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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA O SILENCIAMENTO DOS SENTIDOS: UMA ANÁLISE DOS SENTIDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA ELIANE MENDES CIEPLINSKI Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2015

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

O SILENCIAMENTO DOS SENTIDOS: UMA ANÁLISE DOS

SENTIDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA

ELIANE MENDES CIEPLINSKI

Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO

2015

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

C511s

Cieplinski, Eliane Mendes. O silenciamento dos sentidos: uma análise dos sentidos do livro

didático de língua inglesa / Eliane Mendes Cieplinski. -- São Paulo; SP: [s.n], 2015

125 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Beatriz Maria Eckert-Hoff. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Análise do discurso 2. Livro didático 3. Livro didático – Língua

inglesa 4. Discurso 5. Processo de ensino - aprendizagem. I. Eckert-Hoff, Beatriz Maria. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 81’42(043.3)

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

O SILENCIAMENTO DOS SENTIDOS: UMA ANÁLISE DOS

SENTIDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA

Eliane Mendes Cieplinski

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 11/12/2015.

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Profa. Dra. Ana Elvira Luciano Gebata

Universidade Cruzeiro do Sul

Profa. Dra. Alessandra Ferreira Ignez

Instituto Federal de São Paulo

AGRADECIMENTOS

Ao Carlos, meu marido, ao André, meu filho e à Flávia, minha filha, por darem

significado à minha vida.

À Eunice, minha mãe, e ao Eduardo, meu pai, pelos valores que me ensinaram

e pela confiança que sempre depositaram em mim.

Às famílias Costa, Mendes, Gaspar, Uzzo e Cieplinski, pelas vozes que me

habitam e pelo apoio que sempre me deram.

À minha amiga Maria Cristina, pelos ensinamentos, apoio, compartilhamentos

e muitas risadas em nossa caminhada profissional e acadêmica que já dura 30

anos.

À minha orientadora Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff, pela generosidade,

acolhimento, inspiração, contribuições e orientações valiosas à minha

pesquisa.

À Dra. Alessandra Ferreira Ignez, pela dedicação nas leituras dos meus textos

e pelas relevantes contribuições no meu exame de qualificação.

À Dra. Ana Elvira Gebara, pelos valiosos e cuidadosos apontamentos em meu

exame de qualificação.

Aos professores do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade

Cruzeiro do Sul, pelo papel fundamental que desempenharam no meu

processo de construção do conhecimento.

Aos meus alunos, pela inspiração para seguir!

CIEPLINSKI, E. M. O silenciamento dos sentidos: uma análise dos sentidos do livro didático de língua inglesa. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)– Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.

RESUMO

Nosso trabalho visa a investigar o silenciamento dos sentidos no livro didático de

língua inglesa, a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha

Francesa, tendo como corpus o livro didático de língua inglesa de nível avançado,

desenvolvido por uma franquia brasileira para o ensino de inglês para adultos.

Queremos investigar como as noções de sujeito, de linguagem e de ensino de língua

estão representadas no livro didático em estudo e para que efeitos de sentidos os

discursos apontam. Mais especificamente, estudaremos os mecanismos de controle

do livro didático exercidos sobre alunos e professores, as questões de silenciamento

que restringem o campo de reflexão dos alunos e as marcas discursivas do livro

didático de língua inglesa que controlam a constituição dos sentidos. A análise dos

enunciados que compõem nosso corpus de estudo nos possibilitou a percepção do

funcionamento do livro didático como detentor da verdade e norteador do processo

de ensino-aprendizagem na aula de inglês num contexto em que a ele se assujeitam

aluno e professor. Nosso procedimento de pesquisa descortinou questões de

silenciamento implicadas nos enunciados e nas atividades de leitura e de prática

oral, evidenciando os princípios limitadores que garantem o controle da aula, ao livro

didático. As relações poder-saber que se estabelecem via discurso empoderam o

livro didático, e este atua como modelador das relações pedagógicas. Nesta

dinâmica, instaura-se um não-lugar ao professor e cerceia-se a mobilização da

memória discursiva do aluno, impedindo-se reflexões, deslocamentos e silencia a

constituição dos sentidos.

Palavras-chave: Sujeito-aluno, Língua inglesa, Discurso, Livro didático,

Silenciamento.

CIEPLINSKI, E. M. The silencing of senses: an analysis of senses of the english language textbook. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.

ABSTRACT

Our research aims to investigate the silencing of senses in the English textbook,

following the conceptualization of French Discourse Analysis, having as a research

corpus the English textbook for advanced level, which was developed by a Brazilian

franchise company for the teaching of English for adults. We want to investigate how

subject, language and language teaching issues are represented in the textbook and

to which effects of senses the discourse points out. Specifically, we will research the

textbook mechanism of control over students and teachers, the silencing issues that

restrain students’ reflection area and the English textbook discursive marks, which

control the constitution of the senses. The analysis of the enouncements that make

up our research led us to the perception of the functioning of the textbook as truth

detainer and conductor of the teaching-learning process in the English class. We

have also observed that the teacher and the student are subjected to the textbook.

The analysis has shown us silencing issues, which are present in enouncements and

in reading and oral practice activities. This demonstrates the limiting principles that

ensure to the textbook the class control. The relationship between power and

knowledge, which is set through discourse, empowers the textbook and it works as

modulating agent in the pedagogical scenary. The textbook establishes a non-place

for the teacher and limits the student’s discursive memory mobilization that silences

the constitution of the senses, impedes reflections and hampers moving.

Keywords: Subject-student, English language, Discourse, Textbook, Silencing.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1

1 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 19

1.1 Língua, Sujeito e Discurso .................................................................... 19

1.2 Verdade, Ideologia e Relações Poder-Saber ........................................ 31

1.3 Memória Discursiva e Formas de Silenciamento ................................ 38

CAPÍTULO 2

2 TRAJETÓRIAS ........................................................................................ 44

2.1 Histórico do Ensino de Inglês no Brasil ............................................... 46

2.2 Percurso do Livro Didático de Língua Inglesa no Brasil .................... 55

CAPÍTULO 3

3 ANÁLISE DO CORPUS ........................................................................... 71

3.1 Descrição do Corpus e A Abordagem Metodológica “Lexical

Approach” ............................................................................................... 77

3.2 Textos, Leitura, Questões de Interpretação e Silenciamento ............. 87

3.3 O Caráter Estanque das Atividades Orais ........................................... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 116

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 120

9

INTRODUÇÃO

Uma questão que sempre me suscitou inquietações enquanto professora de

inglês é o papel conferido ao livro didático nas relações pedagógicas entre o aluno,

na concepção por nós assumida nesse estudo, referido como sujeito-aprendiz1, SA;

o professor, a instituição de ensino e a conjunção ensino-aprendizagem. Concebido

para ser o facilitador do processo ensino-aprendizagem, o livro didático, doravante

LD, tem regulado o trabalho do professor, exercendo poder na esfera escolar. O LD,

ao invés de apenas contribuir para o desenvolvimento da aula, mostra-se como a

voz dominante nas instituições de ensino, como o norteador das relações

pedagógicas, ao qual se submete toda a comunidade escolar. Como procuraremos

recuperar ao longo deste estudo, esse padrão que se observa com relação ao LD se

deve ao status de detentor da verdade que a própria sociedade lhe atribuiu.

Em decorrência desse poder que o livro didático exerce nas relações

pedagógicas, apresentando-se como instrumento depositário da verdade, torna-se

nítida sua função condutora das situações de ensino-aprendizagem em sala de aula.

Essa posição norteadora do LD tem me mobilizado ao longo de minha jornada

profissional e acadêmica, pautando questionamentos e reflexões frente a situações

em aula em que observava o papel cerceador do LD exercido sobre o aluno. Na

relação que era estabelecida, este sujeito encontrava-se muitas vezes tolhido de

qualquer possibilidade de reflexão, tomada de posição e consequente avanço nas

situações que se apresentavam em aula.

Tendo em minha carreira ministrado aulas de inglês nas mais diversas

instituições de ensino, com diferentes propostas metodológicas, voltadas para os

mais variados públicos, tenho constatado que o SA, apesar de apresentar-se

heterogêneo, advindo de diferentes classes sociais, com variadas idades,

proveniente de regiões geográficas diversas ou com nível educacional distinto,

1 Nesse estudo ao nos referirmos ao “sujeito-aprendiz”, o concebemos a partir de Orlandi (2013) e

Eckert-Hoff (2008, p. 15) como sujeito em sua forma histórica, “agente” sofredor da intervenção da ideologia, um sujeito cindido, que se rebela, rompe e avança em suas posições, mas que também se assujeita e é determinado pela exterioridade.

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persegue um objetivo uno: comunicar-se em inglês, interagir na/com a língua inglesa

e nela inserir-se para, através da utilização de seus códigos, galgar degraus na

escalada social e profissional, como preconizado pela mídia e referendado pela

sociedade, uma vez que tanto os discursos midiáticos quanto o mercado apontam

que saber inglês é condição sine qua non para o desenvolvimento e ascensão

profissional.

Refletindo sobre minha prática docente e também sobre o percurso de

inscrição na língua outra do SA, observei, com muita clareza, que determinados

materiais pareciam não possuir “alma”, uma expressão que adotei para ilustrar a

crueza de sentidos que alguns materiais de ensino de língua inglesa apresentavam

em seus conteúdos. Era notório o emprego de textos, abordagens textuais e

situações de comunicação estanques, com atividades para práticas orais e escritas

que tinham início no vazio e terminavam num hiato, levando o SA a um quase

discurso totalmente destituído de sentidos.

Para esses livros buscava sempre apoio em outros materiais didáticos,

perseguindo constantemente o caráter utilitário que é impingido à língua inglesa no

Brasil. Segundo Grigoletto (2011, p. 309), o ensino de línguas, especialmente o da

língua inglesa, elege o “apagamento e silenciamento da dimensão educacional da

língua”. Tal processo, continua a autora, “parece tornar fora de lugar qualquer outro

valor para o ensino de uma língua estrangeira na escola que não sejam os valores

de mercado”. Sustentada por esses conceitos, buscava reproduzir trechos de livros

que considerava mais eficientes para que meus alunos atingissem seus objetivos.

Ao desenvolver tais práticas, percebia que todos os trâmites do ensino comunicativo,

preconizados no LD, já estavam intimamente arraigados em mim, como bem

descreve Coracini (1999, p. 23) “não usar o livro didático não resolve o problema, já

que a sua organização, os princípios que o norteiam, a imagem de aluno que

veiculam já estão incorporados no professor”.

Tal prática trazia também certo desconforto, principalmente ao SA adulto, que

se incomodava com o não uso integral do material didático, mostrando, de alguma

maneira, quão legitimado o livro didático encontra-se por toda a sociedade. Segundo

11

Grigoletto (1999, p. 67) “LD como um discurso de verdade é dado por Foucault

(1979) a partir de sua formulação de que existe um ‘como’ do poder, uma certa

maneira de o poder se disseminar em nossa sociedade, que produz efeitos de

verdade”.

Diversas situações como as acima narradas, vividas ao longo de minha

trajetória profissional, despertaram inquietações e questionamentos sobre as

representações do SA, o caráter cerceador do LD e a ideologia que subjaz a minha

prática docente. A busca por um aprofundamento acadêmico sobre as questões de

língua, sujeito do discurso, silenciamento e efeitos de sentidos levou-me ao

Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Ao entrar em contato com

a Análise do Discurso Francesa, doravante ADF, filiada a Pêcheux (1996, 1997,

1999, 2010, 2014) e a Foucault (1990, 1997, 2000, 2004, 2006, 2009, 2013, 2014)

ao longo do curso, percebi uma potente consonância dessas teorias com minhas

inquietudes. Optei, então, por realizar meus estudos com base nesse aporte teórico.

Diante das problemáticas que me envolviam na prática e de outras delineadas

no processo de orientação, observamos no estudo do Livro Didático de Língua

Inglesa (doravante LDLI) questões de silenciamento dos sentidos. Por essa razão,

traçamos a presente pesquisa para análise, reflexão e elucidação dos (não) efeitos

de sentido que o LDLI (não) oportuniza ao aprendiz.

Consideramos, nessa pesquisa, os pressupostos de que o LDLI, como

apontado por Grigoletto (1999), apresenta-se como detentor da verdade, tem como

foco o utilitarismo da língua estrangeira e propõe situações estanques, não

favorecendo as reflexões e as movências, tão necessárias durante o processo de

inserção na língua alvo2, doravante LA, silenciando o efeito dos sentidos.

Observamos em nossa prática docente que muitos LDLIs possuem caráter

homogeneizante e funcionam por meio de atividades descontextualizadas que levam

todos os alunos a uma leitura única. Esses LDLIs não oferecem espaço para a

mobilização de sentidos, não conferem ao SA a oportunidade de tornar-se sujeito do

2 Língua estrangeira na qual o SA pretende inserir-se.

12

discurso na língua outra, uma vez que as estratégias empregadas nas diversas

atividades didáticas têm caráter controlador, não permitindo ao aluno ou ao

professor desvencilhar-se da esfera proposta pelo livro e ultrapassá-la tampouco

ressignificar o aprendido relacionando-o a sua vida.

A partir dessas premissas, formulamos a hipótese de que, por representar o

“regime da verdade”, mesmo quando o LD se apresenta raso, superficial e não

oferece possibilidades de expansão dos sentidos postos ao SA, ainda assim, a ele

se assujeitam tanto o professor quanto o aluno, movidos pelo poder que o LD

dissemina em nossa sociedade.

Para verificarmos essa hipótese, assim como nas constatações elaboradas

em nossa prática docente, apoiaremos nosso estudo na construção de reflexões

orientadas pelas seguintes perguntas de pesquisa: O LDLI exerce mecanismos de

controle sobre o SA e os docentes? Como isso se mostra discursivamente? O LDLI

provoca o silenciamento e restringe o campo de reflexão do SA. Como isso se

mostra? Quais as marcas discursivas que se mostram no LDLI como forma de

controle dos sentidos?

Dados os questionamentos expostos, objetivamos com este trabalho

problematizar, a partir da análise do LDLI, as estratégias de silenciamento dos

sentidos nele presentes, entender como e por que se dão. Visamos assim

empreender caminhos que desconstruam o lugar de poder-saber e verdade do LD e

também suscitar reflexões ao professor, para que ele possa oportunizar, em aula, ao

SA, a reflexão e a constituição dos sentidos durante o processo de inserção na

língua outra.

De forma mais específica, nossos interesses são: compreender os

mecanismos de controle do LDLI sobre todas as circunstâncias da aula e

cerceamento de posições do SA; problematizar as marcas discursivas no LDLI que

não propiciam ao SA a oportunidade de reflexão e movência em situações

discursivas da sala de aula.

13

Ressaltamos os propósitos de nosso estudo a respeito da análise do LDLI

enquanto aparato ideológico e a respeito do silenciamento dos sentidos por ele

exercido. Salientamos, porém, que nosso intuito ao analisar o LDLI não é apenas

apontar suas possíveis falhas ou fazer críticas às abordagens e práticas

pedagógicas que o ancoram, mas focalizar, segundo os preceitos da ADF, a

memória discursiva do SA como ponto mobilizador de significados para coadjuvar a

inscrição do SA na língua outra. Nessa perspectiva, é indispensável ao SA a

oportunidade de refletir e também de se relacionar com o mundo nas aulas de

inglês, colocando-se como sujeito do discurso. Em contrapartida, o que se observa é

que o LDLI e também o processo de ensino-aprendizagem se mostram engessados,

quando ambos precisariam oferecer oportunidade discursiva ao SA. Sobre a

importância do aparato ideológico na determinação do sujeito vemos nas palavras

de Eckert-Hoff (2003, p. 4):

Se todo discurso é essencialmente ideológico, o sujeito é, também, ideologicamente determinado e a sua relação com a linguagem é considerada em relação com o mundo, em termos sociais e políticos. Dessa forma, o sujeito não consegue perceber que é descentrado, portanto, não totalmente responsável pelos efeitos de sentido de seu dizer; ele não percebe que se inscreve num aparato ideológico que prescreve e normatiza sua conduta.

De modo a referendar a hipótese por nós levantada e responder aos

questionamentos aqui apresentados, buscamos como corpus para nossa análise o

LDLI de nível avançado Wise Up volume 3, utilizado pela rede de ensino de idiomas

de mesmo nome entre os anos 2000 e 2005, que compõe a esfera dita pós-moderna

do ensino de línguas, Fast Learning, propondo o ensino de idiomas em 18 meses,

com foco nos “recortes linguísticos” mais utilizados na língua alvo em situações

comunicativas de ordem diária. Esse livro tem como público alvo brasileiros adultos

e jovens adultos que necessitam falar inglês em curto prazo, foi escrito por autores

brasileiros sob a demanda do instituto de idiomas que o encomendou e cuja

produção custeou.

Nossa opção por esse livro deveu-se ao fato de sua proposta dizer-se

inovadora. Segundo seus preceitos, assegura ao SA a possibilidade de

comunicação na língua inglesa em 18 meses. Sendo a Wise up uma franquia

pioneira na formatação de cursos de menor duração, tornando-se líder deste

14

segmento e sendo o Fast Learning uma forte tendência no ensino de língua

estrangeira, doravante LE, no segmento das franquias de ensino de idiomas no

Brasil, o LD em questão, mostrou-se como corpus adequado a nossa pesquisa.

Entendemos, então, que o LD escolhido para nossa análise, por conter variadas e

significativas situações de interdito, representa tantos outros, que em posição

semelhante, apresentam propostas didáticas similares àquela por nós analisada,

uma vez que consideramos que as abordagens didáticas que interditam os sentidos

são habitualmente encontradas nos LDs para ensino de LE.

Acreditamos, também, que esta análise ofereça ao professor de LE a

possibilidade de lançar um olhar discursivo sobre seu material de trabalho.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, utilizaremos como base

metodológica pesquisas bibliográficas fundamentadas na Análise do Discurso, que,

como nas palavras de Orlandi (2013, p. 26), “visa a compreensão de como um

objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por

sujeitos”. Analisaremos nosso corpus também com base na relação entre o

intradiscurso e o interdiscurso. Compreendemos o intradiscurso como o território da

formulação e o interdiscurso, como a historicidade, o lugar onde se instaura a

memória discursiva do sujeito, atentando ao que postula Orlandi (2013, p. 33), “é

todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que

dizemos.”

Os conceitos de intradiscurso e interdiscurso encontram-se mutuamente

imbricados, como observamos nas palavras de Orlandi (2013, p. 32-33):

constituição – o que estamos chamando de interdiscurso – representada como um eixo vertical onde teríamos todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal – o intradiscurso – que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas.

A relação entre o intradiscurso e o interdiscurso nos permite um campo de

reflexão em que o sujeito e a produção dos sentidos ocupam posição fundamental.

Baseando-nos, então, numa perspectiva discursiva, apoiados nos conceitos

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preconizados pela ADF, analisaremos através de revisão bibliográfica, questões de

língua, sujeito e discurso com base nos estudos de Pêcheux (2013), Foucault (1997,

2005, 2014). Apoiaremos nossa análise nos estudos de Althusser (1980) e Foucault

(2014) sobre verdade, ideologia, aparelhos ideológicos de estado e relações de

poder-saber. As leituras de Pêcheux (2013) e Orlandi (2013) foram também

basilares para o entendimento de conceitos como memória discursiva e formas de

silenciamento.

Apreenderemos a noção de sujeito do discurso sob a perspectiva de

Pêcheux (1996, 1997, 1999, 2010, 2014), Foucault (1990, 1997, 2000, 2004, 2006,

2009, 2013), Eckert-Hoff (2003, 2006, 2010), Coracini (1999, 2003, 2010) e Orlandi

(2003, 2005, 2007) sujeito esse que é cindido, heterogêneo e atravessado pelo

inconsciente, em uma busca constante pela completude. Nessa perspectiva,

encontramos na pós-modernidade um sujeito com identidade contraditória,

descentrado.

O Sujeito pós-moderno é um sujeito camaleônico e, como o camaleão, ele muda constantemente de forma e de cor. Nessa metamorfose, ele não deixa de ser um para ser outro, pois um está imbricado no outro, é sempre o mesmo no diferente e o diferente no mesmo. (ECKERT-HOFF, 2008, p. 40)

Vale esclarecer que o SA que procura o curso de idiomas cujo material

didático compõe o corpus deste estudo, é um sujeito inserido em uma sociedade

que, por força da velocidade da veiculação das informações, transforma-se

apressadamente. Nesse contexto, vemos o sujeito pós-moderno com essa

necessidade de também modificar-se rapidamente.

Destacando-se os estudos foucaultianos sobre “regime da verdade”,

conceituaremos o LD, sua legitimação pela sociedade e as forças que exerce no

universo social e escolar, no SA, no sujeito professor e na manutenção do status

quo. Partindo da definição conceitual de verdade de Foucault (2014), que

recuperamos a seguir, é possível apreender com maior clareza as representações

do LD, que é concebido pela sociedade como detentor de verdades incontestáveis,

repositório de saberes a serem partilhados.

16

entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder". (FOUCAULT, 2014, p. 53)

O LD, enquanto instrumento de veiculação do saber, legitimado pela

sociedade, apresenta também no interior de seu funcionamento a missão de auxiliar

instituições, grupos, sociedade e governos em seu aparelhamento, difundindo

questões que podem ser tomadas como verdades. Observamos o tópico sobre

ideologia com base nos postulados de Althusser:

Aparelhos Ideológicos – AIE – (Compreendendo instituições tais como: a religião, a escola, a família, o direito, a política, o sindicato, a cultura, a informação) intervêm ou pela repressão ou pela ideologia, tentando forçar a classe dominada a submeter-se às relações e condições de exploração.

(BRANDÃO, 2013, p. 23)

Sob esse aspecto entendemos que o LDLI pode também se mostrar

ideologicamente como mensageiro de culturas e de sociedades ditas superiores,

auxiliando na construção de um imaginário sobre a cultura e a língua outra. Além de

restringir possibilidades de reflexão e deslocamentos ao SA.

Compreendemos o silenciamento como instrumento de censura, advindo de

forças externas ao sujeito, de forma bastante distante do que se opera no silêncio

discursivo, que parte da vontade do sujeito e pode denotar uma pausa para

elucubrações ou mesmo uma discordância, um posicionamento. Segundo Orlandi

(2013, p.13) “a própria noção de censura se alarga para compreender qualquer

processo de silenciamento que limite o sujeito no percurso de sentidos”.

Sob a concepção discursiva também apontaremos questões de memória e a

relação entre interdiscurso e intradiscurso. Em nossa análise, buscaremos

depreender de nosso corpus, na materialidade linguística, traços que indiquem como

a memória discursiva, interdiscurso, ao ser mobilizada em atividades didáticas,

oportunizam a (res)significação e a inscrição do SA na LA.

O LDLI não apresenta apenas possíveis falhas em sua aplicação e na criação

de oportunidade de ressignificação de conteúdos pelo SA, ele também oferece

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momentos em que o SA pode lançar mão de elementos discursivos que o habitam

para constituir sentidos a partir de textos e/ou atividades orais. Desse modo vemos

em Pêcheux (2013, p. 154):

o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui como “sujeito-falante”, com a formação discursiva que o

assujeita.

Para alcançarmos os objetivos propostos, nosso trabalho está organizado em

três capítulos. O Capítulo 1 apresenta os conceitos teóricos que fundamentam a

pesquisa. Abordamos, sob a perspectiva da ADF, os conceitos de língua, sujeito,

discurso, verdade, ideologia e as relações de poder-saber. Também apresentamos,

como embasamento para procedermos nossa análise, as noções de memória

discursiva e de formas de silenciamento. No Capítulo 2, apontamos o percurso

histórico no Brasil tanto do ensino de inglês quanto do LDLI. Conhecendo os

caminhos trilhados pelo LDLI e pelo ensino de inglês no brasil, nos

instrumentalizamos para melhor compreendermos seus desígnios atuais. Compondo

o Capítulo 3, procedemos à análise do corpus de nossa pesquisa com a descrição

deste corpus e da abordagem metodológica que o fundamenta, “Lexical Approach”.

Observamos, na materialidade linguística, as questões sobre texto, leitura,

interpretação e formas de silenciamento dos sentidos. Nosso estudo, então, discorre

sobre o caráter estanque das atividades orais e sobre a memória discursiva

relacionando-a à produção e aos deslocamentos do SA.

Nas considerações finais, retomamos as questões norteadoras deste estudo

que nos permitiram, a partir de nosso gesto interpretativo do corpus proposto,

compreender as marcas discursivas que se apresentam no LDLI e os mecanismos

de controle e silenciamento que restringem a reflexão e os deslocamentos do SA;

sem, contudo, esgotar as possibilidades de análise do corpus. Como nas palavras

de Orlandi (2013, p. 59):

A Análise do Discurso não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real sentido em sua materialidade linguística e histórica. A ideologia não se aprende, o inconsciente não se controla com o saber. A própria língua funciona ideologicamente, tendo em sua materialidade esse jogo. Todo enunciado, dirá M. Pêcheux (idem), é linguisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possível, oferecendo lugar à interpretação. Ele é

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sempre suscetível de ser/tornar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos.

A busca por respostas às nossas inquietações nos leva pelos caminhos da

pesquisa, mas, compreendemos que nossos gestos de interpretação não se findam

ao término de nosso estudo, pois entendemos que as possibilidades de

interpretação são múltiplas e recorrentes.

19

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

Ao propormos o estudo sobre o silenciamento dos sentidos, através da

análise dos sentidos do LDLI, adotaremos “gestos de interpretação” fundados na

perspectiva discursiva, conforme alerta Orlandi (2013, p. 26):

A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma palavra “chave” de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender.

