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o REGALISMO POMBALINO (POMBAlS REGALlSM) RESUMO Buscamos no presente trabalho analisar open- samento iluminista português, particularmente nos aspectos que dizem direito à educação, tendo em vista identificar a matriz teórica que daria substrato às reformas educativas implementadas pelo Marquês de Pombal. Palavras-chave: I1uminismo, Educação, Escola, Cul- tura, História da educação, Pombalismo (regalismo), ins- trução Pública. ~I I, 'i' I SUMMARY , li We want in this paper to analyse lhe portuguese iluminist thought, particularly in the aspects which refer to education with the goal of identifying the influence of these theoreticians in the frame of the reforms made in the portuguese education system by the Marquês de Pombal. Keywords: Iluminism, Education, School, Culture, History of education, Pombalismo (regalismo), Public Instruction Do Concílio' de Trento até 1750, quando o Mar- quês de Pombal tornou-se o ministro dos Negócios do Reino no governo de Dom José I, Portugal havia per- manecido praticamente isolado do movimento intelec- tual da Europa de além-Pirineus. Pombal que havia de governar Portugal até 1777, iniciou então um período de rápidas transformações que afetaram profundamen- te a Igreja Católica e a sociedade em geral. E como re- sultado de seus esforços o regalismo, ou seja, o controle excessivo da Igreja pelo Estado com a conseqüente perda da influência romana, apareceu como a atitude FRANCISCO ADEGlLDO FÉRRER' dominante em Portugal e, por extensão, no Brasil. As relações entre a Igreja e Estado devem, daí em diante, ser estudadas sob este prisma. Dado que no Brasil a Igreja foi grandemente influenciada pelas medidas do Marques de Pombal em relação à Companhia de Jesus e à Universidade de Coimbra, é sobretudo no século XVIII que encontraremos as forças e as transformações que determinaram o caráter deste regalismo no Brasil. No Portugal do século XVIII, duas instituições se levantavam como barreiras contra o progresso (pro- gresso no sentido que os regalistas lhe davam) : a Uni- versidade de Coimbra que, mesmo após a saída dos jesuítas, continuou com o velho currículo. Coimbra passou por radical reforma, de linhas liberais e regalistas, em 1772, após o longo domínio da Compa- nhia de Jesus que monopolizou a educação em Portu- gal desde 1555, e que se constituíra no bastião máximo da prerrogativa papal. A companhia sofreu a pena su- prema da expulsão do império português em 1759. A Sociedade de Inácio de Loyola, porém, como o mais poderosa corporação dentro dos domínios portugueses, tinha muitos amigos e meios de se defender, e resistiu enquanto pôde às investidas da campanha pombalina. Muito havia na história da Companhia de Jesus em Por- tugal que poderia ser facilmente usado em seu prejuí- zo. Aos olhos do Marquês de Pombal e de seus associados, seguidores do Esclarecimento, a presença dos jesuítas em Portugal havia impedido o progresso em todos os setores da vida nacional. Apesar de haver alcançado uma invejável e deci- siva liderança na época dos descobrimentos marítimos, Portugal, cuja contribuição para o surgimento da Idade Moderna fora imprescindível, se atrasou em relação à maioria dos países europeus. Seu apego à filosofia Escolástica e sua desconfiança dos autores modernos confinaram as descobertas filosóficas e científicas a uns poucos privilegiados. As obras de Descartes foram colocadas no Index Romano dos Livros Proibidos, pu- • Doutor em Filosofia e História da Educação. Departamento de História da UECE. 88 EDUCAÇÃO EM DEBATE' FORTALEZA· ANO 2) • NQ 37 • p. 88-95 • ) 999

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o REGALISMO POMBALINO(POMBAlS REGALlSM)

RESUMO

Buscamos no presente trabalho analisar open-samento iluminista português, particularmente nosaspectos que dizem direito à educação, tendo em vistaidentificar a matriz teórica que daria substrato àsreformas educativas implementadas pelo Marquêsde Pombal.

Palavras-chave: I1uminismo, Educação, Escola, Cul-tura, História da educação, Pombalismo (regalismo), ins-trução Pública.

,~ I

I,'i'

I

SUMMARY

,li

Wewant in this paper to analyse lhe portugueseiluminist thought, particularly in the aspects which referto education with the goal of identifying the influenceof these theoreticians in the frame of the reforms madein the portuguese education system by the Marquês dePombal.

Keywords: Iluminism, Education, School, Culture,History of education, Pombalismo (regalismo), PublicInstruction

Do Concílio' de Trento até 1750, quando o Mar-quês de Pombal tornou-se o ministro dos Negócios doReino no governo de Dom José I, Portugal havia per-manecido praticamente isolado do movimento intelec-tual da Europa de além-Pirineus. Pombal que havia degovernar Portugal até 1777, iniciou então um períodode rápidas transformações que afetaram profundamen-te a Igreja Católica e a sociedade em geral. E como re-sultado de seus esforços o regalismo, ou seja, o controleexcessivo da Igreja pelo Estado com a conseqüenteperda da influência romana, apareceu como a atitude

FRANCISCO ADEGlLDO FÉRRER'

dominante em Portugal e, por extensão, no Brasil. Asrelações entre a Igreja e Estado devem, daí em diante,ser estudadas sob este prisma. Dado que no Brasil aIgreja foi grandemente influenciada pelas medidas doMarques de Pombal em relação à Companhia de Jesuse à Universidade de Coimbra, é sobretudo no séculoXVIII que encontraremos as forças e as transformaçõesque determinaram o caráter deste regalismo no Brasil.

