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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira José Adrian Pintos-Payeras Professor do Departamento de Economia e do Mestrado em Economia Regional da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná, Brasil Rodolfo Hoffmann Professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), São Paulo, Brasil Resumo Funções de tributação não-lineares pressupondo obediência ao princípio de sacrifício equitativo são estimadas pelo método de mínimos quadrados ponderados, utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-2003. Os resultados sugerem que o coeficiente de aversão à desigualdade está aumentando no Brasil e isto pode ser interpretado como o desejo da sociedade por uma tributação mais justa. Palavras-chave: Sacrifício Equitativo, Aversão à Desigualdade, Tributos Classificação JEL: D63; H24 Abstract Tax functions assuming equal sacrifice were estimated using non-linear weighted least squares and data from the 2002-2003 Brazilian Family Budget Survey. The results indicate that the coefficient of aversion to inequality is increasing in Brazil and this can be interpreted as the population’s desire for a fairer tax system. 1. Introdução Este artigo faz a análise do sistema tributário brasileiro com base nos pressupostos do sacrifício equitativo. A estimação periódica da função de tributação com sacrifício equitativo é importante para perceber como está sendo Recebido em novembro de 2009. Aprovado em março de 2010. Este trabalho é parte da Tese de Doutorado desenvolvida no Programa de Economia Aplicada da ESALQ – USP com apoio da FAPESP. Gostaríamos de agradecer as críticas e sugestões de um parecerista anônimo. Os erros e omissões são de responsabilidade unicamente dos autores. E-mail address: [email protected] Revista EconomiA Dezembro 2009

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Page 1: O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira - ANPECanpec.org.br/revista/vol10/vol10n4p765_788.pdf · sacrifício equitativo partem de uma função utilidade e seus resultados,

O Sacrifício Equitativo na Tributação

Brasileira

José Adrian Pintos-PayerasProfessor do Departamento de Economia e do Mestrado em Economia Regional da

Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná, Brasil

Rodolfo HoffmannProfessor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp),

São Paulo, Brasil

Resumo

Funções de tributação não-lineares pressupondo obediência ao princípio de sacrifícioequitativo são estimadas pelo método de mínimos quadrados ponderados, utilizandodados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-2003. Os resultadossugerem que o coeficiente de aversão à desigualdade está aumentando no Brasil e istopode ser interpretado como o desejo da sociedade por uma tributação mais justa.

Palavras-chave: Sacrifício Equitativo, Aversão à Desigualdade, TributosClassificação JEL: D63; H24

Abstract

Tax functions assuming equal sacrifice were estimated using non-linear weightedleast squares and data from the 2002-2003 Brazilian Family Budget Survey. Theresults indicate that the coefficient of aversion to inequality is increasing in Braziland this can be interpreted as the population’s desire for a fairer tax system.

1. Introdução

Este artigo faz a análise do sistema tributário brasileiro com base nospressupostos do sacrifício equitativo. A estimação periódica da função detributação com sacrifício equitativo é importante para perceber como está sendo

⋆Recebido em novembro de 2009. Aprovado em março de 2010. Este trabalho é parte da Tese

de Doutorado desenvolvida no Programa de Economia Aplicada da ESALQ – USP com apoio daFAPESP. Gostaríamos de agradecer as críticas e sugestões de um parecerista anônimo. Os erros eomissões são de responsabilidade unicamente dos autores.E-mail address: [email protected]

Revista EconomiA Dezembro 2009

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

moldado o sistema tributário e qual é a tendência do coeficiente de aversão àdesigualdade no país.

Young (1990) foi o primeiro autor a desenvolver uma forma factível deanalisar empiricamente o sacrifício equitativo.

A aplicação do princípio do sacrifício equitativo é impossível se admitirmos queé necessário comparar as perdas de utilidade causadas pelo imposto na utilidadede cada pessoa. Para que o princípio seja útil na análise de sistemas tributários éindispensável considerar a função de utilidade de um membro “representativo” dasociedade (Young 1990) . Note-se que a função de utilidade adotada, que se admiteser a mesma para todas as pessoas, não representa, necessariamente, uma função“média” para a população, sendo mais apropriado considerá-la como a função deutilidade subjacente ao processo de formulação da lei que estabeleceu o imposto.Seria uma função de utilidade que o legislador atribui aos cidadãos, admitindo queele esteja aplicando o princípio do sacrifício equitativo (Hoffmann et alii 2006).

Young (1987, 1988, 1990) tomou como base a teoria de decisão em condiçãode risco para desenvolver um modelo com a finalidade de medir o sacrifícioequitativo e faz sua análise referindo-se, inapropriadamente, ao coeficiente deaversão ao risco. Ao analisar o bem-estar da sociedade, é mais apropriadoconsiderar o grau de aversão à desigualdade, que foi analisado por Atkinson(1970) muito antes de Young (1990) ter desenvolvido seu trabalho. É provávelque essa confusão ocorra porque as funções usadas, bem como os procedimentospara estimar o coeficiente de aversão ao risco e o coeficiente de aversão àdesigualdade, são muito próximas. As interpretações, contudo, são diferentes.Essa semelhança faz com que os desenvolvimentos metodológicos feitos em umaárea possam ser usados na outra.

É importante que seja feita a ressalva de que os estudos que analisam osacrifício equitativo partem de uma função utilidade e seus resultados, porenvolverem cardinalidade, não são isentos de críticas. Neste sentido, Berliant eGouveia (1993) discutem que as teorias do sacrifício equitativo têm limitaçõesem vários aspectos, inclusive o citado neste parágrafo. Contudo, segundo osautores, é muito forte rejeitar completamente a aproximação feita pelo sacrifícioequitativo, já que qualquer teoria normativa da tributação terá que contar comum conjunto de pressupostos ou com juízo de valor. Assim sendo, qualquerestudo que tome como base o princípio do sacrifício equitativo deve dar maioratenção à direção das mudanças apontada pelo modelo do que ao valor exatoda alteração. Mesmo com suas limitações, a análise tem sua validade por servircomo um parâmetro para orientar a direção de uma possível alteração dosistema tributário.

