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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ CURSO DE DIREITO O SISTEMA EUROPEU DE AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO: UM POSSÍVEL MODELO PARA O BRASIL THE EUROPEAN SYSTEM OF ECONOMIC INTEREST GROUPINGS: ONE POSSIBLE ROLE MODEL FOR BRAZIL Fernando Antônio de Pádua Araújo Melém 1 Juliana Monteiro Pedro 2 RESUMO: Os Agrupamentos Europeus de Interesse Econômico são uma forma de união de esforços para a persecução de determinados objetivos de cunho econômico existente na União Europeia. Podem ser constituídos por pessoas físicas e/ou jurídicas, que se beneficiarão da racionalização de recursos, bem como da delegação de atividades que sejam auxiliares ao seu objeto social. Diante deste instrumento, o presente estudo tem por objetivo a proposição da adoção deste modelo pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, procede-se ao estudo de sua natureza jurídica, com o fim de saber qual seria o lugar ocupado pelos agrupamentos no direito nacional. Trata-se, aqui, de municiar os empreendedores brasileiros com o máximo possível de ferramentas, para que possam desenvolver suas atividades econômicas da forma que melhor lhes aprouver, gerando reflexos positivos em toda a sociedade. Ao final, conclui-se pela possibilidade de instituição dos Agrupamentos de Interesse Econômico brasileiros, que seriam uma forma societária tal qual aquelas constantes no título II, do Livro II, da Parte Especial do Código Civil. A metodologia utilizada foi a abordagem qualitativa, com enfoque interpretativo-compreensivo e viés empírico-social. Como procedimentos técnicos, foram adotadas a pesquisa bibliográfica e análise documental, além de breve entrevista com autoridade sobre o assunto. PALAVRAS-CHAVE: AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO; COOPERAÇÃO PARA A PERSECUÇÃO DE FINS ECONÔMICOS; DIREITO SOCIETÁRIO. ABSTRACT: The European Economic Interest Groupings are a form of joining efforts towards the pursuit of certain objetives of economic nature which exists in the European Union. It can be constituted either by natural and/or legal persons, which will benefit from the rationalization of resources, as well as the delegation of activities that are auxiliary to their core business. Facing this instrument, this study aims the proposition of the introduction of this role model in the brazilian legal order. In order to achieve this, it studies the legal nature, with the purpose of what would be the place occupied by the grouping in the brazilian law. The issue here is to 1 Acadêmico concluinte do Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá. E-mail:[email protected]. 2 Professora orientadora da disciplina TCC II, do Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá. E-mail:[email protected].

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ

CURSO DE DIREITO

O SISTEMA EUROPEU DE AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO: UM

POSSÍVEL MODELO PARA O BRASIL

THE EUROPEAN SYSTEM OF ECONOMIC INTEREST GROUPINGS: ONE

POSSIBLE ROLE MODEL FOR BRAZIL

Fernando Antônio de Pádua Araújo Melém1

Juliana Monteiro Pedro2

RESUMO: Os Agrupamentos Europeus de Interesse Econômico são uma forma de união de

esforços para a persecução de determinados objetivos de cunho econômico existente na União

Europeia. Podem ser constituídos por pessoas físicas e/ou jurídicas, que se beneficiarão da

racionalização de recursos, bem como da delegação de atividades que sejam auxiliares ao seu

objeto social. Diante deste instrumento, o presente estudo tem por objetivo a proposição da

adoção deste modelo pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, procede-se ao estudo de

sua natureza jurídica, com o fim de saber qual seria o lugar ocupado pelos agrupamentos no

direito nacional. Trata-se, aqui, de municiar os empreendedores brasileiros com o máximo

possível de ferramentas, para que possam desenvolver suas atividades econômicas da forma

que melhor lhes aprouver, gerando reflexos positivos em toda a sociedade. Ao final, conclui-se

pela possibilidade de instituição dos Agrupamentos de Interesse Econômico brasileiros, que

seriam uma forma societária tal qual aquelas constantes no título II, do Livro II, da Parte

Especial do Código Civil. A metodologia utilizada foi a abordagem qualitativa, com enfoque

interpretativo-compreensivo e viés empírico-social. Como procedimentos técnicos, foram

adotadas a pesquisa bibliográfica e análise documental, além de breve entrevista com

autoridade sobre o assunto.

PALAVRAS-CHAVE: AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO;

COOPERAÇÃO PARA A PERSECUÇÃO DE FINS ECONÔMICOS; DIREITO

SOCIETÁRIO.

ABSTRACT: The European Economic Interest Groupings are a form of joining efforts towards

the pursuit of certain objetives of economic nature which exists in the European Union. It can

be constituted either by natural and/or legal persons, which will benefit from the rationalization

of resources, as well as the delegation of activities that are auxiliary to their core business.

Facing this instrument, this study aims the proposition of the introduction of this role model in

the brazilian legal order. In order to achieve this, it studies the legal nature, with the purpose

of what would be the place occupied by the grouping in the brazilian law. The issue here is to

1 Acadêmico concluinte do Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá.

E-mail:[email protected]. 2 Professora orientadora da disciplina TCC II, do Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá.

E-mail:[email protected].

2

equip the brazilian entrepreneurs with the maximum possible tools, so that they can develop

their economic activities in the way they see fit. At the end, it is concluded that the institution

of the brazilian Economic Interest Grouping would be possible, and that they would be one

corporate form such as those existent in Title II, of Book II, of the Special Part of the brazilian

Civil Code. The applied methodology was the qualitative, interpretative-comprehensive

emphasized approach and a empirical-social bias. As for the technical procedures,

bibliographic research and documental analysis have been adopted, as well as na interview

with an expert in the issue.

KEYWORDS: ECONOMIC INTEREST GROUPINGS; COOPERATION TOWARDS

ECONOMIC OBJECTIVES; CORPORATE LAW.

1 INTRODUÇÃO

A União Europeia (UE) é um bloco internacional que teve origem no pós-guerra. Trata-

se do único bloco econômico que atingiu o grau máximo de cooperação entre países, qual seja,

a união econômica e monetária. A integração entre os países do bloco europeu, consubstanciada

em seus órgãos fundamentais (Parlamento Europeu, Comissão Europeia, Conselho Europeu e

Tribunal de Justiça da União Europeia) resulta em um ordenamento jurídico e em uma

construção doutrinária, que são denominados de Direito da União Europeia.

Este ramo do direito tem complexas relações com os ordenamentos jurídicos dos

Estados-membros daquele bloco, e por vezes, sobrepuja-se a estes, em determinadas matérias,

de acordo com as determinações dos tratados fundadores (Tratado da União Europeia e Tratado

sobre o Funcionamento da União Europeia, genericamente chamados “Tratado de Lisboa”), de

forma que é possível criar determinados institutos com eficácia jurídica em todos os países do

bloco.

O Agrupamento Europeu de Interesse Econômico (AEIE) é um desses institutos, sendo

uma forma de união de esforços existente no espaço da União Europeia para a persecução de

determinados objetivos econômicos, que deverá ser composto por, no mínimo, duas pessoas,

físicas e/ou jurídicas, que tenham sede ou residência em diferentes países da União Europeia.

Por meio de sua utilização é possível a redução de custos operacionais, a criação de

centros de pesquisa em determinadas áreas, a otimização das atividades-fim dos associados, a

capacitação profissionalizante, entre outros.

O instrumento, introduzido na União Europeia em 1985, pelo Regulamento 2.137, de

23 de julho de 1985, tem inúmeras possibilidades de utilização, uma vez que a legislação

instituidora não delimita as suas atividades, desde que tenham caráter auxiliar às atividades-fim

de seus membros. Contudo, à altura da sua instituição, já não era conceito inédito, uma vez que

3

França e Portugal dispunham de institutos semelhantes. No presente trabalho, os Agrupamentos

Europeus de Interesse Econômico e os seus correspondentes regionais, que existem em

Portugal, Espanha, França, Bélgica e Luxemburgo, serão designados, genericamente, por

Agrupamentos de Interesse Econômico (AIEs).

Diante desta forma de união de esforços diferenciada, que representa oportunidades,

principalmente, para micro, pequenas e médias empresas, e tendo em vista que o ordenamento

jurídico brasileiro não dispõe, pelo menos em princípio, de alguma forma de pessoa jurídica de

direito privado que se assemelhe ao modelo europeu, cabe o questionamento: Como os AIEs

poderiam ser adotados no direito brasileiro?

O objetivo geral do presente trabalho, portanto, é propor a adoção de um modelo de AIE

para o direito brasileiro a partir do modelo utilizado pela UE e alguns de seus Estados-membros.

Para alcançar este objetivo, ao longo dos trabalhos, serão procede-se os seguintes passos:

(1) Estudar a estrutura e a natureza jurídica dos AEIEs perante o direito da União Europeia;

(2) Identificar a natureza jurídica dos AIEs perante o ordenamento jurídico brasileiro,

comparando-o com as pessoas jurídicas de direito privado aqui existentes, visando demonstrar

que nenhuma delas pode se servir aos fins e à forma de organização dos AIEs; e (3) demonstrar

que o conceito de AIE, para o direito brasileiro, não é inteiramente novo, tendo sido tratado,

ainda que de maneira superficial, pelo ordenamento jurídico nacional.

A hipótese dos autores é que o modelo de AIE pode ser adotado no direito brasileiro,

com observância às formas societárias nacionais e com características específicas de maneira a

não conflitar com o sistema jurídico societário atualmente utilizado.

