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O

RETORNO

DO

MENINO

DO

ESPAÇO

CELSO INNOCENTE

O retorno do menino do espaço.

ISBN 978-85-914107-3-6

1ª edição

Penápolis- São Paulo

Innocente, Celso Aparecido

2012

5

Sumário

Prefácio --------------------------------------------- 7

O retorno do menino do espaço ------------------ 9

A repercussão dos fatos --------------------------- 25

Celebridade ------------------------------------------ 45

Viagem a Orlando ---------------------------------- 67

Na NASA -------------------------------------------- 89

Disneylândia ---------------------------------------- 111

Retorno ao lar --------------------------------------- 125

Na televisão ----------------------------------------- 139

Avaliação escolar ----------------------------------- 157

De volta as aulas ------------------------------------ 175

Cachorro que ladra não morde -------------------- 193

Triste história de amor ----------------------------- 203

Subcapítulo ou epílogo ---------------------------- 219

Sobre o autor ----------------------------------------- 221

Outros trabalhos ------------------------------------- 225

Celso Innocente

6

Este é o terceiro volume da série composta por:

- Regis um menino no espaço,

- Um menino no espaço – 2ª parte,

- O retorno do menino do espaço,

- Regis um menino do planeta Terra.

Portanto, para melhor compreensão da estória,

recomenda-se que leia primeiro os volumes I e II.

Foto capa:-

Switie 187- For NASA

O retorno do menino do espaço

7

Prefácio

o ano de um mil novecentos e oitenta, de

nossa era, Regis, um menino de nove anos de

idade, fora sequestrado na Terra e levado a um planeta a

oitenta e sete anos luz de distância, onde era amado e

querido por todos seus habitantes, seres humanos,

idênticos aos terráqueos, sendo devolvido um ano depois,

com a agravante de que, não envelhecera um minuto

sequer.

No segundo semestre de oitenta e um, eis que Regis

é novamente sequestrado e levado ao mesmo planeta, de

onde retornara há pouco tempo, com o mesmo objetivo:

levar-lhes amor e simplicidade, ignorando o principal

sentimento do menino: amor e saudade da Terra.

Sete anos depois, percebendo que não conseguiam

cativar o menino da Terra, resolveram então devolvê-lo,

com a promessa de que jamais o tiraria novamente daqui.

O objetivo deste livro, o terceiro da sequência,

Regis o menino do espaço, é mostrar então a consequência

deste retorno. O que vai acontecer agora, oito anos depois.

Como será a vida diferente de Regis. O retorno à escola. As

N

Celso Innocente

8

novas amizades. O interesse de sua viagem espacial, para a

mídia e viação aero espacial.

Entre na vida simples de Regis, um menino com o

coração puro e cheio de amor. Talvez você possa desejar

ter o mesmo destino diferente desse garoto especial.

Para melhor compreensão desta narrativa, é

aconselhável que se tenha lido primeiro:

Regis, um menino no espaço.

Um menino no espaço - 2ª parte.

Penápolis, São Paulo, Brasil, América Latina,

Planeta Terra, Sistema Solar, Via Láctea, Universo.

Setembro 2012

O autor

O que será agora de Regis, o menino

que fora sequestrado e levado a um

planeta distante, sendo devolvido, oito

anos depois, sem ter envelhecido um

minuto sequer. Com o mesmo rostinho

infantil e jeitinho simples de criança

O retorno do menino do espaço

9

O retorno do menino do espaço

xatamente setenta e um dias terráqueos de

viagem interplanetária, não aparentando mais

do que sete dias para mim, a grande nave preta e dourada,

pousou em um terreno baldio, bem próximo à minha casa.

Quer dizer: não pousou completamente, pois ficou

levitando a dois metros de altura. O robô Luecy abriu a

porta, que se formou, criando certa ranhura na parte

lateral, quase inferior da nave; uma pequena escada

escorregou como chumbo derretido, formando cinco

degraus e chegando até a uns trinta centímetros do solo.

Eu que já me levantara da poltrona do copiloto, abracei o

tal robô de metal, que me ignorou por não ter tal costume

de carinho, hábito adquirido pelos humanos deste gigante

universo e ao sair, parei na porta, olhei no relógio e

insinuei:

— Luecy, realmente você é um robô muito

inteligente. São exatamente dezenove horas e sete minutos,

do dia vinte e quatro de setembro, como você disse.

— Sou um robô susteriano, construído sem falhas.

— Boa viagem de volta, amigão!

E

Celso Innocente

10

— Virei lhe buscar em breve, pra vê-lo nadar

peladão!

— Breve! Acho que não!

— Duvida?

— Por favor! Não!

— Brincadeirinha!

Desci daquela enorme nave, sob os olhares curiosos

de dezenas de pessoas adultas e crianças, encantadas com

aquela estranha visão. Entre elas, conheci Paulinho, com

quase treze anos de idade, em perfeito estado de saúde,

que correu a me abraçar, sorrindo:

— Regis! Você era mais velho do que eu! Lembra?

— Agora sou o caçulinha de casa!

Erick, já com dezessete anos, se aproximou

dizendo:

— Você nunca me buscou! Eu também deveria ser

criança como você!

— O senhor Frene só queria eu!

A escada daquele imenso disco voador se recolheu,

sua porta se fechou e em menos de trinta segundos

desapareceu no céu.

Seguido por todos: trajando short marrom e

camiseta amarela; descalço; acabei de chegar a minha casa.

Era Sábado. Papai e mamãe juntos, não acreditando,

vieram a meu encontro me abraçar.

Como eles estavam diferentes! Como haviam

envelhecidos nestes últimos sete anos em que se passara.

— Meu Deus! Meu filho! — Não acreditava mamãe,

rindo e chorando ao mesmo tempo. — Eu sabia que você

voltaria um dia! Você não mudou nada nestes anos todos!

Não acredito que você esteja aqui! Por favor, jure que

nunca mais vai nos abandonar!

O retorno do menino do espaço

11

— Nunca mais deixarei vocês, mamãe! — Prometi

também chorando (Eu era chorão mesmo). — Promessa de

meu papai número três!

Realmente, eu não mudara nada: estava agora com

mais de dezessete anos e seis meses de vida, porém

aparentava apenas um singelo menininho de nove anos.

Suster, o planeta de onde acabara de chegar, fôra abalado

por uma radiação, devido uma grande explosão, causada

pela morte de uma gigante estrela do cosmos. Tal radiação,

talvez acabara benéfica a seus habitantes, pois ela não

deixava as células envelhecerem e com isto, os seres

humanos daquele planeta, se tornaram praticamente

imortais, imunes a qualquer tipo de doenças infecciosas. É

lógico, que se alguém pular de um prédio ou se der uma

facada em alguém, esta pessoa, com certeza morrerá.

Eu estivera em Suster, por um período de oito anos

e voltara agora à Terra, com o mesmo jeitinho de criança

em que saí daqui e segundo disse o Senhor Frene, a

radiação em meu organismo, será eliminada aos poucos e

só após esta eliminação, eu voltarei a envelhecer

naturalmente, como qualquer outro terráqueo.

Estava agora, sentado no sofá da sala, cercado por

muitas pessoas: papai, mamãe, Paulinho, Erick, os outros

irmãos (Luis, Leandro, Letícia e Carlos Henrique) e muitos

vizinhos, os quais, com exceção do amigo adulto Luciano,

muitos deles, eu nem conhecia. Todos me bombardeavam

com muitas perguntas e eu praticamente só ouvia, não

respondia quase nenhuma delas.

— Quer comer algo? — Perguntou-me mamãe.

— É o que mais quero mamãe! Passei fome durante

toda essa viagem!

Ela se levantou e correu para a cozinha em busca de

algo.

Celso Innocente

12

— Onde você esteve, eles não te alimentavam

direito? — Perguntou-me papai.

— Claro que sim! Passei fome durante a viagem,

pois saímos apressados de lá e mal tivemos chance de

pegar alguma coisa pra comer. Sorte que estando na nave,

a gente só precisa se alimentar uma vez por semana.

Levantei-me e seguido por todos, fui até a cozinha,

onde mamãe já estava com panelas no fogo, refazendo um

jantar.

— O que está fazendo, mamãe?

— Uma janta pra você!

— Vocês já jantaram?

— Já! Estou fazendo especialmente pra você!

— Não precisa! Eu como qualquer coisinha!

— Faz muitos anos que espero fazer uma janta pra

você! Hoje é o melhor dia de minha vida!

Voltou a me abraçar chorando, pedindo:

— Por favor, meu filhinho, nunca mais abandone a

gente!

— Não vou mais sair daqui, mamãe! Isso é uma

promessa! Já disse que o senhor Frene me prometeu!

Pensei um pouco e me lembrando de algo, ironizei:

— Só espero que papai não tenha prometido cortar

mais nadinha de mim!

Da outra vez em que estivera sequestrado pelos

mesmos susterianos, papai, sem saber onde eu me

encontrava, fizera uma idiota promessa que se eu voltasse,

ele me circuncidaria no mesmo dia. Embora eu fosse só um

menininho pequeno, não concordava com tal sacrifício,

pois se a promessa era dele, por que meu frágil corpinho

era que teria que pagar!

O jantar demorou quase uma hora para ficar

pronto. Enquanto isso, eu seguira ao banheiro, onde me

O retorno do menino do espaço

13

deliciara com demorado e saudoso banho, em normal

chuveiro terráqueo.

Depois de tal banho, praticamente todos jantaram

novamente, me fazendo companhia e conversando muito.

Todos continuavam fazendo muitas perguntas, tudo de

uma só vez e eu continuava não respondendo quase nada.

— Pessoal: chega de tantas perguntas pro Regis. —

Pediu papai. — Ele agora precisa descansar!

— Na realidade, não estou tão cansado papai! —

Neguei. — Mesmo assim, estou curioso pra dormir

novamente em minha casa. Já sei que não tenho mais cama

aqui! O Erick está dormindo nela!

— Já estou lhe devolvendo sua cama agora! — Se

prontificou rindo, meu amigo.

— Não se preocupe! — Insinuei. — Eu durmo em

qualquer lugar! Pode até ser no sofá da sala!

— Nada disso! — Negou Erick. — Você vai dormir

mesmo em sua cama! Eu durmo no colchão, a seu lado!

— Amanhã prometo contar tudo, de onde estive até

então. Hoje, prefiro só ouvir e realmente dormir, logo após

o jantar.

— Concordamos com você filho! — Disse mamãe,

tornando me abraçar chorando, ainda não acreditando no

que estava acontecendo.

Poucos minutos depois, acabado o jantar, fui ao

banheiro escovar os dentes com os dedos, pois não existia

mais escova para mim. Em seguida, me despi completa-

mente e vesti uma espécie de calção de dormir (cueca

samba canção de seda) e uma camiseta sem manga, que já

eram mesmo meus, que embora antigos, mamãe guardara

com carinho, sabendo que um dia eu retornaria e iria

precisar.

Celso Innocente

14

Então os amigos se foram e eu, primeiro do que os

demais, fui mesmo dormir em minha antiga cama, a qual

Erick, realmente fizera questão em me devolver.

©©©

Já era madrugada, em torno de três horas, quando

acordei com uma voz bem suave, sussurrando em meu

ouvido:

— Rééégis...

O quarto estava escuro, com algum reflexo de luz,

através das frestas da veneziana. Olhei e só vi Erick,

dormindo no colchão, a meu lado.

— Garoto Regis! Sou eu!

Conheci a voz de Luecy, o robô.

— Estou aqui fora, Regis! Venha!

Levantei-me apressado, mudei rapidamente de

roupas, para evitar gozação tipo bulling pelo robô, corri,

abri a porta da cozinha e saí para o quintal. Lá estava ele, à

minha espera. Espantei-me muito em vê-lo.

— Luecy! O que você faz aqui? Há esta hora já era

pra você estar muito longe da Terra!

— Estou sem combustível! — Disse-me ele.

— Jura? E o que você vai fazer?

— Você terá que retornar urgente para Suster

comigo!

Espantei-me de verdade:

— Ah isso não senhor! Jamais sairei de minha casa!

— Será necessário! Sem você não consigo voltar pra

minha casa!

— Muito simples! Então você ficará aqui conosco

pra sempre!

— Jamais abandonarei meu mundo!

— Então que se dane você! Eu jamais abandonarei

minha família novamente!

O retorno do menino do espaço

15

— O senhor Frene lhe trará de volta.

— Que o senhor Frene venha lhe buscar! Basta que

venham em dois ou três; então você poderá ir embora com

eles!

Enquanto discutíamos, caminhávamos devagar e

foi com isto, que já estávamos defronte ao enorme disco

voador. Luecy abriu sua porta e pediu:

— Entre! O senhor Frene quer falar contigo!

— Acha que sou tão bobo, Luecy? Se eu entrar aí,

você fechará a porta e quando eu perceber, já estará muito

longe de minha casa.

— Não farei isto, garoto Regis! Não enquanto você

ou o senhor Frene não me ordenar!

— Não entrarei aí, Luecy!

— O que está acontecendo, Regis? — Perguntou-me

Erick que acabara de chegar. — Percebi que você saiu,

então resolvi segui-lo.

— A nave está sem combustível! Luecy não

consegue ir embora!

— E o que ele quer de você?

— Que eu vá com ele! Só assim terá combustível

novamente!

— Como assim? Por quê?

— O combustível desta nave, é produzido pela

presença humana, em seu interior!

— Como assim Regis?

— Esta nave consome gás carbônico! — Insinuou

Luecy.

— E o que você vai fazer, Regis? — Perguntou-me

Erick.

— Você entendeu o que ele disse? — Perguntei

admirado à Erick.

Celso Innocente

16

— Claro! — Exclamou Erick. — Que esta nave

consome gás carbônico!

— Como você pode entendê-lo? — Insisti ainda

admirado.

— Eu posso interpretar qualquer linguagem do

Universo. — Insinuou Luecy.

— O que você pretende fazer, Regis? — Insistiu

Erick.

— Já disse a Luecy, que não abandonarei meu

mundo jamais! Espero que ele fique aqui conosco! Afinal

ele é apenas um robô! E que eu saiba robô não sente

saudades de casa!

— Não posso abandonar o mundo que me criou! —

Negou ele.

— O que sugere então? — Perguntei-lhe.

— Primeiro você fala com o senhor Frene!

— Jamais me arriscarei a entrar aí!

— Tenho uma ideia, Regis… — Alegou Erick. — Se

vocês dois toparem…

— Que idéia você tem? — Perguntei-lhe

desconfiado.

— Vocês precisam da presença humana! Eu sou

humano! Você não pretende retornar àquele mundo! Eu

não tenho nada aqui! Logo, não tenho nada a perder!

— Erick, não diga bobagens! — Pedi.

— Não é bobagem! Você sempre sentiu falta daqui!

Acontece que você tem de quem sentir falta. Eu, embora

agradeça muito à sua família em ter me acolhido, não

tenho nada por sentir falta!

— Erick! Você tem mãe! — Alertei bravo.

— Minha mãe nunca me quis! Nem se importará se

souber que fui embora!

O retorno do menino do espaço

17

— Se importará sim! — Afirmei convicto. — Você

não conhece o coração de uma mãe!

— Se importará tanto, Regis, que faz dois anos que

ela não vem me ver! — Insinuou meu amigo, com certas

lágrimas. — Nem sei onde ela está!

— Falaremos com o senhor Frene! — Alegou o

robô. — Entrem os dois!

— Não me arriscarei, Luecy! — Neguei bravo. —

Não confio em susterianos!

— Ficarei na entrada da cabine, para que você se

sinta seguro.

Pensei um pouco e então me decidi, entrando na

nave:

— Está tudo bem! Falaremos com o senhor Frene!

Sentei-me na poltrona do piloto principal; fiz sinal

para que Erick sentasse na outra. Luecy cumpriu sua

palavra de robô, ficando na entrada da cabine. Acionei a

tecla R-5 e após aguardar alguns segundos, em meu

monitor, surgiu o senhor Frene, dizendo:

— Olá Regis! Parece que Luecy se esqueceu que não

é humano e não pode conseguir combustível pra nosso

brinquedinho.

— E o que o senhor quer de mim?

— Não que eu exija, mas você terá que voltar pra

cá!

— O senhor sabe que jamais concordarei com isso!

— Sei! Mas prometo lhe devolver à sua Terra no

mesmo dia! Só preciso que você traga Luecy de volta!

— Senhor Frene: embora eu o ame também, saiba

que jamais sairei da Terra, novamente!

— Regis: embora quiséssemos muito, até a pouco

tempo e se você concordasse, ainda queríamos! Mas agora

Celso Innocente

18

não pretendo mais trazê-lo em definitivo pra cá! Não

precisamos mais!

— Deixou de me amar como a um filho? —

Perguntei-lhe com certo sorriso admirado.

— Jamais! Mas tenho algo pra lhe mostrar! Aguarde

só um pouquinho!

Saiu da frente da câmera e pelo jeito, também da

sala do computador.

— Onde será que ele foi? — Perguntei a Luecy.

— Ele tem uma surpresa pra você! É só aguardar!

Alguns segundos depois ele retornou, colocando

sentado a seu lado, um me…ni…no, de uns nove anos. Um

menino não! Era eu… Mas como podia? Eu não estava lá!

Estava na Terra! E não estava sonhando! Então seria uma

montagem de cinema? Filmadora?

— Regis: — Disse ele. — Apresento-lhe, Regis!

— Co…como as…sim? Eu estou na Terra! Não

pode ser eu! É um truque!

— Não Regis! — Negou o senhor Frene. — Somos

muito avançados em nosso mundo! Diga oi a seu outro eu,

Regis!

— Olá Regis da Terra! — Disse meu outro eu, com

minha mesma voz e meu mesmo jeitinho tímido. — Sei

tudo sobre você e talvez um dia possamos nos conhecer!

— Que loucura é essa, senhor Frene? —desesperei-

me.

— Não se assuste Regis! Há sete anos, quando lhe

trouxemos pra cá, já sabíamos que você não aceitaria ficar

conosco, então nossa ideia fôra1 de apenas trazê-lo pra

1 Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do

Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o

advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro,

preferi adotar o tal acento circunflexo em fora.

O retorno do menino do espaço

19

colhermos seu DNA e em poucos dias lhe devolveríamos à

sua família. Porém aconteceu o acidente de seu irmão

Paulinho. Então conseguimos com isto, uma mudança nos

planos, fazendo você permanecer conosco. Mas já

tínhamos colhido seu DNA, no dia em que você chegou

aqui, através de pouquíssimas células de seu organismo e

os mesmos médicos que cuidaram de Paulinho no hospital,

cuidaram da gestação e nascimento deste menino aqui a

meu lado. No dia em que você aceitou em fazer a cirurgia

cerebral e nós não achamos ético fazê-la, este Regis aqui, já

tinha nascido em Merlin e permanecera protegido em

ambiente esterilizado e livre de nossa radiação, por todo

esse tempo, vindo a se desenvolver e crescer normalmente.

Fizemos aquilo que já era planejado e apesar de você ter

ficado muito mais tempo conosco, resolvemos fazer aquilo

que é proibido na Terra. Você sabe! Não sabe?

— Ele é um... clone? — Perguntei, já sabendo a

resposta.

— Exatamente! Ele é idêntico a você! Até mesmo a

pinta que você tem na altura do tórax, é igual. Sabe aquela

pelinha de porco, que você tem num lugarzinho especial?

Também tem! A vantagem, é que ele não conhecendo a

Terra, não sente falta daí e está muito feliz conosco!

— Então o senhor vai me esquecer!

— Um pai jamais esquece um filho! O que vou fazer

sempre é acreditar que seu outro eu, é na verdade você

mesmo! Com isto, todo amor que temos para com você,

daremos a ele. Mas isto não quer dizer nada! Como lhe

prometi, no dia em que você resolver voltar pra cá, é só

pedir e irei imediatamente. Se isto acontecer um dia;

Celso Innocente

20

apesar de eu achar que não acontecerá, teremos dois

adoráveis Regis, vivendo conosco.

— Por isto que o senhor nunca me levou à Merlin,

para conhecer os médicos que cuidaram de meu irmão?

— Pode ser! Era preciso precaução, para que nosso

segredinho não vazasse.

— Não sei o que dizer senhor Frene! — Neguei

ainda espantado. — Foi uma surpresa e tanto! Acho que

neste caso, fico até muito feliz e um pouco enciumado.

Creio que gostaria de conversar mais com ele! Ficar amigo

dele! Creio que ele seja meu irmão!

— E é! — Confirmou o senhor Frene. — Venha

trazer Luecy, fique só algumas horas conosco e conversará

muito com seu outro eu!

— Não, não! Prefiro não me arriscar!

— Estou lhe garantindo!

— Uma vez falei sobre um clone com o senhor

Tony e ele me disse que seria impossível criar um outro ser

idêntico. Quer dizer: Poderia ser idêntico, porem ninguém

nasce grande!

— Milagres da ciência avançada! — Riu o senhor

Frene. — Seu outro eu, foi planejado e criado com muito

carinho em Merlin! Venha conhecê-lo! Te devolvo à sua

Terra! É uma promessa de pai, pra filhinho amado!

— Desculpe, mas não vou não!

— Seu outro eu, nasceu bebê, como todos os bebês!

Como já disse, se desenvolveu em ambiente protegido.

Hoje ele tem seis anos de idade, se medirmos pela Terra.

— Ele está de meu tamanho!

— Agilizamos seu metabolismo! — Riu o senhor

Frene. — Agora, estando fora do ambiente protegido, ele

não crescerá mais! Ajude Luecy a devolver nossa nave!

O retorno do menino do espaço

21

— Advinha se vou sair da Terra? — Ironizei. —

Mas temos uma solução pra este caso!

— Solução! Que solução?

— Meu amigo Erick! Já lhe falei muito sobre ele! Ele

aceita levar Luecy até o senhor!

— Verdade isso, Erick? — Perguntou o homem a

meu amigo.

— Sempre quis ir até aí! — Alegou Erick.

— Não é uma viagem de duas horas e não posso

lhe devolver rapidamente! Não é como viajar para

Araçatuba!

— Sei de tudo isso! — Confirmou Erick.

— Como Erick pode entender o senhor? —

Estranhei. Mas já sabia a resposta.

— Falo sua língua! Lembra? Estudei com você!

Se calou por um instante, depois perguntou:

— Quanto tempo pretende ficar conosco, Erick?

— O tempo que o senhor me aceitar!

— Não sentirá falta de casa?

— Não tenho nada por aqui! Sempre estive abando-

nado!

— Embora você não seja assim uma criança, é um

bom adolescente e com certeza sua companhia fará muito

bem pra nosso Regis! Porém é uma decisão difícil!

— Pedi muitas vezes, pra que Regis convencesse o

senhor em me levar!

— Sei de tudo isso! Ele sempre me pediu isso!

O senhor Frene se virou para o meu outro eu, a

oitenta e sete anos-luz de distância e perguntou:

— O que você acha de um novo amiguinho,

querido Regis?

— Se é amigo de meu irmãozinho, gostarei muito!

— Insinuou meu outro eu, um pouco tímido.

Celso Innocente

22

— Se assim desejarem: Regis, você pode ficar com

seus pais e Erick venha com Luecy. Só que a permanência

por aqui será muito longa! Talvez pra sempre!

Levantei-me da poltrona, ainda ouvindo o senhor

Frene:

— Concorda realmente Erick?

— Sim! — Afirmou ele, entusiasmado.

— Promete não ficar choramingando pelos cantos,

como fazia esse meu amado filhinho terráqueo?

— Ficarei aí com Regis dois!

— Bem vindo à bordo! — Riu o senhor Frene. — Só

temos um problema!

— Qual? — Questionei-o.

— Durante a viagem, você se alimentou bem?

— Não muito! — Neguei, me lembrando de que

não havia alimentos para Erick na nave.

— Posso fazer Erick dormir durante toda a viagem!

— Insinuou o senhor Frene. — Assim ele não precisará de

alimentos!

— Não quero dormir! — Negou meu amigo.

Quem ousaria passar todo o tempo dormindo,

durante a mais espetacular viagem de toda a sua vida?

Nem eu!

— Esperem só um pouco!— Resolvi, correndo para

casa.

Abri a geladeira de mamãe e raptei duas bandejas

de iogurte, um queijo tipo frescarine, inteiro, um pacote de

salsichas, uma bola de mortadela de um quilo... E do

armário, três caixas de leite longa vida, duas caixas de suco

de soja, uma lata de achocolatado, dois pacotes de bolachas

doces, dois de bolachas salgadas, duas latas de sardinhas

em conserva e um vidro de azeitonas verdes. Enchi duas

garrafas pets descartável, com água; coloquei tudo em três

O retorno do menino do espaço

23

sacolas plásticas; segui ao quarto e mesmo no escuro,

apanhei um monte de roupas que teria certeza serem de

Erick e então, quase não conseguindo carregar, retornei até

a espaçonave, entregando tudo a Erick e o acompanhando

até a cozinha, dizendo:

— Sei que não é o suficiente! Acho que terá que

fazer bastante economia, mas não vai morrer durante a

viagem!

Enquanto me retirava, já no corredor entre à cabine

e o grande hall de entrada, ouvi o senhor Frene, dizendo:

— Não se preocupe, em uma viagem espacial não

se come muito! Regis: Até qualquer dia! Não se esqueça de

que o amamos muito!

Voltei-me sorrindo e acenei dizendo:

— Eu amo muito o senhor também! Mas também

amo muito minha família e a Terra!

Retornei, dei um abraço em Erick, dizendo:

— Tenho certeza de que você será muito feliz por

lá!

— Agradeça seus pais por mim!

— Pode deixar que eu cuide da situação! — Voltei-

me a Luecy, dizendo:

— Agora você tem um novo amigo pra perturbar e

ensinar-lhe muita coisa.

— Ele nadará pelado em seu lugar!

— Boa idéia! Mas lá tem outro Regis pra você

azucrinar!

Quando já ia descer pelas escadas, elas se

recolheram rapidamente e a porta se fechou bruscamente,

então Luecy, ainda no hall da nave, me disse:

— Garoto Regis! Surpresa!

Me apavorei. O motor na nave foi acionado, mesmo

não tendo ninguém em sua cabine.

Celso Innocente

24

— O que há Luecy? — Gritei com o coração

disparado, assustado.

— Que tal uma pequena viagem até o mundo

Suster? — Alegou o robô.

— Pare com isso! — Gritei. — Quem ligou esta

nave?

— Eu! — Alegou ele, até parecendo rir. — Não

preciso estar na cabine para este treco funcionar!

— Não vou com vocês, robô hipócrita! — Gritei

apavorado. — Eu explodo esta porcaria!

A porta tornou a se abrir, fazendo os degraus de

escada, descerem até perto do chão e o robô ironizou:

— Brincadeirinha! Regis ficará na Terra!

Refazendo-me do susto, desci rapidamente da nave.

A escada se recolheu e a porta se fechou. Em poucos

segundos, seus motores aumentaram a potência e menos

de um minuto depois, lentamente começara a tomar altura,

então, em mais alguns segundos, como um raio,

desapareceu no Universo.

Lentamente, ainda olhando para o Céu escuro,

retornei para casa, fechei a porta, deitei em minha cama e

comecei a pensar em tudo o que ocorrera.

O retorno do menino do espaço

25

A repercussão dos fatos

o acordar, já passava das nove horas da manhã

de domingo. Olhei para o colchão vazio ao

lado de minha cama e tive a confirmação de que não fôra

um sonho. Levantei-me e segui para a cozinha, onde

encontrei mamãe, cuidando da louça, do jantar anterior.

— Oi mamãe! — Chamei-a.

Ela se voltou, vindo novamente me abraçar:

— Oi filhinho! Você dormiu bem? Descansou

bastante?

— Não estou cansado mamãe! A viagem pelo

espaço não cansa as pessoas! É bastante chata, porque não

se tem muito o que fazer naquele espaço limitado, mas é

confortável!

— Que bom que você está aqui! Que bom que não é

apenas um sonho! — Continuava me apertando forte.

— Não é mamãe! Nem pra mim! Voltei pra ficar

aqui pra sempre!

— Sonhava com você todas as noites, durante todos

esses anos! Sabia que você estava vivo... — Recomeçara a

chorar. — ...em uma estrelinha qualquer! Só não sabia qual

era ela!

A

Celso Innocente

26

— Eu também sonhava com todos daqui! Todos os

dias!

— Você viu o Erick? — Perguntou-me ela,

parecendo desconfiar de algo. — Ele desapareceu!

— Mamãe… Ele foi embora…

— Embora! Como assim? Ele não tem pra onde ir!

Apontei com o dedo para o espaço, sem nada dizer.

— Onde Regis? — Assustou-se ela. — O lugar dele

é aqui, conosco!

— Ele se foi em meu lugar! Mandou que

agradecesse a senhora e papai.

— Regis, você está brincando comigo! Diga que

está!

Acenei que não

— Aquela nave que trouxe você, foi embora na

mesma hora e Erick estava aqui, até irmos dormir!

— A nave retornou durante a madrugada!

— Não pode ser verdade! — Apavorou-se ela. —

Erick tem que ficar aqui!

— Ele sempre esteve abandonado aqui na Terra!

Sempre quis ir em meu lugar, pro planeta do senhor Frene!

Isto agora aconteceu! Não podemos fazer mais nada!

— A mãe dele vai ficar louca!

— A mãe dele, nunca o quis de verdade! Agora ela

não precisará mais se preocupar.

— Regis! Você não podia ter deixado isso acontecer!

Você acompanhou isso?

— Era a mim, que eles queriam levar novamente!

—Nunca mais teremos sossego com esse fulano do

espaço! — Se desesperou ela.

— Garanto que eles jamais virão me buscar! O Erick

sim, sempre estará com eles! Não podemos fazer nada!

Somente torcer por ele! Alem de que: ele não foi

O retorno do menino do espaço

27

sequestrado! Prontificou-se a ir! Garanto que lá, ele será

muito feliz!

Ela não se conformava. Seguiu para a sala,

deitando-se no sofá. Acho que sua pressão, caiu um pouco.

— E quem assaltou minha geladeira e meu

armário?

Fiquei meio sem jeito:

— Foi a última vez, que Erick lhe deu gastos,

mamãe! — Insinuei. — Mas não foi ele quem pegou!... Fui

eu!... Acontece que a viagem é muito longa e na nave não

existia mais nada! Eu passei necessidades na vinda!

— Nunca mais teremos sossego!

— Já está decidido! Jamais sairei da Terra! Aos

poucos minha vida retornará ao normal. Pode acreditar!

— Você deveria estar mocinho, como o Erick e seus

irmãos! Portanto é só um garotinho de nove anos!

— Acho que isto até é bom! — Insinuei. — Afinal,

perdi oito anos de convívio com vocês! Estes oito anos

serão compensados agora!

— O que vai ser de nós?

— A senhora não gosta de mim, assim criança?

Levantou-se, me abraçando novamente e dizendo:

— Eu o amo muito, filhinho! Do jeito que estiver!

Você está muito lindo! Eu sabia que voltaria um dia! E

sempre esperei você, ainda criança! Nunca o imaginei mais

velho!

— Só precisarei arranjar novos amigos! Os meus já

estão todos adultos!

— Você demorou muito pra retornar! Nós

estávamos ficando cada dia mais desesperados! Sua

ausência era uma ferida em nosso peito, que teimava em

não cicatrizar.

Celso Innocente

28

— Sabe mamãe, eu deveria ter voltado muito antes;

mas tive que prometer ficar por lá…

— Como assim?

— Lembra-se do acidente de Paulinho?

Ela se entristeceu novamente:

— Você soube? Ele quase morreu! Ficou muito mal

mesmo!

— Nós acompanhamos todo o sofrimento dele,

junto com a senhora e papai.

— Viu tudo?

— O senhor Frene me devolveria à Terra, mas como

o estado de Paulinho era muito sério, se comprometeu em

salvá-lo, desde que eu aceitasse ficar pra sempre em Suster.

— O que você está dizendo? Quer dizer que…

— Paulinho foi salvo pelos dois médicos mais

experientes de Suster.

— Isso não é possível! — Negou ela com lágrimas.

— O que ocorreu na verdade, foi um milagre que os

médicos não entenderam!

— Sim! Um milagre de Deus! Mas com a

experiência de dois grandes médicos! Alem dos médicos

aqui da Terra, que também trabalharam com muita

dedicação.

— Os médicos admiraram a milagrosa recuperação

sem sequelas de Paulinho. — Ela continuava chorando.

— Pois é mamãe! Com isto, tive que permanecer em

Suster! Só consegui voltar agora, graças às travessuras do

robô, que me trouxe sem permissão do senhor Frene!

— Sem permissão? — Assustou-se ela.

— Isso mesmo! Viemos escondidos.

— Ah não! Então esse homem virá te buscar

novamente!

O retorno do menino do espaço

29

— Não tenha medo! — Ri. — Ele já concordou em

me trocar por Erick. Alem do mais, já existe um novo

garotinho de seis anos de idade em meu lugar.

— Ele sequestrou outro menino? — Se incomodou

mamãe.

— Não! O único terráqueo atualmente no espaço é

o Erick!

— E quem é o outro menino? Você me disse da

outra vez, que lá não nascem crianças!

— Não se preocupe mãe! Milagres da tecnologia de

um mundo avançado!

— Sabe filhinho, toda noite eu ficava olhando pras

estrelas, imaginando em qual delas estaria você. Quando

via uma muito brilhante, que até parecia piscar pra mim,

imaginava vê-lo e assim, como no final do filme “O

Pequeno Príncipe”, esperava ouvir seu sorriso bonito,

vindo direto pra mim, mas como você nunca sorria, — Ela

chorava bastante. — acreditava que você estivesse muito

triste.

Eu também chorava com ela. Puxa, como sou

chorão!

— Realmente mamãe, eu nunca ficava feliz!

Aquele domingo foi passando muito depressa.

Nossa casa estava sempre cheia de gente, amigos e

curiosos, em busca das notícias de meu retorno. Assim

como era em Suster, aqui também, até parecia que eu era

um ídolo, onde todos me admiravam e faziam centenas de

perguntas, das mais simples até as mais esquisitas.

©©©

No final da tarde, estava brincando com Paulinho,

no fundo de nosso quintal, quando percebi parar em frente

de casa, um carro tipo Santana Quantum, de uma emissora

de televisão regional. Seus ocupantes: um homem branco

Celso Innocente

30

de uns vinte e cinco anos e uma linda mulher morena, de

cabelos longos, aparentando uns vinte anos, apearam do

veículo e antes de chamar, papai os atendeu, ficaram

conversando por alguns minutos, então o homem apanhou

uma câmera de tevê e a mulher, um microfone. Tendo

certeza de que o assunto era eu, me aproximei. A moça

educadamente cumprimentou-me:

— Olá! Você é Regis, suponho!

— Sim! Sou eu!

— Podemos saber um pouco de sua história?

— Prefiro que não! — Neguei — Podem saber

minha história; mas prefiro que não divulguem!

— Por quê?

— Se você falar de mim na televisão, em poucos

dias, vou acabar parando novamente na NASA.

— Isso é bom! Suponho!

— Já estive lá! Gostei! Mas prefiro ficar quietinho

aqui em casa.

— Assim como ficamos sabendo de seu retorno,

outros saberão! Mesmo que a gente não comente nada!

— Isso lá é verdade! — Concordei. — Papai decide

o que vocês podem fazer. Eu porem prefiro não comentar

nada na televisão. Pelo menos por alguns dias.

Realmente não falei nada, mas papai permitiu que

eles gravassem uma longa reportagem. Afinal, minha

história era muito interessante.

©©©©

Dez horas daquela noite, me aproximei da cama

onde meus pais já estavam dormindo e chamei em voz

baixa:

— Mamãe!

— O que foi? — Se surpreendeu ela.

— Posso dormir com você?

O retorno do menino do espaço

31

— Mas... Por quê? — Se admirou.

— Por favor! Só hoje!

Papai se levantou, dizendo:

— Tudo bem! Durma em meu lugar, que eu durmo

na sua cama.

Na manhã de segunda-feira, às sete horas, em um

jornal regional, o apresentador anunciou:

“— Após sete anos desaparecido, retornou no inicio

da noite de sábado à Terra, o menino Regis Fernando de

Araújo. A reportagem é de Silvia Helena.”

Em reportagem gravada em nossa casa na tarde de

domingo, com imagens do local, a repórter dizia:

“— Eram sete horas da noite deste Sábado, quando

um enorme disco-voador, pousou novamente em

Penápolis, trazendo de volta, o garoto Regis, que estava

desaparecido desde um mil novecentos e oitenta e um. É

fácil acreditar que Regis fôra sequestrado por alienígenas,

pois durante estes sete anos, ele não envelheceu nada,

continuando com a mesma aparência de quando

desapareceu. Tenho comigo uma foto de Regis, feita em

mil novecentos e setenta e nove e comparando com ele

aqui a meu lado, se percebe que não mudou em nada e

olha que sendo criança, sete anos depois, a aparência

mudaria muito. Regis prefere não dar entrevistas. Pediu

que deixássemos para outro dia, mas seu pai concordou

em falar”.

Virou-se para papai e perguntou:

“— O que aconteceu realmente?”

“— Na verdade, Regis foi sequestrado duas vezes.

A primeira foi no dia vinte e cinco de Março de oitenta,

sendo devolvido exatamente um ano depois. Naquele

mesmo ano, oitenta e um, no dia vinte e seis de agosto, ele

foi novamente sequestrado. Naquele dia, quando começou

Celso Innocente

32

a escurecer e Regis não chegava da escola, começamos a

nos desesperar. Quando escureceu de vez, minha mulher

quase morreu. Já sabíamos que por mais um ano,

estaríamos sem nosso filho. A coisa foi muito pior, pois

depois de sofrermos muito, um ano se passou e Regis não

retornou. Todos os dias sofríamos muito! Sabíamos que

qualquer dia ele retornaria, mas só agora, depois de sete

anos, este momento chegou.”

“— Como o senhor pode ter certeza, que ele esteve

mesmo em outro planeta?”