No Portugal do século XVIII, duas instituiçõesse levantavam como barreiras contra o progresso (pro-gresso no sentido que os regalistas lhe davam) : a Uni-versidade de Coimbra que, mesmo após a saída dosjesuítas, continuou com o velho currículo. Coimbrapassou por radical reforma, de linhas liberais eregalistas, em 1772, após o longo domínio da Compa-nhia de Jesus que monopolizou a educação em Portu-gal desde 1555, e que se constituíra no bastião máximoda prerrogativa papal. A companhia sofreu a pena su-prema da expulsão do império português em 1759. ASociedade de Inácio de Loyola, porém, como o maispoderosa corporação dentro dos domínios portugueses,tinha muitos amigos e meios de se defender, e resistiuenquanto pôde às investidas da campanha pombalina.Muito havia na história da Companhia de Jesus em Por-tugal que poderia ser facilmente usado em seu prejuí-zo. Aos olhos do Marquês de Pombal e de seusassociados, seguidores do Esclarecimento, a presençados jesuítas em Portugal havia impedido o progressoem todos os setores da vida nacional.

Apesar de haver alcançado uma invejável e deci-siva liderança na época dos descobrimentos marítimos,Portugal, cuja contribuição para o surgimento da IdadeModerna fora imprescindível, se atrasou em relação àmaioria dos países europeus. Seu apego à filosofiaEscolástica e sua desconfiança dos autores modernosconfinaram as descobertas filosóficas e científicas a unspoucos privilegiados. As obras de Descartes foramcolocadas no Index Romano dos Livros Proibidos, pu-

• Doutor em Filosofia e História da Educação. Departamento de História da UECE.

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blicado em 1663, e a De dignate et augmentoscientiarum, de Francisco Bacon, foi também incluídano Index, em 1668, tendo a sua publicação proibidapela Inquisição portuguesa.

E os jesuítas foram responsabilizados pelo atra-so literário e científico no Portugal setecentista. Dosmeados do século XVI até sua expulsão, eles detinhamo controle quase completo das escolas secundárias esuperiores do País, através dos seus colégios e das duasúnicas universidades portuguesas, a de Coimbra e a deÉvora. Coimbra se havia convertido no principal cen-tro intelectual do império português desde os inícios doséculo XIV, e sua liderança muito influenciou os desti-nos de Portugal e do Brasil. A Companhia de Jesus quehavia se estabelecido no país em 1549, pouco depois, a10 de setembro de 1555, era-lhe confiada a direção doColégio das Artes de Coimbra, o que lhe garantia prati-camente o controle de toda a Universidade.

É bem sabido que a Companhia de Jesus, funda-da em um período de exarcebadas lutas políticas e reli-giosas, levantou-se como a maior defensora da ortodoxiacatólica, assumindo uma atitude basicamente apolo-gética, buscando defender a fé contra qualquer perigoque ameaçasse substituir o edifício grandioso e secularda Escolástica, edificando para a defesa do Evangelho.Essa excessiva prudência - admite um dos seus histori-adores - se destinava a poupar muitas aberrações e er-ros às inteligências. É aos jesuítas que se refere HernaniCidade, quando diz que os pedagogos de Portugal

estavam empenhados em o fazer mais católicoque latino, subtraindo-o às inquirições espe-eulativas que agitavam a Europa, defendendo-o contra o ritmo de uma atividade que é ameaçade apostasia .

Em Portugal, tanto se multiplicaram e foram bem-sucedidos os jesuítas que,já no último quartel do séculoXVII eram a maior força dentro do Estado, suplantan-do a própria nobreza em prestígio social e político e eminfluência diante do Rei.

Serão essa preponderância e poderio dos jesuítasem Portugal que farão deles o alvo inevitável dosreformadores do século XVIII. É curioso notar que forade Portugal a Companhia de Jesus foi muito menos ad-versa às ciências modernas.

No reinado de Dom João V a situação começou ase modificar lentamente. O próprio Rei começou a pro-mover as novas ciências, fundando a Academia Real deHistória Portuguesa em 1720, estabelecendo uma Aca-demia de Cirurgia, construindo e dotando generosamen-te a biblioteca da Universidade de Coimbra,promovendo os estudos de astronomia e, sobretudo,concedendo seu patrocínio aos oratorianos.

