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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA
O Sanitarismo Brasileiro: Contextualização do conto Urupês de Monteiro
Lobato com a realidade histórica da República Brasileira no início do
século XX
Daiana de Faria Viana¹
Rafael Maia Carlos Fonseca²
¹ Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (UnB). Aluna de Pós-graduação
em Vigilância Sanitária, pela Universidade Católica de Goiás/IFAR. Professora de Ciências e Biologia de Ensino
Fundamental e Médio. Email: [email protected]
² Professor de História e Filosofia – UNICEUB. Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental – UCB. E-mail:
Resumo
Este trabalho é baseado em uma revisão bibliográfica do contexto histórico da saúde e da vigilância sanitária no
Brasil no início do século XX, estabelecendo uma co-relação com o acontecido nos dias atuais. Toma como base
uma releitura da Obra Urupês de Monteiro Lobato que utiliza o personagem Jeca Tatu para retratar a realidade
do homem do campo no início do século XX, evidenciando suas necessidades sanitárias e a ausência de
informações sobre saúde vividas pelo personagem. Tem-se como objetivo a aquisição de um melhor
conhecimento a respeito do sanitarismo brasileiro no contexto histórico e literário do Brasil no início do século
XX comparando-o com a realidade brasileira atual.
Palavras-chave: Sanitarismo; Monteiro Lobato; Saúde pública
Abstract This work is based in a bibliography revision about the health historic context and the brasilian sanitarism at the
beginning of XX century, establishing a correlation with nowadays events. It was based at Monteiro Lobato
literature called Urupês, which use Jeca Tatu character to depict the countryside man at the beginning of XX
century, showing his sanitary needs and the health information absences. The purpose of this work is to supply a
better knowledge about the sanitarism in Brazil at the brasilian historic and literary context at the beginning of
XX century and to compare to nowadays reality.
Key words: Sanitarism, Monteiro Lobato, public health
1 INTRODUÇÃO
No início do século XIX, momento em que começa a ocorrer uma intensa migração
do homem do campo para as cidades, surgem as primeiras questões sanitárias. O crescimento
desordenado dos grandes centros urbanos aliado à falta de educação e informação da
população trazem consigo um crescimento de doenças até então desconhecidas como febre
amarela, varíola, malária (Santa Catarina, s/a).
O contexto histórico da saúde pública brasileira é de grande significância, pois pode
assim identificar as causas dos problemas atuais da vigilância sanitária no Brasil.
Segundo Hochman (2012) no inicio do século XX, além da existência de uma nova
concepção de mundo, o Brasil deixou de ser imperial para se tornar república. Uma liberdade
de pensamento provocou uma maior intensificação ao termo sanitarismo nas instituições
políticas, assim como relatada ao longo dos anos em obras literárias, de maneira mais real ou
por meio de histórias mais fantasiosas. Em busca de uma melhoria na saúde, principalmente
nas questões de vigilância sanitária, muitos escritores procuraram contextualizar a realidade
brasileira sobre a saúde pública em obras literárias.
Um desses autores da literatura brasileira foi Monteiro Lobato, que buscou retratar,
por meio de personagens fictícios, a dura vida do homem do campo que sofria com a falta de
informação e de aspectos sanitários. A análise da obra Urupês original e publicações
posteriores é importante para se tentar realizar a contextualização necessária, já que esta foi
publicada originalmente em 1918, contemporaneamente aos primeiros movimentos sanitários
que começavam a surgir no país.
Este trabalho visa mostrar a importância do conhecimento sobre o sanitarismo no
Brasil nas duas primeiras décadas do século XX, por meio da abordagem analítica entre a
literatura brasileira, com foco na obra Urupês de Monteiro Lobato, e a historiografia
brasileira.
O objetivo deste é que o leitor tenha acesso às pesquisas já realizadas no âmbito de
alguns historiadores brasileiros na visão do sanitarismo em nosso país, com um olhar obtido
na obra de Monteiro Lobato, podendo, assim, fazer uma comparação com os dias atuais em
relação à falta de informações passadas aos cidadãos e à precariedade do saneamento básico
ainda inexistente em muitas regiões do país.