“— Primeiro, porque vi a nave chegando; depois,

porque meu filho continua criança, quando já deveria ter

dezessete pra dezoito anos. Ele nasceu em oito de Março

de Setenta e um”.

“— É isso mesmo, segundo disse Regis, ele esteve

em um planeta semelhante à Terra, porém mais adiantado

e seu nome é Suster. Fica na mesma Via Láctea, a oitenta e

sete anos-luz de distância. Regis contou ainda, que a

viagem para este planeta, demora pelo menos setenta dias

em uma velocidade muito acima da velocidade da luz, que

é de trezentos mil quilômetros por segundo.”

Novamente o microfone foi direcionado para papai,

que concluiu, me abraçando:

“— Meu filho, agora só quer descansar, curtir sua

infância na Terra e prometeu que jamais sairá daqui”.

A repórter encerrou:

“— Silvia Helena, diretamente de Penápolis, aqui

na Terra. — Ironizou ela. — Para o Primeiro Jornal”.

O apresentador do jornal, ainda comentou:

“— Regis nos faz lembrar o personagem de

histórias infantis, Peter Pan, o menino que não queria

crescer. O interessante é que ele não é um anão que não

quer crescer. Na verdade, ele não está é envelhecendo. Pelo

O retorno do menino do espaço

33

que vimos aí na reportagem de Silvia, ele realmente

continua igual sua foto de mil novecentos e setenta e nove.

Nove anos atrás”.

Naquela manhã, papai e meus irmãos, Luis de vinte

e um anos e Leandro de dezenove, foram trabalhar; minha

irmã Letícia, de dezesseis e os irmãos Carlos Henrique de

quatorze e Paulinho de treze anos, foram para a escola.

Consequentemente, fiquei sozinho em casa, com mamãe.

Na realidade, não ficamos tão sozinhos assim, pois,

principalmente depois do jornal da tevê, muitos curiosos

apareceram. Alguns, mais tímidos, apenas passavam em

frente de nossa casa, devagar... olhando; outros, até

chamavam no portão e mamãe aparecia para atendê-los.

Eu evitava sair na rua, só aparecendo quando se tratasse

de pessoas conhecidas, mesmo porque nestes casos,

mamãe às convidava para entrar.

Durante toda aquela manhã foi assim. Sentia pena

de mamãe, pois seu serviço de casa estava cada vez mais

atrasado. Por isso mesmo, tentando ajudá-la, como fazia no

passado distante, lavei toda a louça, preparei as sete

camas, varri toda a casa e passei pano molhado nos móveis

da sala e da copa.

— Meu filhinho! — Me abraçou ela com lágrimas.

— Você tá trabalhando tanto! Vá descansar!

— Não estou cansado mamãe! Desse jeito vou ficar

mal acostumado! — Brinquei. — A senhora está me

paparicando muito!

Enquanto ela tentava preparar o almoço,

descasquei e piquei uma abobrinha menina e cortei alguns

tomates, que ela iniciara e teve que atender a porta.

Por volta do meio dia, todo nosso batalhão familiar,

retornou para o almoço, que foi servido no horário de

costume, depois, deitei-me para descansar um pouco.

Celso Innocente

34

Acordei por volta das quatorze horas e corri ao

banheiro, para lavar o rosto e tirar a preguiça. Neste

horário, em casa, estava eu, mamãe e Paulinho. Minha

irmã e Henrique, haviam ido ao curso de Inglês.

Alguém chamou por mamãe no portão e ela, já

cansada dessa rotina, correu atender. Poucos segundos

depois, retornou acompanhada por uma linda jovem (a

mais bonita que já vi em minha curta existência na Terra):

morena, de cabelos longos. Pensei logo se tratar de outra

repórter de televisão. Porém estava sem maquiagem.

— Oi Regis! — Cumprimentou-me ela, com um

lindo sorriso, no canto esquerdo da boca, brilhando em um

batom incolor. — Você realmente continua o mesmo!

— Elizabeth! — Exclamei, reconhecendo-a, nem

mesmo sei como.

Levantei-me do sofá e ela me abraçou, beijando

meu rosto e deixando que a beijasse também.

— Você está muito bonita! Você sempre foi muito

linda! Quantos anos você tem?

— A mesma idade que você deveria ter!

— Dezessete?… Você tem namorado?

— Meu único namorado se chama Regis! —

Brincou ela, em belo sorriso. — Mas ele me deixou!

— Voltei agora! — Disse-lhe com o coração

palpitando feliz, como se fosse um príncipe. — Você ainda

me quer?

— Serei sempre sua namorada! Terei que esperar

você se tornar um pouco mais adulto… Mas vou esperar!

Uma sombra de tristeza passou sobre meu rosto.

— O que foi? — Perguntou-me ela.

— Não me tornarei adulto tão logo!

— Não se preocupe! Seremos eternos enamorados e

eu esperarei por você!

O retorno do menino do espaço

35

— O senhor Frene me disse, que mesmo na Terra,

não envelhecerei tão logo!

Ela pensou um pouco e disse:

— Esperaremos!

— Pode demorar pelo menos uns vinte anos, para

que eu comece a envelhecer e mesmo assim,

provavelmente jamais possa ter um filho.

Era certo que sua conversa de namorado, não

passava de mera brincadeira; mas para mim era sério: eu

que sempre a admirei em sua infância, me apaixonei

imediatamente, quando a reencontrei ali na sala de nossa

casa. Gostaria de poder realmente me tornar seu eterno

príncipe encantado e chamá-la de minha princesa. Meu

coração de criança bateu mais forte, parecendo ter desejos

de mocinho, mas seria impossível ela me esperar.

— Acho que terei que autorizar você me deixar e

conseguir outro namorado!

— Impossível meu gatinho! — Riu ela. — Faz sete

anos que espero por você! Vou continuar te esperando!

— Quando você tiver quarenta anos, eu estarei

parecendo seu filhinho.

— Ta me chamando de velha?

— Hoje não! Mas quando você tiver quarenta, eu

estarei com a mesma aparência de agora.

— Não pode ser Regis! — Negou mamãe. — O

clima aqui da Terra é diferente e você vai ficar um moço

muito bonito, loguinho, loguinho! Você não acha Beth?

— Quem sabe? — Aleguei. — O senhor Frene

prometeu me ajudar!

— Quem? — Assustou-se mamãe (ela se assustava

muito fácil).

— Sem que eu precise sair daqui, mamãe!

Celso Innocente

36

Beth continuou conosco a tarde toda, inclusive,

auxiliando mamãe no trabalho de atender a porta e

conversar com as pessoas, que buscavam informações

sobre “o menino que retornou do espaço”.

©©©

Na mesma emissora, a qual noticiara minha volta à

Terra, no jornal matutino, em âmbito regional, agora no

jornal da noite, reprisara a mesma notícia, porém em

âmbito nacional.

— Pronto! — Insinuei sério. — Agora vou ficar

famoso de verdade!

— É melhor você cobrar cachê! — Brincou

Henrique.

— Me dê um autógrafo? — Caçoou Paulinho,

pulando sobre mim, no sofá da sala.

Por volta das dez horas daquela noite, papai fôra se

deitar e eu o acompanhei, deitando-me a seu lado.

— O que há, Regis? — O estranhou.

— Nada! Posso ficar um pouco aqui?

— Claro! — Me abraçou. — Preciso mesmo

recuperar o tempo que ficamos longe.

Cinco segundos depois, como ele continuava

abraçado a mim, lhe pedi:

— Não precisa me abraçar papai! Sou homem!

— Pra mim você não é homem! — Me deixou. —

Pra mim você é meu filho! E também estou com

necessidades de seu carinho.

©©©

Quando acordei, chacoalhado por Paulinho, ainda

na cama de meus pais, pouco depois das seis horas da

manhã seguinte, fiquei sabendo, que em frente de casa,

havia um batalhão de gente. Eram repórteres de diversas

O retorno do menino do espaço

37

emissoras de televisão, rádio, jornal e revista. Papai já

havia atendido a todos e prometeu que eu falaria com eles.

Fui ao banheiro, tomei um ótimo banho, escovei os

dentes, vesti calça e camisa chique. Mamãe penteou meus

cabelos, dizendo, que era para que eu ficasse ainda mais

bonito, para aparecer na tevê. Tomei um rápido café, com

leite e pão caseiro. Tornei a escovar os dentes; não que

fosse costume escovar os dentes duas vezes de manhã

(tinha vezes que não escovava nenhuma); mas era uma

ocasião especial e não ia querer ser visto na televisão, com

fiapo de pão grudado nos dentes. Meus três irmãos mais

jovens seguiram para a escola.

Já passava das sete horas, quando, acompanhado

por papai, fui ao encontro dos jornalistas, inclusive a

mesma Silvia de domingo:

— Regis concorda em falar com vocês. — Afirmou

papai. — Desde que seja para todos ao mesmo tempo. Ao

contrário, se tornaria muito demorado e cansativo, alem de

repetitivo.

Naquele momento, as câmeras já estavam ligadas e

foi ali mesmo, na entrada do portão, que iniciamos uma

pequena entrevista, em regime coletivo.

— Sinto muito ter feito esperarem por mim! —

Aleguei. — Levantei-me agora a pouco e só agora, acabei

de tomar café.

— Qual sua idade Regis? — Perguntou-me alguém.

— Embora não pareça, tenho dezessete anos! Nasci

em março de mil novecentos e setenta e um.

— Você disse ter sido sequestrado há sete anos, por

seres alienígenas. — Insinuou outro repórter. — Confirma

isso?

— Não eram monstros, como nossa fértil

imaginação cria! — Neguei. — Eram seres humanos,

Celso Innocente

38

idênticos a nós. Inclusive, foi por isso mesmo que me

levaram!

— Por que seres humanos, idênticos a nós, se

preocupariam em sequestrar um menino da Terra? —

Perguntou-me outro.

— Em seu planeta não existem crianças! São

imortais e só existem adultos! A idade média de cada um

de seus mais de três bilhões de habitantes é de cinco mil

anos! Ou seja, qualquer um deles, nasceu antes mesmo de

Jesus ter vindo à Terra. Muitos deles, já nos visitaram, a

milhares de anos no passado.

— Como é a vida neste planeta? — Perguntou outro

repórter. — Como é sua alimentação?

— A alimentação é idêntica à nossa. Com exceção

de que lá não se come carne animal! A alimentação é a base

vegetal e muita coisa concentrada, principalmente para

longas viagens!

— Como, concentrada?

— Existe uma espécie de alimentação concentrada

em minúsculos tubos, como uma cápsula de remédio. Ao

se fazer uma viagem muito longa, como vir à Terra por

exemplo, seria impossível armazenar alimentação para

seus setenta dias de viagem, então eles utilizam pouca

alimentação natural e na maioria, concentrada. Esta

alimentação não tem gosto, mas por outro lado, a pessoa

não precisa ir ao banheiro, não engorda e não sente fome.

Eu prefiro muito mais um bife com batata frita! Faz tempo

que não como um desses!

— Por que eles queriam uma criança?

— Queriam um filho infantil! Diziam que uma

criança traz felicidade! Para eles eu era muito especial! Só

retornei porque fugi; caso contrário ainda estaria lá. Jamais

concordariam que eu viesse embora.

O retorno do menino do espaço

39

— Faziam algum mal à você?

— Mal físico não! Eu sofria sim! Mas era com a

ausência de casa; de minha família e de meus amigos!

— O que você fazia nesse lugar?

— Brincava sempre sozinho, ou com um robô

esperto; jogava videogame, nadava sozinho, ou às vezes

acompanhado por uma jovem chamada Leandra. Acho que

o nome verdadeiro dela nem era esse! Ia à televisão, ao

parque... viajava um pouco e ultimamente estudava

bastante.

— Realmente esta seria outra pergunta! — Insinuou

a repórter Silvia. — A gente percebe que você fala até

muito bem, se compararmos à uma criança de nove a dez

anos de idade! Você estudava naquele planeta?

— Quando Sai de lá, estava cursando a sétima série!

Estudava pelo menos seis horas diárias!

— Eles falam nosso idioma? Falam Português?

— Não! Não consigo entender patavina de seu

idioma! A gente se comunicava, graças a um aparelho

tradutor criado por eles. Aliás, estão centenas de anos,

avançados em relação à nós. Esses equipamentos de

televisão que vocês estão utilizando aqui, não existem lá!

Não há necessidade que um cameraman fique com um

peso desses nos ombros! Isso lá é em miniatura e

controlado por um sistema computadorizado. Não

possuem fita magnética. São minúsculos cartões, capazes

de armazenar imagens de um dia inteiro de gravação.

— Como funciona a nave espacial?

— Não sei direito! — Neguei. — Quando se vai

fazer uma viagem, os engenheiros estudam e traçam toda a

rota em um computador de bordo! Embora haja um ou

mais astronautas, acompanhando toda a viagem, a nave é

pilotada praticamente no automático. É tão simples, que

Celso Innocente

40

até mesmo eu, já pilotei uma delas. E isto, quando eu tinha

realmente nove anos de idade!

— Como é possível uma viagem tão longa ser

realizada em pouco tempo? Setenta dias é muito pouco,

visto a distância real.

— Concordo e não sei explicar! Só sei que a nave

viaja numa velocidade superior a velocidade da luz. Eles

me disseram também, que no espaço, o tempo passa mais

depressa, o que talvez complicasse ainda mais nosso

entendimento.

— Mais depressa? — Questionou-me um dos

repórteres. — Não seria o contrário?

— Realmente! — Concordei. — Pra quem está

dentro da nave, quanto maior a velocidade, mais os

ponteiros do relógio parecem parar! A tal viagem de

setenta e um dias, parece ser feita em sete ou dez dias! Sei

lá! É apenas impressão!

— Talvez explique o motivo pelo qual você não

envelheceu! — Comentou a repórter Silvia.

— Pode até ser um dos motivos também! Mas não o

real!

— Como é o planeta onde você esteve? Idêntico à

Terra?

— É e não é! — Gesticulei com as mãos. — Tem um

clima idêntico ao nosso! Tem água, oxigênio, nitrogênio,

vaporização da água, dióxido de carbono, temperatura de

trinta e cinco graus… Tem os tais efeitos eletromagnéticos,

protegendo o planeta contra os tais ventos solares

(estelares). Mas não tem noites! Duas estrelas gigantes se

encarregam de iluminá-lo em suas trinta e duas horas

diárias. Só em determinado período do ano, que passa um

pequeno espaço de tempo diário, sem iluminação em certa

O retorno do menino do espaço

41

parte do planeta2. Não onde eu morava! E assim mesmo o

período é tão pouco que não chega a escurecê-lo. Pra se ter

uma idéia, os carros de lá não possuem faróis.

— Chove?

— Semelhante à Terra. Porém nunca presenciei

tempestades muito violentas! Chega a sofrer descargas de

raios e trovões e até mesmo, traz certa escuridão ao

planeta! Por isso mesmo, o senhor Frene mencionou, que

seria útil a instalação de faróis em carros e mais lâmpadas

nas residências.

— Deve ser muito calor!

— Trinta e cinco graus! Existe também a camada de

ozônio, que assim como na Terra, protege o planeta contra

os raios ultravioletas, que é pior do que aqui, devido não

haver noites e ser bombardeado constantemente por duas

estrelas. Só que a deles é pro...tegida. Os susterianos, por

não gerarem mais vidas, prezam muito as que têm, então,

ao contrário de nós, não devastam tudo! Eles protegem e

conservam sua camada de ozônio. Não existem nada em

spray e conservam rigorosamente as matas naturais e todo

tipo de natureza.

— Se eles são seres humanos idênticos a nós e

saudáveis, inclusive imortais, por que não existem

crianças?

Houve risos, imaginando uma pergunta um pouco

maliciosa.

— A princípio, eles achavam que era escassez de

oxigênio, mas depois de muito estudo, concluíram que a

mesma radioatividade que os tornaram praticamente

2 Isto acontece devido a órbita elíptica com que o exo-planeta faz ao

centro de suas duas estrelas gigantes.

Celso Innocente

42

imortais, também os tornaram estéreis. — Respondi,

também com leve sorriso.

— Eles não namoram?

— Claro! Namoram, casam e transam

normalmente! Só não geram bebês!

— Acho esse assunto desnecessário! — Insinuou

papai.

— Tudo bem papai! — Aleguei com sorriso maroto.

— Já tenho dezessete anos! Já estudei sobre isso!

Todos riram.

— Você aprendeu muito sobre aquele planeta?

— Estive lá por oito anos! Não tinha muito o que se

fazer, a não ser estudar e perguntar. Aprendi muito! Posso

ser considerado um susteriano original!

Claro que foi apenas uma metáfora.

— Como é viajar no espaço?

— Belo! Magnífico! Recomendaria a todos! Posso

ser considerado privilegiado.

— O que se vê?

— O espaço sideral, muda de cor e forma a todo o

momento! Às vezes é azul, ou verde; então muda pra um

tom rosado, ao mesmo tempo escurece. Muitas vezes,

deparamos com chuva de meteoritos, outras vezes, são

meteoros grandes… se a nave fosse pilotada manualmente,

com certeza não se chegaria a nenhum lugar, mas, como

ela é automática, consegue desviar de todos os meteoros

pesados. Os menores se desviam por si mesmo! É como se

a nave tivesse um repelente contra esses... digamos...

insetos! Como se fosse um objeto imantado de pólo

semelhante aos meteoritos! Pólos idênticos se repelem!

Não é isso?

— Dá pra assistir aurora boreal?

O retorno do menino do espaço

43

— Muito difícil! Este fenômeno acontece

geralmente nos polos dos planetas!

— Se a nave se desvia dos meteoros, com certeza

sai fora da rota traçada pelos engenheiros. E aí?

— O computador de bordo alarma, percebendo o

ocorrido e a coloca novamente na rota. O senhor Rud me

disse, que se a nave ficar fora de rota apenas um milímetro,

ela jamais chegara a seu destino real.

— Como os engenheiros conseguem traçar uma

rota tão longa?

— Não sei responder! Só sei que eles usam um

mapa estelar! Assim como na Terra, cada estrela pra eles

tem um nome! Lógico que não os mesmos nomes dados

por nós! Procure em nossos mapas estelares, na

Constelação de Ursa Maior e não encontrarás uma estrela

por nome Kristall ou Brina! Muito menos, um planeta

habitado por nome Suster.

— Elas estão nessa constelação?

— Sim! Mas não são vistas da Terra, a olho nu!

— Como eles descobriram Regis aqui na Terra?

Como eles descobriram à Terra?

— Isso foi a cinco mil anos!... Não Regis... Que não

existia. — Emendei. — Mas à Terra! O pai do senhor Frene

foi um dos descobridores. Quando uma estrela explodiu

no espaço, ameaçando Suster, alguns astronautas,

imaginando ser o fim de sua espécie, saíram pelo Universo

em busca de um planeta ideal. A maioria deles jamais

retornaram. Devem ter morrido, ou se perdido no espaço.

O pai do senhor Frene, com outros quinze tripulantes

chegou à Terra, mas retornou alguns anos depois. Eles

tornaram a visitar nossa Terra mais algumas vezes. Depois,

devido à longa distância e como as naves não eram tão

modernas como as de hoje... Naquela época, se demorava

Celso Innocente

44

pelo menos um ano pra chegarem até aqui; por isto

resolveram nunca mais vir. Só há alguns anos, resolveram

ter uma criança em seu meio e como eram estéreis e já com

essas naves mais velozes, decidiram buscar uma aqui na

Terra. Ser eu foi apenas um acaso. Poderia ser Paulinho…,

Henrique…, Kadu… Uma menina...

Para não prolongar muito a conversa, tentava

ocultar muita coisa nas respostas e dava uma resposta

comprida, pois sabia que se dissesse apenas o mínimo,

surgiria outra pergunta complementar.

Também evitei comentar sobre o sequestro de

Erick, o acidente de Paulinho e principalmente meu clone,

que mesmo eu, só ficara sabendo recentemente.

Todos os repórteres e curiosos presentes,

admiravam minha fisionomia infantil, saber tanto sobre

qualquer pergunta, mas se esqueciam de que eu teria

estudado e aprendido muito na prática. E que, além do

mais, não era tão jovem assim.

Terminada aquela pequena entrevista, agradeci a

todos e entrei. Papai também pediu licença, alegando

precisar trabalhar e se retirou.

A maioria dos repórteres desmontaram seus

apetrechos, se retirando também. Outros, porém,

preferiram permanecer mais algum tempo no local.

O retorno do menino do espaço

45

Celebridade

ssim como no dia anterior, só ficara eu e

mamãe em casa e como no dia anterior, os

trabalhos domésticos ficaram muito atrasados, devido ela

sempre atender pessoas chamando no portão, com isto,

resolvi me despir daquela roupa de passeio, vestir apenas

um short e uma camiseta surrados e ajudá-la em seus

afazeres mais fáceis. Mamãe sempre educada, não ficava

nervosa, mesmo que tivesse que ir ao portão diversas

vezes em poucos minutos e mesmo que os repórteres, a

interrompesse com algumas perguntas.

Mesmo eu, apesar de evitar sair ao portão, algumas

vezes, sentia na obrigação em fazê-lo, quando mamãe

estava com o almoço no fogo, ou trabalhando no fundo do

quintal, ou no banheiro…

Ao atender uma dessas vezes o portão, um dos

repórteres me pediu:

— Regis, nos dê mais algumas respostas.

— Não posso agora! — Neguei. — Papai não me

autorizou!

— O que você disser agora, a gente pede permissão

a ele depois.

A

Celso Innocente

46

— Desculpe! — Pedi educadamente. — Não quero

ter problemas com papai! Nem pra mim, nem pra você!

Antes do meio dia ele voltará. Quem sabe então…

©©©

Quando meu batalhão familiar chegou quase todos

juntos, só havia dois repórteres de televisão, a espera no

portão. Eles pediram permissão à papai para que eu falasse

mais um pouco. A princípio ele tentou recusar, mas como

eu percebera, fui até ele e pedi:

— Só mais algumas perguntas papai! Eles ficaram

esperando até agora! Estão aqui desde cedo!

— Quanto mais você falar, mais transtorno pra

você!

— Já estou me vendo de volta à NASA!

— Está bem então! Desde que seja rápido, pois

preciso almoçar. Vá se trocar!

— Não há necessidades! — Negou o repórter. — É

bom que Regis seja uma criança natural!

Papai me olhou dos pés à cabeça e insinuou:

— Parece uma doméstica, com essa roupa molhada!

Puxei a camiseta confirmando e dando de ombros.

— Vamos lá! — Concordou papai.

— Regis, como está sendo sua nova vida na Terra?

— Perguntou-me o mesmo repórter.

— Estou parecendo famoso! — Ri. — Não posso

nem sair no portão! Acho que vou acabar dando

autógrafos!

— Está complicado, ou você gosta?

— Prefiro ser eu mesmo! Ser famoso é coisa de

artista de cinema! Mas se você permitir gostaria de

aproveitar esta chance pra agradecer a todos que querem

me visitar e dizer que estou acostumado a ser muito

O retorno do menino do espaço

47

amado. Em Suster eu era... Aliás, sou amado por mais de

três bilhões de pessoas, homens e mulheres.

— O que você tem feito na Terra, desde que

chegou?

— Tenho deixado de ser vagabundo! Em Suster eu

era muito mimado! Faziam tudo por mim! Se deixasse, até

banho davam em mim! Aqui, como mamãe tem muito

trabalho, inclusive atendendo o portão por minha causa,

tenho procurado ajudá-la um pouquinho. Por isto estou

com a roupa molhada! Estava esfregando o chão com pano

molhado.

— Você disse que estudava em Suster! Estudava

matérias de lá ou daqui? Ou é tudo igual?

— Nada igual! — Neguei. — Estudava matéria dos

dois lugares! Tinha professores particulares pra estudar

assuntos de lá e outros pros assuntos daqui! Não poderia

continuar analfabeto.

— O que você estudava?

— Tudo! Matemática, Língua Portuguesa, Inglesa,

Geografia, História dos dois mundos, Ciências…

— Como é o convívio entre as pessoas neste

planeta?

— Não muda muito daqui! Existe amizade, mas

também há divergências! O sistema de saúde é muito

avançado! Não existem doenças físicas ou psicológicas! Só

as acidentais. Embora eles sejam praticamente imortais,

alguns acidentes são fatais e o número de habitantes tem se

reduzido bastante. Suster é maior do que a Terra, porém

seu número de habitantes por metro quadrado é bem

menor e tende a se diminuir drasticamente, devido abusos.

— Você voltaria a viver lá?

— Não! Jamais sairei da Terra!

— O que vai acontecer a você, a partir de então?

Celso Innocente

48

— Pretendo ter uma vida normal! No próximo ano,

voltarei à escola, creio que na sétima série... Se eles

deixarem! Mesmo porque eu estava cursando a sétima

série. No futuro, não tão já, vou namorar e pretendo me

casar. Vou trabalhar também, é lógico!

— Você comentou seu retorno à NASA. Você irá

pra lá?

— Da outra vez, há sete anos, fui e gostei! Se depen-

desse só de minha vontade, preferia não ir, ou pelo menos

dar um tempo! Mas acredito que tão logo, receberemos a

visita de alguns de seus especialistas.

— Você se considera inteligente?

— Sou igual a todos! Sei mais do que um menino

de nove anos! Não por ser mais inteligente, mas sim por

ser mais estudado e mais velho! Tenho dezessete anos e

não sei tanto quanto um jovem desta idade! Estou atrasado

em relação a minha idade! Nunca estudei física, biologia,

química, fisiologia e outras matérias dessa faixa etária. O

que me faz estar atrasado na escola.

— Você se considera um jovem, ou uma criança?

— É muito bom ser criança! — Afirmei orgulhoso.

— Acho que é assim que me sinto! Apesar de já ter a idade

de um adolescente, meu metabolismo é de uma criança. Só

que agora, estou sem amigos dessa idade. Preciso

conquistar outros.

— Será a coisa mais fácil do mundo, Regis! — Afir-

mou convicto o repórter. — Eu lhe garanto!

Ele mesmo fez sinal para a câmera, para encerrarem

aquela conversa. O outro repórter também.

— Obrigado Regis! — Agradeceu ele. — Vamos

deixar você almoçar.

O retorno do menino do espaço

49

— Você é realmente um menino especial! — Alegou

o outro repórter. — Seu coração é bondoso! Não tem

maldade e é muito educado.

— Outro dia a gente conversa mais. — Lhes disse,

dando um abraço em cada um, inclusive nos dois camera-

man. Em Suster, estava habituado a este tipo de carinho.

Papai, alegando estar atrasado, pediu licença e

entramos, mesmo antes deles irem embora. Iriam demorar

um pouco, pois tinham que recolher seus equipamentos.

©©©

Após o almoço, segui à meu quarto, tirei a camiseta

e deitei um pouco para descansar.

Quando acordei, ouvindo vozes, já eram quase

quinze horas. Levantei-me e segui até a cozinha, onde

encontrei mamãe falando com Beth.

— Oi Beth! — Cumprimentei-a, com a maior cara

de sono. — Que bom que você veio!

— Estava com saudades! — Insinuou ela.

Segui ao banheiro, onde lavei o rosto, depois

retornei à cozinha.

— Vista uma roupa, filho! — Pediu mamãe.

— Não se preocupe! — Alegou Beth. — Ele está

bem assim!

Na verdade, estava sem camiseta, mas estava de

short e embora fosse um pouco curto, não me incomodava

tanto.

Deixamos mamãe com seus afazeres e seguimos

juntos para a sala, sentando juntos no sofá.

— Você continua estudando? — Perguntei-lhe.

— Estou no terceiro ano do segundo grau! Estudo

de manhã.

— Eu também deveria estar no último ano!

Celso Innocente

50

— Não se preocupe com isso! — Pediu ela. — Você

ainda é muito jovem! Voltará à escola no ano que vem e

loguinho estará lá!

— Vou tentar me matricular na sétima série!

— Acredito que você terá que se matricular na

terceira, novamente!

— Já concluí a terceira, quarta, quinta e sexta série!

Mesmo estando em Suster!

— Será que tem validade?

— Espero que sim!

Uma pequena tristeza dominou meu semblante.

— O que foi? — Perguntou-me ela.

— Você… Não tem mesmo… Namorado?

Colocou o dedo indicador direito em meus lábios,

insinuando:

— Nunca tive outro namorado! Não é brincadeira!

— Na verdade, nós nunca fomos namorados!

Éramos crianças e amigos!

— Sei disso! Nem mesmo é por sua causa que não

tive namorados. Acho que não arranjei alguém que fosse

minha alma gêmea.

— Entendo!

— Mas gosto de você, de verdade!

Exibi um sorriso moderado.

— Mas acho que não poderemos mesmo, sermos

namorados!

— Provavelmente me acusariam de pedofilia! —

Brincou ela. — Mas seremos namoradinhos de faz de

conta!

— Acho que não é a mesma coisa! — Insinuei triste.

— Espero que você vá a minha casa me ver.

— Lógico que irei!

O retorno do menino do espaço

51

— Então tá! — Se levantou, deu-me um beijo no

rosto. — Deixe-me ir embora! Tenho um trabalho de

Química pra amanhã!

— É cedo ainda!

— Pode deixar que eu voltarei!

Despediu-se de mamãe e saiu.

©©©

Naquela noite, todos os noticiários de todas as

emissoras de televisão, mostravam como matéria principal,

o relato, sobre meu retorno do espaço. Alguns deles,

analisando o acontecido, como um fato real e importante,

sendo algo a se pensar com muita cautela; outros, porém,

ironizando, como se fosse algum truque de publicidade,

duvidando inclusive, de minha foto de nove anos no

passado, dizendo que era alguma montagem e que talvez,

a foto fosse na verdade de papai. Isso porem não me

afligia. Talvez fosse até bom, se todos acreditassem nesses

jornalistas que ironizavam minha longa viagem, ou seja: se

ninguém acreditasse em mim, provavelmente a NASA, ou

CERN3, também não se importaria com minha história e

me deixaria em paz, levando a vida de simples criança, que

almejava ser.

Pouco depois das nove horas, deitei-me na cama de

meus pais.

Uma hora depois, já estava praticamente dormindo,

quando percebi que papai tentava me carregar no colo,

para minha cama.

3 - A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (em francês: Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire), conhecida como CERN (antigo acrônimo para Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) , é o maior labora-tório de física de partículas do mundo, localizado na região noroeste de Genebra, na fronteira Franco-Suíça e foi criada em 1954.

Celso Innocente

52

— Me deixa! — Pedi, preguiçoso.

— Regis, filho! — Insistiu ele. — Você está grande!

Tem que dormir em sua cama!

— Não quero! — Neguei, praticamente dormindo.

Realmente eu estava grande, para ainda pensar em

dormir com meus pais. E mais: Nunca havia dormido com

eles antes. Mesmo quando bebê dormia em um berço no

mesmo quarto, mas nunca na mesma cama.

Mas ainda naquela noite, acabei dormindo ali,

enquanto papai seguiu para o quarto que eu deveria

dividir com os demais irmãos.

©©©

Na manhã seguinte, percebi que o sarcasmo de

alguns jornalistas, não me deixaria livre do assunto

“espaço sideral”. Ao me levantar, novamente acordado por

Paulinho, pouco depois das seis horas, fiquei sabendo que

lá na rua, existiam dezenas de outros jornalistas, querendo

novamente falar sobre a tal viagem ao planeta Suster.

Quem os atendeu desta feita foi Luis, meu irmão

mais velho, dizendo que eu falaria com eles, mas

demoraria um pouco, pois ainda estaria dormindo.

Tomei um banho, escovei os dentes, vesti roupa

chique, incluindo calça e camisa de manga longa, tomei

um reforçado café à base de leite, pão e queijo, tornei a

escovar os dentes. Com apoio de mamãe, penteei meus

cabelos castanhos, que não eram tão curtos e só por volta

das sete horas, quando meus irmãos já haviam se retirados,

uns para a escola, outros para o trabalho, é que saí

acompanhado por papai, que cumprimentou os jornalistas

e pediu.

— Essa gravação tem que ser bem rápida, pois

tenho que ir para o trabalho!

O retorno do menino do espaço

53

Descobrimos que entre os jornalistas, alguns eram

correspondentes internacionais e que com certeza, em

poucas horas, meu retorno já estaria nos ouvidos dos

conferentes da NASA americana.

Para mudar um pouco a cara das imagens, a pedido

de alguns jornalistas, seguiríamos até uma represa da

prefeitura, existente próximo à minha casa, onde seria feita

a reportagem.

Antes porem, me ausentei por alguns segundos,

para colocar em meu peito, sem contar a ninguém, meu

aparelhinho tradutor, ganho do senhor Frene, para com

isto, poder entender as perguntas ou metáforas,

formuladas em Inglês, pelos correspondentes de outros

países.

As perguntas iniciaram imediatamente sem muita

novidade. Ou seja: praticamente as mesmas do dia

anterior. O que os deixaram muito impressionados foi a de

não saber como poderia eu, simples criança, entender

perfeitamente Inglês, sem nunca ter estudado tal idioma.

Quando me perguntaram se já havia estudado tal idioma,

respondi que teria estudado desde á quinta série, na escola

de Suster. Mas qualquer um sabe que ninguém aprende a

falar Inglês fluente, apenas com o curso básico da escola

primária. Preferi não revelar a eles a verdadeira razão.

Embora tenham ficado admirados, não insistiram muito

nesta pergunta.

©©©

Naquela noite, deitei-me primeiro que meus pais,

em sua cama e antes que eles fossem se deitar, eu já estaria

dormindo.

Acordei por volta das onze horas da noite, naquela

que deveria ser a minha caminha de criança. Levantei-me e

caminhando devagar no escuro, segui para seus quarto,

Celso Innocente

54

onde me enfiei no meio dos dois. Papai resmungou alguma

coisa, se levantou e saiu. Mamãe me abraçou e eu já estava

dormindo.

©©©

Sábado, nove horas da manhã, mamãe atendeu o

chamado no portão. Pediu para aguardar e chamou papai.

Eu o acompanhei e apesar de encontrá-lo bem mais velho,

com o cabelo puxando para o grisalho, já o reconheci de

longe. Meu coraçãozinho bateu assustado.

— Bom dia! — Cumprimentou-nos ele. — Lembra-

se de mim?

— Já sabia que o senhor viria! — Afirmei, franzindo

os lábios, com certo receio. — Mas torcia pra que não

viesse!

— Que isso garoto! Sou tão mal assim?

— O motivo de sua vinda é que me assusta! Não é

papai?

— É doutor Marcelo! Sua visita não é de

cordialidade! — Retrucou papai.

— Que isso pessoal! Só vim lhes oferecer mais um

passeio, com tudo pago pelo governo americano!

— Já passeei muito doutor Marcelo! — Insinuei. —

Prefiro descansar um pouco!

— A viagem só será em dez de Outubro! Até lá dá

pra descansar bastante!

— Hoje já é dia primeiro, doutor! — Alegou papai.

— Tem só uma semana! Que dia será dia dez?

— Segunda feira! Às nove horas, um carro oficial

buscará vocês e os levarão à São Paulo, onde

embarcaremos juntos aos Estados Unidos.

— O que vai acontecer dessa vez por lá? —

Perguntei-lhe.

O retorno do menino do espaço

55

— Nada de mais! Será a mesma coisa que aconteceu

da outra vez. As mesmas perguntas e simples exames!

— As mesmas perguntas e simples exames, o

senhor diz! — Exclamei de cara feia. — Então serão as

mesmas respostas! Não seria melhor evitarmos tudo isso?

O governo americano economizaria muito dinheiro! E eu

ficaria com minha família!

— Regis, a NASA investe milhões de dólares

mensais, em pesquisas espaciais! — Alegou doutor

Marcelo. — Qualquer novidade que você levar a ela, será

de muito grande importância e o dinheiro que ela vai

gastar com você, não significa nada!

— Essa é boa! — Ri, com sarcasmo, pelo jeito errado

de falar. — Muito grande importância! É irrelevante

doutor!

— Um jeito exagerado de falar! — Justificou doutor

Marcelo. — Mas é real!

— Quantos dias ficaremos por lá? — Perguntou-lhe

papai.

— Uma semana no máximo! A diferença, é que

desta vez, pra compensar o sacrifício de Regis, eles

proporcionarão dois, ou até mais dias inteiros para um

passeio, onde todas as crianças adoram! Sabe onde é Regis?

— Disneylândia! — Exclamei com leve sorriso.

— Isso mesmo garoto! Serão dois dias só de alegria!

Você se divertirá merecidamente! Eu e seu pai iremos de

carona!

— Dá outra vez que fui lá, vocês fizeram um exame

radioativo em mim sem nos pedir permissão.

— Quem lhe falou isso? — Se espantou o homem.

— O senhor Frene!

— Esse homem sim lhe prejudicou! — Reclamou o

homem visivelmente nervoso. — Não nós!

Celso Innocente

56

— Ele pode ter me prejudicado, mas vocês não

estão se importando com isso! Vocês até acham muito

bom! Pra suas pesquisas aeroespaciais. E ele ter me

prejudicado, não quer dizer que vocês podem fazer o

mesmo!

— Só injetamos pequena quantidade de mercúrio

em suas veias, para criar certo contraste e medir seu nível

de radioatividade.

— Não nos pediu permissão! — Insisti com certa

revolta.

— Nada nocivo! — Negou ele.

— Mercúrio em minhas veias, não é nocivo? Que tal

em suas veias!?

— A quantidade foi tão insignificante, que seu

organismo, o eliminou em menos de vinte e quatro horas!

— Não nos pediu permissão! — Insisti. — E quem

me garante, que meu organismo eliminou em menos de

vinte e quatro horas?

— Os médicos do mundo inteiro, fazem exames

deste tipo, centenas de vezes por dia, em pacientes de

todas as idades.

— Doutor Marcelo, o meu organismo é diferente do

organismo de qualquer pessoa, do planeta inteiro!

— Prometo que desta vez não faremos nada

escondido! Qualquer coisa que tentarmos contra ti, será

muito bem esclarecido antes!

— Quero levar toda a minha família! — Pedi.

— Impossível garoto! As passagens já estão

compradas.