A Congregação de São Filipe Neri ( mais conheci-da pelo nome de "Congregação do Oratório") foiintroduzida em Portugal depois da Restauração de 1640.Logo se salientou por uma plêiade de homens sábios eilustres, abertos às novas idéias, entusiastas das experiên-cias científicas, como Francisco José Freire (Cândido Lu-sitano), Teodoro de Almeida, uma das mais fascinantespersonalidades do Esclarecimento em Portugal, AntônioPereira de Figueiredo, e Luís Antônio Vernei. Dom JoãoV parece ter protegido os oratorianos para contrabalançaro predomínio da Companhia de Jesus, e introduzir emPortugal os métodos de ensino dos jancenistas de Port-Royal, e talvez mesmo as suas idéias teológicas. O Mo-narca presenteou-os com o Hospício das Necessidades deLisboajuntamente com uma biblioteca de trinta mil volu-mes, a que os religiosos acrescentaram numerosos autoresmodernos. Foram eles que traduziram a Gramática Gregade Claude Lancelot, e a imitaram no Novo Método daGramática Latina de Pereira de Figueiredo, e na Gramáti-ca Portuguesa do Contador de Argote. Foram eles tam-bém os divulgadores em Portugal de Francisco Bacon,Descartes, Gassendi, Locke e Antônio Genovesi. Em 1747,Dom João concedeu-lhes o privilégio perpétuo do novométodo pedagógico port-royalista que tendia a superar ométodo alvarístico dos jesuítas.

Pela primeira vez, portanto, a partir de 1740 maisou menos, os jesuítas tinham quem os enfrentasse no cam-po pedagógico. O monopólio do ensino de que desfruta-vam os inacianos era motivo de ressentimento por partedos outros regulares, especialmente dos oratorianos. Aoinvés de introduzirem as reformas necessárias e busca-rem a modernização dos métodos e das idéias, os jesuí-tas se fecharam ainda mais, defendendo a sua posição atodo custo. Em 1746, o jesuíta José Veloso, Reitor doColégio da Companhia de Jesus e do Colégio das Artesda Universidade de Coimbra, mandou publicar um editalcontra a filosofia moderna, ordenando que:

"Nos exames ou lições, conclusões públicas ouparticulares se não ensine e defensão opiniõesnovas pouco recebidas ou inúteis para o estudodas ciências maiores como são as de RenatoDescartes,Gasendo,Neptono e outros, e nome-adamente qualquer ciência que defenda os atosde Epicuro ou negue a realidade dos acidenteseucharisticos ou outras quaisquer conclusõesopostas ao sistema de Aristóteles, o qual nes-tas escolas se deve seguir, como repetidas ve-zes se recomenda nos estatutos d'este Colégioda Artes; e para que assim se observe os estu-dantes do 4°Curso não sejam admitidos a fazerconclusões nas mesas sem primeiro serem vis-tos e comprovadospelo R. P.M. e pelo Prefeitodo mesmo Colégio" .

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Acabara esse edital de ser publicado, quando aomesmo ano de 1746, estourou como uma bomba nosmeios intelectuais de Portugal a obra revolucionária dooratoriano Luís Antônio Vernei, com o título de Verda-deiro Método de Estudar. Era um ataque frontal aosmétodos pedagógicos dos Jesuítas na Universidade deCoimbra. Vernei permaneceu anônimo por medo daInquisição, por isso, um capuchinho italiano é apresen-tado como autor das "Cartas" que compõem a obra des-te oratoriano.

Vernei observa que a filosofia escolástica do sé-culo XVIII se fundava nos preconceitos da filosofiaperipatética, ou seja, na teoria das formas substanciaise acidentais, e por isso, não só era supérflua como tam-bém prejudicial aos dogmas do Cristianismo. Ele re-comenda a leitura e a adoção de obras autores modernoscomo Grócio, Fleury, Van Espen, e Heinecke, por si-nal todas condenadas ou consideradas "perigosas" peloIndex Romano. Vernei insiste na necessidade de se ex-perimentar e de se adotar novos métodos científicos,de se adquirir uma atitude crítica, abandonando-se o"argumento da autoridade". O Barbadinho recomendao estudo das línguas modernas, da história, geografia,da lei natural e da lei das nações, de tudo quanto haviasido negligenciado pela Universidade de Coimbra.

A polêmica, suscitada pela publicação do Verda-deiro método de Estudar, foi enorme e furiosa. Antô-nio Alberto de Andrade arrola nada menos de quarentae duas obras relativas ao Verdadeiro Método até 1757.Dentre os maiores críticos de Vernei estavam, como eranatural, os jesuítas. Essa polêmica recrudesceu o tomda virilidade existente entre oratorianos e jesuítas. Osataques de Vernei se dirigiam, com certeza, aosinacianos, cujo sistema educacional havia sido orgulhoe a glória de Portugal. Eles reagiram acusando Verneide esposar idéias perigosas, especialmente heresia doJansenismo.

