o que faz a polícia - cap 3 pág. 151 a 195 pdf - pesquisavel · dados internacionais de...

71
4.56

Upload: doannhu

Post on 09-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

4.56

O q11e Faz a Polícia é referência obriga­ tória nos estudos sobre a policia. Trata-se de uma grande contribuição para o de­

bate brasileiro, sempre às voltas com a questão da democratização das institui­

ções e da sociedade. O que é uma polícia democrática? Como

colocar a policia a serviço dos valores de

uma sociedade democrática?

Essas questões percorrem o livro de Do­

minique Monjardet, resultado de um

amplo trabalho de pesquisa sobre as polí­

cias ocidentais, especialmente a francesa.

Monjardet toma a instituição policial

como objeto de estudo, identifica suas

dimensões essenciais e analisa as relações

e tensões entre poder, polícia e sociedade.

Uma minuciosa análise empírica eviden­

cia as três dimensões essenciais da polícia:

institucionaJ,organizacional e profissional.

A polícia é uma instituição, instrumento

da autoridade política empregado em

nome dos interesses coletivos.É uma or­

ganização, cujos mecanismos burocráticos

e informais geram opacidade e inércia. E

é também urna profissão, caracterizada por

interesses e cultura próprios. O autor in­

siste na necessidade de anali.~r essas dimen-

., (?)

i m \r) a, ~ u ~, ~ ~~ t ~ ~ 9· u.. -~ ~ .•. _ 1

e; '

Estado de Gorás ACADEMIA DE POLÍCIA MlLITM1 , BIBLIOTECA

(62) 3201-1614

Biblioteca

1111111 llll llll l/111111111 Ili 11111 Ili j li 00005S72

11111111 1 8

Estado de Goiás ACADEMIA OE POLlCIA M1L1l/..k

BIBLIOTECA (ó2} 3201-1614

o QUE FAZ A POLÍCIA

ne Pol(cin e Sociedade 10 Orgo niz.içlo: Nanq Cardia

NEV NOCI.EO DE. ESTUDOS DA \'IOLÊlsCIA -CEPID-FAPE.SP-USP

Coordmru/or do NEV-USP Sérgio Adorno Coord,n,ulr,m Adj,mta do NEV-íJSP

Põq1tisador Emérito Gerente do Projeto

Nancy Cardia Paulo Sé:rgio Pinheiro Eduardo Brito

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor Ylce-reltor

Adolpho José Melfi Htho Nogueira da Cruz

led~ EDITORA DA U1'JVERS1DADE OI! SÃO PAULO

Diretor-presidente Plínio Manias Filho

CO\ffSSÃO EDITORIAL

P residente José Míndlin Yice-presidente Oswaldo Paulo Forattini

Brasflio João Sallum Júnior Carlos A lberto Barbosa Dantas Guilherme Leite da Silva Dias Laura de Mel lo e Sou ui Munllo Marx Plínio Martins Filho

Diretora Edhorial Silvana Biral Diretora Comercial Eliana Urabayash!

Diretora Aúmi11is1ra1irn Angela Mariã Conceição Torres .Edirr,m-anfrreirre Marilena Vizentin

Dominique Monjardet

o QUE FAZ A POLÍCIA SOCIOLOGIA DA FORÇA PúBLlCA

íc,,~i>1ist.ério .. ~ ~. c..e.·-~ ,...~ .~Upo.!~"º

POSFÁCIO

~ nf(J· ean~~ ~ ~.~ . . ~.,-, ' '_ J=.a. e1"1"·-~ 9j--:,~1 ' '; . . ' ~ ~ fi· . ~ ~J- ri. ;,f~

1'14.'f: - - . ~e':'.~~- • ~. ~- ·.):·'- ~

FORD FOUNDATION

NEV - Núcleo de Estudos da Violõncia-USP lcd:!

Título do orígin al cm francês Ce q11c [au 1t1 poliu: sociologic de /~ foru p11MiqllC

Cop)'Tighl Q Dominiquc Monjardct / Éditions La Décou vert, Por is, 1996 (revista pelo autor cm 2002 para esta publicação)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Monjardet, Dominique O que Faz a Policia: Sociologia da Força Pública / Dorninique

Monjerdet; posfácio [ean-Marc Erbês; tradução Mary Amazonas Leite de Barros. -ed. rev, 2002- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. -(s.érie PoUda e Sociedade; n. l O/Organização: Nancy Cardia)

Título original: Ce que fait la police: sociologie de la force publique Bibliografia. ISBN S.5-314-0782-6

1. Policia 2. Polícia - Aspectos sociológicos 1. Erbes, Iean-Marc, Il, Cardia, Nancy. III. Titulo. IV. Série

03-3691 CDD-363.201

Índices para cal:álogo sistemático: I, Polícia como força pública: Aspectos sociológicos:

Problemas sociais 363 .20 l

Direitos em língua portuguesa reservados à

Edusp- Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 37'4 61' andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-900-São Paulo- SP- Brasil Fax (Oxxl J) 3091-41.51 Tel. (Oxxl 1) 3091-4008 / 3091-4150 www.usp.br/edusp-e-mail: [email protected]

Printed in Brazil 200;

Foi feito o depósito legal

SUMÁRIO

)

AGRADECIMENTOS ..•.•.....•............•.......••................................•.............. ,. ..................•...... 11

INTRODUÇÃO ......•..............•........•.....................................................•........•............••.... ,. 13

I. AS TRÊS DIMENSÕES DA FORÇA PÚBLICA

O MARTELO E SEU MESTRE ....•...•.•..................•.•..•.......•...................•..................•... ,, ....• ,,. 21 1. A INSTITUIÇAO .......................•...........................................•...•..•.....•..••.......•...•••......... 25

1. A Força Policial ,. 25 O Monopólio 25 Força e Outros Meios de Polícia ..............................................................•............. 28 2. Os Interesses Coletivos ou os Valores da Instituição Policial 29 3. A Autoridade sobre a Instituição 35

2. A ORGANIZAÇÃO OU A OPACIDADE ...•..•.•.••...•..••.•.•...••..••...•••.••.•.••••.••...•.....•.••••.••••••••.•• 41

1. O Trabalho Policial ,. 42 Introdução 42 O Processo de Seleção 43 Processos de Seleção, Normas Coletivas e Formação 57 Processos de Seleção e Apostas Internas 66 2. O Enquadramento ,. ., 69 Urna Hierarquia Descontínua 70 A Ausência de Enquadramento Funcional 72 "The.Mar: in theMiddle" 74

/. 7

QUE FAZ A POLICIA

A Função do Cabo: Três Temas Dominantes 76 O Papel Externo: A Responsabilidade 87 3. A Inversão Hierárquica 95

A Inversão por Redução 100 A Inversão por Legitimação 102

4. A Organização e Seu Ambiente: Dois Modelos 105

Elementos de Diferenciação 106

Dois Modelos 112

5. O Saber Policial.Arte ou Técnica 122 O Dilema: Arte ou Ciência? Receitas ou Técnicas? 123

6. A Manutenção da Ordem 131

O Sistema de Trabalho CRS 131

A Especialização e Seus Dilemas : 132 A Manutenção da Ordem e o Resto 133

A Continuidade Hierárquica 139

7. Três Modos de Produção Policiais 141 As Fontes da Ação Policial 141

Os Territórios Policiais 142

Os Alvos Policiais 143 Os Recursos de que Dispõe a Polícia 143 A Avaliação da Produção Policial 144

Critérios de Avaliação 145 As Falhas: Cada Modalidade Conhece em Tipo Próprio 145 As Perversões Próprias a Cada Modo Identificam-se Quando as Falhas se Estendem 145

Sistemas e Critérios de Controle Dominantes Aplicam-se aos Diferentes Modos de Produção 146

3. A PROFISSÃO Pouc1AL 151

1. Os Interesses Pofissionais 152

Os Interesses Materiais 153

Os Interesses Corporativos 155 Os Interesses Profissionais 157

2. A Cultura Profissional 162

8

SUMÁRIO

A VulgataAnglo-Saxã 163

A Cultura como Espaço de Debate 166

Tentativa de Tipologia 172

3. As Coalizõcs 180 O Sindicalismo Policial 181

As Coalizões Profissionais 185

O Verdadeiro Trabalho Policial 189

4. A Condição Policial 194

II. AS DINÂMICAS POLICIAIS

4. POLICIA E PODER, A DINÂMICA INTERNA .............................................................•..... 207

1. A Incerteza 210

A Dupla Obrigação: Meios e Resultados 212 A Espada de Dâmocles 214

A Cobertura 217

2. A Involução dos Objetivos 219

A Instrumentalidade e Sua Reprodução 220

A Involução dos Objetivos 223

3. A Resistência à Mudança, ou a Governabilidade 226

A Reforma da Formação 227

A llotage 233

5. POLICIA, PODER E SOCIEDADE: 0 TERCEIRO AUSENTE .............•..................•.............•. 239 1. E Pur si Muove! 239

A Explosão da Pequena e Média Delinqüência 241

O Tumulto Urbano 244

2. A Experiência Francesa 248

O Aumento dos Recursos Policiais 248

A Reforma das Estruturas 249

A Estratégia Operacional 251 Uma Política Alternativa 254

3. A Polícia Comunitária 257

A Descentralização Organizacional e a Reorientação dos Patrulhamentos 261 "Resolução de Problemas" 261

Prioridades dos Cidadãos 262

9

E FAZ A POLICT A

Co-produção da Segurança 263 4. O Sistema de Ação Policial: As Condições da Mudança 265

A Polícia de Ordem 268 A Polícia Criminal 271

6. TIPOLOGIA DAS POLICIAS .••••.•••••••.••.••.••.•..•...••.•..••..•..•...•...••.•••..•...•••..•••...••••.••.......•. 281

CONCLUSÃO: UMA POLICIA ÜEi\tOCRATJCA? .•..............•...........•..•....•...••...••.•.................. 293

PosFACIO- Jc1111-lvfarc Erbês .,, 301

ANEXO: FONTES E RECURSOS ••.••.•••••••.••.••.••.•••••••••.••.••••••••••.•••.•••.•....•..••••••••••••••••.••••••••• 309

8IRUOGRAFrA ••••••.•.•••••••.•••••••.••••..••••••••..•..•..•••••••••..••.•••.••.•••.••••••••.•••.••••••••.•••••••••.•.••••• 315

10

AGRADECIMENTOS

Este livro conclui uma dúzia de anos de pesquisas sobre as polícias dos países ocidentais. Em relação à maior parte dos países estrangeiros, dispõe-se, há algumas décadas, de uma abundante bibliografia (anexa), alimentada por uma tradição de pes­ quisas empíricas cujo pioneiro foi, no início dos anos 50, W. A. Westley, na Universi­ dade de Chicago.

A França era uma exceção até 1982, data em que a abertura da instituição policial à pesquisa em ciências sociais foi decidida por Jean-Marc Erbes, então diretor da for­ mação da Polícia Nacional. Ele não ignorava que se opunha desse modo à cultura de uma instituição e de uma profissão tradicionalmente desafiadoras em relação a todo olhar externo, espontaneamente percebido como intrusivo, e que agindo assim en­ frentava alguns riscos. De fato, as primeiras reconstituições (restitutions) de pesquisas junto às maiores autoridades em assuntos policiais foram movimentadas. J.-M. Erbes teve ainda mais mérito em perseverar, porque seus próprios sentimentos relativamen­ te à pesquisa são compartilhados: convencido de que o conhecimento está no princí­ pio da ação, sua obsessão pelos corporativismos, tanto dos pesquisadores corno do outros, faz com que freqüentemente suspeite estarem eles prontos a desviar o coman­ do da administração em proveito de seus próprios fins, e a preferir "autocomprazer­ se" em vez de responder às perguntas que lhes são feitas. Doze anos depois, J.-M. Erbês, à frente do Instituto dos Altos Estudos da Segurança Interna, institucionaliza a pes­ quisa em ciências sociais no Ministério do Interior, e dá a ela suas cartas de crédito no seio do mundo policial. Sem ele, nada teria sido possível, sendo-lhe, portanto, este livro naturalmente dedicado.

11

O QUE FAZ A POLICIA

polícia urbana ou o chefe de polícia municipal belga é (ou deveria ser) o responsável por um serviço público de proximidade, o inspetor ou o comissário dos RG é um agente de informações, seu colega de Polícia Judiciária é um perito cm redes. Mais que os feudalismos corporativos aos quais comumente é atribuída, essa diferenciação dos oficias é um fundamento muito mais garantido da ausência de mobilidade dos quadros entre as diferentes direções ativas da Polícia Nacional (entre PU/RG/PJ/DST/ CRS erc.). Os problemas de comunicação, de circulação de informação, de divisão de territórios erc., que já mencionamos (e sua representação habitual em termos de "guerra das polícias") podem assim se reformular: sob que condições a divisão do tra­ balho prático entre esses três ofícios permite ou entrava a cooperação? Ou ainda: qual é o grau de compreensão ou de explicitação dessa distinção entre os modos de produ­ ção que deve atingir a organização policial para pretender gerar sua cooperação, ou pelo menos sua coexistência? Ou, a contrario, qual é o papel da inércia e da opacidade da organização policial atribuível à falta de explicitação e de reconhecimento da dife­ renciação dos ofícios policiais?

Questão paralela: o que houve com a profissão policial, pode-se apenas falar de uma profissão policial? D~ignando "os policiais", designa-se uma corporação, uma profissão, um princípio de identidade e de reconhecimento ou uma pura construção administrativa: reunião sob um mesmo estatuto de grupos profissionais heterogê­ neos? Questão que conduz ao exame da terceira dimensão sob a qual se apresenta (e se desdobra) toda polícia: a dimensão profissional.

150

3 A PROFISSÃO POLICIAL

Ainda amplamente difundida, a visão puramente instrumental da polícia - e a mais corrente até que os pesquisadores resolvam examinar melhor o assunto - divi­ de-se entre duas escolas. Para a esfera progressista, a polícia é o instrumento de domi­ nação por excelência do poder, isto é, da classe dominante. Engels fixou essa concep­ ção em algumas poucas páginas das Origens da Família, da Propriedade e do Estado, em que é regrada a questão dos aparatos policiais: exército interno da classe domi­ nante, eles são os instrumentos da dominação física, pela força, das classes domina­ das, quando os outros recursos de dominação não bastam mais. Regularmente reedi­ tada (Gleysal, 1974; Fossaert, 1978), essa visão da polícia se exprime também nos debates dos historiadores anglo-saxões que polemizam a propósito da repressão do movimento operário pela new police inglesa ou pelas polícias patronais norte-ameri­ canas. É também, de modo mais diretamente compreensível, o sentimento daqueles­ minorias étnicas, moradores de rua ou grupos marginais - que se vêem como alvos de uma provocação policial.

No lado oposto, a esfera conservadora, ou apologética, define a polícia como instrumento especializado da law enforcement (aplicação da lei), numa visão pura­ mente funcionalista em que A sociedade, espécie de deus ex machina; dá mandato A polícia de reprimir o desvio, e não faltam policiais para querer ou pretender se reco­ nhecer nessa imaginária, uma forma nativa do jargão político [ Zangue de bois] (Deni 1979).

Os primeiros e principais resultados das pesquisas sobre a polícia nem tanto fo­ ram refutar essas imagens opostas, que nunca foram exatas, mas desmontar os meca-

151

O QUE FAZ A POLICIA

e 1 t 1( t 1

nismos que os invalidam. Como se viu, esses mecanismos organizacionais interpõem múltiplas mediações entre os fins prescritos ( ou visados) e as práticas dos agentes, e, quando o instrumento é tido como dócil> produzem opacidade e inércia. Essa visão de um agente passivo e dócil, instrumentalizado por o poder ou por A sociedade, foi rompida sob um outro aspecto pelas abordagens interacionistas. Em particular, H. Becker (em Outsiders, 1963> pp. 155-162), inspirando-se nos trabalhos pioneiros de W. A. \\7est1ey (1951), tornou evidente que, além de seu mandato social e das prescri­ ções hierárquicas, os policiais são igualmente orientados por interesses profissionais próprios. Esses interesses coletivos se desdobram com tanto mais eficácia para guiar, orientar e justificar as práticas reais observáveis, devido ao fato de a natureza do tra­ balho policial implicar uma forte autonomia, e uma resistência experimentada em todos os mecanismos clássicos de controle organizacional hierarquizado. Por esse motivo, o funcionamento policial real é incompreensível se não forem levadas em conta as dimensões pertinentes da profissão, as propriedades e as "utilidades particu­ lares" daqueles a quem a força pública é confiada. Como toda profissão, com efeito, os policiais têm interesses próprios, expressos notadamente pelas coalizões profissionais. Na interação cotidiana entre os profissionais, suas tarefas e o público, constitui-se e se reproduz uma cultura profissional.

l. OS INTERESSES PROFISSIONAIS

Poucas noções são mais polissêmicas" que a de "interesse", de modo que, na falta de fixar-lhe o sentido, a sociologia do interesse, como mostrou A. Caillé (1981), tece arrazoados sobre tudo, e sobre nada, pois gira em torno de uma tautologia: postulan­ do que toda prática é orientada por um interesse, explica-se toda prática atribuirido­ lhe um interesse, a fim de, no caso - quando os próprios interesses não o exprimem-, qualificá-lo de interesse "objetivo" Levar em conta o interesse dos policiais só tem sen­ tido quando se impede de lhes atribuir interesses em nome de uma racionalidade que eles não exprimem, e quando, ao contrário, limita-se a recensear os interesses que eles experimentam. 1:. assim que D. Black (1980, cap. 4) demonstrou empiricamente que, nos Estados Unidos (e na época de sua pesquisa), pelos mesmos delitos, um índice de prisões de negros muito superior à de brancos não testemunhava um racismo policial ativo, mas o emprego de um interesse preciso: o de impor sua autoridade nas inter-

• Que tem muitas significações (N. da R.).

152

r A PROFISSÃO POLICIAL

venções em público. Quando os comportamentos dos interpelados (negros ou bran­ cos) são igualmente respeitosos (ou igualmente vindicativos), as taxas de detenção são, com efeito, idênticas. Entre os interpelados negros, os números observados refle­ tem, primeiro, uma maior freqüência de comportamentos de rejeição cm relação à autoridade policial. Não é garantido que a demonstração de D. Black1 esgote o tema dos comportamentos discriminatórios policiais, e que seja universalizável no tempo e no espaço (sobre o tema polícia e racismo, ver Wieviorka et al., 1992; Monet, 1993), mas ela tem o mérito de mostrar que a law enforcement mais precisamente codificada (seja a prisão prescrita do autor seguro de um delito bem definido) é inseparável de uma construção social hic et nunc [aqui e agora], cujo interesse policial pode ser uma dimensão maior.

Os interesses que os policiais exprimem se distribuem em três classes. Os que vão ser denominados interesses materiais são fundados em condições de emprego e de trabalho, não têm nenhuma especificidade policial e são observados de modo idêntico nas reivindicações de não importa qual grupo assalariado empregado por uma gran­ de organização. Aqueles que, na polícia, assumem uma forma particular por causa das características policiais da situação de trabalho serão chamados interesses corpo­ rativos. Enfim, o termo interesses profissionais se refere ao outro sentido do interesse: não aquele que relaciona (interesse de um capital ou de um investimento), mas o que desperta a atenção, o que motiva (o interesse de uma obra), isto é, o que é ou não valorizado no trabalho policial.

Os Interesses Materiais

Assalariados como os outros - e, na França, funcionários como os outros-, os policiais partilham a mesma preocupação com condições de trabalho e as mesmas reivindicações quanto às condições do emprego e de remuneração que as outras cate­ gorias de assalariados e de funcionários. Duas alavancas talvez expliquem que essas reivindicações sejam entre eles tradicionalmente poderosas. O trabalho no posto cm equipes alternantes, que é o destino da maioria dos guardas, tem uma dificuldade pró­ pria, tanto em si mesmo (fadiga e perturbação dos ritmos fisiológicos) como por seus efeitos (problemas familiares e de inserção social). Geralmente, o subinvestimento no equipamento policial (imóveis, notadamente), a baixa qualificação da maioria do efetivos (até 1982, a Polícia Nacional recrutava os guardas com o slogan "não se exige

1. A análise de D. Black foi objeto de uma tradução e de urna apresentação francesas, em Les Calii~rs de /,1 stcuriré intérieurc, n. 9, maio-julho de 1992, pp. 203-233.

153

O QUE FAZ A POL[Cl A

diploma"), os recursos da disciplina ( que por muito tempo permitiram, por exemplo, impor acantonamentos ao acaso às CRS em deslocamento), a ausência na função pú­ blica dos dispositivos existentes nas indústrias de mão-de-obra (inspeção do traba­ lho, comissão de higiene e de segurança), todos esses elementos por muito tempo se conjugaram para alimentar e manter condições de trabalho precárias, e às vezes in­ dignas (especialmente locais de trabalho). No sentido inverso, a intensidade dos con­ flitos sociais e dos problemas de ordem pública produz periodicamente conjunturas nas quais o poder recorre com freqüência às corporações policiais. Estas raramente deixam escapar as oportunidades de fazer avançar suas reivindicações materiais. Os acontecimentos de maio-junho de 1968 na França são assim o exemplo típico, em que a profissão pôde fazer valer que, para contar com ela em todas as circunstâncias, o Estado em troca precisa testemunhar alguma solicitude (e não unicamente sob a for­ ma das distribuições de "tragos", recomendadas, ao que parece, pelo general de Gaulle). A partir de então a história repetiu-se, e os períodos de forte tensão nas rela­ ções sociais e/ou políticas marcam os avanços das reivindicações policiais.

Processos comparáveis são observáveis em toda parte. Em conseqüência dos grandes conflitos urbanos dos anos 60 nos Estados Unidos, os debates sobre as falhas constatadas das polícias produziram grande consenso a respeito da necessidade de formar melhor os policiais, recrutá-los com uma bagagem escolar nitidamente mais elevada, e permitir àqueles que estão em atividade retomar os estudos. O resultado mais seguro foi um crescimento rápido dos salários e a explosão dos orçamentos po­ liciais municipais (Fogelson, 1977). Desse modo, se as condições materiais de traba­ lho estão longe de ser satisfatórias em toda parte, o duplo movimento de bonificação das remunerações e de redução da duração do trabalho (semanal, anual) e da vida ativa levou a uma situação em que não se vê muito bem como ela pode ainda, do ponto de vista policial, progredir significativamente. É possível que a promoção dos interesses materiais dos polícíaís doravante vai se centrar, cada vez mais, de um lado, na defesa dos "direitos sociais adquiridos': ameaçados pela crise das finanças públicas e, do outro, em reivindicações mais qualitativas.