Para desenvolvermos a análise, articularemos alguns conceitos que

alinhavarão nosso gesto de interpretação. Refletiremos sobre conceitos essenciais

da ADF como língua, sujeito, discurso e tomaremos a historicidade como propulsora

na produção de sentidos. A noção de discurso, neste estudo, é apresentada como

um campo de batalha, que produz no sujeito, conforme Foucault (2005, p.2),

“inquietações por suspeitarmos das lutas, das vitórias, das feridas, das dominações,

das servidões que atravessam tantas palavras em cujo uso há muito se reduziram

suas rugosidades”. Por fim, complementaremos nosso referencial teórico com

considerações sobre verdade, ideologia e relações de poder-saber. Abordaremos a

concepção de memória discursiva e formas de silenciamento, sendo essas questões

fundamentais para nossa pesquisa.

1.1 Língua, Sujeito e Discurso

Neste capítulo, abordaremos conceitos de língua, sujeito e discurso provindos

da ADF. Na concepção por nós adotada, o sujeito é heterogêneo e sua identidade

encontra-se incompleta. Inacabada também se apresenta a língua, posto que,

segundo Eckert-Hoff (2003, p. 5), evidencia-se “a incompletude da língua, a

impossibilidade de estancar os sentidos, o atravessamento do outro/Outro no

discurso”. Consideramos, pois, que o sujeito, por estar atravessado pela história e

pelo inconsciente, retoma suas memórias sempre que produz dizeres. Avançando

20

ainda com a autora, é possível entender a implicação disso na relação entre sujeito

e discurso: “o sujeito não é, pois, centro e origem do sentido, uma vez que ele situa

o seu discurso em relação ao discurso do outro” (PÊCHEUX; FUCHS apud

ECKERT-HOFF, 2003, p. 4).

A compreensão desse sujeito clivado e de sua incompletude torna-se basilar

para o desenvolvimento de nosso estudo. O SA necessita ser compreendido e

analisado tendo como base sua heterogeneidade e seus atravessamentos para que

melhor compreendamos sua relação com a LE que deseja e com o livro didático,

que o conduz em sua busca pela língua outra, mas também o interdita, na medida

em que controla seus dizeres.

Ao atentarmos para os conceitos de língua e sujeito aprendemos com Eckert-

Hoff (2010) quando esta discorre sobre o sujeito que emerge da imbricação das

línguas materna e estrangeira:

Assim objetiva-se mostrar a imbricação da língua (materna e estrangeira?) na constituição da identidade, que passa, necessariamente, pela questão linguística: o sujeito se constitui sempre e fundamentalmente por uma língua, em uma língua, e até mesmo contrário a uma língua. (ECKERT-HOFF, 2010, p. 83)

Observaremos que, na base dos estudos sobre a língua e o discurso

encontra-se o sujeito, cuja constituição identitária dá-se pela língua. E, ainda, que

os sentidos na/pela língua são constituídos através da relação entrelaçada entre

sujeito, ideologia e história. Cabe pontuar que em nosso estudo esses conceitos são

compreendidos pela perspectiva discursiva.

Ao iniciarmos nossa abordagem sobre língua, traçamos um panorama das

concepções de língua, com ênfase no viés pecheutiano, que funcionará como aporte

teórico para a análise de nosso corpus. Sob a perspectiva da ADF, o conceito de

língua como lugar do equívoco, da falha, torna-se fundamental para o entendimento

das questões de silenciamento e interdito produzidas pelo LDLI, quando da inscrição

do SA na LE.

21

Não se pode conceituar língua sem citar os estudos de Ferdinand Saussure

publicados no livro Curso de Linguística Geral (CLG), que nos ensina os primeiros

aportes teóricos sobre a ciência linguística. Saussure (1999) postulou, no início do

século XX, conceitos sobre a dicotomia Língua e Fala, atribuindo à língua um caráter

social e destacando a fala como ato individual. Embora intrinsecamente relacionas,

as duas pertenceriam a áreas distintas, segundo a conceituação do mestre

genebrino.

Ao delimitar o objeto da linguística em seu curso, Saussure postulou que a

língua é um sistema de signos, descrito em termos de relações internas, em que a

realidade de um elemento depende dos outros elementos do conjunto. Sob essa

perspectiva, a língua é vista como elemento isolado da exterioridade, e o sujeito é

excluído de qualquer relação com o conceito de língua. Na perspectiva saussuriana

os fenômenos linguísticos externos não são considerados, pois a língua possui sua

própria ordem linguística interna.

Ao nos enveredarmos um pouco mais pelos caminhos percorridos pela

linguística, observamos também a concepção da língua enquanto instrumento de

comunicação, a língua como meio de produção de interações entre um emissor e

um receptor. A visão da língua como meio de comunicação estabelece para a língua

o lugar da afirmação e da veracidade, conferindo-lhe um caráter hegemônico.

A língua é frequentemente concebida sob esse viés nos discursos sobre

metodologias para o ensino de idiomas. Essa perspectiva restringe a língua de sua

amplitude, de seu papel constitutivo do sujeito; afastando assim o sujeito e a

historicidade que o constitui, não oportunizando a mobilização pelo sujeito de seus

conhecimentos, seus já-ditos, o que ele traz consigo e que permeia sua relação com

a língua. Nas palavras de Grigoletto (2003, p. 228) sobre essa visão reducionista da

língua, “Conceber a língua como um simples instrumento de comunicação implica

escamotear toda uma gama de funções inerentes à existência das línguas, e de

relações entre a língua e o sujeito falante”.

22

Nas palavras de Andrade (2013), a visão de língua que a concebe como mero

instrumento de comunicação, interditando o sujeito e as relações profundas que ele

estabelece com as línguas, são muitas vezes pontos de partida para as relações de

silenciamento que analisaremos em nosso corpus.

Se o sujeito emerge na e pela língua, esta o constitui e ele constrói seu lugar no mundo social, ou seja, constrói sua identidade. Dessa forma, torna-se incoerente uma visão de língua que a contemple, exclusivamente, como objeto (língua-instrumento). (ANDRADE, 2013, p. 212)

Entendemos, a partir da teoria aqui assumida que a possibilidade do

equívoco, da incerteza, do lapso é própria da língua. Aprendemos com Milner (1987,

p. 8) que a língua se apresenta com “impossibilidade de se dizer tudo”, “a língua é

marcada pelo não-todo”.

Apreendemos ao longo de nosso estudo que a língua se encontra entrelaçada

com a historicidade, apresentando-se no território da falta e da incompletude.

Analisá-la através da perspectiva discursiva, como postulado por Pêcheux, torna

possível a reflexão e a apreensão de conceitos importantes para nosso estudo,

assentando ainda mais um caminho teórico incapaz de dissociar língua, sujeito e

historicidade.

Pêcheux, em seus trabalhos que formularam as bases epistemológicas da

Análise do Discurso, aponta o triplo real da língua, da história, do inconsciente.

Partindo desse pressuposto, em nossa pesquisa, concebemos a língua como ponto

de entrecruzamento da história e do inconsciente, constitutiva do sujeito.

Ainda a partir das considerações do filósofo francês, verificamos como a

língua desempenhou papel essencial para que fossem desenvolvidos os postulados

basilares da Análise do Discurso. E mais, sendo a língua entendida como a

materialidade do discurso, sua compreensão é condição primordial para proceder à

análise da opacidade do discurso. Assim sendo, temos nessa perspectiva bases

norteadoras para o desenvolvimento de nossa análise, já que o silenciamento dos

sentidos encontrado nos LDLIs advém do afastamento entre o sujeito, a história e a

língua, vista muitas vezes, em situações didáticas do ensino de idiomas como um

23

instrumento a ser adquirido e manipulado, ficando o sujeito no exterior desse

processo.

A língua, vista sob a luz da Análise do Discurso, mostra-se como campo de

embates e de oportunidades, produto sócio-histórico e ideológico, na qual o sujeito

emerge e constitui sentidos, trazendo para o bojo da materialidade linguística os

discursos que o atravessam e o constituem. Sob a perspectiva discursiva,

apontamos um sujeito que não possui controle de seu dizer, pois encontra-se

marcado pelo inconsciente e pela ideologia como observamos nas palavras de

Orlandi (2013, p. 53):

Ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas.

Esta imbricação entre sujeito e língua norteará as próximas etapas de nosso

estudo, quando analisarmos o discurso e o sujeito que emerge incompleto, como

uma contradição, nas palavras de Orlandi (2013, p. 50), “um sujeito ao mesmo

tempo livre e submisso”.

Abordaremos a noção de sujeito sob a perspectiva discursiva. Através da

problematização do sujeito e sua relação com a história e a língua, desenvolveremos

nossa análise e compreensão do silenciamento do SA em situações de

aprendizagem de LE.

O sujeito como compreendido pela ADF não é um indivíduo dono de seu

dizer, homogêneo, mas o sujeito do discurso que traz consigo as ações sociais, a

história, o inconsciente que o atravessam e emergem na língua. Esse sujeito

encontra-se descentrado e disperso, pois é interpelado pela ideologia e constituído

pelo inconsciente.

Ao traçarmos as concepções de sujeito, buscaremos as perspectivas teóricas

da ADF para apreendermos a noção de sujeito cindido, atravessado pelo(s) outro(s),

24

cujos desejos e posições vazam na materialidade do discurso. Como nas palavras

de Eckert-Hoff (2003, p. 297), “Há uma imbricação de vozes no dizer desses

sujeitos, vozes essas que entram – ainda que de forma inconsciente – na

constituição do sujeito e de seu discurso”, mostrando-nos que nossas posições

enquanto professores precisam considerar essa concepção, para que ofereçamos

caminhos de deslocamento ao SA em seu processo de inscrição na LE.

O sujeito, pela luz da Análise do Discurso de filiação francesa, é concebido

como disperso, marcado historicamente. Sujeito cindido, que não controla o seu

dizer, dizer esse que perpassa os espaços inconscientemente abertos pelo sujeito

clivado, o qual, conforme a análise de nosso corpus demonstra, é tomado no LDLI

como homogêneo, estabilizado; ou seja, muito distante da noção de sujeito do

discurso evidenciada nesse estudo.

O contexto escolar, no qual se encontra inserido o SA, configura uma escola

que não considera a pluralidade do sujeito, que busca a padronização dos

processos de ensino-aprendizagem e a imobilização dos atores dessa dinâmica

pedagógica. Nesse cenário, o livro didático desempenha seu papel

homogeneizante, operando interditos e oferecendo caminhos únicos a quem é

constitutivamente múltiplo.

A partir da leitura e ressignificação lacaniana da obra de Freud, cujo pilar se aloca na estruturação do inconsciente como linguagem (LACAN, 1964), defendemos que o sujeito do ensino e da aprendizagem, constituído na e pela linguagem, deve ser visto, portanto, como sujeito que se constitui por uma multiplicidade de vozes que ora convergem, ora se chocam em um movimento que tende a (re)velar sua complexidade e heterogeneidade como sujeito-aprendiz de LE. (REIS, 2010, p. 140)

Sob uma perspectiva discursiva, entendemos que o sujeito se apresenta

perpassado pelo inconsciente, que ele enuncia a partir de seus já-ditos, daquilo que

fala antes, e que, sendo um sujeito heterogêneo, é constituído por múltiplos

discursos. Esses conceitos sobre a multiplicidade de vozes que emergem no sujeito

foram também postulados por Althusser (1980, p. 94) ao pontuar a questão

ideológica na constituição do sujeito: “A categoria de sujeito só é constitutiva de toda

a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define)

‘constituir’ os indivíduos concretos em sujeitos”.

25

O referido autor postula sobre a concepção de sujeito introduzindo a questão

da “materialidade da ideologia”, por meio do entendimento dos aparelhos ideológicos

de estado, especialmente no que tange à constituição do sujeito e ao assujeitamento

pelo efeito interpelatório da ideologia. Para Althusser (1980, p. 91) a ideologia é

fulcral na constituição do sujeito:

“1- Só existe prática através e sob uma ideologia;

2- Só existe ideologia através do sujeito e para sujeitos.”

Entendemos então que não há ideologia sem sujeito, nem sujeito sem

ideologia:

a categoria de sujeito é constitutiva de toda a ideologia, mas ao mesmo tempo e imediatamente acrescentamos que a categoria de sujeito só é constitutiva de toda a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define) constituir os indivíduos concretos em sujeito. (ALTHUSSER, 1980, p. 94)

A definição de Althusser de que a função primordial da ideologia seria a

constituição do sujeito indica caminhos para a compreensão dos posicionamentos

do sujeito, suas interdições e assujeitamento. Entendemos sob essa ótica que a

ideologia é uma estrutura que se impõe ao indivíduo, sem, porém, que ele a

perceba; assujeitando-o, ela conduz seus dizeres de forma inconsciente.

A partir dos pressupostos althusserianos, Pêcheux desvela as relações entre

sujeito, ideologia, discurso e traz a concepção de sujeito constituído pelas ações

sociais e pela ideologia:

diremos que os indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as formações ideológicas que lhes são correspondentes. (PÊCHEUX, 2014, p. 147).

Ao refletir sobre as concepções althusserianas da interpelação do indivíduo

em sujeito pela ideologia, Pêcheux (2014) refere-se também à formação discursiva

como constitutiva do sujeito. Essa formação discursiva está relacionada à posição

que o sujeito vai ocupar, determinando “o que pode e deve ser dito”, com o “já-lá”.

Observa-se então o assujeitamento ideológico, uma vez que o sujeito, à mercê do

26

inconsciente, acredita que seu posicionamento e discurso emanam de sua livre

escolha.

O autor, no capítulo “Só há causa daquilo que falha ou o inverno político

francês: início de uma retificação”, detém-se à questão do inconsciente como

participante do processo de constituição do sujeito. Inconsciente que emerge no

dizer e no fazer do sujeito de forma incontrolável. O sujeito, inconscientemente

descentrado, acredita ser a origem de seu dizer, porém, como nas palavras do autor,

em virtude do “pré-construído”, que corresponde ao “sempre-já-aí” da interpelação

ideológica, a qual fornece,impõe a “realidade” e seu “sentido” sob forma de

universalidade”, o sujeito se apresenta, então, como independente, autônomo em

seu discurso; entretanto, quando se ressalta que o sujeito se mostra inconsciente

em relação ao “pré-construído” que o constitui, percebe-se que “o assujeitamento [é

dissimulado] sob aparência de autonomia” (PÊCHEUX, 2014, p. 151).

Sob esse ponto de vista, observamos um sujeito que pensa ser, para falar

com Brandão (2013, p. 82), a “fonte exclusiva do sentido do seu discurso”, mas que

traz consigo o outro em seu dizer e reproduz, na materialidade linguística de seu

discurso, esses atravessamentos que lhe são fundadores.

Diremos que a marca do inconsciente como “discurso do outro” designa no sujeito a presença eficaz do “Sujeito”, que faz com que todo sujeito “funcione”, isto é, tome posição, “em total consciência e em total liberdade”, tome iniciativas pelas quais se torna “responsável” como autor de seus atos etc. (PÊCHEUX, 2014, p. 159).

Já sob a perspectiva foucaultiana, o sujeito emerge das relações entre poder-

saber. Para o autor, o indivíduo não é naturalmente um sujeito, mas constitui-se

como tal e é interpelado pelas redes de micropoderes que cercam o indivíduo e o

constituem em sujeito.

Foucault (2006) refere-se aos mecanismos de objetivação e de subjetivação

como constituintes do indivíduo. Esclarecemos as definições sobre objetivação e

subjetivação e suas ações sobre o sujeito: os processos de objetivação dizem

respeito a processos disciplinares que buscam tornar o homem útil ao mercado

econômico e dócil politicamente; já os processos de subjetivação remetem-se às

27

relações do sujeito consigo mesmo, à forma como o homem se compreende

enquanto sujeito, constituindo assim o indivíduo em sujeito. Essa identidade

encontra-se balizada em um determinado período histórico e social.

Segundo o autor, o sujeito emerge das relações de poder, constituindo-se

pelas técnicas de sujeição das relações de poder e de saber. De acordo com

Foucault (2006, p. 234) “O sujeito não deve transformar-se. Basta que o sujeito seja

o que ele é para ter, pelo conhecimento, um acesso a verdade que lhe é aberto pela

sua própria estrutura de sujeito”. Apreendemos, das noções de sujeito sob essa

perspectiva, que o saber pode empoderar o indivíduo para que ele resista às

situações de domínio e controle exercidas pelo poder que conduzem ao

silenciamento. Vale relembrar que, em nossa pesquisa, o poder é caracterizado

como o LDLI.

Ao analisarmos as situações de silenciamento que se apresentam no

cotidiano da sala de aula, deparamo-nos com momentos de total interdito do SA.

Temos observado ao longo de nossa trajetória profissional que a não constituição de

sentidos, geradora do silenciamento, é resultante do cerceamento dos processos

discursivos que envolvem as situações de ensino-aprendizagem e seus atores

exercido, por sua vez, pelo LD.

Vale pontuar que o discurso é aqui entendido segundo os pressupostos da

ADF, distanciando-se conceitualmente do senso comum, definido pelo dicionário3.

Tomamos a definição de discurso como produtor de sentidos, segundo a análise de

Orlandi (2013, p. 21):

Para a Análise de Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, nem há essa linearidade na disposição dos elementos da comunicação, como se mensagem resultasse de um processo assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um código, e o receptor capta a mensagem, decodificando-a. Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque. Além

3 Alguns significados elencados para o termo discurso são 1) exposição de ideias, proferida em

público, feita de improviso ou antecipadamente escrita com esse propósito; 2) oração, fala. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/discurso/>. Acesso em 10 jul. 2015.

28

disso, ao invés de mensagem, o que propomos é justamente pensar aí o discurso. Desse modo, diremos que não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação.

O discurso, tal como posto pela autora, como concepção basilar da ADF,

possibilita a reflexão, o deslocamento e a consequente transformação do sujeito,

não se apresentando apenas como meio de comunicação, mas como ponto de

constituição de sentidos e movência. E é sob esse viés que o discurso será

analisado em nosso trabalho.

Cabe salientar que, no pensamento foucaultiano, o discurso mostra-se como

resultado das relações de poder. “O que faz com que o poder se mantenha e que

seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas

que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz

discurso” (FOUCAULT, 2014, p. 45). Sob essa ótica, entendemos que o discurso se

apresenta como campo de força e que o dizer impõe-se aos seus locutórios,

produzindo sentido.

Depreendemos das leituras do autor supracitado, a concepção de discurso

como prática social que se distancia do quadro conceitual que o concebe como um

conjunto de signos referente a determinado conteúdo, com determinado significado

não visível, possuidor de uma verdade oculta a ser descoberta. Compreendemos o

discurso como autônomo, em que uma consonância de enunciados encontra-se com

o contexto.

gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. Essas regras definem não a existência muda de uma realidade, não o uso canônico de um vocabulário, mas o regime dos objetos. (...) não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da

29

fala. É esse ”mais” que preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 1997, p. 54-55)

Depreendemos, pois, apoiados nos conceitos foucaultianos, que os discursos,

com sua natureza autônoma, organizam e constituem o sujeito; não podendo ser

compreendidos como um agrupamento de palavras e significados, mas como

“fragmentos de história”. Entendemos, assim, que os discursos são práticas

organizadas da realidade. Sob essa perspectiva, apreendemos que o discurso existe

para além da utilização dos signos. E este “mais” a que Foucault se refere encontra-

se no próprio discurso e sobrepõe-se ao sujeito.

Os estudos de Pêcheux sobre o discurso apontam para uma perspectiva com

foco diferente do que até então se apresentava, ele não discorria sobre o enunciado,

ou o texto, ou a fala, mas sobre a relação do discurso com a história, relacionando o

dizer com as condições de produção desse dizer. O autor apresenta a ideologia e a

exterioridade como elementos constitutivos do sentido, promovendo assim as

considerações da história como constituintes do discurso.

As acepções de Pêcheux (2014) nos indicam que o sentido de uma palavra,

de uma expressão, não existe em si mesmo, tal sentido é instaurado pelas posições

histórico-ideológicas tomadas pelo sujeito. Coadunamo-nos com o autor quanto a

suas reflexões a respeito das implicações ideológicas que agem sobre o discurso.

Sobre essa questão com ele ponderamos:

(...) o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições etc.; mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas (no sentido definido mais acima) nas quais essas posições se inscrevem. (PÊCHEUX, 2014, p. 146-147)

Nesta concepção, o sujeito é constituído pela ideologia, a qual confere sentido

a seu discurso. O sujeito encontra-se interpelado pela formação discursiva4 que

4 Segundo Pêcheux (2014, p. 147) o que pode e deve ser dito.

30

controla sua prática discursiva designando seus ditos. O discurso encontra-se pré-

determinado pelas posições ocupadas pelo sujeito e apresenta-se dominado pela

formação ideológica e pelas posições ocupadas pelo sujeito. O discurso, nesse

sentido, relaciona-se com as condições de produção; suas “circunstâncias”

consideram o contexto histórico e ideológico e as posições do sujeito e de seus

interlocutores.

Diremos que a marca do inconsciente como “discurso do Outro” designa no sujeito a presença eficaz do “Sujeito”, que faz com que todo sujeito “funcione”, isto é, tome posição, “em total consciência e em total liberdade”, tome iniciativas pelas quais se torna “responsável” como autor de seus atos etc., e as noções de asserção e de enunciação estão aí para designar, no domínio da “linguagem”, os atos de tomada de posição do sujeito, enquanto sujeito-falante. (PÊCHEUX, 2014, p. 159)

Essas acepções que marcam a natureza entrecruzada do discurso, cujo

acontecimento se dá em determinado momento sócio-histórico-social, levam-nos a

investigar como os conceitos de Pêcheux se mostram no corpus de nossa pesquisa,

considerando que as questões discursivas atravessam o SA. Em face dessa

reflexão, compreendemos os interditos do SA e suas (não) posições discursivas,

uma vez que essa (não) tomada de posição durante o processo de ensino-

aprendizagem se processa, norteada pelo LDLI e corroborada pelo professor, pois

ambos não possibilitam ao SA reflexão e deslocamento durante o processo de

inscrição na língua outra. O LDLI toma a língua como código e desconsidera as

questões discursivas na constituição dos sentidos. Sendo o LDLI o condutor dos

processos de ensino-aprendizagem, uma vez que se encontra enraizado na

sociedade o entendimento do poder e verdade concentrados no LD,

compreendemos que seu papel como regulador do interdito é mais expressivo que o

do professor.

Ao nos adentrarmos nas questões sobre verdade, ideologia e relações poder-

saber problematizaremos como essas questões se engendram e conduzem os

processos pedagógicos na sala de aula do ensino de língua estrangeira.

1.2 Verdade, Ideologia e Relações Poder-Saber

31

O caráter de autoridade do livro didático encontra sua legitimidade na crença de que ele é depositário de um saber a ser decifrado, pois supõe-se que o livro didático contenha uma verdade sacramentada a ser compartilhada. Verdade já dada que o professor, legitimado e institucionalmente autorizado a manejar o livro didático, deve apenas reproduzir, cabendo ao aluno assimilá-lo. (SOUZA,1999, p. 27).

Os conceitos de verdade, ideologia e relações poder-saber apresentam-se

como basilares para a nossa análise do LDLI e para a compreensão do poder que o

LD exerce nas instituições de ensino e de como encontra-se legitimado, regulando

relações pedagógicas, colocando-se acima das instituições e das pessoas,

assumindo-se como condutor dos processos de ensino-aprendizagem.

Ao nos debruçarmos sobre a análise do LDLI e sobre as questões de

silenciamento dos sentidos a partir de uma perspectiva discursiva, apreendemos que

a articulação e o funcionamento da imbricação de sujeito, língua e questões de

memória tecem o fio da trama discursiva. Esse sujeito que toma posição e que fala

de algum lugar é atravessado pela historicidade, pelo inconsciente e pela ideologia.

Segundo Althusser (1980, p. 77) “a ideologia representa a relação imaginária de

indivíduos com suas reais condições de existência”. A ideologia se faz condição para

a formação do sujeito que constitui sentido. Pela ideologia, o sujeito produz discurso.

Nesse sentido, Orlandi (2013, p. 43) ressalta a determinação ideológica da

constituição dos sentidos pelo sujeito:

Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Não há sentido que não o seja. Tudo que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras, mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele.

A partir das asserções de Althusser (1980) pode-se compreender que a

classe dominante estabelece procedimentos para a manutenção do poder. Tais

meios são referidos pelo autor como Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), como

igrejas, sindicatos, escolas, etc e também como Aparelho de Estado (AE), o

governo, o exército, a polícia, etc.

Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob forma de instituições distintas e especializadas. (ALTHUSSER, 1980, p. 43)

32

É importante esclarecer ainda que, segundo o autor, a ideologia se manifesta

através dos aparelhos, por meio de seu funcionamento e aplicação. A ideologia

concretiza-se nos atos e nas práticas. Essa perspectiva nos mostra que, por ser

considerado detentor de verdades contundentes, o LD não tem seus valores

contestados nas instituições onde é empregado, desta maneira, encontra caminhos

livres para disseminar a ideologia que encerra; apresentando-se como um dos

aparelhos ideológicos da sociedade atual.

Assim sendo, o LDLI, com caráter homogeneizante, coloca-se como aparelho

ideológico, como avaliador de situações de poder, garantindo até mesmo vantagens

econômicas às instituições de ensino; uma vez que o professor (e suas práticas

pedagógicas) passa a exercer papel secundário nas instituições onde atua, podendo

ser, inclusive, um profissional menos capacitado. Cabe lembrar que é comum em

anúncios de emprego para professores de inglês a exigência da proficiência na

língua, mas não a qualificação docente. As reflexões sobre o papel norteador do

LDLI e seu modo de funcionamento nos são apresentadas por Grigoletto (1999, p.

68):

O modo de funcionamento do LD como um discurso da verdade pode ser reconhecido em vários aspectos: no seu caráter homogeneizante, que é dado pelo efeito de uniformização provocado nos alunos (i.e., todos são levados a fazer a mesma leitura, a chegar às mesmas conclusões, a reagir de uma única forma às propostas do manual); na repetição de uma estrutura comum a todas as unidades, com tipos de seções e de exercícios que se mantêm constantes por todo o livro, fator que contribui para o efeito de uniformização nas reações dos educandos; e na apresentação das formas e dos conteúdos como naturais, criando-se o efeito de um discurso cuja verdade “já está lá”, na sua concepção.

