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6 | SETEMBRO 2015 O SEGREDO DE QUEM FAZ O trabalho que faz uma lavoura CAMPEÃ Denise Saueressig [email protected] Divulgação O vencedor do Desafio Nacional de Máxima Produtividade de Soja da safra 2014/2015 é um recordista. O rendimento obtido na área inscrita no concurso promovido pelo Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb) alcançou a maior marca desde a primeira edição, na safra 2008/2009. O produtor e engenheiro agrônomo Alisson Alceu Hilgemberg conseguiu colher, em trabalho conjunto com o pai, Vilson Hilgemberg, 141,79 sacas por hectare (8.507,4 mil quilos) na área inscrita. Além de estar bem acima da produtividade média da lavoura brasileira, estimada em torno de 50 sacas por hectare, o número dos produtores de Ponta Grossa/PR cumpriu (e com folga) a meta estipulada para o Desafio deste ano, de pelo menos 120 sacas por hectare. Nesta entrevista, Alisson conta que os bons resultados na lavoura da família vão além do concurso e explica como trabalha para atingir a média de 100 sacas por hectare.

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6 | SETEMBRO 2015

O SEGREDO DE QUEM FAZ

O trabalho que faz umalavoura CAMPEÃ

Denise [email protected]

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ção

O vencedor do Desafio Nacional de Máxima Produtividade de Soja dasafra 2014/2015 é um recordista. O rendimento obtido na área inscritano concurso promovido pelo Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb)alcançou a maior marca desde a primeira edição, na safra 2008/2009. Oprodutor e engenheiro agrônomo Alisson Alceu Hilgemberg conseguiucolher, em trabalho conjunto com o pai, Vilson Hilgemberg, 141,79 sacaspor hectare (8.507,4 mil quilos) na área inscrita. Além de estar bem acimada produtividade média da lavoura brasileira, estimada em torno de 50sacas por hectare, o número dos produtores de Ponta Grossa/PRcumpriu (e comfolga) a metaestipulada para oDesafio deste ano,de pelo menos120 sacas porhectare. Nestaentrevista, Alissonconta que os bonsresultados nalavoura dafamília vão alémdo concurso eexplica comotrabalha paraatingir a médiade 100 sacas porhectare.

A GRANJA | 7

A Granja - Como teve início ahistória da sua família com a agri-cultura e qual é a estrutura de pro-dução atualmente?

Alisson Hilgemberg – Meu bi-savô já era pequeno produtor, traba-lhava com agricultura de subsistência.Meu avô seguiu esse caminho e, em1975, a região de Ponta Grossa/PRcomeçou a receber a mecanização eo cultivo da soja. Em 1978, meu pai seformou como técnico agrícola e come-çou a trabalhar com meu avô. Aospoucos, eles foram ampliando o plan-tio da soja. Eu estudei Agronomia naUniversidade Estadual de Ponta Gros-sa (UEPG) e comecei a trabalhar commeu pai em 2008. Hoje ele cuida maisda parte financeira e eu, da parte téc-nica. Nossa família tem três fazendasna região e uma área cultivada de 1mil hectares. Na safra de verão nor-malmente plantamos milho, soja e fei-jão, mas na próxima safra será ape-nas soja, em 610 hectares, e o restan-te da área será com feijão. Nesta sa-fra não vamos cultivar o milho porqueo cereal está em um momento de re-torno financeiro muito baixo devido àalta nos custos de produção. No inver-no, fazemos plantio de cobertura comaveia-preta.

A Granja – Como vem aconte-cendo a evolução dos rendimentosnas áreas cultivadas com soja?

Hilgemberg - Quando a famí-lia começou a cultivar a soja, no finalda década de 1970, o rendimento fica-va em torno de 40 sacas por hectare.Hoje nossa produtividade média é decerca de 90 sacas por hectare. Há 20anos percebemos o primeiro salto deprodutividade, para em torno de 60sacas por hectare. Passamos a utili-zar variedades adaptadas e indicadasà nossa região e trabalhar melhor aadubação, com o uso de micronutrien-tes. Quando comecei a trabalhar commeu pai, em 2008, as médias já esta-vam em torno de 70 sacas por hecta-re. Começamos a utilizar as ferramen-tas da agricultura de precisão e modi-ficar os sistemas de adubação e decorreção do solo. Assim, conseguimosincrementar para 82 sacas por hecta-

re e, agora, para 90 sacas por hecta-re. Esperava superar as 100 sacas nasafra 2014/2015, mas na época do en-chimento de grãos, em meados de ja-neiro e fevereiro, tivemos chuva du-rante 16 dias, e a planta sentiu a ca-rência de luz. Tivemos peso de grão15% menor do que a safra anterior.Mesmo com mais vagens por planta emais plantas por metro quadrado, opeso foi inferior. Também tivemos ocor-rência da lagarta-falsa-medideira, oque ajudou a afetar o rendimento.