Desse ponto de vista, uma característica da situação de trabalho policial é total­ mente específica na França. A estatização da polícia foi acompanhada do estabeleci­ mento de mecanismos nacionais de recrutamento. Como o CAPES* para os profes­ sores do secundário, os concursos de recrutamento policial são nacionais, e as

Certificat d'Aptitude au Professoral de l'Enseignemcnt Secondaire [Certificado de Aptidão ao Professorado do "Ensino Secundário), através do concurso de recrutamemo dos professores do ensino secundário (N. da R.).

154

A PROFISSÃO POLICIAL

designações iniciais são decididas cm função das necessidades, sem considerar a ori­ gem geográfica dos recrutas. Comparando as populações dos guardas em Paris e na província, viu-se os efeitos desse mecanismo. De um modo geral, as grandes aglome­ rações e, antes de mais nada, a região parisiense, que concentram os grandes efetivos, são policiadas pelos guardas mais jovens e que esperam voltar, por mudanças sucessi­ vas, à sua região de origem. As conseqüências são consideráveis. O docente na mesma situação experimenta poucos efeitos profissionais diretos disso: ele está sensivelmen­ te na mesma relação profissional com sua classe, uma vez que seu trabalho é limitado ao espaço fechado do estabelecimento escolar e ao tempo limitado do ano escolar. No caso policial, ao contrário, o espaço de trabalho é inteiramente aberto, é a própria aglomeração que, por hipótese, o novato não conhece, e sua população, com sua his­ tória e sua permanência, enquanto o jovem policial está apenas de passagem. A or­ ganização policial francesa produziu assim um paradoxo maior em todos os seus as­ pectos: o de fazer garantir uma tarefa que exige inserção, interconhecimento e permanência, por efetivos em perpétuo movimento.

Os Interesses Corporativos

A mesma preocupação com condições de trabalho toma formas mais especifica­ mente policiais quando se refere diretamente às modalidades de exercício de traba­ lho. O exemplo típico é o do patrulhamento de via pública, forma de expressão privi­ legiada da presença policial na cidade, sob seu duplo aspecto de vigilância (a espreita) e de disponibilidade ( o socorro de urgência). À primeira vista, a evolução de suas for­ mas apenas traduziu a modernização dos meios de locomoção: patrulhamentos a pé no início do século, ciclistas até os anos 50, motorizados desde que o uso das viaturas se generalizou (ainda enferrujam, em alguns quintais, ciclomotores). Paralelamente, as condições de trabalho melhoraram sensivelmente, já que os patrulheiros não an­ dam mais a pé e não estão mais submetidos às intempéries. Com a generalização do rádio, podem além disso intervir muito mais rapidamente num perímetro muito maior. Iustíficativas suficientes para que, por exemplo, na promoção estudada de guar­ das da paz, quatro quintos (78%) julgam o patrulhamento motorizado preferível ao patrulhamento a pé2• No mesmo sentido, acontece de chefes de serviço estabelecerem uma "tlotageem viatura'"; E já que o patrulhamento a pé é mais penoso fisicamente e

2. "No patrulhamento, a gente é mais eficaz: - de carro, pois há maior mobilidade: 78% - a pé, porque a gente \'O: melhor as coisas: 22%" (Não responderam: 2%). Para 610 guardas da pai [gc1rdie11s de 111 paix; denominação ofi­ cial dos guardas da Policia Nacional] interrogados em março de 1998. Ver o anexo metodológico. O que é um contrascnso.jâ que entre os princípios da i/01t1geest,\ a proxirnidade e, assim,o patrulhamento a pé (N. d.1 R.).

155

O QUE FAZ A POLICIA

menos valorizado, do ponto de vista policial, que o patrulhamento motorizado, ele rá atribuído segundo a regra da antigüidade no serviço, isto é, aos mais jovens e aos

novatos: é assim que (salvo o Vigipirate [plano de vigilância de pirataria]) o essencial da visibilidade policial nas ruas de Paris é hoje garantida pelos policiais auxiliares'.

Justificativas igualmente bastante poderosas para ter ocultado totalmente a mu­ dança policial radical que representa o patrulhamento motorizado e sua generaliza­ ção. O patrulhamento a pé é urna presença policial na rua, o patrulhamento motoriza­ do é uma caixa em movimento na cidade. Um institui uma interface e uma interação entre pedestres, o outro torna os policiais surdos e quase cegos a quem os cerca. Um é acessível ao transeunte, o outro está na escuta das mensagens da central de rádio. As pesquisas aplicadas da Police Foundation (1981) sobre o patrulhamento a pé em ewark nos Estados Unidos mostraram, assim, de que maneira, sob pretexto de uma

modernização, e mais simplesmente ainda de uma adaptação técnica, formou-se uma outra polícia, fundada em outros princípios e com outros objetivos. As resistências contra a restauração do patrulhamento a pé, vivido como desqualificação, degrada­ ção das condições de trabalho e volta a uma polícia arcaica, testemunham a força dos interesses corporativos.

Um outro exemplo do mecanismo pelo qual esses interesses corporativos influen­ ciam poderosamente a prática policial tem uma fonte mais anedótica. No clima de tensão que acompanhou maio-junho de 1968, houve agressões a policiais isolados nos transportes coletivos em número suficiente para que os sindicatos policiais obtives­ sem a suspensão da obrigação de chegar ao serviço de uniforme e, portanto, de efetuar o trajeto domicilio-lugar de trabalho de farda. Essa medida temporária tornou-se de­ finitiva. Parece fora de questão voltar à obrigação anterior e, em nossa pesquisa de coorte, dos guardas da paz interrogados em março de 1994, embora 7% julguem que esta permitiria aumentar a presença policial na via pública, 93% opõem-se totalmen­ te a ela, sob a alegação de que a restauração dessa obrigação ameaçaria sua segurança. Assim, pode-se estar certo de que qualquer tentativa de abolir essa "vantagem adqui­ rida" suscitaria uma oposição muito vigorosa.

Ninguém contudo, e muito menos os policiais, faz a comparação entre essa me­ dida e o desenvolvimento concomitante da delinqüência e do sentimento de insegu­ rança nos transportes públicos. Para contê-la, foi preciso espalhar unidades especiali­ zadas, e, em 1995, o Serviço de Proteção e de Segurança do Metrô (SPSM) conta com

·~

3. Que, pelas mesmas razões, asseguram igualmente o essencial dos pontos de circulação, com resultados por vezes surpreendentes ...

156

A PROFISSAO POl,ICIAL

cerca de quatrocentos e trinta policiais em tempo integral, aos quais se somam os li­ gados à segurança da rede de subúrbio das estradas de ferro. Ora, um cálculo simples demonstra que, sob a hipótese excessivamente favorável de os guardas da paz do SPSM patrulharem durante toda a duração de seus turnos, eles só garantiriam um quinto das horas de presença policial representadas pelo trajeto cotidiano em uniforme do conjunto de seus colegas alocados na chefatura de polícia. Em outros termos, a perenização da medida tomada em 1968 custou à chefatura de polícia quatrocentos e trinta policiais em tempo integral, e dividiu por cinco a presença policial nos trans­ portes coletivos de Paris4•

Poderíamos multiplicar os exemplos de desdobramentos indesejados que fazem com que uma disposição motivada por um interesse corporativo, reconhecido como legítimo e razoável pela administração, produza efeitos propriamente policiais consi­ deráveis e que não foram de nenhuma maneira previstos, e muito menos decididos. De tal modo que o resultado, ou o conjunto das práticas policiais concretamente observáveis, não é mais em grande medida atribuível a escolhas policiais (definição de objetivos, de estratégias, alocação dos meios correspondentes etc.), mas concer­ nente a outras lógicas. É a primeira forma de um mecanismo geral de involução dos objetivos da instituição policial que se exporá mais adiante.

Os Interesses Profissionais

Ponto de passagem entre os interesses corporativos e a cultura profissional, os interesses profissionais se originam sejam na própria situação de trabalho ("as exi­ gências situacionais do trabalho" recenseadas por J. Skolnick, 1966), seja no sistema de sanções, positivas e negativas, que enquadram a atividade. A análise, desenvolvida por D. Black, da "construção social das prisões" (já citada) demonstra que para um policial em intervenção é essencial garantir primeiramente sua autoridade sobre o conjunto dos atores ( e público) da situação, pois sem isso sua intervenção pode dege­ nerar em conflito aberto, e ele incorre em riscos físicos pessoais sem estar assegurado de ter a última palavra. Como bem observou H. S. Becker, essa exigência situacional se generaliza da seguinte maneira:

4. De um modo geral, J.-N. Tremblay demonstra-o bem no caso dos patrulheiros da Süreté du Québec, o uso do uniforme coloca sob uma dupla pressão constante: - de intervir cm caso de distúrbio público; - de não se desmoralizar ( reverso da necessidade de se "fazer respeitar"). Dupla coação que explica esse paradoxo de uma força de polícia fardada cujos membros têm, como interesse corporativo poderoso, o de arvorar o uni­ forme o mínimo posslvel.

157

QUE FAZ A POLICIA

Alguém encarregado de aplicar uma regra tem todas as possibilidades de crer ser neces­ sário que as pessoas com quem ele se relaciona o respeitem. Se não o respeitam, será muito difícil para de fazer seu trabalho j ... J. Em conseqüência, boa parte da atividade de aplicação da lei não é dedicada ao fazer realmente aplicar as regras, mas a obrigar as pessoas com a quais o agente da lei se relaciona a respeitá-la (op. cit., p. 158, trad. p. o fr. de D. M.).

Uma ilustração prática desse interesse profissional é de experiência comum. Todo automobilista sabe que a sanção efetiva de uma infração de trânsito depende em gran­ de medida de sua própria atitude em relação ao policial que o interpelou. Entre a de­ ferência contrita e o protesto veemente, completado por observações sobre tudo o que o policial teria a fazer de melhor, passa-se da admoestação indulgente ou da multa simples à arenga de delitos acompanhada de um processo de "desacato ao agente da força püblica'". O alcance desse interesse é ainda muito maior. Ele dá conta de duas propriedades policiais gerais.

Em primeiro lugar, esse interesse explica e fundamenta o apego policial ao prin­ cípio de autoridade, nutre o discurso policial constante e secular sobre a dissolução do princípio de autoridade na sociedade de que ele é contemporâneo, e sobre as prá­ ticas de "transmissão" da responsabilidade de toda uma série de dificuldades de sua prática cotidiana às outras instituições, que não assegurariam mais a transmissão e o respeito à autoridade, como a familia, a escola e a justiça. É assim que, na promoção de guardas estudada, interrogados sobre as causas essenciais do aumento da delin­ qüência, a porcentagem daqueles que o atribuem à crise económica e social passa de 58% (quando da entrada na escola de polícia) a 39%, dois anos e meio mais tarde; aqueles que atribuem a responsabilidade aos erros das instituições, minoritários no início, se tornaram nitidamente majoritários.

Em segundo lugar, esse interesse baseia as dificuldades endêmicas entre a polícia e os grupos sociais que, por razões estruturais, mais facilmente que outros se dobram a esta imposição de autoridade: os jovens, por um lado, definidos por essa idade da vida em que a auto-afirmação e a busca da identidade passam por um questiona­ mento da autoridade tradicional; as minorias étnicas, de outro lado, cuja cultura pró­ pria pode veicular outras formas ou outras simbolizações da autoridade. O racismo policial antijovens ou anti-imigrados se compreende o mais das vezes assim. Os poli-

5. Em seu estudo sobre a g.estão das contravenções rodoviárias, C. Perez-Diaz ( 1992) estabeleceu, assim, que a con­ dição elementar para tentar beneficiar-se da "indulgência" dos serviços de polícia após a infração constatada era se abster de todo questionamento da realidade da infração. Em caso de contestação, o pedido de indulgência é sistematicamente rejeitado:"Jrwestigação e verificações minuciosas vão logo remeter [os contraventores] ao res­ peito índiscuth·el à autoridade das forças da ordem" (p. 98).

158

A PROFISSÃO POLICIAL

dais interrogados por M. Wicviorka (1992) assim se expressam: "Quando entrei na polícia cu não era racista ] ... ] cu fiquei.[ ... ] Não pensava que ia virar (racista) ( ... ]". Nesses casos, o discurso do racismo não é a expressão de uma ideologia que preexistiria ao ofício, ele é esse discurso disponível de que se apropria o policial desprovido de uma interpretação alternativa, e mais bem fundada, das dificuldades particulares que os jovens, os imigrados etc. opõem ao emprego de seu interesse profissional.

No seio da própria organização policial, o outro tipo de interesse profissional se baseia no sistema de sanções que esta utiliza. O pragmatismo, freqüentemente descri­ to como um traço cultural policial, enraizado nas "exigências situacionais" da tarefa (Skolnick, 1966), se concebe de fato muito mais como adaptação razoável a um siste­ ma de sanções que concentra as retribuições sobre os resultados da prática policial. Quer se trate das retribuições individuais, da carta de felicitações pela promoção pas­ sando pelo prêmio, pela medalha ou pela atribuição de nota, ou da avaliação de um coletivo de trabalho (brigada, unidade, serviço), o critério do superior (e da adminis­ tração em seu conjunto) é sempre o ato (número de timbres-amendes [selos para pa­ gamentos de multas, aplicados em certas contravenções, que evitam Processo Verbal], de flagrantes delitos, de deferimentos, de elucidações etc.) e não o estado (a tranqüili­ dade, a segurança, a confiança etc.).

Nesse sentido, a polícia é um modo de produção, uma indústria, de que são registrados e avaliados apenas os produtos mensuráveis. Ora, os produtos mensuráveis da atividade policial são em número reduzido e concentrados num campo muito de­ limitado. Há medidas do volume da atividade de um serviço. O mais das vezes, trata­ se apenas do registro contábil da demanda dirigida à policia: número de queixas registradas, de chamadas recebidas, de incursões da PS [Polícia de Resgate] efetuadas, de serviços de manutenção da ordem e de manifestações de via pública etc. Nada nes­ ses números mede o desempenho ou a produtividade da polícia, nem é suscetível de sanção.

A avaliação da prestação de serviço policial vai portanto se focalizar no domínio que pode parecer traduzir um resultado, uma eficácia, uma mobilização, isto é, no domínio repressivo. É o único que produz um número imediatamente interpretável: número de contravenções, de interpelações, de prisões preventivas, de deferimento ao Ministério Público, de casos elucidados. Do mesmo modo que é o grande crimi­ noso que faz o grande policial, é a quantidade de atos de repressão que faz o bom serviço. Se alguém duvidava disso no seio da policia, a administração se empenha em difundir quadros comparativos cujos indicadores não deixam aos chefes de serviço

159

O QUE FAZ A POLICIA

nenhuma dúvida sobre o que se espera deles: número de prisões preventivas por fun- íonãrio, número de prisões preventivas por habitante, taxa de elucidação etc., é claro que não é nas circunscrições tranqüilas (e "bem policiadas") que se pode fazer uma carreira rápida. E isso vale em todos os escalões e em todos os destacamentos poli­ ciais. O guarda que recebe uma carta de felicitações do diretor porque prendeu em flagrante delito um assaltante tem certeza de que não a teria recebido pelo trabalho paciente e invisível que tivesse prevenido - mas como estar seguro disso? - o assalto. Do grande golpe que traz notoriedade, medalha e promoção, até a caça à "cabeça" cotidiana, toda a profissão policial, assim, se convence- e é confirmada em sua con­ vicção pela hierarquia, o ministro e a mídia -, que a repressão ao crime é sua tarefa prioritária, se não exclusiva.

Novamente, trata-se de uma ilusão de óptica. Historicamente, Manning (1977), Wilson & Kelling (1982}, Walker (1984) já demonstraram que essa parte hoje consi­ derada como dominante da atividade policial é muito recente. Na França, ela se des­ taca da atividade judicial somente no século XIX, e é preciso esperar Clemenceau e as "brigadas do Tigre?" (1907) para assistir à criação de uma polícia criminal especia­ lizada. Nos Estados Unidos, na mesma época, são os êxitos midiáticos dos Pinkerton que incitam os policiais a investir nesse campo. Ainda hoje, os efetivos realmente de­ signados para tempo integral na luta contra a delinqüência são muito restritos. So­ mando aos agentes da Polícia Iudiciáría propriamente dita os inspetores lotados me­ tade de sua atividade na Polícia Urbana (num cômputo muito amplo, a polícia administrativa os ocupa possivelmente muito mais), a subdireção das corridas e jo­ gos e os destacamentos especializados da polícia fardada, tais como as Brigadas Anticriminalidade (BAC), é duvidoso que a "luta contra o crime" mobilize realmente mais de 15% a 20% dos efetivos, ou seja, um volume comparável àquele do serviço das CRS apenas.

Quer dizer, a repressão da delinqüência não é, nem de longe, a tarefa dominante da policia. Ela é entretanto a mais valorizada, a começar pela administração: a única recompensa de que esta dispõe para gratificar o bom patrulheiro é "promovê-lo" a uma unidade especializada; e portanto retirá-lo do patrulhamento (Reiner, l 993). Do mesmo modo, J. N. Trernblay (1994) observa que na Süreté du Québec, se alguém permaneceu como patrulheiro após quinze anos de serviço, é porque foi considerado ruim, incapaz de realizar tarefas mais nobres.

• Brigadas mõveís criadas, quando era ministro do Interior, pelo político e jornalista francês Georges Eugene Ben­ jamin Clernenceau (1841-1929), cuja alcunha era "o Tigre': para dar à policia meios para bloquear a onda de crimes que enfurecia a França (N. da R.).

160

J

A PROPISSAO POLICIAL

É como se o modo de produção da Polícia Criminal - que; como se viu ( capítulo 2, anterior), era totalmente disjunta das outras em seu princípio e em sua lógica - subordinasse as duas outras e sobredeterminasse o conjunto do funcionamento poli­ cial à sua imagem e a seus critérios. No privilégio e na visibilidade conferidos à Polícia Criminal se inscreve a incapacidade para destacar seu caráter limitado e particular e, por conseguinte, para explicitar os outros modos de produção policiais; de maneira mais precisa: as distinções sem as quais suas relações não são administráveis.

A progressão do crime tem um outro interesse, que Becker sublinha igualmente ( op. cit., pp. 157- 158 ), mas é preciso modificar ligeiramente suas proposições para evitar uma inútil imputação de maquiavelismo. Um exemplo permite expô-lo: o dra­ ma da Aids não necessita de nenhuma dramatização, e ninguém acusa os pesquisado­ res de exagerar a gravidade do mal, mas, por haver drama; a pesquisa sobre a Aids beneficiou-se de uma mobilização de recursos cuja rapidez e amplitude não têm pa­ ralelo (salvo talvez, e pelas mesmas razões, as pesquisas com finalidades militares durante a Segunda Guerra Mundial). Interessar-se pela delinqüência conduz esponta­ neamente a querer "interessar" os outros nela, valorizar sua tarefa implica necessa­ riamente atribuir-lhe apostas sociais significativas. Quanto mais o crime se amplia tanto mais a função social de "último baluarte contra a barbárie" é essencial.

No exercício delicado que consiste em afirmar, num mesmo movimento, sua pró­ pria excelência, a gravidade sempre crescente do problema de que se ocupa, e a neces­ sidade de lhe conferir sempre mais recursos, a corporação policial encontra um prin­ cípio ao mesmo tempo de dramatização permanente e de reivindicações incessantes. É assim, por exemplo, que se difunde hoje a idéia de que a metade, e para alguns até 60% ou 70% {!), da delinqüência estão ligados à droga; que é urgente, portanto, tra­ var uma "cruzada" contra ela, e portanto atribuir os meios conseqüentes àqueles que combatem o tráfico em primeira linha. Ora isso que - pelo testemunho de quem "se interessa" primeiro pela droga, e conduz essa luta- é seguramente verdade para certas delinquências e em certos espaços torna-se totalmente absurdo como generalização. Basta notar que, no caso francês, imputar à toxicomania 50% da delinqüência condu­ ziria a atribuir só a essa causa a totalidade da duplicação da delinqüência registrada nos últimos quinze anos6• Mas não é necessário emprestar à dramatização policial da relação entre droga e delinqüência uma intenção interessada (no primeiro sentido do

6. Os resultados da única pesquisa que tentou medir, a partir dos próprios registros policiais, a relação entre o delitos de uso ilícito de substâncias proibidas e a delinqüência em geral (Barré, 1994) mostram, apenas nas fomes policiais, o que se podia pressentir: se muitos toxicômanos são igualmente registrados como delinqüentes, ao contrário, é apenas uma pequeníssima fração dos delinqüentes (11%) que são igualmente toxicómanos.

161

QUE FAZ A POLICIA

termo: que rende), basta colocar que quem se interessa por seu trabalho é levado a

valorizar-lhe a importância e as apostas. A ênfase assim dada pelos policiais ao crime não é, portanto, atribuível a alguns

traços "culturais" (visão pessimista do mundo social, cinismo, catastrofismo etc.) que a prática profissional teria ínstilado no policial. O social raramente apresenta ao poli­ cial sua face mais alegre, mas tal fato tampouco acarreta obrigatoriamente uma visão pessimista do automóvel no garagista constantemente ocupado em reparar panes mecânicas. Em compensação, tudo leva a corporação policial a reunir e a totalizar a variedade e a heterogeneidade de suas tarefas sob a bandeira da luta contra o crime e a desvalorizar todo o restante, sem dúvida às custas de uma melhor apreensão tanto da realidade de suas missões como de sua contribuição real ao controle social do

delito.