A importância do tema reflete-se no fato de que o modelo em análise pode ser de grande

valor para os empreendedores brasileiros, principalmente para as micro, pequenas e médias

empresas, seguindo a tendência europeia neste sentido. (COMISSÃO, 1999). Ademais, o Poder

Legislativo deve municiar os empreendedores brasileiros com o máximo de instrumentos

quanto possível, para que possam realizar as suas atividades da forma que melhor lhes aprouver,

o que gerará reflexos positivos em toda a sociedade. Tal afirmação se revela ainda mais

verdadeira em momentos de crise econômica, quando a atividade dos empresários fica

desencorajada pelas condições do mercado.

No que se refere à metodologia, utilizou-se uma abordagem qualitativa, com enfoque

interpretativo-compreensivo. Trata-se de uma pesquisa com viés empírico-social, que busca

estudar a necessidade de se instituir uma nova forma de pessoa jurídica no ordenamento jurídico

nacional. Para tanto, utilizou-se pesquisa bibliográfica e análise documental.

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2 O AGRUPAMENTO EUROPEU DE INTERESSE ECONÔMICO

O Agrupamento Europeu de Interesse Econômico, ou em, inglês, European Economic

Interest Grouping (EEIG) é, como a própria nomenclatura declina, uma forma de união de

esforços, cujos membros podem ser pessoas físicas e/ou jurídicas. É instrumento jurídico

existente na União Europeia, e decorre do ordenamento jurídico válido em todos os 28 países

que compõem aquele bloco multinacional, tendo sido instituído pelo Regulamento 2.137, de 25

de julho de 1985, que entrou em vigor em 1° de julho de 1989. Seus membros fundadores

devem ter, necessariamente, sede ou residência em, no mínimo, dois países diferentes do bloco

europeu, formando, assim, um agrupamento multinacional. O agrupamento deverá ter sede em

um dos países-membros da União Europeia, onde será registrado. O art. 3°, número 1, do texto

legal instituidor expõe o objetivo dos AEIE:

Art. 3°

1. O objetivo do agrupamento é facilitar ou desenvolver a atividade econômica dos

seus membros, melhorar ou aumentar os resultados desta atividade; não é seu objetivo

realizar lucros para si próprio. A sua atividade deve estar ligada à atividade econômica

dos seus membros e apenas pode constituir um complemento a esta última.

O conceito delineador do AEIE é a formação de um ente jurídico, o qual, a depender do

país da União Europeia, terá, ou não, personalidade jurídica, cuja finalidade será auxiliar os

seus membros em suas atividades-fim, ou desenvolver uma determinada atividade por meio da

união de esforços. Os membros do agrupamento respondem ilimitada e solidariamente pelas

suas dívidas (artigo 24), e não existe exigência de capital social para a sua constituição.

Como aludido anteriormente, os membros do AEIE poderão ser pessoas físicas ou

jurídicas, desde que desenvolvam uma determinada atividade econômica. O Agrupamento não

pode ter, como finalidade, a auferição de lucro para si próprio, devendo suas vantagens

lucrativas ser distribuídas entre os membros do agrupamento na sua integralidade.

A administração dos AEIEs é realizada por dois órgãos obrigatórios. O primeiro é o

Colégio de Membros, previsto no artigo 16 do Regulamento 2.137/85, composto pelos

membros do agrupamento, que tem por função tomar as decisões fundamentais relativas ao

empreendimento conjunto. Nesta linha, o número 2, do artigo 16°, estabelece que “os membros

do agrupamento agindo enquanto órgão podem tomar qualquer decisão com vista à realização

do objetivo do agrupamento”. Neste órgão, cada membro possui um voto, a menos que o

contrato do agrupamento disponha uma quantidade maior de votos para determinados

membros, desde que nenhum deles, isoladamente, tenha a maioria (número 1, artigo 17).

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O segundo órgão de administração dos AEIEs é a gerência, prevista no artigo 19 do

Regulamento. Este órgão pode ser composto por uma ou mais pessoas, que, além de

administrarem o dia-a-dia do agrupamento, terão a função de representá-lo perante terceiros. A

gerência poderá ser exercida, também, por uma pessoa jurídica (número 2, artigo 19).

No que tange às pessoas jurídicas, os AEIEs constituem oportunidades para sociedades

empresárias de diversos ramos e portes e principalmente para as pequenas e médias empresas

(COMISSÃO, 1999) cooperarem entre si, buscando otimizar seus resultados por meio da

delegação ao AEIE de algumas atividades que lhes sejam afins: pesquisa na área de negócios

daquelas companhias, compra de matéria-prima em conjunto, busca de clientes fora do

continente europeu para efetivação das exportações, etc.

A análise do Regulamento 2.137/85 revela as características básicas dos AEIEs:

(1) o caráter auxiliar do agrupamento, em relação às atividades-fim dos seus membros (artigo

3°); (2) a necessidade de seus membros-fundadores terem sede ou residência em no mínimo

dois países da UE (número 2, artigo 4°); (3) localização de sua sede necessariamente dentro da

UE (artigo 12); (4) direção colegiada dos membros (artigo 16); (5) a impossibilidade de

retenção de lucro pelo AEIE, devendo todo ele ser repassado aos seus membros (artigo 21); (6)

a responsabilidade ilimitada e solidária de seus membros em relação às dívidas do agrupamento

(artigo 24); (7) decisão sobre a inclusão de novos membros atribuída ao colegiado de membros

(artigo 26) e (8) a tributação realizada apenas a nível dos membros (artigo 40).

A expressão “atividade econômica” constante no texto do art. 3° do Regulamento

2.137/85 é interpretada extensivamente, de forma que as mais diversas atividades sejam

abrangidas pelos AEIEs. De acordo com informativo técnico publicado pela Companies House

UK, agência executiva pertencente ao governo Reino Unido (2014, p. 5):

An EEIG´s activities must relate to the economic activity of its members but must be

ancillary to them. The concept of ‘economic activity’ can be interpreted very widely.

For example, universities and research institutes may participate in an EEIG. The

creation of an EEIG between people in the professions (for example, solicitors) is also

permitted. However, professional people will need to consider wheter or not

participation in an EEIG would be contrary to the rules of their profession. The

Grouping may not itself practice a profession – as this would replace the activites of

the memebers – but it may provide services for its members which relate to their

profession (for example, consultation on legal matters).

Apart from this, and the restrictions set out under question 3, the EEIG can do

whatever its members wish.

De fato, o rol de restrições ao AEIE é pequeno e consta do número 2, do artigo 3°, do

Regulamento 2.137/85, e não se refere às atividades do AEIE em si, mas à sua organização

interna e suas relações com seus membros:

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2. Por conseguinte, o agrupamento não pode:

a) Exercer, direta ou indiretamente, um poder de direção ou de controlo das atividades

próprias dos seus membros ou das atividades de uma outra empresa, nomeadamente

nos domínios relativos ao pessoal, às finanças e aos investimentos;

b) Deter, direta ou indiretamente, a qualquer título, qualquer parte ou ação de uma

empresa membro, sob nenhuma forma; a detenção de partes ou ações numa outra

empresa apenas será possível na medida necessária para alcançar o objetivo do

agrupamento e quando seja realizada por conta dos seus membros;

c) Empregar mais de 500 assalariados;

d) Ser utilizado por uma sociedade para conceder um empréstimo a um dirigente de

uma sociedade, ou a qualquer pessoa a ele ligada, quando tais empréstimos estejam

sujeitos a restrições ou a controlos, de acordo com as leis dos Estados membros

aplicáveis às sociedades; um agrupamento também não deve ser utilizado para a

transferência de um bem entre uma sociedade e um dirigente ou qualquer pessoa a ele

ligada, salvo na medida em que tal seja permitido pelas leis dos Estados membros

aplicáveis às sociedades. Para efeitos do disposto na presente disposição, o

empréstimo inclui qualquer operação com efeito similar e o bem pode ser móvel ou

imóvel.

e) Ser membro de um outro agrupamento europeu de interesse económico.

O Regulamento, instrumento utilizado para trazer os AEIEs à existência, é espécie

legislativa própria do direito da União Europeia, caracterizado pela sua “generalidade, pela sua

obrigatoriedade e pela sua aplicabilidade direta” (MACHADO, 2014, p. 214). A partir de sua

entrada em vigor, todos os Estados-membros e seus residentes devem cumprir o que nele estiver

disposto, de acordo com as traduções oficiais fornecidas pelo bloco multinacional, sem

necessidade de internalização do texto ao ordenamento jurídico dos países.

Os Regulamentos equiparam-se às leis ordinárias, mas, apesar de serem diretamente

aplicáveis, podem estabelecer que algumas matérias complementares ficarão a cargo dos

Estados-membros; no caso dos AEIEs, por exemplo, o número 3, do artigo 1°, do Regulamento

2.137/85, determina que os países disporão acerca da atribuição de personalidade jurídica aos

AEIEs que neles tenham sede, bem como o artigo 39° determina que cabe a cada ordenamento

jurídico nacional dispor sobre as particularidades dos registros dos AEIEs.

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA CONCEPÇÃO DOS AEIES

A necessidade de criação de uma forma associativa que facilitasse a atividade

econômica de seus membros surgiu após a efetivação do mercado comum na União Europeia,

que à época ainda atendia pelo nome de “Comunidade Econômica Europeia” (CEE), desde o

Tratado de Roma de 1957. Este tratado, que entrou em vigor em 1° de janeiro de 1958, previa

em seu artigo 8° o estabelecimento do mercado comum europeu ao longo de um período de 12

anos.

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Em 1985, ano do Regulamento 2.137, a CEE era composta por 10 Estados: Alemanha,

Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Holanda, Itália, Irlanda, Luxemburgo e Reino Unido.