2 METODOLOGIA
Para a construção deste trabalho fez-se um estudo quantitativo, descritivo, documental
e de caráter retrospectivo, por meio de pesquisa bibliográfica, coleta de dados em bases de
dados da área de História, Literatura e Saúde, além de pesquisas em sítios eletrônicos.
Começou-se com a leitura do Conto Urupês do autor literário Monteiro Lobato,
seguido de várias publicações feitas pelo mesmo em edições posteriores do mesmo livro e em
jornais e revistas da época complementando e retificando determinadas informações passadas
na obra original.
Posteriormente fez-se uma análise histórica, por meio da leitura de artigos científicos
publicados e de textos literários, da realidade da Saúde Pública no Brasil no início do século
XX e comparou-a com a realidade dos dias atuais contemplada nos meios de comunicação e
em artigos científicos.
3 DISCUSSÃO
3.1 Breve histórico sobre as questões sanitaristas do Brasil no início do século XX
O contexto histórico da saúde pública englobando a vigilância sanitária no Brasil é
relativamente recente.
Não há o que se falar em saúde pública durante o período de Brasil Colônia (1500-
1822), já que a preocupação com a saúde era voltada somente para a realeza portuguesa. Com
a chegada desta em 1808, deu-se início a uma reestruturação oficial da Vigilância Sanitária
no Brasil, tendo como uma das primeiras medidas adotadas a polícia sanitária do Estado, que
observava e fiscalizava embarcações, cemitérios e áreas de comércio de alimentos (BRASIL,
2002).
Somente após a proclamação da república o trabalhador brasileiro começou a ser visto
como um “capital humano”, havendo a necessidade de um ser saudável para fornecer mais
lucro aos senhores detentores do poder. Devido ao grande número de pessoas que passaram a
residir nos centros urbanos instalou-se uma propagação de doenças transmissíveis (BRASIL,
s/a). Por falta de educação e saneamento básico, epidemias se espalharam rapidamente pelas
grandes cidades.
Diante disso, a concepção de saúde coletiva veio à tona começando a ser idealizada a
partir do Movimento Campanhista dos médicos Oswaldo Cruz e Adolfo Lutz. A Lei da
Vacina Obrigatória, proposta pelo primeiro, tratava da vacinação de pessoas à força contra a
febre amarela, fato esse que acabou culminando na Revolta da Vacina, em 1904 (PORTO,
2003).
Como consequência das campanhas sanitárias das grandes cidades, as expedições
científicas chegaram até o interior do país. Essas expedições, realizadas na década de 1910,
ficaram conhecidas como Campanha pelo Saneamento Rural. Segundo Miguel Pereira,
professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), o Brasil era visto ao mesmo
tempo como “um grande hospital”, devido à presença avassaladora das endemias rurais e “um
vasto sertão”, indicando o descaso do poder público com a população. A partir desse
movimento surgiram políticas de saúde e saneamento de âmbito nacional com a criação, em
1919, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) (HOCHMAN, 2012).
A Liga Pró-Saneamento do Brasil, fundada em fevereiro de 1918 sob a direção de
Belisário Pena, pretendia alertar as elites políticas e intelectuais para a precariedade das
condições sanitárias e obter apoio para uma ação pública efetiva de saneamento no interior do
país. Ela propunha a criação de um grande serviço nacional de profilaxia das principais
doenças que afetavam a população rural (ancilostomose, malária, tripanosomíase, febre
amarela, etc) e que chegasse até o interior com seus postos de profilaxia e educação higiênica
(HOCHMAN, 1998).
O isolamento é uma das práticas mais antigas de intervenção social relativa à saúde
dos homens (BRASIL, 2005). Foi muito utilizado em épocas em que se tinha pouco ou
nenhum conhecimento das formas de transmissão das doenças.
O surgimento da bacteriologia, em meados do século XIX, resultou em novas técnicas
de controle das doenças infecciosas, dentre elas a vacinação. Surge então, o conceito de
“vigilância” em saúde pública baseado na observação de indivíduos que entravam em contato
com possíveis focos de doenças epidêmicas.
A partir da década de 1950, o conceito de “vigilância” é alterado da simples
observação do contato entre os doentes para o acompanhamento de eventos relacionados à
saúde coletiva (WALDMAN, 1998).