E assim, a discussão que se iniciara em torno demétodos pedagógicos em breve se converteu em furio-so tiroteio verbal a favor ou contra o sistema educacio-nal dos jesuítas. Daí por diante, a Companhia de Jesuspassa a ser responsabilizada pelo atraso científico e li-terário de Portugal. E o Marquês de Pombal, em suahábil campanha contra os jesuítas, tira proveito da con-trovérsia iniciada com a publicação do Verdadeiro Mé-todo de Estudar.

Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde deOeiras e depois Marquês de Pombal, ganhou fama in-ternacional pelo sucesso de sua campanha contra a Com-panhia de Jesus, q.ue chegou a ser abolida pelo papa,em 1773. Na história portuguesa, porém, ele é sobretu-do lembrado como o homem que procurou restaurar oimpério português e que, através de numerosos decre-tos e da reforma da Universidade de Coimbra, formu-

lou a política de relações Igreja - Estado em Portugal eno Brasil para o restante do século XVIII e para todo oséculo XIX. O regalismo brasileiro foi essencialmenteo regalismo pombalino. As reflexões deste trabalho sãouma tentativa de mostrar porquê.

Durante sua estadia na Inglaterra como embai-xador e como enviado extraordinário em Viena, Car-valho se familiarizara com as novas idéias e tambémdescobre as vantagens políticas de se manter a Igre-ja nacional sob estrito controle. Em Viena, mantevecontatos com os jansenistas, considerados inimigosda supremacia papal. Ao tornar-se Ministro de DomJosé I, Carvalho e Melo passou a adotar uma políticadestinada a desuniversalizar a Igreja de maneira afazê-Ia entrar nos moldes do Estado nacional. Ele re-conhecia ajurisdição espiritual do papa, mas procu-rou apoio e justificativa junto aos juristas de Portugalno sentido de restringir os movimentos e o campo deação da Cúria Romana. Pombal não foi ao extremode Buchanan ou Hobbes, de Jean Bodin ou HugoGrotius, que advogavam para o Estado supremaciaem questões espirituais; mas adotou e pôs em práticaas idéias regalistas de seus compatriotas, Antônio deGouveia, Gabriel Pereira de Castro, e Pascoal deMeIo Freire, que advogavam a jurisdição do Estadoem tudo quanto não pertencesse ao ministério pura-mente espiritual da Igreja.

Não resta dúvida que, enquanto os jesuítas per-maneceram em Portugal, eles combateram as investi dasde Pombal no sentido de limitar as prerrogativas da Igre-ja e sujeitá-Ia ao Estado. Confiantes em seu poder einfluência, os jesuítas custaram a reconhecer os sinaisda tormenta que se avizinhava a ponto de desafiarem apolítica econômica do Marquês e os seus planos parasecularizar as reduções indígenas no norte do Brasil.Pombal, por sua vez, depois de obter o apoio da hierar-quia da Igreja, em Portugal, com a publicação de car-tas pastorais de condenação aos inacianos, ordenou ofechamento de todas as escolas da Companhia, proibiuo uso dos seus livros nas escolas do Reino e substitui-os por obras dos oratorianos. O golpe final veio a 3 desetembro de 1759, com a publicação do alvará de ex-clusão da Companhia de Jesus do Reinos e DomíniosUltramarinos portugueses.

A partida dos jesuítas permitiu que Sebastião deCarvalho e MeIo tivesse mais liberdade para executarseu programa de subordinação da Igreja. O decreto de6 de maio de 1765, corroborrado depois por ordens ré-gias de 20 de abril e 23 de agosto de 1770, restabeleceuo beneplácito régio para todos os documentos provenien-tes da Cúria Romana. O novo catecismo do bispojansenista Colbert passou a ser adotado em todas asescolas do Reino. O oratoriano Antônio Pereira deFigueiredo colocou todo o seu talento a serviço dos pro-

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gramas regalistas e reformistas do Marquês. Em 1766,Antônio de Figueiredo publicou a Tentativa Theologica,seguida da Demonstração Theologica, em 1769. Essasduas obras se destinavam a resgatar a legitimidade da"antiga praxe da Igreja Portuguesa", que assegurava aosbispos nomeados pela Coroa o direito de assumir a ad-ministração da diocese antes de ter sido confirmado porRoma. Essa tese regalista reclamava para os bisposcertos direitos que, normalmente, estavam reservadosao papa.

As demais ordens religiosas, que esperavam vero Marquês satisfeito com o extermínio dos jesuítas, embreve recebiam desagradável surpresa. Uma carta ré-gia, publicada emjaneiro de 1764, ordenava a suspen-são e a recepção de noviços, e o envio à Secretaria deNegócios do reino de um relatório indicando o númerode professos e de casas, e um balanço dos bens e rendasque as ordens regulares possuíssem. O Superior dosCarmelistas, descontente com as medidas de Pombal,resolveu apelar para Roma, e pediu diretamente ao Reipermissão para fazê-Io. Estava o Monarca inclinado aconcedê-Ia, mas foi aconselado pelo Marquês de Pom-bal para que não o fizesse, e assim aconteceu.