Ressaltamos que a escola também se constitui como uma instituição que

propaga valores e estabelece caminhos, conduzindo escolhas sociais. Cabe atentar

para as palavras de Gallo (2009, p. 129) sobre, o caráter ideológico das instituições

de ensino:

A função ideológica da escola não é, porém, necessariamente inerente a ela; percebemos que, na história social da dominação do homem sobre o homem, a escola tem servido de suporte, como um dos aparelhos ideológicos – nesta época ainda o mais importante, dada a sua abrangência

33

– a serviço do Estado em sua contínua ação, como a de manter sua posição hegemônica e coordenadora do processo de exploração do trabalho.

Com base nas palavras do autor supracitado, compreendemos que a

conjunção entre escola e LD, tidos como instrumentos cerceadores de reflexão e/ou

posicionamento do SA, auxilia a sustentação e a manutenção do status quo, daí

podermos observar uma massa discente incapaz de rupturas e deslocamentos. Sob

as perspectivas da ADF, assimilamos o papel silenciador desses instrumentos

educacionais e percebemos os danos que acarretam à formação do SA e à

construção de sua autonomia.

Ainda nos aprofundando nas questões de ideologia, percebemos que

Pêcheux (2014) teoriza sobre as relações entre discurso e ideologia, pontuando o

papel que a ideologia exerce na interdição dos sentidos. O autor nos mostra que o

dizer não é um ato isolado e aleatório, mas afetado pelas condições de enunciação,

pelo contexto. Esses dizeres são influenciados pelo “já-lá”, que não permite que o

indivíduo se manifeste livremente. O filósofo francês afirma que a materialidade

ideológica se concretiza no discurso do sujeito e que esse sujeito acredita que seu

discurso seja fruto de sua livre vontade, não se dando conta de que a formação

discursiva que o domina e constitui é que o compele a produzir discursos e a tomar

posições.

diremos que os indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as formações ideológicas que lhes são correspondentes. (PÊCHEUX, 2014, p. 147)

Essa reflexão demonstra que a “formação discursiva aquilo que, numa

formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura

dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser

dito” (PÊCHEUX, 2014, p. 147), é o fio condutor dos sentidos constituídos pelo

sujeito. Entendemos que o sentido será constituído não pelas palavras proferidas

pelo sujeito, que se encontram destituídas de significado, mas, a partir das posições

ideológicas ocupadas por ele, ainda que ocorram de forma inconsciente.

Em nossa análise, pontuamos a importância da constituição dos sentidos pelo

SA durante o processo pedagógico de inscrição na língua outra. Assumimos que

34

essa construção de significados ocorre pelo funcionamento das questões de

ideologia, historicidade e inconsciente. O sentido, quando facultado pelos

mecanismos didáticos pedagógicos, tais como: livro didático, professor, ferramentas

da tecnologia da informação e comunicação, pressupõe um processo de

interpretação, interação e significação entre o SA e os conteúdos apresentados.

Todavia, a produção de sentidos formulada a partir das atividades didático-

pedagógicas precisa ser cerzida à realidade vivenciada pelo SA, para que

transpasse as páginas do livro e constitua o aluno. Nesta senda, observamos nas

palavras de Orlandi (2013, p. 47) que a constituição dos sentidos perpassa pela

ideologia que interpela o sujeito e rege suas posições.

O sentido é assim uma relação determinada do sujeito- afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados.

Refletir sobre o funcionamento de questões ideológicas na imbricação do

sujeito com seus gestos interpretativos e seus dizeres, remete-nos a estudos sobre

a verdade e as relações de poder-saber e seu encadeamento com as questões de

silenciamento dos sentidos, que procuramos mostrar no corpus de nossa pesquisa.

A hipótese por nós levantada de que o LD representa o “regime da verdade”

demanda um melhor entendimento da concepção de verdade; um conceito que

permeia os estudos discursivos sob a perspectiva da escola francesa.

Sobre a noção de verdade, Foucault (2014, p. 54) escreve: “Por ‘verdade’,

entender um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a

repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados”. Isto é, cada sociedade

acolhe um tipo de discurso como verdadeiro, esse discurso é instaurado por

interesses que servem a esse grupo, tais como políticos e econômicos. Na

sociedade moderna, a veiculação da verdade encontra-se legitimada nas instituições

de ensino que têm o LD como um dos principais mecanismos para manutenção de

interesses e benefícios.

35

Ancorados nesse quadro referencial, observamos que a sociedade, as

instituições de ensino e o professor têm elegido o LD como a principal fonte de

informação. O LD, acolhido como detentor do saber, posiciona-se como condutor do

que deve ser ensinado. Sob esse viés, entendemos que o LD, como definido por

Coracini (1999, p. 34), “funciona como portador de verdades que devem ser

assimiladas tanto por professores quanto por alunos”.

Em nosso estudo, o LD materializa o que pode e deve ser ensinado, e esse

papel de detentor de conhecimentos já se encontra legitimado pela sociedade. O

conteúdo constante no LD representa o que a sociedade e as instituições esperam

que seja ensinado. No LD encontra-se, então, a verdade a ser ministrada, praticada

e concretizada.

Em face dessa reflexão, compreendemos, através das premissas de Foucault

(2014, p. 54), que “a ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a

produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem.

‘Regime’ da verdade.”

Essas premissas nos levam a investigar como essas questões se apresentam

em nosso corpus. Tendo como ponto de reflexão o funcionamento do LDLI, detentor

do discurso da verdade, que se impõe no discurso pedagógico e ao qual se

subordinam instituições de ensino, professores e alunos, pois mostra-se depositário

de saberes incontestáveis, apontamos que se torna difícil qualquer tomada de

posição para além das cerdas do LD.

Como parte deste estudo, abordaremos as concepções foucaultianas sobre

as relações poder-saber. Tais conceitos são imprescindíveis para a análise do LD e

seu funcionamento nos processos de ensino-aprendizagem, pois remetem à

autoridade que o LDLI exerce no contexto escolar. Constatamos este poder quando

em nossa prática docente o LDLI norteia ações de professores, coíbe

posicionamentos de alunos e ocupa posturas disciplinadoras quando na aplicação

de métodos de ensino. Sobre o funcionamento do poder, fazemos referência às

considerações de Machado (2014, p. 17):

36

o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que detêm o poder e de outro aqueles que se encontram alijados dele. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.

Ao contrário da concepção aristotélica que classificava o saber como natural,

Foucault (2014) concebe o conhecimento como um invento, e como tal, pode

apresentar-se como novo, instaurando rupturas. Para ele, o saber tem como objetivo

a dominação. Em seus dizeres: “é contra um mundo sem ordem, sem

encadeamento, sem formas, sem beleza, sem sabedoria, sem harmonia, sem lei,

que o conhecimento tem de lutar” (FOUCAULT, 2014, p. 18). O conhecimento

subjuga as coisas, seu intento é o poder e o poder por sua vez necessita do saber

para se sustentar.

Em nossos estudos, este saber encontra-se personificado no LD, pois é ele

que estabelece integralmente o processo pedagógico da aula, como nos ensina

Souza (1999, p. 28):

A autoridade do livro didático estende-se à visão do livro enquanto forma de critério do saber, criando paradigmas norteadores da transmissão de conhecimento em contexto escolar. O livro didático parece ter como função primordial dar certa forma ao conhecimento; “forma” no sentido de seleção e hierarquização do chamado “saber”.

Esse “saber” conferido ao LD impute a ele poder, uma vez que sua

credibilidade lhe confere arbítrio sobre os conteúdos a serem ensinados, as etapas e

percursos da aula e as ações do professor. O LD revela-se como um mecanismo de

controle do contexto escolar.

Em seus preceitos, Foucault (2014) faz conhecer o emprego, pelo poder, de

diferentes mecanismos de controle, em seu funcionamento. Em nossos estudos, o

poder e seus movimentos são representados pelo LDLI, visto que ele assegura todo

o processo pedagógico nas instituições, subordinando alunos, professores e

instituições de ensino. Para o teórico francês, o mais importante era a observação

do poder não pelo viés de posições políticas marxistas ou capitalistas, mas pela

compreensão da concretude do poder, como ele opera na sociedade, como ele

“permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. Sendo

37

assim necessário considerá-lo de maneira mais abrangente e sutil, em seus próprios

termos: “Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo

social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.”5

(FOUCAULT, 2014, p. 45)

Foucault (2014) aborda o poder sob uma perspectiva social, como um

mecanismo que exerce forças, delimita e conduz o cotidiano das pessoas; não o

tomando apenas enquanto forma jurídica ou aparelho repressor, mas atentando para

como ele opera na existência do sujeito, nos acontecimentos, na urdidura social. E é

esse viés que buscamos em nosso estudo, pois o poder aqui mencionado relaciona-

se àquele atribuído ao LDLI no contexto escolar.

Compreendemos as relações de poder através do funcionamento do LD nas

situações de aprendizagem e das questões de interdito por ele impostas presentes

em nosso corpus. Vale ressaltar que no processo de ensino-aprendizagem da LA, o

SA não é instado a constituir sentido, produzir discurso, mas a fazer leituras

homogêneas e estanques, sem oportunidade de interpretação das situações que lhe

são postas. Como vemos na definição de Pfeiffer (apud Grigoletto,1999, p. 82) sobre

as questões de leitura e interpretação em LE, “a interpretação que já está pronta,

esperando para ser dita”. Sob essa visão discursiva de como atua o LDLI,

compreendemos a concretude do poder preconizada por Foucault (2013, p. 41) e

fazemos uma reflexão a respeito do papel ideológico das instituições de ensino e de

seus mecanismos de controle, como diz o autor:

A educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, é bem sabido que segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.

Por ser reconhecido e legitimado como depositário do saber, o LD tem seu

poder garantido nos processos pedagógicos e nos contextos escolares, impedindo

5 Foucault entende que “a noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe

justamente de produtor do poder”. (FOUCAULT, 2014, p. 44)

38

que o SA recorra às memórias que o constituem e favorecendo situações de

silenciamento e imobilização.

O saber, que em nossa sociedade encontra-se reconhecidamente no LD,

opera empoderando a verdade, garantindo que o LD se apresente como condutor

absoluto das relações pedagógicas, norteando as ações tanto das instituições de

ensino quanto dos professores, mostrando-se axial no contexto escolar.

A verdade, nessa perspectiva, produz efeitos regulamentados do poder, logo

é um instrumento muito importante para consolidação e manutenção do status quo.

Em variados segmentos de nossa sociedade a verdade desempenha seu papel,

garantindo o funcionamento do poder em benefício de determinados grupos.

Ressaltamos a função que o LD exerce de forma ainda mais contundente em

franquias e cursos de idiomas, nos quais ele assegura que o professor, cerceado de

seus atos pedagógicos, seja mero coadjuvante no processo de ensino-

aprendizagem e os franqueados e franqueadores tenham total controle das

situações pedagógicas em milhares de escolas, com vigilância sustentada e

garantida pela legitimidade depositada no LD e em seu discurso da verdade.

1.3 Memória Discursiva e Formas de Silenciamento

Em nosso gesto interpretativo, analisaremos a materialidade linguística

exposta pelo LDLI e as situações de interdito que apresentam circunstâncias de

silenciamento impostas ao SA, assim como a ausência de oportunidade de

mobilização de sua memória discursiva.

É mister compreender a concepção de memória nos contornos referenciais da

ADF. Memória discursiva não deve ser entendida como a memória da psicologia,

esta última é definida como lugar de armazenamento de informações e fatos e é

relacionada a situações de aquisição de novos conhecimentos e aprendizagem à

medida que retém informações. A memória discursiva, o interdiscurso, é, por outro

lado, o que garante ao sujeito as condições de produção de sentidos. A memória

discursiva, ou seja, o saber discursivo, o conhecimento que circula, a historicidade e

a ideologia, leva o sujeito a funcionar de uma determinada forma, como nas palavras

39

de Orlandi (2013, p. 30), “‘aciona’, faz valer, as condições de produção”, os

processos de construção dos sentidos.

O SA, ao deparar-se com as situações de aprendizagem e consequente

tentativa de inserção na língua outra, precisa considerar sua história e esse ato

convoca sua memória discursiva, sem a qual não há constituição dos sentidos e

consequente deslocamento e avanço.

Orlandi (2013, p. 31) nos ensina sobre a memória discursiva, “Saber

discursivo que torna possível todo o dizer e que retorna sob a forma do pré-

construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da

palavra”. Entendemos, então, que a memória discursiva é o que constitui sentido a

partir de outros sentidos já vivenciados pelo sujeito e legitimados pela historicidade.

A memória, como compreendida pela ADF, dispõe de uma relação com a

interpretação e com a ideologia, convocando o surgimento dos sentidos, pois cada

sujeito interpreta o mundo sob uma perspectiva singular, imprimindo significados

diferentes, pois, em um mesmo enunciado, é possível construir sentidos diversos.

Ainda dentro da perspectiva teórica recuperada, a memória discursiva é

concebida como o interdiscurso que fornece sustentação aos significados que

irrompem do sujeito ou àqueles por ele reprimidos. Como afirma Pêcheux (2014,

p.149): “‘Algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, em outro lugar e independentemente’,

isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas”. Apreendemos

com esse conceito que a historicidade e a ideologia circulantes no mundo fornecem

subsídios para os dizeres do sujeito.

O sujeito, entretanto, acredita que seus dizeres são livres, porém ele só

enuncia aquilo que lhe é permitido pela formação discursiva em que se encontra.

Este apagamento é concebido pelo autor referido (PÊCHEUX, 2014, p. 161), como

esquecimento n° 2, assim definido:

“esquecimento” pelo qual todo sujeito-falante “seleciona” no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e sequências que nela se encontram em relação de paráfrase – um enunciado, forma ou sequência, e não um outro, que no entanto, está no

40

campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada.

Essa formação discursiva à qual o sujeito se filia o impele a um discurso e

não a outro. Observamos na citação de Orlandi (2013, p. 35) que o sujeito acredita

que “pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não

outras, que só pode ser assim”.

Há, segundo Pêcheux (2014), um outro apagamento, da ordem do

inconsciente, o esquecimento n° 1. Aqui, explica-se que o sujeito tem a ilusão de ser

a origem de seu dizer, de significar o mundo a partir de sua própria perspectiva,

quando, na verdade, esse processo de significação já se encontra pronto, concluído

pela exterioridade. Compreendemos, então, que a exterioridade se torna constitutiva

do interdiscurso.

Contudo, ressalta o autor (PÊCHEUX, 2014, p. 162), a respeito do

esquecimento n° 1:

apelamos para a noção de “sistema inconsciente” para caracterizar um outro “esquecimento”, o esquecimento n° 1, que dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento n° 1, remetia, por uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que – como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em questão.

Cuidamos que, quando o sujeito “esquece” o que foi dito e acredita ser a

origem de seu dizer; ele, como nas palavras de Orlandi (2013, p. 36), identifica-se

com o que diz, constituindo-se em sujeito. Dessa forma o sujeito se significa, como

se o sentido lhe fosse nato; porém, de forma inconsciente e involuntária, o sujeito

retoma sentidos já existentes “e é assim que sentidos e sujeitos estão sempre em

movimento”.

Vale ressaltar que o movimento dos sentidos é por vezes estancado quando

situações de interdito impedem o dizer. O silenciamento da construção de

significados que tolhe o sujeito das manifestações de suas memórias e da produção

de sentidos, encontra-se disperso em múltiplas instâncias da sociedade moderna,

41

evidenciando-se, nesse sentido, o LD como mecanismo de silenciamento no

contexto escolar.

No corpus analisado neste estudo, as questões de silenciamento impostas

nas situações de ensino-aprendizagem surgem como interdito, exercendo no SA a

imobilização de sua memória discursiva e consequente desconstrução dos sentidos.

Sob esse aspecto, consideramos de suma importância para nosso trabalho, o

entendimento da noção de silêncio e silenciamento pela perspectiva discursiva.

O silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem causar rupturas significativas na relação de sentidos. As palavras vêm carregadas de silêncio(s). (ORLANDI, 2013, p. 102)

Vale esclarecer que para o desenvolvimento de nosso estudo não

abordaremos as questões de silêncio que o relacionam à“ incompletude da

linguagem”, como mencionado por Orlandi (2013, p. 12). Tampouco nos

dedicaremos aos conceitos sobre o silêncio que o concebem como “fundante”,

quando constitui sentido, quando “fala” para produzir significados. Não

empregaremos em nossa análise sobre o silenciamento dos sentidos as concepções

de silêncio como produtor de discurso e reflexão, assim definido:

O silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é “um”, para o que permite o movimento do sujeito (ORLANDI, 2013, p.13).

Para melhor compreensão de nosso corpus, recuperamos de Orlandi (2013,

p. 12) a noção de silenciamento no que diz respeito à censura que ele exerce na

construção de significados, nas reflexões e tomadas de posição do sujeito. Com

relação a isso, encontramos em suas palavras o conceito norteador de

silenciamento enquanto mecanismo de interdito e controle: “o estudo do

silenciamento (que já não é silêncio mas ‘pôr em silêncio’) nos mostra que há um

processo de produção dos sentidos silenciados”.

42

Com base na concepção do silenciamento enquanto mecanismo de

contenção dos sentidos, encontramos dentre os LDLIs, alguns títulos que mantêm

total controle, tanto do professor quanto do SA. Em nosso corpus, apresentamos

que o LDLI se coaduna com livros que, através das atividades propostas, levam ao

silenciamento do SA. Entendemos que o LDLI exerce, no contexto pedagógico, sua

autoridade e poder, para manter sob seu domínio todas as etapas da aula,

restringindo ao professor e ao SA a possibilidade de erigir discursos ou constituir

sentidos outros que os propostos por seus autores. Sob esse aspecto, o LD vale-se

de situações de censura como forma de controle e liderança dos processos de

ensino-aprendizagem, como nos ensina Orlandi (2013, p. 168):

Compreender a censura além das ideias de interdição redutora, ou seja, aquela que só vê a censura na relação com o implícito (o que não deve ser dito) quando na realidade a censura é um processo que não trabalha apenas a divisão entre dizer e não-dizer mas aquela que impede o sujeito de trabalhar o movimento de sua identidade e elaborar a sua história de sentidos; a censura é então entendida como o processo pelo qual se procura não deixar o sentido ser elaborado historicamente para ele não adquirir força identitária, realidade social etc.

A partir da noção de censura proposta pela autora, percebemos em nosso

corpus que o silenciamento dos sentidos busca a não criação de oportunidades ao

SA para o aprofundamento das questões às quais é exposto. O silenciamento

apresenta-se como uma tentativa de contensão dos sentidos; ele procura manter

determinado padrão nas relações pedagógicas de sala de aula, não permitindo que

a historicidade seja provocada e que o sujeito possa, através da mobilização de sua

memória discursiva, refletir e deslocar-se. Nesse sentido, o LD recorre ao interdito

para que não se realizem rupturas nos contextos didáticos, o que conduziria à perda

do controle que opera.

O LDLI, por meio de seus mecanismos de controle, não consente a

constituição da memória entre seus interlocutores, possibilitando apenas a tessitura

de relações superficiais entre o professor, o SA e os conteúdos por ele

apresentados.

Todos os preceitos teóricos aqui apresentados, admitidos como basilares em

nossa análise, demonstram a legitimação do LDLI perante a comunidade escolar,

43

suas questões de silenciamento, sua função em apresentar a língua de forma

utilitarista e sua relação de poder, em cenários que não se restringem aos séculos

XX e XXI, cabe introduzir. O processo de legitimação do LDLI como “regime da

verdade”, que propõe caminhos e reprime significações e rupturas encontra suas

raízes na trajetória tanto do LDLI quanto no percurso do ensino de inglês no Brasil,

que adentraremos a seguir.

44

CAPÍTULO 2 – TRAJETÓRIAS

O traço histórico do ensino de língua inglesa e o percurso percorrido pelo livro

didático de inglês no Brasil trazem importante contribuição para nosso estudo, pois,

conhecendo a trajetória do ensino de línguas estrangeiras, mais especificamente do

inglês, podemos refletir e compreender as implicações e influências do ensino de

língua inglesa no Brasil de hoje e seu reflexo no LD.

Para adentrarmos a análise de nosso corpus e compreendermos como se dá

o silenciamento dos sentidos através do LDLI, torna-se mister conhecer a trajetória

do ensino de inglês e do LDLI no Brasil. Objetivamos traçar os caminhos que o

ensino da língua inglesa tem percorrido ao longo de sua história no Brasil e refletir

sobre como esse percurso moldou e tem ainda instaurado representações na

memória da sociedade e do SA de língua inglesa. Queremos com essa análise

compreender como se deu a implementação, o desenvolvimento e a expansão do

uso do LD em nosso país e identificar quais ideologias norteiam sua aplicação. Esse

estudo propõe também uma reflexão sobre a relação desses percursos históricos

com o saber-fazer atual do ensino de língua inglesa no Brasil, sobre o papel do LD

durante essa evolução histórica do ensino de inglês em nosso país e, finalmente,

sobre a origem do caráter estanque ainda presente em LDLIs no Brasil que

conduzem (e provocam) ao silenciamento dos sentidos do SA.

O inglês que se ensina hoje no Brasil, seu foco principal e as teorias que o

norteiam têm origem na finalidade com que o ensino de línguas estrangeiras foi

implementado no Brasil. Desde os primórdios da inserção da língua inglesa em

nossas terras, o comércio e o intercâmbio com nações estrangeiras foram as

motivações essenciais para a inclusão das línguas estrangeiras modernas em nosso

currículo.

Como veremos no percurso histórico da língua inglesa em território nacional,

o caráter utilitarista e mercantilista do inglês data das primeiras incursões dos

ingleses em nossas terras, ainda no século XVI; tendo essa perspectiva perdurado

45

até hoje, com representações da língua inglesa, tanto na esfera midiática como

educacional, que reforçam e estabelecem a LE como veículo de ascensão social,

atribuindo à língua inglesa um cunho mercantilista que se materializa, segundo

Grigoletto (2011), na discursividade do mercado.

Saber a língua inglesa tornou-se um mito para ascensão profissional e social.

Com forte influência da mídia, o domínio do inglês é condição sine qua non para que

um indivíduo alcance sucesso profissional. Conforme Grigoletto (2011, p. 308) “o

discurso da mídia relaciona a língua inglesa à imagem de indivíduo bem-sucedido

nos negócios, ou de cidadão do mundo.” Esse anseio leva o SA a buscas

desenfreadas por soluções fáceis para assim poder sentir-se caminhando em busca

de seus objetivos.

A busca pelo conhecimento da língua inglesa como ponto de crescimento

profissional tem levado pessoas de todas as camadas sociais e diferentes faixas

etárias a cursos que oferecem soluções mirabolantes cuja promessa do aprendizado

rápido e simples seduz esses indivíduos que atrelam seu sucesso ao conhecimento

de inglês.

Espelhando tal discurso, atentamos para a proliferação de cursos de idiomas

que procuram apresentar metodologias extraordinárias, porém incertas, calcadas

nas expectativas e necessidades do SA, para que este supostamente atinja seus

objetivos. Como observamos em Almeida Filho (2003, p. 30), “há soluções fáceis

mas não-críveis e até desonestas em alguns casos premeditados de má-fé”.

Como norteador de cursos de idiomas e com o objetivo de concretizar o

sonho da inserção na língua estrangeira, apresenta-se o livro didático como o

caminho para essa conquista. Há uma concepção e um entendimento do LD como

produtor dos “dizeres da verdade”. Alicerçados nos conceitos sobre verdade e poder

formulados por Foucault (2014), compreendemos que é conferida ao LD a

autoridade para que, assim, ele conduza os caminhos do ensino-aprendizagem de

LE, uma vez que o saber pedagógico do professor não dispõe de credibilidade

suficiente para que ele trilhe os caminhos da aula sem o LD.

46

Com o intuito de liderar a aula e levar consigo o professor e todos os

aprendizes, o LD procura apresentar conteúdos claros, sem equívocos, pois

assume-se o sujeito deseja atingir a verdade, não o equívoco, assim sendo, o LD

não oferece oportunidade ao erro, homogeneizando os usuários e delineando a

ilusão do discurso único.

O LDLI, ao longo de sua trajetória, tem se colocado como instrumento de

treino para o SA. Através de exercícios pautados em técnicas estanques para

produção da língua como código e não como lugar de reflexão e constituição dos

sentidos, vem promovendo o silenciamento do SA, como constatamos ao

acompanhar a história do LDLI no Brasil.

Nosso objetivo nos dois itens seguintes é rastrear os muitos discursos

encontrados nos documentos históricos da implementação e desenvolvimento do

ensino de inglês no Brasil e entender como esses discursos trouxeram para os dias

atuais certas especificidades e também como esses discursos desdobram-se no

LDLI produzindo o silenciamento dos sentidos do SA.

2.1 Histórico do Ensino de Inglês no Brasil

Abordando cronologicamente o desenvolvimento do ensino de inglês no

Brasil, constatamos que o relacionamento do Brasil com a Inglaterra pode-se dizer

que data dos primeiros anos de existência de nosso país, logo após sua descoberta.

Apesar do ensino de inglês de forma oficial ter ocorrido através do decreto de Dom

João VI, no século XIX, bem antes disso, por volta de 1530, já tínhamos contato com

a coroa britânica, cujo marco é o desembarque do aventureiro inglês William

Hawkins, traficante de escravos, em nosso território. O estreitamento de nossas

relações com a Inglaterra ocorreu em 16546 quando a Inglaterra impôs um tratado

aos portugueses, reservando à marinha britânica o monopólio na distribuição dos

produtos ingleses nos mercados de Portugal e de suas colônias no além-mar.