— É só comprar outras!

— Não dá garoto! Muita gente!

— Só mais seis!

O retorno do menino do espaço

57

— Negociar isso será muito complicado! — Alegou

doutor Marcelo.

— Então não irei! Pede pra NASA vir até aqui!

O doutor Marcelo não esperava por isso. Pensou

um pouco e disse:

— Posso conseguir passagem pra mais dois! —

Confirmou.

— Nesse caso Regis, viaja você, sua mãe e seus

irmãos menores. — Afirmou papai. — Eu fico!

— Doutor Marcelo, o senhor mesmo disse, que a

NASA, não se importa com esse dinheiro. — Cobrei. —

Que é muito pouco em vista do que eles investem

mensalmente.

— O problema não é a NASA, mas sim o governo.

A verba pra esta viagem já está orçada.

— Orçada como? Se ninguém sabia que eu iria

voltar?

— No começo do ano, se cria uma verba, pros

assuntos extras! É daí que vem!

— Touchê! — Ri, franzindo os lábios. — As outras

seis passagens, sairão da verba dos assuntos extras!

— É complicado garoto! Não são só as passagens!

Tem também os hotéis, os passeios e o mais difícil: os

passaportes.

— Tudo bem doutor Marcelo! — Concordei. — Eu,

mamãe, Paulinho, Henrique e papai!

— Tire um dessa conta! — Pediu ele.

— Eu! — Caçoei.

— Desta vez eu ficarei no Brasil, Regis. — Aceitou

papai. — Tenho que trabalhar!

— Papai é quem decide! — Concordei. — Posso ir

agora? Preciso sair!

Celso Innocente

58

— Tudo bem! — Concordou ele. — Te vejo dia dez,

no aeroporto de Cumbica.

— Aonde você vai, Regis? — Perguntou-me papai.

— Na casa de Beth!

— Namoradinha! — Brincou doutor Marcelo.

— Sorte sua, que não pedi pra levá-la também!

Retirei-me, indo realmente fazer minha prometida

visita, à garota Elizabeth.

Chamei-a em seu portão e quem atendeu foi sua

mãe:

— Oi Regis! Você não mudou nada mesmo!

Lembra-se de mim?

— Claro que sim! Estive fora um tempinho, mas

estou de volta! A Beth está?

— Claro! Entre!

Entrei em sua bonita casa. Elizabeth era filha única

e sua casa estava sempre muito bem arrumada. Diferente

de minha casa de antigamente, onde, embora mamãe

tentasse incansavelmente, o monte de crianças, não

deixava nada no lugar. Agora, portanto, como todos

cresceram, as coisas já paravam um pouco mais

organizadas.

Mal acabei de me sentar, no confortável sofá da sala

e Beth, que estava em seu quarto, entrou:

— Oi Regis! — Me beijou na face. — Finalmente

você veio me visitar! Resolveu sair da toca?

De fato, foi à primeira vez que saí de casa, desde

meu retorno.

— Estava com saudades! — Aleguei. —Você não

apareceu mais!

— Muito trabalho escolar! Mas senti sua falta

também! — Mostrou-me um belo sorriso.

O retorno do menino do espaço

59

Ela era realmente a garota mais bela que conheci

em toda minha vida. E agora, praticamente mulher, estava

ainda mais bela do que quando criança. Acho que estava

realmente apaixonado por aquela princesa, saído de algum

conto de fadas.

— Vou ter que viajar novamente! — Insinuei triste.

— Como assim? Vai pra NASA?

— Isso mesmo! Preferia ficar!

— Aproveite pra passear! Serão poucos dias!

— Iremos à Disneylândia!

— Que legal! — Sentou-se a meu lado. — Me leve

com você!

— Bem que gostaria! Consegui lugar pra minha

mãe e dois irmãos menores.

— E seu pai?

— Não vai!

— Divirta-se por mim! — Pediu ela sorrindo. —

Quando estiver cara a cara com Mickey, lembre-se de mim!

— Por quê? — Ri. — Você não se parece com ele!

— Lembre que eu queria estar junto!

— Darei um abraço nele por você! — Sorri

levemente.

— Ânimo menino! — Pediu dona Joana, mãe de

Beth. — Qualquer garoto daria tudo por um passeio

desses!

— É que estou cansado, dona Joana!

— Vá se divertir menino! Depois você descansa! —

Aconselhou ela. — Quer tomar um suco?

Calei-me. Beth confirmou:

— Quer sim mamãe! Conheço Regis!

Dona Joana foi buscar o suco.

— Você almoçará conosco! Certo!

Celso Innocente

60

— Não posso Beth! Não disse nada pra mamãe!

Caso eu demore muito, ela terá um troço! Tem medo de

tudo! Tá me paparicando muito!

— Até eu estaria! — Brincou dona Joana.

— Iremos avisá-la! — Se prontificou Beth.

— Obrigado!

— Obrigado de nada! — Negou ela. — Estava

esperando por este dia!

A mãe dela entrou com uma jarra de suco de caju e

nos serviu, perguntando:

— Você ficará mesmo para o almoço?

— Beth me convidou!

— Ouvi!

Tomamos o suco. Dona Joana quis saber mais sobre

minha longa viagem. Disse ter ouvido comentário na

televi-são, mas não gostou muito da ironia de alguns

jornalistas, que pareciam duvidar de minha história.

Após relatar parte de minha viagem e tomarmos

quase toda a jarra de suco, fui com Beth, avisar mamãe de

que almoçaria com aquela princesinha.

Enquanto caminhávamos pelas quase quatro

quadras de distância, ela me disse:

— Sabe Regis, sempre me senti culpada por você

ter sido sequestrado?

— Por quê?

— Lembra-se que você queria que eu o

acompanhasse por aquele caminho do aeroporto?

— Lembro!

— Eu me recusei. Se eu tivesse ido, talvez você não

tivesse sido sequestrado.

— É! Estaríamos em dois! — Confirmei.

— Ou nós dois poderíamos ter sido sequestrados!

O retorno do menino do espaço

61

— Seria bom! — Disse alegre. — Pelo menos eu

teria companhia agradável!

— E hoje, eu também estaria como há oito anos!

— O que seria bom! — Insinuei meio triste. —

Assim saberia que jamais à perderia.

— Você não vai me perder, Regis! — Negou ela. —

Eu não tenho outro namorado!

— A cada dia que passar, você estará mais adulta e

eu continuarei criança. Você não poderá me esperar! Nem

eu posso exigir isso!

Como sempre, eu já estava chorando. Já

chegávamos à frente do portão de casa. Ela me abraçou

dizendo:

— Deixe de ser bobinho Regis! Não chore!

— Acho que eu te amo, do fundo de meu coração!

Te amo de verdade! Mas sou só uma criança!

Ela me deu um beijo de leve nos lábios. Um

pequeno beijo; mas o melhor beijo de toda minha

existência humana. Passou os dedos sobre minhas lágrimas

e me disse:

— Você tem quase dezoito anos!

Ao entrarmos, mamãe logo perguntou:

— Você estava chorando, Regis? O que aconteceu?

— Não foi nada mamãe! Só estava recordando!

— O quê?

— Minha infância! — Brinquei.

— Não se preocupe! — Pediu Beth. — Regis irá

almoçar em minha casa. Se a senhora permitir!

— Claro! Só queria saber…

— Nada sério! Nada a ver com o senhorrr...

Freeene. — Tranquilizou-a Beth.

©©©

Celso Innocente

62

Como vinha acontecendo em todos os dias, sem

que, nem eu mesmo soubesse por que, às dez horas da

noite, mamãe foi se deitar e eu a segui, deitando-me a seu

lado e sendo abraçado por ela.

— Mamãe, não precisa me abraçar! — Pedi. — Já

sou grande!

— Engraçado como você já é grande pra um abraço

de mãe, mas ainda não é grande pra dormir junto com a

mãe!

— Não quero dormir naquela cama! — Neguei.

— Está bem! Escolhe outra cama e trocaremos pra

você!

— Quero dormir com você!

— Seu pai já está com ciúmes!

— De mim!?

— A lei natural das coisas é: O marido dorme com a

esposa e o filho dorme em seu quarto com os irmãos.

— Não quero! — Neguei sério.

— O que fizeram com você naquele mundo?

— Nada mamãe! — Neguei convicto. — Lá eu

dormia sozinho!

— O que os adultos faziam com você? — Se preocu-

pou ela.

— Nada! Eles me veneravam como se eu fosse um

ídolo! Mas me respeitavam como se eu fosse uma criança!

— Tem adultos que dizem respeitar alguém como

se fosse uma criança, mas a usam como se fosse objeto! —

Continuava assustada mamãe.

— Não tenha medo mamãe! Eu era protegido.

— Por que aqui você quer dormir conosco? Não

aceita dormir sozinho, como sempre fez!

— Acho que quero carinho!

— Mas não quer um abraço!

O retorno do menino do espaço

63

©©©

Todos os dias, dando um jeitinho manhoso e

dormindo na cama de meus pais, se passou uma semana.

Com certeza, Erick continuava enfrentando às

travessuras de Luecy e o racionamento do pouco alimento,

dentro daquele enorme disco voador, ainda a apenas um

décimo, da longa viagem que o levaria ao distante planeta

Suster.

Domingo à noite, acompanhado por toda minha

família, estava na sala, assistindo a um famoso jornal

domingueiro, que anunciara falar sobre o caso Regis.

(Desculpe-me ser repetitivo).

A reportagem começou assim:

“—Existe vidas em outros planetas? Regis diz que

sim! O menino Regis, atualmente com dezessete anos,

desaparecido na Terra, há sete anos, foi encontrado no

Sábado, dia vinte e quatro e jura ter sido sequestrado por

seres alienígenas, de um distante planeta por nome Suster.

Segundo Regis, que continua aparentando ter nove anos,

esse planeta e seus habitantes são idênticos à Terra”.

“— Como é o planeta onde você esteve? Idêntico à

Terra?”

“— É e não é! — Gesticulei com as mãos. — Tem

um clima idêntico ao nosso. Tem água, oxigênio,

nitrogênio, vaporização da água, dióxido de carbono,

temperatura de trinta e cinco graus… Mas não tem noites!

Duas estrelas gigantes se encarregam de iluminá-lo em

suas trinta e duas horas diárias. Só em determinado

período do ano, que passa um pequeno espaço de tempo

diário, sem iluminação, em certa parte do planeta. Não

onde eu estava! Mas o período é tão pouco, que não chega

a escurecê-lo. Pra se ter uma idéia, os carros lá não

possuem faróis”.

Celso Innocente

64

“— O doutor Marcelo é professor e pesquisador de

ufologia da Universidade Federal de Brasília e viajará com

Regis, no próximo dia dez para os Estados Unidos, onde

participarão de análises pelos engenheiros espaciais da

NASA:”

“— Doutor Marcelo: — Perguntou o repórter. —

Até onde é verdade, a história contada por Regis?”

“— Tudo é verdade! — Afirmou doutor Marcelo,

meio bravo. — Caso contrário não perderia meu tempo em

viagens desnecessárias.”

“— Nossa reportagem esteve analisando as

respostas de Regis, levando-as inclusive para ouvir

opiniões de especialistas e eles acham impossível, por

exemplo, que se faça uma viagem de oitenta e sete anos

luz, em apenas setenta dias. A nave teria que estar a uma

velocidade muito alem da velocidade do som ou da luz”.

“— E quem disse que estas velocidades devem ser o

limite máximo? No espaço não há fronteira, não há

barreira, não há limite! Nossas leias da física, não

necessariamente se aplicam ao cosmos!”

“— Não existe nenhum material físico,

comprovado, que suportaria tal velocidade. Ou seja: a nave

se desintegraria! Pegaria fogo ou coisa assim!”.

“— Bem que você mencionou: Material físico

comprovado! Como vou comprovar material físico criado

por seres de um mundo distante?”

“— A lei da física diz que todo o universo é criado

com os mesmos componentes químicos!”

“— Com material feito na Terra, pode ser! Depois, o

material se desintegra em contato com a atmosfera

terrestre, não no vácuo do espaço sideral. Ou seja: ao

adentrarem em nosso espaço, eles podem ter diminuído

drasticamente a velocidade e estando no vácuo, atingirem

O retorno do menino do espaço

65

milhões de quilômetros por segundo, como insinuou o

próprio garoto”.

“— Regis alegou que a nave é feita de aço”.

“— Ele supôs: aço ou níquel! Mas ele também disse

que pode ser mercúrio! Existe mais mistério entre o Céu e a

Terra, do que nossa mente vã possa imaginar! Isso é uma

mensagem bíblica!”

“— Regis não poderia ter ficado trancado em algum

lugar, aqui mesmo na Terra e ter sido libertado só agora?”.

“— Muitas pessoas viram a nave pousar próximo à

casa dele.”

“— Não traria contaminação espacial? Algum tipo

de vírus? Algum tipo de radiação?”

“— Trouxe radiação! — Informou o doutor

Marcelo. — Pelo menos no organismo de Regis. Pra se ter

uma idéia: os cabelos dele estão do mesmo tamanho do

que era a oito anos no passado; faz oito anos que ele não

apara as unhas e seus dentes de leite, continuam tão

perfeitos como era há oito anos. Embora ele tenha hoje

dezessete anos, carrega consigo todas as características de

sua infância. Nem sua puberdade e muito menos sua

adolescência, não chegou”.

“— Poderia ser uma característica física incomum?”

“— Tão incomum, que em todo planeta Terra, só

existe um caso assim! Regis não é um anão! Apesar da

idade, ele ainda é uma criança”.

“— Por que seres humanos, idênticos a nós, se

preocupariam em sequestrar um menino da Terra? —

Perguntou-me outro repórter em entrevista anterior”.

“— Em seu planeta não existem crianças! São

imortais e só existem adultos! A idade média de cada um

de seus mais de três bilhões de habitantes é de cinco mil

anos. Ou seja, qualquer um deles, nasceu antes mesmo de

Celso Innocente

66

Jesus ter vindo à Terra. Muitos deles, já nos visitaram a

milhares de anos no passado”.

“— Mistérios do universo sempre foram

pesquisados pelos seres humanos. — Comentou o

apresentador do jornal. — E estas aventuras do garoto

Regis, trazem a tona muitas novidades, que serão

desvendadas pelos analistas da NASA.”

Encerrou a reportagem, com imagens de um

monstro em forma de sapo gigante, tirada de um filme de

ficção científica.

— Só idiotice! — Protestei chateado e fui me

deitar... Na cama de meus pais.

O retorno do menino do espaço

67

Viagem à Orlando

a madrugada de segunda-feira, dia dez,

passava por um terrível pesadelo: estava

preso dentro de uma nave em forma de bola gigante e

escura e viajava perdido pelo espaço; a nave girava a uma

velocidade incalculável e eu me sentia muito mal; de

repente, um monstro em forma de sapo maior do que a

própria nave surgia com uma bocarra aberta, com dentes

serrilhados e babando muito ácido. Quando aquele

horroroso monstro começava a engolir a nave, gritei

apavorado:

— Mamãe! Mamãe!

Acordei, sendo levantado da cama por papai:

— Calma, Regis! Já passou… Passou… Foi só um

pesadelo.

— Papai! Não deixe me levar! Estou com medo!

— Calma! Ninguém vai te levar! Está tudo bem

agora!

— Não me deixe sozinho!

— Deite e durma! Ficarei aqui com você!

Deitou-se a meu lado, me confortando.

N

Celso Innocente

68

Quando acordei novamente, já estava sozinho,

ainda na cama de casal, já passava das sete horas da

manhã. Fui direto ao banheiro, tomei um banho demorado,

escovei os dentes e me troquei, com roupas leves de verão;

apenas um short sem cueca e camiseta. Estávamos no mês

de Outubro e fazia bastante calor. Mamãe penteou meus

cabelos, demoradamente, sabendo que aquele tipo de

carinho me deixava muito feliz, por ter sido privado disso

em minha verdadeira infância. Depois, junto com ela,

papai, Paulinho e Henrique, tomamos um reforçado café

da manhã.

Pouco depois das dez horas daquela manhã, um

carro preto, marca Chevrolet Comodoro, com placa do

poder legislativo da Prefeitura Municipal, estacionou em

frente nossa casa, informando que nos levaria até

Araçatuba, de onde embarcaríamos em avião, para a

capital.

Sabendo que aquilo iria acontecer, já estávamos

todos de malas prontas. Nossos passaportes foram

novamente providenciados em prazo recorde, por doutor

Marcelo.

A viagem até Araçatuba e depois à capital correu

sem muitas novidades, exceto para meus maninhos, que

desfrutaram muito das paisagens, pois nunca tinham

viajado, alem da recente prainha do Salto de

Avanhandava4, na cidade de Barbosa, dista trinta

quilômetros de Penápolis.

4 Até o início de 1982, o local era formado por diversas quedas d’água,

as quais a natureza demorou milhões de anos para construir e eu

adorava passear em tal local, mas o homem as destruiu em menos de

dez anos, represando tudo, para construção de barragem de

hidroelétrica.

O retorno do menino do espaço

69

Participamos junto com doutor Marcelo, já com

nossos passaportes, em um almoço caprichado, em um

restaurante do próprio aeroporto internacional de Guaru-

lhos. Mais uma vez, meus maninhos se encantaram com

tantas guloseimas, principalmente doces e como estavam

em fase de crescimento, comiam em exagero.

Paulinho, Henrique e mamãe estavam encantados:

nunca sequer viram aviões maiores do que os famosos

teco-tecos, do aeroclube de nossa cidade, que era por sinal,

especialista em oficina destas pequenas aeronaves. Agora,

porém, pouco antes das quinze horas, assim que passamos

pelas vistorias de raios-X, das malas de viagem,

embarcávamos na primeira classe, de um gigante 767-300

do Delta Air Lines.

Às quinze horas e cinco minutos, o avião levantava

voo, para uma viagem sem escalas. Todos nós, estávamos

nos divertindo muito com aquele passeio. Era novidade

para mamãe e meus maninhos; para mim, nem tanto, pois

já fôra aos Estados Unidos, há sete anos no passado,

embora, não em primeira classe. Agora parecia mais

divertido, pois estava acompanhado por eles. Há sete anos,

apenas papai fôra comigo. Era interessante, pois com a

aparência de criança, era criança mesmo que me sentia;

sendo estranho apenas, que meus maninhos, antes

menores e mais jovens do que eu, agora eram mais velhos.

Às zero horas e quarenta minutos (vinte e duas

horas e quarenta minutos em Nova Yorque, que são duas

horas a menos do que em São Paulo, devido ao fuso

horário), o avião pousava no John F. Kennedy

International Airport, em Nova Yorque. Após o demorado

desembarque e mais demorado e nervoso check-in, na

alfândega do aeroporto, onde verificavam um a um todos,

os passaportes e possíveis imigrantes sem vistos,

Celso Innocente

70

conseguimos passar pela saída do aeroporto, tomando um

táxi, direto ao Roosevelt, que é um gigante hotel de três

estrelas, localizado no Upper East Side, na Madison at

45th, a onze quilômetros do aeroporto, próximo a diversos

museus.

Já era quase meia noite, quando chegamos ao hotel.

O Doutor Marcelo ficara separado, no mesmo hotel. O

apartamento era de muito luxo, com ar condicionado, tevê

com centenas de canais, banheira com hidromassagem,

telefone, sala de estar, secador de cabelo, tábua e ferro de

engomar, quatro camas de solteiro e outros apetrechos que

nem reparei, pois como já havíamos jantado no avião, nem

escovei os dentes e em menos de dez minutos, só de cueca

e camiseta, já estava praticamente dormindo.

Acordei no meio da madrugada, me levantei de

minha confortável caminha de solteiro e deitei-me ao lado

de mamãe, deixando-a desconfortável. Ela me abraçou e

continuou dormindo.

Acordei por volta das nove horas da manhã.

Paulinho mudava os canais na televisão. Como ele não

entendia nada, pois todas as emissoras transmitiam em

inglês ou espanhol, ia mudando constantemente. Pedi que

ele parasse de apertar o controle, ao sincronizar uma

emissora espanhola, que comentava um noticiário, sobre

nossa chegada aos Estados Unidos:

“Ya en Nueva York, el chico Regis, que visitará el

complejo del Centro Espacial Kennedy de la NASA. Llegó

la noche y durante el día de hoy, viajará a Orlando, en

Florida. El Centro Espacial John F. Kennedy (KSC) es el

espacio del puerto de lanzamiento de naves espaciales de

la NASA en Cabo Cañaveral situado en Merritt Island,

Estados Unidos.. El sitio se encuentra entre Miami y

Jacksonville. Tiene cincuenta ycinco kilómetro de largo y

O retorno do menino do espaço

71

unos diez kilómetro de ancho, con una superficie de

quinientos sesenta y siete kilómetro plaza. Alrededor de

diecisiete mil personas trabajan en el sitio. Existe un centro

para visitantes y público en giras, el KSC es uno de los

principales sitios de interés turístico para los visitantes de

la Florida. Debido a la mayor parte de la KSC tiene límites

a su desarrollo, el sitio también sirve como un santuario

ecológico, con sólo el nueve por ciento de sus tierras

desarrollados. Regis, con tres familias y un investigador

brasileño, se hospeda en un hotel de Nueva York y luego

en avión para un viaje de unas dos horas a Orlando, un mil

quinientos nueve kilómetros”.

“— Já está em Nova Yorque, o garoto Regis, que

visitará o complexo do Centro Espacial Kennedy, da

NASA. Regis chegou durante a madrugada e ainda hoje,

deverá viajar para Orlando, na Florida. O Centro Espacial

John F. Kennedy (KSC) é o porto espacial de lançamento

de veículos espaciais da NASA, localizado no Cabo

Canaveral, na Ilha Merritt, nos Estados Unidos. O local se

localiza entre Miami e Jacksonville. Ele possui cinquenta e

cinco quilômetros de comprimento e cerca de dez

quilômetros de largura, cobrindo uma área de quinhentos

e sessenta e sete quilômetros quadrados. Cerca de

dezessete mil pessoas trabalham no local. Existe um centro

de visitantes e passeios públicos, sendo o KSC um dos

principais pontos turísticos para os visitantes da Flórida.

Devido ao fato de grande parte do KSC ter limites para seu

desenvolvimento, o local também serve como

um santuário ecológico, possuindo apenas nove por cento

de seu terreno desenvolvido. Regis, com três familiares e

um pesquisador brasileiro, está hospedado em um hotel de

Nova Iorque e seguirá de avião, em viagem de

Celso Innocente

72

aproximadamente duas horas, para Orlando, a mil

quinhentos e nove quilômetros de distância”.

— Teremos que viajar mais, Regis? — Perguntou-

me Paulinho.

— Você entendeu o que o repórter falou? —

Perguntei-lhe.

— Mais ou menos! Espanhol não é tão complicado!

— Teremos que ir até Orlando! Deve ser hoje de

manhã!

Levantei-me, tirei meu aparelhinho tradutor,

colocando-o no pescoço de Paulinho, mudei o canal de

tevê para um com programação em inglês, fazendo o

menino se admirar e segui direto ao banheiro. Liguei as

torneiras da banheira, enquanto escovava os dentes; depois

me despi, entrei na banheira, sentando-me para um

delicioso banho, com a hidromassagem ligada, fazendo um

turbilhão de espumas.

Vinte minutos depois, após meus irmãos usarem o

banheiro comigo dentro, separado apenas pelo tal box, de

acrílico embaçado e devido muita insistência de mamãe,

saí do banho, enrolei na toalha e fui até o quarto, para me

enxugar direito e vestir roupas, enquanto os demais

retornavam ao banheiro, com mais privacidade.

Pouco antes das dez horas, descemos para o

primeiro andar, no restaurante, onde nos deliciamos com

reforçado café da manhã, regado a chocolate, muitos

frutos, sequilhos, diversos tipos de pães e bolos, sucos,

leite, café, ovo mexido, presunto, mozzarella, queijos e

outras tantas delícias.

Para nós, inclusive para mamãe e meus maninhos,

aquilo era coisa de rico, principalmente por sermos pobres

e jamais terem estado em um hotel antes; exceto eu, que já

O retorno do menino do espaço

73

estivera uma vez aqui na Terra e também, acostumado a

muita mordomia em Suster, o planeta do senhor Frene.

Outra coisa que me deixava à vontade era, graças

ao aparelhinho tradutor, que tornara a pegar de Paulinho e

sempre trazia pendurado como adereço no pescoço,

conseguir entender o que todos falavam. O que não era

possível para mamãe e Paulinho, que só estudaram inglês,

no ensino fundamental e Henrique, que embora, estivesse

atualmente fazendo curso, ainda não era expert em tal

idioma.

Na saída do café, encontramos doutor Marcelo, que

nos cumprimentou:

— Bom dia pessoal! Estão prontos?

— Pra que? — Perguntou mamãe.

— Já tomaram café?

— Acabamos de sair da mesa! — Confirmou

mamãe.

— Sairemos do hotel às doze horas e iremos para o

aeroporto, pra continuarmos a viagem!

— A que horas é o avião? — Perguntei-lhe.

— Treze horas e trinta minutos.

— Estaremos prontos e desceremos na recepção. —

Informou-lhe mamãe.

— Então até já!

©©©

Saímos do hotel às doze horas, indo direto ao

aeroporto, aonde chegamos de táxi, quinze minutos antes

das treze horas. Às treze horas e trinta minutos, em outro

avião comercial, seguimos para Orlando, na Flórida, aonde

chegamos pouco antes das dezesseis horas e novamente de

táxi, nos dirigimos ao centro espacial John Kennedy, no

Hotels Near Kennedy Space Center, aonde chegamos por

volta das dezessete horas e ficamos hospedados todos no

Celso Innocente

74

mesmo hotel, ao contrário do ocorrido da outra vez, onde

papai e o doutor Marcelo ficaram hospedados na cidade de

Orlando e eu, ficara no edifício da NASA.

A Flórida é um estado americano que fica

praticamente dentro do mar, separado dos outros estados.

É quase como se fosse uma ilha, com apenas uma entrada.

Acomodados em apartamento de luxo, melhor ao

que estivemos em Nova Iorque, com uma cama de casal e

duas de solteiro. Deitei-me, tomando posse de uma das

camas (adivinhem qual!), sendo imitado por meus dois

irmãos, passando a assistir tevê, que fôra ligada por

Paulinho, o qual, novamente não deixava em nenhum

canal, pois talvez procurasse algum que transmitisse em

língua portuguesa, o que não encontrou.

Quinze minutos depois, bateu em nossa porta e

mamãe atendeu. Era uma mulher muito jovem (vinte anos

talvez), cabelos curtos e vestida com trajes de médica:

— Good afternoon! — Cumprimentou ela.

Mamãe não entendeu.

— The Regis is?

Mamãe continuou na mesma. Levantei-me e fui

falar com ela.

— Boa tarde! Eu sou Regis!

Deu-me a mão dizendo:

— Sou a doutora Wendell! Posso entrar?

— Entre! — Apontei para a sala de estar.

Ela entrou, sentando-se no sofá.

— Gostaram de nosso hotel? — Perguntou-me ela.

— Muito bonito! Meus irmãos e mamãe também

gostaram! Desculpe, mas eles não entendem o que você

fala!

— Como você, tão jovem, consegue falar Inglês?

— Tenho meus truques! — Insinuei rindo.

O retorno do menino do espaço

75

— Muito bem! Enquanto estiver conosco, serei sua

médica!

— Preciso de médica?

— Espero que não! — Riu ela. — Mas amanhã cedo,

faremos alguns exames!

— Pra que? Faz tempo que não fico doente!

— Por isso mesmo! — Riu ela, tirando dois frascos

de sua valise, me entregando a seguir. — Precisava

explicar à sua mãe!

— O que a senhora falar eu posso repetir e ela me

entende. — Insinuei.

— Morning tomorrow need to scoop urine and

feces. — Disse ela.

— Mamãe, preciso colher urina e fezes, amanhã de

manhã, em jejum. — Avisei para mamãe, que acenou

positivamente.

— We will also test for blood. So don't take coffee!

— Também tenho que fazer exame de sangue em

jejum! — Voltei-me para a doutora e decidido insinuei. —

Não vou fazer exames radioativos!

— Claro que não! — Exclamou ela. — Só os que

mencionei.

— Da outra vez me injetaram mercúrio nas veias!

— Não faremos nada de anormal contigo. —

Esclareceu ela. — Virei buscá-lo amanhã às sete horas!

Tudo bem!

— E minha turma?

— Eles terão o dia livre! Aqui no centro espacial

existe um parque muito especial. Eles gostarão muito!

Garanto-lhe!

— Sozinhos eles estarão perdidos! — Insinuei.

— Mandarei um guia que fala Português, os

acompanhar.

Celso Innocente

76

— Verdade?

— Deixe comigo! — Levantou-se, abriu a porta e ao

retirar-se, disse:

— Ainda é cedo; se quiserem dar uma volta,

fiquem à vontade. O jantar é a partir das dezenove horas,

no restaurante do primeiro andar. Até amanhã!

Retirou-se. Esperei que ela entrasse no elevador e

fechei a porta. Voltei para minha turma, dizendo:

— Se quiserem dar uma volta, existe um belo

parque espacial perto daqui. E o melhor: é tudo grátis!

©©©

Naquela noite, como já fazia todos os dias,

enquanto meus irmãos deitaram nas camas de solteiro,

deitei-me com mamãe.

Como prometido, às sete horas da manhã de

quarta-feira, doze de Outubro, a doutora Wendell, bateu à

porta e eu mesmo atendi. Ela já estava acompanhada por

outra moça: morena clara de lindos cabelos lisos curtos;

não mais do que dezoito anos de vida.

— Bom dia Regis! — Cumprimentou-me a doutora.

— Esta é Judith. Ela fala Português e estará o dia todo com

sua família.

— Bom dia! Ambas são bonitas! — Insinuei.

— Você é um bom galanteador! — Riu a doutora.

— Está pronto?

— Sim! Assustado!

— Nada vai lhe acontecer! Colheu o material?

— Já! Mas falta o pior!

— O que?

— O sangue! Não gosto de agulhas!

— Uma picadinha de pernilongo! Vamos?

Voltei-me para mamãe, dizendo:

O retorno do menino do espaço

77

— Não se preocupe mamãe, não fugirei novamente!

A Judith ficará com vocês e à tarde a gente se encontra.

— Nada disso! — Negou mamãe, preocupada. —

Aonde você for eu irei junto!

— Não se preocupe! — Pediu Judith. — Regis

estará bem! Só fará alguns exames médicos e responderá

poucas perguntas. Ele estará no prédio da NASA. Aqui

mesmo, no complexo.

— Não importa! — Insistiu mamãe. — Ele é menor

e se vai fazer exames médicos, eu irei com ele!

— Mamãe! — Pedi. — Me deixe! Se a senhora ir

comigo, os meninos terão que ir também e não

aproveitarão a viagem!

— A gente fica sem aproveitar a viagem! — Insistiu

ela. — Não vou deixá-lo sozinho!

— Não se preocupe! — Insisti com ela. — Não

sairei deste complexo de prédios!

Apesar de não concordar muito, ela acabou aceitan-

do, desde que a gente se encontrasse no horário do almoço.

Segui, acompanhado pela doutora, até um ambula-

tório médico, no edifício da NASA, que fica próximo ao

hotel. A primeira coisa que ela fez, foi realmente colher

meu sangue, onde, apesar de quase nem sentir a agulha, fiz

tamanha careta, que ela mesma caçoou:

— Nem parece ter dezessete anos de vida!

— Olha só o bracinho do homem! — Justifiquei.

— Agora você tomará seu café da manhã!

— Obá! — Ironizei. — A melhor parte!

Pelo interfone, solicitou à garçonete, que era uma

moça de uns vinte anos, também morena e muito gentil,

que me levou até o refeitório, situado no mesmo prédio,

me colocando a postos, sob uma mesa e me serviu um

excelente café.

Celso Innocente

78

Retornando ao ambulatório médico, a doutora me

levou até uma sala em separado e pediu:

— Tire a roupa...

— Oh, oh! — Tímido como sempre fui, me espantei.

— Oh, oh... Por quê? — Riu ela. — Pode ficar de

cueca!

— O que vai ser agora? — Perguntei indiferente.

— Precisamos fazer uma tomografia! Mas não se

preocupe, é um exame simples!

— De cueca? — Emendei.

— Homenzinho! — Riu ela.

Já estava ficando habituado a estes pedidos, em me

despir, que já nem sentia tanta vergonha. Tirei a roupa e

estando de cueca, ela pediu:

— Este adereço em seu pescoço, também precisa

sair!

— Se tirá-lo, não entenderei mais o que a senhora

fala!

— Então é isso! Seu segredo mágico! — Insinuou

ela, segurando o aparelhinho. — Não tem problema! Não

precisamos nos comunicar durante o exame.

— Nada de venenos em meu sangue!

— Só um pequeno contraste, pra podermos separar

seus órgãos e glóbulos!

— Nada feito! — Neguei convicto.

— É inofensivo! Lhe garanto!

— Não pro meu organismo! Que não envelhece e

não consegue eliminar o que recebe!

— O contraste será um intruso em seu organismo.

— Tentou explicar ela. — Quando isso ocorre, os

anticorpos travam uma guerra, eliminando-o.

— Nessa guerra, quem sairá perdendo, com certeza

serei eu!

O retorno do menino do espaço

79

— Tudo bem! — Se convenceu ela. — Faremos tal

exame, sem contraste!

Então retirei o aparelhinho, colocando-o sobre uma

mesinha. Ela fez sinal para que me deitasse sobre uma

mesa grande, então ligou um aparelho que me envolveu o

corpo, fazendo uma leitura lenta e geral:

— Let your brain!

Ela se esqueceu que eu não podia entendê-la.

— Thyroid... trachea... aorta...

Será que alguém vai plantar alface em mim?

— Now your heart and lungs!

Fiquei na mesma! Alguma coisa do coração!

— Spleen… Liver… Gallbladder...

— ...kidneys... stomach!

Só entendi estômago!

— Small intestine... large intestine.

Acho que são intestinos!

— Bladder... Prostate... Urethra... Testicles.

Êpa!... Acho que é meu negócio de fazer xixi!

Poucos minutos depois, tendo concluído o exame,

mandou me levantar e me vestir. De posse de meu

aparelhinho, então lhe disse:

— Não entendi patavina do que me disse:

Intestines, heart, stomach…

— Não importa! — Negou ela. — Quero que você

beba bastante água!

— Bastante?

— Uns dez copos, pelo menos!

— Não consigo!

— Não precisa ser de uma vez! Beba aos poucos e

não faça xixi!

Celso Innocente

80

— O que vai ser agora?

— Faremos um ultrassom!

— Acha que estou grávido?

— Pode ser! — Riu ela.

Assustei-me. Ela percebeu:

— É brincadeira Regis! O exame é pra ver alguns

órgãos internos seu! Os exames que fizemos nos

mostraram algumas alterações e precisamos de mais

detalhes.

— O que se passa?

— Só queremos mais detalhes, de o porquê de você

não envelhecer e até quando!

— A senhora conseguirá me dar respostas, de até

quando?

— Estou tentando! Preciso contar com você!

— Tudo bem!

— Poderemos fazer o exame de contraste? Você

disse que não quer, mas é pro seu bem!

— Exame radioativo?

— O nível de radiação é muito baixo e seu

organismo o eliminará em poucas horas.

— Meu organismo é diferente dos outros

organismos! A senhora mesma confirmou isto, vendo que

não envelheço!

— Mesmo assim, como já lhe disse, quando algo

estranho invade esse organismo, ele reage imediatamente,

o expulsando sem trégua.

— Preciso ver com mamãe!

— Fale com ela durante o almoço ou à tarde!

Garanto que é pro seu bem!

Retirei-me e bebi de uma vez, dois copos de água.

Parece pouco, mas estávamos antes do almoço e sou

O retorno do menino do espaço

81

pequeno. Afastei-me, indo para o pátio e para o jardim,

caminhando sempre em busca de alguém conhecido.

— Regis! — Chamou-me uma voz conhecida.

Virei-me e reconheci o senhor Charles, um pouco

mais velho do que há sete anos:

— Senhor Charles! O senhor continua por aqui?

— Claro garoto! Aqui é meu lar! E você? Como tem

passado? Viajou muito durante esse tempo?

— Estive fora novamente!

— Estou sabendo! — O confirmou.

— Fui fazer uma pequena viagem! — Ironizei com

sorriso maroto.

— Pequena!? — Riu ele.

— Sim! Um mundo vizinho da Terra! Irão me

entrevistar novamente?

— Com certeza! Temos um encontro às dez horas

de amanhã! Como vai indo seus exames médicos?

— Vou fazer um ultrassom! Queremos saber o sexo

do nenê!

— Então tá! — Riu ele. — Depois você me conta!

— Vou beber mais água!

— Muito bom! Amanhã a gente se vê!

Já ia me retirando, quando ele tornou me chamar e

perguntou:

— Quem é o pai?

Fiz gesto de “sartei de banda”, igual a Zé Coqueiro,

no filme “O menino da porteira” e voltei ao bebedouro,

onde consegui beber mais dois copos de água. Já começava

a sentir a bexiga cheia. Abri uma geladeira tipo frigobar e

apanhei uma garrafa de meio litro de água e lentamente

me afastei novamente ao jardim, caminhando até um

grande açude, que existe dentro do complexo, um pouco

afastado do ambulatório médico.

Celso Innocente

82

Esperava encontrar mais algum conhecido,

inclusive, quem sabe, meus familiares; mas como o

complexo é muito grande, não encontrei ninguém.

Enquanto caminhava, sempre bebia um gole de

água e quando estava admirando o açude, a garrafinha já

estava praticamente vazia; minha bexiga, porém, estava

lotada e já sentia vontade em esvaziá-la, então,

caminhando um pouco mais rápido, retornei ao

ambulatório, aonde cheguei suado e ofegante. A secretária

da doutora Wendell, percebendo, perguntou:

— Está pronto pro exame?

— Acho que sim!

— Vou chamar a doutora!

Retirou-se, voltando dois minutos depois com a

doutora, que perguntou:

— A bexiga está cheia?

