias, o Portugal da palavra dada aos amigos, do dar a camisa aos amigos, o Portugal permanente de Teixeira de Pascoaes e Agostinho da Silva.

Hoje temos consciência de que o sonho ingénuo europeu acabou e que não nos procuramos já na Europa. Percebemos que, sem desculpa, só nos podemos encon-trar em nós próprios, retomando as nossas tradições, não sentindo vergonha por nada que no passado tivéssemos feito. Se é verdade que o

sonho europeu se está esfumando, ele ainda não se apagou (nem se deve apagar), já que constitui o sentido político do Estado por-tuguês. Porém, existe hoje, em Portugal, um alternativa à Europa sem que desta nos te-

nhamos necessariamente de des-vincular, uma alternativa de futuro aos actuais valores europeus (que, verdadeiramente, já são mais os valores americanos que europeus) sem o corte radical com a Europa – o retorno à antiga comunidade de língua portuguesa: a lusofonia.

Miguel RealEscritor

Ensaio

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“ povo que era conhecido na Europa pelos bigodes das concièrges parisienses, passámos a ser conhecidos pelo povo de um miúdo da Madeira de pés tão cheios de malabarismo quando de mente vazia.

“ Em 25 de Abril de 1974, éramos o país menos industrializado da Europa, hoje continuamo-lo a ser

Rua Fran Paxeco nº 178 . Setúbal . primafolia.blogspot.com . [email protected] . Tel. 963 683 791 / 969 791 335

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Um conjunto de artigos que foram inicialmente publicados em Le Monde Diplomatique (edi-ção portuguesa) nos anos mais recentes transfor-mam-se num livro que permite ao leitor alicerçar a ideia de que as desigualda-des interferem num conjunto de dimen-sões sociais, eco-nómicas e políticas. Num tempo em que tanto se discute quais os melhores rumos para que a economia se torne sustentável e em que os fazedores de opinião tanto nos massacram com o défice orçamental, o dé-fice público, o endividamento, a competitividade, o desemprego e a escolarização, é altura também de assestar as batarias sobre as desigualdades: “Desigualdades em Portugal, problemas e pro-postas”, coordenação de Renato Miguel do Carmo, Edições 70, Dezembro de 2011.

Portugal é um dos países

mais assimétricos da Europa se bem que, importa reconhecê-lo, entre 2006 a 2009, verificou-se uma atenuação gradual das desigualdades de rendimento. A persistência e a intensificação das desigualdades devem-se a um conjunto de fatores onde

avultam o aumento do desemprego, a si-tuação de desempre-go de longa duração, e daí podemos falar em interferências da mais diferente índole. A mensagem principal é de que a sociedade portu-guesa funcionaria muito melhor se os

níveis de desigualdade entre nós não fossem tão elevados. Mas também não pode-mos ser ingénuos, estamos a presen-cia uma sociedade e u r o p e i a o n d e é patente o aumento real da polarização social entre os que têm muito e aqueles que continuam a ter pouco e em que a política económica teima em ser austera sobretudo com

estes últimos, como observa o coordenador da obra.

Q u a n d o f a l a -mos de desigualda-des, importa ter em conta que a questão recobre uma mul-tiplicidade de pro-cesso e dimensões das relações sociais, como se refere no li-

vro: desigualdades económicas, desigualdades de classe, género e etnia, desigualdades nos aces-

sos à saúde, educação e cultura e também desigualdades políticas e de participação social. Como é observado no texto, Portugal é o país com a terceira mais baixa frequência de práticas de ação coletiva. Apesar das conquistas democráticas alcançadas com a revolução de 1974, a socieda-de portuguesa revela-se como uma das menos dinâmicas a nível europeu no que se refere à con-solidação de práticas democrá-ticas e de cidadania. Esta posição

recuada é complementada pela persistência de características estruturantes da organização económica, social e institucio-nal profundamente inibidoras de uma cidadania participativa. A baixa exigência de recursos hu-manos qualificados e pobreza são determinantes.

A endocrinologista Isabel do Carmo nos alerta para o facto de quando o rendimento desce a obesidade cresce, as pessoas em situação económica difícil sentem-se atraídas por prepara-ções com gordura ou com gor-dura e açúcar, e predica: “Com o aprofundamento da crise em Portugal podem colocar-se duas hipóteses. Num primeiro tempo a obesidade vai aumentar, com maior incidência nos mais po-bres. As mulheres desemprega-das apresentarão mais obesidade, embora o mesmo não se verifique com os homens desempregados. Está demonstrado que os horá-rios de trabalho desregulados e a privação de sono aumentam o apetite, o que também concorrerá para a obesidade”.