6 A respeito do Tratado entre Inglaterra e Portugal, Cf. introdução de The Anglo-Portuguese Alliance

and the English Merchants in Portugal 1654–1810: “The alliance made between Cromwell and John IV in 1654, cemented by the Articles of Marriage between Charles II and Catherine of Braganza in 1661 lasted for 156 years. Together, they guaranteed Portugal’s independence and formed a framework for an expansion of trade between England, Portugal and its overseas possessions.” (SHAW, 1998)

47

Entretanto, o relacionamento entre os dois países estreitou-se apenas no

início do século XIX, com o fechamento dos portos europeus aos navios ingleses

pelos franceses. Portugal foi então forçado a romper relações com a Inglaterra. Para

evitar um confronto com as tropas de Napoleão, em 1808, D. João VI decidiu fugir

para o Brasil, tendo sido apoiado pela Inglaterra. Com o estabelecimento da coroa

portuguesa no Brasil, os ingleses tiveram permissão para abrir casas comerciais em

nosso país. Juntamente com os estabelecimentos comerciais, foram implantados

diversos serviços trazidos pelos britânicos: Imprensa Régia, telégrafo, trem de ferro

e iluminação a gás.

Deu-se então, a partir de todas essas transformações implementadas pela

mudança da corte portuguesa para o Brasil, o início do ensino formal de língua

inglesa no Brasil. Com decreto de 22 de junho de 1809, assinado por D. João VI,

príncipe regente de Portugal, são criadas as cadeiras de língua inglesa e de língua

francesa “para aumento e prosperidade da instrução pública” (ROMANELLI, 1984, p.

38-39). Em sua carta justificando a criação da cadeira da língua inglesa no Brasil, D.

João VI ressaltou a riqueza da língua inglesa, por sua abrangência para a

prosperidade da instrução pública, pontuando a necessidade da introdução das

línguas estrangeiras no currículo brasileiro. No mesmo ano, em 9 de setembro

1809, D. João VI nomeou o padre irlandês Jean Joyce como o primeiro professor de

inglês do Brasil, com ordenado anual de 400 cruzeiros. A carta de sua nomeação

segundo Souza Campos (2004, p. 420) dizia que “era necessário criar nesta capital

uma cadeira de língua inglesa, por seu número, riqueza e o número de assuntos

escritos nesta língua é grandemente conveniente ao aumento e prosperidade da

instrução pública”.

Aparecia então um indicador do caráter pragmático que os estudos de línguas

estrangeiras vislumbravam no Brasil, pois o ensino de línguas havia sido instituído

com propósito de atender a fins práticos. Era necessário capacitar profissionais

brasileiros para a demanda do mercado de trabalho. A aprendizagem da língua

inglesa visava à comunicação com superiores e recebimento de instruções e

treinamentos.

48

No ano de 1837, em 2 de dezembro, foi fundado o Colégio Pedro II, por

iniciativa do ministro interino do império, Bernardo Pereira de Vasconcellos. Com

oficialização por Decreto Imperial, em 20 de dezembro do mesmo ano, o Seminário

de São Joaquim é transformado e rebatizado em homenagem ao imperador-menino,

no dia de seu aniversário. Entretanto, apesar de ser uma escola pública, os alunos,

integrantes da elite da época, pagavam os honorários pelo ensino prestado com

valores fixados pelo governo imperial. O Colégio Pedro II foi instalado no centro da

cidade do Rio de Janeiro e continua funcionando nos dias de hoje. O decreto de sua

fundação dizia:

Art. 1 - O Seminário de São Joaquim é convertido em colégio de instrução secundária Art. 2 - Este colégio é denominado de Pedro II. Art. 3 - Neste colégio serão ensinadas as línguas latina, grega, francesa, inglesa, retórica e os princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, álgebra, geometria e astronomia.... (MULTIRIO)

Desde sua fundação, o ensino de línguas estrangeiras teve papel importante

na grade curricular do colégio Pedro II. O ensino de inglês, francês, juntamente com

as línguas clássicas; grego e latim, iniciavam um novo e importante ciclo no ensino

de línguas no Brasil, pois dessa forma o ensino de línguas estrangeiras estava

institucionalizado na educação pública brasileira. Porém, como veremos no decorrer

deste estudo, o caminho percorrido pelas línguas estrangeiras mostrou-se incerto e

inconstante.

Os percalços do ensino de idiomas começaram a surgir logo após a

Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. No ano de 1890, através

do decreto nº 1.075, de 22 de novembro, o Ministro Benjamim Constant promoveu

um novo plano de estudos para o Colégio Pedro II, que passou a chamar-se Ginásio

Nacional. Essas mudanças tiveram como base os preceitos do positivismo7. A

reforma pontuou a importância do desenvolvimento de um currículo científico

substituindo o de outrora de cunho mais humanístico. Nesse momento, as línguas

estrangeiras, inglês, francês e alemão, foram excluídas do currículo obrigatório.

7 Corrente filosófica que considerava a educação prática anuladora das tensões sociais.

49

Em 1892, após o afastamento do ministro Benjamin Constant, as línguas

estrangeiras vivas voltaram a ser obrigatórias e o currículo de cunho mais científico

implementado por Benjamin Constant foi alterado pelo decreto n⁰ 2.857, de 30 de

março de 1898, assinado pelo Ministro Amaro Cavalcanti. Em sua reforma,

Cavalcanti voltou a prestigiar as disciplinas humanísticas, e as línguas vivas

estrangeiras como o inglês, francês e o alemão retornaram ao currículo, que passou

a assumir um caráter mais cultural e literário no ensino brasileiro.

Nos anos 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, o ensino de inglês no Brasil

foi bastante impulsionado, inicialmente, devido aos prenúncios das tensões políticas

que resultaram na Segunda Guerra Mundial. Segundo Schütz (1999) “a difusão da

língua inglesa no Brasil passou a ser vista como necessidade estratégica para

contrabalançar o prestígio internacional da Alemanha”. Além disso, observava-se

que a Inglaterra perdia sua notoriedade como grande interlocutor político e comercial

do mundo ocidental. Deu-se, então, início ao crescimento da influência norte-

americana em todo o mundo e mais vigorosamente na América do Sul. Segundo

Moura (Apud Dias,1999, p. 87) “o capital norte-americano começou a ampliar seu

raio de ação e a deslocar a posição britânica tanto no comércio como nos

investimentos diretos em atividades produtivas no Brasil”. Essa influência mostrou-se

definitiva para a valorização do ensino de língua inglesa em nosso país. E mais uma

vez constatamos que a língua inglesa prosseguia e ampliava seu capital de língua

de mercado.

Ainda na década de 1930, notamos o surgimento dos centros binacionais no

Brasil trazendo uma posição oficial dos governos britânico e americano na difusão

da língua e cultura inglesas em nosso país. Surge assim em 1934 na cidade do Rio

de Janeiro a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa que tinha como principal

missão, segundo Dias (1999, p. 89), a “difusão no país, da língua e das

manifestações de pensamento, ciências e artes inglesas e, por igual, no Império

Britânico, do que concerne ao nosso idioma e o que se tem feito nas letras, ciências

e artes no Brasil.” Já em 1938, foi a vez do consulado norte-americano fundar, na

cidade de São Paulo, o Instituto Universitário Brasil-Estados Unidos, que depois

passou a chamar-se União Cultural Brasil-Estados Unidos.

50

Avançando no século XX, observamos muitas transformações que ocorriam

no mundo em diversos âmbitos. Na esfera educacional no Brasil, nos últimos anos

do Estado Novo, durante a ditadura de Getúlio Vargas, o Ministro da Educação e

Saúde Gustavo Capanema promoveu, em 1942, uma grande reforma no ensino

brasileiro, com a promulgação das Leis Orgânicas do Ensino, abrangendo todos os

níveis da educação primária e média, dividindo as modalidades de ensino em dois

ciclos. O primeiro ciclo de quatro anos foi denominado “ginásio” e o segundo ciclo

com duração de três anos possuía duas ramificações, o “clássico”, com ênfase nos

estudos das línguas clássicas e modernas e o “científico”, que privilegiava as

ciências.

O segundo ciclo, reformado pelo Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942,

reforçava o caráter elitista da escola secundária no Brasil, como veremos no trecho

em que o ministro Capanema fundamenta as reformas por ele implementadas:

(...) o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão animar as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/FNDE, 2007)

A Reforma Capanema trouxe grande avanço para o ensino de línguas

estrangeiras, uma vez que a carga horária foi ampliada, estabelecendo-se 35 horas

semanais para o ensino de idiomas; foi também pela primeira vez apresentada uma

preocupação com a questão metodológica, sendo indicado o uso do “Método

Direto”8 para o ensino de LE. Esse método promovia o ensino de idiomas na própria

língua estrangeira e segundo Chagas (1979, p. 113) apresentava-se como “um

ensino pronunciadamente prático”. O Método Direto9 contrapunha-se aos métodos

alicerçados em gramática e tradução e mostrava-se como uma grande inovação no

ensino de línguas estrangeiras. Porém, durante a permanência do uso do Método

Direto, pouco do que havia sido definido em relação à metodologia para o ensino de

8 O termo “método” aqui definido como um conjunto de procedimentos de ensino que estabelecem um

caminho para um ensino-aprendizado eficaz de LE. 9 O método direto amparava-se nos seguintes princípios: ensinar na LA, ensinar vocabulário e frases

de uso cotidiano, ensinar habilidades de fala e compreensão oral, com turmas pequenas e ensino indutivo da gramática.

51

LE foi realmente implementado, o Método Direto não chegava à sala de aula. O

distanciamento entre a teoria e a prática, no que concerne ao ensino-aprendizagem

de LE, tem se mostrado evidente ao longo da trajetória do ensino de idiomas no

Brasil.

A partir da década de 1950, intensificando-se nos anos 1960, muitas

mudanças ocorreram em relação à concepção de mundo, sociedade e formas de

entretenimento, alterando o perfil da sociedade brasileira que cada vez mais sofria

influência da cultura norte-americana. Vemos nesse período a expansão da música

americana e a consolidação do cinema americano como veículo de entretenimento

em nosso país. Nesse momento, passa a haver um maior anseio, por parte da

população brasileira, por possuir uma formação integral em língua estrangeira, no

interior da qual não se privilegiasse mais apenas uma habilidade da língua, a

capacidade leitora, passando a ser também contempladas a habilidade oral e a

compreensão auditiva no ensino de idiomas.

Paradoxalmente aos intuitos de nossa sociedade, ao promulgara Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971, o governo brasileiro estabelece que

o ensino de línguas estrangeiras seja parcialmente obrigatório no então renomeado

1.º Grau, como o ginásio passara a chamar-se. Tal alegação deveu-se ao

entendimento de que não havia condições de excelência para o ensino de inglês em

nosso país, tendo, então, optado-se não pela melhoria do ensino de idiomas e

aprimoramento de professores, mas pela quase extinção do problema, extirpando-se

a língua inglesa do currículo do 1.º Grau.

Essa grande contradição entre os anseios e novos paradigmas da sociedade

brasileira do século XX e a LDB foi deveras determinante para a implementação de

cursos livres de idiomas em todo o território nacional. Segundo Paiva (2003, p. 56),

“com a intensificação do senso comum de que não se aprende língua estrangeira

nas escolas regulares”, tais cursos atenderiam às aspirações linguísticas das

camadas mais ricas de nossa sociedade, cabendo ao cidadão comum das classes

mais pobres uma educação monolíngue. A língua estrangeira apresentava-se,

52

então, como item desnecessário para a formação como cidadão, reafirmando,

assim, o caráter elitista que o ensino de línguas estrangeiras tem trilhado no Brasil.

Corrobora, ainda, a percepção da irrelevância do ensino de LE a publicação

de outra LDB, em 1971, que reduzia o tempo de estudo de 12 para 11 anos,

distribuídos em oito anos no 1.º Grau e em três anos no 2.º Grau. Além dessa

redução dos anos escolares prejudicou mais uma vez o ensino de língua inglesa um

parecer do Conselho Federal que dizia que a língua estrangeira seria ministrada a

“título de acréscimo” e dada de acordo com as condições do estabelecimento. Com

essa prerrogativa, respaldadas pela lei, muitas escolas aboliram o ensino de idiomas

do 1.º Grau e reduziram as aulas de modo a cumprir apenas carga mínima no 2.º

Grau.

Recomenda-se que em Comunicação e Expressão, a título de acréscimo, se inclua uma Língua Estrangeira Moderna, quando tenha o estabelecimento condições para ministrá-la com eficiência. (BRASIL. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, Art. 7)

Em 12 de novembro do mesmo ano, 1971, faz-se ainda uma justificativa

dessa decisão, redigida da seguinte maneira no parecer 853/71:

Não subestimamos a importância crescente que assumem os idiomas no mundo de hoje, que se apequena, mas também não ignoramos a circunstância de que, na maioria de nossas escolas, o seu ensino é feito sem um mínimo de eficácia. Para sublinhar aquela importância, indicamos expressamente a "língua estrangeira moderna" e, para levar em conta esta realidade, fizêmo-la (sic) a título de recomendação, não de obrigatoriedade, e sob as condições de autenticidade que se impõem. (Apud CHAGAS, 1993, p. 399)

No parecer acima, o autor, apesar de perceber a importância dos idiomas na

sociedade da época, julgou que devido à realidade que apontava a precariedade do

ensino de idiomas, o ensino de LEs não poderia ser obrigatório, dando a este um

caráter opcional e dispensável. Tal parecer fundamentou-se única e exclusivamente

em interpretações de ordem pessoal, uma vez que não foram apresentados dados

ou pesquisas que comprovassem a precariedade do ensino de LE tampouco que

reconhecessem o sucesso do ensino de outras matérias do currículo.

Podemos observar os questionamentos sobre o papel do estado em Paiva

(2003, p. 58-59):

53

É, também, interessante observar como o legislador, sem se apoiar em nenhuma pesquisa, conclui que o ensino de línguas estrangeiras é ineficaz na maioria das escolas, deixando no não-dito a pressuposição de que as outras disciplinas atingem seus objetivos satisfatoriamente. Seria a escola a única responsável pela ineficácia do ensino ou a legislação também teria sua parcela de culpa?

A situação do ensino de LE como opcional e a diminuição de carga horária

que chegava em alguns casos a uma aula semanal, além do status de atividade que

a matéria passou a ter em alguns estados brasileiros, agravaram ainda mais a

precariedade do ensino de idiomas no Brasil, principalmente nas escolas públicas,

aumentado a lacuna de possibilidades de aprendizagem de idiomas entre as

camadas da população mais pobres e as mais ricas.

No ano de 1996 foi sancionada a nova LDB, a qual substitui o 1.ºe 2.º Graus

por Ensino Fundamental e Médio, respectivamente, e estabeleceu a necessidade da

inclusão de uma LE no Ensino Fundamental a partir da 5.ª série. O Art. 26, § 5º,

dispõe que:

Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de novembro 1996, Art. 26)

Quanto ao Ensino Médio, o Art. 36, inciso III, estabelece que:

será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de novembro 1996, Art. 36)

Apesar de representar que o ensino de LE estava finalmente legitimado

dentro do currículo da educação básica no Brasil; em 1998, a publicação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs) para o Ensino

Fundamental apontou outra direção. É possível notar no documento a

desvalorização do ensino da habilidade oral à medida que ele pontua que “somente

uma parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como

instrumento de comunicação oral”. Mais uma vez observamos que o ensino de

línguas não objetivava contemplar as classes sociais menos favorecidas e tornava-

54

se evidente a isenção do governo na implementação de políticas educacionais para

o ensino de idiomas no Brasil, uma vez que nesses documentos admitia-se a

precariedade do ensino de LE sem, em contrapartida, qualquer pronunciamento,

comprometimento para a reversão do quadro.

Esse cenário, que restringia o ensino de idiomas à leitura e à gramática,

tornou-se inaceitável quando o mundo já vivia momentos de globalização e a

comunicação entre as pessoas das mais remotas partes de nosso planeta vinha se

dando através do inglês, que já era ensinado como LE em diversos países do

mundo. Podemos atestar, então, que devido às reduções aplicadas ao ensino de

idiomas, as classes populares não teriam acesso à comunicação em língua

estrangeira e teriam maior dificuldade para se situarem como atores no processo de

globalização, linguisticamente mediado pela língua inglesa.

Atentamo-nos para a desqualificação que o ensino de LE vem sofrendo ao

longo dos anos também quando nos deparamos com a implementação do ENEM,

Exame Nacional do Ensino Médio, no ano de 1998, e com a ausência das línguas

estrangeiras nesse instrumento avaliativo aferidor da qualidade do ensino médio

brasileiro. Convém ressaltar que apenas no ano de 2010 o ENEM passou a avaliar o

conhecimento de LE.

Apreendemos a trajetória de adversidades e reveses que o ensino de LE tem

enfrentado no Brasil quando constatamos que o Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD), que iniciou suas atividades de distribuição de material didático no

ano de 1929, então com outra denominação, passou a inserir o material de inglês no

rol dos livros distribuídos em todo o território nacional também apenas no ano de

2010.

A segunda, resolução CD FNDE nº. 60, de 20/11/2009, estabelece novas regras para participação no PNLD: a partir de 2010, as redes públicas de ensino e as escolas federais devem aderir ao programa para receber os livros didáticos. A resolução 60 inclui ainda as escolas de ensino médio no âmbito de atendimento do PNLD, além de adicionar a língua estrangeira (com livros de inglês ou de espanhol) aos componentes curriculares distribuídos aos alunos de 6º ao 9º ano. Para o ensino médio, também foi adicionado o componente curricular língua estrangeira (com livros de inglês e de espanhol), além dos livros de filosofia e sociologia (em volume único e consumível). (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/FNDE)

55

Certificamo-nos através do histórico do ensino de língua inglesa no Brasil que

estamos apenas principiando a implementação de políticas para o ensino de idiomas

em nosso país. Essa preocupação com a implementação de políticas eficazes para

línguas estrangeiras deu-se apenas quando passamos a vivenciar uma conjuntura

na qual não se poderia mais ignorar a necessidade do ensino de inglês no Brasil e,

nesse sentido, medidas norteadoras para um ensino mais profícuo de língua inglesa

têm sido tomadas. Porém, tais medidas ainda apresentam uma trajetória bastante

longa a ser percorrida, em que aparece a inscrição em língua outra, mediada pela

escola pública, como um objetivo distante.

Partindo da retomada do percurso do ensino de LI no Brasil, conhecendo

todos os objetivos de sua implantação, percalços e principalmente as posições de

desprestígio atribuídas ao ensino da língua inglesa, podemos melhor desenvolver a

análise de nosso corpus e compreender a relação do SA e sua historicidade com a

língua inglesa e o LD, objeto de nosso estudo e cuja trajetória pesquisaremos a

seguir.

2.2 Percurso do Livro Didático de Língua Inglesa no Brasil

Nesta segunda parte, fazemos uma incursão na história do LDLI, situando-o

no contexto do ensino de inglês no Brasil, e propomos uma reflexão sobre a adoção

maciça do LDLI na educação brasileira. Aqui, avançamos na compreensão de sua

importância numa sociedade em que a precária formação docente o conduz a uma

função bastante significativa, sendo assumido como norteador das práticas

pedagógicas de sala de aula, como uma autoridade superior ao professor e à

instituição de ensino. Segundo Coracini (1999, p. 23), que postula e dá exemplos

sobre a autoridade exercida pelo LD no cenário da educação brasileira,

Para os professores “fiéis”, o livro didático funciona como uma Bíblia, palavra inquestionável, monumento, como lembra Souza (1995), analisando o livro didático como Foucault analisa o documento histórico: a verdade aí está contida; o saber sobre a língua e sobre o assunto a ser aprendido aí se encontra. Desse modo, as perguntas, sempre “bem” formuladas, evidentemente, só podem ser respondidas de acordo com o livro do professor, de tal maneira que o professor raramente se dá conta quando uma pergunta não foi bem formulada (cf. Coracini, 1995), dificultando a obtenção da resposta “certa”, determinada pelo autor do livro didático; este,

56

autoridade reconhecida, carregaria, então, a aura da verdade, da neutralidade, do saber.

A compreensão do percurso do LDLI tem valor considerável para nossos

estudos, pois esse conhecimento aliado ao estudo de suas representações junto ao

professor e ao as, auxilia-nos no entendimento da relação do LDLI com o ensino de

língua inglesa ao longo dos anos e torna possível uma percepção mais acurada do

papel que lhe é conferido na sociedade atual, assim como das situações de

silenciamento impostas ao SA quando da apreensão da LA.

Vale refazer uma descrição cronológica dos caminhos trilhados pelo LDLI no

Brasil para melhor compreensão dos efeitos de sentido e das questões de censura

que encontramos em nosso corpus.

A educação no Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII era exercida pelos

jesuítas. Eles, então, eram os responsáveis pela introdução do material didático

utilizado nas situações educacionais no Brasil colônia. Segundo Castro (2005), data

do ano de 1593 a encomenda de livros a Lisboa, feita pelo Padre João Vicente Yate;

livros esses escritos em idiomas estrangeiros, principalmente em inglês e espanhol.

Portugal, por razões políticas, não permitia a existência de tipografias ou qualquer

tipo de impressão em território nacional; além disso, os livros europeus eram

bastante respeitados perante a sociedade da época. Essa prática permaneceu até o

século XIX, com a chegada da família real ao Brasil e consequente instalação da

Imprensa Régia na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1808.

No final do século XVIII, entre os anos de 1751 e 1777, vários livros para o

ensino de inglês para portugueses foram produzidos em Londres. Dentre eles

destacamos: Gramática anglo-lusitana Ɛ Lusitano-Anglica de autoria de Jacob de

Castro, com segunda edição publicada em 1751, que também utilizada no Brasil.

Encontramos também outros títulos do mesmo autor como a Grammática Nova,

Ingleza e Portugueza e Portugeza e Ingleza, a qual era utilizada para instruir tanto

os portugueses no idioma inglês quanto os ingleses no idioma português, publicado

em 1777 em Londres para o mercado.

57

Cabe destacar que a gramática tem desempenhado papel fundamental nas

relações humanas, pois é um elemento de tecnologia da linguagem, favorecendo e

atribuindo significado ao discurso. Devido ao caráter fundante da gramática, o

ensino de línguas estrangeiras em seus primórdios, pautou-se em seu ensino.

No Brasil, a edição de livros para o ensino de inglês iniciou-se no século XIX

com a publicação, em 1820, do livro Compendio de Grammatica ingleza e

portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras, de autoria de

Manoel José de Freitas. Observamos no prólogo transcrito abaixo como o principal

objetivo para o ensino de LI já se estabelecia pela utilidade da língua como

instrumento de negócios.

Animado pois por um coração liberal, resolvi preparar este Compêndio considerando o tráfico e as relações comerciais da nação portuguesa com a inglesa, e a falta de um Compêndio da Gramática de ambas, para iniciar e facilitar a mocidade ao uso das suas línguas, com a clareza, justeza e simplicidade possível; e penso que os pais de família, desejosos de melhor conhecimento, e, em parte, de mais civil e moral educação para seus filhos, aprovarão este meu desígnio.

10 (Apud ARRIADA; STANDER FARIA, 2008,

p. 62)

Ainda no século XIX, entre os anos 1841 e 1871, vários outros livros para o

ensino de inglês foram escritos e publicados no Brasil. Dentre eles destacamos:

Primeiras Regras da Lingua inglesa, de 1841; Compendio da Grammatica ingleza,

de 1862, escrito por Raphael Galanti; Selecta Anglo-americana11, de 1870, escrita

pelo Dr. Motta Azevedo; e Systema Pratico e Theorico para Aprender a Ler,

Escrever e Falar com Toda a Perfeição a Lingua Ingleza em 50 Lições conforme o

methodo de Ollendorff, de 1871, escrito por Nicoláo James Tolstadius.

O Colégio Pedro II, como pioneiro no ensino de línguas vivas no Brasil, seguia

o padrão das instituições de ensino francesas. Entre os anos de 1855 e 1858, devido

à reforma do ensino ocorrida em 1855, a instituição estabeleceu a adoção, para o

ensino de inglês, dos livros abaixo citados. As aulas de inglês ocorriam do segundo

10

Compendio da grammatica ingleza e portugueza. Para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras. Composta por Manoel José de Freitas. Rio de Janeiro. Imprensa Régia, 1820, 102 p. 11

Cf. A ESCOLA: REVISTA DE EDUCAÇÃO EM ENSINO, n. 13, anno II, 1878. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/351199/per351199_1878_00013.pdf>. Acesso em: 27 mar 2015.

58

ao quarto ano, nos Estudos de Primeira Classe, ciclo básico de ensino, segundo

Vechia & Lorenz (1998, p. 28-33).

- Segundo ano Grammatica Ingleza (sem identificar o autor) e History of Rome, de Goldsmith; - Terceiro ano Grammatica Ingleza, Class-Book, autoria de Blair e History of Rome, de Goldsmith; - Quarto ano os alunos eram orientados a continuar a fazer as versões de autores Latinos e também avançar com o livro Class-Book, autoria de Blair.

No ano de 1857, pelo decreto nº 2006, de 24 de outubro, estabeleceu-se que os

Estudos de Primeira Classe, a partir daí chamados de Curso Especial, fossem ampliados de

quatro para cinco anos e no programa de ensino para Língua Inglesa, de 1858, o material

didático a ser adotado seria assim distribuído segundo Vechia & Lorenz (1998, p. 42-49):

SEGUNDO ANO: Compreendendo a gramática, leitura e versão fácil. Livro: Robertson. - Curso de Língua Ingleza (Tradução do Dr. Russel) TERCEIRO ANO: Versão mais difícil, themas. Livro: Goldsmith, History of Rome: do Cap. 19 p. 183 até pág. 252. (Edição de Paris) QUARTO ANO: versão, themas. Livro: BLAIR. Class Book. (mezes de Maio a Junho.). QUINTO ANO: composição, conversa, aperfeiçoamento do estudo da língua. Livro de Blair. Class Book (mezes de Julho a Agosto).

Muitos livros e compêndios para o ensino de idiomas foram publicados entre os

anos 1880 e 1940, através de reedições de obras prestigiadas, como a Grammatica

Pratica da Lingua Ingleza de Filippe Maria da Motta d’Azevedo Correa, em sua 8.ª

Edição, no ano de 1890, e o Compêndio de Grammatica Ingleza de autoria do Padre

Raphael M. Galanti, em sua 5.ª Edição, no ano de 1913.