2. A CULTURA PROFISSIONAL

A análise da cultura profissional dos policiais é o calcanhar-de-aquiles de toda pesquisa sobre a polícia. O exercício é obrigatório, como atesta a revisão da literatura a respeito. Sejam quais forem o objeto inicial da pesquisa e a precisão de sua delimitação, -abastecimento da cadeia penal (Skolnick, 1966; Black, 1980; Lévy, 1987); - definição da ordem pública (Ericson, 1982); -sociografia do trabalho policial (Manning, 1877; Monjardet, 1984); - relações polícia-público (Reiss, 1975) etc.,

o relatório da pesquisa sempre incorpora um desenvo1vimento sobre a cultura profis­ sional. É como se, no processo de interpretação de seus dados, o pesquisador se en­ contrasse confrontado com a necessária consideração de uma "variável" imprevista, ou subestimada no protocolo de pesquisa, que por conseguinte convém designar-se sob o termo "cultura profissional", e à qual será referido, como princípio explicativo das condutas, o que parece escapar à lógica organizacional, quer esta seja apreendida em termos hierárquicos (prescrições, controle, sanção) ou em termos racionais (obje­ tives.meios, eficácia). t desconfia-se, a generalidade do processo de seleção do trabalho entre os execu­

tantes policiais que explica a generalidade dessa consideração. O trabalho do enge­ nheiro, do técnico ou do operário pode ser compreendido (até prova em contrário) sem se referir a seu sistema de valores pessoal, ou ao sistema de valores coletivo do grupo ao qual ele pertence, seja porque sua tarefa é rigorosamente prescrita, seja por-

162

A PROFISSÃO POLICIAL

que a ela se pode atribuir ou foi atribuído um objeto num processo que permite sua realização fora de qualquer referência a um sistema de valores. Não se pode, à primei­ ra vista, compreender assim o trabalho do policial. No cruzamento da autonomia prá­ tica, de sua denegação organizacional e da falta de objetivação da tarefa policial se desdobra a "cultura", ou sistema de valores dos policiais, como elemento necessário, como os interesses, de determinação das práticas.

A Vulgata Anglo-Saxã: A Cultura Profissional Engendrada pelas Propriedades Específicas do Trabalho Policial

J. K. Skolnick, numa obra que constitui uma referência obrigatória (Justice without Triai, 1966, cap. 3: "A Sketch of the Policeman's Working Personality"), estabe­ leceu os elementos de um paradigma que foi incansavelmente retomado por todos os autores posteriores (revista em Reiner, 1985; Goldsmith, 1990; Loubet dei Bayle, 1992; Gleizal et al., 1993; Pariente, 1994; etc.). O argumento de Skolnick é o seguinte: como os militares, os policiais enfrentam o perigo; como os professores, devem construir uma relação de autoridade com seu público; como todo trabalhador, têm a preocupa­ ção com a eficácia de sua ação; mas só eles combinam esses três elementos em sua situação de trabalho. Disso decorre uma série de propriedades que são a conseqüên­ cia obrigatória (ou adaptação racional) dessa situação. Assim se constroem «óculos cognitivos" e uma "personalidade de trabalho" ( working personality, ou predisposição para perceber e para agir de uma certa maneira), marcados pelos traços partilhados por todos, sejam quais forem o grau e a função. Esses traços comuns são a onipresença da suspeita na relação com o outro, o sentimento- sobre um fundo de profundo mal­ entendido na relação entre a polícia e o público - de um isolamento social que uma solidariedade interna muito forte vai tentar compensar, a valorização de um pragmatismo de princípio de que decorrem o conservadorismo intelectual, político e social, o machismo, a generalidade dos preconceitos étnicos etc. Os sucessores de Skolnick vêm apenas refinar o mesmo paradigma propondo tipologias variadas a par­ tir da acentuação diferencial desses traços comuns.

Uma apresentação mais detalhada faria justiça à qual idade de certas observações, à pertinência de certas interpretações mais nuançadas, tais corno as de E.S. Ianni e R. Ianni ( em Punch, ed., 1983) que mostram bem a distinção, no seio do grupo policial estudado, da cultura do patrulheiro - street cops- e daquela dos da administração - management cops. Continua a ser verdadeiro que toda essa corrente, hegemónica no campo, é suscetível de um mesmo conjunto de críticas.

163

O QUE fAZ A POLICIA

Inicialmente, crítica empírica. Por jamais ter verificado, com ferramentas ade­ quadas, a proposição fundadora segundo a qual todo policial partilharia, em maior ou menor grau, os "traços" que são assim atribuídos ao conjunto, essa descrição da cultura profissional se choca com consideráveis objeções de fato. Expostas num mes­ mo conjunto de observações de longa duração e de entrevistas sistemáticas, as conclu- ões mais convincentes de um estudo no meio policial francês advogam mais em favor da diversidade, do pluralismo e, mesmo, da heterogeneidade do meio profissional, do que eles testemunham uma cultura comum, e isso em dois níveis (Gorgeon & Mon­ jardet, 1992). Em primeiro lugar, a distinção dos recrutamentos (entre inspetores, co­ missários, e guardas, para reter apenas os principais) e a diversidade das missões (en­ tre policia geral, polícia judiciária, polícia política [ reinsegnementsi, manutenção da ordem, polícia das fronteiras ... ) produz mais seguramente ignorância, desconheci­ mento, e mesmo, concorrência e oposição que reconhecimento e uma cultura comum. Desse ponto de vista, o que é atestado pelos autores anglo-saxões como o cadinho da profissão policial, um recrutamento comum e a passagem inicial (e iniciática) de to­ dos por alguns anos de serviço de via pública em uniforme, é talvez um argumento, mas ele testemunha sobretudo o etnocentrismo de análises com pretensão universal.

Do mesmo modo como em segundo lugar o pluralismo aparente (exibido) não é sensivelmente reduzido quando a atenção se limita a um subgrupo profissionalmente mais homogêneo, como os guardas da paz em polícia urbana, por exemplo. Entre o policial a pé [ ífotier), motivado por uma missão de prevenção apoiada nos contatos, no senso do diálogo, na permanência, e o caçador da BAC (Brigada Anticriminali­ dade) em busca de "belos casos", é difícil de discernir o espaço profissional comum, e podem até mesmo exprimir concepções radicalmente antagônicas da ordem pública e das missões de polícia. Num nível mais geral, a profissão policial gerou na França um sindicalismo cujo traço mais notável é, justamente, como se verá, um pluralismo extremo. Esse pluralismo, longe de ser o simples reflexo da diversidade sindical do mundo salarial na França (a quase totalidade dos sindicatos policiais são autônomos), exprime cotidianamente, sobre todas as apostas propriamente policiais, divergências de orientações muito grandes.

Essa pretensa exceção francesa sugere de fato uma crítica muito mais radical, centrada na relação que os autores crêem poder estabelecer entre uma situação de trabalho e as propriedades que esta geraria naqueles que a partilham. O postulado dessa relação, e a retórica pela qual é explicada a construção dos traços comuns da "personalidade de trabalho': com efeito, lembram estranhamente a pré-história da sociologia do trabalho, quando (antes de, precisamente, Management and the

164

A PROFISSÃO POLICIAI.

Worker 1) toda uma geração de engenheiros, organizadores do trabalho e ergônornos" se desdobraram para medir as relações entre condições ele trabalho, satisfação no tra­ balho e produtividade. A total incoerência dos resultados assim produzidos ficou esclarecida quando, graças a Mayo e sua equipe, reconheceu-se finalmente que não havia definição "objetiva" das condições de trabalho, e que entre estas (socialmente percebidas e portanto socialmente definidas) e a "satisfação" se intercalavam "expec­ tativas" (Mottez, 1971 ).

Do mesmo modo, a situação de trabalho do policial não é marcada pela onipre­ sença do perigo. Aqui, a objeção não é empírica; certamente, os "empregos" de poli­ ciais apresentam um leque muito amplo de exposições ao perigo; alguns o vivem coti­ dianamente, outros praticamente nunca o enfrentam. Mas a questão não é esta: ela reside no fato de que a percepção do perigo, e seus eventuais efeitos sobre a definição pelo ator de sua situação de trabalho, são uma construção que tal ator efetua em fun­ ção de suas expectativas em relação ao ofício que escolheu exercer. O perigo pode estar muito presente para aquele que entrou para a polícia movido pelo projeto de ocupar um emprego estável numa administração pública; nesse caso, ele é o custo por vezes imprevisto ou inicialmente subavaliado da segurança de emprego. Em compensação, em muitos policiais que demonstram uma vocação, a evocação do perigo suscita um dar-de-ombros ou sarcasmo: pela estatística dos acidentes do trabalho, eles sabem que o perigo está muito menos presente na polícia do que em muitos setores industriais (Arcand, 1981). E o argumento se estende a todos os aspectos da situação de trabalho considerada, no paradigma skolnickiano, corno específica. A imposição da autoridade não procede das mesmas competências e não tem o mesmo sentido na manutenção da ordem ou para tratar de "urna diferença familiar". A procura de uma "eficácia" é inegável, seja ela mantida pela pressão hierárquica, sustentada pelo coletivo de traba­ lho ou autodeterminada pelo simples desejo de "fazer direito seu trabalho" e de ser "útil" Ao dizer isso, nada se disse sobre os critérios da eficácia dos policiais. Basta interrogá-los para observar que esses critérios constituem o objeto, no seio de sua pro­ fissão, das mais vivas divergências, e que a própria administração evita especifica-los.

Por isso, essa crítica, decisiva no fundo, não conduz a negar a pertinência da pró­ pria noção de cultura profissional policial ou a dissolvê-la na subjetividade das ex­ pectativas individuais. E tanto menos pelo fato de os "valores" dos policiais não serem um ornamento, mas antes, no espaço de autonomia de que desfrutam, um princípio

7. Roethlisbergcr & Dickson, op. cit. Profissionais da ergonomia, que visa a otimização das condições de trabalho para o ser humano através de tecnologia e projetos de desenho indust ri,11 (N. da R.).

165

O QUE FAZ A POLICIA

de ação. Os resultados de uma investigação feita (para outros fins) pela sociedade Interface junto ao conjunto da corporação policia} na França em 1982 colocam no aminho de uma acepção da cultura profissional policial empiricamente mais bem fundamentada, mais coerente com os dados de observação e teoricamente mais ólida.

A Cultura como Espaço de Debate

Os dados da Interface ( questionário fechado preenchido em 1982 por cerca de 70 mil dos 110 mil policiais da época; Hauser et al., 1983) se prestavam a uma análise fatorial das correspondências que, "descrevendo" a população estudada (Hauser et al., 1985), pôs em evidência três fatores essenciais; e em que foi verificada "a forte estabi­ lidade seja qual for o grau" (p. 88), e, portanto, as diferentes corporações da Polícia Nacional. O primeiro fator, na ordem de importância estatística, foi denominada "abertura-recuo". Ele distingue nos pólos opostos, de um lado, os que exprimem "uma certa desconfiança em relação às ciências humanas, à formação", ao acordo e aos ou­ tros em geral, que segue ao lado de uma concepção severa do papel da polícia (a polí­ cia deve inspirar medo)~ do outro, aqueles que exprimem "a vontade de se comunicar mais com o exterior, o sentimento da utilidade da formação, em ciências humanas em partícular ] ... ], são favoráveis à integração no seio da instituição policial de categorias sociais mais variadas ... " (p. 90).

Um segundo fator resume a dimensão "satisfação-insatisfação" e com isso não parece especificamente policíal. O terceiro foi batizado "regulamentarismo-negocia­ ção», que opõe "os policiais que privilegiam as ações de controle e de autoridade e aqueles que privilegiam o acordo e as relações humanas" (p. 114).

Não se entrará na apresentação detalhada dessa análise, basta destacar seu mérito essencial. Com exceção do fator "satisfação-insatisfação': que se encontraria em mui­ tos outros ramos profissionais, o estudo da Interface põe em evidência, não atributos comuns a todos os policiais, mas as dimensões comuns sobre as quais eles se dividem. Para arriscar uma metáfora, os fatores da análise Interface delimitam a arena no seio

O peso das quenões relativas à formação nos dados da pesquisa Interface se explica pela encomenda que a susci­ tou: tratava-se de trazer elementos próprios para fundar a reforma da formação inicial e contínua dos policiais, colocada cm projeto cm 1982. De fato, a pesquisa Interface serve de introdução à carta da formação elaborada naquela data (Ministério do Interior, 1983). Mas pode-se recorrer à fonte indicada para verificar que as respostas às questões relativas à formação são muito significativas de atitudes profissionais mais gerais (Hauser et ai., 1985, pp. 85-124).

166

A PROP!SSAO POLICIAL

da qual os policiais se enfrentam, definem o território comum, e específico, sobre o qual eles se diferenciam.

A pesquisa longitudinal+ conduzida desde 1992 (Monjardet & Gorgeon, 1992) sobre uma promoção de guardas da paz retoma e prolonga essa problemática. Seus primeiros resultados mostram que a socialização profissional se compreende, pelo menos em seus primeiros estádios (formação inicial, estágio prático, primeira desig­ nação, titularização) de duas maneiras. De um lado, como adesão a alguns estereóti­ pos, mas sobretudo, de outro lado, pela pregnância= crescente ( ou cristalização) para dar conta do pluralismo das atitudes, de posicionamentos progressivamente afirma­ dos em torno de duas apostas centrais: a relação com a lei e a relação com o outro. Essas duas dimensões recortam aquelas postas em evidência por Interface. Ora, trata-se, na prática policial, de apostas decisivas para orientá-la.

• Um Núcleo de Estereótipos. - Há inicialmente adesão progressiva, e maciça, a alguns estereótipos partilhados pela grande maioria dos recrutas. Nesse sentido, há muitos elementos de uma cultura profissional policial em relação à qual se definem no seio do grupo não tanto os minoritários, mas sim, nos casos limites, os marginais ou os foras-da-lei. Mas seu traço mais claro, contrariamente ao que afirma a literatu­ ra anglo-saxã, é sua pouca extensão: ela está muito longe de produzir sobre o conjun­ to questões significativas. O mais claro desses estereótipos, e talvez seu cerne, é o sen­ timento expresso em relação à mídia: ao entrar na formação, já se encontram 74% dos recrutas para julgar que ela "dá da polícia uma imagem um tanto desfavorável': no fim do curso eles são 94% e 97% após quinze meses de serviço ativo. É aliás a in­ fluência da própria mídia que é, em dois terços dos recrutas, a causa principal das eventuais críticas do público (antes "o comportamento de certos policiais': questio­ nado por 17% e os "preconceitos do público", para 11%). Os recrutas interiorizam assim rapidamente o "antagonismo crônico" que marca as relações da polícia com a imprensa (Cubaynes, 1980).

No mesmo sentido, "a opinião geral do público sobre a polícia" é julgada como "um tanto desfavorável" por uma maioria crescente de recrutas: 56% em janeiro de 1992, 64% em dezembro e 71 o/o na primavera de 1994. Essa progressão é tanto mais notável porque todas as sondagens de que se dispõe mostram que, ao contrário, a

• As pesquisas longitudinais fazem o levantamento de fatores no tempo. As pesquisas em coorte são Iongitudmais, em que o grupo de sujeitos inquiridos é constante (N. da R.).

•• Termo da psicologia <la Gestalt, significando uma qualidade que se impõe à mente e à percepção pela impress.1o que produz, e impede de ver "defeitos"; p. cx.: a forma de um copo é vista como copo, mesmo que tenha uma abertura na base (N. dn R.).

167

QUE FAZ A POLICIA ,

imagem da instituição policial é positiva entre o público (Gorgeon, 1994) -da mes­ ma maneira que é duvidoso que um estudo de imprensa testemunhe uma hostilidade particular de sua parte em relação à policia. Sob essas duas dimensões, portanto, per- epção da imagem da polícia no público e atitudes atribuídas à mídia, os dados verifi­

cam seguramente a existência e a extensão de um "mal-entendido". Notar-se-á sobre esse caso uma verificação da proposição anterior sobre a eficácia da cultura profissio­ nal. pois é exatamente a partir desse mal-entendido que se apóiam práticas: ao saírem da escola, 82% dos recrutas pensam que a volta à situação que prevalecia antes de 19691 quando os policiais eram obrigados a usar uniforme no trajeto domicilio-tra­ balho, "ameaçaria a segurança pessoal do policial"9; como já se observou, depois do estágio eles são 93% nesse caso.

Com urna amplitude menor, o segundo movimento identificável na via de cons­ tituição de um estereótipo refere-se à relação entre a eficácia policial e os constrangi­ mentos da regra. A proporção de recrutas que são de opinião que, no exercício do oficio, corre-se o risco de freqüentemente sentir a contradição entre "ser eficaz" e "res­ peitar o regularnento'tpassa da metade (52%) aos dois terços (66%) e, depois, aos três quartos (75%). Na seqüência se verá que essa questão está claramente correlacionada com o tipo de relação com a lei que os recrutas mantêm, mas, para todos, aqui ela testemunha uma preocupação geral por uma "eficácia" tanto mais questionável por­ que é difícil de definir e mais ainda de medir. Interrogados sobre as supostas críticas do público à polícia, os recrutas colocam constantemente em primeiro lugar (relati­ vo: sucessivamente 47%, 43% e 47%) uma imputação, ou cálculo [supputation], de ineficácia.

Enfim, a terceira dimensão em torno da qual parece que se reúne uma grande maioria de recrutas é aquela relativa ao retrato-robô do bom policial: embora a ho­ nestidade seja designada como a "primeira qualidade" esperada do policial por ape­ nas 35% dos entrevistados, na saída da escola já são 63% (59% depois do estágio; é o item "ser aberto aos outros" que, em contrapartida, perde mais sufrágios, baixando de 29% para 14%, depois para 11%).

Assim se vê constituírem-se alguns "traços" que, apesar de não serem partilhados por todos no sentido estrito, não deixam de formar a trama de uma consciência cole­ tiva, centrada em três aspectos: a incompreensão (recíproca) da mídia e do público, a preocupação relativamente a uma eficácia dificilmente mensurável e a demonstração

9. A alternativa proposta:"O uso de uniforme entre o domicílio e o trabalho [ ... J aumenta a presença policial na rua ou nao· obtém 18%, depois 7% dos "sim"

168

, A PROf;ISSAO POLICIAL

de uma exigência mínima de honestidade. Mas o resultado mais seguro dessa pesqui­ sa é o número reduzido das questões sobre as quais se observa uma convergência das opiniões: os traços partilhados não desenham uma cultura profissional policial que englobaria o conjunto das dimensões em questão na definição de uma polícia, de suas missões, de seus meios de ação legítimos, dos ofícios que correspondem a ela, das re­ lações que ela deve manter com o outro (cidadão, não-policial), das relações que ela deve manter com a lei. Bem ao contrário, o que sobressai mais claramente é, de um lado, a manutenção do pluralismo dos guardas em todas essas dimensões e, de outro lado, mais fortemente ainda, o caráter estruturador das duas dimensões evocadas. A relação com o outro e a relação com a lei são os dois eixos, ou as duas apostas princi­ pais sobre as quais os guardas se posicionam, e de suas posições nesses campos decor­ rem suas posições nos outros domínios da atividade profissional, tal como a forma e a intensidade do investimento que eles mobilizam em seu ofício.

• Duas Apostas Importantes. -A relação do policial com a lei. A relação com a lei recobre duas dimensões relativamente independentes. A primeira é aquela com mais freqüência evocada sob o termo de "legalismo': que é de bom grado visto como um traço específico do mundo policial, e que mede um grau, postulado elevado, de sub­ missão à regra de direito. Observam-se assim divisões sobre o grau de adesão à lei em função da natureza dessa lei e, por exemplo, a proporção de "legalistas" varia notavel­ mente conforme se trate de regras "internas" (modalidades de uso da arma ou condu­ ta a manter diante do colega que comete faltas graves) ou de regras gerais (qualifica­ ção do trabalho clandestino ou uso do cinto de segurança). Assim, depois de vinte e sete meses de ofício, a porcentagem daqueles que julgam que preferentemente a san­ cionar uma "falta grave de um colega" é preciso ocultá-la ao público é de 44%, há 74% de opiniões que condenam o trabalho clandestino ( dos quais, porém, 26% o julgam compreensível e sem caráter de infração), 17% aprovam o não uso do cinto de segu­ rança e 13% não vêem inconveniente em tomar o trem sem bilhete. Seria fácil mos­ trar que esses diferentes indicadores da adesão à regra constituem escala e dividem o grupo em muitas outras dimensões.

Esse aspecto da relação com a lei está longe de dar conta da variedade das atitu­ des, é preciso combiná-lo com uma outra acepção que se assemelha à concepção que os policiais têm da lei. O material analisado permite identificar aí três modalidades. Para uns, a lei é apenas uma coerção, dotada de um forte aspecto de arbitrariedade, e no mais das vezes um obstáculo à eficácia; por conseguinte, é concebível livrar-se dela desde que se possa fazê-lo sem risco de sanções. Para um segundo grupo, a lei é um enouadramenm necessário em toda sociedade, exigência funcional de um conjunto> e

169

O QUE FAZ A POLfCIA r

portanto, imperativa. Para outros, a lei é compreendida como um contrato, que expri­ me, de modo mais ou menos explícito, os valores de uma sociedade, os princípios em torno dos quais se organiza e se legitima o viver-junto: nesse sentido, respeitá-la está ligado à adesão aos valores que ela expressa. Alguns, enfim, só têm da lei uma concep­ ção incerta e flutuante, que oscila segundo os casos entre as acepções de coerção, de enquadramento ou de contrato".