Além da análise do sacrifício equitativo considerando a carga tributáriadireta, indireta e total em função da renda, também é estimada afunção de tributação pressupondo sacrifício equitativo para alguns impostosseparadamente, bem como é estimada aquela função considerando a cargatributária líquida, isto é, descontando do valor pago em impostos as

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

transferências oriundas de programas sociais. Por último, é considerada a cargatributária como função da despesa total per capita.

É importante ressaltar que a análise do sacrifício equitativo deveria, emprincípio, ser feita considerando a carga tributária total. Sendo assim, analisesparciais, como as sugeridas, podem parecer desnecessárias. Porém, se for levadoem consideração que, no Brasil, geralmente a população não sabe qual é aparcela do seu rendimento destinada ao pagamento de tributos, é coerente fazera análise do sacrifício equitativo com base nos impostos que são mais evidentespara os contribuintes, quando o intuito é identificar o coeficiente de aversão àdesigualdade.

2. Método de Estimação da Função de Tributação com Sacrifício

Equitativo

A forma como é estimada a função de tributação com sacrifício equitativoneste trabalho segue o mesmo processo que em Hoffmann et alii (2006). Ométodo é discutido a seguir.

Seja x a renda de uma pessoa e seja t(x) ≤ 0 o imposto pago. Dada a funçãode utilidade U(x), tem-se sacrifício equitativo se

U(x)− U [x− t(x)] = ω, constantes (1)

Diferenciando, obtém-se

U ′(x)dx = U ′[x− t(x)]d[x− t(x)] (2)

ou

U ′[x− t(x)]− U ′(x)

U ′[x− t(x)]=

d

dxt(x) (3)

A expressão (3) mostra que, com sacrifício equitativo, o imposto t(x) é umafunção crescente da renda (x) se, e somente se, a utilidade marginal for umafunção decrescente de x.

De (2) obtém-se

U ′(x)

U ′[x− t(x)]=

d

dx[x− t(x)] = 1−

d

dxt(x)

Multiplicando os dois membros por x/[x− t(x)], obtém-se

xU ′(x)

[x− t(x)]U ′[x− t(x)]=

1− ddx t(x)

1− t(x)x

(4)

O imposto é progressivo se a sua taxa cresce com x, isto é,

d

dx

[

t(x)

x

]

> 0 (5)

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

ou

xd

dxt(x) > t(x)

ou, ainda,

d

dxt(x) >

t(x)

x(6)

Para que o imposto seja progressivo é necessário que seu valor marginal sejamaior do que a taxa média t(x)/x, fazendo com que o 2o membro de (4) sejamenor do que 1. Por outro lado, o 1o membro de (4) só é menor do que 1se a elasticidade de U ′(x) for menor do que menos um. 1 Conclui-se que, comsacrifício equitativo, o imposto é progressivo somente se a elasticidade da funçãode utilidade marginal da renda for menor do que −1.

É usual pressupor que a utilidade marginal seja decrescente (o que implicaconcavidade da função de utilidade), fazendo com que, de acordo com (3), oimposto com sacrifício equitativo seja necessariamente uma função crescenteda renda. Entretanto, é comum admitir funções de utilidade marginal comelasticidade entre 0 e −1. Nestes casos, o imposto com sacrifício equitativo seráregressivo.

Moyes (2003) utiliza um conceito mais geral de concavidade para analisar osefeitos de um imposto com sacrifício equitativo sobre a distribuição de renda.Uma função de utilidade U(x) é côncava em relação a lnx se

dU(x)

d lnxé uma função decrescente de x. Isso significa que as variações em U(x) devidasa variações relativas na renda (d lnx = dx/x) diminuem quando x aumenta.Pode-se verificar que a condição de que U(x) seja côncava em relação a U(x) éequivalente à condição de que a elasticidade da utilidade marginal seja menordo que −1.

Uma função de utilidade marginal com elasticidade constante e igual a −εpode ser representada como

U ′(x) = Ax−ε, com A > 0 (7)

Atkinson (1970) mostra que ε é uma medida de “aversão à desigualdade”. Paraque a utilidade marginal seja decrescente (a função de utilidade seja côncava)deve-se ter ε > 0.

De (7), integrando, obtém-se

U(x) = K +A lnx se ε = 1 (8)

1Analogamente ao fato de que o valor das vendas (que é o produto do preço pela quantidade)

aumenta quando há redução de preço se a demanda for elástica (tiver elasticidade menor do que−1).

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ou

U(x) = K +A

1− εx1−ε se 0 < ε 6= 1 (9)

Nesse contexto ε pode ser interpretado como um coeficiente de aversão àdesigualdade proporcional definido como −xU ′′(x)/U ′(x), em que U ′′(x) é asegunda derivada da função de utilidade. É fácil verificar que esse coeficiente éa elasticidade da função de utilidade marginal, com o sinal trocado.

A representação gráfica da equação (9) pode ser vista na Figura 1.Esta equação é sugerida por Atkinson (1970) e atende as propriedades deconcavidade da função de utilidade sem a necessidade de impor muitasrestrições.

0,49

0,51

0,53

0,55

0,57

0,59

0,61

0,63

0,0001 0,0201 0,0401 0,0601(a) 0< ε < 1

U

K

x

-0,3

-0,2

-0,1

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,49 50,49 100,49 150,49 200,49 250,49

U

x

(b) ε > 1

K

Fig. 1. Formato da função utilidade considerada por Atkinson (1970)

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

É interessante notar que, embora (8) e (9) sejam funções côncavas, apenasquando ε > 1 a função U(x) tem uma assíntota horizontal (com ordenada K)limitando seu crescimento. A função (8) não é côncava em relação a lnx poisdU(x)/(d lnx) = A, constante, e a função (9) só é côncava em relação a lnx seε > 1.

2.1. A estimativa do parâmetro ε, pressupondo sacrifício equitativo

Substituindo (9) em (1), obtém-se

A

1− εx1−ε −

A

1− ε(x− t)1−ε = ω

ou(x− t)1−ε = α+ x1−ε (10)

com

α = −(1− ε)ω

A.