Beja SantosDocente Universitário

Desigualdades em Portugal

Que significa a propagandeada crise? Constatemos que o capi-tal produtivo é obtido através da utilização do capital bancário. Assim parte do lucro obtido na produção é encaminhado, via pagamento de ju-ros, para o sistema bancário. Mas, como actualmente, como o capital produtivo não proporciona os lucros suficientes para tal pagamento, sobrevém uma crise, para o devedor e para o credor.

O aumento incessante da produtividade forçado pela con-corrência entre capitalistas, só é possível através do uso de meios técnicos cada vez mais onero-sos. Logo os custos derivados da criação de postos de trabalho aumentam constantemente con-forme o aumento da intensidade e custo do investimento no capital utilizado.

Daí resulta que esses gigan-tescos custos em capital fixo não podem ser suportados através dos lucros correntes da produ-ção Logo é obrigatório o recurso ao crédito para poder pagar tal despesa gigantesca.

O problema da dívida daí deri-vado estende-se depois do capital produtivo ao Estado e orçamentos privados. Assim também os gastos

estatais em infra-es-truturas e o consumo privado deixam de ser possíveis através das receitas reais, o que impõe o recurso ao crédito.

Este mega endi-vidamento repre-senta a antecipação de lucros, salários e impostos, sobre a

produção real futura.Tal consumo suportado pelo

futuro transforma-se em crise geral quando o processo é levado até um ponto exces-sivo, rompendo as cadeias de crédito.

Isto é aplicado a todos os interve-nientes, incluindo o Estado.

Na realidade, es-tão a ser consumidos rendimentos futuros, que se tornam cada vez mais ilusórios para se tornar possível, com as relações organi-zacionais existentes, continuar

a utilizar de forma capitalista os actuais recursos materiais abun-dantes mas para os quais para-doxalmente não há dinheiro, só crédito impossível de pagar.

Tal absurdo torna evidente a irracionalidade do sistema, em que o lucro e a acumulação de dinheiro se tornam um fim em si mesmo e o fim da economia nada tem a ver com a satisfação das necessidades.

O dinheiro não passa assim de um fetiche em representação dos recursos reais.

A crise é o resultado da tenta-tiva desesperada de se conseguir, através do consumo com dinheiro

do futuro, insuflar no circuito económico receitas que nunca irão surgir. Os mento-res do sistema tentam desta forma integrar dentro dos limites do capitalismo, as forças produtivas e a sua es-trutura e capacidades, que já extravasaram esses limites impos-tos.

Por i sso , essa gente procede a todos os esforço para que vivamos pior, porque o capitalismo já consumiu o seu

próprio futuro.Em tal situação, a saída torna

cada vez mais urgente que os po-vos aprendam a utilizar todos os recursos abandonados e inutili-zados, incluindo os humanos, por este sistema de desperdício, numa lógica diferente da existente.

Perante isto os capitalistas, os políticos e seus apaniguados, utilizam a situação para combater os trabalhadores e o povo e redu-

zir a sua influência e capacidade reivindicativa.

Só a luta firmemente deter-minada em conquistar uma nova organização social, poderá acabar com tal sistema do lucro a qual-quer preço.

José Luís FélixEconomista

O que se esconde por detrás da crise?

Problemas e propostas

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“ (...) a sociedade portuguesa funcionaria muito melhor se os níveis de desigualdade entre nós não fossem tão elevados

“ Num primeiro tempo a obesidade vai aumentar, com maior incidência nos mais pobres

Este mega endividamento representa a antecipação de lucros, salários e impostos, sobre a produção real futura.

Perante isto os capitalistas, os políticos e seus apaniguados, utilizam a situação para combater os trabalhadores e o povo e reduzir a sua influência e capacidade

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Mozart e a MaçonariaO Papa Bento XVI, afirmou

há tempos que a própria exis-tência de um génio musical, como Mozart “era quase como um testemunho da existência de Deus," Criador do Univer-so", e esta expressão pontifícia, remeteu os ouvintes atentos , propositadamente, para a ideia da Maçonaria do “Grande Ar-quitecto do Universo".

Isto é tanto mais interessan-te, quanto Bento XVI, enquanto Cardeal Ratzinger , o Inquisi-dor, não foi nada simpático com a Maçonaria, como em geral não tem sido, nem é, a Igreja institucional.

Hoje escolhi Mozart por duas razões.

A primeira, a propósito da iniciação Maçónica, um dos “se-cretismos “ da Maçonaria,hoje tão falados - aproveitando o factor musical tão importante em todas as lojas, e em todas as regras,que Mozart levou ao mais alto grau.