— Se beber mais água, ela vai explodir!

— Então vamos ao exame! Venha comigo!

A acompanhei até uma sala de ultrassom, idêntica

às nossas do Brasil. Embora eu jamais tivesse visto uma.

Tirei a camiseta e deitei-me. Ela baixou meu short até o

joelho e só um pouquinho, a cueca (sem me despir);

levantou meu pescoço, retirando meu aparelhinho

tradutor, esfregou um gel gelado sobre toda minha barriga

e iniciou um exame, onde alguma coisa de dentro de meu

corpo aparecia em um aparelho de tevê, tipo monitor de

umas quinze polegadas, sem comentar o que se passava.

Conforme forçava minha barriga, talvez forçando minha

bexiga com aquele aparelho, que com certeza, deveria

existir uma câmera que gravava em raio xis, me dava uma

vontade doida de fazer xixi, fazendo com que o danado

chegasse até a porta de saída e parasse por ali.

O retorno do menino do espaço

83

Cinco minutos depois, terminando o exame,

apanhou uma toalha de papel, limpou o gel de minha

barriga, normalizou minha cueca e short, então pediu que

me levantasse, devolvendo meu aparelhinho:

— Muito bem! — Disse ela, com leve sorriso. — Me

acompanhe.

— Posso me vestir?

— Ainda não!

— Quase que a senhora me fez fazer xixi nas calças!

Levou-me até outra sala, onde existia um tipo de

vaso sanitário no chão, com alguns cabos ligados.

— Já que é assim, então faça seu xixi neste vaso!

Esvazie toda a bexiga!

Papai me contara um dia, que já fizera um exame

destes. O computador vai medir a velocidade e força do

jato de urina, pra saber principalmente se a pessoa tem

algum problema de infecção urinária ou de próstata. Então

resolvi perguntar:

— Este exame não é feito só por pessoas mais

velhas do que eu?

— Como você sabe? — Admirou-se ela.

— Não seria pra ver coisas de adultos?

— Realmente! E não é tão necessário pra você! Mas

como você já está com a bexiga cheia, não custa nada fazer!

Ou você prefere não fazer?

— Quero fazer xixi!

— Então está na hora! Só espere-me sair da sala e

deixá-lo à vontade!

Ela se retirou e eu esvaziei minha bexiga. Parecia

que não queria mais parar e a sensação era realmente

muito boa. Acho que despejei uns cinco litros de urina5.

5 Exagero.

Celso Innocente

84

Voltei à sala da doutora, que já em poder desse

resultado, se levantando, disse:

— Este está muito bom! Venha comigo!

Voltamos à sala de ultrassom, onde me mandou

deitar e ao repetir o ultrassom, perguntei-lhe:

— Outra vez?

— É só pra ver se você realmente esvaziou a bexiga!

— Tenho certeza que sim! — Ri.

Ela esfregou o aparelhinho sobre minha barriga e

confirmou:

— Está excelente! Levante-se, se vista e venha

comigo!

Vesti a camiseta, voltei com ela à sua sala e então,

sentei-me à sua frente. Ela me olhou firme e séria, então

falou6:

— Vou lhe fazer algumas perguntas. Não é

brincadeira e é pro seu bem. Para uma criança de nove

anos, são perguntas desnecessárias. Mas em seu caso, você

tem dezessete e precisamos de dados reais. Tudo bem?

— Que mistério! — Assustei um pouco.

— Você já se masturbou alguma vez na vida?

— Quê!? — Me envergonhei, principalmente por

ser pego de surpresa com tal pergunta indiscreta.

— Ou pelo menos, depois de ter ido ao outro

planeta?

— Nãão! — Neguei convicto, sem gostar de tal

pergunta intrometida.

— Já eliminou algum líquido diferente pelo pênis?

— Como assim? — Perguntei sem olhar para ela.

— Algo que não seja xixi!

6 Desculpe-me o assunto tabu, mas faz parte das investigações médicas

na estória.

O retorno do menino do espaço

85

— Nunca! — Neguei muito tímido.

— Alguma vez já teve um tipo de sonho e acordou

molhado, com algo que não seja xixi?

— Como? — Continuava tímido.

— Um tipo de líquido grosso?

— Nada disso! — Neguei sem olhar para ela.

— Você às vezes se... excita?

— Pra que estas perguntas tontas?

— Preciso descobrir se você é criança ou

adolescente!

— Até os bebês se excitam às vezes! — Insinuei

bravo.

— Está bem, Regis! — Concluiu ela, rindo de leve e

se levantado. — Desculpe-me as perguntas bobas!

Levantei-me também e a acompanhei até a saleta da

secretária.

— Não temos mais exames pra fazer! Falaremos

amanhã cedo!

— Descobriu algo sobre mim?

— Vou rever todos os exames e falo com você

amanhã. Mas só pra lhe tranquilizar, lhe garanto que tem

uma saúde de ferro!

— Terei filho um dia?

— Por que pergunta isso? — Se admirou ela, já

sabendo a verdadeira resposta.

— O senhor Frene me disse, que eu jamais serei

papai!

Ela se abaixou diante de mim e segurando em meus

dois braços confirmou:

— Lamento informá-lo, mas acho que infelizmente

ele tem razão. Venha comigo!

Voltamos a seu consultório, sentei-me novamente

diante dela, que me disse:

Celso Innocente

86

— Vou rever seus exames com atenção e lhe conto

as novidades, mesmo que você já tenha voltado ao Brasil.

Mas a princípio, posso afirmar que existe um tipo de

bactéria ou vírus, alojado em seu sangue e organismo. Esse

vírus não é mal! Pelo contrário: ele impede suas células de

envelhecer e se multiplicar. Com isto você não envelhece e

não cresce! Não posso afirmar até quando este vírus

permanecerá em seu organismo, pois ele não está sendo

eliminado em hipótese alguma. Você não deverá tão cedo

ter barba, nem pelos embaixo dos braços, ou no peito.

— O senhor Frene me disse tudo isso!

— Disse que você não sairá da infância? Que você

não chegará à adolescência? Não produzirá espermato-

zoides? Não poderá ser papai?

Dei de ombros.

— Mas não quer dizer que não poderá namorar!

— Acho que estou apaixonado!

— Verdade? — Brincou ela. — Quem é a felizarda,

em namorar o menino mais famoso do Universo?

— Se chama Elizabeth! É minha colega desde a

escola e tem dezessete anos!

— Não está um pouco velha pra você?

— Ela disse que vai me esperar, mas sei que não

será possível e terei que autorizá-la a namorar outro!

Ela pensou um pouco e concordou:

— Talvez seja melhor você tê-la apenas como

amiga!

Deixei correr uma pequena lágrima.

— Você perdeu sua infância, indo ao espaço. Talvez

o que esteja acontecendo, seja uma forma de recuperá-la.

— Fora de meu tempo!

— Verdade! Mesmo assim, refaça seus amiguinhos

e procure ser feliz.

O retorno do menino do espaço

87

— Não se preocupe! Gosto de ser criança! Só

preciso me readaptar. Meus pais estão mais velhos! Meus

irmãos caçulas, já não são mais caçulas. Trocaram de lugar

comigo!

— Aproveite esta nova infância! — Pediu ela. —Ela

deverá passar um dia!

— O senhor Frene prometeu me ajudar!

— Como ele poderá fazer isso? Está muito longe!

— Acho que me prometeu só pra não me

desanimar! Eles também não têm filhos! Só um clone meu.

— O que você disse? — Se espantou. — Um clone?

— Desculpe doutora Wendell! — Me arrependi. —

Não deveria ter falado nisso!

— Mas é verdade? Existe um clone seu?

Acenei lentamente que sim e continuei:

— Promete não comentar com ninguém! Eu não

havia falado nem mesmo com meus pais sobre isso!

— Não se preocupe! É seu segredo, eu não conto! —

Se levantou e me abraçou amigavelmente. — Como ele é?

— Idêntico à mim! Foi tirado de meu DNA!

— Ele está naquele planeta alienígena?

— Sim! Ficou em meu lugar! Como não conhece a

Terra, não sente saudades e me substitui. É a única criança

em Suster! Na verdade, eu também não o conheço

pessoalmente. Só o vi uma vez! E assim mesmo, pelo

vídeo.

— Regis, isso é ótimo! Aqui na Terra não existe

clone de pessoas!

— Eu sei! O senhor Frene me disse!

— Como ele pode saber?

— Ele sabe tudo! O importante é que ele tendo o

outro Regis, não mais me buscará na Terra!

Celso Innocente

88

— Você precisa contar a seus pais! Isso os

tranquilizará mais!

— Temo que eles achem que o outro Regis, seja

também outro filho deles! Eu o vejo como um irmão

gêmeo!

— É complicado! Mas o clone realmente é possível!

Aqui na Terra não existem! Mas é devido apenas a

questões morais e religiosas!

Levantei-me e pedi:

— Posso ir agora?

— Sim, pode! Sabe voltar ao hotel, sozinho?

Acenei que sim e pedi:

— Jura por Deus não contar este segredo?

— Juro por Deus e por você, Regis! Só contarei no

dia em que você me autorizar!

Deu-me um beijo na face e então saí, retornando ao

hotel.

Apanhei um cartão magnético na recepção e subi

pelo elevador, até o sexto andar; andei alguns passos no

corredor e apontei o cartão a um receptor eletrônico,

próximo à fechadura da porta, no apartamento de número

seiscentos e doze. A porta se abriu, entrei, deitei-me no

sofá da sala de estar e liguei a televisão com o controle

remoto.

O retorno do menino do espaço

89

Na NASA

cordei às duas horas da tarde, com o barulho

de meus irmãos e mamãe entrando no

apartamento. A televisão continuava ligada em um canal

de notícias americano.

Enquanto dormia, ao longe, conseguia ouvir o

noticiário, principalmente quando se referia a minha visita

aos Estados Unidos. Embora o noticiário fosse transmitido

em Inglês, conseguia entender perfeitamente.

— Faz tempo que você chegou, Regis? —

Perguntou-me mamãe.

— Mais de hora! — Respondi. — Tenho fome!

— Levante-se e vamos almoçar! O restaurante é no

primeiro andar! Você tomou café de manhã?

Acenei que sim, me levantando e indo direto ao

banheiro.

©©©

Enquanto almoçava, no restaurante do hotel, junto

com meus familiares, recebi novamente a visita do senhor

Charles:

— Bom dia turminha! — Cumprimentou-nos ele. —

Como está o passeio?

A

Celso Innocente

90

— Ainda não passeei! — Neguei.

Entregou-me uma caixa, de mais ou menos um

metro de altura.

— Hoje é dia da criança, então resolvemos dar-lhe

um presente especial.

Levantei-me do almoço e abri imediatamente a

caixa. Era uma lindíssima miniatura em aço, de uma

espaçonave da NASA. Enquanto me deslumbrava com o

lindo brinquedo de coleção, o senhor Charles comentava:

—É a nave Challenger. Foi projetada em mil

novecentos e setenta e cinco e voou pela primeira vez em

oitenta e um, com o nome de Colúmbia. Em quatro de

Abril de oitenta e três, fez seu primeiro voo com esse novo

nome. Em vinte e oito de Janeiro de oitenta e seis, às onze

horas e trinta e nove minutos, explodiu, setenta e três

segundos após o lançamento, matando sete tripulantes,

entre eles uma mulher civil. Quando você estava indo a

outro planeta, nossa Challenger também estava viajando

pelo espaço. Ela fez nove missões e explodiu na décima.

Funcionava como lançador de foguetes e também em

missão tripulada.

— O que é missão tripulada?

— O que o nome diz? — Ironizou o senhor Charles.

— Tri...pulação? —Balancei os ombros junto com

pequena careta.

— Isso! Já foram construídas outras semelhantes.

Espero que goste.

— Adorei senhor Charles! — Agradeci feliz. — Vou

levá-la comigo!

— Outra coisa: Durante o período em que vocês

estiverem aqui, a NASA lhes dará uma ajuda de custo de

cem dólares diários. É para pequenas despesas!

O retorno do menino do espaço

91

— Isso é importante senhor Charles. — Lembrou

mamãe. — Estamos sem um tostão nos bolsos e os meninos

andam querendo alguma coisa.

— Iremos providenciar imediatamente!

©©©

Às dez horas da manhã seguinte, bateu na porta do

apartamento. Quem atendeu foi mamãe. Era novamente o

senhor Charles:

— Bom dia! — Cumprimentou-lhe mamãe.

— Bom dia! Regis já está pronto?

— Aonde irão levá-lo? — Insistiu mamãe.

— Não se preocupe! Não sairemos do complexo

Kennedy! Regis passará apenas por uma entrevista,

acompanhada por umas cinco pessoas, entre elas o doutor

Marcelo.

Tirou do bolso um envelope e entregou para

mamãe, dizendo:

— São mil dólares! Depois a gente faz o acerto final!

Vamos Regis!

— Podemos acompanhá-los? — Insistiu mamãe.

— Preferimos que não! Mas não se preocupe! Este

herói aqui, estará muito bem! Não passará por nenhuma

tortura, nem vexame! Como lhe disse: apenas uma

entrevista.

— Falando nisso mamãe: — Me lembrei. — A

doutora quer fazer um exame com injeção de mercúrio em

minhas veias!

— Aquele exame perigoso? — Se estressou ela. —

Nem pensar!

— Não estou sabendo disso! — Negou Charles.

— Não deixe que apliquem nada em seu corpo! —

Recomendou-me mamãe. — Acho que terei que estar com

você!

Celso Innocente

92

— Não se preocupe mamãe! — Pedi. — Ninguém

porá as mãos em mim!

Seguimos para o edifício da NASA, acompanhado

por doutor Marcelo, que nos esperava na recepção. Era a

mesma sala, onde estive há sete anos. Uma espécie de

consultório grande, cheia de computadores.

Outras quatro pessoas já estavam presentes. Entre

elas a doutora Wendell, que me deu um beijo na face,

perguntando:

— Como passou de ontem?

— Um pouco assustado! — Respondi sério.

— Não tenha medo, menino! — Pediu-me ela. —

Somos diferentes, mas somos amigos!

— Mamãe não autorizou em fazer o exame com

mercúrio!

— Tudo bem! — Concordou ela. — Faremos apenas

um eletrocardiograma.

— Pra quê? — Questionei-lhe, já que era tão jovem

pra esse tipo de exame.

— Analisar este coraçãozinho!

— Ele está apaixonado! — Ironizei com sorriso

maroto.

Cumprimentei os outros três: todos doutores em

tecnologia espacial, entre eles o americano Jack Schmitt,

um dos astronautas a ir à lua a bordo da nave Apollo

dezessete, em mil novecentos e setenta e dois. Estava então

com cinquenta e três anos. Muito bom e brincalhão.

Os outros dois, Louis Muller, engenheiro em

assuntos astronômicos, de uns cinquenta anos e Mark,

também engenheiro.

— Precisamos que você tire a camiseta e deite-se

nesta cama. — Pediu a doutora Wendell.

— Novamente sem roupa!?

O retorno do menino do espaço

93

— Só a camiseta! — Insinuou ela.

— Já estive nesta cama! — Insinuou Jack Schmitt. —

É tão confortável que espero que você não durma!

Tirei a camiseta e me deitei.

A doutora colocou diversos apetrechos, que ela

dizia serem eletrodos, grudados em meu corpo: no tórax,

barriga, pescoço e testa.

— Pra que tudo isso? — Perguntei admirado.

— Queremos apenas acompanhar suas reações! —

Disse-me ela.

— Saber se estou mentindo?

— Pode ser! — Riu Jack Schmitt.

— Falando sério! — Interrompeu Mark. — O que

aconteceu a você, depois que retornou à Terra, em mil

novecentos e oitenta e um?

— Estive aqui na NASA! O senhor Charles estava

aqui!

— Depois disso, Regis? — Mark seria o

interlocutor.

— Pra evitar tantas perguntas, contarei o que sei. —

Aleguei. — Tentei continuar estudando, mas o senhor

Frene, mandou me buscar novamente!

— Animado esse homem! Não? — Riu Jack. — Pra

gente dar um pulinho até a lua, existe um planejamento de

muitos anos e muito dinheiro investido. O senhor Frene,

portanto, resolve buscar um menino na Terra e vem

imediatamente.

— Ele pode estar ouvindo o senhor! — Insinuei

zombeteiro.

— Mais essa ainda! Tira sua privacidade!

— Com certeza!

— Como é essa nave? Como viaja? Quanto demora?

Celso Innocente

94

— É um enorme disco voador, construído em mate-

rial parecido a níquel! Na verdade não sei direito o que é!

Eles falam que é uma espécie liquida, como mercúrio ou

estanho derretido! Viaja a uma velocidade muito superior

a velocidade da luz e é totalmente controlada por

computador. Existem os engenheiros que planejam a

viagem e traçam toda a rota no computador. A nave

obedece à risca esta rota! Caso haja risco de colisão com

algum asteróide, ela automaticamente se desvia,

retornando à rota original, segundos depois.

— Como são os alienígenas?

— Idênticos ao senhor! Até no modo de se vestir!

Na verdade, são mais inteligentes... Não que o senhor seja

burro! Mas são mais inteligentes, devido à longa

experiência, vivida em mais de cinco mil anos de vida.

— Ninguém vive cinco mil anos, Regis! — Negou

Louis.

— Eu tenho quase dezoito! Pareço?

— Como você consegue falar minha língua? —

Continuou Louis.

— Eu não consigo! Apenas interpreto! —

Apresentei-lhe meu aparelhinho.

— Cinco mil anos! — Admirou-se Jack. — Você

estava no paraíso!

— Nem tanto! Apesar de tudo, lá também existem

problemas e até mortes! Não por doenças!

— Ninguém fica doente? Jamais? — Perguntou

Louis.

— Suster é um planeta maior, porem, idêntico à

Terra. Tem muito oxigênio, gás carbônico, nitrogênio,

vapor d’água, clorofila e saúde. É iluminado por dois sóis,

fazendo com isso um dia de trinta e duas horas, de oitenta

minutos cada. Sabe o que significa isso?

O retorno do menino do espaço

95

— O que? — Perguntou Louis.

— Um dia em suster é maior do que dois dias na

Terra!

— Por que eles te queriam nesse lugar? —

Prosseguiu Mark.

— Só queriam ter uma criança! Eles não tinham

crianças por lá!

— O que aconteceu?

— Um problema radioativo os deixou estéreis! A

doutora sabe disso!

— Realmente! — Confirmou ela. — Nos exames

que fizemos em Regis, confirmou esse problema!

Possivelmente ele jamais se tornará pai! Possivelmente,

nem mesmo adulto ele se tornará!

— Vai ser um Peter Pan? — Gracejou Jack. —

Michael Jackson está construindo a Neverland real. Quem

sabe você possa ir morar com ele!

— Obrigado! Prefiro voltar ao Brasil!

— Ele é muito famoso!

— Sei disso! Gosto de suas músicas! Principalmente

“Ben”.

— Voltando ao assunto: — Pediu Mark. — Qual à

distância de Suster? Você sabe?

— Oitenta e sete anos luz.

— Quanto tempo de viagem?

— Setenta e um dias terráqueos! Quase trinta

susterianos! Dentro da nave, parece que não são nem duas

semanas!

— Tem lógica a questão de dentro da nave não

parecer nem duas semanas! Se algo viajar além da

velocidade da luz, é como se o relógio tivesse quase

parado. Isso explica você não ter envelhecido nesse tempo,

enquanto que seus pais e principalmente seus irmãos

Celso Innocente

96

menores ultrapassaram você. Mas por outro lado, o que

nos tá dizendo é impossível! Você teria que viajar mais do

que um ano luz diário! Ninguém consegue esta façanha!

— Diga isso ao senhor Frene! — Gracejei.

— É o mesmo que acreditarmos em viagem no

tempo!

— Acho que loguinho, isso será possível!

— Por que eles vieram tão longe? Não teria vida em

um planeta mais próximo deles?

— Idêntica a nós humanos, só no planeta de Mira!

— Quem é Mira?

— Uma menina de minha idade! Só que bem maior!

— Maior? Adolescente!

— Não! Gigante!

— Quem lhe disse?

— Eu vi pessoalmente! Quase morri nesse lugar!

Fiquei preso em uma teia de aranha, que era do tamanho

de uma onça. Até hoje tenho pesadelos com aquele

monstro!

— O que é onça? — Quis saber Jack.

— Um animal silvestre do Brasil! — Respondi, com

cara de sabe tudo.

— Como esse cara é meio atrapalhado e já lhe

buscou por duas vezes na Terra, não seria perigoso lhe

buscar novamente?

— Nunca mais ele me buscará!

— Como pode ter certeza?

— Me prometeu!

— Da outra vez, ele te prometeu também! —

Afirmou o doutor Marcelo. — Lembro que você me disse!

— Dessa vez é diferente! Ele não me buscará mais!

— O que é diferente? — Insistiu Mark. — Como

pode ter certeza?

O retorno do menino do espaço

97

— Eles não precisam mais de mim!

A doutora Wendell se espantou. Ela sabia que eu

acabaria contando meu segredo.

— Eles sabem que fizeram muito mal à Regis! —

Insinuou ela pra me ajudar. — Ele não suportaria ser

sequestrado novamente! O stress o mataria!

— Seria isso Regis? — Insistiu Mark.

— O senhor Frene não é tolo e sabe que não seria

nada bom pra mim! Ele ainda me ama!

— Concordam em viver sem crianças?

— Eles têm outra criança! — Contei.

A doutora Wendell se assustou.

— Criaram um robozinho! — Tentou me ajudar ela.

— Não é isso Regis?

— Não! Um menino de verdade! Nem é um

menino! Ele é um adolescente e nesse momento está

viajando pra Suster. O mesmo disco que me trouxe, está

levando pra lá, meu amigo Erick! Ele tem dezessete anos e

concordou em ir.

— Como assim, Regis? — Se espantou ainda mais, a

doutora.

— O que lhe disse ontem é verdade doutora

Wendell! Só ocultei o Erick! Ele é praticamente

abandonado na Terra e disse que será feliz no mundo do

senhor Frene. Nesse momento ele e Luecy viajam pelo

espaço e ainda estão a três quarto de distância! Não

viajaram nem a metade do caminho! Só deverão chegar lá,

no início de dezembro.

— Quer dizer que existe outra criança terráquea

sequestrada por esse doido? — Quis saber Mark. — Você

avisou as autoridades?

— Pra quê? Eles irão resgatar Erick?

— Isso é uma afronta!

Celso Innocente

98

— Não se zangue senhor Mark! — Pedi. — O

senhor Frene é amigável!

— Depois de tudo que lhe fez, você acha isso?

— Ele me ama! Apesar de tudo, só queria meu bem!

— Outro menino sequestrado! — Não aceitava

Mark. — Até quando? Dez anos?

— Acho que para sempre! Mas ele estará feliz!

Garanto!

— Você garante! Se esquece da família na Terra? —

Comentou nervoso Mark. — Se quando você estava por lá,

você se divertia e era feliz; saiba que seus pais choravam

aqui na Terra!

Meu coração bateu assustado. Nervoso, comecei a

chorar e arrancar todos os tais eletrodos de meu corpo.

— Eu não era feliz coisa nenhuma! Chorava todos

os dias! E se estou aqui hoje, é porque batalhei por isso!

Chorei, briguei, apanhei, fiquei amarrado, insisti e até Fuji!

Quase morri na fuga e vem o senhor me dar lição de

moral?

— Respeito comigo, Regis! — Pediu Mark.

— Respeito comigo também! — Gritei.

— Posso mandar prendê-lo por desacato!

— Que desacato?

— Calma gente! — Pediu a doutora, me dando um

lenço de papel. — Só estamos conversando!

Devagar, ela voltou a grudar os tais apetrechos

elétricos em meu corpo.

— Regis: — Prosseguiu Louis. — Você voltou pra

Terra porque fugiu?

— Mais ou menos! — Respondi, limpando os olhos.

— Consegui a ajuda de Luecy!

— Quem é Luecy? — Perguntou Jack.

O retorno do menino do espaço

99

— O robô! Fizemos uma aposta e ele me trouxe à

Terra! Quando ele resolveu voltar à Suster sozinho, não

conseguiu. Precisava de pelo menos um ser vivo na nave!

— Como assim? — Quis saber Louis.

— A nave só funciona com a presença de um ser

vivo. Ela é semelhante à uma planta, aproveitando o gás

carbônico, que eliminamos. Dentro dela o clima é sempre

agradável. A gente nem precisa tomar banho e não

necessita de máscaras de oxigênio. Tudo é produzido pela

nave. Com isto, um robô sozinho não é capaz de viajar com

ela.

— Vou entender! — Insinuou Mark. — A insignifi-

cante quantidade de gás carbônico que nós eliminamos, se

transforma em combustível suficiente, em um disco voador

enorme; enquanto isso, ele nos fornece o oxigênio puro,

pra nos manter vivo durante a viagem?

— É isso que os astronautas susterianos me

disseram! — Confirmei com cara de poucos amigos, não

querendo conversa com o tal Mark.

— Pra mim lançar uma pequena nave da Terra,

levando por exemplo um satélite em sua órbita, a energia

que eu preciso, me consome mais de treze mil quilos de

combustível por segundo e você vem me querer convencer

de que com zero de nada, você faz uma viagem através do

espaço distante!

— Eu não quero convencer o senhor de nada,

senhor Mark! — Neguei fazendo careta. — Quem sabe eu

estivera dormindo durante sete anos e agora venho aqui

para brincar de cientista ou astrônomo com o senhor!

— Qual material não se desintegra à uma

velocidade maior que a da luz? — Perguntou-me Louis.

Celso Innocente

100

— Parece níquel! — Respondi. — Mas não deve ser!

A velocidade é muito maior do que a da luz! Estes

mistérios, eu não sei responder!

— Mas você chegou a viajar sozinho numa nave

deles! — Insinuou Charles. — Foi o que você disse da outra

vez!

— Tentei fugir!

— Como você traçou sua rota? — Quis saber

Charles.

— Não tracei! Tentei fugir pilotando a nave

manualmente! Achava que sabia o caminho pra Terra! Pior

besteira! Perdi-me por completo!

— E como você se encontrou?

— Virei a nave cento e oitenta graus e tentei voltar

à Suster!

— Esperto você! — Riu a doutora.

— Burro eu! Acabei no planeta de gigantes! Depois

de escapar da aranha gigante, com a ajuda do pai de Mira e

ser estudado por eles durante vários dias, consegui ir

embora e depois de chorar muito, durante muitos dias

perdido no espaço, o senhor Frene conseguiu me

reencontrar por monitoramento e então me guiou de volta

até ele.

— Puxa! — Suspirou a doutora.

— Puxa, digo eu! Não brinque com o espaço de

Deus!

— Regis: — Insistiu Mark. — O que faremos pra

trazer Erick de volta?

— Acho que não podemos fazer nada! — Neguei.

— Acredito que a NASA não possui uma nave capaz de ir

até Suster!

— Lógico que não! — Exclamou Jack. — Nossas

viagens tripuladas não vão alem da lua! Mesmo as não

O retorno do menino do espaço

101

tripuladas como a Voyager por exemplo, que foi lançada

em mil novecentos e setenta e sete, só chegará a Plutão

mais ou menos em dois mil e quinze.

— Mas você consegue falar com o tal senhor Frene!

— Insistiu Mark.

— Até o senhor consegue! — Insinuei rindo. — É

muito provável que ele esteja assistindo nossa entrevista!

— Como isso é possível? — Duvidou Charles. —

Que sistema seria capaz de nos ver ao vivo, oitenta e sete

anos luz de distância?

— Ele me disse que foi instalado um satélite

invisível, que monitora a Terra constantemente.

— Então é guerra! — Riu Jack. — Eles estão nos

espionando!

— O objetivo era de apenas me espionar! Eu sim

nem tenho privacidade! Não posso nem ir ao banheiro,

sem que eles estejam me vendo!

— Não pode fazer nadinha errado, garoto! — Riu

Jack.

— Nem sexo. — Ri também, zombeteiro.

— Safadinho! — Caçoou a doutora.

— Brincadeira! — Corrigi. — Estou me

acostumando com os gracejos dos adultos!

— Acho bom você construir um banheiro de

chumbo! — Emendou Jack.

— Ãh! — Não entendi.

— O chumbo é resistível a muita coisa! Pode ser

que ele te dê privacidade!

— É verdade? — Acho que me interessei.

— Nem a radiação atravessa as paredes de chumbo!

— Confirmou o senhor Charles. — Já viu falar no grave

acidente na usina nuclear de Chernobyl?

— Não! — Franzi o nariz.

Celso Innocente

102

— Ocorreu em mil novecentos e oitenta e seis. Você

não estava na Terra. Ninguém sabe até hoje quantas mil

pessoas morreram nesse acidente. Alguns falam em quatro

mil, outros falam em cem mil. O fato é que todos foram

enterrados em caixão de chumbo.

— Acho que vou pedir pra NASA construir um

banheiro de chumbo, pra eu ter mais privacidade contra o

olho eletrônico do senhor Frene.

Embora os assuntos sempre saiam fora do foco

principal, Mark, que anotava tudo, era muito esperto e

tirava proveito de cada detalhe. Acho que o assunto

satélite invisível foi o mais importante no seu conceito. Ele

sabia que invisível era um termo para dizer que não seria

captado pelos radares da Terra, mas que na verdade, o

satélite espião estava lá, perdido junto aos milhares de

outros terráqueos que existem no espaço, a uma distância

aproximada de até trinta e seis mil quilômetros de altura,

ou pior: sendo os susterianos avançados como eu dizia o

satélite deles, poderia estar em outra órbita, bem superior

(e realmente estava, a cinquenta mil quilômetros) e pior

ainda: se eles realmente desejassem espionar toda a Terra,

teria que ter pelo menos três satélites, chamados

geoestacionários (e tinham). Se a ideia fosse realmente me

espionar, bastava apenas um desse tipo de satélite,

pendurado numa baixa órbita (cerca se quinhentos

quilômetros), na região noroeste do estado de São Paulo,

imaginando assim, que eu jamais estaria algum dia, em

entrevista no Cabo Canaveral, em estação espacial da

NASA.

— Acredito que ele não esteja nos vendo! —

Insinuou Mark.

— Eles têm imagens gravadas, desde o dia em que

nasci! — Insinuei.

O retorno do menino do espaço

103

— Não acredito que eles pudessem esperar você

aqui na NASA! — Negou Mark.

— E qual a diferença? — Quis saber a doutora.

— Uma coisa é instalar um satélite de

monitoramento local! — Alegou Mark. — Outra é um de

monitoramento global!

— Regis disse que ele instalou um destes, em altís-

sima órbita. — Afirmou Charles.

— Mesmo que os satélites existam e ele nos

espiona, — Insistiu a doutora. — é impossível que ele o

veja em tempo real, estando a oitenta e sete anos luz de

distância.

— O senhor Frene criou um atalho virtual no

espaço, capaz de nos ver e ouvir ao vivo! — Aleguei,

fazendo gestos de sabido. — Em tempo zero.

Louis e Charles, que quase não falavam, estavam

sempre acompanhando a tela do computador, que por sua

vez, estava ligado à máquina, que tinham seus fios, os tais

eletrodos, grudados em meu corpo. Eram milhões de

detalhes que se transferiam automaticamente para a tela

daquele computador.

— O que significa todos aqueles detalhes no com-

putador? — Perguntei.

— Isso é um polígrafo! — Explicou Louis.

— O que faz um... Polígrafo? — Me perdi.

— É um detector de mentiras! Todas as reações de

seu cérebro são direcionadas pra lá. Cada detalhe que você

omitir, mas seu cérebro pensar é automaticamente

direcionado pra lá! Se aparecer detalhes em vermelho, é

porque você mentiu.

— Vixi! — Caçoei. — Vai esgotar a tinta vermelha

de sua impressora!

Celso Innocente

104

— Nem tanto! — Riu Charles. — Você não mentiu

muito até agora! Só o necessário!

Pensei um pouco e olhando para a tela do monitor,

resolvi dizer:

— O senhor Frene é um monstro, que parece um

sapo gigante e cospe veneno pela boca!

Mark se assustou e eu ri, quando percebi um monte

de caracteres esquisitos em vermelho, que surgiu na tela

do monitor. Não era brincadeira de Louis. Aquela

máquina, realmente conseguia decifrar a verdade e a

mentira.

— A polícia deveria usar essa máquina pra prender

ladrões! — Insinuei rindo.

— E usa! Só que na polícia, a entrevista é mais

estressante do que a que fazemos contigo!

— É!? — Duvidei.

— Claro! — Exclamou Charles. — É o objetivo do

detector! E alem de que, você não é nenhum bandido!

Aquela conversa perdurou até às treze horas. Acho

que contei tudo sobre minha viagem interplanetária. Acho

que minha única omissão foi meu segredo revelado apenas

à doutora Wendell. Espero que a máquina da verdade, não

tenha conseguido identificá-lo. Nem sei por que desejava

tanto omitir este fato. Acho que realmente temia por meus

pais. Não queria que eles sofressem, imaginando um outro

filho, preso no planeta Suster. Não entendia nada sobre

clone. Não sabia e nem sei, como isso é produzido, através

do DNA de algo vivo.

Às quatorze horas, já com meus irmãos e mamãe,

seguimos para o almoço, no restaurante do próprio hotel.

Na manhã de sexta-feira, às nove horas, estava

novamente no consultório da doutora Wendell.

— Você falará com os engenheiros, ainda hoje?

O retorno do menino do espaço

105

— Disseram que sim! Às dez horas.

— Como você está se sentindo?

— Ainda sinto assustado!

— Por quê? Ninguém vai lhe fazer mal!

— Não sei! Sinto o coração apertado! Tenho

vontade de estar em casa!

— Sua família está com você! Não tem o que temer!

— Doutora Wendell, como é feita a clonagem?

— Pergunta interessante e muito difícil de explicar.

Mesmo eu sendo médica, não saberia explicar

corretamente. O fato é que, tecnicamente é impossível

clonar um ser humano. O que se pode clonar na verdade

são embriões, que seria o mesmo processo de gêmeos

idênticos, utilizando células do irmão, antes dele nascer.

Teríamos que fazer o que a natureza já faz por nós.

— Como o senhor Frene conseguiu um clone meu?

— Como você não produz espermatozóides,

acredito que ele tenha tirado uma ou várias células sua,

congelado estas células e então, retirado um óvulo de uma

mulher doadora, mesmo ela sendo estéril, como você disse,

então ele deve ter tirado o núcleo desse óvulo, de alguma

maneira praticamente micro cirúrgica, no lugar desse

núcleo, eles implantaram uma de suas células. A partir daí,

sua célula começou a se dividir, se multiplicando

rapidamente; uma vira duas, que vira quatro e vai pra

oito…Isso vai fazer com que esse óvulo se transforme em

um embrião. A partir de então, eles implantam esse óvulo

no útero de uma mulher; não necessariamente a doadora

do óvulo e não importa que ela seja estéril. Eles só

precisam do útero dela. A partir daí, o resto é idêntico ao

desenvolvimento de um bebê normal.

Celso Innocente

106

— Como a célula nesse caso se dividiu, se as

minhas células não se dividem mais? Como meu clone tem

meu tamanho, se em Suster ele não pode envelhecer?

— Desculpe Regis! — Pediu ela. — O que eu lhe

disse, é meu parecer! Nem deve ser assim que foi realizado

seu clone! Vou estudar o caso. Se descobrir eu te conto!

— E sobre minha saúde? Tem alguma novidade?

— Você é o garoto mais saudável que já conheci!

— E meu futuro filho?

— Vou me dedicar à sua saúde com carinho! Vou

apresentar sua infertilidade em um congresso e ver o que

descubro! Prometo lhe deixar informado.

— Já que está tudo bem, estou indo ao encontro dos

outros engenheiros.

— Pode ir! Não estarei lá e talvez não o veja até sua

partida ao Brasil! Quando aparecer novidades entrarei em

contato.

Deu-me um beijo e saí ao encontro dos demais

engenheiros, que estavam no mesmo prédio.

Ainda não eram dez horas, quando o senhor Mark,

Charles e o doutor Marcelo, me convidaram a entrar na

sala de entrevista.

— Pode se sentar. — Pediu Mark.

Sentei-me à frente deles, em uma confortável

poltrona de tecidos. Louis e o astronauta Jack, não estavam

presentes.

— Regis, na tarde de ontem, estivemos analisando

sua entrevista, gravada em nosso computador. — Avisou-

me Mark. — Você não mentiu nenhuma vez, com exceção

da hora em que chamou o senhor Frene de sapo; mas

omitiu muita coisa. Talvez esteja receoso de colaborar

conosco. Não se preocupe, nós não iremos declarar guerra

ao planeta do senhor Frene. Mesmo porque, não temos

O retorno do menino do espaço

107

tecnologia suficiente pra irmos até ele; nem mesmo de

encontrar seu satélite invisível…

— Depois, ele não é tão inimigo assim! — Insinuou

o doutor Marcelo.

— E eu não omiti nada! — Neguei. — Tudo o que

me perguntaram, respondi do jeito que sei!

— Só o mínimo necessário! — Insinuou Mark.

— Detalhei até demais! — Insisti.

— Não se preocupe! — Insinuou Mark. — Você

omitiu, mas seu cérebro não! Neste computador, está

gravado tudo o que aconteceu à você, desde o momento

em que saiu da Terra, em mil novecentos e oitenta. Você

sabe muito, garoto! Tem estudado muito! Principalmente

em relação ao planeta Suster!

— Meu cérebro contou tudo?

— Não escondeu nada! — Exclamou Charles.

— É como se seu cérebro fosse um agá-d (HD) e

nosso computador fizesse uma cópia dele. — Explicou

Mark. — Sabemos, por exemplo, que você tentou fugir

uma vez e a nave caiu, se incendiando! Verdade?

— Verdade! — Confirmei.

— O senhor Frene chegou a espancá-lo e amarrá-lo

na cama!

— Verdade! — Confirmei. — Mas posso ter falado,

da outra vez em que estive aqui!