No procedimento usado por Young (1990), depois de estimar ε por meio daregressão linear simples, o parâmetro α, de acordo com (10), é estimado pelamédia simples dos valores de (x− t)1−ε − x1−ε.

De (10), fazendo β = 1− ε, tem-se

t = x− (α+ xβ)1/β (11)

Note-se que os parâmetros α e β terão sempre sinais opostos.Poderíamos estimar os parâmetros α e β considerando (11) como um modelo

de regressão não-linear de t contra x. Cabe lembrar, entretanto, que ao ajustarequações de rendimento com dados individuais, é usual pressupor um erroaditivo homocedástico no logaritmo do rendimento. É razoável, portanto,admitir que se deva usar o logaritmo de t para obter um modelo de regressãonão-linear, incluindo um erro u com as propriedades usuais:

Y = ln t = ln[

x− (α+ xβ)1/β]

+ u (12)

As estimativas dos parâmetros obtidas pelo método de Young (1990) podemser utilizadas como estimativas preliminares no processo interativo de ajustedo modelo não-linear (12).

Neste trabalho o modelo (12) será ajustado com base em valores médiosde x e t por estratos de renda. Então a estimação dos parâmetros será feitapor mínimos quadrados ponderados, com fator de ponderação proporcional aonúmero de pessoas em cada estrato. Cabe ressaltar que o uso de valores médiospor estrato de renda evita, em grande parte, a inconsistência que seria causadapelo erro de medida na variável x, caso fossem usados dados individuais.

Os fatores de ponderação foram sempre “normalizados”, de maneira quesua soma fosse igual ao número de observações utilizadas no ajustamento do

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

modelo. Isso não afeta as estimativas dos parâmetros ou os testes estatísticos,mas evita que as somas de quadrados se tornem números muito grandes.

Como o modelo (12) não tem um termo constante para Y , a soma dequadrados total deve ser definida como

Y 2i πi, sendo πi os fatores de

ponderação. Mas nada impede o cálculo da soma de quadrados total corrigida∑

(Yi− Y )2πi, em que Y é a média ponderada dos Yi. Para avaliar a qualidadedo ajuste do modelo (12) em cada caso, serão sempre apresentados os valores dasoma de quadrados (ponderados) dos resíduos (S.Q.Res.) e das duas definiçõesda soma de quadrados total.

3. Sacrifício Equitativo na Tributação Direta no Brasil

A carga tributária direta estimada com base nos critérios do IBGE e dadosda POF de 2002-2003 é apresentada na tabela que segue. 2

Dos impostos diretos apresentados na Tabela 1, o único que progride de formacontínua é o IR. Também chama a atenção o IPTU, imposto que está vinculadodiretamente com a riqueza da família e não é monotonicamente crescente.

Tabela 1Carga tributária direta sobre a renda familiar per capita e impostos diretos per capita,com base nas informações da POF de 2002-2003

Classes de renda familiar Renda Carga IPTU(%) Prev. IPVA(%) IR(%) Restituição

per capita(R$)(1) familiar direta(%) pública(%) (%)

Até 120 73,48 2,22 0,55 1,07 0,08 0,00 0,00

Maior que 120 até 240 175,53 3,46 0,81 1,90 0,15 0,02 −0,01

Maior que 240 até 360 294,11 4,55 1,09 2,34 0,22 0,03 −0,02

Maior que 360 até 480 413,63 5,53 1,32 2,78 0,34 0,10 −0,06

Maior que 480 até 600 535,40 5,76 1,26 2,87 0,38 0,21 −0,04

Maior que 600 até 720 655,46 6,38 1,16 3,20 0,42 0,44 −0,11

Maior que 720 até 960 829,48 6,76 1,22 3,07 0,47 0,62 −0,15

Maior que 960 até 1200 1.072,60 6,85 1,24 2,72 0,55 1,43 −0,29

Maior que 1200 até 1440 1.297,29 7,16 1,13 2,83 0,56 1,88 −0,47

Maior que 1440 até 1920 1.661,01 8,34 1,24 3,10 0,55 2,47 −0,59

Maior que 1920 até 2640 2.239,55 8,84 1,32 2,76 0,55 3,21 −0,60

Maior que 2640 até 3840 3.130,60 9,23 0,99 2,70 0,45 3,94 −0,60

Maior que 3840 6.639,79 9,27 1,04 2,11 0,34 4,52 −0,37

Brasil 504,19 6,83 1,12 2,58 0,39 1,74 −0,27

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da POF de 2002-2003.

(1)Reais de 15 de jan. de 2003.

2Os dados incompatíveis foram excluídos. Consideraram-se como incompatíveis as informações

em que a carga tributária indireta era maior do que a renda familiar. Para uma exposiçãopormenorizada do procedimento utilizado para obter os dados analisados aqui, especialmente ocálculo dos impostos indiretos, ver Pintos-Payeras (2008).

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

A Tabela 2 apresenta a estimativa do modelo para os impostos diretoslevando em consideração os dados da POF de 2002-2003 para todo o País,apresentados na Tabela 1. Note-se que a abrangência dos dados difere daquelaconsiderada por Hoffmann et alii (2006) e que as classes também foram definidasde forma diferente. Consequentemente, é de se esperar que os coeficientes sejamdistintos. A estimativa do parâmetro ε (aversão à desigualdade) para todos osimpostos diretos é 1,4317, lembrando que ε = 1− β.