A segunda, por causa da controvérsia surgida na so-ciedade portuguesa, a propó-sito de uma Loja que se chama Mozart e que se desviou do seu destino original,numa luta in-testina de alguns policias que fazem politica,de membros de partidos que fazem um tea-tro de sombras, enquanto fa-

zem ajustes de contas entre si, e de noticias e opinadores que se servem do caso, como pano de fundo para desviar a atenção dos cidadãos dos graves problemas, com que n o s d e f r o n t a m o s , s o l t a n d o os piores demónios dos mo-mentos de crise, que é eleger bodes expiatórios em grupos minoritários,neste caso tomar a parte, os membros da loja referida , pelo todo, ou seja toda a Ma-çonaria.

A l o j a M o -zar t não faz mú-sica , faz r u ído , a ponto de dar pre-t e x t o à s f o r ç a s reaccionárias,proto fascistas e proto in-quisitoriais, sempre atentas em Portugal, a qualquer desl i-ze, para porem em causa a utilidade da Maçona-ria Universal, e em particular da Maçonaria Portuguesa, que tantas coisas boas tem feito em Portugal, desde o tempo do Marques de Pombal,depois pela libertação dos escravos, implantação da Republica, e até aos nossos dias, quando defendeu depois do 25 Abril as Liberdades ameaçadas.

Vou escrever sobre a ceri-mónia iniciática, ou sobre os Mistérios Iniciáticos, que são a fórmula pelo qual se começa a ser Maçon.

Fui ao dicionário da Acade-mia das Ciências e vi o que se escrevia sobre:

Iniciação :" admissão ao conhecimento de coisas, dou-

trinas desconheci-das, secretas, e mais adiante cerimónia de admissão de um m e m b r o d e u m a sociedade secreta. Por outro lado, em sentido etimológico, diz-se de Iniciação, que é a preparação para a entrada do jovem na comuni-dade dos adultos, pela aprendizagem dos ritos, das téc-nicas, das tradições tribais."

Depois, fui ver o que era Ini-ciar, e diz o tal livro, “começar, ou ter início, ser introduzido em determinada aprendizagem, em determinados conhecimentos, pensamentos, ou experimentar pela primeira vez."

E percorrendo este caminho, vou andando, para o tema que pretendia abordar.

Tu d o c o m e ç a q u a n d o o iniciado chega à Loja, que é o espaço, o local onde se reúnem os Franco-Maçons, e é também a célula madre que tem a com-petência de criar, e conferir a qualidade de Mação, em todo o lado, independentemente do rito, e da Organização.

Ele começa por bater à porta para pedir licença para entrar, porque é “profano". E uma vez autorizado, começa a progredir em três patamares: Erupção, Mistura, Integração, da mesma forma que os irmãos sobem em três graus simbóli-cos, Aprendiz, Companheiro e Mestre, comuns a toda a Maço-naria, e só depois vêm os Altos Graus (Filosóficos, Esotéricos, Cavaleirescos ou Sacerdotais).

A Flauta Mágica,é influen-ciada pela concepção Maçónica do Mundo dos seus autores, a qual se insere nas grandes li-nhas tradicionais esotéricas, nesta caso as egípcias, e reli-giosas, de toda a Humanidade.

Na Flauta Mágica temos duas fases, o Primeiro Acto enquanto se é pagão (Fase Noc-turna), no Segundo Acto depois de já se ser iniciado, de receber a Luz (Fase Diurna).

Logo na abertura, os acor-des musicais são os da bateria das Lojas(palmas), que neste

caso distinguia o rito da Loja a que Mozar t se associara , de “Observância Templária", pois Mozart era um católico crente, embora cada vez me-nos praticante, o que mostra bem como na Maçonaria se podem conjugar estas duas qualidades, a de Católico e de Mação,contrariamente ao que afirma o Senhor Cardeal Patriarca na sua última inter-venção a este propósito.

Mozart com esta ópera es-tava a seguir a tradição mais antiga da Maçonaria, consagra-da no Livro das Constituições de Andersen, 1823, que já nessa altura consagrava a chamada “Coluna da Harmonia", ou seja, a inserção da Música no ritual, acompanhando as entradas e saídas de Dignatários, as Ini-ciações, Elevações, e para os funerais dos Irmão Maçónicos.

Volto ao tema da Iniciação, segundo a proposta Mozartia-na.

No Primeiro Acto décima quarta cena, um Sacerdote in-terroga o herói o Príncipe Ta-mino, à porta do Templo, depois de este ter batido e pergunta-lhe: “O que procuras neste lugar sagrado: - Resposta: Amor e Virtude. E quando verei a Luz?" que ele tanto desejava receber.

Na cena subsequente, Sa-rastro, o Sacerdote Supremo do templo, ordena: “Levai os estrangeiros, o Prin-cípe e a Princesa Tamina, ao Templo das Provações e que os seus olhos sejam vendados, pois eles devem primeiro ser purificados".