A Granja – Além das tecnologiasda agricultura de precisão, quais fo-ram as outras práticas que colabo-raram para incrementar a produti-vidade?

Hilgemberg - Um conjunto depráticas nos ajudou. O uso do plantiodireto durante mais de 30 anos nos pro-porcionou a base para o trabalho. Aresposta rápida veio porque já tínha-mos a base sendo desenvolvida hábastante tempo. Mas com a agricultu-ra de precisão passamos a utilizar adose certa de adubos no lugar certo.Em 2009, adquirimos uma colheitadei-ra com um monitor de produtividadee, graças ao equipamento, observeique havia picos de produção bem di-ferentes entre os talhões. Meu paiquestionou o motivo para isso estaracontecendo e eu falei a ele: “É umaboa pergunta, vamos ter que pesqui-sar, com a ajuda da análise do solo”. Apartir daí, tentamos corrigir os proble-mas e fazer a adubação diferenciadapara padronizar a terra. Faz seis anosque trabalhamos para deixar o terrenoo mais homogêneo possível. Além dacolheitadeira que monitora a produti-vidade, a plantadeira faz a adubaçãoem taxa variável e a distribuidora desólidos também trabalha com taxa va-riável. Completo todo o ciclo da agri-cultura de precisão trabalhando aindacom um software que faz a verifica-ção dos dados e gera os mapas da área.

A Granja - Quais foram as prin-cipais conclusões obtidas nas áre-as com menor produtividade?

Hilgemberg – Em uma das fazen-das, identifiquei problemas com a aci-

dez do solo, ou seja, faltava calcário.Em outra fazenda, onde a produçãoera maior, o solo estava bem equilibra-do e foi o ponto de partida para eubuscar a uniformidade. Nessa época,tínhamos pico de 5 mil quilos por hec-tare em determinados talhões, mas emalgumas áreas produzíamos 1 mil qui-los por hectare, como as áreas de bor-dadura, que sofrem com o sombrea-mento e com a maior incidência depragas que vêm do mato. Mas hoje,seis anos depois de trabalhar com aagricultura de precisão, consigo 5 milquilos por hectare na bordadura e nomeio da área chego a até 9 mil quilos.Então, tenho nas bordaduras o que con-seguia antes no meio das áreas. Masmesmo assim não consigo 6 mil quilosde média, que é o meu objetivo de pro-dutividade. Além da acidez, tambémnotamos algumas áreas com poucamatéria orgânica no solo. Uma das ra-zões para isso era que o nosso plantiodireto não estava sendo feito de umaforma muito criteriosa. No inverno meupai costumava passar a grade na ter-ra, prática que consegui mudar nos úl-timos seis anos, para garantir o revol-vimento mínimo do solo. Meu pai aca-bou utilizando a grade por opção eco-nômica, mas é uma prática que podeacarretar perda de propriedades dosolo e erosão. Agora, para aumentaros índices de matéria orgânica, antesda safra de verão fazemos adição denutrientes, com o uso do adubo orgâ-nico feito com esterco animal. Utiliza-mos de acordo com as informaçõesdos mapas de produtividade e, assim,ainda conseguimos redução de custos.O cálculo é que a adubação químicanos custaria três vezes mais. Hoje usa-mos 90% de adubo orgânico e apenas10% de químico. Será a terceira safracom esse manejo.

A Granja - Quais são as outraspráticas que você considera essen-ciais para o incremento da produ-ção?

Hilgemberg - Posicionamento davariedade na época correta, populaçãocorreta de plantas, tratos culturais, ouseja, práticas de manejo que todo mun-do conhece, mas nem todos fazem. A

8 | SETEMBRO 2015

O SEGREDO DE QUEM FAZ

Estamos expostosa acontecimentos

internacionais,então precisamos

focar no nossotrabalho e

aumentar aprodutividade

É importanteplantar na época

certa, com aumidade

adequada do soloe fazer o uso dedefensivos de

forma racional

nossa semente é uma variedadetransgênica de ciclo precoce. A semen-te sempre passa por inoculação e tra-tamento com fungicida, inseticida, mi-cronutrientes e enraizador. É importan-te plantar na época certa, com a umi-dade adequada do solo e fazer o uso dedefensivos de forma racional, quandonecessário. Também procuro seguir oManejo Integrado de Pragas (MIP). Oinverno cada vez menos rigoroso im-pede a quebra do ciclo dos insetos, oque vem aumentando os problemas comas lagartas. Mesmo assim, só utilizamosinseticidas quando é preciso. Em rela-ção a doenças, agimos preventivamen-te, porque quando a ferrugem aparece,não há muito mais para fazer.