Nos dias atuais a “vigilância em saúde” é conceituada por Alexandre Langmuir como
“observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças
mediante a coleta sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbidade e
mortalidade, assim como de outros dados relevantes, e a regular disseminação
dessas informações a todos os que necessitam conhecê-la.” (BRASIL, 2005)
Sendo assim, os cuidados com a saúde tendem a deixar de ser meramente curativos
para se tornarem preventivos.
3.2 Monteiro Lobato e as questões de saúde relatadas na obra Urupês
José Bento Monteiro Lobato passou a vida engajado em campanhas para colocar o
país no caminho da modernidade. Nasceu em Taubaté, interior de São Paulo, cursou a
faculdade de direito, mas se consagrou fortemente na literatura. Foi um grande colaborador
da imprensa paulista e carioca, principalmente na contracorrente dos escritores de gabinete
que, segundo ele, não entravam no mato por medo de carrapatos, flagrou o homem do campo
na lida diária pela sobrevivência.
Em muitas de suas publicações enfatizou a mentalidade de desprezo do poder público,
argumentando que a baixa produtividade agrícola brasileira era uma provável consequência
de verminoses, doença de chagas, malária, etc, e que só com melhores condições de higiene e
saúde a terra poderia apresentar maiores lucros e produtividade. Segundo ele “O que nos
campos se vê, deambulando pelas estradas com ar abobado é um lamentável náufrago de
fisiologia, a que chamamos homem por escassez de sinonimia, feissimo, torto, fatalista,
geófago - viveiro ambulante do verme destruidor.” Neste trecho, Lobato se refere às
péssimas condições de saúde que se encontrava em muitos dos homens do interior do país.
Sendo assim, Lobato compara o caboclo do interior ao "sombrio urupê de pau podre a
modorrar silencioso no recesso das grotas". Surge, então, o Jeca Tatu, nome que se
generalizou no país todo como sinônimo de caipira, homem do interior. Por meio deste
personagem, que faz parte do conto denominado Urupês de 1918, o autor retrata bem a
realidade do homem do campo que sofre pelo descaso do poder público e pela ausência de
informação quanto à realidade de seu país. Na obra, o autor para enfatizar a ausência de
informação, descreve:
“Perguntem ao Jeca quem é o presidente da República.
- O homem que manda em nós tudo?
- Sim.
- Pois de certo que há de ser o imperador.”
Este personagem pode passar para o leitor diferentes ideias de interpretação de sua
condição de vida. Inicialmente “Jeca” se encontra doente e desassistido pelo Estado. Jeca
também pode ser visto como uma representação do Brasil agrário e rural, subdesenvolvido,
em total descompasso com o desenvolvimento urbano-industrial que já havia se instalado nos
países que comandavam o cenário político e econômico internacional (Silveira, 2010).
Em publicações posteriores Lobato procura chamar a atenção da população e dos
poderes políticos para esta realidade, por meio da publicação em jornais a possível explicação
para o desânimo e cansaço de seu personagem quando se refere às endemias causadas
principalmente pelos vermes. O autor trata ainda da ausência de informação do personagem
quanto a seu estado de saúde e possíveis maneiras de se evitar a doença.
Lobato, contrariando poderosos interesses multinacionais ao investir no ferro e no
petróleo, foi preso em 1941. Continuou sendo perseguido pela ditadura do Estado Novo que
mandou apreender e queimar seus livros infantis. Depois de um período residindo em Buenos
Aires, Monteiro Lobato morreu em 4 de julho de 1948, na cidade de São Paulo, aos 66 anos.
3.3 A visão das doenças transmissíveis que afetam principalmente os países em
desenvolvimento pelo mundo atual
Uma classificação atual muito empregada para se referir às doenças é a que considera
apenas três grupos, caracterizados pela “origem”: (1) transmissíveis (incluindo doenças de
mulheres e crianças, além de desnutrição); (2) doenças crônicas não-transmissíveis; (3) causas
externas ou “injúrias” (violência e trauma) (CARVALHEIRO, 2008).
