o pt e o trotskismo

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O PT e o Trotskismo 1 O PT 2 foi fundado em 1980, mas sua concepção é bem anterior e começou a tomar forma ao final dos anos 70, especialmente em 1979, após a Anistia, quando do retorno ao Brasil de vários ex-integrantes de organizações revolucionárias de esquerda. Pode-se dizer que, originalmente, 3 grandes correntes promoveram a criação do PT: a) A sindicalista, nucleada na região do ABC, já muito forte à época; nesse particular, recorde-se que o sindicalismo “agressivo” estava praticamente paralisado desde 1964, quando da extinção do CGT 3 , dirigido por Hércules Corrêa e vinculado ao PCB 4 de Luiz Carlos Prestes, mas retomara sua força, principalmente a partir de 1978, quando ocorreu a greve da Scania-Vabis, supostamente a 1ª desde a edição do AI-5, em 1968; b) O chamado clero progressista, que, dominando a maior parte das CEB 5 , permitiria a difusão, por praticamente todo o território nacional, do ideário petista; recorde-se que a esquerda clerical, nos anos 1950-60, tivera anteparo na AC 6 , que atuava por meio das JEC/JOC/JUC 7 , mas logo aderiu ao “revolucionarismo” tendo mudado seu nome sucessivamente para AP, APML e APML do B 8 ; mas a luta armada foi ineficaz, e a esquerda católica parece ter passado a orientar-se pelos princípios de Antonio Gramsci, fundador do PCI 9 e tido como o maior ideólogo comunista depois de Lênin; trata-se da “Guerra de Posições” 10 e a “Guerra de Movimentos” 11 ; e c) As organizações trotskista e muitos militantes ou ex-militantes de outros grupos de esquerda, adeptos ou não da luta armada, ex-exilados ou não. É sobre esse segmento que pretendo aprofundar minhas reflexões, mais adiante. Progressivamente, o PT atraiu outras correntes, tais como, dentre outras de longa listagem: a) A dos intelectuais e artistas de esquerda, resolutos marxista-leninista 12 , 1 In gilferreira.blogspot.com.br/2009/10/o-pt-e-o-Trotskismo.html. 2 Sigla de Partido dos Trabalhadores. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores e www.pt.org.br/. 3 Sigla de Comando Geral dos Trabalhadores. In 4 Sigla de Partido Comunista Brasileiro. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Brasileiro. 5 Sigla de Comunidades Eclesiais de Base. In pt.wikipedia.org/wiki/Comunidades_Eclesiais_de_Base. 6 Sigla de Ação Católica. In pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Cat%C3%B3lica_Brasileira. 7 Siglas respectivamente de: Juventude Estudantil Católica, Juventude Operária Católica e Juventude Universitária Católica (pt.wikipedia.org/wiki/Juventude_Universit%C3%A1ria_Cat%C3%B3lica). 8 Respectivamente siglas de: Ação Popular (pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Popular_ %28esquerda_crist%C3%A3%29); Ação Popular Marxista-Leninista (www.espacoacademico.com.br/025/25ckuperman.htm); e, Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil. A APML, dissolvida em 1981, era herdeira da antiga AP, organização de base ideológica católica fundada em 1963. Ainda nos anos 1960, dividida entre a influência revolucionária cubana e chinesa, a AP sofreu seu 1º racha. Em 1971, a maioria que permaneceu na organização, então decidida pelo Maoísmo, mudou seu nome para APML. Dois anos depois, com o apoio da China, a APML optou pela sua dissolução no interior do PCdoB, alinhado ao regime de Mao Tsé-tung e reconhecido por ela como o verdadeiro partido da vanguarda proletária. A minoria contrária à dissolução manteve a organização, porém, com a intensa repressão da ditadura, a APML praticamente desapareceu. Os membros da sua Direção Nacional foram enviados para o exílio, onde, em conjunto com o MR-8 e a ORM-POLOP, editaram a revista “Brasil Socialista”. Daí porque, nessa fase, ficou conhecida também pelo nome de AP Socialista. Na 2ª metade dos anos 1970, a APML - ou AP Socialista - passou por uma revisão do Maoísmo, definitivamente abandonado como perspectiva teórica. Há uma certa confusão de siglas feita pela literatura e por militantes de esquerda em relação à AP, já que a APML é, muitas vezes, chamada simplesmente de AP, embora esse nome tenha sido usado somente até 1971. 9 Sigla de Partido Comunista Italiano. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Italiano. 10 Ou seja, infiltrar-se no maior nº possível de agrupamentos sociais: sindicatos, escolas, partidos políticos, fábricas, associações de bairros etc. - organizá-los e doutriná-los para a causa comunista. In www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=643. 11 Isto é, mobilizar essa massa humana, estruturada em setores municipais, estaduais e federal, com reivindicações progressivas, contra o “governo burguês”, enfraquecendo-o até derrubá-lo. In www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=643 12 Até pelo medo do “patrulhamento ideológico”, que exclui da ribalta os “não-esquerdistas”.

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Page 1: O PT e o trotskismo

O PT e o Trotskismo1

O PT2 foi fundado em 1980, mas sua concepção é bem anterior e começou a tomar forma ao final dos anos 70, especialmente em 1979, após a Anistia, quando do retorno ao Brasil de vários ex-integrantes de organizações revolucionárias de esquerda. Pode-se dizer que, originalmente, 3 grandes correntes promoveram a criação do PT:

a) A sindicalista, nucleada na região do ABC, já muito forte à época; nesse particular, recorde-se que o sindicalismo “agressivo” estava praticamente paralisado desde 1964, quando da extinção do CGT3, dirigido por Hércules Corrêa e vinculado ao PCB4 de Luiz Carlos Prestes, mas retomara sua força, principalmente a partir de 1978, quando ocorreu a greve da Scania-Vabis, supostamente a 1ª desde a edição do AI-5, em 1968;b) O chamado clero progressista, que, dominando a maior parte das CEB5, permitiria a difusão, por praticamente todo o território nacional, do ideário petista; recorde-se que a esquerda clerical, nos anos 1950-60, tivera anteparo na AC6, que atuava por meio das JEC/JOC/JUC7, mas logo aderiu ao “revolucionarismo” tendo mudado seu nome sucessivamente para AP, APML e APML do B8; mas a luta armada foi ineficaz, e a esquerda católica parece ter passado a orientar-se pelos princípios de Antonio Gramsci, fundador do PCI9 e tido como o maior ideólogo comunista depois de Lênin; trata-se da “Guerra de Posições”10 e a “Guerra de Movimentos”11; ec) As organizações trotskista e muitos militantes ou ex-militantes de outros grupos de esquerda, adeptos ou não da luta armada, ex-exilados ou não. É sobre esse segmento que pretendo aprofundar minhas reflexões, mais adiante.

Progressivamente, o PT atraiu outras correntes, tais como, dentre outras de longa listagem:

a) A dos intelectuais e artistas de esquerda, resolutos marxista-leninista12, viram no PT o molde do eterno sonho comunista: o “partido de massas” capaz de dirigir uma revolução que implantasse a ditadura do proletariado; a presença desse segmento, se, por um lado, de certa forma contradizia a imagem que os fundadores do PT queriam manter, de um partido “exclusivo de trabalhadores”, ou “sem patrões”, porém, acrescia maior peso ao PT, por serem figuras conhecidas e respeitadas socialmente por seu saber e/ou mestria artística aderiam aquela plataforma política;b) Consideráveis parcelas do movimento no ensino, com seus ramos estudantil13 de professores, principalmente universitários (Sindicatos, Associações), e de funcionários de estabelecimentos de ensino; ec) Funcionalismo público federal, estadual e municipal, por perceber corretamente que o PT, chegando ao poder, ampliaria sobremaneira a presença do Estado em todos os níveis da administração pública, garantindo assim o “status quo” e cada vez mais privilégios para esse segmento, avesso aos riscos da iniciativa privada.

Analisando a trajetória do PT no poder, entre 2002 - 1ª eleição de Lula - e hoje, concluí-se que essas correntes continuam muito atuantes, e outras foram cooptadas:

a) O sindicalismo aparelha toda a máquina administrativa do Estado;b) O clero progressista prossegue ativo, como se tem podido notar nos cada vez mais freqüentes conflitos sociais, como os promovidos pelo MST e os relativos a questões indígenas;c) Notáveis parcelas da intelectualidade e da classe artística claramente aderem ao PT sempre que podem;d) A presença do PT no meio de ensino, entre estudantes, professores e funcionários dispensa comentários;e) O funcionalismo público foi aquinhoado com um aumento brutal de cargos - a maioria de confiança e de elevada remuneração - que cada vez mais onera o orçamento da União; ef) Cooptaram-se para a esfera de influência do PT outros grupos sociais não originariamente integrantes do mesmo, mas de grande peso social: de um lado, por meio dos demagógicos programas sociais tipo Bolsa-Família, a população de baixa renda, que representa um número incalculável de votos; de outro, pelo tradicional “é-dando-que-

1 In gilferreira.blogspot.com.br/2009/10/o-pt-e-o-Trotskismo.html.2 Sigla de Partido dos Trabalhadores. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores e www.pt.org.br/.3 Sigla de Comando Geral dos Trabalhadores. In 4 Sigla de Partido Comunista Brasileiro. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Brasileiro.5 Sigla de Comunidades Eclesiais de Base. In pt.wikipedia.org/wiki/Comunidades_Eclesiais_de_Base.6 Sigla de Ação Católica. In pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Cat%C3%B3lica_Brasileira.7 Siglas respectivamente de: Juventude Estudantil Católica, Juventude Operária Católica e Juventude Universitária Católica (pt.wikipedia.org/wiki/Juventude_Universit%C3%A1ria_Cat%C3%B3lica).8 Respectivamente siglas de: Ação Popular (pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Popular_%28esquerda_crist%C3%A3%29); Ação Popular Marxista-Leninista (www.espacoacademico.com.br/025/25ckuperman.htm); e, Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil. A APML, dissolvida em 1981, era herdeira da antiga AP, organização de base ideológica católica fundada em 1963. Ainda nos anos 1960, dividida entre a influência revolucionária cubana e chinesa, a AP sofreu seu 1º racha. Em 1971, a maioria que permaneceu na organização, então decidida pelo Maoísmo, mudou seu nome para APML. Dois anos depois, com o apoio da China, a APML optou pela sua dissolução no interior do PCdoB, alinhado ao regime de Mao Tsé-tung e reconhecido por ela como o verdadeiro partido da vanguarda proletária. A minoria contrária à dissolução manteve a organização, porém, com a intensa repressão da ditadura, a APML praticamente desapareceu. Os membros da sua Direção Nacional foram enviados para o exílio, onde, em conjunto com o MR-8 e a ORM-POLOP, editaram a revista “Brasil Socialista”. Daí porque, nessa fase, ficou conhecida também pelo nome de AP Socialista. Na 2ª metade dos anos 1970, a APML - ou AP Socialista - passou por uma revisão do Maoísmo, definitivamente abandonado como perspectiva teórica. Há uma certa confusão de siglas feita pela literatura e por militantes de esquerda em relação à AP, já que a APML é, muitas vezes, chamada simplesmente de AP, embora esse nome tenha sido usado somente até 1971.9 Sigla de Partido Comunista Italiano. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Italiano.10 Ou seja, infiltrar-se no maior nº possível de agrupamentos sociais: sindicatos, escolas, partidos políticos, fábricas, associações de bairros etc. - organizá-los e doutriná-los para a causa comunista. In www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=643.11 Isto é, mobilizar essa massa humana, estruturada em setores municipais, estaduais e federal, com reivindicações progressivas, contra o “governo burguês”, enfraquecendo-o até derrubá-lo. In www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=64312 Até pelo medo do “patrulhamento ideológico”, que exclui da ribalta os “não-esquerdistas”.13 Referencia a União Nacional de Estudantes (UNE), Uniões Estaduais de Estudantes (UEE), Uniões Metropolitanas de Estudantes Secundaristas (UMES)

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se-recebe”, a classe política, hoje quase totalmente submissa a Lula, como se nota nos episódios de absolvição de Sarney, sanção de Toffoli para o STF, etc. Nunca antes na história do país, o funesto legado patrimonialista ibérico esteve tão exuberante, do Congresso Nacional às mais ignaras Câmaras de Vereadores, passando os demais Poderes.

4) Abordemos por fim a questão do pouco conhecido vírus trotskista, que infecta o PT desde seu nascedouro.

a) Leon Trotsky lutou junto a Lênin na Revolução Russa; fundou o Exército Vermelho e da III Internacional 14 (IC), com Lênin, e deveria sucedê-lo quando morreu, em 1924. Mas as manobras políticas levaram ao poder Stalin que comandou a URSS até sua morte, em 1953. Trotsky foi perseguido e exilou-se em Coyoacán (México), num bunker, no qual veio a ser morto, em 1940, por Jaime Ramón Mercader del Rio 15, a mando de Stalin. Mas, em 1938, fundou a IV Internacional, que tem como “bíblia” seu mais conhecido texto: o “Programa de Transição” 16. Quando do afastamento de Trotsky, em 1924, os PC's de todo o mundo - “Seções da III Internacional” - sofreram cisões: os adeptos de Trotsky se desfiliaram e criaram novas organizações, em geral chamadas de “Oposições de Esquerda”.b) Após a morte de Trotsky, a luta por sua sucessão foi grande. No inicio a IV Internacional foi liderada por “Michel Pablo”17, mas logo após começou a cindir-se em diferentes centros irradiadores, aos quais os adeptos de Trotsky foram se ligando de modo mais variado, num grande número de países. Note-se que até hoje o Trotskismo ainda não assumiu o poder em um país específico, como ocorreu com o Comunismo soviético e o chinês, dentre outros.

Um dos mais basilares princípios do Trotskismo é o Internacionalismo Proletário. Todas as organizações trotskistas se dedicam com afinco à manutenção de laços com suas congêneres, no maior número possível de países. São também muito mais atuantes em ambiente urbano do que no campo. Observe-se, nesse particular, que o MST, atuante no meio rural, é muito mais “maoísta”, como seu similar peruano “Sendero Luminoso”, do que trotskista. Mas para o comando do PT, não importa muito a “linha” a que esses militantes mais aguerridos se filiem, e sim a eficácia de suas ações em prol da causa comunista.

Na América Latina (AL), presentemente, vemos estabelecer-se pari passu uma forma de internacionalismo de esquerda. Como nos anos 60, origina-se de Cuba18. A pátria de Fidel, porém, permanece, desta vez, nos bastidores, lançando ao proscênio seu títere venezuelano Hugo Chaves. Este, discípulo aplicado dos ideólogos cubanos, já arrastou para a senda do chamado “Bolivarianismo”19 - um neocomunismo latino-americano - a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Corrêa, o Paraguai de Fernando Lugo, o Uruguai de Tabaré Vasquez... quem mais? E vem se esforçando ao máximo - “os fins justificam os meios” - para fazer o mesmo com Honduras... com a ajuda do Brasil.

O Bolivarianismo não é oficialmente trotskista, mas com certeza provê a infraestrutura ideal para que este, eventualmente chegando ao poder, assente com mais facilidade e profundidade suas raízes. Basta que o governo de um país influente da região seja conquistado pelos seguidores de Leon Trotsky...

No Brasil, por não haver, desde 2002, “governo burguês” a ser derrubado, a “Guerra de Posições “ passou a ser conduzida pelo próprio poder instituído, com um novo propósito: cooptar a maior parte possível da população para sua causa. Analogamente, a “Guerra de Movimentos” não se define mais por mobilizações contra o governo: ela é conduzida por facções aparentemente sem vínculo com o poder (como o MST) contra setores ainda “reacionários”20.

Dentro dessa ordem de idéias, a oposição foi silenciada pelas trocas de favores; o Congresso, desmoralizado em episódios de triste memória, até hoje mal resolvidos; o STF, aparentemente cooptada; as FFAA, alijadas do poder e afastadas das grandes decisões políticas; o Itamaraty, instrumentalizado; a Administração Pública, como já dito, integralmente aparelhada por sindicalistas; a população, desarmada e anestesiada com benesses demagógicas; a imprensa, embora tendo sobrevivido a várias tentativas de controle e censura, ainda está no limiar da perda de sua independência - haja vista o episódio “Estadão” x “Clã Sarney” -; a harmonia social, fraturada pela introdução de critérios racialistas em múltiplas atividades humanas; a integridade territorial, ameaçada pelas demarcações de terras indígenas; o direito de propriedade, questionado pelo MST; a soberania nacional, solapada nos episódios da refinaria da Petrobrás desapropriada na Bolívia; da empresa Odebrecht, interpelada no Equador; do questionamento das tarifas de Itaipu, no Paraguai; e da prostituição de nossa embaixada, em Honduras.

Por fim, as investidas no sentido de perpetuar o Petismo no poder estão aí à vista de todos, e, se não forem efetuadas por “golpe branco”21 certamente hão de sê-lo pela anuência e a leniência da sociedade, atulhada progressivamente com factóides cada vez mais sedutores, como o Pré-Sal e as Olimpíadas de 2016. Ou seja, conquistam-se, aqui e agora, dividendos políticos concretos, pela oferta, como se fossem reais, de abstrações cuja materialização só se constatará num ainda muito distante amanhã; quando a memória já se terá esvaído e as hipóteses de responsabilização por eventuais insucessos... fatalmente esquecidas.

Em outras palavras, o Brasil parece ser um forte candidato a entrar nesse anacrônico clube do Bolivarianismo; mas se fizer por meio do PT, será lícito supor, em face do descrito até agora, que possamos nos tornar o 1º país trotskista da história do mundo. Note que as agressões à soberania citadas linhas atrás foram toleradas, precisamente, em nome do “Internacionalismo”.

O mundo civilizado, em 09/11/1989 ao derrubar o Muro de Berlim, lançou o Comunismo ao lixo da História um marco que no Brasil e várias outras nações parecem não ter visto. E poucos meses depois, em 1990, em São Paulo, reuniram-se os partidos de esquerda latino-americanos, órfãos de Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Gramsci, Mao, Fidel, Che e tantos outros, sob a égide do PT e ao lado de organizações como as FARC e o Sendero Luminoso, para criarem o Foro de São Paulo. Embora hoje, a Quarta pareça estar alcançando sua hora e vez, ao menos no Brasil.

14 In pt.wikipedia.org/wiki/Internacional_Comunista.15 Um espanhol recrutado pelo serviço secreto russo.16 Veja o Anexo V. In Trotsky, Leon (1989). Programa de transição [1938]. São Paulo: Informação.17 Pseudonimo do grego Michel Raptis. In pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Pablo.18 Vide a Conferência Tricontinental de Havana, de 1966 que criou a OSPAAAL (Organização de Solidariedade aos Povos da África, Ásia e América Latina) e a OLAS (Organização Latino Americana de Solidariedade), que fomentaram guerrilhas comunistas em dúzias de países.19 In pt.wikipedia.org/wiki/Bolivarianismo; pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Bolivariana; e pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_do_s%C3%A9culo_XXI.20 Tal como os produtores rurais, que, se não podem ser cooptados, têm de ser neutralizados.21 Por exemplo: referendos de imparcialidade discutível, como em alguns países vizinhos.

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Compreende-se que os comunistas não esmoreçam na busca dos ideais em que acreditam. Afinal, “podemos confiar nos comunistas - eles são comunistas, mesmo!” - como dizia Frederick Charles Schwarz, criador da “Cruzada Cristã Anticomunista”, em seu livro de 1960 “You can trust the communists (to be communists)”. O que não se entende é o fato dos autênticos democratas, quando no poder, não percebem que os comunistas reivindicam deles, hoje, em nome de princípios democráticos, aquilo que, tomando o poder, negarão aos democratas, em nome dos princípios comunistas. Á época da fundação do PT, atuavam no Brasil e se encastelavam no PT, veja o texto na sequencia.

O Partido dos Trabalhadores (PT) durante a década de 198022

Introdução

Neste breve trabalho buscamos analisar elementos da história da construção do PT, para isso buscamos resgatar algumas das principais correntes políticas e sociais que compuseram o partido desde sua fundação. Considerando o programa de tais correntes, buscamos compreender as principais orientações do partido, e assim as correntes que exerceram hegemonia nos rumos do mesmo. A base que dá sustentação para a fundação do partido é sem dúvida os operários e operárias do ABC paulista que estava rebelado em greves massivas desencadeadas pelos mesmos durante os anos 1978, 1979 e 1980 23. Mas entre os grupos organizados tem peso de direção o grupo denominado de “sindicalistas autênticos”, setores da Igreja Católica, correntes oriundas da luta armada e, ainda correntes de inspiração trotskista. A conjuntura brasileira ganha ainda mais relevo se considerada o cenário internacional, onde além de greves, eclodiam as revoluções na Nicarágua, Irã e Polônia.

A partir destes destacamos que no Brasil, as principais direções do movimento grevista vão travar intenso esforço para que o movimento operário (MO) limite-se as determinações institucionais. Assim, da mesma forma como agirá em relação ao ascenso do operariado do ABC, da CUT e com todo protagonismo do MO na década de 1980, combatendo e buscando minar as tendência manifestas de independência de classe que podiam impor uma crise aguda à ordem burguesa, também na construção do PT, o grupo dos autênticos, emergido como “Articulação dos 113”, agirá como um freio para a impor o controle das massas proletárias que afluíram para o PT, impedindo-as de usá-lo como instrumento a serviço da derrubada da ditadura militar-burguesa, e após, também com os mesmo métodos, prevenindo a derrubada do governo Sarney. Assim, evidencia-se que a defesa da ordem democrática burguesa, patronal e de seus consortes predomina no Partido ainda na 1ª metade da década de 1980.

Bases sociais e direção política do PT

Em meio à eclosão das greves massivas dos operários e operárias do ABC, e frente à projeção nacional da figura de seus dirigentes, discutia-se a viabilidade da fundação de um novo partido político voltado aos interesses dos trabalhadores. “A radicalização das lutas sindicais que chega ao auge em 1978 empurra os grevistas à esfera política, daí a formação do PT com os inúmeros grupos que permeiam sua composição interna”24.

A partir de 1978 crescem as chances de criação de um partido que destoasse do programa do MDB e do ARENA. A opção do MDB por maior moderação nas eleições de 1970 torna mais coesa a organização de uma de suas

correntes, que era denominada de “autênticos do MDB”. O MDB era formado por um amplo leque de tendências sociais e políticas, como analisava a “Carta de Princípios do PT”, entre os militantes do MDB incluíam-se “industriais, operários, fazendeiros e os peões, comerciantes e comerciários”. Setores desta ala esquerda cogitarão a criação de um novo partido.

O PCB, PCdoB e MR-8 também compunham o MDB, e, quando este se converte em PMDB, estas correntes apoiarão a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, afastando-se de novo das massas trabalhadoras que apoiaram as “Diretas Já”, levando consigo o apoio do PT. Mas é nas bases do ABC que surge com grande força uma nova proposta partidária. Em meio às mobilizações de massa e as assembléias plebiscitárias de milhares de trabalhadores, um setor dos sindicalistas grevistas, que foram a direção política e tiveram grande relevo entre os grevistas, proprõe a criação do PT, entre eles: Lula, Jacó Bittar, Paulo Skromov e Wagner Benevides.

A proposta de criação de um PT é lançada 1 mês após o ciclo de greve de 1978 feito pelos operários do ABC. Segundo Berbel a proposta de criação do PT já fora lançada “pelo Pres. do SMABC25, Luis Inácio da Silva (Lula), 1 mês após a realização das primeiras greves em São Bernardo do Campo, em 1978”26. Tragtenberg frisa que a criação do PT não foi consensual entre as correntes políticas pois “o PT encontrou seus opositores nos setores mais burocratizados da chamada esquerda como o PCB, PCdoB, MR-8”27. Visando construir a transição pactuada estas correntes lutaram contra a criação do PT enquanto puderam.

Segundo Berbel, o PCB, desde o surgimento da proposta de fundação do PT, adota posição contrária a sua criação, chegando a participar de reuniões com intuito de boicotar e dificultar a possibilidade de construção do partido. Segundo Santana: “Coerente com sua política de frente contra a ditadura, organizada no MDB, o PCB buscará constantemente esvaziar o debate acerca do PT e indicar o caminho, a seu ver, mais correto”28.

Ao invés de apoiar a criação do PT, o PCB conclama a classe trabalhadora para que articule-se em apoio ao MDB. O PCB manterá esta posição em toda a década de 1980. Santana tratou da posição do PCB em 1978 em relação à formação do PT: “...o PCB conclamava o povo a votar no MDB nas eleições de novembro de 1978. Na lógica do Partido, como ficou explicito no pronunciamento da Comissão Executiva (CE) do Comitê Central (CC) do partido, publicado no Voz Operária n o 146, de maio de 1978, “todo voto atribuído ao MDB é um voto de oposição, de repúdio à continuação do arbítrio e, nesse sentido, é um voto válido

22 Autor: Alessandro de Moura. Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP-Marília.23 Apud Moura, A. O movimento operário no Brasil durante a década de 1980. In VIII Seminário do trabalho. 2012.24 In Tragtenberg, Mauricio.O dilema da estrela: branca ou vermelha. Jornal da Tarde, 17/12/1988.25 Sigla de Sindicato dos Metalúrgicos de ABC.26 In Berbel, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissert. de mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 1991, pp. 01.27 In Tragtenberg, Mauricio.O dilema da estrela: branca ou vermelha. Jornal da Tarde, 17/12/1988.28 In Santana, M. Corações partidos. Boitempo. 2001, pp. 199.

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e democrático”... assiná-la que, naquelas condições, seria equivocado precipitar a formação aberta de novos partidos, na medida em que isso enfraqueceria a unidade oposicionista representada pelo MDB e favoreceria as manobras diversionista do regime. O PCB indica, assim, qual deveria ser a postura não somente até as eleições, mas sim até o fim do regime”29.

Estas tendências e correntes políticas acabam por se organizar com as frações mais reformistas do MDB-PMDB. Por esse motivo, muitos de seus militantes rompem com este Partido e vão aderir à proposta de criação do PT. Em janeiro de 1979 foi proposta e aprovada a tese feita pelos Metalúrgicos de Santo André, ao IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado de São Paulo30, em Lins (SP). Este Congresso com milhares de delegados, representava 1 milhão de metalúrgicos e deixava claro que o partido que queriam construir baseava sua legitimidade em que tanto o programa como seu funcionamento deveriam ter o perfil classista dos trabalhadores e sem a ingerência dos patrões. Assim se votou pela 1ª vez a proposta do PT e constitui uma Comissão para integrar outros estados e avançar no debate do programa e dos estatutos31.

As greves de 1978-79-80 haviam atraído amplos setores sociais que apoiavam a luta operária. Além disso, antes mesmo de se firmar, como Movimento Pró-PT, setores do proletariado que compunham os núcleos de base do movimento faziam importantes ações de solidariedade às lutas operárias, ajudavam a organizar piquetes, greves, ocupações, arrecadação de alimentos, etc. Com isso cria-se relações orgânicas com a base proletária, parte deste apoio será usado para a construção do PT. Baseando-se nestes aspectos Berbel aponta que o Movimento Pró-PT cumpriu papel notável na organização das greves do ABC.

Diferente dos outros partidos, o PT esteve presente durante o movimento através da direção do sindicato e da organização desta solidariedade, sem, no entanto, em momento algum, procurar elaborar uma política para esta greve. Ainda que umbilicalmente envolvido, o PT não conseguiu desencadear um envolvimento mais consistente de solidariedade. Através de sua direção nacional, lançou-se a perspectiva de uma greve geral de solidariedade, que foi descartado imediatamente pelos dirigentes da “Unidade Sindical”32. Nenhuma proposta que unificasse todos aqueles que se manifestavam em solidariedade foi elaborada, procurando contornar os setores do movimento sindical que se colocavam em aberta divergência33.

Segundo a autora, a ação em apoio às greves do ABC foi protagonizada pelos militantes de base. A direção política do PT preocupada com o risco de afrontar as classes médias que apoiavam a construção do PT, e temendo a radicalização da base do PT opta por separar a luta política da luta sindical. Desta forma, conforme destaca Matos: “Já em 1980-81, em seu nascimento, o PT mostrava a quê veio quando se negava a colocar seu aparato a serviço das heróicas greves protagonizadas pelos operários do ABC, para não se contrapor à ditadura e ameaçar seu processo de “legalização”, como demonstram as declarações do próprio Lula na época. Desde o princípio o PT sempre se aliou aos setores burgueses que se encontravam no MDB, para impedir que o ascenso grevístico se chocasse diretamente contra o a ditadura e derrubasse de forma revolucionária o já podre regime de 1964”34.

As Comunidades Eclesiais de Bases (CEB's) na fundação do PT

As CEB's teriam grande peso na criação do PT, pois estes grupos se enraizaram nos mais diversos bairros proletários. No ABC forma-se uma relação de proximidade muito grande entre os militantes operários e suas famílias e as CEB's. Na greve de 1979 a Diocese Regional do ABC dirigida por D. Cláudio Hummes participa ativamente na arrecadação de alimentos para o fundo de greve, mas também serviu como espaço para realização de reuniões, plenárias e assembléia de trabalhadores.

Em principio, os militantes da CEB's não voltaram-se para o PT. Porém o surgimento do PT como “partido dos assalariados”, disputaria espaço com os núcleos de bairros e CEB's. O PT incorpora uma série de causas postas pelas CEB's. Com isso capta muitos dos militantes católicos. Segundo Berbel, as CEB's só se voltariam para o PT forma significativa em 198035.

Outras correntes no PT

O PST36, trotskista, de orientação morenista, em 1978 também discutia a necessidade de fundação de um partido. Criaram neste ano um movimento denominado “Convergência Socialista” (CS), em poucos meses reunira 800 militantes. Como vimos inicialmente, esta corrente vai tomar parte na fundação do PT desde os seus primeiros momentos. Esta vai ainda manter-se no PT durante toda a década de 1980, sendo expulsa em 1991.

Outra tendência que também comporia o PT seria a AP. Esta surge em 1962 da JUC, derivava das CEB's. A AP, a partir de 1963 aproxima-se do Stalinismo e passa a denominar-se marxista-leninista37. Em 1965, estreitando relações com Cuba, simpatiza-se pelo foquismo e decide-se pela luta armada. A partir de 1971 passa a denominar-se APML.

Segundo Gorender, a AP “foi convencida pala doutrinação chinesa da presença de sobrevivências de um suposto feudalismo na sociedade brasileira. Em decorrência, trocou-se a perspectiva da revolução socialista como tarefa do presente pela “Teoria da Revolução em 2 Etapas”. O que fez da revolução nacional e democrática a tarefa do presente” 38. Desta forma, a aproximação da maioria da APML evoluiu para idéia de fusão com o PCdoB. Para isso era necessário a “aceitação de sua legitimidade como único partido revolucionário da classe operária brasileira. A 1ª linha doutrinária: o Stalinismo irrestrito, que se tornou o universo ideológico comum de ambas as organizações”39. Em 1973 a maioria dos militantes da AP funde-se ao PCdoB.

29 In Santana, M. Corações partidos. Boitempo. 2001, pp.188.30 O IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado de São Paulo ocorreu entre os dias 22-26/01/1979.31 In Cadernos Estratégia Internacional Brasil. 1964-1980 - A classe operária na luta contra a ditadura. Edições Iskra. 2008, pp. 96. In www.ler-qi.org/IMG/pdf/Tesis_70.pdf.32 Dirigida pelo PCB, PCdoB e MR-8.33 In Berbel, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissert. de Mestr. FFLCH-USP. São Paulo. 1991, pp. 123.34 Ver Matos, D Origens, fundamentos e contradições do neoliberalismo petista. In Revista Estratégia Internacional Brasil I. São Paulo 2004. In www.ler-qi.org/spip.php?article433.35 In Berbel, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissert. de mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 1991.36 Sigla de Partido Socialista dos Trabalhadores. Antiga Liga Operária e atualmente compoem o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado)37 In Gorender, J. Combate nas trevas - a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. Editora Ática, SP, 1987 e in Berbel, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissert. de mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 1991.38 In Gorender, J. Combate nas trevas - a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. Editora Ática, SP, 1987, pp. 114.39 In Gorender, J. Combate nas trevas - a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. Editora Ática, SP, 1987, pp. 116.

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Outra corrente que aderiu ao PT foi a “Ala Vermelha”, uma corrente dissidente do PCdoB que também defendia a “Revolução por Etapas”, o “Socialismo num só país” e a “aliança com a burguesia nacional”. A Ala Vermelha, de inicio defendia a conciliação da “Guerra Popular Prolongada de Mao Tse-tung” e o “cercamento da cidade pelo campo”, com o Foquismo. Este afluxo de militantes oriundos das fileiras do Stalinismo para o PT exercerá influencia significativa nos rumos do partido.

Os militantes do POR(T)40, que orientavam-se a partir do referencial de J. Pousadas, também aderem ao PT onde fazem uma forma de “entrismo”41. Outra corrente que compôs o PT foi a corrente lambertista brasileira chamada “Organização Socialista Internacionalista” (OSI)42 e a corrente mandelista, a “Democracia Socialista” (ORM-DS). Dantas diz que estes grupos, mesmo pleiteando trotskista, acabaram adaptando à direção lulista e dos sindicalistas “autênticos”. Este processo de rendição aos caudilhos remonta aos desdobramentos do pós-Guerra, e ao chamado Trotskismo de Ialta, que marcam a fase em que a maioria das correntes trotskistas ajustaram-se a imediaticidade dos movimentos de massa43. O PCB também operou entrismo no PT44.

Por conta do ascenso de centenas de milhares de operários, trabalhadores e trabalhadoras das cidades e do campo, os dirigentes das greves do ABC e do Novo Sindicalismo foram postos no centro da cena política nacional, neste processo esta direção buscava isolar os setores julgados mais radicais. Segundo Bebel: “Tal experiência, permitiu à direção da greve ser o centro gravitacional de uma nova proposta partidária que atrairá diferentes setores da esquerda brasileira”45. As discussões entre as diversas tendências e correntes políticas, acerca do caráter que o partido deveria expressar, estende-se por pelo menos 2 anos.

Já em 1978, trechos da “Carta de Princípios” circulam na grande mídia. Porém, na prática, embora o texto repudie a composição política com setores burgueses, a ala majoritária da Direção do PT defendia a necessidade de aliança com setores do MDB para criação do PT. Centralmente, a ala lulista, referia-se ao setor do MDB composto pelos “autênticos do MDB”, mas este setor era dirigido justamente por setores da pequena burguesia radicalizada contra a ditadura militar-burguesa, e sendo incorporada, exercerá sempre importante peso na direção dos trabalhos partidário46. Desta forma,o PT será dirigido por uma burocracia que oscilava à esquerda em favor da pequena burguesia. Com a derrota das mobilizações operárias do ABC em 1980, somado aos novos ascensos da década de 1980, “Diretas Já” e o ascenso das greves do funcionalismo público, a correlação interna de forças no PT favorece ainda mais a hegemonia da pequena burguesia. Ou seja, mesmo sobre influencia de militantes socialistas, o partido não nasce como um partido marxista, socialista, com qualquer corte de partido revolucionário. Com tal composição inicial, o PT em sua origem configura-se como amorfo e indefinido, sendo que: “Tinha, por um lado, a marca da classe operária (que procurava se expressar politicamente) em luta contra a ditadura, mas também tinha a marca dos setores reformistas que buscavam um partido policlassista e o empurravam ao terreno da transição democrática. Isto ficou evidente na política do PT para as eleições de 1982 que tinha como palavra de ordem trabalhador vota em trabalhador. Isto é, uma política de classe, ainda que reformista que avalizava a armadilha eleitoral com a qual a ditadura se mascarava”47.

Em meio ao processo de fundação do PT, sob direção Lula e dos sindicalistas autênticos, buscava-se apartar o operariado mobilizado dos principais fóruns deliberativos do PT. Fixava-se a separação da luta sindical da luta política. Para a luta sindical, econômico-corporativa usava-se o sindicato do ABC e a CUT, para a luta política reformadora do Regime usa-se o PT. Segundo Matos, a separação entre as lutas econômicas e as lutas políticas seriam elementos típicos do “modo petista de militar”, segundo esta estratégia: “Aos sindicatos cabia lutar pelo emprego e salário; ao partido cabia a luta política. Esta separação foi justificada por inúmeros intelectuais e pelo próprio Lula como uma estratégia que se diferenciava tanto do Stalinismo como da Social Democracia e que deveria primar por um suposto “espontaneismo”, através do qual os trabalhadores e o próprio PT iriam chegar a posições sobre o Socialismo e outras questões ao sabor de suas lutas”48. Análise identica é feita também por José Carlos Brito, militante sindical e político na década de 80 quando diz que na época o sindicato era visto como uma organização que tinha por fim “proteger os metalúrgicos, que ingressavam num processo de declínio como categoria e como perspectiva de trabalho futuro, e o PT como organização política para atuar nos períodos eleitorais”. Assim, como efeito, para Brito

O partido político, criado dessa forma, acabou sendo um reflexo das limitações pelas quais o sindicato se estabeleceu como corporativista, transpondo a questão das datas-base para a reivindicação salarial, com possíveis greves ou não no sindicalismo, para aquilo que correspondia no partido a eleições - igualmente com data marcada -, sem que nesse intervalo se criassem ações permanentes de trabalho social, condição primordial para a organização do movimento social49.

Com o refluxo da luta sindical entre os anos 1980-82, causado pela derrota da greve de 1980, a direção da greve fica “liberada” para fixar-se no direcionamento da organização do PT, podendo fazê-lo com o mínimo de intervenções da base operária radicalizada. Tem-se nesse momento condições para consolidação da burocracia sindical na formação da “Articulação dos 113”, que seria o núcleo diretivo do PT. A mesma direção política do Sindicato do ABC torna a principal direção do PT. Esta já se fazia maioria no dia 10/02/1980 quando funda-se oficialmente o PT no Colégio Sion de São Paulo. Na fundação do PT, sob hegemonia dos “autênticos”, reafirma-se o caráter burocrático-administrativo do PT, sua estruturação impede que surjam mecanismos que permitam ao grande contingente de proletários de sua base se pronunciem. Desta forma, conforme analisa Matos, a formação do

40 Sigla de Partido Operário Revolucionário Trotskista.41 Nesta forma de incorporação o militante de um partido entra em outro para receber informações estratégicas, ocupar posição de Direção, influenciar nos rumos do partido com propostas e construir base no partido que está sofrendo entrismo.42 Também conhecida como Libelu (sigla de “Liberdade e Luta”) que se converteria na corrente “O Trabalho”, ainda hoje no PT.43 Ver Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010, pp. 20.44 Ver Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.45 In Berbel, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissert. de mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 1991, pp. 2.46 Ver Coggiola, O. Sobre as origens do PT: uma anti-história. In Revista Contra a Corrente - Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. n. 4. DF. 2010; e, também: Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.47 In Cadernos Estratégia Internacional Brasil. 1964-1980. A classe operária na luta contra a ditadura. Edições Iskra. 2008, pp. 96. In www.ler-qi.org/IMG/pdf/Tesis_70.pdf.48 Ver Matos, D. Brasil: qual “projeto de país”? - entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. In Revista Estratégia Internacional Brasil V. São Paulo 2011, pp. 140.49 In Tragtenberg, Uma Vida para as Ciências Humanas. Editora Unesp, pp. 317.

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PT expressava caráter ambíguo, pois ao mesmo tempo em que expressava importante influência classista de dezenas de milhares de trabalhadores sobre os rumos e determinações políticas do país, a consolidação do PT como partido também teria sido uma forma de expressão do desvio deste processo. Ainda, segundo o autor: “essa ambigüidade, justamente pela ausência de uma clara estratégia revolucionária, assentou as bases para a posterior integração do PT ao regime democrático burguês”50.

Em todo o processo que levará a consolidação do PT, fortalece-se cada vez mais uma burocracia partidária nucleada pelos “autênticos” e pela pequena burguesia, que visavam marcar e isolar as alas mais progressivas e afastar-se da base radicalizada. A Direção do PT para decidir sobre suas ações, a cada passo, fazia-o em separado, longe de qualquer mecanismo de intervenção de suas bases. Porisso Dantas diz que os trabalhadores nunca controlaram o PT que estavam criando, segundo o autor: “O PT nasceu de uma proposta do movimento sindical51, mas este influxo não tomou forma democrática na Direção do PT, desde o inicio centralizado nas mãos da direção dos sindicalistas “autênticos” e de Lula52. Consolida-se, a cada passo, como um partido que lutaria por reformas no sistema social capitalista. Segundo Tragtenberg, já em Boletim do PT de 1981 dizia-se: “Se você é trabalhador e acha que a situação não está boa; se você quer que o Brasil seja um país onde todos tenham garantia de emprego e um salário digno; se você quer um serviço de atendimento médico e ensino de boa qualidade e inteiramente gratuito; se você entende que o preço dos aluguéis é muito elevado e que os impostos são um roubo contra o trabalhador contribuinte; se você quer ter o direito de se organizar num sindicato independente e que lute pelos seus direitos; se você acha que os trabalhadores rurais devem ter a terra que necessitam para plantar; e, enfim, se você acha que está tudo errado e que o Brasil precisa ser governado de uma maneira justa e honesta, venha então somar forças conosco e construir o PT”53.

Entre para o PT e governe o Brasil

Porém, amparado sobre o MO que procurava por uma organização combativa que representasse seus interesses, os sindicalistas, trabalhadores de base e setores da intelectualidade encontraram terreno fértil e apoio massivo para a construção do PT. Embora proclame-se algo novo no cenário político-partidário brasileiro, para sua constituição haverá fusões, bem como incorporações programáticas e acolhimento inclusive com setores do PCB, PCdoB e MR-8.

A estratégia de organização política e de luta da Articulação (ART) receberá influência direta dos setores vindos do Stalinismo. Como frisa Ozaí da Silva, a ART abrigará militantes, teóricos, dirigentes políticos e sindicais que haviam rompido com o PCB, como já tinham alto nível de experiência militante e organizativa, foi viável a estes obterem importantes posições de direção do PT: “Esses quadros são originários do PCB e PCdoB e das suas cisões. Suas referências ideológicas são: a Revolução Cubana, a China e, em certa medida, outros países no Leste Europeu, como a ex-Alemanha Oriental. Formados prevalecentemente no caldo cultural stalinista, romperam com o reformismo e a teoria da revolução por etapas e, em sua maioria, cingiram, desde o início, o projeto de construção do PT como partido estratégico54. Os laços com Cuba levaram à identificação de parcela destes marxistas com o Castrismo. Seria este o núcleo dirigente da ART? De fato, parte expressiva dos quadros que organizam a ART provém da experiência da luta armada, em especial dos setores ligados à ALN. Por isso, criou-se a idéia da existência de um grupo castrista organicamente estruturado no interior da ART. Mas, além desses, há outros militantes formados em outras vertentes da tradição marxista: Eder Sader e Marco Aurélio Garcia (POLOP), Luiz Gushiken e Vito Letizia (de formação trotskista) etc”55.

Embora o PT nasça criticando o “Socialismo” antidemocrático, manterá intensas relações com seus representantes diretos. De acordo com Ozaí da Silva além da influência estratégica no PT, seus dirigentes têm relações amistosas com as burocracias de corte stalinista. Analisa que o PT: “... manteve relações incestuosas com a burocracia governante e dirigente dos PC's do Leste e cultuou o PC Cubano e sua liderança, apoiando-os acriticamente. Com efeito, várias delegações petistas são enviadas para fazerem cursos de Marxismo na Alemanha Oriental, cujo partido governante já foi chamado de partido irmão. Um dos grupos de petistas que viaja a esse país, para aprofundar sua formação política, vê-se em situação constrangedora diante dos protestos populares bem diante da sede do Partido onde aprendiam o “Marxismo real”. As dezenas de militantes, selecionados por vínculos políticos e pessoais, que vão aprender Marxismo na pátria de Marx são quadros políticos vinculados à corrente majoritária. Para muitos é a 1ª experiência internacionalista e/ou a 1ª oportunidade de aprofundamento dos rudimentos teóricos que tinham adquirido nos embates concretos e nos cursos ministrados no Instituto Cajamar56. Nas salas de aula da ex-RDA, esses quadros políticos - os futuros formadores da base da ART - aprendem um Marxismo que, como testemunha Frei Betto, “em nome da mais revolucionária das teorias políticas surgidas, na história, ensinava-se a não pensar”. Nesse país, os nativos são obrigados a aprender a língua russa, tinham uma formação manualesca e assimilavam a história do processo revolucionário na Rússia pela leitura mecanicista da “História do Partido da União Soviética”, publicada por Stalin em 1938”57.

Sob influência direta da “teoria da revolução por etapas”, buscarão lutar primeiramente pela chegada aos cargos do Estado burguês para atingir a modernização do capitalismo brasileiro. Apenas em uma faze posterior é que se poderia discutir efetivamente o socialismo. Também Álvaro Bianchi, afirma que pelo menos desde 1985, já se expressavam elementos programáticos oriundos do PCB na Direção do PT. O partido passa a ser apresentado como uma “alternativa democrática e popular”. De acordo com o autor, o 5º Encontro do PT realizado em 1987, reafirmaria elementos da estratégia do PCB no interior do PT. Mesmo que com diferenças, a Direção do PT também orientará os militantes e base de apoio para que trabalhassem primeiramente, em conjunto com setores da burguesia, pelo estabelecimento da democracia burguesa. Desta forma, podemos dizer

50 Ver Matos, D. Brasil: qual “projeto de país”? - entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. In Revista Estratégia Internacional Brasil V. São Paulo 2011, pp. 139.51 Referencia ao Sindicato dos Metalúrgicos de S. André.52 Ver Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010, pp. 19.53 In Tragtenberg, Mauricio.O dilema da estrela: branca ou vermelha. Jornal da Tarde, 17/12/1988.54 Isto é, inclusive como fundadores da ART.55 In Silva, A. O. Trabalho e Política - Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores (Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação - PT). Revista Espaço acadêmico. (2003), pp. 3.56 Instituto Cajamar se tornou o centro, por excelência, de formação política da ART57 In Silva, A. O. Trabalho e Política - Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores (Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação - PT). Revista Espaço acadêmico. (2003), pp. 09-10.

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que o PT seria a maior tendência política organizada na luta pelo pacto social de transição negociada em prol de setores da burguesia. A confluência entre os setores reformistas, oriundos sobre tudo das direções das greves do ABC, com a visão do PCB de aliança com setores progressista da burguesia, é reafirmada por meio das resoluções políticas do 5º Encontro Nacional do PT58.

No entanto, para construir a via do pacto social, a ART se via obrigada a combater permanentemente as alas mais radicalizadas dos militantes do PT. A ART luta durante anos a fio para isolar os grupos a sua esquerda, sobretudo os setores combativos oriundos das greves e os trotskistas, tratava-se de buscar manter a hegemonia da ART no PT. Assim, Silva 59 diz que mesmo o PT convivendo com diversas tendências internas, será a ART que fará as delimitações políticas e programáticas do PT.

Tendência majoritária, a ART é a face do PT. Sua política, suas teses, sua prática social e partidária dão o tom ao partido. Detentora do controle da Direção partidária, com o domínio da máquina burocrática, a maioria dos parlamentares e dos prefeitos, a ART é a principal responsável pela práxis petista, por suas formulações estratégicas, concepção de socialismo e modelo de partido. Não é exagero dizer que a evolução do PT se confunde com sua trajetória. Essa influência política determinante tem raízes na própria constituição do PT. O elemento essencial para a formação do PT foi a participação dos sindicalistas. Com efeito, os dirigentes sindicais expressam um dos pilares de sustentação do PT, que lhe dá um caráter de massa. O prestígio dos sindicalistas reflete essa relação - principalmente pelo carisma de lideranças como Lula. Essa base sindical é constituída por diferentes categorias e setores econômicos - com destaque para os metalúrgicos do ABCD. A militância da CPT 60 e a atuação do MST61, também contribuíram para o crescimento e a consolidação do PT no meio rural. No III CONCUT, 94,1% dos delegados rurais declararam preferência pelo PT. A ART é a principal porta de entrada para o novo contingente de trabalhadores que desperta para a luta política e para muitos dos que decidem assumir a militância partidária.

A negação da realização de Congressos do PT, durante toda a década de 80, é a expressão da cisão operada entre as demandas históricas e sociais bases e as instâncias de decisões do PT. Como recorda Coggiola, o I Congresso Nacional do PT só ocorre em 1991, quase 12 anos depois do lançamento de sua proposta de fundação. A Direção do PT mantinha a preocupação de anunciar demandas do proletariado, como forma de sustentar seu apoio à direção lulista, em uma política pendular, busca conciliar elementos parciais e imediatos das pautas do MO com as demandas da pequena burguesia. Desta forma o PT punha-se como partido do “entendimento”. Por isso, Coggiola62 define o PT como um partido “centrista pequeno burguês”, que oscilava entre os interesses da pequena burguesia, que o dirigia, e parte das demandas mais candente do proletariado que compunha sua base.

Segundo Coggiola63 e Dantas64, mesmo o PT sendo apoiado sobre uma base eminentemente proletária, articulado algumas de suas principais demanda imediatas, sua direção, exercida centralmente pelos sindicalistas autênticos, dirigia o partido fugindo do controle de sua base. A direção gozava de certo descolamento destas. Não haviam mecanismos que permitissem à base conduzir o partido. Com isso “O PT das origens não eclodiu e nem se estruturou sob controle dos trabalhadores combativos”65.

Acobertado tais aspectos, em meio a um novo período de ascenso da luta de classes ocorrido entre 1983-88, as adesões ao PT ampliavam-se, mas o mecanismo de Direção continuava concentrado nas mãos de uma burocracia partidária. A proposta de um “Partido dos Trabalhadores” atraia cada vez mais aderentes, ao mesmo tempo deixava-se intocado o caráter da Direção. A hegemonia sobre os rumos do PT permanecia sob orientação dos “Autênticos”. Mesmo ampliando a base de apoio, a Direção do PT ainda toma as decisões em separado destas bases, com isso o projeto de Partido de Lula e dos sindicalistas autênticos e da pequena burguesia que compõem o PT mantém-se intocável. Para Coggiola, a base do PT era proletária, mas a Direção configurou-se como pequeno-burguesa. As várias forças políticas que integraram o PT não foram capazes de travar a luta exigida para mudar este mecanismo. De acordo com Matos66, composto por uma série de correntes o PT era marcado por constantes atritos entre suas 2 estratégias principais, o classismo proveniente de suas bases, e o reformismo-eleitoreiro da Direção petista. Estas estratégias conviviam em intensa disputa, que acabava por fixar ambigüidades nas Resoluções e atuações do PT.

Em boa parte dos anos 1980, o PT esteve marcado pelas tensões entre o que trazia de classismo resultante do ascenso operário e a marca crescente da estratégia reformista/eleitoralista, dando expressões contraditórias para seu ajuste ao regime, mesmo que sua evolução de conjunto apontava para completa integração que ocorreria anos depois. Assim, entende-se como o PT, ao mesmo tempo em que não foi um dos assinantes da lei da Anistia, tornou-se como um fiador dela. Apesar de não ter defendido o voto indireto para a presidência em 1984, fixou as bases para esse pacto conforme se diluia em um movimento policlassista que defendia as “Diretas Já” pela via institucional e impediu que a CUT cumprisse sua resolução de greve geral para impor eleições livres pela ação direta das massas. O PT não assinou a Constituição de 1988, mas apóss se tornou defensor da mesma, sem, contudo, usar os métodos da luta de classes para ôpor aos ataques neoliberais que eram feitos contra ela. Para minar as contradições emanadas de sua origem, a direção majoritária do PT, conforme cumpria um papel decisivo no desvio do ascenso, privando-o politicamente em beneficio de situar-se como “ala esquerda” do regime democrático burguês que surgia, destruía os elementos de democracia operária que se mostravam tanto nos núcleos de base do PT como na estrutura organizativa do PT.

A delimitação política e programática do PT

Inicialmente este era definido como um partido de frente única contra a ditadura. A Direção do PT optou por não se

58 In Bianchi, A. Do PCB ao PT: continuidades e rupturas na esquerda brasileira. In Marxismo Vivo. Dezembro de 2001. pp. 106-116.59 In Silva, A. O. Trabalho e Política - Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores (Uma análise das origens e evolução da Tendência Articulação - PT). Revista Espaço acadêmico. (2003).60 Sigla de Comissão Pastoral da Terra.61 Sigla de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.62 Apud Coggiola, O. Sobre as origens do PT: uma anti-história. In Revista Contra a Corrente - Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.63 Apud Coggiola, O. Sobre as origens do PT: uma anti-história. In Revista Contra a Corrente - Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.64 Apud Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.65 Apud Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.66 Ver Matos, D. Brasil: qual “projeto de país”? - entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. In Revista Estratégia Internacional Brasil V. São Paulo 2011.

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definir como socialista, alegando que suas bases não eram socialistas. Desde a construção inicial do PT, o grupo de Lula e dos “sindicalistas autênticos” (ART), não buscou incorporar de forma transitória as demandas imediatas e mediatas dos despossuídos de meios de produção. Em nenhum momento contrapôs os latifundiários à coletivização das terras, o trabalhador aos industriais e assim a coletivização dos meios de produção. Nunca pensou em dissolução da estruturação política institucional do país, como dissolução do Congresso, etc. Pelo contrário, a ART combatia o tempo todo as propostas das frações mais a esquerda expressas dentro do PT. Chegando inclusive a expulsar militantes que defendiam o Marxismo Revolucionário67.

Em 1990 expulsa do seu interior a tendência “Causa Operária” (CS), que deu origem ao Partido da Causa Operária (PCO), em 1991 expulsa a CS, que daria origem ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Gadotti e Pereira atestam o esforço de Lula para reprovar e isolar as demandas e propostas defendidas por militantes combativos: “Eu entendo - declarou [Lula] à revista Isto É de 20/02/1980 - que estes grupos radicais têm que evoluir politicamente até o ponto de entender que propostas políticas radicais não têm vez no meio da classe trabalhadora...”68

Para a ala representada por Lula no PT, tratava-se de lutar pela mudança do Governo Militar e não pela ruptura com a ordem capitalista. O PT, mesmo proclamando que não aceitariam o patronato e a burguesia no partido, considerava que a aliança com setores da burguesia, supostamente “progressistas”, como indispensável, por isso não recusam apoio de setores do PMDB.

O debate que predominou no PT foi a de priorizar a luta imediata, a pauta do dia, ou seja, a luta contra a ditadura e pela democracia burguesa. Mesmo no que tange a luta contra a ditadura o PT expressa limites claros, pois, tal como os stalinistas do PCB, PCdoB e MR-8, acabou apoiando a transição pactuada. O PT foi um fiador da “Anistia Ampla e Irrestrita”, que incluia os agentes da ditadura militar-burguesa que torturaram e assassinaram militantes, sindicalistas, socialistas e demais lutadores sociais69. Assim, Matos analisa que a ala majoritária do PT acabou “legitimando pela esquerda” o pacto de transição “lenta, gradual e segura” do regime militar para a “democracia” burguesa, ajudando a preservar as instituições repressivas que se forjaram nos “anos de chumbo” por liderar a luta por uma verdadeira comissão independente de verdade e justiça70.

Esta saída pactuada impediu a derrubada do regime militar-burguês e da base que lhe garantia sustentação: a burguesia e o patronato. Impediu assim o MO de trilhar um desenvolvimento autônomo em relação às classes dominantes e seus consortes, esta opção levou ao progressivo fortalecimento das classes dominantes brasileiras. A burguesia e o patronato, em busca da conservação hierárquica de classes, seriam agora os condutores do proletariado impedindo que os trabalhadores se articulassem como classe revolucionária contra a estruturação secular que os subsume. A burguesia e o patronato agem novamente como forma de dissolver a organização da classe operária, os sindicatos continuaram sendo interditados pelo governo ditatorial-burguês.

Para a construção da saída pactuada era estratégico pautar-se pelas lutas imediatas, visando conquistar cargos políticos, ampliando a participação dos trabalhadores na gestão do Estado burguês capitalista. A declaração de José Dirceu e Oliveira Silva, dirigente e fundador do PT, em 1989, no prefácio do livro “Pra que PT”71 é expressão desta visão, destacando quais políticas devem ser seguidas e quais caminhos devem ser trilhados pelo PT, afirma: “Saindo de sua fase de partido de resistência, o PT se encontra hoje frente ao desafio de ser uma alternativa de poder. Para isso desenvolve uma política de alianças e trabalha em um plano de governo, já que não governará apenas para a classe trabalhadora. Nas condições brasileiras, criar um partido de trabalhadores, enfrentar o preconceito, a ditadura e o poder econômico, já é em si revolucionário. No entanto o ato de fazer política representa, em nosso país, uma ruptura com a ignorância e a passividade social, tão ao gosto das elites dominantes”72.

Mesclando sempre elementos e demandas do proletariado e da pequena burguesia, e subalternizando a 1ª à 2ª, a ala majoritária do PT usa as indefinições programáticas em beneficio próprio. Por outro lado, sempre que precisava do apoio do proletariado, a ART buscava situar-se mais à esquerda do que realmente estava, como pode-se notar pela consigna levantada nas eleições de 1982 “Vote no 3, o resto é burguês”. Mesmo sendo fruto de um intenso processo de luta de classes, com o isolamento do proletariado radicalizado da Direção do PT, segundo Coggiola, o PT repetiu a forma de desenvolvimento dos “Partidos Trabalhistas”, que não se constituem sobre a base como um programa marxista revolucionário, mas sim sobre os movimentos de ascensão das lutas proletárias, conduzindo-os dentro dos limites da democracia burguesa, que em ultima instancia reafirmam a dominação da burguesia e do patronato sobre os despossuídos de meios de produção.