É importante distinguir esses dois aspectos da relação com a lei, pois o legalismo e a compreensão da lei não estão estreitamente correlacionados. Se é certo que uma compreensão da lei como pura coerção não incita a um Jegalismo rigoroso, nota-se também sobre esse critério diferenças sensíveis entre aqueles que a compreendem como um enquadramento e os que a compreendem como um contrato. Num domí­ nio tão sensível para a prática profissional dos policiais como a relação com a lei, é perigoso restringi-la só à medida do legalismo, é preciso juntar-lhe o sentido que o policial atribui à própria lei. -A relação do policial com o outro. Da mesma maneira, a relação com o outro -

entre o policial e o não-policial ( cidadãos, eleitos, poder) - parece organizada por duas dimensões. A primeira é aquela captada pela pesquisa da Interface sob o fator "aber­ tura/recuo" e cujos indicadores são inumeráveis, quer se trate da pretensão ao mono­ pólio (em comparação com polícias municipais e segurança privada), da abertura à parceria (negociação preconizada ou recusada com os eleitos locais, os magistrados, os serviços sociais, os docentes etc.) ou, num outro modo, do grau de transparência ou de segredo atribuído às operações e ao funcionamento policiais. Desse ponto de

10. Com a ajuda especíalmeme de duas questões emprestadas a uma investigação anterior, do Observatório Inter­ regional do Político (FNSP), pode-se explorar a distribuição da população policiaJ estudada segundo essas acepções da lei: na saída da escola, parece que 22% fazem da lei uma idéia mais de coerção, 21% de um enquadramento. 35% de um contrato, enquanto 22% têm dela uma concepção incerta. A experiência em campo aão introduz remanejamenres sensíveis; as porcentagen, após quinze meses de serviço se tomam respectiva­ mente 2-4%, 20%, 34.% e ~09í,. As duas pc,rgunlas sao: "Pensando em alguém que não usa cinto de segurança, o que o senhor diz; - Ele tem razão, ele nlo serve pra nada. - Ele tem razão, é sua vida, cada um faz o que quer. - Ele QtJ. errado, os acidentes custam caro ao conjunlO da sociedade, - Ele~ errado, é a lei, todos têm de respeitá-la': "Pensando em alguém que toma o trem sem bilhete, o que o senhor dít? - EJe tem razão, cada um faz o que quer. - Ele tem razlo se não se deizar apanhar. - FJe e,,LJ errado, 1,1'. lodo mundo füeuc o mesmo, não ha,·cri., mlli trem para nin - IJee,u errado,~ o ~lamento. todos devem respciu-1o: Para<» ~ult.do~ sobre II rorulaçlo íran<r)a. ver Pcrcheron & Perrin~u (.1990). e sotm:

eon (,•p. cít., l'J"- 91-126 ta

1;0

A PROFISSÃO POLICIA!,

vista, o acompanhamento da coorte dos guardas da paz de 1992 mostra uma tendên­ cia clara ao recuo depois de um ano de escolaridade, e uma aproximação com as posi­ ções expressas pelo conjunto da corporação em 1982: as missões de polícia são defini­ das de maneira mais restritiva, as qualidades de contato são valorizadas com menos freqüência, uma maior desconfiança em relação ao não-policial se manifesta. É assim possível classificar o conjunto da promoção numa escala de abertura/recuo cuja ex­ tensão se estreitou continuamente desde a entrada em formação. Mas essa dimensão não esgota a "relação com o outro": esta procede também de uma escolha na instância externa que é (ou deveria ser), para as diferentes concepções policiais opostas, a refe­ rência legítima. Numa problemática que aparece dessa vez muito "hexagonal", três re­ ferências prioritárias se desenham, conforme o "terço" legítimo se identifique com o Estado, com o crime ou com a sociedade.

A referência prioritária com o Estado atribui à polícia um papel e uma missão de instrumento de poder que não deixam de ter raízes históricas; encontramo-la nas for­ mas mais comuns do discurso legalista, que advogam que toda ordem que emana de uma autoridade, fundada em última instância na livre expressão do sufrágio dos ci­ dadãos, é ipso facto [pelo próprio fato] legítima e, portanto, legal. Nesse quadro, o Estado é também o protetor de seus funcionários contra as ingerências locais, e quan­ to mais longe ele está, mais essa proteção é suscetível de se opor ao mais próximo. Por esse motivo, a maioria dos policiais parece subscrever a idéia de que a segurança é por excelência uma prerrogativa regalista [ que defende o privilégio do Estado]: os questio­ namentos sucessivos fazem aparecer uma oposição crescente tanto em relação a polí­ cias municipais quanto à segurança privada.

No pólo oposto, é a sociedade que é invocada como referência, e com isso uma acepção da polícia como serviço público, comandado não mais pelo príncipe, mas pela demanda social de segurança e de socorro de urgência. É essa referência que fun­ dou, por exemplo, a reivindicação por certos sindicatos policiais de um código profis­ sional que reafirma a possibilidade (se não o dever) de recusar ordens ilegais. É ela que motiva, mais geralmente, a demanda de criação de uma instância independente, encarregada de se interpor entre o poder e a polícia, de atestar permanentemente que a polícia é bem "instituída para vantagem de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem ela é confiada"!'. Mais adiante se verá que os debates sobre a nature­ za e os poderes de tal instância, iniciados e mantidos pelos sindicatos policiais, criada segundo os votos de uns, em março de 1993, e suprimida segundo os votos dos ou-

1 l. Esta é, lembramos, a formulação do artigo 12 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

171

-

O QUE FAZ A POLICIA

tros, em maio de 199312, testemunham o caráter profundamente antagônico dessas referências opostas ao Estado, de um lado, à sociedade, do outro.

Portanto não é garantido que esse debate mobilize intensamente a corporação policial em suas profundezas. Desde que se possa medi-lo, uma parte sem dúvida majoritária dele recorre a uma terceira referência: ao serem indagados sobre seus vo­ tos de designação à saída da escola, exatamente a metade dos recrutas escolheu pri­ meiro uma «unidade especializada de luta anticriminalidade" (tipo BAC ou BSN, Bri­ gada de Vigilância Noturna), ou seja, 50% do efetivo ( 42% das mulheres e 52% dos rapazes), e 53% dos antigos policiais auxiliares, 54% daqueles que têm estreitos laços de família com policiais, 55% daqueles que acumulam esses dois traços, 56% daque­ les cujo pai era policial. Por isso se exprime uma referência que não é nem prescrita ( o Estado), nem reivindicada (a sociedade), mas autodeterminada por uma "cultura" policial que se dá como objeto e missão prioritários, quando não exclusivos, a luta contra o crime. Viu-se que essa referência correspondia a interesses identificáveis: sis­ tema de sanções da administração, escala de notoriedade e de prestígio dentro e fora da corporação e, mais simplesmente, medida dos resultados do trabalho. Mas pode­ se igualmente pleitear que, entre as pressões contraditórias do Poder e da demanda social, a referência ao "crime': investida de uma neutralidade consensual, é o suporte privilegiado da reivindicação de uma autonomia profissional e da autodeterminação policial de suas orientações".

Tentativa de Tipologia

Como em todo meio, entre os policiais há lideres de opinião, militantes, ideólogos ou simplesmente tagarelas ou gurus do grupo, como há indecisos, conformistas, "não sei o que ... isso depende ... não se pode dizer ... " ou simplesmente indivíduos que não têm opinião e/ou não fazem questão de a ter. Assim entendida, a cultura se infere tan­ to das práticas quanto do discurso. Este, entretanto, permite classificações, e, parece-

12. Um Conseíhc Superior da Atividade da Policia Nacional foi criado por decreto de J 7 de fevereiro de 1993, seus membros foram nomeados por um decreto de 15 de março de 1993, o Conselho foi "instalado" em 17 de março, reuniu-se para sua primeira sessão de trabalho no dia 3 de maio de 1993 e foi extinto por decreto de 8 de maio de 1993. Entrementes, as eleições legislativas conduziram a uma mudança da maioria política, da qual se pode indu­ zir uma inversão das relações de força, ou de influência, entre os partidários e os adversários no corpo policial do próprio principio de tal instância. Depois da nova mudança da maioria parlamentar cm 1997, uma Comissão Nacional de Deontologia da Segurança foi criada por uma lei de junho de 2000.

13. Vamos verificar, por exemplo, nas memórias do comissário Ottavioli, apropriadamente intituladas Éc/rcc m, cri­ me (Fraca5so no Crime] (1935), que essa referência serve para negar a quem quer que seja - Estado identificado com os "polnicos" e sociedade reduzida à mídia ou à "opinião pública" - todo direito de controle, de "Ingerência'; na conduta corpora tiva dos negócios policiais.

172

A PROFISSÃO POLICIAL

nos, a tipologia proposta aqui a partir das respostas a questionários (Monjardet & Gorgeon, op. cít.) é, comparada às entrevistas e observações de campo, sugestiva.

A relação com a lei e a relação com o outro não são correlatas: há legalistas aber­ tos e legalistas fechados aos outros, bem como, entre eles, aqueles cuja relação com a lei é mais distante. Cruzaram-se portanto essas duas dimensões, selecionando na população estudada apenas aqueles que aí se identificam claramente, ou seja, cerca de 60%.

Com relação à lei foram destacados três posicionamentos: os "ilegalistas'; de um lado e, de outro, os legalistas que compreendem a lei como um "enquadramento" e os legalistas que a identificam com um "contrato" Uma série de questões sobre a necessi­ dade, ou a recusa, do acordo entre a polícia e outras instâncias (eleitos locais, traba­ lhadores sociais, Educação nacional) permite opor os "abertos': que a subscrevem, e os "fechados", que se opõem a ela ( ou não vêem nela utilidade alguma). Formalmente, portanto, a tipologia se apresenta como a seguir.

TIPOLOGIA DAS CULTURAS PROFISSIONAIS

Relação Relação com a lei com o Outro Coação Contrato Enquadmmento

( arbitrária) (negociável) (imperativo)

- aberta l II III 18 33% 17%

- fechada IV V VI 12% 12% 8%

:, po g popuraç po,q grup duas dimensões, representa 40% da promoção.

O posicionamento respectivo de cada um dos tipos, suas opiniões características, foram medidas em outros oito conjuntos de respostas referentes:

- ao papel atribuído à polícia, e os meios de ação correspondentes; - à representação do trabalho, da qualificação, do oficio; - ao julgamento sobre o funcionamento interno (hierarquia, disciplina, deon-

tologia);

- à apreciação das normas legais internas e externas (naturalmente sobre outro objetos que não os que serviram para construir a tipologia):

- à vocação inicial e ao projeto de mobilidade na instituição;

17. -

O QUE FAZ A POLfCIA

- às relações entre a polícia e o público; - ao grau de satisfação cm relação ao oficio e à administração Polícia Nacional; - enfim. ao julgamento sobre a delinqüência, como indicador de um entendi-

mento mais global das relações saciai ••. Três tipos são particularmente contrastantes: no conjunto das questões, eles se

diferenciam, e até se opõem claramente. Os tipos III e VI, que dividem uma mesma atitude em relação à lei, concebida como imperativa (mas se diferenciam sobre a aber­ tura), colocando-a a serviço de duas concepções totalmente opostas da polícia.

Para os que pertencem ao tipo III (a lei é imperativa e eles são "abertos"), a polí­ cia deve primeiro tranqüilizar, e são eles os mais numerosos a pensar que sua missão primordial é socorrer as pessoas em perigo. Aprovam maciçamente a setorização e não pensam que assegurar a segurança nas saídas de escola seja uma tarefa indevida. São os mais numerosos a apreciar, no oficio, a variedade dos contatos humanos, a desejar serem mais bem formados no domínio das relações humanas e do conheci­ mento da sociedade, e a pensar que é preferível informar ao público a atividade da polícia. Sentem-se orgulhosos de usar uniforme e são intransigentes quanto ao com­ portamento dos policiais: a disciplina é necessária, a deontologia [ código profissio­ nal] é aceita, o defeito maior é a desonestidade e é preciso sancionar o colega que co­ mete faltas graves. São os únicos a pensar majoritariamente que, de preferência a ser automática, a titularízação deveria ser uma oportunidade para uma seleção por crité­ rios profissionais. Mais amplamente, são os menos numerosos a julgar que possa ha­ ver com freqüência contradição entre a pesquisa da eficácia e o respeito à regra. Sua idéia sobre a Polícia Nacional como administração é menos degradada que entre os outros, enfim são, e de longe, os mais numerosos a atribuir o crescimento da delin­ qüência "à deterioração da situação econômica e social" e os menos numerosos ares­ ponsabilizar o "afluxo dos imigrados" ou a "tolerância da justiça" No mesmo sentido, são os mais numerosos a julgar que é frente aos jovens que é preciso estar mais "vigi­ lante", e os menos numerosos a designar os imigrados como alvo privilegiado. Em resumo, eles desenvolvem uma concepção de uma polícia comunitária na qual um res­ peito escrupuloso ao direito e ao código profissional está a serviço de uma relação estreita com a população.

O tipo VI - mesma acepção da lei, mas desconfiança em relação ao "outro" - tem uma concepção mais delimitada e mais rígida das missões policiais. A polícia primei­ ro deve fazer respeitar a lei, e os policiais desse tipo são os menos numerosos a lhe atribuir uma missão de socorro. A opinião atribuída à população sobre a polícia é a menos favorável, e queixam-se menos de serem "malvistos" e mantêm a população à

174

A PROFISSÃO POLICIAL

distância: são os mais numerosos a contestar a eficácia da setorização e a julgar que um polida! é eficaz porque trabalha em seu meio de origem. Não se tratam por você. Sua idéia do ofício é positiva, são os mais confiantes em suas possibílidadcs de carrei­ ra, e os mais numerosos a querer progredir na hierarquia fardada: o grau de oficial é seu horizonte, bem mais que o de inspetor". Da hierarquia, aliás, esperam menos "diá­ Iogo" que estar "perto de seus homens". Em relação à delinqüência, sua idéia está for­ mada, e é totalmente oposta à dos precedentes: é a tolerância da justiça que é a pri­ meira responsável por ela. Assim é o perfil de uma polícia de ordem que é desenhado, e, nesse quadro, deploram, mais que os outros, não poderem ser bastante eficazes.

A partir de uma mesma importância conferida ao respeito à lei e às regras de comportamento dos policiais, duas orientações inteiramente separadas da polícia dis­ tinguem portanto o tipo VI e o tipo Ill.

O grupo IV, fechado e reticente à lei, exprime uma terceira. A de uma polícia que deve primeiramente "meter medo nos delinqüentes': É nesse tipo que os policiais são os mais numerosos a atribuir à polícia uma missão prioritária de luta contra a delin­ qüência. Os mais numerosos igualmente a julgar que a contradição entre a eficácia e o respeito à regra é freqüente. Sem dúvida a razão de sua rejeição maciça da lei, tanto da lei geral - já que menos freqüentemente que os outros vêem no trabalho clandestino uma infração sancionável-, como das normas policiais: é entre eles que a deontologia é com mais freqüência vista como um "meio de controle suplementar" e a disciplina como uma "coação inútil" Em nome da eficácia, põem no primeiro nível das qualida­ des requeridas menos freqüentemente a honestidade do policial que o conjunto dos penhores de desempenho (a coragem, o desembaraço, as qualidades de observador e os nervos de aço). Da mesma forma,julgam que o primeiro defeito do policial é me­ nos a desonestidade que a passividade. Se um colega comete faltas graves, a maioria deles pensa que é preciso primeiramente- antes de sancioná-lo - evitar que o público seja informado disso.

Eles são aliás os menos numerosos a apreciar no oficio a variedade dos contatos humanos e a desejar estar mais bem preparados para eles, os menos numerosos a de­ plorar serem "malvistos', e os mais numerosos a julgar que as relações polícia-público se deterioraram nos últimos anos. São igualmente eles cuja idéia inicial do oficio, em

Na Policia Nacional francesa há doze graduações, cujas denominações são: guarda da paz estagidrio, guarda da paz, cabo, cabo major, tenente de polícia, capit.ío de polícia, comandante de polícia, comissário de pollcia, cornis­ sário principal, comissário de divisão, controlador geral e inspetor geral. Os graus de oficial que o autor cita são os três intermediários, responsáveis pelo comando e enquadramento, que vão de tenente a comandante de poli­ cia (N. da R.).

175

O QUE FAZ A POLICIA J

' contato com suas realidades, evoluiu negativamente (como aliás a imagem da admi­ nistração). Deploram com ainda mais freqüência que o grupo VI não poder ser bas­ tante eficazes, e são os mais numerosos a julgar que não dispõem dos poderes legais necessários. Por isso, o que designam como "o mais importante no ofício" é menos freqüentemente "fazer um trabalho interessante" do que "trabalhar num bom ambien­ te" e "poder contar com seus colegas". De resto, esperam com menos freqüência possi­ bilidades de carreira ou de promoção e são os mais numerosos a dizer que, se houves- e oportunidade, não esperariam a aposentadoria para fazer outra coisa.

Enfim, quase tão pouco numerosos quanto no grupo III a atribuir à delinqüên­ cia causas econômicas e sociais, eles se distinguem claramente por questionarem com menos freqüência a justiça; para eles, a responsabilidade por ela deve ser atribuída o mais das vezes ao afluxo de imigrantes. Uma propriedade complementar do grupo é talvez a chave desse conjunto de atitudes: eles reconhecem ter urna vocação muito utilitária, dominada pelo motivo da segurança do emprego, e quase um em cinco ates­ ta ter entrado na polícia "por acaso" Não são os únicos nesse caso, mas é verossímil que, sobre esse fundo de motivação frágil para o ofício, a realidade que encontraram revelou-se oposta a suas expectativas. A essa colisão respondem por uma rejeição muito sistemática das regras e das normas, e opõem um contramodelo em que a efi­ cácia é o critério único, a que se subordinam todos os meios. Nesse sentido, eles são os extraviados, pelo menos potenciais, da profissão, e o inspetor Harry Callaghan ( o dirty Harryencarnado por Clint Eastwood; ver Klockars, 1980) é sua figura emblemática de justiceiro censurado e maltratado pela lei.

O tipo I, igualmente pouco legalista, mas "aberto", testemunha dois traços iguais, uma vocação inicial fraca e uma relação muito distante com uma lei considerada antes de mais nada como constrangimento. Mas esses traços não produzem neles a rejeição. Eles se traduzem antes pela retração: os policiais desse tipo são os mais críticos em relação a um oficio que são os mais numerosos a definir como o de um "puro execu­ tante" desprovido de meios materiais. O uso de uniforme não lhes agrada muito e eles julgam a hierarquia demasiado pesada. São também menos numerosos que os outros a encarar indicações aos concursos internos. Mas não se distinguem por escolhas cla­ ras sobre as missões da policia ou sobre seus meios. Estão longe de ser agressivos e a opinião que melhor os caracteriza é sem dúvida este julgamento, que eles são os mais numerosos a aprovar: "Não faça onda, é a melhor maneira de não ter problemas"14•

14. Assinalemos, de passagem.que esse julgamento-do qual Van Maanen (1973) faz, sob sua forma americana (keep your ass, "senta a bunda ... "), uma das regras de ouro ensinadas pelos "veteranos" aos recrutas - em nossa popula­ ção, não aparece de forma alguma como um preceito geral: se 45% o aprovam, 55% se opõem a ele.

176

1 A PROFISSÃO POLICIAL

No tipo IV, definido pela distância da lei e o fechamento, esses dois traços se com­ binam para opor, à polícia que o grupo percebe e sofre, uma outra imagem de eficácia agressiva e desviante. No tipo I, ao contrário, a abertura dissuade propor um contra­ modelo e a crítica se refere mais ao funcionamento interno e a deficiência dos meios materiais, aos quais o grupo responde pelo afastamento; no jargão policial, vai se di­ zer que nesse grupo é que se encontrarão aqueles que mais precocemente vão "largar de mão" [poser les valises, J it. largar as malas].

Os tipos II e V são intermediários no quadro, mas também por definição. A rela­ ção com a lei é determinante quando é bem definida; o fato de ser considerada como um imperativo categórico (tipos II e VI) ou como uma coação arbitrária (tipos I e IV) não pode deixar de ter efeito na cultura profissional policial. Em relação à lei, os gru­ pos II e V são legalistas, mas mais por razão do que por princípio; nos termos do ques­ tionário, é preciso pagar sua passagem de trem não para satisfazer à regra, mas porque "se todo mundo fizesse o mesmo, não haveria mais trem para ninguém'~ A lei é ins­ trumental, ou ela exprime valores, mas nos dois casos sujeita a verificação. Nesse sen­ tido, e para eles não é uma aposta maior, ela não constitui, para os policiais envolvi­ dos, urna dimensão essencial, positiva ou negativa, do ofício. E, de fato, é no exercício do ofício que os dois grupos estão igualmente centrados. Nos dois, encontra-se uma igual valorização do ofício de guarda da paz, que eles são os mais numerosos a definir positivamente como "especialista da via pública" e os menos numerosos a julgar como " t )) puro execu ante .

No mesmo sentido, eles se distinguem em relação aos outros grupos, sendo os mais numerosos a conferir prioridade ao fato de "fazer um trabalho interessante"' de preferência ao ambiente de trabalho e à solidariedade dos colegas. Do mesmo modo, são os únicos a esperar com mais freqüência que os superiores os associem às deci­ sões, em vez de lhes dar liberdade para tomar iniciativas. Enfim, eles dividem também as mais altas pontuações de vocação policial, é entre eles que os motivos utilitários da escolha profissional são os menos freqüentes. Contrariamente aos tipos I1I, lV e VI, estão menos interessados em promover uma concepção da polícia do que uma con­ cepção do ofício de guarda da paz, sem dúvida conciliável com orientações diferentes da polícia em seu conjunto. Veremos no próximo capítulo que essa distinção pode ser importante.

Portanto> os dois grupos são distintos. O tipo II, aberto, é sensível à qualidade da relações entre a polícia e a população: eles são, dos que trocariam certas vantagen materiais para obter mais consideração, os mais numerosos; os mais numerosos tam­ bém a pensar> em troca, que a opinião do público a seu respeito é favorável. Os meno

177 -

QUE FAZ A POLICIA

centrados na aplicação da lei como missão prioritária da policia, e também os que julgam com menos freqüência que a polícia carece de meios legais. Nesse sentido, eles se aproximam do tipo UI, sem dar um conteúdo tão claro a essa abertura.

O tipo V, ao contrário, desconfia do exterior e se apega a uma definição estrita das missões da polida. Os policiais que o compõem são os mais numerosos a julgar que "a informação do público pode ser prejudicial à atividade da polícia): e que as saídas de escola são "uma carga anormal, que deveria ser confiada a outros". Os mais numerosos também a subscrever a opinião de que o recurso à força "para se fazer res­ peitar" é legítimo.

Forçando um pouco o traço; pode-se concluir que, igualmente mobilizados pela promoção do profissionalismo do guarda da paz, os tipos 11 e V se diferenciam pela instância de legitimação que eles reconhecem: ela é externa no tipo II, que encontra seus critérios na qualidade da relação estabelecida com a população; ela é puramente interna no tipo V~ que desconfia da diluição das tarefas policiais e faz questão de man­ ter a distância entre policia e público.