Mas, Pombal precisava restaurar as boas rela-ções com Roma a fim de legitimar suas reformasregalistas aos olhos da Igreja nacional. No fim do anode 1769, dez anos depois do rompimento diplomáticocom a Santa Sé, em conseqüência da expulsão dos je-suítas, a Cúria Romana concordou em enviar um Nú-cleo Apostólico a Portugal, o que certamente não erabom augúrio para a Companhia de Jesus em geral. Onovo legado pontificio escolhido, Inocêncio Conti, de-pois cardeal Conti, saiu a gosto do Marquês, pois nun-ca protestou contra a política regalista do Ministro, tendochegado a emprestar sua colaboração às reformaspombalinas.

O alvo seguinte de Pombal foi a Inquisição, umsímbolo de conservadorismo e de ultramontanismo.Pombal não a aboliu por completo, mas a privou dasfunções que ainda lhe restavam, ou seja, a censura delivros e outros impressos. Essas funções foramtransferi das para um serviço de censura do Estado, aMesa Censória, instituída em 1768. A Real MesaCensória, como passou a denominar-se a nova agência,foi munida de jurisdição sobre todo o material impres-so, e seus membros foram escolhidos entre os eclesiás-ticos que ocupavam altos postos na administração daIgreja e do Estado, todos ardorosos propagandistas doregalismo e das novas ciências. Mais ainda, a Real Mesanão só permitiu como também fez propaganda de auto-res que Roma considerava subversivos, como JustinoFebrônio, Louis Elies Du Pin, Pedro da Marca,Bemando Van Espen, Paul Joseph Ritter von Riegger,Johaan Gottlieb Heinecke, Grócio, Samuel Puffendorf,

Jean Barbeyrac e Christian Friedrich Wolf, a maioriadeles na lista proibida do Index Romano.

A grande maioria dos bispos portugueses acei-tou sem reclamar as recomendações e proibições daMesa Censória. O único dissidente foi Dom Miguel daAnunciação, Bispo de Coimbra, que publicou uma pas-toral de condenação a Febrônio e a Du Pino A MesaCensória reagiu irritada, ordenando a deposição do pre-lado e condenando-o à prisão onde permaneceu até osúltimos dias da administração pombalina.

Um ponto apenas do programa do Marquês espe-rava execução: a reforma da Universidade de Coimbra,que ele desejava se tomasse o seu título máximo, a gló-ria e o coroamento de sua inteira administração. Refor-mas no ensino secundário e o estabelecimento do RealColégio dos Nobres precederam a criação da Junta daProvidência Literária a 23 de dezembro de 1770, encar-regada de preparar os novos estatutos da Universidade.A Junta era presidida pelo Cardeal João Cosme da Cu-nha, e contava com a colaboração de membros comoFrei Manuel do Cenáculo, Provincial da Ordem TerceiraFranciscana e Presidente da Mesa Censória, AntônioPereira de Figueiredo, José de Seabra da Silva,Desembargador do Paço e Procurador da Coroa, os doisirmãos brasileiros Francisco de Lemos de Faria PereiraCoutinho, Reitor da Universidade de Coimbra, e JoãoPereira Ramos de Azeredo, Desembargador do Tribunalde Agravos da Casa de Suplicação.

O resultado inicial do trabalho da Junta da Pro-vidência Literária foi o Compêndio Histórico do Esta-do da Universidade de Coimbra dado à luz em 1771. OCompêndio era, como se esperava, um libelo contra aCompanhia de Jesus, fartamente baseado na Deducçãochronologica e analytica de 1768, a qual tentara con-vencer os portugueses que a fonte de todos os malesnacionais era o jesuitismo. Apesar de sua atitude basi-camente anti-jesuítica, o Compêndio manifestava no-vas e revolucionárias tendências pelo seu entusiasmopelas novas ciências e um desejo de levar a cabo umareforma decisiva.

A maior contribuição da Junta da Providência Li-terária e ao mesmo tempo o documento máximo dasreformas do Marquês de Pombal foram os novos Esta-tutos para a Universidade de Coimbra. Antes de os tor-nar públicos, porém, o Marquês mandou suspender asaulas da Universidade a 25 de setembro de 1771, e re-colher todos os exemplares dos velhos Estatutos. A cartarégia de confirmação e publicação dos novos Estatutossaiu a 28 de agosto de 1772, juntamente com outra car-ta que nomeava o Marquês Visitador e fundador da novaUniversidade. Pouco depois, a 11 de setembro, D. Fran-cisco de Lemos foi nomeado Reformador da Universi-dade, cargo para o qual prestou j uramento nas mãos donovo Visitador.

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No dia 22 de setembro, Pombal deslocou-se paraCoimbra, alojando-se no Paço Episcopal, donde saiuna manhã seguinte para a Universidade, acompanhadode um pomposo cortejo. No pátio, foi recebido pelastropas com honras de monarca, e o corpo docente incli-nou-se diante do Representante de Sua Majestade. Fi-nalmente, a 29 de setembro de 1772, no Salão Nobre daUniversidade, fez-se a entrega solene e proclamação dosEstatutos, a que seguiu um soleníssimo Te-Deum, nacapela da Universidade.