Ao longo da década de 1980 a ala majoritária do PT buscará deslocar-se das exigências da base proletária, moldando, sob as bases pequeno-burguesas que compunham o PT, formas de atuação mais conservadoras que reafirmavam a luta pela mudança do Regime sem ruptura com a ordem e descartando, sempre que possível, a luta e enfrentamento direto contra a burguesia, o patronato e o latifúndio. Ainda que de forma distinta, e em outro nível, esta visão alinhava-se com a visão dos setores stalinistas. Com isso, a evolução do PT acaba minando os elementos mais avançados da luta operária, segundo a análise de Dantas: “A imensa combatividade da época foi sendo paulatinamente canalizada para o beco sem saída da transição democrática burguesa pela cúpula. E ele próprio conformou-se como um partido cada vez mais de colaboração de classe, cada vez mais aburguesado e finalmente como baluarte do grande capital em sua ofensiva neoliberal73”.Conclusão

67 Apud Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.68 In Gadotti, M.: Pereira, O. Pra que PT - origens, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo. Editora Cortez.1989, pp. 22.69 Apud Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010; e, apud Matos, D. Brasil: qual “projeto de país”? - entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. In Revista Estratégia Internacional Brasil V. São Paulo 2011.70 Apud Matos, D. Brasil: qual “projeto de país”? - entre o gradualismo reformista e as contradições estruturais do país. In Revista Estratégia Internacional Brasil V. São Paulo 2011, pp. 141.71 In Gadotti, M.: Pereira, O. Pra que PT - origens, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo. Editora Cortez.1989. 72 In Gadotti, M.: Pereira, O. Pra que PT - origens, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo. Editora Cortez.1989, pp. 12.73 Apud Dantas, G. Três teses sobre o PT das origens. In Revista Contra a Corrente. Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010, pp. 18.

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O potencial do proletariado brasileiro em ascenso foi canalizado para criação de verdadeiros organismos de democracia direta a partir das fábricas, bairros proletários, dos trabalhadores do campo e demais locais de trabalho e estudo em mobilização. O PT tornou-se uma eficaz forma de negação dos ítens da estratégia operária e hegemonia proletária como programa, frisando-se que esta negação foi feita por membros conscientes das direções do MO e petista em todo período.Com tal ação política, o PT valida uma Constituinte claramente tutelada pelos militares, através de Sarney. Uma semana após, o PT, com todos os seus autênticos, ART e Sindicato do ABC, provarão seus limites históricos por meio da passividade frente à repressão na CSN, que termina com um saldo de 3 mortos e 100 feridos. Assim, a Direção petista e cutista construiu o desarme politico e programático do proletariado em ascenso durante todo o período 1978-89. O PT, ainda muito influente no proletariado, ao invés de levantar uma candidatura proletária, independente dos interesses da burguesia e do patronato, centra todos seus esforços e capital militante nas eleições de 1989, compondo uma frente eleitoral marcadamente de colaboração de classes. Nas eleições deste ano o PT articulou-se na coligação “Frente Brasil Popular” (FBP), constituída em conjunto com PSB e PCdoB, configurava-se como uma política de Frente Popular, uma vez que articulava partidos expressamente defensores da ordem. Mario Covas do PSDB e Leonel Brizola74 também faziam parte de sua base de apoio. Buscando a vitoria eleitoral a qualquer preço, a FBP declararou que não tocaria na propriedade privada e no patrimônio dos grandes bancos, que pagaria a dívida pública de US$ 300 milhões75. Mesmo assim não vence as eleições presidenciais. O PT só atingiria tal posto nas eleições de 2002, quando abertamente dá continuidade ao programa neoliberal de FHC.

O PT e os marxismos da tradição trotskista76

Introdução

As organizações trotskistas brasileiras estão historicamente ligadas à trajetória do Movimento Comunista Internacional, à organização fundada por Trotsky: a IV Internacional. Fundada numa Conferência

feita em Paris, em 03/09/1938, usando um documento-base redigido por Trotsky, conhecido como “Programa de Transição”. Para Trotsky e seus seguidores era preciso manter o fio da revolução proletária mundial rompido pela contrarrevolução stalinista. Com o passar dos anos, a IV Internacional se dividiu em diversas tendências e frações. No emaranhado de siglas que reivindicam a continuidade da IV Internacional fundada, destacam-se J. Posadas, Ernest Mandel, Nahuel Moreno e Pierre Lambert.

74 Que havia combatido publicamente a greve da CSN.75 In Coggiola, O. Sobre as origens do PT: uma anti-história. In Revista Contra a Corrente - Revista Marxista de Teoria, Política e História Contemporânea. Ano 2. nº 4. DF. 2010.76 Antonio Ozaí da Silva. Professor da UEM; doutorando na Faculdade de Educação (USP); autor de História das Tendências no Brasil

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.Figura 2,Referencias Bibliograficas

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Não é nosso objetivo discutir os motivos da sua fragmentação em diversos organismos internacionais. Contudo, é inquestionável que esta realidade também influi diretamente sobre a ação prática e as formulações teóricas dos trotskistas brasileiros. Sem desconsiderar este fator, interessa-nos sobretudo analisar como cada organização em particular evoluiu em relação ao PT e à conjuntura nacional e internacional. Nesta parte, analisaremos as principais correntes trotskistas.

Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT)77

Devemos registar a IV Internacional Posadista78, criada por J. Posadas79 ainda nos anos 6080.

História

No final da década de 1920, existiram no Brasil vários agrupamentos políticos simpáticos ao pensamento de Leon Trotsky. Um deste foi o PORT uma das mais antigas organizações trotskistas brasileiras; ligava-se ao “Bureau Latino-Americano da IV Internacional”, por J. Posadas, e seus adeptos se nomeavam “posadistas”.

O PORT editava o jornal “Frente Operária” com textos de Posadas sobre os mais variados temas: desde afirmações ecléticas até informações sobre a vinda de OVNI's a Terra e debates sobre a vida sexual dos revolucionários. A “Frente Operária” era de propriedade de Sidney Fix Marques dos Santos, o redator-chefe; este desapareceu em Buenos Aires 15/02/1976 81. Apesar da excentricidade de Posadas, o PORT não acolhia a luta armada como alternativa para o processo revolucionário. Ao contrário dos grupos trotskistas que existiam mundo a fora, o PORT aceitava o posicionamento da URSS em escala internacional, como também se mostrava simpático como alternativa revolucionária para o Brasil uma hipótese de algum grupo de militares nacionalistas assumissem o poder revolucionário, uma espécie de “Revolução Peruana”82.

No início da década de 1960 conseguiu certa notoriedade ao caracterizar-se com uma política mais esquerdista que o PCB e por envolver-se em agitações das Ligas Camponesas83. Após o golpe de Estado no Brasil em 1964, o PORT enviou seus membros para trabalhar nos campos e na indústria; além disso sofreu forte repressão84. Olavo Hansen era um desses membros, foi o 1º operário do qual se tem conhecimento a ser morto no DOPS de São Paulo em 1970; de acordo com o jornalista Elio Gaspari foi o 1º “embaraço” do governo Médici cujo tentava esconder e negar em denúncias internacionais qualquer menção à tortura 85. O governo proibiu que Durward Sandifer, representante da CIDH86, fizesse uma investigação, o que complicou a visão do Brasil internacionalmente87; também foi registrado queixa na OIT88 que teve resultado inconcludente89.

Em 1968, surge uma dissidência do PORT, a “Fração Bolchevique Trotskista” (FBT). No RS e em SP outra dissidência chamou-se “Primeiro de Maio”. Em 1976, essas 2 organizações tendo rompido com Posadas fundiram-se na OSI. O PORT aparentemente dissolveu-se, não há sinal de sua atuação atualmente, ao menos não com esse nome.

A IV Internacional Trotskista-Posadista90 ressurgiu recentemente no Brasil com a retomada da publicação do jornal “Frente Operária”, que se apresenta como o “Jornal periódico fundado em 1953, pelo Partido Operário Trotskista-Posadista” (PORT-P). ressurgem criticando a “desfiguração e adaptação” do PT à “institucionalidade burguesa”. Informam que o jornal não circulou por 4 anos, por problemas organizativos, mas que sua atuação não parou nesta fase, “tanto na AL, como na Europa, como no Brasil”. A principal liderança do PORT é Afonso Carlos Vieira de Magalhães, funcionário do Banco Central, em Brasília.

O PORT edita o tablóide “Revolução Socialista”91, que se intitula “Orgão da Corrente Posadista do PT, regulamentada junto ao Diretório Nacional”. Em nome deo “Comitê de Defesa da Revolução Internacionalista” (CDR-I), também ligado ao PORT, edita o tablóide “Moncada”, defendendo e fazendo proselitismo da Revolução Cubana.

Organização Socialista Internacionalista (OSI92)

A OSI, ramo brasileiro da antiga “Quarta Internacional - Centro Internacional de Reconstrução”93 (QI-CIR), francesa, fundada por Pierre Lambert; responsável pelo jornal “O Trabalho”94; em 1993, supostamente a IV Internacional foi

77 In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Oper%C3%A1rio_Revolucion%C3%A1rio_Trotskista.78 In en.wikipedia.org/wiki/International_Committee_of_the_Fourth_International.79 Ou Juan Posadas. Pseudônimo do argentino Homero Rômulo Cristalli Frasnelli, veja Anexo III. In pt.wikipedia.org/wiki/J._Posadas.80 A IV Internacional Trotskista-Posadista ressurgiu recentemente no Brasil com a retomada da publicação do periódico” Frente Operária”, que se apresenta como o “Jornal periódico fundado em 1953, pelo Partido Operário Trotskista-Posadista (PORT-P). ressurgem criticando a “desfiguração e adaptação” do PT à “institucionalidade burguesa”. Esclarecem que o jornal deixou de circular por 4 anos, por problemas organizativos, mas que sua intervenção não cessou neste período, “tanto na AL, como na Europa, como no Brasil”. “Encontros do PT: desfiguração e adaptação à institucionalidade”. Frente Operária, nº 477, junho de 1977, pp. 03. In cuartainternacionalposadista.org.81 In www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20970 e in www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=349.82 In Colling, Ana Maria. A Resistencia da Mulher a Ditadura Militar no Brasil.83 In pt.wikipedia.org/wiki/Ligas_camponesas.84 In Colling, Ana Maria. A Resistencia da Mulher a Ditadura Militar no Brasil.85 In Gaspari, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.86 Sigla de Comissão Interamericana de Direitos Humanos. In pt.wikipedia.org/wiki/Comiss%C3%A3o_Interamericana_de_Direitos_Humanos.87 In Green, James N. Clerics, Exiles and Academics: Opposition to the Brazilian Military Dictatorship in the United States, 1969-1974. Latin American Politics and Society. Spring 2003, vol. 45, n.1, pp. 87-116. 88 Sigla de Organização Internacional do Trabalho. In pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Internacional_do_Trabalho.89 In Fernandes, Pádua e Galindo, Diego Marques (junho de 2009). Tortura e assassinato no Brasil da ditadura militar: o caso de Olavo Hansen. Histórica, Revista Eletrônica do Arquivo do Estado. Página visitada em 15/10/2012. 90 In quatrieme-internationale-posadiste.org/QIP/index.php?lang=es.91 In revolucaosocialista.com.92 In In pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Socialista_Internacionalista, in pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade_e_Luta.93 A QI-CIR representa a VS lambertista do Trotskismo. Assim ficou conhecida devido à liderança de Pierre Lambert (pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Lambert), dirigente histórico da Organização Comunista Internacionalista (OCI), seção francesa da QI-CIR. O lambertismo também se dividiu nos anos 80 e, em 1993, reproclamou a IV Internacional. Sua seção brasileira é a Corrente O Trabalho.94 In pt.wikipedia.org/wiki/O_Trabalho e www.jornalotrabalho.com.br.

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unificada na França, por ação dos “lambertistas”, em detrimento dos “mandelistas” 95 essa posição seria ocupada pela OSI, como consta no frontispício de seu jornal. É o mais forte e atuante grupo trotskista no Brasil, e continua imerso no PT.

A OSI foi uma organização trotskista brasileira, precursora da corrente “O Trabalho” do PT, Seção Brasileira da IV Internacional (1993). Surgiu a partir da fusão de vários grupos identificados com o Trotskismo em novembro de 1976, num encontro clandestino no litoral de São Paulo. A OSI dirigia o Movimento Estudantil (ME) Liberdade e Luta (Libelu), além de oposições sindicais em algumas categorias de trabalhadores, como bancários, professores, metalúrgicos e químicos.

A OSI aliou-se internacionalmente ao “Comitê pela Reconstrução da Quarta Internacional” (CORQUI) lambertista. Em meados da década de 1980, a OSI enfrentou luta interna que cindiu-a em 2 correntes. Uma parte entra na ART, a corrente majoritária do PT, dirigida por Lula e José Dirceu. A outra sustenta sua organização própria e atua no PT com o nome de “O Trabalho”. Ainda mantém relações com o núcleo de trotskistas franceses lambertista criado durante a II Guerra Mundial.

Liberdade e Luta96

A Liberdade e Luta (Libelu) foi uma tendência do ME brasileiro dos anos 70, ligada ao Trotskismo e ao jornal “O Trabalho”, que era editado, à época, pela OSI. A Libelu ficou conhecida por ser a 1ª tendência política a defender a palavra de ordem “Abaixo a Ditadura” publicamente. Participou ativamente da reconstrução da UNE, da UBES e teve muitos de seus militantes em importantes diretórios e centros acadêmicos do país. Foi dissolvida na 1ª metade da década de 80, com a integração de alguns de seus quadros ao PT. A corrente “O Trabalho” do PT, Seção Brasileira da IV Internacional (1993) liderada por Marcus Sokol, representa a seguimento da estrutura da OSI na atualidade.

Militantes

A Libelu teve centenas de militantes. Entre eles, constavam os políticos Luiz Gushiken, Marcus Sokol e Tita Dias, o médico Antônio Palocci, os jornalistas Reinaldo Azevedo, Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite, Eugênio Bucci, Luis Favre e José Arbex Jr., a arquiteta Clara Ant, o geógrafo Demétrio Magnoli e os sociólogos Glauco Arbix e Lúcia Pinheiro. Segundo Paulo Henrique Amorim, a Libelu acabou cumprindo papel considerável na formação de quadros conservadores da sociedade brasileira.

O Trabalho (OT) - Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores97

Nos primeiros anos da década de 1980, a tendência O Trabalho evoluiu de uma postura intransigente em relação ao PT para a integração ao mesmo. Assim, da concepção de que o PT seria uma articulação burguesa, OT passou a defender a possibilidade dele se constituir no partido da IV Internacional, instrumento da revolução socialista. Simultaneamente, ele passa a considerar que para atingir este objetivo é necessário uma política de estreita aproximação com a Articulação dos 11398.

A atuação comum com a ART nem sempre se deu de forma tranqüila. Embora OT tenha demonstrado um esforço monumental para ser admitido nos 113, as relações eram dificultadas pela resistência da própria ART à aliança com eles. Em 1985, por exemplo, esta unidade foi rompida não porque OT quisesse, mas porque a ART afastou-os99.

Era uma situação no mínimo interessante: de um lado, OT acreditando sinceramente que a construção do PT como partido operário independente tinha na ART a sua principal força impulsionadora, e que, portanto, era necessário compor com ela; de outro, a ART resistindo aos galanteios de OT, inclusive excluindo-o da formação de chapas nos encontros do PT.

A persistência em aliar-se à ART significava, na outra ponta, um crescente distanciamento em relação às demais Tendências do campo petista. Nesse tema, a OT mostrou-se fiel aliado da ART, exacerbando o discurso desta contra as organizações e agrupamentos no interior do PT100.

Em 1987, essa política desembocou na aceitação formal da dissolução e diluição da organização na ART. Para a maioria da sua direção nacional, essa postura era coerente com a política da tendência. Era o corolário natural do processo de identificação com a ART. Afinal, se o PT, hegemonizado pela ART, afirmou um curso à esquerda nestes anos e se a base política de ambos (OT e a ART) era praticamente a mesma, então não se justificava manter a tendência. A dedução óbvia era pela fusão.

A minoria dirigente concordava com a construção de uma articulação em torno do núcleo dirigente histórico do PT (Lula e os sindicalistas); também tinha a mesma análise sobre o PT e a ART e defendia a integração nela. “Isto porque o PT necessita de uma ART permanente que, ao redor do núcleo de Lula, reúna todos aqueles identificados com o curso que o partido vem tendo”, afirma a resolução do X Encontro - do qual, aliás, a ala que decidiu entrar na ART não participou101.

A divergência era de ordem tática: como fazer para atuar na ART. A minoria dirigente não queria a dissolução da tendência, querendo unir-se a ART, mas sob uma base política visando manter a organização e os laços com a IV Internacional. Mas, como montar esta união sem dissolver-se? Em que consiste integrar-se à esta? Eis sua resposta: “Nos dispomos a construir

95 Daí o fato de a DS não ser vista no Brasil como a seção “oficial” da IV Internacional.96 In pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade_e_Luta.97 Por uma questão pedagógica e metodológica, consideramos mais apropriado tratar esta corrente neste capítulo - já que ela se insere no quadro das organizações que se reivindicam do Trotskismo. No entanto, ela foi uma das principais componentes do Movimento Na Luta PT! (NLPT)98 “Será que por acaso alguém poderia esquecer que sempre nos opusemos à vontade de alguns dirigentes da ART de realizar chapas únicas nos encontros do partido, chapas com tendências que mantém posições opostas às da ART que nós defendemos desde o seu surgimento em 1983?”, perguntava, em 1986, OT. Como podemos ver, essa política foi adotada desde o lançamento do Manifesto da Articulação 113, quando OT ainda se chamava Organização Socialista Internacionalista (OSI). Ver: Glauco Arbix e Raimundo Cunha. “A respeito de uma discussão sobre as tendências no PT (resposta ao texto de José Dirceu e Wladimir Pomar)”. São Paulo, 15/04/1986, pp. 01. 99 Lamuriando, seus dirigentes reclamam de José Dirceu e Wladimir Pomar por misturá-los com as demais tendências do PT: “Não defendemos a idéia de que a direção do PT seja reformista e que as tendências que constituem o “bloco revolucionário” seriam a esquerda. Por isso, nunca participamos desse “bloco” e defendemos nossa participação na ART da qual fomos excluídos contra a nossa vontade”. (as aspas no meio da frase são do original). In Glauco Arbix e Raimundo Cunha. “A respeito de uma discussão sobre as tendências no PT (resposta ao texto de José Dirceu e Wladimir Pomar)”. São Paulo, 15/04/1986, pp. 2-6.100 Um texto que ilustra esta postura é “Em Tempo de iluminados”, escrito por Gabriel Marti e publicado em formato caderno como documento da OSI, em 1983. O título é uma ironia à DS, com quem a organização polemiza.101 In Por uma Articulação permanente. Boletim O Trabalho, julho de 1987. (Trata-se da resolução aprovada no X Encontro).

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uma ART comum, única no sentido de que não nos apresentamos em separado nas instâncias do Partido, respeitando sua maturidade e seu pluralismo, o qual pode integrar o reconhecimento de nossos laços com a QI-CIR. A partir daí, a manutenção de nossa estrutura, transparente, poderia ser compatibilizada com a estrutura que uma ART permanente viesse a construir”102.

A forma como assumiria este relacionamento entre a ART e uma corrente que se define por sua adesão a um organismo internacional seria objeto de discussão no processo de atuação comum. Esse setor não via qualquer contradição entre a existência de OT (e sua filiação à QI-CIR) e a militância no PT e na ART.

Em 1986, OT elegeu Clara Ant, dirigente nacional da tendência, a deputada estadual em São Paulo. Essa vitória eleitoral e a convivência comum entre seus principais dirigentes e a cúpula da ART, ajudou o fortalecimento dos vínculos entre ambos e gerou condições propícias à adesão. Para esses, a ART aparecia como o ambiente inato para a continuidade do combate pelas idéias forjadas na militância internacionalista. Para os que não aderiram, esse desfecho era uma capitulação política.

Esta cisão tem como causas diretas tanto a evolução de OT em sua relação com a ART quanto os aspectos internacionais determinados pela crise da IV Internacional. As divergências no CIR-QI referem-se justamente à política a ser seguida pela seção brasileira (OT) em relação ao PT e sobre a estratégia para construir a Internacional. Numa reunião, ocorrida em abril de 1987, Pierre Lambert propôs a reproclamação ou refundação da IV Internacional, tendo como referência o Partido Comunista Internacionalista (PCI), seção francesa. Após a reunião, 7 membros do Conselho Geral (a direção da QI-CIR) romperam com Lambert e defendem a construção de uma novo agrupamento internacional, restrito basicamente a uma rede de contatos. Entre os que saíram estava Luís Favre, com militância no Brasil.

Para os que mantiveram a OT, essa cisão internacional teve como pano de fundo um trabalho de arregimentação feito pela Internacional Socialista, que agregou militantes da seção francesa ao PSF103. Os reflexos no Brasil se exprimem na sedução do aparato da CUT e do PT sobre a maioria dirigente, seguindo uma tática similar à dissidência em nível internacional.

A parte que manteve a tendência104 insistiu na política de aliança preferencial com a ART. Nos Encontros Estaduais que precedem o 5º EN, OT formou chapas em comum com esta, elegendo vários delegados. A despeito de sua vontade de manter essa coligação no EN, a ART excluiu-o da sua chapa e ele concorreu isoladamente, obtendo apenas 3,6% dos votos105.

Na análise de OT, sua exclusão da ART, e consequentemente do DN, foi provocada por um processo de estreitamento desta: “em favor de uma centralização que se dá por fora de um debate que clarifique as eventuais divergências e que visa construir uma Corrente excludente, cujos contornos políticos não estão claros para suas próprias bases”106.

Sem dúvida, a recusa em dissolver-se foi o principal fator para sua exclusão. Isso está ligado à própria evolução da ART no sentido de fortalecer seus laços organizativos e à defesa de OT do direito de tendência. Por outro lado, era uma atitude defensiva contra a pressão por sua diluição.

OT criticou a resolução aprovada no 5º EN. Em sua avaliação, a aplicação desta resolução seria o mesmo que instaurar o regime de “tendência única”, isto é, o controle monolítico da maioria e a conseqüente desqualificação das posições da minoria. Tal posição só se justificaria por uma visão equivocada de socialismo, na qual prevalece a ditadura do partido único107.

A crítica de OT traduz a postura das várias Tendências organizadas contestando os marcos impostos à sua organização como tendência, diferindo do status de partido dentro do partido108. O balanço crítico às Resoluções do 5º EN e os esforços para aliar ao núcleo dirigente da ART indicam um novo rumo político da tendência OT, num crescente afastamento desta.

Era também uma fase de recuperação e saneamento dos efeitos devastadores que a cisão provocara. A corrente buscava reunir os elementos dispersos, refazer os contatos e reaglutinar a militância. A referência internacional foi um fator de coesão. Sem ela as dificuldades em manter a organização teriam sido maiores.

OT aprofunda sua crítica à ART e às resoluções gerais do 5º EN, as quais teriam “equívocos e debilidades teóricas que possibilitam o desenvolvimento de sérios desvios políticos do partido em relação à sua trajetória independente”. Para OT, um dos principais problemas era a definição da política de acúmulo de forças109.

A divergência de OT, em princípio, não é em relação à consigna do governo democrático e popular, mas no fato deste se fundamentar na tese do acúmulo de forças. Para OT, este governo nada mais é do que um “governo de transição para o socialismo apoiado na auto-organização dos trabalhadores e dos oprimidos da cidade e do campo”110.

A expressão governo democrático e popular seria apenas uma forma de popularizar o governo de transição. Simultaneamente, diverge da fórmula - levantada pela CS e outros - do governo dos trabalhadores, a qual apenas serviria para isolar os trabalhadores dos seus aliados potenciais111.102 In Por uma Articulação permanente. Boletim O Trabalho, julho de 1987. (Trata-se da resolução aprovada no X Encontro). 103 Sigla de Partido Socialista Frances,104 Referencia ao: O Trabalho (maioria) Pela Reconstrução da IV Internacional. Segundo os dados apresentados pela minoria da direção nacional, 30 dos 46 dirigentes eleitos no IX Encontro da organização, realizado em 1986, foram favoráveis à dissolução. Das Coordenações Regionais, 1 dissolveu-se (a de Campinas-SP); outra dividiu-se ao meio (Minas Gerais) e 10 decidiram pela manutenção de OT (São Paulo, Vale do Paraíba, ABC, DF, MT, GO, AC, CE, BA e PE). Dos 450 militantes estimados antes da cisão, 240 teriam ficado com a minoria. Por esses dados, a direção minoritária concluiu que a maioria das bases ficou em OT. In Por uma Articulação permanente. Boletim O Trabalho, julho de 1987. (Trata-se da resolução aprovada no X Encontro). 105 Uma porcentagem de votos insuficiente para eleger representantes ao DN.106 In “Um balanço do 5º Encontro Nacional do PT: o Partido saiu desarmado”. Boletim O Trabalho, nº 8 (nº 262) extra, dezembro de 1987.107 In “Um balanço do 5º Encontro Nacional do PT: o Partido saiu desarmado”. Boletim O Trabalho, nº 8 (nº 262) extra, dezembro de 1987.108 Pois, como objeta OT: “Como pode um agrupamento de militantes organizar-se, respeitando estritamente as instâncias partidárias e a elas de submetendo, apara influir na orientação do PT, sem fazer reuniões (o que quer dizer um certo grau de coordenação e disciplina); como pode (..) expor suas posições ao conjunto do partido sem ter gastos materiais (e daí ter finanças próprias e não aparelhar os recursos do partido), como pode ser negado (...) o direito de divergir da “política geral do PT”? O que é esta “política geral”?”. Evidentemente, os que tinham uma posição de partido dentro PT também concordariam com esta crítica. In “Um balanço do 5º Encontro Nacional do PT: o Partido saiu desarmado”. Boletim O Trabalho, nº 8 (nº 262) extra, dezembro de 1987.109 Para Anau, dirigente da organização, “a teoria, ou melhor, o método do “acúmulo”, constitui, ou uma banalidade (“óbvio ululante”), desnecessária e sem conseqüência prática, ou uma eventual armadilha política para o partido, negando a dinâmica real (muito mais rica) da luta de classes e desarmando-o face às suas tarefas concretas”. Roberto Vital Anau. “Crítica da resolução do 5º ENPT”. Cadernos O Trabalho 6, junho de 1988.110 Para Anau, dirigente da organização, “a teoria, ou melhor, o método do “acúmulo”, constitui, ou uma banalidade (“óbvio ululante”), desnecessária e sem conseqüência prática, ou uma eventual armadilha política para o partido, negando a dinâmica real (muito mais rica) da luta de classes e desarmando-o face às suas tarefas concretas”. Roberto Vital Anau. “Crítica da Resolução do 5º ENPT”. Cadernos O Trabalho 6, junho de 1988.111 Referencia a pequena burguesia, setores semi-proletários e outros setores marginalizados. Para Anau, dirigente da organização, “a teoria, ou melhor, o método do “acúmulo”, constitui, ou uma banalidade (“óbvio ululante”), desnecessária e sem conseqüência prática, ou uma eventual armadilha política para o partido, negando a dinâmica real (muito mais rica) da luta de classes e desarmando-o face às suas tarefas concretas”. Roberto Vital Anau. “Crítica da resolução do

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Segundo a OT foi a ART que mudara sua política, mudando gradualmente o foco no movimento de massas pelo canal institucional e priorizando as negociações e as alianças com setores da burguesia. Essa involução resultaria de uma certa leitura das Resoluções do 5º EN que, no extremo, traduzia a negação da história do PT e sua conversão num “apêndice dos setores liberais e dissidentes da burguesia”. As origens dessa virada estariam nas confusões e omissões das formulações do 5º EN112.

Num balanço retrospectivo, esta postura reflete o entendimento de que a política anterior de busca frenética de ação comum com a ART fora correta. A linha política adotada após ao racha estaria motivada pelos mesmos elementos: a construção do PT como partido operário independente e numa perspectiva internacionalista. É evidente que a ART mudara. Mas também OT, cuja cisão significou perda de quadros e impôs a reformulação da sua política. As divergências estão na qualidade e no tipo de valoração destas mudanças. OT evoluiria à esquerda, aprofundando os laços com as forças políticas que combatia anteriormente.

O curso à esquerda ficou claro nas prévias das eleições municipais em São Paulo113 e a aproximação com os setores tidos como a esquerda dentro do PT. Depois, a participação no governo Erundina e o rompimento, com a demissão de Cardoni114.

É neste contexto que a Tendência participou da campanha eleitoral de Lula em 1989. Nessa fase, OT atuou lado a lado com as forças dentro do PT que queriam dar um conteúdo classista ao programa e à candidatura Lula: contra o pagamento da dívida externa, pela reforma agrária sobre controle dos trabalhadores, pelo salário mínimo do DIEESE. Em suma, por um governo democrático e popular entendido como um governo de ruptura com o capital e o imperialismo, de transição ao socialismo. Para OT, já o Programa de Ação de Governo (PAG) rifou as reivindicações que davam o caráter de classe à campanha Lula. Pensado como um programa submetido à Constituição e à legalidade, o PAG seria a anteporta da política de amplas alianças posta em prática no 2º turno das eleições de 1989. Na análise de OT, essa política resultava no abandono da luta115.

Aos elementos de ruptura com a política anterior à cisão de OT, acrescentam-se outros resultantes do processo desencadeado no Leste Europeu. Em 1987, o Lambertismo adotara uma política de frente única com as diversas correntes que romperam - ou estavam em processo de ruptura - com o Stalinismo, a Social-Democracia e as várias formas de Nacionalismo.

Essa estratégia de transição116, que previa a flexibilização da organização, ganhou impulso com a marcha dos fatos no Leste e a feitura de ações conjuntas. Seu ápice foi a II Conferência Mundial Aberta, em Paris, nos dias 21-24/06/1993. Com a participação de 63 delegações nacionais, esta Conferência reproclamou a IV Internacional 117. Os reflexos dessa política no Brasil podem ser visto no caso Gnecco e no processo de fusão da maioria da tendência “Luta Pelo Socialismo” (LPS), uma dissidência da DS, formada em 1984, cuja influência se restringia basicamente a São Paulo. A LPS, ligada ao SU-QI 118, aproximou-se de OT no processo de recomposição das forças políticas petistas, atuando em comum nos 6º e 7º Encontros Nacionais.

Em seu Encontro Nacional realizado em 1990, a maioria da LPS rompeu com o SU-QI e decidiu aderir aos esforços de construção de uma Internacional dentro da perspectiva de unificação dos vários setores do MO. O setor minoritário manteve a tendência e a vinculação à corrente mandelista.

A IV Internacional lambertista viu a Glasnost como uma abertura política controlada pela burocracia, com o objetivo de atenuar as tensões sociais geradas pelas reformas econômicas e, assim, evitar a explosão social e manter as rédeas do poder. A queda do muro de Berlim foi saudada positivamente como a possibilidade de resgate do verdadeiro socialismo.

No Brasil, OT reafirma a tese tradicionalmente formulada pelo Trotskismo: “A crise não é do socialismo, a crise é dos PC's e do Stalinismo, que, debaixo de diferentes rótulos es e adaptando a mudanças na situação mundial, desde o final dos anos 20 tem sido um freio no movimento revolucionário internacional”119. Mas, se há acordo na análise geral, o mesmo não ocorre no específico. Nesse, a avaliação de OT se aproxima da CS e se distancia da DS.

A DS é criticada pela defesa que fez dos aspectos positivos da Glasnost. Segundo OT, esta posição significava crer na capacidade da burocracia se autorreformar e, desta forma, obscurecer seu papel restauracionista. OT acusa a DS (e o SU-QI) - de serem “agentes do Stalinismo travestidos de trotskista”. “Para a DS, a “Glasnost” é positiva, contrariamente à Perestroika. Não vêem que a 1ª é necessária à 2ª, como cobertura”120, afirma Anau.

Dividindo o otimismo revolucionário da CS, OT viu no Leste Europeu o desenrolar de “uma revolução operária, no seu conteúdo social mais profundo” pois se dava contra a burocracia e estaria criando “formas embrionárias” dos órgãos de poder operário e democrático. A revolução política estava só iniciando. “A luta será longa, difícil, cheia de obstáculos”121, previa.

A proximidade com a CS também se daria na luta concreta e nos embates internos. Como essa, também OT foi ameaçado pela Direção majoritária, em 1990, de não ser reconhecido com Tendência interna. A CEN122 alegou que recebera “de militantes e de instâncias, diversas manifestações a respeito do comportamento políticos partidário” dos adeptos de OT. Prudentemente, o DN-PT não o definiu de imediato como infrator da “Resolução sobre Tendências”. Mas, autorizou a CEN a

5º ENPT”. Cadernos O Trabalho 6, junho de 1988.112 Ver O Trabalho: Sobre a questão do socialismo. (Tese 7) In Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit., pp. 78-80. Esta tese retoma os aspectos levantados por Anau no artigo: Roberto Vital Anau. “Crítica da Resolução do 5º ENPT”. Cadernos O Trabalho 6, junho de 1988.113 Tal como apoio à candidatura Erundina.114 Na gestão Erundina, Edson Cardoni, membro de OT, foi o Pres. da Cia. de Processamentos de Dados (PRODAM). Em dezembro de 1989, a CUT Regional/SP pediu apoio para enviar sua delegação à Brasília, na caravana organizada pela Frente Nacional dos Prefeitos a fim de exigir a liberação de verbas. Cardoni liberou US$ 3.900 para o pagamento de aluguel de ônibus. Este ato resultou em polêmicas. Cardoni assumiu a responsabilidade e defendeu sua legalidade e legitimidade. Em virtude das divergências acumuladas a Prefeita demitiu-o. Em 04/08/1993, ele foi condenado a 2 anos e 8 meses de prisão e pagamento de multa. OT fez uma campanha nacional e internacional em solidariedade ao mesmo. Seus advogados entram com recurso no TJ-SP, pela anulação da condenação política de Cardoni. 115 Esta análise é feita retrospectivamente em sua tese ao 7º Encontro.116 A participação no Movimento Na Luta, PT! insere-se nessa estratégia.117 A delegação brasileira foi composta por: Paulo Skromov (Executiva da CUT); Luiz Bicalho (diretor do Sindsep-DF); Markus Sokol (CEN/PT); Luiz Carlos Alencar (diretor do Sinttel-DF); Zilá Prestes e Regina de Sena (Sindicato dos Enfermeiros-SP); Julieta Balestro (membro do conselho do CPERS); Paulo Gnecco (Debate Comunista); Oswaldo d’Andrade (Executiva CUT/SP); Arlete Sampaio (DN/PT e do Sindicato dos médicos); Eduardo Cândido Alves (Sindicato dos Químicos de Osasco e da executiva da CUT Regional/SP); Júlio Turra (Coordenação do Elaspe); Luiz Gonçalves (presidente da CUT Regional/SP e diretor do Sindicato dos Condutores; e José Carlos Miranda (Executiva da CUT Regional/SP). A “estratégia de transição” foi mantida. 118 Sigla de Secretariado Internacional da IV Internacional. In es.wikipedia.org/wiki/Secretariado_Unificado_de_la_IV_Internacional.119 Ver O Trabalho: Sobre a questão do socialismo. (Tese 7) In Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit., pp. 75.120 Roberto Vital Anau. “Socialismo: a discussão está aberta no PT”. Caderno O Trabalho 9, agosto de 1990, pp. 33.121 Ver O Trabalho: Sobre a questão do socialismo. (Tese 7) In Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit., pp. 75.122 Sigla de Comissão Executiva Nacional.

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travar conversações com OT, no sentido de obter seu compromisso político no tocante à estrita obediência dessa Resolução123.Sem entrar no mérito das suas propostas políticas, as formulações de OT sobre o PT124 não deixam dúvida sobre o

sua luta por um PT estratégico. Como outras organizações, OT julga legítimo e justificável disputar politicamente suas posições no PT. Acham mesmo que o dever de todo revolucionário é integrar-se nele, e lutar por ele e com ele pelo socialismo125.

“OT” se surprende com a ação da CEN e, reiterando um trato há muito tempo assumido, se opõe à sanção contra as demais correntes que estavam no foco. Para OT, qualquer ação contra estas organizações só deveria ser tomada após um debate nos Encontros de Base e discutidas no Encontro Nacional. Quanto às questões levantadas pela CEN, OT polidamente sugere uma hipótese: não estaria a direção hegemônica petista movendo para o terreno disciplinar as divergências políticas reais?126

De qualquer forma, a CEN convenceu-se que OT não infringira a “Resolução Sobre Tendências”. Por outro lado, OT se comprometeu a “avaliar com maior cuidado os seus métodos de atuação” de acordo com a regulamentação aprovada pelo DN. Diante disso, a CEN se posicionou por seu reconhecimento como Tendência do PT. Este parecer foi confirmado pelo DN127.

A análise crítica da evolução do PT no período após ao 5º EN e da conjuntura internacional pós-1989, constituiu-se no pano de fundo que fundamentou as propostas de OT para a atuação da esquerda na fase do governo Collor. Para OT, Collor representava um governo fraco, marcado pela ilegitimidade. OT afirmou que esse governo seria obrigado a impor uma política contrária aos trabalhadores e a retomar o pagamento da dívida externa, numa tentativa de “restabelecer o consenso burguês”128.

Por outro lado, OT avaliou que Lula e o PT saíram fortalecidos da campanha eleitoral de 1989. A correlação de forças pendia a favor do lado dos trabalhadores, não fora mudada pela derrota eleitoral. Os erros que explicavam o insucesso estavam na orientação legalista e institucionalista: o respeito à Constituição e na busca obcecada de ampliar as alianças com o PDT e PSDB no 2º turno. Foi essa orientação que “apassivou o partido no momento final”, afirmou OT 129. Nesse caso, OT conclui que o governo Collor, ao tentar impor o “programa imperialista”, se chocaria com os trabalhadores e a maioria da nação. “Muito rapidamente “Fora Collor” ou “Abaixo a farsa Collor” se fará ouvir, iniciando a desestabilização desse governo”, previu. Caberia ao PT “coordenar e centralizar as lutas sociais na perspectiva de um novo governo”130.

Para cumprir essa tarefa, ainda na avaliação de OT, o PT precisaria “colocar as coisas nos eixos”: romper com a linha política que prevaleceu no 2º turno na eleição de 1989, lançar candidatos próprios nas eleições de 1990 aliada à uma campanha classista. Nesse ponto, OT avalia ser vital a mudança de rumo político das prefeituras petistas que afrontaram o programa do partido. “Caso contrário, a preservação do PT, de suas relações com as massas, exigirá passar à oposição aberta a esses governos por uma questão de coerência política”131, enfatizou.

Esta tática visava resguardar o partido. OT descartou a atuação como fração pública. Para a corrente, uma Tendência não poderia ser “um partido-dentro-do-partido”. Isto seria negar a natureza estratégica do PT, fazê-lo num “partido-ônibus”132.

Essa política marcou a ação de OT, numa fase de reafirmação da organização em nível nacional. Por outro lado, deu a base política para ação comum no I Congresso com as forças que compuseram a “Tese 10” e a CS. Essa aliança configurou um campo à esquerda em defesa do marxismo e efetivou-se em temas como a votação sobre o direito de Tendências, o Fora Collor!, na análise sobre a evolução do PT e o resgate das suas origens etc.

Nesse Congresso, OT fez um balanço positivo do PT. Porém, notou que ele se achava numa encruzilhada: aprofundar a trajetória de luta presente desde a sua fundação ou negá-la e tornar um partido da ordem. A 2ª opção estaria condensada na tese dos que propunham a refundação do PT. Estes, “arautos de uma enganosa modernidade”, seriam uma ameaça à tradição de luta, pluralista e democrática do PT133.

A ação comum no I Congresso fixou relacionamentos políticos novos e fortaleceu o panorama para um aprofundamento dos laços políticos, dando-lhes organicidade. Mas, as avaliações sobre o resultado do Congresso e suas efeitos para o PT não eram convergentes. Embora, OT e outras forças deste campo concluíssem que este fora a vitória da direita petista, não concordavam com a análise da CS. Como vimos, este processo resultou na formação do NLPT134. Mesmo atuando nesse movimento e defendendo sua unidade - à base de acordos e pelo voto da maioria - seus componentes tendiam a desenvolver uma dinâmica própria nem sempre conciliável com uma estrutura orgânica mais ampla. Nos aspectos essenciais, estiveram juntos.

As diferenças se manifestaram em visões diferenciadas já na campanha de Lula. No 1º semestre de 1995, a corrente OT propôs que o PT rompesse com as votações no Congresso Nacional em torno das reformas de FHC e focasse sua ação na mobilização popular pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte. OT alegou que o Congresso Nacional era ilegítimo, fruto da manipulação nos meios de comunicação e distribuição de concessões de rádios e TVs; que não se opunha à luta institucional; e, que sua tese traduzia parar o processo de desconstitucionalização e pôr no centro da debate os anseios populares.

Essa, em sua avaliação, seria uma saída democrática, pois a democracia é o “respeito à vontade popular”. Se o Congresso atual não corresponde a essa “vontade”, então nada mais lógico do que eleger outro 135. OT retomou a posição do PT

123 In DN-PT. O PT e as Organizações. São Paulo, 25/03/1990. A íntegra desta resolução foi reproduzida no jornal Causa Operária, abril de 1990.124 Isto é, pelo menos desde 1983.125 Sokol, mais recentemente, reafirmou esta idéia: “O futuro não está dado, a sorte do PT ainda não foi decidida”. (Entrevista ao autor).126 In Coordenação Nacional da Corrente O Trabalho do PT. Em defesa do direito de tendência. São Paulo, 04/05/1990.127 In CEN. A situação de “O Trabalho”. São Paulo, 14/05/1990.128 In O Trabalho: Sobre a questão do socialismo, op. cit., pp. 81.129 In O Trabalho: Sobre a questão do socialismo, op. cit., pp. 82.130 Sua tese diz textualmente: “Abaixo o Pacote, Fora a Farsa Collor! Por um Governo do PT”. Neste Encontro, as demais teses defendem que o PT vá para oposição ao governo Collor. Segundo Sokol, foi OT quem lançou a palavra de ordem “Fora Collor!”: em 1991, no Congresso da CUT; depois alguns CR's do PCdoB adotam esta tese; e, só ai, que a CS acolhera. Ele não credita a expulsão da CS a esta questão. “Eles decidiram sair. Tinha um acordo com a Direção que ia sair, mas ela fez muito barulho e alegou que fora expulsa por causa disso”, diz. (Entrevista ao autor).In O Trabalho: Sobre a questão do socialismo, op. cit., pp. 82.131 In O Trabalho: Sobre a questão do socialismo, op. cit., pp. 82-84.132 Na visão de OT: “Uma tendência se constitui e se justifica não pela existência de divergências de princípio com o programa do Partido, o que deveria levar a construir outro partido. Mas sim pela diferença de apreciação sobre questões de tática, de aplicação dos princípios comumente aceitos, que estão na base do surgimento e construção do PT”. Nas idas e vindas da política, OT resgata a Resolução sobre Tendências adotada no 5º EN, a qual teria sintetizado a “experiência do PT desde a sua formação”. In O Trabalho: Sobre a questão do socialismo, op. cit., pp. 84-85.133 Eles são “os transmissores, conscientes ou não, abertos ou velados, da velha Social Democracia e de seus novos associados, os stalinistas fracassados”, diz. A crítica é dirigida, principalmente, ao PPB. Em defesa do PT (Tese 7). Coordenação Política Geral do Congresso. Jornal do Congresso, pp. 42.134 Ver Anexo VI.135 In “Por que assinar a Carta Aberta?”. O Trabalho, 12/07-25/07/1995, pp. 06. “O Congresso atual pisoteia os direitos do povo. Não tem o direito de

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contra o Colégio Eleitoral e pela não assinatura da Constituição de 1988, como exemplos a serem seguidos. “O PT não pode limitar-se aos marcos das instituições atuais, antidemocráticas”, defendeu136. Contra seus críticos, OT a que sua luta é por uma Constituinte soberana, diferente da promulgada em 1988, que fora tutelada pela Nova República e pelas leis que sobreviveram ao período ditatorial. Seu projeto pressupõe que a Constituinte seja fruto da mais ampla mobilização popular, desde a base. Isso seria a garantia da não eleição de outro Congresso conservador e picareta.

Enquanto a polêmica se instalava no NLPT, a corrente passou a organizar atos e reuniões em todo o país, visando obter apoios à sua proposta137. Na prática OT isolou-se da maioria das Tendências no PT, inclusive no interior do NLPT. Sua participação na chapa “Socialismo e Democracia” no 10º EN do PT não incluía a concordância com sua proposta.

Jornal O Trabalho

O “O Trabalho” é o um dos mais antigos jornais da imprensa operária ainda em circulação no Brasil. É o órgão de imprensa da corrente “O Trabalho” do PT e da Seção Brasileira da IV Internacional (1993), formada por militantes trotskistas que rejeitaram a política do “entrismo sui generis”138 usada por Michel Pablo depois 1953 nas seções da IV Internacional.

Antecedentes

No final dos anos 70, várias organizações que reivindicavam o legado de Trotsky no Brasil uniram-se ao “Comitê Internacional pela Reconstrução da Quarta Internacional” (CORQUI), que tinha como um de seus principais dirigentes Pierre Lambert. Da unificação desses grupos surgiu a OSI, que em 1981 ingressou no PT. A OSI então tornou-se uma corrente interna ao PT, adotando o nome do seu periódico, “O Trabalho”.

O jornal circulou pela 1ª vez no dia 01/05/1978, durante o período da ditadura militar brasileira. Grande parte de seu relativo prestígio na esquerda brasileira dava-se por suas ligações com a corrente estudantil “Liberdade e Luta”, conhecida como “Libelu”, que ficou muito conhecida por ser uma das primeiras organizações a levantar a palavra de ordem “Abaixo a Ditadura”.

Unificação com a Convergência Socialista (CS)

No início dos anos 80, logo depois que a OSI entrou no PT (após um curto período de vacilação), houve uma tentativa frustrada de unificação com a CS139. O fracasso dessa tentativa é até hoje motivo de contenda entre os 2 grupos; os “morenistas”140 dizem que a organização francesa141 ligada a “O Trabalho”, havia “capitulado” ao recém eleito governo de François Mitterrand na França, da coalizão PS/PCF.

Os Lambertista negam qualquer “capitulação', dizendo que os “morenistas” têm uma compreensão errada da política de Frente Única, gerada por Lênin e Trotsky no III Congresso da IC. Essas diferenças afastaram os 2 grupos até os dias de hoje, como mostram a permanência de “O Trabalho” na CUT e no PT e a criação da CONLUTAS pelo PSTU.

Polêmicas do Trotskismo

PSTU

A principal crítica de “O Trabalho” ao PSTU (e a outros grupos, como o PCO) é o que chama de política de “autoproclamação”. Alegam estes que os morenistas crêem que seu agrupamento é o “partido pronto e acabado” dos trabalhadores, bastando que estes venham a aderir a ele. Além disso, “O Trabalho” também critica a feroz oposição que o PSTU, PSOL e outros partidos dissidentes fazem à qualquer ação que envolva a sigla do PT, alegando se tratar de oportunismo ao confundir direção burocrática142 com militância143 e também que tal oposição divide e enfraquece o MO-ME.

Já o PSTU e o PCO tecem fortes críticas à permanência de “O Trabalho” no PT144, que consideram um partido totalmente degenerado e contrarrevolucionário. Também se recusam a apoiar qualquer candidato ou ação política que carregue a bandeira do PT, por duvidar da honestidade da militância tanto do partido quanto dos sindicatos ligados a ele.

Dissolução no PT

Em 1986 uma forte crise atingiu “O Trabalho”. A maioria de sua Direção à época, que tinha como seu principal lider

continuar decidindo pela nação”, afirma OT.136 In “Estamos condenados a aceitar o ajuste?”. O Trabalho, 12/07-25/07/1995, pp. 05.137 Em seu jornal de julho de 1995, OT disse contar com 2000 adesões, em vários Estados, à “Carta Aberta” lançada por Sokol. (“Editorial”). Nas páginas centrais, publica uma lista com as principais adesões: Joelson Oliveira (Coordenação Nacional do MST); José Carlos Rocha (Coordenador do Fórum pela Democratização da Comunicação); Jorge Evandro (Pres. da CUT-PA); Jairo Carneiro (Pres. da CUT-RS); Averaldo Menezes de Almeida (Pres. do Sindipetro de Cubatão/SP); Lauro Campos (Senador PT/DF) e outros. Os nomes citados estão na ordem da lista publicada à página 04. Ver: O Trabalho, 12/07-25/07/1995. 138 Ver Anexo II.139 É atualmente o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado).140 Como se intitulam os membros do PSTU.141 Referencia a Organisation Communiste Internationaliste (OCI), em francês; Organização Comunista Internacionalista, em portugues. In pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Comunista_Internacionalista_%28Fran%C3%A7a%29.142 Referencia a Lula, José Dirceu etc.143 Referencia a correntes do PT, CUT, UNE.144 Atualmente criticam também a permanencia na CUT e na UNE

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Luis Favre145, contraria as orientações internacionais, e se dissolve no interior da ART do PT146 e não mais edita o jornal. Um importante grupo, particularmente em São Paulo, mantem a continuação do jornal e da organização, que perdeu muitos militantes.

Democracia Socialista (DS)

Em relação à corrente DS do PT, que também se proclama trotskista, “O Trabalho” sempre manteve uma política de distanciamento. Recentemente, o jornal editou várias matérias criticando o então ministro do governo Lula, Miguel Rossetto.

Divisão de 2006

Em 2006 ocorre nova crise, agora com a divisão da corrente “O Trabalho” do PT. Atualmente existem 2 organizações que reivindicam para si as tradições bolcheviques e da IV Internacional. Uma permaneceu com o nome de “O Trabalho” e a outra adotou o nome de “O Trabalho (Maioria)” - depois “Esquerda Marxista do PT”.

Apesar do pleito em torno das tradições, o SU-QI (1993), atesta “O Trabalho” como sendo a sua seção brasileira e não “O Trabalho (Maioria)”, que exigia o seu reconhecimento. A corrente que usava o termo “maioria” porque, à época da cisão, seus dirigentes eram a maioria da Direção Nacional da corrente. Por sua vez, o jornal “O Trabalho” segue sendo o órgão oficial da Seção Brasileira da IV Internacional (1993) e a “Esquerda Marxista” do PT passou a editar o jornal” Luta de Classes”.

A resolução da representação internacional foi tomada no 6º Congresso Internacional, em 2006, ano em que a organização completaria 30 anos de existência. O órgão de imprensa oficial da IV Internacional (1993) 147, que publica a revista “A Verdade”148, pronunciou-se rechaçando o agrupamento dirigido por Serge Goulart. Este declarou “equivocada a reproclamação da IV Internacional em 1993”. Atualmente os 2 grupos não mantém qualquer relação entre si.

Quem Somos

O jornal “O Trabalho” é o órgão da seção brasileira da IV Internacional, a corrente “O Trabalho” (OT) do PT. Lançado em 01/05/1978, em plena ditadura militar, o jornal se colocou desde o começo a serviço da organização dos trabalhadores em um partido político próprio e em uma central sindical independente dos patrões e do governo. Hoje, quase 3 anos de o governo Lula, que ajudamos a eleger, uma questão se coloca. Qual a origem da crise que atravessa a nação e o PT?

A corrente “OT” do PT, Seção Brasileira da IV Internacional, sempre se recusou a assumir cargos no governo. Mantivemos nossa independência porque, junto com milhares de trabalhadores, fundamos o PT para a luta da classe trabalhadora e não para colaborar com o capital. Por isso, hoje, reafirmando o “Manifesto de Fundação de 1980”, reivindicamos a continuidade do PT com base nos compromissos inscritos em seu Manifesto.

Na situação concreta do Brasil, como corrente “OT” do PT - que em qualquer circunstância combate pela independência das organizações - nos pronunciamos pela ruptura com a burguesia e o imperialismo, e exigimos:

• Ruptura com o FMI; não pagamento da dívida;• Ruptura das alianças com os partidos burguesas. Fora os ministros capitalistas do governo• Um verdadeiro governo do PT para atender as reivindicações do povo trabalhador

As páginas de nosso jornal cobriram e participaram da luta contra a ditadura e dos combates desenvolvidos em escala internacional pela classe operária e a juventude. “OT” esteve presente na luta pela construção do PT como um partido sem patrões e na fundação da CUT. “OT” continua presente na luta dos trabalhadores, por sua emancipação. Convidamos o (a) companheiro (a) a acompanhar e contribuir com essa discussão, enviando-nos suas sugestões, críticas e opiniões.

A IV Internacional

Fundada em 1938, sob direção de Leon Trotsky, a IV Internacional é herdeira do combate de revolucionários de Marx, Engels e Lenin. Ela continua o trabalho feito pelas 3 primeiras Internacionais, cada uma a seu tempo, na organização política da classe operária. Depois de um período de crise a partir dos anos 50, que levou a sua destruição como organização mundialmente centralizada, a IV Internacional foi reproclamada em 1993. Os trotskistas não têm interesses distintos do conjunto da classe operária. Por isso, a IV Internacional desenvolve sua ação junto com outros militantes, das mais diversas origens, que também defendem uma política independente, no quadro do Acordo Internacional dos Trabalhadores (AcIT)149.

Esquerda Marxista (EM)150

EM é a seção brasileira da CMI151, tendo como principal dirigente Serge Goulart.No final do mês de Abril de 2007, os militantes da corrente “O Trabalho (Maioria)” realizaram uma Conferência

Nacional interna, encerrando uma etapa na vida da organização. Uma nova etapa se iniciou baseada no aprimoramento da

145 É o pseudônimo de Felipe Belisario Wermus, ex-ativista político franco-argentino, residente no Brasil. Ficou conhecido por ter sido casado, entre 2003 e 2009, com Marta Suplicy, ex-Pref. da cidade de São Paulo, ex-Min. do Turismo e atual Min. da Cultura, E que permanece no PT. In pt.wikipedia.org/wiki/Luis_Favre.146 Da qual fazem parte Lula, José Dirceu e as principais lideranças do PT e da CUT.147 In pt.wikipedia.org/wiki/IV_Internacional_%281993%29 e in www.quarta-internacional.org/?lang=pt.148 Editada deste os tempos da Oposição de Esquerda, precursora da IV Internacional. In www.quarta-internacional.org/spip.php?rubrique2&lang=pt.149 Ver Anexo I.150 In www.marxismo.org.br.151 Sigla de Corrente Marxista Internacional. In es.wikipedia.org/wiki/Corriente_Marxista_Internacional e in www.marxist.com/pt.

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orientação do nosso trabalho e focando nossos esforços na construção da organização na classe operária como a EM, cuja expressão é o jornal “Luta de Classes”152.

A EM luta pelas reivindicações, democráticas, populares, operárias e pela revolução socialista.Luta contra o Governo de Coalizão entre o PT e os partidos burgueses. Impulsiona o MNS153, luta contra o racismo e

pela universalização dos direitos. Organiza a JM154. Os ferroviários da EM ocuparam um papel dirigente no combate de resistência contra a extinção da RFFSA155 e em defesa dos direitos e reivindicações dos ferroviários.

A EM do PT', dirigiu a ocupação de algumas fábricas, principalmente em Joinville (SC). Desde 2002, a EM impulsiona o “Movimento das Fábricas Ocupadas”156 reivindicando a estatização sob controle operário. Na Cipla, por exemplo, a jornada de trabalho foi reduzida para 30 horas semanais, sem reduzir salários nem direitos, quando a fábrica estava sob controle operário que durou até o ano de 2007. Popularizou a luta pela estatização

No IV Congresso Nacional do PT em 2010, junto com outros setores do PT apresentou uma Tese 157 onde defende a abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção, a ruptura da coalizão do PT com a burguesia, o fim do pagamento da dívida externa/interna. Defende a Revolução Venezuelana com a campanha “Tirem as mãos da Venezuela”158.

A EM, tem membros eleitos na Direção Nacional da CUT e no Diretório Nacional do PT. No III Congresso do PT, o grupo dirigido por Goulart mudou seu nome para “EM do PT”. Afinam sua união com a CMI, dirigida por Alan Woods 159, que veio ao Brasil, sendo recebido por Goulart. Estes fatos indicam a efetiva ruptura entre os grupos.

A Libelu fez uma festa de 30 anos. O blogue esteve lá160

Perto de 300 pessoas se encontraram num salão de festas na Vila Mariana, no sábado à noite, para comemorar os 30 anos de fundação da OSI. Em novembro de 1976, num encontro clandestino, no litoral de São Paulo, nasceu a OSI, grupo trotskista que dirigia a tendência estudantil “Liberdade e Luta”, além de oposições sindicais em categorias de trabalhadores, como bancários, professores, metalúrgicos e químicos.

Do ponto de vista das personalidades que, 2½ décadas depois, tornaram-se ocupantes do 1º escalão do governo Lula, o encontro do fim-de-semana foi notável pelas ausências. Ali não estavam os Min's. Antonio Palocci nem Luiz Gushiken, nem Clara Ant, assessora de Lula. As ausências se explicam.