Essa prova da v e n d a n o r i t u -al maçónico é que permitirá pela purificação, chegar-se à Iluminação.

No Segundo Acto, Tamino, filho de um Rei, aguarda na porta Norte do Templo, para entrar e seguir a Grande Luz. Também nas fraternidades os Iniciados do primeiro grau Aprendizes, ficam no Templo, na zona designada Coluna do Norte.

N a Ó p e r a , d e p o i s , s ã o levados depois para o sub-terrâneo, que é aquilo a que hoje chamam a Câmara de Reflexõe,onde os neofitos fi-cam a meditar durante algum tempo.

Perante a dificuldade das provas é-lhes dito na Ópera: “Estais a tempo de reconside-rar", que é o equivalente no moderno ritual, aos “Estás livre

ainda, podes agora mesmo re-nunciar à recepção da Ordem".

A obra segue o seu curso até ao triunfo final, quando o Príncipe Tamino e a sua amada Tamina recebem as Luzes e se completam quer no casamento, ou seja, a vida conjugal, plena de amor, o Amor Terreno - quer com a vida superior do Ideal, que se procura sempre e de ser apanágio dos bons Mações.

De notar o avanço da pro-posta social de Mozart porque na ópera são iniciados em pé paridade um homem e uma mulher, Pamino e Pamina.

Mozart defendeu, e perten-ceu a lojas mistas,coisa que ain-da hoje nao é aceite em todas as Maçonarias,embora em Fran-ça e em Portugal já haja lojas mixtas com mulheres e homens em pé de igualdade,Grande Oriente Ibérico,por ex.

A cerimónia de Iniciação, como se vê na Ópera, e pratica nas Lojas é um drama iniciá-tico, com a morte do neófito, morte simbólica, que até faz “ testamento", e o renascer do Homem Novo, que passa a ir à procura de um mundo novo.

Aliás, todos os ritos da Ma-çonaria giram em torno da ideia de Construção, herança his-tórica do tempo, em que com o compasso e o esquadro se

construíram as Ca-tedrais.

O I n i c i a d o q u a n d o e n t r a n a Maçonaria ,é para receber a" Luz" , e a partir desse mo-mento começar à procura do Conhe-c i m e n t o , p a r a s e fazer progredir, e ajudar a progredir a Humanidade . É

um percurso,um caminho sem fim,que deve começar todos os dias.

Mas por isso,e para isso, ele tem de estar a compasso consigo,(conhecer- se), com a ciência do tempo, e com a evolução social de todos os homens e das mulheres do seu lugar,que são os seus pares.

Tudo isto, para para po-der ajudá-los, em nome da Igualdade,Liberdade, e Frater-nidade!

António SerzedeloEditor do programa de

radio Vidas Alternativas [email protected])

numa luta intestinade alguns policias que fazempolitica,de membros de partidosque fazem um teatro de sombras,enquanto fazem ajustes de contas entre si

Mozart defendeu, e pertenceu a lojas mistas,coisa que ainda hoje nao é aceite em todas asMaçonarias

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Numa abordagem aos novos sectores económicos, dentro de um modelo de desenvolvimento sustentável que defendemos e divul-gamos, O SUL foi ter uma conversa com Diogo Oliveira, proprietário de uma loja famosa e distinta, si-tuada na Volta da Pedra (Palmela), denominada “Biciplus”. Diogo Oliveira iniciou o seu contacto com o mundo das bicicletas fez 20 anos, através de um desejo do seu filho em participar numa modalidade do ciclismo que em Portugal dava os seus primeiros passos, o BTT. Tal dá-se ainda antes do nascimento da televisão privada e do aparecimento dos programas que vêm mostrar os gostos de uma nova geração que despontava, casos de, por exemplo, “Portugal Radical”, que ajudaram a encontrar um espaço legítimo para formas menos ortodoxas de encarar desportos clássicos. Aliás, o seu filho iniciou-se na competição pelo Airense, depois convertido em IDA-SIC. Diogo Oliveira foi acom-panhando de forma muito próxima a paixão do filho e tal, inevitavel-mente, levou-o a envolver-se na organização de provas e a constatar as fragilidades de uma realidade na-cional confrangedora. As bicicletas para competição de BTT chegavam a Portugal através de importações complicadíssimas e aleatórias, sem qualquer destrinça de relações de qualidade e de preço, sendo que as marcas portuguesas, tais como a Órbita e a Vilar, recusavam olhar seriamente para um mercado que despontava, mas que implicava obrigatoriamente investimentos em tecnologias de vanguarda e a modernização do sector.