— Você esteve num planeta, o qual batizou por

nome de… Mark Três! Verdade?

— Concordo!

— Isso você não contou à ninguém!

— Concordo!

— O senhor Frene, pretende explodir nossa Terra,

utilizando grande quantidade de raios gama!

Celso Innocente

108

— Quê!? — Me espantei.

— Seu cérebro nos disse! — Insistiu Mark.

— Nem sei o que é raios gama! — Neguei com

sinceridade.

— Estou brincando, garoto! — Continuou Mark. —

mas sabemos tudo! Ou quase tudo! Ainda não tivemos

tempo de analisar todas as informações geradas por seu

cérebro.

— O fato Regis: — Alegou Charles. — É que não

precisamos mais entrevistar você. Isso é bom! Você terá o

dia livre pra visitar nossas dependências e o parque, com

sua família. Tudo que precisamos, está no computador e

não será usado pro mal. Pode acreditar!

— Como prometemos: — Prosseguiu o doutor

Marcelo. — Sábado e domingo, você e sua família terão os

dias livres para um passeio à Disneylândia. Eu não estarei

com vocês, mas Judith os levarão no carro dela.

— Não precisam mais de mim? — Perguntei.

— Está livre! — Riu Charles. — A cópia de seu

cérebro está conosco!

— Dá a impressão que vocês estão me roubando!

— Não temas! — Pediu Mark.

— O senhor Frene tira minha privacidade! Agora

vocês roubam meus pensamentos! Pobre infeliz, de um

menininho de nove anos de idade!

— Pelo menos você contribui pro futuro das

viagens espaciais, administradas pela NASA!

— O que significa NASA? — Perguntei curioso.

— National Aeronautics and Space Administration.

— Respondeu Charles. — Já te disse isso antes!

O retorno do menino do espaço

109

— Não sou tão bom de memória! — Dei de ombros.

— E você corre o risco de ir pra Genebra. — Alegou

Mark. — Um belo passeio pela Suíça!

— Sai de mim! — Neguei assustado. — Vou pro

Brasil!

— Acho que a CERN quer falar contigo!

Celso Innocente

110

O retorno do menino do espaço

111

Disneylândia

aquela tarde, após o almoço, estive com minha

família, que já estavam bem familiarizados,

visitando o parque espacial que existe no grande complexo

do centro espacial e descobri que o local é muito bonito,

com parque de diversões infantil e parque ecológico,

preservando inclusive, espécies animais em risco de

extinção, podendo ser visitado por civis do mundo inteiro,

que se hospedam ou não, no mesmo hotel, em que nós

estávamos.

Visitamos também, uma base de lançamento de

foguetes, denominada Pe trinta e nove (P.39), a qual foi

responsável por lançamento da Colúmbia e Challenger (é a

mesma nave, que foi rebatizada). Naquela época essa

missão se chamava ésse te ésse cinquenta e um éle (STS-

51L).

Na manhã de sábado, saímos pouco depois das sete

horas do hotel, em companhia de Judith, que falava Portu-

guês fluentemente, embora um pouco arrastado, seguindo

à passeio aos parques da Disneylândia.

A viagem de carro, do centro espacial até Orlando,

durou cinquenta minutos.

N

Celso Innocente

112

O primeiro local em que fomos foi na própria

cidade de Orlando, o Sea World Adventure Park, que

apresentava principalmente espetáculos com baleias e

golfinhos, em esplêndido shows acrobáticos, nos

gigantescos tanques tipo piscina. Ali ficamos até às dez e

meia da manhã, depois seguimos para o Discovery Cove,

que fica junto ao Sea world. Neste local, eu, Paulinho e

Henrique, aproveitamos para nadar e abraçar os golfinhos,

que eram mais dóceis do que nosso cachorrinho Jerry.

Naquele momento sim, me senti o menino mais feliz de

todo o mundo, junto com aqueles bichos muito

inteligentes.

Só quando sai dali, me lembrei de nosso

cachorrinho e como não teria o visto, perguntei a

Henrique:

— Onde foi parar o Jerry?

— Morreu! Já faz três anos!

— Como? — Me entristeci. — Ele era muito novo!

— Atropelado por um carro!

Dali seguimos para Walt Disney World. Um

enorme complexo que combina quatro parques temáticos

espetaculares (incluindo el Magic Kingdom), dois parques

aquáticos, um complexo desportivo, una zona comercial,

restaurantes, bares, campos de golfe, instalações para

desportes aquáticos, tênis, spas e vinte hotéis temáticos.

Ali chegamos às quatorze horas, onde, embora sem

muita vontade, paramos de nos divertir e fomos almoçar,

em um gigante e belo restaurante à beira de uma

gigantesca piscina. Embora mamãe exigisse, eu, Paulinho e

Henrique, preferimos não almoçar, mas sim nos

deliciarmos com saborosos lanches, tipo Mac Donald.

O pior foi depois do lanche, pois mamãe não nos

deixava divertir, alegando ter que esperar pelo menos uma

O retorno do menino do espaço

113

hora, para se fazer a tal digestão, evitando ter que nos

transportar dentro de caixões, devido uma cruel congestão

alimentar.

Assim sendo, enquanto aguardávamos os tais sucos

gástricos, formado pelos ácidos nucleicos ou clorídricos em

nossos estômagos, dissolver os pesados lanches; já que

andar ajudaria muito, passamos a visitar os centros

comerciais e só às três e meia da tarde, podemos continuar

nossa diversão; mas era até difícil saber o que fazer, pois o

local é maior do que muitas cidades e cheio de diversões,

principalmente aquáticas, onde eu e meus irmãos,

voltamos a nadar, em piscinas de água aquecida e outras

de água salgada.

Um local tão bonito e divertido, onde qualquer

criança sonharia em morar por lá. Muito mais bonito, do

que o parque construído pelos avançados humanos de

Suster. Eu até esquecera a saudade do Brasil e se pedissem

para passar um mês por lá, creio que toparia sem pensar

duas vezes.

Na saída daquele excelente complexo de

diversões, ainda seguimos para a Universal Orlando, indo

direto para o parque aquático Wet`n Wild, aonde

chegamos, já às vinte e uma horas e embora não quisesse

aceitar, cansados, ficamos apenas para assistir uma

tradicional e magnífica queima de fogos de artifício muito

colorida, que parecia ser realizada dentro do Oceano.

Chegamos de volta ao Hotel, no complexo espacial,

às onze e meia da noite. Agradecemos Judith, que era

excelente amiga e já no apartamento, mamãe disse:

— Corre tomar banho, Regis!

— Não mamãe! — Neguei. — A senhora está mais

cansada do que a gente, então vá primeiro!

— Jura que é isso o que você quer?

Celso Innocente

114

— A gente te ama! — Aleguei.

— É isso aí! — Consentiu Henrique.

Ela riu e não perdeu tempo. Correu ao banho.

©©©

Acordei às nove horas da manhã de domingo.

Estava com a mesma roupa em que cheguei do passeio, na

noite anterior, deitado na cama de casal. Meus dois irmãos,

também estavam de roupas do passeio, deitados em suas

camas e mamãe já havia se levantado.

Levantei-me em silêncio e segui ao banheiro,

encontrando mamãe, na sala de estar.

— Bom dia Regis! — Cumprimentou-me ela. —

Dormiu bem?

— Nem tomei banho!

— Quando saí do banho, os três estavam dormindo

tão bem, que resolvi deixá-los em paz! Afinal, tomaram

muito banho durante o dia!

— Vou tomar banho agora!

— Faça isso! Fará se sentir muito bem!

Realmente foi o que fiz. Tomei um banho bem

demorado, só saindo do banheiro, já com os dentes

escovados e cabelos penteados, meia hora depois. Segui até

o quarto, aonde vesti apenas uma cueca e tornei a me

deitar.

Mamãe acordou meus dois irmãos, pedindo que

fossem tomar banho, para que fossemos tomar café, o qual,

como na maioria dos hotéis, era limitado somente até as

dez horas.

©©©

Devido todos nossos atrasos, resultado do cansaço

do dia anterior, só conseguimos chegar a nosso passeio,

quase meio dia, onde começamos pela Main Street, que é a

rua principal e entrada do parque, passando pelo castelo

O retorno do menino do espaço

115

de Cinderela. Quando chegamos, estava acontecendo um

belíssimo desfile, com a presença de todos os personagens

Disney. Todos mesmo. Desde Mickey e sua turma, até

Cinderela, Capitão Gancho, Peter Pan, Pato Donald, João

Bafo de Onça, Huguinho, Zezinho e Luisinho… e Todos os

outros.

Eu esperava estar no passeio, apenas como mero

menino espectador, mas, de repente, alguém do parque,

me convidou para seguir à frente do desfile, junto com

Mickey e Minie, que eram os anfitriões. Vestiram-me em

uma roupa especial, semelhante à astronauta da NASA e

me deixaram à vontade, naquela diversão especial. Embora

me sentisse um menino normal... Não era tanto! Estava

ficando cada dia mais famoso, devido às especulações da

mídia, do mundo inteiro.

Às duas horas da tarde, estava na Frontierland, que

era a Terra da Fronteira, dos índios e cowboys e onde se

encontra a famosa “Big Thunder Mountain Railroad”, a

montanha-russa, em forma de trenzinho, que passa por

uma mina do velho Oeste e Splash Mountain, onde você

cai de uma montanha direto na água. É lógico que mamãe

não queria ir, por medo de cair na água, mas acabou não

resistindo; afinal, devido a esse medo da água, já perdera

diversos passeios. Mas o medo foi só no início, depois que

estava molhada, acho que se divertiu tanto quanto nós,

crianças.

Dali seguimos para Fantasyland (terra da fantasia)

onde se encontram: “Peter Pan´s Flight” (o voo de Peter

Pan); onde você tem a sensação de voar sobre a Terra do

Nunca; um local magnífico, que parece ter parado no

tempo; onde toda criança se sente assim como eu, um

menino que parou de ficar adulto. O Carrossel da

Cinderela, as Aventuras da Branca de Neve, as xícaras

Celso Innocente

116

gigantes do País das Maravilhas e o espetacular Mickey´s

Philharmagic Orchestra (um filme em terceira dimensão

“3D”, tecnologia de vídeo avançada, absolutamente

fantástica, a qual não existe no Brasil e nem mesmo no

planeta Suster), onde você parece fazer parte do filme.

Devido termos chegado muito tarde ao parque,

acabou o tempo e quando saímos da Terra da Fantasia, já

era noite e nós ainda não tínhamos almoçado, então,

mamãe e Judith, apesar de todos nossos protestos,

decidiram retornar para o hotel. Por fim, conseguimos em

comum acordo, parar numa fantástica lanchonete, antes do

retorno.

Acabamos por chegar ao hotel, só às onze e meia da

noite e combinamos de sairmos bem cedo, na manhã

seguinte, de volta ao parque.

©©©

Às seis e meia da manhã de segunda-feira, acordei

na mesma cama com mamãe e pulei imediatamente. Puxei

o lençol de Paulinho e Henrique:

— Acorde gente! Já está tarde!

Os dois se espreguiçaram, mas não relutaram. Acho

que, apesar do cansaço, estavam tão animados quanto eu.

Voltei até mamãe e chamei:

— Acorde mamãe, senão vamos nos atrasar!

Ela virou de lado, observou o horário no

sintonizador de canais da televisão e reclamou:

— É muito cedo Regis! Volte pra cama!

— Não é cedo mamãe! — Neguei. — Combinamos

com Judith, às oito horas.

— Está bem! Vá pro banho, que vou levantar!

Entrei no banheiro e embora Paulinho estivesse

escovando os dentes, tirei a roupa e tomei um banho tão

rápido, que até ele criticou:

O retorno do menino do espaço

117

— Isso foi banho, Regis?

— Não podemos perder tempo! — Neguei, me

enrolando na toalha e já preparando o creme dental.

©©©

Às nove horas daquela manhã, já estávamos na

Tomorrowland (Terra do Amanhã), onde o tema é o futuro

e onde se encontra a Tomorrowland Árcade, um centro de

diversões de alta tecnologia, tal que daria inveja às mais

avançadas tecnologias do senhor Frene; a “Space

Mountain”, uma montanha-russa toda no escuro, onde

mamãe relutou para entrar conosco, mas acabou por ir e

não se arrependeu e o Tomorrowland Indy Speedway. Ali

eu percebi que realmente não tinha dezessete anos; que

realmente havia parado no meu tempo e estava com

apenas nove anos de idade! Ou será que meus irmãos e até

mamãe (incluindo Judith), se sentiam também, com apenas

nove anos de idade?

Chegamos a Adventure Land (Terra da Aventura),

ao meio dia e meia. Local que tem como atrações a Jungle

Cruise, um passeio vestido a caráter, por uma selva

tropical, visitando os Pirates of the Caribbean (Piratas do

Caribe), em uma viagem demorada, onde termina numa

batalha entre piratas. É lógico que mamãe estava

apavorada, pois a batalha parecia tão real, que realmente

nos assustava, principalmente porque, talvez já sabendo de

nossa visita, eu fôra sequestrado pelo capitão Barbossa.

Devido o trauma de me perder sempre para o senhor

Frene, mamãe se desesperou ainda mais, só que como era

fictício e o pirata Jack Sparrow, percebendo o medo real de

mamãe, tratou de me salvar imediatamente das mãos do

capitão, me entregando e dando um beijo real, no rosto de

mamãe.

Celso Innocente

118

Duas e meia da tarde, ainda sem almoço, chegamos

a Liberty Square (Praça da Liberdade), que tem como prin-

cipais atrações à famosa “Haunted Mansion”, ou mansão

assombrada, com seus mil fantasmas, alguns assustadores,

outros atrapalhados e até alguns bonzinhos.

Nesta mansão, com tantos fantasmas, tinha certeza

que encontraria meu fantasminha predileto,

“Gasparzinho” e toda sua turma; mas tal foi minha

surpresa, pois não havia sinal de nenhum deles.

Embora inesquecível o passeio ao castelo, o mais

divertido foi também o Riverboat, onde pegamos o barco

Liberty Belle e fomos dar uma volta demorada pelos rios

do parque.

Enquanto mamãe seguia em uma parte do barco

com Paulinho, eu seguia com Henrique. Então lhe

perguntei:

— Por que no meio de tantos fantasmas, a gente

não viu o Gasparzinho?

— Ele não é personagem Disney7! Por isso ele não

tava lá! Queria ser ele?

— Se eu fosse um desenho, queria ser o Riquinho8?

— Por quê? Gosta dele?

— Ele é bonito!

— Se você fosse um desenho, seria o Reginaldo9. —

Insinuou com sarcasmo meu irmão, dando ênfase no

nome. — Ou então a Branca de Neve!

— Eu não, oh! Sou homem! — Exclamei convicto.

— Poderia me casar com ela! Ser seu eterno príncipe

encantado! O senhor Luciano já me chama mesmo de

príncipe!

7 Gasparzinho é personagem Harvey Comics. 8 Personagem em desenho de Hanna Barbera. 9 Amigo não muito confiável de Riquinho.

O retorno do menino do espaço

119

— Chama mesmo? — Riu ainda com sarcasmo,

Henrique.

— Ou pelo menos chamava! Há alguns anos!

Príncipe francesinho.

— Por que francesinho? Não gosta de tomar banho?

— Eu hem! Tomo banho duas vezes por dia!

— Teve gente que foi dormir sem tomar banho

anteontem!

— Verdade! Eu, você e Paulinho! Mas eu pelo

menos tinha tomado banho de manhã!

Uma grande pena, foi na pressa em sair de Suster,

ter deixado por lá, minha câmera de vídeo e meu relógio

de pulso. Se estivessem comigo, poderia ter registrado

muita coisa bonita. Sabia, que devido nossas condições

financeiras, outro passeio destes, talvez não se realizasse

nunca mais. Cheguei a acreditar, ter valido o sacrifício de

ter ido ao planeta do senhor Frene, em troca deste passeio

e que, como já citei: o parque do senhor Frene, não chegava

nem aos pés dos parques da Disney. E olha que estávamos

no parque de Orlando, sabendo que existem outros,

inclusive na Califórnia.

Às cinco horas da tarde, chegamos a Mickey´s Toon

Town Fair: (Cidade do Mickey), que é onde fica a casa do

Mickey, da Minie, o barco do Donald e a fazenda do

Pateta. É ali que se reúnem todos os personagens da

Disney e onde um fotógrafo do próprio parque,

gentilmente nos acompanhou, realizando outro de nossos

sonhos de crianças: a oportunidade de sermos fotografados

com cada um de todos os personagens.

E este foi também, o último de nossos passeios aos

parques da Disney. Às oito horas da noite, acenamos

dizendo adeus e mesmo relutando, retornamos com

Celso Innocente

120

dorzinha no peito, para a última noite, no hotel do centro

espacial Kennedy.

©©©

Enquanto tomava café da manhã de terça-feira, às

seis horas, no restaurante do hotel, recebemos a visita do

senhor Charles.

— Bom dia brasileiros! — Cumprimentou-nos ele.

— Como foi o passeio nestes últimos dias?

— Excelente! — Respondeu Paulinho. — A gente

não pode ficar mais?

— Querem ficar mais? — Admirou-se ele — Você

também quer, Regis?

— Quem não quer? — Insinuei.

— Você! Tava doido pra ir embora!

— Não sabia que seria tão divertido!

— Posso ver com Mark! — O alegou. — Se

quiserem ficar mais uns dois dias!

— Não! — Negou mamãe. — A gente agradece!

Gostamos muito! Mas creio que está na hora de

retornarmos ao Brasil!

— Quem sabe o Regis se aventure em outra missão

espacial e então volte aqui! — Brincou Charles.

— Pelo amor de Deus! — Pediu mamãe aflita. —

Nem brinque com isto!

— Brincadeira!

— Devo devolver-lhe algum dinheiro! — Alegou

mamãe.

— Está tudo certo! Espero que tenham realmente

gostado daqui!

©©©

Enquanto terminava de arrumar as malas, no

apartamento do hotel, alguém bateu na porta e mamãe

correu a atender. Era a doutora Wendell, que nos

O retorno do menino do espaço

121

cumprimentou em Inglês e entrou. Como ninguém

entendia nada do que ela dizia, se dirigiu à mim, que

conseguia decifrar suas palavras, devido ao aparelhinho

em meu pescoço.

— Missão cumprida? — Perguntou-me ela.

— Gostei muito deste passeio! — Aleguei. — Acho

que tudo valeu a pena!

— Que bom! — Riu ela. — A gente fica muito feliz

por você!

— Descobriu algo sobre minha saúde?

— Nada de novo! — Negou ela. — Creio que terá

que se acostumar com sua infância prolongada!

— Já estou me acostumando!

— E a namorada?

— Creio que irei perdê-la pra outro! — Respondi

triste.

— Gosto muito de você, garoto! — Abraçou-me ela.

— Estarei torcendo por você!

— A senhora foi muito boa comigo! — Aleguei. —

Obrigado!

Deu-me um beijo no rosto, depois deu a mão à

mamãe e meus dois irmãos, beijando-os também na face e

sorrindo se retirou.

Acabamos de pegar nossas bagagens, inclusive a

miniatura da nave Challenger, que ganhei de Charles e nos

retiramos do hotel.

Na recepção, encontramos com doutor Marcelo e

sem precisar acertar nenhuma conta, nos dirigimos ao hall

de entrada, onde Judith já nos esperava para o translado

até o aeroporto, em um carro grande, tipo Blazer.

Às oito horas, já na sala de espera, do aeroporto

internacional de Orlando, encontramos o fotógrafo do

parque de Disney, que após nos cumprimentar, me disse:

Celso Innocente

122

— Mickey me pediu que lhe trouxesse um presente!

E me entregou uma caixa de uns quarenta centíme-

tros de cumprimento, por uns trinta de largura e dez de

altura. Abri-a imediatamente: era um álbum de fotografias,

com mais de trinta diferentes fotos muito belas, as quais

tiramos no dia anterior, na terra de Mickey.

— Muito obrigado de verdade! — Agradeci-o feliz

da vida, dando-lhe um abraço surpresa, que até ele não

esperava. — É o melhor presente de toda minha vida!

— Nós é que ficamos felizes de verdade, com sua

honrada visita a nossos parques! — O Alegou. —

Esperamos que retorne algum dia!

— Como eu gostaria! — Insinuei.

— Então venha! Procure-nos e teremos o enorme

prazer, em lhe conceder todas as visitas, sem nenhum

ônus!

— Podes crer que eu virei! — Exclamei rindo.

O agradecimento à simpática Judith, que tanto nos

ajudou nos Estados Unidos, foi também um tanto emocio-

nante, principalmente para mamãe, que estaria perdida

sem ela. Tadinha de mamãe: não sabia sequer, pedir um

cafezinho, naquele país de língua tão diferente.

Quase nove horas, após o demorado trabalho de

vistoria de passaportes, bagagens e outras tantas

burocracias, estávamos todos acomodados, a bordo de

uma aeronave do Delta Air Lines, todos na mesma fila de

poltronas, sendo, eu na janelinha do lado direito da nave; a

meu lado, no meio, Henrique e no corredor a mamãe. Na

mesma fila, do lado esquerdo, na janela Paulinho e no

meio o doutor Marcelo. A outra poltrona ficara

desocupada.

A aeronave decolou às nove horas e cinco minutos,

com destino ao aeroporto de Cumbica, em São Paulo, com

O retorno do menino do espaço

123

escalas em Nova Yorque e Rio de Janeiro. Pelo menos, não

teríamos que trocar de avião em nenhum ponto.

Se a viagem fosse sem escalas, deveríamos estar em

Cumbica, antes das vinte e uma horas, mas devido às duas

longas paradas, só chegamos às vinte e duas horas e trinta

minutos.

Como tivemos muita sorte no desembarque, até

rápido, antes das vinte e três horas, já estávamos dentro de

um táxi, correndo apressado, em destino ao terminal

rodoviário da Barra Funda, onde, graças ao horário de

pouco movimento e avenidas de trânsito rápido,

conseguimos chegar, pouco antes das vinte e três horas e

trinta minutos; tempo muito corrido, mas suficiente para

embarcarmos no ônibus leito, das Empresas Reunidas

Paulista, que sairia em apenas dez minutos, com destino

sem escalas, à Penápolis.

Mal, muito mal mesmo, tivemos tempo de

agradecer e nos despedirmos do doutor Marcelo, que

logicamente não viajaria conosco, pois residia em São

Paulo e estava mesmo, era com vontade de chegar à sua

casa.

Embora a viagem de avião seja confortável, eu não

conseguira dormir e então, cansado e devido o conforto de

viajar deitado em ônibus de primeira categoria, não vi nem

mesmo a saída de São Paulo. Acho que mesmo antes de

chegar ao Cebolão, já estava dormindo, na poltrona dupla

com mamãe e só acordei, sendo chamado por ela,

chegando à estação rodoviária de Penápolis, pouco depois

das seis horas da manhã.

Como nossa casa não era tão distante da rodoviária

(oitocentos metros) seguimos a pé, cada um de nós,

carregando um pouco da bagagem, que também não era

tanta assim. Não compramos praticamente nada na

Celso Innocente

124

América, pois nem mesmo dinheiro, havíamos levado, nos

sacrificando apenas com os mil dólares, que recebemos de

ajuda de custos. Parecia pouco, mas graças ao prestígio em

ser um menininho famoso, muitas das nossas atividades

por lá, não tivera ônus, fazendo o pouco se tornar muito.

O retorno do menino do espaço

125

Retorno ao lar

hegando a nossa saudosa casa, papai e os

demais, já estavam acordados nos esperando.

Eles sabiam que deveríamos chegar neste horário,

portanto, fomos recebidos com verdadeira festa de abraços

e perguntas. Nossa família, apesar de pobre, era e

principalmente depois de tal drama vivido, ainda é muito

unida.

Fomos todos juntos, tomar café, preparado por

minha irmã Letícia e papai. Um verdadeiro banquete, em

nossa homenagem.

Percebi no jeitão de papai ouvir nossas façanhas,

um pouco de ciúmes, em não ter aproveitado, o passeio

que fizera comigo há sete anos, onde visitou muitos

lugares em Orlando, mas não estivera em nenhum dos

parques Disney. Na época, como eu não pude ir, ele

achava que aquilo era apenas para crianças.

Pouco depois, mesmo sem terminar os assuntos,

Letícia seguira para a escola, papai, com meus irmãos Luis

e Leandro seguiram para o trabalho. Henrique e Paulinho,

embora cansados, resolveram também ir para a escola,

pois, alem de já terem perdidos seis dias de aulas, estavam

ansiosos para contar suas aventuras na terra de tio Sam,

C

Celso Innocente

126

aos amigos. Com isto, como sempre, em casa só ficamos eu

e mamãe.

— Vá dormir um pouco Regis! — Pediu ela.

— Pra que? — Insinuei admirado. — Já dormi a

noite toda!

— No ônibus a gente não dorme direito!

— Com certeza eu dormi muito! Vou ajudá-la um

pouco!

— Não precisa! A turma deixou a casa em ordem!

Só vou fazer um almoço pra nós... mais tarde! Agora até eu

vou deitar um pouco!

— Vá sim mamãe! Eu fico de plantão!

Sorte que durante muito tempo, não apareceu

ninguém em nossa casa. Mamãe realmente estava cansada

e acabou adormecendo logo. Eu fiquei na sala, brincando,

principalmente com a miniatura da Challenger.

Eram quase nove horas, quando alguém bateu

palmas no portão e eu corri a atender. Tive uma agradável

surpresa: era Elizabeth.

— Oi Beth! Você não foi à escola?

— Faltei, pois estava ansiosa pra ver você!

Abri o portão e a abracei com carinho. Ela deu-me

um beijo na face e perguntou:

— Chegaram agora de manhã?

— Às seis horas! Você sabia?

— Sua irmã me falou ontem, que se vocês não per-

dessem o ônibus, chegariam nesse horário!

— Realmente foi muito corrido! Chegamos à rodo-

viária, apenas dez minutos antes do ônibus sair! Entre!

— Só está você aqui?

— Eu e mamãe! Mas ela está descansando!

— Paulinho e Carlos foram pra escola?

O retorno do menino do espaço

127

— Preferiram ir, pois já perderam muitos dias de

aulas!

Sentamos juntos no sofá da sala.

— Como foi seu passeio na NASA?

— Não passeei muito na NASA! Mas em compensa-

ção, o que divertimos na Disney, você nem acredita!

— É bom lá?

— É o melhor lugar do mundo! Eu ficaria por lá

mais uma semana!Ou até um mês!

— Nem se lembrou de mim?

— Não esquecia você nem um pouco! Pena que não

pode ir com a gente.

— Da próxima vez, darei um jeitinho de ir! Nem

que for dentro das malas!

— O duro, é o peso pra gente levar! — Brinquei.

— Que isso Regis? Ta me chamando de gorda?

— Acha! — Assustei-me. — Você é grande, pra que

eu a carregue!

— E quando nos casarmos? Não vai me levar no

colo pro quarto, na lua de mel?

Entristeci-me um pouco.

— As notícias não são muito boas pra nós! — Justi-

fiquei.

— Por que não?

— A doutora Wendell, acha que não terei barba tão

logo!

— A gente se casa sem barba mesmo! — Brincou

ela.

— Não é só a barba!

— Seja o que for Regis! Mesmo que você seja

criança, gosto é de você!

— Daqui uns dois ou três anos, você será maior de

idade e se continuarmos namorando, não dará certo!

Celso Innocente

128

— Por que não?

— Você será realmente acusada de pedofilia!

— Oficialmente nós temos a mesma idade!

— Mas você vai querer um homem adulto! Nem

filho a gente poderá ter!

Colocou o dedo indicador direito em minha boca,

dizendo:

— Só quero você! Vamos mudar de assunto, pois

este papo está lhe deixando triste!

— É que eu tenho medo de perder você!

— Não vai me perder! Pensa que eu não tenho

medo de perder você também?

— Como assim?

— Se você realmente continuar jovem por muitos

anos, eu irei me envelhecer e aí sim, você vai acabar não

me querendo mais!

— Isso jamais Beth! Sempre amarei você!

— Está bem! — Deu-me um leve beijo nos lábios,

fazendo meu coraçãozinho gelar de felicidade. — Conte

mais de suas aventuras na Disney!

— Espere aqui! — Disse-lhe, me levantando. — Vou

lhe mostrar algo!

Saí correndo até meu quarto, apanhei o álbum de

fotos e voltei, sentando-me a seu lado, coloquei o álbum

em seu colo e disse:

— Veja que maravilha!

Ela começou a folhear aquele álbum. Na primeira

página, eu disse:

— Veja! Sou eu e Mickey!

— Que lindo!

— Me lembrei de você quando estava com ele!

Virou a página e eu lhe narrei, apontando o dedo

nas fotos:

O retorno do menino do espaço

129

— Aqui é Paulinho e Clarabela! Esse outro é Henri-

que e Minie.

Na próxima página:

— Veja! Eu e Peter Pan! Esta é Judith, mamãe e

Margarida.

Até parece que precisava ficar comentando, sendo

que as fotos mostravam quem era e com exceção de Judith,

Beth conhecia todos os demais.

Próxima página:

— Eu, Henrique, Paulinho e Pateta. Ele tem uma

fazenda! Acredita?

— Nessa outra sou eu e Tio Patinhas! Acredita! Ele

me deu a moedinha número um! Espere! Vou buscá-la!

Saí novamente correndo a meu quarto e trouxe em

seguida, uma moedinha dourada, de um centavo de dólar,

com a cara do tio Patinhas no verso. Entreguei a Beth,

dizendo:

— Veja! Agora vou ser o menino mais sortudo do

mundo!

— Você é o menino mais sortudo do mundo, Regis!

— Riu ela.

— Veja: Minie, eu, Paulinho e Mickey!

Mamãe, que acabara de se levantar, apareceu na

porta da sala e cumprimentou Beth:

— Oi Beth! É você quem está com o meu

tagarelinha?

— Oi! — Disse ela.

— Desculpe mamãe! A gente acordou você?

— Você me acordou, Regis! — Insinuou ela.

— Sinto muito!... Acho que me esqueci!

— Não se preocupe! — Consolou-me ela. — Até

que foi bom! Eu precisava mesmo levantar. Se não o

pessoal chega pro almoço e as panelas estarão frias.

Celso Innocente

130

— A gente ajuda a senhora! — Se ofereceu Beth. —

Eu e Regis!

— Não é preciso! Obrigado! — Agradeceu ela. —

Continuem vendo as fotos! E agora já podem falar alto!

Eu já vinha falando muito alto.

Continuei comentando cada foto, conforme Beth

folheava o álbum.

— Paulinho com Pato Donald; Henrique com um

dos três patinhos, Huguinho, Zezinho ou Luisinho, sei lá

qual!

— Este é Huguinho! — Riu ela.

— Como sabe? — Duvidei.

— Huguinho é o líder dos três e usa boné

vermelho! Zezinho é o mais esperto e usa boné azul!

Luisinho é o mais criativo e usa boné verde!

— Por que você sabe isso?

— Adoro ler suas histórias em quadrinhos!

Não acreditei muito nela, mas devia estar falando a

verdade, então continuei narrando:

Eu e Paulinho com Branca de Neve... mamãe e

Maga Patológica... eu com capitão Gancho... todos nós com

Pluto... Paulinho com João Bafo de Onça... eu com os

irmãos metralhas... Paulinho com Gastão... eu com o

Professor Pardal... Henrique com Chiquinho e

Francisquinho... — Me virei a ela, perguntando — Sabe

quem é o Chiquinho e o Francisquinho?

Ela forçou os lábios e acenou que não.

Continuei:

— Eu e meus irmãos com Zé Carioca. Sabia que o

Zé carioca é brasileiro? Ele é do Rio de Janeiro! Claro! Ele é

carioca!... Aqui eu e meus irmãos com vovó Donalda... eu e

Mogli... todos nós na entrada do parque... eu e Paulinho na

piscina com tobogã gigante e acabou.

O retorno do menino do espaço

131

Ela estava rindo, então perguntei sério:

— Do que você está rindo?

— De seu comentário! Até parece que eu já não os

conhecia!

— Verdade! — Me acanhei. — É que sou bobão!

— Bobão nada! — Exclamou ela. — Estou até com

inveja!

Continuei contando as novidades por bastante

tempo. Quando Beth quis ir embora, eu e mamãe não

permitimos, fazendo com que ela ficasse para almoçar

conosco e continuei contando tudo o que se passara na

América, enquanto juntos, ajudávamos mamãe na cozinha.

Assim que lhe mostrei a miniatura da Challenger,

Beth me perguntou:

— Seus irmãos não ficaram com ciúmes de seus

presentes?

— Não! Eles também ganharam a moedinha

número um do tio Patinhas! E as fotos são de nós todos!

Calei-me por um instante, depois conclui:

— Eu é que fiquei com inveja deles! Eles passearam

mais do que eu!

— Como assim?

— Enquanto eu estava levando agulhada no braço e

um monte de trecos grudado em mim, eles estavam se

divertindo!

©©©

Ao ir para a cama naquela noite, papai foi rigoroso:

— A partir de hoje, você vai dormir em sua cama!

— Ordenou-me ele.

— Não quero! — Neguei com manha.

— Você já é grande! Não justifica querer dormir

com a gente!

Como permaneci calado, ele prosseguiu:

Celso Innocente

132

— Você tem ciúmes de mim e sua mãe juntos?

Acenei que não!

— Pois é! — Insinuou ele. — Eu estou com ciúmes

de você e da mamãe!

— Nããão! Eu sou só o filho da mamãe! Não vou

namorar ela!

— Quanto tempo faz que não durmo com ela?

Eu não era ignorante. Era até experto demais e

sabia do que ele falava.

— Tudo bem papai! — Concordei. — Você dorme

com a mamãe.

Deitei-me em minha cama.

Duas horas depois, ainda estava rolando em minha

caminha e não conseguia dormir.

Levantei-me e segui de mansinho para o quarto

deles, enfiando-me no meio dos dois e permanecendo

quietinho.

Mais uma hora se passou e acordei com papai

sentando-se ao lado da cama e reclamando, de certa forma

nervoso:

— Ah não!

Ascendeu a luz e continuou:

— O que há com você Regis? Tem medo do que?

Nada respondi, permanecendo encolhido, igual

cachorrinho novo quando está dormindo.

— Vou ter que levar você em um psicólogo! Mesmo

que sua idade fosse nove anos, já seria grande demais, pra

dormir debaixo da saia da mãe!

Levantou-se, apagou a luz e seguiu para meu

quarto. Eu, apesar de ter ficado com o coração assustado e

com certo remorso, em tomar-lhe seu lugar de rei da casa,

me virei na cama e continuei dormindo.

©©©

O retorno do menino do espaço

133

Na tarde de quinta-feira, papai e eu fomos à escola

Marcos Trench, onde, na diretoria encontramos dona

Margareth, diretora desde quando eu estudava lá. Não sei

como, mas ela me reconheceu de longe:

— Olá Regis! — Disse ela. — Fugiu mesmo da

escola!

— Ele pretende voltar no ano que vem! — Alegou

papai.

— Claro que sim! — Me abraçou ela. — Sua vaga

está sempre reservada! E espero que não fuja mais!

— Não fugirei nunca mais! — Me comprometi.

— Interessante como você continua sempre igual!

— Só que Regis, deseja se matricular na sétima

série! — Pediu papai.

— Não há como! — Negou a diretora. — Que série

ele estava quando foi embora?

— Eu estava na terceira série, mas estudei muito,

mesmo estando fora! Apesar de perder alguns anos,

consegui concluir a terceira, quarta, quinta e sexta série.

Este ano estava fazendo a sétima!

— Lá onde você se encontrava? — Perguntou-me

ela.

— Sim! Tive ótimos professores! Alguns

particulares!

— O estudo lá não tem valor aqui pra nós!

— Por que não?

— Com certeza o currículo escolar de lá não bate

com o nosso! — Insinuou ela.

— É o mesmo!

— História do Brasil, por exemplo! — Disse ela.

— Estudei!

— Como assim? — Admirou-se ela.

Celso Innocente

134

— O senhor Frene concordou que eu não ficasse

analfabeto e me incentivou.

— Mas eles estão a par de nosso mundo assim, em

tudo?

— Tive professores da Terra! Estudava por

telepatia!

— Como assim?

— Dona Regina me deu aulas na terceira série!

— Antes de você se ir! Eu sei!

— Quando eu estava distante! Ela sabe disso! Dona

Elza, me deu aulas na quarta série! Ela também sabe disso!

— Não é possível! — Não a acreditou. — Espere

um momento.

Retirou-se. Eu e papai sentamos e aguardamos por

uns dois minutos, até que ela retornasse acompanhada por

dona Regina e dona Elza.

— Não acredito que é meu aluno predileto! —

Exclamou dona Regina. — Menino fujão!

— Não se esqueceu de mim?

— Como poderia? — Disse ela.

— E eu nunca vi você! — Negou dona Elza. — Mas

te conheço muito!

Ambas me abraçaram.

É eu realmente era muito querido.

— Regis me contou uma história! — Insinuou a

diretora. — Quero saber o que é verdade! Vocês duas

deram aulas pra ele, mesmo ele não estando presente?

— Era mesmo verdade Regis? — Perguntou-me

dona Regina. — Todo tempo era você?

— Eu não podia continuar analfabeto! O senhor

Frene arranjou um jeitinho, de eu frequentar suas aulas!

— Acabei me acostumando! — Disse dona Regina.

— Mas no começo achava que estava sonhando. Devido o

O retorno do menino do espaço

135

que aconteceu à Regis, ele acabou se tornando especial pra

mim!

— Eu também não conseguia entender! — Insinuou

dona Elza. — Não conhecia Regis! Foi Regina quem me

apresentou! Nunca, com exceção de hoje, o havia visto! Só

o conheci por voz e achava loucura! Durante as chamadas,

tinha que ter cuidado pra não falar com ele e os demais

alunos notarem e pensarem que eu estava ficando louca!

— Vocês falavam com Regis? — Duvidou a

diretora. — Como era possível? Ele estava muito distante!