Gushiken deixou a OSI logo depois de sua fundação, quando Lula começou a formar o PT. Clara Ant e Palocci deixaram a OSI na ½ da década de 80, quando a organização enfrentou uma luta interna que a dividiu no meio. Uma parte integrou a ART, a corrente majoritária do PT comandada por Lula e José Dirceu. Assumiu posições destacadas no PT e integrou os primeiros escalões do governo Lula a partir de 2002. A outra parte manteve-se como organização própria e atua no PT com o nome de corrente “O Trabalho”. Ainda mantém relações com o núcleo de trotskistas franceses criado durante a II Guerra Mundial, que tem como liderança um veterano militante, Pierre Lambert.

Duas décadas depois, os remanescentes dos 2 grupos não se falam nem se frequentam. Tornaram-se adversários dentro do PT, onde a ART - que é uma corrente muito mais ampla, com apoio nos sindicatos e em diversas forças - possui quase a ½ dos votos internos e “O Trabalho” fica em torno de 1-2%. Político com sua reconhecida aptidão para trilhar por regiões conflagradas, o vereador José Américo Dias, que participou da fundação da OSI e integrou suas fileiras nos primeiros anos, sendo hoje membro da corrente da ex-Pref. Marta Suplicy, compareceu a festa de aniversário e fez uma pequena saudação aos presentes.

Na platéia, era possível ver antigos agitadores de barriga saliente e calvície acentuada. Entre os jovens presentes, muitos usavam camisetas com fotos de Che Guevara, figura que passava longe dos movimentos trotskistas, há 30 anos. Os estudantes não vinham da USP nem de outras universidades da elite brasileira, mas de escolas do cinturão industrial de São Paulo. Do ponto de vista social, o público era claramente menos endinheirado do que as reuniões plenárias de décadas atrás. O ingresso custava R$ 3. Era possível localizar grupos de operários, inclusive um senhor aposentado, integrante de uma comissão de fábrica do ABC. Um dos presentes mais conhecidos era Gegê, líder do Movimento Sem-Teto de São Paulo. Na mesa, uma liderança estudantil e 3 veteranos, fundadores da organização: Markus Sokol, Julio Turra Filho e Misa Boito.

Quando a OSI foi fundada, há 3 décadas, o país vivia sob a ditadura militar e a militância política era uma ação de risco. Mas seus membros tinham a sensação de que o futuro estava ao alcance da mão. A ditadura acabou, o país vive o mais amplo regime de liberdades de sua história, pela 1ª vez o Planalto é ocupado por um Presidente vindo do MO e Popular.

Acho respeitável o esforço de todo militante que dedica horas de trabalho e de lazer para defender uma idéia política - afinal, este é o combate que importa na vida pública. No sábado, eles controlavam a entrada, vendiam livros e folhetos, ajudavam no preparo de sanduíches e refrigerantes. Muitos fazem isso há muitos anos. Mas tenho certeza de que nenhum deles imaginava enfrentar uma subida de montanha tão íngreme, tão cheia de obstáculos, numa geografia muito adversa.

Memória: Paulo Skromov161

A carreira do entrevistado contempla parte importante da história do movimento sindical brasileiro de 1960-80, que levou a criação do PT. Fundador do PT e membro de sua 1ª Direção, Skromov chama neste momento os petistas a uma reflexão sobre a utopia e os princípios partidários.

152 In www.marxismo.org.br/?q=lutadeclasses.153 Sigla de Movimento Negro Socialista. In www.mns.org.br/index2.php.154 Sigla de Juventude Marxista. In www.juventudemarxista.com.155 Sigla de Rede Ferroviária Federal S.A.156 Referencia a Cipla, Interfibra, Flaskô e outras. In www.fabricasocupadas.org.br.157 Referencia a tese “Virar á Esquerda, reatar com o Socialismo”.158 In tiremasmaosdavenezuela.blogspot.com.br.159 In es.wikipedia.org/wiki/Alan_Woods.160 Autor: Paulo Moreira Leite. In blog.estadao.com.br/blog/paulo/?title=a_libelu_fez_uma_festa_de_30_anos&more=1&c=1&tb=1&pb=1.161 Entrevistado por Rose Spina é editora de Teoria e Debate. In Teoria e Debate nº 63 - julho/agosto de 2005. Publicado em 20/12/2006.

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Comece por nos contar um pouco da sua origem. De onde eram seus pais, qual foi sua formação?

Meu pai, um imigrante russo, nasceu na Lituânia, em uma família de colonos, cristã ortodoxa. Meu avô paterno era do exército do czar, antes da Revolução. Tinha ido colonizar a Lituânia. Tomava conta de um parque florestal, perto da capital, quando veio a guerra, em 1914, e o exército alemão tomou a Lituânia, cercando São Petersburgo. Ele foi parar em um campo de concentração na Alemanha, só voltando para a Lituânia no final da guerra. Dez meses depois meu pai nasceu. E, como o território continuou sob influência alemã, a família resolveu mudar-se para o Brasil, no início da década de 20.

Já minha mãe era de uma família cabocla. Meu avô materno foi um fazendeiro que faliu na crise do café e, logo após isto, morreu afogado. Foi daqueles que não resistiram a desonra da dívida. Minha mãe, a única mulher em uma família de 11 filhos, era professora. Ela morreu de câncer. Aos 10 anos de idade, passei a viver com um tio, irmão dela, também professor.

Onde você nasceu?

Minha mãe dava aula na fazenda em que meu pai trabalhava. Casaram-se por volta de 1944. Nasci em agosto de 1946, em Piracicaba, mas morávamos em Salto Grande do Paranapanema. Tenho 4 irmãos de pai e mãe e 1 irmã só de pai. Meu pai vive em Avaré. Foi esse o motivo de voltar para o interior, quando me aposentei, para viver com ele e outros familiares.

O ambiente em que você vivia o incentivou a estudar?

Era um ambiente, até certo ponto, culto. Uma família de professores. Minha mãe havia estudado em colégio de freira. Mas, ao mesmo tempo, marcava o ambiente o lado do imigrante, mais liberal, voltado para as técnicas. Meu pai e seus irmãos eram bastante habilidosos. Ele era pedreiro profissional, carpinteiro - fazia uma casa sozinho - e também era pescador.

As mudanças da nossa família têm a ver com a pescaria. Saímos de Piracicaba para Salto Grande do Paranapanema; depois, fomos para Itapura, divisa com Mato Grosso, atrás de peixe. E ele chegou a ir até Coxim, no Rio Taquari, já em uma região próxima ao Pantanal. Morei em lugares muito bonitos.

Isso até os 10 anos, porque depois você voltou a morar em Piracicaba.

Não, com meus tios era outra vida. Fui para Votuporanga, depois Olímpia, Bebedouro e Ribeirão Preto, onde conclui a Escola de Comércio e comecei a trabalhar. Em Olímpia, fui office-boy, em turno de ½ período, pois estudava. Em Bebedouro, trabalhei no Cartório do 2º Ofício, no Fórum. O 1º emprego de carteira registrada foi em uma indústria, Tintas Ypiranga, em São Bernardo mas tinha um depósito em Ribeirão Preto, em 1962. Trabalhei lá por indicação do Argeu Egídio dos Santos, considerado comunista na cidade. Mas, militando no movimento sindical, vim a saber que ele era pelego. Meu contato no escritório foi o Rubens Francisco Luchetti. Este, sim, era um libertário; na verdade não era comunista, porque não era do partido.

Você já fazia essas avaliações ideológicas?

Não propriamente. Luchetti era delegado sindical dos químicos e me atraiu para o movimento sindical porque queria ter um peão representante. Eu trabalhava no depósito, separava os pedidos e pegava as caixas de galões de tinta. Até ganhei uma bursite, nessa fase. Era bom funcionário, porisso fiquei bastante inconformado quando me despediram, no dia 01/04/1964.

Mas por quê? Já era por atuação sindical?

No 1º momento, eu não havia me associado, mas vivia naquele ambiente. O Luchetti era considerado comunista. Organizamos na empresa a greve geral de 1962 e a de 1963.

Qual a ligação dele com essa circunstância?

Tinha contato com o PCB, mas eu entendo que não era orgânico. Era simpatizante.

E qual o seu contato com o PCB?

Já naquela época eu tinha influência de um tio, Lázaro Sampaio Matos, maquinista da Companhia Paulista de Ferro. E ele era militante do PCB e distribuía o jornal “Voz Operária”. Morava em Porto Ferreira, pois a política da estrada de ferro era isolar os comunistas em ramais secundários. Tanto que, para o tamanho da cidade, havia uma belíssima célula de comunistas na ferrovia. Com ele estava um bilheteiro, o Sumaré, que parou várias vezes as fazendas, as usinas da região. Depois do golpe de 1964, em uma greve na usina do Matarazzo - no município de Luiz Antônio - houve um massacre. Os grevistas foram massacrados pelo Exército. Em 1965, parece que houve apenas mais 2 casos, em Minas e no Ceará.

E como se deu essa influência política?

Ia para Porto Ferreira nas férias. Fiquei simpatizante da Juventude Comunista. Já na eleição de 1960, havia rachado com a Direção Nacional, porque não queria o Lott. Portanto, apoiava Jânio Quadros e Jango. Para o militante do PCB-SP, Jânio tinha bases operárias, que vinham da Vila Maria. Nas fábricas, havia uma tensão com o janismo, visto como populista. Depois, quando presidente, por exemplo, Jânio condecorou Che Guevara. Havia tiradas, tanto pela direita quanto pela esquerda, surpreendentes. Isso, de certa forma, seduziu os comunistas do PCB, especialmente uma parte da Direção Estadual. Eu me lembro

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que cheguei a tomar conta de um comitê Jânio-Jango. Eu ainda era menino e punha aquele disco da vassourinha. Mas era só uma inclinação política; coisas da época. O PCB era muito confuso, ainda não tinha a marca classista, que depois veio a fazer parte de sua imagem. Em 1962, o partido apoiou Ademar de Barros, tido pelo movimento sindical inimigo público nº 1 dos trabalhadores.

Você já tinha essa crítica claramente?

Tinha uma consciência de classe elementar. Eu era sindicalista; ainda que fosse um delegado de base, por intermédio do Rubens Luchetti. Perdi o emprego e, inocentemente, procurava outro usando a carteira com a baixa no dia 1º de abril. Aprovavam-me, pediam para eu ir trabalhar, quando chegava, havia alguma desculpa. Ligavam para a empresa, que informava que eu era sindicalista. Só depois de 6 meses arrumei emprego, na Petróleo Ipiranga, onde fiquei pouco tempo, me preparando com um colega para o concurso no Banespa. Passamos, ele ficou em Ribeirão Preto e eu assumi em São Paulo, na seção de compras do banco. Logo que cheguei, em 1965, o sindicato estava se livrando do interventor.

Não queria estudar mais?

Queria voltar a estudar, sim. Já havia terminado o curso de comércio, de 2º grau. Quando cheguei a São Paulo, ganhei um concurso literário sobre cidades históricas paulistas; escrevi sobre Ubatuba. O prêmio era uma viagem a Ubatuba, para ficar em um hotel por uma semana, e iria de avião teco-teco. Reli o trabalho e o achei muito conservador. Estava aprendendo noções de marxismo e não tinha feito um trabalho de acordo com o materialismo histórico, por isso não usufruí do prêmio.

De onde vinham essas noções de marxismo?

Vinham das minhas leituras. No banco, estavam voltando ao trabalho aqueles que haviam sofrido a repressão de 1964. Pedro Iovine, Pres. do sindicato, esteve na prisão na Ilha das Cobras (RJ), e havia sido cassado. Era militante do PCB.

Como você chegava a um lugar e identificava essas pessoas?

Era faro. Já fora delegado sindical em 2 empresas. De repente, surgia um boletim, e eu atentava nos comentários. E o sindicato logo me sindicalizou. A esquerda havia sumido do sindicato, estavam só os grupos dissidentes do PCB e alguns grupos católicos. O Sind. dos Bancários de São Paulo teve eleições em 1965. Quando cheguei, essa diretoria estava tomando posse, e houve até unidade para tirar o interventor. O PCB tinha hegemonia. Mas havia dissidência do PCdoB e também do PCB; e a Ala Vermelha já tinha surgido. Naquele tempo, as eleições sindicais eram bianais, então, em 1967, eu já tinha mais de1 ano de banco.

Com qual desses grupos você se identificava?

De modo geral, com os setores que estavam à esquerda do PCB. Concordava com as críticas que faziam à condução do sindicato, no sentido de que era conservadora, não mobilizava e não confiava nas bases. Só costurava por cima.

Em 1967, nossa chapa foi derrotada. Na época, as chapas eram identificadas por cores, e lançamos a nossa verde. Aliás, esse era um código: chapas verdes significavam setores à esquerda do PCB e as azuis eram só do Partidão.

Perdemos, mas o Frederico Brandão, que era o Pres., nos convidou para ajudá-lo. Fizemos um bom trabalho no Depto. Cultural até 1968. Fundamos o Sindicurso, um cursinho preparatório para vestibular. Era um curso alternativo, um ambiente cultural interessante e politizado, mas eficiente - tinha um índice alto de aprovação.

A ditadura havia cassado políticos de esquerda, de centro e alguns de direita, como Lacerda, Ademar de Barros e Jânio Quadros. Havia cassado Jango desde a 1ª hora, perseguiram e prenderam membros do PCB e mais à esquerda, Brizola. Os mais notáveis estavam no exterior e começaram a propor redemocratização, na tentativa de convocar eleições com liberdade partidária, revogar o AI-2, entre outras metas. Nesse contexto, em 1967, o PCB lança o MIA 162. Tenho até a impressão de que era um reflexo, na área sindical, da Frente Ampla, com apoio de algumas lideranças mais à direita e da esquerda sindical. A esquerda havia ganhado os Sind. de Metalúrgicos de Osasco, com o José Ibrahim, e o de Contagem e Belo Horizonte, com o Ênio Seabra, militante da AP, apesar de este não ter tomado posse. Mas deu posse à diretoria dele. Portanto, 2 diretorias que estavam no nosso campo, do setor mais à esquerda do PCB, eram nossa grande inspiração. Nós chegamos a fazer várias concentrações em sedes de sindicatos e depois até saíamos em passeata. Nossos discursos tinham mais força do que aquelas ponderações do PCB.

Com isso, a relação entre nós e o Pres. do sindicato ficou difícil. Em 1968, o pessoal do Ênio Seabra fez uma greve na Belgo-Mineira em que reivindicavam 10% de abono salarial. Os operários ocuparam a fábrica e prenderam os engenheiros. A polícia e o Exército cercaram o local, ameaçando explodir tanques de combustível e de produtos químicos. O Min. do Trabalho, Jarbas Passarinho, surpreendentemente decretou um abono desse valor para todos os assalariados. Isso em abril, antes do Maio francês. E nós estávamos preparando a greve em Osasco, com o Zé Ibrahim.

Nesse mesmo ano de 1968, ocorreu em março a morte do Edson Luís, no restaurante Calabouço, e a Passeata dos Cem Mil, ambas no Rio de Janeiro. Existia um clima de mobilização nas capitais, porém mais estudantil que operário. E houve, em São Paulo, o 1º de Maio na Praça da Sé, feito pelo MIA, com a presença do Gov. Abreu Sodré. Estavam o Joaquinzão, Pres. do Sind. dos Metalúrgicos de São Paulo, o Frederico Brandão e, entre outros setores, os dos têxteis e gráficos. Havia em torno de 6000 pessoas, em plena ditadura. Hostilizamos o governador, para não deixá-lo falar. Nenhuma palavra sua pôde ser ouvida; ele perdeu a paciência e nos xingou. Arrancamos os paus das faixas e jogamos em direção ao palanque - um acertou na testa dele, fazendo escorrer sangue na hora. Imediatamente, um cordão de isolamento de seguranças civis atirou para o alto. E, como o palanque era na escadaria da Sé, abriram a porta da igreja e todos os que chamávamos de pelegos - vários companheiros do PCB no meio - correram. Assim, naquela manhã de 01/05/1968, nós tomamos conta do palanque e fizemos a festa das oposições, tendo

162 Sigla de Movimento Intersindical Anti-Arrocho.

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José Ibrahim como o grande comandante. Depois, saímos em passeata em direção à Pça. da República. O DOPS teve uma reação retardada e, quando chegou à praça, encontrou o pessoal do PCB e do Joaquinzão.

Havia participação de intelectuais nessas manifestações?

Nesse fase, encontrei alguns intelectuais por estar cursando de História da USP em 1968. Conheci o Otaviano de Fiori, o Fábio Munhoz, Julio Colasso, Armando Borgus. Todos haviam militado no PORT, Seção Brasileira da IV Internacional.

Nesse grupo, havia mais militantes sindicais?

Não, só eu era ligado ao movimento sindical. Os demais eram professores de universidade ou de cursinhos e também havia alguns alunos. Nesse momento, estourou a grave de Osasco. O Zé Ibrahim e o José Campos Barreto, que mais tarde foi morto com Lamarca no sertão da Bahia, foram os principais companheiros que tomaram o sindicato. Essa greve envolveu milhares de trabalhadores. Os 2 foram presos, a diretoria foi destituída e o Min. Passarinho decretou a intervenção no sindicato. Isso em julho de 1968. Desde aquele momento, o regime começou a reprimir mais, o movimento ganhou ousadia, e veio aquele desastre do Congresso da UNE, em Ibiúna.

Ainda antes, teve a campanha salarial dos bancários, em setembro. A oposição foi muito bem na assembléia, deu o tom para a greve geral dos bancários. Mas não conseguiu, porque a diretoria fechou um acordo: conseguiu reaver a data-base. Mas o pessoal do Banco de Crédito Real de Minas Gerais - eram 22 agências só em São Paulo - não se contentou com o acordo e decidiu parar em todo o país. E pela 1ª vez em uma paralisação, usou piquete no centro de São Paulo.

A maior parte das agências estava em pontos comerciais importantes. Foi quando usou-se bolinhas de gude contra a Cavalaria e “miguelito” para furar pneus de ônibus, carros, e viaturas, além da persuasão, para tentar manter uma greve. Depois alguns foram para a greve dos bancários do Paraná. E lá também foi muito na base do piquete.

Mas veio a repressão ao Congresso da UNE, em outubro, e o AI-5, no funesto 13/12/1968. E a partir daí a coisa piorou. Ainda mais grave foi o conduta da militância desse campo do qual eu participava. A maioria havia rachado com o PCB e até com o trabalho da AP católica, baseado na tese de que eram pacíficos demais. E que havia como armar a violência revolucionária, a guerrilha urbana ou a rural. Mal iniciava uma experiência de auto-organização dos trabalhadores e, de repente, os mais experientes da oposição deixam o movimento sindical.

Aos poucos, soube-se que haviam se entrado na luta armada. Houve uma dispersão. Largaram o movimento de massas e foram para a luta armada, com a qual eu não apoiava. Isso ficou na garganta até abril de 1978, com a mobilização da classe trabalhadora, que deu origem ao PT e à CUT. Ficamos cada vez mais isolados e não havia como não sermos pegos. Vivíamos fugindo, víamos a notícia no jornal de que o companheiro fulano tinha sido morto na Rua Bresser, entre outras matérias iguais. Todos morriam na OBAN, que depois se tornou DOI-Codi. E fomos levando...

No sindicato e na universidade?

Na universidade não ia mais, porque eu estava muito cansado. Em 1969, por exemplo, ainda comandamos um boicote ao restaurante do banco. E começamos a fazer reivindicações para mobilizar o próprio local de trabalho. E fazíamos o “Nosso Jornal”. Prossegui na “Participação Ativa”, até maio de 1970, quando caí na clandestinidade.

Como foi isso?

Decidimos militar em maior harmonia com o sindicato. Não dava para fazer oposição. Perdemos novamente, em 1969. O sindicato estava preparando o Congresso da Federação, em São Paulo e em Mato Grosso. E apoiamos a idéia de fazer um 1º de Maio de 1970 - o pior ano da ditadura. O Sindicato dos Têxteis de São Paulo comprou o prédio onde o Graciliano escreveu “Memórias do Cárcere”, um presídio da época da ditadura Vargas. Fomos para lá, no dia 1º de maio, e eu fiz o boletim da “Participação Ativa”. Levamos em torno 400 pessoas ao local, e o DOPS prendeu 19 companheiros. Nove dias depois, o corpo de Olavo Hansen apareceu em um terreno baldio, onde hoje é a Imigrantes. Tinha mais de 50 contusões, mas ele morreu envenenado.

Quando vimos o laudo, avisamos ao Franco Montoro, ao Sobral Pinto e ao Ulisses Guimarães. Fui ao Congresso dos Bancários, em Campinas, e falei que testemunhara a prisão do Olavo pelo DOPS. Mas o Min. da Justiça dizia que se era um crime comum. Me preparei para ser preso, limpei minhas gavetas, dando fim aos livrinhos de Mao, Trotsky, Rosa Luxemburgo. Em 22/05/1970, 2 agentes do DOPS foram até o banco. Era horário de expediente, de modo que o banco tinha de me liberar para o DOPS, fiquei esperando no Depto. Pessoal. Os companheiros mandaram o contínuo levar umas pastas para a sala onde eu estava. Falei para deixarem a porta destrancada, pus a pasta debaixo do braço e saí da sala, passando pelos policiais na antessala.

E então caiu na clandestinidade?

Sim, larguei a escola e a família, para não contaminar. Fiquei na casa de parentes da minha namorada, na clandestinidade, e naquele mesmo ano nos casamos.

Isso durou quanto tempo?

Depois de 1 ano, concursei para comprador da Embratel. Eram 2 vagas, fiquei em 2º lugar, mas não me chamaram.

Usava o seu nome verdadeiro?

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Na Embratel, sim. Diziam que o DOI-Codi e o DOPS estavam em briga, e um não passava as coisas para o outro. Mas um dia o Valter Roberto Paixão, que era da Oposição Bancária, me deu um recado do Del. Fleury: “Fale para o Paulo se entregar, se não fizer isso, na hora em que o pegar, vou presuntá-lo”. Um ano depois - com documento novo e nome diferente - batalhei um emprego numa empresa de calçados e bolsas. Fui me sindicalizar, levei 10 propostas de filiação ao pessoal da empresa, e o interventor dos sapateiros me esnobou.

Peguei as propostas de sócios, cortei o timbre do sindicato dos sapateiros e fiquei sócio do sindicato dos coureiros! Depois de certo tempo, teria eleição. E pensei que, com o interventor, nós não entraríamos em chapa. Mas o interventor decidiu que não entraria na chapa e disse que era importante que eu entrasse. Dessa forma, entrei na diretoria.

Disse ao meu patrão que poria meu nome verdadeiro. Ele era um judeu húngaro, trabalhador de fábrica, participou do processo da Revolução dos Conselhos na Hungria, em 1956, e foi perseguido. Contei minha situação e ele disse que mudava o registro. Mas eu não cheguei a tomar posse, que seria em 08/10/1973. Três dias antes fui preso em um mercado no bairro da Água Branca e levado para a Rua Tutóia, onde funcionava a OBAN.

Queriam saber sobre alguns comitês de mobilização de metalúrgicos e condutores que eu estava organizando. Em 1972 fizéramos um movimento porque o Maluf queria extinguir a função de cobrador.

Articulado com quem?

Com operários de várias categorias. Não era ninguém da esquerda tradicional. Eram peões que íamos conhecendo.

E o que o DOPS queria de você?

Queria saber sobre a Organização de Mobilização Operária (OMO). Fui torturado, e um dia me chamaram dizendo que eu podia ir embora. Haviam prendido minha mulher e uma prima minha, na cela das mulheres, mas elas foram liberadas antes. A maior preocupação, quando somos presos com alguém, é a outra pessoa.

Por quanto tempo você ficou preso?

Um mês, somente no quartel. Não fui sentenciado. Fui preso e detido para averiguação, mas, como voltaram a me procurar, fui embora para a Argentina, onde fiquei até fevereiro de 1974. Lá tive condições de organizar muitos brasileiros, alguns eram refugiados do golpe do Chile. Fui ajudado pelo pessoal do ERP163. Ajudei a fazer a aproximação entre os grupos trotskistas. Havia o “Outubro” na Europa, que era formado pelo Vitor Paes de Barros Leonardi. Aqui, a “Fração Bolchevique Trotskista” tinha como principal dirigente o Vitor Letícia. Fizemos uma reunião de vários grupos brasileiros que estavam no exterior e participei de uma reunião com um grupo que viria a ser a Convergência Socialista (CS). Não estava ligado a essa corrente política, mas seus membros tinham uma sede em Buenos Aires, o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), cujo líder era o Nahuel Moreno.

Frequentei por certo tempo a sede do PST: lá havia uma editora e livraria, onde eu ficava lendo. Um dia, o próprio Moreno mandou me chamar - ele era dono de um restaurante atrás da livraria, onde a maioria dos militantes almoçava. Disse que me dava um vale mensal para o restaurante se eu o ajudasse a bolchevizar alguns companheiros que eram refugiados do Chile. E fui para a reunião. Lembro-me que tinham um texto sobre o Brasil em que diziam que o regime militar brasileiro era fascista. Era comum, nos países sul-americanos, culpar o Brasil. Conceituavam nosso país como subimperialista.

As reuniões foram interessantes, reavivamos as discussões em que Trotsky explicava a Mateo Fossa 164 que não se cria um grande partido operário fazendo um jornal de clarividências e assim os militantes vão chegando. Propunha, para os EUA e para a Argentina, a criação de um partido seguindo mais ou menos o método do Labor Party: fazer um congresso sindical e organizar um partido que fosse a expressão política do MO. Nós discutíamos isso no Trotskismo e aguardávamos o momento em que houvesse uma disposição de várias lideranças operárias em fundar um partido amplo.

Ficou quanto tempo na Argentina?

Fui em novembro e voltei em fevereiro. Depois, retornei ao meu emprego e ao sindicato. Mas enfrentei um certo receio por parte de companheiros de sindicato, que eram pouco politizados, e fiquei mais de 1 ano sem mandato. No inicio de 1975 me deram posse. Resolvi entrar para uma fábrica grande. Já que havia sido preso, estava novamente na vida civil, usando meu próprio nome. Entrei na Primícia, em São Bernardo do Campo, em abril de 1975 e saí só em 1995, quando me aposentei. Na seção onde trabalhava havia 80 mulheres e 6 homens; isso para mim era uma experiência nova. Todos os funcionários eram sindicalizados, mas a empresa não sabia. Eu recolhia as mensalidades e trazia os recibos.

E a militância política?

Era uma loucura, fazia reunião de célula à tarde e à noite, depois do expediente. Era uma tentativa de retomar os contatos; aquilo que eu tinha feito na Argentina, um trabalho de unificar os grupos trotskistas. Em 1976, por exemplo, fizemos uma reunião, unificando 4 ou 5 grupos daqueles dispersos em Porto Alegre. Criamos a Organização Marxista Brasileira (OMB). Ainda estavam comigo o Paixão, o Vitor Letícia, o Vitor Leonardi e outros. Era uma organização séria, deu origem à OSI.

Na OSI havia a Libelu. Fizemos uma radiografia de seus 500 estudantes e descobrimos que havia 150 professores e 150 bancários. Chamamos todos: “Tem de se sindicalizarr”. Eram parte da classe trabalhadora e não atuavam nas suas entidades. O Luiz Gushiken, por exemplo, era um desses estudantes e foi um dos fundadores da Tendência Sindical Classista (Tesicla).

163 Sigla de Exército Revolucionário do Povo. In es.wikipedia.org/wiki/Ej%C3%A9rcito_Revolucionario_del_Pueblo e in es.wikipedia.org/wiki/Partido_Revolucionario_de_los_Trabajadores_%28Argentina%29.164 Referencia a um militante sindical argentino dos anos 30.

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Proletarizamos uma parte da tendência estudantil e propusemos a ela a tarefa de frequentar o sindicato. Em outubro de 1977, houve o Congresso da OSI, e fui eleito para a Direção por unanimidade. Quatro meses depois,

o Luís Favre me expulsou, como inimigo da classe operária e fora do campo da revolução. Tudo em francês - ditou de Paris.

Por quê?

Porque eu queria que o grupo participasse do 1º de Maio do Benedito Marcílio, Pres. do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, e eles queriam que participasse do ato do Zé Pedro da Silva, que era da Oposição Sindical, em Osasco. Afinal, o do ABC tinha uma nova liderança. Quem não conhecia achava que o Lula iria ser pau-mandado do Paulo Vidal, um pelego.

Na véspera do 01/05/1978, ainda não tinha eclodido as greves, mas havia greve todos os anos. A partir daí, mudou a estilo das greves. Em 12/05/1978, a Scania parou e o SMABC apoiou a greve: não fez o acordo sem antes passar por assembléia. E a greve da Scania durou por mais 2 dias até sair um acordo, e logo depois houve uma avalanche de greves fabris.

À noite, abria o sindicato para debater a preparação do 1º de Maio e dele participava o pessoal da OSI; Markus Sokol e Glauco Arbix eram dirigentes. O Zé Américo Dias, hoje vereador em São Paulo, e o Luiz Gushiken ainda eram de base nessa fase. A maioria orientada pelos franceses - não sabíamos -, que tinham se infiltrado na OSI. Mas, nossa ligação não era de subordinação a eles, porque nosso comitê para reorganizar a “4ª”. Portanto, cada um tinha sua autonomia nacional. Um dia, fariamos um congresso, para aí sim criar uma organização internacional. Os meninos que viajaram para Paris, que tinham essa condição, faziam escola de quadro e saíam militantes do grupo francês. Vinham para cá, e depois soubemos até financiavam a infiltração no grupo brasileiro. Depois do 1º de Maio, o Stephanie Gist, ligado ao grupo do Lambert, saiu daqui com uma impressão muito ruim, porque eu queria jogar força no ato de Santo André. Levaram isso tão a ferro e fogo que fui expulso.

Pelo Favre?

Dizem que foi ele quem ditou a nota e que o Glauco ou o Sokol traduziu para o português e depois me comunicaram. Em seguida, nos separamos bastante.

As greves iniciaram em São Bernardo e em 1979 o Brasil inteiro havia feito greve, até os coveiros. Meu sindicato parou 176 metalúrgicas em São Paulo: nos tornamos uma fábrica de fazer panfletinho, mosquitinho, enfim, o que fosse preciso na paralisação de fábricas. Éramos 11 mil coureiros, depois fundamos mais 1 sindicato, com mais 6 mil filiados, ligados ao setor de bolsa e luva. O sindicato dos couros de São Paulo era a sede das oposições, e era tudo socializado para o movimento. A minha pequena gráfica funcionava para as oposições: bancários, químicos, plásticos, vidreiros...

Depois de expulso, sua atuação se restringiu à sindical?

Sim, sempre tendo em vista a questão do partido. Queriamos criar um Partido dos Trabalhadores. Depois da expulso da OSI, tornei-me independente, mas com fama de organizado. Todos me viam como trotskista. Assim me acheguei ao Mario Pedrosa e do Fábio Munhoz, que ajudou a ganhar os primeiros intelectuais para o PT.

Em julho de 1978, ocorreu o IV Congresso da CNTI165, ligado oficialmente ao Ari Campista, que tinha a coragem de se dizer o pelego nº 1 do Brasil. Reuniu 1.500 delegados: os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste ficaram hospedados em quartéis da Marinha e do Exército, e as delegações do Sudeste em hotéis. O encontro foi aberto por Geisel, que se pronunciou desta maneira: “Quero que o pessoal que está comigo sente-se à minha direita e quem está contra mim sente-se à esquerda”. Mais de ⅔ sentaram-se no lado direito - era o pessoal que estava nos quartéis - e ⅓ sentou-se do outro lado.

Ficamos em minoria antes mesmo da abertura do congresso. Perdíamos todas as nossas propostas na votação. E a imprensa chamou atenção para o pessoal minoritário, que incluía Joaquinzão e o Cinésio, dos borracheiros, enfim gente que não era exatamente dirigente combativo. Foi nessa ocasião que se criou a expressão “dirigentes sindicais autênticos”.

E a discussão sobre a criação do partido?

Em 1978, já havia essa conversa, mas houve um momento em que separamos um pouco, porque um grupo foi fazer a campanha do FHC e dos chamados candidatos populares. Defendi o voto nulo, e só depois do 15/11/1978 reaproximamos desse outro grupo. Foi quando o Lula, em 11/12/1978, nos chamou para um churrasco no sindicato.

Era uma reunião só com 12 presidentes de sindicatos. E o Lula falou: “Que tal nós fundarmos um partido só de trabalhadores, sem patrão?”. E 1 a 1 opininando. O Jacó Bittar falou que estava de pleno acordo. Depois, falou a pelegada: “Não. Acabamos de eleger o pessoal do MDB. Que história é essa de rachar agora? É errado, sou contra”. Já o PCB dizia: “Mas para que fundar um partido? Ele já existe desde 1922”. Eu dei o 3º voto a favor da idéia do Lula e o José Cicote o último.

Quatro a oito?

Isso. Tínhamos uma Intersindical para articular as direções. Era um movimento por 4 bandeiras: salário mínimo real unificado nacionalmente, liberdade e autonomia sindical no direito irrestrito de greve, aumento real de salário, garantia de emprego. Depois, sem avisar, o Lula propôs, na reunião da Intersindical, que incluísse também a bandeira por um Partido dos Trabalhadores. Acabou aprovado, porque o PCB foi pego de surpresa, e isso virou a 5ª bandeira da Intersindical.

Em Lins, a criação do PT foi aprovada, e também no Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, com 30 sindicatos. A imprensa noticiou largamente: “O Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo aprova o PT”. Todo o mundo queria saber o que era o PT, e nós não havíamos feito nenhuma reunião para dar os contornos.

165 Sigla de Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria.

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Já se falava na sigla PT?

Sim, virou a coqueluche na imprensa. Mas, em 18/01/1979, havia uma nova reunião da Intersindical em Osasco, e o PCB mobilizou os aposentados e nos derrotou. Chegamos à conclusão de que propor partido não era coisa de sindicato. Nos reunimos, abatidos, quando o Wagner Benevides, do Sind. dos Petroleiros em Minas Gerais, lançou uma bravata: “Se vocês de São Paulo não querem construir o PT, nós em Minas queremos”. E pela 1ª vez marcou uma reunião pró-PT, em São Bernardo, só com os presidentes de sindicato, exceto o Cicote, que era secretário, e do Robson Camargo, representante dos artistas.

Nessa reunião, discutiu a Carta de Princípios. A imprensa queria saber o caráter, os contornos, o teor da proposta. Em 21/01/1979, fomos a Porto Alegre, falar com o Olívio Dutra, que reuniu por volta de 20 presidentes de sindicato, e 3 ou 4 dirigentes nacionais da CS participaram de nossa 1ª reunião. Eles queriam tornar o punho o símbolo do novo partido, mas fizemos uma votação e ganhou a proposta da estrela.

E a estrela surgiu como?

A estrela é o símbolo tradicional do movimento socialista. Só que o P e o T não eram como são hoje, eram arredondados como o JP, da Juventude Peronista, escritos nos muros em Buenos Aires. Uma letra encavalando na outra e o vermelho e o branco porque eram cores universais. A idéia de todos ali era, unanimemente, o socialismo.

Quer dizer: já havia a estrela, já existia PT, mas continuavam só sindicalistas?

Só sindicalista. Houve uma 2ª votação, em que insistiram na tese do Labor Party: para ser filiado do PT era preciso participar do sindicato, combati essa tese. O Lula saiu das reuniões no meio da discussão: “Eu não quero que vocês parem. Mas eu estou entrando em campanha salarial. E nossa campanha será para arrebentar. Terá greve geral dos metalúrgicos”.

O essencial já estava aprovado: seria um partido ao estilo clássico, com filiações individuais. As questões sobre o conteúdo da “Carta de Princípios” foi debatido e resolvido, a maioria delas junto com Lula. Os exilados também estavam voltando: Miguel Arraes, Zé Ibrahim, Manoel Conceição.

E eles aderiram ao novo partido?

Conseguimos que o Zé Ibrahim e o Manoel Conceição dessem apoio ao PT, mas não era a linha dos grupos que eles militavam. A AP, do Manoel, trabalhava por uma depuração do MDB, que era a proposta do FHC. Tivemos apoio do Jair Ferreira de Sá, dirigente de uma ala da AP que estava entendendo melhor o PT. O nosso 1º deputado foi o Edson Khair, do MDB/RJ.

Em que momento essas reuniões se ampliaram?

Em julho, em São Bernardo do Campo, tivemos uma reunião tripartite com dirigentes sindicais, intelectuais e políticos. Essa reunião surgiu de uma tensão porque houve uma ofensiva muito forte sobre a liderança do Lula, por parte de alguns exilados que haviam retornado, em particular do Almino Afonso, e de alguns militantes de esquerda que se mudaram para São Bernardo, como o Alemãozinho e o Osmarzinho, ligados ao José Aníbal, hoje vereador em São Paulo. No entanto, eles acompanhavam o FHC onde quer que ele fosse e tentaram levar o Lula para esse lado.

O FHC tinha a proposta de criar o Partido Popular Democrático e Socialista (PPDS). O Augusto Campos e eu participamos de uma reunião desse PPDS representando o PT, em maio de 1979, e percebemos que era composta basicamente pelo MR-8 e pelo pessoal do MDB, que acabou fundando o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Esse partido seria um MDB sem adesistas. O Almino insistiu tanto que o Lula concordou em fazer uma espécie de seminário: essa reunião tripartite. Durante 3 dias discutimos a realidade nacional e o processo de reorganização partidária. Felizmente, os dirigentes sindicais foram bastante firmes, pois do contrário teríamos participado do PMDB, e não do PT. No final do Encontro criaram uma Comissão, que se reuniu 4 ou 5 vezes, formada por 3 sindicalistas, 3 intelectuais e 3 políticos.

E o que prosperou desses encontros?

Nada, logo o Lula percebeu que não era o caminho. Organizamos a reunião de 13 de outubro, decisiva para a fundação. Foi no restaurante Demarchi, em São Bernardo, com a representação de 13 estados, aproximadamente. Participaram intelectuais e toda a esquerda que estava interessada no PT. A maioria queria que abríssemos uma porta, já que não havia como entrar no PT se não fosse presidente de sindicato.

Criamos as normas transitórias de funcionamento, também houve uma nota política sobre a conjuntura: o processo de reorganização partidária. As normas transitórias de funcionamento criavam a figura dos núcleos: “Forme seus grupos e comunique. Organize-se por toda parte sob essa bandeira”. Criou-se o 1º estatuto, entre aspas, que dizia que o núcleo deveria ter no mínimo 21 militantes e se instalar em local público, se pudesse, com tabuleta na frente. Para acabar com aquela tradição de clandestinidade da esquerda e forçar o partido de massa.

Em 27 de janeiro fundaríamos o partido e instituiríamos a Comissão Provisória Nacional. Éramos 11: Lula, Olívio Dutra, Wagner Benevides, Jacó Bittar, Henos Amorina, José Cicote e eu. E mais os 2 anistiados, o Zé Ibrahim e o Manoel Conceição, e depois o Dep. Edson Khair e o bananeiro Arnóbio Silva, de Itanhaém. Organizamos um manifesto que foi assinado por 101 eleitores divididos em 5 estados. Em menos de 1 mês havia 200 núcleos em São Paulo.

Era aquele animação, mas reunir a Comissão para redigir o manifesto era um terror. A turma do Zé Aníbal ia e não tinha brio de dizer que era contra o PT, e sempre levava teses do FHC para nossas reuniões. Dessa forma, ficava aquela tensão.

Esse grupo tinha aderido ao MR-8 e, em um Congresso no Rio de Janeiro, apresentou como condição da adesão que

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não atrapalhassem o trabalho de infiltração que estavam fazendo no PT, partido que eles definiam como anticomunista e precisava ser destruído. Como eu tinha outra impressão do Alemão e do Osmar, as portas da comissão que fazia o manifesto estavam abertas a eles. Em 31 de janeiro, tivemos uma reunião dura, ainda com essas intromissões, e batemos na mesa - faltando 4 dias para a fundação eles deixaram de participar. Fizemos a reunião apenas com os 11 e o clima era tranqüilo.

E como foi o dia da fundação, que acabou adiado para 10 de fevereiro?

Tinha um clima muito bom, diverso daquele inferno vivido no preparo do manifesto pela comissão. Fez-se um calendário e fomos tocando, mas havia muita intriga. Diziam que havia alguns doidos que levariam o PT à ruína, e eu era o chefe. O Jornal da Tarde publicou uma página sobre a minha vida na clandestinidade. Algo assim: “Camarada Maurício, hoje Pres. do Sind. dos Trabalhadores em Ind. de Artefatos de Couro de São Paulo”. Ainda estávamos sob a ditadura, ocorriam prisões políticas.

A imprensa criou esperança em setores de ultraesquerda em cima de mim, que era um militante com formação trotskista. Naquele momento, muito mais próximo do Mário Pedrosa e do Fábio Munhoz, e propusesse que os trotskistas se unissem no interior do PT para agilizar o processo de organização, não via outra opção partidária. Mas havia militantes que viam no PT - mesmo os trotskistas - só um espaço de ação eleitoral, institucional, sem abrir mão de projetos partidários específicos.

Uma parte da esquerda continuava crendo que a construção do partido era, mais ou menos, uma cópia do que os bolcheviques haviam feito na Rússia. Surge um falso debate no partido, provocada pela imprensa: partido de quadros versus partido de massa. Entre 10 de fevereiro e 1º de junho, houve um bombardeio contra o PT.

Em 1º de junho, o que aconteceu?

Em 1º de junho foi feita a aprovação do programa e ocorreu a eleição da Direção Nacional Provisória. Já não era a Coordenação Nacional Provisória. Ultimamos as providências para a legalização e preparamos o processo para ser levado ao TSE para reivindicar o registro. O 10 de fevereiro foi o pontapé inicial, o manifesto, mas tínhamos de completar o processo, aprovando o programa e o estatuto. Entre essas 2 datas, vivemos um processo terrível de intervenção exterior no PT. Basta conferir os jornais da época, principalmente O Estado de S. Paulo, o Jornal da Tarde e a Folha de S.Paulo.

Houve ainda a prisão do Lula nesse período.

Ficou preso por 42 dias. Nesse tempo, acompanhei a campanha de fidelização e a prisão dele. Houve um encontro paulista, pela 1ª vez. Criou-se nos grupos de ultraesquerda, que aderiam ao PT, a expectativa de que eu seria o porta-voz deles.

Que grupos, por exemplo?

O que seria hoje o PCO166, à época Causa Operária, e vários grupos dissidentes, dessa ou daquela organização. No Encontro Estadual de São Paulo, esses grupos teriam a maioria, se eu aceitasse a incumbência. Senti que aqueles mesmos setores que queriam a nossa ruptura em outros momentos queriam nos levar ou levar o Lula.

Havia uma votação decisiva naquele encontro. Proporcionalidade no Diretório era consenso, mas não na Comissão Executiva (CE). Se uma chapa perdesse da outra por 1 voto, era excluída da CE. Portanto, isso convidava o setor perdedor a sair. Naquele momento, em que não havia ainda muito apego, concluí que o setor que devia abrir mão era eu. O Osmar Mendonça, ligado ao Zé Aníbal, fez a defesa da não-proporcionalidade na CE, e o Joãozinho Gonçalves, de São Bernardo, propôs que houvesse a mesma proporcionalidade que existia para a Direção. Conclusão: não haveria proporcionalidade.

Os grupos mais radicais me falaram: “Vamos ter de ganhar, para não sermos excluídos”. Eu falei: “Se ganharmos, o Lula sai do PT. E de que adianta fazermos o PT sem o Lula? É exatamente o contrário. Quem tem de abrir mão e não lançar chapa somos nós”. Dois meses após, em julho, sai o MR-8, o PCB, o Vanderli Farias, Osmar Mendonça e Alemão, entre outros. Lançam um manifesto nacional e racham com o PT. Minha vitória não era estar na Direção, mas a preservação da tese do PT.

Você não faz mais parte da direção, mas continua tendo militância partidária.

Fui uma das pessoas que militaram ininterruptamente, nos 26½ anos do PT. Não fiquei um dia fora.

Qual a sua avaliação desse momento que o PT está vivendo, as denúncias, a crise?

As reservas morais do PT são muito grandes para enfrentar tempos como este. Estamos muito preocupados com todas as denúncias, mas temos confiança.

As pessoas, às vezes, desanimam. Muita gente está com o copo vazio de esperanças, sem tesão pelas mudanças e pela militância. O PT cresceu da classe operária e se desenvolveu, sobretudo, ligado ao proletariado. Com a desindustrialização caiu o número de operários drasticamente; a indústria diminuiu seu peso na atividade econômica do país. O moral da classe trabalhadora não é o mesmo do período de 1978-89, quando havia orgulho de ser pessoas produtivas, criadoras de riqueza. A classe operária hoje está prostrada, após de 10 anos de Plano Real, de desemprego continuo, de desmobilização.

O Lula ganhou a eleição em uma fase de total desmobilização. O PT, a CUT e o MST se ressentem da queda do tamanho da classe operária no país. Não pode-se descuidar desse fato. O PT tem em seu seio o que tem de melhor na sociedade brasileira, o que há de mais generoso e idealista. A esquerda precisa valer do jubileu de prata do PT e fazer um balanço, porque o PT protagoniza a expectativa. Os olhos da esquerda mundial estão voltados para o PT. O Lula assumiu em uma condição diferente de todos os governos de esquerda que vieram antes, de descenso do movimento social.

166 Sigla de Partido da Causa Operária.

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O PT tem dificuldade de entender seu papel, que deveria ser livre e independente do governo. Há ocasiões em que o governo estava à esquerda do PT, do movimento social e, até mesmo, de grupos de esquerda, como PSOL e o PSTU. O governo Lula propôs imposto sobre as grandes heranças e as grandes fortunas, e não se viu uma voz no PT, no movimento social, a favor de mobilizar para garantir essas mudanças na reforma tributária. Há ocasiões em que o governo foi paternalista, uma vez que não havia o clamor da sociedade. Gostaríamos de ver esse governo à direita da sociedade. Em um processo de total desmobilização, ele tem de fazer reformas mais ou menos consensuais. Deveríamos estar mobilizados, para empurrá-lo para a esquerda.

Os 25 anos também impõem a falta de um balanço sobre a utopia e os princípios. A esquerda deve deixar de crer que a violência é a parteira da história, caso contrário não reaverá a credibilidade para o socialismo. O socialismo está vivo porque é preciso superar o capitalismo. Como resgatar a credibilidade do socialismo e da esquerda? Temos de ser diferentes da direita, porém temos de nos livrar de alguns desvios graves. O Stalinismo é só uma face deles. Os fins e os meios têm de estar perfeitamente afinados. Não erguo o dedo contra ninguém, em especial, mas para todos nós.

O PSTU

Liga Operária (LO)

LO foi uma pequena organização operária socialista e trotskista brasileira, fundada em 1972 que durou até 1978, teve papel importante nas lutas estudantis e operárias na década de 70 e na criação da CS e do PT.

História

Com o aumento da repressão no Brasil, na ditadura militar, alguns militantes da esquerda brasileira vão para o Chile, no governo de Allende. São eles Túlio Quintiliano, ex-militante do PCBR167, Enio Buchioni, ex-militante da AP168, Maria José

Lourenço (Zezé) e Jorge Pinheiro, ex-militantes do MNR169, e Waldo Mermelstein.No Chile, durante o IX Congresso IV Internacional entram em contato com 2 importantes militantes do movimento

trotskista internacional, o crítico Mário Pedrosa e o peruano Hugo Blanco. Mário Pedrosa os coloca em contato com Nahuel Moreno, reunindo-se então num grupo chamado “Ponto de Partida”, na proposta de fundar um partido de massas.

Com o golpe de Pinochet, em 1973 Túlio Quintiliano é detido junto com sua esposa Narcisa Beatriz Verri Whitaker, e levado para a Escola Militar, tendo sido mandado para o Regimento Tacna170. Enio Bucchioni também foi detido após o golpe, mas encaminhado ao Estádio Nacional. Foi um dos últimos brasileiros a sair de lá, exilando na França e, depois, em Portugal. Zezé, Jorge e Waldo vão para a Argentina, onde fundam a LO. Em 1974 voltam ao Brasil para um trabalho político clandestino de atuação política e sindical, chegando a reunir 300 militantes até 1977.

Maio de 1977 - Operação Lotus: LO na mira da ditadura171

Impelido para a abertura política, a ditadura decide arrasar as organizações do MO que poderiam crescer durante “distenção” politica. Dentre elas, a LO, uma organização socialista que surgiu em 1973, ligada à IV Internacional.

Nas vésperas do 01/05/1977, ativistas sindicais e militantes são presos distribuindo panfletos comemorativos a data172. Todos foram barbaramente torturados e depois processados pela Justiça Militar, enquadrados na famosa LSN 173. Incomunicáveis, corriam risco de morte nas mãos da polícia que não reconhecia as prisões. Iniciou aí uma grande mobilização nacional na luta pela anistia no Brasil e pelo fim das torturas.

A LO apoiou no movimento de massas, em especial no ME. A reação dos estudantes foi imediata. Surge então uma campanha de calúnias contra a LO. O odioso Del Fleury acusa a organização de “atuar na luta armada” e de fazer “justiçamento”. O Secret. de Segurança de São Paulo, Cel Erasmo Dias, garantia que as prisões eram o início da “devassa no mundo da subversão.

Neste mesmo ano o PST174 da Argentina, dirigido por Nahuel Moreno, funda a “Tendência Bolchevique”, como uma tendência da IV Internacional, agrupamento ao qual a LO se filia.

Movimento Convergência Socialista (MCS)

Em janeiro de 1978, na PUC-SP, a LO lançou o MCS que visava fundar um PS legal, reunindo os socialistas brasileiros para participar abertamente da vida política brasileira. Começa a se articular assim o MCS, que consegue reunir alguns

167 Sigla de Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Brasileiro_Revolucion%C3%A1rio.168 Sigla de Ação Popular. In pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Popular_%28esquerda_crist%C3%A3%29.169 Sigla de Movimento Nacionalista Revolucionário. In pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Nacionalista_Revolucion%C3%A1rio.170 Desde então, encontra-se na lista dos desaparecidos politicos. In www.desaparecidospoliticos.org.br/pessoa.php?id=1569.171 Autores: Américo Gomes, José Welmowich e Bernardo Cerdeira. In pstu.org.br/partido_materia.asp?id=14698&ida=0.172 Referencia aos operários Celso Giovanetti Brambilla, José Maria de Almeida e Márcia Bassetto Paes, da LO, além de Ademir Mariri, Fernando Antonio de Oliveira Lopes e Anita Maria Fabri.173 Sigla de Lei de Segurança Nacional. In http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Seguran%C3%A7a_Nacional.174 Sigla de Partido Socialista dos Trabalhadores.

Referencias Bibliograficas• Website do PSTU• Entrevista com Maria José (Zezé), uma das fundadoras da Liga Operária• Banco de dados Folha de São Paulo, sobre prisão dos ativistas sindicais da Liga Operária. 10/05/1977• Depoimento de Marcia Bassetto Paes, sobre artigo do jornalista Emiliano José na revista Carta Capital• Orvil a Resposta do Exército Brasileiro• O Trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma análise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002. Andrei da Cunha Guerrero Gutierrez. Dissert. UNICAMP• Breve história da corrente trotskista morenista no Brasil. autor: Bernardo Cerdeira• As esquerdas no Brasil: Revolução e democracia (1964-) Por Jorge Luiz Ferreira e Daniel Aarão Reis. RJ: Civilização Brasileira. pp. 157• Movimento Nacionalista Revolucionário site Brasil Escola• Memorial do Comunismo: Organizações terroristas brasileiras em Usina de Letras

Bibliografia• Emiliano José. Asas Invisíveis do Padre Renzo. Editora: Casa Amarela. ISBN 8586821292. Memórias de Pe. Renzo Rossi que visitava os presídios e as famílias dos presos “desaparecidos”, entre 1964-1980.• Artigo em espanhol sobre o jornal Independência Operária publicado pela organização Liga Operária• José Castilho Marques Neto. Solidão Revolucionária - Mário Pedrosa e as Origens do Trotskismo. Paz e Terra, 1993.

Figura 2. Referencias Bibliograficas e Bibliografia

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dos velhos militantes socialistas brasileiros. A LO passa a se chamar PST, que integra o MCS. O movimento era apoiado pelo jornal “Versus” que publicava um folheto, “Versus Especial - A Palavra da Convergência Socialista”.

Em 19/08/1978 realiza-se a I Convenção Nacional do MCS, esta convenção nacional reúne mais de 300 delegados, de 8 estados, e 1200 presentes. No dia 21/08/1978, 3 dias depois da convenção, os órgãos de repressão abortam este processo, prendendo 24 militantes da MCS, todos da LO, são enquadrados na LSN e mantido presos durante todo o 2º semestre.

O operativo vinha sendo preparado há 1 ano pelos órgãos repressivos e tinha o nome de “Operação Lótus” que resulta na prisão de militantes, membros do Comitê Central e dirigentes internacionais. Entre eles Nahuel Moreno que corria um grave perigo. A Argentina vivia sob uma ditadura genocida, que chegaria a massacrar mais de 30 mil militantes políticos. Moreno, conhecido dirigente socialista, estava exilado na Colômbia. Se fosse deportado para a Argentina seria certamente assassinado.

Os presos iniciam uma greve de fome exigindo que fosse enviado de novo à Colômbia e a libertação de todos. A greve foi seguida por militantes da CS instalados no DCE da PUC-SP e na Arquidiocese de Nova Iguaçu. A greve durou 14 dias e se deu junto com uma enorme campanha internacional. Contou com pronunciamentos dos Parlamentos nacionais da Espanha e de Portugal, e com mensagens pela libertação como do escritor Gabriel García Márquez.

Um mês após a prisão, Moreno é expulso para a Colômbia. Os 10 presos da CS passaram do DOPS, pelo presídio Tiradentes e do Barro Branco, onde havia diversos outros presos políticos. Foram libertados em dezembro de 1978.

A LO foi reprimida não porque “fazia na luta armada”, conforme a versão da repressão. Mas sim por buscar se fixar no movimento de massas, em especial entre os operários que, pouco depois, iriam fazer a luta que marca a derrocada da ditadura.

A Dissolução do PST e o Movimento por um Partido dos Trabalhadores no Brasil

Em 1979, constatando que o MCS era basicamente formado apenas pelos militantes do PST e prevendo o ascenso do movimento dos trabalhadores no Brasil, o PST decide se dissolver e integrar-se na CS, que existia como associação legal.

Durante o X Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo, em Lins (SP), de 22-27/01/1979, José Maria de Almeida, ativista do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e militante da CS, propõe um manifesto chamando “todos os trabalhadores brasileiros a unir-se na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”. A moção é aprovada. Em março de 1979 explode a greve dos metalúrgicos do ABC e do interior paulista.

Repressão a Imprensa Socialista

No marco do ataque à imprensa alternativa, em jornais como o Pasquim, Opinião, Movimento, entre outros, um dos eixos da Operação Lótus era o ataque aos veículos de comunicação da CS.

Em setembro de 1978, o Del Edsel Magnotti, diretor do DOPS-SP envia um ofício ao Delegado Regional do Trabalho pedindo fiscalização junto à sede do jornal Versus. Em outubro, o mesmo delegado, em seu informe ao Juiz-Auditor, diz que: “infiltraram-se... através do jornal VERSUS,.. com intuito de obtenção de fundos e aliciamentos de novos elementos para a ampliação dos quadros do PST”. Em seguida, o jornal foi atingido por uma bomba e coberto por pichações.

Em março de 1979, os diretores e redatores do jornal “Convergência Socialista” são vítimas de um IPM 175 para “investigar” a atividade das organizações de esquerda no movimento grevista dos metalúrgicos do ABC.

Em 1980, a CS sofre um atentado a bomba na sede do Rio de Janeiro e, em 03/08/1979, uma bomba é lançada na sede de Santo André. Episódio que mostra bem a relação entre os grupos de ultradireita e os órgãos oficiais de repressão.

A sede da CS no ABC foi atingida por um artefato incendiário, mas a policia fez uma busca depois do incêndio onde recolheu documentos considerados subversivos e prendeu militantes. Depois de 3 anos de perseguições e estrangulamento financeiro e contábil e de várias campanhas para tentar manter a publicação, o Versus não resiste e fecha por problemas financeiros. É criada, então, a Editora ACS Ltda. que continua a publicar o jornal “Convergência Socialista”.

No dia 01/10/1981, “Dia Nacional de Luta”, a sucursal do “Convergência Socialista” em Recife foi invadida pela PF e vários militantes detidos. O relatório do SNI se contrapunha ao relatório da PF (PE), que opinava sobre o arquivamento de inquérito contra a CS. O relatório a: “Na hipótese de ser arquivado o processo, ter-se-á perdido excelente oportunidade de, senão extinguir, pelo menos diminuir sensivelmente a atuação da CS, dentro dos ditames legais. A não cassação dos estatutos da CS em São Paulo mantém em aberto perigoso precedente, qual seja o de se permitir a existência legal de uma organização subversiva”.

Durante toda a ditadura o Estado violou sistematicamente o direito de organização e expressão contra a CS por parte dos órgãos repressivos, torturando, infiltrando agentes do Estado e espionando as atividades da organização.

O saldo de toda perseguição política foram dezenas de presos, torturados, demitidos, militantes obrigados a uma vida clandestina ou semiclandestina, tendo que mudar de cidades várias vezes, sem poder exercer suas profissões ou estudar.

O Movimento Convergência Socialista (MCS), as greves e as propostas do PS e do PT176

A CS177, também chamada como “Alicerce”, ligada a um centro de irradiação liderado argentino Hugo Miguel Bressano Capacete, ou Nahuel Moreno178, pelo que seus seguidores se nomeam “morenistas”; hoje está legalizada e fora do PT179.