Foi assim, num contexto eco-nómico favorável ao investimento em modernização dos sectores pro-dutivos, mas que, como em tantos outros sectores, se fez de conta que nada se passava, que Diogo Oliveira decidiu usar o capital de conheci-mento acumulado para criar uma alternativa informada de respos-ta à procura sempre crescente de um público mais vasto, reunindo num só espaço o que de melhor se fabricava em todo o mundo. Actu-almente, a Margem Sul dispõe de alguns espaços comerciais com produtos de grande qualidade, mas escolhemos este pela sua antigui-dade, compromisso profundo com a evolução orgânica da modalidade em Portugal e o seu carisma, que leva a Palmela gentes do Alentejo, de Lisboa, de Óbidos, entre outros, num raio de cerca de 150 quilóme-tros de distância.

O espaço da Biciplus é uma

antiga serração na Volta da Pedra, que estava abandonada. Levou dois anos a ser recuperada, ou como nos diz Diogo Oliveira, “restaurada”, pois fez questão que a arquitectu-ra original fosse mantida, as cores originais fossem recuperadas. Foi feito com muito carinho, uma casa

que reflecte uma vida dedicada às bicicletas nas últimas duas dé-cadas, um espaço que é muito mais do que uma simples loja. Ali se reúnem, aos fins-de-semana, grupos orga-nizados de ciclistas de BTT, antes de rumarem para a Serra do Lou-ro e mergulharem na aventura da Arrábida. Ali encontram todas as condições, pois dis-

põem de balneários e oficina aberta. Diogo Oliveira organiza igualmente passeios de BTT nocturnos, seguidos de patuscada e convívio.

A Biciplus dedica-se e promove a competição de BTT, e recebe os grupos organizados pelos clubes que existem espalhados por todo o país, mas não deixa de lamentar que, para as cerca de 500 pessoas/dia que entram de Palmela para a Serra do Louro, em bicicleta (segun-do informações do PNA), a juntar aquelas que entram pela Quinta do Anjo, Azeitão, Santana (Sesimbra) e Setúbal, não exista apoio. Trata-se, como é evidente, de uma possibili-dade de serviço útil que criaria em-pregos, num país e região que bem necessita deles, a juntar a toda uma promoção de uma região que não é convenientemente feita. As pes-soas juntam-se espontaneamente, percorrem a Serra em grupos de amigos e daqui vão sem levarem ou deixarem nada. Esta situação, diz-nos, contrasta profundamente com o que se passa nos Concelhos do Litoral Alentejano do distrito de Setúbal, principalmente Alcá-cer do Sal, Santiago do Cacém e Grândola, onde as comunidades e associações de ciclistas BTT são acarinhadas e geram evidentes mais-valias económicas para essas regiões. Não é só o valor económico, é a promoção do bem-es-tar das pessoas, o con-tacto com a natureza e um modelo alternativo de turismo com quali-dade, defende Diogo Oliveira.

Independentemente dos lamen-tos que possam ser feitos, Diogo alerta-nos igualmente para uma ou-tra realidade que está a despontar. Inicialmente eram maioritariamente os homens a comprarem bicicletas, actualmente verifica que são aci-

ma de tudo famílias que pretendem qualidade de vida e convívio para os seus fins-de-semana. As pessoas começam a optar por comprar uma BTT a prestações, a gastar mensal-

mente num ginásio. Há igualmente um movimento crescente de pessoas a utilizar a bicicleta como meio de transporte para o trabalho, menos visí-vel em Setúbal, mas mais evidente no Pi-nhal Novo. Tudo isto se inicia, mas é preci-so ir acompanhando o que está a acontecer e o que irá suceder, ga-rante-nos Diogo Oli-veira. Talvez seja altura de se começar a pensar

seriamente nas ciclovias, sugere. A de Setúbal, a única que temos aqui próxima, é destinada ao lazer, mas dentro em breve a realidade será outra, assevera.

José Luís [email protected]

A Margem Sul em duas rodas

As bicicletas para competição deBTT chegavam a Portugal atravésde importações complicadíssimase aleatórias, sem qualquer destrinçade relações de qualidade e de preço

nos Concelhosdo Litoral Alentejano do distrito deSetúbal, principalmente Alcácer doSal, Santiago do Cacém e Grândola,onde as comunidades e associações