59

Figura 1. Livro de Motta Azevedo Figura 2. Livro de Raphael Galanti

Fonte: Acervo da autora Fonte: Acervo da autora

Como exemplificam essas obras, o método de ensino de idiomas Gramática e

Tradução era a abordagem mais amplamente utilizada para o ensino de inglês no

Brasil no final do século XIX e início do século XX. Os LDLIs então adotados, apesar

de terem como base esse método efetivamente tradicional, apresentavam uma

“evidente tentativa de tornar o ensino de línguas mais próximo da realidade do

aluno”, segundo Paiva (2009, p. 22), apresentando, por exemplo, listas de palavras e

frases com enunciados coloquiais.

Encontramos neste segmento o livro A Gramática da língua Inglesa, publicado

pela primeira vez em 1880, alcançando a 34.ª edição em 1949. Dentre os livros

bastante utilizados na década de 1930, destacamos o Novíssimo Methodo da Língua

Inglesa de autoria desconhecida, publicado em 1931 pela Livraria Francisco Alves; e

Lingua Ingleza Primeiro Methodo, de 1933, publicado pela FTD e Livraria Paulo

Azevedo & C., sem identificação de autoria. Já no ano de 1936, é publicada a

primeira edição do livro The English Gymnasial Grammar, que foi amplamente

adotado em todo o território nacional, como consta da edição de 1937. Esse livro

teve um caráter inovador no mercado de livros para o ensino de inglês no Brasil,

60

pois apresentava transcrições fonéticas nas listas de vocabulário. Nas palavras de

Paiva (2009, p. 24), o livro apesar de apresentar como base a gramática e tradução,

já manifestava alguma atenção ao “discurso oral”, incluindo a “dimensão fonológica”.

Gradualmente surgem materiais que passam a observar a língua, ainda

segundo Paiva (2009, p.24), sob a ótica da “comunicação e como veículo de práticas

sociais diversas, da conversa à manifestação estética”, como o livro An English

Method, do Padre Julio Albino Pinheiro, publicado em Coimbra em 1930, adotado

pelo Colégio Pedro II.

Entre as décadas de 1940 e 1960, os livros para ensino de idiomas

começaram a enfatizar a língua falada e muitos apoiavam-se no Método Direto,

abordagem que preconizava o ensino de línguas estrangeiras com caráter

eminentemente prático. A língua deveria ser ensinada na LA e as regras gramaticais

deveriam ser suprimidas elas apareceriam ao final da sequência didática de forma

indutiva. Essa forma de ensinar mostrava-se bastante inovadora e privilegiava a

oralidade. O livro importado que melhor caracterizava esse período é a coleção

Essential English for Foreign Students, de Eckersley, publicado pela editora

Longman em 1938, utilizado em todo o mundo. Segundo o autor, o objetivo do livro

era “o ensino sólido tanto do inglês falado como do escrito” (ECKERSLEY, 1958). No

Brasil, os livros de João Fonseca Spoken English, de 1955, e o sequente New

Spoken English, de 1967, foram bastante utilizados nas décadas de 1950 e 1960.

O Audiolinguismo como metodologia para o ensino de idiomas ocupou espaço

de destaque entre os anos de 1950 e 1980. Desde os anos 1950, em muitos países

do mundo já se ensinava idiomas com base em uma nova metodologia, o

Audiolinguismo, que tinha como aportes teóricos o behaviorismo, como preconizado

por Skinner, e a linguística estrutural. Esse método tomava o ensino de línguas

como um processo de condicionamento, de acordo com o qual os alunos deveriam

memorizar as estruturas linguísticas através de exercícios orais de repetição, os

drills, que muito caracterizavam essa metodologia. As aulas sempre eram dadas na

LA, não eram admitidas traduções. O livro mais utilizado com base na metodologia

audiolingual ou áudio-oral foi New Concept English de L.G. Alexander, de 1967, que

61

vinha acompanhado de fitas gravadas com drills e diálogos para que os alunos

praticassem.

No Brasil, a abordagem áudio-oral surgiu no final dos anos 1960,

primeiramente com livros importados, como o English 900, de 1964, e o New

Concept English, de 1967. Já nos anos 1970 surgem no Brasil os materiais

audiovisuais da Editora Didier, lançados pela editora Ao Livro Técnico, que

conferiam tamanha importância à oralidade que os textos escritos eram cobertos por

uma máscara para que o aluno desenvolvesse primeiramente a oralidade, pois havia

a crença de que o desenvolvimento da habilidade leitora ou escritora prejudicaria o

desenvolvimento da oralidade.

Ainda na década de 1970 assistimos ao surgimento e à expansão de algumas

franquias para o ensino de idiomas, como a rede carioca CCAA, cujo método

baseava-se integralmente na metodologia Audiolingual/Audiovisual. Os livros dessa

rede de escolas foram desenvolvidos seguindo todos as etapas previstas pelo

Método Áudio-oral; aulas ministradas em inglês, proibição de traduções, máscara

para ocultar o texto e a orientação de memorização de todos os diálogos propostos

nas unidades.

À medida que livros importados preconizadores de uma nova metodologia

comunicativa aportavam no Brasil, os livros com base no Método Áudio-oral

passaram a ser vistos como inadequados, pois levavam o aluno à repetição da

língua e não à comunicação, reflexão e autonomia como proposto pelos novos

materiais.

Sempre nos atentamos para uma zona híbrida quando do surgimento de uma

nova abordagem metodológica para o ensino de línguas estrangeiras. Verificamos

esse hibridismo no livro New Horizons in English, de 1973, ainda com abordagem

áudio-oral, porém com orientação para uma metodologia mais centrada em uma

abordagem funcional do ensino-aprendizagem de LE, para a qual o foco não se

encontra na aprendizagem da língua em si, mas em sua função, em suas

habilidades pragmáticas, destacando-se o uso mais significativo da língua. Segundo

62

Paiva (2009, p. 35), apesar de as atividades seguirem um padrão bastante estrutural

e controlado, nota-se que o livro busca uma forma mais próxima do cotidiano do

aluno, propondo exercícios com base nas funções da linguagem, tais como:

expressar opiniões, dar e receber informações, já prenunciando as abordagens

comunicativas que se consolidariam nos anos 1980 e 1990.

Surge então em 1977 a série Strategies para o ensino de inglês, seguindo

uma abordagem funcional do ensino de línguas estrangeiras, para o qual, segundo

Paiva (2009, p. 42), “o conceito de língua é o de língua como comunicação”. O

caminho estava então aberto para uma nova forma de ensinar idiomas, a

comunicação através das interações discursivas.

No Brasil, nessa época, a produção de livros didáticos para o ensino de inglês

se proliferava. O autor de maior relevância nos anos 1970 é Amadeu Marques, cujos

livros para o então 1.º e 2.º Graus e para o cursinho pré-vestibular eram bastante

utilizados em todo o território nacional. English foi sua primeira série de três livros

para o 2.º Grau, em seguida, o autor publicou Time for English, English for Life e

Reading Texts in English, todos com foco na habilidade leitora e nos exames

vestibulares.

A partir do final dos anos 1970, começam a surgir alguns livros com base no

método de abordagem comunicativa.

A abordagem comunicativa12 para o ensino de línguas estrangeiras baseia-se

na ideia de que se aprende melhor uma língua estrangeira se as atividades

efetuadas durante o processo de aprendizagem tiverem um significado real. A

abordagem comunicativa acredita que através do uso de material autêntico, de

lições centradas no SA e da ênfase na comunicação real e significativa, o SA será

capaz de fazer uso de suas estratégias naturais para a aprendizagem da LE, que

possibilitarão sua inserção na LA com maior fluidez. De acordo com Almeida Filho

(2003, p. 26),

12

Cf. “Communicative approach”. TEACHING ENGLISH. Disponível em <http://www.teachingenglish. org.uk/knowledge-database/communicative-approach>. Acesso em: 18 de nov 2015.

63

O ensino comunicativo trouxe conceitos de ensinar e aprender línguas calcados na interação e negociação dos sentidos em torno de assuntos ou temas de relevância e interesse dos aprendizes assim como a subscrição de um certo conceito de linguagem como ação social e não mais como um conjunto de blocos linguísticos bem descritos por métodos científicos rigorosos.

Com a expansão do ensino de Inglês em todo o mundo, alavancado pelo

poderio socioeconômico dos Estados Unidos, os LDs para o ensino de inglês

continuaram a ter aplicação global e passaram a disponibilizar também as novas

mídias que surgiam no mercado tais como vídeos e material de laboratório. Nesse

sentido encontramos séries com Streamline, de 1978, e In Touch.de 1979.

Amadeu Marques continua como autor de grande destaque com lançamento

de coleções muito bem-sucedidas no mercado de LDs. A série para o 2.º Grau

Password, de 1989, com várias reedições na década seguinte foi um sucesso de

vendas em todo o território nacional. Estava assim consolidado o mercado de

publicação de LDs de inglês para a educação básica no Brasil escrito por autores

brasileiros.

No final da década de 1980, começam a surgir no Brasil os primeiros livros de

Inglês para Fins Específicos, como o livro Inglês Instrumental de Reinildes Dias,

lançado em 1988, mostrando uma tendência de desenvolvimento de cursos de

inglês para grupos específicos.

As novas tecnologias de informação e comunicação também se mostraram

importantes no mercado editorial de LD para o ensino de inglês, com várias séries

apresentando uma grande diversidade de mídias para o ensino de idiomas. Os LDs

passaram então a compor sistemas que integravam livros-texto e livros de

atividades, livro do professor, material de áudio, vídeo, CD-ROMs, material para

lousa interativa e plataformas de atividades online para complementar o

aprendizado. São também disponibilizadas pelas editoras ferramentas para uso do

professor como suporte online. Ressaltamos que com todas essas ferramentas as

editoras têm total controle de todo o processo de ensino-aprendizagem,

evidenciando a fragilidade do papel do professor, que se torna coadjuvante ao ser

conduzido pelo livro e por todo o sistema de ensino que o acompanha. Os sistemas

64

internacionalmente usados que ilustram com clareza esse segmento são as séries

Interchange, da editora Cambridge, English Files e Headway, da Editora Oxford.

No Brasil, o ensino de idiomas na educação pública continuava sem a

utilização de material didático e apenas no ano de 2011, 82 anos após o início da

distribuição de LDs pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), iniciou-se a

distribuição de LDs de língua estrangeira, como observamos no texto extraído do

site da Fundação Nacional do Livro Didático13.

Em 2011, o FNDE adquiriu e distribuiu integralmente livros para o ensino médio, inclusive na modalidade Educação de Jovens e Adultos. O material será utilizado inicialmente em 2012. Pela primeira vez, os alunos desse segmento receberam livros de língua estrangeira (inglês e espanhol) e livros de filosofia e sociologia (volumes únicos e consumíveis). (grifo nosso)

Os LDLIs selecionados pela FNLD para o ano de 2012 foram os seguintes:

English for All, Freeway, Globetrekker, On Stage, Take Over e Upgrade.

Com base nos títulos das obras acima citadas apontamos os sentidos

constituídos a partir da análise da materialidade linguística.

English for All, Inglês para Todos, o título nos remete à demanda urgente,

finalmente detectada pelo governo federal, de universalizar o ensino de inglês no

Brasil, dada a grande demanda pela língua inglesa do cidadão brasileiro comum. A

13

FUNDAÇÃO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/ programas/livro-didatico/livro-didatico-historico>. Acesso em: 14 abr 2015.

Figura 3.Capa do livro English for all

Fonte: http://www.livralivro.com.br/books/show/433013

Figura 4. Logomarca do governo brasileiro 2003-2011

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brazilian _ Go vernment%27s_logo

Fonte:

65

partir da expansão das novas tecnologias de entretenimento, educação e

comunicação, muitos brasileiros viram-se isolados linguisticamente e impedidos de

participar de interações que careciam do uso da língua inglesa, despertando para a

imprescindibilidade da LE como ponto basilar para participação, em esfera global,

em atividades sociais, de entretenimento, culturais e de educação; citando alguns

exemplos: jogos online, redes sociais, filmes e programas estrangeiros.

Outro aspecto que podemos identificar, a partir do título da obra, é sua

correspondência com o slogan já adotado pelo governo federal: “Brasil, um país para

todos”. Nesta perspectiva, apontamos para questões ideológicas da editora, que

busca alinhar seu material didático com os princípios do governo federal, adquirente

da obra para distribuição em escala nacional.

Na obra Freeway, Autoestrada, mas também free way, caminho livre, maneira

livre, o LD apresenta-se como condutor do aluno pelos caminhos que o levarão à

conquista da língua que almeja. Percebemos nas fotos na capa do LD que as

autoestradas se encontram totalmente desimpedidas de obstáculos, o caminho está

livre para o aluno adquirir a língua inglesa e avançar em seus objetivos.

Figura 5. Capa do livro Freeway

Fonte:http://www.modernadigital.com.br/pnld2012/conheca-asobras.php?d=10&c=1

66

O livro Globetrekker, Viajante Global, faz referência à ideia de que a língua

inglesa é passaporte para o mundo. Numa fase da vida estudantil, o ensino médio,

em que o aluno poderá alçar voos, em que sua vida poderá tomar novos rumos

(maioridade, emprego, universidade), a língua inglesa apresenta-se como

possibilidade de ganhar não apenas novas oportunidades, mas o mundo todo, o que

evidencia o protagonismo do inglês nas relações globais. Reforçando a ideia

lançada pelo título, as imagens mostram meios de transporte que podem levar o SA

para longe, para novas experiências, para o desconhecido e o novo que virão

juntamente com a aprendizagem da LE.

Figura 6. Capa dos livros Globetrekker

Fonte: http://lista.mercadolivre.com.br/livros-ensino-linguas/ingles/livro%3A-globetrekker-

ingl %C3%AAs-para-o-ensino-m%C3%A9dio-vol.-3

Figura 7. Capa do livro On Stage 2

Fonte: http://www.amadeumarques.com.br/on-stage

67

O livro On Stage, No Palco, faz em seu título uma menção ao protagonismo do

SA ou da própria língua inglesa no contexto atual. Em destaque, encontramos um

trecho do monólogo, “All the world is a stage”, “Todo o mundo é um palco”, Ato II,

Cena VII da peça “As you like it”, “Do jeito que você gosta”. Segue o trecho

apresentado pelo autor:

Todo o mundo é um palco,

E todos os homens e mulheres são meros atores.

Eles têm suas saídas e suas entradas;

E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis.

O trecho do monólogo remete à grandiosidade do mundo frente aos seres

humanos, meros atores que participam de formas diferentes e desempenham muitos

papéis durante sua existência. Sendo esta estrofe parte de uma peça do maior

dramaturgo de língua inglesa, reforça o caráter cultural que o autor deseja facultar

do LD, uma vez que sua capa relaciona-se à dramaturgia inglesa. Inferimos,

também, que é necessário aprender inglês para participar deste protagonismo que o

inglês tem desempenhado desde épocas shakespereanas.

Figura 8. Capa do livro Figura 9.Capa do livro Figura 10. Capa do livro

Fonte: http://www.escalaeducacional.com.br/pnld2015/take-over

A série de livros para o ensino médio Take Over, Assumir o Controle, é a

única, das seis obras selecionadas para distribuição pelo PNLD para o ano de 2012,

aprovada também no ano de 2015. Seu título expresssa a ideia de tomar, alcançar,

68

adquirir o domínio, a vontade, a lideraça. Esses dizeres encontram-se intensificados

pelas imagens que remetem ao esforço para obtenção de resultados, reforçando a

ideia de que as conquistas não são atingidas facilmente. Podemos inferir a partir do

título e das imagens que o SA é convocado a tomar o controle de seu processo de

aprendizagem, sabendo, todavia, que será necessário esforçar-se para obter

resultados. É possível também apreendermos que a língua inglesa leva ao sucesso,

ao topo. O SA caminhando, mas sabendo dos desafios que encontrará pelo

caminho, atingirá seus objetivos, a língua inglesa.

A tradução da palavra upgrade como atualização é senso comum em

decorrência dos inúmeros equipamentos e aplicativos em que precisamos

regularmente “fazer um upgrade”. Entretanto, a tradução de upgrade também

encontra significado em “melhorar”, “aprimorar”. É presumível que a editora (o livro é

uma obra coletiva) tenha tomado como base a ideia que temos de upgrade, como

atualização para reforçar o conceito de novo, reciclado, moderno; concepção que

desperta o desejo do professor e do SA, visto que, como lembra Eckert-Hoff (2008,

p. 84), em nossa sociedade, somos atraídos pelo novo: “a questão mercadológica do

novo, novos produtos, novos métodos, novas tecnologias, que, na busca do ideal,

incitam o sujeito-professor a descartar o velho e a fundar um novo fazer.” Sob essa

ótica, o professor sente-se atraído pela possibilidade de oferecer a seus SAs uma

inovação e, sob essa ilusão do novo, tornar melhor o ensino-aprendizagem do

inglês.

Figura 11. Capa do livro Upgrade

Fonte: http://www.saraiva.com.br/upgrade-your-

english-livro-do-aluno-2-cd-rom-4292264.html

69

Ainda sobre a escolha das obras acima citadas, destacamos que a equipe

que selecionou os LDs a serem distribuídos para o ensino médio em todo o território

nacional foi composta por professores de diversas universidades e institutos

tecnológicos brasileiros, mas liderados tecnicamente pelo grupo da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal Fluminense (UFF). Os

princípios norteadores para a escolha de tais livros foram primordialmente as

práticas discursivas e o uso da língua como atividade social e política, como

observamos no trecho extraído do Guia de Livros Didáticos PNLD 2012:

O edital do PNLD 2012 Ensino Médio, que contempla a parte específica das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, registra um conjunto de preceitos organizadores da proposta de avaliação dos livros didáticos da área. Desse modo, o processo foi orientado pelo entendimento de linguagem como atividade social e política, que envolve concepções, valores e ideologias inerentes aos grupos sociais; atividade em permanente construção, por isso heterogênea e historicamente situada; prática discursiva, expressa por meio de manifestação verbal e não verbal e que se concretiza em diferentes línguas e culturas. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012, p. 10)

Ao analisarmos os livros escolhidos, é nítida a opção do foco na habilidade

leitora nos LDLIs pelo PNLD, sendo o desenvolvimento da prática oral apenas um

coadjuvante; o que aponta para um esvaziamento das práticas de interação da/na

LA, uma vez que a habilidade leitora, mesmo sendo construída pelo SA, propicia

menores possibilidades de interação nas situações discursivas de aulas de idiomas.

Outros elementos considerados pela equipe técnica na escolha dos LDLIs

para o ensino médio em 2012 foram a diversidade de gêneros de textos e o apoio ao

professor quando da elaboração da aula. Ainda segundo o Guia de Livros Didáticos

PNLD 2012: Língua Estrangeira Moderna (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2011, p.

11), notamos:

Todos esses critérios têm uma só direção: oferecer possibilidades para que o professor construa, com seu trabalho, caminhos que levem o ensino de língua estrangeira no ensino médio a fazer parte da formação de cidadãos.

A produção de LDLI na educação básica ainda continua sua expansão, como

o livro de 2010 de Amadeu Marques Inglês para o ENEM – Guia de estudo com

respostas e comentários. Podemos inferir que enquanto os livros com abordagem

comunicativa, no mercado internacional, preconizam a inserção do SA na LA através

70

de interações comunicativas significativas que conduzem à autonomia, observamos

que o livro brasileiro ainda favorece o preparo do aluno para provas e exames,

privilegiando a leitura, tornando-se secundárias a aprendizagem da língua

estrangeira de forma integral e as reflexões e consequentes deslocamentos que a

inserção em um outro idioma propiciam.

Ensina Coracini (1999, p. 42) que o LD deve ser visto à luz do momento:

Da mesma maneira, podemos postular que professores, alunos e livro didático são criação da história e do momento sócio-político em que vivemos. Se a escola e, através dela, o livro didático parecem colaborar para a manutenção de tal ideologia, homogeneizando, disciplinando, uniformizando o que é constitutivamente heterogêneo, complexo, conflituoso, difuso – o discurso, a aprendizagem, o sujeito (...)

Através do estudo da trajetória do LD, compreendemos como o professor, o

SA e a escola desenvolvem-se e interagem de acordo com o momento sócio-

político-econômico em que se encontram, sempre norteados pela ideologia que tem

como fim a manutenção do status quo em nossa sociedade.

71

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CORPUS

A escolha de nosso corpus recaiu sobre o LDLI de nível avançado, Wise Up

volume 3, utilizado pela rede de ensino de idiomas Wise Up entre os anos de 2000 e

2005. Este LD integra uma série de três volumes. A decisão de analisar este

material se dá pelo desenvolvimento e apresentação de suas atividades didáticas,

que nos possibilitam elencar as situações de interdito, as quais se mostram nítidas

na materialidade do discurso.

Ressaltamos inicialmente que nosso estudo se faz com “gestos de

interpretação” que não são findos, uma vez que sempre encontramos diferentes

possibilidades de interpretação. Não há uma interpretação que seja una, definitiva;

sempre haverá espaço para outros olhares, em um processo contínuo de

significação a partir da historicidade e do inconsciente que atravessam e constituem

o sujeito, como nos ensina Orlandi (2013, p. 62):

Não se objetiva, nessa forma de análise, a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a completude ou exaustividade em relação ao objeto empírico. Ele é inesgotável. Isto porque, por definição, todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro. Não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes.

Considerando o caráter heterogêneo do discurso e do sujeito, procuramos

apreender as relações do SA com o LDLI, através da análise das atividades para o

desenvolvimento da oralidade e da compreensão de textos, visto que as

oportunidades de constituição dos sentidos e de interdito de posicionamento são

mais evidentes nestes segmentos do livro. Temos na base de nossa análise o

funcionamento do silenciamento, a forma como ele opera na produção do discurso

que emana na/pela conjunção do intradiscurso com o interdiscurso.

Tecemos a interpretação também a partir das “regularidades discursivas”

(FOUCAULT, 1997, p. 43). As regularidades nos permitem verificar o que é

recorrente nos endereçamentos ao SA e nos enunciados das atividades didáticas.

72

São as marcas que se repetem na materialidade linguística do texto apontando para

o papel limitador do LDLI e o não lugar do professor e do SA.

Cabe ressaltar que o papel limitador do LDLI, corpus de nossa pesquisa, sobre

as atividades pedagógicas desenvolvidas em aula garante às instituições de ensino,

unidades franqueadas, a possibilidade de contar com docentes menos qualificados,

uma vez que todo o processo de aula encontra-se delimitado e controlado pelo LD.

A partir de situações didáticas previsíveis, evita-se a perda de controle sobre o

conteúdo desenvolvido em aula.

Consideramos as escolhas lexicais, os tempos verbais, o modo imperativo e

os pronomes interrogativos marcas regulares nos endereçamentos ao SA e nos

enunciados, evidências que nos conduzem à reflexão sobre o caráter injuntivo do LD

e nos permitem problematizar as questões de silenciamento.

Levantamos os pontos que conduzem ao silenciamento do SA através de

recortes de textos e atividades, ditas de compreensão, presentes no LDLI.

Analisamos, ainda, como se dão os mecanismos de cerceamento do acionamento

da memória discursiva presentes nas tarefas de interpretação de leitura. Por outro

lado, apontamos, também, as tentativas do LD no sentido de oferecer ao SA a

possibilidade de construção de sentidos em sua interação com a leitura.

Sob a mesma perspectiva discursiva, examinamos as propostas para as

atividades orais e compreendemos como elas podem censurar dizeres mais

profundos, estancando, assim, a oportunidade de reflexão, questionamento e

deslocamento pelo SA; quando, durante seu processo de inserção na LE, produz

apenas dizeres já estabelecidos pelo LDLI. Ressaltamos, todavia, que as

possibilidades de reflexão e posicionamento concedidas ao SA e presentes nas

atividades orais analisadas, também serão focalizadas.

O enquadramento dos recortes discursivos presentes no LDLI nos permite

investigar o modo como funciona o silenciamento dos sentidos, tão comum nos

LDLI, por nós também aqui identificado. Vale destacar que muito embora indique,

73

em seus endereçamentos iniciais ao professor e ao SA, que o livro foi elaborado

colaborativamente a partir de ideias advindas de várias partes do Brasil ainda assim,

o material14 reproduz o “regime da verdade”, dado seu caráter controlador dos

processos pedagógicos e dos atores presentes na aula de inglês, como observamos

no excerto15 abaixo:

Figura 12. Agradecimentos

Fonte: The Wise Up Series, vol 3, p. 6

É interessante observar nesse recorte a tentativa dos autores de

apresentarem o LD como uma construção coletiva, implicando, assim, um

entendimento de uma obra desenvolvida colaborativamente a ser partilhada por

todos. Em um primeiro momento, ressaltamos o fato de a construção do livro contar

com a colaboração de coordenadores, o que já demonstra uma visão vertical da

aplicação do LD, uma vez que não coube aos professores contribuir para a

elaboração do material. Ao percorrermos o LD e analisarmos o desenvolvimento das

atividades, percebemos que o livro em questão toma seu lugar de autoridade com

enunciados onde dita ao professor e ao aluno todos os caminhos que devem

percorrer. Reconhecemos nas atividades propostas a presença dos coordenadores

quando do cumprimento das etapas da aula. O LD apresenta-se como o “regime da

verdade”, detentor de um discurso que deve ser incontestavelmente seguido.

Ao tratarmos do LD desenvolvido para franquias de escolas de idiomas, como

o que compõe nosso corpus, constatamos que esse poder controlador se torna

ainda mais contundente, uma vez que as unidades franqueadas, os professores e os

alunos devem obrigatoriamente seguir todas as etapas da aula preconizadas pelo

livro. Vale ressaltar que nas franquias de idiomas há um sentimento de

pertencimento à determinada marca devido às representações que tal marca possa

14

BARRETO, S.; TANNÚS, M. The Wise Up Series, book 3. Rio de Janeiro: Wise Up, 2003. 15

Este livro tornou-se possível devido à dedicação de todos os coordenadores das Unidades Wise UP em todo o país, que ajudaram trazendo ideias, comentários e notas. (BARRETO; TANNÚS, 2003, p. 6, tradução nossa)

74

suscitar, como status ou prestígio. Isso posto, compreendemos que trilhar os

caminhos já marcados hierarquicamente pelo LD não provoca questionamentos,

pois a noção de pertencimento justifica a submissão ao controle do LD.