As aulas foram então reiniciadas, e os professo-res da Universidade fizeram a profissão de fé tradicio-nal, conforme a fórmula do Papa Pio IV, pela qual sejurava observar as constituições da Igreja, uma vez queCoimbra era de direito pontifício. Essa profissão de fécausou surpresa, uma vez que as reformas pombalinasdesejavam, entre outras coisas, diminuir a influênciade Roma em Portugal. Essa surpresa durou, pois, a 10de outubro de 1712, uma provisão de Sua Majestadeesclarecia que ao prestarem juramento a intenção dosmestres havia sido a de observarem

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"as Constituições Conciliares, as Constituiçõesaté então recebidas pela Igreja Universal, e asConstituições que estavam aceitas e recebidas,e que se aceitassem e recebessem pela IgrejaLusitana, ficando sempre salvos contudo aque-les impreteríveis limites, com que o supremolegislador separou o poder espiritual da Igrejada jurisdição temporal dos soberanos" .I

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Uma série de resoluções reais foram entãopublicadas e se destinavam a expandir as acomoda-ções e prédios universitários e dar ênfase ao estudodas ciências. O Marquês também tomou providênciaspara que não só todo o império português, mas a Eu-ropa inteira fossem informados da reforma e dos no-vos Estatutos de Coimbra. Pela provisão de 7 denovembro de 1772, foi ordenado aos diretores da ti-pografia régia que entregassem um exemplar dos no-vos Estatutos da Universidade aos prelados diocesanosdo Reino e Ultramar, aos membros da Junta da Provi-dência Literária, aos conselheiros de Estado, aos re-presentantes dos tribunais, ao Chanceler da Casa daSuplicação, aos dois juízes da Coroa, e ao Reitor doColégio dos Nobres. Os exemplares restantes foramexpostos à venda. E para informação da Cúria Roma-na e do resto da Europa, o Marquês ordenou ao exí-mio latinista João Pereira Ramos que fizesse a versãolatina dos Estatutos.

O primeiro volume dos novos Estatutos da Uni-versidade de Coimbra é dedicado à Tecnologia, o se-gundo, à Jurisprudência Civil e Canônica, e o terceiro,às Ciências Naturais e à Filosofia.

o segundo volume dos Estatutos, de leis ecânones, contém as idéias e doutrinas do Regalismopombalino de maneira mais clara. Os reformadores deCoimbra, não considerando o Papa como senhor abso-luto da Igreja, desejavam, de acordo com as modernasidéias de colegial idade, que seu poder fosse moderadopor um conselho de bispos.

Os Estatutos consideram a jurisdição temporalda Igreja como um privilégio recebido do Estado, sen-do portanto, dado à Coroa é o direito de proteger a Igre-ja nacional contra a centralização romana. É dada umaênfase toda especial aos "Direitos, prerrogativas e Ar-tigos das Liberdades da Igreja Portuguesa".

Os soberanos são chamados de "protetores e de-fensores dos Cânones", sendo-lhes concedidos os di-reitos de administrar a propriedade temporal da Igrejae de controlar a disciplina e as finanças eclesiásticas.Bulas papais e outros documentos provenientes da CúriaRomana devem ser analisados pelos advogados da Co-roa e interpretados de acordo com as circunstâncias his-tóricas, sua intenção, conteúdo, e aceitação pelo povocristão. O direito natural deverá servir como base dodireito eclesiástico e, ao mesmo tempo, ter sempre pre-cedência sobre o direito positivo humano ou divino.

As ordens religiosas, que após a expulsão dosjesuítas se viram encarregadas da maior parte do ensi-no da juventude portuguesa, foram obrigadas a refor-mar seus próprios estudos, conforme o modelo fornecidopelos novos Estatutos de Coimbra. A maioria delas che-gou ao ponto de copiar literalmente certas passagensdos Estatutos e das acusações lançadas contra a Com-panhia de Jesus pelo Compêndio Histórico. O novo pla-no de estudos dos Franciscanos da Província de Portugal,publicado em 1776, ordenou a adoção dos manuais elivros usados em Coimbra. E aos professores de Teolo-gia Moral se recomendava que possuíssem uma cópiada Dedução Chronologica e Analytica, enquanto outracópia seria guardada por cada uma das bibliotecasconventuais da Província.