— Acho que por isso, ele se tornou um aluno

especial! — Insinuou dona Elza. — Estou feliz em lhe

conhecer de verdade!

— Obrigada dona Elza! Nunca esquecerei suas

aulas! Nunca esquecerei o que a senhora e dona Regina

fizeram por mim! O carinho que tinham por mim!

— Tinham não! — Negou dona Regina. — Temos!

— Nunca consegui esquecê-lo, menino! — Insinuou

dona Elza.

— Pra falar a verdade, depois que você deixou de

frequentar minhas aulas, fiquei até com ciúmes! —

Insinuou dona Regina com sinceridade.

— Acho que sou um menino especial! — Brinquei.

— Sou muito feliz pelo carinho que me dão!

— Podem voltar à suas salas! — Pediu dona

Margareth. — As crianças estão sozinhas!

As duas me abraçaram, despediram-se de papai e

retornaram às suas classes.

— Regis! Não sei realmente o que fazer! — Se

perdeu a diretora. — Imaginava você retornando pra

terceira série! Vou ter que conversar com a delegacia

regional de ensino e explicar seu caso. Veremos o que eles

falam!

Celso Innocente

136

— Tudo bem! — Concordou papai. — Voltaremos

outro dia?

— É melhor! Voltem segunda-feira, que verei o que

deveremos fazer.

©©©

Ao chegarmos em casa, de bicicleta, naquela mesma

tarde, avistamos ao longe, um carro de uma emissora de

televisão.

— Você tem visita, Regis! — Afirmou papai.

Nada falei. Ele teve uma idéia:

— Quer ir à casa da Beth? Eu falo que você vai

passar a noite fora.

— Não papai! — Neguei. — Ele voltaria amanhã!

Acabamos de chegar e um pouco ofegante e suado,

devido às pedaladas, entramos na sala, onde encontramos

sentado no sofá, André, um famoso apresentador de

televisão, em um programa domingueiro, acompanhado

de outros técnicos.

— Aqui está nosso jovem astronauta! — Comentou

André, se levantando e me abraçando. — Me conhece?

— Um pouco! — Afirmei com sinceridade. — Dá

pra saber que o senhor é muito famoso!

— Primeiro, eu não sou senhor! — Negou ele. —

Depois: sei por que você não me conhece!

— Praticamente Regis não passou nenhum

domingo aqui em casa. — Alegou papai. — Nem poderia

ter assistido a um programa seu!

— Verdade! — Concordou André. — E este outro

garoto aqui? — Chamou Paulinho. — Me conhece?

— Muito! — Confirmou meu irmão. — A televisão

aqui, aos domingos, só fica ligada em seu programa.

O retorno do menino do espaço

137

— Muito bem Regis! — Alegou André. — A minha

proposta é a seguinte: Quero você em meu programa de

domingo! Posso contar com você?

Olhei para papai, depois mamãe e meio com

desânimo disse, franzindo os lábios:

— Estou cansado, papai!

— Você não vai se cansar! — Negou André. —

Prometo levá-lo e trazê-lo, de avião.

— Chegamos de viagem ontem! — Insinuei.

— Pois bem! — Concordou André. — Por isto que

eu vim pessoalmente! Analisando esse fato, imaginei em

fazer a reportagem aqui mesmo!

— Não preciso ir à São Paulo?

— Você escolhe! Aqui, ou lá!

— Prefiro ficar aqui!

— Em São Paulo, você ficaria em hotel de primeira

classe!

— Prefiro ficar no hotel primeira classe de minha

mãe!

— Êta menininho decidido! Não? — Afirmou ele.

— Parabéns por essa frase!

— Regis é muito amoroso! — Afirmou mamãe. —

Os outros também são!

— Mas Já viu falar no Othon Palace?10

— Não! — Neguei, dando de ombros.

— Faremos a reportagem aqui! Você concorda em

nos conceder uma entrevista?

— Papai é meu empresário! — Caçoei.

— A única coisa André. — Observou papai. — É

que alguns jornalistas são muito carinhosos com Regis, aí

apresentam no jornal, piadas e comentários de mau gosto.

10 O hotel mais caro e famoso da capital paulista.

Celso Innocente

138

— Compreendo! Fazem sarcasmo e metáforas com

o que não podem acreditar. Eu tenho assistido os

telejornais!

— Com isto, meu menino fica com cara de idiota!

— Não fico não papai! — Neguei prontamente. —

Não estou nem aí se acreditam em mim ou não!

— Por isso eu gostaria que fossem ao programa! —

Aconselhou André. — Lá faremos uma reportagem ao

vivo, sem podermos fazer cortes nem montagens! Mas

mesmo aqui, tenho meu nome pra zelar e não trairei um

menino simpático como Regis!

E assim aconteceu mais uma longa entrevista, a um

famoso programa de auditório. Primeiro tomei um banho,

pois embora não envelhecesse, transpirava como qualquer

garoto e o suor, principalmente após um longo percurso

pedalando, apesar da televisão não mostrar, não cheirava

muito bem.

À noite, ao deitar-me na cama de meus pais, ele

voltou a reclamar:

— Regis, você acha certo dormir junto com a

mamãe e eu dormir sozinho?

Balancei os ombros timidamente, sem nada dizer.

— Que marido e mulher somos nós? — Insistiu ele.

— Está bem papai! — Concordei. — Vou dormir em

minha cama!

Durante várias horas fiquei em minha caminha,

tentando dormir, sem, contudo pregar os olhos. Levantei-

me, apanhei a manta fina e segui ao quarto de meus pais,

forrei o chão ao lado de mamãe e deitei-me ali.

O retorno do menino do espaço

139

Na televisão

a tarde de domingo, reunidos na sala de casa,

aguardávamos a apresentação daquela

reportagem, que com certeza, seria a última do programa.

Durante as chamadas comerciais, André sempre

comentava, mostrando uma bonita foto minha, junto com a

miniatura da Challenger:

— Ainda hoje: Este menino diz, “Fiz uma longa

viagem, em um disco voador”.

E após muita espera, André informou:

— Traremos agora uma completa reportagem com

o garoto Regis. A idéia era trazê-lo ao palco, mas como ele

chegou dos Estados Unidos esta semana e estava um

pouco cansado, resolvemos fazer a reportagem em sua

casa. Vejamos:

Ainda André, em imagem gravada em frente minha

casa, dizia:

Estamos em Penápolis, a quinhentos quilômetros

da capital paulista, na casa de Regis Fernando de Araujo,

um menino simples, de nove anos de idade — Fez pequena

pausa. — Ou seria dezessete! Regis nos traz uma história

N

Celso Innocente

140

incrível, que até parece ter sido tirada do mundo do faz de

conta. Ele... alega ter viajado durante muito tempo, em um

enorme disco voador.

Em frente minha escola, André continuou:

— Pouco antes do meio dia de vinte e cinco de

Março de mil novecentos e oitenta, Regis saiu pela última

vez, de mais um dia de aula, na terceira série e no retorno

pra casa, foi sequestrado por seres alienígenas, sendo

levado a um distante planeta, por nome Suster.

Agora em frente à fonte jorrando água, na praça

principal, sentados em um banco, André me perguntou:

— Qual foi o objetivo dos alienígenas sequestrarem

você?

— Primeiro, quando se fala em alienígenas, dá-se a

impressão que são monstros de duas cabeças, soltando

babas pela boca e ganindo igual dragão (tudo bem que eu

jamais teria visto um dragão ganindo).

— Com certeza eles não eram assim!

— Muito pelo contrário! São seres humanos,

idênticos a nós. A diferença é que são de um planeta

centenas de anos, avançados em relação a nós terráqueos.

— E o que eles queriam sequestrando um menino

na Terra?

—11 A mais de cinco mil anos, houve uma grande

explosão nuclear, a milhões de quilômetros de distância de

Suster. Os cientistas de lá, estudaram e chegaram à conclu-

são que em pouco tempo, uma nuvem radioativa, atingiria

seu planeta e provavelmente os eliminariam. Então

criaram com extrema urgência, diversas naves espaciais e

em grupos de dez a quinze tripulantes, saíram em busca de

11 Desculpem-me, mas é necessário o relato repetitivo (novamente),

pois se trata de uma reportagem televisiva. Para não se tornar osmose o

leitor pode ignorar este trecho.

O retorno do menino do espaço

141

um planeta que fosse ideal para sobreviverem. A maioria

dessas naves espaciais jamais retornou. Uma das que

voltaram, pertencia ao pai do senhor Frene, que até hoje é

o, digamos, todo poderoso de seu planeta. Quando eles

saíram em viagem, o senhor Frene ainda era criança,

quando voltaram, ele já era adulto e seu pai, então já estava

velho e contou toda sua façanha interplanetária. Ele viajou

durante muitos anos e conseguiu chegar até a Terra,

descobrindo que aqui era um planeta muito semelhante ao

seu. A idéia era, apesar da longa distância, buscar o

máximo de gente possível, se é que a radiação já não

tivesse destruído a todos. Chegando lá, ele descobriu outra

realidade. As crianças haviam se tornados adultos e os

idosos haviam falecidos. O planeta então estava sendo

habitado apenas por adultos. Não nasciam mais crianças e

perceberam que os adultos não estavam envelhecendo.

Com isso, abandonaram a idéia de retornarem à Terra e

assim se passou milhares de anos, sem que nunca mais

viessem aqui.

— Quer dizer que eles estiveram aqui na Terra, a

cinco mil anos atrás?

— Isso mesmo! Antes de Jesus vir ao mundo!

Depois eles passaram muito tempo sem vir.

— E por que eles sequestraram você?

— O pai do senhor Frene, devido à idade avançada,

acabou falecendo, mas ele vive até hoje! Tem mais de cinco

mil anos…

— São imortais?

— Praticamente sim! A radiação que atingiu seu

planeta infiltrou no organismo dos seres vivos e causou

um tipo de imunidade. As células pararam de se dividir e

reproduzir, ao mesmo tempo em que parou de envelhecer.

Ou seja, ninguém mais envelhece naquele planeta! Só que

Celso Innocente

142

devido a este mesmo fato, ninguém mais reproduz! Isto é:

não nasce mais nenê. Hoje Suster é um planeta de três

bilhões e quatrocentos milhões de habitantes adultos

saudáveis, porem não tem nenhuma criança!

— É aí que entra seu sequestro?

— Exatamente! Os habitantes de Suster parecem

que estavam sentindo um tipo de solidão afetiva! Por mais

que eles tinham, sentiam falta de uma… arte de criança…

Então resolveram aperfeiçoar suas naves e sabendo que na

Terra existia vida humana, voltaram pra cá, trazendo um

conjunto de satélites invisíveis e espião…

— Invisíveis, quer dizer: não é visto pelos radares!

— Isso mesmo! Ta lá no espaço, perdido junto aos

nossos! Resolveram que queriam uma criança da Terra!

Então no nosso ano de mil novecentos e setenta e um,

instalaram esses satélites e começaram a acompanhar a

vida na Terra. Um dia qualquer, disse o senhor Frene, que

em comum acordo da nação; mas acredito que não! Na

verdade, assim como o presidente dos Estados Unidos,

decide fazer uma guerra contra, por exemplo, o Vietnam e

diz que foi o povo americano quem quis, acho que foi ele

também quem queria uma criança da Terra e diz que foi o

povo quem decidiu.

— Esse exemplo da guerra, é bem pensado! E então

ele decidiu ter uma criança da Terra?

— Exatamente! Daí escolher Regis foi apenas um

acaso. Não é que sou o mais bonito, nem o mais

inteligente! O fato é que no momento em que resolveram

escolher a criança, eram cinco horas da manhã do dia oito

de Março e bisbi… não consigo dizer isso!

— Bisbilhotando! Observando!

— Isso mesmo! Seu olho eletrônico acabou

descobrindo a casa de mamãe e acabou assistindo a meu

O retorno do menino do espaço

143

nascimento. Eu nasci em casa! Sabia? Mamãe não arranjou

carro a tempo de ir ao hospital. Morávamos no sítio!

— Antigamente, a maioria dos bebês nasciam em

casa! Aí resolveram que você seria o bebê deles?

— Isso mesmo! Passaram a me acompanhar e me

proteger! Eu não sabia de nada, mas era protegido por eles.

Escapei inclusive de ser picado por uma cobra venenosa.

— Mas eles demoraram pra te buscar?

— Isso! Se eles me buscassem sendo nenê, meu

organismo iria criar anticorpos, minhas células não

envelheceriam e eu seria sempre nenê! Mas não era um

nenê que eles queriam! Não pra arcar com a

responsabilidade de ter que preparar mamadeira, ou trocar

fraldas! Queriam um menino maior, pra poder brincar,

conversar, fazer arte, chorar…

— Você estando lá, chorava?

— É o que eu mais fazia! — Brinquei, falando a

verdade. — Chorava todos os dia!

— Por quê? Eles maltratavam você?

— Não! Eles me amavam e ainda amam até hoje! Eu

chorava mesmo era de saudades de casa!

— Por isso eles esperaram você crescer um pouco e

resolveram lhe buscar no ano de oitenta? Você tinha…

— Nove anos! Hoje tenho dezessete! Parece?

— Não! Pra mim você tem nove!

— É isso! Fui pra lá! Meu organismo criou proteção

e então deixei de envelhecer. O pessoal da NASA disse que

vou ser um Peter Pan!

— Mas e agora, você de volta à Terra: Continua não

envelhecendo?

— O pessoal da NASA, fez diversos exames em

meu organismo e não chegou a nenhuma conclusão ainda!

O senhor Frene, no entanto, disse que depois de uns dois

Celso Innocente

144

anos, voltarei a envelhecer naturalmente, mas que nunca

poderei ser papai!

— Nem consegue dar uma namoradinha? —

Gracejou o apresentador.

— Namorar consigo! É lógico! — Ironizei. — O pro-

blema, é que minha namorada, logo acabará se

transformando em minha mãe!

— Como assim?

— Ela segue o ciclo da vida normal e eu fico parado

no tempo! Ela envelhece e eu continuo criança! Tenho uma

namorada… linda! — Dei uma piscadela pra câmera. —

Mas ela já tem, realmente dezessete anos! De idade e de

aparência!

Em montagem, mostrou-me abraçando a Beth, em

câmera lenta.

— Regis, seu pai me disse que alguns jornais fazem

comentários de mau gosto a respeito de sua história. Eu

não faço isso! Pelo contrário: meu trabalho é muito sério e

vi sua certidão de nascimento, vi foto sua, que, aliás, quero

mostrar, de oito anos atrás. — Apareceu bem nítido, minha

certidão de nascimento, com a data de nascimento em

destaque. — Você era igual é hoje. Falei hoje com sua

professora da terceira série, também de oito anos atrás.

Então não tenho como duvidar de sua história. E mais: a

gente percebe que você não é um anão! É apenas uma

criança! E não é que não cresceu! Você realmente não

envelheceu.

Mostrou-me atualmente ao lado de minha foto do

ano oitenta.

— O que os outros jornalistas duvidam: — Conti-

nuou ele. — É que seria impossível se fazer uma viagem a

um planeta distante como Suster, que você disse estar a

oitenta e sete anos luz, em apenas setenta dias. O que seria

O retorno do menino do espaço

145

oitenta e sete anos luz? Seria o tempo a qual, a luz

demoraria em chegar até a esse lugar, em oitenta e sete

anos! Só pra se ter uma idéia, a luz do Sol, demora mais de

oito minutos pra chegar até nós!

— Oito minutos e treze segundos! — Concluí. —

Mas eles disseram, que além da nave deles conseguir se

locomover, muito além da velocidade da luz, devido não

haver atrito, por falta de gravidade no tal vácuo do espaço

sideral, ela também consegue criar um efeito, que se

resume em ampliar o espaço passado e encolher o espaço

futuro, viajando como se fosse numa bolha neutra, fazendo

com que oitenta e sete anos luz, se resultem em... sete,

talvez.

— Este é outro ponto a ponderar! Você é um

menino muito inteligente!

— Impressão sua! Não sou mais inteligente do que

um menino de dezessete anos! Pode parecer que sou mais

inteligente do que um de nove! Afinal, estudei muito, no

lugar de onde venho!

— Ou seja: Apesar de sua carinha bonita, você não

é uma criancinha! Por isso sabe tanto quando um,

digamos: jovenzinho de dezessete anos!

— Obrigado pela “carinha bonita”! — Balancei os

ombros.

— O povo susteriano realmente é imortal?

— Praticamente sim! É claro que se alguém apanhar

uma arma de fogo e der um tiro na cabeça de outro, nem

sua avançada medicina poderá salvar o coitado! Se um

louco, encher a cara e sair dirigindo na contra mão em alta

velocidade e bater de frente em um dos monstruosos

veículos de carga, só se Deus conseguir salvá-lo! Na

verdade, devido a esses fatos, a população susteriana está

diminuindo drasticamente. Eles são imortais, em relação à

Celso Innocente

146

morte por doenças ou velhice. Lá não existe câncer, aids,

lepra, diabetes… infarto do miocárdio...

— Você disse que eles têm uma medicina muito

avançada. Pra que? Se eles não têm doenças!

— Como acabei de comentar, tem alguns acidentes!

Embora, como eles dão muito valor à vida, se cuidam

muito! Lá não existem loucos, a fim de beber e sair

dirigindo na contra mão, como eu citei de exemplo! Lá,

praticamente não existem crimes e nem bandidos!

Praticamente não existe pobreza! Todos têm vida digna e

se ajudam mutuamente! Vivem assim, digamos como em

uma grande e única família!

— Não existem assaltos?

— Não! Tanto é que nas casas não existem muros!

Na grande mansão onde eu morava, por exemplo, não

existem trancas nas portas. Quando eu chegava de frente à

porta de meu quarto, ela se abria automaticamente. E

assim, qualquer um que quisesse entrar em meu quarto, o

procedimento era idêntico.

— Mas assim não existe privacidade!

— Normalmente ninguém faz isso, respeitando a

privacidade dos outros. Eu por exemplo, talvez por ser

criança, não tinha muita privacidade! Embora pudesse

trancar minha porta por dentro! Mas geralmente, a pedido

do senhor Frene, não fazia! A não ser que estivesse bravo!

Às vezes acordava com a presença do senhor Frene, Luecy

ou mesmo Leandra!

— E se a gente quisesse dormir pelado? — Brincou

o apresentador.

— Sendo adultos, eles respeitam a privacidade! Eu

porem, não sou de dormir... pelado!

— É o paraíso?

O retorno do menino do espaço

147

— O senhor Frene me disse com muita mágoa, que

aqui na Terra privilegiada que é, cada mãe que rejeita um

filho em seu ventre, que cada pai, que autoriza o aborto e

que cada médico inescr... inescr...

— Inescrupuloso... — Ajudou-me André.

— ...que realiza este aborto, já está condenado sem

perdão, ao fogo do inferno!

Fiz este comentário, com a mesma mágoa, com que

o senhor Frene me contou um dia.

— Calma, Regis! — Observou André.

— É verdade André! Vão ter que acertar conta com

Satanás!

— Você é durão, menino!

— O povo susteriano, vive em um mundo, o qual

você disse ser o paraíso! Quase é! Tem tudo de bom! Mas

eles vivem tristes! Gastaram o equivalente a bilhões de

dólares, só pra me buscar na Terra, com o único objetivo de

ter o sorriso de uma criança. Eles não foram bem

sucedidos! Eu era esta criança e estava lá, mas não podia

levar a felicidade que eles almejavam. Como eu poderia

levar felicidade a eles, se eu não era feliz?

— Resumindo: provavelmente eles dariam tudo,

apenas pra ter o sorriso de uma criança! Algo pelo qual,

eles estão privados!

— Provavelmente... não! — Enfatizei a palavra. —

Eles dariam tudo, com certeza! Essa criança, que você falsa

mãe, através da mão assassina de um médico, utilizando

navalhas12, a retalham, seria muito especial pra eles! Você

sabia André, que quando um médico retalha uma criança,

no ventre da mãe, realizando um aborto, essa criança

12 fórceps

Celso Innocente

148

reluta inutilmente, tentando sobreviver? Sabia que essa

criança sente muita dor e sofre muito antes de morrer?

— Seria a mesma coisa que retalhassem a gente! —

Explicou o jornalista. — Eu, você, o telespectador…

— Com mais uma agravante: Nós temos como nos

defender! O Pobrezinho não! Está preso no útero limitado!

Sua casinha sagrada! O senhor Frene me contou estas

coisas e muito mais, com muita mágoa no coração. — Não

pude deixar de me emocionar e deixar rolar lágrimas. — E

ele também chorava quando comentava estas coisas.

— Regis: voltando a nosso assunto, vi hoje de

manhã, uma nota divulgada pela NASA, que dizia: Garoto

Regis esconde um segredo, o qual a NASA não consegue

desvendar. Isso é verdade?

Assustei-me com a surpresa, sentindo até calafrio.

— Segredo?! Eu?!

— A reportagem dizia que eles analisaram todas as

entrevistas que você concedeu a eles, inclusive fizeram um

check-up de seu cérebro e chegaram a esta conclusão.

Admitem até a possibilidade de levá-lo novamente até lá,

ou mandar uma equipe pra falar com você, aqui no Brasil.

— Pra falar a verdade, você me pegou de surpresa!

— Me atrapalhei. — Não vi essa reportagem! Mas não vou

negar: escondi realmente algo deles e prefiro não falar

nada sobre isso por enquanto.

— Por quê? É muito grave?

— Não! — Neguei convicto. — Não é nada

importante! Mas diz respeito a minha família e nem a eles

contei ainda! O fato é que ninguém vai atacar a Terra! O

povo susteriano é de muita paz!

— Conte aqui pra mim, no meu ouvido, seu

segredo.

— Não André! Ainda não!

O retorno do menino do espaço

149

— È muito sério?

— Nada sério! — Neguei. — A doutora Wendell, da

NASA, já sabe.

— Depois você me conta esse segredo! — Brincou

André. — Só me conte: como é a vida em Suster!

— Imagine a Terra sem guerras, sem doenças, sem

pobreza, sem bandidos, sem analfabetos, sem fome, só que

também... sem crianças! Isto é Suster! A Terra sem estes

problemas!

— Menos as crianças! — Riu André. — Criança não

é problema!

— Eu que o diga! — Confirmei. — Criança é

símbolo de simplicidade e amor!

— Seria perigoso eles voltarem aqui pra lhe buscar?

— Jamais! É uma promessa do senhor Frene! Ele

nunca mais me buscará na Terra!

— Já houve uma promessa dessa e ele não cumpriu!

Não é mesmo?

— Mas agora ele cumprirá! O meu segredo faz

parte disso, inclusive. Alem de que: Meu amigo Erick, está

nesse momento a caminho de lá, em meu lugar! Todos já

sabem disso! Não é?

— Erick tem dezessete anos e foi pra Suster! Ele

ficará lá?

— Com certeza! Ele sempre quis ir!

— E você nunca foi feliz, estando lá?

— Eu acho que fui o maior fracasso dos susterianos.

Eles queriam uma criança pra ser como filho de todos seus

habitantes, mas na verdade, acabei me tornando um

bichinho de estimação na grande mansão do senhor Frene.

Tinha contato físico apenas com poucos. A grande maioria

só me conhecia pela televisão e eu nunca vi, nem zero

vírgula zero, zero, um por cento.

Celso Innocente

150

— E seu segredo é…

— Não estou preparado! — Neguei sério.

— Acha que sua história daria um filme?

— Ficaria bem legal! — Ri convicto.

— A maioria de nós, busca a jovialidade eterna!

Você tem esse privilegio. O que você acha disso?

— Muito bom! Tenho inúmeras vantagens e estou

até ficando famoso! É diferente!

— Um herói nacional?

— Herói é médico! Bombeiro! Pai de família!

A reportagem terminou aí.

De volta ao palco do programa, ao vivo, André

ainda comentou:

Esta reportagem foi gravada na tarde de quinta-

feira. Até o momento, Regis não revelou seu segredo. O

que posso falar dele, é que é um menino muito bom e

educado, berço de uma família simples e unida. Como ele

falou na reportagem: O Universo tem muitos mistérios e

nós não conseguimos desvendá-los. O que espero é que

um dia nossa querida Terra, possa ser um local tão bom

quanto ela já é, mas com a pureza do planeta em que Regis

visitou. Aproveito pra mandar um grande abraço a ele e

toda sua família fantástica e no dia em que quiser, nosso

programa está de portas abertas para recebê-lo, com muito

amor e carinho.

Assim terminou a reportagem. Só que agora eu

tinha um...outro problema:

— Qual é o seu segredo Regis? — Perguntou-me

mamãe.

Levantei-me seguindo rumo ao banheiro.

— Vou tomar um banho agora!

O retorno do menino do espaço

151

Ela me deixou ir. Mas eu sabia que ela e papai

voltariam a insistir. Eu evitara falar no assunto, temendo

por eles mesmo.

Ao terminar o banho, o jantar estava pronto. Então,

sem tocar nesse assunto, comentávamos apenas a

reportagem exibida a pouco na televisão.

Jantei rápido e sendo o primeiro a terminar, me

levantei pedindo:

— Dá licença. Acho que já vou dormir.

— Regis, espere! — Pediu mamãe. — Você não

dorme tão cedo!

— Estou cansado!

— Por favor! — Pediu ela. — Sente-se e espere!

Tornei a me sentar e enquanto esperava, tomei um

copo de suco de caju, que ela mesma preparara. Alem de

que, enquanto isso pensava o que iria falar, sobre meu

segredo bobo.

Cinco minutos depois, todos havia terminado o

jantar e então seguimos para sentar no sofá da sala, onde

Paulinho ligara a televisão.

— Desligue a televisão Paulinho! — Pediu ela.

Ele obedeceu sem reclamar e sentou-se a meu lado.

— Seu segredo é tão grave assim, filho? — Pergun-

tou-me papai.

— Não! — Neguei. — É só uma bobagem!

— Nós somos sua família! — Insinuou mamãe. —

Não somos?

— Claro! — Exclamei. — E eu os amo muito!

— Então não devemos ter segredos! — Cobrou-me

ela.

— Mas é que… — Tive dificuldades.

— Se você não quer que outros descubram a gente

mantém segredo! — Prometeu papai.

Celso Innocente

152

— Não há problema com os outros!

— O problema diz mesmo respeito a nós? —

Assustou-se mamãe. — Nossa família?

— Temo que sim! — Aleguei.

— Por isso que você tem que nos contar! — Pediu

papai. — Se o problema é conosco, precisamos saber, pra

poder ajudá-lo!

— Não preciso de ajuda! Estou bem!

— O que é que há? — Assustou-se ela. — É com

Paulinho?

— Claro que não! — Exclamei. — Paulinho tem

saúde de ferro! Acontece que…

Papai sentou-se a meu lado, me abraçando.

— Seja o que for filho, precisamos saber.

— É que o senhor Frene…

— Eu sabia! — Reclamou mamãe. — Tinha que ser!

— Ele jamais me levará de volta à seu planeta! Não

precisa ter medo!

— Espero que sim! — Disse ela. — Temo por todos

nós!

— Ele não precisa mais de mim!

— Aonde você quer chegar, filho? — Desconfiou

papai.

— O senhor Frene criou uma cópia idêntica à mim!

— O quê? — Se embaraçou papai. — Como assim?

— Um boneco! — Exclamou mamãe. — Um robô!

— Não! — Neguei. — Um ser humano perfeito!

Fala, anda, come, chora, ri, ama, sente dor…

— Como assim, Regis? — Insistiu mamãe.

— É como se ele fosse outro eu! Tem coração,

sangue, alma, toma banho, janta, dorme…

— Isso não é possível! — Negou ela. — Ele não é

Deus!

O retorno do menino do espaço

153

— Ele tirou algumas de minhas células, colocou

uma delas, em um óvulo não fecundado de uma mulher de

lá e conseguiu criar uma cópia perfeita de mim. A única

diferença é que, como ele não conhece a Terra, então não

sente falta daqui.

— Regis, isso é impossível! — Insistiu papai

— Papai! Até aqui na Terra, isso já é possível!

Imagine no mundo avançado do senhor Frene!

— Meu Deus! — Se entristeceu também papai. — É

como se você continuasse lá!

— Não papai! Eu estou aqui! É como se ele fosse

meu irmão gêmeo! Gêmeo idêntico!

— Nossa! — Exclamou Paulinho. — Agora somos

sete irmãos!

Mamãe estava chorando. Olhei à ela e disse:

— Viu agora mamãe, por que eu não queria contar?

Sabia que a senhora iria sofrer de novo!

— Não tem problema filho!— Insinuou ela. — È

melhor que a gente saiba! Assim você não sofre sozinho!

— Não sofram por ele! — Pedi. — Ele não conhece

a Terra, nem nossa família! Então é feliz onde está!

— Vá descansar filho! — Pediu ela. — Você não

podia carregar esse fardo sozinho.

Acho que só depois dessa conversa, é que comecei a

entender de verdade, o que o outro Regis significava para

mim. Era como se ele fosse realmente um eu. Como se

estivesse então, faltando um pedaço de mim e que agora,

nossa família estivesse incompleta de novo.

Deitei-me, como sempre, na cama de meus pais e

chorei de saudades daquele estranho. Pela primeira vez,

papai não reclamou de eu dormir em sua cama,

praticamente grudado à sua eterna namorada. Na verdade,

Celso Innocente

154

naquela noite, acho que os dois, sequer conseguiram

dormir direito. E não foi por estarem em camas separadas.

©©©

Ao me levantar, pouco depois das seis horas da

manhã seguinte, mamãe me perguntou:

— Dormiu bem?

— Bom dia mamãe! — Cumprimentei-a. —

Consegui dormir!

— Me ajude a preparar o café!

— Posso tomar banho primeiro?

Minha família não tinha o costume do banho pela

manhã. Mesmo os irmãos que iam à escola, não tinham

este bom hábito. Eu, porém, devido o calor de Suster,

acostumado a sempre que acordava ir direto ao banheiro,

para pelo menos uma ducha, mantinha vivo aqui na Terra,

o mesmo costume saudável.

Quando saí do banheiro, o café já estava preparado,

então disse à mamãe: ‘

— Desculpe não tê-la ajudado!

— Não se preocupe! Gosto de seu costume em

tomar banho cedo! Alem de bonito, você fica perfumado. É

mais gostoso o cheiro do banho, do que do perfume sobre

o suor da noite.

— Obrigado por me mimar mamãe! — Disse rindo,

abraçando-a. — Jamais deixarei vocês!

— Vá pro café!

Enquanto tomava café, percebi que calada, ela me

olhava sem piscar os olhos. Acho que sabia o que ela

estava pensando e para não deixá-la ainda mais triste,

resolvi permanecer calado. Com certeza, ela estava

medindo todos meus traços físicos e imaginando outro ser,

idêntico a estes mesmos traços, em um mundo, perdido no

espaço infinito.

O retorno do menino do espaço

155

— O que você acha que o outro Regis está fazendo

agora? — Perguntou-me ela triste.

— Deixe-o mamãe! Tenho certeza de que ele está

feliz no mundo do senhor Frene!

— Mas ele é um pedacinho da gente! — Ela estava

chorando. — Não é justo!

— Ele praticamente não conhece a gente! Não pode

sentir nossa falta!

— É como se fosse um filho distante! Assim como

você!

— É só uma célula de meu corpo, que ficou por lá!

Se a senhora sofrer, eu sofrerei também!

Foi então que ela chorou ainda mais.

— Não tem jeito de trazermos ele pra cá?

— Ele nunca seria feliz aqui mamãe!

— Claro que será! Ele é nosso filho!

— Ele seria tão triste aqui, quanto eu era lá! Pode

acreditar!

Celso Innocente

156

O retorno do menino do espaço

157

Avaliação escolar

pós o almoço, ajudei mamãe a lavar a louça.

Enquanto ela lavava, eu secava com pano de

prato e guardava tudo no armário da copa.

Enquanto trabalhava, mamãe, ainda triste, tentava

ficar calada, mas eu, jeito animado de moleque sapeca,

tagarelava mais do que o menino que engoliu uma vitrola.

Terminando esta pequena tarefa, fui até a casa de

Elizabeth, que me recebeu no portão, com carinho.

— Entre Regis! — Disse-me ela. — Estou estudando

um pouco.

— Não quero atrapalhar! Volto depois.

— Imagine! — Insinuou ela. —Nenhum estudo é

melhor do que sua visita!

Entrei em sua sala, onde encontrei sua mãe.

— Oi Regis! — Cumprimentou-me sua mãe. —

Vimos você na televisão ontem!

— Gostaram? — Perguntei.

A

Celso Innocente

158

— A Beth ficou toda inchada, quando você disse

que era namorado dela!

— Contei à meus pais o que disse ser segredo!

— Contou? — Perguntou-me Beth.

— Eles me obrigaram!

— Não sei seu segredo e não precisa revelar, mas

sinto muito! — Disse Beth.

— Você pode saber! Só mamãe não poderia!

— O que há de errado com sua mãe, Regis? — Quis

saber dona Joana.

— Com ela nada! — Neguei. — Meu segredo é que

tenho um irmão gêmeo e ela não sabia!

— Nossa! — Exclamou Beth. — Que loucura!

©©©

Quando retornei para casa, quase seis horas da

tarde, mamãe me disse:

— A diretora da escola esteve aqui, agora à pouco!

— Nossa mamãe! Esqueci que deveria ter ido lá!

— Foi o que ela disse!

— Como sou irresponsável!

— Não se preocupe! Ela disse que falou com a

delegacia de ensino e eles falaram até com o ministro da

educação.

— E o que ele disse?

— Amanhã é feriado13, então você deverá estar na

escola, na quarta-feira à uma hora da tarde, onde será

submetido a várias provas. Se conseguir passar em todas,

será matriculado na sétima série!

— Jura!? — Fiquei contente.

— É o que ela disse!

— Que bom!

13 Vinte e cinco de Outubro, é aniversário de Penápolis.

O retorno do menino do espaço

159

— Mas são várias provas! Ela disse que não é nada

fácil! Mandou você dar uma lida em matérias da sexta

série.

— Sexta série é fácil! Não se preocupe! Me sairei

bem!

— Inglês, Matemática, História do mundo, Ciências

e Geografia.

— Tudo bem mamãe! — Insinuei confiante. —

Estudei isto! Não terá Língua Portuguesa?

— Ela não disse!

Naquele momento, papai e os demais irmãos já

estavam em casa. Parecia que, por solidariedade, ninguém

ousava tocar no assunto sobre o outro Regis.

Ao ir para a cama naquela noite, papai me arrastou

para meu quarto, encostou a cama de Paulinho ao lado da

minha e disse:

— Será que se Paulinho dormir a seu lado, você

consegue ficar aqui?

Apenas balancei os ombros, como a dizer

“veremos”.

Na manhã seguinte, acordei na mesma cama, em

que meu maninho, que já não era tão caçulinha assim

(quase treze anos), dormia abraçado a mim.

©©©

Então, quarta-feira, vinte e seis de Outubro, às treze

horas, estava sentado na cadeira de dona Margareth, que

me disse:

— Você fará cinco avaliações. Eu procurei não

dificultar muito, mas se você preferir, não será necessário

fazer todas hoje.

— Creio que não haverá problemas, dona

Margareth! — Aleguei confiante. — Eu estudei a sexta

série!

Celso Innocente

160

— Qual matéria você prefere fazer primeiro?

— Matemática! — Pedi sem hesitar.

Ela me entregou duas folhas: uma em branco, para

que eu a usasse e outra com as questões, para que eu

copiasse.

— Toda a avaliação deverá ser feita à tinta. Caso

você erre, pode rabiscar e refazer na frente! Alguma

dúvida?

— Está tudo bem!

— Prefere que eu saia da sala?

— Não se preocupe! Pode ficar!

E assim, sem muita pressa, fiz minha primeira

avaliação. No exercício dois, achei interessante a

coincidência nos nomes Regis, Leandro e Henrique.

Esbocei leve sorriso e continuei, demorando quase trinta

minutos para concluí-la.

— Está pronta, dona Margareth! — Afirmei, me

levantando.

— Muito bem! — Pegou a prova. — Foi

complicado?

— Não! — Neguei. — Foi bem fácil!

— Qual deseja fazer agora?

— Pode ser de Inglês! — Aleguei.

Do mesmo modo, me entregou duas folhas

dizendo:

— Proceda da mesma forma. Use só caneta. Se

errar, pode rabiscar e refazer. Enquanto isso, eu corrijo a

primeira.

É lógico que prova de Inglês não é nada fácil, mas

também não foi o fim do mundo. Demorei também

aproximadamente trinta minutos e ao final, entreguei à

diretora dizendo:

— Ufa! Esta foi mais difícil!

O retorno do menino do espaço

161

— Quer deixar as outras pra depois do recreio?

— Ainda dá tempo de fazer mais uma! Pode ser de

História!

— É História Crítica! Embora procurasse formular

perguntas fáceis! Perguntas do dia-a-dia!

— Vejamos! — Disse-lhe rindo.

Entregou-me duas folhas, eu procedi da mesma

forma. Porém, como eram apenas cinco questões, consegui

resolver em menos de vinte minutos.

— Está pronta dona Margareth! — Disse-lhe alegre.

— Realmente não foi complicado!

— Quer deixar as outras duas pra depois? Você

deve estar com os dedos doendo!

— Posso apenas ir ao banheiro e tomar água?

— Fique à vontade!

Enquanto caminhava até o banheiro, passei em

frente à classe de dona Regina, que me chamou:

— Regis!

Parei e ela chegou até a porta.

— Como vai? — Perguntou carinhosamente.

— Muito bem, graças a Deus!

— Está fazendo as avaliações da sexta série?

— Sim! Como sabe?

— Dona Margareth nos contou. Estou torcendo por

você!

— Obrigada dona Regina! A senhora é legal!

— Já fez alguma?

— Matemática, Inglês e História Crítica!

— Foi bem?

— Creio que sim! — Afirmei rindo.

— Então vá com fé!

— Obrigada dona Regina! Tchau!