Portugal e Espanha juntariam-se ao bloco em 1° de janeiro de 1986. De acordo com publicação

técnica do instituto alemão Libertas, que realiza pesquisas na área econômica (2001, p. 2):

Long before the institution of a European Single Market, both the European

Commission in Brussels and the European Parliament realised the need of a specific

legal intrument to help transnational and interprofessional co-operation between

economic operators, particularly small and médium-sized enterprises (SME). The first

proposals dealing with this subject came from the European Parliament at the

beginning of the 70s, but an EU-wide agrement was reached only in the middle of the

80s, in the framework of the then beggining EU Single Market legislation.

A inexistência de fronteiras econômicas no interior do bloco europeu, por si só, não era

suficiente para alavancar a interação entre agentes econômicos. Afinal, se hoje a União

Europeia representa o grau máximo de integração entre países, é bem verdade que o continente

é marcado por inúmeros conflitos pretéritos entre os povos que nele habitam, de forma que

existem, ainda, diferenças de natureza cultural, linguística e ideológica. A superação destas

diferenças faz parte não apenas de um projeto de prosperidade econômica, mas alimenta o

espírito de integração daquele bloco em todos os âmbitos (MACHADO, 2014). Nesse sentido,

a primeira consideração contida no Regulamento 2.137/85 é a seguinte:

Considerando que um desenvolvimento harmonioso das atividades econômicas e uma

expansão contínua e equilibrada no conjunto da Comunidade dependem do

estabelecimento e bom funcionamento de um mercado comum capaz de oferecer

soluções análogas às de um mercado nacional; que a realização deste mercado único

e o reforço da sua unidade tornam desejável, nomeadamente, a criação, no interesse

das pessoas singulares, sociedades e outras entidades jurídicas, de um quadro jurídico

que facilite a adaptação das suas atividades às condições econômicas da Comunidade;

que, para este fim, é necessário que estas pessoas singulares, sociedades e outras

entidades jurídicas possam efetivamente cooperar sem fronteiras [...]

Com a edição do Regulamento 2.137/85, estava montado o aparato para que os agentes

econômicos europeus pudessem melhor aproveitar os benefícios trazidos pelo mercado comum.

O modelo introduzido, contudo, não era algo inédito. Ainda em 1967, havia sido instituído, na

França, o Groupement d’ Intérêt Économique (GIE) e, em 1973, em Portugal, o Agrupamento

Complementar de Empresas (ACE).

De acordo com Libertas (2001) existiam no início da década de 2000 cerca de 10.000

GIEs na França. Como exemplo, o instituto cita que a Airbus Corporation, segunda maior

fabricante de aeronaves comerciais do mundo foi fundada o final da década de 1960 como um

GIE, do qual faziam parte não apenas companhias francesas, mas parceiros alemães e, a partir

de 1971, espanhóis. Tal fato é destacado no sítio eletrônico daquela empresa:

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The partners decided to set up a Groupe d’Interet Economique, a unique structure

under French law which would enable Sud Aviation, HSA and what had by now

become known as Deutsche Airbus – a consortium of leading German aviation firms

– to work together on the A300 while remaining separate business enterprises

(AIRBUS, 2016)

Em relação à semelhança entre GIEs franceses e os ACEs

portugueses, bem como com os AEIEs, Abreu (2002, p. 34) destaca:

“Os agrupamentos europeus de interesse econômico (AEIE), basicamente regulados no R(CEE)

2137/85 do Conselho, de 25 de Julho de 1985, representam em boa medida a europeização dos

GIE franceses (e são, portanto, parentes dos nossos ACE).”

A europeização dos GIE parece ter dado início a uma expansão dessa forma associativa

por outros países europeus: Bélgica e Luxemburgo criaram, respectivamente em 1989 e 1991,

seus próprios Groupement d’ Intérêt Économique, enquanto a Espanha criou sua Agrupación

de Interés Económico no mesmo ano que Luxemburgo. A existência simultânea do instituto em

cinco países do bloco europeu, acompanhada da própria existência dos agrupamentos europeus,

demanda, então, um estudo para que seja decifrada a sua natureza jurídica.

2.2 NATUREZA JURÍDICA

Na definição da natureza jurídica dos AEIEs, duas questões deverão ser dirimidas: (1)

a atribuição de personalidade jurídica aos agrupamentos e (2) a definição da espécie de pessoa

jurídica da qual fazem parte os agrupamentos.

2.2.1 Atribuição de personalidade jurídica aos AEIEs

A décima primeira consideração do Regulamento 2.137/85 informa que, na elaboração

daquele texto legal, foi tido em mente que a capacidade das pessoas jurídicas (que, em língua

portuguesa europeia, chamam-se pessoas colectivas) é regulada pelas leis nacionais dos países-

membros da UE. Em decorrência disto, o número 3, do artigo 1°, do Regulamento, determina

que “Os Estados-membros determinarão se os agrupamentos inscritos em seus registros por

força do artigo 6° tem ou não personalidade jurídica”. Assim, coexistem, no ambiente

econômico e jurídico da UE, agrupamentos de interesse econômico possuidores e não-

possuidores de personalidade jurídica.

De acordo com publicação técnica lançada pela Comissão das Comunidades Europeias

(Atual Comissão Europeia, órgão de direção da UE) em 1993, para fazer um balanço após três

9

anos de existência dessa nova modalidade associativa, a razão pela qual o Regulamento deixou

em aberto aos países a possiblidade de atribuição de personalidade jurídica aos AEIEs foi a

diferença entre as legislações dos Estados-membros quanto às consequências da personificação,

especificamente na questão fiscal (COMISSÃO, 1993).

Um dos princípios que governam os AEIEs, nesta área, é a transparência fiscal, que,

em se tratando de direito europeu, “significa que cada membro de um agrupamento é tributado

sobre a sua parcela sobre a renda do AEIE” (COMISSÃO, 1999, p.41). Evita-se, por meio do

referido princípio, tanto a bitributação, quanto que os membros dos agrupamentos deixem de

responder pelos tributos devidos em decorrência de lucros provenientes da atividade dos AEIEs.

Dois artigos do Regulamento 2.137/85 dão suporte a este princípio:

Artigo 21°

1. Os lucros provenientes das atividades do agrupamento serão considerados como

lucros dos membros e repartidos entre eles na proporção prevista no contrato de

agrupamento, ou, se este for omisso, em partes iguais.

[...]

Artigo 40°

Os lucros e perdas resultantes da atividade do agrupamento só são tributáveis a nível

de seus membros”.

A Comissão Europeia (1993) destaca que, na Alemanha e na Itália, a transparência fiscal

somente é permitida no caso de entes despersonalizados, e, por isso, são estes os dois países

que não atribuem personalidade jurídica aos AEIEs neles registrados. Contudo, alerta ainda a

Comissão que esta decisão tem âmbito muito limitado e não afeta a autonomia de ação daqueles

agrupamentos, em virtude do disposto no número 2, do art. 1°, do Regulamento 2.137/85:

“O Agrupamento assim constituído tem capacidade, em seu próprio nome, para ser titular de

direitos e de obrigações de qualquer natureza, para celebrar contratos ou praticar outros atos

jurídicos e estar em juízo, a partir da data do registro no artigo 6°”.

Ao final, tem-se, na Alemanha e na Itália, um ente despersonalizado capaz de ser parte

em obrigações e contratar livremente, o que, em apressada leitura, poderia indicar um conflito

com a teoria clássica da personalidade jurídica. Nas palavras de Coelho (2012, p.21),

Para as não pessoas, a ordem jurídica não delimita o proibido, mas o permitido.

Mesmo que não exista proibição específica, o sujeito despersonalizado não pode

praticar ato estranho à sua essencial função.

A opção legislativa europeia teve o claro objetivo de “driblar” as restrições à aplicação

do princípio da transparência fiscal naqueles dois países. De qualquer forma, o fato é que, sendo

a Alemanha o segundo país em número de AEIEs ativos e a Itália contando com um saldo de

193 grupamentos registrados (LIBERTAS, 2015), fica nítido que a aparente contradição entre

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a teoria da personalidade jurídica e a disposição do Regimento 2.137/85 não traz dificuldades

práticas à operação diária dos agrupamentos.

Ainda, não se pode olvidar que mesmo o ordenamento jurídico brasileiro admite duas

espécies de sociedades desprovidas de personalidade jurídica: a sociedade em comum (ou

sociedade irregular) e a sociedade em conta de participação.

2.2.2 Definição da espécie de pessoa jurídica da qual os AEIEs fazem parte

Mais relevante do que a atribuição, ou não, de personalidade jurídica aos agrupamentos

é o debate acerca da espécie de pessoa jurídica da qual faz parte este instrumento. Embora a

quinta consideração do Regulamento 2.137/85 estabeleça que “um agrupamento se distingue

de uma sociedade principalmente pelo seu objetivo, que é apenas o de facilitar ou desenvolver

a atividade econômica dos seus membros, para lhes permitir melhorar os seus próprios

resultados”, deve-se atentar para a natureza do direito da União Europeia: embora este se

sobreponha ao direito dos Estados-membros em algumas matérias, não existe, em relação às

pessoas jurídicas, um rol classificatório tal qual aquela constante no artigo 44 do nosso Código

Civil (“são pessoas jurídicas de direito privado:...”).

O direito da União Europeia apenas criou o instituto (e disse, em texto preambular, cuja

força jurídica é limitada, que ele difere das sociedades), sem contudo definir a qual categoria

jurídica ele pertence. E nem poderia ser diferente.