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Luís Humberto Teixeira, pri-meiro director deste jornal, jo-vem investigador setubalense, licenciado em Comunicação Social e mestre em Ciência Po-lítica, lançou no passado dia 31 de Janeiro, na Li-vraria Bulhosa, de Entrecampos, o seu mais recente livro intitulado “Verdes Anos - História do Ecologismo em Por-tugal (1947-2011)”, editado pela Esfera d o C a o s / F u n d a -ção Calouste Gul-b e n k i a n . O l i v r o foi apresentado por Viriato Soromenho-Marques, rosto bem conhecido do movi-mento ambientalista português.A estruturação da obra é a ex-pectável numa obra que resulta de uma dissertação de mestra-do, o que poderia levar-nos a encará-la com algum receio de ser leitura espinhosa mas, pelo contrário, apresenta-se de fácil e estimulante leitura. Procu-rando ressuscitar, articulan-do habilmente um conjunto de pormenores que passaram des-

percebidos aos mais desatentos no Portugal Contemporâneo, vai-nos desvelando as poten-cialidades reais de um movi-mento tido por muitos como pouco relevante de um ponto

de v is ta pol í t ico . E s b a r r a m o s p e -rante a pertinência das reivindicações de uma perspecti-va cientif icamen-te bem alicerçada, que contrasta com a fluidez e o modismo da sua base social. Em certa medida, o que resulta da leitu-ra, é que o proble-

ma do ambientalismo político é que todos os outros partidos o querem, mas nenhum quere-o demais, paradoxo de contor-nos quase esquizofrénicos em Portugal, mas que se sente um pouco por todo o mundo, le-vando a fortes clivagens nas forças verdes. As associações ambientalistas, os movimentos pré-partidários, os partidos ditos verdes, an-tigos e viventes, tudo se junta numa procura séria de desven-

dar qual é a real dimensão do ambientalismo português, num trabalho exaustivo do seu au-tor. Muitas questões assaltam durante a sua leitura. Será que já foi o tempo de um Partido Verde Português aquando do nascimento anacrónico do PRD, ideologicamente nulo? Será que era aí, tendo sido dei-xada passar, a possibilidade de criar um partido de massas? Ou será que o seu tempo ain-da está por vir? Seja como fôr, a base social onde assenta é demasiado numerosa para ser posta à borda do prato, como se nada fora. Luís Teixeira cumpre um verdadeiro serviço cívico, ao puxar as alternativas polí-ticas para o centro do debate, principalmente quando o bi-partidarismo costumeiro tem deixado um gosto bem amargo aos portugueses nestes dois úl-timos anos.

José Luís [email protected]

LIVROS. Que a vida de Luiz Pacheco já merecia ser contada parece – e é – uma constatação óbvia; que o livro de João Pe-dro George, “Puta Que os Pariu! A Biografia de Luiz Pacheco”, fosse a obra que se esperava – e que o homem merecia – já é algo digno de discussão. Mas, vamos por partes. É certo e sabido que Pedro George não é um novato no assunto Pa-checo – este é um, aliás, acerca do qual este tem alimentado, sofregamente, faz já alguns anos, uma carreira duvidosa. A presente obra, «parte» de uma tese de doutoramento, é o resultado final dessa tão devota dedicação. Infelizmen-te, o academismo – o qual em Portugal é praticamente sinó-nimo de mal escrever – nota-se. No fim, a leitura ressente-se, o leitor aborrece-se, e uma vida fascinante é reduzida a um amontoar de informação,

muitas vezes regurgitada de capítulo em capítulo. Porque, afinal, “A Biografia” não é exac-tamente, e como se desejava, “uma biografia” de uma vida muitas vezes levada ao limite por dedicação às letras, mas antes uma dissecação médica e analítica de um homem em temas e facetas – o mulheren-go, o crítico, o editor, o escritor «maldito». É pena. [João Pedro George, “Puta Que os Pariu! A Biografia de Luiz Pacheco”. Tinta-da-China, 2012.]

FILMES . Na cidade de To-ronto, Canadá, Scott Pilgrim (o genial Michael Cera) namora com uma liceal, faz parte de uma banda e joga videojogos. No resto do tempo, preguiça no apartamento que partilha com o seu amigo gay Wallace (Kieran Culkin). A sua vida é simples, mas marcada por um coração destroçado. Isto, claro, até ao dia em que uma nova ra-

pariga surge na cidade: Ramo-na Flowers (a belíssima Mary Elizabeth Winstead – e quem o poderá julgar?). A partir daí tudo se complicará. Ramona, ela própria, é atormentada por uma certa bagagem emocional da qual tenta fugir (e sim, é um eufemismo). Para a conquistar, Scott não terá outro remédio senão enfrentar o passado de ambos, e no caso especí-fico de Ramona, de lutar (de forma literal) contra os seus sete maléficos ex-namorados determinados em controlar a sua vida amorosa. Nota curta: “Scott Pilgrim vs. the World” é a adaptação cinematográfica da novela gráfica criada por Bryan Lee O’Malley. Nota longa: com uma estética de cultura pop / rock que mistura ares de videojogo e romance gráfico, este é tão só um dos mais bri-lhantes e divertidos produtos cinematográficos dos últimos

anos, que demonstra de for-ma talentosa a necessidade de enfrentar o passado para que se possa viver o futuro. [“Scott Pilgrim vs. the World”. Director: Edgar Wright. 2010.]