Celso Innocente

162

Acabei de chegar ao banheiro, a fim de descarregar

a bexiga e depois até o bebedouro, a fim de reencher a

mesma bexiga. Em seguida, retornei à diretoria. Ao passar

pela classe de dona Regina, fiz um sinal de positivo à ela e

acabei de chegar, para mais uma avaliação.

— Qual você fará agora, Regis? — Perguntou-me

dona Margareth.

— Quais faltam?

— Apenas Ciências e Geografia.

— A senhora pode sortear.

Ela me entregou duas folhas e então, fiz em menos

de vinte minutos, a avaliação de Geografia. Depois, às

quinze horas, juntamente com as outras crianças de minha

idade, quer dizer: tamanho, saí para mais um recreio, no

saudoso Grupo Escolar Marcos Trench, de minha infância.

Durante o recreio, a princípio, sentei-me sozinho na

famosa muretinha isolada; mas não demorou muito tempo

e uma menininha loira se aproximou:

— Posso me sentar aqui? — Perguntou-me ela.

— Pode! — Afirmei.

— Você é Regis? — Perguntou-me ela.

— Sou!

— Vi você na televisão, no domingo!

— É verdade! Eu estive lá! To ficando famoso! —

Ironizei.

— Você viajou pelo espaço?

— Fui longe!

— É divertido?

— Muito lindo!

— Vai estudar conosco?

— Creio que sim! Mas de manhã!

— Por quê?

— Vou fazer a sétima série! Só tem de manhã!

O retorno do menino do espaço

163

Naqueles poucos segundos, já tinham outras três

meninas e dois meninos conosco.

— Você é pequeno pra fazer a sétima série! Eu

estou na terceira!

— Você estuda com a dona Regina?

— Sim! Ela é muito boa!

— Sei disso! Já estudei com ela!

— Ela falou de você!

— Verdade?

— Sempre fala!

As outras crianças entraram na conversa e eu acabei

arranjando alguns amiguinhos, dois deles: os meninos,

como estavam na quarta série, provavelmente estudariam

no mesmo turno em que eu deveria estar no ano seguinte.

Quando soara o sinal, às três horas e trinta minutos

da tarde, indicando o final do recreio, eu estava cercado

por mais de dez crianças e estava feliz. Fazia tempo, que

praticamente não conversava com outros seres inocentes,

assim de meu tamanho.

Todos disseram tchau, sem inveja ou maldade,

retornando as suas salas de aula e eu retornei à diretoria,

onde dona Margareth, me entregou a última avaliação,

com as mesmas recomendações.

— Gostou de ir pro recreio? — Perguntou-me ela.

— Foi ótimo! — Exclamei alegre. — Estava

precisando de um contato com crianças!

— Você só voltará às aulas no ano que vem, mas

caso queira nos visitar às vezes. Lembre-se, você é nosso

aluno e esta é sua escola.

— Posso mesmo vir?

— Claro! Procure vir no horário do recreio, pra

conviver com as crianças!

Celso Innocente

164

— Agradeço muito! E virei mesmo!

— Então agora se concentre na última prova. É de

Ciências!

Acho que foi a mais fácil. Corpo humano era

comigo mesmo. Estava acostumado às longas conversas

sobre o assunto com o senhor Frene.

Em menos de vinte minutos, entreguei a prova à

dona Margareth, que a corrigiu em menos de dois minutos

e feliz, me entregou todas juntas.

— De uma analisada no resultado de seu trabalho!

— Disse-me ela.

Olhando primeiro a prova de matemática, insinuei:

— No exercício dois a senhora usou meu nome e de

meus dois irmãos. Por quê?

— Ao criar o exercício, não sabia quais nomes

adotar! Lembrei-me de você!

— Sabia o nome de meus irmãos?

— Descobri no dia em que fui à sua casa!

— Meu pai foi malvado comigo! — Ironizei. —

Trinta e oito moedas pra mim, setenta e seis pro Leandro e

duzentas e vinte e oito pro Henrique! To mal de herança!

— E de nota? Como está?

— Pareço um gênio! — Ironizei, examinando todos

os resultados:

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— Posso considerar-me matriculado na sétima

série? — Perguntei contente.

— Ainda falta Língua Portuguesa!

— Então vamos fazer!

— Não será uma avaliação comum! Quero que faça

em casa, uma redação de umas vinte linhas, narrando uma

viagem que você fez. Pode me trazer amanhã.

— Tudo bem! Considere feita!

— Mas você já está na sétima série, pois em redação

não se dá nota. Será feita apenas para arquivarmos junto

com sua pasta escolar.

Agradeci à diretora, apanhei minha bicicleta e

animado, retornei para casa.

— Paulinho, me empresta uma caneta e uma folha

de caderno! — Pedi a meu irmão caçula.

— Vai escrever uma cartinha de amor pra Beth? —

Perguntou-me ele, rindo.

— Nada disso! — Neguei. — Vou fazer uma

redação pra escola!

— Como foi à prova, filho? — Quis saber mamãe.

— Muito difícil?

— Excelente!

Apanhei a caneta e a folha de caderno, que

Paulinho me arrumou, sentei-me diante da mesa da copa e

escrevi:

Celso Innocente

172

Quando terminei, corri à casa de Beth, a fim de lhe

contar meu sucesso, mas como ela não se encontrava, pois

teria ido fazer um trabalho escolar na casa de uma amiga,

retornei à minha casa, onde resolvi ir direto ao banho.

O retorno do menino do espaço

173

No dia seguinte, aproveitei para levar a redação à

escola, saindo de casa às duas e meia da tarde, assim

estaria lá, próximo ao horário do recreio.

Entrei no corredor, seguindo até a sala da diretora.

— Olá Regis! — Cumprimentou-me ela. — Estava

te esperando! Fez a redação?

— Aqui está! — Entreguei-lhe.

Deu uma rápida olhada e disse:

— Está ótima assim! Não se preocupe, pois em

redação a gente não dá nota! Agora sim, você pode se

considerar na sétima série, no início do próximo ano letivo!

— Até que enfim! Acho que vou voltar a ter uma

vida normal!

— Pode ir agora e obrigado!

Relutei um pouco, permanecendo sério e ela perce-

beu.

— O que há? — Perguntou-me ela.

— Posso ficar na hora do recreio?

— É lógico que sim, menino! Aqui é sua escola!

— Posso visitar a classe de dona Regina?

— Vá lá! Será bom que você conheça as outras

crianças!

Segui até a sala de dona Regina. Quando parei na

porta, ela, que estava sentada, me convidou:

— Entre, Regis!

Fui até ela, que se levantando, me segurou pelos

ombros e disse:

— Crianças, esse é o Regis! Já lhes falei sobre ele!

Ele foi meu aluno há alguns anos e agora vai voltar à nossa

escola! Como é que a gente faz quando recebe uma visita?

— Boa tarde Regis! — Saudou-me a classe em coro.

— Seja bem vindo!

Celso Innocente

174

— Obrigado! Dona Regina é a melhor professora do

mundo!

— Não me deixe tímida! — Pediu ela.

— Não é bajulação! É a verdade!

— Crianças, Regis é um menino especial! Ele fez

uma lonnnnga viagem e agora voltou pra ficar! Ele é um

menino muito bom e simples! Aliás, está precisando

arrumar muitos amigos. Vocês topam incluir Regis, em

suas listas de bons amigos?

— Sim! — Disse a classe em coro.

— Os amigos que eu tinha, hoje estão mais velhos

do que eu! Creio que continuam meus amigos, mas não os

tenho visto! A maioria já nem estuda mais nesta escola14!

Em seguida soara o sinal, anunciando o horário do

recreio e todos, inclusive eu, saímos para o pátio, onde

encontrei a mesma turminha do dia anterior e mais,

praticamente toda a classe de dona Regina. Eu até parecia

alguém muito importante, no meio daquela turma de

crianças, onde todos tinham praticamente o meu tamanho.

O assunto mais comentado era sem dúvida, minha

longa viagem ao espaço e minha presença na televisão.

Embora, eu tentasse desviar o assunto, para conversas

sobre a vida de crianças... Na Terra.

Percebia claramente, que aos poucos, minha

vidinha simples estava voltando ao normal, vindo a ser o

mesmo menino feliz de antigamente.

14 O Marcos Trench só tinha o curso fundamental.

O retorno do menino do espaço

175

De volta as aulas

omo já citei, aos poucos, minha vida ia

voltando à rotina infantil: andava de bicicletas;

ajudava mamãe em alguma atividade doméstica; fazia

diversas visitas à casa de Beth e ela, geralmente retribuía;

pelo menos uma vez por semana, visitava minha escola,

sempre próximo ao horário do recreio; jogava o mesmo

vídeo game Atari, o qual ganhara a muitos anos na NASA,

brincava, geralmente com meus irmãos maiores, ou, na

maioria das vezes, sozinho, pois ainda não fizera nenhum

amiguinho novo, com exceção das crianças da escola.

Nenhum deles porem residia próximo à minha casa15, pois

as crianças de meu bairro, geralmente estudavam na escola

Casa da Amizade, que ficava mais próxima.

Nos primeiros dias, sempre fôra assediado por

emissoras de televisão, rádio e jornal, querendo ouvir

minha história, inclusive meu segredo, que uma vez

revelado à mamãe, não tinha mais tanto interesse e eu

comentava com qualquer repórter.

15 Há oito anos tinha um montão deles, mas todos cresceram.

C

Celso Innocente

176

Quatro de Dezembro, logo que levantei, às seis

horas da manhã, disse à mamãe:

— Hoje, há essa hora, Erick deve estar chegando à

Suster.

— Só hoje! — Admirou-se ela. — Desde aquele dia?

— São setenta dias de viagem!

— A gente sente tanta falta dele! — Lembrou-se ela

triste. — Estávamos acostumados com ele aqui. É um

garoto muito divertido e já fazia parte de nossa família!

— Deixe ele! — Pedi. — Tenho certeza que ele será

muito feliz estando por lá! Acredito também, que foi a

melhor escolha que o senhor Frene fez, me trocando por

Erick! Agora sim, acredito que uma criança, ou mesmo que

seja adolescente, leve tanta felicidade àquele mundo de

adultos! Depois, a mãe dele o ama tanto, que nunca mais

veio procurá-lo!

— Creio que ela nem sabe onde ele se encontra

hoje! — Insinuou Henrique, que acabara de entrar na

cozinha.

— Pelo menos, ele fará companhia à seu

irmãozinho que ficou lá! — Se conformou mamãe. —

Ainda não consigo acreditar nessa história!

— Acha que é mentira minha, mamãe? — Perguntei

admirado.

— Não! — Negou ela. — Você não mentiu! Eu é

que não consigo acreditar.

— Os dois serão felizes juntos! — Tentei consolá-la.

— Eu queria tanto que ele estivesse aqui!

— Mamãe! — Chamei-lhe a atenção.

— O que me conforta, é tentar acreditar, que assim

você estará seguro aqui!

— Jamais deixarei vocês mamãe! Já prometi isso!

— Não é você que me assusta!

O retorno do menino do espaço

177

©©©

Seis de fevereiro de um mil novecentos e oitenta e

nove, sete horas da manhã, junto com Paulinho, que faria a

oitava série16, estávamos na entrada da escola, para mais

um ano de estudo. Fazia quase oito anos, que não sentava

em uma cadeira escolar.

Logo no início, fui assediado por diversos colegas

de classe, que já me conheciam, devido minhas visitas

regulares, no final do ano anterior. A diferença era eu ser o

menorzinho de toda a turma, de toda a escola, no período

vespertino, pois, embora próximo a completar dezoito

anos, tinha o corpo e a aparência de nove, enquanto que

praticamente todos esses colegas de sétima série, estavam

com idade entre treze e quatorze anos.

Felizmente não tive grandes problemas, para a

readaptação, pois, alem de ser bem aceito pelos colegas,

percebi que também os professores, tinham um carinho

especial para comigo. Tinham alguns, que devido meu

tamanho, me tratavam como se eu fosse um frágil vaso de

louça.

Quanto às matérias, não tinha dificuldades, pois,

alem de ser considerado um menino inteligente, já havia

estudado a sétima série, no primeiro semestre do ano

passado.

Meus colegas de classe eram: Alex, Luis Henrique,

Leandro (tinha dois), André, Gabriel, Victor, Daniel,

Marcio, Evandro, Renan, Felipe, Lucas, Ronaldo, Paulo

Augusto, Paulo Sergio, Junior e Mateus, que, apesar de

seus treze anos de idade, era tão pequeno quanto eu. Entre

as meninas, eram: Regina, Suely, Letícia, Alessandra,

16 (Henrique e Letícia, já não estudavam mais no Marcos Trench, pois

estavam no ensino médio e foram para o Yone Dias de Aguiar).

Celso Innocente

178

Márcia, Andresa, Renata, Andréia17 e Lucia. Comigo,

éramos em vinte e nove pré-adolescentes.

Meus professores eram: Fernando, de Inglês; Rosa,

de Matemática; Walter, de História Universal; Joana, de

Língua Portuguesa; Izabel, de Ciências; Madalena, de

Geografia e Rubens, de Organização Social.

No primeiro dia de aula, a professora Madalena, de

Geografia, pediu:

— Como neste semestre, vamos estudar o espaço e

os astros, gostaria que ainda este mês, fizéssemos um

trabalho sobre o assunto. Com isso, queria pedir a você

Regis, se é possível, que faça uma dissertação sobre este

assunto para todos nós.

— Dissertação? — Estranhei. — Como assim?

— Faça uma narrativa do que você conhece sobre o

espaço! Você fala o que sabe do seu jeito, nós o ouviremos

e então cada um dos alunos fará um trabalho, tipo redação,

sobre o assunto. Que tal?

— Não sei se consigo! — Neguei tímido.

— É claro que consegue! — Me animou ela. — Vi

você na televisão e gostei muito!

— Está bem! — Concordei, me levantando. — Vou

falar apenas aquilo que sei!

— Se precisar anotar algo no quadro, fique à

vontade! E não se preocupe com o tempo. Temos duas

aulas seguidas!

Iniciei meu comentário um pouco tímido, mas

percebendo a atenção que os colegas demonstravam,

acabei por ficar à vontade e descrevia os fatos com muita

naturalidade. No princípio, como um monólogo, mas

depois que Andréia, irmã de Daniel, resolveu me

17 (tinha duas, uma, irmã de Daniel)

O retorno do menino do espaço

179

interromper para uma pergunta, todos os demais seguiram

o mesmo caminho e sendo assim, a aula ficou até bem

divertida e o tempo de cem minutos, se tornou um tanto

curto, para tanto assunto18.

Ao final da aula, a professora disse:

— Para a próxima aula, quero que façam um

trabalho em grupo de três ou quatro, baseado neste

assunto. Pode ser uma redação, apresentando um resumo.

Vai valer dois pontos pra somar com a prova do bimestre.

— Minha equipe, serei eu, Marcio, Evandro e Regis.

— Se prontificou Daniel.

Senti problemas, pois alguns colegas já me

disseram antes da aula, que estes três grandalhões,

repetentes do ano anterior, não eram flor que se cheira e

gostavam de explorar os meninos menores.

A próxima aula de Geografia seria na quarta-feira.

Tínhamos tempo mais do que hábil para fazermos tal

trabalho.

O dia letivo terminou às onze horas e trinta

minutos. Com isto retornamos para casa, sem combinar

como faríamos o trabalho. Paulinho me esperou no portão

e seguimos juntos.

— Como foi seu primeiro dia de aula, Regis? —

Perguntou-me ele.

— Foi bem! Só o que me preocupa é um trabalho de

Geografia que devemos fazer em equipe. Minha equipe

parece ser problemática.

— Como assim?

— Meus parceiros de equipe. Acho que você os

conhece. Daniel, Evandro e Marcio.

18 Não vou descrever o assunto da aula neste espaço, para não se tornar

mais uma vez repetitivo

Celso Innocente

180

— Que mal, maninho! — Se preocupou Paulinho.

— São três repetentes da minha classe! Eles são problemas

sim! Seria melhor você os evitar!

— Já me falaram!

— Como você foi parar na equipe deles?

— Fui escolhido!

— Por eles, lógico! — Confirmou Paulinho. — Eles

sabem que você é inteligente e vão te explorar! Não te

ajudarão no trabalho!

©©©

No horário do recreio da terça-feira, procurei os três

companheiros de equipe. Dei sorte, porque estavam juntos,

sentados na mureta do grande hall de descanso, caçoando

e jogando bolinhas de papel em outras crianças. Já havia

percebido que eles andavam sempre juntos.

— Pessoal, precisamos combinar como e aonde

iremos nos reunir pro trabalho de Geografia. — Cobrei-os.

— Temos que fazer hoje, pois o trabalho é pra amanhã!

Daniel se levantou, colocou a mão em meus

ombros, dizendo:

— Sabe o que é maninho: Hoje a gente tem um

compromisso com nossa galera e não vai dar! Mas você é

um garoto esperto e papo legal! Você faz o trabalho! A

gente fica te devendo essa! Legal?

— O trabalho é pra ser feito em equipe! — Insinuei

um tanto arrependido por estar nesta equipe.

— Da próxima vez, a gente batalha e você se

esgueira! Beleza?

— Não concordo com isso não! — Neguei.

— Que isso garoto! Uma mão lava a outra!

— E as duas lava a cara! — Completei o tal prover-

bio.

O retorno do menino do espaço

181

— Você é esperto e sabe o que tem que escrever!

Você nos ajuda! Nós ajudamos você! Manjou?

Fiz um sim sem vontade e me retirei.

Não era tão esperto quanto pensava. Minutos

depois, senti que deveria ter dito não e que faria o trabalho

sozinho, sem mencioná-los na equipe.

©©©

Durante a aula de Geografia de quarta-feira, a

professora pediu:

—Todas as equipes fizeram o trabalho?

Como ninguém retrucou:

—Tragam pra mim!

Enquanto todos entregavam seus trabalhos,

inclusive eu, ela dizia:

— Este trabalho vale dois pontos na média do

bimestre! Isto quer dizer que a prova que faremos valerá

oito pontos!

Conferindo um a um, os trabalhos entregues, ela

chamou minha atenção:

— Regis! Seu trabalho foi feito individual?

Nada respondi.

— Só consta seu nome em seu trabalho!

Dá pra imaginar o que meus parceiros… de equipe,

sentiram.

Percebi também, o que meus outros colegas de

classe sentiram, em solidariedade a mim.

— Devo considerá-lo individual?— Insistiu a

mestra.

— Está faltando, dona Madalena! — Interferiu

Daniel. — Eu, o Marcio e o Evandro, somos da equipe de

Regis!

— Vocês fizeram o trabalho juntos? — Insistiu ela.

— É claro que sim! — Afirmou Daniel.

Celso Innocente

182

— Só vejo um tipo de letra! Alem de constar só um

nome! Sendo assim, só posso considerar o que vejo! Quem

não me entregar o trabalho hoje, terá dois pontos a menos

na média.

— Fizemos o trabalho em conjunto! — Insistiu Da-

niel.

— Este assunto está encerrado! — Informou dona

Madalena. — Mas se quiserem, ainda dá tempo de fazer o

trabalho no recreio e me entregar na sala dos professores!

Colocou os trabalhos sobre a mesa e disse:

— Neste semestre, iremos realmente estudar o

espaço e os astros; mas não avançaremos alem de nosso

astro principal, o Sol. Ou seja: iremos estudar o nosso

sistema Solar! A história que Regis nos trouxe na última

aula é muito bonita, interessante e real! Mas está muito

alem do que a gente necessita pra sobrevivermos. Aqui

iremos ver nossa atmosfera, a troposfera... estratosfera...

mesosfera... os efeitos da ionosfera. Vamos com certeza

estudar nossa protetora camada de ozônio, que nos

protege principalmente contra os nocivos raios

ultravioletas, pelos quais somos bombardeados

diariamente, através de nosso astro rei, o Sol. E esta

camada de ozônio, aliás, está sendo destruída por nós

mesmos, através de poluição e até simples sprays de

desodorantes ou pesticidas. Vamos ver também, como o

venenoso dióxido de carbono, acaba sendo muito útil para

nosso planeta. Quem sabe me dizer de onde surgi o

dióxido de carbono?

— Erupções vulcânicas! — Exclamou Gabriel.

— Muito bem! E de onde o vulcão tira esses

dióxidos de carbono?

— São gases criados por fósseis antigos! —

Explicou ainda Gabriel.

O retorno do menino do espaço

183

— E por que ele acaba sendo útil ao planeta?

— Armazena calor! — Concluiu o mesmo menino.

— Exatamente! Graças ao dióxido de carbono,

também conhecido como anidrido de carbono, presente em

nossa atmosfera, lá na estratosfera, a Terra é um planeta

quente! Se ele não estivesse lá, a Terra não seria azul e sim

branca, totalmente coberta por grossa camada de gelo.

Acho que preocupado, nem estava prestando

atenção na aula.

Quando a mestra se retirou, no intervalo de troca

de professores, Daniel veio até minha carteira, puxou

minha camisa e disse nervoso:

— Seu moleque cretino! Vou arrebentar sua cara lá

fora! Pode me esperar!

Embora ele tivesse quatorze anos, parecia ter bem

mais. Sorte que o professor de Inglês, entrou rapidamente

na sala de aula, fazendo com que todos voltassem a seus

respectivos lugares.

Às onze horas e trinta minutos, final do dia letivo,

tentei sair o mais rápido possível. Apanhei minha bicicleta

aro dezesseis e nem esperei por Paulinho, procurando

escapar de confusão. Mas não foi possível. Daniel, Marcio e

Evandro, também muito rápidos, me alcançaram antes

mesmo que eu tivesse montado na bicicleta. Evandro a

puxou com força para trás, enquanto Daniel gritava:

— Calma aí seu metido a sabe tudo!

Evandro não levara muita sorte. Quando puxou a

bicicleta com força, talvez por meu espanto, soltei-a e ela

derrapou, acabando por cair sobre ele, machucando seu

olho direito com a alavanca do freio. O moleque

estremeceu de dor e saiu de lado a se socorrer, enquanto

que Daniel, covardemente (devido nossas diferenças de

Celso Innocente

184

tamanho e físico), me segurou pelo colarinho da camisa

branca, tentando me levantar, dizendo:

— Vou quebrar seus dentes e mostrar quem é que

manda neste pedaço! Cretino!

Parece que estava mesmo com sorte. Quando ele

forçava pra me levantar, eu mesmo tropecei em uma

pedra, que juraria não estar ali, fazendo com que ele caísse

de cara no chão da rua mal recapeada e com isso,

machucando suas duas mãos nas pedras, a ponto de

sangrar bastante, fazendo com aquilo, o grandalhão gritar

de dor.

Então, Marcio, furioso, resolveu me agredir

sozinho. Eu, porém, sem esperar, me abaixei, a fim de

apanhar minha bicicleta caída e o pivete acabou por

tropeçar em mim, caindo de costas sobre minha pobre

bicicleta, machucando suas próprias costas, a ponto de

levantar do chão, torto de dor.

As crianças que nos rodeavam, gritavam em come-

moração à minha vitória prévia, quando apareceu

Paulinho, acompanhado por outros três garotos da oitava

série.

— Calma aí! — Gritou ele. — Quem pensa que vai

maltratar meu irmãozinho!

— Não se preocupe! — O tranquilizou André (de

minha sala). — Regis, sozinho, já deu um jeitinho nos

covardes!

— Tá tudo bem Regis? — Perguntou-me Paulinho.

Não soube responder nada. Na verdade, estava tão

assustado, que nem saberia dizer o que realmente tinha

acontecido. Então apenas balancei os ombros.

Mesmo assim, Paulinho e seus colegas recém

chegados, deram alguns safanões nos marmanjos dizendo:

O retorno do menino do espaço

185

— Saiba que este é meu irmãozinho preferido!

Alem de que, toda a escola gosta dele! Ai de quem pensar

em relar a mão neste menino, ou em qualquer outro!

André colocou a mão em meus ombros e disse a

Paulinho:

— Nós ajudaremos a cuidar desse garoto! Se bem

que o danado parece saber se virar muito bem!

A roda de crianças foi se dissolvendo, inclusive

André e os colegas de meu irmão, além de meus

agressores. Com isto, de bicicletas, retornamos à nossa

casa.

No caminho, Paulinho ainda me perguntou:

— O que houve? Por que seus companheiros de

equipe tentaram lhe espancar?

— Não coloquei o nome deles em meu trabalho! —

Expliquei.

— Não colocou? — Se admirou meu irmão.

— Não! Eles não me ajudaram a fazer nada!

— Que eles não iriam ajudar eu já sabia! Mas que

você não colocaria os nomes deles… Vá ter coragem assim

não sei aonde!

— Por quê? Eu deveria ter colocado?

— Outro menino de seu tamanho, se comparando o

tamanho deles, colocaria!

— Agi mal?

— Você agiu como um herói! O problema é que

muitos heróis acabam morrendo!

— Hem! — Me assustei.

— Não se preocupe! Você não vai morrer! Alem do

mais… Parabéns por sua coragem! Te admiro muito

maninho!

Dei um leve sorriso, depois pedi:

— Paulinho! Não conte nada pra mamãe, tá!

Celso Innocente

186

— Sei disso garoto! — Riu ele. — Conheço a mamãe

melhor do que você!

Chegando em casa, fui direto ao quarto, ainda

acompanhado por Paulinho, para trocar de roupas e

depois almoçar. Enquanto trocava, me lembrei do senhor

Frene e comecei a decifrar o enigma de tal quebra cabeças:

só poderia ter sido ele. Nem um menino do mundo, teria

tanta sorte, a fim de três agressores se acidentarem

atrapalhada-mente ao mesmo tempo, enquanto tentavam

espancá-lo. Até imaginei a cena:

“O senhor Frene chama meu outro eu e Erick à sala

do computador e diz”:

— Três valentões pretendem massacrar nosso Regis

na Terra! Nós não iremos deixar! Certo?

— O que faremos senhor Frene? — Pergunta Erick.

— Pra que temos o botão ípsilon três?

— Proteger Regis na Terra! — Confirmou o outro

eu.

— É isso aí! — Exclamou o senhor Frene. — Então,

entremos em ação!

E como em um vídeo game do futuro, conforme os

moleques tentavam me agredir, os três, lá no espaço,

batalhavam por mim.

Eu já de cueca, estava rindo. Era realmente isso o

que teria acontecido. Então olhei para o alto e disse

sozinho:

— Obrigado senhor Frene! Tenho certeza que foi o

senhor!

Acabei de me trocar e fui almoçar com os demais,

que já estavam a postos, defronte à mesa. Sentei-me,

observando na parede, uma foto minha, com roupas de

astronauta:

O retorno do menino do espaço

187

— Como está indo de escola, Regis? — Perguntou-

me papai.

— Eu?! — Me espantei, olhando para Paulinho. —

Muito bem! Estou me adaptando!

— Adaptando a que? — Quis saber mamãe.

— É… — Me embaracei. — Ao convívio com

crianças maiores do que eu!

E assim, conversando meio preocupado,

continuamos o delicioso almoço, preparado por mamãe,

que era ótima cozinheira.

Ao terminar o almoço, corri a meu quarto e me

deitei para descansar um pouco. Aquilo já era uma rotina:

sempre dormir um pouco após o almoço.

Acordei por volta das três horas da tarde e

encontrei mamãe, ainda trabalhando na cozinha.

— De novo não ajudei você, mamãe! — Insinuei

triste. — Me desculpe!

— Não se preocupe! — Pediu ela. — Quero que

você cumpra apenas a sua obrigação!

— E qual é minha obrigação? — Perguntei

duvidoso.

— Estudar, ser criança e ser feliz!

— Puxa mamãe! — Ri alegre. — Sou o menino mais

feliz do mundo!

— É isso o que mais queremos! — Disse ela com

sinceridade.

— Posso ir à casa da Beth?

— Dê-me um beijo!

Atendi seu pedido com carinho e saí às pressas de

bicicleta até a casa de Beth, que ficava a quatro quadras de

nossa casa.

Chamei no portão e sua mãe me atendeu. Como

sempre, muito feliz, me cumprimentou:

Celso Innocente

188

— Bem vindo Regis! Entre!

Adentrei a sua sala, onde encontrei Beth sentada no

sofá, com um livro na mão.

— Oi Beth! — Cumprimentei-a. — Estudando, pra

variar?

— Não! Estou apenas lendo um romance!

Beijei-a no rosto, sentei-me a seu lado e perguntei:

— Bonita história?

— “Amor, O Pacto Quebrado”!19 Muito lindo! E

você? Como está?

— Briguei na escola! — Contei-lhe um tanto

chateado.

— Você! Regis! Brigou na escola?

— Briguei!

— Duvido! Ninguém ousaria brigar com você!

— Três grandalhões brigaram comigo… Mas não se

preocupe! Correu tudo bem!

— Bateram em você?

— Não deu muito certo pra eles!

— Se alguém bater em você, me avise! — Disse ela

brava. — Juro que vou lá e arrebento a cara do ordinário!

— Calma Beth! — Pedi rindo exageradamente. —

Não tenha tanta violência!

— Você é meu namorado! Protegerei você com

unhas e dentes!

— Obrigado! — Agradeci ainda rindo. — Paulinho

e seus amigos me protegeram!

— Mesmo assim, dê meu recado, a quem quer que

seja! — Pediu ela ainda brava. — Ai de quem relar os

dedos em você!

19 Obra de “Barbara Cartland”

O retorno do menino do espaço

189

— Não se preocupe! No geral, sou amigo de todos!

— Também acho que seja!

— Sabe Beth! Eu te amo muito e sei que você gosta

muito de mim também...

— Gosto muito uma ova! — Reclamou ela. — Te

amo do fundo de meu coração!

— Obrigado! Mas é por te amar, que quero lhe

pedir algo.

— O que você vai inventar agora?

— Você terá que arranjar outro namorado!

— Pare com essa conversa, menino! — Disse ela,

fingindo braveza. — Já tivemos esse papo e não vou deixar

que você me abandone.

— Não quero te abandonar! — Insinuei triste. —

Mas você não vai poder me esperar! Daqui a pouco tempo,

estarei parecendo seu filho!

— Que assim seja!— Disse ela. — Se não podermos

casar, terei você como a um filho!

— Mas você precisará de um marido!

Pôs o dedo indicador direito em meus lábios, como

de costume e disse:

— Não quero um marido! Só amo você... gatinho!

Dona Joana apareceu na sala e disse:

— Parem com esse namorico e venham tomar um

suco!

©©©

Às sete horas da manhã seguinte, já dentro da sala

de aula, enquanto aguardávamos a entrada da professora,

dona Izabel, de Ciências. Daniel, talvez pra não mostrar

moleza, se aproximou de minha carteira, puxou minha

camisa no ombro e disse:

Celso Innocente

190

— Olha aqui seu molequinho! Não esqueci o que

aconteceu ontem não, tá! E não vá dar de bebê chorão,

correndo a contar pro irmãozinho não, viu! Se você bobear,

vou acabar com sua panca de metido! Ontem você levou

muita sorte, mas a sorte não acontece todo dia não! Certo?

É melhor ficar esperto!

— Cala a boca Daniel! — Gritou sua irmã Andréia,

se levantando. — Deixe o menino em paz! Vá mexer com

alguém do seu tamanho!

— Você que não se meta! — Ameaçou ele, a própria

irmã. — A conversa não chegou ao galinheiro ainda!

— Vá ser valentão com alguém de sua laia! Você

quer mostrar de valente por cima de Regis, só porque ele

não fez o trabalho de mão beijada pra você! Ele agiu

corretamente. — Olhou pra mim e disse. — Parabéns

Regis! Se todos os garotos agissem como você, não teria

valentão explorando as crianças menores!

— Dá próxima vez, estarei na equipe deste pirralho

novamente! — Afirmou Daniel. — Quero ver quem vai

impedir!

— Não quero estar na sua equipe! — Neguei um

pouco assustado.

— Veremos! — Disse ele, rangendo os dentes.

Nesse momento, a professora dona Izabel, entrou

na classe. Todos se sentaram. Quando Daniel se virou para

seguir até seu lugar, sua camisa enroscou na carteira de

Alex, que sentava atrás de minha carteira, fazendo com

que ele saísse tropeçando quase caindo, com a camisa

rasgada. Toda a sala de aula riu, inclusive Evandro e

Marcio. Apenas três pessoas não riram: o desastrado

Daniel, bufando de raiva, eu por medo e a professora por

respeito.

O retorno do menino do espaço

191

Na saída, adotei uma estratégia diferente ao dia

anterior. Aguardei que praticamente todos os alunos se

retirassem da escola, saindo quase por último. Apanhei

minha bicicleta e avistei Paulinho, me aguardando na

esquina. Acho que Daniel, Marcio e Evandro, resolveram

deixar de confusão, pois como só estavam eu e Paulinho,

éramos presas fáceis demais para eles.

Celso Innocente

192

O retorno do menino do espaço

193

Cachorro que ladra não morde.

pesar destes pequenos desentendimentos no

começo do ano letivo, no mais, tudo correu

muito bem. Tornara-me amigo de todos e era considerado

assim, um gênio de inteligência e por outro lado, uma

mascotinho frágil da classe. Todos tinham muito zelo por

mim, querendo me proteger de tudo e de todos.

O fato de uma longa viagem espacial ter-me

tornado um garoto especial, foi aos poucos sendo

esquecido e quase ninguém mais entrava nesse assunto,

quando me viam ou vinham falar comigo. Ninguém da

NASA, jamais veio me procurar. Nem mesmo um único

jornalista abordava mais este assunto. Continuava sendo

especial, não por ter viajado no espaço, mas por ter parado

no tempo do crescimento ou envelhecimento.

©©©

Estávamos já no final do mês de Março, eu já teria

completado dezoito anos de idade e os dias letivos

seguiam sem muitas novidades. Porém a professora Rosa,

de Matemática, resolveu nos mandar fazer um trabalho,

A

Celso Innocente

194

valendo dois pontos, para ser somado à nota do primeiro

bimestre escolar.

— Quero que vocês se reúnam em grupinhos de

quatro ou cinco e façam uma atividade juntos, tipo testes

de que-i20.

— O que é isso? — Questionou duvidoso Victor.

— Vou explicar! — Se dirigiu ao quadro a mestra,

escrevendo um breve exercício: Complete com os númerais que estão faltando:

1 – 2 - .... – 8 – 16 - ..... 64 — Quem sabe completar?

Vários alunos levantaram o braço e ela pediu:

— Responda você, Victor!

— É o quatro e o trinta e dois!

— Muito bem! Todos conseguiram enxergar isto?

Já que não houve dúvidas, ela continuou:

— Cada grupinho fará um trabalho assim, criando

dez exercícios diferentes. As respostas deverão estar em

folha separada.

— Meu grupo vai ser, eu, o Marcio, o Daniel e o

Mateus. — Se prontificou o complicado Evandro.

Pelo menos não me adotou.

— Não quero ser do grupo de vocês! — Negou o

menorzinho da turma, depois de mim, Mateus.

— Que isso Mateus! — Resmungou Marcio. — Tá

excomungando seus colegas?

Percebi que os aproveitadores da turma, me

deixariam em paz, mas que explorariam outro mascotinho.

Mateus, branco, de cabelos loiros, cortado em estilo

curto, apesar de ter completado treze anos de idade, assim

20 Q.I – Quociente de inteligência ou nível mental.

O retorno do menino do espaço

195

como eu, não parecia ter mais do que seus nove e por isso

mesmo, recebeu o apelido de “Grilo”.

Ao perceber a imposição dos tipos exploradores,

contra indefeso, acho que nem pensei direito e me ofereci.

— Eu também serei do grupo de Mateus!

— Ninguém convidou você pro nosso grupo! —

Negou Daniel.

— Eu não quero estar nesse grupo! — Reclamou

Mateus.

— Você não me quer no grupo, Mateus? — Insisti.

— Você eu quero! Não quero ser do grupo do

Evandro!

— Já está combinado! — Se prontificou Daniel. —

Seremos nós quatro, mais o oferecido do Regis! Espero que

ele não crie problemas.

— Chega meninos! — Pediu a mestra. — O grupo

vocês escolhem depois! O trabalho é pra ser entregue

amanhã. Portanto, ter que ser feito ainda hoje!

Ao final do período escolar daquele dia, na saída do

portão, barrei os quatro companheiros, perguntando:

— A que horas vamos fazer nosso trabalho?

— Às nove horas da noite, em minha casa! — Se

prontificou Daniel.

— Até parece que mamãe me deixa sair de casa

neste horário! — Reclamou (com razão) o pequeno Mateus.

— O bebê tem medo de escuro? — Caçoou

Evandro.

— Nem minha mãe me deixa sair de casa neste

horário! — Neguei sério. — E mesmo que ela deixasse eu

não sairia!

— Por quê? — Riu Evandro. — Nessa hora os

bebezinhos precisam vestir fraldas?

Celso Innocente

196

— Podemos fazer o trabalho às três horas, em

minha casa! — Ofereci.

— Ninguém vai querer ir à sua casa! — Negou

Marcio. — Jardim Brasília! Isso não é morar! É esconder!

— Podemos fazer em casa. — Ofereceu Mateus. —

Eu moro aqui perto, na mesma rua da escola (Minas

Gerais).

©©©

Cinco minutos antes das três horas daquela tarde,

chamei no portão de uma bonita casa, construída no alto

de um terreno e pintada nas cores azul (por fora) e gelo

(por dentro). O mesmo coleguinha de escola, me atendeu,

abrindo o portão de ferro e me convidando a entrar.

Arrastei minha bicicleta média, para seu quintal,

subi cinco degraus de escadas e adentrei ao interior de sua

sala, onde fui recebido com um beijo carinhoso na face, por

uma linda e jovem mulher, branca, de cabelos castanhos

longos e belo sorriso.

Dois minutos depois, já estávamos ajoelhados no

tapete daquela sala, ao lado de uma mesinha de centro,

feita de mogno, dando início aos rascunhos de nosso

trabalho, proposto pela professorinha Rosa.

— Será que os meninos virão? — Perguntou-me

Mateus.

— Acho que não!

— Colocaremos os nomes deles?

— Claro que não! — Neguei com toda certeza.