A natureza do instrumento legislativo escolhido para dar vida aos AEIEs, o

Regulamento, é a de um texto jurídico que se integrará ao direito dos Estados-membros como

se neles tivesse sido editado. Trata-se de uma forma de uniformizar a legislação destes países

em algumas matérias.

Assim, caberá à lei e à doutrina de cada país definir a natureza jurídica dos AEIEs que

nele serão registrados: se será dotado de personalidade jurídica, ou não, bem como se será

associação, sociedade simples, sociedade empresária, ou algo completamente distinto destas.

Nesse aspecto, não se pode ignorar que muitas vezes, em direito comparado, a institutos iguais

são dados nomes diferentes, e a institutos diferentes são dados nomes iguais, bem como que

algumas categorias jurídicas existem em alguns ordenamentos e inexistem em outros.

Tudo isto significa que é impossível categorizar o AEIE como associação, sociedade,

ou algo distinto destas, pois, para cada país onde o Regulamento 2.137/85 tenha validade,

haverá uma solução diferente. Vale destacar, contudo, as soluções alcançadas por alguns países,

mormente aqueles que instituíram AIEs dentro de seus ordenamentos jurídicos.

11

Abreu (2002, p. 32) equipara os AEIE aos ACE portugueses, defendendo que estes

últimos não são sociedades, em virtude da ausência de fim lucrativo, bem como que o Lei

430/73, que instituiu os ACEs, contém a expressão “para fins de registro, o agrupamento é

equiparado às sociedades comerciais”. Assim, define os ACEs (e, por consequência, os AEIEs),

como “[...] tais como as cooperativas, entidades de tipo associativo que se situam entre as

associações de regime geral e (mais proximamente) as sociedades”. Ainda segundo o autor

português, citando a obra Traité de droit comercial, de G. Ripert, R. Roblot, M. Germain e L.

Vogel, os GIE franceses não são considerados sociedades. Mesmo que, na França, tanto os GIE

quanto os AEIE sejam disciplinados pelo Código Comercial, o texto legal não lhes atribui a

qualquer categoria de pessoas jurídicas.

O mesmo não se pode dizer da Espanha, onde, em decorrência do texto legal (Ley

12/1991), tanto as Agrupación de Interés Económico quanto as Agrupación Europea de Interés

Econômico têm natureza societária. O autor informa ainda que os AEIEs registrados na

Alemanha são, “por lei, considerados sociedades comerciais, aplicando-se subsidiariamente o

direito aplicável às offene Handelsgeselschaften (OHB – correspondentes às nossas sociedades

comerciais em nome colectivo [que corresponde, no direito societário brasileiro, à sociedade

em nome coletivo]) ”.

Na Bélgica, país com o maior saldo de AEIEs registrados (LIBERTAS, 2015), a lei que

regula os GIE (Loi du 17 juillet 1989 sur les Groupements d’Intérêt Économique) tem a função

de integração às lacunas do Regulamento 2.137/85. O Código das Sociedades daquele país, em

seu artigo 2°, § 2°, estabelece que os GIE são sociedades comerciais.

2.3 EXEMPLOS DE AGRUPAMENTOS EUROPEUS DE INTERESSE ECONÔMICO

O instituto Libertas produz, periodicamente, uma lista de todos os AEIEs registrados.

Para que se tenha uma melhor ideia das possibilidades de uso dos AEIEs, é valido exemplificar

alguns deles, constantes na referida lista:

(1) Gergran – Produtos Alimentares AEIE, com sede em Vila Franca de Xira, Portugal,

formado por duas empresas, uma portuguesa, e outra, francesa, para a comercialização de

produtos alimentares de padaria em Portugal; (2) PIM Real Estate EEIG, com sede em

Southamptom, Reino Unido, formado por uma empresa inglesa e uma pessoa de nacionalidade

italiana, com o objetivo de realizar negócios imobiliários; (3) RENFE-SNCF En Cooperacion

Viajeros AEIE, com sede em Madrid, Espanha, pelas companhias nacionais de transportes

ferroviários de Espanha e Portugal, para o desenvolvimento conjunto de atividades e

12

estabilização do transporte ferroviário entre os dois países; (4) Euroconnex – European

Construction Law Networks Experts EWIV, com sede em Hamburgo, Alemanha, formado por

advogados sediados naquele país e também na Espanha, Áustria, Bélgica, Grécia, Suíça,

Dinamarca, entre outros, especializados em direito da construção e imobiliário; (5) Central

European Society for Anticancer Drug Research – EWIV, com sede em Viena, Áustria, por

cientistas e médicos da área de pesquisa oncológica.

2.4 ABORDAGEM SOBRE OS DADOS ESTATÍSTICOS DOS AEIEs

O Centro de Informações em AEIEs, do Instituto Libertas, divulga, periodicamente,

estatísticas acerca do número de agrupamentos constituídos e dissolvidos em toda a Europa,

com base em publicações no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE). Em verdade, os

levantamentos realizados por aquele instituto são a única ferramenta para recenseamento dos

AEIEs, uma vez que “não existe registro central de todos os AEIEs na Europa” (LIBERTAS,

2001, p.2).

Além disso, em entrevista realizada por meio de Skype, Hans-Juergen Zahorka, ex-

membro do Parlamento Europeu e diretor do Instituto Libertas, informou que, por vezes, os

agrupamentos registrados em seus países-sede não têm a sua constituição publicada no JOUE,

ou têm a sua publicação atrasada em muitos meses, gerando, desta forma, uma espécie de “cifra

negra”, para tomar emprestada a expressão típica da criminologia, de 10 a 20% do total dos

AEIEs que não aparecem no JOUE.

De toda sorte, os números divulgados pelo Instituto Libertas revelam que, desde 1989,

ano em que entrou em vigor o Regulamento 2.137/85, foram registrados no JOUE 2.401

constituições e 397 dissoluções de agrupamentos, perfazendo o total registrado de 2.004 AEIEs

(LIBERTAS, 2015). Os dados informam o número de AEIEs constituídos e dissolvidos, em

cada país da Unicão Europeia, desde o ano 1989, e podem ser sintetizados na seguinte tabela:

Tabela 1: número de AEIEs por país.

País AEIEs

registrados

AEIEs

dissolvidos

Saldo de AEIEs

registrados e ativos

Países com mais de 100

AEIEs registrados e ativos

1 Bélgica 493 128 365

2 Alemanha 416 86 330

3 França 311 29 282

4 Reino Unido 255 8 247

5 Espanha 228 20 208

6 Itália 221 28 193

7 Países Baixos 198 66 132

13

Países com 10 a 100 AEIEs

registrados e ativos

8 Luxemburgo 90 24 66

9 Áustria 34 1 33

10 Portugal 33 0 33

11 Suécia 28 1 27

12 Malta 25 1 24

13 Grécia 17 1 16

14 Irlanda 11 1 10

Países com até dez AEIEs

registrados e ativos

15 Eslováquia 11 2 9

16 República Checa 5 0 5

17 Dinamarca 5 0 5

18 Liechtenstein 2 1 1

19 Hungria 4 0 4

20 Lituânia 3 0 3

21 Finlândia 3 0 3

22 Estônia 2 0 2

23 Letonia 1 0 1

24 Polônia 1 0 1

25 Romênia 4 0 4

Países onde nunca foi

registrado um AEIE

26 Chipre 0 0 0

27 Bulgária 0 0 0

28 Eslovênia 0 0 0

Fonte: elaborado pelos autores a partir de LIBERTAS, 2015, s.p.

Em termos temporais, o ano em que houve o maior número de registros de AEIEs foi

1991, com 146 AEIEs registrados. Os anos em que houve maior número de dissoluções de

AEIEs foram 1993 e 2006, com 36 dissoluções cada. Os números para os últimos três anos

demonstram que, em 2013, houve 50 registros e 32 dissoluções; em 2014, 74 registros e 9

dissoluções; e, até outubro de 2015, haviam 53 registros e 5 dissoluções. Não houve ano em

que o número de dissoluções tenha sido maior do que o de registros (LIBERTAS, 2015).

O número de AEIEs ativos, 2.004, em comparação ao número de pequenas e médias

empresas na União Europeia, 23 milhões (UNIÃO, 2016), não apontam um fracasso do modelo.

Neste sentido, Hans-Juergen Zahorka aponta como fator determinante deste número

relativamente baixo a falta de conhecimento acerca desse instrumento por parte de advogados,

consultores fiscais e empresariais. De acordo com o entrevistado, a União Europeia, enquanto

bloco multinacional, tem um apertado orçamento que tem que ser cautelosamente dividido entre

todas suas funções previstas nos tratados fundadores, razão pela qual nem sempre foi possível

realizar a divulgação deste instrumento como deveria ser.

Tendo o modelo alcançado sucesso na Europa, ou não, o fato é que, por ser diferente

das formas societárias tradicionais, abre um leque de novas possibilidades que poderiam vir a

14

ser utilizadas pelos empreendedores brasileiros. Por esta razão, é mais que devida a análise dos

Agrupamentos de Interesse Econômico perante o ordenamento jurídico nacional.

3 ANÁLISE DA NECESSIDADE E VIABILIDADE DA INTRODUÇÃO DOS

AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Como constatado, o Agrupamento Europeu de Interesse Econômico e os agrupamentos

existentes em alguns países daquele bloco multinacional são uma forma de concatenação de

esforços, entre pessoas jurídicas e/ou físicas, para que determinadas atividades secundárias

sejam delegadas ao novo ente jurídico, permitindo que seus membros se concentrem em suas

atividades-fim, ou realizem atividades no âmbito da área econômica em que atuam.