Dessa perspectiva, percebemos no enunciado dos exercícios propostos no

interior do LD que tanto o professor quanto o SA já encontram pré-determinados os

passos a serem percorridos no contexto da aula, no qual ambos se vigiam

mutuamente no cumprimento das atividades determinadas pelo LD, como exposto

na Figura 13. Tal prescrição gera uma tensão nas relações e na hierarquia da aula,

pois tanto o professor quanto o SA podem ocupar o papel de autoridade na sala de

aula, como mostrado a seguir.

Figura 13. Exercício Oral Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 112

Inicialmente, salientamos o uso da estrutura going to ask you a question, “vai

lhe fazer uma perguntar”16, demonstrando a intencionalidade do autor e o sentido de

comando para que tanto professores quanto SAs cumpram a atividade como

determinado pelo LD. Há uma situação de coerção e tensão entre os atores do

processo pedagógico. Podemos inferir que o LD opera no contexto pedagógico

como o pan-óptico de Foucault (1975), vigiando o SA e o professor mutuamente,

protagonizando o percurso do processo de ensino-aprendizagem.

É interessante refletir sobre o poder disciplinador do LD, especialmente no

que se refere à aplicação da metodologia por ele proposta. Particularmente,

encontramos nas relações de franquias de escolas de idiomas o LD exercendo

16

O professor vai lhe fazer uma pergunta. Não a responda, apenas reporte-a a seus colegas de classe. (tradução nossa)

75

poder, assegurando ao franqueador o controle da aplicação de sua metodologia,

homogeneizando todo o processo de ensino, estabelecendo as regras que

franqueados, SAs e professores acatam sem contestação, configurando uma

relação entre os atores da cena que reflete o pan-óptico, instaurando no contexto da

aula obrigações que devem ser cumpridas tanto pelo SA quanto pelo professor, pois,

como apresenta Coracini (1999, p. 38), encontramos no LD uma

relação entre as autoridades representadas pelo livro didático, responsáveis pela repartição do saber, e professores e alunos, que continuam sendo vigiados, controlados e punidos por toda a máquina do sistema escolar. O fato é que o LD parece funcionar, na sala de aula, como um panóptico (cf. Foucault, 1975), vigiando o professor – que, por sua vez, atua da mesma maneira sobre os alunos.

Destacamos no recorte 1417 o enunciado de um exercício para o

desenvolvimento da habilidade escritora no qual evidenciamos as marcas

determinantes do caráter controlador do LD.

Figura 14. Atividade de construção de uma estória

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 49

A instrução inicia-se com o propósito do autor em permitir que o SA

desenvolva a atividade de forma autônoma. O uso de going to make up, “vai criar”,

indica a intencionalidade do autor, e o verbo “criar”, por sua vez, remete a gerar,

inventar, demonstrando que o autor oferece autonomia ao SA, entretanto, o

enunciado segue com a conjunção adversativa, but, “mas”, definindo uma

17

Você vai criar uma estória. Mas você tem que seguir uma regra. As sentenças devem seguir um padrão: uma sentença no passado simples, uma sentença no passado contínuo, uma sentença no presente perfeito e uma sentença no passado perfeito. Nós começamos a estória para você: (tradução nossa)

76

contradição em relação à primeira frase, o que nos alerta para uma posição contrária

à autonomia anunciada. Seguindo o enunciado, encontramos uma série de verbos

modalizadores, pronome demonstrativo e substantivos que remetem à posição de

controle: “tem que”, “seguir”, “regra”, “deve”, “este”, padrão”. A questão de ordem e

obediência presente no exercício é bastante clara e encontra-se evidenciada pelo

uso dos modalizadores “tem que” e “deve” e do verbo “seguir”, respectivamente. Isto

é, apesar de o enunciado introduzir que o SA produzirá sua própria estória de forma

independente, na verdade ele seguirá as “regras” e os “padrões” propostos e

desenvolverá todas as etapas do exercício como foram detalhadamente expressas

pelo autor. O enunciado é marcado por um caráter injuntivo que reforça sua função

diretiva, não possibilitando que o SA exerça o protagonismo na aula. A atividade

também dissimula seu real objetivo: contemplar os aspectos gramaticais da língua.

A partir dos recortes mostrados, evidenciamos como o LD, mesmo

apresentando-se como um trabalho coletivo e horizontal, exerce seu poder nas

situações de ensino-aprendizagem de forma vertical, estabelecendo qual papel cada

um dos atores da aula deverá desempenhar, criando uma situação de submissão e

de vigilância mútua na aula de inglês tanto do SA quanto do professor

3.1 Descrição do Corpus e a Abordagem Metodológica “Lexical Approach”

Ao adotar uma perspectiva discursiva da linguagem, nossa pesquisa vale-se

da reflexão sobre o papel de autoridade do LDLI e as situações de interdito postas

em funcionamento nas aulas de LE. Buscamos investigar como o LD desempenha

esse papel cerceador assegurando para si o controle da aula. Nela, destaca-se o

papel coercitivo que o livro desempenha, e entende-se coerção segundo Duverger e

Stevenson (1955, p. 19), ou seja, como “todo elemento exterior aos indivíduos que,

sobre estes, exerce uma pressão no sentido da obediência aos governantes”.

Como já introduzido, nosso objeto de análise é o LD utilizado por uma

franquia de idiomas que tem entre seus pressupostos norteadores o ensino de inglês

de forma rápida, por meio de uma abordagem de ensino de língua estrangeira dita

inovadora, que, ainda segundo seus preceitos, nunca houvera sido empregada em

77

nosso país. Em suma, essa instituição aponta para a utilização de uma nova forma

de ensinar inglês.

Para balizar sua proposta, essa rede de escolas de inglês desenvolveu seu

próprio material didático. O corpus de nossa pesquisa, The Wise up Series, volume

três, nível avançado, é parte de um conjunto de três LDs, especialmente

desenvolvidos por brasileiros, para ensinar inglês para brasileiros adultos.

O livro é composto por 134 páginas, divididas em 12 unidades didáticas. O

livro dispõe também de quatro unidades de revisão de conteúdo, além de uma

atividade final de verificação de todo o conteúdo apresentado; uma espécie de

revisão geral, que contém atividades tanto orais quanto escritas. O LD finaliza com

uma lista de verbos irregulares. Essa disposição dos componentes do LD já define

uma abordagem de ensino de LE ancorada nos estudos da gramática

Figura 15. Capa do livro Wise up Series volume 3

Fonte: The Wise Up Series vol 3

Cabe uma tradução literal para o português do título de nosso corpus e da

instituição de ensino. A expressão wise up é uma gíria e significa “ficar esperto”. A

escolha da designação nos remete a um livro que pretende oferecer ao SA um

ensino não convencional, visto que se procurou para título um vocábulo que reforça

ainda mais a busca da instituição pelo moderno, despojado, por algo denotador de

um rompimento com o tradicional. Um outro ponto a ser elencado é a mensagem

para que o SA “fique esperto”, o que pode ser entendido como estar atento aos

outros cursos que podem lhe oferecer o idioma com uma metodologia que não

atenda a suas necessidades.

78

É interessante observar como a rede de ensino de idiomas produtora do

material didático em questão apresenta sua metodologia:

Recorte Linguístico. A metodologia da Wise Up para ensinar inglês rápido utiliza o recorte linguístico. Você aprende o inglês que realmente é falado no dia a dia. Por exemplo: no português, nossa língua nativa, aprendemos na escola a utilizar frases no pretérito mais-que-perfeito e outras regras gramaticais que não fazem parte do português coloquial, falado pelas pessoas no dia a dia. A Wise Up faz o mesmo com o inglês. Você aprende o vocabulário, as expressões e as regras gramaticais que realmente são utilizadas para se comunicar perfeitamente com um nativo. (WISE UP, 2015)

No excerto acima, constatamos o que a rede Wise Up preconiza sobre o

ensino da língua materna, discorrendo sobre quando aprendemos determinados

tempos verbais na escola, os quais, segundo a rede, não utilizamos em nosso

cotidiano. Entretanto, na sequência da defesa do ensino de inglês com foco na

língua coloquialmente utilizada, encontramos o trecho “A Wise Up faz o mesmo com

o inglês”, uma contradição, pois entende-se que o ensino de inglês na Wise Up

segue o mesmo padrão do ensino da língua materna na escola, ou seja, a língua

inglesa seria apresentada de forma tradicional.

Ressaltamos no recorte acima que a metodologia proposta sugere o ensino

de idiomas de forma fragmentada, assegurando que há partes da língua que não

são utilizadas no dia a dia dos falantes nativos, não considerando assim a

heterogeneidade do SA, que por ser clivado, descentrado e atravessado pelo

inconsciente, não poderá seguir um único caminho, não poderá ter um único rumo

traçado durante seu percurso na inserção na LE; obtendo apenas fragmentos da LA.

A partir da metodologia proposta e tendo o livro-texto como a ferramenta que

garantirá a aplicação do método segundo os padrões estabelecidos pelos autores, o

LD é apresentado como inovação no ensino de inglês, como podemos comprovar no

endereçamento introdutório de nosso corpus, pelo próprio presidente da rede de

ensino:

Caro aluno, Em nome de toda nossa equipe, desejo-lhe boas-vindas.

79

Apresento-lhe também o que há de mais moderno no ensino de idiomas. É com exclusividade que a Wise Up coloca em suas mãos The Wise Up Series, um novo material didático aliado a uma tecnologia de ensino voltada às necessidades de todo profissional que vive em um mundo globalizado e precisa aprender inglês com rapidez e eficácia. “Welcome to the Future”

18 –

Flávio Augusto/ Diretor Presidente (BARRETO; TANNÚS, 2003, p. 9)

Observamos que há uma preocupação do presidente da instituição em

ressaltar o caráter único, inovador e veloz que esse material traz para o contexto do

ensino de idiomas; como constatado pelo uso das palavras “moderno”,

“exclusividade”, “novo”, “rapidez”, “eficácia” e “future”, representando o que ainda

está por vir, o novo. A partir dessa reflexão, compreendemos que essa franquia e

seu material didático apresentam-se como uma nova opção no cenário de escolas

de idiomas, lançando novos paradigmas para a aprendizagem de LE.

Tal acepção sobre o “novo” remete a outros sentidos que não o do novo

excluindo o velho, pois “dada a concepção teórica por nós adotada, [isso] não é

possível, porque, o novo não está no que é dito, mas no acontecimento a sua volta”

(FOUCAULT, 1971, p. 26 apud ECKERT-HOFF, 2008, p. 82). À busca pelo “novo”

subjaz outra, a de uma inovação que conduza ao sucesso, à língua desejada de

forma mais eficiente, para o alcance da completude. Sendo constituído pela falta, o

SA então se lança por meios diversos à procura pela completude, com a ilusão de

que tudo funcionará de forma ideal.

Entendemos assim que o caráter inovador, como preconizado pelo presidente

da rede de ensino de idiomas nos endereçamentos iniciais do LD em questão,

precisaria ser evidenciado nas atividades propostas no interior do LD, o qual, como

temos percebido, mostra-se bastante tradicional na apresentação dos conteúdos e

no desenvolvimento das atividades didáticas.

Contudo, a concepção de novo – e a ilusão que carrega em seu significado –

seduz nossa sociedade, que é continuamente envolvida pelo desejo de inovação e

exclusividade. Tal sentimento leva a sociedade a acreditar em propostas ditas

modernas sem depositar sobre tais proposições um olhar crítico e reflexivo, como

podemos observar nas palavras de Eckert-Hoff (2008, p. 84):

18

Bem-vindo ao futuro (tradução nossa).

80

Esse discurso do novo faz parte de um imaginário construído historicamente. A historicidade remete-nos a momentos da história em que a marca do novo carrega um sentido fundador, constitutivo da formação do Brasil – em vista de sua colonização –, enquanto resultado de um sentimento de patriotismo movido pelo desejo de encontrar a pátria, mesmo que tendo que reconstrui-la em outro lugar, em que o novo marca a negação do pai primeiro.

Ainda sobre o texto com o endereçamento do presidente da rede de ensino,

destacamos o uso do termo “tecnologia de ensino” e refletimos sobre seu

significado. Não se tratando de ferramentas tecnológicas, “tecnologia de ensino”

mostra-se como uma referência a um LD inovador, remetendo ao sentido que a

palavra tecnologia invoca, associando-se ao novo, indicando que o curso será

desenvolvido sob um viés moderno. Aprendemos com Coracini (2006, p. 9) quando

postula sobre o discurso da modernidade e sua relação com o sujeito, que ele se

encontra:

comprometido com a globalização, que, por sua vez, se insere numa situação política capitalista, contribuindo fortemente para a proliferação de verdades com base em interesses – econômicos e mercantilistas – que fazem ver as novas tecnologias, resultantes das pesquisas científicas e por elas legitimadas, como a única alternativa para a construção de uma sociedade eficiente, “para além” da modernidade.

Nesse sentido, questionamo-nos a respeito do termo “tecnologia de ensino” e

o consideramos como um procedimento de persuasão, visto que as relações

tecnologia, inovação e moderno atraem o SA com a possibilidade da completude, de

alcançar o saber em língua inglesa como tanto deseja. Desta forma, a adesão do SA

à proposta da rede de ensino acontece sem a hesitação da dúvida.

A questão do novo, presente na proposta do LD, mostrou-se tão convincente

que se posicionou como um dos balizadores quando da venda da rede de escolas

de idiomas responsável pelo LD aqui pesquisado ao maior grupo editorial brasileiro

em 2013. Podemos comprovar, através de documentos19 elaborados pela editora

adquirente da rede de ensino de idiomas e destinados ao mercado financeiro, o

19

Cf. ABRIL EDUCAÇÃO. Aquisição da Wise Up, fev 2013. Disponível em: <http://ri.abrileducacao. com.br/ptbr/Apresentacoes/Documents/Aquisi%C3%A7%C3%A3o%2Wise%20Up%20%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o%20Mercado%20FINAL%202.pdf>. Acesso em: 22 nov 2015.

81

poder que uma proposta de ensino, legitimada como inovadora, produz em toda a

sociedade.

A Wise Up, principal marca do Grupo, foi pioneira na formatação de cursos de menor duração, o que se tornou uma tendência no segmento. (ABRIL, 2013, p. 8) Sistema de Ensino Inovador Diferencia-se das escolas tradicionais de idiomas

Foi a primeira a oferecer cursos de curta duração padronizados (18 a 24 meses vs. média de 5 a 8 anos). (ABRIL, 2013, p.10)

Mais uma vez observamos a desconstrução do conceito positivo que a

palavra “tradicional” carrega e o uso exacerbado de palavras que caracterizam

inovação e mudança, tais como: “pioneira”, “tendência”, “inovador”, “diferencia-se” e

“primeira”, reforçando assim a posição de “novo” que está vinculada a esta rede e à

metodologia de ensino por ela utilizada. Entendemos que o apelo ao novo vai ao

encontro da busca pela completude que o SA empreende, evidenciando que o

acolhimento da proposta do grupo de ensino perante a opinião pública vincula-se ao

sentido do novo que a marca traz em seu conceito.

Vale ressaltar que a utilização do paradigma do “novo” mostra-se também como

uma estratégia de venda do curso, uma vez que o aluno compra, juntamente com o

curso, a possibilidade de estar adquirindo um bem moderno e revolucionário nunca

antes oferecido pelo mercado. Tal estratégia vende a ideia da vantagem que o SA

obtém ao se matricular nesta rede de ensino de inglês.

Consideramos que o dizer sobre o “novo” fomenta ilusões, visto que, como

explicita Coracini (1999, p. 21):

as editoras e autores de LDs, procurando agradar os destinatários, vão buscar as “novas” teorias sobre aprendizagem de ensino, argumentos que reforcem a qualidade do produto, sem, contudo, se preocuparem se estão criando algo de tão novo assim, pois sabemos que, ainda que aparentem se distanciar do já existente, é nele que se baseiam: o novo se constrói pelo retorno do já-dito (Foucault, 1971:28⁴ ); daí a constante frustração e consequentemente a eterna busca do “novo”.

82

Desenvolvendo esta reflexão sobre a ilusão do “novo”, é interessante

observar na atividade demonstrada a seguir, como o material apresenta as práticas

no contexto do ensino de idiomas. Vejamos:

Figura 16. Tabela para uso do Past Perfect

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 23

Percebemos, pela atividade proposta, que o LD foca o estudo da gramática

com forte apelo tradicional e que não se sobressai um viés contemporâneo na

abordagem do LD. A partir dessa reflexão, podemos inferir que o “novo”, como

proposto pelos autores do livro e pelo presidente da rede de idiomas, mostra-se

apenas como o tradicional, retomando antigas formas consolidadas de se ensinar

LE; com foco em unidades gramaticais, através de exercícios repetitivos.

Chamou-nos a atenção a marca linguística, previously listed, “previamente

listados”, presente no enunciado do exercício exposto na Figura 16 por seu caráter

prescritivo. O reforço de que apenas as lacunas em branco devem ser preenchidas

83

salienta a posição controladora do LD, pois, mesmo estando o exercício ancorado

pela figura que explica visualmente o enunciado, ainda assim o autor prescreve o

que deve ser feito, não admitindo deslizes.

Podemos observar na imagem a seguir, Figura 17, uma apresentação de

gramática em livro20 para o ensino de inglês para brasileiros editado no ano de 1913.

Nota-se alguma semelhança com o recorte mostrado na Figura 16, com foco na

explicação gramatical sobre tempos verbais.

Figura 17. Tabela de verbos

Fonte: Compêndio de Grammatica Inglesa pp. 74 e 75

Vale ressaltar que a metodologia para o ensino de línguas estrangeiras tem

se mostrado bastante dinâmica frente a métodos de ensino de outras matérias do

20

GALANTI, R. Compêndio de Grammatica Ingleza, Editora Espíndola & Comp., 1913.

84

currículo. Como já mencionado anteriormente, no Capítulo 2 de nossa pesquisa,

metodologias com propostas inovadoras para o ensino de línguas têm

sistematicamente atraído a atenção de estudiosos, professores e instituições de

ensino de LE, entretanto, como pudemos comprovar nas Figuras 16 e 17, exibidas

acima, o novo ainda mantém suas raízes em técnicas para o ensino de línguas que

datam do século XIX e início do século XX.

O ensino de inglês proposto em nosso corpus tem em seus pilares

metodológicos a Abordagem Lexical, cujos pressupostos foram concebidos pelo

inglês Michael Lewis e divulgados no ano de 1993 com a publicação do livro The

Lexical Approach.

Essa abordagem lexical concebe o falante nativo como possuidor de um

repositório de itens lexicais pré-fabricados prontos para serem rapidamente

utilizados. Essa prontidão do falante nativo no ato comunicativo mostra-se essencial

para que haja uma produção oral fluente. Segundo o autor, a fluência não depende

de conhecimentos gramaticais, mas sim de um rápido acesso a um estoque de

“lexical chunks” ou “formulaic language”21.

Sob esse enfoque, a aquisição de língua estrangeira também seria mais

profícua se o cerne da aula fosse o ensino-aprendizagem de itens lexicais. Nas

metodologias desenvolvidas até então, o foco mantinha-se na aprendizagem de

itens gramaticais; já sob a perspectiva lexical, a dicotomia gramática e vocabulário

tornaria-se falsa. Por muito tempo tem-se dado maior importância ao ensino de

gramática, tendo o vocabulário ocupado uma posição desprestigiada nos estudos

sobre a linguagem e o ensino de LE. Em contraposição, a abordagem lexical tem

como princípio fundador que a língua, nas próprias palavras de Lewis (1993, p. 89),

consiste em “lexos gramaticalizados e não em gramática lexicalizada”22. Noutros

termos, o léxico é basilar na constituição de sentidos e a gramática apresenta um

papel secundário na mobilização de significados.

21

Lexical chunks/ formulaic language são termos que dizem respeito à sequência de duas ou mais palavras que operam como se fossem uma unidade. 22

No original, “Language is grammaticalised lexis, not lexicalised grammar”.

85

É importante compreendermos a distinção entre vocabulário e léxico. Na

concepção adotada pelo autor; vocabulário são itens únicos, já léxico é

compreendido não apenas como palavras únicas, mas como combinações de

palavras de que os falantes dispõem e às quais ele têm acesso na enunciação.

A abordagem lexical tem como princípio a formulaic language, chunks,

“blocos”, que, quando combinados, produzem uma elocução coerente, sendo, por

isso, essenciais na criação de significados. Com base nessas premissas, Lewis

(1993) apresentou sua concepção dos itens lexicais que compõe a abordagem

lexical. São eles: palavras (mesa, escola), locuções (de cabeça para baixo),

colocações (absolutamente certo, novo em folha) e enunciados institucionalizados

(se eu fosse você).

Com base nas proposições da abordagem lexical, observamos que muitos

dos exercícios e atividades sob este enfoque propõem a identificação de chunks e

colocações nos textos, o trabalho com preenchimento de lacunas, a criação pelo SA

de listas de palavras ou de blocos de palavras, como forma de fornecer ao SA a

aquisição e retenção de vocabulário e de blocos lexicais.

Apesar de a proposta do LD ter como referência a abordagem lexical,

observamos nos exercícios arrolados que há apenas uma atividade23 por unidade

que se refere ao desenvolvimento do estoque lexical do SA, muitas das outras

atividades têm um cunho bastante tradicional, com foco no ensino de gramática, o

que distancia o material da proposta da abordagem lexical assumida pelos autores

do livro.

23

Referimo-nos à atividade intitulada “Melhore seu vocabulário – Palavras & Expressões” (tradução nossa).

86

Na atividade acima apresentada, percebemos a tentativa de oferecer ao SA

um trabalho com base na abordagem lexical, como disposto na metodologia do

curso. No entanto, a nosso ver, para que se consolidasse tal abordagem seria

necessário o desenvolvimento de outros exercícios capazes de assegurar ao SA a

constituição mais efetiva de seu arcabouço lexical, como preconizado pela

metodologia em questão.

Vale ressaltar também que a atividade se encontra descontextualizada, o

exercício apresenta uma proposta mecanicista. Não atestamos na prática acima o

léxico gramaticalizado de que nos fala Lewis (1993), mas somente léxicos despidos

de sentido.

Constatamos ao longo de nosso estudo que o LDLI foi divulgado como uma

inovação no ensino de idiomas, o que lhe garantiu certa credibilidade, legitimou-o

perante a sociedade e o fez conquistar, por conseguinte, o papel de condutor da

aula, mesmo que, de fato, possamos perceber que seu conteúdo se fundamenta em

práticas tradicionais de cunho gramatical. Encontramos nas palavras de Souza

(1999, p. 59) uma reflexão sobre o papel que se encerra no LDLI:

Caberia ao livro didático fornecer conteúdos previamente selecionados, fazendo recortes no que supostamente seria mais relevante ao conhecimento, e indicar procedimentos metodológicos para a sua transmissão em sala de aula.

Figura 18. Exercício lexical

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 20

87

Coadunamo-nos com a autora quando ressalta que o LD pontua as etapas da

aula e como determinado conteúdo deverá ser abordado. Essa crença na sabedoria

suprema do LD leva tanto a escola quanto o professor a seguir rigorosamente todas

as instruções preconizadas pelo livro. Entendemos, então, que a homogeneização

que o LD pressupõe, conduz a situações de silenciamento na sala de aula, uma vez

que o SA sendo heterogêneo e descentrado não encontra em muitas das atividades

apresentadas relações com sua realidade e consequentemente oportunidade para

reflexão.

Em face do que observamos em relação ao controle e protagonismo do LD na

aula de inglês, apontamos nas sessões seguintes as questões de silenciamento

asseguradas pelo LDLI.

3.2 Textos, Leitura, Questões de Interpretação e Silenciamento

Neste item propomos uma reflexão sobre as questões de interpretação e

silenciamento presentes nos textos e nas atividades didáticas de compreensão da

habilidade leitora presentes no LDLI. Buscamos através da ADF os caminhos para

a análise das leituras, dos diálogos e das atividades de interpretação propostas,

apontando assim, tanto as questões de interdito como as tentativas de mobilização

do SA que permeiam a abordagem pedagógica do LD. Dessa perspectiva,

salientamos as oportunidades (não) facultadas ao SA para que construa significados

a partir dos textos lidos, como diz Bolognini (2003, p. 189):

O silenciamento é uma tentativa, assim, de apagar uma história, uma ideologia, que possa servir de ameaça às relações de poder de um determinado grupo social. O silenciamento é uma forma de garantir a estabilização da simetria das relações sociais, pois Foucault (1979) define as relações simétricas como aquelas nas quais as relações de poder em um determinado grupo não estão ameaçadas. O silenciamento é uma certeza de que a história, a ideologia desejada por aqueles de detêm o poder entram em cena na cadeia discursiva.

Podemos inferir com a autora que o LD e as atividades nele contidas

silenciam manifestações, reflexões e qualquer possibilidade de posicionamento do

SA que possam levar a situação de ensino-aprendizagem para fora do controle tanto

88

do livro quanto do professor. Entendemos que as situações de interdito que

permeiam as atividades desenvolvidas na aula de inglês buscam mantê-la dentro

dos parâmetros esperados e já estabelecidos anteriormente pelo LD e pela

metodologia em que se inscreve.

Para melhor compreendermos as questões de leitura e silenciamento,

iniciamos nossa análise com a descrição da concepção de leitura nas perspectivas

tradicional, estrutural e interacionista, sob a ótica de Koch e Elias (2012), e, em

seguida, focalizamos a leitura segundo a concepção discursiva, filiada à ADF.