Além, da Deducção Chronologica e Analytica,os compêndios e manuais usados na universidade deCoimbra para as aulas de Filosofia, Teologia, Históriae Direito foram, depois da Reforma de 1772, os seguin-tes: 1). - Elementos de Lógica e Elementos de Meta-física, de Antônio Genovesi, com emendas, para aCadeira de Filosofia; 2). - Elementos de Filosofia Ra-cional e Moral, de Johan Gottieb Heinecke, para aCadeira de Teologia Moral,; 3). - Direito EclesiásticoUniversal, de Bernard Van-Espen, juntamente com oseu comentário ao Decreto de Graciano para a Cadeirade Cânones. Como suplemento eram usadas as obrasde Claude Fleury, especialmente a sua HistoireEcclésiastique, que fora recomendada pela MesaCensória; a Demonstração Teológica e a Tentativa Teo-

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lógica, de Antônio Pereira de Figueiredo; o tratado DeManu Regia, de Gabriel Pereira de Castro; e mais tardetambém a História do Direito Civil e Criminal Portu-guês, do professor de Coimbra Pascoal José de MeloFreire. A biblioteca da Universidade dispunha tambémdas obras de Febrônio, Du Pin, Gmeiner, Riegger, Mar-ca, Grotius, Wolf, Puffendort e outros. Os estudantesda Universidade de Coimbra tinham acesso a todas asobras importantes dos autores principais do Regalismoe do galicanismo, e a lista de autores proibidos pelolndex Romano era simplesmente ignorada.

Roma, que tivera inúmeras oportunidades de in-formar-se das reformas que se faziam em Portugal, umavez que o Secretário de Estado do Papa recebeu cópiasdos Estatutos de Coimbra, ou não lhes deu a menor im-portância ou, até mesmo, "esqueceu-se" de lê-Ios! Maistarde, quando as idéias regalistas começaram a ser exe-cutadas no Brasil do século XIX, as queixas romanasvieram com cinqüenta anos de atraso.

O Marquês de Pombal, por outro lado, continuoua ser tratado com respeito e até mesmo como benfeitorpela Santa Sé. O primeiro a denunciar como galicanase jansenistas as doutrinas defendidas e propagadas emPortugal foi o Cardeal Bartolomeu Pacca, Núncio emLisboa de 1794 a 1802; na sua opinião, o Marquês dePombal transformara a Universidade de Coimbra numa"vraie chaire de pestilence".

As reformas fundamentais do Marquês de Pom-bal permaneceram firmes em Coimbra e em Portugal,apesar de uma decadência parcial dos estudos e de al-guns decretos anti-pombalinos da Rainha Dona MariaI. Os Estatutos de 1772 foram mantidos e Dom Francis-co de Lemos, que foi Reitor da Universidade até 1779,e novamente de 1799 a 1821, fez o possível para con-servar vivos e atuantes o programa e as reformas dePombal. O Cardeal Pacca queixava-se, constantementede que as coisas realmente não tinham mudado muitocom a queda do Marquês e a subida de Maria I ao tro-no.

Na verdade, tanto D. Maria I como D. João VI,de certa forma, seguiram essencialmente as diretrizesestabelecidas por Carvalho em matéria eclesiástica eeducacionais. Os manuais de Coimbra continuaram aserem os dos autores regalistas, acima mencionados.

Em 1825, três anos após a independência, prin-cípios das doutrinas do Regalismo continuaram a serpostos em prática no Brasil. Embora os jesuítas hou-vessem educado as elites brasileiras por mais de doisséculos e houvessem criado no clero uma mentalidadede ortodoxia e de .obediência a Roma, ainda assim asreformas pombalinas ressoaram profundamente no seioda intelectual idade brasileira e acabaram triunfando.

Ir estudar em Coimbra, a única Universidade aber-ta à juventude dentro do império português, tomara-se

uma tradição para os filhos das boas famílias brasilei-ras desde os fins do século XVI. Coimbra era a portapara as mais cobiçadas carreiras na Colônia, para seadquirir importância e prestígio na sociedade, para seter o direito de usar o mágico título de doutor. Coimbrahaveria de influenciar de maneira decisiva o pensamentobrasileiro, dado que ali se formava a elite do país. De-pois das reformas do Marquês de Pombal, ainda maisse acentua essa influência. A Coroa transformou a Uni-versidade no instrumento ideológico de sua políti-ca regalista e modernizante. A mentalidade de Coimbrãinvadiu os claustros, as reitorias e as escolas mantidaspelas ordens religiosas, que procuraram substituir osjesuítas na medida do possível. E, finalmente, aquelesmesmos rapazes que se haviam sentado nos bancos deCoimbra seriam os condutores da nova, e teriam opor-tunidade de sobra para pôr em prática suas idéias sobreas relações entre o Estado e a Igrej a.

O ensino das línguas modernas, do inglês e, es-pecialmente, do francês, veio facilitar a propagaçãodas idéias do iluminismo e do liberalismo no Brasil, enaturalmente também as doutrinas do galicanismo e doRegalismo. Os eclesiásticos tinham em geral facilida-de maior de acesso aos livros proibidos ou considera-dos perigosos, uma vez que não só a Inquisição senãotambém a Mesa Censórica reconheciam que eles preci-savam informar-se de tudo para poderem instruir os fiéis.Não admira, pois, que da Inconfidência Mineira à re-volta de 1842, os eclesiásticos se encontrassem na van-guarda de todas as revoluções brasileiras.