Essa classificação expressa a situação epidemiológica do mundo, em que uma
“transição epidemiológica” fez que nos países desenvolvidos as doenças transmissíveis
tenham se reduzido substancialmente. Na maioria dos países em desenvolvimento persiste
uma alta frequência de doenças transmissíveis, convivendo com aumento acelerado das
crônicas não-transmissíveis. A violência e o trauma, por distintas razões sociais, crescem em
ambos os mundos (CARVALHEIRO, 2008).
Ao considerarmos as doenças negligenciadas no mundo, em particular nas Américas,
deparamos com vários casos de doenças já eliminadas em países desenvolvidos.
Considerando as doenças parasitárias e bacterianas identificadas como negligenciadas em
todo o mundo, Hotez e colaboradores (2007) incluem treze, entre elas três verminoses
transmitidas pelo solo (ascaridíase, ancilostomose e tricuríase), filariose, oncocercose,
dracunculose, esquistossomose, doença de Chagas, doença do sono, leishmanioses, úlcera de
Buruli, hanseníase e tracoma. Numa lista expandida incluem: dengue, treponematoses,
leptospiroses, estrongiloidose, trematoidoses transmitidas por alimentos, neurocisticercose,
sarna.
Hotez et al. (2007), baseados na prevalência e nos anos de vida perdidos (DALYs),
consideram que ancilostomose e outras verminoses transmitidas pelo solo, além da doença de
Chagas, são as mais importantes doenças tropicais negligenciadas na América Latina e no
Caribe. No Brasil, o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde
(Decit/MS) inclui na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde diversas dessas
doenças (BRASIL, 2006).
3.4 Conjuntura do sanitarismo brasileiro comparando-a com a realidade do conto
Urupês de Monteiro Lobato por meio do personagem Jeca Tatu
Diante dos relatos de Monteiro Lobato pode-se fazer um paralelo com a situação atual
do povo brasileiro quanto ao acesso de informações.
Segundo o próprio autor, o personagem relatado por ele e inspirado em seres humanos
reais do sertão, sofre de mazelas decorridas da contaminação pelo verme da Ancilostomíase,
popularmente conhecido como Amarelão (Figura 1).
Figura 1: Almanaque do Biotônico, 1935 (Ilustração: J.U.Campos)
Fonte: Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia (Gomes, 2006)
A ancilostomíase ou ancilostomose é uma verminose que pode ser causada tanto pelo
nematelminto (verme de corpo cilíndrico) Ascylostoma duodenale como pelo Necator
americanus. Esses vermes medem por volta de um centímetro e as formas adultas vivem no
intestino delgado da pessoa infectada, onde macho e fêmea copulam. Os ovos são eliminados
juntamente com as fezes da pessoa doente e, quando atingem o solo, eclodem liberando
pequenas larvas. Estas vivem certo tempo no solo, alimentando-se de bactérias, até se
tornarem capazes de penetrar ativamente na pele dos hospedeiros. Atingem, então, a corrente
sanguínea , por meio da qual chegam aos pulmões e sobem pela traquéia. Desta passam para
a faringe e são deglutidas, chegando ao intestino, onde se estabelecem definitivamente e
atingem a maturidade sexual (Figura 2).
Figura 2. Ilustração do ciclo do Ancylostoma duodenale
Fonte: sobiologia.com.br
Na obra original de Urupês, publicada em um jornal em 1914 e posteriormente unida
a outros contos para formar a primeira edição do livro de nome também Urupês em 1918, o
autor demonstra ainda não ter conhecimento deste fato. Mas em publicações posteriores, no
prefácio à quarta edição de Urupês, ainda em 1918, Lobato trata do personagem não mais
como um homem do campo preguiçoso, que não tem interesse pelo trabalho, e sim, como um
homem que sofre de doenças transmitidas por vermes, como se pode constatar no trecho a
seguir: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está
provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa
bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte."
Posteriormente, Lobato, indignado com a situação, começa uma intensa campanha
jornalística em favor do saneamento e associa a questão sanitária à economia do país. "Só a
alta crescente do índice de saúde coletiva trará a solução do problema econômico... Não fazer
isto é morrer na lenta asfixia da absorção estrangeira."