Nahuel Moreno liderou a formação da LIT-QI180, uma dissidência da SU-QI. Fundada em 1981, em Bogotá, a LIT é

175 Sigla de Inquérito Policial Militar. O IPM é a apuração sumária de fato que seja tipificado na lei como crime militar e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal. Está previsto no Código de Processo Penal Militar. In pt.wikipedia.org/wiki/Inqu%C3%A9rito_Policial_Militar.176 Autor: Bernardo Cerdeira.177 In pt.wikipedia.org/wiki/Converg%C3%AAncia_Socialista.178 In pt.wikipedia.org/wiki/Nahuel_Moreno.179 Trata-se do PSTU. In pt.wikipedia.org/wiki/PSTU e in www.pstu.org.br/principal.asp.180 Sigla de Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional. In pt.wikipedia.org/wiki/Liga_Internacional_dos_Trabalhadores_-_Quarta_Internacional.

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ligada ao “Morenismo”. Após a morte de Moreno, em 26/01/1987, a LIT viveu sua crise no final dos anos 80 e início da década de 1990. O ápice desta querela foi a divisão da sua maior e mais importante seção: o MAS181. No Brasil era representada pela CS.

Os anos de 1978-79 foram decisivos para a luta de classes no Brasil. Em maio de 1978, a greve da Scania iniciou uma onda de greves de metalúrgicos, professores, bancários e trabalhadores da construção civil que convulsiona todo o país até a derrota da grande greve dos metalúrgicos do ABC em 1980. A força de uma nova e poderosa classe operária em luta golpeia o regime militar, obriga-o a acelerar a “Abertura”, conceder a “Anistia” e, um pouco mais tarde, a legalizar os partidos políticos, principalmente o PT, que não estava em seus planos. Ao mesmo tempo, um setor da burocracia sindical, o chamado “sindicalismo autêntico” dirigido por Lula, procura encabeçar o movimento grevista e construir um projeto político e sindical próprio.

Nesses anos se abriu uma situação pré-revolucionária que preparou a queda da ditadura militar em 1984, com a campanha das “Diretas Já”. Também se fixaram as bases para a construção do PT e da CUT, 2 organizações que marcaram, para o bem e para o mal, o evolução da classe operária brasileira nesses 30 anos.

A LO e as organizações que a sucederam nesse período, o PST e a CS, tiveram um papel ativo e de vanguarda nessa fase, muitas vezes superior a suas forças e ao seu curto período de existência. Ao mesmo tempo, pagaram um preço por essas debilidades. A luta pela independência política da classe operária e a proposta de um PS.

Desde seu berço, em pleno regime militar, a LO sempre polemizou182 com PCB, PCdoB e outras organizações que defendiam a participação e o fortalecimento do MDB, partido burguês contra o regime militar. A LO defendia a necessidade da organização de um partido da classe operária que provesse uma opção classista. Sustentava que esse passo seria muito progressivo para a classe operária brasileira que, até então, só uma vez (em 1946) votará em um candidato de um partido operário, o PCB. Na maioria absoluta das vezes, por orientação do próprio PCB e por falta de opção, tinha sido obrigada a votar em partidos burgueses.

Depois das mobilizações estudantis de 1977, a LO concluiu que a ditadura seria coagido a acelerar a política de “Abertura Lenta e Gradual” de Geisel. Esse fato criaria espaço para uma ação semilegal e um espaço de independência de classe a ser ocupado por um Partido Operário. A Direção concluiu que esse espaço permitiria a criação de um PS, valendo da “onda” mundial de crescimento desses partidos, especialmente o PSP183, na Revolução dos Cravos, e o PSOE184. Valendo-se da dinâmica de crescimento da organização, que chegara a 250 militantes em dezembro de 1977, a Direção da LO aprovou um plano ousado.

Em 1º lugar lançou a idéia de um PS tendo como porta-voz da proposta o jornal “Versus”, um veículo da imprensa alternativa de cuja redação participavam militantes da LO e que passara a apoiar de conjunto a idéia de um PS. Em janeiro de 1978, “Versus” convocou uma reunião para discutir a proposta do PS e o lançamento de um movimento pró-PS. A reunião ocorreu no Tuca Arena da PUC-SP e contou com cerca de 300 pessoas. Aprovou-se a proposta de dar ao movimento o nome de CS.

Em março, a CS ganhou notícias na “Folha de S. Paulo”, em “O Estado de S. Paulo” e no “Jornal do Brasil” por realizar a 1ª reunião pública de socialistas, no Colégio Equipe de São Paulo. Compareceram cerca de 800 pessoas. Muitos tiveram que escutar a reunião por meio de alto-falantes colocados nos corredores, já que o salão não comportava o número de presentes. Essa reunião foi seguida por outras no Rio de Janeiro, em Campinas e no ABC. Nos meses imediatos, a CS foi fundada em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, onde a LO nunca tivera militantes.

Em março, a LO faz um Congresso, muda seu nome para PST e decide atuar de modo semilegal através da CS e levar sua política por meio do jornal “Versus”, que passa a ser vendido por todos os militantes, além da sua tiragem habitual em bancas, onde distribuía 30 mil exemplares. Depois 1½ mês irrompe a classe operária no cenário político nacional.

Pela 1ª vez desde 1968, organizações operárias comemoram o 1º de Maio abertamente: as oposições sindicais realizam um ato em Osasco e o Sindicato de Metalúrgicos de Santo André faz um ato que chega a reunir 2000 operários. A CS participa com vários oradores no ato de Santo André, caracterizando que era uma expressão da corrente sindical “autêntica”.

Alguns dias após o 1º de Maio, a Scania de São Bernardo entra em greve, seguida de dezenas de fábricas metalúrgicas do ABC paulista que param uma atrás da outra, numa onda que se estende para São Paulo nos meses de junho-julho, abrindo a mais importante onda de greves da história do país, durando até a derrota da grande greve metalúrgica do ABC de 1980.

A CS, que já vinha intervindo no ABC, principalmente no Sindicato de Metalúrgicos de Santo André através de Zé Maria e outros quadros deslocados para a região, resolve publicar seu 1º jornal legal em apoio aos grevistas. Sai um número especial do jornal “Versus” com o título “A palavra da CS” e tiragem de 10 mil exemplares.

Ao mesmo tempo, a CS começa a organizar sua participação nas eleições para governadores, deputados e senadores de 1978. A política era apoiar candidatos operários e socialistas, que só poderiam concorrer pelo MDB, o único partido de oposição que podia ter existência legal sob a ditadura militar. Para apoiar esses candidatos a CS exigia que concordassem com um programa e que defendessem publicamente a proposta de construir um PS.

As prisões da direção da CS e de Moreno

Durante todo o 1º semestre de 1978, a CS usa o espaço da abertura da ditadura e trabalha em condições semilegais. No entanto, sua direção, muito jovem e inexperiente, comete um grave erro: se impressiona com a força das lutas de massa e com algumas concessões “democráticas” do governo, que se transformam numa injustificável “confiança” na política de “abertura” do regime militar. A CS resolve realizar uma convenção e iniciar o processo de legalização do PS. Embora a Direção não pretendesse ir até o fim com o processo de legalização e sim usá-lo para pressionar os outros grupos para que se definissem pela construção do PS, o regime militar resolve dar um basta e impedir a legalização do PS, prendendo e processando sua direção.

Um dia depois da I Convenção Nacional da CS, que reuniu cerca de 1.200 pessoas numa escola do Cambuci, em São Paulo, no dia 20/08/1978, 24 militantes são presos, entre os quais a maioria do Comitê Executivo do clandestino PST.

A pior consequência desse erro é que Nahuel Moreno, o principal dirigente da Fração Bolchevique, que visitava o

181 Sigla de Movimento ao Socialismo. O MAS já havia sofrido uma cisão em 1988, com a expulsão dos “trotskistas ortodoxos”, os quais fundaram o Partido dos Trabalhadores ao Socialismo. Estes setores passaram defender a reconstrução da IV Internacional, embora se reivindicassem da LIT. O racha se deu em 1992. In es.wikipedia.org/wiki/Movimiento_al_Socialismo_%28Argentina%29 e in www.mas.org.ar.182 No ME, através das tendências que dirigia, como o Novo Rumo Socialista na USP, Proposta na PUC-SP e Ponto de Partida na UFF.183 Sigla de Partido Socialista Português. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Socialista_%28Portugal%29.184 Sigla de Partido Socialista Obrero Español. In es.wikipedia.org/wiki/Partido_Socialista_Obrero_Espa%C3%B1ol.

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Brasil a convite da Direção para conhecer a experiência da CS, também é preso. Sua prisão significava uma ameaça direta à sua vida já que Moreno, naquela época exilado na Colômbia, podia ser deportado pelo governo militar do Brasil para a Argentina, o que significaria uma morte segura nas garras da ditadura genocida daquele país.

Depois de uma campanha internacional e de mobilizações em todo o país, Moreno é expulso do país e enviado de volta a Colômbia. No entanto, 8 dirigentes da CS, aos quais se somam outros 2 mais tarde, permanecem presos até dezembro, sendo indiciados na Lei de Segurança Nacional e depois anistiados.

1979: a proposta do PT, as greves e a crise da CS

Desde o fim do 1º semestre de 1978 estava claro que a CS estava restrito às forças da corrente trotskista-morenista. Os grupos e dirigentes social-democratas que em 1977 e nos primeiros meses de 1978 falavam em construir um “partido popular socialista” haviam deixado totalmente esse projeto para fixar-se no MDB, agrupados em torno da candidatura de FHC a senador. Não queriam construir um partido próprio, socialista, e muito menos aceitavam uma CS dominada pelos trotskistas.

A idéia do PS foi uma hipótese de trabalho, uma tática que não obteve bases numa corrente real para desenvolver-se. Mas a luta por construir um partido operário e o combate pela independência de classe tinha sido um acerto. E, não menos importante, a corrente trotskista-morenista havia usado a proposta de construir um PS e a atuação semilegal para crescer. Suas forças passaram dos 250 militantes que a LO tinha em dezembro de 1977 a 800 militantes da CS em fins de 1978.

Mas agora era preciso forjar um novo projeto de independência de classe. Este debate iniciou em agosto de 1978 entre a direção do PST e Moreno, quando chegou ao Brasil e antes das prisões. Diante do surgimento da corrente sindicalista “autêntica” e da onda de greves, Moreno propôs que a CS lançasse a idéia de formar um Partido dos Trabalhadores (PT). Infelizmente, as prisões interromperam esta discussão. Em janeiro de 1979, já com a Direção fora da prisão, a CS decide desistir da proposta de um PS para propor a construção de um PT.

A proposta de construir um PT foi transformada numa moção e levada imediatamente ao Congresso do Sindicato de Metalúrgicos de Santo André por José Maria de Almeida, sendo apresentada pelo próprio Zé Maria, que era delegado do sindicato de Santo André, ao Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, realizado em Lins, que aprovou-a em 24/01/1979. A CS foi, portanto, fato pouco conhecido, a 1ª organização a propor publicamente a criação de um Partido dos Trabalhadores.

A situação da luta de classes se polarizava: em março de 1979, o governo Figueiredo assume sob o signo de novas e mais fortes greves dos metalúrgicos do ABC e do interior paulista185. A CS intervém ativamente nas greves do ABC, tendo um papel na direção da greve em Santo André, São Caetano e São José. Os próprios órgãos de repressão indicam que a CS é a organização mais ativa a intervir nas greves. O Min. do Trabalho, Murilo Macedo, vai aos principais meios de comunicação para acusar diretamente a CS e outros grupos de esquerda de estar por trás do movimento grevista.

Contraditoriamente, num momento em que vivia seu período de maior crescimento e influência, explode uma forte crise interna, fruto das contradições que vinham se acumulando desde 1978. As prisões não destruiram a organização, mas abriram uma forte crise no PST e consequentemente também na CS, porque as 2 organizações haviam se tornado numa só, já que a direção do PST que assumiu provisoriamente durante as prisões decidiu dissolver sua estrutura clandestina por razões de segurança.

No princípio, a crise se abre em torno da necessidade de fazer um balanço das prisões e dos erros políticos do ano de 1978, mas depois se estende a outros temas como a discussão sobre a legalidade, o funcionamento do partido e da direção, etc. A dissolução do PST somou um elemento democrático à crise porque não houve discussão na base. Quando a direção sai da prisão não convoca imediatamente um Congresso para fazer um balanço dos erros que levaram às prisões e suas consequências, desconsiderando a orientação da Direção Internacional da Fração Bolchevique nesse sentido. Ao contrário, a direção busca responder a uma situação nacional cada vez mais complexa e aguda de maneira autossuficiente ou nacional-trotskista.

Durante todo o ano de 1979 se desenvolve uma profunda discussão interna. O Congresso da CS em outubro de 1979 é o ponto culminante dessa grave crise. Apresentam-se 5 frações e logo após o Congresso 3 delas rompem com o partido. A organização que saltara de 4 militantes a 800 em apenas 4 anos (1974-78) voltava a ter cerca de 350 militantes. Encerrava assim um período muito rico da história da corrente trotskista-morenista no Brasil.

A CS havia superado a prova de se constituir como uma organização revolucionária que fosse uma alternativa ao reformismo do PCB e do PCdoB, lutando pela independência da classe operária e ao mesmo tempo construindo uma organização revolucionária nos moldes do Partido Bolchevique, rejeitando a concepção do “foco” ou do partido-exército guerrilheiro. No entanto, pagara um alto preço por esse rápido crescimento e sofrera sua 1ª crise importante.

As origens e ideologia do PSTU186

Nos dias 03, 04 e 05/07/1994, ocorreu o Congresso de fundação do PSTU. Com a participação de 195 delegados e cerca de 75 convidados, este evento debateu e aprovou o Programa e Estatutos do novo partido, e elegeu sua Direção Nacional.

Entre as correntes políticas que formaram esse partido destaca-se a presença da CS. E isso, não apenas por ter sido quem tomou a iniciativa de propor a unificação de várias organizações em torno dessa proposta, mas também por se constituir na principal força187 no interior desse movimento. A exemplo de outras correntes políticas, a CS, desde a formação do PT, colocou-se como mais um embrião do partido revolucionário a ser construído, concebido como uma necessidade estratégica da revolução brasileira. Dessa perspectiva decorria uma prática política que priorizava a construção da sua própria organização e, em conseqüência, uma visão tática sobre o PT.

Essa práxis gerou uma tensão permanente entre a CS e a direção do PT. Suas relações com este partido oscilaram ao sabor das conjunturas: ora prevalecendo os conflitos e enfrentamentos; ora impondo-se a negociação e recuos táticos. Esta situação se tornou mais tensa a partir do 5º EN do PT.

185 Referencia a São José dos Campos, Jundiaí e outras cidades.186 In www.espacoacademico.com.br/003/03Trotskismo.htm.187 Isto é, em termos de militância e de influência política.

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Nesse período a CS desenvolveu uma crítica aguda à política do PT, principalmente ao programa democrático e popular. Em sua avaliação este programa tinha um viés etapista pois pressupunha uma política de alianças com a burguesia em torno de bandeiras democráticas, tornadas prioritárias.

A CS propôs um programa socialista: de caráter anticapitalista, antiimperialista e antilatifundiário; que impulsionasse a luta dos trabalhadores, pela expropriação dos monopólios e o controle dos trabalhadores; pela construção dos conselhos populares, órgãos de democracia direta; e, contra o pagamento da dívida externa.

Sua política de alianças se baseia na independência de classe dos trabalhadores, ou seja, a formação da frente única classista com os partidos e organizações que se reivindicam do campo operário e popular. A CS recusou alianças políticas-eleitorais com o Brizolismo e o PSB188 e com a esquerda do PMDB e o PSDB.

Outro fator de tensão desse período foi a aprovação da regulamentação do direito de Tendência. Para a CS, essa resolução violava a democracia interna petista, limitando a liberdade das Tendências; compunha uma concepção de centralização do PT de cima para baixo, uma solução burocrática que não atendia às indefinições programáticas que estariam presentes no PT189.

Antes do 5º EN, polemizando com a DS, a CS viu na aprovação da “Resolução sobre as Tendências” no Encontro Estadual de São Paulo 2 objetivos: 1º) forçar a dissolução das correntes internas petistas 190; 2º) “centralizar ferozmente o PT, torná-lo uma organização monolítica a serviço de uma política de colaboração de classes”. Para a CS, a questão organizativa refletia uma prática política que estaria, cada vez mais, afastando o partido de “suas origens históricas, de um partido operário comprometido com todas as lutas dos trabalhadores e de combate intransigente a todas as variantes burguesas”191.

Apesar das críticas, a CS comprometeu-se a respeitá-la. Ao mesmo tempo, alertou que não abriria mão das suas posições políticas e da luta contra as restrições à democracia interna. Enquanto fundadora do PT, a CS colocou-se como “parte dos petistas históricos” que defendem o “PT histórico, ligado às lutas, independente dos patrões” 192. A defesa do PT não livrou-a das críticas sistemáticas da corrente majoritária que acusou-a de não cumprir as deliberações das instâncias coletivas e dirigentes e de desrespeitar a resolução sobre as Tendências adotada.

Este quadro acirrou-se em 1989 diante do aprofundamento da atuação externa da CS no enfrentamento com as administrações municipais petistas. Em Timóteo (MG), o funcionalismo municipal entrou em greve. O Pref. Geraldo Nascimento considerou as reivindicações justas, mas alegou não poder conceder o reajuste salarial pretendido. A CS, que participava do secretariado com 3 membros, retirou-se da comissão de negociação e rompeu publicamente com o prefeito193.

Conflitos semelhantes ocorreram em Diadema. Nesta cidade, os militantes da CS, a tendência do vereador Manoel Boni e o Grupo Independente194, confrontaram a política da Administração de José Augusto. A disputa mais acirrada se deu no episódio da ocupação do Buraco do Gazuza. A CS fez uma campanha nacional contra os métodos do prefeito 195. A campanha denunciou a existência de 2 PT's: o das origens (de luta) e o da prefeitura (contra os trabalhadores).

Em São Paulo, não foi diferente: a relação com a Administração Erundina pautou-se pelo enfrentamento público. Porém, nesse caso a Administração petista enfrentou a oposição de amplos setores do PT, inclusive do setor da ART liderado por Rui Falcão196. Por outro lado, a crítica ao programa do PT e da FBP realizou-se numa estratégia eleitoral que visava firmar um perfil político próprio diante das massas, ou seja, com faixas, panfletos e palavras-de-ordens adotados pela CS. Ou ainda, no combate, tido como positivo, a certas políticas das prefeituras petistas no sentido de indicar que elas tolhiam a campanha de Lula.

Na prática, a CS atuava como fração pública do PT197. Essa tática expressava uma análise sobre o PT e a sua direção hegemônica que, paulatinamente, se tornava predominante no interior da CS: a idéia de que o movimento de massas estava em ascenso e chocava-se com a direção petista integrada à ordem burguesa e em crescente desprestígio diante das bases, particularmente onde o PT administrava o aparato burguês municipal.

Esses elementos, aliados à perspectiva da aproximação da crise revolucionária, indicaria um novo período de construção da organização: transitar da fase do seu fortalecimento junto à vanguarda para a fase de influência direta das massas. Para isso, seria necessário aprofundar a crítica política à direção majoritária do PT e da CUT, fortalecer uma imagem própria nos embates sociais e eleitorais e, desta forma, ganhar as direções do movimento de massas. Essa avaliação foi a que prevaleceu na Conferência Nacional que a CS realizou em julho de 1989198.

Ainda não tratava-se de abandonar o PT, mas de ocupar um espaço à esquerda que estaria disponível no movimento social. Entretanto, a hipótese de construção de uma FR já era aventada199. Tratava-se de construir uma alternativa de direção.

De fato, a CS passava por inegável crescimento. Como parte do PT refletia também a expressão e influência de massa que este conquistara. Além do mais, sua tática anterior em priorizar a atuação sindical dera resultados positivos200.

Essa realidade se refletiu-se no 5º EN: em aliança com OT e a Tendência LPS, conquistou mais de 10% dos votos.

188 Segundo a CS seriam os continuadores do populismo burguês.189 Referencia as definições programáticas sobre: a concepção de socialismo, do internacionalismo, do seu caráter etc.190 Uma análise comum à maior parte das Tendências minoritárias.191 Ver: “Em Tempo e o encontro do PT-SP: resoluções positivas?”. Convergência Socialista, nº 144, 07 a 13.10.1987; e, “Ainda o documento do Encontro Estadual do PT-SP. Resposta a João Machado”. Convergência Socialista, nº 148, 04 a 10.11.1987. 192 “Editorial: Nossa posição”. Convergência Socialista, nº 154, 20.01 a 03/02/1988, pp. 03.193 Bernardo Cerdeira. “Rompemos com essa administração”. Convergência Socialista, nº 218, 22/07-02/08/1989, pp. 03.194 Liderado por Tonhão, à época vice-prefeito195 uso da justiça burguesa, da violência policial, perseguição política pela maioria do Diretório Municipal, sob seu controle196 Que era Presidente do Diretório Municipal, e atualmente Presidente do PT.197 Esta política foi criticada pela ART e por setores que a CS definia como centristas. Veja a polêmica com a DS em: Américo Bernardes. “O novo giro sectário da Convergência Socialista”. Em Tempo, setembro de 1989, pp. 18-19; e, “Resposta ao Em Tempo: o novo giro oportunista da DS”. Convergência Socialista, 06-12/10/1989, pp. 04.198 A face pública deste evento foi um ato no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em 15/07/1989. Nos dias 16, 17 e 18/07/1989, realizou-se a Conferência Nacional, restrita aos militantes e aos convidados. Sobre as decisões desta Conferência ver: CN. Resolução Política, s.d., 06 págs.199 No 1º semestre de 1989, setores da CS lançam, um documento interno, falando que o PT tornará base de sustentação do regime burguês. Estava criada as bases para construir a Frente Única Revolucionária (FUR) com os setores que rompessem com a ART e tivessem um curso à esquerda. “Apostar em uma nova direção revolucionária é apostar na construção de nossa organização como alternativa à direção da CUT e do PT, pp. 20”. No jargão interno, este texto foi assumido por um grupo de companheiros de São Paulo, sob a sigla MTR. Em nota introdutória, o Secretariado diz que a posição do CC é oposta ao documento citado.200 Especialmente em Minas Gerais, onde se tornou hegemônica no setor metalúrgico, além de eleger um vereador e conquistar uma prefeitura.

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Esta chapa, além de defender um programa socialista, teve a particularidade de propor que o candidato à vice-presidência nas eleições de 1989 fosse Júlio Barbosa, camponês vinculado à luta pela reforma agrária.

Para a CS, este Encontro consistiu um retrocesso político imposto ao PT pelo bloco majoritário 201. Esta reversão teria se materializado na aprovação de um programa reformista que negava as bandeiras históricas dos trabalhadores. Ainda nesse tema, a CS concluiu que as resoluções do 6º EN não refletiram as aspirações do movimento real dos trabalhadores da cidade e do campo e nem as próprias bases partidárias que, nas instâncias inferiores, teriam aprovado um programa à esquerda.

Este distanciamento teria como contrapartida o fortalecimento de uma alternativa à esquerda, ou seja, a própria CS. A política pela construção desta alternativa de Direção teve como efeito natural o aumento do confronto com a ART e, em menor grau, com as Tendências que a CS qualificava de centristas.

Em 1990, este conflito atingiu um nível exacerbado: destacados dirigentes petistas passam a defender abertamente sua expulsão. A iniciativa partiu do veterano comunista Apolônio de Carvalho que, na revista Teoria & Debate, diz que “há correntes políticas que por si mesmas se revelam corpos estranhos no interior do PT”. Citando a CS, Apolônio propõe que “ad referendum da instâncias mais altas, a CEN deve, a curto prazo, tornar pública a sua exclusão” do PT. Em sua proposta, a consulta à militância e aos filiados petistas deveria ser encaminhada pelo DN depois202.

O DN-PT, reunido em março, aprovou uma Resolução que punha em xeque a CS e outras Tendências. Nesta, o DN diferencia 3 tipos de atuações das organizações em relação ao PT:

1º) os que concordam com as Resoluções do 5º EN e “constituíram-se de direito e de fato nas Tendências internas” e como tal são reconhecidas;2º) os que, mesmo se dizendo Tendências petistas, tem uma ação dúbía: ora seguindo as orientações e deliberações do PT, ora seguindo as suas próprias;3º) as organizações políticas autônomas que se diferenciam do PT, embora neguem tal condição.

No 2º caso, estaria a CS e OT; no último, a Causa Operária (CO)203. O DN-PT conclama que a CS torne-se de fato e de direito em Tendência interna do PT, e supere suas ambigüidades. Seu reconhecimento como tal passou a depender do enquadramento nas exigências da regulamentação sobre as Tendências. Até então, os filiados petistas ligados à CS, candidatos às eleições, ficaram sob “suspeição”, isto é, não poderiam usar a sigla petista.

O complemento desta Resolução foi pela Secretaria Nacional de Organização através de uma norma interna que instruía as instâncias do partido sobre a forma de agir diante da dupla militância. Qualquer filiado petista, em qualquer ponto do Brasil, poderia pedir, em seus respectivos Diretórios, o uso das sanções disciplinares contra os militantes suspeitos de praticarem dupla militância. Os diretórios encaminhariam o processo à CEN, à qual poderia convocar o militante denunciado a se explicar e optar pela militância desejada. Caso ele mantivesse vínculo com qualquer organização política autônoma - o que definia dupla militância - seu desligamento do PT seria imediato. O filiado sob suspeita pode recorrer ao DN, o qual poderia decidir pela formação de uma Comissão de Ética204.

Vários dirigentes e militantes de diversas corrente se declararam contra as medidas de exclusão. Mesmo aqueles que discordavam da política da CS em relação ao PT, julgaram que as propostas dos dirigentes nacionais da ART reduzia o que deveria ser uma luta política pela integração da CS ao PT a meros procedimentos burocrático-administrativos.

A repercussão rompeu as fronteiras do PT. Em artigo no jornal FSP, Arbex comparou a conduta da Direção Nacional aos famosos processo de Moscou criados por Stalin. “Por mais elaboradas que sejam as explicações da direção do PT, a expulsão dos grupos, caso seja consumada, vai caracterizar um ponto de inflexão autoritário, stalinista, na vida do partido” 205, escreveu. Seria a reedição dos Processos de Moscou? O Pres. Nacional do PT, Luiz Gushiken, esclareceu que “a orientação é para que os presidentes de diretório conversem com as pessoas para dizer que vão indicá-las com tendo dupla militância”. Elas teriam a chance de expressarem suas opiniões. Portanto, o procedimento da direção não caracterizava “caça às bruxas”206, defendeu.

Gushiken alegou que Arbex especulou, não usou as regras básicas do bom jornalismo, e fez uma comparação que, no mínimo, indica ignorancia da polícia política da URSS207. Gushiken, recompõe a “verdade dos fatos”. Sua alegação resgata as Resoluções do 5º EN; relembra o caso da expulsão dos deputados que não acataram a diretriz do PT contra o Colégio Eleitoral em 1986; defende o direito de organizações, como a CO, formarem seu próprio partido; diz que a CS não respeita as instâncias do PT; informa que a resolução do DN foi aprovada de forma quase unânime, só o membro da CS votou contra; e, ironiza a acusação de que estaria ocorrendo perseguição política, citando como exemplo a revista Teoria & Debate que abrira suas páginas à CS208.

Em suma, o polemista não teria conhecimento de causa. O que, evidentemente, não era o caso de Gushiken. Como tal, endossou a tese de excluir a CS. Analisando a conjuntura pós-eleitoral, defende o aprimoramento da organização partidária e da sua relação com os filiados e simpatizantes. Tratar-se-ia de retomar a “feição profundamente democrática de massas”. Para isso, tornava-se imprescindível “eliminar os traços antidemocráticos, autoritários mesmos, ainda existentes”. Como? Promovendo a dissolução ou exclusão dos grupos organizados. Em sua análise, estes agrupamentos seriam “barreiras que impedem o livre acesso de novos militantes e simpatizantes à ação partidária, sem estarem sujeitos a uma rede de intrigas e acusações veladas”209.

Para Gushiken, os pontos levantados por aqueles que recusam métodos burocráticos de enquadramento das Tendências são falaciosos: “As diferenças políticas são positivas e necessárias para construir o partido, não para miná-lo, destruí-

201 Composto pela a ART e as correntes centristas.202 Apolônio de Carvalho. “Momento de exclusão”. Teoria & Debate 9, jan./fev./mar. de 1990, pp. 64-68.203 Diretório Nacional. O PT e as Organizações, op. cit.204 Secretaria Nacional de Organização. Instruções às instâncias sobre a dupla militância. 02/04/1990.205 José Arbex. “Direção do PT quer ‘stalinizar’ o partido”. Folha de S. Paulo, 16/05/1990.206 Citado in José Arbex. “Direção do PT quer ‘stalinizar’ o partido”. Folha de S. Paulo, 16/05/1990.207 O que seria uma falha imperdoável para quem era correspondente naquele país.208 Referência à réplica da CS ao artigo de Apolônio, feita por Valério Arcary, publicada na Teoria & Debate n º 10, maio de1990, na seção de Cartas, pp. 70-72. Nesse mesmo nº, o dirigente nacional do PT e da CS deu uma entrevista à Ricardo Azevedo, na qual rebate as críticas à CS Ver: Ricardo Azevedo. “Qual é a tua, Convergência?”, Teoria & Debate 10, pp. 54-60. A réplica de Gushiken está em: Luiz Gushiken. “As brumas de Moscou”. Folha de S. Paulo, 25/05/1990.209 Luiz Gushiken. “Luta em solo minado”. Teoria & Debate 10, maio de 1990, pp. 02-05.

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lo. Ou não foi destrutiva a ação da Convergência Socialista em Timóteo, onde esconjurou publicamente o prefeito petista (ex-militante da CS, aliás) por não ter seguido a política da própria CS?”210.

Enquanto Gushiken dá um sentido negativo ao caso de Timóteo (MG), a CS tem um balanço positivo. Ela parte do conjetura de que o mandato é do partido e que deve estar a serviço da luta dos trabalhadores. Se o Executivo se choca com estes, então, “desonra o mandato”. Entre o prefeito e a luta dos trabalhadores, a função do partido, defende a CS, é apoiar os trabalhadores e resgatar o programa partidário. Nessa linha de raciocínio, a disciplina está em função do partido e não do Executivo - o qual, neste caso, teria adotado uma postura “anti-petista”211.

Dando curso à decisão do DN, a CEN formou uma Comissão212 para discutir e avaliar a relação entre a CS e o PT. A Comissão alegou que as razões do não reconhecimento da CS enquanto tendência petista se devia à sua prática, definida por: “encaminhamentos externos ao partido de posições e ações políticas próprias, distintas das definidas pelo partido; atuação de parlamentares divergentes do partido; distribuição do jornal externamente ao partido; manutenção de sedes públicas; tudo isso configurando uma corrente com atuação política própria no movimento de massas, concorrente com a do partido”213.

Em sua defesa, a CS alegou que considerava o PT como “um partido estratégico na luta pelo socialismo no Brasil” e que, desde o início, engajou-se na sua construção. Para a CS, sua ação não era incompatível com o PT pois, ela compreendia o interno ao PT como um universo que abrangia os petistas no movimento sindical, estudantil, popular e camponês. Negou que se colocasse como alternativa ao PT, disse que era Tendência igual as outras e que reconhecia as instâncias e acatava as resoluções do partido, inclusive a Regulamentação de Tendências do 5º EN, seu Estatuto e Regimento Interno. Defendeu a liberdade e a democracia interna e, por isso, divergia da Resolução do DN, pois esta estabelecia “a premissa de que algumas Tendências são mais petistas que as outras”. Por fim, declarou que o partido precisava se unir contra Collor e seu plano econômico214.

Esses e outras alegações foram apresentados pelos representantes da CS215 em várias reuniões. Diante deles, a CEN propôs ao DN que o reconhecimento da CS: “como tendência interna, observadas as normas previstas para o registro e reconhecimento de Tendências, após assumir o compromisso com a Regulamentação sobre Tendências internas aprovada agora, e adaptar o seu funcionamento a esta Regulamentação”216.

Essa oferta foi aprovada e a CS, controlada por membros da CEN, promoveu, em 11 de julho, de uma Conferência Nacional para debater sua relação com o PT. Nesta, a 1ª polêmica foi sobre a participação ou não dos representantes da Direção Nacional do PT - 56 votaram a favor, 25 contra. A discussão principal deu-se sobre a submissão das exigências da direção petista. A minoria posicionou-se pela continuidade da política que, na prática, punha a CS como uma fração pública do PT. A maioria, inclusive o conjunto da Coordenação Nacional, defendeu a integração ao PT enquanto tendência interna217.

Essa política não representa uma ruptura com a análise de conjuntura internacional e nacional em curso. “Para nós, as possibilidades da revolução mundial nunca foram tão boas”, afirma a resolução aprovada por cerca de 80% dos votos. De acordo com essa análise, a ordem mundial do pós-II Guerra Mundial estava abalada “com o avanço das rebeliões das massas no Leste e Oeste”. O “vírus revolucionário” estaria contagiando as massas em todo o mundo218.

Essa visão da conjuntura internacional expunha o otimismo revolucionário da LIT. A LIT viu nos eventos no Leste Europeu a validação das revolução política antiburocrática, nivelando-os à Revolução Francesa e à Revolução Russa; 1989 teria sido uma “derrota histórica de toda a frente contrarrevolucionária, formada pelos imperialistas e as burocracias”219.

Para a LIT, a queda dos regimes burocráticos abria a chance concreta de unificação da luta dos trabalhadores em escala mundial e configurava a crise do Imperialismo e da Social-Democracia. Esta contradição foi facilmente superada pela identificação destes levantes à “Revolução de Fevereiro”220. Nesse esquema, 1989 encetava uma nova etapa revolucionária, na qual poderia “voltar a vencer novos outubros como foi a Revolução Russa de 1917”. Na fase outubrista, imagina-se já haver a direção revolucionária capaz de “selar a derrota histórica sofrida pela contrarrevolução”221.

Esta análise foi reafirmada pelo XII Congresso Mundial da LIT, realizado em maio. Os levantes no Leste foram saudados como a morte do Stalinismo, que colocaram para a LIT a possibilidade de ganhar influência em setores de massas. A grande tarefa do Trotskismo passou a ser ganhar a direção das massas em algum lugar para conduzir a luta pelo poder222.

Conforme essa avaliação, a CS dizia que o Brasil, desde 1984223 passava por uma situação revolucionária224. Essas condições teriam se repetido no final de 1989. A crise criará, ainda que de forma nascente, o poder dual. Esta dualidade era vista como uma tendência, com chance de estender-se. Como organização revolucionária, a CS deveria dispor-se para este momento 225. Mas, para a maioria, o PT ainda era o partido com maior influência de massas e, após as eleições presidenciais de 1989, tornara-se o principal “partido operário”. Essa expressão de massa fortalecia a CS, como parte do PT, mas não significava que ela tivesse

210 Luiz Gushiken. “Luta em solo minado”. Teoria & Debate 10, maio de 1990, pp. 02-05.211 Essa é a argumentação de Valério Arcary na entrevista, já citada, a Ricardo Azevedo. Mais do que divergências organizativas, temos aqui concepções diferentes sobre o papel e função das administrações sob controle petista. Governar para todos ou para a classe? Caso o PT se oriente pela 2 ª opção, irá se confrontar com outra contradição: aquela que envolve os diferentes interesses no interior da classe trabalhadora. Como vemos, a questão não é simples. De qualquer forma, a opção da CS insere-se dentro da linha política adotada nessa fase: a prioridade era resguardar a organização.212 Esta Comissão foi composta por Cesar Alvarez, João Machado e Perseu Abramo.213 CEN. A situação da “Convergência Socialista. São Paulo, 14/05/1990.214 Valério Arcary - pela Coordenação Nacional da Convergência Socialista. Carta à Executiva Nacional. São Paulo, 06/05/1990.215 Referencia a Valério Arcary, José Welmowicki, Mané Bahia e Eduardo Almeida.216 CEN. A situação da “Convergência Socialista. São Paulo, 14/05/1990.217 Ou seja, 67 foram a favor da política de adaptação ao PT, 12 contra e houve 2 abstenções.218 Joaquim Soriano. “O novo curso da Convergência Socialista”. Em Tempo, julho/agosto de 1990, pp. 13-14.219 “Explodiu o Stalinismo”. Correio Internacional, nº 05, abril de 1990, pp. 07-10.220 Uma alusão à derrubada do Czar na Rússia, em fevereiro de 1917.221 “Explodiu o Stalinismo”. Correio Internacional, nº 05, abril de 1990, pp. 07-10.222 “Editorial: A proposta do Trotskismo”. Correio Internacional, nº 07, julho de 1990, pp. 03-05.223 Isto é, ano em que teria havido uma colapso do governo que produzira um vazio no poder.224 A situação revolucionária é definida, nos termos de Lênin, como uma conjuntura em que “os de cima não podem mais governar como antes e os de baixo não aceitam mais viver como antes”. Essa análise pode ser encontrada na resolução da maioria, citada acima. Ver: “O novo curso da Convergência Socialista”. Em Tempo, julho/agosto de 1990, pp. 13-14.225 A lógica que prevalece nesse raciocínio continua sendo aquela da existência da crise de direção e, portanto, da necessidade de construí-la a partir de um núcleo revolucionário - ou seja, a própria CS. Ver: “O novo curso da Convergência Socialista”. Em Tempo, julho/agosto de 1990, pp. 13-14.

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influência de massa. Imaginar isso seria um “grave erro”226.Por outro lado, na nova fase da revolução mundial, estaria em curso, no Brasil, um tempo de aguçamento da disputa

pela direção das massas; que seguiam firmemente em direção ao programa e à política da CS. Este disputa passa, no entender da maioria, pela militância no interior do PT227. Mesmo mantendo as mesmas teses e análises - avivadas por sua leitura da conjuntura pós-1989 - que basearam a política de fração pública do PT, a CS mudou claramente num traço: na aceitação à integração ao PT.

Esta visão foi reiterada em sua tese ao 7º EN do PT: “Nossa corrente tem um compromisso estratégico com a construção do PT. Estas não são palavras ao vento. Quantos que nos atacaram impiedosamente e não nos reconheciam como petistas já se foram do partido?”228. A CS diz que a luta interna seguirá, “como foi até hoje”, no respeito comum ao Estatuto e Regimento do PT. Nota que o PT “é um partido de massas, no qual os debates, inclusive públicos”, deverão ocorrer e que isso reflete a “heterogeneidade da classe”229.

O novo curso político condizia ao ambiente pós-eleição presidencial. O PT se tornara o partido hegemônico na esquerda brasileira, tirando o espaço para uma política que publicamente disputasse a influência no movimento de massas. O impacto e a força da campanha Lula aturdiu a CS e reforçou em seu interior a posição dos que defendiam a permanência no PT.

A pressão da Direção petista no sentido da centralização do partido e integração das Tendências, que teria repercussões inclusive na concessão de legenda para a disputa eleitoral, também teve um peso importante. Por outro lado, a vitória de Collor deixara o conjunto da esquerda paralisada e perplexa diante da sua contraofensiva. Também ainda não estava plenamente claro os desdobramentos dos acontecimentos no Leste Europeu.

De qualquer forma, as resoluções e declarações a favor do cumprimento do regulamento de Tendências, garantiram à CS o reconhecimento como Tendência petista e permitiu uma trégua na luta interna 230. Mas, os elementos que motivaram esta polêmica não estavam plenamente superados. A evolução da conjuntura nacional e da correlação entre as forças políticas petistas comprovariam que eles estavam apenas latentes.

O período que antecedeu o I Congresso do PT comprovou que as intenções e declarações não eram suficientes para superar a tensão existente entre a militância interna no PT e a manutenção de uma prática política que priorizava o projeto de construção do partido revolucionário. Se até então, com idas e vindas, avanços e recuos, a tese da construção deste partido via PT prevaleceu, começava a ganhar peso a postura de que chegara a hora de sair do PT. A tônica da discussão interna passou a girar em torno da seguinte questão: qual a estratégia de ruptura?

O que mudou para que a CS, da aceitação formal do PT como partido estratégico evoluísse para a preparação do rompimento? No aspecto internacional, a evolução dos processos políticos e sociais no Leste Europeu e na URSS frustrara as avaliações otimistas da LIT e somava-se à crise em sua principal seção nacional: o MAS argentino.

A LIT concluiu que a revolução política em fase inicial, teve um efeito contraditório: de um lado, o ascenso das massas; do outro, um giro à direita dos aparatos e direções do MO em todo o mundo, com o aprofundamento da sua integração à contraofensiva do imperialismo e ao regime burguês, ou seja, era uma aproximação com a Social-Democracia.

No Brasil, os reflexos desse processo teriam sido o aprofundamento da integração da CUT e do PT ao regime burguês. Se num 1º momento (até 1984), suas direções desempenharam um papel positivo no combate à ditadura militar; de 1984-89, aceitaram a hegemonia da democracia burguesa; agora, intensificavam sua integração ao Estado burguês - processo que se iniciara com a conquista das prefeituras - e passavam a ter um papel regressivo, inclusive atacando os elementos progressivos e revolucionários das organizações dos trabalhadores. Nessas condições, a saída dos revolucionários do aparato do PT era inevitável. O que estaria indefinido era a data e a forma como esta ocorreria.

A leitura dos documentos231 que circularam na CS neste período mostra uma concordância em relação à análise geral. As divergências surgem quanto ao momento e à forma de ruptura com o PT. Mostra também que a CS vivia uma crise, motivada tanto pela polêmica em torno desta discussão quanto pelos reflexos do debate que ocorria na LIT.

A grosso modo podemos identificar que, entre fins de 1990 e vésperas do I Congresso, a CS trabalhou com as seguintes hipóteses - nem sempre excludentes - para a sua saída do PT:

• cenário da expulsão: aprovação de uma resolução que dissolvesse as Tendências e o descumprimento da CS a esta resolução ou a qualquer outra que limitasse a sua estrutura organizativa;• a saída voluntária da CS com a conseqüente legalização como partido;• atuar como fração pública, mas manobrando para evitar a expulsão, ou seja, definir a tática (enfrentamento direto ou só marcar posição) de acordo com as questões em jogo;• radicalizar a ação como fração pública, entendendo que esta é uma fruto inevitável do processo da luta de classes.

As hipóteses levantadas tem conseqüências e desdobramentos que expressam o maior ou menor grau de concordância em relação à continuidade da militância no PT e a forma que esta deveria assumir. Enquanto uns defendem ainda haver a possibilidade de militar no PT e dar tempo para a vanguarda completar a experiência com a direção majoritária no PT; outros consideram que esta alternativa se esgotara, pois o PT completara o processo de adaptação à ordem burguesa.

A expulsão, em qualquer hipótese não é desejável. O ideal seria ter tempo e condições de preparar a ruptura. Predomina a idéia de que a expulsão/rompimento deve ser trabalhada em 2 táticas que se combinam entre si: a defesa do PT das

226 Citado in “O novo curso da Convergência Socialista”. Em Tempo, julho/agosto de 1990, pp. 13-14.227 “Os companheiros que deixam de lado a disputa pela maioria do PT na verdade fazem frente com aqueles que, na ART, querem ter as mãos livres para levar o partido ao caminho da conciliação de classes. Não entendem a importância da disputa pela direção do PT, para construir o partido como ferramenta da emancipação dos trabalhadores e do socialismo com democracia. Esse é o nosso caminho”, afirma a resolução da maioria. In “O novo curso da Convergência Socialista”. Em Tempo, julho/agosto de 1990, pp. 13-14.228 Convergência Socialista. Em defesa do socialismo com democracia. Por um PT de luta. In Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit. pp. 22.229 Convergência Socialista. Em defesa do socialismo com democracia. Por um PT de luta. In Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit. pp. 22.230 Reunido em maio, o DN aceitou o parecer da CEN sobre a CS e OT.231 São documentos que, na época, tinham circulação restrita à CS; a maioria sem datação exata e/ou identificação de autoria. Pelo caráter dessa documentação manteremos o anonimato dos seus atores - isto quando eles se identificam - excetuando-se os casos assumidos pela organização ou seus organismos dirigentes.

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origens e a construção da Frente Única Revolucionária.A 1ª, permitia fazer a crítica programática por dentro do PT, aglutinar os grupos à esquerda e pressionar as correntes

centristas no sentido de formar um polo oposto à ART e seus aliados à direita (PPB). Além disso, essa palavra de ordem poderia ser simpática aos setores isolados e indivíduos na base da própria ART e do centrismo e também poderia servir como biombo contra os críticos à sua discordância com a construção do PT como partido estratégico.

A 2ª, possibilitaria a aglutinação da vanguarda revolucionária, setores descontentes com a política dominante no PT e com outros agrupamentos não petistas, na perspectiva de formação de um novo partido. Estas táticas estavam interligadas ao combate pela construção de uma alternativa de direção na frente sindical: a Frente Única Operária. Isto significava manter o bloco de esquerda formado no IV Congresso da CUT.

Essa foi a estratégia que venceu, pois admitia avançar na ação como fração publica, mas sem provocações artificiais. Isto permitia fazer a disputa política com a ART, fortalecer a organização da FR e capitalizar as ameaças de expulsão, popularizando a denúncia contra os métodos burocráticos e stalinistas da ART. A provável saída do PT apareceria então como resultante de um ato de força da maioria.

Essa política foi usada de forma mais ofensiva nos Encontros Estaduais, no período em que se aproximava o I Congresso, e se expôs no grito de alerta “Em defesa do PT das origens”, adotado pelos principais dirigentes da CS. “O PT está em perigo”, escrevem. Pois, estaria em marcha uma tentativa para torná-lo: “num partido que respeita a lei e a ordem das instituições da democracia controlada pelo capital, num partido que sustenta os Pactos Sociais, e não uma ferramenta para a libertação dos trabalhadores, um partido do regime e não um partido para a luta intransigente contra o regime, o governo e sua política”232.

Na análise da CS, era na atuação das prefeituras petistas que refletia-se a “mais grave adaptação à ordem”: “Não é casual que os prefeitos do PT não aplicam nos transportes o programa do partido, inclusive desrespeitando as deliberações dos Encontros Municipais do partido, como fez Erundina em São Paulo; não é casual o desalojamento dos sem teto pela Guarda Municipal de São Paulo ou o chamado à polícia para prender os petistas em Diadema; tampouco é casual que se proponha sem nenhum pudor governos de coalizão nas prefeituras integrando o PSDB, PSB e PDT”233.

Para a CS, se os prefeitos não mudassem essa política e assumissem uma postura de oposição ao governo Collor, o PT deveria romper com eles. O PT deveria ainda condenar abertamente os dirigentes e parlamentares que defendiam publicamente a economia de mercado e a política de Gorbatchov na URSS, porque isto significa concordar com a restauração do capitalismo. Contra essas posições, o PT deveria resgatar a concepção de socialismo de suas origens, o socialismo com democracia.

A crítica aos rumos do PT recai sobre a ART, a responsável maior pela política adotada pelo partido. A ART, estaria “mudando o programa do partido, substituindo-o por um programa de reformas do capitalismo”. A defesa do PT das origens exigia a luta contra esta política, a construção de um bloco alternativo que derrotasse as teses da maioria dirigente e configurasse uma nova direção que resgatasse o “PT de classe e de luta, democrático e socialista!”234.

É com essa orientação política norteando sua ação que a CS, com outros grupos políticos, realizou, às vésperas do I Congresso, o Ato em defesa do Socialismo e da Revolução. O objetivo era unificar a intervenção da esquerda petista no congresso do partido em torno de um programa socialista e revolucionário, pelo direito de Tendência e pelo Fora Collor!

Esta política foi derrotada no I Congresso. Mesmo assim, a CS manteve as críticas e a tática para a conjuntura, consubstanciada no Fora Collor! Enquanto a maioria das Tendências petistas tinham uma avaliação positiva do I Congresso, a CS concluiu que este concretizou o processo de domesticação do PT, em curso desde 1988.

Em sua análise, o I Congresso expressou a “adaptação à institucionalidade e ao eleitoralismo”, definindo uma virada política à direita e uma mudança objetiva no perfil partidário. As resoluções impuseram uma “opção pela Social-Democracia”, pelo caminho reformista e representava a asfixia da democracia interna235. Em resumo, o congresso apenas teria confirmado sua análise anterior. Com tamanha discordância, o caminho natural foi a defesa do não acatamento das resoluções congressuais.

Este balanço resulta no aprofundamento do taticismo em sua relação com o PT. Internamente, intensificou-se os esforços pela construção da FR. A opção pelo rompimento público com o PT passou a predominar. Esse projeto acelerou-se logo após o I Congresso, com a realização de várias reuniões entre a CS e outros grupos minoritários - locais e regionais - e militantes independentes. A partir de uma avaliação comum sobre os resultados do congresso e a conjuntura, estes setores lançaram o “Manifesto por uma Alternativa Revolucionaria e Socialista”236.

Declarando-se parte dos 30% que resistiram à política vencedora no I Congresso, seus signatários reafirmavam o Fora Collor!; pregavam o fim da política colaboracionista com o PSDB, PDT e outros setores das classes dominantes; exigiam que as prefeituras petistas abandonassem a concepção de “governar para todos” e passassem a administrar em prol dos trabalhadores; defendem uma estratégia revolucionária resumida no lema “Por um governo dos trabalhadores”237.

Embora representassem experiências e trajetórias diferentes238, esses setores tinham elementos comuns na avaliação

232 Convergência Socialista. Alerta aos Petistas: Em defesa do PT das origens, 1991, mimeo., 02 págs.233 Convergência Socialista. Alerta aos Petistas: Em defesa do PT das origens, 1991, mimeo., 02 págs.234 Convergência Socialista. Alerta aos Petistas: Em defesa do PT das origens, 1991, mimeo., 02 págs.235 “ART leva PT à domesticação”. Convergência Socialista, 06/12/1991 a 17/01/1992, pp. 08. Embora recusem a definição socialdemocrata da CS e OT - e também o PCdoB, Folha de S. Paulo e outros - muitos na ART aceitam o dito de que a fábula esquerdista do lobo socialdemocrata tem fundamento na realidade partidária. A fábula do lobo foi uma ironia de Pomar à esquerda e, ao mesmo tempo, o reconhecimento do perigo socialdemocrata. “A distância entre as bases e a direção, os impasses do sindicalismo cutista, as pressões administrativas percebidas em nossos governos municipais, os reiterados deslizes éticos que têm ocorrido em nosso meio são alguns sinais do perigo”, afirma. Pomar nota ainda que a propaganda da Folha de S. Paulo sobre o pretenso caráter socialdemocrata do PT, visa o fortalecimento dos setores que, em seu interior, “defendem uma estratégia não-revolucionária”. Ver: Pomar, Valter. O Lobo, o Calcanhar de Aquiles e a Articulação. In Avaliação do I Congresso Articulação - Tendência Interna do PT. CSBH, Fundo DN; Caixa cadernos/PT/Tendências, pp. 14.236 A relação dos signatários deste manifesto ilustram a composição das forças políticas inicialmente envolvidas neste processo. São elas: Coletivo Revolucionário (RJ); Coletivo Petista da Paraíba: Rumo Socialista, Grupo da Construção Civil e Independentes; Convergência Socialista; Democracia Operária (POA); Grupo Independente (Diadema); Luta de Classes (SP); Movimento de Esquerda Independente (RJ); Movimento Rumo ao Socialismo (PB); Movimento Socialista Revolucionário (REC); Sociedade Diferente (SBC); Tendência Socialismo Classista do PT (POA); Enio Bucchioni (PT-Diadema); Isabel (Vice-Pres. DCE UFF); Magno de Carvalho (Diretor da FASUBRA e SINTUSP); e, Núcleo Independência Proletária (Porto Alegre). Vale ressaltar que nem todos participaram da formação do PSTU. Ver: Manifesto Por Uma Alternativa Revolucionaria e Socialista, s.d. publicado em formato jornal, 4 pp.237 Ver: Manifesto Por Uma Alternativa Revolucionaria e Socialista, s.d. publicado em formato jornal, 4 pp.238 É claro o peso determinante da CS e, logo, do Trotskismo. Mas há outras filiações e/ou simpatias com outras vertentes do marxismo. Inclusive, há a

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sobre a crise do socialismo, aliás colocada como um dos fatores que explicaria a guinada à direita do PT: a defesa da propriedade social e do planejamento democrático contra qualquer alternativa do mercado; a crítica à política de Gorbatchov; o apoio ao fim das ditaduras burocráticas; e, a afirmação do socialismo com democracia operária.

Já as “Resoluções do I Congresso” admitia a dificuldade em centralizar o partido. Logo após o seu término, iniciou o processo político. Nos primeiros meses de 1992, o Secretário-Geral Nacional do PT, José Dirceu, pede ao DN que fixasse um prazo de 30 dias para que a CS cumprisse as deliberações partidárias, sob pena de perder o status de Tendência. Os efeitos imediatos seriam a cassação do direito dos filiados vinculados à CS se candidatarem às eleições daquele ano pela sigla petista.

Dirceu argüiu que a CS assumira abertamente sua oposição ao PT, usando “uma postura pública de partido”, exposta no sustento da estrutura e relações internacionais próprias e “numa ação de rua e tática de oposição ao governo”, em conflito com as decisões do Congresso petista239. A CEN, com o voto de membros da ART, do PPB, da VS e da DS, acatou essa representação. Além da CS, OT e a FS, votaram contra. Quanto à questão do prazo para a aplicação das medidas disciplinares, a CEN considerou mais apropriado transferir esta definição para o DN.

A CS alegou que a luta pelo Fora Collor! podia “até ser oposta às posições da ART”, mas não “ao espírito com o qual ao PT foi fundado”. Ela acusou a direção majoritária de silenciar diante daqueles que rasgavam “o programa e as resoluções do PT”, como os prefeitos e o Dep. Aloízio Mercadante240. Para a CS, essa decisão era um ato de perseguição à política revolucionária, em oposição ao reformismo e à conciliação de classes da maioria da Direção do partido241.

A CS admite sua ação como fração. Mas posta-se como uma entre inúmeras frações que haveriam no PT, igualando-as às Tendências. Além destas que, sem exceção, seriam frações nacionais, haviam as locais e regionais, formadas por grupos de parlamentares e dirigentes sindicais. “É evidente e publica a ação autônoma do braço parlamentar, do sindical e das prefeituras. E isso não impedia a convivência num espaço comum. Por que então a CS é identificada como a ovelha negra que não pode mais ser tolerada?”242, questiona Arcary. Descartando a crítica da DS quanto à indisciplina da CS, Arcary aponta casos flagrante indisciplina: do Dep. Genoino243; de Gilmar Carneiro244; e, do Pref. de Diadema, José Augusto. “Que curiosa disciplina é essa que só é exigida de quem defende a independência dos trabalhadores contra a colaboração de classe?”245, arremata.

De fato, no cerne desta polêmica estão as diferenças políticas quanto à definição e as avaliações sobre os rumos do PT; as divergências em relação à tática na conjuntura; em relação à prática e à função das administrações petistas; e, principalmente, no tocante à estratégia e análise sobre a questão do socialismo.

Em 01/05/1992, a CS e os demais setores que assinaram o Manifesto citado, divulgam outro documento onde reiteram suas posições e críticas e conclamam todos a lutarem por um PT revolucionário e socialista 246. O documento centra-se na luta interna: contra a expulsão da CS; com críticas à política da direção majoritária etc. Numa tom que buscava tocar a base petista e, principalmente, os descontentes e críticos à direção hegemônica, esse documento afirmava a necessidade de resgatar o PT das origens, o PT “que foi nosso sonho e nossa luta quando empunhamos pela 1ª vez em 1980”, sua bandeira vermelha. O trabalhador, o estudante, o lutador do bairro, foram chamados a assumir essa bandeira247.

Ao menos para o público externo, ainda sugeria a possibilidade de permanecer no PT. Mas as conclusões contradizem esta opção. Como tornar o PT no partido dos sonhos dos seus primeiros militantes se a realidade, na opinião desses setores, o distanciava abissalmente do partido imaginado? Como construir este PT revolucionário e socialista se já tinham concluído que o PT real se domesticara, tornara-se socialdemocrata? Como, enfim, lutar por este partido quando a prática política direcionava-se no sentido de construir uma alternativa ao mesmo?

Para muitos a revide estava simplesmente em apressar a cisão com o PT. O PT real já era para eles um tormento. Nos bastidores da luta política, era dado como praticamente certa a expulsão da CS. Para muitos, essa hipótese dava uma boa arma de propaganda contra os métodos stalinistas da Direção e para reforçar a FR. Para outros, como a DS, representava um gesto, que além de equivocado, favorecia a união da CS em torno do setor mais sectário, favorável ao rompimento imediato com o PT248.

A realidade previsível se confirmou. Enquanto a CS dialogava com outros setores - dentro e fora do PT - a Direção majoritária acelerou o processo político da sua exclusão. Já em abril, o Diretório petista de Porto Alegre cassou os direitos políticos de 4 integrantes da CS, sob a acusação de descumprimento das diretrizes partidárias: o vereador José Alvarenga e o sindicalista Roberto Robaina ficaram impedidos de concorrer à Câmara Municipal pela legenda petista. No Rio de Janeiro, Guilherme Haeser, líder do PT na Câmara, foi destituído do cargo.