E assim, de um jeito até divertido, elaboramos,

rascunhamos, rabiscamos, refizemos e depois de decidido,

paramos para um gostoso café da tarde, com bolo de

laranja, pão caseiro com manteiga e suco de goiaba

vermelha, preparado carinhosamente por dona Christina,

O retorno do menino do espaço

197

(a mãe de meu parceiro de trabalho) na belíssima copa

daquela casa.

Depois, voltando à sala, eu mesmo, por ter a letra,

considerada menos feia, passei a limpo, o seguinte

trabalho:

Celso Innocente

198

Às dezessete horas, com nossa missão cumprida,

sem a ajuda dos demais companheiros de equipe e com o

dever em posse de Mateus, retornei à minha casa, distante

quase três quilômetros dali.

No início da primeira aula do dia seguinte, assim

que concluiu a chamada, dona Rosa pediu:

— Vamos recolher os trabalhos. Todas as equipes

fizeram?

Um a um, os membros das equipes, foram

entregando seus trabalhos e eu tive uma pequena surpresa,

quando, Evandro, com sorriso besta na cara, se levantou e

levou um trabalho pronto para a mestra.

Tudo bem! Concordei comigo mesmo. Nada contra

ele ter mudado de ideia e feito seu próprio trabalho, sem a

nossa ajuda.

O problema foi que Mateus nem se levantou de seu

lugar.

Fiz gestos para ele, que mostrou um sinal de que os

grandalhões teriam se apoderado de nosso trabalho e

acrescentado seus nomes à ele.

Baixinho encardido poderia ser eu!

Não era justo e eu não aceitaria.

Assim que todos entregaram seus trabalhos, dona

Rosa, ainda perguntou:

— Todos entregaram?

Concordo que um pouco assustado, com o coração

descompassado, levantei a mão direita:

— O que houve Regis? — Questionou-me ela.

— Nosso trabalho está com problemas!

— Como assim? Não dá mais pra corrigir não!

— Posso ver ele?

— Venha cá!

O retorno do menino do espaço

199

Me aproximei e ela mesmo, procurando entre

todos, o encontrou dizendo:

— Regis, Mateus, Evandro, Marcio e Daniel. É este?

— Este trabalho foi feito apenas por mim e Mateus!

— E por que consta o nome dos demais?

— Não foi feito por eles! — Neguei muito nervoso.

— Quero que tire o nome deles!

— O Regis está ficando biruta, professora. —

Interferiu Evandro. — É claro que nós ajudamos no

trabalho! Não tá vendo nossos nomes?

— Aliás! — A alegou. — As únicas letras de vocês

aqui, estão nos nomes. No resto, só vejo mesmo é a letra de

Regis!

Celso Innocente

200

— Eu fiz o rascunho com Mateus. — Expliquei. —

Na hora de passar a limpo, decidimos que eu escreveria.

— E por que o nome dos outros estão aqui?

— O Mateus deve saber!

— Por que Mateus? — Perguntou-lhe a mestra.

O menino amedrontado, apenas balançou os

ombros.

— Está decidido! — Afirmou a mestra, rabiscando

três nomes daquele trabalho. — Marcio, Evandro e Daniel,

se quiserem, ainda terão outra chance de fazer um trabalho

e me entregarem na aula de amanhã.

Ao final daquele dia letivo, com medo de confusão,

na saída das aulas, fingi precisar ir ao banheiro e só sai

para a rua, quando todos praticamente já teriam ido

embora, restando apenas Paulinho, me esperando, sentado

em sua bicicleta.

©©©

Já em sala de aulas, na manhã seguinte, percebi que

algo estava errado, observando Mateus cabisbaixo, sentado

quietinho em seu lugar, na quarta fila, primeira cadeira.

Eu, sentando-me na segunda fila, segunda cadeira, tentei

perguntar-lhe o que se passara, obtendo a resposta de

Lúcia:

— O Evandro, cercou e maltratou ele na entrada da

escola, baixando sua calça, na frente de todo mundo.

Se eu detestava me expor despido, tinha certeza de

que todas as crianças detestam.

Novamente meu sangue de baixinho encardido,

chegou a mil graus dentro das finas veias. Olhei furioso

para o grandalhão, que de posse de um trabalho de

matemática, que possivelmente teria feito na tarde

anterior, mostrava um sorriso idiota e percebendo minha

ira, caçoou:

O retorno do menino do espaço

201

— Acho que tá na hora das pessoas se colocarem

em seus lugares!

Abri minha bolsa, apanhei minha garrafinha de

boca larga, cheia de achocolatado quase quente, abri-a e

me dirigi ao grandalhão, que se distraíra e sem pensar,

dominado por desejo de justiça e ódio, despejei todo

aquele líquido marrom em sua cabeça, espalhando por

toda sua roupa, carteira e trabalho a ser entregue.

O idiota deu um grito, saltou para trás e toda a sala

de aula, inclusive seus dois comparsas, riram de tal atitude

corajosa, proporcionada por um pivetinho como eu.

Voltei para minha cadeira, enquanto o professor

Valter adentrava à sala e ao ver tal cena, perguntou:

— O que houve aqui?

— Regis, — Insinuou o grandão com a cara

faiscando de ódio. — considere-se um moleque morto!

©©©

Como diz um ditado popular, cão que ladra não

morde, portanto, apesar de Evandro tentar me cercar

sozinho por vários dias seguidos, sem, contudo conseguir,

pois eu sempre me protegia debaixo das saias (ou calças)

de meu irmão, os dias passaram normalmente, sem que

eles voltassem a interferir na vidinha dos menores, que de

certa forma, eram mesmo protegidos pelos demais colegas

de boa índole.

Ao final daquele ano letivo, concluí a sétima série

com ótimas notas, estando entre os primeiros alunos da

sala de aula.

No ano seguinte, não houve maiores problemas.

Cursei a oitava série na mesma escola, com praticamente

os mesmos professores e mesmos colegas de classe. Todos

os que estavam na sétima série foram aprovados e com

isto, tivemos apenas o acréscimo de dois novos colegas,

Celso Innocente

202

repetentes da oitava série anterior: Jean, que reprovou por

ter ficado doente e abandonado a escola no mês de Junho

passado e Renato, que teve problemas devido à separação

de seus pais e acabou desanimado, deixando de ser um dos

primeiros alunos de classe, acabando o ano em último

lugar.

Neste ano, também não houve maiores problemas.

Minha vida seguia na mesma rotina: escola, dormir após o

almoço, ajudar um pouco mamãe, andar de bicicletas,

brincar na rua próximo de casa, com Mateus (não o Grilo) e

Leonardo, que eram dois amiguinhos de meu tamanho e

visitar Beth, sempre! Continuava apaixonado por ela e era

retribuído com o mesmo carinho especial. Mas o fato é que

ela já completara dezenove anos e eu continuava com a

mesma cara de menininho, de sempre.

Nossa formatura de oitava série houve até colação

de graus, festa e baile. Fui na colação de graus, mas não na

festa. O que um menininho de nove anos de idade, iria

fazer em um baile de formaturas?

O retorno do menino do espaço

203

Triste história de amor

ara o primeiro ano colegial, mamãe me matricu-

lou também no período da manhã, na Escola

Estadual de Primeiro e Segundo Grau Professora Yone

Dias de Aguiar.

Primeiro dia de aula: onze de fevereiro de um mil

novecentos e noventa e um, sete horas da manhã. Quando,

pequenininho, de uniforme, sendo muito observado pelos

demais colegas, todos na faixa etária entre quinze e dezoito

anos, atravessei o portão de entrada e fui barrado pelo

inspetor de alunos, senhor Marcelo, que me segurando

pelos braços, perguntou:

— Aonde você vai garoto?

— Pra sala de aula! — Respondi surpreso. — Vou

estudar aqui, no primeiro ano!

— Aqui não tem primeira série no período da

manhã! — Informou-me ele. — Você deve estar

matriculado no período da tarde!

— Não estou na primeira série! — Neguei. — Estou

no primeiro ano colegial!

Ele me olhou dos pés à cabeça, se lembrou de algo e

disse:

P

Celso Innocente

204

— Espere aí! Estou conhecendo você! Você é aquele

garoto que esteve no espaço?

Acenei que sim.

— Venha comigo!

Levou-me até a presença da diretora, dona Luciana.

O fato era: Quando mamãe me matriculou, não

informou quem seria eu. Quer queira, quer não, isto seria

necessário, pois, mesmo tentando ser igual aos demais, eu

era muito diferente, tipo assim, uma aberração da

natureza21 e com isto, ninguém me esperava por lá.

— Ele está no primeiro ano do segundo grau e vai

estudar conosco! — Disse o inspetor à diretora.

Ela me olhou por cima dos óculos e disse:

— Não é que finalmente vou conhecer o menino

que veio do espaço!

Fiquei calado.

— Sente-se! — Pediu-me educadamente. — Me

desculpe o transtorno! É que não sabíamos de sua vinda!

— Acho que mamãe deveria ter explicado melhor,

no ato da matrícula!

— Tudo bem! Pra você enfrentar uma escola

secundária, não haverá problemas?

— Não! — Neguei sério.

— Pra nós também não! Você não é tão diferente

assim! — Insinuou ela rindo.

— É que eu me camuflo muito bem! — Insinuei me

levantando e representando. — Escondo minhas garras

afiadas... Minha cara enrugada... Minha língua comprida...

E meu cuspe ácido que corrói qualquer pessoa!

21 Não gosto de usar este termo, pois dá a impressão de algo horrível e

monstruoso, o que felizmente não se aplicava a mim.

O retorno do menino do espaço

205

— Você não é um alienígena tão feio assim! —

Brincou ela. — Mas acho melhor que eu o apresente a sua

nova sala de aula. Pode ser?

— Até agradeço à senhora! — Tornei me sentar.

— Esperemos que as aulas se inicie e iremos até sua

sala!

Voltou a seus afazeres matutinos, enquanto eu

aguardava o início daquele primeiro dia letivo.

Dois minutos depois, soou o sinal. Mesmo assim,

ela esperou mais alguns minutos e só depois, se aproximou

dizendo:

— Vamos lá!

Levantei-me e ela prosseguiu:

— Saiba que me sinto privilegiada, em contar com

você em nossa escola.

— Obrigado, de coração! É muito bom ser bem

recebido!

— Eu sei! — Riu ela. — Espero que não mostre suas

garras!

— Consigo me controlar!

— Então vamos lá?

Seguimos pelo corredor, até a sala, onde estava

escrito no alto da porta: 1º Colegial A. Pediu licença e

entramos:

— Classe! — Chamou ela. — Professora Janete:

primeiramente, quero desejar-lhes muito boas vindas ao

primeiro ano do segundo grau. Tenho certeza de que entre

vocês, muitos são novos em nossa escola, vindo de outros

colégios, aonde o ensino fundamental só vai até a oitava

série. Portanto, entre vocês, quem veio de outras escolas?

Doze adolescentes levantaram as mãos.

— Desejo a vocês que vieram de outras escolas, que

sintam-se felizes em nosso meio e aos que já eram de nossa

Celso Innocente

206

escola e nos conhecem, que recebam bem os novos

companheiros e continuem se dedicando. Agora ainda

mais, pois o segundo grau é um pouco mais… não digo

difícil, mas sim, esforçado. Aparecerão novas matérias:

Biologia, Física, Química, Fisiologia… Com isto, temos que

nos dedicar ainda mais. Estamos de acordo?

Alguns da classe, principalmente as meninas,

disseram sim. Dona Luciana prosseguiu:

— Agora quero apresentar a vocês, inclusive a você

Janete, — Disse segurando o braço da professora. — Mais

um coleguinha de classe. Trata-se de Regis Fernando. Acho

que a maioria de vocês já o conhecem e aqueles que ainda

não o conhecem, Regis esteve ausente da Terra por um

longo período e após seu retorno há quase... três anos, —

Me olhou, perguntando. — É isso Regis?

Acenei positivamente e ela prosseguiu:

— Então Regis voltou à escola e agora nos dará o

privilegio de sua companhia, durante os próximos três

anos. O que peço a vocês, é que o tenham como a um

grande amigo, lhes dando apoio e contando com o apoio

dele também! Regis é um menino muito especial e tenho

certeza de que ele vai nos ajudar muito, principalmente

trazendo fatos que ele aprendeu, visitando outros lugares

desconhecidos por nós. Outros planetas… a NASA…

Podemos contar com você, Regis?

— Claro que sim! Se eu for útil…

— Como não sobrou nenhum lugar vago aqui na

frente, gostaria de pedir: se alguém aqui da frente puder

ceder o lugar à Regis. Ninguém é obrigado! — Riu ela

carinhosamente. — É que ele é um pouco menor do que

vocês! Então seria útil ele sentar-se à frente do grupo!

— Não se preocupe dona Luciana! — Pedi. —

Estarei bem, mais ao fundo também!

O retorno do menino do espaço

207

— Lembre-se! — Prosseguiu a diretora. — Não é

privilegio! Digamos assim, que se faz necessário.

Dois meninos se levantaram ao mesmo tempo.

— Pode usar este lugar! — Disse um deles,

seguindo a um lugar vago, cinco cadeiras mais ao fundo.

— Como você se chama? — Perguntou a diretora.

— Leandro! — Disse ele calmamente.

— Obrigado Leandro! Pode se sentar Regis!

Sentei-me na primeira cadeira da terceira fila, ao

lado da porta. A diretora se retirou e Janete prosseguiu:

— Muito bem então! Seja bem vindo a nossa sala,

Regis. Eu me chamo Janete e lecionarei Biologia, que é uma

matéria que estuda…

— A vida! — Exclamei.

— Isso mesmo! É quase a mesma coisa do que

vocês estudaram em Ciências, no ginasial. A diferença, é

que aqui a gente vai se dedicar mais ao estudo de vidas

microscópicas: amebas... Protozoários e seres unicelulares.

Alguém sabe dar um exemplo de algo que tem apenas uma

célula?

— Gema de ovo! — Disse Leandro.

— Parabéns!

Ao contrário do que imaginava, fui muito bem

recebido no início de meu segundo grau. Imaginava que

muitos colegas iriam caçoar de meu pequeno tamanho, me

chamando de tampinha, grilo, anão, mascotinho, pequeno

polegar… Mas não. Acho que por isto mesmo, todos me

tratavam super bem e com muito respeito. Parecia que

cada um deles, queria cuidar melhor ainda de mim...

Tinham-me, realmente como uma mascote e admiravam

eu saber tanto quanto eles; acreditavam que eu era um

menino prodígio; não conseguiam me imaginar com vinte

Celso Innocente

208

anos de idade. Para eles, a aparência era o que importava e

então eu teria apenas nove anos e pronto!

No começo do ano letivo, minha classe tinha trinta

e quatro alunos. Três deles: André, Daniel e sua irmã

Andréia, vieram do Marcos Trench e já eram meus velhos

conhecidos. Os demais eram: Leandro, que me cedeu o

lugar, Felipe, Lucas, Renato, Marcelo, César, dois Paulo

Sergio, dois Alexandre, Mateus, Leonardo (não eram meus

vizinhos), Pedro Henrique e Fabio. As meninas eram:

Lucia, Cristiane, Mariana, Joana, Mirian, Lauriana, Letícia,

duas Fátima, Ivana, Maria Eduarda, Márcia, Eliane, Luana,

Conceição e Sonia.

Quase meio dia, chegando de volta à minha casa,

acompanhado por Paulinho, que após um ano separado,

voltara a ir para a escola comigo, estando ele no segundo

ano do colegial, também estudava no Yone. Quando

mamãe nos viu chegar, perguntou-me:

— Como foi seu primeiro dia de aula?

— Surpresa pra todo mundo! — Aleguei. — Até pra

diretora! Ninguém esperava um menininho de nove anos

no segundo grau!

— E então?

— Até o inspetor de alunos me barrou na entrada!

Disse que lá não tinha primeira série!

— Queriam te mandar de volta pra primeira série

Regis?! — Se admirou Leandro, que já estava almoçando.

— Pra você ver o que tenho que passar!

Segui para o quarto e me troquei de roupas,

vestindo um velho short cinza e camiseta sem cavas

branca; depois, descalço, segui para a mesa, almoçar com

os demais.

Quase cinco horas da tarde, após almoçar, dormir

um pouco e ajudar mamãe a passar pano molhado pra

O retorno do menino do espaço

209

limpar o chão, apanhei minha bicicleta e fui até a casa de

Beth, contar minhas aventuras, em meu primeiro dia de

aula no segundo grau. Chamei no portão e sua mãe me

atendeu, pedindo que entrasse.

Coloquei a bicicleta na varanda de entrada e segui

com sua mãe até a sala, onde a encontrei sentada, quase no

colo de um rapaz de sua idade. Meu coração bateu

desesperado. Ela deu um risinho pra lá de fingido, me

dizendo:

— Oi Regis! Este é meu amigo Peter!

Amigo! Pensei trêmulo! Nem eu, que a namoro a

tantos anos, jamais me sentei tão próximo.

— Como vai garoto? — Perguntou-me ele cínico. —

Beth fala muito em você!

— Es…tou bem… Obrigado! — Quase nem

consegui falar.

— Sente-se! — Pediu ela. — Estamos planejando

um trabalho.

— Não… — Neguei. — O... brigado… Só dei uma

passadinha… Também tenho um trabalho…

— É verdade! — Disse ela. — Agora você está no

colegial. Terá muitos trabalhos. Quando precisar posso

ajudá-lo.

— Está bem! Agora já vou indo. Tchau!

Saí que nem uma bala da casa dela e acho que

cheguei à minha casa, em menos de trinta segundos; joguei

a infeliz bicicleta no chão do quintal e corri a meu quarto,

onde, deitei-me de bruços e estava chorando. Fazia muito

tempo que não chorava mais. Porem, desta feita, não era

choro bobo de criança saudosa! Parecia mais um choro de

adulto! Meu coração batia dolorido, assustado e com raiva.

Beth era muito ingrata, cínica e fingida.

Celso Innocente

210

Acho que mamãe me viu entrar quase correndo.

Então entrou em meu quarto e me vendo de bruços

soluçando, sentou-se a meu lado e perguntou:

— O que há com você, Regis?

Sentei-me a seu lado e parecendo querer um forte

abraço, disse, soluçando muito:

— A Beth é uma safada!

Acho que ela percebeu do que se tratava. Abraçou-

me, perguntando:

— Ela terminou com você?

— Pior que a safada nem fez isso! — Disse

chorando. — Mas acabei de vê-la, sentada praticamente no

colo de um rapaz.

— Ela não pode ser sua, filho!

— Sei disso mamãe! Mas eu a amo muito!

— Esse amor não daria muito certo!

— Fale isso pro meu coração!

Ela riu carinhosamente, deu um beijo suave em

meu peito e tornando a me abraçar apertado, disse:

— Chore mesmo! Isso lhe fará muito bem! Eu não

consigo encontrar nada pra lhe confortar.

Papai, que acabara de chegar do trabalho, chegou

até a porta do quarto; mas mamãe, o vendo, colocou o

dedo indicador na boca, esboçou um leve sorriso, como a

pedir silêncio. Ele, sem entender muito, se afastou.

— Mamãe… O que vou fazer agora? — Chorei

ainda mais.

— Por enquanto, só chorar. — Disse ela carinhosa-

mente. — Depois, aos poucos, essa dor se cicatrizará.

— Ela é uma falsa!

— Acho que não filho! No fundo, ela te quer muito

bem! Pode ter certeza! Depois, eu mesmo vi você aconse-

lhando ela a arranjar outro namorado.

O retorno do menino do espaço

211

— Eu sei! Mas eu não queria isso!

— Faz o seguinte: Vou te deixar sozinho. Pode

chorar até acabarem essas lágrimas. Você ficará bem!

— Meu coração dói muito, mamãe! — Chorava

mais.

— Eu sei que dói! — Acariciou meu peito, como se

fosse uma massagem.

— Dá vontade esquecer que sou homem e dar um

murro na cara dela!

Mamãe riu de meu jeito de falar, se levantou e na

saída da porta ainda me disse:

— Se precisar, é só me chamar.

E se retirou.

Voltei a me deitar e permaneci ali, imaginando um

milhão de coisas: ora a favor de Beth, ora contra ela. O fato

era que, embora concordasse que ela deveria arranjar

alguém para lhe fazer realmente feliz, como mulher; por

outro lado, não aceitava perdê-la assim, para um estranho,

que acabava de chegar do nada.

Só às sete horas da noite, me levantei indo direto

tomar um banho demorado. Retornei ao quarto enrolado

na toalha, acabei de me enxugar e me vesti com roupas de

dormir: uma camiseta verde clara, sem cavas e uma cueca

da mesma cor, tipo samba canção de algodão. Segui para a

copa, onde papai, mamãe, Paulinho e Letícia, estavam

reunidos para o jantar.

Durante aquela refeição, quase ninguém conversou.

Eu também permaneci calado, só pedindo licença para ser

o primeiro a sair da mesa e ir para a sala, assistir televisão.

Nem sei o que estava passando, pois com milhões de

pensamentos na cabeça, meus neurônios não conseguiam

processar mais nada.

Celso Innocente

212

Em seguida, papai e Paulinho vieram juntar-se a

mim, enquanto mamãe e Letícia lavavam a louça do jantar.

Os demais irmãos, não jantaram em casa, devidos alguns

compromissos. Percebi que papai queria tocar em meu

assunto particular, para me dar alguns conselhos, mas

talvez não encontrando palavras, preferisse calar-se.

Ainda não eram nove horas, quando me levantei,

disse boa noite a todos e fui me deitar. Ninguém contestou,

pois já era de costume mesmo, eu dormir cedo, pois

sempre acordava no máximo às seis horas da manhã.

Logicamente não dormia mais com meus pais e

mesmo com Paulinho, que desde quando papai encostara

sua cama à minha pela primeira vez e eu amanheci

abraçado a ele em sua cama, aos poucos esse velho hábito

foi se tornando insignificante e nem mesmo sei, quando foi

que acabei por abandonar tal costume bobo, de criança

medrosa.

Era madrugada, quando tive um sonho diferente

com Beth: sonhei que estava sem camisa e a beijava nos

lábios, como nunca fizera antes; um beijo longo e

apaixonado e ela acariciava meu corpo inteiro. De repente,

apareceu Peter, com um chicote de couro cru nas mãos e

quando me deu a primeira chicotada, acordei assustado,

chamando:

— Mamãe!

Ela apareceu num instante. Sentei-me na cama e ela

me abraçou dizendo:

— Calma! Já passou!

Eu estava suado.

— Você está ardendo em febre! — Disse-me ela. —

Vou lhe dar um remédio.

Enquanto ela foi preparar um remédio, papai, que

também surgira, sentou-se a meu lado.

O retorno do menino do espaço

213

— Você teve um pesadelo? — Perguntou-me ele.

Acenei que sim.

Não era um pesadelo! A princípio era um sonho

bom!

Mamãe retornou rápido, tomei o remédio

preparado por ela e voltei a me deitar.

— Boa noite mamãe! Boa noite papai!

— Se precisar de algo, você chama! — Disse-me

papai.

— Obrigado! Vou ficar bem!

Em menos de cinco minutos estava novamente

dormindo.

Fazia muitos anos que não ficava doente. Não seria

normal ter tal febre. Mas acho que a danada não vinha de

meu organismo imortal e sim de uma alma apaixonada.

Acordei às seis horas e como de costume, fui direto

ao banho. Encontrei papai na entrada do banheiro.

— Volte pra cama, Regis! — Disse ele. — Falte à

aula hoje!

— Não papai! — Neguei. — É começo de ano e eu

estou bem! Não precisa se preocupar!

— Mas você teve febre alta, à noite!

— Era dor de cotovelo! — Insinuei com um sorriso

forçado.

Papai riu e eu entrei no banho.

©©©

Já eram mais de três horas da tarde, eu estava na

sala, fazendo o que a maioria das crianças fazem:

assistindo a um filme na televisão. Por ironia, se tratava de

“Meu primeiro Amor”, uma linda história de amor, vivida

por duas crianças, com final nada feliz.

Celso Innocente

214

Alguém chamou no portão e mamãe foi atender.

Em menos de trinta segundos, Beth, sozinha, entrou na

sala.

— Oi Regis! — Cumprimentou-me ela, com voz de

piedade.

— Oi. — Respondi secamente.

— Posso me sentar?

Acenei que sim.

Ela sentou-se bem próximo.

— Está bravo comigo?

Não respondi.

— O Peter? Realmente já faz algum tempo que a

gente se conhece! Nunca lhe falei dele, pois éramos apenas

amigos!

— Não parece! — Duvidei.

— Realmente! A gente começou a namorar ontem!

Eu deveria ter lhe contado! Mas nem deu tempo!

— E eu? — Comecei a chorar.

— Regis! — Levantou meu queixo. — Olhe pra

mim! Já tenho vinte anos e nunca namorei outra pessoa!

Você era meu primeiro e único namorado! Mas pense bem:

vou acabar ficando pra titia! Depois, foi você mesmo quem

me aconselhou a arranjar alguém! Não foi?

— Mas era da boca pra fora! — Continuei

chorando.

— Eu continuo querendo você! Mas é um amor

especial! Um amor diferente!

— Vai namorar aquele rapaz?

— A gente se gosta!

— Então vou arrancar meu coração!

— Vai nada! — Riu ela. — Você é muito especial

pra mim!

Passou a mão em meus olhos, dizendo:

O retorno do menino do espaço

215

— Enxugue essas lágrimas! Não sofra! A gente vai

continuar sendo os mesmos! Tenho certeza que você

gostará de Peter! A gente fala muito de você!

— O que vai ser de mim, Beth? Não consigo aceitar

você com outra pessoa! — Continuava chorando.

— E quando eu estiver velhinha, parecendo sua

vovó e você continuar sendo um gatinho como hoje! O que

vai ser de mim?

— Você não será velhinha e eu gatinho!

— Imagine o ano de dois mil e trinta! Vamos estar

na faixa dos sessenta anos! Só que você continuará com

essa carinha bonita de nove anos.

— Será!

— É o que parece!

— Não quero perder você, Beth! — Falei soluçando.

— Você não me perderá! Mesmo eu namorando

Peter, vou continuar a ter por você, o mesmo carinho que

tenho hoje.

— E ele?

— Tenho certeza que ele vai ter um carinho especial

por você também! Ele é muito bom! Garanto que não terá

ciúmes de você!

— Estou com o coração partido! — Insinuei com

sinceridade.

— Não fique assim!

Levantou-se.

— Vamos comigo visitar o Peter! Quero apresentar

direito, você a ele!

Acenei negativamente.

— Como não?

— Quem sabe depois que eu me recompor!

— Não quero vê-lo triste!

— Acho que vou ficar bem!

Celso Innocente

216

— Não tenha mágoa de mim! Pensa que eu também

não sinto dor no coração, em tomar uma decisão assim?

— Acredito em você!

— Jura?

Acenei que sim.

— E me perdoa?

— Já sabia que isto teria que acontecer um dia!

— Pois é! Você mesmo me aconselhou!

Deu-me um beijo na face, disse tchau e se retirou.

Talvez fosse aos braços de Peter.

Desliguei a televisão, deitei em minha cama e

continuei chorando, ainda mais.

©©©

Beth namorou firme com Peter, por mais de dois

anos, então se casou na Igreja Matriz (Santuário de São

Francisco de Assis), no centro da cidade. Eu, ainda

sonhando com ela, vi como estava bela, vestida de noiva.

Não iria cumprimentá-la, mas como ela me viu, julguei que

seria falta de educação, então a abracei em silêncio:

— Você está trêmulo Regis! O que há?

Ao olhar-me nos olhos, percebeu minhas lágrimas.

— Que isso menino? Já falamos muito sobre isso!

Tenho vinte e três anos! Não poderia mais esperar por

você!

— Sei disso Beth!

— Você será nosso filhinho! Lembra?

— Já tenho muitos pais! O que eu queria era um

amor!

— Seja criança menino! Você tem esse privilegio!

Afastei-me dela, ainda com os olhos cheios de

lágrimas. Até me esqueci de cumprimentar o noivo.

Agora era definitivo: dois anos separados e eu

jamais aceitei a idéia de perdê-la, afinal, éramos

O retorno do menino do espaço

217

namoradinhos desde os sete anos de idade, quando

estudávamos juntos, na segunda metade da primeira série.

Mas agora, teria acabado de vez: ela estava casada e nada

mais podia fazer...

... Aliás, acabei por me tornar amigo de Peter e

realmente, ele tinha um carinho especial por mim, assim

como a maioria das pessoas.

Mesmo depois que eles se casaram, menos vezes,

mais continuei frequentando sua casa, que era próximo a

casa de sua mãe. E para que não houvesse nenhum tipo de

problemas, só a visitava quando Peter estava presente. Ela

realmente não mudou muito. Mesmo depois de casada. Só

mudou em respeito às responsabilidades, em cuidar de

uma casa e de um esposo... E passou a me querer, dizia ela,

como se eu fosse assim, o primeiro filhinho seu, com os

mesmos abraços e beijos de antigamente. Beijos nas

bochechas!

Quase coincidência, sua primeira filhinha natural,

nasceu bem próxima à data de meu aniversário, em seis de

março, de um mil novecentos e noventa e quatro. Recebeu

o nome de Letícia. Dois dias depois, eu completava vinte e

três anos de idade e continuava com rostinho de nove.

— Nem pense em paquerar minha gatinha! —

Disse-me Beth, brincando.

— Não vou não! — Neguei rindo.

©©©

Consegui bolsa de estudos, abandonei papai e

mamãe, indo estudar no centro de São Paulo, capital, na

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Só

visitava-os nos feriados prolongados ou férias. Muitas

vezes, com saudades, eles acabavam indo me ver, visto

uma distância de quinhentos quilômetros, sem nave

espacial para a viagem.

Celso Innocente

218

Especializei-me em Pediatria e concluí meus

estudos, no final do ano dois mil. Retornando à minha já

saudosa Penápolis, mas por parecer uma criancinha, não

pude exercer minha profissão, me tornando apenas médico

assistente, realizando consultas simples (quando o caso era

mais complexo, tinha que encaminhar a criança a outro

médico22).

Todos meus irmãos já se casaram e se mudaram.

Letícia se mudou com o esposo Jeferson para Recife e

Leandro com Raisse, para Florianópolis. E todos, até

Paulinho, me fizeram ser um jovem titio de seis sobrinhos:

Leonardo, de meu tamanho, nove anos e Ricardo, seis,

filhos de Carlos Henrique e Luana, que brincavam comigo

de igual para igual; Michael, doze anos, filho de Letícia;

Yasmin, oito anos, filha de Leandro; Mariana, sete anos,

filha de Luis e Isadora; e mais um Regis (meu irmão me

ama), seis anos, filho de Paulinho e Jussara, que mora bem

próximo de casa e com isso, o menino fica mais tempo

conosco, do que com os próprios pais.

22 Qual pai confiaria seu filho pequeno a um menininho de nove anos

de idade, com um bisturi nas mãos?

O retorno do menino do espaço

219

Subcapítulo final ou epílogo.

stamos agora no dia sete de Março do ano dois

mil e nove, véspera de meu trigésimo oitavo

aniversário natalício. O pessoal da NASA, CERN, ou

jornalistas, jamais me procuraram e eu voltei a ter uma

vida praticamente normal, apesar de continuar com a

aparência de um menininho de nove anos de idade e

jamais ter arranjado qualquer outra namorada.

Até a poucos minutos, estava brincando com outro

Regis, com quase doze anos de vida (não é meu sobrinho e

nem mesmo o filho do senhor Luciano, que já tem pratica-

mente trinta anos de idade). Foi mais uma homenagem

que me fizeram de surpresa, quando eu ainda me

encontrava em São Paulo. Ele nascera em vinte e sete de

Junho de um mil novecentos e noventa e sete e é o segundo

filho de Beth.

Daqui a pouco, às onze horas da noite, estarei no

Clube de Campo Lago azul, presente na grande festa de

debutantes de Letícia, a primeira filha de Beth, que

completou seus quinze aninhos, ontem.

Porem, devido meu costume em dormir muito

cedo, às nove horas, resolvi deitar um pouco, antes de

E

Celso Innocente

220

seguir para a festa, que com certeza, embora pretendo ficar

pouco tempo, durará a noite toda.

Dez minutos depois, alguém bateu na porta e

mamãe a abriu:

— Regis! — Disse ela surpresa. — Pensei que já

estivesse na cama!

O que será que meu sobrinho viera fazer em casa

àquela hora! Pensei. Ele realmente vinha muito, mas

sempre de dia. A não ser que ele fosse à festa de Letícia

comigo! Ele também já completara quinze anos de vida e

realmente fôra convidado.

— Onde arranjou esta roupa? — Insistiu mamãe.

E por que será que ele permanecia quieto? Ele era

um menino hiperativo e falava mais... Que o homem da

cobra.

Levantei-me, indo de encontro a ele e mamãe,

tendo uma grande surpresa e calafrio ao mesmo tempo. Na

porta de entrada de casa, parado em silêncio e apesar do

calor que se faz no mês de março, trajando blusa amarela e

preta, calça jeans, tênis branco e azul de marca

desconhecida, um relógio dourado no pulso direito, estava

eu... Mas como eu? Acho que já teria dormido e estava

sonhando...

Aproximei-me devagar e mamãe se apavorou,

quando percebeu que estava diante de dois Regis,

idênticos.

— Você veio ficar conosco? — Perguntei-lhe

segurando sua mão.

— Não! — Negou o outro Regis.

— Então!?...

— Vim apenas fazer-lhe uma visita!

Fim

O retorno do menino do espaço

221

Sobre o autor

(o autor, com os filhos Leandro e Henrique).

Missão difícil, criar uma pequena autobiografia. Eu, Celso Aparecido Innocente, nasci no bairro do Degredo, um sítio nos arrabaldes do município de Penápolis, estado de São Paulo, no mês de junho de 1958. Realmente isto: naquele tempo, dificilmente, por dificuldades de transporte, uma criança nasceria em hospitais e eu não fui diferente, com ajuda de parteira, às quatro horas da manhã, do dia vinte e cinco, eu fora apresentado a este mundo dos vivos. Até os oito anos de idade, como parte de minha primeira infância, morei no bairro Córrego dos Pintos, de onde recordo apenas os dois ou três últimos, sendo considerado um menino feliz e aventureiro, devido as peripécias de uma turminha da mesma faixa etária: irmãos, primos e amigos dos sítios circunvizinhos, onde as aventuras eram à base de nadar completamente nus no Rio Lajeado; pescar lambaris, principalmente com peneiras, na época da piracema; caçar

Celso Innocente

222

passarinhos de todas as espécies, fazendo uso de arapucas; espantar os macacos, que insistiam em roubar nosso bananal; correr seminu dentro de um belíssimo riozinho todo de pedras sabão e... Chega se não acabo escrevendo um livro. Após esta fase, já morando na cidade, comecei a gostar de contos, livros e escrever, desde que aprendi a ler, adorando as fábulas, que surgiam como parte de meu aprendizado, nos livros de “Literatura e Linguagem”, lendo-as todas, já no primeiro dia em que tomava posse de tais livros. Ao contrário de praticamente todas as demais crianças, outra de minha atividade favorita na escola primária, era quando a mestra nos pedia que criássemos uma composição (o que hoje se chama de redação), sobre um assunto específico, com ela, inclusive, colando sobre um acessório denominado flanelógrafo, algumas figuras, para servirem de inspiração e referência para o pequeno aluno, que acabava criando tal composição em no máximo vinte linhas de um caderno de brochuras. Eu porem abusava de detalhes, chegando a pelo menos cinquenta linhas. Apaixonando-me por livros, onde, com menos de doze anos de idade, já tendo lido dezenas deles, principalmente da série “Vagalume”, acabei me apaixonando por criar meus próprios contos e embora com muitos erros de vocabulário, passando a escrever quase que diariamente, a princípio em sobras de cadernos escolares e depois, com a ajuda de pequena máquina de escrever. Sendo assim, passei a sonhar em um dia me tornar conhecido, tendo meu nome gravado em letras garrafais, na capa de um belo best’seller. Porem na época, esta seria uma missão quase impossível, pois as editoras só publicavam livros de escritores famosos e de preferência internacionais. Portanto, almejando tal sonho em ser conhecido, parti para o aprendizado da arte na música, a princípio, devido estatura ainda infantil, tentando aprender instrumentos musicais, tais como cavaquinho, gaita, violão e até viola. Porem, ao perceber que esta de fato não era minha vocação, apoiado

O retorno do menino do espaço

223

por um grupo de adolescentes amigos, partimos juntos para o aprendizado na arte teatral, onde me foi favorável, não tanto como ator, por não ser assim um garoto fotogênico, mas foi onde escrevi minhas primeiras peças de artes dramáticas e comédias. Agora, depois de tantos anos, estando aposentado da Telefônica – SP, onde trabalhei por vinte e seis anos, na área de telecomunicações, ministrando cursos a colegas da própria empresa e de parceiras, nesta área, tais como transmissão de dados e internet em banda larga, sendo casado, três filhos abençoados por Deus, com a graça da união familiar e com o mercado favorável a autores independentes, consegui publicar alguns de meus contos, escritos lá na adolescência e... Como já mencionei, chega, para que não vire um livro.

Para referências acesse:

www.innocent3.wix.com/celso

www.hino100t.jimdo.com

www.facebook.com/hino100t

[email protected]

[email protected]

www.Celsoinnocente.blogspot.com.br

Penápolis – São Paulo – Brasil – Planeta Terra

Maio de 2012.

Celso Innocente

224

O retorno do menino do espaço

225

Outros trabalhos

Alma inocente 1980

Os três Patotas em: O sequestro 1980

Um menino chamado “Innocente” 1980

Regis, um menino no espaço 2012

Adolescentes sexuais 1982

O grande palco da vida 2013

Simplesmente um artista 1983

Caso verdade: Leucemia 1985

Pensamentos de parede 1988

Um menino no espaço, 2ª parte 2012

O retorno do menino do espaço 2012

Menino anjo 2012

Anjo da cara suja 2013

Regis um menino do planeta Terra 2013

Sanguinário imortal 2014