O autor denuncia fraudes nos produtos consumidos pela população e ironiza as altas
verbas concedidas à saúde pública, lembrando que enquanto se gasta "123 mil contos no
Teatro Municipal e 13 mil na exposição Pena (100 anos da Abertura dos Portos), oferece-se
apenas mil a Belisário Pena”, médico ativista do sanitarismo no Brasil do início do século XX
(CPDOC, 2012).
Diante do exposto, percebe-se que Lobato trata do descaso dos grandes poderes com o
povo do interior do país, enquanto nas grandes cidades o movimento sanitarista já se fazia
presente por meio das campanhas de Oswaldo Cruz.
Enquanto nos grandes centros urbanos a população começava a ter noções de
higienização, os brasileiros que viviam no interior do país continuavam sem a educação
necessária para se obter informações a respeito de medidas preventivas e permaneciam a
mercê de doenças facilmente prevenidas com medidas profiláticas e sanitárias básicas.
Neste contexto o médico Miguel Pereira em 1916 declarou:
“[Chamada à guerra] parte ponderável dessa brava gente não se levantaria;
inválidos, exangues, esgotados pela ancilostomíase e pela malária; estropiados e
arrasados pela moléstia de Chagas; corroídos pela sífilis e pela lepra; devastados
pelo alcoolismo; chupados pela fome, ignorantes, abandonados, sem ideal e sem
letras ou não poderiam (...) ou quando, como espectros, se levantassem, não
poderiam compreender por que a pátria, que lhes negou a esmola do alfabeto, lhes
pede agora a vida e nas mãos lhes punha, antes do livro redentor, a arma defensiva.”
(Fundação Oswaldo Cruz, 2007.)
Esta ausência de informação pode ser entendida como um reflexo dos altos índices
ainda existentes em nosso país referentes à doença encontrada no personagem Jeca Tatu e a
tantas outras.
Segundo Camargo (2008), não possuindo recursos, e os poucos havidos sendo mal
utilizados, os países tropicais pobres investem parcimoniosamente em saúde. Os indicadores
de saúde tabulados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que os piores
índices de mortalidade infantil, de médicos, enfermeiras e leitos hospitalares por habitantes
encontram-se entre os países tropicais.
4 CONCLUSÃO
Toda essa releitura do contexto literário e histórico do sanitarismo leva-nos a fazer
uma reflexão a respeito das mazelas que acometeram milhões de brasileiros décadas atrás e
que ainda se fazem presente em muitos cidadãos do país. É necessário que se tenha uma visão
histórica de um problema que, mesmo relatado a tantos anos, ainda é tratado como um
problema social sem solução.
Diante de todo o conhecimento adquirido, a reflexão realizada nos levaria a fazer
algumas indagações, dentre elas: Teria o descaso dos grandes detentores do poder político
sido sanado por meio das Campanhas Sanitaristas no início do século XX? Seria a educação,
aliada à informação, os fatores pioneiros para a possível resolução deste problema que há
décadas assola nosso país?
Certamente a alta frequência de doenças transmissíveis e altos índices de mortalidade
infantil e o número precário de profissionais da saúde por habitante nos países em
desenvolvimento, nos mostra que a resposta mais adequada para a primeira indagação seria
“NÃO”.
Quanto à segunda pergunta, existem duas posições conflitantes sobre as raízes das
“doenças tropicais” do início do século XX que não são antagônicas, mas se complementam:
fatalidade biogeográfica e subdesenvolvimento são os genitores das “doenças tropicais”.
Aliás, há doenças que, não fosse a falta de educação e informação, não mais existiriam
atualmente.
Sendo assim, quase um século após a publicação da primeira edição da obra Urupês
de Monteiro Lobato, percebe-se que muitos cidadãos brasileiros, em especial os que vivem
no interior do país possuindo menos acesso à educação, continuam marginalizados pelo poder
público, assim como o personagem Jeca Tatu o era.
A busca por modelos alternativos que, sem negar os anteriores, conjuguem as ações
de promoção, proteção e recuperação da saúde a outras formas de cuidado voltadas para a
qualidade de vida das coletividades, incorporando atores sociais antes excluídos do processo
de produção da saúde pode ser uma estratégia para superar a medicina curativa, contrapondo-
a com a medicina preventiva, tendo como base a educação e o fornecimento de informação a
todos os cidadãos brasileiros.
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