Em 09/05/1992, o DN, reunido em São Paulo, acolheu a representação contra a CS e anulou a sua condição de tendência interna do PT. Foram cerca de 5 horas de debate em torno das seguintes propostas: a da maioria da CEN, que venceu com o apoio de 35 votos dos 55 membros do DN; a proposta de João Machado, que fixava o uso do Regimento Interno de forma individual, com análise caso a caso249; a de Markos Sokol, contra a expulsão da CS; e, a do Dep. Marcos Rolim, que propunha a

presença de setores sem experiência orgânica anterior ao PT: é o caso do Grupo Independente de Diadema que, sob a liderança do Tonhão, forjou-se nos embates do PT nessa cidade e nos confrontos com a política oficial e a ART. 239 José Dirceu, usando seus dotes advocatícios, conclui sua petição dizendo que: “A justificativa para a presente proposta é a realidade, e o que é público e notório, dispensa provas, como diz o direito da gente, a tradição, os costumes e a própria lei”. In Representação de Zé Dirceu contra a CS. Convergência Socialista, nº 327, 11-24/04/1992, pp. 03.240 Que, segundo a CS, teria criticado publicamente a decisão de romper relações com o PC Chinês após o massacre na Praça da Paz Celestial.241 “Articulação quer expulsar Convergência do PT”. Convergência Socialista, nº 327, 11-24/04/1992, pp. 03.242 Valério Arcary. “Aonde vai o Partido dos Trabalhadores?” Convergência Socialista, nº 328, 18-24/04/1992, pp. 10-11.243 Que utilizou a FSP, cuja tiragem de um dia ultrapassa a do jornal da CS por 1 ano, para defender a refundação do PT244 Que teria usado e abusado do prestígio na CUT para defender a colaboração de classes245 Sem entrar no mérito do seu argumento, é importante observar que a crítica à indisciplina da CS não resulta automaticamente na aceitação da indisciplina de outros. A DS foi contra a expulsão da CS e, entre as razões argüidas, estava o fato da direção petista não ter combatido com a mesma veemência “outros setores que se chocavam contra as posições do partido”. (João Machado. “A CS deve voltar ao partido”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.) A questão de fundo, como fica evidente em vários textos da CS e da DS é a concepção de partido, ou mais precisamente como cada Tendência caracteriza o PT. In Valério Arcary. “Aonde vai o Partido dos Trabalhadores?” Convergência Socialista, nº 328, 18-24/04/1992, pp. 10-11.246 Fora Collor Já! Por Um PT Revolucionário e Socialista! 1º de Maio de 1992. (assinam vários agrupamentos e militantes).247 Fora Collor Já! Por Um PT Revolucionário e Socialista! 1º de Maio de 1992. (assinam vários agrupamentos e militantes).248 João Machado. “A CS deve voltar ao partido”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.249 Essa proposta, que a CS caracterizou como uma expulsão seletiva, teve 10 votos.

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permanência da CS enquanto tendência, mas com a perda do direito de seus militantes se candidatarem pela legenda e a sua destituição dos cargos nas instâncias diretivas.

A Resolução do DN dando um prazo de 15 dias para a CS ajustar-se, caso contrário, seria automaticamente expulsa do PT250, mas acatando a moção do Dep. Eduardo Jorge, garantia legenda para os candidatos ligados à CS ao pleitos municipais 251. Valério Arcary, membro da CEN, diz na reunião que “entre a unidade do PT e a unidade da Convergência”, optava pela 2ª. Na opinião de vários membros do DN, esse dito ligou a guilhotina; para muitos, a intransigência da CS não teria deixado outra saída.

Arcary nega a pecha: “a exigência que nos fazem é inaceitável”252, disse. Ele alegou que, se a CS agira como fração pública, vários parlamentares da ART também o faziam: “A maioria sequer cumpre as resoluções que aprova”. Arcary recusou categoricamente a afirmação de que a CS atacava o PT: “Nosso combate é contra as posições que inviabilizam o partido”253.

A CS entrou com um recurso à CEN contra sua expulsão. Reafirmou sua condição de Tendência interna do PT; alegou que sua “caracterização do partido como partido movimento não é um ato de vontade da CS, mas uma imposição da realidade”; que a maioria dirigente não deixou claro qual seu entendimento do regimento sobre as tendências; disse que não deixaria de publicar seu jornal e que estava convencida de que a crise no PT é política e têm raízes nas suas relações com o aparato do Estado. A CEN manteve a decisão do Diretório Nacional254.

As reações à expulsão da CS foram várias. Ao coro dos apoiadores desta ação juntou a maioria silenciosa e cúmplice. Doutro lado, vários grupos e militantes, ainda que críticos às teses políticas da CS, apoiaram-na. Um 3º grupo, formado por aqueles setores que lançaram o Manifesto logo após o I Congresso do PT, fica na marco do debate da FR e agilizaram a cisão com o PT. A BS, DS, FS, TM, OT e outras forças políticas petistas entram com recursos contra as decisões do DN. Na avaliação destas forças políticas, a CEN e o DN, se erraram pelas seguintes razões:

a) A direção do PT não fez, de fato, a vital luta política para integrar plenamente os companheiros da CS ao PT;b) O tratamento dado á CS contrasta com a aceitação e até mesmo complacência por parte das direções partidárias com práticas de parlamentares e prefeitos que por vezes afrontam não apenas as decisões democraticamente deliberadas nas instâncias como o próprio funcionamento democrático do partido;

As decisões sobre a exclusão CS foram tomadas apenas em nível de Direção, contra oposição da base do PT expresso em Encontros Municipais e Estaduais, e no meio de um processo de Encontro Nacional inconcluso”255. Para a DS, a posição do DN foi errada, apressada, sectária e inoportuna256. Com efeito, a posição da DS na reunião do DN, que enViava para a Comissão de Ética a discussão de casos individuais, previa um debate mais demorada com o conjunto da CS. A DS alegou que:

1º) Valia a pena lutar para instigar a CS da valia de ficar no PT e da plena viabilidade em defender suas idéias em seu interior;2º) Deveria ainda ser considerada a situação de crise que vivia a CS, refletida numa divisão interna com abrangência internacional. Ou seja, a constatação da incapacidade da sua direção em centralizar sua intervenção e que, portanto, “muitas coisas que foram realizadas por membros da Tendência” não correspondiam “a uma orientação geral”;3º) A exclusão da CS na forma aprovada representava um “enorme desgaste para o PT”;4º) Deveria ser considerado o peso qualitativo da CS, em termos de militância e de base social257.

Anteriormente à decisão do DN, várias personalidades e dirigentes petistas se pronunciaram contrários à expulsão da CS. Florestan Fernandes, à época deputado federal, afirmou que: “seria um escândalo se o centro e a direita do PT dispusessem de prerrogativas políticas e ideológicas exclusivas. Isto o caracterizaria como um partido oligárquico, portador de uma teoria constitutiva democrática em contradição com uma prática corrente autoritária”258.

Contra as críticas ao autoritarismo e às deformações da democracia interna cometidas pela maioria dirigente, José Dirceu alegou que era a CS quem atentava contra a democracia petista, ao não acatar as decisões democraticamente tomadas pelo PT. Logo após a reunião do DN, disse: “Torço para que eles consigam constituir seu próprio partido e exercitem nele tudo o que cobram do PT: democracia interna, liberdade de expressão para todos os filiados e direito de divergência. Aí a gente vai ver, na prática, quem é autoritário”259.

250 A CEN, reunida em 18/05/1992, fixou o dia 25/05/1992 para a CS adaptar-se ao regulamento sobre as tendências aprovado no I Congresso. Caso contrário, ela perderia sua condição de tendência interna do PT e passaria a ser tratada como uma “organização política-partidária autônoma, estranha ao Partido”. Ver: Secretaria Geral Nacional. Resolução sobre a CS. São Paulo, 19/05/1992. In Boletim Nacional, maio de 1992, pp. 05.251 Isto é, por estar esgotado o prazo legal para a filiação a outro partido ou formação de novos partidos com direito de concorrer.252 “A Convergência está fora do PT”. Boletim Nacional, maio de 1992.253 “A Convergência está fora do PT”. Boletim Nacional, maio de 1992.254 Ver: “Recurso contra a expulsão apresentado pela Convergência Socialista” e “A reposta da Executiva ao recurso da CS” no jornal Convergência Socialista, nº 332, 06 a 12.06.1992, pp.11.255 Ver a Declaração assinada por: João Machado (DN), Jorge Almeida (DN), Joaquim Soriano (DN), Renato Simões (CDN), Lauro C. Marcondes (CDN), Luiz Eduardo Greenhalgh (DN), Valdisio Luís Caldas Fernandes (DN), Alberto Bastos (DN), Tatau Godinho (CDN), Eduardo Albuquerque (Executiva MG), Marcos Sokol (DN), Ronald Rocha (DN), Ignácio Hernandes (Pres. PT/MG), Nelson Vicente Portela Pelegrino (Pres. PT/BA), Arlete Sampaio (DN), Edmilson Menezes (DN), Gilson Lyrio (CDN), Bruno Maranhão (CDN) e Serys Slhessarenko (CDN). In CS é assunto encerrado. Boletim Nacional, agosto/setembro de 1992, pp. 05.256 “É errada porque a Direção tem internamente amplas condições de levar uma luta política com a CS. Para isso é preciso que a CS esteja no PT. Não se pode admitir processos disciplinares sumários para o tratamento de divergências políticas que não são exteriores, mas de fato, internas, ao Partido”, afirmou Soriano. Ver: Joaquim Soriano. “Perigo: Convergência Socialista fora do PT”. Em Tempo, maio/junho de 1992, pp. 08-09.257 A proposta da DS teve o apoio de Rui Falcão, Luís Eduardo Greenhalgh e Jorge Almeida. Ver: Joaquim Soriano. “Perigo: Convergência Socialista fora do PT”. Em Tempo, maio/junho de 1992, pp. 08-09.258 Tilden Santiago (Dep. Federal-MG), Ednaldo Leite (DR-PB), Rogério Correia (DR-MG); Maria Laura (PT/DF), Eduardo Suplicy (Senador-SP), Antônio Justino (Vice-prefeito de Diadema), Washington Costa (Pres. da CUT/RJ), Luiz Eduardo Greenhalgh (Vice-prefeito de São Paulo) também se pronunciaram publicamente nas páginas do jornal CS. Ver: “Lideranças petistas condenam expulsão da CS”. Convergência Socialista, nº 329, 09-15/04/1992. “Mais petistas contra a expulsão da CS”. Convergência Socialista, nº 330, 01-08/05/1992.259 “A Convergência está fora do PT”. Boletim Nacional, agosto/setembro de 1992, pp. 05.

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Como a CS não cumpriu as condições do DN dentro do prazo dado, foi expulsa do PT e seus militantes proibidos de atuarem dos orgãos partidários. Isso já se deu nos Encontros Estaduais. Em SP, os delegados ligados à CS não puderam entrar onde ocorria o Encontro. Diante do impasse, fez-se um acordo: uma comissão de 7 pessoas apresentou recurso ao plenário e foi dado espaço e tempo para a defesa da CS. Gradella (CS), Sokol e Tatau Godinho, defenderam a participação da CS. Cerca de 65% dos delegados mantiveram a proibição260. Após a votação, Valério Arcary, cujo dom da oratória é elogiável, discursou despedindo. Disse ele: “A expulsão da CS é uma hemorragia que seguirá. Saibam os que expulsam que, para o seu desencanto, esse sangue que o PT derrama hoje e vai seguir derramando, vai ser o elemento mais importante para os lutadores que são abandonados pelo PT e pelos parlamentares que representam a si mesmos. A história será implacável com aqueles que se adaptam”261.

A choque foi geral: choro e silêncio. Dirigentes e militantes rasgam seus crachás e saem de plenário com o punho esquerdo erguido. Os delegados do coletivo “Luta de Classes”262 e o Grupo Independente de Diadema seguem a CS. Esta ainda fez um chamamento ao OT e à TM para aderirem à FR.

As causas da expulsão da CS encontram-se na sua reação aos fatores internos inerentes à própria evolução do PT. Consumada a expulsão, o saudoso Florestan Fernandes analisou como o PT, que “nasceu e cresceu opondo-se aos vícios arraigados quanto à natureza, às tarefas históricas e à organização interna democrática do partido como uma instituição-chave na vida política”, evoluiu até alcançar “posições de relevo nas estruturas de poder”263.

Esse processo e seus efeitos identificam o “quadro dramático” em que inscreve-se a exclusão da CS: “A sedução por chegar ao tope forjou uma combinação inebriante entre “reforma” e “democracia” dentro da ordem. Abalaram-se os ideais dos “fundadores”, engendrando-se tendências ao “profissionalismo político”, à burocratização do PT e ao envolvimento em “negociações independentes” com os próceres da oposição patronal.

Ocorreu uma inegável socialdemocratização branda”264. Porém, também é fato que a CS há muito desenvolvia uma estratégia política que previa a ruptura. Sua concepção e estratégia de construção do partido revolucionário pressupunha um ziguezague taticista que obedecia ao sabor das conjunturas.

Externamente, suas declarações a favor do PT como partido estratégico tem um caráter defensivo. Internamente, esse discurso articula-se com a estratégia de construção da direção revolucionária: o partido estratégico é, de fato, o partido revolucionário bolchevique-trotskista. A defesa do PT das origens não está em contradição com esta concepção de partido, pois é uma palavra de ordem de conteúdo propagandista, uma tática visando constituir um bloco à esquerda contra a ART e para incorporar em seu projeto político a vanguarda em processo de rompimento com a direção majoritária e o PT.

Este duplo discurso - para o público externo e para o público interno - está de acordo com a sua tática geral, usada desde a formação do PT e assumida nos documentos internos: o entrismo. A despeito das declarações públicas, a CS não deixara esta tática - fazê-lo seria o mesmo que acreditar que o PT pudesse vir a ser o partido revolucionário. Isto, em sua avaliação, era um ilusão das correntes centristas (DS, OT etc.).

A CS foi uma das suas forças fundantes do PT, idealizando-o como o PS a ser construído no Brasil. Mesmo sem o controle desse processo, atuou e contribuiu com a sua construção, compreendendo sua importância na luta dos trabalhadores. Nesse sentido, a defesa do PT das origens não é mera retórica. O PT cumpriu um papel que a CS reconhece como fundamental e se reivindica como sujeito dessa história. O entrismo não invalida seus elementos positivos.

Ao final da votação no DN que anula a condição de Tendência interna, Arcary afirmou que a organização iria recorrer ao 8º EN: “Não vamos aceitar o ultimato, não vamos nos render” 265, disse. Aliás, os signatários dos diversos recursos à Direção petista consideravam que a luta política para manter a CS no PT ainda não se encerrara. Porém, na prática a CS abandonou essa perspectiva e unificou-se na expectativa de construir o partido revolucionário externamente ao PT. Isto também ficou evidente em declarações dos seus dirigentes nos fóruns da FR. A tese que venceu foi a que afirmava o esgotamento do PT como opção histórica de construir um partido independente e revolucionário. O PT estaria condenado pelo processo de burocratização e adaptação à institucionalidade. Seu futuro “inexorável é o de ser mais um partido da ordem”266, escreveu Arcary.

A DS e outras Tendências petistas (como aquelas que formaram o NLPT) alegariam que as hipóteses de construção do PT como partido estratégico socialista ainda existiam. Reconheciam as pressões que faziam o PT tender à institucionalidade e à integração à ordem burguesa e viam, igualmente, o aumento do reformismo em seu interior. Mas, por outro lado, notaram que as posições da esquerda ganhavam espaços na base e afirmavam-se nos Encontros Estaduais. O PT ainda não vivera o seu “agosto de 1914”267. Para Arcary, a coisa era muito pior: “Nós afirmamos que o PT de hoje é muito pior do que a Social-Democracia do início do século. Até 1914 a Social-Democracia nunca ousou chamar a polícia para espancar trabalhadores. E havia uma democracia incomparavelmente maior. Rosa Luxemburgo não só podia publicar seu jornal como este era financiado pelo próprio partido”268.

É fato que a Direção hegemônica não puniu exemplarmente os que tomaram este tipo de atitude. Mas, também é fato que as Tendências da esquerda petista - e mesmo membros individuais da ART - atacaram esta conduta. É verdade ainda que o regulamento de tendência proibia a existência de jornais e finanças próprias. Mas, é outro fato que esta regulamentação não impedia publicações formalmente restritas ao público interno petista - a própria DS, OT etc., continuaram editando seus jornais.

A partir da análise feita por Arcary, cerram-se as portas à continuidade do entrismo e tornara ainda mais improvável

260 Nota: Os delegados eleitos pela CS não puderam votar.261 In “O PT que construímos em 80 está morto”. Convergência Socialista, nº 332, 06-12/06/1992, pp. 12.262 In “Luta de Classes” era composta pela maioria da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (SINTUSP), um grupo de militantes com atuação no PT de Pirituba e Perus (SP), além de militantes petistas da zonal do Butantã (SP). Entre outros, destaca-se os dirigentes Carlos Bauer (membro da CUT-SP) e Magno de Carvalho (diretor do SINTUSP).263 In Florestan Fernandes. “A Convergência Socialista”. Folha de S. Paulo, 22/06/1992.264 In Florestan Fernandes. “A Convergência Socialista”. Folha de S. Paulo, 22/06/1992.265 Citado In A Convergência está fora do PT. Boletim Nacional, agosto/setembro de 1992, pp. 05.266 In Valério Arcary. “É preciso construir alternativa ao PT”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.267 Referência à traição da Social-Democracia na I Guerra Mundial. Essa é a argumentação de João Machado, mas expressa a opinião das tendências que permanecem acreditando que o PT ainda é um projeto em disputa. Ver: João Machado. “A CS deve voltar ao partido”. In Valério Arcary. “É preciso construir alternativa ao PT”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.268 In Valério Arcary. “É preciso construir alternativa ao PT”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.

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o cenário da sua conversão ao projeto de construir o PT estrategicamente. “Seguir no PT a partir de agora significará a capitulação ou a expulsão. E significará atrasar a construção de uma alternativa revolucionária para o MO brasileiro”, frisou. Sendo assim, a tarefa dos revolucionários era construir a FR, concebida como uma tática para a formação de um novo partido269.

De fato, como admitiria depois aqueles que defendiam o retorno da CS ao PT, ela “não fez nenhum esforço real, ainda que formal, para permanecer no PT”. Estes setores julgam que isto foi ajudado pelo erro de encaminhamento da Direção petista. De qualquer forma, ainda não davam este tema por concluído. Isto porque, nessa avaliação, haviam diferenciações na CS e sua proposta poderia se chocar com a realidade: “Consideramos que o PT deverá ficar atento para identificar eventuais movimentos da CS ou de parte dela para voltar ao PT. Uma vez que a CS tem muitos militantes combativos e valorosos, o nosso interesse é que voltem ao PT”270.

A exclusão da CS acelerou o processo de construção da FR. Em maio, foi lançado o “1º Caderno de Debate Rumo ao EN”. Resultado de uma reunião nacional entre diversas correntes, coletivos e militantes, este documento apresenta os pontos estratégicos do “Movimento Pela Construção da Frente Revolucionária”271. Esse movimento tem, nessa 1ª etapa, uma estrutura e funcionamento transitório com ampla flexibilização interna. É dado a cada corrente, coletivo ou indivíduos, total independência política e organizativa. A base do acordo entre eles seria os pontos programáticos definidos e a “Carta de Princípios” 272. Estes princípios compõem um projeto estratégico, cujos pontos principais são:

• a idéia de que não existiu socialismo no Leste Europeu e que este sistema só pode ser vitorioso em escala mundial;a permanência da “disjuntiva reforma ou revolução”;• a negação da estratégia etapista273;• sanção da luta “pela revolução socialista que destrua o Estado burguês e seu sistema político, através mobilização e autorganização da classe que toma o poder em suas mãos e impõe um regime de democracia operária”274.

Em junho, este projeto foi assumido publicamente pela CS e diversos agrupamentos, coletivos e militantes. A FR caracterizou a expulsão da CS como a “morte política do PT” das origens275. Diante disso, só restaria às forças políticas da esquerda petista abananarem o partido e aderirem à sua construção.

Entre as forças que compunham a FR, a maior organização era, sem dúvida, a CS. Outra organização com destaque era o PFS276. Já em janeiro de 1992, esse partido lançara a proposta de construção de uma alternativa dos trabalhadores. Entre outros pontos, concluía que o PT abandonara de vez a “luta contra o sistema capitalista” e partia para a tentativa de melhorá-lo. Assim, conclamava os revolucionários a saírem do PT pois, do contrário, estariam sendo “fiadores de um projeto que engana os trabalhadores” e cometendo os mesmos erros dos"companheiros de luta que ainda estão em partidos como o PDT, PSB e PCB”277.

As divergências no PLP-PFS refletem os embates teóricos e práticos na FR. Em sua trajetória, ela não conseguiu fixar uma intervenção unitária na conjuntura. Esta dificuldade se fez presente na campanha Fora Collor!, onde cada organização participou com política e perfis próprios. Por outro lado, também não manteve a unidade em torno do processo eleitoral: enquanto a CS e o PFS propôs a participação e o apoio crítico ao PT, a minoria defendeu o voto nulo. Na questão do plebiscito de abril de 1993, a posição inicial da CS foi pelo “parlamentarismo democrático”. Vários setores defenderam o voto nulo278.

A FR, impulsionada pela CS e aliada a uma ala da “CUT pela Base” e do PT, promoveram o “Encontro Nacional do Movimento Sindical e Popular”. Realizado em agosto de 1992, em Belo Horizonte, este Encontro aprovou a luta pela antecipação das eleições gerais e contra a posse de Itamar.

A base comum que proporcionou a formação da FR, a crítica à adaptação do PT à institucionalidade burguesa e a sua “Carta de Princípios”, mostrou-se insuficiente. Os desencontros concretos no cotidiano do desenrolar das lutas sociais aliado às diferentes concepções em seu seio, fruto das experiências e tradições diferenciadas, terminaram por se constituir em entraves que paralisaram sua ação e resultou na conformação de 2 blocos em seu interior: a maioria composta pela CS, PFS, o Movimento Socialista Revolucionário, a Democracia Operária279, a Liga280, além de Edinaldo Leite (PB), Luiz Alvez (fundador do PCB), 269 In Valério Arcary. “É preciso construir alternativa ao PT”. É Hora da Frente Revolucionária. São Paulo, CS Editora, formato jornal, junho de 1992, 04 págs.270 “CS é assunto encerrado”. Boletim Nacional, agosto/setembro de 1992, pp. 05.271 É reafirmado a análise anterior, só que, agora, sem qualquer ambigüidade. Ver: Movimento pela Construção da Frente Revolucionária. Primeiro Caderno de Debate Rumo ao Encontro Nacional, maio de 1992, 08 págs.272 Os princípios que fundamentam o acordo mútuo são: 1) a independência de classe: contra todos os pactos com a burguesia no movimento sindical, no campo institucional etc.; 2) defesa da democracia operária: total liberdade de expressão, proporcionalidade, assembléia democrática para todas as questões importantes, contra a burocratização dos sindicatos e da CUT; 3) por uma moral e ética revolucionária: método coletivo de trabalho assentado na lealdade e nos laços de confiança; contra os métodos de calúnia, de dissimulação, de agressões físicas - aceitáveis apenas contra os inimigos de classe, diante da necessidade de preservar a organização revolucionária e a integridade física dos seus militantes; 4) a necessidade estratégica de um partido revolucionário - “que nada mais é do que a forma organizada do programa revolucionário” - que agrupe “a vanguarda mais consciente da classe operária”; e, 5) caráter internacionalista do socialismo. Ver: Movimento pela Construção da Frente Revolucionária. Primeiro Caderno de Debate Rumo ao Encontro Nacional, maio de 1992, pp. 05-07.273 Que estaria sendo retomada pelo PT sob nova roupagem teórica tipo “modernidade”, “hegemonia na sociedade civil”, ‘democracia como valor estratégico” etc., combinado com uma descarada política de pactos sociais e unidade das oposições no parlamento”274 Ver: Movimento pela Construção da Frente Revolucionária. Primeiro Caderno de Debate Rumo ao Encontro Nacional, maio de 1992, pp. 07-08.275 PT expulsa revolucionários. É preciso construir alternativa ao PT. É Hora da Frente Revolucionária. S. Paulo, CS Editora, formato jornal, 06/1992, pp. 02.276 Sigla de Partido da Frente Socialista (pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Frente_Socialista). Era o ex-PLP [Partido da Libertação Proletária (pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Liberta%C3%A7%C3%A3o_Prolet%C3%A1ria)]. Ver também Coletivo Gregório Bezerra (pt.wikipedia.org/wiki/Coletivo_Greg%C3%B3rio_Bezerra).277 Partido da Libertação Proletária. Manifesto por um Movimento dos explorados e Oprimidos. Fora Collor! Construir uma Alternativa dos Trabalhadores! Janeiro de 1992, 02 págs. A análise do PLP sobre o I Congresso do PT coincidia com a CS. Em fins de 1991, sua direção propôs a formação de um Movimento de Luta dos Explorados, dentro do mesmo espírito do manifesto citado.278 A CS acabou assumindo esta proposta.279 Os integrantes desta organização atuam basicamente nos bancários de Porto Alegre (RS). No PT integravam o bloco de esquerda Alternativa PT Socialista e Revolucionário. Um dos seus líderes era Victor Hugo Ghiorzi, diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre.280 A Liga formou-se a partir de um setor da CUT pela Base com militância no PT e que rompeu publicamente com este no início de 1993. Das suas lideranças destacam-se: Júnia Gouveia (Executiva Nacional da CUT e da Coordenação Nacional da CUT pela Base); Celso Lavorato (da Executiva da CUT-SP e também da Coordenação Nacional da CUT pela Base); Edmilson Araújo (Confederação dos Trabalhadores Químicos de Sergipe); Romulo Rodrigues (ex-diretor

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Dário (Pres. da CUT-RN) e Enio Bucchioni (Diadema-SP); a minoria integrada pelo “Grupo Independente de Diadema”, o “Coletivo Luta de Classes”, o PLP281 e por militantes de bairros de São Paulo.

Os grupos minoritários formaram o “Alinhamento” e coagiram a maioria a anuir a participação na FR de organizações como a CO, a TPOR, o PRO282 e outros grupos menores, criticando a política de vetos da CS e da maioria da FR.

Para a CS a questão de fundo era a tática e a estratégia. As teses do “Alinhamento” e dos seus aliados estariam fora da realidade do movimento de massas, significava, na prática, a recusa à disputa das massas ainda confiantes no PT e na CUT. Isto pressupunha atuar no movimento real, inclusive no campo institucional. Esta seria a forma de construir o partido revolucionário e não um clube de discussão. Para a CS: “A construção deste partido é incompatível com os projetos de seitas, sejam pequenas, minúsculas ou inexpressivas, que infelizmente se deformaram por muitos anos de marginalidade social e política”283.

A crítica da CS visa particularmente seus adversários no campo do Trotskismo, vetados desde a formação da FR: a CO e a TPOR284. Em defesa desses setores, o “Alinhamento” alegou que “uma frente não é um partido e tem objetivos e práticas diferenciadas deste”. Expressa, assim, a idéia de que a FR deveria flexibilizar sua estrutura organizativa, garantindo a convivência dos diversos agrupamentos com fisionomia própria. Na prática, questionavam o processo, já em andamento, de aprofundar a centralização da FR, no sentido de gerar as condições para a formação do partido revolucionário.

Na reunião de 05/03/1993, consuma a ruptura entre a maioria e a minoria. O bloco majoritário considera inviável a manutenção da FR nos moldes anteriores e decide lançar formalmente um movimento por um partido revolucionário: a “Frente Socialista - Por um Partido Revolucionário”. Essa organização aprova a ação unitária no plebiscito de abril e na preparação do 1º de Maio; marca a data para um Encontro Nacional - que lançaria o movimento pela formação do novo partido -; e, elege uma Coordenação Provisória composta por João Ricardo Soares (CS), Lays Machado (Liga), Henrique Acker (PFS) e Enio Bucchioni.

Diante da formalização da cisão, a maioria propôs à minoria não usar o nome FR, alegando que este era herança comum de uma fase importante no pós-ruptura com o PT, porém, a minoria resgatou a FR, compondo-a com os setores vetados.

A ruptura da FR original deu lugar à realização de 2 Encontros Nacionais no início de abril. O I Encontro Nacional da FR patrocinado pelo “Alinhamento”, teve a participação de 98 pessoas (que assinaram a lista de presença), além dos convidados que representavam a CO, a TPOR, o PRO e militantes sindicais com atuação no Sind. dos Condutores de São Paulo. Também foram convidados a Frente Socialista (FS), a CST285 e o grupo Rebelião Operária286.

A CO, um dos principais motivos de toda a polêmica no interior da ex-FR, exigiu que o “Alinhamento” fizesse um balanço autocrítico e propôs a transformação da organização formada por estes num Comitê pró-FR, recusando-se a integrar um processo em andamento. Diante da rejeição ao seu ultimato, se retirou do reunião287.

No outro Encontro, que reuniu cerca de 700 militantes288 lançou o Movimento Pró-PSTU e aprovou uma resolução política que declarava a oposição intransigente ao governo Itamar, à política neoliberal e a todas as instituições do regime democrático burguês; contra qualquer pacto social e por um programa anticapitalista.

A polêmica mais acentuada se deu em torno da tática eleitoral. Vários militantes defenderam o lançamento de candidatura própria, alternativa à do PT/FBP289. Após várias intervenções, foi aprovado por aclamação uma resolução que conclamava o PT e outras forças políticas do movimento de massas a se empenharem por um programa anticapitalista. A decisão do apoio à uma possível candidatura Lula ficou em aberto.

Outra discussão acirrada ocorreu quanto ao nome deste movimento. Após inúmeras sugestões, o nome adotado surgiu por consenso na Reunião Ampliada da Coordenação Nacional, no próprio Encontro. Os delegados aprovaram ainda a estrutura organizativa e a edição de um jornal; pronunciaram-se favoravelmente à garantia da independência política dos diversos coletivos até o Congresso de fundação do Partido290; e, elegeram uma Coordenação Provisória composta por 27 membros e com a tarefa de preparar o Congresso.

À Coordenação Nacional coube ainda a tarefa de organizar a discussão sobre a visão de Partido. Sobre este tema, foram alçadas as seguintes questões: 1ª) qual o sujeito social da revolução e que conseqüências tem esta definição sobre a política e a forma da organização partidária; 2ª) o que se entende por centralismo democrático e quais os seus desdobramentos práticos291.

O “Alinhamento” aprovou a reestruturação da FR elegendo uma Coordenação Nacional de caráter executivo, composta por 2 representantes de cada organização e dos independentes (com direito a 1 voto). Ainda em abril, a FR divulgou um manifesto assinado por 10 coletivos e organizações, todos de abrangência e expressão social limitada. Representam, sem trocadilho, a vanguarda da vanguarda292.

da CUT Nacional); Santiago (Confederação dos Trabalhadores na Construção Civil do Pará); Henrique Martins (da Executiva da CUT-MS); Lays Machado (que era da Coordenação Estadual da Tendencia Marxista em São Paulo) e outros. 281 Uma dissidência do PFS, basicamente no Rio de Janeiro e Paraíba.282 Sigla de Partido da Revolução Operária. O PRO surgiu de uma cisão do PRC, restrita ao Ceará. Seus militantes foram expulsos do PT em 1988, devido a crise entre este e a Pref. Maria Luiza Fontenelle, eleita por sua legenda. Posteriormente, a ex-prefeita aderiu ao PSB, elegendo-se deputada federal.283 “Os sectários em geral e os incorrigíveis em particular”. Convergência Socialista, nº 357, 11-17/02/1993, pp. 07.284 Esta é uma briga antiga. Neste ponto, as acusações da ambos os lados são infindáveis. A CS, por exemplo, acusou a CO de utilizar métodos que feriam a ética e a moral revolucionária (calúnia, falsificação, agressão física etc.). Ver: “Causa Operária: deformações incorrigíveis”. Convergência Socialista nº 356, 04-10/02/1993. O “Alinhamento” saiu em defesa da CO, e dos demais. Afirmam que não se deve imputar a estas organizações a “total responsabilidade sobre o comportamento desleal, intempestivo ou desprovido de ética revolucionária de alguns dos seus militantes”. Admite, portanto, a existência destes desvios, mas seriam atos isolados que não abalariam a confiança. Ver: “Alinhamento responde artigo da CS”. Convergência Socialista, nº 359, 04 a-10/03/1993, pp. 10.285 Sigla de Corrente Socialista dos Trabalhadores. In pt.wikipedia.org/wiki/Corrente_Socialista_dos_Trabalhadores.286 A FS, por motivos óbvios, não se manifestar sobre o convite; os demais, apesar de não enviarem representantes, se dispuseram a entabular negociações.287 A CS não perdeu a oportunidade. “É incrível! Depois de 10 anos conseguem, enfim, alguém que queira se aliar a eles e publicam um encarte atacando publica e implacavelmente seus novos aliados”, ironizou. A CS refere-se ao jornal da Causa Operária publicado às vésperas da reunião onde, além das críticas habituais à CS, se dedicavam a apontar os “limites do Alinhamento”. Ver: “Causa perdida”. Convergência Socialista, nº 365, 23-29/04/1993. A TPOR também condenou o comportamento da CO, a qual não teria compreendido o caráter do Alinhamento, surgido justamente por sua oposição aos “vetos da CS e seus satélites”. In “09-10/04/1993: Dois encontros das esquerdas”. Massas, 2ª quinzena de abril de 1993, pp. 06-08.288 Destes, 442 militantes eram de São Paulo, sede do evento; 57 do RJ; 54 de MG; 49 do RS; 20 de Goiânia; 18 de Brasília; e, 32 da região nordeste. 289 Sigla de Frente Brasil Popular. In pt.wikipedia.org/wiki/Frente_Brasil_Popular.290 A unidade deveria se dar pela confiança mútua, na discussão do programa e pela intervenção comum na conjuntura.291 As resoluções do I Encontro Nacional deste movimento foram publicadas em formato caderno, 23 pp.292 São eles: Luta de Classes, Grupo Independente de Diadema, Partido da Libertação Proletária, Grupo Marxista Leninista (GRUMALE), Liga dos Comunistas, Coletivo dos Independentes da Zona Sul (SP, Capital); Frente Revolucionária do Butantã (SP, Capital), Partido da Revolução Proletária, TPOR e

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O manifesto da FR defende as bandeiras clássicas do marxismo, desfia um discurso ortodoxo e principista e apresenta-se como uma instrumento que organiza os revolucionários para intervir na luta de classes cotidiana e “garantir a unidade dos explorados contra os exploradores”293. A frente nem mesmo conseguiu garantir sua unidade.

Passada a rebuliço dos Encontros Nacionais, o Movimento Pró-PSTU voltou-se para a preparação do Congresso fundador do novo Partido. Em setembro lança seu jornal e a CS cancela a publicação do seu jornal. Esse fato mostra a aumento da tendência à autodissolução das suas correntes internas. O movimento lançou oficialmente a campanha de filiação e de formação de núcleos em todo o país. Ainda neste mês, consegue o registro provisório: o PSTU poderia concorrer nas eleições de 1994.

Paralelamente às atividades práticas e ao processo eleitoral, ocorre o debate em torno do programa, dos estatutos, da concepção de partido etc. Fzem-se diversas reuniões, seminários temáticos e publicam-se vários textos. Nesse contexto, um grupo de militantes independentes (Diadema e Santo André) e o CLS294, que tinha entre seus membros o dirigente da Coordenação Nacional do PSTU, Henrique Acker, polemizam com a maioria da Direção sobre o método de elaboração do “Anteprojeto do Programa e dos Estatutos”. Afirmam que o processo descaracterizou: “...a própria possibilidade de construção de um novo projeto programático, já que, na prática, acabaram prevalecendo as posições de um setor de dirigentes da CS e da Liga, sem oportunidade aos demais coletivos e indivíduos de expor suas dúvidas, posições, acordos e diferenças ao conjunto da militância do MPSTU”295.

Consideram ainda que as teses da maioria pecam por não levar às últimas conseqüências a análise sobre a revolução russa, embora se fundamentem nela. Teria faltado uma avaliação “mais acurada” das razões que levaram-na “ao processo de degeneração que redundou na supremacia da burocracia stalinista”296. Diante disso, propõem que o Congresso do PSTU limite-se a fazer um balanço da sua construção, sem colocar o programa em votação. Ao mesmo tempo, criticam a concepção de partido da maioria, a qual teria um grave desvio: “O partido é entendido não pelos seus objetivos e metas que propõe aos trabalhadores, mas ao que se propõe ser, ou seja, direção da luta dos trabalhadores e demais explorados. Trata-se de uma visão autoproclamatória excludente e que pode nos levara uma política sectária no movimento e no trato com as demais forças revolucionárias”297.

Os efeitos desta concepção se traduzem numa dada visão de centralismo democrático, excessivamente centralizador nas mãos do Comitê Central. Para a minoria, isso seria a reedição do partido coluna de quadros, cuja matriz teórica estaria na III Internacional. Esta deformação burocrática, ainda na análise minoritária, estaria na estrutura do partido sob a forma piramidal, no excessivo controle dos seus órgãos de imprensa, no casuísmo que permite a certos setores manter relações internacionais 298 e em flagrante contradição com a proibição de tendências e frações internas299. A crítica à proibição de Tendências e frações é assumida por setores minoritários: Socialismo Classista, Luta de Classes e o Núcleo de Independência Proletária300.

Este elemento é particularmente interessante. Como vimos, a CS foi uma das mais aguerridas combatentes pelo direito de tendência, e mesmo de fração. Agora, majoritária no novo partido, restringe este direito ao período pré-Congresso e, suprema ironia, defende a mais rigorosa centralização da atividade partidária, condição para superar a frente de organizações e coletivos predominantes nesta fase. O contrário seria repetir os erros do PT e correr o risco do PSTU transformar-se de forma permanente numa frente de tendências.

Os representantes da maioria Eduardo Almeida e Walter Toledo, 1º culparam os críticos por esperarem 5 meses para declararem-se e, mesmo assim, não estariam apresentando sua posição “com a clareza que a defenderam em documentos anteriores e nos próprios seminários”. A minoria estaria diluindo a questão central em “perguntas e problemas menores”301. Qual, então, seria a problemática nuclear?

Para a maioria a resposta está na rejeição do “modelo de Partido Bolchevique e da III Internacional”. A concepção da minoria, no entendimento de Almeida e Toledo, deriva da visão de que “o Stalinismo não foi uma contrarrevolução, mas uma continuidade do Bolchevismo, da qual tem origem”. Assim, ela estaria atacando os bolcheviques pelos seus acertos e não por seus erros302. Segundo Almeida e Toledo, a minoria tem um “modelo de partido semianárquico” que, “ao se materializar em exemplos concretos, se transforma em outra coisa, muito próxima da estrutura socialdemocrata do PT” ou seja, da democracia para os dirigentes. Contra o democratismo da minoria, reafirmam o centralismo democrático bolchevique.

Eles acusam-na de quererem fazer do Partido um clube de discussões, diluído em seu próprio internismo. Admitem a constituição de grupos provisórios e consideram que a discussão pode fluir através dos organismos partidários 303. O essencial nesta questão é entender de que ambas as concepções de Partido refletem não só balanços diferentes sobre o processo revolucionário russo, mas também visões divergentes sobre o Estado, a sociedade e as estratégias decorrentes.

Essa discussão programática consolida a posição da maioria. Suas teses insistem na maturidade das condições objetivas em contradição com as insuficiências das condições subjetivas. Reafirmando uma velha tese trotskista, o problema principal continua sendo a inexistência de uma Direção revolucionária, em nível nacional e mundial304.

militantes independentes da FR. Depois, a maioria do coletivo Luta de Classes retomou o processo de construção do PSTU, rompendo com a FR. 293 Manifesto da Frente Revolucionária, s.d., 10 págs.294 Sigla de Coletivo Luta Socialista.295 “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.296 “Crítica aos estatutos”. In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do Congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.297 “Crítica aos estatutos”. In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do Congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.298 Numa clara referência à ligação da CS com a LIT.299 “Crítica aos estatutos”. In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.300 “Contribuição sobre o centralismo democrático”. In In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.301 Eduardo Almeida e Walter Toledo. “Duas concepções de partido opostas”. In In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.302 Eduardo Almeida e Walter Toledo. “Duas concepções de partido opostas”. In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do Congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.303 Eduardo Almeida e Walter Toledo. “Duas concepções de partido opostas”. In In “Crítica ao Ante-Projeto de Programa do PSTU”. Rumo ao PSTU: Encarte preparatório do congresso de fundação do PSTU”, 8 págs. Jornal do PSTU, nº 15, de 20-26/05/1994.304 “A crise da humanidade continua sendo a crise da direção revolucionária”, reafirma as teses. Ver: Teses Programáticas para a Revolução Proletária.

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No quadro internacional, as teses afirmam a necessidade de “uma nova revolução contra a burocracia” contra o processo de restauração capitalista nos países do Leste. Sobre Cuba, consideram que sua defesa diante dos ataques do imperialismo passa pelo combate “contra a burocracia castrista”. Neste quadro, a construção do partido internacional, torna-se premente. De novo, reafirma-se a concepção de partido de quadros: os profissionais da revolução, a vanguarda organizada e consciente da classe, o “estado maior da revolução”. É com esta concepção que o PSTU lança-se à tarefa de construir a Internacional, abrindo a discussão interna e tendo como referência seu próximo Congresso305.

Elaborada e publicada durante a campanha eleitoral de 1994, as teses visualizam o panorama de surgir um governo da FBP liderado pelo PT e define como um governo burguês diferente dos outros, mas com uma política “globalmente contrarrevolucionária”. A tática contra este governo seria a mesma que os bolcheviques usaram contra o governo Kerenski de fevereiro de 1917. Contra um possível governo Lula, o PSTU aconselha o “método de exigências e denúncias sistemáticas”306.

Essa definição, admite as teses, é comum aos sectários. A distinção estaria em que estes últimos não tomam em conta a “característica específica do apoio das massas em seu 1º momento”. As ilusões das massas exigiriam um ajuste da política à realidade. Além do mais, o Governo Democrático Popular é visto como uma ocasião histórica para a construção da Direção revolucionária pois, a experiência direta das massas poderia abrir espaços para a balanço cabal da falência da política petista307.

Essa perspectiva pressupõe que o PSTU acerte em sua linha política. Caso contrário, prevê as teses, as hipóteses seriam ou o seu desaparecimento, resultante de uma “política oportunista”; ou sua consolidação como uma “seita, desligada dos processos reais do movimento de massas”308.

É com essa orientação política que o PSTU participa das eleições. O PSTU apoiou criticamente a candidatura Lula, defendendo o nome de Osmarino Amâncio como vice e reivindicando que o MST assumisse essa proposta. Esta coligação deveria passar por uma negociação com o PT, onde cada partido manteria sua independência e em torno de um programa. “O PSTU defenderá o voto em Lula, mas não assumirá compromisso algum com seu programa de governo” 309, declarou. O PSTU defendeu ainda que o PT lançasse candidaturas próprias aos governos estaduais; e se opôs à Revisão Constitucional e ao Plano FHC.

O PSTU lançou candidatos no Ceará - em aliança com o PRO -, Pernambuco e Maranhão. No 1º caso, o PSTU fez um acordo com Maria Luiza Fontenelle, candidata ao Senado310. Em Pernambuco o candidato foi Joaquim Magalhães; no Maranhão, Francisco Chagas. Todos tiveram uma votação inferior a 3%. Em todo o país, o PSTU lançou 5 candidatos ao Senado, 20 a Dep. Federal e 33 candidaturas às Assembléias Legislativas311. Entre os candidatos destacam-se: Ernesto Gradelha (SP), Cyro Garcia (RJ), José Alvarenga (RS) e Martiniano de Carvalho (GO). Dentre os que disputaram para Dep. estadual estava Valério Arcary. O desempenho eleitoral do PSTU foi pífio: não elegeu nenhum candidato312.

Numa 1ª avaliação desse processo, o PSTU debitou o insucesso eleitoral ao Plano Real (denunciado sistematicamente em sua campanha) e ao fato da simpatia e apoio da vanguarda dos trabalhadores não se traduzir em votos já que, como reconheceu, o PT continuou sendo “a principal e maior referência para esta militância” 313. A não reeleição de Gradella314

deveu-se a estes e outros fatores específicos da realidade da sua base eleitoral315: redução do setor industrial, principalmente metalúrgico; a experiência negativa dos trabalhadores com o PT a prefeitura; e o fortalecimento da direita.

No 2º turno das eleições o PSTU defendeu criticamente as candidaturas do PT no ES (Vitor Buaiz), RS (Olívio Dutra) e no DF (Cristóvam Buarque). Nos demais Estados, propôs o voto nulo contra os patrões. Essa política não evitou o rompimento com o governador eleito Cristóvam Buarque. Os motivos alegados foram o método de escolha dos ocupantes dos cargos diretivos316 e a ampliação do leque de alianças que teria caracterizado uma coalizão com os patrões317.

Para o PSTU, a derrota de Lula ocorreu porque a burguesia se mostrou capaz de unificar-se em torno de um projeto (o Plano Real), de incorporar as camadas médias da população e imobilizar o proletariado. Além disso, o lado de cá vacilara. Esta vacilação se expressara no fôlego que o PT dera ao governo Itamar, ao defender a sua governabilidade; ao não apresentar um programa alternativo classista; e, devido às alianças feitas e a necessidade de apresentar a candidatura Lula como aceitável318.

A derrota eleitoral decretara o fracasso da estratégia colaboracionista fundada no seguinte tripé: a política de alianças; o respeito á institucionalidade; e, o rebaixamento programático (política distributivista). Por outro lado, a votação que Lula obteve (27%), foi considerado como um fator positivo Este índice foi superior ao que Lula atingiu no 1º turno da eleição de 1989 e, na avaliação do PSTU, representou a adesão de mais de 70% dos setores sindicais, populares e estudantis organizados. na base sindical, popular, camponesa e estudantil organizada319.

Cadernos Desafio, 2. São Paulo, Editor Desafio, agosto de 1994, pp. 06. Essas teses, apresentadas como um programa ainda inacabado, aberto à discussão com outras forças revolucionárias, foram aprovadas no congresso de fundação do PSTU.305 “A crise da humanidade continua sendo a crise da direção revolucionária”, reafirma as teses. Ver: Teses Programáticas para a Revolução Proletária. Cadernos Desafio, 2. São Paulo, Editor Desafio, agosto de 1994, pp. 58-63.306 “A crise da humanidade continua sendo a crise da direção revolucionária”, reafirma as teses. Ver: Teses Programáticas para a Revolução Proletária. Cadernos Desafio, 2. São Paulo, Editor Desafio, agosto de 1994, pp. 33.307 “A crise da humanidade continua sendo a crise da direção revolucionária”, reafirma as teses. Ver: Teses Programáticas para a Revolução Proletária. Cadernos Desafio, 2. São Paulo, Editor Desafio, agosto de 1994, pp. 34308 “A crise da humanidade continua sendo a crise da direção revolucionária”, reafirma as teses. Ver: Teses Programáticas para a Revolução Proletária. Cadernos Desafio, 2. São Paulo, Editor Desafio, agosto de 1994, pp. 34309 “O PSTU nas próximas eleições”. Jornal do PSTU, nº 7, 10-24/02/1994.310 Maria Luiza havia rompido com o PSB e o PRO não tinha registro eleitoral. A coligação não representava unificação formal.311 Isto é, incluindo os candidatos a deputado distrital de Brasília.312 Gradella teve 19.200 votos - pouco abaixo dos 19.723 votos conquistados nas eleições de 1990, mas insuficientes para elegê-lo pela legenda do PSTU; Valério Arcary teve 9.830 votos; dos candidatos ao Senado os mais votados foram Francisco Rocha (SE), com 8,1% e Maria Luiza (CE), com 7,8%.313 “PSTU se afirma como esquerda revolucionária”. Jornal do PSTU, nº 28, de 14-20/10/1994, pp. 10.314 Que era deputado federal pelo PT315 Referencia a São José dos Campos (SP).316 Ou seja, foram escolhidos pela cúpula e não pelos organismos dos trabalhadores, como queria o PSTU.317 In Antônio Ricardo Guillen. “Por que o PSTU não participará do governo Cristóvam Buarque?” Jornal do PSTU, nº 33, 23-30/11/1994.318 “Por que Lula não venceu?” Jornal do PSTU, nº 28, 14-20/10/1994, pp. 02. Em meio à campanha eleitoral de 1994, na madrugada de 02/07/1994, 2 dirigentes do PSTU foram barbaramente assassinados em São Carlos, interior paulista: José Sudermann e Rosa Hernandes Sudermann.319 “O fracasso da estratégia de colaboração de classes”. Jornal do PSTU, nº 28, 14-20/10/1994, pp. 06-07.

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A explosão da LIT320

Em 1988, uma importante fração estudantil rompe com o MAS, dando origem ao que hoje é o PTS 321, que embora reivindique uma crítica ao legado teórico de Moreno, possui o mesmo desvio comum a seus antigos companheiros de partido, sendo um dos setores que mais entusiasticamente saudou como revolução a destruição contrarrevolucionária da URSS e dos Estados operários deformados do Leste europeu.

Em 1992, ocorreu uma das maiores rupturas do MAS, liderada por sua principal figura pública, o parlamentar Luís Zamora, que dirige hoje o MST, seção da UIT322. A UIT define pelo extremo exitismo, seguido das mais descaradas capitulações a correntes nacionalistas, reformistas e centristas de todas as espécies que lhe cruzarem o caminho. O setor que se aliava com as posições de Zamora no interior da seção brasileira da LIT, adotou o nome de CST323, voltou para dentro do PT e tem na manutenção de seus cargos parlamentares a sua razão de existir. Hoje, a corrente de Zamora dá mais uma virada à direita, aliando com a CIT324, cuja principal seção, o PS inglês325, um agrupamento centrista que reiteradas vezes capitulou à sua própria burguesia, seja na Guerra das Malvinas, ou na questão irlandesa, além de defender a existência do Estado racista sionista de Israel.

Em 1994, ocorreu outra cisão no MAS e na LIT, desta vez encabeçada pelo PST 326 colombiano, dando origem ao CITO327, que a princípio estabeleceu críticas de esquerda aos desvios da LIT no plano internacional328, como também no método oportunista de construção do PSTU. A questão é que a corrente dirigida pelo partido colombiano não entende que tais desvios partem dos desdobramentos da política empregada por Moreno e não do “abandono de seu legado teórico”, o qual o CITO reivindica como o representante mais ortodoxo.

O CITO reconhece que passamos por um período de intensa reação e “ofensiva imperialista”, mas, ao mesmo tempo, define que a etapa atual está marcada pelo “grande triunfo democrático que significou a derrubada dos regimes estalinistas na Rússia e na Europa Oriental”. No mesmo parágrafo desta citação, conclui que este fato que denomina de “triunfo” foi “o início de maneira direta e aberta da restauração capitalista na Rússia e nos Estados operários da Europa Oriental, [que] significa um retrocesso para .o proletariado mundial”329. Esta definição levou a CITO ao outro extremo da desmoralização política, incapaz de conviver com a confusa afirmação de que o “grande triunfo democrático” impulsionou uma ofensiva reacionária imperialista.

Estes senhores podem nos objetar que se trata de um processo dialético e contraditório, onde “as direções traidoras lograram desviar a luta das massas, iludindo-as com os mecanismos da democracia burguesa e impondo a elas planos pró-capitalistas”330. Mas não podem esconder que eles próprios participaram entusiasticamente do bloco que alimentou estas ilusões democratizantes, festejando o “triunfo democrático”, ou seja, a 'grande vantagem' que os trabalhadores do Leste teriam a partir da queda das burocracias, para desfrutarem de todas as 'benesses' da democracia capitalista331, quando tinha “início de maneira direta e aberta a restauração capitalista”.

Enquanto Trotsky definia que só um partido revolucionário defensista era capaz de dirigir a revolução política num Estado Operário Degenerado, o CITO chama de revolução política a todos os processos restauracionistas ocorridos no Leste europeu. Fica claro que esta corrente está completamente perdida diante dos principais acontecimentos da luta de classes quando afirma, em pleno maio de 1997, que a “Albânia é um Estado Operário Degenerado”332, ou seja, 5 anos após os stalinistas terem entregue o governo para o Partido Democrático, que em 1992 estabeleceu uma Constituição capitalista, restaurou a economia de mercado, a propriedade privada e filiou o país ao FMI. Mas os equívocos não param por aí, em seguida caracterizam que a rebelião espontânea das massas contra o golpe das pirâmides da fortuna aplicado pelo governo restauracionista de Berisha, que possibilitou aos stalinistas voltarem ao poder, através de um governo dirigido pelo PS333, seria uma “revolução política”(!?)334. Por outro lado, prosseguem, “isto é parte do processo de revolução política que vem se dando nos últimos 20 anos nos Estados Operários Degenerados, como o Solidariedade na Polônia, Ceaucescu na Romênia, e a queda do PCUS na URSS”335.

Primeiro demonstram que perderam completamente a noção de qual seja a distinção entre um Estado operário e um Estado capitalista. Só para recordar o que é um Estado operário, vamos à definição que Trotsky utilizou para a URSS e que se aplica também para a Albânia: “A nacionalização do solo, dos meios de produção, dos transportes e de troca, e também o monopólio do comércio exterior formam parte da sociedade soviética. E esta aquisição da revolução proletária é a que permite definir a URSS como um Estado proletário”336. Nenhum trabalhador albanês vai negar que, ainda sob o peso da degeneração burocrática, a coletivização das terras, o pleno emprego, a saúde e educação gratuita faziam com que as condições de vida do passado fossem imensamente melhores do que a absoluta miséria a que foi condenada ½ da população economicamente ativa, a destruição do incipiente parque industrial, da agricultura coletivizada e de todas as conquistas da Revolução Albanesa. Tudo isto foi promovido em menos de uma década em que instaurou-se no poder uma mafiosa burguesia nascente a serviço do imperialismo. Não é por acaso que o regime capitalista atual, diante da rebelião popular, buscou contornar a crise, pondo no

320 In brazil.indymedia.org/content/2003/06/255762.shtml.321 Sigla de Partido dos Trabalhadores Socialistas. In es.wikipedia.org/wiki/Partido_de_los_Trabajadores_Socialistas, in es.wikipedia.org/wiki/La_Verdad_Obrera, in www.pts.org.ar, in es.wikipedia.org/wiki/Fracci%C3%B3n_Trotskista_-_Cuarta_Internacional e in www.ft-ci.org.322 Sigla de Unidade Internacional dos Trabalhadores. In www.uit-ci.org.323 Sigla de Corrente Socialista dos Trabalhadores. In pt.wikipedia.org/wiki/Corrente_Socialista_dos_Trabalhadores.324 Sigla de Comitê por uma Internacional Trabalhadores. In pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%AA_por_uma_Internacional_dos_Trabalhadores, in pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade,_Socialismo_e_Revolu%C3%A7%C3%A3o, in www.lsr-cit.org e in www.mundosocialista.net.325 Antigo The Militant (en.wikipedia.org/wiki/The_Militant). In www.socialistparty.org.uk.326 In es.wikipedia.org/wiki/Partido_Socialista_de_los_Trabajadores_%28Colombia%29 e in www.pstcolombia.org/.327 Sigla de Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo.328 Referencia a capitulação ao imperialismo na Somália e na Guerra dos Bálcãs.329 In Panorama Internacional, nº 2.330 In Panorama Internacional, nº 2.331 Referencia a fome, miséria, desemprego em massa, analfabetismo, destruição dos serviços públicos estatais de saúde e educação, dependência econômica do imperialismo.332 In Panorama Internacional, nº 6.333 Ex-PTA do burocrata Ever Hoxha.334 In Panorama Internacional, nº 6.335 In Panorama Internacional, nº 6.336 In Trotsky, Leon. A Revolução Traída, 1936.

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governo justamente o partido dos odiados burocratas, o PS, que os trabalhadores identificam 337 com as condições de vida que possuíam no Estado operário.

Em 2º lugar, o CITO defende justamente o oposto do que defendia Trotsky; afirma que qualquer um, absolutamente qualquer um agente restauracionista pró-imperialista, nacionalista ou clerical, que tenha conseguido acaudilhar o movimento de massas e substituído a burocracia stalinista nos últimos 20 anos é capaz de dirigir a revolução política.

O que o CITO não desconfia é que a crítica relativamente acertada que faz às outras correntes morenistas pela sua capitulação ao imperialismo na Iugoslávia e Somália serve a ele próprio no caso da URSS e todos os demais processos restauracionistas do Leste europeu. Esta flagrante repetição dos mesmos erros que critica nos seus antigos companheiros de partido deve-se aos profundos desvios teóricos da herança que reivindica, pois traça apenas delimitações empíricas e pontuais, sem buscar as raízes teóricas e de classe dos desvios da LIT.

Diante desta contradição, o CITO encontra-se em crise permanente, paralisado diante das próprias conclusões políticas a que leva o legado teórico que reivindica e assumindo uma posição abstencionista diante dos principais acontecimentos da luta de classes hoje. Não as causas, mas esta conseqüência da política morenista ortodoxa, é reconhecida pela última ruptura que sofreu o CITO, que levou consigo parte da seção Argentina e toda a seção brasileira desta corrente. A cisão argentina, o PRS-Avanzada Socialista, justifica a ruptura, alegando que “a direção do CITO e do PRS deixou de atuar na luta de classes” 338, destacando como exemplo a paralisia política diante dos acontecimentos na Albânia, da intervenção imperialista na Bósnia e por "não denunciar nem chamar a combater Fujimori pelo assassinato a sangue frio do comando guerrilheiro que havia ocupado a embaixada do Japão no Peru”339. Embora importantes, as críticas limitam-se ao campo do empirismo e a nova fração acaba voltando para a estaca zero: “lamentavelmente, nossa organização internacional começou a alijar-se do morenismo” 340. Por fim, o acirramento da crise interna levou esta corrente a cisões atrás de outras sem que nenhuma das frações consiga explicar as causas político-teóricas que motivaram a ruptura.