A Granja – Como foi feita a pre-paração para o Desafio do Cesb?Você já havia participado do con-curso no ano anterior, certo?

Hilgemberg – No ano passado fi-camos em terceiro lugar no Brasil, se-gundo no estado do Paraná e primeirono município de Ponta Grossa, comuma produtividade de 109,5 sacas porhectare. Este ano, conseguimos colher141,79 sacas por hectare em uma áreade 4,95 hectares. Não fizemos nadade diferente no talhão inscrito para oDesafio, apenas separamos as áreasque produzem mais, de acordo com asinformações obtidas com o monitora-

mento da produtividade. Inscrevemosa área que sabíamos onde o solo eramais produtivo e utilizamos a mesmasemente usada normalmente. Tambémestamos fazendo um revezamento en-tre as propriedades. No ano passadoinscrevemos uma área da fazendaConquista, este ano, foi da São Jorgee, no ano que vem, será da Palmeira.Já estamos pensando em fazer algu-ma coisa diferente para o próximoDesafio.

A Granja - A produtividade mé-dia da soja no Brasil avançou pouconos últimos anos. Na sua opinião, porquais razões isso acontece?

Hilgemberg - Acho que em pri-meiro lugar vem o uso de variedadesadaptadas. Não adianta plantar umasemente cultivada por outro produtore não avaliar se aquela variedade éadaptada à altitude, ao local, à épocado plantio, ao tipo de correção do solo.Isso tudo influencia, acredito que 10%da produtividade passam por esse fa-tor. Também vimos o uso de subdosesde defensivos, em função de econo-mia. Ou então, o produtor usa um pro-duto caro, na dose certa, mas de for-ma atrasada. Acredito que usar o de-fensivo mais barato da forma corretaé melhor do que usar o produto maiscaro na hora errada. O uso equivoca-do também provoca resistência. Sãofatores que afetam o rendimento, as-sim como o clima, onde o produtor nãotem influência. No Rio Grande do Sul,a cada dois ou três anos, tem quebraem função do clima. Isso tudo afeta amédia do Brasil. As novas fronteirasagrícolas ainda têm poucas variedadesadaptadas e muita coisa para evoluir.O produtor acaba perdendo para la-garta, mato ou doença. Tem fatoresque ajudam o agricultor a produzir, mastambém há muitos fatores que ajudama reduzir a produção. No concurso doCesb vimos que há condição de igual-dade, pelas produtividades parecidasdos campeões, bem acima da média.Isso mostra que temos tecnologia emtodas as regiões do País, só que asmédias de todas as regiões são baixas.Muitas vezes também há a influênciado capital. O Brasil tem muitos peque-

nos produtores que ainda não têm umacorreta assessoria, ou seja, a tecnolo-gia não chega ou demora a chegar.Temos muito para crescer e melhorar.

A Granja - Quais são as suas pers-pectivas para a safra 2015/2016? Dian-te da alta nos custos de produção, quaismedidas estão sendo tomadas paramanter a rentabilidade?

Hilgemberg – Para a próximasafra percebemos uma alta entre 25%e 35% nos custos de produção. Até oadubo orgânico, que tem aumento dedemanda, teve o custo elevado. Em re-lação a preços, na última safra nossamédia de venda foi de R$ 68 a saca.Agora, estamos de olho nas cotaçõese no dólar. Hoje sabemos que os pre-ços variam entre R$ 77 e R$ 80 a sacana região. Com a alta produtividadeconseguimos blindar a nossa rentabili-dade. Estamos expostos a aconteci-mentos internacionais, então precisa-mos focar no nosso trabalho e aumen-tar a produtividade. Sabemos que pre-cisamos fazer mais na mesma área. Aterra na nossa região é caríssima, umhectare tem preços em torno de R$50 mil ou R$ 60 mil. Então, é funda-mental continuar batalhando pela pro-dutividade. Nós trabalhamos para atin-gir no mínimo 100 sacas por hectare.Ganhar concurso é muito bom, coroanosso trabalho, mas queremos mesmoé aumentar a nossa média.