O estudo da possível integração dos agrupamentos de interesse econômico ao

ordenamento jurídico nacional demanda, assim, o estabelecimento de características básicas,

que não necessariamente correspondem àquelas dos agrupamentos europeus, destacadas no

capítulo 2. São elas: (1) a possibilidade de união de esforços entre pessoas físicas e/ou jurídicas;

(2) o caráter auxiliar do agrupamento de interesse econômico, em relação às atividades-fim dos

seus membros; (3) a possibilidade de instituição de AIEs como centro de estudos e pesquisas

em determinadas áreas do conhecimento; (4) a impossibilidade de retenção de lucro, pelo AIE,

devendo todo ele ser repassado aos seus membros e (5) a tributação realizada apenas a nível

dos membros.

Para além das características apontadas, que são de cunho formal, é de se destacar a

existência de duas características de cunho substancial aos AIEs, que resultam do estudo acerca

dessa modalidade de pessoa jurídica realizado até aqui. A primeira é que o AIE não constitui

um fim em si mesmo, devendo servir aos seus sócios nas formas contidas em seus atos

constitutivos. A segunda, a seu turno, é que o AIE é uma sociedade de pessoas, e não de capital.

Nas palavras de Coelho (2012, p.32),

As sociedades de pessoas são aquelas em que a realização do objeto social depende

mais dos atributos individuais dos sócios que da contribuição material que eles dão.

As de capital são as sociedades em que essa contribuição material é mais importante

que as características subjetivas dos sócios. A natureza da sociedade importa

diferenças no tocante à alienação da participação societária (quotas ou ações), à sua

penhorabilidade por dívida particular do sócio e à questão da sucessão por morte.

Tendo as características, tanto formais quanto substanciais, em mente, é necessário

proceder à diferenciação entre os possíveis AIEs brasileiros e as formas já existentes de junção

15

de esforços entre pessoas, físicas e jurídicas, para determinados fins de cunho econômico. Ao

final, teremos como produto a natureza jurídica dos AIEs para o direito brasileiro.

Não havendo dúvidas quanto à natureza de submissão ao direito privado dos AIEs,

qualquer que seja o ordenamento jurídico analisado, é necessário avaliar, em primeiro lugar, a

qual espécie de pessoa jurídica de direito privado, daquelas constantes no rol do artigo 44 do

Código Civil, os AIEs brasileiros melhor se encaixariam. Definida esta, deverá ser verificado,

já no âmbito da espécie de pessoa jurídica de direito privado na qual o AIE se encaixe, se existe

redundância entre a lógica dos AIEs e aqueles tipos já existentes no ordenamento jurídico

brasileiro.

Havendo redundância, ou seja, se os objetivos do AIE já puderem ser cumpridos

satisfatoriamente por algum dos tipos já existentes, não haverá necessidade de trazer, para o

direito brasileiro, referido instrumento. Em se verificando que os AIEs não possuem

correspondente em nossa legislação, mesmo que a título de extensão do conceito de algum dos

tipos existentes, será válida a afirmação de que é possível a importação do modelo.

3.1 O LUGAR DO AGRUPAMENTO DE INTERESSE ECONÔMICO ENTRE AS

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO DO BRASIL

O rol de pessoas jurídicas de direito privado, no Brasil, consubstanciado no artigo 44 do

Código Civil, consiste das seguintes espécies: (1) organizações religiosas, (2) partidos políticos,

(3) fundações, (4) Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI), (5)

associações e (6) sociedades.

As duas primeiras são facilmente excluídas da lista de possíveis grupos aos quais os

AIEs brasileiros de encaixariam, em razão das explícitas diferenças em suas razões de existir,

em relação aos AIEs.

As fundações, a seu turno, são conjuntos de bens (universitas bonorum), destinados à

consecução de uma imutável finalidade, que não pode ser econômica, nem fútil (DINIZ, 2010),

definida pelo seu fundador. Características essas que não são conciliáveis com a missão

designada aos AIEs, razão pela qual fica logo excluída a possibilidade se sua integração a esta

espécie de pessoa jurídica.

Das espécies restantes, a EIRELI guarda identidade parcial de objetivos (desenvolver

determinada atividade econômica), mas não de quem os persegue: trata-se de pessoa jurídica

constituída por uma única pessoa física, inexistindo espaço para entidades de cunho associativo.

16

Resta, então, avaliar três cenários: integração dos AIEs (1) às associações, (2) às

sociedades, ou (3) a criação de uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado. Esta

última alternativa, por imperativo lógico, somente terá lugar caso os AIEs não venham a se

encaixar nem entre as associações, nem entre as sociedades.

As associações, conforme o artigo 53, e seu parágrafo único, do Código Civil, são

constituídas pela união de pessoas para fins não econômicos, não havendo, entre os associados,

direitos e obrigações recíprocos. Ressalte-se que, embora não possam desenvolver atividades

econômicas, a doutrina considera razoável a prática de determinadas atividades que gerem

receita para a associação, auxiliando na sua subsistência, sem fins econômicos.

Seria demasiadamente simplista descartar a filiação dos agrupamentos de interesse

econômico às associações apenas por conta de sua nomenclatura, uma vez que esta é muito mais

efeito do que causa da natureza jurídica do referido instituto. Parece ser o caso, então, de avaliar

se os fins dos AIEs são ou não econômicos, e se existem, ou não, direitos e obrigações

recíprocos entre os seus membros.

Conforme já explanado, os AIEs não podem ter como objetivo auferir lucro para si.

Esta restrição serviu, por exemplo, para que a doutrina comercialista portuguesa, capitaneada

por Abreu, descartasse o caráter econômico dos agrupamentos, e, consequentemente, a sua

filiação às sociedades, como visto em capítulo anterior.

De fato, em alguns agrupamentos, nem mesmo a intenção de gerar lucro imediato para

seus membros existe, consistindo as suas atividades em pesquisas em determinada área do

conhecimento, as quais, se vierem a gerar lucro para seus financiadores, o farão após um certo

tempo de desenvolvimento das tecnologias de si derivadas. Há nesses casos, apenas a

perspectiva futura de lucratividade, a partir das tecnologias desenvolvidas.

Contudo, para além da construção de centros integrados de pesquisa, existem dois

grandes campos de atuação dos AIEs: a comercialização conjunta de bens produzidas pelos

seus membros e a prestação de serviços comuns a eles, que poderão ser das mais diversas

naturezas, desde a compra conjunta de matéria-prima, até a prestação de serviços de

treinamento especializado em determinada profissão, por exemplo.

Nestes casos, embora não haja o objetivo de auferimento de lucro para o agrupamento,

a justa expectativa de seus membros é que a delegação de atividades secundárias gere maior

lucro para si, tanto de forma indireta, pela contenção de gastos representada pela racionalização

de recursos, quanto de forma direita, no caso de os AIEs fazerem a comercialização dos bens

produzidos pelos seus membros, situação em que os lucros lhes devem ser passados. A

17

diferença desta espécie de lucro para aquele proveniente das atividades da associação fica

bastante explícita nas palavras de Diniz (2012, p. 275):

Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado,

embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros, para a obtenção

de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, beneficentes, recreativos,

morais, etc. Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para

manter ou aumentar o seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos

associados, p. ex. associação esportiva que vende aos seus membros uniformes,

alimentos, bolas, raquetes, etc., embora isso traga, como consequência, lucro para a

entidade.

A limitação das atividades lucrativas da associação, descrita por Diniz (2010), parece

não ser da mesma natureza da limitação à lucratividade dos AIEs. Em verdade, enquanto a

associação deve se limitar aos lucros que auxiliem em sua subsistência, é de interesse do AIE e

de seus membros que ele realize o máximo de operações lucrativas quanto possível; o que é

vedado, de acordo com o texto do Regulamento 2.137/85, é apenas que este lucro fique retido

no agrupamento, devendo ser repassado, em sua integralidade, a seus membros.

Mesmo quando os agrupamentos não tenham por objeto a prática de atos dos quais

derivem lucros para seus membros, não fica excluído o caráter econômico de sua atividade, pelo

que resta afastada a possibilidade de estarmos tratando de uma associação. Quanto ao alcance

da expressão “atividade econômica”, ensina Mamede (2010, p. 5):

A expressão atividade econômica, inscrita no artigo 981 do Código Civil [e também

a expressão fins econômicos do artigo 53], embora implique conversibilidade em

pecúnia (em valores monetário), não está diretamente vinculada ao conceito de

dinheiro. Pode haver atividade econômica mesmo que a contratação não envolva

cifras, isto é, valores em moeda corrente (nacional ou estrangeira). Haverá contrato

de sociedade, por exemplo, quando a vantagem econômica auferida pelo grupo de

contratantes seja em bens ou mesmo de outra natureza, como serviços ou outras

vantagens, desde que com expressão econômica. Acresça-se que a atividade

econômica exercida pelos contratantes pode ser de qualquer natureza, como prestação

de serviços, produção e/ou venda de bens, intermediação de negócios etc).

Como se vê, nem o fato de o agrupamento não poder reter o lucro para si, nem o de que

não estarão envolvidas, por vezes, prestações pecuniárias nas transações entre o agrupamento e

seus membros interferem no caráter econômico de suas atividades, razão pela qual o primeiro

requisito para filiação às associações brasileiras (a não-economicidade das atividades) resta não

preenchido, o que, por si só, já afasta a possibilidade de classificarmos os possíveis AIEs

brasileiros como uma espécie de associação.