Tabela 2Estimativas do modelo não-linear de tributação com sacrifício equitativo para ostributos diretos para as informações da POF de 2002-2003

Estimativas (e desvio padrão) com base em

Estatística Treze estratos Doze estratos (1o ao 12o)

α 0,00163 (0,000146) 0,00154 (0,000118)

β −0,4317 (0,0265) −0,4507 (0,0223)

S.Q. Res. 0,093629 0,054173

S.Q. Tot corrig 27,4102 24,9695

S.Q. Tot não-corrig 103,2 97,0047

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Quando excluído o último estrato o coeficiente de aversão à desigualdadeaumenta para aproximadamente 1,45. A Figura 2 mostra que as últimasclasses pagam menos impostos diretos do que rege o sacrifício equitativo.A curva corresponde aos valores estimados pelo modelo, os quais seguem,hipoteticamente, o princípio do sacrifício absoluto equitativo da forma definida.Os pontos correspondem à carga tributária direta observada.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 8,5 9

ln(t)

ln(x)

Estimado Observado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 2. Relação entre tributos diretos per capita e renda per capita, considerando ologaritmo das duas variáveis

772 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.765–788, dezembro 2009

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

Esse resultado fica mais evidente quando examinada a Figura 3. Tendo comobase o padrão obtido supondo sacrifício equitativo e coeficiente de aversão àdesigualdade constante, verifica-se que as seis últimas classes pagam menosimpostos diretos. A última classe paga 9,27% em impostos diretos enquanto omodelo supõe que deveria pagar 15,04%. Neste ponto é bom lembrar que sedeve dar maior atenção à direção da mudança indicada pelo modelo do que aovalor exato do resultado. Foi realizado um teste baseado no uso de três variáveisbinárias (uma com valor 1 apenas para o 11o estrato, outra com valor 1 apenaspara o 12o e a última com valor 1 para o 13o estrato) e o resultado indica quesomente o 13o estrato é discrepante, ao nível de significância de 5%. Isto querdizer que o legislador hipotético que se guie por esse modelo teria que aumentara carga incidente sobre o estrato mais rico caso queira seguir o padrão indicadopor um modelo com ε igual a 1,43.

9,27

15,04

0

2

4

6

8

10

12

14

16

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Carga Direta (%)

Renda Familiar per capitaDireto Observado Direto Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 3. Valor observado dos impostos diretos e valor estimado dos impostos diretos,conforme o modelo de sacrifício equitativo

Com intuito de fazer uma análise mais detalhada dos impostos diretos, foiestimado um modelo para cada um dos principais impostos desta categoria:IR, IPTU e previdência pública. Estes impostos diretos têm importante papelna progressividade da carga tributária total, já que incidem sobre os melhoresindicadores da capacidade de pagamento da população: renda e patrimônio.

É importante lembrar que o modelo é derivado para o total dos tributos ea análise feita aqui é fundamentada na idéia de que a carga tributária totalno Brasil não é percebida pelos contribuintes. Sendo assim, buscou-se estimaro coeficiente de aversão à desigualdade com base em tributos que são maisperceptíveis à população.

Quando o modelo é estimado apenas com informações do IR chega-se aum coeficiente de aversão à desigualdade de quase 3, que é o mais alto detodos os impostos. Cabe ressaltar que quanto maior é o parâmetro, maior é a

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

progressividade da carga tributária sugerida pelo modelo. A Figura 4 apresentaos resultados para o IR. Observa-se que a progressividade é bem maior do que avista na Figura 2. É verificado que 4,52% da renda das famílias mais ricas estácomprometida para o pagamento do IR, sendo que quando estimada a funçãosupondo sacrifício equitativo chega-se a 18,78%.

É importante chamar a atenção para os seguintes casos: (i) recebimento dedividendos; (ii) rendimentos de aplicações de capital, excluída a poupança, e(iii) juros sobre capital próprio. O primeiro é isento, já que é considerado quea pessoa jurídica já pagou o IR em suas operações. Este rendimento representaapenas 0,006% da renda das famílias brasileiras, conforme dados da POF de2002-2003. Para o estrato mais rico da população o recebimento de dividendosrepresenta 0,01% da renda. O segundo caso é tributado na fonte e representa0,61% da renda das famílias brasileiras, enquanto que para as famílias do estratomais rico representa 3,27%. Neste caso há claramente uma subestimação doIR, dado que não é declarado na POF o valor do imposto pago neste tipo deaplicação. No último caso, (iii), o IR também incide na fonte, mas na POF nãodá para saber o que é ganho de juros sobre capital próprio e o que é ganhosobtidos do próprio negócio. De qualquer forma, os ganhos como empregador,de acordo com dados da POF de 2002-2003, representam 7,13% do total darenda das famílias no Brasil, sendo que para o estrato mais rico essa forma derendimento representa 13,39% do total da renda. Ressalta-se ainda, que sempreque o indivíduo reportou deduções com o IR neste tipo de ganho, os valoresforam computados na POF. Admitindo que em todos os tipos de rendimentoscitados neste parágrafo incidisse IR e este não fosse captado de forma algumapelo IBGE, isso representaria algo próximo de 2,5% de subestimação do IRpara as famílias do estrato mais rico. É importante notar que este imposto,dadas essas fontes de rendimentos, também é subestimado para as famílias dasoutras classes de renda, porém em menor grau.

Quando usadas apenas as informações do IPTU, chega-se a um ε = 1, 27. AFigura 5 representa os resultados para o IPTU. Na maioria dos casos os valoresobservados não seguem o sacrifício equitativo e as classes mais ricas pagammenos IPTU do que o modelo propõe. Embora o modelo não sugira uma cargaelevada para este imposto, com o maior percentual estimado sendo 2,11% paraa classe com renda superior a 3840 reais per capita, o resultado indica que aforma como o IPTU é cobrado deve ser revista.

Não muito diferente do IPTU é a situação da previdência pública. A Figura6 foi obtida com informações da contribuição da previdência pública e umparâmetro de aversão à desigualdade de 1,3282. Hoje em dia a classe maisrica contribui com 2,11% da renda para a previdência pública e o modelosugere que esse estrato da população precisa aumentar consideravelmente suacontribuição. Do 2o ao 7o estrato a carga está maior do que sugere o sacrifícioequitativo para a previdência pública, ao passo que para os 3 estratos maisricos a carga observada fica substancialmente abaixo do que sugere o modelo.Cabe ressaltar que as contribuições para a previdência têm natureza distinta

774 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.765–788, dezembro 2009

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

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4 5 6 7 8 9 10

ln(t)

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Observado Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 4. Relação entre IR per capita e renda per capita, considerando o logaritmo dasduas variáveis

-2

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0

1

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3

4

5

6

4 5 6 7 8 9 10

ln (t)

ln (x)

Observado Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 5. Relação entre IPTU per capita e renda per capita, considerando o logaritmodas duas variáveis

dos demais tributos analisados e pode-se argumentar que não se aplica, nessecaso, a idéia de tributação com sacrifício equitativo.