Como todas as. tipologias, esta força as diferenças e as sistematiza além do discur­ so dos atores. Mas o objetivo não é propor uma cartografia minuciosa e fiel de todas as facetas e nuanças do pluralismo policial. A função da tipologia é destacar as linhas gerais, ou apostas, que orientam esse pluralismo, do mesmo modo pelo qual um cam­ po magnético orienta os elétrons, e a imagem expressa que são as linhas ou campos de força da cultura profissional policial o que assim se procura. Ao fim do exame dessa tipologia, as linhas de força se desenham de modo muito mais complexo do que o sugerido pelas duas dimensões que permitiram estabelecê-la. No cruzamento da rela­ ção com a lei e da relação com o outro, as apostas não têm o mesmo alcance. Para uns, identificados pelos tipos IJI, IV e VI, a cultura profissional articula, sobre a relação com a lei e a relação com o outro, uma definição da polícia, de seu papel e de suas missões, de seus meios de ação e de suas relações com a sociedade, e esses - que são minoritários em nossa população (37% pela soma dos três grupos) - dividem-se se­ gundo três concepções nitidamente distintas da polícia:

- polícia "comunitária", de proximidade, centrada na qualidade e na intensidade das relações com a população, concebidas como relação de serviço enquadrada por normas estritas (tipo III);

+polícia de ordem, centrada na imposição da lei e que mantém para tanto uma grande distância com a população (tipo VI);

- polícia soco-inglês, de cruzada, concentrada na Juta contra a delinqüência e desem­ baraçada, em nome da eficácia nessa luta, dos constrangimentos da lei comum (tipo IV).

178

A PROFISSÃO POLICIAL

t

Essas três concepções são opostas cm tudo, mas partilham uma ambição seme­ lhante: elas ultrapassam a instrumentalidadc atribuída à instituição policial, tomam posição sobre os valores que esta deve (ou deveria) servir, exprimem uma escolha de sociedade e, desse modo, a reivindicação do policial de ter algo a dizer sobre sua fun­ ção social. São, no sentido próprio, ideologias policiais.

Por oposição, os tipos II e V, que representam 45% da população, não propõem uma visão da polícia, não tomam partido sobre sua instrumentalidade, mas desen­ volvem sua concepção do ofício policial- aqui, o do guarda da paz- numa diligência em que o profissionalismo é considerado a aposta maior. Não é uma orientação me­ nos forte, mas ela está centrada na identidade profissional mais do que na função so­ cial, e essa identidade é concebida por sua vez segundo dois modos opostos:

- por relação, para os membros do tipo II;

-por distinção, para os do tipo V, que são assim os mais próximos da instrumen- talidade, pois diferentemente do tipo II, eles não se dotam de nenhuma referência ex­ terna a si mesmos e à instituição.

Enfim, o tipo I está num outro espaço, que testemunha que - se não fundar ( como no tipo IV) uma contestação da lei no motivo da eficácia, ou de outros princí­ pios ou valores - a distância da lei é insuportável na instituição policial. Por falta de referência que legitime seu "a-legalismo': os policiais do tipo I desenvolvem uma cul­ tura do afastamento crítico, e talvez uma prática do afastamento puro e simples: é entre eles que encontra mais adeptos a opinião segundo a qual "o trabalho clandesti­ no é compreensível para arredondar os fins de mês': Do mesmo modo, eles são os únicos (com os do tipo IV), cuja vocação se afirma, depois de vinte e sete meses de polícia, e contrária à que ostentavam na entrada na escola, majoritariamente utilitária (segurança do emprego e perspectivas de carreira). Por isso, se a entrada na polícia não tem outro sentido senão a entrada na função pública e a garantia de um ganha­ pão, sua relação com a lei deixa de ser excessivamente problemática 15•

Essa análise é fundada empiricamente apenas nos guardas da paz, e entre eles nos mais jovens. De fato, não há dados comparáveis concernentes a outras corporações. Todavia se observará que ela recorta em suas grande linhas os dados extensivos pro­ duzidos em duas ocasiões ( 1982 e 1988) pelos estudos da Interface, e que ela não é contraditada pelas observações - menos sistemáticas, mas mais contínuas - sobre o

15. ~ sem dúvida entre eles que, com mais convicção, vai se encontrar partilhada essa opinião, freqilcntementeemi­ tida, de que não há problema particular de controle da polícia desde que não se conte ai urna proporção de alcoó­ licos, brutos, fascistas ou escroqucs superior à que se observa cm não importa qual outro grupo profissional, ou na população cm geral.

179

O QUE FAZ A POLlCl

onjunto da instituição. Os seis casos da tipologia não exigem remanejamentos sen­ íveis para que neles se possam distribuir, pelo menos intuitivamente, os duzentos ou trezentos comissários [ delegados] encontrados em doze anos. Até demonstração contrária, a tipologia aqui apresentada tem valor heurístico para o conjunto da pro- fissão.

O pluralismo da cultura profissional policial não aparece, assim, como o único efeito da existência de conjuntos de atitudes e sistemas de valores distintos, num campo balizado pelas dimensões cruciais do ofício. Essa acepção é certamente um progresso em relação ao postulado de uma "personalidade policial" identificável por traços universalmente partilhados, mas ela é insuficiente. O pluralismo cultural dis­ tribui os policiais nos três espaços distintos, caracterizados cada um por apostas pró­ prias:

- a do afastamento ou do investimento em relação ao oficio; - a das formas e dos critérios do profissionalismo policial, que se desenvolvem

no lugar conferido ao outro (público, população, outros profissionais), integrado ou mantido à distância;

- a das missões da polida, da função atribuída à instituição (ou por ela reivindi­ cada), e que implica uma recusa de sua instrumentalidade ou, se preferirmos, no sen­ tido mais original do termo, uma politização.

3 .. AS COAUZOES

Os policiais são profissionais assalariados. Essas duas propriedades são distintas. O assalariado define uma relação com um empregador, sendo ao mesmo tempo uma relação de subordinação e de negociação dos termos de troca da força de trabalho: remuneração, duração e condições de trabalho etc. A profissão designa o conjunto dos detentores de uma competência particular e a organização tanto das relações in­ ternas de seus membros como de suas relações com a "clientela" No modelo arquetí­ pico de profissão que constitui a medicina, a profissão é caracterizada por uma instân­ cia de habilitação, que decide quem (e sob quais condições) pertence à profissão, e uma instância de regulação (ou ordem), que edita as normas de exercício (deontolo­ gia) e lhe assegura o controle. No caso dos médicos, a diferença das duas propriedades­ de assalariado e de profissional - marca-se precisamente: assalariados, por seu duplo sistema de afiliação e de representação coletiva, sindical no que concerne a seus inte­ resses materiais em relação a seus empregadores; profissional, como todos os médi­ cos, para a promoção dos interesses coletivos da profissão e sua regulamentação in-

180

A PROPISSAO POLICIAL

terna. Sabe-se que essa diferença pode assumir a forma de oposição: durante décadas a ordem dos médicos opôs uma feroz resistência ao salariado dos médicos.

Além das razões corporativas, uma abundante literatura explorou o "dilema" dos profissionais nas organizações, isto é, a oposição ou, pelo menos, a tensão entre a ló­ gica do salariado - princípio de subordinação - e a da profissão - princípio de auto­ nomia e de regulação interna, fundado na detenção exclusiva de uma competência". Duplo dilema: como a organização (o empregador) pode controlar as prestações dos profissionais detentores de competências que ela não domina? Como os profissionais podem manter suas normas de exercício numa situação de subordinação? Veremos no próximo capítulo a tradução policial dessa tensão. Focalizaremos aqui a etapa an­ terior da profissionalização, ou seja, sua dimensão identitária: em quais competências monopolizadas os policiais fundam, ou tentam fundar, sua pertença comum, e igual­ mente sua diferença?

O Sindicalismo Policial

Em relação aos outros assalariados, os direitos sindicais foram tardiamente con­ quistados pelos policiais, e por vezes ainda são restritos; a restrição mais notável incide sobre o recurso à greve, que com freqüência lhes é negado, como acontece especial­ mente na França 17• Na consciência coletiva policial persiste a lembrança de que o di­ reito sindical foi obtido a muito custo, que poderia ser rediscutido e, portanto, que é preciso protegê-lo ciosamente. Sem dúvida esta é uma das razões de um índice muito elevado de sindicalização em todos os lugares. De um modo geral, entretanto, os poli­ ciais dispõem atualmente de direitos sindicais comparáveis àqueles das categorias de assalariados equivalentes, quer se trate dos empregados municipais na Bélgica (Van Outrive et al., 1991) ou dos da América do Norte ou dos funcionários do Estado na França. E, da mesma maneira, as formas sindicais correspondem à organização domi­ nante das relações profissionais no país considerado. Nos países anglo-saxões, o sindicalismo policial é unitário e a adesão obrigatória, uma vez que o sindicato é re­ conhecido (Reiner, 1978). Nos países latinos, o sindicalismo é pluralista e a adesão requer uma atitude voluntária.

O sindicalismo policial francês é original sob dois aspectos. Em primeiro lugar, é majoritariamente autônomo. O reconhecimento do direito sindical em 1945 coinci-

16. Cf. notadamcnte Kornhauser ( 1962), Vollmer & Mills (1966). 17. Sobre um quadro dos direitos sindicais nas diferentes polícias da Europa, ver Moner, 1993, pp. 139-147 (Editado

cm português como volume 3 desta série: I-P Monet, Policias t·Socie,lndcs na Europa. trad, Mary Amazonas Leite de Burros, São Paulo, Edusp, 2001; as referências ao sindicalismo estão às pp, 148-153. (N. da R.)I.

181

o QUE FAZ A Potter A

i.

dia com O grande movimento de reunificação sindical da Liberação) e os primeiros sindicatos policiais se filiaram à CGT. Os movimentos sociais do fim dos anos 1940 e sua repressão policial tornaram a coexistência insustentável para ambas as partes. Desde J 947, o sindícato dos policiais parisienses retoma sua independência, e. depois, a cisão confederada em 1948 acarreta a partida da maioria dos adeptos da província. Desde então os sindicatos confederados não mais serão representados na polícia fran­ cesa exceto por organizações muito minoritárias. Seguiu-se uma fragmentação do sindicalismo policial que dura ainda (sobre essa história, ver notadamente Vogel, 1993; Monate, 1972, 1974; Deleplace, 1987).

Com efeito, o sindicalismo policial francês explodiu em três dimensões. Inicial­ mente acompanhando os corpos estatutários, pois cada categoria profissional dotou-se de sua própria representação. Há assim sindicatos de inspetores, de comissários, de ofi­ ciais, e de graduados e guardiões". Nos grandes batalhões que esses últimos constituem, encontra-se igualmente uma divisão segundo os serviços, que corresponde a uma he­ rança histórica com o sindicalismo parisiense - que reivindica seu papel de fundador do sindicalismo policial e que sempre se recusou a fundir-se num sindicato nacional-, e, adernais, as CRS, cujas condições de emprego e de trabalho são muito específicas e que fundaram suas próprias organizações. Enfim, o sindicalismo policial é perpassado pelas mesmas clivagens que o conjunto do mundo sindical na França, e ali se encontra, portanto, além dos pequenos sindicatos filiados às grandes centrais ( CGT, FO e CFDT), uma divisão dos sindicatos autônomos segundo grandes orientações ideológicas: uns mais "de esquerda': os outros "de direita': e dois sindicatos que se dizem de extrema direita (e do qual um é, explicitamente, o disfarce sindical da Frente Nacional).

Portanto temos atualmente (e já há mais de três décadas), um sindicalismo esti­ lhaçado em. cerca de trinta organizações diferentes, o mais das vezes em situação de concorrência frente aos efetivos, e cujas relações são ainda mais tensas por serem ge­ ralmente oriundas de cisões sucessivas, fruto de divergências de interesses, de ambi­ ções pessoais e de oposições políticas sempre que possível atiçadas por uma adminis­ tração cuja regra de ouro sempre foi dividir para reinar. Um corretivo a essa divisão, e urna tentativa para remediar as fragilidades que ela engendra, é o reagrupamento pe­ riódico em federações frouxas, de geometria variável. Esse sindicalismo potencialmen­ te poderoso, mas fragilizado por suas divisões e suas riva1idades, é um. elemento es­ sencial de compreensão da instituição policial sob dois aspectos.

18. A recrente fusão (l99S) dos corpos de inspetores e de oficiais provocou uma fusão/reclassificação de seus respec­ tivm 5Jndicaro-s.

182

A PROFISSÃO POLICIAL

Em primeiro lugar, beneficiando-se globalmente de uma grande adesão da base, tal sindicalismo conduziu constantemente uma poderosa ação reivindicatória cujos resultados em matéria de remuneração e de condições de trabalho são importantes. Em primeira linha, quando os conflitos de trabalho e as tensões sociais e políticas se agudizam, os estados-maiores sindicais sempre souberam, como vimos, para apre­ sentar proveitosamente suas reivindicações materiais, aproveitar-se das conjunturas em que o poder solicita a polícia. Conseqüentemente, tanto nos Estados Unidos como na França, os policiais são hoje, supondo-se que todos os outros elementos da situa­ ção sejam iguais, os agentes públicos cuja remuneração é a mais elevada19 para o tra­ balho de menor duração.

A essa promoção dos interesses coletivos junta-se a defesa individual dos poli­ ciais em questão, seja em relação à disciplina interna ou ao seu comportamento frente ao público. O mecanismo dos conselhos de disciplina paritários, que devem instruir os dossiês individuais de propostas de sanções, é semelhante a um tribunal no qual o sindicato assume o papel do advogado de defesa, com todos os recursos habituais: contestação da realidade dos fatos incriminados, no caso, pelo questionamento dos queixosos; e, se estes não dão margem a dúvida, pesquisa dos vícios de processo e/ou das circunstâncias atenuantes. Aqui se toca num dos locais discretos onde há maior desnível entre a lógica sindical interna (defesa de seus adeptos) e a lógica sindica] ex­ terna (promoção profissional do grupo). É sem disposição que um determinado re­ presentante sindical a um conselho de disciplina vai obter (por o processo ter sido "mal alinhavado") o "relaxamento" de um de seus cornitentes, que é acusado como autor de comportamentos que o próprio representante, aliás, reconhece como inde­ fensáveis e desonrosos. O mecanismo é, talvez, incontornável, dificilmente compreen­ sível pelo público, e propício à aprendizagem da dupla linguagem.

Em segundo lugar, no exterior da polícia, o sindicalismo é o porta-voz de seus mandantes perante a população. Para todo e qualquer grupo profissional que procure o apoio da opinião pública, é uma função clássica de popularização das reivindica­ ções, a título de recurso na relação de força com o empregador, mas que toma na po­ lícia duas ênfases particulares. Primeiro, ao informar sobre o funcionamento policial, o sindicalismo preenche, à sua maneira, uma função de publicidade elementar lá onde reina uma absoluta ausência de informação pública. Há quinze anos, na França, as

183

19. Com índice igual, por exemplo, entre um diretor de pesquisa no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Cientifica) e um comissário de divisão, ou entre um professor primário e um guarda da paz, os policiais S<'! beneficiam em primeiro lugar de uma "gratificação por sujeição especial" igual a 18% do salário de referência, e prêmios diver­ sos, parte dos quais, sob forma de "ajuda de custos de policia', ~ vertida em espécie de mão para mão ...

O QUE FAZ A POL[CJA

únicas informações disponíveis sobre a Polícia Nacional (e a Gendarrnaria Nacional) eram, por um lado, os periódicos (irregulares) da própria instituição, oscilando entre o episódico, a propaganda, a autopromoção do ministro e o álbum de fotos de famí­ lia; e, por outro Iado, documentos orçamentários (relatórios parlamentares) de quali­ dade bastante desigual, com difusão infinitamente pequena, e, quanto ao essencial, redigidos a partir das notas da própria administração.

esse deserto, a imprensa sindical era a única fonte de informação um pouco significativa (e em larga medida continua a ser), ao mesmo tempo que os sindicatos eram ( e são) uma fonte essencial da imprensa de um modo geral". É assim que o prin­ cipal sindicato de inspetores publicou tempos atrás urna crônica exaustiva da incom­ petência ou do desvio dos chefes de serviço, ou que tal sindicato de guardas da paz edita o registro das utilizações extrapoliciais dos efetivos. Essa publicidade tem seus limites, e o primeiro deles é estar sempre orientada por um interesse subjacente; a imprensa sindical é, primeiro, uma imprensa militante e, de fato, quando os sindica­ tos correspondentes se aliaram, o jornal dos inspetores se tornou mudo sobre as cul­ pas da hierarquia. Sob reserva da necessária leitura nas entrelinhas, o sindicalismo policial entretanto minimiza, pelo menos parcialmente, a carência de informações sobre um serviço público essencial, e dá uma contribuição elementar a um debate público informado. É notadamente ao sindicalismo policial que se devem os alertas e as tomadas de posição mais claras sobre o racismo na polícia.

Em segundo lugar, quase continuamente, o sindicalismo é produtor de projetos de reforma para a polícia. Isso é facilmente explicável: a polícia é, antes de mais nada (como o ensino), uma indústria de mão-de-obra, e dificilmente é viável mecanizá-la. Conseqüentemente, há uma ligação estreita entre as condições de recrutamento, de formação, de qualificação dos policiais, das modalidades de organização do trabalho (especialização, enquadramento, divisão das tarefas ... ) e a produção propriamente dita. Com a substituição da ronda a pé pelo patrulhamento motorizado, vimos um exemplo trivial dela, mas que tem valor geral. A ação sindical é assim constantemente levada a se elevar ao nível das missões e das prioridades da polícia, a enunciar políti­ cas para a polícia. '.É igualmente, como se viu, o movimento pelo qual se define, em termos de cultura profissional, uma parte dos efetivos estudados na tipologia. Aqui, é

t

20. O que por vezes torna saborosas as relações entre imprensa e polícia, já que são os próprios policiais que utilizam a imprensa para dar a conhecer determinada carência ou torpeza da administração e, cm seguida, denunciam ruidosamente= imprensa parcial, "que só divulga o que não anda bem na polícia" Para uma visão mais siste­ mática das relações entre imprensa e policia. ver Cubaynes (1980) e o conjunto publicado por Les Cahiers de la Skuritl lntérieure; n. 12, 1993.

184

A PROFISSÃO POLICIAL

exatamente o mesmo mecanismo que no ensino, em que, pela mesma dinâmica, a promoção dos interesses dos efetivos conduz os sindicatos docentes a arquitetar regu­ larmente as reformas da escola que permitiriam essa promoção e, em troca, vão justificá-la. A história da Federação da Educação Nacional mostra bastante bem que, quando o sindicato tenta unificar categorias diferentes, o exercício é perigoso: a pro­ moção das instituições ameaça os interesses dos docentes dos colégios ou o inverso.

A explosão do sindicalismo policial lhe evita esse perigo, pois o transfere para a concorrência entre projetos de reforma diferentes. Isso tem como primeira conse­ qüência permitir aos próprios policiais a refutação prática e permanente da tendência que todo poder tem de naturalizar (ou objetivar) suas escolhas de polícia do momen­ to: é possível fazer outra coisa e diferentemente; toda polícia é, primeiro, uma política para a polícia, um conjunto de escolhas intencionais de que se pode, portanto, dar conta. Nesse sentido, a produção reformadora dos sindicatos desempenha para seus membros um papel semelhante àquele da ferramenta comparativa na pesquisa, relativizando a evidência e a necessidade.

A segunda conseqüência é que esses projetos de reforma constituem outros tan­ tos analisadores das disfunções policiais tais corno são percebidas pelos próprios po­ liciais. Restaram poucas dúvidas de que a Polícia Nacional se via como excessivamen­ te dividida, centralizada, afastada do trabalho de campo, opaca, quando, em meados dos anos 80, a quase totalidade dos sindicatos produziu projetos distintos, mas todos igualmente articulados sobre três eixos idênticos (exceto no vocabulário): unificação, exteriorização e transparência. Na falta de avaliação externa, o diagnóstico interno era muito convergente, e de muitos pontos de vista diferentes, para ser totalmente desprovido de pertinência.

As Coalizões Profissionais

O sindicalismo repousa na idéia de que a polícia é um oficio como outro qual­ quer. O profissionalismo se apóia na idéia de que se trata de um ofício diferente. O sindicalismo exprime interesses e, no caso francês - que é excepcional=, esses interes­ ses são diversos, quando não opostos: o sindicalismo divide, a profissão unifica. O sindicalismo é construído sobre a relação salarial. é um dos termos da relação do em­ pregado com o empregador, e centrado neste último. A profissão é posição e reivindi­ cação de uma identidade que diferencia do outro. O sindicalismo se responsabiliza pelo emprego, a profissão se atribui uma missão. Poderíamos prolongar essas oposi­ ções e ao mesmo tempo matizá-las, entretanto elas apontam o que está em jogo: a

185

QUE FAZ A POLICIA

apacidadc das corporações policiais de desenvolver uma identidade, de dar-lhe um onteúdo positivo, de gerar sua relação com o outro, de valorizar sua função social.

e comparado a profissões cuja identidade se construiu sobre o desenvolvimento e, depois, sobre a monopolização de um saber, e, sobre esse saber, pela monopolização de uma competência socialmente requerida e reconhecida, o profissionalismo policial procede de um encaminhamento inverso. É da vontade do poder político de contro­ lar cm seu território o uso da força nas relações sociais internas que nasceu uma insti­ tuição especializada na detenção da força, instituição essa encarregada de torná-la proscrita entre os outros. O movimento de especialização - no sentido de especializa­ ção dos empregos, de critérios de recrutamento, de construção e de transmissão de um saber próprio - foi, como vimos, tardio e progressivo. Todos os westerns o mos­ tram: por muito tempo, bastou urna estrela para fazer um xerife, um uniforme para fazer um policial", Se na virada do século começa a nascer uma "ciência" propria­ mente policial com Lacassagne, Bertillon e a antropometria (ver, sobre esse assunto, a tese de Kaluzynsky, 1988), ela vai permanecer, e permanece, acantonada em segmen­ tos muito delimitados do aparelho policial, a polícia científica e técnica, geralmente organizada como um ramo da Polícia Judiciária. No entanto, pouco se duvida que tenha se desenvolvido um saber policial, primeiramente paralelo à especialização da função policial, depois em empregos diferenciados por uma divisão crescente das ta­ refas no seio da função. Testemunham-no a generalização dos dispositivos de forma­ ção inicial, o prolongamento contínuo de sua duração, o estabelecimento de forma­ ções permanentes. Há nesse sentido um processo de profissionalização incontestável, e que se observa de forma quase idêntica em todos os países comparáveis, ao menos desde os anos 60. O caso francês é um pouco mais tardio, mas por isso mesmo mais estrondoso: na reforma das formações, feita no início dos anos 80, é que se ancorou durante muito tempo a vontade de "modernização" da Polícia Nacional. A formação era concebida como piloto e alavanca da reforma da polícia (ver a carta da formação de 1982 em Ministério do Interior, 1982; e seu prolongamento no plano plurianual de formação em Ministério do Interior, 1988).