Uma das frações que compunham a LIT é chefiada pela corrente “Socialismo Revolucionário” italiana que arrastou consigo quase todas as seções morenistas européias. O SR levou ao extremo as revisões do Trotskismo já feitas por Moreno, sem que para isso fosse preciso buscar em outra matriz teórica as bases para uma profunda adaptação à social democracia, e acabou por romper formalmente com o Trotskismo e o Bolchevismo em busca de uma “renovação ideológica”. Os “eseristas” acreditam que um dos principais erros da esquerda neste século foi ter adotado a Revolução Bolchevique como “modelo”, o que “confinou o marxismo em uma posição fatalmente minoritária”341. Renegam a tomada do poder e a expropriação da burguesia através da revolução proletária como exemplos, para abraçar o “novo modelo de revolução”, majoritariamente saudado pela burguesia mundial, pela esquerda reformista (e também pelo morenismo), quando em nome do combate à burocracia stalinista tem início a destruição contrarrevolucionária das conquistas históricas dos trabalhadores da URSS e do Leste europeu. Os “eseristas” também trataram de aprimorar sua concepção revisionista de partido, criticando a concepção de construção de partidos para a tomada do poder, e substituindo-o por outros “sujeitos sociais”, como a “opinião pública” e da “sociedade civil organizada”, ou seja, a mídia imperialista e a defesa da democracia burguesa. Não é à toa que o SR destaca como “aspecto crucial pelo qual tem fracassado o movimento tem sido a reprodução (...) das concepções de Vladimir Ilitch: a construção de partidos para a revolução e não para a revolução socialista e o socialismo”342. Só para avisar aos leitores, o SR entende que a restauração capitalista comandada por Ieltsin, que no dicionário morenista conceituou-se de “revolução democrática”, foi a 1ª etapa de sua “revolução socialista”.

Hoje, o MAS, que segundo sua direção chegou a possuir quase 10 mil militantes em meados de 80, após ter perdido de seus antigos quadros, sofrido quase 1 dezena de grandes cisões, é mantido formalmente no interior da LIT por um acordo sem princípios com o PSTU, o atual partido mãe, para evitar provavelmente a liquidação daquele que foi outrora a maior seção da LIT.

A explosão que vitimou a LIT e, como num efeito atômico, vem atingindo todos os seus ramos, reside no próprio legado teórico de Moreno que, em sua revisão do Trotskismo, desarmou e confundiu a militância.

CS: 12 anos de militância no PT343

Durante 12 anos, a CS militou dentro do PT, organização que surgiu no Brasil em 1980. No auge das mobilizações contra o governo Collor, em 1992, a burocracia que dirige o PT expulsou a CS. Dessa forma deixou definitivamente claro para a vanguarda dos trabalhadores o antagonismo entre os projetos políticos.

Foram 12 anos cheios de experiências, erros e acertos, dos quais se podem extrair várias lições. Elas serviram tanto para a construção daqui pra frente como para tentar ajudar aos companheiros de outros países que hoje iniciam o difícil caminho de intervir na construção de partidos operários deste tipo.

Ao contrário do que pensávamos no começo e do que muitos pensam até hoje, nossa experiência demonstrou que a construção deste tipo de partido não nos coloca frente a uma única hipótese: a de que o Trotskismo dê um grande salto a frente em sua construção. Também há outra: a de que o partido operário destrua o Trotskismo. O processo brasileiro provou que a 2 ª hipótese não é tão improvável. Basta lembrar o destino de mais de 10 correntes de esquerda que formaram o PT: praticamente sumiram. A maioria se dissolveu e as que sobrevivem estão apenas formalmente “organizadas” e completamente subordinadas à disciplina imposta pela burocracia dirigente e, como ela, integradas ao regime.

Além da CS, uma das poucas correntes nacionais que manteve a independência foi o Lambertismo. E, assim mesmo, limitada. Quando entraram no PT, os lambertistas eram muito dinâmicos. Sua organização tinha muito peso no ME e mais de 1000 militantes. Hoje, é uma organização muito pequena (não mais que 200 militantes), que publica um jornal mensal de reduzidíssima circulação e que perdeu a maior parte de seus quadros para o aparato da burocracia.

337 Ainda que de maneira falsa, saudosista e pela ausência de um partido revolucionário com influência de massas.338 In Avanzada Socialista, nº 0, /1997.339 In Suplemento Especial de Avanzada Socialista nº 0.340 In Suplemento Especial de Avanzada Socialista nº 0341 In Teses sobre a Nova Época, SR.342 In Inter [ ] nº 0, maio/97, SR.343 Autor: Martín Hernández.

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Com a CS foi diferente. Esta começou a trabalhar no PT sendo ainda uma organização muito jovem, com 5 anos de existência e pouco mais de 300 militantes, a maioria estudantes. Além disso, acabava de sair de uma ruptura e uma forte crise. Doze anos depois, a CS era a 2ª ou 3ª corrente do MO, estava na direção de mais de 100 sindicatos e tinha aproximadamente 1500 militantes, a maioria trabalhadores. Hoje, a CS é plenamente consciente de que foi possível evitar sua destruição, e mais ainda, dar um grande salto em sua construção porque essa experiência com o PT foi feita nos marcos de uma organização internacional, a LIT, que foi capaz de resistir às pressões recebidas pelo aparato do PT.

A origem dos Partidos Operários

O surgimento do PT brasileiro e a existência de experiências deste tipo em outros países não têm nada de inédito. Vários partidos operários foram construídos a partir da I Guerra Mundial. O mais conhecido é o Partido Trabalhista inglês. Os partidos surgem porque os sindicatos são incapazes de manter as conquistas dos trabalhadores e os obriga a se lançarem à ação política. Referindo-se ao Partido Trabalhista inglês, Trotsky dizia: “Na Inglaterra, depois de séculos de existência e de lutas, os sindicatos foram obrigados a construir um partido político. Quais foram as razões desta mudança? Foi a completa decadência do capitalismo inglês, que começou muito bruscamente... Os sindicatos ficaram impossibilitados de melhorar a situação dos trabalhadores e foram empurrados à ação política, porque a ação política é a generalização da ação econômica”344.

Em geral as correntes de esquerda no Brasil fazem essa mesma análise para explicar o surgimento do PT. Mas nenhuma delas, nem mesmo as ditas trotskistas levam em conta a 2ª razão que Trotsky dá para o surgimento de partidos operários: a ausência ou debilidade do partido revolucionário. No artigo “O problema do partido operário”, de abril de 1938, Trotsky disse: “... poderíamos ter esperado que o partido revolucionário, quer dizer, o Partido Bolchevique, se desenvolvesse nos EUA paralelamente à radicalização da classe operária e que com o tempo a encabeçasse. Nessas condições teria sido um absurdo se dedicar a uma propaganda abstrata em favor de um partido operário sem antecedentes”.

Mais adiante diz: “O SWP, seção estadunidense da IV Internacional, compreende claramente o fato de que em virtude de razões históricas desfavoráveis, seu próprio desenvolvimento foi menor que a radicalização de amplas camadas do proletariado estadunidense; e precisamente por isso o problema de criar um partido operário se pôs na ordem do dia...”

Em seu artigo já citado “Os movimentos operários nos EUA e Europa”, Trotsky insiste: “Em Minneapolis não podemos dizer aos sindicatos que devem aderir ao SWP. Seria uma piada, inclusive em Minneapolis. Por quê? Porque a decadência do capitalismo avança de 10 a 100 vezes mais rápido que nosso partido... A necessidade de um partido político para os operários é dada pelas condições objetivas, mas nosso partido é muito pequeno, com pouquíssima autoridade para organizar os operários em suas próprias fileiras. Por isso devemos dizer aos operários e às massas: vocês precisam ter um partido. Mas não podemos dizer-lhes imediatamente: entrem em nosso partido”.

Para Trotsky, o partido operário, ou mais especificamente nosso trabalho a favor do partido operário, surge de uma combinação de 2 elementos: a radicalização das massas trabalhadoras, que precisam de ação política e a debilidade do partido revolucionário, que o impede, de imediato, expressar diretamente essa radicalização. Por isso, e apenas por isso, é correto que o partido revolucionário proponha ou seja parte do processo de construção de um partido operário.

O partido operário não é o caminho direto e, logo, “ideal” para chegar às massas. Mas sendo uma mediação, é a trilha que muitas vezes somos obrigados a transitar para erguer o partido revolucionário. A intervenção no partido operário é um problema tático, importante, mas tático. É válido na medida e apenas na medida em que nos sirva para construir o partido revolucionário. Trotsky disse em “O problema do partido operário”: “A questão do partido operário nunca foi uma questão de princípios para os marxistas revolucionários”. E nós dizemos: depende de uma determinada correlação de forças. Se o partido fosse suficientemente forte para acompanhar a radicalização das massas e oferecer um pólo com sólida implantação capaz de atraí-las, seria um absurdo propor a construção de outro partido. Seriam cem passos atrás.

Se, pelo contrário, o partido revolucionário é débil e existe um movimento objetivo a favor de um partido operário, devemos trabalhar por essa proposta porque, como disse Trotsky: “Uma organização revolucionária que adota em relação a esse movimento progressivo uma posição negativa ou neutra, mente e se condena ao isolamento e à degeneração sectária”345.

A direção do PT

Moreno diz que não se pode propor a uma corrente construir um partido operário caso não se tenha dela uma caracterização exata. E muito menos entrar num partido operário se não se faz uma caracterização deste partido e de sua direção.

No Brasil, quando a CS iniciou sua relação com o PT, tinha uma definição errada da corrente lulista. Sustentava confusamente que era uma corrente sindical “classista” e tratava de ajudá-la a avançar, ganhá-la para seu programa. Depois, com a ajuda da Internacional, os companheiros viram que estavam errados tanto na definição como na política.

Na realidade era uma corrente burocrática e, porisso, irremediavelmente dependente do Estado, a princípio pela via sindical e irrecuperável para a revolução socialista. Concluíram assim que com essa corrente apenas havia um acordo político, um grande acordo: construir o PT. E nada mais. Porque Lula e a CS tinham para o PT 2 projetos opostos. Desde o início, a corrente lulista construiu um partido oportunista. Teve, desde o começo, o projeto de fazer do PT um partido eleitoral e não de luta e pô-lo, na melhor dos casos, nos marcos da oposição burguesa, contra a ditadura 1º e os governos democrático-burgueses depois.

A CS definiu a corrente de Lula como uma “burocracia de esquerda”, ou seja, uma corrente que desde o ponto de vista social era parte da burocracia e nisto não se diferenciava dos pelegos, os burocratas de direita. Mas desde o ponto de vista político se diferenciava deles ao não enfrentar o ascenso das massas. Punha-se a frente para dirigi-lo e desviá-lo. Esta definição gerou muita polêmica, especialmente com o Lambertismo, com o qual a CS estava em processo de unificação em 1981. Estes companheiros diziam que a corrente de Lula não tinha nenhum ponto em comum com os pelegos e que não podíamos descartar a possibilidade de ganhá-la para a IV Internacional. Sobre esse tema, Moreno, em uma discussão com dirigentes da CS clarificou:

344 In Trotsky, León. Os movimentos operários nos EUA e Europa: uma comparação, 31/05/1930345 In Trotsky, León. O problema do partido operário.

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“Uma questão é a definição de classe e outra a definição do fenômeno político. Primeiro vem a definição social. Se é um setor burocrático, jamais poderá deixar de ser. Do contrário, teriam que explicar como. Aí cai por terra o programa da Quarta. Cai por terra todas as bases do Trotskismo, porque o Trotskismo se baseia em um postulado fundamental da luta de classes: nenhum setor social renuncia a seus privilégios. Nenhum. Individualmente sim, mas como setor privilegiado jamais. Isso é o marxismo. São os interesses materiais que movem as pessoas, principalmente os grupos, e existem várias formas de manter e fortalecer esses privilégios. Alguns se aproximam cada vez mais do governo. Outros optam pela via da aproximação do movimento de massas. Pensam: é melhor que se fortaleça o movimento de massas e, talvez, consigamos alguns deputados, ministros, etc.Depois vem o problema político: são centristas. Que posições tinha o grupo de Lula antes e que posições tem agora? Foram ou não para a esquerda? Sim ou não?... é uma corrente centrista porque tem posições que evoluem a esquerda sem sair do oportunismo. Jamais vão sair do oportunismo... Lula circunstancialmente poderá ter posições positivas, mas sua linha geral será sempre oportunista. Por isso digo que é um centrista cristalizado. Não há saída e não discutam se é centrista ou não... É oportunista, oportunista, oportunista.A direção não vai para a revolução porque reflete um grupo social específico, estranho da classe operária. Por isso têm que começar pelo aspecto social, deixando de lado se é centrista ou não. O que reflete Lula socialmente? É vital a discussão política, porque a política é toda uma esfera, fundamental para nossa tática, mas não para nossa organização histórica e estrutural. Para a caracterização histórica e estrutural, o fundamental é o aspecto social.”

Foi essa definição da direção lulista que permitiu a CS armar sua ação estratégica e tática no PT. A corrente de Lula, confirmando essa definição, em todos esses anos buscou se relacionar (e conseguiu) com quase todos os aparatos contrarrevolucionários do mundo. Paqueraram com o Castrismo, a Igreja, o Sandinismo, o Stalinismo, a Social-Democracia. Alguns eventos são tragicômicos. Por exemplo, o dia que as massas alemãs tomaram de assalto a sede da Stasi em Berlim, vários quadros do PT tiveram que sair correndo pela porta de trás: estavam ali participando de uma escola de quadros!

A principal evolução que a direção do PT sofreu em sua integração com os aparatos não foi no campo internacional. Durante todos estes anos, com a política de integração ao regime, ou seja, a reação democrática, a direção petista foi construindo um aparato nacional de muito peso. É um aparato baseado no Parlamento e nas poderosas prefeituras que o PT controla. Hoje, a burocracia petista já não está tão subordinada ao aparato sindical, nem aos aparatos internacionais (com os quais continua mantendo relações), porém vitalmente a um aparato nacional dependente do Estado burguês e integrado às suas instituições.

O que é o PT

A construção do PT foi uma das maiores feitos da classe operária brasileira e, como se vê agora, também da classe operária mundial. Os trabalhadores brasileiros, liderados por suas direções mais reconhecidas, construíram seu próprio partido. No começo foi apenas uma vanguarda, mas com o passar dos anos, no meio de uma poderosa luta de classes, os setores mais organizados sindicalmente foram se identificando com o PT e considerando-o seu partido.

Por isso o PT é enormemente progressivo frente a todas as outras variantes. Frente aos partidos patronais e também frente ao PCB, que tenta sempre diluir a classe em acordos permanentes com a burguesia. Contudo, pela política e sua direção, o PT é hoje um partido eleitoral de classe, que colabora com a burguesia. É um partido oportunista.

Sobre a caracterização, a CS teve uma dura discussão novamente com os lambertistas em 1981. Eles diziam que o fundamental era dizer que o PT é um “partido independente”. A CS concordava, sustentando já desde essa época que o PT era independente em termos organizativos, mas não políticos. Em termos políticos o PT é um partido operário oportunista, adaptado e integrado às instituições do Estado, estabelecendo, via Parlamento, vínculos com a burguesia. Como todo partido oportunista, o PT é um obstáculo para a revolução, o principal obstáculo no seio do movimento de massas.

Para que esta definição fique ainda mais clara, é preciso ver o que realmente é o PT, demolir os mitos que existem ao redor dele. Ao se formar como partido eleitoral, o PT não organiza em sua estrutura os melhores ativistas do movimento sindical, estudantil, popular e camponês. Os que entram no PT tendem a se separar da luta de classes. Esses 2 processos dão enormes bases de sustentação à Direção do partido. Assim, a Direção ganhou para seu projeto oportunista o grosso das correntes de esquerda e dos militantes petistas.

As instâncias de discussão e resolução, como Convenções, Encontros e Congressos, dão a impressão de que o PT é um partido muito democrático. Mas na realidade o que existe é uma democracia formal. Quem vota nas convenções de base é a massa de filiados, em geral muito despolitizados, que são arrastados pelos candidatos em carros, ônibus e caminhões. Ao final desse “processo democrático” se chega ao Encontro Nacional do partido onde o controle do aparato é total.

Hoje o PT é o principal partido político do Brasil, controla as prefeituras de importantes cidades, dirige a CUT, a maior central operária e Lula está folgadamente em 1º lugar em todas as pesquisas de opinião para as próximas eleições para Pres. da República. Com todo este prestígio, o PT tem uma política de prioridade absoluta dos processos eleitorais, de “moralização das instituições do regime”, de fazer um “governo para todos” em suas prefeituras “e não um governo dos trabalhadores”, de se integrar às tentativas de pacto social chamadas pelo governo e empresários para frear greves. E desta forma, se preparar para ser um governo nacional através da política de construir uma Frente Popular e administrar a crise capitalista.

Em seu último Congresso, o 8° Encontro, a fração lulista se dividiu em 2. A maioria dos lulistas346 evoluiu mais claramente para posições teóricas, programáticas e políticas socialdemocratas. A minoria 347, à qual se integra o MST, que historicamente mantêm relações com os castristas, se uniram ao Mandelismo e obtiveram uma maioria relativa na nova CEN. As 2 frações lulistas, com a cumplicidade da DS conduzem o aparato do PT. E cresce o peso bonapartista de Lula.

346 Ou seja, cerca de 70% da ART.347 Isto é, cerca de 30% dos que se denominam “Hora da Verdade”.

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Os números da CS

O artigo sobre os 12 anos de militância da CS no PT diz que essa organização cresceu numericamente, passando de menos de 400 militantes em 1980 a mais de 1000, com influência sobre milhares de ativistas no momento de sua expulsão. Contudo, esse crescimento não foi apenas numérico.

No final de 1980 a Direção da CS fez um censo individual entre seus militantes e outro em meados de 1992. Comparando os 2 podemos perceber como a CS evoluiu. No 1º censo, 14% de seus membros atuavam no movimento sindical e 71% no ME. Enquanto que no censo de 1992 os números se invertem: 19% dos militantes atuavam no ME e 76% no movimento sindical. Um processo similar ocorre com a origem social da militância da CS.

O censo de 1980 mostra que os 18,9% é de origem operária, número que sobe para 44% no censo de 1992. Este último censo mostra outros dados interessantes sobre a CS. Um deles é que 95% da militância já envolveu e 79% já dirigiu alguma luta. Em relação às organizações onde seus militantes atuam, o censo de 1992 mostra que 12% são docentes, 10% metalúrgicos, 8% bancários, 8% trabalhadores da previdência social e saúde, 8% trabalhadores municipais, 3% empregados de universidades, 2% são operários químicos e 2% trabalhadores do judiciário. Em percentuais menores também há militantes da CS em várias organizações, como comerciários, gráficos, telefonia, ferroviários, aeronáutica, petroleiros, metroviários e outros.

Por outro lado, este último censo mostra que militantes e dirigentes da CS participam da direção de 94 sindicatos, 39 são dirigentes de grêmios estudantis secundários e 41 de centros universitários. A CS publica o único semanário da esquerda brasileira. Na última Conferência Nacional da CS, em outubro de 1993, a Comissão de Credenciais comprovou a existência de cerca de 1400 membros, entre militantes e aspirantes.

Enfrentamento e ruptura: a expulsão da CS do PT348

Em 1992, a Direção Nacional do PT expulsou a CS de suas fileiras. Este fato marcou profundamente na história da CS, que participava do PT desde sua fundação 12 anos antes. E foi um dos fatores que levou à fundação do PSTU, 2 anos depois.

A expulsão da CS foi um marco de um processo que combinou uma adaptação do PT ao Estado burguês, sua aliança política com setores burgueses e uma burocratização interna. Mais tarde, isso ganhou sua expressão máxima no governo Lula.

Crescimento e burocratização do PT

A formação do PT foi muito progressiva por ser o 1º partido operário em oposição aos partidos burgueses. Foi uma referência política para o melhor da vanguarda sindical que surgira das greves de 1978-79 e 80. Por isso, a CS propôs sua criação, e foi parte dele desde sua fundação, como uma corrente interna. Mas havia um forte elemento que impedia a evolução do PT como um partido operário independente: sua direção, representada pela corrente sindical burocrática encabeçada por Lula.

Desde o princípio, essa Direção procurou conduzir o PT para a colaboração de classes com a burguesia e torná-lo em mais um partido eleitoral do regime democrático-burguês, adaptado à sua corrupção e privilégios. Para isso, precisava disciplinar e cooptar as tendências internas de esquerda, que existiam desde a fundação do PT. O grande ascenso das lutas na época favorecia a existência de um regime interno relativamente democrático que era um empecilho para os planos da Direção. Assim, quanto mais o PT crescia e elegia parlamentares, mais se adaptava às normas do jogo eleitoral, mais girava à direita, mais burocrático se tornava o PT. O salto se deu nas eleições de 1988, quando o PT elegeu prefeitos em várias cidades importantes. Entre elas estava São Paulo, a maior cidade do país, onde ganhou Luíza Erundina.

A orientação da Direção foi que os novos prefeitos fizessem um “Governo para todos” e não um “Governo para os Trabalhadores”. Governar para “todos” significava levar em conta os interesses da burguesia, inevitavelmente opostos aos dos trabalhadores. Essa orientação levava a que as Prefeituras do PT enfrentassem as mobilizações dos trabalhadores, como foi na greve dos motoristas de ônibus em São Paulo, em 1992. Erundina jogou a polícia contra os trabalhadores, porque os motoristas “estavam prejudicando a população”. O PT passava a defender o Estado burguês e seus interesses.

A CS tinha uma atitude oposta. Na única Prefeitura que dirigiu, em Timóteo (MG), formou um Conselho Popular eleito ao qual o Prefeito e seu secretariado se submetiam; apoiou greves de motoristas e dos metalúrgicos da Acesita; lançou uma campanha contra a privatização da empresa, se opôs à patronal do transporte e congelou tarifas de ônibus. Finalmente, quando o Pref. Geraldo Nascimento traiu estes princípios e reprimiu uma greve dos funcionários municipais, a CS não vacilou em romper publicamente com ele e expulsá-lo da organização.

Enfrentamento, ruptura e expulsão

Em dezembro de 1991, no I Congresso Nacional do PT, a ART recusou-se a adotar uma política de mobilização de massas para derrubar o corrupto governo Collor de Mello. José Dirceu, então Secretário Geral do PT, em entrevista ao próprio jornal da Convergência, explicou a posição da Direção do PT sobre o “Fora Collor”: “Uma das 2: ou se trata de uma bandeira para agitação ou propaganda, ou na verdade encobre a tática da CS de propor ao PT derrubar o governo Collor, expressa na palavra-de-ordem ‘Fora Collor’. Estou contra que o PT assuma essa tática e se misture a setores de direita contra o governo e, pior, que o PT se isole na sociedade e no Congresso Nacional”349.

A ART se jogava para sustentar a estabilidade do regime democrático-burguês e manter o calendário eleitoral, esperando que o PT saísse vitorioso das eleições marcadas para 1994. O problema é que já naquele momento o governo Collor era odiado pela maioria da população. A CS não podia aceitar uma decisão que significava uma traição aos trabalhadores, estudantes e setores populares que começavam a se mobilizar contra o governo burguês de plantão. Por isso, continuou a organizar atos em todo o país pelo “Fora Collor”. Mais tarde, quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas, a Direção do PT deu uma

348 Autor: Bernardo Cerdeira, da direção da LIT-QI. In www.pstu.org.br/jornal_materia.asp?id=11052&ida=58.349 In CS edição 317.

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guinada e resolveu, sem qualquer autocrítica, adotar esta bandeira. Mas a decisão de expulsar a CS já estava tomada. A Direção do PT sabia que a CS não submeteria a disciplina da linha oportunista do partido. Porisso aprova, uma

resolução proibindo as correntes internas de manter “relações internacionais”, ter sede própria, imprensa e finanças independentes. Em abril de 1992, o Dep. José Dirceu propõe na reunião da CEN do PT uma resolução dando prazo de 15 dias para

a CS se adaptar à regulamentação de tendências. No texto, José Dirceu dizia, em relação à CS, que manter “sedes próprias, jornal próprio, finanças próprias, relações internacionais públicas e de partido são apenas a exteriorização de uma política que agora se expressa em uma ação na rua e uma tática de oposição ao governo contrária às Resoluções do PT e do I Congresso”. No dia 09/05/1992, a Direção Nacional do PT anulou a condição da CS de Tendência interna do PT, um eufemismo para sua expulsão.

Em seu Congresso de 1991, a CS previu a expulsão e definiu que este seria um momento para a constituição de uma “Frente Revolucionária”. Essa FR reuniu dezenas de grupos, centenas de ativistas e dirigentes sindicais que ficaram ao lado da CS na luta contra sua expulsão e depois romperam junto. Era um acordo entre organizações, correntes e militantes para intervir na luta de classes e ao mesmo tempo explorar as possibilidades de construir um “Partido Revolucionário” em comum.

Em julho de 1992 realizou-se o Encontro que fundou a “Frente Revolucionária” em torno a uma “Carta de Princípios”, cujos pontos centrais eram a independência operária, a democracia operária, o caráter internacional do socialismo e da revolução, a necessidade de um partido revolucionário. Foi também incorporada a necessidade da moral e ética revolucionárias, opostas aos métodos caluniadores que reinavam dentro do PT e da CUT e também entre inumeráveis seitas.

Foi este processo que desembocou, 2 anos mais tarde, em junho de 1994, na fundação do PSTU.

Tendência Bolchevique Internacionalista (TBI)

Em 1994, a TBI, rompeu com a LIT e fundou o CITO350. Este organismo é apoiado em nosso país por um grupo de trotskistas que rompeu com a CS por divergir do processo de construção do PSTU. Essa dissidência chama-se Liga Operária Internacionalista (LOI). Os dissidentes consideraram que a CS se diluiu no PSTU, o qual é caracterizado como “um movimento que não tem o eixo de sua política na luta anti-imperialista e que centra sua atividade no processo eleitoral burguês”351.

Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo e LIT-QI se reunificam352

Após mais de uma década de separação, a LIT-QI e o CITO decidiram se reunificar no próximo Congresso Mundial da LIT-QI, a ser realizado em março de 2008. Nos países onde as 2 organizações têm grupos ou partidos já teve início um trabalho fraternal em comum que está construindo, nos fatos, o processo de reunificação.

Essa decisão é o fruto de mais de 3 anos de debates, reuniões conjuntas, políticas comuns sobre os principais fatos da luta de classes e ação unitária nos países onde há partidos das 2 organizações. Foi um processo franco e leal, no qual foram postas com clareza as diferenças, sempre na busca de um programa e política comuns que permitissem avançar na construção de uma organização internacional que nos aproxime da solução do principal problema dos trabalhadores e da humanidade: uma direção revolucionária que possa destruir o capitalismo imperialista e iniciar a construção do socialismo com democracia operária.

Unem as 2 organizações acordos básicos hoje questionados ou abandonados por uma grande quantidade de organizações mal denominadas “revolucionárias” e “trotskistas”, que sucumbiram ao vendaval oportunista que a restauração capitalista nos antigos Estados Operários Burocráticos produziu, falsamente conhecidos como países socialistas, e a destruição desse enorme aparato controlado pelo PCUS a partir de Moscou, o aparato stalinista mundial. Esses acordos são os seguintes:

1) O capitalismo imperialista é o principal inimigo dos trabalhadores e povos do mundo. Os imperialismos estadunidense, europeu e japonês unem-se para explorar e oprimir a classe operária e os povos do planeta, incluídos os de seus próprios países.2) Defendemos a Revolução Socialista Mundial, mas não há revolução socialista se as fábricas não forem expropriadas, se os bancos e o comércio dos capitalistas nacionais e estrangeiros não passarem para as mãos dos trabalhadores, e se não for formado um Governo Operário, Camponês e Popular, isto é, uma Ditadura Revolucionária do Proletariado que funcione com democracia operária, tal como o regime fixado pelo Partido Bolchevique de Lenin e Trotsky de 1917-24, os anos épicos da grande Revolução Russa, o regime mais democrático que a humanidade conheceu.3) Defendemos a luta intransigente, em todos os países do mundo e em todas as organizações operárias e populares, pela conquista e a defesa da democracia operária, razão de ser do Trotskismo desde a época da Oposição de Esquerda na URSS, perseguida implacavelmente pelo regime burocrático stalinista que acabou com a democracia dos soviets. A luta pela democracia operária implica uma batalha sem tréguas contra as burocracias sindicais e políticas que governam os organismos de massas da classe operária com métodos de gangsters, que impedem os operários de discutir abertamente em assembléias as tarefas e as políticas contra o jugo da exploração capitalista. A luta pela democracia operária significa, em última análise, a batalha para que seja novamente a classe operária, com seus métodos, que se coloque à frente de todos o explorados na luta contra o imperialismo e seus aliados, diretos ou indiretos, que se opõem à substituição do capitalismo pelo socialismo tal como Marx o concebeu e tal como foi implementado pelo Partido Bolchevique nos primeiros anos da Revolução Russa. A luta pela democracia operária significa, ao mesmo tempo, o mais intransigente combate ideológico e político contra todas as expressões da

350 Sigla de Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo. Eles declaram que a LIT degenerou, isto é, tornou-se revisionista: abandonou o Programa de Transição e se adaptou a um programa e uma política etapista. Portanto, se colocam a tarefa de dar continuidade à luta de Trotsky e de Nahuel Moreno. A cisão deu-se no 5º Congresso da LIT. Ver o texto (sem título) que explica os motivos da ruptura, assinado pelo Secretariado Internacional. Centro Internacional del Trotskismo Ortodoxo (IV Internacional), em: Panorama Internacional, nº 1, outubro/dezembro de 1994, pp. 34-50.351 In Liga Operária Internacionalista. Pela construção de um partido revolucionário no Brasil. Ver: O Socialista, nº 01, agosto de 1994, pp. 02-03. (Este texto é apresentado como seu manifesto de fundação)352 Secretariado da LIT-QI. São Paulo, 12/03/2007. In www.pstu.org.br/internacional_materia.asp?id=6590&ida=0.

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democracia burguesa que, com seu parlamentarismo formal, desvia os trabalhadores da luta contra o capitalismo imperialista, mantendo-o sob a dominação política de seus inimigos de classe.4) Somos contra todos os governos de Frente Popular como os de Lula, Morales e Tabaré Vásquez. Todos esses são governos da burguesia, que aplicam os planos do Imperialismo e das burguesias nacionais. Estamos igualmente contra governos nacionalistas burgueses como o de Chávez, na Venezuela, Correa no Equador e Ortega na Nicarágua, que sob o falso ardil de choque com o Imperialismo e do “Socialismo do Séc. XXI”, não têm outra meta a não ser manter a exploração capitalista e desviar a mobilização da classe operária e das massas trabalhadoras. Na luta contra esses governos combatemos as políticas de todas as organizações que se dizem do MO mas que de fato se põe do lado da burguesia, capitulando a ela. Combatemos, logo, as políticas da Social Democracia e dos velhos PC's stalinistas que a mantem. Combatemos igualmente as correntes que, como o Lambertismo e o Mandelismo do SU-QI, deixaram à tradição leninista-trotskista ao integrar ao governo burguês de Lula.5) A classe operária é o sujeito da revolução socialista e é sua tarefa ganhar como aliados o campesinato e o povo trabalhador. Para nós, as velhas consignas dos fundadores da Primeira Internacional mantêm toda sua vigência: A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores e Proletários de todo o mundo, uni-vos!6) Para cumprir essas tarefas é necessária a construção de um Partido Mundial da Revolução, que funcione com centralismo democrático; que faça da classe operária o centro de sua ação; que tenha como razão de ser a luta pelo poder em cada país e no mundo, para que seja a classe operária a detentora do poder de Estado; e que faça da teoria revolucionária uma de suas principais ferramentas para definir o programa e as palavras de ordem. Ou seja, um partido leninista de combate para destruir o capitalismo imperialista, que se oponha a ele e dispute a consciência e a direção dos trabalhadores com os chamados “partidos anticapitalistas”, que sob seu palavrório “socialista”, ocultam sua verdadeira intenção de renunciar à luta aberta de classes contra os governos burgueses e contra o imperialismo.7) Defendemos a derrota militar dos exércitos de ocupação no Iraque e o triunfo da resistência do povo iraquiano. Colocamos-nos ao lado daqueles que defendem a derrota militar dos exércitos das ONU e pelo triunfo da resistência popular no Afeganistão. Exigimos a retirada imediata das tropas das ONU e da OTAN, que são tropas imperialistas, de Kosovo, do Haiti e de todos os países que estão sob intervenção com desculpas “humanitárias”.8) Chamamos os trabalhadores e os povos da Venezuela, Brasil, Bolívia, Uruguai, Equador, Nicarágua e Argentina a deixar toda ilusão nos governos de seus países e a enfrentar seus planos com a mobilização. Todos esses governos são burgueses. Devem ser derrotados para acabar com a exploração capitalista. Chamamos a classe operária a manter total independência dos Estados, governos e partidos da burguesia e que construam sua própria ferramenta política: o Partido Revolucionário Internacional.9) Por tudo o que dissemos anteriormente, fazemos um chamado urgente a todos os partidos e grupos revolucionários - sejam ou não trotskistas - que defendam esses princípios básicos e a política que deriva deles a unificar nossas forças na tarefa de reconstruir a IV Internacional fundada por Trotsky em 1938, como resposta à degeneração stalinista que levou, em última análise, à restauração capitalista na URSS e em todos os demais Estados Operários, incluída a China. Chamamos a construção conjunta de um Partido Mundial, com um programa revolucionário, que funcione com centralismo democrático e que tenha como objetivo a destruição do capitalismo imperialista e a construção de uma sociedade socialista.

A reunificação da LIT-QI e do CITO é um 1º passo nesse sentido, na medida em que é parte da reconstrução da LIT fundada por Nahuel Moreno com o objetivo final de reconstruir a IV Internacional.

Entrevista: Valério Arcary - Qual é a tua, Convergência?353

Tornaram-se comuns as alusões à possível (provável? desejável? inevitável?) exclusão da CS do PT. A CS, porém, não quer sair. Aqui, um de seus principais dirigentes abre o jogo. No último número de Teoria & Debate o artigo de Apolonio de Carvalho, “Momento de Exclusão”354, provocou abalos verbais, ebulição na malha interna do PT, êxtase de muitos que não tiveram coragem de dizer em público o que Apolonio propôs por escrito: vamos excluir a CS do PT.

Depois desse artigo, a proposta virou moeda corrente. Enquanto se desenrola nas instâncias devidas um complexo debate sobre a saída ou não da CS, Teoria & Debate procurou ouvir, na fonte, as razões que norteiam a mais barulhenta e polêmica corrente de toda a história do PT. Valério Arcary, membro da alta cúpula da CS e integrante do DN do PT, conversou conosco ao longo de 4 horas, logo no início de março. Os melhores momentos dessa entrevista são publicados aqui. O que diz a CS sobre o Leste Europeu, sobre os rumos do PT, sobre as prefeituras e, principalmente, sobre si mesma?

Vamos falar um pouco da CS. A CS surgiu antes do PT. Como foi isso?

A CS nasceu de um núcleo de militantes que iniciou um balanço sobre a guerrilha no Brasil no início dos anos 70. Esse núcleo original se formou no Chile em torno de um grupo que se chamava “Ponto de Partida”, que naquela fase teve uma grande influência do Mário Pedrosa. Na verdade, Mário Pedrosa trouxe esses jovens militantes para o marxismo revolucionário e para a IV Internacional.

Depois do golpe do Pinochet uma parte dos companheiro exílou na Argentina e entra no Brasil na clandestinidade em 1974. Criaram um pequeno agrupamento que se chamava Liga Operária, e que definiu como prioridade da sua ação fazer um esforço de divulgação socialista dentro do MO. A CS se constituiu no 1º semestre de 1978.

353 Entrevistado por Ricardo Azevedo é membro da Executiva Estadual do DR/PT-SP e diretor de Teoria & Debate. In Teoria e Debate nº 10- abril/maio/junho de 1990. Publicado em 09/04/2006354 Sobre o artigo "Momento de Exclusão", de Apolônio de Carvalho, Valério Arcary redigiu uma réplica oficial em nome da CS que publicamos na seção de cartas, à página 70.

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Nesse momento, a LO compreende a necessidade de romper com o bipartidarismo. Compreende que começava a haver espaço para a construção de um partido de classe na legalidade. A CS se lança como um movimento que pretende unir todos os socialistas, dispersos em muitos agrupamentos clandestinos, que tivessem posicionamento pela construção de um PST. Nesse período começamos a ter uma unidade maior com os sindicalistas do ABC. No 1º de maio de 1978 a esquerda toda se dividiu entre comemorar com os sindicalistas do ABC ou fazer o 1º de maio com os da oposição em Osasco. Nós fomos a única corrente de esquerda que comemorou o 1º de maio no ABC. Dessa relação com eles surgiu o apoio eleitoral, no 2º semestre.

Nós definimos uma tática de apoiar candidatos operários dentro das listas do PMDB, que era uma mediação para tentar construir a independência política de classe. Procuramos o Lula, ele não quis ser candidato. Apoiamos o Benedito Marcílio, que era o Pres. do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Quando propusemos, como condição do acordo eleitoral, que no programa da candidatura estivesse explicitado que éramos por um PST o Marcílio nos disse: “digamos por um Partido dos Trabalhadores, não se coloque o socialista. Construamos 1º um PT e depois discutamos o que é o socialismo porque os trabalhadores não sabem”. Aí surgem as primeiras articulações que vão originar o Movimento Pró-PT. Nesse processo começam a se unir muitos outros companheiros. Mas foi uma iniciativa pioneira. Nós temos orgulho.

Vocês mantêm ligações com um dos núcleos da IV Internacional. Você pode explicar o que é a LIT?

Nós somos militantes que creem na necessidade de uma nova Internacional Operária, revolucionária. A IV Internacional não existe como um partido mundial. Ela existe como um movimento político, ideológico e dividido em agrupamentos. Existem fundamentalmente 2. Um agrupamento internacional articula aquilo que seriam os trotskistas europeus e é conhecido como SU-QI. Tem como sua expressão mais importante o economista Ernest Mandel.

O outro agrupamento é conhecido como LIT e tinha como seu principal dirigente o argentino Nahuel Moreno, que faleceu há uns anos. Além desses agrupamentos existem muitos outros setores: existe o Comitê Internacional de Reconstrução dirigido por Lambert, na França. Nós fundamentalmente estamos unidos à esmagadora maioria do Trotskismo latino-americano. Pensamos que a construção dessa Internacional vai se dar através de um processo de unificação de militantes revolucionários dos mais diferentes países, e que hoje, no Leste Europeu, na África do Sul, na própria URSS, desenvolvem-se correntes sindicais e revolucionárias que não têm uma definição ideológica pelo Trotskismo, mas que tem uma política trotskista nos fatos. O que é isso? É defender a independência política dos trabalhadores, a mobilização permanente pelas suas reivindicações, contra o imperialismo, contra a exploração de classes, contra a opressão burocrática. Significa defender a democracia operária, significa dizer que a revolução socialista é feita pelos trabalhadores, e que eles tem que construir organizações que eles próprios controlem. E, por último, significa dizer que a luta dos trabalhadores é internacional, é uma luta sem fronteiras. Assim como os trabalhadores no Brasil alcançaram um enorme progresso no seu nível de consciência e de organização com a formação do PT, é necessário que a classe trabalhadora, em escala internacional, construa um partido mundial.

Vocês propõem a fundação de uma nova Internacional. Ela seria uma trotskista?

Não. Os trotskistas provavelmente serão uma minoria dentro dessa Internacional. Ela será uma Internacional revolucionária. Aquilo que o Trotskismo representa é a herança de um programa, de uma tradição. Essa Internacional vai ter de ser construída sob acordos políticos, como o PT. Uma Internacional que agrupe revolucionários autênticos de todos os países.

E, no processo de construção dessa Internacional, qual é o papel da LIT?

A LIT é um agrupamento de organizações trotskistas de mais de 25 países. Ela agrupa militantes em praticamente todos os países da América do Sul. Tem uma expressão muito grande na Argentina, onde o MAS é hoje o maior partido de esquerda. A LIT se constrói porque nós não acreditamos que podemos dizer: construamos partidos nacionais e, um dia, quando estiverem maduras as condições, quando tivermos influência de massa em 10 ou 15 países, construamos uma Internacional.

A Internacional é uma necessidade inadiável. Cremos ser muito difícil ter uma política marxista para um país sem uma análise internacional da luta de classes. Podemos dizer, grosso modo, que na esquerda hoje há 2 análises sobre a situação mundial. Existe a análise daqueles que sempre tiveram uma visão “campista” do mundo.

Dizem há décadas que existe o campo capitalista e o campo socialista e que nós, que estamos dentro do campo capitalista, temos que procurar alianças políticas no outro campo, e que este seria nosso aliado na luta contra o imperialismo. Contra esta análise, há 50 anos, os trotskistas dizem que a direção burocrática da URSS está aliada com o imperialismo para manter a ordem mundial. Essa visão “campista” agora ruiu. Ruiu porque de repente se mostra para o proletariado que o dito campo socialista impunha ditaduras tirânicas e burocráticas que foram varridas por gigantescas revoluções.

O que mudou no mundo é que finalmente foi mostrado o que é a burocracia stalinista no poder em Moscou. Há décadas mantém um acordo com o imperialismo para defesa da ordem mundial e para a salvar a dominação burocrática dentro da URSS. Agora, a classe operária se pôs em açâo e é muito mais difícil a retorno capitalista porque os trabalhadores se organizaram, fizeram a revolução, estão cônscios de sua própria força. Cremos que há uma estado de profunda incerteza internacional.

Não parece contraditório que exatamente essa insurreição contra as burocracias esteja, em vários países, hegemonizada por forças de direita, pró-capitalistas?

Claro que é. O que não é contraditório no mundo? O Stalinismo significou uma regressão na consciência de milhões de trabalhadores. Todos os ditadores burocráticos eram profundamente odiados pelas massas e isto produz num 1º momento um estado de enorme confusão. Mas essas são verdadeiras revoluções feitas pelo proletariado e com as massas que não têm uma direção. O que de fato hoje existe nesses países é uma situação de caos econômico. Por quê? O velho planejamento burocrático ordenava mal - mas ordenava - a economia. Este planejamento ruiu. Ninguém mais o aceita. Não há nenhuma ordem econômica

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no lugar. Segundo, as massas estão no momento confiantes nas suas próprias forças.

Amplos setores no Leste Europeu têm como modelo o capitalismo da Europa Ocidental. Isso não faz com que se fortaleça ao nível internacional uma conjuntura de descenso?

Não, pelo contrário, nunca a situação foi tão favorável à luta pelo socialismo no nosso século. Vou fazer uma afirmação mais chocante: nunca o Leste foi tão favorável ao socialismo! Porque as massas estão em movimento, e um elemento fundamental da ideologia marxista é acreditar profundamente que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. Nós temos uma profunda fé no proletariado. Não uma fé religiosa, porque não é apoiada num dogma, mas numa compreensão do processo histórico, de qual o lugar reservado para o operariado nessa sociedade. O proletariado se pôs em movimento. É um exemplo para todo mundo. Nós temos que entender esse movimento de construção da consciência de classe. As massas querem o capitalismo? Não. As massas não querem o capitalismo. As massas querem melhores condições de vida. Há uma explosão de liberdades na Europa do Leste. São as liberdades que foram conquistadas nas ruas pela revolução. Na luta pelas suas reivindicações as massas têm a ilusão de que seus países possam se tornar uma França, uma Suécia. Há ilusões de que a restauração da propriedade privada possa significar prosperidade. Há ilusões mas há também mobilizações. A revolução continua em curso. A insurreição contra as ditaduras burocráticas foi um momento.

Durante 40 anos o proletariado nesses países pareciam estar adormecido. Mas agora temos um processo unificado regionalmente, que pela sua alcance e pela evolução do processo revolucionário dentro da URSS muda toda a situação mundial. Houve um giro histórico favorável à luta dos trabalhadores, e isto cria condições extraordinárias para avançar a luta pelo socialismo no Leste Europeu.

Nesse contexto, como é que vocês avaliam o papel de Gorbatchev?

Gorbatchev é um homem da burocracia soviética que encarna o coração do aparelho stalinista em crise. Gorbatchev tem um plano de defesa da ordem burocrática, porém está encurralado pela pressão das mobilizações operárias dentro da Rússia e da Ucrânia; e pelas grandes mobilizações nacionais e democráticas na Letônia, Estônia e Lituânia e dos povos muçulmanos, ou seja, a rebelião do Azerbaijão. Por estas mobilizações e pela pressão imperialista. Nunca foi tão clara a associação da burocracia soviética com o imperialismo. Veja o boicote soviético ao fornecimento de petróleo para a Nicarágua, por exemplo.

Ou seja, a política de vocês com relação à Glasnost não é de apoio?

Nenhum apoio a Gorbatchev, é o inimigo da revolução política. Gorbatchev é o principal sócio de Bush para uma restauração capitalista da URSS. Nenhum apoio a nenhum setor dentro do PCUS. Cremos que há um enorme futuro nos sindicatos livres e independentes que estão surgindo. A burocracia é o principal inimigo do processo revolucionário. A luta é contra o PCUS.

Mas haveria as insurreições a as transformações sem a Glasnost?

Sim, sem a Glasnost. Gorbatchev estava negociando com todas as burocracias no Leste Europeu a necessidade de uma nova política econômica e de novos graus de associação com o imperialismo. Gorbatchev compreendeu que as condições econômicas e sociais sobre as quais se deu a dominação burocrática tinham ruído. Então ele faz uma série de concessões democráticas, fundamentalmente para os setores da própria burocracia, que atrasaram e vêm atrasando o processo de implosão das mil frações que existem dentro do PCUS. Hoje as massas estão impondo na lei aquilo que já conquistaram na prática. Já não há mais o monopólio político do PC. O Estado está preservado, a burocracia enquanto casta ainda está no poder, mas o regime político de monopólio do PC ruiu. Está colocada essa possibilidade: meses apenas para Gorbatchev no poder! Por outro lado, o grau de associação do imperialismo contra a revolução mundial é cada vez mais claro. Gorbatchev silenciou diante da invasão do Panamá, Gorbatchev está por trás de todos os acordos que foram assinados na América Central pelos sandinistas.

Vamos falar agora da Nicarágua?

Na Nicarágua triunfou uma gigantesca revolução antiimperialista. A queda de Somoza na época despertou o entusiasmo de todos aqueles que lutam pelo Socialismo neste continente. Porém a direção sandinista não era uma direção socialista. Era uma frente com várias frações. Os sandinistas anunciaram desde o início um projeto de reconstrução da Nicarágua, com preservação do capitalismo, que eles chamavam de preservação de uma economia mista. A maioria das forças produtivas do país ficou nas mãos do controle privado. A Nicarágua conquistou independência nacional, uma reforma agrária progressiva, alfabetizou o país, mas ficou claro que este projeto estava condenado ao fracasso. Nós pensamos que os sandinistas se equivocaram na estratégia. As massas pagaram o preço da guerra e as suas condições de vida se deterioraram numa forma intolerável, culminando com esta reforma econômica de 1988, em que se desvalorizou num dia 14 mil vezes o Córdoba (que é a moeda nacional nicaragüense) em relação ao dólar e se liberaram os preços. O salário médio caiu a US$ 10,00 ao mês. Os sandinistas se recusaram a avançar, a transformar a revolução antiimperialista numa revolução socialista.

Vocês apóiam a Frente Sandinista (FSLN)?

Nós damos apoio militar à FSLN. Todos os antiimperialistas deste continente devem dar apoio militar à FSLN para defesa da independência da Nicarágua, mas nós pensamos que esta política da FSLN não merece apoio. Ortega fez o oposto de Fidel. Fidel em 1961, diante da ameaça imperialista, expropriou as empresas americanas e a burguesia, impôs um controle coletivo da riqueza nacional para resolver as necessidades das massas e teve resultados extraordinários. Não há nenhuma diferença

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de qualidade entre Cuba em 1961 e a Nicarágua em 1979. São 2 países extremamente atrasados, cercados, muito próximos dos EUA. A diferença é que a direção do “M-26”355, que também não era socialista, uniu a revolução antimperialista a uma revolução socialista. Na Nicarágua, a queda de Somoza foi uma revolução política, mas o momento seguinte, que é avançar sobre a propriedade privada e transformá-la em propriedade social para resolver as necessidades das massas, esse passo os sandinistas não deram. A Nicarágua era um Estado capitalista, com um governo nacionalista pequeno-burguês. Uma política socialista seria a de avançar para expropriação. O PRT na Nicarágua (que é o partido trotskista) é um PS internacionalista, fora da FSLN. Tem outro programa. Fez oposição ao plano econômico de Daniel Ortega e encabeçou grandes greves. Eu sou muito otimista com relação à evolução política da Nicarágua. Acho que vai haver grandes rupturas dentro da FSLN. Esta direção de Ortega está condenada politicamente. Ela cometeu muitos erros.

E Cuba?

Cuba é uma enorme vitória da revolução, é o 1º Estado Operário no continente. Cuba é um exemplo extraordinário do que a propriedade social e o planejamento podem fazer mesmo num país isolado e atrasado. Em saúde pública, em educação, Cuba ofereceu uma elevação da qualidade de vida para as massas trabalhadoras que não tem paralelo neste continente.

Em Cuba, no entanto, há uma ditadura do partido único, nas mãos do PC. Existem eleições, mas nelas não existe democracia operária, e não se pode dizer tudo aquilo que se pensa em Cuba. Aquele que expõe as suas opiniões, mesmo que seja sincero defensor da Constituição, tem sua vida e sua liberdade ameaçadas. Centenas de sinceros socialistas estão na prisão junto com contra-revolucionários.

Nós achamos que Fidel é responsável por toda essa política da FSLN na América Central. Cuba foi um braço durante dezenas de anos da política da coexistência pacífica da burocracia soviética. Cuba foi a favor da invasão da Tchecoslováquia em 1968, foi a favor do golpe de Jaruzelski em 1980, foi a favor do Massacre da Praça Celestial em Pequim. Mas nós somos incondicionais na defesa de Cuba contra o imperialismo. Não haverá uma invasão de Cuba hipótese que eu considero remota sem que seja derramado sangue brasileiro, e sangue trotskista.

Agora, nós apoiaremos uma revolução que consideramos iminente contra o regime burocrático de Fidel. Nós achamos que é necessário ampla liberdade de imprensa, legalidade política para os partidos que defendam a propriedade social, e que é necessário lutar contra o PC. Se eu estivesse em Cuba, estaria construindo um PT contra Fidel.

Voltamos à questão da IV Internacional. Você falou que existem 3 núcleos principais. Todos eles são trotskistas, todos eles se propõem a construir uma nova Internacional. Quais são as divergências?

A classe trabalhadora na Europa manteve-se organizada durante décadas por trás dos PC's e dos partidos socialdemocratas. Isso naturalmente teve uma incidência sobre as organizações trotskistas. Uma pressão tremenda se exerceu sobre círculos ou organizações que vivem tanto tempo na contracorrente dos movimentos das grandes massas.

O Trotskismo latino-americano, desse ponto de vista, foi beneficiado. O proletariado latino-americano lutou nos últimos 40 anos muito mais do que o europeu. Então o Trotskismo aqui conseguiu se unir ao MO. Fundamentalmente o agrupamento em torno de Nahuel Moreno tornaou o Trotskismo uma corrente solidamente fixada no proletariado argentino.

Infelizmente o Trotskismo europeu se esterilizou. Sempre teve uma influência muito grande mas fundamentalmente a partir de círculos intelectuais. Não há país onde não haja trotskistas com enorme influência em todas as universidades e na imprensa, mas é um Trotskismo frágil nos sindicatos. Há uma grande tradição do Trotskismo na Sorbonne, infelizmente ela não existe na Renault. Na Argentina, não há uma grande tradição na universidade mas há em todo centro industrial de Buenos Aires. Isto se traduz em posições políticas. Ao não ter relação com o MO sofre-se a pressão dos aparelhos. Então há correntes trotskistas que sofreram na luta contra o Stalinismo uma enorme pressão da Social Democracia e vice-versa.

A tendência é ceder, é renunciar ao programa. Todos eles: Mandel, Lambert, têm o enorme mérito de terem permanecido trotskistas. Sistematicamente defenderam a IV Internacional. Deste ponto de vista nós também os reivindicamos, os consideramos parte do movimento da IV Internacional. Entretanto, o problema do Trotskismo europeu é que, sob a pressão dessas condições muito adversas, ele sempre procurou atalhos para construir um partido revolucionário.

Que tipo de atalhos?

O Mandelismo defendeu a guerrilha na AL e regrediu politicamente para posições castristas. Mandel apoiou o governo sandinista, e julga que não é preciso construir uma organização revolucionária na Nicarágua. Nas condições em que estava a luta política na FSLN, em que não havia liberdade de tendência, para falar o que se quer você tem que estar fora da FSLN. Num debate que tivemos com o Mandel, ele defendeu uma tese com relação à URSS bastante distinta da que você colocou.

Mandel, por exemplo, defendeu durante muitos anos uma tese: Glasnost sim, Perestroika, não; o que indica apoio crítico a Gorbatchev. Isto é apoiar a uma ala da burocracia contra a outra. Isto é ser pela reforma do regime e não pela revolução. Mandel representa uma regressão política do Programa. São 30 ou 40 anos de regressão. Por outro lado, Mandel é um patriota da IV, porque diz, contudo, que é preciso a IV Internacional. Porque durante esses anos o que tivemos de desertores não foi pouco.

Agora se abre uma situação totalmente nova. Durante muito tempo havia revolucionários que lutavam contra o imperialismo, mas não denunciavam a burocracia. E havia revolucionários que lutavam contra a burocracia mas não denunciavam o imperialismo. E havia uma única corrente do MO, que era a IV Internacional, que dizia: há que lutar, simultaneamente, contra a ordem imperialista e contra a burocracia stalinista que sustenta esta ordem.

Até surgir um fenômeno novo como o PT. Com as suas vacilações - porque saudou Honecker no V Encontro, enviou quadros para fazer cursos nas escolas do PC na Alemanha Oriental, manteve relações durante muito tempo com o PC chinês, soviético etc. Mas o PT nos momentos decisivos esteve do lado certo da barricada. O PT esteve contra o golpe de

355 Sigla de Movimento 26 de Julho. In pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_26_de_Julho.

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Jaruzelski. O PT esteve a favor da Revolução Nicaragüense, ainda que, infelizmente, sem muita conseqüência na ação internacionalista. Por quê? Por causa do atraso da discussão do problema da Internacional.

Vocês são uma corrente que tem ligações internacionais com a LIT. O PT, porém, não tem nenhum vínculo orgânico internacional. Você não acha que é contraditório estar dentro do PT e, ao mesmo tempo, ter um laço internacional?

Nós não pensamos que é contraditório. O PT manteve relações fraternais com o PC da Alemanha Oriental. Nós mantemos relações fraternais com o MAS, na Argentina.

Pelo que eu sei, vocês são subordinados ao centralismo democrático da LIT.

Nós cremos que é preciso construir uma Internacional e que, como um partido mundial, está centralizada em torno de campanhas. Por exemplo, hoje fazemos uma campanha pela reabilitação de Leon Trotsky na URSS. Então, o nosso acordo é de centralização em torno de campanhas.

Não existe uma centralização política internacional na LIT?

Há um esforço, mas uma centralização política internacional é diferente de uma centralização política nacional.

Mas não pode, em determinados momentos, haver orientações que conflitem com linhas políticas do PT? Nesse caso, como é o comportamento de vocês? A qual centralismo vocês estão subordinados?

Isso até hoje não ocorreu. Pode ocorrer que nesse caso dentro da LIT nós tenhamos uma posição diferente da maioria da Internacional, ou pode ocorrer que em uma futura Internacional, uma organização nacional tenha conflito com a direção internacional. Isto se resolve através da discussão política e não de decisões administrativas.

O processo latino-americano tem uma unidade regional. Só é possível ter uma política marxista para o Brasil compreendendo o que ocorre hoje na Argentina, Uruguai e Paraguai e qual é a política do imperialismo para este continente. E mais, uma política marxista para qualquer um destes países supõe o esforço de análise e de ação comum em escala internacional.

Não se constroem dirigentes para uma revolução nacional se não for através de uma localização do ponto de vista internacional. Não podemos esperar pela Internacional de massas para começar a construir quadros que tenham uma educação internacional. Nós temos que iniciar agora o processo de formar quadros internacionalistas, que entendam a luta de classes no Brasil a partir de uma ótica latino-americana e internacional.

Deste ponto de vista nós temos uma política de formação de quadros. Essa é a diferença com o PT. Nós queremos discutir isso. Nós queremos que o PT incorpore esta lição que nós herdamos do que existe da melhor tradição do Bolchevismo. Nós não podemos esperar que o PT todo se convença do Internacionalismo para construir uma Internacional.