Os resultados indicam que, de uma forma geral, os impostos diretos no Brasilnão respeitam o princípio do sacrifício equitativo.

4. Sacrifício equitativo e tributação indireta no Brasil

Nesta seção é estimado o modelo com base nas informações sobre os impostosindiretos, apresentadas na Tabela 3. Para a obtenção da carga tributária

EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.765–788, dezembro 2009 775

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ln(t)

ln(x)

Observado Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 6. Relação entre a contribuição da previdência pública per capita e renda percapita, considerando o logaritmo das duas variáveis

indireta no Brasil foi utilizada a legislação federal, estadual e municipal. Acarga tributária indireta é regressiva. Isso já era esperado quando tomada arenda como base, mas não era esperado quando tomada a despesa como base.Enquanto 17,07% da despesa total das famílias com renda per capita de até 120reais é destinada para o pagamento de impostos, as famílias com renda familiarper capita maior que 3840 reais destinam apenas 10,47% de sua despesa totalpara o pagamento de impostos.

Dos impostos destacados, o ICMS, o PIS e a COFINS são os maioresresponsáveis pela regressividade da tributação indireta no Brasil.

Como é previamente admitido no modelo que as normas tributárias foramestabelecidas com base no princípio do sacrifício equitativo e considerandoque existe uma função de utilidade da forma (9), o valor de ε é menor queum quando os impostos são regressivos. As estimativas dos parâmetros domodelo para os impostos indiretos estão na Tabela 4. Como era esperado,a estimativa do parâmetro β é positiva, o que resulta em um coeficiente deaversão à desigualdade menor do que um, ε = 0, 756.

Nota-se na Figura 7 que os valores observados estão muito próximos aosestimados, com exceção da classe mais rica, que está mais distante da curvaestimada. Excluindo-se o último estrato chega-se a um coeficiente de aversão àdesigualdade um pouco maior: 0,765. A última classe paga menos impostos doque presume o sacrifício equitativo.

Assim como feito com os impostos diretos, adicionou-se uma variável bináriacom valor 1 para captar o efeito do estrato mais rico. O resultado sugere queo 13o estrato é discrepante dos demais, ao nível de significância de 1%. Outrosestratos também foram analisados (1o, 11o e 12o) e seus coeficientes não semostram significativos.

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

Tabela 3Carga tributária indireta sobre a renda familiar per capita, por imposto selecionadoe sobre a despesa familiar per capita, segundo as classes selecionadas

Classe de renda Carga ind. ICMS ISS PIS/ IPI Carga ind.sobre

per capita(R$)(1) sobre renda(%) (%) (%) COFINS (%) despesa(%)

Até 120 24,57 13,33 0,35 8,43 2,45 17,07

Maior que 120 até 240 20,39 11,03 0,38 6,80 2,18 16,76

Maior que 240 até 360 18,07 9,82 0,40 5,93 1,92 16,29

Maior que 360 até 480 16,72 9,12 0,44 5,43 1,73 15,79

Maior que 480 até 600 15,99 8,66 0,48 5,19 1,66 15,16

Maior que 600 até 720 15,52 8,47 0,47 5,02 1,57 15,18

Maior que 720 até 960 14,83 7,98 0,51 4,79 1,55 15,02

Maior que 960 até 1200 14,13 7,50 0,58 4,60 1,44 14,33

Maior que 1200 até 1440 12,99 6,91 0,49 4,18 1,41 14,49

Maior que 1440 até 1920 12,45 6,52 0,57 4,04 1,32 13,33

Maior que 1920 até 2640 11,58 6,04 0,57 3,77 1,20 12,77

Maior que 2640 até 3840 10,29 5,28 0,50 3,34 1,17 12,59

Maior que 3840 7,23 3,68 0,36 2,40 0,79 10,47

Brasil 14,10 7,53 0,46 4,62 1,48 14,51

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

(1)Reais de 15 de jan. de 2003.

Tabela 4Estimativas do modelo não-linear de tributação com sacrifício equitativo para ostributos indiretos

Estimativas (e desvio padrão) com base em

Estatística Treze estratos Doze estratos (1o ao 12o)

α −0,1906(0,0146) −0,1756(0,00639)

β 0,2437(0,00792) 0,2350(0,00371)

S.Q. Res. 0,0085196 0,0014934

S.Q. Tot corrig 8,20282 7,42838

S.Q. Tot não-corrig 207,5 201,8

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Os valores estimados para o coeficiente de aversão à desigualdade nesteestudo estão acima dos apurados por Hoffmann et alii (2006). Com os dadosda POF de 1995-1996, estes autores obtiveram ε = 0, 64 para os impostosindiretos. Embora a amostra e regiões consideradas difiram, 3 o que prejudica acomparação, a diferença do coeficiente de aversão à desigualdade provavelmenteé decorrente da menor regressividade dos impostos indiretos.

3A POF de 1995-1996 se limitou a 9 áreas metropolitanas, área urbana do Distrito Federal e

município de Goiânia, ao passo que a POF de 2002-2003 abrange todo o território nacional. Alémdo mais, no trabalho de Hoffmann et alii (2006) a carga tributária indireta não foi estimada comoaqui, levando em consideração o RICMS de cada Unidade da Federação e o ISS das capitais.

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 7. Relação entre tributos indiretos per capita e renda per capita, considerando ologaritmo das duas variáveis

Quando usados apenas os dados do ICMS, encontra-se um coeficiente deaversão à desigualdade muito próximo ao obtido com todos os impostosindiretos. Isso se deve ao grande peso que este imposto tem na tributaçãoindireta, respondendo por mais de 50% da carga indireta considerada nestetrabalho e 21,59% da arrecadação total no Brasil para o ano de 2006, conformedados da Receita Federal. Na Figura 8 estão os valores da estimativa do modelo,novamente a classe mais rica é a que mais se distancia da curva estimada.