Há, contudo, como vimos (cap. 2), um debate interno muito profundo sobre a própria natureza desse saber, e que não é próprio apenas dos guardas da paz entre os quais foi recolhido. Vamos encontrá-lo igualmente nas outras corporações, e tanto

21. J.·M. B.erlíere (1987) lembra: dos empregos de guardas de segurança em Paris, até o fim da Primeira Guerra Mundial, quatro quintos eram reservados a suboficiais de carreira sem outra qualificação e, depois (uma lei de 1905), cinco sextos.da mesma maneira que os empregos em museu foram por muito tempo reservados aos mu­ tilados de guerra.

186

A l'ROFISSÃO POLICIAL

mais claramente porque seus membros, sendo recrutados pela combinação de con­ curso externo e interno, e da promoção à escolha, aí esse debate se encarna entre jo­ vens diplomados, legitimados por seus títulos, e policiais de experiência que lhes opõem seu saber prático, oriundo de uma aprendizagem no trabalho. Só voltamos a esse debate para mostrar que tem desdobramentos diretos sobre o tipo de profissão coerente com as duas acepções opostas do saber policial.

Em razão de seu modo de aquisição, o saber que corresponde à lógica da compe­ tência (qualidades individuais mais experiência) aparece como uma variável contí­ nua, cuja natureza e conteúdos são idênticos para todo policial: as diferenças observa­ das são apenas diferenças de grau, e essa homogeneidade fundamental da competência funda - ou deveria fundar- uma correspondente homogeneidade da corporação po­ licial. Daí o escândalo diante de tudo o que, na realidade, contradiz tal modelo: a en­ trada direta de jovens, por definição incompetentes, nos graus elevados da hierarquia; a incompreensão cruzada entre fardados e civis; e o sonho de uma polícia unificada, porque (segundo o modo anglo-saxão) todos teriam começado como guardas da paz. Ao contrário, a lógica da qualificação fundada em saberes formais e técnicas admite a multiplicidade e a heterogeneidade dos policiais. Não há, portanto, uma hierarquia da qualificação que perpasse toda a polícia, mas várias, e que podem ser separadas. O escândalo não está na heterogeneidade das hierarquias: ele está para cada uma no des­ nível possível entre o grau e a qualificação. O que confere - ou deveria conferir - homogeneidade à polícia não é a partilha de uma mesma competência, é todos serem portadores de uma qualificação, mesmo que ela seja estreitamente especializada, e portanto possivelmente separada das outras ou não comensurável.

A outra dimensão constitutiva da profissão, a relação com o outro, se concebe igualmente de modo diferente, pois dela decorrem dois tipos de relações com o exte­ rior. Princípio puramente interno à instituição, a competência só pode ser adquirida, avaliada e controlada em seu seio, e apenas por seus pares. Ela funda assim uma corporação, no sentido mais estrito do termo: profissão cuja organização interna e cujo funcionamento escapam a toda intervenção externa, não podendo esta, por defi­ nição, alegar nenhuma competência que a justifique. A unidade interna e o fechamen­ to frente ao exterior vão assim se reforçando mutuamente.

Por sua vez, o princípio de qualificação não abre inteiramente as portas da polí­ cia, mas arranja ali duas entradas, ou sistemas de trocas, possíveis. De um fado, entre a polícia e os que participam na fabricação dos códigos que esta emprega, relação qu não é necessariamente uma simples subordinação, pois o "prático" deveria poder fa­ zer entender justamente sua experiência prática: códigos ambíguos, inaplicáveis etc.

187

O QUE FAZ A POL!CIA

Por outro lado, entre a polícia e outras categorias de "especialistas" que podem contri­ buir com sua própria especialização, por exemplo, no domínio pedagógico, que, nes­ sa orientação, ganha uma importância crucial. Ê assim projetada a imagem de uma polícia que- ao contrário de urna corporação homogênea e fechada - é composta por grupos distintos de especialistas em relação com o exterior. Vamos assegurar-nos de que essa distinção não é retórica comparando (por exemplo) as proporções segundo as quais as formações policiais recorrem a intervenientes não policiais, ou, mais signi­ ficativamente ainda, comparando as proporções de não policiais (pessoal adminis­ trativo e técnico) nas diferentes corporações policiais".

Mas essa oposição entre duas concepções do saber policial tem ainda outro al­ cance, ligado dessa vez não mais ao conjunto das conseqüências que tal oposição acarreta, mas a suas raízes. Viu-se que os defensores da qualificação, logicamente, sus­ tentam uma definição mais restritiva das tarefas policiais e privilegiam entre elas a atividade repressiva, mais codificada, enquanto os defensores da competência tendem a sustentar uma maior indeterminação da tarefa e se definem mais como reguladores de conflito que como agentes da lei.

O que aqui está em questão é exatamente aquilo que permite conceber o saber policial de maneira tão divergente: a própria natureza do trabalho policial ao qual aplicar esse saber. O saber policial é objetivado pela lógica da qualificação, porque ela objetiva o trabalho policial, que é possível descrever como adição ou combinação de um conjunto fínitc de tarefas determinadas. A lógica da competência empírica proce­ de da concepção inversa: o trabalho policial não é objetivável, ele é inteiramente defi­ nido pelas exigências da situação hic et nunc [aqui e agora] e não poderia ser abstraí­ do delas. Desse ponto de vista, aliás, ele corresponde perfeitamente à acepção de polícia proposta por E. Bittner: "Mechanisrn for the distribution of (force ... ] in accordance with the dictates of an intui tive grasp of situational exigencies''23 ( 1990, p.

22. Por exemplo, na Policia Nadonal,em 1992,conta-se com pouco mais de 10 mil não policiais para 116 mil regidos pelo estatuto especial. Em 1991, no conjunto das 43 forças que compõem a polícia britânica, contavam-se 55 mil "civis" para 127 mil policiais (Reíner, 1993, pp. 47 e 54). A relação "civis"/policíais varia, assim, de l para 11 na França a I para 2,3 na Grã-Bretanha. V.U-iação jamais destacada, que eu saiba, mas que não é talvez a menos signifi­ cativa. Sobre esse critério apenas, pouco se duvida de que os policiais britânicos não sejam muito mais "profissionalizados" que sem colegas franceses. Do mesmo modo, nas polícias norte-americanas a contabilidade é geralmente mantida por contadores mais do que por comissários de polícia. Essa resistência manifesta da polícia francesa em adotar competincia.s não policiais explica também, em seu seio, as carências da pesquisa aplicada: na falta de qualquer distanciamento em relação a seus saberes empíricos, os policiais franceses têm dificuldade para conceber que esses saberes possam ser objeto de um confronto, de uma formalização e de uma objetivação. Perpe­ lua-se assim um círculo vicioso corporativista .. Sobre esse ponto, ver, a contrario, Mast rofskí, 1994.

23. "Um mecanismo para a distribuíç.,o da [força ... ) segundo os imperativos ditados por uma apreensão intuitiva das exigências da süuação,"

188

A PROFISSÃO POLICIAL

131, grifado no texto), cuja validade e cujos limites ele estabelece ao mesmo tempo: trata-se de uma formalização da ideologia da competência. O que está em questão é, portanto, a natureza e a delimitação do trabalho policial, ou seja, nos termos em que os policiais a colocam, a natureza do "verdadeiro" trabalho policial.

O Verdadeiro Trabalho Policial

Com efeito, uma das características constantes do discurso dos policiais a respeito do seu trabalho é que tal discurso sempre inclui uma avaliação desse trabalho e de cada uma das tarefas enumeradas. Avaliação múltipla, segundo todos os critérios ima­ gináveis, e que, em cada um desses critérios, presta-se a uma classificação contínua (do mais ao menos). Mas também, e é sobretudo aquela que nos interessa aqui, urna avaliação "policial" sobre um critério único: a tarefa considerada pertence ou não per­ tence ao universo das tarefas legitimamente atribuídas e atribuíveis à polícia. Nesse caso, a classificação é binária e funciona como um cutelo: sim ou não, a tarefa faz parte do trabalho ou constitui uma carga indevida, que deveria ser assumida por ou­ tros. Esses dois modos de classificação são relativamente independentes; uma tarefa pode ser considerada, por exemplo, como "degradante" sem ser automaticamente con­ siderada como indevida; o qualificativo se refere, então, às condições nas quais o inte­ ressado é levado a preenchê-la (sem que ele ponha em causa seu próprio princípio). Inversamente, uma tarefa pode ser reconhecida gratificante sem que sua fundamen­ tação correta seja por isso afirmada.

Esse trabalho de avaliação e qualificação permanentes das tarefas não tem, em seu princípio, nada de surpreendente, tanto menos que as tarefas são de uma varieda­ de infinita. O que choca, entretanto, é sua amplitude e seu caráter conflituoso. Sua amplitude primeiro, de que se darão exemplos, e dos quais, para medi-los, basta indi­ car o seguinte, proveniente da observação na policia urbana: se, à população estuda­ da, adicionam-se todas as tarefas que um ou o outro decreta "indevidas': isto é, que não devem, segundo seu ponto de vista, fazer parte das "verdadeiras" tarefas policiais, não resta nenhuma delas. Se, ao contrário, se adicionam todas as tarefas que um ou outro considera como "verdadeiro" trabalho policial, encontram-se todas aquelas que foram observadas. Em suma, o debate sobre a natureza do "verdadeiro" trabalho poli­ cial não concerne a uma franja de tarefas em torno de um núcleo central inconteste: ele se refere a toda a extensão das atividades realizadas, nenhuma delas obtendo una­ nimidade. Aliás, ele concerne a todos os policiais, sem que uma categoria (guarda, gra­ duado ou inspetor) manifeste mais que outra um consenso sobre a definição de seu

189

O QUE FAZ A POLICIA

n r i

trabalho legítimo. Por esses dois traços, o debate interno e permanente sobre as tare­ fas policiais ultrapassa em muito o debate explícito referente a este ou aquele sindica­ to sobre as "cargas indevidas" avaliadas a 10%, 15%, 20% ... da atividade .

• Um Debate Generalizado. - Toda profissão, corporação, instituição coloca-se, pelo menos parcialmente, em questão, interroga uma missão que, de todo modo, não pode permanecer intangível num ambiente que muda: há pelo menos remanejamento das formas. Não se vê entretanto outra profissão que, como a polícia, conheça um debate, e mesmo conflitos, tão generalizado sobre sua própria função, suas próprias tarefas elementares, em que não aparece nenhum consenso identificável sobre um conjunto delimitado de atividades legítimas. A ponto de, entre dois guardas que defi­ nem cada um sua visão do "verdadeiro" trabalho policial em termos mutuamente ex­ clusivos, sermos levados a concluir que somente o uso de um uniforme idêntico justi­ fica sua pertença comum à mesma profissão e fornece-lhes un1 principio de identidade.

Há sem dúvida razões fundamentais para que seja impossível dar uma definição exaustiva do trabalho policial, e inútil buscá-la: a ordem social, por ser social, é por definição arbitrária, sujeita portanto à variedade das avaliações sociais e, por isso, im­ plicando ou excluindo práticas de conservação, reforço, sanção igualmente diversas, como vão variar as apreciações do que cria desordem social. Mas não é em referência a uma problemática da ordem/desordem que se enfrentam com mais freqüência as avaliações policiais da atividade pertinente. Trata-se, mais amplamente ainda, do lu­ gar da atividade policial no conjunto do tecido e das práticas sociais e, no seio desse lugar, da divisão dos papéis entre as diferentes corporações, serviços, especializações.

• O que Pazeti-: "Chega-se até a não mais garantir missões primordiais da polícia, como ajudar uma velhinha a atravessar a rua ... " ( Guarda, Paris.) ''As saídas de escola, ajudar as crianças a atravessar! E ainda, quando sou obrigado a fazê-lo, faço-o como tira, fazendo repressão quando posso. Mas há outras, principalmente as mulheres, que estão sempre e se oferecendo a beijocas e lambidas dos moleques, bahl Não foi para isso que a gente vestiu farda, ora!" ( Guarda, subúrbio).

Assim, a partir de não importa qual atividade, pode-se pôr em evidência um sis­ tema de oposição entre os que a justificam e os que ela escandaliza. E isso quer se trate das atividades externas (intervenções) ou das atividades internas à organização.

Debate sobre a natureza das tarefas: nessa categoria encontrar-se-ão todas as opo­ sições do tipo daquela ilustrada anteriormente. Uma tarefa em si mesma faz parte ou não da atividade policial pertinente. "O verdadeiro trabalho policial, é a Police secours (Polícia de Resgate]", ou: "Para mim, a polícia, é a anticriminalidade, não posso passar

A PROFISSÃO POLICIAL

1

1

l

meu tempo a me chatear com sinais vermelhos .. .': Subjacentes, as concepções do "ofí­ cio" se polarizam em duas acepções distintas e em grande medida separadas. De um lado, uma função de "serviço para a população" polivalente e que enfatiza a disponi­ bilidade, o papel de recurso, de "bombeiro", o serviço. Os defensores dessa posição acompanham-na ou não de um discurso mais articulado sobre a dissolução da famí­ lia, os malefícios da urbanização ou a ineficácia dos serviços sociais. Em todos os ca­ sos, o princípio do encargo policial é a demanda, a expressão de uma necessidade por uma população, e encontra sua sanção na utilidade.

Do outro lado (e majoritariamente sem dúvida), esse papel de "prótese social" é expressamente recusado, como vimos, em nome de uma concepção judiciária da ati­ vidade policial. O principio de ação não é a "demanda': mas a existência de uma con­ travenção, de um delito ou de um crime, a violação de um código, quer seja manifesta ou dissimulada, o que implica não só reagir a ela, mas também descobri-la. A relação com a "população" existe, certamente, em última instância, mas é mediatizada pela lei, pela justiça, pela opinião pública etc. O objeto direto da atividade policial é apenas essa fração da população definida como delinqüente.

Cabe notar que não se trata aqui simplesmente da oposição entre uma polícia preventiva e uma polícia repressiva. Os próprios campos de atividade são separados, e mais fundamentalmente a relação com a "população" é invertida: no primeiro, a polí­ cia é legítima pelos serviços diretos que ela lhe presta; no segundo, a atividade consis­ te em "policiar" essa mesma população. A lógica de um é o serviço público, a do outro domina a sociedade civil.

Debate sobre o conteúdo das tarefas: a oposição aqui não é entre tarefas mutua­ mente exclusivas, mas sobre sua compreensão e seu conteúdo. Demos anteriormente dois exemplos. O do plantão diante da delegacia de subúrbio: servidão absurda ou função de acolhida e de segurança. O dos P 262 na província: papel de [actotum de outras administrações ou meio eficaz de acompanhar a população de um bairro. A compreensão do conteúdo dessas tarefas é certamente função da "vocação» e do in­ vestimento daqueles que as realizam, como nas categorias precedentes. Entretanto acrescenta-se outra dimensão: a maneira como aqueles que prescrevem essas tarefas as atribuem, explicam-nas e as legitimam. Não que toda tarefa convenientemente explicada encontre só por isso a adesão dos interessados, mas a ausência de explicação permite por si mesma a produção de uma infinita variedade de percepções e de inter­ pretações. Em outros termos, também aqui o que está em debate, e ao mesmo tempo o alimenta, é a própria organização policial, seus modos de funcionamento e notada­ mente o modo de prescrição das tarefas.

191

O QUE FAZ A POLJCIA

Debate sobre a organização das tarefas. há algumas cujo princípio não é discutido nem o conteúdo impenetrável, mas que por isso fazem questão de sua organização e notadamente dos meios disponíveis para realizá-las. Pode-se assim julgar perfeita­ mente "policiais" as tarefas de socorrismo, transporte de feridos ou cadáveres, mas contestá-las porque se julga não dispor nem da formação nem dos meios materiais necessários para realizá-las convenientemente; ou, ao contrário, a partir da falta des- es meios concluir que não pode se tratar de um verdadeiro trabalho policial. Do mesmo modo, o cabo chefe de posto pode aceitar que essa posição implica uma série de tarefas administrativas que ele denunciará na prática, uma vez que elas consistem em "fabricar" o grande controle" com tesoura e régua; ou em colar no registro do posto, com grande cuidado, o telex da direção departamental anunciando a criação de uma equipe de jogo de bocha.

Adicionar as tarefas que são questionadas numa ou em outra dessas três dimen­ sões, é já repertoriar uma proporção considerável das atividades efetuadas: atinge-se a exaustividade acrescentando aquelas para as quais a contestação incide sobre sua destinação.

• Quem Faz?- Assim, não se encontram policiais fardados para sustentar que o "verdadeiro" trabalho policial excluiria inteiramente a pesquisa e a apreensão dos de­ linqüentes ... (sob reserva, aliás, de se concordar a respeito de uma definição daquela delinqüência que deve necessariamente ser reprimida: também sobre esse ponto as opiniões são muito variáveis). Em compensação, alguns deles estimam que esse não é trabalho dos "fardados", enquanto igual número faz dele sua única tarefa legítima. Mesma observação para a manutenção da ordem, que alguns reservariam de bom gra­ do a unidades militares, mas cuja natureza policial não é discutida, salvo, a saber, quem deve responsabilizar-se por ele. Destaca-se um debate do mesmo tipo em torno das atividades administrativas dos inspetores. Alguns recusam seu princípio, mas os que o aceitam se dividem sobre saber se sua execução cabe a eles ou se ela deveria ser dele­ gada a um pessoal especializado. Adicionam-se, desse ponto de vista, outros tantos debates sobre as funções respectivas dos fardados e dos civis, no seio de cada catego­ ria, sobre as especializações legítimas ou não, e sobre a oportunidade de integrar à administração policial qualificações especializadas (técnicas, administrativas ... ) ou de especializar policiais nessas qualificações.

A polícia apresenta, assim, essa característica de uma profissão da qual nenhuma atividade, tarefa, missão se beneficia do consenso unânime de seus membros, quer se

1

1 ,1

1

192

24. Registro que lista os presentes e sua designação.

A PROFISSÃO POLICIAI,

trate do princípio de sua obrigação ou de suas modalidades25• Aí não se trata, com efeito, das particularidades da polícia francesa, ou especialmente das unidades que nós estudamos: o debate sobre a natureza do real police work (verdadeiro trabalho de polícia) é igualmente acirrado nas polícias anglo-saxãs, como demonstraram Manning (1993,p.14) ouRciner(l992,pp.139-146). Domesmomodo,surpreendc­ ríamos as CRS dizendo-lhes que, para muitos policiais ingleses, sua tarefa de manu­ tenção da ordem em unidade constituída não é uma tarefa policial e não deveria ca­ ber à polícia (Jefferson, 1990). Assim, no princípio da oposição sobre o saber policial, não há simplesmente duas visões diferentes da tarefa policial, ou dois tipos de proje­ tos de profissionalização, há carência de um consenso mínimo sobre o núcleo funda­ dor de uma tarefa comum. Nesse sentido, a profissão policial é uma profissão vazia. Para encontrar um núcleo fundador, é preciso decompor a polícia em seus diferentes ofícios. :Ê somente nesse nível que há acordo sobre objeto, objetivos, meios a serem empregados, critérios de avaliação. É somente no seio de cada sistema de trabalho (ver cap. 2) que a questão do "verdadeiro" trabalho policial pode ser substituída, e de fato se substitui, pela questão do trabalho bem feito.

Quando a instituição em seu conjunto parece contestada, dever-se-ia dizer que é preciso abandonar a idéia de uma profissão policial? Não ver, nas aparências da pro­ fissionalização crescente ( em termos de seleção e formação), senão um mito com uso interessado?26 E que não há outro princípio de identidade policial senão a defesa corporativa? Nesse caso, o sindicalismo esgotaria a realidade das coalizões policiais, limitada à defesa de interesses negociáveis, e as (muito raras) ocorrências em que os sindicatos se reúnem em torno de uma posição comum exprimiriam tão-somente a defesa da "grande casa': no mesmo modo que os sindicatos de EDF [Electricité de Francc], que se unem quando urna ameaça pesa sobre o monopólio. De fato, não há profissão policial no sentido substancial do termo. Sem dúvida nesse sentido só exis­ tem ofícios policiais. Mas há, como veremos, uma condição policial, e esta produz efei­ tos tão poderosos quanto a profissão, explicando ao mesmo tempo as formas ambí­ guas ou paradoxais desta.

25. Com uma única exceção: a proteção de um de seus membros em perigo quando de uma intervenção, que se impõe a todos.

26. e a posição de P. K. Manning, quando ele observa, a propósito das análises de \V. J. Bopp (1984), que-o uso vago de 'profissional' quando significa simplcsmente.'respeítado e bem pago' visa a lustrar (glcsses) o estatuto e a posi­ ção social por um rótulo que nada mais é que um argumento a serviço de um combate ideológico"( 1985, p. 709). No mesmo sentido cético, ver Perrier, 1979.

193

O QUE FAZ A POLICIA

4. A CONDIÇÃO POLICIAL

Hã uma condição policial no mesmo sentido em que se falava outrora de uma condição operária, isto é, de um destino social imposto, que seu detentor não esco­ lheu, e que a ele se impõe do exterior. A condição policial não está ligada a uma situa­ ção de trabalho, mas à simples dimensão do trabalho que é a ferramenta utilizada. Ela não é um elemento da cultura profissional como é compreendida por Skolnick, isto é, uma apropriação, ela é imposição, não funda uma identidade como cabe a uma pro­ fissão, mas uma diferença, e daí uma solidariedade. Em suma, a condição policial está enraizada na dimensão institucional - instrumental- da polícia, em sua propriedade de força pública. A detenção da força diferencia os policiais, os "condiciona': de duas maneiras.