Nós achamos que é necessário construir agora. Porque a construção de uma direção revolucionária não se improvisa. Nem é papel dos trotskistas no PT regredir daquilo que eles representam para o MO. Quando da fundação do PT o de mais valioso que nós trouxemos foi um programa que foi pisado durante anos. E um dos aspectos essenciais desse programa é a compreensão da necessidade da Internacional. Nós queremos construí-la com o PT. Enquanto essa discussão não se resolve dentro do PT, nós procuramos nos unir às forças vivas revolucionárias que existem na AL para começar a construí-la. Nós achamos que esses 2 processos são confluentes.

Como é que vocês vêem a relação da Convergência com o PT? Como é que vocês vêem o PT?

O PT é o grande partido operário do Brasil. O PT foi críado com militantes e correntes que vêm das mais diferentes tradições. Isso é que faz o PT grande. Porque lutamos uns contra os outros, mas na horas decisivas da luta de classes todos unimos contra a burguesia. A CS aceita ser uma corrente interna no PT, mas não por decisões administrativas de ninguém. É uma adesão voluntária ao partido.

O V Encontro tirou uma resolução sobre a regulamentação do direito de tendência. Na minha opinião, a CS não cumpre essa diretriz. Cito vários exemplos: na questão da imprensa, das sedes e gráficas próprias etc. Como é que você vê isto?

Nós somos uma corrente interna que renunciou voluntariamente a ter uma relação com as amplas massas populares. O PT se dirige às amplas massas populares, a CS se dirige aos petistas. Mas não cremos que os petistas sejam os militantes dos diretórios. Isso é uma ingenuidade política e às vezes é de má-fé no debate. Hoje os petistas são, grosso modo, 600 mil filiados, mas são no mínimo os 300 mil militantes ativos que há nos sindicatos filiados à CUT, mais uns 50 mil dos sem-terra, mais 20 mil do ME. O PT é um grande partido de massas, que organiza uma militância de 500 mil pessoas. Quando dirigimos aos petistas, nos dirigimos à militância que atua na luta de classes. Porque somos uma corrente minoritária, somos 10% do PT. Como corrente minoritária, disputamos o direito de nos tornarmos em majoritária. Para consegui-lo, os 500 mil militantes têm que saber o que pensamos. Não somos uma corrente secreta. Então, nosso jornal se dirige aos petistas. Nós vendemos uma coisa em torno de 10 mil jornais. O jornal da CS é um jornal que tem um projeto de edição dirigido para a parcela mais avançada da vanguarda operária, aquela que está organizada nos sindicatos.

Há correntes no PT que renunciaram a uma imprensa própria, que se expressam apenas em momentos de Encontros. É uma outra visão. Temos diferenças grandes com a ART e achamos que temos que contribuir nesse debate, como contribuímos nos 10 últimos anos. Somos uma força viva dentro do PT, que defende idéias da esquerda revolucionária. E achamos que isto

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dinamiza o PT e equilibra o sua evolução política. À medida que a classe operária se politiza uma parcela maior da sua vanguarda nos ouve, embora ainda sejamos minoritários. É natural que haja uma luta pela disputa da influência dentro desse espectro petista. Às vezes é uma luta franca e honesta. Às vezes não é.

Para poder fazer girar idéias revolucionárias dentro do PT, precisamos de um jornal que tenha condições de circular livremente entre a vanguarda operária. Esta vanguarda gosta da nossa imprensa, tanto que quer ler. Não existem 15 mil membros da CS no Brasil, logo uma parte relevante de petistas que não são da CS lêem a nosso jornal porque acham necessário saber nossas opiniões. Para fazer um jornal é preciso um mínimo de estrutura. Ter uma equipe de militantes que o produza, que distribuam nacionalmente, ter quem os vendam, e reúnam para fazer isso. Logo é preciso locais onde os jornais são entregues e sedes. Então, temos sedes em todo o país que garantem a distribuição do jornal. Não temos uma estrutura clandestina em relação ao PT.

Nós não temos uma política da qual o PT não saiba. A CS toda semana coloca na Direção do partido um jornal que diz aquilo que pensamos. Somos uma das poucas correntes que tem uma relação transparente com todas as instâncias. Então respondo assim essa pergunta: há uma infraestrutura mantida pelo esforço voluntário dos militantes para sustentar a defesa de idéias. Destruir ou cercear essa estrutura, impedir que essas idéias circulem; se isto for feito contra a CS, amanhã poderá ser feito contra qualquer um dentro do PT, porque não existem idéias sem uma organização de pessoas dispostas a defendê-las.

Isso dá a entender que vocês discordam radicalmente da regulamentação do direito de tendência como foi aprovada.

Somos a favor de uma regulamentação porque o PT tem que ter uma lei interna. Votamos contra esta regulamentação de tendências, quase todas as correntes votaram contra. Praticamente só a ART votou. Acatamos e fizemos uma declaração para o DN. Não concordamos e acatamos porque respeitamos a voto da maioria do PT 356. E vamos lutar para mudá-la na ocasião oportuna. No fundamental pensamos que estamos acatando. Há um tema que sei que é irritante, que são as prefeituras.

Eu ia exatamente perguntar sobre isso.

Os nossos prefeitos têm dito o seguinte: o mandato é do prefeito, não é do partido. O exercício do poder é do prefeito, não é do partido. Isto é uma novidade. Nunca foi votado. Não sei se todo o PT já se deu conta da gravidade desta declaração da Erundina, do Zé Augusto, para citar os prefeitos das grandes correntes do PT. Isto tem levado as nossas prefeituras a entrarem em choque com o movimento sindical, com o movimento popular e com todas as Direções Municipais. Temos um mandato em 1º lugar do partido, a serviço dos trabalhadores, e se o prefeito entra em choque com o movimento organizado dos trabalhadores ele desonra o mandato, o partido que o elegeu. Então, quando o Zé Augusto Pref. de Diadema - no famoso episódio do “Buraco do Gazuza” -, chama a PM e prende o vice-prefeito e 2 vereadores do PT, ele pisoteia todo o programa do PT.

Nós achamos que é necessário, neste momento, que o partido dê a sua posição para a sociedade. Não é mais possível manter interno um debate que levou a um choque da prefeitura com o movimento social. No momento em que isto ocorre o PT está ameaçado. E a tarefa do PT é ir junto ao movimento social organizado, apoiar a sua luta, se necessário contra as prefeituras porque nós somos contra o peleguismo petista. Onde as massas acham que o PT é igual à ação administrativa das prefeituras nós tivemos verdadeiras catástrofes eleitorais, como em São Paulo. O que aconteceu nesta cidade foi um ano em que houve sucessivos erros na administração Erundina. O único grande acerto da prefeitura foi a greve geral de março. Tanto é assim que os nossos adversários dedicaram a campanha a atacar as nossas prefeituras. E estavam inventando? Não, é verdade, as tarifas em São Paulo até hoje subiram acima da inflação. Não há como defender isto. É verdade que as nossas administrações estão em crise. E é verdade que elas são impopulares. Nenhum petista deve disciplina à Luiza Erundina. Eu devo disciplina ao partido. Se a Luiza Erundiria aplica uma política que tem um curso que é antipetista a lealdade da minha corrente é ao partido.

Como vocês vêem a direção partidária e a linha que hoje é hegemônica?

A ART é a maioria e nós temos nisso uma posição diferente das outras tendências: nós achamos que a maioria deve dirigir o partido. A maioria das outras tendências são hoje agrupamentos de pressão sobre a ART que tentam influenciar a sua política. Nós ficamos felizes quando há acordo. E conforme coincidimos, divulgamos. E defendemos juntos. Quando não concordamos também dizemos claramente. Hoje nós temos um acordo político, que é a denúncia do Plano Collor. Há 6 meses tínhamos um acordo que era levar a campanha do Lula. É um partido que se constrói assim, com grandes acordos políticos contra a burguesia em momentos decisivos da luta de classes, e com permanente processo de debate.

A linha política do partido é elaborada em cada reunião do Diretório Nacional, em cada reunião da Executiva. Nós,

356 Dias após a realização desta entrevista, o DN, ainda em março, aprovou uma resolução sobre as correntes que cumprem e as que não cumprem as Resoluções do V Encontro, na qual diz que a CS ora se comporta como corrente interna, ora age com excessiva autonomia. A esse respeito, Valério Arcary nos encaminhou a seguinte réplica, que publicamos nesta nota: “No Diretório, votei contra essa resolução. Ela é, em 1º lugar, inoportuna. Nós ainda estamos passando um momento de expectativa das massas diante do Plano Collor. Há ilusões entre os trabalhadores. Num período breve, mais rapidamente que na época do Cruzado, as ilusões cairão. Mas o PT precisa sair para a rua, para denunciar o plano, preparar o 1 º de Maio e definir ações imediatas de nossas prefeituras que revelem claramente que somos oposição. Isso é vital. Essa aptidão de resposta contra Collor exige a unidade do PT mais do que nunca. Por outro lado, pensamos que a legitimidade das tendências não pode ser julgada pelo critério que cria um mau precedente e é na verdade absurdo. Por exemplo: a CS foi gravemente criticada porque defende a estatização dos ônibus em Porto Alegre e porque apoiou as greves do funcionalismo em Timóteo e São Paulo. Militantes da CS defenderam essas posições no PT e em assembléias sindicais e onde setores das massas trabalhadoras saíram à luta, nós os apoiamos. Outras correntes petistas foram contra. Mas veja: a ART, em São Paulo, defende junto conosco a estatização dos ônibus e exige que a Erundina crie um fundo público de transporte com impostos sobre as grandes empresas; em Porto Alegre, porém, é contra. Os membros da ART no sul seriam mais petistas do que os de São Paulo porque se opõem à estatização dos ônibus, pelo menos agora? Por que, se os Encontros de Base não votaram as políticas que são aplicadas pelos feitos? A CS afirma que é uma corrente interna e que reconhece a natureza estratégica do PT. Reconhecemos a vigência dos Estatutos e do Regimento Interno, reconhecemos a regulamentação dos direitos e deveres das correntes internas. Mas não aceitamos uma lei do silêncio, nem um critério de parentesco político para julgar a legitimidade das tendências. Isso seria arbitrário. Tampouco consideramos construtivo um clima interno de intimidação. Isso se insinua às vezes com declarações públicas na imprensa diária que se sucedem por meses, desde as eleições, nos ameaçando de expulsão. Elas não podem continuar. Elas significam permitir que as pressões dos inimigos de classe incidam sobre nossa discussão interna. Não houve jornal que não tenha sugerido, exigido ou anunciado a expulsão da CS do PT. Um debate em alto nível será sempre um debate sem ameaças e represálias, mas com respeito às idéias uns dos outros”.

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como corrente, somos parte desse processo de trazer para dentro do partido as pressões dos diferentes setores que o incorporam, a pluralidade que é a vanguarda operária nesse país. Nossa opinião é que somos expressão de uma parte da base social do PT. Os dirigentes são uma parte de outra base social. Há dirigentes que expressam a opinião da intelectualidade, há dirigentes que expressam a opinião do movimento popular, do movimento camponês etc. Nós expressamos uma parcela da vanguarda dos trabalhadores mais avançados, do setor mais politizado da classe operária. A nossa contribuição para o PT é a representação do Trotskismo. Há outras correntes trotskistas, mas nós somos a maior, a mais forte, e a mais coerente. Nós representamos no PT o “Programa de Transição”: mobilização permanente, democracia operária, revolução socialista, luta sem tréguas contra o imperialismo e a necessidade da Internacional.

Democracia Socialista357(DS)

A DS é uma organização política marxista brasileira que existiu como agrupamento político independente até 1986, quando torna-se uma tendência política interna ao PT. A DS, subordinada ao Secretariado Unificado da IV Internacional 358 (SU-QI), dirigido pelo belga Ernest Mandel359, seus militantes eram os “mandelistas”; forte no Rio Grande do Sul e responsável pelo Jornal “Em Tempo”; o SU disputava com outro centro francês o título de legítimo sucessor de Trotsky; no Brasil, alguns dos militantes da DS, insatisfeitos, desligaram-se e fundaram o PSOL; outros continuam no PT.

Dirigente da IV Internacional (SU-QI) desde 1946, Mandel iniciou a militância durante a II Guerra Mundial, na resistência ao Nazismo: tinha apenas 16 anos. Sobrevivente do campo de concentração, continuou a militância na Internacional e no Partido Socialista Belga. Expulso desse partido em 1964, por sua adesão ao Trotskismo, ele fundou o Partido Socialista Operário da Bélgica. Internacionalista, chegou a ser proibido, no início dos anos 70, de entrar na França, EUA, Suíça, Austrália e Alemanha Ocidental. Sua produção intelectual é extensa. No Brasil, suas idéias permanecem vivas na ação dos militantes da DS, tendência petista vinculada ao SU-QI. Mandel morreu em 20/07/1995.

A criação da DS contou com a participação de pessoas ligadas ao POC-Combate 360 e ao COLINA361, a grande maioria dos seus fundadores era composta por membros de 2 organizações políticas conhecidas apenas pela abreviatura “O.” 362. Tanto um, de Minas Gerais, quanto o outro, do Rio Grande do Sul, tinham origem no ME, onde seus dirigentes recrutavam quadros para formar ou alimentar as próprias organizações. Entretanto, apesar dos contatos estabelecidos durante o trabalho nas universidades e da atividade política comum de parte dos fundadores da DS, que haviam militado juntos ainda nos anos 1960, foi mesmo no jornal “Em Tempo” que os grupos mineiro e gaúcho encontraram o espaço propício para sua articulação nacional.

O “Em Tempo” era um jornal alternativo criado em 1977 a partir de um racha na equipe do “Movimento”, publicação que tinha sido controlada pelo PCdoB, de quem seus participantes divergiam politicamente. A divisão dentro do “Movimento” foi motivada pelo fato de os seus grupos mais à esquerda discordarem da proposta do PCdoB de criar uma frente democrática, vista pela maioria dos dissidentes como “hegemonizada por correntes liberais burguesas”363.

No dia seguinte ao racha, o grupo que saiu do “Movimento”364 reuniu-se para debater a criação de um novo jornal que, além de se por à orientação do “Movimento”, pudesse “subsidiar a organização dos trabalhadores”365. Nas semanas seguintes, juntou-se em torno dos dissidentes, antigos colaboradores do “Movimento” e de outros jornais alternativos e novos agrupamentos políticos que haviam surgido na época366. Entre eles, por exemplo, estava o “Debate”, grupo formado por ex-membros do “Movimento” que saíra do jornal antes mesmo do racha de 1977, também por discordar da linha política defendida pelo PCdoB.

No “Em Tempo”, reencontraram-se com antigos companheiros trazidos pelo “Debate”. Ao se aproximar dos articuladores do “Em Tempo”, atraiu para as discussões sobre o novo jornal ex-militantes da ORM-POLOP, que trouxeram consigo antigos membros do POC367. A Libelu, corrente estudantil da OSI368, aderiu marginalmente ao jornal, com a participação de apenas 2 dos seus militantes. O MEP369, por sua vez, mesmo rejeitando o Trotskismo, orientação da maioria dos grupos políticos que se aproximou do “Em Tempo”, tinha afinidades com a “cultura trotskista”370, como o repúdio ao Stalinismo, optando por seguir com os dissidentes do Movimento. O MR-8 foi outro grupo que possivelmente participou do novo jornal para tentar controlá-lo, o que acabou não ocorrendo, apesar de rapidamente ter conquistado espaço nas sucursais do Rio de Janeiro e São

357 Ou Organização Revolucionária Marxista Democracia Socialista. In pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_Socialista, in www.democraciasocialista.org.br/democraciasocialista.358 In pt.wikipedia.org/wiki/Secretariado_Unificado_da_IV_Internacional.359 In pt.wikipedia.org/wiki/Ernest_Mandel.360 Sigla de Partido Operário Comunista-Combate. Integrantes do grupo gaúcho que deu origem à DS haviam militado no POC ainda nos anos 1960. No “Em Tempo”, reencontraram-se com antigos companheiros do partido trazidos pelo “Debate”. Esse foi um dos laços que ligou o POC à DS. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Oper%C3%A1rio_Comunista.361 Sigla de Comando de Libertação Nacional. O COLINA, também chamado de "Comandos"', foi uma organização guerrilheira brasileira de extrema-esquerda que visava a implantação de um regime socialista no país. Esse grupo se originou em 1967, em Minas Gerais, a partir da fusão de outra organização chamada POLOP, com alguns militares esquerdistas, ele abraçou as ideias defendidas pela OLAS, executando, desde 1968, ações armadas para levantamento de recursos para guerrilha no campo. A partir de 1969, quando teve vários de seus militantes presos, deu origem à VAR-Palmares com o apoio de ex-membros da VPR.362 Uma consequência, ainda imperante, concepção de clandestinidade que cercava a militância de esquerda na época363 In Kucinski, B. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003, pp.162. Na prática, a proposta de criação dessa frente política implicaria, por um lado, no apoio ao MDB e, por outro, na aliança entre a classe trabalhadora e outros setores descontentes com o regime militar, o que era rejeitado pelos grupos que saíram do jornal.364 Formado por jornalistas, intelectuais de esquerda, ex-militantes da APML que não haviam aderido ao PCdoB, 2 membros do antigo COLINA e integrantes de um pequeno agrupamento político chamado “Subfrente”.365 In Kucinski, B. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003, pp. 167.366 Era o início a um processo de reaglutinação de parte da esquerda brasileira.367 Integrantes do grupo gaúcho que deu origem à DS haviam militado no POC ainda nos anos 1960. Esse foi um dos laços que ligou o POC à DS368 Nos anos 1980, as diversas correntes da IV Internacional - também conhecida como Internacional trotskista - foram representadas no Brasil pela DS, CS, CO e OSI. Com o fim do bipartidarismo, todas as 4 organizações aderiram ao PT, sendo que, entre elas, apenas a DS permanece no partido até hoje. Tanto a CS quanto a CO foram expulsas da legenda no início da década de 1990, fundando, mais tarde, o PSTU e o PCO, respectivamente. Quanto à OSI, ainda nos anos 1980 a maioria dos seus integrantes optou pela dissolução do grupo na corrente majoritária do PT - a ART.369 Sigla de Movimento pela Emancipação do Proletariado. In pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_pela_Emancipa%C3%A7%C3%A3o_do_Proletariado.370 In Kucinski, B. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003, pp. 404.

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Paulo. Com a volta dos exilados políticos ao Brasil, no final de 1979, também aderiram ao novo jornal membros do grupo dos autonomistas, assim chamados por acreditarem que o MO deveria estar desvinculado de partidos políticos.

Portanto, além de ter sido o espaço de articulação entre os trotskistas mineiros e gaúchos, o “Em Tempo” também permitiu aos fundadores da DS a aproximação junto a antigos companheiros de militância e o debate político com outras organizações de esquerda da época.

“O jornal permitia uma relação com outros grupos semelhantes que sobreviveram à ditadura e buscavam articulação nacional. O projeto do ET [Em Tempo] era ideal para essa troca de experiências e unificação de lutas” 371. Após a saída do MR-8, da APML e do grupo Debate, ainda na década de 1970, motivada pela difícil relação com as organizações de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, permaneceram no jornal apenas os autonomistas372 e ex-integrantes do POC e do COLINA - ambos, de certa forma, próximos às formulações de Trotsky. De dezembro de 1980 em diante, quando os autonomistas decidiram abandonar o “Em Tempo”, o jornal ficou definitivamente sob o controle da DS, tornando-se, a partir de então, a publicação oficial da DS.

Em 1981 ocorreu o Congresso de Unificação com a “Organização Revolucionária dos Trabalhadores” e a DS passou a se chamar ORM-DS. A DS participa da construção do PT desde os debates iniciais e se define como uma corrente organizada no interior do PT, uma organização revolucionária que se empenha na construção do PT. A DS é ligada ao SU-QI, com sede na França e cujo partido majoritário é a LCR373, dirigida por Alain Krivine. Continua a publicar o jornal “Em Tempo”. Suas principais lideranças são: Raul Pont374, Joaquim Soriano375, Miguel Rosseto376.

A DS edita o jornal “Democracia Socialista - Em Tempo”, publicação do “Instituto de Comunicação, Estudos e Formação Isaac Akcelrud”377. A DS também reivindica como centrais as lutas feministas, anti-homofóbicas e anti-racistas.

Em 1986, a DS realizou seu último Congresso enquanto organização política. Em 1988, realizou sua 1ª Conferência Nacional. Então, já mudará seu caráter organizativo: a DS se assumia publicamente como Tendência interna do PT. A mudança na denominação (organização/tendência) não é uma questão meramente formal. Nesse espaço de tempo, ocorreram modificações no PT e na própria DS que resultou numa reavaliação sobre o seu papel na construção do PT. O principal fator foi a nova realidade criada pela aprovação do direito de Tendência, aprovada no 5º EN. Ao se assumir como Tendência, a DS buscava se adaptar à conjuntura e, ao mesmo tempo, aprofundar sua concepção estratégica sobre o PT.

Esta mudança foi facilitada pela análise otimista que a DS fazia do PT no período. O PT teria avançado em suas definições políticas: mantido e aprofundado a independência política de classe, cumprindo um papel fundamental na formação da CUT e se constituído enquanto alternativa à Nova República378. Avaliando positivamente o 5º EN, a DS concluiu que o PT avançara em suas definições socialistas e esboçara uma estratégia que, apesar das dubiedades, o punha no campo da revolução. Além disto, notou que as relações cada vez mais próximas entre o PT e os processos revolucionários na América Central reforçava o sentimento e a opção revolucionária da militância. Apesar dessa análise, a DS não chegou a definir o PT como partido revolucionário. Concluía que faltava uma direção partidária com um projeto de construção e uma composição de forças que representasse o potencial revolucionário do partido.

A luta por sua construção como tal379 mantinha-se atual. Esse combate travaria-se em torno de 3 questões centrais: a subordinação da luta institucional à luta de massas e, de forma similar, a necessidade da ruptura revolucionária e da destruição do Estado burguês; a organização do PT como partido militante e dirigente; e, a formação de um núcleo dirigente capaz de unir os revolucionários no interior do PT, inclusive de setores da ART.

A assimilação da organização em tendência não foi um simples enquadramento à regulamentação definida pelo 5º EN. Embora criticasse alguns aspectos dessa380, esta mudança representava um desenlace natural, resultante da sua caracterização do PT, da proximidade da sua linha política e, até mesmo, identificação com setores da corrente majoritária. De qualquer forma, a nova definição mudou a forma de organização anterior: a estrutura organizacional da tendência exigiu uma maior flexibilização, ou seja, um afrouxamento da militância e uma maior absorção das características do PT. A referência ao modelo leninista de organização foi mantida, mas com a ressalva dela adaptar-se à realidade brasileira.

As posições da DS nesta fase exprimiam a linha política internacional definida no IV Congresso da IV Internacional (SU-QI), em 1985. Neste, o SU-QI adotou uma política flexível visando apoiar a recomposição da esquerda revolucionária. Isso previa ampliar a compreensão sobre conceito de revolucionário. Essa postura ajudou o diálogo com outras correntes políticas.

O otimismo revolucionário da DS parecia corroborado com a ascensão da esquerda no final da década de 1980. Mas, em 1989, a conjuntura nacional já dava sinais de mudanças. Com a experiência petista nas prefeituras, especialmente em São Paulo, surgiam elementos negativos que não passaram despercebidos à DS. Avaliando a gestão Erundina observa a desorientação da militância petista, aprofundada pela debilidade do PT na capital paulista e pela relação crescentemente tensa entre a Direção Municipal e a Administração. O tecnicismo e o administrativismo provocavam o “entorpecimento da visão política”, prevalecendo

371 Entrevista de Raul Pont ao autor, 16/05/2006. Raul Pont, do grupo gaúcho, integrou o Comitê Central eleito no congresso de fundação da DS.372 Favoráveis à criação do PT, tese que, nesta fase, os trotskistas já adotavam. Marginalizados dentro do “Em Tempo” por discórdias com os trotskistas - majoritários no jornal - quanto à relação que o PT teria com os movimentos sociais, os autonomistas afastam-se da frente jornalística em 1980 após um artigo de Marco Aurélio Garcia, membro do grupo, ser vetado por Flávio Andrade, editor-chefe do “Em Tempo” e um dos líderes da organização mineira que fundará à DS.373 Sigla de Ligue Communiste Révolutionnaire, em francês; ou Liga Comunista Revolucionária, em português. Foi um partido político francês de esquerda, seção francesa do SU-QI, ativo de 1969-73 com o nome de Ligue Communiste,depois mudou seu nome para LCR de 1974-2009, ano em que se autodissolveu no NPA (Nouveau Parti Anticapitaliste, em francês; ou Novo Partido Anticapitalista, em português. In pt.wikipedia.org/wiki/Liga_Comunista_Revolucion%C3%A1ria_%28Fran%C3%A7a%29 e in www.npa2009.org).374 Ex-Pref. de Porto Alegre. In pt.wikipedia.org/wiki/Raul_Pont.375 Membro da Executiva Nacional do PT.376 Ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário na gestão de Lula. In pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Rossetto.377 In www.iia.org.br/iia.378 In João Machado. “Balanço: construindo o PT”. Em Tempo, julho de 1992, pp. 10-12.379 Uma meta que norteia a linha política da DS desde a fundação do PT. A DS desenvolveu uma política de construção do PT enquanto partido estratégico desde a fundação deste. Já em 1981, comentando sobre a perplexidade de parte da esquerda diante do PT, a DS afirmava uma tese polêmica para a maioria das tendências e organizações marxistas dentro e fora do PT: “Longe de ser alguma coisa “exótica”, a forma de construção do PT é uma proposta que já se apresentou diversas vezes na história do MO! Mais ainda, a política geral a ser adotada pelos marxistas dentro do PT, longe de ser uma coisa “pouco ortodoxa”, pouco coerente com a tradição marxista, foi defendida... pelo próprio Marx (e por Engels)! E não em algum texto pouco conhecido ou marginal em seu pensamento, mas no próprio Manifesto Comunista!” Cadernos Em Tempo. O PT e o partido revolucionário no Brasil. São Paulo, Editora Aparte, setembro de 1981, pp. 07. 380 Por exemplo, a não aceitação da proporcionalidade em todas as instâncias dirigentes.

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a adaptação à rotina do cotidiano. A não observância destas lacunas refletiam-se na “manutenção de relações que variam do paternalismo ilustrado e benevolente” às “visões assistencialistas” e práticas clientelistas381.

A DS foi uma das principais forças políticas de sustentação da candidatura Erundina. Sua crítica tomava em consideração as dificuldades inerentes á Administração Popular, como por exemplo, o cerco montado pela burguesia, cujos holofotes ampliavam os problemas que surgiam. Para ela, o PT deveria aprofundar os elementos positivos da sua política e romper com o tecnicismo. Era necessário, portanto, uma correção dos rumos.

Essa postura guardou coerência com a concepção estratégica que a DS formulou nessa fase. A estratégia democrática e popular passou a ser concebida como um movimento articulado entre a ruptura com a ordem burguesa e o avanço sobre a institucionalidade, simbolizada por uma pinça, e que prevê a construção de novas formas de Poder Popular.

A estratégia da “pinça” diferencia-se tanto da experiência bolchevique quanto dos modelos de Guerra Popular Prolongada. Sua síntese seria a “guerra de movimento prolongado”, isto é, o “confronto de massas prolongado contra o Estado e o grande capital”382. Essa hipótese buscava superar os desvios de direita - reformista ou socialdemocrata - e os desvios esquerdistas.

No 1º caso, a ênfase é posta na possibilidade dos trabalhadores conquistarem posições no aparato do Estado via deslocamento de forças no interior deste. Para a DS, o erro principal desta postura estaria na crença de que o Estado é neutro. Na Economia, este equívoco se desdobra numa “ótica distributivista” que se aproxima das teorias keynesianas e neokeynesianas383.

No plano da atuação política, o reformismo socialdemocrata promove uma “divisão do trabalho” entre partido e sindicato. Ao 1º caberia se dedicar à disputa institucional-parlamentar; o 2º, “se esgota em uma dinâmica economicista, tendendo a se institucionalizar e a verticalizar suas estruturas”384.

O erro de esquerda consistiria na fixação de “um programa maximalista, combinado com o objetivo do Poder Popular à margem da conjuntura, sem avaliar a relação de seu desenvolvimento com a crise da institucionalidade burguesa”. Daí os dilemas das correntes esquerdistas em admitir o caráter estratégico do PT, ou mesmo seu “caráter de massas e democrático”385.

Ao contrário de algumas Tendências críticas à socialdemocratização do PT, a DS notou que este partido, por seu caráter pragmático - inerente à sua natureza - diferencia-se radicalmente do modelo de Partido de Quadros e se aproxima das primeiras definições de Marx sobre a organização política dos trabalhadores386. A DS, admite a possibilidade de adaptação do PT à ordem burguesa. Mas isto não estaria decidido a priori, nem representaria a única opção política. Analisando comparativamente o caso do PT, a DS observa as diferenças entre este e a experiência socialdemocrata alemã: a expansão capitalista naquele país; seu caráter imperialista; sua potencialidade de integração; a ideologia nacionalista como fator de cooptação.

A DS reafirma aqui uma postura comum entre os marxistas que permaneceram no PT, fundamentada na afirmação de que este ainda seria um processo em aberto, ou seja, que a própria Direção do PT ainda estaria em disputa, havendo a possibilidade de formação de uma Direção Revolucionária que corrigiria sua “tentação reformista”: “O que estamos fazendo é simplesmente, como marxistas, entender que a luta de classes não se faz em uma só direção, por uma só via, que, se os trabalhadores exercem um esforço de desestruturação da ordem, as classes dominantes realizam vários movimentos e pressões no sentido de neutralizar, subordinar e até integrar o movimento dos trabalhadores”387.

No Brasil, a capacidade do capitalismo em integrar os trabalhadores seria limitada por sua natureza dependente e subdesenvolvida e a burguesia demonstrara uma reiterada incapacidade de exercer “uma hegemonia duradoura e de massas”. Fica, portanto, a possibilidade de conquista da hegemonia socialista. Para isso, a esquerda - e particularmente o PT - deve se contrapor de forma antagônica à ideologia, leis e instituições burguesas, reafirmando o “sentimento de estranhamento, de oposição, de alteridade dos trabalhadores em relação aos valores burgueses”388.

A estratégia da pinça tem como princípio a manutenção da independência política dos trabalhadores. A atuação do partido na institucionalidade, o acúmulo de forças, insere-se na perspectiva de construção da hegemonia dos trabalhadores, isto é, com o objetivo de mudar a correlação de forças a seu favor. Sua hipótese estratégica central se fundamenta na: “noção de que a ruptura com a ordem burguesa será o resultado de um movimento articulado, em pinça, dos trabalhadores sobre o centro do poder burguês, isto é, pela combinação do avanço sobre a institucionalidade com a criação de novas formas de Poder Popular”389.

Essa formulação foi apresentada sem sua tese ao 7º EN. Nesta, a DS avalia a trajetória do PT, tomando como ponto de partida o 5º EN, o qual identificara a existência de uma crise orgânica do PT390. Para a DS, os problemas apontados naquele Encontro foram aprofundados. Estes se originam no distanciamento entre a organização do partido e os objetivos estratégicos e a própria concepção de partido adotada. Isso, aponta a DS, pode ser visualizado na contradição entre suas declarações e sua prática.

O 5º EN, por exemplo, afirmou que o PT subordinava a luta institucional à organização independente dos trabalhadores. Porém, como reconhece a DS, isto não estava refletindo na organização partidária, que continuava “motivada principalmente pelo calendário eleitoral e pela conquista de postos na institucionalidade”. Este estreitamento institucionalista prejudicou o crescimento orgânico do PT, embora ampliasse sua base eleitoral391. Outro exemplo: o PT sempre se colocou favoravelmente à democracia interna, o pluralismo político que o acompanha desde a fundação assim o comprova. Mas, prevaleceu um distanciamento em relação às bases, da atuação destas no movimento social em relação à participação no partido, e um processo de centralização política no âmbito das direções. A democracia ficou reduzida ao formalismo eleitoral. Em suma, a

381 José Corrêa. “Prefeitura de São Paulo: conflitos entre o administrativo e o político”. Em Tempo, setembro de 1991, pp. 13-15. Felix Sanchez analisou este processo no artigo “São Paulo, 4 anos depois”. Em Tempo, fevereiro de 1993, pp. 09- 12.382 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 10.383 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 10.384 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 10.385 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 10.. Esta postura diferencia a DS de correntes políticas consideradas dentro e fora do PT - como por exemplo a Convergência Socialista e O Trabalho.386 Como afirma a DS, o PT em suas origens refletiu “o movimento real e independente da classe, com todas as virtudes e contradições que isto implica”. “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 09).387 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 12.388 “A estratégia da revolução brasileira: a atualidade de um debate”. Em Tempo, maio de 1990, pp. 12.389 Democracia Socialista: O PT e o Socialismo. (Tese 3). Teses para o 7º Encontro Nacional, op. cit., pp. 33-35.390 Ver “A construção do PT”, nas Resoluções Políticas do V Encontro Nacional, op. cit., pp. 33-38.391 Democracia Socialista: O PT e o Socialismo, op. cit., pp. 35.

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revolução na organização preconizada pelo 5º EN, não só não ocorrera, como se intensificara os fatores negativos392.Estas questões foram levantadas num momento em que a discussão estratégica era impulsionada pelo impacto do

Leste Europeu. Para a DS, o que aconteceu nesses países representa “o colapso do Stalinismo e de seus sucedâneos imediatos, bem como das concepções “campistas” de desenvolvimento da revolução mundial”. Em sua avaliação, essa crise abriu um período de disputa de projetos políticos que colocava em pauta a luta pela “eliminação das burocracias”, condição necessária para a retomada do “desenvolvimento num sentido socialista”393.

Estava aberto um período de disputas de projetos políticos. O 1º, representado pelas forças favoráveis à restauração do capitalismo; o 2º, pela possibilidade de prolongamento da dominação burocrática, o que admitia a reciclagem da burocracia; o 3º, que corresponderia aos interesses da maioria da população, a construção do “socialismo autêntico, democrático”. Este último, reconheceu a DS, é o que tinha menos condições de ocorrer devido à confusão ideológica, resultante da dominação stalinista394.

Esta análise corresponde às teses desenvolvidas pelo SU395. O SU, diferentemente das outras vertentes trotskistas, viu na Glasnost um elemento de positividade, expressado no retorno da democracia e na extensão substancial das liberdades individuais. O fracasso de Gorbatchov é explicado pela incapacidade da sua política econômica em reformar o sistema. Mandel alegou que o fracasso de Gorbatchov confirmava a impossibilidade de autorreforma da burocracia. Porém, da mesma forma que seria um equívoco “mergulhar em ilusões” quanto às chances dessa política, seria igualmente equivocado não reconhecer os aspectos positivos da Glasnost396.

A DS compartilha da clássica análise da natureza degenerada dos Estados Operários e, portanto, da tese da ruptura stalinista nos anos 30397. Ela refuta os que, na crítica ao Stalinismo, recaem no subjetivismo idealista398. “Tornou-se moda falar da crise do marxismo, do leninismo como responsável pela burocratização”, afirma399. Por outro lado, a DS se diferencia das análises objetivistas400 ao admitir que, embora a burocracia tivesse condições favoráveis para evoluir, seu triunfo não era inevitável. Ela, a burocracia, se impôs numa luta política em que “pesaram tanto os erros cometidos pelos que a ela se opunham quanto as posições conquistadas pelos que a encabeçaram e cujo resultado não poderia ser definido de antemão”401.

Para Mandel, a interpretação marxista-revolucionária (isto é, trotskista), foi a única que sai vitoriosa neste processo. Porém, admite que mesmo esta análise não dá conta da complexidade das questões postas. O foco dessa abordagem centra-se na ascensão da burocracia e na “estabilidade relativa de seu poder e privilégios”. A queda do Muro e o fim da URSS impõe a exame do declínio e da decomposição desta camada social. “A dialética do declínio não é idêntica a dialética do ascenso”402, afirma.

Estas questões foram o pano de fundo dos debates marcaram que o 7º EN do PT. A DS criticou o fato do Encontro não ter adotado uma emenda sobre Cuba, marcando os itens negativos do Castrismo mas o diferenciando das demais experiências do socialismo real, reconhecendo que, em Cuba, a “revolução continua viva”. Mas, no conjunto, o saldo é considerado positivo403.

Neste Encontro, houve uma visível polarização entre a VS e a NE, de um lado; e, do outro, a DS e os “cavaleiros da tradição”404. Estes setores não constituem pólos homogêneos. A questão cubana é um exemplo: para muitos, a posição da DS representa a capitulação ao Castrismo, que seria uma variante do Stalinismo. Outro ponto polêmico, principalmente entre as correntes trotskistas internacionais, foi a reunificação da Alemanha nos moldes como se deu. A DS era a favor de uma Alemanha unida e socialista, o que naquela conjuntura, significava concretamente se opor à reunificação405.

392 Democracia Socialista: O PT e o Socialismo, op. cit., pp 35. “É preciso enxergar autocriticamente que a forma organizativa atual serve a uma prática política voltada para a disputa eleitoral, embora tensionada com freqüência pela luta social, pela militância petista que permanece ativa nos movimentos, pela linha geral das resoluções partidárias (...) e pela ação consciente de vários setores petistas no rumo de um partido socialista e revolucionário”, enfatizaria a DS.393 Democracia Socialista: O PT e o Socialismo, op. cit., pp. 25. Mandel, observou que o processo no Leste Europeu seguiu um padrão clássico, em 3 estágios: o 1º, de “euforia democrática geral”; o 2º, foi a contra-ofensiva reacionária, de perplexidade e desorientação para os trabalhadores; no terceiro estágio, os trabalhadores começam a defender seus interesses materiais imediatos, enfrentando as forças restauracionistas e os governos “democráticos” eleitos após a derrocada da burocracia. A luta não estava definida. Ver: “Problemas de interpretação”. Em Tempo, agosto de 1995, pp. 25. (Trata-se de parte da introdução do livro de Ernest Mandel, Poder e dinheiro, publicado em 1993, em Londres, reproduzida pelos editores de Em Tempo. O título é do jornal).394 Democracia Socialista: O PT e o Socialismo, op. cit., pp. 25.395 Ver as resoluções do XIII Congresso da IV Internacional (Secretariado Unificado), realizado na Itália, de 07-17/02/1991, publicadas no jornal Em Tempo, nas edições de março, junho e julho do mesmo ano.396 Ernest Mandel. “A irresistível queda de Gorbatchev”. Em Tempo, março de 1992, pp. 18. A julgar pelo artigo citado, OT faz parte dos que tinham uma “visão incorreta da realidade política da URSS”. Segundo Mandel, “tratar o regime de Gorbatchev de “totalitário”, colocar um sinal de igualdade entre este regime e o regime estalinista é favorecer de forma irresponsável a ditadura estalinista”. (In idem). Confrontar com a posição de OT no item anterior.397 Quando teria se consolidado a contra-revolução. In Democracia Socialista: O PT e o Socialismo, op. cit., pp. 27. A DS desfia dados sobre a mudança radical no caráter e na composição do Partido Bolchevique. A tese da VS faz o mesmo percurso para provar o contrário. (Ver as páginas 90-91).398 A DS se refere aos que explicam o Stalinismo e suas conseqüências apenas pelas idéias e concepções elaboradas por Lênin, Marx etc. Para estes, a realidade objetiva pouco - ou nada - conta. Sua crítica se dirige principalmente aos setores que formaram o PPB. Num documento interno da VS, podemos ler a refutação a esta crítica. O autor anônimo afirma que a DS “se recusa a admitir que as idéias também cumprem um papel determinante na luta de classes e, assim, destrata a função da subjetividade tentando desqualificar aqueles que querem resgatar uma concepção materialista dialética não reducionista. Quer deixar subentendido que os que tentam questionar, do ponto de vista filosófico, o legado dos clássicos, estariam incorrendo em desvios idealistas, estariam abandonando o marxismo etc.”. “Crítica da tese trotskista da tendência interna do PT “Democracia Socialista” intitulada “O PT e o socialismo”., op. cit., pp. 05. 399 “Crítica da tese trotskista da tendência interna do PT “Democracia Socialista” intitulada “O PT e o socialismo”., op. cit., pp. 25.400 O objetivismo é típico das análises que explicam o processo de burocratização da sociedade russa pós-1917 unicamente pelas condições objetivas, isto é, pela realidade econômica e social, desconsiderando erros da liderança bolchevique, inclusive de Trotsky. 401 “Crítica da tese trotskista da tendência interna do PT “Democracia Socialista” intitulada “O PT e o socialismo”., op. cit., pp. 27.402 Mandel afirma que estes eventos “foram em geral cruéis com a maioria das teorias oferecidas para responder a questão”. Ele cita Cornelius Castoriadis (que defendeu a tese do caráter totalitário destes regimes) e Paul Sweezy, o qual descartou a possibilidade destes regimes serem transitórios. Comentando este último, Mandel pergunta: “Mas o que é um regime que é abalado em suas fundações depois de 72 anos? Poderia não ser de transição depois de tudo?”. Sem entrar na polêmica - mas já entrando - temos de convir que é uma transição muito longa! Mandel critica ainda os que definiram a burocracia como uma nova classe dominante: “Que espécie de classe dominante é essa que vai tão longe na liquidação de si própria, que abdica tão rapidamente de uma grande parte do seu poder?”. Concessões, instinto de sobrevivência, percepção da nova realidade, descoberta de novas formas de dominação?! Ver a introdução de “Poder e dinheiro”, op. cit., pp. 24. Nesta parte, o título usado por Em Tempo foi “O Balanço histórico da URSS”. 403 “Em meio à maré montante internacional no sentido de arquivar o projeto socialista em algum museu de antiguidades, o PT reafirma-se socialista e enfatiza um dos seus valores mais caros, o caráter necessariamente democrático”, salienta a DS. “Editorial: VII Encontro: a consolidação da democracia”. Em Tempo, junho de 1990, pp. 02-03.404 Ironia de Augusto de Franco aos que fizeram a “cruzada “Em defesa do Marxismo”, ou seja, as forças políticas que compuseram a Tese 10 no I Congresso petista e correntes como a CS e OT, definidas por ele como “frações explícitas”. Ver: Augusto de Franco. “Quebra-cabeça de 3 peças”. Teoria & Debate 17, 1º trimestre de 1992, pp. 22 405 Ver: A situação mundial (2ª parte). Resoluções do XIII Congresso Mundial da IV Internacional. Em Tempo, junho de 1991, pp. 20-21.

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No conjunto das forças petistas, a DS situa-se numa posição centrista406. Neste ponto, também concordaria os ideólogos do PPB407. Franco diria que a DS acalenta um “velho sonho de ser conselheira da maioria”, num projeto de conquistar a maioria e dirigir o PT408. De fato, os anos 90 impunham novos reordenamentos entre as forças da esquerda. Com a queda do muro, também caíram barreiras que dificultavam o aprofundamento do diálogo entre Tendências de diferentes tradições e origens. A própria necessidade de superação da crise gerada pela nova situação mundial e de fornecer respostas aos desafios colocados por uma conjuntura em acelerado e permanente processo de transformações foi um fator aglutinador (mas também desagregador)409.

O crescimento eleitoral do PT também favoreceu a recomposição de forças. A tensão entre a institucionalidade e a perspectiva revolucionária. Se de um lado esta conjuntura nacional e internacional contribuiu para alianças como a que formou o PPB; por outro gerou alianças no campo oposto.

O I Congresso do PT foi determinante nesta dinâmica. Já ali se configurou os pólos em disputa. A tese da DS privilegiou os temas da estratégia e da construção partidária. Ela partiu do pressuposto de que o partido já adotara uma resolução sobre a questão do socialismo e que, ainda que o Congresso o adotasse como tema central, não teria condições de esgotá-lo.

Assim, a DS retomou a discussão da alternativa democrática e popular, numa tentativa de aprofundar as resoluções do 5º EN. Na 2ª parte da tese, examinou a evolução do partido em seu aspecto organizativo. Embora admitisse que houve avanços410 a DS considerou que, no fundamental, permaneceram os problemas assinalados anteriormente. O PT continuava “movendo-se pelo calendário eleitoral e pela conquista de postos na institucionalidade”411.

Se essa análise era comum a maioria das Tendências à esquerda no PT - inclusive de parte da ART - o mesmo não ocorreu quanto às propostas concretas para mudar este rumo: na discussão do Fora Collor!, a DS ficou com a posição majoritária412; também não acompanhou a CS, OT, TM e outros, na discussão sobre as Tendências.

O Congresso acabou focando na discussão sobre o socialismo. Mesmo assim, a DS fez uma avaliação positiva - outro ponto divergente com as correntes à esquerda. Ao invés da socialdemocratização do PT que muitos viram, a DS concluiu que esse Congresso acentuou “a vitalidade do PT como partido classista e socialista” e foi “uma grande vitória para os socialistas”413. Os derrotados teriam sido as posições do PPB e o “esquerdismo doutrinário”414. Para a DS, a única vitória do PPB se deu em torno da discussão da ditadura do proletariado.

Na análise da DS, a evolução do quadro político visto no I Congresso punha a questão da construção do PT num novo nível. Esta visão foi posta após Congresso. Quando fez sua II Conferência, em agosto, a DS manteve as mesmas concepções sobre o seu papel e a construção do PT, aprovadas em 1988. A DS julgou mais adequado retomar este debate após o I Congresso.

Num balanço de julho de 1992, João Machado, dirigente da DS e da CEN do PT, avaliou que, com as mudanças na conjuntura pós-1989, se iniciou um novo período da construção do PT415. O que mudou no PT? Para o dirigente petista, uma 1ª mudança está no fato das discussões estratégicas, programáticas e de identidade política ganharem uma nova e mais importante dimensão. Por outro lado, os ventos do Leste tornaram obsoletas as diferenças políticas calcadas nas análises que dividam o mundo em campos opostos. Isso facilitou a unidade com parte da ART e outros setores do PT. Machado concluiu que, desde 1990, o PT entrara num período marcado pela “crise de hegemonia e disputas de rumos”416.

Para a DS, tratava-se de formar um campo político à esquerda capaz de viabilizar a superação dos impasses e contradições vividos pelo PT desde o início da década de 90. O desafio era retomar a discussão da construção do PT como partido dirigente, capaz de intervir no plano institucional e no movimento social em coerência com a estratégia democrática e popular formulada nos encontros anteriores e dentro de uma perspectiva anticapitalista e revolucionária. Retomar a estratégia democrática e popular: eis o objetivo declarado que unificaria amplos setores da esquerda petista417.

O 8º EN do PT, representou o momento privilegiado para concretizar esta perspectiva. Apesar da esquerda não conseguir formar uma chapa única, consolidou-se a nova correlação de forças que gestava-se no interior do PT, tornando real a perspectiva da squerda em hegemonizá-lo. Seu desafio era concretizar a hegemonia.

A III Conferência Nacional da DS, avaliou que o resultado desse Encontro satisfez às expectativas: recomposição da direção partidária, como expressão do sentimento de revalorização do PT. A DS julga ainda que o Encontro aclarou que as posições à esquerda eram majoritárias no PT. Por outro lado, confirmou que “o 8º EN não poderia por si só garantir a superação da

406 Isto é, na linguagem dos demais grupos trotskistas.407 Sigla de Projeto para o Brasil.408 In Augusto de Franco. “Quebra-cabeça de 3 peças”, op. cit., pp. 22. Não podemos julgar a seriedade da frase. Porém, ao colocar a construção do PT como o centro de sua atuação - como o próprio Franco admite - a disputa da direção e o objetivo de conquistá-la parece ser uma conseqüência lógica.409 O 13º Congresso da IV Internacional, expressou esta realidade. Em vários países, a exemplo do Brasil, os trotskistas do SU-QI atuavam em organizações mais amplas. O próprio Congresso funcionou muito mais como uma conferência internacional aberta, com a participação de correntes e personalidades políticas não vinculadas ao SU-QI. O PT foi representado pelo dirigente nacional José Dirceu - à época Secretário-Geral.410 Referencia a regulamentação do direito de tendência e a adoção da proporcionalidade.411 In Raul Pont. Tese ao I Congresso do PT: Um rumo revolucionário para o PT. Brasília, Câmara dos Deputados, 1991, pp. 10. (Também publicada no Jornal do Congresso do PT).412 Neste tema, a resolução aprovada por cerca de 70% dos delegados do I Congresso afirma: “Caso se caracterize jurídica e politicamente crime de responsabilidade do Pres. Collor, o PT não hesitará em recorrer ao impeachment em defesa da democracia”. O Congresso determinou a organização de “um amplo movimento de oposição, popular e institucional” contra o governo e seu projeto neoliberal e desencadear “campanhas de emergência”. “Nas ruas contra Collor”. Brasil Agora, 1ª quinzena de dezembro de 1991413 In João Machado. “As conquistas do I Congresso”. Em Tempo, dezembro de 1991, pp.03.414 Referência aos grupos, particularmente a CS, que, na análise da DS, adotou a tática de demarcar seu campo. José Corrêa. “Reafirmação do compromisso socialista”. Em Tempo, dezembro de 1991, pp. 06. 415 In João Machado. “Balanço: construindo o PT”. Em Tempo, julho de 1992, pp. 10-12. A 3ª Conferência Nacional da DS, realizada em setembro de 1993, analisando retrospectivamente essa questão afirmou: “Em 1988 considerávamos que o projeto de construção do PT como partido revolucionário era majoritário na direção”. Ver: Resoluções da 3ª Conferência Nacional, outubro de 1993, pp. 28.416 In João Machado. “Balanço: construindo o PT”. Em Tempo, julho de 1992, pp. 10-12. A 3ª Conferência Nacional da DS, realizada em setembro de 1993, analisando retrospectivamente essa questão afirmou: “Em 1988 considerávamos que o projeto de construção do PT como partido revolucionário era majoritário na direção”. Ver: Resoluções da 3ª Conferência Nacional, outubro de 1993, pp. 28.417 Em São Paulo, estes setores (DS, VS, FS, Fórum do Interior e independentes) lançaram um manifesto aos petistas com o título acima. Neste manifesto, eles conclamaram a ala esquerda da ART e o Movimento Na Luta, PT! intensificarem o diálogo no sentido da unificação. Ver: Retomar a estratégia democrática e popular: manifesto aos petistas. São Paulo, 16.04.1993 (seguem várias assinaturas).

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crise da hegemonia no partido; ele foi um momento importante que avança nesta direção, mas que exige desdobramentos”418.Para poder enfrentar a nova realidade, a DS considerou essencial que a “Opção de Esquerda” (OE) se constituísse

como núcleo dirigente, um polo que funcionasse coletivamente. Ao mesmo tempo, pretendia aprofundar o relacionamento com as demais forças petistas, de acordo com as especificidades de cada caso. Do NLPT, como parte da maioria que se formou no 8º EN, a DS esperou “maior responsabilização com as tarefas de direção partidária”. Nesse campo, a DS pretendeu estreitar relações diferenciadas com as Tendências que tem maior acordo político: como a FS419 e o MTM420, em alguns estados421.

Com a AUNL422, a DS defendeu um tratamento diferenciado: polarizar politicamente com os setores próximos ao PPB (e com este) e colaborar no processo de dirigir o partido. Por outro lado, ao se propor a construir a hegemonia da direção, a partir da “OE”, a DS tinha claro que sua relação com AUNL envolvia a disputa política. Aqui, a DS levanta um dos fatores que nos ajuda a compreender porque, no processo posterior ao 8º EN, a velha ART retomou a maioria no partido. Referimo-nos à sua importância e peso político - mantidos mesmo depois do racha.

Com efeito, a esquerda vitoriosa no 8º EN, não se impôs: nem como maioria dirigente, nem como nova hegemonia. A DS previra esta possibilidade ao afirmar que a AUNL, “por sua participação histórica na direção, por suas expressões públicas e pela experiência dos seus quadros, pode continuar, mesmo minoritária, dirigindo ao partido de fato”423.

Como as demais Tendências petistas, a DS se envolveu na campanha eleitoral de Lula. No 9º EN colaborou com o clima de unidade e considerou positivo e necessário agir desta forma. Como todos, esteve envolta nos dilemas suscitados pela campanha eleitoral. Passado as eleições, chegou a hora dos balanços. A DS também faria o seu.

Em 1º lugar, concluía que a nova direção não passara por seu grande teste: a eleição de 1994. Frustração: eis o sentimento que predomina. “A idéia mais forte, provavelmente, é que, apesar das críticas que fizemos à antiga maioria no 8º Encontro, não conseguimos promover uma mudança significativa no partido”424, avaliou.

O que aconteceu? Quais os fatores que explicam a incapacidade em consolidar a hegemonia sinalizada pelo 8º EN? Vejamos alguns elencados pela DS:

• Divisão no campo da esquerda e falta de um projeto comum de construção partidária425;• Dificuldades de relacionamento entre OE e NLPT: se havia concordância em questões políticas, o mesmo não se dava no tocante ao funcionamento da direção426;• A inclusão, na prática, de parcela da “antiga“ direção (Unidade na Luta), que assenntou a expressão pública do PT;• O não cumprimento das resoluções do 9º EN pelo próprio candidato e outros dirigentes do partido427; • Esvaziamento das instâncias partidárias formais, com o deslocamento do centro das decisões para a pessoa do Lula e dos assessores que o rodeavam”428.

A “nova direção” resultou de uma composição complexa e contraditória. A DS se rende às necessidades conjunturais: “Era necessário que fosse assim, até porque a disputa de 1994 exigia o partido o mais unificado possível”429. Porém, isto não anulou os elementos de desagregação: não evitou que a esquerda se dividisse na própria campanha 430. Enfim, como reconhece a DS, a “OE”: “foi presa tanto ou quase tanto os outros setores do partido da ilusão de que era possível, ou mais que isso, provável, uma vitória eleitoral sem polarização e mobilização popular; subestimou o adversário... e não teve a capacidade de chegar a uma avaliação coletiva do principal instrumento do adversário (o Plano Real) e das formas de enfrentá-lo”431.

Contudo, a DS não se exime dos erros. Ela admite sua participação em todas as falhas da OE e afirma que provavelmente foi a que mais se equivocou na avaliação positiva do 9º EN e ao superestimar a unidade mostrada nele. Por outro lado, considera que errou menos no tocante ao Plano Real. O maior fracasso, pelas próprias características da DS e pela ênfase que dá a esta questão, foi na construção partidária432.

A DS é hoje provavelmente a 3ª maior tendência interna do PT isoladamente considerada e surgiu principalmente através do ME no RS e em MG (Peleia e Centelha) e logo em seguida obteve a construção de um braço sindical, que hoje tem destaque principalmente no movimento dos bancários, dos trabalhadores da educação e dos metalúrgicos. Manteve sua forte tradição no ME, ocupando a Vice-Presidencia da UNE primeiramente com Milton Pantaleão (gestão 1987-88) e depois com Darlan Montenegro, posteriormente com Tiago Silva do Pará (gestão 2009-11) e agora com Clarissa da Cunha do Rio de Janeiro (2011-13). Atualmente a corrente constrói a sua intervenção no ME através do movimento denominado “Kizomba” e ocupa ainda na UNE as secretarias de Mulheres, de Meio Ambiente, de Políticas Educacionais e de Combate ao Rascismo. A DS ainda tem

418 In Resoluções da 3ª Conferência da Democracia Socialista, op. cit., pp. 17.419 Sigla de Força Socialista. In pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7a_Socialista.420 Sigla de Movimento por uma Tendência Marxista. In www.espacoacademico.com.br/089/89ozai.htm e in www.nodo50.org/tmdf.421 In Resoluções da 3ª Conferência da Democracia Socialista, op. cit., pp. 17.422 Sigla de Articulação Unidade na Luta. In pt.wikipedia.org/wiki/Articula%C3%A7%C3%A3o_-_Unidade_na_Luta e in www.construindoumnovobrasil.com.br/.423 In Resoluções da 3ª Conferência da Democracia Socialista, op. cit., pp. 17.424 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda. Em Tempo, março de 1995, pp. 22. 425 A Opção de Esquerda, como sabemos, resulta da unificação de várias correntes no próprio processo do 8º EN.426 O NLPT direcionara sua ação pelo objetivo de marcar posições.427 O exemplo citado foi a viagem de Lula, Mercadante e Marco Aurélio Garcia aos EUA, onde expressaram posições sobre a dívida externa diferente das tomadas pelo partido num “laborioso processo de acordos”428 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda. Em Tempo, março de 1995, pp. 22-25. O último fator é explicável pela “fragilidade e falta de coesão destas instâncias”, pela “inibição em enfrentar posições de um candidato que nos meses de maio e junho tinha mais de 40% das intenções de voto” e “a preocupação em evitar tensionamentos na direção da campanha”. 429 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda. Em Tempo, março de 1995, pp. 22. 430 Por exemplo na questão da escolha do vice, com NLPT favorável ao nome de Aloízio Mercadante e a maioria da OE, querendo outro nome - como Eduardo Suplicy. Este foi um dos atritos no interior do HV: muitos não gostaram da forma como Rui Falcão, expressão máxima do grupo à época, conduziu esta questão, favoravelmente a Mercadante. Rui alegou que, como presidente do partido, seguiu o que considerou melhor para este naquele momento. (Entrevista ao autor).431 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda, op. cit., pp. 25.432 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda, op. cit., pp. 25.

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forte presença no movimento feminista através principalmente da Marcha Mundial das Mulheres.Foi da DS a proposta do PT se organizar na forma de um partido de tendências, o que possibilitou à corrente interna

do PT ter liberdade para organizar suas pautas no interior do PT e ter uma estrutura organizativa própria, com seus próprios métodos de funcionamento e organização.