2

2,5

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3,5

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5

5,5

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ln(t)

ln(x)

Observado Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 8. Relação entre ICMS per capita e renda per capita, considerando o logaritmodas duas variáveis

O coeficiente de aversão à desigualdade para o PIS e COFINS em conjunto é

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

0,75, não havendo diferença entre estes impostos, uma vez que a base de cálculoe a forma como são apurados é a mesma.

Para o IPI o valor de ε é 0,787 e para o ISS é aproximadamente 1. Em todosos casos o valor pago pelo estrato mais rico da população está abaixo do valorestimado.

5. Sacrifício Equitativo e a Carga Tributária Total

Esta seção busca identificar a característica do sacrifício equitativo na cargatributária total, ou seja, considerando a carga direta e indireta em conjuntocomo função da renda. Nas seções anteriores verificou-se que os impostosdiretos mostram uma carga progressiva, ao passo que os impostos indiretossão regressivos.

Os dados da carga tributária total estão na Tabela 5. Quando tomada a rendacomo base a carga total é regressiva no Brasil. Já quando tomada a despesacomo base, a carga total é progressiva. Nesta seção será utilizada a carga totalsobre a renda e na próxima seção é feita a análise com base na despesa dasfamílias.Tabela 5Carga tributária total sobre a renda familiar per capita e sobre a despesa familiar percapita para as classes selecionadas

Classes de renda(R$)(1) Carga total sobre a renda(%) Carga total sobre a despesa(%)

Até 120 26,78 18,61

Maior que 120 até 240 23,85 19,61

Maior que 240 até 360 22,62 20,40

Maior que 360 até 480 22,25 21,01

Maior que 480 até 600 21,75 20,63

Maior que 600 até 720 21,90 21,43

Maior que 720 até 960 21,59 21,86

Maior que 960 até 1200 20,98 21,28

Maior que 1200 até 1440 20,15 22,48

Maior que 1440 até 1920 20,79 22,25

Maior que 1920 até 2640 20,42 22,51

Maior que 2640 até 3840 19,52 23,87

Maior que 3840 16,50 23,90

Brasil 20,93 21,54

Fonte: com base nos microdados da POF de 2002-2003 em conjunto com a legislação tributária.

(1) Reais de 15 de jan. de 2003.

A estimativa do modelo (12) para o a carga tributária total é apresentadana Tabela 6. O coeficiente de aversão à desigualdade é 0,9. Quando excluídaa classe das pessoas mais ricas o valor estimado de ε aumenta um pouco.Experimentou-se excluir o primeiro e o último estrato, e o ε passou parapróximo de 0,93.

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

Tabela 6Estimativas do modelo não-linear de tributação com sacrifício equitativo para a cargatributária total

Estimativas (e desvio padrão) com base em

Estatística Treze estratos Doze estratos(1o ao 12o) Onze estratos(2o ao 12o)

α −0,0464 (0,00530) −0,0446 (0,00553) −0,0292(0,00298)

β 0,1007(0,00738) 0,0981(0,00789) 0,0744(0,00528)

S.Q. Res. 0,0066499 0,0060931 0,0011537

S.Q. Tot corrig 11,3377 10,1047 4,95213

S.Q. Tot não-corrig 235,2 227,9 200,9

Fonte: Com base nos impostos indiretos estimados e microdados da POF de 2002-2003.

A representação gráfica dos resultados pode ser vista nas Figuras 9 e 10.Note-se, na Figura 9, que a elasticidade da utilidade marginal é constante,diferente do observado por Hoffmann et alii (2006) com base nos dados daPOF de 1995-1996.

2

3

4

5

6

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8

4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 8,5 9

ln(t)

ln(x)

Observado Estimado

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 9. Relação entre carga tributária total per capita e renda per capita, considerandoo logaritmo das duas variáveis

Na Figura 10 percebe-se que para os 4 últimos estratos as porcentagensestimadas ficam mais distantes da curva do sacrifício equitativo, sendo quedesses, apenas o último tem um valor observado inferior ao estimado. Para oprimeiro estrato, verifica-se que a carga observada (26,78%) supera a estimada(26,20%). Estimou-se o modelo com cinco binárias referentes a esses cincoestratos e apenas os coeficientes para o 1o e 13o indicam que se trata deobservações discrepantes das demais (ao nível de significância de 5%). Issoindica que, para atingir o sacrifício equitativo com ε = 0, 9, o legisladorhipotético tem que diminuir a carga tributária incidente sobre o estrato maispobre e aumentar a carga incidente sobre o estrato mais rico.

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0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Carga Tributá

ria Tota

l (%

)

Rendimento per capita

Carga Total Observada Carga Total Estimada

Fonte: Com base nos microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 10. Valor observado e estimado da carga tributária total, conforme o modelo desacrifício equitativo

A estimativa do parâmetro ε no presente estudo é maior do que a encontradapor Hoffmann et alii (2006), que obtiveram um coeficiente de aversão àdesigualdade de 0,85 para a carga tributária total. Obviamente, para poderfazer a comparação entre os estudos foi necessário adaptar a amostra para asregiões estudadas e ao formato usado por eles. Sendo assim, estimou-se a cargatributária total sobre a renda livre dos impostos diretos para as regiões da POFde 1995-1996. 4 O valor estimado de ε com os dados dessas regiões para a POFde 2002-2003 é 0,92, que indica um aumento nada desprezível da aversão àdesigualdade em relação aos dados apurados com a POF anterior.

Creedy (1998) sugere que ao examinar a progressividade é preferívelconsiderar o impacto dos tributos e das transferências ao invés de usarapenas a carga tributária e a renda. Seguindo a sugestão de Creedy (1998),estimou-se o modelo para todas as regiões deduzindo da carga total o valordas transferências vinculadas aos programas sociais captados nos microdadosda POF de 2002-2003. Considerando todas as classes de renda, chegou-se a umcoeficiente de aversão à desigualdade de 0,923. Quando excluídos o primeiroe o último estrato chega-se a um coeficiente de 0,936. É muito provável queatualmente o efeito dessas transferências sobre a elasticidade da utilidademarginal seja ainda maior. É importante recordar que os programas sociais derenda mínima aumentaram substancialmente desde a época em que a últimaPOF foi realizada. Para se ter uma idéia, o número de famílias atendidas peloprograma bolsa família em agosto de 2004 era de aproximadamente 4,55 milhões

4Regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,

São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, no município de Goiânia e no Distrito Federal.