Contudo, para que não paire dúvida, resta analisar o segundo requisito: a ausência de

direitos e obrigações recíprocas entre os associados. Deste, a própria natureza do AIE se

encarrega de eliminar: não é concebível que, quando duas ou mais pessoas, físicas e/ou

18

jurídicas, se unam para a persecução de um objetivo, não fique estabelecido as obrigações de

cada um para com os outros, que lhes correspondem também a direitos exigíveis.

Na hipótese de um agrupamento formado para exportar o azeite produzido por diversos

produtores, por exemplo, é razoável que cada um se obrigue a garantir um nível mínimo de

qualidade no óleo, determinado de acordo com padrões técnicos e com o público que se

pretende atingir. Essa obrigação não é para com o agrupamento, uma vez que este age apenas

como intermediário entre produtores e importadores, mas para com os demais membros, que,

ao entrarem em negócio conjunto com demais produtores, depositam a confiança de que todos

cumprirão a qualidade determinada, sob pena de desvalorização do produto e diminuição nos

lucros, que, como vimos, não podem ser retidos no agrupamento.

Mesmo no caso dos agrupamentos formados para prestar serviços diversos da

comercialização dos bens produzidos pelos seus membros, deverá existir um certo nível de

comprometimento de uns para com os outros, mormente no financiamento das atividades.

Portanto, a existência de obrigações mútuas entre os membros de um AIE é fator

indeclinável desta forma de cooperação, razão pela qual fica definitivamente afastada a

possibilidade de filiação ao sistema de associações, ao menos no direito brasileiro.

Não sendo possível a filiação dos AIEs às associações, resta testar a sua adaptabilidade

às sociedades, o que, se não confirmado, revelará a necessidade de criação de uma nova espécie

de pessoa jurídica de direito privado.

Conforme Mamede (2010, p.4), o contrato de sociedade, qualquer que seja o tipo

societário escolhido, caracteriza-se por cinco elementos: (1) ajuste de vontades; (2) pluralidade

de pessoas; (3) definição de obrigações recíprocas; (4) finalidade econômica e (5) partilha de

resultados.

Não parece ser com muita dificuldade que o conceito de Agrupamento de Interesse

Econômico se encaixa nos elementos descritos acima. Existindo (1) o ajuste de vontades para

a criação de uma pessoa jurídica que auxilie seus membros a desenvolver suas atividades; (2)

pluralidade de membros, que podem ser pessoas físicas e/ou jurídicas; (3) a definição das

obrigações recíprocas entre os membros, tendo em vista a necessidade de estabelecimento de

um padrão de qualidade e/ou quantidade mínimo para o que quer que esteja sendo objeto de

negociação pelo agrupamento, ou o comprometimento com o financiamento das atividades dos

agrupamentos, quando for o seu objeto prestar serviços a seus membros; (4) a finalidade

econômica da constituição do agrupamento, que lhe é intrínseca e (5) a partilha de resultados,

que nos AIEs, é obrigatória, uma vez que o agrupamento não tem por finalidade auferir lucro

19

para si, encontram-se satisfeitos os requisitos para que os AEIEs sejam considerados

sociedades, perante o direito brasileiro.

Assim, em que pese a intepretação em sentido contrário da doutrina portuguesa, a

contextualização do instituto dos AEIEs ao direito brasileiro não deixa espaço a solução diversa

daquela que considera que eles seriam uma forma societária.

3.2 O LUGAR DO AGRUPAMENTO DE INTERESSE ECONÔMICO ENTRE AS

SOCIEDADES NO DIREITO BRASILEIRO

Uma vez constatado que os AIEs, perante o direito brasileiro, teriam a natureza de

sociedades, cabe a análise acerca da identidade entre os agrupamentos e as formas societárias

existentes no ordenamento jurídico nacional.

Primeiramente, deve-se ter em mente que, no direito societário brasileiro, existem

sociedades personalizadas e despersonalizadas. No primeiro grupo, encontram-se a sociedade

simples, a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples, a sociedade

limitada, a sociedade anônima, a sociedade em comandita por ações, e a sociedade cooperativa.

No segundo grupo, existem apenas a sociedade em comum e a sociedade em conta de

participação. A primeira é a sociedade que não realizou o seu registro na junta comercial, e a

segunda é um acerto de vontade entre os sócios, no qual um deles se responsabiliza pela

execução da empreitada, e o outro pelo seu financiamento. Não nos parece o caso de encaixar

os AIEs junto a estes dois tipos societários. A natureza e o objetivo dos agrupamentos propostos

demanda que eles sejam personalizados, para que, em seu nome, possam contrair obrigações e

ser titulares de direitos. Nesta linha de raciocínio, Coelho (2012, p.21), informa:

O que caracteriza o regime das pessoas, no campo do direito privado, é a autorização

genérica para a prática dos atos jurídicos. Ao personalizar algo ou alguém, a ordem

jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo ou alguém está apto a praticar.

Em relação às pessoas, a ordem jurídica apenas delimita o proibido; a pessoa pode

fazer tudo, salvo se houver proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados,

não existe a autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem

praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles expressamente

definidos.

Tratar os AIEs como entes despersonalizados seria retirar muito da sua envergadura e

minar as possibilidades de utilização deste modelo societário, bem como fecharia as portas para

a limitação da responsabilidade de seus membros (que, de agora em diante, serão denominados

sócios). Cabe lembrar que, na Europa, a liberdade que os AEIEs despersonalizados têm para

contratar em seu nome decorre diretamente do texto do Regulamento 2.137/85.

20

Uma vez definido que os AIEs têm natureza de sociedade personalizada, é necessário o

estudo para saber se eles tem lugar junto ao rol dessas sociedades existente no Código Civil, ou

se as espécies societárias existentes já se prestam à finalidade e ao modus operandi dos AIEs.

Para tanto, a mera comparação entre os agrupamentos de interesse econômico e todas as formas

societárias existentes no Brasil mostrar-se-ia cansativa e ineficiente.

Levando em consideração as características dos AIEs previamente apontadas,

principalmente as de cunho substancial, seria impossível enquadrá-los em qualquer espécie

societária existente. A sua natureza, demonstrada ao longo deste trabalho, parece ser suficiente

para a inauguração de uma nova espécie de sociedade no direito brasileiro. Isto porque,

diferentemente do AIE, todas as formas societárias atualmente existentes constituem fins em si

mesmos. Nenhuma prevê que sua constituição se dará em torno da ideia de cooperação para

objetivos específicos, de forma que seus sócios passem a ser destinatários dos seus serviços, ou

que, por meio de sua atividade seus sócios possam oferecer produtos e serviços aos seus

clientes. A única exceção a esta constatação é a sociedade cooperativa, cujas diferenças

inconciliáveis com o AIE serão demonstradas a seguir.

As formas societárias existentes atualmente são todas fundadas na ideia de obtenção de

lucro diretamente para si, por meio de atividades próprias, convertendo este lucro para seus

sócios nas formas previstas em seus estatutos e contratos sociais. Não surgem para auxiliar a

ninguém, mas para competir com seus pares. Por isso, divergem, de forma inconciliável, dos

Agrupamentos de Interesse Econômico.

3.3 FORMAS ASSEMELHADAS AO AIE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Apesar das latentes diferenças entre os AIEs e as formas societárias existentes, dois

pontos ainda podem gerar conflitos em sua classificação. O primeiro ponto é que, em se tratando

de cooperação entre pessoas físicas para fins não lucrativos, o ordenamento jurídico brasileiro

já abriga a sociedade cooperativa, cujas características podem levar a uma confusão com um

AIE composto somente por pessoas físicas.

O segundo ponto é que, podendo o AIE ser constituído também por pessoas jurídicas,

poder-se-ia interpretar a sua existência como uma forma de coligação de sociedades, conforme

previsto no Código Civil, ou de grupo de sociedades, ou, até mesmo, de consórcios, que são

definidos na Lei das Sociedades Anônimas. O enfrentamento destas questões é o objeto dos

dois próximos subitens.

21

3.3.1 O AIE e a Sociedade Cooperativa

Quando se considera as características diferenciais do AIE em relação a todas possíveis

formas de união entre pessoas físicas para a persecução de objetivos econômicos, para se

responder ao primeiro ponto levantado, chega-se à conclusão de que a única sociedade entre

pessoas físicas que não tenha por objetivo obter lucro para si é a sociedade cooperativa, prevista

nos artigos 1.093 a 1.096 do Código Civil e na Lei 5.764/71.

Trata-se de uma forma societária que teve origem no em meados do século XIX, na

Inglaterra, consubstanciando algumas teoristas socialistas, segundo as quais, por meio das

organizações cooperativas, a classe burguesa não mais se apropriaria da mais-valia da classe

operária, uma vez que esta passaria a pertencer aos próprios operários (MAMEDE, 2010).

Os artigos 3° e 4°, caput, da Lei 5.764/71, assim definem as sociedades cooperativas:

Art. 3°. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente

se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade

econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Art. 4°. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica

próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços

aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características

[...]

Os incisos do artigo 4° apresentam as características fundamentais das sociedades

cooperativas, das quais, destaca-se, aqui, aquelas que mais divergem do AIE:

(1) adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade

técnica de prestação do serviço (inciso I): esta característica das cooperativas faz com que os

cooperados sejam impossibilitados de limitar o número pessoas filiados à cooperativa. Significa

que, reunidos os requisitos para adentrar em determinada cooperativa, passa o interessado a

contar com direito subjetivo à sua integração (MAMEDE, 2010).