MÚSICA. Por norma, não me considero que grande aprecia-dor de música electrónica –ca-racterizemo-la assim, de forma redutora e vagamente depre-ciativa. É claro que existem excepções: Daft Punk, Apollo 440, Rob Dougan (um peque-no génio) e, claro, AIR, a dupla francesa composta por Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel. Não foi necessário muito para que AIR me conquistasse: di-gamos um filme, “The Virgin Suicides” de Sofia Coppola, e uma música em particular que o embalava, “Playgroud Love”. (E seria necessário mais?) Ago-ra, como na altura, é uma obra cinematográfica quem despo-leta do duo uma nova composi-

ção musical – um cruzamento à sua medida, diga-se. Esta é uma versão estendida de uma banda sonora originalmente criada para acompanhar a recente re-edição restaurada do já clássico “Le voyage dans la lune” (1902) de Georges Méliès, e ao qual, naturalmente, este novo álbum vai retirar o seu nome. Não se pense no entanto que tal facto restringe a obra: com ou sem filme, este é um álbum que se ouve com o mesmo desmedido deleite. [AIR, “Le Voyage dans la Lune”. Virgin, 2012.]

Tiago Apolinário BaltazarEstudante Universitário

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"Na mesa-de-cabeceira"

Luís Teixeira lança livro sobre movimento ecologista português

ficha tÉcnica:propriedade e Editor: prima folia - cooperativa cultural, crl . Morada: rua fran paxeco nr 178, 2900 setúbal . telefone: 963683791/969791335 . nif: 508254418 . director: antónio serzedelo . subdirector: josé luís neto, leonardo da silva consultores Especiais: fernando dacosta e raul tavares . conselho Editorial: catarina Marcelino, carlos tavares da silva, daniela silva, hugo silva, josé Manuel palma, Maria Madalena fialho, paulo cardoso . director de arte: dinis carrilho . consultor artístico: leonardo silva . Morada da redacção: rua fran pacheco n.º 176 1.º andar 2900-374 setúbal . E-mail: [email protected] . registo Erc: 125830 . depósito legal: 305788/10 . periodicidade: Mensal . tiragem: 45.000 exemplares . impressão: Empresa Gráfica funchalense, sa – rua capela nossa senhora conceição, 50 – Moralena 2715-029 – pêro pinheiro

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Na tarde de 29 de Janei-ro de 2012, no Cine-Teatro S. João, em Palmela, decorreu o 15.º Festival da Canção Infanto Juvenil de Palmela, organiza-do pelo Grupo de Animação e pelo Teatro Espe-lho Mágico, onde se aproveitou para prestar uma justís-sima homenagem a Victor Serra. Victor Serra, recentemen-te falecido, foi uma pessoa intimamen-te ligada ao desen-volvimento cultural e às causas políti-cas, em Setúbal. In-trinsecamente ligado ao Cír-culo Cultural de Setúbal, poeta talentoso, crítico de pena afia-da, não era particularmente estimado pelo meio político e cultural mais conservador.

Esquerdista assumido, encar-nava em si toda uma tradição anarco-sindicalista e libertá-ria, que tanto modelou Setúbal desde finais do Século XIX.

A sala estava muito bem c o m p o s t a , o q u e a p r a z r e g i s t a r. O evento teve início com o “Fei t iceiro de Oz” , peça que venceu o Concurso Nacional de Teatro da Fundação Inatel. Tr a t a - s e d e u m a adaptação livre de Céu Campos da cé-lebre obra de Frank Baum. A peça é um

musical em torno do valor da amizade, destinada a uma fai-xa etária infantil, entre os 4 e os 12 anos de idade. A cenogra-fia merece rasgado elogio, bem como a caracterização, que é

fiel a uma obra clássica, que bem deve ser conhecida pelas gerações mais novas.

O concurso decorreu com naturalidade, havendo algu-mas interpretações de monta, mas onde prevaleceu o espí-rito de partilha sobre a com-petitividade, tendo sido ainda declamados alguns poemas de Victor Serra, que ali congre-gou gentes das mais diversas áreas cul turais e pol í t icas , demonstrativo do reconhe-cimento pelo seu relevante contributo e obra.

José Luís [email protected]

A atitude de Vasco Graça Moura de impor aos funcionários do Centro Cultu-ral de Belém que fosse retirado dos com-putadores o corrector ortográfico com o novo Acordo Ortográfico continua a ser celebrada em alguns fóruns como um “acto de resistência” em relação ao controverso acordo. Erradamente. Não há “resistência” nenhuma quando se im-põe aos subordinados as suas próprias convicções.