Se passarmos os olhos pela lista dos brasileirosque estudaram em Coimbra, desde a reforma pombalinaaté 1825, quando a Universidade fechou temporaria-mente a matrícula para estudantes do Brasil em vistados conflitos políticos, não nos surpreenderá o seu nú-mero, e sim a importância e preponderância que muitosdeles vão assumir na vida social, religiosa e política doBrasil imperial. Ali estão os nomes de Joaquim José deAzeredo Coutinho, Bispo de Pernambuco e fundadordo Seminário de Olinda, do Cônego Azevedo Pizarro, edos padres Correia Vidigal e Antônio Maria de Moura;de ministros e secretários de Estado como o Marquêsde Queluz (João Severino Maciel), de Barbacena(Felisberto Caldeira Brant Pontes), de Sapucaí (AraújoViana), de Caravelas (Alves Branco), de Olinda (Araú-jo Lima, Regente do Império em 1837), dos três irmãosAndada, e de muitos outros que se tomaram membrosda nobreza imperial, ministros de tribunais, presiden-tes de províncias, senadores e deputados do império.Pode-se afirmar que Coimbra formou a mentalidade daselites do Brasil imperial, pelo menos com respeito àsrelações entre Igreja e Estado.

Durante o Primeiro Império, ex-alunos deCoimbra estavam presentes em todos os setores da ad-

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ministração imperial. Com execção do Pe. AntônioDiogo Feijó, que aliás mostrou o caminho aos outrosem 1831-32, os Ministros da Justiça do Império foramtodos remanescentes de Coimbra. E todos demonstra-ram, no desempenho de suas funções, quão bem havi-am aprendido as lições de Direito Público e Eclesiásticona Universidade de Coimbra. De 1746 a 1827, setenta equatro eclesiásticos brasileiros estudaram em Coimbra,sendo dezesseis deles membros de ordens religiosas eos demais do clero secular.

Um desses eclesiásticos foi José Joaquim da Cu-nha de Azeredo Coutinho. Seu Seminário de Olinda, aúnica instituição de ensino com um currículo que com-binava educação secundária e educação superior noNordeste, formou centenas de candidatos aos sacerdó-cio e outros moços de talento da região. O programa deestudos de Olinda copiava o modelo dos Estatutos deCoimbra de 1772. Assim o desejou Azeredo Coutinho,e Olinda foi assim o primeiro instituto educacional asubstituir no Brasil o colégio dos jesuítas, embora comuma orientação bem diversa. Em Olinda acentuou-se,desde logo, o estudo das ciências físicas e naturais, daeclesiástica, e das línguas modernas e liberais. Quandoem 1817 estorou a Revolução Pernambucana, profes-sores e alunos de Coimbra estavam entre os mais ativosrevolucionários.

Os resultados das primeiras eleições do Brasilindependente, para os noventa lugares da AssembléiaConstituinte de 1823, representaram extraordinário tri-unfo para os liberais e regalistas educados em Coimbra.Quarenta e oito eram bacharéis em Direito, e vinte eum (três destes nunca tomaram seus assentos na As-sembléia) eram eclesiásticos, todos formados emCoimbra. E quando a Constituinte preparou uma Cons-tituição que não satisfez às tendências absolutista doImperador Pedro I, este escolheu uma comissão especi-al de juristas para redigir novo documento. Nove dosdez membros dessa comissão eram ex-alunos deCoimbra, e a Constituição.jurada por Pedro I em 1824,consagrou o RegaLismo tradicional da Coroa e refletiunitidamente a ideologia conimbricense e pombalina.

Talvez, não tenhamos dito agora o bastante so-bre as raízes e fontes do Regalismos brasileiro. O Bra-sil imperial não teve somente seus líderes educados nastradições do sistema português de união entre Igreja eEstado, mas também herdou o próprio sistema na suatotalidade. País jovem e recem-emancipado, o Brasiltinha somente o modelo português para seguir, sendovisto com muita suspeita qualquer atitude ou medidatomada pela Cúria.Rornana ou por seus representantes.

A intolerância que caracterizou a Cúria Romanaem face de muitas das doutrinas do iluminismo eramotivo de exasperação para os regalistas, cujo libera-lismo religioso contrastava grandemente com O conser-

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vadorismo tridentino dos ultramontanos. A acusação deheresia, freqüentem ente Iançada contra os regalistas, erapor eles considerada como injusta e imerecida. Osregalistas brasileiros não sonhavam sequer que suamaneira de pensar e de agir pudesse prejudicar a Igrejaou estivesse em desacordo com as máximas do Cristia-nismo. A exemplo dos reformadores de Coimbra, elesfalavam freqüentemente de restituir à Igreja a sua pure-za e estado primitivos. Esta maneira de pensar dosregalistas torna-se mais compreensível dentro das pers-pectivas do velho ideal agostiniano, ou seja, eles queri-am que Igreja e Estado trabalhassem lado a lado pelarealização do reino de Deus na terra. Homens comoManuel do Cenáculo, Francisco de Lemos, e DiogoFeijó deram ampla demonstração de sua dedicação àIgreja e aos ideais cristãos. E, tanto em Portugal comono Brasil, o Regalismo, ainda que inimigo declarado dacentralização romana, não foi necessariamente um ini-migo da Igreja.

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