Tal característica não se coaduna com o objetivo dos AIEs: nestes, a liberdade contratual

quanto ao número mínimo e máximo de membros é total; ademais, não há direito subjetivo a

entrar em um AIE. É que não existem, tal qual nas cooperativas, “requisitos” para ser parte de

determinado agrupamento, mas sim, um acordo de vontade entre pessoas, que define quem

serão os sócios fundadores e as condições de aceitação de novos sócios que demonstrem

interesse em participar da atividade.

(2) Área de admissão dos associados limitada às possibilidades de reunião, controle,

operações e prestação de serviços (inciso XI): de acordo com este princípio cooperativo, não

serão admitidos à cooperativa quaisquer interessados que não possam, por limitação geográfica,

participar de suas reuniões, assembleias e operações diárias do ente jurídico.

22

A sociedade cooperativa, portanto, demanda uma constante presença do cooperado,

mais do que no AIE formado por pessoas físicas. Prova disto é o próprio conceito de

Agrupamento Europeu de Interesse Econômico: embora seja necessário um maior estudo

quanto à forma de atuação destes, quando formados por pessoas físicas, como advogados,

corretores de imóveis e médicos, não é razoável supor que existe uma exigência de constante

presença do sócio na sede do agrupamento. Em verdade, parte da motivação na instituição dos

agrupamentos europeus foi justamente expandir as operações de empresas e pessoas físicas por

um maior território. Não existem, dessa forma, limites geográficos à admissão de sócios em um

AIE, bastando que o cada um deles cumpra com as suas pactuadas obrigações, mesmo que à

distância.

Para além destas duas importantes distinções, cabe ressaltar que, embora não haja

exigência legal neste sentido, as cooperativas normalmente são formadas por pessoas tenham

uma mesma profissão: sabe-se da existência de cooperativas de pescadores, cooperativas de

médicos, de agricultores, etc. Contudo, é da natureza de atuação dos AIEs a desnecessidade de

que seus sócios pratiquem uma mesma atividade: sob o rótulo de consultoria, seria possível, em

tese, constituir um agrupamento formado por advogados, corretores de imóveis, economistas e

administradores de empresas, por exemplo.

Mamede (2010) destaca a possibilidade, constante no parágrafo único, do artigo 8°, da

Lei de Cooperativas, de uma cooperativa central (reunião de cooperativas) reunir cooperados

de diferentes profissões/atividades, dando o exemplo de uma cooperativa central de escoamento

de produção, que poderia ser formada por uma cooperativa de produtores de café, outra de

produtores de hortaliças e uma terceira de artesãos. Em um AIE, tal reunião de pessoas para a

prática de atividades diferentes é permitida de forma direta, sem a necessidade de uma entidade

filiadora maior.

Desta forma, conclui-se pela existência de diferenças inconciliáveis entre a sociedade

cooperativa e o agrupamento de interesse econômico, quando formada por pessoas físicas, pelo

que, se este modelo fosse adotado no Brasil, não seria possível a sua filiação ao modelo pré-

existente, sendo necessária a criação de uma nova espécie societária.

3.3.2 O AIE, as Sociedades Coligadas e os Grupos de Sociedades

Superada a análise das diferenças entre os AIEs e as sociedades cooperativas, resta o

estudo acerca das diferenças entre o AIE e as formas existentes de coligações e de agrupamento

de sociedades. A matéria, no Brasil, é regulada pelo Código Civil, em seus artigos 1.097 a

23

1.101, sob o título de “sociedades coligadas”, em sentido lato. Também a Lei das Sociedades

Anônimas (Lei 6.404/76) trata da questão, com os seus “grupos de sociedades”, e o seu

“consórcio”. As ligações societárias representam oportunidades de diversificação de negócios,

bem como de dominação do mercado, o que foge ao objeto do presente trabalho. Contudo, é

válida a análise de Mamede (2010, p. 201):

Rapidamente, por questões estratégicas diversas, inclusive fiscais, o mercado

percebeu tais possibilidades e passou a explora-las, exigindo do Direito que as

definisse e regulasse, por seus diversos ramos, designadamente normas de Direito

Econômico, protetivas da livre concorrência, normas contábeis, fiscais e, até, penais.

No plano especifico do Direito Empresarial, sob o rótulo geral de sociedades

coligadas, o Código Civil cuida daquelas que mantem relações societárias entre si

(relações de capital, segundo o texto do artigo 1.097 do Código Civil).

São três os tipos de cooperação entre sociedades trazidas pelo Código Civil: (1) relação

de controle; (2) relação de coligação em sentido estrito e (3) relação de simples participação.

Elas divergem entre si pelo nível de influência de uma sociedade sobre a outra. Na relação de

controle, a sociedade controladora possui a maioria dos votos nas deliberações sociais da

sociedade controlada; nas relações de coligação, uma sociedade detém 10% ou mais do capital

social de outra, mas sem controlá-la; por fim, nas relações de simples coligação, uma sociedade

detém menos de 10% do capital social com direito a voto de outra. O Código não se aprofunda

na matéria, restringindo-se a definir as situações acima.

Rapidamente, percebe-se que, pela falta de profundidade nos conceitos legais, seria

possível enquadrar o AIE como um grupo de sociedades coligadas, a depender do nível de

participação que os sócios teriam na pessoa jurídica resultante. Contudo, por todas as

características já expostas, verifica-se que os AIEs não se restringem apenas aos conceitos

trazidos pelo Código Civil. A filosofia por trás de sua existência é maior do que a mera

classificação do nível de influência que uma sociedade tem sobre outra. Por esta razão, a

disciplina das sociedades coligadas presentes no código não é suficiente para eliminar a

necessidade de positivação dos AIEs no ordenamento jurídico nacional.

De acordo com Coelho (2012), o conceito de grupo de sociedades pode ser dividido em

duas categorias: os de fato e os de direito. Aos primeiros, correspondem as sociedades que se

encontrem em relação de controle, coligação em sentido estrito ou simples participação. Ao

segundo, correspondem os grupos de sociedades previstos na Lei das Sociedade Anônimas, os

quais, nos termos do artigo 265 do diploma, são aqueles que constituem “convenção pela qual

se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetivos, ou a

participar de atividades ou empreendimentos comuns”. Nisto, é de se reconhecer que o grupo

de sociedades de direito guarda muita semelhança com o AIE.

24

Contudo, conforme anotam Coelho (2012) e Mamede (2010), o grupo de sociedades não

possui personalidade jurídica própria, constituindo muito mais em um liame de intenções para

a execução de objetivos comuns. Ademais, o parágrafo primeiro do artigo 265 pressupõe que

uma das sociedades formadoras do grupo deverá ser a sua controladora, ou de comando do

grupo, prevendo que esta deverá ter nacionalidade brasileira. A ausência de personalidade

jurídica própria, aliada às previsões, tanto da necessária existência de uma sociedade

controladora, quanto de que ela seja brasileira, afastam o conceito de grupos de sociedades do

Agrupamento de Interesse Econômico.

Como já exposto, a administração dos AIEs obedecerá à forma prevista em seu contrato

social, de forma autônoma, uma vez que se trata de uma pessoa jurídica, o que não exclui que

alguns de seus sócios detenham mais poderes e direitos do que outros, sem, contudo, que haja

o chamado sócio-controlador. Ainda, a exigência de nacionalidade brasileira da sociedade

controladora afeta diretamente a possibilidade de o modelo de Agrupamentos de Interesse

Econômico, se considerado grupo de sociedades, vir a ser expandido para o Mercosul, à

semelhança do que houve na União Europeia, com a instituição dos AIEs a partir dos

Groupement franceses.

Pelas mesmas razões, não é possível enquadrar os AIEs como Consórcios, modalidade

de cooperação entre sociedades prevista no artigo 278 da Lei das Sociedades Anônimas, que

prevê a sua constituição para a execução de determinado empreendimento. O parágrafo

primeiro deste mesmo artigo determina que os Consórcios não possuem personalidade jurídica.

4 O BRASIL E OS AGRUPAMENTOS DE INTERESSE ECONÔMICO

Os Agrupamentos de Interesse Econômico não são algo completamente novo no

ordenamento jurídico brasileiro. O presente capítulo tem por objetivo estudar quatro

manifestações, no sentido de se obter algo próximo aos AIEs, que existem no ordenamento

jurídico brasileiro: (1) O projeto de lei n° 3.735/93; (2) a menção às “Sociedades de Interesse

Econômico” e (3) a instituição das “Sociedades de Propósito Específico” na Lei Complementar

123/06; e (4) a solução oferecida pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa

(SEBRAE): as Centrais de Negócios.

Em comum, todas estas manifestações têm o fato de ser direcionadas para as pequenas,

micro e pequenas empresas, excluindo, assim, as pessoas físicas e as grandes empresas do seu

escopo de utilização.

25

4.1 O PROJETO DE LEI N° 3.735/93

O Projeto de Lei n° 3.735/93, proposto pelo Deputado Federal Carlos Hauly (PSDB -

PR), trazia um conceito muito semelhante aos Agrupamentos Europeus de Interesse Econômico

e seus correspondentes regionais, nomeado de Sociedade de Interesse Econômico (SIE).

Em verdade, as únicas diferenças perceptíveis, mas de grande relevância, eram de que,

em primeiro lugar, as SIE somente poderiam ser constituídas por micro, pequenas e médias

empresas (artigo 1°), o que afastaria do âmbito de sua utilização as pessoas físicas, que, como

constatado anteriormente, fazem grande uso dos agrupamentos europeus, mormente os

profissionais liberais. Grandes empresas também não poderiam se valer das SIE, o que não

ocorre nos AEIE e seus correspondentes regionais. Em segundo lugar, o texto do referido PL

não enfrenta a questão fiscal, deixando de estabelecer que a tributação das SIE seria realizada

apenas a nível de seus membros, tal como foi disposto no Regulamento 2.137/1985.