• A Primeira. - Como vimos, ela não é propriamente o perigo ou risco. O risco é uma probabilidade e, sob esse aspecto, é sentido diferentemente por cada um, até e inclusive por aqueles que gostam dele, a ponto às vezes de escolher entrar para a polí­ cia pela atração pelo risco, e de se queixar por terem sido enganados. De resto, todo o mundo sabe, é menos perigoso entrar na policia que numa mina, ninguém morre aí de silicose ou de asbestose. Mas o risco policial tem uma face ignorada pelo mineiro ou pelo operário da construção, ele é objeto de uma agressão que visa, na função de que é investido, ao policial. Pode-se, deve-se, sancionar a incompetência, a negligên­ cia ou a cupidez, fontes do acidente do trabalho: esse não procede de uma intenção deliberada de ferir ou de matar. Ora, é exatamente essa intenção de prejudicar, de ferir ou de matar que todo policial é suscetível de enfrentar, ou que ele divide quando um de seus colegas (por mais desconhecido e afastado que seja) é vítima dela "no exercí­ cio de suas funções". É por essa dimensão simbólica poderosa que todos os policiais são atingidos pelo que acontece a não importa qual deles, ainda que de maneira esta­ tisticamente raríssima, Os motoristas de táxi se mobilizam espontaneamente quando um deles é agredido, mas não imputam a agressão a um ódio ao motorista de táxi ou ao senso do dever de seus colegas. Eles sabem que não era o motorista de táxi que era objeto dela, mas sua bolsa, uma oportunidade de lucro, e eles reclamam medidas de proteção. Os policiais não têm esses recursos para pôr a agressão à distância, e nin­ guém os protegerá dela a não ser eles mesmos. Pode acontecer que no seio da polícia a agressão dê lugar à polêmica sobre as ordens recebidas, a competência do superior ou a inadequação dos meios, mas esse debate é cuidadosamente dissimulado ao exterior",

27. Hã exceção quando o acerto de contas interno não pode ser absorvido por um compromisso local, nesse caso uma das partes recorre à opinião pública, e o incidente se torna um "caso" Í! o mecanismo ilustrado pelo "caso

194

A PROFISSÃO POUCIAL

à sociedade, à quaJ só nos dirigimos para exigir sanções "exemplares". Se não há assas­ sinato de policial que não se acompanhe (na França) da reivindicação do restabele­ cimento da pena de morte, não é tanto por serem os policiais mais partidários dela do que outros, mas porque esse crime nega sua própria função, sua necessidade e sua legitimidade.

O assassinato de um policial é raro, inclusive nas regiões onde a violência é in­ comparavelmente mais elevada que na França. Nos Estados Unidos, o número dos policiais assassinados em serviço baixa de modo regular, de 135 em 1981 para 65 em 1992 (Fridcll & Pate, 1993). Mas a dimensão simbólica que ele atesta de forma trágica, sublinhada e redobrada pela dramaturgia das exéquias, se declina mais trivialmente em toda a atividade policial. O interesse profissional que, em toda intervenção, co­ manda começar por impor sua autoridade realmente se baseia aqui: na falta dessa imposição, o policial corre o risco de dever recorrer à força e, desse modo, desvia para ele mesmo a violência que vem fazer cessar, de tornar-se o inimigo contra o qual vão se reconciliar o casal que brigava, os bêbados que faziam baderna, as gangues que se enfrentavam. Toda a aprendizagem das CRS consiste precisamente em não se deixar prender por esse desvio do objeto, por essa imposição de papel, que transfere a cólera dos manifestantes - do ministro ou do patrão - para a força pública. Isso não impede que sejam eles que são agredidos e eles não estão dispostos a esquecer os "CRS-SS':

A condição policial não é de ordem representativa, como gostam de produzir as memórias policiais. Certos policiais são os "carregadores" da miséria, não todos. Alguns existem como o último baluarte da civilização contra a barbárie, não to­ dos. Alguns se julgam cruzados, não todos. Em compensação, todos partilham sim­ bolicamente o fato de usar o uniforme que, por ser uniforme de polícia, e feito para isso, vai atrair sobre eles, ou transferir para eles a agressão28• É constitutivo da condi­ ção policial poder a todo instante e sem aviso prévio ser apreendido como inimigo por não importa quem. Por isso, aliás, se infirrna a comparação freqüentemente pro­ posta, na base do perigo enfrentado (Skolnick), com os militares. Além de esses ülti­ mos, diferentemente dos policiais, terem escolhido a arte da guerra e nela se instruem,

Loiseau'; iniciado por uma tentativa de prisão cm flagrante delito (em Paris, 1986), que erros de comando trans­ formaram em massacre: um policial morto, dois feridos, um "assaltante" abatido, um ferido, três fugitivos; ver Naudy & Loiscau, 1994.

28. E essa dimensão simbólica do uniforme, melhor do que a razão invocada ("isso ameaça a segurança pessoal do policial"). explica a quase unanimidade da coorte dos guardas de segurança em recusar seu uso no tr-.ajdo domi­ cílio-trabalho, portanto quando não estão mais "de serviço" Conservar o uni forme não é mais perigoso nos t rans­ portes que cm serviço, mas significa prolongar o período em que seu portador se sente como para-raíes da vio­ lência social, alvo potencial de todos e de cada um. Sobre esse ponto, ver igualmente Desaunay, 1989, p. 7.

195

BIBLIOGRAFIA

ACKERMANN, W. ( dir.). Police, Justice, Prison, trois études de cas. Paris, L'Harmattan, 1993. ADAMS, T. F. Police Patrol Tactics and Techniques. Englewood Cliffs, Frentice Hall, 1971. ALEX, N. New York Cops Talk Back: A Study of a Beleaguered Minority. New York, Wi]ey, 1976. ANCIAN, J.-M. La Police des polices. Paris, Balland, 1988. ARCANO, S. De la buteaucratisation policiêre. Montréal, Albert Saint-Martin, 1981, pp. 323-334 (Col.

"Travailler au Québec"). ARPAILLANGE, P. La Simple Justice. Paris, Iulliard, 1986. AUBERT, E. "Rapport au nom de la cornmission d'enquête relative aux événements de novernbre et

décembre 1986''. [ournal officiel. Paris, Assemblée nationale, seconde session 1986-1987, n. 8SO, 17 juin 1987.

AUllERT, J. & PETIT, R. La Police en France, service public. Paris, Berger-Levrault, 1981. BANTON, M. The Policeman in the Community. Londres, Tavístock, 1964. BARJIERGER, C. & GAYMARD, L. La Gestion des vols: trois traitements juridioues pour une infmction pénale.

Lyon, Uníversité Jean-Moulin, Jnstitut d' Études Judicia.ires, 1986. BARRf:, M.-D. Toxicomanie et Délinquance, du bon u.<age de l'u.<ager de produits illicites. Paris, CESO[P,

1994 (Col. "Êtudes et données pénales", n. 70). BAYLEY, D. H. Patterns of Policing. New Brunswick, Rurgcrs University Press, 1985. BP.cKER, H. K. & l3ECKER, D. L. Handhook of the Worlds Police. Londres, Scarecrow, 1986. 'Becxsn, H. $. Outsiders, Studies in tire Sociologyof Deviance. NewYork, 1963 (trad. franc.: A. M. Métailiê,

Paris, 1985). Bm,0RGEY, J. M. La Police au rapport. Nancy, Presses Universitaires de Nancy, 1991 (Reprodução do pré­

relatório do parlamentar em missão para os problemas da policia, Ministério do Interior e da Descentralização, 1982).

Bsscurcor, G.; GRJSF.T, A. & MoNJARDET, D. La Fouction d'encadremeu. Paris, La Documentation française, 1977.

315

QUE FAZ A POL!CIA

BENNETI, R. R. (dir.). Police ar H0rk. Beverly Hills, Sage, 1983. BERu2RE, J. M. "La professiounalisetion de la police en France, un phénomene nouveau au debut du XX:

siecle" Déviance et Société, XI, I, pp. 67-104, 1987. ---· L'Institutiou policiêre en Fraute sous la III' République, 1875-1914. 3 vols. Lille.Arelier national

de reproduction des thêses, 1991 (Tese, Université de Bourgogne). ___ , Le Préfet Lépine: Vérs ui 11aissa11ce de ln police moderne. Paris, Denoêl, 1993. BERLIOZ, J.-M. "La démarche projets de service dans la Police nationale" Les Cahiers de la sécurité

intérieure; n. 2, pp. 97-116, 1990. ---· "Les manifestations" Revue de la Police nationale; n. 126, 1987. BE.RN!:.RT, Ph. Roge:r }\ybot et la bataille pour la DSI Paris, Presses de la Cité, 1975. BERNOUX, Ph. La Sociologie des organisations. Paris, Le Seuil, 1985. "Brrrxtn, E. The Punctions of the Police in Modern Society. (P ed., 1970), Cambridge, Mass., Oerl­

geschlager, Gunn & Hain, 1980. ---· Aspeas of Police Work. Boston, Northwestem University Press, 1990. ___ . "De la Iaculté d'user de la force comrne fondement du rôle de la police" Les Cahiers de la

sécurité intérieure; n, 3, pp. 224-235, 1991. ·BLAci;, D. The Manners and Customs of the Police. New York, Academic Press, 1980. BWMBE.RG, A. S. & N rEDERHOFFER, E. ( dir, ). The Ambivalent Force, Perspectives on the Police. New York, Holt,

Rinehart and Winston, 1976. BoNAZZl, G. "Pour une sociologie du bouc érnissaire dans les organisations complexes" Sociologie du

ttnvail; n, 4, 1980. BoNl\"EMAJSOt-,.', G. La Sécurité en libenés. Paris, Syros, 1987. ___ "Répression et préventíon" Aprês-demain, n. 339, pp. 13-15, dez. 1991. BoPP, W. J. Crises in PoliceAdministration. Springfield, Charles C. Thomas, 1984. BRODEUR, J.-P. "High Policing and Low Policing: Remarks about the Policing of Political Activities". Social

Problems, v. 30, n. 5, pp. 507-520, 1983. ---•. "La police, mythes et réalités" Críminologie, vai. XVII, n. 1, Université de Montréal, pp. 9-41,

1984a.

---- "La criminologie marxiste: controverses récentes" Déviance et Société, vol. VII, n. 1. pp. 43- 70, 1984b.

---- "Police et sécuríté en Amérique du Nord, bilan des recherches récentes" Les Cahiers de la sécurité intérieure; n. O, pp. 203-241. jan. 1990.

---· "Police et coercition''. Revue française de sociologie; XX.XV, 3, pp. 457-485, 1994. ---· "La violence spéculaire''. Lignes; n. 25, pp. 114-128, 1995. --- "Le travai! d'Egon Bittner, Une introduction à la sociologie de la force institutionalisée",

Déviance et Société; 25, 3, pp. 307-324, 2001. BRODEUR, J.-P. & Mo1-,JARDET, D. (dir.). "L'insécurité, la peur de la peur" Revue internationale d'action

communautaire; 30170, Montréal, 1993.

BRocoEN, M. The Police: Autonomy and Consent, Londres, New York, Academíc Press, 1982. BROCDEN, M.; J.1:.FFERSON, T. & W ALKLATI!, S. Introducíng Police Work. Londres, Unwin, 1988. BROWN, M. Working the Street. New York, Russell Sage, 1981.

316

BIBLIOGRAFIA

BnUNET, J.-P. La Police ele l'ombre, lndicateurs et provocateurs dans la France contemporaine. Lc Seuil, Paris, 1990.

BucNON, F. La Socialisation eles [eunes gardiens de Ia paix. Paris, IHESJ, 1993. BuRDAN, D. DST, neu] ans à la dlvision antiterroriste. Paris, Robert Laffont, 1990. C111N, M. Society and the Policeman's Role. Londres, Routledge and Kegan Pau], 1973. ____ "Trcnds in the Sociology of Police Work''. International Journalof Sociowgy of Law, vol, 7

1 n. 2,

pp. 143-167, 1979.

CAJLLt A. "La sociologie de l'intérêt est-elle intéressantc!" Sociologie du travai~ n. 4, 1981. CARESCHE, C. & PANDRAUD, R. Mission parlementaire relative à la ctéation d'un observatoire de la délin:

quance. Assemblée Nationale, jan, 2002.

CARRAZ, R. & HYEST, J.· J. Rapport au Premier Ministre sur une meilleure répcrtition eles effectifs de la police et de la gendarmerie. Paris, abril 1998.

CASAMAYOR. Le Bras séculier, justice et police. Paris, Le Seuil, 1960 (Col. "Esprit"). ----· La Police. Paris, Gallirnard, 1978.

CHAJKEN, J.; GneENwooo, P. & Prrtnsrux, J. "The Rand Study of Detectives''. Ire l<LocKARS, C. B. (dir.). Thinking about Police, Contemporary Readings. New York, McGraw Hill, 1983, pp. 167-184.

C11AMBRON, N. "Les polices municipales en France" Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 16, pp. 48-60, 1994. CHAUVENET, A. & Onuc, F. La Protection de l'enfance, une pratique amoiguê: Paris, L'Harrnattan, 1992 (col.

"Logiques sociales").

---· "Interroger la police" Sociologie du travail, XXVII (4), pp. 453-467, 1985. CLASTRES, P. La Société contre l'Etat. Paris, Éditions de Minuit, 1974. CNV. Bilan eles 64 propositions du rapport de la commission eles maires sur la sécurité; 1982-1992. Paris,

CNV, 1992 (Estudo realizado para o CNV por Th. Kirszbaum). ----· Les Polices de la vil/e, mpport du groupe de travail. Paris, Conseil national des villes et du

développernent social urbain, 1993.

COMMAILLE, J. "Éthique et droit dans l'exercice de la fonction de justice" Sociétés contemporaines, n, 7, pp. 87-101, 1991.

CoMMISSION DES MAIRr.s sua LA Sscuarrs, Face à la délinquance: ptévention, répression, solidarité. Paris, La Documentation française, 1982 (Rapport au Premier ministre).

ConoNER, G. W. & HALE, D. C. What Works in Policing? Operations and Administration Examined. Cincin nati, Anderson, 1992.

Coucu, S. R. "Selling and Reclairning Sta te Sovereignty: The Case of Coai and Jron Police" T11e lnsurgent Sociologist, vol. X, n. 4, 1981.

CUBAYNEs, M. H. La Police et la Presse, des institutions et des hommes. Toulouse, Université des Sciences Sociales de Toulouse, Publicatíons du Centre d'études et de recherches sur la police, 1980 (Thêse pour le doctorat d'Etat en sciences politiques).

DAlffEVELLE, M. De l'appel au "17" à l'intervenrian d'un équipage: perspectives de recherche et études du travai/ e11 sal/e de trafic et de commandement à LyoTI. Lyon, Université de Lyon-11/IHESI, 1993.

DAVENAS, L. Profession: répression. Paris, Acropole, 1988. DCPJ. Aspects de la criminalité et de la délinquance constatés en 1993 parles service, de police er de

gendatmerie. Paris, La Documentation française, 1994.

317

1

O QUE FAZ A POLfCIA

DEU:.PLACf, B. Urre vie de flic. Paris, Gallimard, 1987 (Col. "Le vif du sujct"). DENIS, G. "La Rationalité des conduites policieres dans la marche de la justice pénale" ln: Cou, Le

Fonctionnement de la justice pénale. Paris, Êditions du CNRS, 1979, pp. 31-48. DESAUNW, G. & Vn.ORIN, J. de. Errquête sur les motivations des policiers eu tenue d11 SGAP de Paris. Paris,

CCI, Centre HEC-ISA, 1989.

DES SAUSSAIES, B. Ln Macliine policiere. Paris, Le Seuil, 1972.

DEWEJU>t:., A. Esplon, ame antliropologie historique du secret d'État contemporain. Paris, Gallirnard, 1994. D1Eu, F. Gendarmerie et Modemité. Paris, Montchrestien, 1993. ---· Politiques pu/1liques de sécurité. Paris, L'Harrnattan, 1999 (Col. "Sec v. Soe."}. ---· La Gendarmcrie, secrets d'un corps. Bruxelles, Camplepc, 2002. DTV, Diagnostíc loail de sécurité, éléments de cahier des charges, 1990. DoBRY, M. Le Reirseig,remeut politique interne dans les démoaaties occidentales: état de ln recherche. Paris,

IHESI, 1992. DuFOURG, J.-M. Section manipulation, de l'antiterrorisme à l'affaire Doucé: Paris, Michel Lafon, 1991. DuKHAM, R. G. & Ail>ERT, G. P. Critical lssues i11 Poticing. Chicago, Ill., Waveland, 1989.

DuPRU, D. La Gestion de l'immigration irréguliêre, analyse sociologique des identités projessionnelles des policiers et des douaniers. Lille, CLERSE e IHESI, 1993.

&tSLEY, C. Policing in its Context; .1750-1870. Londres, Mac Millan, 1983. ____ "La légitimité de la police anglaise: une perspective historique cornparée" Déviance et Société,

vol. 3, n. 1, pp. 23-32, 1989.

____ The English Police: A Political and Social History. Harnpstead, Wheatsheaf, Hemel, 1991. L'iGELS, F. I'Origine de la [amille; de la propriété privée et de l'État. Paris, Éditions Sociales, ( 1884) 1966. ERBES, J.-M. et al. Polices d'Europe. Paris, IHESf e L'Hannattan, 1992. ERJCSON, R. V. Maki11g Crime: A Study of Detectlve Work. Toronto, Butterworth, 1981. ---· Reproduci11g Otder: a Study of Police Patrol Work. Toronto, University of Toronto Press,

1982.

Esrrss, Ph. "Police, justice et politiques Iocales: de l'antagonisme au centrar" Les Cahiers de la sécurité intérieure; n. 16, pp. 2S-3S, 1994.

fAvRE., P. (dir.). La Manifestation. Paris, Presses de la Fondatíon nationale des sciences politiques, 1990. FAYRE, P. & FILLIEULE, O. Manifestations pacifiques et Manifestations violentes dans la France contemporaine

(1982-1990). Paris, rHESl, 1992.

F1JNAUT, C. "Les origines de l'appareíl policier modeme en Europe de l'Ouest continentale" Dévlance et Société; voL 4, n. J. pp. J 9-41, 1980.

FIJNAUT, C. et al. "La lutte centre la criminalité par la police, les résultats de vingt ans de recherches" Déviance et Société; vol, Xl, n. 2, pp. 163-182, 1987.

Fruraxe, O. Les Déterminants du recouts à la manijestation dans les années 80 (le cas des manifestations nantaises}, Paris, IHESI, 1994.

FOGELSON, RM. Big-City Police. Cambridge, Harvard University Press, 1977. FomE.L, M. de. Le Dépô: de plai nte dans un commissariat (Seminário "La Rela t ion de servi cc dans le sectcu r

public"). Paris, RATP, DRI, Plan urbain, 1989.

FossAERT, R La Société, tomo 3: Les Appareils. Paris, Le Seuil, l 978.

318

n 113 LI O G RA 1:1 A

FRIDELL, L. A. & PAn, A. M. "Death on Patrol, Killings of American Law Enforcement Officcrs". ln: DUNIIAM, R. G. & ALPERT, G. P. (dir.). Criticai lssues in Policing. 2• cd. Chicago, Waveland, 1993.

FUNK, A. "Bilan de la recherche cn sciences soclales sur la police en RFA: acquís, Jacunes et perspectives" Les Cahíers de la sécurité intérieure, n. O, pp. 241-259, 1990.

----· "Le systeme policier allemand dans le cadre européen" Les Cahiers de la sécurlté inténeure, n. 13,pp. 83-101, 1993.

GATIO, D. & THOENIG, J. C. La Sécurité publique à l'épreuve d11 terrain. Paris, L'Harmattan, 1993. Gtl!IZAL, J.-J. La Police nationale: droit et pratiques policiêres en France. Grenoble, PUG, 1974. ----· Le Désordre policler. Paris, PUF, 1985.

GLEIZAL, J.-J.; GATT1-D0MENACH, J. & JouRNt,s, C. La Police, le cas des démocraties occidentales, Paris, PUF, 1993.

GoLDSMITH, A. "Taking Police Culture Seriously: Police Discretion and the Lirnits of Law''. Policing and Society! (2), 1990,pp.91-114.

* GOLDSTEIN, H. Policing a Free Society. Cambridge, Mass., Ballinger, 1977. ---· Problem-Oriented Policíng. New York, McGraw Hill, 1990. GoRGEON, C.; ]OBERT, J.; PARI ENTE, P.; ROBERT,· J.-Ph. & THUE, L. Les Brigades de roulement en police utbaine.

Paris, IHESI, 1992. GoRGEON, C.; ]OBERT, J.; PARIHiTE, P.; ROBERT, J.-Ph.; THUE, L. & MONJARDET, D. "Descriptíon de la 121'

prornotion des éleves-gardiens de la paix de la Police nationale''. Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 12, pp. 115-122, 1993.

GREENE, J. R. & MASTROFSKY, S. D. (dir.), Community Policíng: Rhetoru: or Reality?NewYork, Praeger, 1988. GRIMAUD, M. En mai.fais ce qu'il te plait ... Paris, Stock, 1977. HAMON, A. & MARCHAND, J.-C. P. .. com me police. Paris, AJain Moreau, 1983. HAUSER, G. & MASINGUE, B. "Êtude auprês des personneJs de la Police nationale" ln: M1x1STtRE DE

L'lNTERIEUR ET DE LA Dl:CENTRALISATI0!'-1. Les Policiers, leurs métiers, leur [ormation. Paris, La Documen­ tation française, 1983, pp. 7-106.

HAUSER, G.; MASINGUE, B. & TJEVANT, S. 67 451 policiers. Sociographie des personnels de la Police nationale. Paris, Interface, 1985.

HARSTRJCH, J. & CAlVJ, F. R.G., 20 ans de police politique. Paris, Calmann-Lévy, 1991. HOLDAWAY, S. lnside the British Police. Oxford, Basic Blackwell, 1983. lANNI, E. R. & IANNI, R. "Street Cops and Management Cops: The Two Cultures of Policing". ln: PUNCH, M.

(dir.). Control in the Police Organization. Cambridge, Mass., MIT Press, 1983. IGA. Rapport sur /e traitement et /e suivi des nppels et plaintes à caractere no11 pênal replS parles servícer de

police. Paris, Inspection générale de l'administration, Ministêre de l'Intérieur, 1985 (40 pp. + ane­ xos).