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José Adrian Pintos-Payeras e Rodolfo Hoffmann

e em novembro de 2007 foram beneficiadas aproximadamente 10,95 milhões defamílias (Ministério do Desenvolvimento Social 2007a,b).

Como dito antes, o processo democrático é algo recente no Brasil, permitindouma influência mais intensa das preferências dos eleitores. É possível que oaumento da aversão à desigualdade medida pelas informações dos impostos sejaum reflexo disto. O interesse crescente da sociedade por reduzir a desigualdadefoi captado pela evolução das estimativas dentro do referencial teórico utilizado.É importante lembrar que um coeficiente de aversão à desigualdade maiorsignifica maior progressividade do sistema tributário.

Embora a comparação internacional seja passível de limitações, tendo emvista que a carga tributária de um país depende de suas característicassócio-culturais, ela pode servir como indicador da direção a ser seguida emeventuais reformas tributárias (Receita Federal 2008). Como apontam os dadosda Figura 11, a composição da carga tributária no Brasil contribui para quea estimativa do índice de aversão à desigualdade seja menor que um, o quenão é verificado na maioria dos países desenvolvidos. Para grande parte dospaíses selecionados a participação do imposto sobre a renda é bem maior doque no Brasil. Mesmo quando comparado com países que apresentaram volumede impostos sobre bens e serviços maior que o proveniente do imposto sobre arenda, como México, Turquia e Grécia, o Brasil é o país, entre os selecionados,que apresentou a maior participação dos impostos indiretos no PIB.

A grande diferença entre o imposto de renda e os impostos sobre o consumoé a principal causa da regressividade da carga tributária total no Brasil, e issoinfluencia diretamente o coeficiente estimado de aversão à desigualdade.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

% do PIB

Renda Bens e Serviços

Fonte: OCDE Revenue Statistics e Receita Federal do Brasil.

Fig. 11. Participação dos impostos incidentes sobre a renda e sobre bens e serviçoscomo porcentagem do PIB, para o ano de 2006, nos países selecionados

Estudos que estimaram funções de tributação com sacrifício equitativo emoutros países apontam para um valor do coeficiente de aversão à desigualdadesuperior a 1. Young (1990) estimou o coeficiente de 1,37 para dados do imposto

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O Sacrifício Equitativo na Tributação Brasileira

federal dos EUA no ano de 1987. O mesmo autor, com base em informaçõesde 1984 obteve um coeficiente de 1,63 para a Alemanha e, com base em dadosde 1987, obteve coeficiente 1,40 para a Itália, 1,59 para o Japão e 1,16 parao Reino Unido. Imedio-Olmedo et alii (1999) obtiveram valores entre 1,47 e1,77 para o imposto sobre a renda da Espanha nos anos de 1994, 1996 e 1997.Pellegrino (2006) encontra para o imposto de renda da Itália um coeficiente daaversão à desigualdade de 1,58 para o ano 2000 e 1,96 para o ano 2005.

6. Sacrifício Equitativo e a Carga Tributária Total Tomando como

Base a Despesa

Uma última forma de avaliar a carga tributária é considerá-la como função dadespesa total, e não da renda. Isto é feito, pois a despesa pode ser usada comouma forma de medir a capacidade de pagamento das famílias. Esta maneirade analisar o problema é particularmente interessante, pois é contornado oproblema relacionado à declaração da renda nas pesquisas de orçamentosfamiliares. Na Tabela 7 estão os parâmetros estimados da equação (12) para acarga tributária total em função da despesa per capita disponível na Tabela 5.Note-se que x, neste caso, é a despesa total, ao invés da renda.

Para esta forma particular de ver o sacrifício equitativo, chega-se a umε = 1, 0796. O modelo também foi estimado excluindo o estrato mais rico eo coeficiente de aversão à desigualdade fica um pouco acima do que foi vistoantes. Assim como feito quando usada a renda como base, experimentou-seexcluir da análise a classe mais pobre e a classe mais rica. Quando consideradosapenas 11 estratos, o coeficiente ε passa a ser um pouco menor do que quandoconsiderados todos os estratos. Para averiguar se os dados relativos aos doisestratos extremos são discrepantes em relação aos demais, foram adicionados àequação (12) dois termos, cada um com uma variável binária com valor iguala 1 apenas no primeiro ou no último estrato. Os coeficientes dessas variáveisnão podem ser considerados estatisticamente diferentes de zero ao nível designificância de 10%. Isso também indica que a carga tributária incidente sobretodos os estratos segue o princípio do sacrifício equitativo.

Tabela 7Estimativas do modelo não-linear de tributação com sacrifício equitativo para a cargatributária total em proporção da despesa

Estimativas (e desvio padrão) com base em

Estatística Treze estratos Doze estratos(1o ao 12o) Onze estratos(2o ao 12o)

α 0,0115 (0,000364) 0,0115 (0,000395) 0,0112 (0,000586)

β −0,0796 (0,00455) −0,0805 (0,00498) −0,0766 (0,00728)

S.Q. Res. 0,0017063 0,0016595 0,0015644

S.Q. Tot corrig 11,3377 10,1047 4,9521

S.Q. Tot não-corrig 235,2 227,9 200,9

Fonte: Com base nos impostos indiretos estimados e microdados da POF de 2002-2003.

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As Figuras 12 e 13 representam os resultados obtidos. Os valores observadosestão muito próximos dos estimados. Observe-se que a situação é bem diferentequando usada a carga tributária total sobre a renda. A equação estimada indicaum sistema tributário progressivo, pois o valor de ε é maior do que 1.

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4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 8,5 9

ln (t)

ln(x)

Observado Estimado

Fonte: Com base nos impostos indiretos estimados e microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 12. Relação entre carga tributária total per capita e despesa per capita,considerando o logaritmo das duas variáveis

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0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000

Carga Tributária Total (%)

Despesa per capita

Carga total observada Carga total estimada

Fonte: Com base nos impostos indiretos estimados e microdados da POF de 2002-2003.