Entendemos que conhecendo a leitura pelo viés tradicional, estrutural e

interacionista podemos apreender a razão de determinados exercícios considerados

em nossa análise, uma vez que muitas das abordagens propostas pelo LDLI

presumem um sujeito consciente e dono de seu dizer, como na concepção adotada

por de Koch e Elias (2012). Já compreendendo as questões de leitura pela

orientação discursiva, temos a possibilidade de refletir sobre a posição de

impedimento do SA frente às atividades de compreensão de leitura inseridas no

LDLI.

Sobre o texto e a leitura, focalizamos as palavras de Coracini (2003) ao

discorrer a respeito da visão discursiva da leitura frente às concepções de leitura e

interpretação que tomam o sujeito como uno e dono de seu dizer:

Nessa perspectiva, não é o texto que determina as leituras, como pretendem as demais visões teóricas acima abordadas, mas o sujeito, não na acepção idealista de indivíduo uno, coerente, porque dotado de razão, como queria Descartes, graças à qual lhe é possível controlar conscientemente a linguagem e o sentido, mas enquanto participante de uma determinada formação discursiva, sujeito clivado, heterogêneo, perpassado pelo inconsciente, no qual se inscreve o discurso. (CORACINI, 2003, p. 17-18)

A perspectiva discursiva da leitura presume um SA heterogêneo e lhe oferece

condições de reflexão e deslocamento a partir do texto, garantindo que as

interpretações sejam as do SA e não apenas a reprodução das palavras do autor,

como comumente encontramos nas compreensões em LE.

89

A concepção da leitura com foco no autor nos delineia que este assegura e

regula os sentidos que deseja imprimir ao texto. Sob este enfoque, a leitura é

apenas a apreensão das intenções do autor.

Sobre essa questão, Koch (2002) afirma que à concepção de língua como representação do pensamento corresponde à do sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada (KOCH; ELIAS, 2014, p. 9).

A leitura é compreendida como assimilação de ideias já estabelecidas pelo

autor, desconsidera-se, sob essa ótica, a construção de significados pelo

interlocutor. Essa abordagem é bastante utilizada nos exercícios de interpretação de

texto tanto em língua materna quanto em LE. O autor regula as interpretações

homogeneizando os leitores, que deverão compreender o texto apenas sob a ótica

daquele.

O conceito de leitura que confere foco ao texto, concebe a língua como uma

estrutura, um código, neste quadro, espera do leitor a decodificação do sentido

contido na linearidade do texto. Na perspectiva das autoras acima citadas, “cabe-lhe

[ao leitor] o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto” (KOCH;

ELIAS, 2004, p. 10). Daí que a leitura se resuma à tarefa de localização de palavras

na pergunta e à verificação de sua forma repetida no texto. Essa atividade didática,

apesar de ser largamente apontada como leitura, consiste apenas, na verdade, em

decodificar o texto.

Percebemos que a leitura em LE como apresentada em nossa pesquisa muito

se assemelha à perspectiva estruturalista, visto que, em diversos recortes do corpus,

observamos o que pontua Grigoletto (1999, p. 83): “o texto tem uma estrutura e um

sentido; a tarefa do aluno é captá-la”. Nesse cenário, basta ao SA somente parear

as palavras do texto com as palavras das questões para que consiga efetuar a

atividade de compreensão de texto.

90

A concepção comunicativa adotada por inúmeros LDs para o ensino de inglês

como LE apresenta a leitura sob a perspectiva da interação autor-texto-leitor. De

acordo com ela, a construção dos sentidos deve considerar as experiências do leitor,

tendo como pano de fundo, segundo Koch e Elias (2014, p.11): “o contexto

sociocognitivo dos participantes da interação”. O leitor aqui reconstrói os sentidos do

texto mobilizando a memória e conhecimentos prévios sobre o tema. O leitor

ressignifica, então, o sentido do texto com base nas marcas deixadas pelo autor,

inferindo assim as intenções deste. Nessa abordagem, há várias leituras possíveis,

pois considera-se que os leitores não são unos; entretanto, os sentidos do texto

ainda se encerram no próprio texto e em seu autor.

Ao pontuarmos as questões de interdito observadas nas atividades de

compreensão de leitura presentes no LDLI, entendemos que o sentido do texto já se

encontra posto, à espera do leitor, que irá apenas decodificá-lo, levando ao

silenciamento do SA. Observamos, então, que a leitura sob a ótica discursiva, que

admite não haver um sentido literal para a leitura e se pauta na necessidade de

considerar a “historicidade do texto e do leitor”, proporciona a reflexão, as rupturas e

os deslocamentos. Por isso, é nessa perspectiva que embasaremos nossa análise

das leituras e das atividades propostas pelo LDLI.

A leitura e as atividades de compreensão em uma perspectiva discursiva

apontam para as diversas possibilidades de constituição dos sentidos. Dado que as

intensões do autor não se encontram espelhadas no leitor, pois o sujeito é

descentrado e interpelado pelo inconsciente e pela ideologia, sendo, assim, incapaz

de chegar a um sentido definitivo, percebemos, com Orlandi (1996a, p. 64), que “o

sentido sempre pode ser outro”, tendo em vista a natureza heterogênea e as

questões do inconsciente do sujeito.

Avançando na análise do LDLI, encontramos, apenas de forma superficial,

atividades que favoreçam tanto a visão interacionista quanto a discursiva, como

também observado por Coracini (2010, p. 19) em seus estudos:

91

Raramente se observa, na prática de sala de aula, a concepção de leitura enquanto processo interativo (leitor-texto-autor), a partir da recuperação explícita do que se acredita serem as marcas deixadas pelo autor, únicas responsáveis pelos sentidos possíveis. Mais raramente ainda, para não dizer nunca (ao menos nas aulas analisadas), a concepção discursiva se vê contemplada: raramente são permitidas, em aula, outras leituras que não sejam a do professor, ou melhor, do livro didático que o professor lê e respeita como portador da verdade, como representante fiel da ciência, já que constitui, muitas vezes, o único suporte teórico do conhecimento do professor e das aulas por ele ministradas.

Desta reflexão depreendemos que a concepção de leitura em LE mostra-se

ainda mais estrutural que em língua materna. A abordagem das leituras no LDLI

apresenta linearidade, sequência rígida e foco na gramática e no vocabulário.

As atividades propostas nas sessões de leitura em LE têm seus objetivos

alcançados com a simples tradução do texto; como se a compreensão das palavras

fosse o único propósito e caminho possível nas atividades de leitura.

Tradicionalmente a leitura em língua estrangeira é compreendida como tradução linear de palavras para a língua materna, para a busca incessante do significado dado “intencionalmente” pelo autor, como garantia de uma unanimidade de interpretação. (ECKERT-HOFF, 2006, p. 1)

Tal afirmação vem ao encontro do que temos observado ao longo de nossa

jornada profissional, quando percebemos que em muitas propostas do LDLI o texto

deve apenas ser decodificado, sendo que tanto as informações quanto a abordagem

são dispostas sequencialmente, como um guia, não havendo necessidade de leitura,

apenas de verificação dos conteúdos; de forma que se oferece ao leitor o

significado pronto do texto, sem se promover o lugar para a interpretação, para o

erro e para a possibilidade de qualquer resposta que seja diferente da interpretação

concedida pelo autor. No ato da leitura, encontramos situações de cerceamento de

reflexões impedindo a constituição dos sentidos. Consideramos que o autor, ao

desenvolver a compreensão do texto, e o professor, ao seguir os parâmetros

delimitados pelo livro, concebem o SA como tábula rasa, como um leitor incapaz de

interpretar o texto e conferir-lhe significados, oferecendo, por isso, a interpretação

possível.

A partir dessas constatações, buscamos, na materialidade linguística de

nosso corpus, localizar evidências que validem nossa hipótese sobre o caráter

92

controlador do LD e demonstrar como os textos e as atividades didáticas negam ao

SA a oportunidade de desenvolver opinião e construir sentidos.

Analisando o texto e as atividades de compreensão propostas no recorte

abaixo podemos inferir que o autor não oferece ao SA a possibilidade de

mobilização de seu interdiscurso. Identificamos também, um distanciamento entre o

texto e a realidade do SA. Vejamos:

Figura 19. Atividade de Leitura.Texto e Compreensão

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 61

É interessante observar que o texto é desprovido de qualquer

contextualização, uma vez que não conhecemos suas fontes, suas origens ou as

condições em que foi escrito. Há um total apagamento do contexto de sua produção.

O tema também se apresenta distante da realidade do aluno brasileiro, posto que o

93

texto trata sobre os dados históricos de um teatro na cidade de Nova York. O texto e

as questões estão dispostos linear e cronologicamente, para que o erro seja evitado

no momento em que o SA responder às questões. As respostas já estão dadas no

texto, e cabe ao aluno apenas copiá-las. Não há qualquer necessidade de

entendimento do texto para resolução da atividade, já que é possível responder às

questões com base na sequência e nas pistas oferecidas pelo autor ao formular as

questões. Percebemos no exercício de compreensão que a abordagem behaviorista

persiste no LD, dado que as perguntas seguem um padrão repetitivo e apresentam

uma conduta de padronização das respostas.

Outro ponto a ser destacado é a não identificação do SA com o tema

abordado, um fator que o desmotiva a se envolver com o conteúdo e que,

consequentemente, inibe a constituição dos sentidos. As atividades de compreensão

focalizam apenas a verificação e a reprodução de seu conteúdo. O texto e seus

sentidos estão engessados e o SA pode concluir a atividade proposta de forma

mecanizada, como aprendemos com Grigoletto (1999, p. 81):

Se, na língua materna, o LD ao menos concebe o aluno como capaz de formular opiniões e fazer inferências, na língua estrangeira nem isso existe, mesmo que, por falta de proficiência linguística, se propusessem discussões veiculadas em português. Ao contrário, as tarefas do aluno são extremamente limitadas e “mecanizadas”, com ênfase na utilização de habilidades simples, tais como o reconhecimento de informações explícitas no texto e cópia.

Podemos compreender, com base na autora, que o LD silencia o SA pois seu

autor já estabeleceu o que deveria ser respondido. Sendo o sujeito interpelado pela

ideologia, atravessado pelo inconsciente e constituído pela língua, como pode

inscrever-se na língua estrangeira que se mostra o tempo todo estranha a ele? O

texto não tem alma, existe uma “negação da historicidade do texto e do leitor”

(GRIGOLETTO, 1999, p. 83). Não há espaço para interpretação, há apenas o

cerceamento do SA.

O autor, ao propor uma leitura em que os sentidos já se encontram postos,

afasta o SA da oportunidade de se ressignificar a partir da leitura; sendo assim

possível afirmar que determinados textos e abordagens textuais não dão espaço

94

para a interpretação e constituição dos sentidos. Como também esclarece Grigoletto

(1999, p. 80):

O fazer sentido não ocorre fora da historicidade que marca a relação do homem com a língua. Assim, entende a AD que o sentido não se dá no vácuo da letra morta no papel, e sim na relação entre o sujeito produtor da linguagem, a materialidade linguística e a história.

Ressaltamos que é preciso que os autores ofereçam leituras autênticas para

que o SA possa evocar suas memórias, suas marcas e tecer as suas interpretações.

O texto e as atividades didáticas precisam considerar um SA que é dono de um

saber e que pode atribuir sentido a uma leitura e a partir dela refletir e deslocar-se.

Nosso corpus e tantos outros LDs tomam o aluno como tábula rasa, incapaz

linguisticamente, e a partir desta concepção desenvolvem atividades com “leituras

lineares e perguntas óbvias”, que cerceiam qualquer possibilidade de mobilização,

manifestação e posicionamento do SA.

Outro aspecto que evidenciamos em nosso corpus é a criação de diálogos e

textos que têm como objetivo principal o ensino da gramática. É perceptível, quando

voltamos o olhar para as atividades apresentadas nas unidades, que, quase todas

as práticas visam a um propósito maior que paira sobre toda a unidade didática: a

gramática. Quanto a isso vejamos o seguinte excerto, Figura 20:

95

Figura 20. Diálogo introduzindo a unidade didática

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 83

Figura 21. Atividade compreensão de texto

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 84

96

O excerto mostra um diálogo cuja única finalidade é o ensino da gramática,

isto é, o aluno deverá usar o diálogo como ferramenta para aprender o discurso

indireto. Assim sendo, a tarefa que segue o diálogo, Figura 21, não deveria ser

designada como compreensão de texto, pois a atividade é um reconto, um exercício

de caráter gramatical.

Os autores forjaram um diálogo a respeito da situação do nascimento de um

filho, em que o pai não está presente devido a seu trabalho, totalmente despido de

significados, cujo intuito não ultrapassa o ensino da gramática. Entendemos que o

tema poderia ser explorado para que houvesse uma aproximação com a realidade

dos alunos, já que o curso tem em seu escopo jovens adultos, entretanto em toda a

unidade não se promovem considerações sobre a questão, o que poderia suscitar

opiniões divergentes, reflexões e tomadas de posição pelo SA. Diversamente,

propõe-se apenas que o aluno reconte a estória, como mostrado na Figura 21. Vale

lembrar que retell, “recontar”, como definido pelo dicionário eletrônico Michaellis24,

indica “contar duas ou mais vezes”. O prefixo re faz menção à repetição, então, o SA

precisa apenas contar o que já foi dito, e as palavras são do outro, do autor. O

silenciamento mostra-se também na impossibilidade da escolha lexical pelo SA.

Delimitar o campo de interpretação do SA, evitando atividades que poderiam se

encaminhar a discussões maiores, assegura o controle da aula ao LD, garantindo

que seus parâmetros sejam cumpridos, resguardando o protagonismo do LD e de

seu autor.

No excerto acima, Figura 21, quando o autor pergunta ao SA, Can you retell

the story using your own words?, “Você pode recontar a estória usando suas

próprias palavras?, o uso do modal can, que pode ser traduzido por “poder”, “ter a

capacidade de”, sugere que o aluno está sendo desafiado a realizar a tarefa. Como

que questionando “Será que você é capaz?”, novamente o autor deixa transparecer

sua dúvida quanto à capacidade do SA. Há uma pressuposição sobre a

incapacidade do SA frente à realização da atividade proposta. Continua o

enunciado, using your own words, “usando suas próprias palavras”, solicita o autor

ao SA que use suas próprias palavras. O emprego do adjetivo “próprias” dá a

24

Cf. verbete “recontar”. MICHAELIS. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=recontar>. Acesso em: 01 nov 2015.

97

impressão de que o SA enunciará de forma autônoma, no entanto, a atividade a ser

realizada propõe a narrativa do diálogo, configurando uma contradição no

enunciado, pois as palavras a serem utilizadas já se encontram postas no diálogo. O

SA não foi instado a uma interpretação da situação apresentada, mas a recontar

linear e mecanicamente um diálogo em mais uma atividade que remete ao

behaviorismo e a métodos tradicionais para o ensino de LE com foco na

aprendizagem de estruturas gramaticais.

A análise das atividades de compreensão propostas nas sessões de leitura do

corpus revela ainda que o objetivo delas é conduzir o SA à resposta correta,

evitando a possibilidade do erro – por não considerar a falha como constitutiva do

sujeito e do ensino-aprendizagem –, garantindo a aplicação do método de forma

fluida e harmônica.

Com a finalidade de regular as atividades e assegurar que a aula de inglês

ocorra dentro da metodologia proposta e conduzida pelo LD, as atividades de

compreensão das leituras seguem um padrão que concede ao aluno a condição de

realizá-las sem que ocorra o deslize, visto que as respostas já se encontram

prontas, no próprio texto, concedidas pelo autor. São exercícios que visam apenas à

verificação do conteúdo do texto, não havendo oportunidade para que o sujeito

interprete o texto a partir de sua historicidade e memória.

Nesse sentido, vejamos o excerto a seguir:

98

Figura 22. Atividade de Leitura, texto e compreensão

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 19

No primeiro parágrafo do trecho apresentado na Figura 22, acima, o autor

dirige-se ao leitor com algumas perguntas como: What’s your opinion about Sarah

and Elton? What do you think they had better do? Do you think that it has any

99

influence in their problems?25 O autor usa o pronome interrogativo what, “o que”,

“qual”, logo, subentende-se que ele espera que o SA manifeste sua opinião sobre os

personagens Sarah e Elton. O uso de “o que” ou “qual” remete a questões diretas e

objetivas; em sua resposta, o SA deverá apenas descrever sua opinião, o que torna

o exercício bastante superficial. Diferentemente, se na elaboração das questões

houvesse sido empregado o pronome interrogativo “como”, por exemplo: “Como

você resolveria o problema entre Elton e Sarah?, o SA seria instado a refletir sobre o

tema, sobre as bases de seu pensamento em relação aos questionamentos postos,

para apontar uma solução. Percebemos que, apesar de o autor referir-se ao leitor e

parecer trazê-lo para dentro do contexto, na verdade não se quer saber a resposta

ou a opinião do leitor, esta estratégia é uma “interdição camuflada”, como vemos nas

palavras de Grigoletto (1999, p. 87), quando nos alerta que a interdição à

interpretação:

não se apresenta de forma clara; ela é a todo o tempo camuflada no LD. Na verdade, o LD apresenta formulações que apontam para dois discursos contraditórios. De um lado, há um discurso que reforça a ilusão de liberdade do sujeito como aquele que é livre para interpretar; de outro, e concomitantemente, há um outro discurso que cerceia a interpretação.

No recorte apresentado na Figura 22, o leitor é chamado a participar, emitir

opinião, porém, percebemos pelo desenvolvimento da atividade que não há

verdadeiramente espaço para sua opinião, uma vez que as respostas às supostas

perguntas estão literalmente expostas no texto. Esta interpelação do SA é artificial e,

embora produza um efeito de interação e pertencimento ao contexto, não promove a

participação do SA, não ultrapassa a materialidade do texto, não constrói sentido.

Todas as atividades de compreensão de leitura presentes no corpus

apresentam questões dispostas sequencialmente. O SA pode percorrer o texto para

localizar informações independentemente das referências contidas na leitura como

um todo. O trabalho com o texto baseia-se nos fragmentos da língua de forma

descontextualizada. O texto é reduzido a um aglomerado de palavras e frases

justapostas. Com essa perspectiva, o SA perde a percepção do texto como um todo,

25

“Qual é a sua opinião sobre Sarah e Elton? O que você acha que seria melhor que eles fizessem? Você acha que tem alguma influência em seus problemas?” (tradução nossa)

100

e, assim, a possibilidade de construir sentidos torna-se reduzida, posto que os

sentidos se encontram no entrecruzamento da língua, do sujeito e da história.

A nosso ver, como as metodologias atuais preconizam a participação do SA,

estabelecendo uma interação com o texto e com toda a situação de ensino-

aprendizagem, definindo uma aula centrada no as; os LDs aparentam inserir o SA

no contexto da aula de modo que ele desenvolva um olhar reflexivo e posicione-se

frente às diversas situações. Porém, como observamos no recorte anterior, a

participação efetiva do SA é superficial, visto que a opinião que irrompe é a do autor

e em menor escala a do professor, cabendo ao aluno simplesmente a decodificação

do texto e a cópia.

É preciso insistir que o LDLI deve oferecer ao SA textos autênticos para que

haja uma relação entre o texto e a vida do SA, pois a constituição dos sentidos

carece de situações reais em que o aluno possa espelhar-se, inserir-se, significar-

se. Entretanto, algumas leituras, apesar de introduzirem conteúdos com os quais

seria possível o estabelecimento de um paralelo com a realidade, visam somente à

compreensão do texto como uma forma de tradução, não oferecendo uma

perspectiva discursiva na aula de leitura em LE.

Na figura a seguir, apresentamos um texto, cujo tema é “Felicidade”. Mostra-

se, à primeira vista, como um tópico que poderia oferecer ao SA possibilidades

diversas de reflexão, expressão e interpretação. Vejamos:

101

Figura 23. Texto para Leitura

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 45

Figura 24. Compreensão de texto

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 46

102

Como mencionado, a leitura apresentada na Figura 23 oferece múltiplas

possibilidades para que o SA participe da construção dos sentidos do texto,

manifestando opiniões e mobilizando suas memórias, visto que o tema “felicidade”

pode propiciar um mergulho interior pelo sujeito para que então ele dê sentido à

leitura. Contudo, a abordagem que observamos na Figura 24 mantém o princípio da

imposição do silenciamento ao SA. As perguntas elaboradas seguem o padrão

behaviorista repetitivo, relegando ao aluno a busca das respostas no texto, evitando,

assim, que irrompa o inesperado, para mais uma vez garantir ao LD e ao professor o

controle da aula.

No subtítulo da leitura o autor explica: Here’s another sample of Elton’s

thought, “Aqui está uma outra amostra do pensamento de Elton?”. E convoca o SA a

opinar What do you think about it?, “O que você acha disso?”. O subtítulo, ao colocar

o texto como uma amostra do pensamento de Elton e citar no rodapé da página a

fonte da leitura, deixa claro para o aluno que aquele texto, aquelas situações são

irreais e descontextualizadas. O texto perde seus sentidos ao passo que se

descobre que aquele não é o pensamento do personagem Elton, e sim do filósofo

Rousseau, o que conduz o texto a um vazio de significados. Ainda sobre a

possibilidade de o aluno se posicionar sobre o tema, notamos que sua opinião não é

relevante para o desenvolvimento do exercício de compreensão, uma vez que as

perguntas observadas na Figura 24 continuam a abordar o texto de forma

sequencial e a solicitar-lhe apenas a confirmação do que já está respondido no

próprio texto. Cabe ressaltar que tal observação reforça a noção de leitura como

tradução, como uma busca pelas afirmações apresentadas no texto.

Salientamos que na questão “e” o autor dirige-se ao SA com a pergunta: Do

you agree with Elton or not?, “Você concorda com Elton ou não?”, no entanto, esta

questão é notadamente superficial, pois não instiga o SA a interpretar com base em

seus pensamentos, cumprindo apenas a função de sinalizar ao SA que ele deve

participar da atividade, porém, como em todas as abordagens textuais, de forma não

constitutiva. As perguntas na Figura 24 ignoram que ler é um ato de produção de

significados e que o sentido não se encontra no texto.

103

Evidenciamos que nos textos e diálogos apresentados nos excertos

analisados os sentidos encontram-se fixos, havendo apenas uma resposta possível,

isso porque não se cria oportunidade para o aluno se manifestar, o que suscitaria

respostas múltiplas. Em nosso entendimento, o SA é homogeneizado e, por

conseguinte, as interpretações propostas pelo autor são unas. Encontramos em

todas as atividades didáticas de leitura e interpretação de texto o silenciamento dos

sentidos, recaindo o significado sempre sobre o autor.

Constatamos através do trecho recuperado na Figura 25, exibida a seguir,

que o sentido do texto é definitivamente creditado ao autor, cuja opinião solicita-se

ao SA descrever. Porém, entendemos pela perspectiva discursiva de filiação

francesa, que nos fornece a base teórica deste estudo, que a compreensão do texto

se dá pelo leitor, sujeito historicamente constituído que, no ato da leitura constrói

significados a partir de sua relação com a língua e com a materialidade linguística do

texto. Tal excerto reforça o caráter onipotente do autor, que outorga ao LD o

comando da aula, uma vez concebido para regular as relações em sala de aula e

para fazer prevalecer sua opinião do texto. Vale ressaltar que com esta abordagem

evita-se a dispersão e mantém-se a homogeneidade de compreensão da leitura, já

que toda a classe apresentará a mesma resposta.

Figura 25. Pergunta de compreensão de texto

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 91

Nesse sentido, relembramos as palavras de Carmagnani (2010, p. 94-95)

quando evidencia a onipotência do autor como instaurador de significados ao texto e

o papel secundário do leitor, cuja função é somente transcrever a opinião do autor,

decodificando e copiando-a; como visto nos excertos do corpus apresentados.

Numa perspectiva discursiva, a produção dos sentidos não é realizada por um autor onipotente que deixa marcas no texto para o desvelamento do significado, mas por sujeitos situados historicamente, que ocupam um “lugar” e que produzem sentidos a partir desse lugar que ocupam.

104

O SA, no excerto da Figura 25, é então questionado quanto a sua

concordância com a opinião do autor, Do you agree?. Inferimos, com base na

reflexão anterior, que apesar de o leitor parecer ter importância no ato da leitura, ele

é apenas um coadjuvante. Na verdade, como vimos, esta pergunta é destituída de

indagações, não se permite que o SA intervenha de forma concreta na aula, pois a

opinião que realmente importa é a do autor, é ele quem estabelece o que pode e

deve ser compreendido. A palavra concordar significa consentir, autorizar, e o SA

deve responder objetivamente sim ou não, tendo desta forma uma participação

limitada. A partir desta constatação, entendemos que a função do leitor é apenas a

de reiterar o que já se encontra estabelecido pelo autor, copiando os sentidos

autorizados por este.

O LDLI aqui analisado assume sistematicamente o protagonismo da aula.

Este mecanismo de controle evidencia a preocupação do autor com a manutenção

homogênea dos processos pedagógicos, garantindo assim, ao professor, que este

não enfrentará situações em que o SA possa surpreendê-lo ou confrontá-lo com

interpretações divergentes das prescritas. Este procedimento tem caráter recorrente

em cursos de idiomas, especialmente em escolas franqueadas – valemo-nos de

nossa trajetória profissional nesse segmento para essa reflexão.

Percebemos que a proposta didática de compreensão de leitura apresentada

em nosso corpus exibe textos desenvolvidos linearmente, cujo conteúdo encontra-se

distante da realidade do SA, não propondo formas de interpretação que possibilitem

ao aluno uma posição reflexiva, tendo em vista sua atividade exclusiva e limitada de

verificação dos sentidos já postos no texto. Tal abordagem conduz a situações de

controle e interdito, evitando assim, o inesperado, dado que todos os SAs

respondem às questões de forma previsível, dentro dos limites estabelecidos e

autorizados pelo autor.