A finalidades das SIE era “aprimorar as condições de exercício e os resultados das

respectivas atividades econômicas” (artigo 1°). O artigo 3° trazia um rol aberto de atividades

típicas das SIE, incluindo: “aquisição de matérias-primas e mercadorias” (inciso I); “venda,

controle de qualidade e prestação de garantia de mercadorias por eles [os sócios] produzidos”

(inciso II); “apoio ou exercício direto das atividades de exportação e importação” (inciso V); e,

até mesmo, o “desenvolvimento de programas de pesquisa técnico-científica e o aprimoramento

de técnicas administrativas, contábeis, financeiras e de recursos humanos” (inciso IV). O Inciso

IX do artigo estabelecia ser possível, ainda, a prática de “qualquer outra atividade semelhante,

de interesse comum dos sócios”. A responsabilidade social seria limitada (artigo 6°).

A tramitação do projeto no Congresso Nacional, antes de seu definhamento, foi morosa.

Proposto em 1993, apenas em 2001 o PL 3.735 foi levado ao Senado Federal, onde ganhou a

designação Projeto de Lei da Câmara (PLC) 84/2001. Após seis anos de tramitação naquela

casa, tendo sido o projeto levado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, foi

requerido o sobrestamento da matéria, pelo Senador Arthur Virgílio, por meio do ofício

44/2006-CAE, cujo teor é desconhecido, uma vez que o Senado não deu retorno aos

questionamentos dos autores do presente estudo. Ao final do ano 2007, o PLC 84/2001 foi

definitivamente arquivado, por não ter sido votado dentro da mesma legislatura em que fora

proposto.

26

4.2 AS PREVISÕES DA LEI COMPLEMENTAR DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

Além do PL 3.735/93, a Lei Complementar 123/06 (Lei das Micro e Pequenas Empresas

e do Simples Nacional) também faz uso da expressão “Sociedade de Interesse Econômico”,

para estabelecer, no § 5°, de seu artigo terceiro, que a essas sociedades e a outras ali elencadas

poderão fazer uso dos benefícios trazidos por aquela lei.

A LC 123/06 não traz qualquer outra referência às SIE. Contudo, em seu artigo 56, prevê

as “Sociedades de Propósito Específico”. Tal previsão passou a constar do texto legal após a

sua alteração, pela Lei Complementar 147, de 2014, e ainda depende de regulamentação pelo

Poder Executivo Federal.

As referidas Sociedades de Propósito Específico têm como finalidade, exclusivamente,

“operações de compras para revenda às microempresas ou empresas de pequeno porte que

sejam suas sócias” e “operações de venda de bens adquiridos das microempresas e empresas de

pequeno porte que sejam suas sócias para pessoas jurídicas que não sejam suas sócias”,

conforme as alíneas “a” e “b”, do inciso II, do parágrafo 2°, do artigo 56 da LC 123/06. Por

conta disso, diferem em relação aos AIEs e mesmo às SIE, que não possuem restrições às suas

atividades, podendo ter por objeto o que seja do interesse dos seus sócios.

4.3 A SOLUÇÃO OFERECIDA PELO SEBRAE: AS CENTRAIS DE NEGÓCIOS

O SEBRAE oferece às micro, pequenas e médias empresas que desejam se unir para

obter melhores resultados uma solução que denominou de Centrais de Negócios. De acordo

com a publicação técnica daquele ente relativa a estas Centrais (SEBRAE, 2009, p.8), a Central

de Negócios:

[...] é uma entidade de base associativa, formada por empresas ou empreendedores

independentes, voltada para a busca de soluções conjuntas de interesse econômico,

com foco no mercado em que atuam.

É uma ação decorrente de um processo coletivo, com o objetivo de promover e

ampliar o acesso a mercados. [...] é entidade jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos, que tem por objetivo a defesa e promoção dos interesses das pessoas

(físicas ou jurídicas) que a constituiu, cuja finalidade é a defesa e promoção dos seus

interesses.

O modelo adotado pelas Centrais de Negócios é muito semelhante ao dos Agrupamentos

de Interesse Econômico, principalmente no que tange à não delimitação dos tipos de atividades

que poderão realizar em benefício de seus sócios. Contudo, a adoção do princípio da adesão

livre e voluntária, pelo SEBRAE, o mesmo que existe nas sociedades cooperativas, faz com

27

que os sócios não tenham total controle sobre quem poderá se juntar à sociedade, pelo menos

no modelo proposto. Em verdade, o fato de que as Centrais de Negócios não são um modelo

societário previsto em lei deixa em aberto a possibilidade de utilização, ou não, do referido

princípio.

A forma pela qual o SEBRAE instrui as micro, pequenas e médias empresas a constituir

as Centrais de Negócios é a seguinte: primeiramente, as empresas interessadas constituem uma

associação, a qual, em sociedade com uma pessoa física, constituirão a Central de Negócios

propriamente dita, que deverá ter a forma de alguma das sociedades previstas no Código Civil,

uma vez que suas atividades poderão envolver a comercialização dos bens e serviços fornecidos

pelos sócios (SEBRAE, 2009). Nesta segunda fase, a associação de empresas deverá ter 99

cotas, e a pessoa física, 1 cota da sociedade.

O modelo trazido pelo SEBRAE é uma criativa solução para a cooperação entre

empresas, diante da inexistência de uma forma societária, prevista legalmente, que possa

cumprir este papel.

Contudo, justamente por uma solução não regulamentada, alguns problemas pairam

sobre as Centrais de Negócios, principalmente de natureza fiscal, uma vez que, quando uma

Central compra do público externo determinada mercadoria e a vende aos seus sócios, ou o

caminho inverso é percorrido (venda pelo sócio à Central e desta ao público externo),

utilizando-se de nota fiscal, ocorre a chamada bitributação, uma vez que o Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidirá tanto na fase interna (sócio – central /

central – sócio) quanto na fase externa (central – público externo / público externo – central) da

operação. Esta questão é reconhecida pelo SEBRAE como um problema a ser superado:

A questão que as Centrais buscam avançar com as Receitas federal e estaduais é como

acabar com a bitributação que o modelo gera quando a Central repassa as mercadorias

para os seus associados através de nota fiscal. Este é um gargalo que ainda precisa ser

superado. (SEBRAE, 2009, p. 25)

A questão fiscal é de grande importância em se tratando de Agrupamentos de Interesse

Econômico, uma vez que, se um de seus objetivos é justamente reduzir custos, não faria

qualquer sentido se, quando passasse a integrar um Agrupamento, o empreendedor virasse alvo

de bitributação, encarecendo, assim, os seus produtos e serviços. A solução trazida pelos

Agrupamentos Europeus para efetuar a tributação apenas a nível dos membros parece ser

extremamente pertinente, tornando o modelo financeiramente atraente para empreendedores

interessados otimizar seus negócios.

28

Pelas limitações apresentadas, fica nítido que as Centrais de Negócios necessitam de

uma regulamentação expressa para dirimir todas as questões que não podem ser resolvidas no

âmbito do SEBRAE. Esta regulamentação expressa, ao que parece, seria a instituição de uma

nova forma societária brasileira: O Agrupamento de Interesse Econômico.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É dever do Poder Público e, em especial, do Poder Legislativo, por ser detentor do poder

de introdução de novos institutos no ordenamento jurídico, fornecer, a todos aqueles que

desejam atuar nas engrenagens da vida econômica do país, o maior leque quanto possível de

instrumentos, multiplicando as possibilidades de efetivação da atividade econômica.

O fato de o projeto de lei que introduziria, no ordenamento jurídico nacional, as

Sociedades de Interesse Econômico ter sido arquivado após morosa tramitação de 12 anos é

sintomático. Em razão da desídia legislativa, nossos empreendedores ficaram privados do uso

de uma ferramenta que já existe na União Europeia há 31 anos.

A criação das Centrais de Negócios, pelo SEBRAE, representou uma superação parcial

da problemática. Contudo, este modelo apresenta insuperáveis limitações, mormente de ordem

fiscal, que somente poderão ser afastadas se o Congresso Nacional vier, algum dia, a enfrentar

a questão dos Agrupamentos de Interesse Econômico, o que se espera que seja feito com a

incorporação de uma maior gama de possíveis utilizadores desta ferramenta do que foi

originalmente previsto para as SIE.

Da exposição realizada acera dos Agrupamentos de Interesse Econômico, pode-se

concluir:

(1) Atualmente, nenhuma forma de pessoa jurídica existente no ordenamento jurídico

brasileiro pode ser utilizada para atingir, satisfatoriamente, os objetivos dos Agrupamentos de

Interesse Econômico. É possível, portanto, a sua introdução no direito brasileiro, com as

devidas adaptações;

(2) A natureza jurídica dos AIEs brasileiros seria de uma nova modalidade de sociedade

personalizada;

(3) É de extrema importância que a questão fiscal seja enfrentada, quando da elaboração

de eventual projeto de lei acerca dos AIEs brasileiros, com a definição de que toda e qualquer

tributação seja feita apenas a nível dos sócios do agrupamento;

29

(4) Não existe razão para seguir o modelo europeu de responsabilidade ilimitada dos

sócios dos AIEs, devendo os Agrupamentos brasileiros ser regidos pelo regime de

responsabilidade limitada, que é a regra em nosso ordenamento jurídico.

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