Faz lembrar a célebre “greve dos camionistas”, assim denominada na imprensa, que não era uma greve mas um movimento reivindicativo dos pro-prietários dos camiões. Então, toda a Comunicação Social se esqueceu de que a paralisação também afectou os empregados, os motoristas das viaturas, que não foram tidos nem achados para a perda do seu salário em consequência da falta de actividade que lhes foi impos-ta. Em rigor, tratou-se de um lockout ,

uma paralisação patronal, que, já agora, é proibida por lei em Portugal. No caso de Graça Moura, outra vez: não se tratou de “greve” mas de um lockout... cultural.

Todavia: Acordo ortográfico? “Pára” aí!

Ao contrário de Graça Moura, não é por questões de “patriotismo”... Patrio-tismo? Se querem fazer algo em maté-ria de “patriotismo” sigam o exemplo dos brasileiros: insurjam-se contra as palavras estrangeiras na publicidade, e por aí adiante, sempre que há termos em português. Exijam que a comuni-cação social proteja a língua, para que a “norma” escrita se expanda ao contrário dos anglicismos idiotas com que nos prendam diariamente.

Resiliência aos “brasileirismos”? Só se for para rir, no Brasil há muitos que o criticam e com argumentos menos estúpidos do que o “patriotismo”. Não culpem os brasileiros, deixem-nos em

paz. Os que melhor escrevem em portu-guês fazem-no em português do Brasil, e com o “trema”... e o tal gerúndio que al-guns imbecis acham “brasileiro” porque só conhecem o Alentejo das anedotas.

Não gosto do acordo ortográfico em nome da diversidade - uma espécie de amor à biodiversidade mas com letras. Não vejo nele a distinção saudável das pronúncias portuguesa e brasileira: onde eu lia o cru “diréção” europeu, leio agora “dirêção” porque se avacalhou a sílaba tónica... e já nem me permitem adivinhar em “direção” a pronúncia da “dirêção” brasileira. O Acordo Ortográfico é um híbrido de plástico sem alma. Uma uni-formização que só serve os editores.

Além disso, e sem me meter nos “pormenores técnicos”, não gosto do acordo porque muitas das soluções que propõe são estapafúrdias e “este-ticamente” caricatas, como o “para” que pode ser “pára” e “depende do contexto”...

como os “espetadores” que acho que só deviam existir nas touradas - cujos “espetadores” espero que tenham cada vez menos espectadores.

Por outro lado, pressinto que no fu-turo os nossos estudantes perceberão pior qual a razão por que os ingleses e franceses mantêm o “c” em “direction”, que suspeito que seja a mesma pela qual os castelhano-escritores o fazem em “dirección”.

Perante a evidência (do que é evi-dente - não a tradução errada do equi-valente inglês para “prova” como se vem lendo cada vez mais nas legendas e se ouve nos telejornais) só posso chegar à conclusão de que as academias das três línguas mais faladas pela Humanidade são umas atrasadas ao pé dos ilumina-dos que pariram o acordo.

Regressando ao ídolo “resistente” do momento. Vasco Graça Moura impôs (sublinho: impôs) aos seus subordinados

que não fosse cumprido o acordo. Não gostei porque também não gostaria que o meu patrão me impusesse o contrário. Além disso, estas coisas da resistência só têm pinta quando um gajo arrisca alguma coisa. O que não foi o caso.

PS: Desculpo-me desde já quanto ao atrevimento e à “ignorância técnica” acerca deste assunto. Vejam a coisa deste modo: não é preciso ser mecânico para conduzir um carro, pois não? Mas há que, mesmo assim, ter o cuidado de vi-giar o nível dos fluidos debaixo do capot – assim mesmo, em francês e em itálico.

José Tavares da Silva

cultura

Homenagem a Victor Serra

Resistência ou Lockout cultural?

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A&DArte e DecoraçãoJosé Paulo B. Nobre

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Gerson Santos no Festival da Canção

A 10 de Março de 2012 terá lugar o 48.º Festival da Canção, promovido pela RTP. Um ano após este ter sido profundamente marcada por “A Luta é Alegria” de “Os Homens da Luta”, esta edição irá apresentar doze finalistas dos 400 que se apresentaram. Dos doze, três vieram por entrada automática, mercê de terem ga-nho concursos que davam aces-so directo caso de “Operação Triunfo”, “Você na TV” e “Ídolos”. O júri, composto por Fernando Martins, Ramon Galarza e José Poiares, seleccionou os restantes nove intérpretes, onde se conta Gerson Santos, jovem cantor se-tubalense, que já antes se havia feito notar. Propomos, portanto, um grande apoio a este menino de dezoito anos através da associa-ção a http://www.facebook.com/gersonmelosantos.

José Luís [email protected]

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