Esta abordagem didática, que cerceia a reflexão e o posicionamento do SA

silenciando a constituição dos sentidos, supõe alunos unos, impede a mobilização

da memória discursiva e a dispersão, em via de garantir ao professor o controle da

aula, com o fortalecimento da posição norteadora de comando do LD no contexto

105

escolar. Entendemos que, apesar de em algumas atividades o SA se colocar sob a

aparente visão de autonomia, tal posição é ilusória, pois os passos a serem dados

tanto pelo SA quanto pelo professor continuam a ser apenas aqueles permitidos pelo

LD, o que é corroborado pela ideia de que o controle das etapas da aula é um dos

pilares dos cursos de idiomas ministrados por franquias, como nos mostra o estudo

de Bulhões e Pessoa (2010, p. 6) a seguir:

Os cursos franqueados: institutos de línguas que operam sob uma mesma marca em todo o país, dentro de um sistema de franquia pelo qual preza pela sua padronização, desde a infra-estrutura do prédio até a didática do curso. O método de ensino se baseia na ênfase do livro texto e do plano didático, o que pode causar prejuízos à criatividade e ao talento do professor.

Cabe destacar que quando o LD impede o professor de desempenhar seu

papel na cena da aula, de buscar caminhos outros que os propostos pelo material, o

SA também sofre as consequências destes limites impostos ao processo de ensino-

aprendizagem, uma vez que sempre se manterá no trajeto prescrito pelo LD.

Embora tenhamos pontuado as questões de interdito e as situações que não

oferecem oportunidade ao SA para reflexão e deslocamento, consideramos

possíveis abordagens da habilidade leitora sob o viés discursivo, que colocam o SA

em cena, facultando-lhe o protagonismo em sala de aula. Deste modo, propomos a

utilização de textos a partir de uma perspectiva discursiva.

No corpus ora analisado, não se menciona a questão do gênero discursivo.

Embora integrem o LD em foco diálogos, crônicas e textos que poderiam estar

presentes em jornais ou revistas, não se faz uma abordagem das leituras com base

nos gêneros. Entendemos que a interpretação de leituras sob a perspectiva do

gênero poderia aproximar o SA do texto, pois o aluno estabeleceria relações com

questões que permeiam seu cotidiano, conquistando o protagonismo nas atividades

leitoras. Ao apresentar uma visão discursiva da leitura, afirmamos que as questões

sobre gêneros devem estar presentes na proposta didática.

Vale destacar que uma leitura com base no discurso demanda textos

autênticos que tornam possível ao SA compreender as condições de sua produção,

106

questionar sua ideologia, emitir opiniões, apontar sugestões, enfim, entendê-los

como parte de um discurso sócio-histórico-ideológico.

Dentre as opções para o trabalho sob conceitos discursivos, destacamos o

uso de matérias jornalísticas, propagandas, manuais, diálogos, poemas ou letras de

canções, quando seria possível ao SA elencar questões basilares para a construção

de significados, como demonstrado na tabela a seguir.

Quadro 1. Proposta de abordagem discursiva para aula de leitura Leituras Propostas de abordagem

Matérias jornalísticas

Propagandas

Canções

Poemas

Manuais

Diálogos

Refletir sobre o gênero e suas marcas

Problematizar os gêneros

Observar recursos tipográficos e suas funções

Refletir sobre a ancoragem visual e sua função

Refletir sobre as condições de produção

Refletir sobre o público destinatário

Discutir a Ideologia subjacente

Analisar as marcas linguísticas e o sentido que provocam (formas verbais, metáforas, conjunções,

modalizadores, etc.)

Comparar diferentes perspectivas sobre um mesmo tema

É importante destacar que alcançar objetivos nas atividades de leitura com

uma abordagem discursiva significa provocar a construção dos sentidos e não

apenas trabalhar com a transcrição de informações já prescritas pelo texto ou

aprimorar o arcabouço lexical do SA ou ainda desenvolver e fixar a competência

gramatical.

As marcas discursivas que cerceiam e controlam os dizeres apresentadas nas

atividades de leitura, conforme analisamos até aqui, manifestam-se também no

desenvolvimento das atividades para prática oral, merecendo nossa atenção.

107

3.3 O caráter estanque das atividades orais

Antes da escrita ou em épocas e lugares com baixo número de pessoas

alfabetizadas, é através da forma oral que os conhecimentos, as histórias e as

crenças costumam ser transmitidos.

No contexto educacional atual, a modalidade oral também ocupa lugar

relevante, entretanto, a habilidade oral costumeiramente se restringe ao professor,

do aluno espera-se o silêncio ou o falar apenas quando lhe é indicado. Esta

circunstância nos remete às questões de silenciamento, visto que, habitualmente,

nas situações de ensino-aprendizagem há uma imposição de censura ao dizer do

SA. Este interdito ocorre em todas as aulas e disciplinas do currículo por questões

hierárquicas a respeito da fala; o professor, investido de autoridade, pode falar, já do

aluno se espera o silêncio, não o silêncio da reflexão, mas o silêncio da interdição de

dizeres. Orlandi (2013, p. 104) postula sobre o silenciamento imposto:

A censura tal como a definimos é a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas, isto é, proíbem-se certos sentidos porque se impede o sujeito de ocupar certos lugares, certas posições. Se se considera que o dizível se define pelo conjunto de formações discursivas em suas relações, a censura intervém a cada vez que se impede o sujeito de circular em certas regiões determinadas pelas suas diferentes posições. Como a identidade é um movimento, afeta-se assim esse movimento. Desse modo, impede-se que o sujeito, na relação com o dizível, identifique-se com certas regiões do dizer pelas quais ele se representa como (socialmente) responsável, como autor.

Coadunamo-nos com a autora quando expõe sobre a natureza do

impedimento que afeta o sujeito e o impossibilita de deslocamentos. A partir desta

reflexão, atentamo-nos, também, às atividades didáticas de caráter repressivo, que

limitam o dizer do SA, censurando seus posicionamentos e tornando sua inserção

na LE superficial e ilusória, dado que há pouca mobilização da historicidade e da

memória discursiva durante os processos de ensino-aprendizagem; pouco

ocorrendo o jogo discursivo na cena escolar.

A partir de nossa experiência na esfera do ensino de inglês como LE,

julgamos que a habilidade oral se mostra como a mais desejada pelos alunos e a

mais difícil de ser atingida, uma vez que o aluno precisa produzir dizeres sendo para

108

tanto necessário um arcabouço linguístico que o permita elaborar essas falas. Com

base neste entendimento, percebemos que as atividades de prática oral são o

grande destaque tanto dos cursos de idiomas quanto dos LDLIs. A promessa de

levar o aluno à comunicação efetiva é a circunstância mais valorizada tanto num

curso de idiomas quanto num LDLI, pois circula em nossa sociedade o discurso da

importância da comunicação em LE, principalmente em inglês, como fator

preponderante para a ascensão profissional. Concernente a essa questão,

encontramos em Grigoletto (2003, p. 227) algumas considerações sobre o que

deseja o aluno:

A tônica é o domínio de um veículo de comunicação para utilização em contextos reais nos quais a língua estrangeira seja necessária, fora da sala de aula. Trata-se de um enunciado que faz parte do discurso sobre ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, notadamente nas últimas duas décadas, mas que também é expresso nos discursos da propaganda e do poder econômico, incluídos aí o discurso da globalização.

Os pontos acima elencados nos indicam que as atividades de prática oral,

pelo que elas representam no ensino de idiomas, precisariam ser concebidas sob

um viés discursivo, que relacionasse o SA à realidade que o cerca, erigindo um

ambiente propício para que significados fossem produzidos a partir das situações

postas em aula.

Na direção oposta às abordagens discursivas necessárias para o

desenvolvimento da habilidade oral de forma constitutiva, encontramos no LDLI as

marcas do cerceamento do discurso. Podemos observar, em nossa análise,

atividades estanques que não oportunizam ao SA reflexão e tomada de posição,

configurando uma situação em que a LE torna-se uma “língua-de-espuma”,

conforme a definição dada por Orlandi (2013, p. 99):

Uma língua “vazia”, prática, de uso imediato, em que os sentidos não ecoam. É uma língua em que os sentidos batem forte mas não se expandem, em que não há ressonância, não há desdobramentos. Na língua-de-espuma os sentidos se calam. Eles são absorvidos e não produzem repercussões. Se, de um lado, não se comprometem com nenhuma “realidade”, de outro, impedem que vários sentidos se coloquem para essa mesma “realidade”.

Os discursos, quando submetidos à censura, evidenciam o impedimento do

dizer, da reflexão. Nesse sentido, assim como a língua-de-espuma, muitas

109

atividades para a prática oral inclusas no LDLI e o próprio LD exercem autoridade

para silenciar os sentidos do SA, como observamos nos excertos a seguir, nas

Figuras 26 e 27.

Figura 26. Atividade para conversação

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 62

Partimos do título das atividades: Talking about..., “ Falando sobre...”,

atentamo-nos para a construção do enunciado com o gerúndio que causa um efeito

de sentido constante, como se a ação fosse ininterrupta. Este recurso, gerúndio com

caráter durativo, reforça a ideia de que a prática oral é contínua, conferindo também

concretude à ação. A ideia de continuidade é ainda intensificada pelo uso de

reticências.

Como percebemos, a atividade para prática oral apresentada na Figura 26

não parece ter como objetivo o desenvolvimento da oralidade de forma contínua,

pois mostra-se estanque: Do you like the theater?, “Você gosta de teatro?”.

Sublinhamos que o uso do presente simples pressupõe verdades eternas sobre as

quais não há muito que manifestar. Trata-se de uma pergunta cuja resposta deve

ser objetiva, não havendo espaço para a expansão do pensamento, para o aflorar da

memória discursiva. A questão Have you been to the theater lately?, “Você tem ido

ao teatro ultimamente?”, utiliza o presente perfeito. Este tempo verbal em inglês está

relacionado à eventualidade e às marcas temporais. O uso do presente perfeito

auxilia o interlocutor a inferir sobre o tempo em que a ação em questão ocorre.

Valendo-nos desta informação, compreendemos que as atividades orais das Figuras

26 e 27 cumprem com o propósito de oferecer uma perspectiva fechada da prática

oral e de revisar a estrutura gramatical do presente perfeito.

Em ambas as atividades orais, os dizeres encontram-se delimitados e o SA

impedido de se manifestar com base em sua natureza histórico-social-ideológica,

110

uma vez que não há envolvimento do SA em um processo de reflexão e construção

dos sentidos. A atividade não leva à ressignificação de uma situação, como

percebemos no excerto 27:

Figura 27. Atividade para conversação

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 126

Podemos deduzir, a partir do recorte 27, que a atividade prescinde de

posições ou julgamentos por parte do SA, ele apenas responde sim ou não. Esse

tipo de questão deixa entender que o aluno é visto como incapaz de promover uma

argumentação e ocupar seu lugar como sujeito do discurso.

Vale destacar que estas atividades orais que levam ao silenciamento dos

sentidos são exercícios de caráter gramatical, uma “oralização” da modalidade

escrita. Assim como em algumas atividades leitoras, certas práticas orais muitas

vezes encontram-se camufladas e destinam-se primordialmente ao ensino da

gramática ou ao desenvolvimento de atividades escritas, afastando-se do verdadeiro

sentido da produção oral, como nos ensina Marcuschi (1997, p. 47):

Os exercícios que se dedicam à oralidade privilegiam atividades de oralização da escrita ou atividades que culminam com textos escritos não necessariamente brotados de discussão sobre o que foi falado. Nunca se propõe a audição de falas produzidas fora do contexto de aula, ignorando-se a produção falada real.

Sob esta perspectiva, apresentamos outros recortes em que a produção oral

mostra-se como uma “oralização” da modalidade escrita:

111

Figura 28. Atividade para prática oral

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 114

Destacamos no enunciado da Figura 28 o uso do imperativo, que demonstra

seu caráter injuntivo: Ask each student to explain the procedures below, “Peça a

cada aluno para explicar os procedimentos abaixo”. O modo imperativo é de

natureza mandatória e expressa instruções ou comando, caracterizando assim a

hierarquia das posições ocupadas no cenário da aula, demarcando as posições de

todos os atores. Vale ressaltar que os títulos dos exercícios costumeiramente

dirigem-se ao SA, mas nesta atividade não fica claro a quem o LD se endereça,

presumivelmente, o LD orienta o professor, considerando-o um mero cumpridor das

etapas da aula preconizadas por ele. O professor é também compreendido como

tábula rasa e não se constitui como sujeito no processo da aula.

Fica evidente que o objetivo principal da atividade apresentada na Figura 28 é

reforçar o uso da forma imperativa e de conectores de sequência, já que o SA

precisa descrever um processo. O ensino da gramática, que permeia grande parte

das atividades do LDLI, aparece neste exercício de forma mascarada. O SA precisa

tão somente explicar um procedimento de forma mecânica. Este é um exercício de

natureza escrita que se encontra camuflado como atividade oral. Repetidamente, ao

longo dos exercícios propostos, localizamos situações que levam ao interdito, em

112

que o SA não produz discurso, apenas repete de forma mecanizada questões vazias

ou desenvolve oralmente exercícios gramaticais.

Com base na ADF, entendemos a sala de aula como um acontecimento

sócio-histórico, ideologicamente constituído, no qual encontramos o atravessamento

de vozes do SA, do professor, da instituição e do próprio LD. Esses princípios

múltiplos tornam a cena pedagógica ambiente propício ao debate, à troca e à

negociação, entretanto, o que constatamos, na abordagem didática aqui

apresentada, são atividades pedagógicas que preveem alunos hegemônicos e

situações de ensino-aprendizagem fixas e esperadas, como percebemos a partir do

exercício mostrado no recorte a seguir.

Figura 29. Atividade: entrevista de emprego

Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 14

A partir das marcas linguísticas podemos inferir que a atividade mostrada na

Figura 29 busca atribuir um sentido de continuidade para o exercício com o uso do

gerúndio em facing, selecting e using (“enfrentando”, “selecionando” e “usando”). Tal

procedimento confere efeito de movimento e veracidade à cena. O enunciado

posiciona todos os atores da situação: you are in a job interview, “você está em uma

entrevista de emprego”, e delimita o que deve ser perguntado e respondido. O

enunciado também utiliza o verbo criar, levando o SA a crer em sua autonomia,

entretanto, tal recurso é apenas um jogo de manipulação, visto que todas as etapas

do exercício já se encontram minuciosamente prescritas no enunciado.

113

Na Figura 29 observamos uma situação de aprendizagem indefinida, em que

não está claro se a atividade tem como objetivo o desenvolvimento da capacidade

oral ou escrita. Entendemos que o gênero “entrevista de emprego” é regularmente

apresentado como atividade para a prática oral, entretanto, verificamos no excerto

acima que o próprio SA deve elaborar perguntas e respondê-las. Desta forma, a

atividade parece pairar entre o escrito e o oral. Ao determinar que o SA crie

perguntas com base na estrutura gramatical Have you ever..., “Você alguma vez na

vida...”, para respondê-las com os advérbios yet, already, never e just, “ainda, já,

nunca e apenas”, a atividade, que já não considera o contexto dos alunos, delimita

ainda mais a prática oral, ordenando o caminho único que deve ser tomado pelo SA,

limitando o diálogo ou posicionamento dos SAs em cena.

Ressaltamos que uma prática pedagógica no formato entrevista de emprego

permite a exploração do contexto social e a mobilização da historicidade do SA para

construção de significados e tomada de posição, porém a atividade em questão, ao

tomar a língua como fragmento, propondo o foco sobre as palavras e as frases e

apontando prioritariamente para o uso de uma estrutura gramatical, impede a

negociação, cerceia o diálogo, estanca a reflexão e a movência.

Neste exemplar de atividade, o SA é percebido como um indivíduo privado de

um caráter social, encontrando-se o LD e a aula desprovidos de atravessamentos

histórico-ideológicos, do que resulta um processo pedagógico que ocorre

linearmente, sem embates, sem dar oportunidade às falhas. Nessa ordem, não há

constituição de sentidos, não se possibilita ao SA posicionamento e deslocamento.

Há apenas uma harmoniosa previsibilidade das atividades em sala de aula,

garantido, assim, a manutenção do controle da aula e a autoridade, ao LD e em

posição secundária ao professor, uma vez que a situação didático-pedagógica

permanecerá dentro dos limites autorizados pelo autor.

Ao professor, conferindo-se um tratamento discursivo ao processo ensino-

aprendizagem, caberia o papel de provocar a reflexão, pela criação de situações que

favorecessem ao SA a mobilização de sua memória discursiva. Dessa maneira, as

atividades pedagógicas estariam ancoradas na historicidade de todos os envolvidos

114

no contexto de aula, colocando o SA em cena, como nos ensina Souza (2010, p.

122), “o sujeito pode buscar um deslocamento para refletir sobre outros sentidos,

sentidos outros que não aqueles únicos e determinados a priori, mas sentidos

produzidos numa perspectiva histórica ne ideológica”.

Intentamos, a seguir, lançar um olhar diferenciado sobre o ensino-

aprendizagem de LE, questionando se este possibilita a produção de sentidos, a

mobilização da memória discursiva e o papel ativo dos sujeitos nos processos

pedagógicos e nas atividades orais que permeiam o LD, promovendo o

protagonismo do SA e do professor nas aulas de LE.

A abordagem das práticas orais a partir de uma perspectiva discursiva

pressupõe o desenvolvimento de atividades em que o SA possa refletir e escolher

caminhos com base em sua história, ou seja, a proposta da atividade oral precisa

ser construída de modo a permitir que o SA constitua sentidos. Elencamos a seguir

possibilidades para uma abordagem discursiva da oralidade na aula de LE.

Práticas Orais Objetivos

Debates

Mediações

Encenações

Conferências

Testemunhos Apresentações

Conversação Espontânea

Refletir sobre a escolha semântica e lexical compatíveis com as condições de produção

Problematizar os gêneros

Observar os marcadores da interação adequados

Refletir sobre posições discursivas

Refletir sobre as condições de produção

Refletir sobre o público destinatário

Discutir a ideologia subjacente

Expressar ideias

Comparar diferentes perspectivas sobre um mesmo tema

Quadro 2. Proposta de abordagem discursiva para aula de prática oral

Nesta concepção, o ensino-aprendizagem da habilidade oral necessita

ancorar-se em atividades que apontem para o entrecruzamento da historicidade, da

115

língua e do sujeito. Propomos uma concepção discursiva da prática oral a partir da

qual o SA possa tecer os fios da memória e a relação do interdiscurso e do

intradiscurso produza efeito dos sentidos, levando a rupturas e gerando

deslocamentos. Para tanto, apresentamos no quadro 2 alguns caminhos para a

formulação de atividades orais sob orientação discursiva.

Ao longo de nosso estudo, diagnosticamos o uso da modalidade escrita para

o desenvolvimento da oralidade, haja vista que muitos dos exercícios orais expostos

ancoram-se em atividades cujo principal propósito é o reforço das estruturas

gramaticais. Ante o que observamos, podemos sustentar que as atividades

introduzidas para promover a produção oral encontram-se atravessadas pelo uso da

escrita, constituindo um processo de “oralização” das atividades escritas.

Evidenciamos tal abordagem a partir das atividades cujas frases e estruturas são

previamente fornecidas pelo LD as quais relegam ao SA apenas a ação de percorrer

um trajeto já estabelecido pelo autor, produzindo oralmente a língua sob a

perspectiva gramatical e escrita. Neste sentido, concluímos que o jogo discursivo

não ocorre em sala de aula, visto que o SA permanece à mercê do LD. A nosso ver,

apenas a intervenção do professor poderia transformar o caráter limitador do LD,

entretanto, como o corpus é utilizado por franquias de ensino de idiomas, num

contexto em que a autonomia do professor é também silenciada, tal possibilidade

não se concretiza.

Mais uma vez encontramos indícios do ensino de línguas sob um viés

tradicional, com foco no ensino da gramática e endosso na corrente behaviorista.

Em vista do caráter das atividades analisadas, afirmamos que o LD em questão não

apresenta propósito discursivo, pelo contrário, mostra-se controlador dos

mecanismos didáticos e exerce o silenciamento dos sentidos, garantido a autoridade

da aula para si e para a instituição que representa.

116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As grandes monarquias da Época Clássica não só desenvolveram aparelhos de Estado – Exército, polícia, administração local –, mas instauraram o que se poderia chamar uma nova “economia” do poder, isto é, procedimentos que permitissem fazer circular efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e “individualizada” em todo o corpo social.

(FOUCAULT, 2014, p. 45)

Partindo do dizer foucaultiano que epigrafa este item e retomando nosso

propósito no presente estudo – o de problematizar, a partir da análise do LDLI, as

estratégias de silenciamento dos sentidos nele presentes, e entender como e por

que se dão – somos movidos a concluir que os caminhos aqui percorridos

descortinam sentidos que revelam o LD detentor da verdade e modelador dos

processos pedagógicos na aula de inglês. Assim podemos dizer que o LD é um

aparelho que exerce efeitos de poder na cena pedagógica.

À guisa de conclusão, podemos afirmar que as situações de interdito

presentes no LDLI, nas atividades de leitura e de prática oral, garantem que o livro

desempenhe sua função de controlar os atores e a cena pedagógica. É também

possível atestar que, em decorrência, o SA se inscreve nas atividades didáticas

desprendido de sua historicidade.

Como vimos nos exercícios de interpretação de texto e nas atividades orais, o

SA apenas exercita dizeres vazios, destituídos de sentido. Muitos livros e exercícios

para o ensino de idiomas consideram que responder a questões, mesmo sem

construir significados, pode conduzir à inserção do SA na LA. Tais materiais

desconhecem ou desconsideram que para produzir discurso, para construir “sítios

de significância” (ORLANDI, 1996a, p. 64), o SA precisa ser instado a interpretar na

língua outra.

A análise empreendida de nosso corpus ratifica a hipótese formulada nesta

pesquisa de que o LD representa o “regime da verdade”, o qual, ainda que se

apresente de maneira sutil, dedica-se ao controle da cena escolar. Evidenciamos

117

nos enunciados que, assim como um pan-óptico, o LD coloca o SA e o professor em

vigilância mútua em relação aos processos pedagógicos no contexto da aula.

Nesse sentido, refletimos sobre nossos objetivos e constatamos que os

enunciados das atividades didáticas desempenham um papel de controle e trazem o

autor do LD para a cena da aula, submetendo tanto o professor quanto o SA aos

seus ditames. Notamos também que, a partir de abordagens pedagógicas

cerceadoras e de situações didáticas distantes da realidade do SA, este é colocado

em situação de interdito e não é instado à reflexão durante sua inserção na LE.

Outro aspecto observado revela que tanto a materialidade linguística dos

enunciados quanto as estratégias pedagógicas disponibilizadas pelo LD agem feito

um guia para o professor e o SA, mantendo a aula sob a ótica do autor.

Em nosso gesto de interpretação, depreendemos dos recortes analisados as

muitas contradições do LD, que se apresenta como uma inovação no ensino de

inglês, mas perfaz, em seu conteúdo, uma volta aos métodos tradicionais de ensino.

Tirando proveito do anseio pelo novo, que como aprendemos permeia nossa

sociedade, o LD atua como um instrumento de persuasão a legitimar-se perante a

sociedade e exercer seu poder.

Nessa medida, compreendemos que a convicção na autoridade do LD

sustenta-se na crença de seu saber incontestável. Observamos, através de nosso

estudo, que os LDs, particularmente aqueles desenvolvidos por franqueadores para

o ensino de idiomas, valem-se desta alcunha para relegar ao professor um

irrelevante controle da aula. Em maior instância, conferem às instituições de ensino

a que servem, o comando da aula. Desta maneira, garantem vantagem econômica

às instituições de ensino de idiomas que podem contar com docentes menos

capacitados, uma vez que a cena pedagógica estará sob o controle do LD.

Os recortes analisados nos permitiram compreender as estratégias

empregadas pelo autor para manter o processo pedagógico dentro de um limite

preestabelecido por ele, com uso do LD como um instrumento para exercer e manter

este controle. Vimos que na esteira disso, os exercícios desenvolvem-se de forma

118

fechada e guiam o SA continuamente, cerceando-o de reflexões, da constituição dos

sentidos, das rupturas e deslocamentos, que poderiam acarretar situações de

confronto entre o SA e o professor e uma consequente perda do controle da aula.

Daí, constatamos que a manutenção do silenciamento dos sentidos é uma

estratégia utilizada pelo LDLI, um dos pilares das franquias de idiomas, para que o

ensino da LE ocorra de forma harmoniosa, sem conflitos e dispersões que poderiam

comprometer o fluxo da aula e também as bases financeiras das instituições de

ensino de línguas que necessitariam de maiores recursos para contarem com um

corpo docente mais capacitado.

A respeito de uma perspectiva discursiva para o ensino de LE, aprendemos

que as possibilidades oferecidas por estratégias que permitem ao SA a mobilização

da memória discursiva (por exemplo, através de atividades que se relacionem com a

realidade do aluno e o coloquem em cena como protagonista do processo ensino-

aprendizagem) constroem novos paradigmas para o ensino de idiomas, os quais se

destacam como uma forma não ilusória de inscrição na língua outra.

Em última instância, cremos que, sendo o LD o condutor dos processos de

ensino-aprendizagem, sua abordagem didática pode tanto criar oportunidade para o

estabelecimento dos sentidos quanto conduzir ao silenciamento. O que verificamos

em nosso corpus, por meio da análise do LD e de suas atividades orais e de leitura,

é que, em benefício das instituições, o LD assegura que o SA não produza discurso

além daquilo que se encontra previsto, proporcionando ao professor e à instituição

de ensino segurança e domínio da cena pedagógica. O silenciamento dos sentidos

do LDLI aprisiona o SA e salvaguarda a instituição de ensino.

Consideramos que este estudo gera possíveis caminhos para trabalhos

futuros, apontando para paradigmas diversos do ensino de idiomas, instigando-nos a

buscar novas pesquisas que possam contribuir para uma maior reflexão sobre o

ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira e sobre os papéis do livro,

do professor e do aluno na cena didática. Ou ainda nos impulsionando a

empreender outras formas de pesquisa que poderiam ampliar nosso olhar sobre

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aspectos aqui tratados como a entrevista de professores e alunos sobre questões

que envolvem a relação poder-saber do livro didático no contexto escolar.

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