Fig. 13. Valor observado e estimado da carga tributária total tomando como base adespesa total, conforme o modelo de sacrifício equitativo

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Os resultados indicam que o modelo utilizado teve um desempenho muitosatisfatório ao explicar os resultados empíricos, quando se toma como basea despesa total para definir a carga tributária incidente sobre a populaçãobrasileira, já que nenhum dos valores observados foi discrepante dos demais.O princípio do sacrifício equitativo é obedecido para um legislador hipotéticoque adota a despesa total como indicador da capacidade de pagamento de cadacidadão.

Neste ponto surge o questionamento se a renda é melhor forma de analisara capacidade de pagamento. Para Creedy (1998) a progressividade deve sermedida em termos da despesa total, e não da renda, e chama a atenção para ofato de que a poupança nada mais é do que consumo futuro o qual também seráfuturamente tributado. Conforme argumento de Poterba (1989), se as famíliastomam como base a renda vitalícia esperada para determinar o seu dispêndio,então o consumo é uma medida mais apropriada dos recursos vitalícios do quea renda anual. Cabe ressaltar que o sistema de crédito brasileiro coloca emxeque esses argumentos. Com taxas de juros elevadas, a situação das famíliasmais pobres com dívidas tende a ficar pior com o passar do tempo. O uso dadespesa, e não da renda, como base para os impostos, se fundamenta na teoriada renda permanente. Entretanto, Gomes (2004) e Reis et alii (1998) mostramque no Brasil a teoria da renda permanente não é estritamente válida e quegrande parte da população está restrita a consumir a sua renda corrente.

É importante deixar claro que a maior parte da literatura sobreprogressividade e sacrifício equitativo adota a renda como uma melhor medidada capacidade de pagamento do que a despesa, inclusive nos países nos quaisa idéia de renda vitalícia é mais realista. 5

7. Considerações Finais

Ao comparar os resultados deste trabalho, que usou a carga tributáriaapurada com base na POF de 2002-2003, ao trabalho de Hoffmann et alii(2006), que usou a POF de 1995-1996, é possível perceber que o coeficiente deaversão à desigualdade estimado pelo procedimento adotado está aumentando,o que sugere que a sociedade brasileira e seus governantes estão se tornandomais conscientes e preocupados com problemas de natureza distributiva. Seriacomo se um legislador hipotético estivesse fazendo os ajustes necessários paraalcançar um coeficiente de aversão à desigualdade mais elevado e, por meiodo processo democrático, está conseguindo perceber as preferências do agenterepresentativo.

Como o modelo incorpora a carga tributária existente como informaçãodas preferências do agente representativo, quando considerados os impostosindiretos o resultado é um coeficiente de aversão à desigualdade menor do que

5Ver Silveira (2008); Hoffmann et alii (2006); Lambert (1996); Lerman e Yitzhaki (1995) e os

estudos citados nas seções anteriores.

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um e, consequentemente, um sistema tributário regressivo. É mais plausívelpensar que o resultado obtido esteja sendo influenciado pela característica dostributos indiretos no Brasil, que frequentemente estão sendo pagos sem que ocontribuinte esteja consciente da tributação. É provável que a regressividadeseja decorrente da falta de percepção das famílias quanto ao percentual deimpostos incidentes em cada produto consumido. Os impostos diretos, que sãomais perceptíveis para os cidadãos, são progressivos e geraram um coeficientede aversão à desigualdade de 1,43. Se o consumidor não tem a informação dequanto paga em impostos, então é de se esperar que a alíquota incidente nãorepresente a preferência do mesmo.

Um estudo recente de Chetty et alii (2007) mostra que há diferença naescolha dos consumidores quando os impostos são indicados (e evidenciados)nas etiquetas das prateleiras dos supermercados. Nesse estudo, feito nos EUA,os autores perceberam que os consumidores do país em questão sabem que háimpostos nos produtos, mas não os levam em conta nas suas escolhas quandonão são indicados nas prateleiras dos mercados. Já quando é indicado o valorcom e sem imposto na prateleira, há uma variação significativa na demanda. Istovem confirmar o que foi dito anteriormente: os impostos devem ser explicitadospara que as famílias os considerarem em suas decisões. Sendo assim, a exposiçãona prateleira de quanto o consumidor pagará em tributos (medido em unidadesmonetárias) é uma boa alternativa para que a informação seja clara. Nestesentido, é muito importante que a reforma tributária crie mecanismos quepropiciem isso.

Dado que os impostos indiretos têm um peso grande na contribuição dasfamílias brasileiras, quando adotada a carga total obtém-se ε menor que 1, deforma semelhante ao que ocorre com os impostos indiretos.

Ainda nesse sentido, Silveira (2008) mostra que não é a progressividade dosimpostos diretos no Brasil que é baixa e sim a participação deles no total datributação. Conforme Silveira (2008), a progressividade dos tributos diretos noBrasil é muito próxima à dos países centrais.

Quando incorporadas as transferências do governo, o coeficiente aumentou, oque parece indicar que o governo, com o auxílio de programas sociais, os quaissão mais fáceis de aprovar do que uma reforma tributária, além de serem maisatrativos do ponto de vista político, está tentando adaptar os impostos líquidosa um ε maior do que um. É certo que o impacto desses programas hoje em diaé maior do que quando realizada a POF de 2002-2003, a qual abrangeu apenasseis meses do atual governo, que ampliou os programas de renda mínima.

Quando tomada a despesa total como base, no lugar da renda, chega-sea um coeficiente de aversão à desigualdade maior do que 1. O curioso destaanálise é que nenhum dos valores observados foi discrepante, confirmando obom ajustamento do modelo neste caso. No entanto, é difícil aceitar a idéia deque no Brasil o consumo é um melhor parâmetro de capacidade de pagamentodo que a renda.

É claro que a opção de usar a despesa total como base para analisar a

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progressividade do sistema tributário não deve ser abandonada, mas é coerenteque essa base seja adotada como alternativa à renda quando melhore o sistemade crédito para as classes mais pobres.

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