THESI. Cuide pratique pour les Contrais Locnux de sécurité. Paris, La Documentation française, 1998. ]ANKOWSKJ, B. Attachement au métier et isolement institntionnel: les inspecteurs de sécurltê p11bfüp1e. Paris,

IHESI, 1994. ]EANJEAN, M. Un ethnologue chez les policiers. Paris, Métailié, 1990. JEFFERSON, T. Tire Case Against Paraniilitary Policing. Philadelphia, The Open Universiry Press,

Keynes, 1990. ,filton

319

O QUE FAZ A POLICIA

JHFERS0:-1, T.; FuN>:, A. & MoNJARDET, D. "Le maintien de l'ordre, vaut-il mieux avoir des corps de police spécialisés]" Dévinnce et Société, XVI, n. 4, pp. 375-403, J 992 (débar),

JoM.RD, F. Bavutes poliâcresr La [orca publique et ses usages. Paris, La Découverte, 2002.

lvJ.USZYNSKI, M. La Criminologieen W()111'eme11t, naissanceet développement d'11ne sciance sociale en France à lafin d11 XIX' siccle. Paris, Université Paris-VII, 1988 (thêse d'hisroire).

·Ktw1-G, G. er nL The Km1.ms City Preventive Patrol Experiment. Washington, Police Foundation, 1974 (Trad, franc, Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 5, pp. 277-316, 1991).

KI.OCKARS, C. "The Dirty Harry Problem" The A1111als, n. 452, pp. 33-47, 1980. ---· The ldea of Police. Beverly Hills, Sage, 1985.

KoRNHAUSl:R, W. Scientists i11 hrdustry: Qmjlict and Accomodation. Berkeley, University of California Prcss, 1962.

lAFONT, H. & MEYE.R, Ph, Le N()uvel Ordre geudarmioue. Paris, Le Seuil, 1980.

LAGRANGE, H. & Rocas, S. L'foséwríté, histoire et rég11lation. Paris, OSC-CERAT-lHES1. 1993. LASCOUME.S, P.; fü,RBERGE.R, C. et ai. Le Droit pénal administratif, instrument d'action étatique. Paris,

Cornmissariat général au Plan, 1986. l..AuRENT, R. & MoNET, J.-C. Police et Stratégie déasionnelle: Ln miseen place d'un dispositi] de prévention de

la délinquancc au sein de la police urbaine de Toulouse, Rapport au rninistêre de l'Intérieur, 1987.

i.AzERGES, Ch, er al: Conseils commrmau.x de prévention de la délinquance. Montpellier, ERPC, CEPS, 1986.

L'-2ERGES, Ch. Les Pubtics privilégiés par les contrats d'action prévention. Montpellier, Université de Montpellier-I, ERPC, 1991.

LE ClllE, M. Histoire de la police. Paris, PUF, 1973 {Col. "Que sais-je?"), ___ . Bibliograph ie critique de la police. Paris, Yver, 1980. LE Doussxt, R. Êtude sur la prévention des [autes professionneiles. Paris, Ministere de l'Intérieur, lnspection

générale de la Police nationale, 1988. LE:-:OIR, R. "Les agents du maintien de l'ordre, Contribution à la construction sociale de l'espace

judiciaire" Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 10, pp. 149-178, 1992.

LE TrnER, R. Les Compagnies répr~blicaine5 de sécurité. Paris, Lavauzelle, 1981. LEVY, R. "Police et sociologie pénale en France". L' Année sociologique, vol. 35, J 985.

---- Du suspect au coupable, le travail de police judicia ire. Paris, Méridiens Klincksieck, 1987.

LEVY, R. & Mor..1ARDET, D. "Undercover Policing in Prance" ln: MARX, G. T & FIJNAUT, C. (dir.), Undercover, Police Surveillance in Intemational Perspeaive; Haia, Kluwer Law Intcrnational, 1995, pp. 29-54.

LrNDEKENS, M. A l'écouse' des policiers: le contact avec le public. Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986.

L1 PSKY, M. Street-Level Burea ucracy: Dikm mas of t he individual i n Public Services. New York, Basic Books, 1980.

Loussr DEL BAVLE, J.-L. Ln Police, approche socio-politique. Paris, Montchrestien, 1992. ~MA.~N'fNG, P. Police Work, the Social Organization of Policing. Cambridge, Mass., The MIT Press, J 977. ---· "lnformation technologíes and the police" ln: ToNRY, M. & MORRIS, N. (dir.), Modem Poticing,

The Universiry of Chicago Press, Chicago, 1992. MAN~ING, P. & V A.~ MANJ'{EN, J. (dír.). Poiicing: A View from the Street. Ncw York, Random J Iouse, 1978. MA.'11'/ING, P. & VAN MANNbN, J. "Book Reviews" Contemporary Socíology, vol. 14, n. 6, pp. 707-708, J 985. ·MARX, G. T. Undercover, Políce Surveillance in Ame.rica. University of Califórnia Press, Berkeley, 1988a.

320

BIBLIOGRAFIA

--- · "La société de sécurité maximale''. Déviance et Société, XII, 2, pp. 147-166, 1988b. ----· "L'agcnt provocateur et l'indicateur" Sociologie du travail, 1993, n. 3. Me GA!!AN, P. Police Images of a City. New York, Peter Lang, J 984.

MAsTROl'SKI, D. "Measuring Police Performance in Public Encounlcrs". ln: Hoovas, L. T. (dir.). Quantifying Quality in Policing. Washington, Police Executive Rcsearch Forurn, [995.

MELNICK, C. 1 000 jours a Matignon, De Gaulle, l'Algérie, les services spéciaux: Paris, Bernard Grasset, 1988. MERLEAu-PoNTY, M. Sens et Non-Sens. Paris, Nagel, 1948. MEYZONNIER, P. Les Forces de police dans l'Union européenne. Paris, L'Harmattan, 1994. M1CHAUO, Y. Violence et Politique. Paris, Gallimard, J 978. MINJS'J°tRE os L'lNTf.RIEUR ET DE LA Df.CENTRALISATION. Les Policiers, leurs métiers, leur formation: Paris, la

Documentation française, 1983. ____ , "La photo de farnille" Civic,n. 41, pp, 8-13, maio 1994. ----·· Cuide pratique de la police de proximité. La Documentation française, Paris, 2000. MoNATE, G. La Police pour quii avec qui? Paris, Épi, 1972. ----·· Questions a la police. Paris, Stock, 1974. ---· Flic ou gardien de la paix. Paris, Le Seuil, 1980. MoNET, J.-C. "Une administration face à soo avenir: police er sciences sociales'' Sociologie du travail, n. 4,

pp. 370-390, 1985. ----· "Polices et violences urbaines: la loi et le désordre dans Jes villes anglo-saxonnes" Cultures et

Conflits, n. 6, pp. 49-71, 1992. ----· Polices et sociétés en Europe. Paris, la Documentation française, 1993. MoNJARDET, D.; CHAUVENET,A.; CHAVE, D. & ÜRLIC, F. La Police quotidienne, éléments de sociologie du travai/

policier. Paris, Groupc de sociologie du travail, 1984. MoNJARDET, D." Police et sociologie: questions croisées" Déviance et Société; vol, 8, n. 4, pp. 297-3 l l, 1985. ----· "Moderniser, pour quoi faire?''. Esprit, n, 2, pp. 5-18, 1988. ____ , "Une réalité silencieuse, risque et peur, com posantes du métier policier" Jnformatio1is sociales,

n. 24, pp. 36-43, 1992. ____ . "Le modele frança is de police" Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 13, pp. 61-82, rnaio-jul.

1993a. ----· "Entre ordre et délinquance, breve note sur l'insécurité policiêre" Revue internationale d'actton

communautaire, 30170, pp. 163-167, 1993b. ----· "Le travai) au microscope" Sciences IJJ1111ai11es, n. 36, pp. 30-33, fev, 1994a. ___ . "Une ou trois crises". ln: RoeF.RT, P. & SACK, F. (ed.), Normes et Déviances e11 Europe, Un dé!Jllt

Est-Ouest. Paris, L'Harmattan, 1994b, pp. 351-355. ----· "Opacité et décision dans l'administration policiêre" "Gouverner dérnocratiquernent" Aprcs-

Demain, n. 373, pp. 17-19, 1995n. ----· "Êvaluer certes, mais quclle police?" ln: BRODEUR, J.-P. & LE!CHTON, B. (dir.), L'tmluatio11 de la

performance policiere. Ottawa, Solliciteur Géneral du Canada, 1995b, PP· 401-417. ----· "Réinvcntcr la police urbaiue" Les Amzales de la Recl1crd1e Urbaine, n. 83, pp.15-22, 1999. ----· "Lc contróle de la police, une équation à cinq inconnues" Ethlque P11blique, n. 3 (Geneve-

Montréal), printcmps 2000.

J 321

O QUE FAZ A POLICIA

---· "Lc police à quartier en Montréal: un exemple de gestion du changement policier" Les Cahiers de ln sécurité intérieure; n, 39, pp, 149-172, 1" trim 2000.

___ . "Police and the Public", European loutnal 011 Criminal Policy and Research, vol, 8, n. 3, pp. 353- 378, Sept. 2000.

---· "Force publique et compétence profissionelle" Alternetives Non- Violentes, n. 118, pp. 9-14, Mai 2001.

---· "La police de proximité, Une révolution culturelle" Les Annales de la recherche urbaine; n. 90, 2001, pp. 1 56- 164 ( signé P. DEMONQUE).

___ "Les poliriques de Ia sécurité, la reforme de la police Nacional e" Cahiers frança is, n. 308, pp. 1- 7,juin 2002.

__ . "Les policiers" ln: MuccH!uu, L & PosEJIT, Ph. (dir). Crime et sécurité, l'état des savoirs. Paris, La Dêcouverte, 2002, pp. 255-264.

MoITEZ, B. Ln Sodologie industrie/Te. Paris, PUF, 1971. MotiHAKNA, Ch, Êtude sur l'expérience d'ílotage à Raubaix. Paris, CAFI-IHESI, 1991. MoUHA,SNA., Ch. & Ao::ERMA..'m, W. U11e affeire de confiance; les relations OPJ-magistrats dans le processus

pénal. Paris, CAFl e lHESl, 1995. • Mu1R JR., J. \N. Police: Streetcorner Polinaans: Chicago, Chicago Universíty Press, 1977. N&TDY, M. & I.01sE.Au, D. Le Dossier noir de la police des polices. L'ajfaire Loiseau. Paris, Plon, 1994. N IIDERHOFFER, A. Behind the Shield. New York, Doubleday, 1967. ÜCQUErEAU, F. "Policefs) prívêeís), sécurité privée". Déviance et Société, vol. 10, n. 3, pp. 247-281, 1988. ___ Gardiennage; Surveiilano: et Sécurité privée. Paris, CESDIP, 1992 (Col. "Déviance et contrôle

social"). ÜCQUETEAU, F.; FRENAIS, J. & V ARLY, P. Ordonner la désordre: Une contribution au débat sur les indicateurs du

crime. Paris, lHESI. La Documentatíon française, 2002. ÔTIA\10U, P. Échec au crime, 30 an.s quai des Orfevres. Paris, Grasset, 1985. P APON, M. Les Chevaux du pouvoir; le préfe.t de police du général de Gaulle o uvre ses dossiers. Paris, Plon, 1988. PARJ:ENTE, P. "Les valeurs des policiers" Les Cahiers de la sécurité intérieure, n. 16, pp. 137-149, 1994. PERc:Huo:-:, A. & PERR!NEAU, P. "Les altitudes des Français à l'égard des problemes de sécurité" Les Cahiers

de la sécurité intérieure ( 1 ), pp. 17-52, 1990. PEREZ-DJ:AZ. C. "L'indulgence, pratique díscrétionnaire et arrangernent administratif" Déviance et Société,

XVUJ,4, pp. 397-428, 1994. PEIUUER, D. C. "Is polici.ng a professioni" Revue canadienne de criminologie; vol. 21, n. 1, 1979. PEYREmTE, A. Réponses à la violence; Paris, Documentation française, Presses Pocket, 1977 (Rapport du

comité présidé par).

P1CA.RO, E.. "Commentaíredel'article 12 de la Déclaration des droits de l'homme et du citoyen". Les Cahiers de la .sécurité intérieure; n. 5, pp. 201-224, 1991.

PtNA.U'D, R. Soldats sans victoires. Paris, Garanciere, 1986. Pusa, E.. La Part d'ombre. Stock, Paris, 1992. PouCE FoUNDATION. The Newark Foot Patrol Experiment. Washington, Police Poundation, 1981 (Resumé

ín PATE,A. M. "Experimennng with Foot Patrol, The Newark Experience" ln: RoSENBAUM, D. P. (dir.). Communuy Crime Prevention, Does it Work?Beverly Hills, Sage, 1986, pp, 137-156.

322

BIBLIOGRAFIA

PORRA, s. & PAOLI, e. Code annoté de déontologie policiére. Paris, LGDJ, 1991. PUNCH, M. Policing the lnner City. Londres, Macrnillan, 1975. ___ . Control in the Police Organization, Cambridge, The MIT Press, 1983.

---· Conduct Unbecomming: The Social Construction of Police Deviance and Contrai. Londres, Tavistock, 1985.

REINER, R. The Blue-Coated Worker. Cambridge, Cambridge University Press, I 978. ---· "Book reviews" Sociology, vol. 12, n. 1, pp. 165-168, 1978. ---· The Politics of the Police. Brighton, Wheatsheaf, 1985. ---· The Politics of the Police. 2• ed. Oxford, Oxford University Press, (1992) 2000. ---· Chief Constables, Bobbies, Bosses o, Bureauaatsi Oxford, Oxford University Press, 1991. ___ . "Du mythe à la réalité, le modele britannique". Les Cahiers de la sécurité intérieure; n, 13, 1993,

pp. 25-59.

---· "Policing and the Police" ln: MAcurRE, M.; MORGAN, R. & REINER, R. (dir.). The Oxford Hand- book of Criminology. Oxford, Clarendon, 1994.

"Rarss JR., A. J. The Police and the Public. New Haven, Yale University Press, 1971. RoACH, J. & THOMANECK, J. (dir.). Police and Public Order in Europe. Londres, Croom Helm, 1985. RoETHLISBERGER, F. J. & DtcKSON, W. J. Management and the Worker. NewYork, Science, 1939. ROBERT, Ph. (dir.). Les Politiques de prévention de la délinquance à l'aune de la recherche. Paris, I'Har­

mattan, 1991. ROBERT, Ph.; Auscssox, DE CAVARLAY, B.; Pernas, M.-L & ToURNIER, P. Les Comptes du crime, Paris,

L'Harrnattan, 1994. Rocas, S. Le Sentiment d'insécurité. Paris, PUF, 1993. RosENZWEIG, L. & LE FoRESTIER, Y. L'Empire des mouchards; les dossiers de ln STAS[. Paris, Jacques Bertoin,

1992. Rus1NSTE1N, J. City Police. New York, Ballantine, 1973. RYDER, C. The RUC, A Force Under Pire. Londres, Mandarin Paperbacks, 1990. SALOMON J.-C. Les lnstitutions policiêres françaises, bibliographie historique. Toulouse, Publications du

Centre d'études et de recherches sur la police, s.d. [e. 1987]. SARAZIN, J. Le Systême Marcellin, la police en miettes. Paris, Calmann-Lévy, 1974. ScARMAN, Lord. The Scarman Report. Harrnondsworth, Penguín Books, 1981. SEWELL, J. Police, Urban Policing in Canada. Toronto, James Lorimer, 1985. SHAPLAND, J. & HoBBS, D. "Looking at Policing" ln: Hoon, R. {dir.). Crime and Criminal Policy in Europe.

Oxford, Center for Criminal Research, 1989. SHEARING, C. Dial-A-Cop: A Study of Police Mobilization. Toronto, University of Toronto, Centre of

Crimi.nology, 1984. Sr IEARINC, C. D. & STENNING, P. C. "Priva te Security: lmplications for Social Control" Social Proolems; vol.

30,n.5,pp.493-506, 1983. ---· "Public and Priva te Policing''. In: ToNRY, M. & MoRRJs, N. (dir.). Modem Policing. Chicago, The

University of Chicago Press, 1992. SHERMAN, L. W. "The Police" ln: WILSON, J. Q. & PETERSIUA, J. ( dir.). Crime. San francisco, lCS Press, 1995,

pp, 327-348.

] 323

O QUE FAZ A POLfCTA ,

HERMAN, L. W. et al: (eds.). Preventing Crime, W1rnt Works, W7rnt doesn't, What's promising?Wnshington, DC, US Dcpartrnenr of Iusríce, National Jnstitute of Justice, 1997.

JMULA, P. La dynamiqne des emplois dons ln sécurité. Paris, IHESJ, nov. 1999 (Col. Études ct Rechcrches). ·S};OGAN, \V. G. Disordcr and Decline. New York, Thc Free Press, 1990. ____ "La police communautaire aux Êtats-Unis" Les Cahlers de ln sécurité intérieure, n. 13, pp, 121-

149, maio-jul, 1993.

•sxoLNJCK, J. Justice without Triai. New York, Wiley, 1966. Sf...'OL'<JCT, J. & BAYLEY, D. H. The New Blue Line; Police Innovation i11 Six Amerlcan Cities. Ncw York, The

Free Press, 1986.

Mml, D. J. et ai. Police and People in Lo11do11. Londres, Policy Studics Instituto, 1983. SouCHON, H. De l'exercice du pouvolr discrétionnaire parles organes de police. Analyse comparative de la

pratique policiêre de l'admonestntio,~ Paris, CNRS, 1981. SPEL\1AN, W. G. & BROWN, D. K. "Response Time" /11: KLOCKARs, C. (dir.). Thinking about Police, Contem­

porary Readings, 1983. New York, McGrow Hill, 1981, pp. 160-184. Sra1.,1aEN, E. Analyse rétrospective du sentiment d'insécurité en France de 1977 à 1985. Paris, TOSCA, 1986. STEXN1KG, Ph.C. & SHEARJNG, C. D. "Policing". ln; GLADSTONE, C. B. J.; Enrcso», R. & SHEARJNG, C. (dir.).

cn·111i11olag;~ a Reader's Cuide. Toronto, Universidade de Toronto, 1991, pp. 125-138 (Tradução fran­ cesa resumida: "Différentes conceptions de l'exercice de la police" Les Cahiers de la sécurité inté­ rieure, n. 3, pp. 19-29).

STIXCHCOMBE, A. L "Bureaucratic and Craft Adrninistration of Production: a Compara tive Study''. Admi- nlstrative Science Qunrterly, 4, pp. 168-187, 1959.

5lJTI-IERUND, E. H. The Professional Thief Chicago, University of Chicago Press, 1937. T ARDfF, G. Police er Politique au Que'bec. Montréal, Aurore, 1974.

TERJ.OU\v, G. J. & KRurss1NK, M. Police Performance Assessment. Montréal, CICC e Solliciteur Général du Canada (no prelo).

THOENJG, J. G. "La gestion systématique de la sécurité publique" Revue [rançaise de sociologie, XXXV, 3, pp. 357-392, 1994.

T!EVANT, S. Ln Mission sécurisation, étude du dispositif des patrouilles CRS en renfort de la police urbaine. Paris, IRTS-IHESI, 1991.

---- Activité de la gendarmerie et sécurité des habitants dans les zones urbaines. Paris, IHESJ, 1994.

Toerrou, A. La Sécuriré dans les quartiers: Paris, Uníon Nationale des Fédérations d'Organísmes HLM, 1994.

TREl>rn!.,\Y, J.-N. Le Management de la police: regard anthropologique sur /e métier de policie, et les difficultés desa gestion. Montréal, Université de Montréal, 11 nov. 1994 (Séminaire).

VLMANN, A. Le Ouatriême Pouvoir; la police. Paris, Fernand Aubier, 1935. V ALKENER, C. de. Police et Public; 1111 rendez-vou« manqué? Bruxelles, La Charte, 1988.

----· Le Droit de la police, la lei, l'institution et la société. Bruxelles, De Boeck Université, 1993. * VAN MMNE!'.', J. "Observations 011 the Making of Pollcemen'' Human Organization, vol. 32, n. 4, pp,

407-418, 1973.

---- "Police Socíalízation: a Longitudinal Examínation of Job Attitudes in an Urban Police Department''. Admínistrative Science Quarterly, 20, 2, pp. 207-228, 1975.

324

RlBLIOGRAFIA

___ . "Making Rank.13ecoming an Arnerican Police Sergent''. Urban Life, 12, 2/3, pp, 155-176, 19&4. VAN ÜUTRIVF., L.; CARTUYVELS, Y. & PoNSAERS, P. Les Polices en Belgique. Bruxelles, Vie Ouvriere, 1991. VoGEJ., M. Les Polices des villes entre national et local. Grenoble, Université de Grenoble-II, 1993 (These

de sciences politiqucs).

___ . "Des polices municipales à la Police nationale" Le: Cahíers de la sécurité intérieure, n. 16, pp. 82-89, 1994a.

___ . "Les polices des villes dans Í' entre-deux-guerres". Revue [rançaise de sociologíe, XXXV, 3, pp. 413-433, 1994b.

VoLLMER, H. M. & MrLLS, D. L. Professíonalization. Englcwood Cliffs, Prentice Hall, 1996. WALKER, S. "Paths to Police Reforrn: Reflcctions on 25 Years of Changc" ln: KENXEY, D. J. (dir.). Police and

Policing, Contemporary lssues. New York, Praeger, 1989. WEJNBERGER, B. Keeping the Peacei Policing Strikes in Britain, 1906-1926: NewYork, Berg, 1991. • WESTLEY, W. Violence and the Police: A Sociological Study of Law, Custam and Morality. Carnbridge.Mass.,

MIT Press, 1970 ( P ed.: Ph. D. Universidade de Chicago, 1950). W1EVIORKA, M. et ai. La France raciste. Paris, Le Seuil, 1992. *W1LSON, J. Q. Varieties of Police Behavior: The Management of Law and Order in Eight Communlues.

Cambridge, Harvard University Press, 1968. ___ . The Investigators. New York, Basic Books, 1978. W1LSON, J. Q. & KELL!NG, G. "Broken Windows". The Atlantic Monthly, pp. 29-38, mar. 1982 (apresentação

e tradução francesa em Les Cahiers de la sécurité intérieure; n. 14, pp. 163-180, 1994) (Ver igualmen­ te a crítica veemente de W ALKER, S. "Broken Windows and Fractured History: The Use and Misuse of H istory in Recent Police Patrol Analysis". Justice Ouanerly, n. l. 1, pp. 75-90, 1984).

YuNG, E. La tentation de l'ombre. Paris, Cherche-Midi, 1999.

325