Programa

Seu programa como tendência se dá em torno de 3 questões centrais:

• A subordinação da luta institucional à luta de massas e a necessidade da ruptura através da Revolução Democrática e da superação do Estado capitalista com a implementação do Socialismo Democrático;• A organização do PT como partido militante,dirigente, de massas e socialista;• A constituição de um núcleo dirigente capaz de organizar a construção de um programa socialista no interior do PT, inclusive setores da corrente dirigente.

Participação no governo

Ao longo da trajetória de construção do PT a DS foi ganhando cada vez mais espaço no partido, ocupando importantes postos institucionais e aumentando a sua presença no Legislativo. Em especial pode-se citar a gestão de Raul Pont (hoje deputado estadual pelo PT-RS) como prefeito de Porto Alegre, a gestão de Ana Júlia Carepa como Gov. do Pará e as 2 gestões de Luizianne Lins na prefeitura de Fortaleza. Ocupou ainda outras prefeituras importantes em vários estados brasileiros.

No governo federal a corrente esteve à frente do Minist. do Desenvolvimento Agrário desde o início do governo Lula em 2003, apresentando como Ministros primeiramente o gaúcho Miguel Rosseto (ex-vice governador do RS), sucedido pelo também gaúcho Guilherme Cassel a agora pelo baiano Afonso Florence. No Legislativo atualmente possui alguns deputados com destaque nacional, como Pepe Vargas PT-RS, Dr. Rosinha PT-PR, Gilmar Machado PT-MG, José Praciano PT-AM, Eudes Xavier PT-CE, Claudio Puty PT-PA, Amauri Teixeira PT-BA, Min. Afonso Florence, dentre outros, bem como o Sen. Walter Pinheiro PT-BA. Também pertenceu à corrente a ex-Sen. Heloísa Helena, que se encontra atualmente no PSOL.

Na crise do PT de 2005, a DS se posicionou de maneira crítica aos acontecimentos e concorreu ao pleito interno do partido pautando suas críticas à então direção majoritária com a candidatura de Raul Pont, disputando o 2º turno com Ricardo Berzoini da então Articulação Unidade na Luta, atual CNB, tendo sido derrotado pela diferença de apenas aproximadamente 4% dos votos. No referido pleito, ficou marcada ainda a saída da tendência interna do PT APS433 para o PSOL, mesmo esta tendo assumido o compromisso com as demais tendências internas do PT de apoiar a candidatura que fosse para o 2 º turno do PED434 do PT em disputa com Ricardo Berzoini. Muitos atribuem a derrota da candidatura de Pont à decisão tomada pela APS. A DS ocupou a Secretaria-Geral do PT através de Joaquim Soriano.

Mensagem ao Partido

A DS compôs ainda, juntamente com outras correntes regionais do PT, deputados e militantes independentes do novo movimento ou campo político surgido dentro do PT, que passou a se nomear “Mensagem ao Partido”, em alusão ao 1 º documento publicado pelo grupo fundador com teor crítico à direção majoritária do PT e ao processo político que levou à crise de 2005. Participam da “Mensagem ao Partido” ainda o Gov. do RS Tarso Genro, o Min. da Justiça José Eduardo Cardozo, o Min. da Educação Fernando Haddad, dentre outros.

A “Mensagem ao Partido” disputou 2 vezes o PED com a candidatura de Cardozo, que derrotado por 2 vezes foi eleito Secretário-Geral do PT, hoje ocupado pelo Dep. Elói Pietá do PT-SP, também quadro político da “Mensagem ao Partido”.

Ligações Internacionais

A DS se alinhava com o SU-QI até meados do Governo Lula, particularmente ao agrupamento de Ernest Mandel.

Conclusão

“O 8º Encontro deu um passo à esquerda, que se mostrou muito insuficiente. É preciso completá-lo”435. A esquerda tentaria cumprir esta tarefa, no 10º EN. Mas, apesar de formar chapa unitária, chegara a este Encontro fragilizada por seus próprios erros e por deserções em seu seio. Em dezembro de 1995, a DS avaliou todo esse processo na sua Pré-Conferência e reafirmou a necessidade de disputar a hegemonia no interior do PT. Para isso, apontou as seguintes tarefas:

• Manter o PT “no campo antagônico à globalização e ao neoliberalismo e no curso deste enfrentamento desenvolver um programa alternativo global”;• Manter o PT como partido independente;• Desenvolver as potencialidades do PT visando torná-lo um “organizador de amplos setores explorados, oprimidos e excluídos”;• Construir a DS como “uma tendência socialista contemporânea”, incorporando as reflexões e debates da esquerda mundial no sentido de constituir uma “alternativa anticapitalista, socialista, feminista, democrática e ecológica” e,

433 Sigla de Ação Popular Socialista (ex-Força Socialista), que teve como candidato no processo Plínio de Arruda Sampaio.434 Sigla de Processo de Eleições Diretas.435 In Direção Nacional da Democracia Socialista. Contribuição ao balanço da Opção de Esquerda, op. cit., pp. 25.

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também, desenvolver hipóteses estratégicas para a política nacional/regional;• Constituir um campo de esquerda no interior do PT em condições de disputar a hegemonia436.

Estas tarefas continuam atuais. A DS não só reafirmou-as como se propôs a avançar em sua concretização estabelecendo metas que objetivam recolocar o PT nos trilhos do melhor da sua história.

Entrevista: Raul Pont fala sobre a história do jornal “Em Tempo”

Entre os dias 21 e 22 de janeiro, a DS realiza seu I Ativo Nacional de Comunicação. Como somos uma corrente que nascemos de um veículo de comunicação, o jornal “Em Tempo”, nada melhor do que revisar a história desse jornal no momento que a tendência se reúne para atualizar sua política de comunicação. Pensando nisso, fizemos, por email, uma entrevista com o companheiro Raul Pont (RP), onde ele conta um pouco da história desse jornal e debate a atualidade da comunicação na sociedade brasileira, após o advento dos novos meios de comunicação.

Nesta entrevista, o atual Dep. Estadual e Pres. do PT gaúcho, conta como nasceu a ideia da fundação do jornal, os atritos com a censura do regime militar e a evolução do jornal na formação de um grupo político, entre outros temas, em um importante relato histórico para a nova geração de militantes da DS.

Portal DS: Em uma época de censura (imposta ou voluntária) nos grandes veículos de comunicação do país, o papel de denúncia das atrocidades do regime militar e da divulgação de ideologias contrárias à do regime coube aos jornais alternativos. Como você vê a importância desses veículos para a esquerda brasileira naquele momento?

RP: A partir de 1968, com o AI nº 5, o regime, que já era autoritário, tornou-se mais arbitrário e ditatorial em relação à sociedade, ao Congresso, que já era uma farsa consentida, e aos meios de comunicação. A autocensura já existia pelo conluio dos meios com o regime. Com o fim das garantias individuais e do habeas corpus, a situação piorou. Jornais eram suspensos, circulavam com grandes tarjas pretas, matérias inteiras eram trocadas por receitas de bolo, etc. Sobreviviam boletins e panfletos de pequenos grupos de resistência, dos partidos clandestinos. Todos de pequena tiragem, de curto alcance e circulação dirigida.

No final de 1972, buscando romper a censura da ditadura e a cumplicidade dos grandes, surgiu o Jornal Opinião, 1º alternativo a ir para as bancas em escala nacional. Havia jornais de bairro de pequeno alcance, não clandestinos, tratando de reivindicações e de temas das comunidades que não sofriam um controle diretamente e eram permitidos por seu pequeno alcance.

O “Opinião” expressava uma parcela do MDB mais autêntica e com vínculos empresariais, como um de seus mentores, Fernando Gasparian. Contava com jornalistas combativos como Raimundo Pereira e intelectuais e professores universitários cassados como FHC e outros que atuavam no CEBRAP em São Paulo. O jornal tinha uma ligação editorial com o “Le Monde” para a cobertura internacional e estimulou a organização de grupos de apoio nos principais Estados. Espécie de sucursais para difusão, organização de apoiadores.

Ao sair da prisão, em dezembro de 1972, encontrar o “Opinião” nas bancas foi um grande alento. Enfim, algo para ler. Com toda a censura de tarjas e recortes.O Opinião tinha, também, limites editoriais por sua composição e sustentadores. Mantinha viva a luta democrática, trazia fatos extremos que, por analogia, criticavam o regime e informavam um pouco mais que os jornalões das grandes capitais. Mais tarde, surgiu o “Movimento”, com Raimundo Pereira de editor. Mais ousado, mais popular. Menos tijolos de análise e mais notícias do povo, de estudantes e alguns sindicatos se mexendo e apontando novidades.

A derrota eleitoral da Arena em 1974 foi uma virada. O voto era contra a Arena, contra o governo. Na falta de outra opção, o protesto desaguou no MDB e surgiram novas lideranças mais combativas nas Assembléias, nas Câmaras Municipais e no Congresso. As entrevistas e as opiniões de vereadores e deputados esquentavam matérias e repercutiam acontecimentos.

A linha do “Movimento” mais ousada e popular procurava apoiar-se em setores do MDB que defendiam posições democráticas e nacionalistas, buscava alargar divergências que começavam a surgir no meio militar, entre “duros” e “legalistas” e setores submissos ao Imperialismo e outros mais “nacionalistas”. O jornal expressava a visão clássica da esquerda de apoio aos “setores progressistas” da burguesia e aos “nacionalistas” das FFAA e de um discurso anti-imperialista vago e não classista.

O jornal teve um relevo e um papel notável nessa fase. Estimulou sucursais e buscava apoiadores de forma mais orgânica e popular que o “Opinião”. As sucursais não eram monolíticas e coesas em torno de um único projeto editorial e esse debate foi crescendo e revelando fissuras até que uma cisão no “Movimento” criou as condições para o eclosão do “Em Tempo”.

Portal DS: Durante os anos 70 foram fundados dezenas de jornais alternativos no país. Qual eram as principais diferenças do “Em Tempo” em relação aos outros?

RP: Como já falei, em todas as capitais e regiões do país ocorreram iniciativas locais e/ou regionais de impressos alternativos de associações de bairro ou de pequenos grupos que usavam entidades ou associações como fachada para jornais de reivindicação ou de denúncias e que, aos poucos, ganharam uma feição mais opinativa, mais política. As grandes experiências, no entanto, de caráter nacional, foram o “Opinião”, o “Movimento” e o “Em Tempo” que, deliberadamente, buscavam ser nacionais.

O “Versus” também cumpriu esse papel. Surge como um jornal de cultura e difusão da AL com literatura, música, teatro, numa visão de esquerda, crítica. Mais tarde, tornou-se num jornal mais de organização política com o controle editorial do jornal pela CS. Na 1ª fase, seu principal editor era o jornalista Marcos Faerman. O “Versus” teve também caráter nacional.

Outro grande projeto regional foi o “Coojornal”, de uma Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre que constitui-se como editora, jornal e prestação de serviços jornalísticos e de publicidade. Manteve o jornal com grande qualidade jornalística, grandes reportagens e foi uma das mais ricas experiências de imprensa alternativa. Apesar de regional era reproduzida como fonte na grande imprensa e teve repercussão nacional.

436 Essas questões foram retomadas pela 4ª Conferência Nacional da DS, realizada em março de 1997. Ver: Perspectivas da luta socialista no Brasil: Conferência da Tendência Democracia Socialista do PT debate a situação política e o futuro do partido. Em Tempo Especial, abril de 1997, pp. 19.

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O “Em Tempo” nasceu como uma cooperativa jornalística. Nasceu de uma racha de pessoas que colaboravam com o “Movimento”, mas tinham dissenções de linha editorial e do funcionamento do projeto. Apoiavam um jornal que lutasse pela democracia, mas fazendo numa ótica socialista, priorizando a cobertura das lutas sindicais, da denúncia do caráter capitalista da ditadura, da propaganda ideológica do socialismo, inclusão de temas novos e polêmicos como o feminismo, o combate ao racismo, a disputa ideológica via a cultura etc. As principais sucursais que deram origem ao “Em Tempo” foram as de MG e SP, logo reforçadas pelas sucursais do RS, RJ, BA e PE. A ideia era de uma cooperativa de jornalistas, com sócios que entravam com recursos (cotas) e aceitavam viabilizar o jornal com trabalho voluntário, militante. Havia também a categoria de sócios apoiadores, que comprava cotas, mas não tinha o mesmo direito de decisão daqueles que militavam na sustentação do projeto.

O projeto era inovador, democrático, mas tinha pouca coesão programática e muito amadorismo administrativo. Como o jornal era uma grande frente jornalística, em cada sucursal já havia grupos pré-organizados ou com pretensão de se organizar e todos tinham uma visão programática de ter no projeto um instrumento de crescimento nacional.

Como o jornal nasceu quase junto com o Movimento Pró-PT e em seu interior essa tese não era unânime, rapidamente as discórdias sobre esse tema surgiram. O debate se era oportuno ou não o Movimento Pró-PT; se o jornal não deveria manter afastado dos projetos partidários; a defesa de outros projetos na reorganização partidária que iniciava etc. Essa disputa quase inviabilizou o projeto que só sobreviveu quando unificou uma linha editorial pró-PT e com a saída de vários fundadores e o fechamento de sucursais.

Na defesa do Movimento Pró-PT, o Em Tempo reteve um cunho frentista em torno do projeto. Mas, aos poucos, a sobrevivência e a manutenção do jornal foi pesando sobre algumas sucursais com mais coesão política, com maior unidade. Daí é que nasceu o ORM-DS. Na defesa do projeto jornalístico e na união da construção partidária em torno do Movimento Pró-PT.

A identidade entre os grupos que sustentavam as sucursais do RS, MG e SP é que determinou a sobrevivência do jornal e a organização da DS, movimento que não se reconhecia como um partido mas que queria ser parte da construção de um partido classista, um Partido dos Trabalhadores. A identidade de um ME (Peleia, Centelha), a identidade do movimento sindical e a compreensão do papel de luta democrática para o socialismo foram elementos centrais da construção da DS, bem como sua visão internacionalista do combate ao capitalismo mundial.

Portal DS: Um dos fatos mais famosos da vida do jornal foi a difusão de uma lista com o nome de 233 torturadores, em 1978. Essa edição, que voltou a ter relevo recentemente, por conta da divulgação dos arquivos de Prestes, foi a de maior repercussão do jornal e atraiu a ira de grupos de direita, que inclusive atacaram às sucursais do “Em Tempo”. Como foi a decisão de difundir essa lista? A reação dos grupos de direita foi maior do que a esperada?

RP: A denúncia do sistema, das torturas, das condições em que viviam os presos políticos e como eram tratados estava na plano editorial do “Em Tempo”. Essa edição teve uma efeito enorme. As listas foram feitas por presos políticos, pela movimentação pela Anistia e por setores da Igreja que em São Paulo devotavam a levantar e organizar os dados, as informações.

No RS, conforme íamos colocando nas bancas, em breve chegava a polícia para recolher. Mudamos de tática, não deixamos nada na sucursal que foi invadida na busca dos jornais. Tornou-se num fato político com repercussão pública, na Assembleia Legislativa etc. Pedro Simon, Pres. do MDB gaúcho, foi à sucursal para prestar solidariedade, enfim, cumprimos o papel de denúncia. Foi a edição de mais tiragem e mais vendagem da história do “Em Tempo”. Como a conjuntura já era outra, apesar da truculência, da invasão nas sucursais, não houve prisões nem fechamento definitivo do jornal.

Portal DS: Durante seus principais momentos, quantos colaboradores e quantas sucursais chegou a ter o jornal?

RP: O jornal contava com uma equipe em São Paulo, responsável maior pela edição, onde a maior parte era trabalho militante, voluntário. Foi decisivo para o jornal circular a vinda dos companheiros de Minas Gerais, onde estava o grupo mais organizado e preparado para tocar o jornal. As primeiras edições estiveram sob a direção do Bernardo Kucinski. Para garantir a 1 ª fase do jornal, o papel do Flavio Andrade, do Nadai, que estavam na editora e gráfica que tirava o jornal de Pinheiros, foi decisivo.

A frente jornalística resistiu pouco tempo e se dependesse da maioria o “Em Tempo” teria fechado. Foi a resistência e recusa da minoria em manter o “Em Tempo” que garantiu sua sobrevivência. Nesse momento, a identidade entre as sucursais de MG, RS e SP foi decisiva. Mas, o jornal teve que mudar sua periodicidade, a definição pelo Movimento Pró-PT restringiu seu alcance, diminuíram as sucursais, mas, voltamos a crescer com o crescimento do Movimento Pró-PT.

Não tenho dados de cada sucursal, mas no RS tínhamos entre contribuintes e apoiadores umas 150 pessoas e trabalhando na sucursal, todos voluntários, umas 20, 25 pessoas para distribuir o jornal, vender assinaturas, discutir e elaborar matérias regionais e fazer a difusão do Projeto. No nosso caso a frente também foi ampla, mas a definição pelo projeto PT fez com que perdêssemos pessoas. Alguns foram para o projeto do PDT como a Dilma, o Araújo e outros companheiros. Outros foram para o PMDB, em menor número. Os que ficaram, ingressaram no PT e a maioria na sua corrente interna, a DS. Já vínhamos de um trabalho organizado no ME, no setor jovem e na Tendência Socialista do MDB e isso facilitou nossa coesão em torno do projeto.

Portal DS: Diferente da maioria das publicações alternativas daquela época, o “Em Tempo” continuou sua história e deu origem à DS. Como foi o processo de transição do jornal para a construção de um grupo político? Qual a importância do jornal para a construção programática do Movimento Pró-PT?

RP: Para a DS, o “Em Tempo” cumpriu o papel clássico do jornal: organizador partidário. Sua periodicidade, sua distribuição, sustentação e o debate de sua linha editorial organizaram a DS. Já tínhamos uma identidade entre o Peleia (RS) e o Centelha (MG), assim como referências históricas e programáticas das experiências da ORM-PO e o POC, assim como, fortes referências da obra do Mandel e do Trotsky.

A identificação do Editorial com o Movimento Pró-PT, fez do “Em Tempo”, assim como outros jornais de grupos

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que também assumiram o PT437, um organizador da DS como tendência interna do PT. Desde o 1º momento, sempre víamos o PT como um Partido e não como uma frente eleitoral ou frente política, algo tático para lá na frente romper ou sair maior do que havia entrado. Combatemos esta visão e sempre defendemos a construção de PT como Partido, mas com direito de tendência, com direito das correntes internas serem reconhecidas e respeitadas em seu tamanho e com proporcionalidade nas direções partidárias.

A DS, cumpriu e cumpre um papel notável na construção do PT por sua visão estratégica socialista, sua visão sobre o papel da luta democrática na construção do socialismo e na forma de erigir a democracia petista em seus estatutos e organização.

Portal DS: Com o fim da ditadura militar, começamos a perceber o aparecimento de uma espécie de “ditadura midiática”, que durante anos foi a grande responsável pela disseminação do chamado “pensamento único” na sociedade brasileira. Nos últimos anos, o aparecimento das novas tecnologias de comunicação, com destaque para os blogs e para as redes sociais, fez surgir a possibilidade de se fazer um contraponto ao poder da grande mídia. Na sua opinião, qual a importância desses veículos alternativos no contexto atual da nossa sociedade?

RP: No Brasil, a forma como foram feitas as concessões públicas de rádio e TV criou grandes monopólios familiares, que num país desta tamanho, fortificou oligarquias regionais e os interesses do grande capital. Assim, os donos da mídia tiveram durante décadas um poder superior de julgar o que publicar, tornando invisíveis e inaudíveis as opiniões divergentes, os movimentos e os partidos de esquerda. Ainda hoje muito deste poder se mantém.

O advento da Internet no início da década de 90, sua massificação na década atual, propiciou um conjunto de ferramentas que permite criar “uma outra comunicação possível”. O papel que os blogs e as redes sociais fazem hoje vai muito além de um mero espaço informativo. Têm se revelado num potente instrumento de mobilização, debate e balanço seja através de um vídeo, um artigo ou numa síntese de 140 caracteres.

Neste cenário, os movimentos sociais, os partidos de esquerda ganham capacidade de fazer o contraponto imediato à mídia tradicional, um contraponto não se limitado mais à tiragem de um boletim ou de um panfleto, mas que se expande numa verdadeira conexão global. São exemplos disso a “Primavera dos Povos Árabe” o “Movimento por Democracia Real Já”, na Espanha. Daí a valor dos investimentos que garantam a expansão da banda larga gratuita de qualidade a todas as regiões do país, com pontos de acesso público438. Iniciativas como estas, somadas a um novo marco regulatório da mídia, se traduzem na possibilidade concreta de democratização da comunicação no Brasil.

Portal DS: Na sua opinião, quais os principais desafios da DS na adaptação de sua comunicação aos novos tempos?

RP: Nossa corrente política tem o desafio de se fazer presente neste novo cotidiano digital. Isso significa usar todas as ferramentas e canais de comunicação que as redes sociais poem à nossa disposição. Temos que ter a destreza de traduzir nossa reflexão política e programática na linguagem própria destes novos meios, sem abdicar do conteúdo que sempre nos diferenciou.

Ao mesmo tempo em que entramos com força nesse ambiente virtual temos o desafio de manter uma comunicação impressa com uma periodicidade mais larga, compreendendo de que ainda há muito que fazer em termos de inclusão digital.

Entrevista - Isaac Akcelrud439

A história recente do país tem no jornalista gaúcho um ativo militante de esquerda e um lúcido analista do cenário político. Nesta entrevista, fala de seu tempo no PCB, de seus camaradas comunistas e de profissão e se diz pasmado com a nova conjuntura mundial.

Isaac Akcelrud, repórter, aprendeu o ofício servindo de escritor, ainda pequeno, para as famílias dos ferroviários em Santa Maria (RS). Militante do PCB, ligado a imprensa partidária, rompe juntamente com outros, após o Relatório Kruschev, no XX Congresso do PCUS, em 1956. A Direção do PC negava debater o significado do Relatório.

Trabalhou no Correio da Manhã, nos Diários Associados. No início dos anos 80, na Folha de S. Paulo, como correspondente para o Oriente Médio. Retornou ao Brasil em 1982, filiando-se ao PT. Colabora com o “Jornal dos Sem Terra” e com o “Em Tempo”.

Onde você nasceu?

Eu sou neto de um plantador de milho e filho de um plantador de milho e batata que deixou a terra, em Ijuí (RS), para ir para Santa Maria, onde tinha escola para o filho ser alfabetizado. Aí ele se tornou um pequeno comerciante. Esse é o velho Jacó, judeu, agricultor, poeta, meu pai, que morreu cedo de câncer. Que eu amo até hoje.

Morreu com quantos anos?

Morreu com 38 anos, menino ainda. Eu vou fazer 78 anos. Santa Maria é uma cidade estratégica com importância militar e econômica. É um centro ferroviário. Meus companheiros de brincadeiras eram filhos de ferroviários.

Como era a sua vida nesta cidade?

Eu era menino, estava na escola, e aos poucos fui me tornando um escriba daquela comunidade. Não tanto dos ferroviários, mas de suas mulheres, mães e irmãs, que recebiam cartas e não sabiam ler. Tinham que responder e não sabiam

437 Referencia ao jornal Companheiro (MEP), O Trabalho (OSI), Versus (na fase de controle da CS).438 Referencia a lan houses, telecentros e pontos de cultura.439 In Joaquim Soriano e Ricardo Azevedo. Teoria e Debate nº 18 - maio/junho/julho de 1992. Publicado em 14/04/2006.

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escrever. Nem assinavam o nome. Tive que aprender a fazer entrevista. Uma dona qualquer tinha que responder uma carta para uma prima ou cunhado. Contar as noticias da família e pedir

notícias, enfim, relatar suas coisas. Ela me contava e eu escutava, colhia as informações. Tinha que repassar aquilo e escrever de maneira clara, de forma que outra pessoa entendesse. De modo que ouvia, redigia e passava adiante. Desenvolvi uma técnica de tomar nota, registrar, de fazer perguntas para clarear certos pontos. Acabava me interessando pelos problemas e vivendo todos aqueles dramas familiares.

Como sua família via sua relação com os ferroviários?

Descendo de judeus ortodoxos, de uma família formada pelo encontro de judeus fugitivos de Pogroms da Europa Oriental, da Ucrânia. Minha infância foi povoada por histórias de Pogroms, de horrores contra os judeu. Ao mesmo tempo, na minha formação afetiva, os valores morais fundamentais, que a minha mãe me incutiu, eram feitos à base de modelos e exemplos do Judaísmo, de motivos bíblicos. Dentro de casa tinha um ambiente muito judaico, muito fechado. Uma das coisas, por exemplo, que me emocionou até às lágrimas e me encheu de indignação, foi a venda do menino José aos mercadores do Egito pelos seus próprios irmãos. Para mim, isso era Judaísmo e eu fui descobrindo depois conforme amadurecia, que isso é humanidade. Vender um irmão José, um judeuzinho, é um crime monstruoso, mas vender um irmão Antonio, um irmão Manuel é outra safadeza, também imperdoável. E tem gente que vende. Essa relação chegou a termos conflituosos também porque, para estudar - e estudar era uma lei -, precisei frequentar o ginásio dos maristas, onde tinha aula de religião, e era um bom aluno. Fiquei entre Cristianismo e Judaísmo e me rebelei contra os 2. No meio de tudo isso havia uma característica: você tinha o traço judaico, e ser judeu era um defeito. Era muito engraçado porque havia um grande nº de judeus que tinham emigrado da Europa Oriental. O apelido popular de judeu, naquela parte do RS, era russo. Isso era sinônimo de judeu. Depois da Revolução Russa se confundiu um pouco judeu com comunista, o que era um barato. Conforme amadurecia fui reivindicando o direito de ser o que era. De ser um descendente do menino José que foi vendido como escravo. E que se revelou um grande sujeito porque depois protegeu os irmãos que o tinham vendido. Com as histórias de Pogroms, ouvi histórias de resistência. Comecei a ouvir histórias de judeus socialistas, de judeus revolucionários, de judeus que se organizavam para resistir. Um dia eu vi uma coisa que me lavou a alma: uma declaração de um líder político dizendo que era uma vergonha ser antisemita. Era Lenin.

Influência da Revolução Russa?

A Revolução Russa teve um eco muito forte em todo o RS. Por ser uma zona de fronteira circulava muita literatura. Começamos a ler edições de Barcelona, “O Estado e a Revolução, A origem da família, do Estado e da propriedade privada”. Entrava muito Stalin também.

E quando acabou o ginásio?

Entre outras coisas, eu também aplicava naquela comunidade toda. Eu queria ser o médico deles. Mas a Medicina exigia que eu fosse para Porto Alegre e a família não tinha dinheiro para me sustentar. Tentaram uma matrícula numa escola de Agronomia em Viamão, mas não me aceitaram porque eu era muito tampinha; sempre fui muito pequenino; tinha idade, mas não tinha estatura. Aí apareceu uma solução na Força Pública. Eles tinham um curso para oficiais e as aulas teóricas o meu curso secundário cobria, eu não precisava freqüentar as aulas, teria tempo livre para estudar Medicina. Aí me arrumaram um pistolão e sentei praça. Quando entrei eles mudaram o regulamento, tornando-o em internato. Lá se foi a minha Medicina e eu virei milico.

Com que idade?

Eu tinha 18, 19 anos. Um dia, 2 coisas me atraíram à cidade de Porto Alegre: um recital da Berta Singerman. Tinha um amigo que ia levar uns versos meus para ela recitar. E tinha um comício da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no qual eu podia dar uma olhada. Pedi licença para ir ao recital. Cheguei lá, ele fora cancelado porque a moça estava afônica. Fui ao comício mas, ingênuo, fui fardado. E fui em cana! Minha prisão refletiu entre os jovens que estudavam para ser oficiais. Eu tinha um certo prestígio. Era escalado para falar em público em nome da tropa. De repente era preso como subversivo! Me levaram à presença do Flores da Cunha, que queria falar comigo. Ele perguntou: “Você estava numa reunião de comunistas?” Respondi que não sabia se eram comunistas, tinha ido a uma reunião da ANL. Ele disse: “Ia mandar largar você à noite naquele tempo frio”. O Flores da Cunha largava o sujeito nu no Uruguai, na fronteira, peladinho como nasceu. Então ele falou: “Não faço isso com gaúcho. Gaúcho circunciso, mas em todo caso, gaúcho”. Aí eles me levaram, o que foi uma humilhação, como menor para a minha mãe.

Você já era do PC?

Não. Eu me sentia comunista. Eu demorei a entrar no partido.

Houve influencia da Coluna Prestes?

A marcha da Coluna foi algo que marcou na minha geração. Eu queria fugir para me juntar, mas minha mãe me segurou. Fui muito influenciado por Prestes, uma figura romântica, herói popular. A marcha da Coluna foi algo realmente bonito.

E quando você entrou para o PC?

Eu já estava pagando um preço alto por ser comunista sem ser do PCB. Então resolvi entrar. Em 1936, chegando a

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Porto Alegre, entrei em contato com Beatriz Bandeira Reis e entrei para a Juventude. Pouco tempo depois aconteceu uma Reunião Ampliada de toda a Direção Regional do PCB. Havia umas 40 pessoas. Não tomaram as necessárias cautelas de segurança, a polícia chegou e prendeu todo mundo. O Partido ficou mambembe. Sobrou um ou outro. A idéia foi reorganizar um nucleozinho de Direção com quem tivesse sobrado. Eu virei Secretário Regional de Agitprop440. Eu sabia escrever. Mas não sabia o que fazer.

Você estava morando em Porto Alegre?

Eu era repórter da Folha da Tarde. O diretor do jornal era o Vianna Moog, que já era um escritor famoso.

Foi nessa época que você conheceu o camarada Tigre?

Quero lembrar do camarada Tigre. Por mais que empenhe, jamais conseguirei traduzir quem era o camarada Tigre. Nunca ninguém vai saber a verdadeira identidade jurídica, civil desse nome de guerra. desse militante do tipo de índio, que militava em Porto Alegre, no tempo que andei por lá.

O Tigre tinha por tarefa a discrição. Não só a discrição do militante clandestino que fala pouco, que não pode tomar nota, não pode deixar vestígio, não pode deixar pistas, porque não pode deixar indicação nenhuma para a polícia. É algo mais sério, porque o Tigre era o encarregado da segurança do aparelho. Falo do PCB dos tempos heróicos, que estava cortado nas suas ligações com o centro, no Brasil e com Moscou. Livre, feito como sabíamos fazer e, porisso, autêntico, revolucionário.

Um belo dia o companheiro Tigre aparece morto. Era preciso sepultá-lo, dar um atestado de óbito. Era preciso documento para identificar o Tigre. A muito custo se descobriu o buraco onde o Tigre estava enfiado: não tinha nada, não tinha vestígio de coisa nenhuma. Mal podia notar que lá tinha vivido um ser humano.

Eu queria dados sobre o Tigre, queria escrever sobre ele, guardar a memória do Tigre. Descobri o Tigre depois que morreu e agora, após ½ século, está mais vivo do que nunca, diante de mim, compreende? E afora o fato de que estou sendo forçado por vocês, que estão me embalsamando, a rememorar essas coisas, eu estou vendo o olho penetrante dele. Talvez eu seja a última lembrança do Tigre, porque dele só ficou lembrança na impressão humana que ele deixou, no vestígio humano.

Você ficou no jornal até a legalização do PCB?

Fiquei, mas quando o PCB veio para a legalidade virei profissional contra a vontade da Clara, minha mulher. Pedi demissão do jornal e comecei a passar fome em nome da revolução proletária. Fui candidato à Constituinte Estadual, mas não fui eleito. Fazia campanha para os outros. Sempre tive horror do Parlamento.

Quantos o PC elegeu para a Constituinte Estadual?

Na Constituinte Federal o PC elegeu uma bancada de 14, para a Estadual não lembro. Fundamos um jornal, o “Tribuna Gaúcha”. De vez em quando eu ia lá, cobria os debates e ficava horrorizado com a passividade dos nossos parlamentares. O deputado do PC perguntava: “Que tal achou?' Eu respondia: “O senhor perdeu uma boa oportunidade de ficar calado” - “É tão ruim assim?” “Péssimo”. Depois o deputado ia no Comitê Estadual se queixar que eu não me agia como repórter. Eu era muito indisciplinado, vivia fazendo autocrítica, até que chegou um dia que eu prometi: não faço mais autocrítica.

Você lembra em que ano veio para São Paulo?

No início da década de 50 estava em São Paulo, meio clandestino, ainda não sabia onde ficaria. Saí para a legalidade e fui para o “Hoje”. Por incrível que pareça fiz carreira no PC como jornalista. Trabalhar nos jornais revolucionários exige além de uma certa aptidão profissional, um ilimitado amor ao jornal, à causa. Porque é muito penoso. Os jornais são pobres.

Dirigi o jornal por muito tempo. Não tinha dinheiro mas o pessoal precisava comer. Conseguimos alguns feirantes simpatizantes, fizemos uma cozinha no jornal e o pessoal comia e dormia lá, era aquela zorra, algo dificil. Era muito penoso, um sacrifício muito grande. E a polícia em cima. Não tinha profissional, não tinha linotipista. Então pegávamos um garotão, mandavamos ao Sesi fazer curso de linotipo, aprender um pouco. Depois vinha treinar no jornal para ser nosso linotipista e ensinar aos outros. Assim formamos uma equipe de linotipistas profissionais que foram trabalhar na Folha, no Estadão, na Gazeta e por aí.

O jornal era diário? Qual era a tiragem?

Era diário. O PC tinha uma vigor jornalístico, tinha jornal diário no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, Salvador, e um semanário que circulava como “Voz Operária”. Tinha um jornal sindical, um feminino, um para jovens, um para camponeses. Tinha também uma revista teórica, “Problemas”, e ainda jornais profissionais, para marítimos, metalúrgicos, ferroviários.

Tinha uma imprensa forte?

Pelo menos numerosa. Não tinha jornalista não. Mas o jornal saía porque o pessoal da imprensa era dedicado e não era do “sábio” Comitê Central. O “sábio” Comitê Central era uma coisa pavorosa, todos burocratas.

Hoje era um jornal legal?

Legal. Isso é que era curioso. O PCB era ilegal, mas a sua imprensa era legal. Os jornalistas se expunham frente a

440 Sigla de Agitação e Propaganda.

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reação e a Direção ficava atrás do muro. Quando veio o negócio do XX Congresso do PCUS mandei um bilhete para a Direção dizendo que estávamos enfrentando a reação cara a cara e eles protegidos pela segurança da ilegalidade; não queríamos que aparecessem, mas que nos ouvissem. Queríamos um debate sobre os problemas abertos pelo XX Congresso, queríamos publicar o Relatório Kruschev, não bastava dizer que o Relatório era uma provocação do imperialismo, não acreditávamos nisso.

O que a Direção do PCB respondeu?

O João Amazonas disse que isso era demagogia minha. Então saiu o Relatório do XX Congresso. Esse Congresso foi um acontecimento histórico muito mais importante que a queda de Gorbachev, na minha opinião.

Mas como é que vocês souberam do Relatório Kruschev?

Saiu o Relatório no “New York Times”, depois em “O Estado de S. Paulo” e, mais tarde, no “Diário de Notícias”, no Rio de Janeiro. Sair no “New York Times” e no “Estadão” não era uma boa recomendação, eram jornais suspeitos. Procura daqui e dali,um dia, através de um material húngaro ou búlgaro, não me lembro bem, confirmamos que o material era verdadeiro. Isso foi confirmado depois pelo Osvaldo Peralva, que era o representante do Brasil no Cominform441, peixinho do Diógenes Arruda.

Se era verdade, não se podia cruzar os braços diante uma coisa dessas, porque aquela política denunciada pelo Relatório tivera efeitos terríveis, desastrosos. No Brasil, através do que chamado aqui de mandonismo. Não se argumentava mais, não se discutia mais, alguém mandava e outro obedecia e acabou. Não participei dessa 1ª resolução, mas apoiei inteiramente. Decidiu-se que era preciso debater o documento no PCB e o Comitê Central, o Secretariado, o Prestes não queriam o debate.

Essa resolução foi de quem?

Essa resolução foi dos intelectuais, sobretudo dos jornalistas, dos quais fazia parte sem fazer parte, uma status muito curioso porque era um grupo muito coeso, muito fechado: Bento Rodrigues, Osvaldo Peralva, João Batista de Lima e Silva, Vitor Marcio Cohn, que decidiu e lançou a campanha. Me chamaram depois, e entrei. Mas nem aí era do núcleo dirigente.

Fiz minha teoria. Deviamos criticar inflexivelmente, mas pela esquerda. Cria, inclusive, que a gente devia criar um outro partido, que devia criar outra Internacional. Foi aí que comecei a ficar trotskista, queria criar outro partido marxista.

Comecei a analisar. Era a 1ª vez na história do MO, desde Marx, que um documento de um Congresso do Partido Bolchevique, era publicado por um órgão central da burguesia e não por um órgão central dos trabalhadores, do PC etc. Não foi publicado pelo Pravda mas sim pelo New York Times. Me perguntei por que Kruschev o entregara aos americanos. Acho que ele entregou como defesa caso não desse certo, e não fizesse maioria, para não ser fuzilado. Para ser publicado internacionalmente, ter um volume suficiente de solidariedade, de protestos para defender sua vida. Tomou uma medida cautelosa de autodefesa preventiva. Mas achou que devia fazer, e fez dentro de seus limites, porque também era um burocrata.

Onde vocês leram o relatório?

Lemos o relatório no “Estadão”. Tem coisas de arrepiar, tem um caso no Relatório que me marca até hoje, a tortura do camarada Kedrov, ferido numa das costelas flutuantes, na Guerra Civil, e que ficou com uma fissura nessa costela, que doía. Era aí que era torturado, era aí que batiam, na sua ferida de honra, na sua ferida da Guerra Civil, quando lutou pelo poder soviético. Era a contrarrevolução que estava batendo nele. A autodefinição do Stalinismo está toda nas pancadas nas costelas flutuantes do Kedrov. Muito mais do que o martelo na cabeça de Trotsky. Era evidente que Trotsky era um perigo para eles, mas não é evidente que o Kedrov fosse um perigo para eles. É preciso ir mais fundo.

E a denúncia?

A denúncia foi feita, foi vitoriosa. Uma denúncia saída de dentro da burocracia revelava uma ruptura. Era preciso tirar tantas conclusões, discutir com o Partido. Nós lançamos a discussão.

Lançamos, quem?

Um grupo de jornalistas no Rio, através de um artigo do João Batista. Minha participação nisso me honra muito, escrevi só um artigo, mas esse artigo foi traduzido para o russo e saiu no lzvestia, porque enganou os russos. Fiz um artigo intitulado “Pela discussão contra o prato feito”. Não queríamos o prato feito, queríamos a livre debate dentro do PCB. Denunciei esse hábito. Ainda com o jargão antigo daquele tempo, porque era encharcado daquilo. Demora até se livrar do bitolamento, dos hábitos, da línguagem, porque o Stalinismo cria uma línguagem, é um negócio terrível, você não se livra assim. Levei alguns anos e não tenho certeza de ser um sujeito totalmente purgado. De vez em quando tomo um purgante. Fui declarado antipartido, proibiram que falassem comigo. Chegou um companheiro da URSS querendo falar comigo e falaram que eu era o antipartido.

Quem era o dirigente responsável?

Quem cuidava disso era o Arrudão e o Amazonas. Fiz um bilhete para o Prestes: “Camarada, você é o homem em quem todo o Partido confia, pega o touro pelo chifre, abre essa discussão, segura isso na mão, ajuda o PCB a sair dessa crise. Estamos acuados com esses problemas, ajuda a gente a pensar essas dificuldades. Vamos superar isso”. Ele não respondeu, mas deu uma entrevista dizendo que PCB não é um clube de debates. Escrevi que o PCB é um clube de debates. A obra de Lenin é toda

441 Sigla de Centro Internacional de Informação dos Partidos Comunistas.

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um debate, o Partido todo é um debate, não é esse troço de um Partido bonitinho, de um ditador de regras lá em cima e pronto.

Quer dizer que vocês publicaram nos jornais sem autorização do Comitê Central?

Sem autorização. Aí decidiram nos banir dos jornais. O Prestes, através de sua irmã Clotilde Prestes e ajudado pelo militar, não sei que patente tinha nesse tempo, Lincoln Oest, fizeram a invasão militar da “Imprensa Popular”. Um bando de vândalos armados de porretes para nos bater e tirar, na porrada, da redação e tomar conta do jornal.

Isso no Rio?

Estava no Rio, eu era o redator chefe da Imprensa Popular.

E como foi essa operação?

Subi em cima da mesa e disse “vocês estão fazendo uma coisa que a polícia não nunca fez: invadir essa redação. Vocês estão abaixo da polícia”. E isso inibiu eles. Prossegui, falando que tinham logrado provar que não eram meus camaradas. Disse que não ficaria ali 1 minuto a mais porque não ficaria num jornal em que ocorria uma vergonha daquelas. Disse que eles é que deviam ir embora, tinham que parar a agressão vergonhosa e ir embora. Íamos terminar o jornal, porque éramos, além de tudo, profissionais. Só cometemos um erro: não fazer o relato da agressão no jornal. Devíamos ter feito o relato. Eles se retiraram.

E quem foi o interventor no jornal? Quem assumiu?

Não sei quem ficou lá. Depois teve muitas negociações. Queríamos recrutar gente e falei até com o Astrogildo: “Você, que é fundador do PCB, não pode permitir essa perversão, este horror que está ocorrendo”. Ele disse: “Pode ser que tudo isso que você está dizendo seja verdade, mas o seu método não está certo. Estou aqui porque acho que você é recuperável”. Respondi: “Mas esse Partido não é recuperável, vou cair fora dessa porcaria, vamos fundar outra coisa”. Ele não peitou, e ficou.

Isaac, você saiu no momento mesmo da invasão?

A invasão marcou a ruptura. Todos os membros da redação que haviam saído queriam um outro jornal.

Jorge Amado saiu nessa época? Ele colaborava com o jornal?

O Jorge Amado nos apoiava. Era um membro ativo do PCB. Mas o Jorge tinha muitos haveres na URSS, um grande volume de direitos autorais. Essa atitude pública de Jorge Amado deixou um pouco a desejar. Mas ele estava com a dissidência.

Quem eram os dissidentes nessa época?

Nesse grupo de jornalistas que rompeu, os principais dirigentes eram o João Batista de Lima e Silva, o Osvaldo Peralva, o Newton Rodrigues.

E aí que rumo vocês tomaram?

Bem, fomos trabalhar na imprensa burguesa procurando empregos, porque todos tínhamos que ganhar a vida. Eu era casado, minha companheira resmungava contra o culto da personalidade de Stalin, que ela sempre achou um horror.

Ela era militante?

Não, ela era minha companheira e me suportava, e gostava de mim, mas também me odiava conforme meus méritos e desméritos. Morreu de câncer no ano passado. Sinto uma falta terrível dela. Nessa fase ela trabalhava e me mantinha, isso tudo é verdade. Não era militante, mas tinha prestígio no PCB junto à Direção, porque mantinha um jornalista para o PCB. Mas tinha muita gente que passava dificuldades e tínhamos uma verdadeira mística de que sair era trair. Ouvi de vários camaradas que iam ter que “trair”, mas não por eles, pelo estômago, pelo filhinho.

Onde você foi trabalhar quando saiu?

Na Gazeta de Notícias, no Rio, um jornal que dava resultados do jogo do bicho e perdi o emprego porque neguei um furo impossível num jornal desses: morreu uma bailarina de boate de subúrbio e não sabia que ela era importante para o jornal.

E depois desse, qual foi o novo emprego?

Quem me deu emprego foi o Assis Chateaubriand. Ele gostava muito de mim. Um dia me chamou e disse que eu era um bom jornalista, escrevia bem, que gostava de ler o que eu escrevia e estava espantado com uma coisa: onde é que eu estava que ele não sabia que existia? Disse que um dia contaria. Mas quase que disse a ele: “O senhor não liga o nome à pessoa”. Quando o PCB veio para a legalidade em 1945, o Chateaubriand contratou um serviço para vasculhar a vida dos dirigentes comunistas, acho que isso não foi só em Porto Alegre, isso deve ter sido nacionalmente, para descobrir podre, sujeira dos caras, para fazer

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campanha de desmoralização. E o cara encarregado de descobrir os meus podres era uma colega jornalista, Frederico Renato Malta, um era de direita, filho de um integralista. Ele escarafunchou a minha vida durante 6 ou 8 meses, não sei quanto. Passado esse tempo apresentou o relatório dele, e veio falar comigo e disse: “Eu vim te pedir desculpas porque te espionei durante tantos meses e te dar os parabéns porque não achei um fio de imoralidade, sacanagem, nada na tua vida”.

Você trabalhava para o Assis Chateaubriand?

Trabalhei com Assis Chateaubriand até ele morrer. Ele queria que eu fosse um dos diretores associados. Queria que assumisse o “Diário de Pernambuco” e eu estava sentindo que estava sendo recrutado para ser um militante da reação através dos “Diários Associados”. O Chateaubriand era um devoto dos EUA, assim como éramos devotos da URSS. O problema dele era de classe. A minha 1ª viagem ao Oriente Médio foi ele quem pagou. Ele queria uma reportagem sobre irrigação no Oriente Médio para colocar o problema da irrigação no Nordeste. Era uma concepção audaciosa, bonita, inteligente. Essa matéria me projetou muito, jornalisticamente, me deu status nos Diários Associados e fez com que os chefetes associados vissem em mim um concorrente. Mas eu não era concorrente deles.

Que função você ocupou?

Eu fui redator-chefe e depois diretor do “Jornal do Comércio”. Era um jornal decadente, que ele queria reviver. Queria obter recursos para torná-lo o “Economist” brasileiro. Aí ele teve o AVC, e isso me poupou de dizer que não tinha aptidão de fazer o Economist brasileiro. Defender a burguesia brasileira, o acordo do café e a cafeicultura brasileira não dava não.

E a política nesse período?

Quando saí do PCB, ocorreu uma porção de coisas. Fundamos “O Nacional”, que era um jornal que fazíamos para pesquisar, e formar uma posição política divergente do PCB. E a pretexto de que precisávamos conhecer o que se passava no no Brasil em 1º lugar se adotou o nome “O Nacional”. Isso revela uma certa estreiteza. Neste jornal estavam o Agildo Barata, o Peralva, o Newton Rodrigues, alguns dissidentes europeus que não podiam aparecer porque não eram brasileiros natos. Acabamos nos separando. Um belo dia, ficamos só eu e o Agildo lá. Aí era muito trabalho. Eu tirei o nº 2, não agüentei e disse: “Agildo, não dá, não posso com isso”. Acabamos com aquela fantasia.

Foi nessa época que você conheceu o Erich Sachs?

Foi ele quem me indicou para o “Jornal do Comércio”. Trabalhava como editor internacional e fui lá trabalhar como auxiliar dele e fiz carreira rápido. Um belo dia faltou Editorial. Precisavam de alguém que fizesse o Editorial em 10 minutos. Me chamaram e perguntaram o que é que faria se tivesse que fazer o Editorial do jornal. Respondi que leria o jornal do dia, veria os assuntos. Eu não começo a trabalhar sem ler o jornal do dia. Disse que escolheria uma notícia de 4 linhas, que tinha sido muito mal aproveitada. Era uma notícia sobre o famoso “hiato nocivo”, que é um período entre os 10 e os 14 anos que o menino não pode trabalhar e não tem escola: são 4 anos sem escola, perde-se mão-de-obra e o menino perde o futuro. É um desprezo pela nova geração. Aí o cara disse: “Mas que bom assunto, você quer fazer esse Editorial?” Disse que não queria, mas que ele tinha mandado fazer, e não tinha remédio. Disse que precisava de 10 minutos. Aí comecei a marcar ponto no jornal.

Como você se sentiu?

Sair do PCB para um sujeito como eu, que era comunista, criado no meio do trabalhador, militante desde a adolescência, era uma coisa traumática, uma decepção muito dolorosa, muito marcante. Passei um tempão remoendo aquilo, relendo e repensando. É como perder alguém muito querido, brigar com a mulher amada, é muito ruim. Custei muito a me refazer.

E você não se sentiu tentado a se ligar a alguma organização nesse período? A POLOP442, por exemplo?

O Erich se dispôs me ensinar alemão para eu ler “O Capital” no original. Me destinava para grandes tarefas, mas depois ficou furioso porque não admitia que tivesse uma função dirigente num jornal burguês, queria que fosse bagrinho sempre. Um dia recebi um telegrama do Chateaubriand, sem maiores explicações: “Assuma O Jornal do Comércio”. Era o jornal mais conservador da AL. Fiquei até que saiu uma greve de bancários, o jornal foi contra a greve. Ai eu saí porque nem queria saber se a greve era correta ou não. Não podia ficar contra a greve dos bancários, por sorte tinha lá um editorialista que fez o Editorial.

E você foi para onde?

Eu vim para São Paulo, onde o Edmundo Monteiro, do “O Diário de São Paulo”, queria um redator-chefe para assumir “O Diário de São Paulo”, “O Diário da Noite” e a parte do jornal da emissora. Era um empregão. Ele queria botar tudo isso em cima de mim, e eu queria só um naco disso, não queria tudo.

Isso foi antes do Golpe?

Foi um pouco antes do Golpe. Quando resolvi não ficar, o Chateaubriand, que já estava entrevado na cama, me disse: “você não quer ir para Recife assumir O Diário de Pernambuco”?. Queria derrubar o Arraes. Eu disse que era amigo do

442 Sigla de Política Operária.

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Arraes, gostava dele, eu teria dificuldades para escrever contra o Arraes. Ele disse que não sabia que os judeus eram românticos assim, quando tinha que escrever contra alguém podia ser amigo, escrevia contra e acabou. Tenebroso! Fui trabalhar numa agência de propaganda. Até ir para o Correio da Manhã trabalhar com o Peralva. Nós fizemos o jornal até o Golpe. Com o golpe de 1964 eles prenderam a dona Niomar, prenderam o Peralva, prenderam todo mundo. O cara com mais autoridade que ficou no jornal fui eu, que era o editor geral. É uma questão de honra, para um jornalista, não deixar o jornal morrer na mão dele. Eu reuni todos os chefes de seção do jornal e organizamos um comitê de autogestão. Organizamos e mantivemos o jornal. Não deixamos o Jornal do Brasil tomar os melhores repórteres do Correio da Manhã. Quando dona Niomar saiu da cadeia devolvemos o jornal inteiro. Nesse período o jornal estava com uns 15 coronéis lá dentro, fazendo a censura. Driblando os militares, fizemos miséria contra a censura lá dentro. Eles censuravam, abriam buracos de ½ página, às vezes uma página inteira, mas não admitiam que saíssem em branco. Eu fiz um troço para eles e tiveram que trocar a equipe. Fui ao arquivo da Agência Nacional e peguei discursos velhos de generais sobre democracia, discursos demagógicos, de solenidades, sobre liberdade, às vezes bobos. General fulano de tal declara... Agência Nacional divulga... Eles olhavam e deixavam passar. No dia seguinte diziam: “o senhor nos enganou”. Quando dona Niomar saiu da cadeia, a 1ª coisa que fez foi me demitir. Eu fiquei surpreso, mas cometera um erro. Tínhamos demonstrado que o Correio da Manhã podia viver sem ela.

E sua adesão ao Trotskismo?

Quero dizer que a gente não chega no Trotskismo. A gente anda aos trancos e barrancos com o Trotskismo por aí. Claro que eu era antitrotskista. Era um stalinista roxo, um membro disciplinado do Partido e achava que Trotsky tinha feito uma porção de coisas erradas. Não sabia a história da Revolução Russa, estava desinformado. O trabalho de desinformação e de mitificação da militância feito pelo Stalinismo é um dos maiores crimes já cometido sobre a consciência humana. Mas teve um momento em que todo esse sistema de mentiras explodiu, estourou. Chegou a hora de um Relatório Kruschev, em que o PCB se escondia atrás de uma negativa: não havia Relatório isso é uma provocação da CIA, é uma invenção do imperialismo estadunidense. E o Relatório Kruschev existia. E afinal de contas, apesar de estar com o espírito crítico embotado, apesar de estar embrutecido, emburrecido pelo Stalinismo - mas, a gente continua vivo, não é? - você chega a um ponto em que se vê diante do seguinte problema: como é que o socialismo produz uma ditadura individual? Pessoal? Ou não é socialismo ou a história está mal contada. Mas, assim como se mostra, não é verdade. Eu quero saber o que está havendo porque não posso ir mais nessa conversa. A minha vida está toda envolvida aí, a minha militância. Em resumidas contas a coisa era a seguinte: eu estava fazendo o combate à burocracia, pela esquerda, quer dizer, não queria abjurar a plataforma marxista. Eu queria me manter no terreno da luta de classe, do lado da classe operária. Queria me manter no campo do partido revolucionário, operário, e para fazer tudo isso tinha que ser contra Stalin, contra o PC, contra a burocracia, contra esse troço todo. A avenida que estava aberta era Trotsky. Não era a única saída. Mas é que encontrei nele um raciocínio político lúcido, claro, um estilo primoroso, um rodapé político de 1 ª grandeza. Encontrei um dirigente e descobri a Revolução de Outubro, que não conhecia, só sabia aquela baboseira da “História da Revolução Russa” escrita pelo Stalin, que não diz nada. O reencontro com a realidade de Outubro de 1917 foi um reencontro com Lenin e Trotsky. A ponto de descobrir uma coisa sensacional: para os camponeses russos Lenin e Trotsky eram uma só pessoa.

Com essa sua identidade e solidariedade com os oprimidos, você é um colaborador do” Jornal dos Sem-Terr. Como é que você encontrou o Movimento Sem-Terra (MST) do Brasil?

Primeiro, um grande fator, um fator de ambiente geral. Eu acho que no Brasil ninguém pode ser indiferente no MST. É muito difícil tratar de qualquer questão no Brasil sem desembocar na questão da terra. Muito difícil. Eu estava meio extraviado, um dia peguei um exemplar do Jornal dos Sem-Terra. Esse jornal iniciou com um boletim muito ruim, fraquinho, eu li aquele troço e me comoveu. E eu estava meio parado, decidido a entrar para a DS no PT, voltar a militar. Estava procurando um lugar para me meter. Eu tinha que me meter em algum lugar através de um jornal. Eu peguei esse exemplar do jornal com o pessoal da Folha de S. Paulo, na Pres. Vargas, no Rio de Janeiro. Peguei, li aquilo. Escrevi para eles que estava interessado em colaborar nesse jornal. Me apresentei e eles me deram essa chance. Comecei a trabalhar, a ir para o interior levando o jornal, falando com os camponeses. Descobri que não sabia escrever para camponês. Tinha um aprendizado a fazer. Aquele curso que eu fiz quando era menino, com as famílias dos ferroviários, renovei com as famílias dos camponeses. Elaborei uma teoria nova: um jornal para ser ouvido e não lido. Um jornal para ser lido, você volta, recomeça a leitura, lê de novo, guarda: mas num jornal para ser ouvido, o que passou, passou. E tem que ter letrona grande, curtinho, claro. É outro estilo.

É mais para rádio?

Mais claro que rádio.

Falando em rádio, você conheceu a “Rádio Venceremos” de El Salvador?

A Rádio Venceremos ninguém conheceu. A maior recompensa que a luta pela terra me deu foi a chance de ir a El Salvador e conhecer os companheiros da FMLN443 e conhecer as áreas libertadas. Não me lembro em que ano foi, mas era o 1º centenário do 1° de Maio. Organizou-se uma missão ecumênica de solidariedade ao povo salvadorenho e participei dessa missão. Houve até quem quisesse que eu passasse por padre. Nós fomos visitar a Cúria Metropolitana, e o arcebispo nos emprestou o carro dele para visitar o interior participamos da passeata de 1 ° de Maio. Tinha povo pra burro, tinha tanto povo que no 1° de Maio, à luz do dia, o pessoal pichou a Embaixada estadunidense. Foi uma beleza! Foi muito gostoso, muito bom. Mas nós não conseguimos derrotar os estadunidenses. A guerra civil a gente ganhou várias vezes, viu? Mas derrotar o exército estadunidense, com a guerrilhazinha centro-americana, não.

443 Sigla de Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional.

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Isaac, eu me lembro que você entrou para o PT defendendo um jornal diário.

Defendo até hoje um jornal diário para o PT. Em 1º lugar, um jornal não é um investimento industrial, comercial, econômico. Um jornal é um investimento político. Investimento político você tem que ver se está na hora, se vale a pena, se é necessário. Em política você faz aquilo que é preciso fazer. Não faz aquilo que é conveniente, que fica bonitinho. Mesmo com sacrifício, você range o dente, você morde o beiço de baixo, e vai lá. Já na campanha eleitoral, quando atingimos a marca histórica de 34 milhões de votos, a derrota não foi não ter eleito o presidente da República, foi encerrar a campanha sem um jornal na mão. Chegamos a 34 milhões de pessoas com aquele calor, aquele fervor todo, sem ter um jornal na mão. O que nós tiramos da campanha eleitoral? Uma glória. Uma memória, um troço, uma frase, uma conversa mole, nós desperdiçamos a vitória eleitoral. Se nós tivéssemos construído o jornal no curso da campanha poderíamos até ter ganhado. E tem uma coisa: rádio, televisão, tudo isso é importante. Mas nada substitui o jornal. Porque rádio e televisão são palavras que o vento leva. O que fica impresso, circula, se guarda e bota no bolso, e manda para o compadre que passa para o vizinho e vai de mão em mão dentro da fábrica é o pasquinzinho. Feio, pequenininho, mal impresso, mal escrito, não tem importância, mas é ele: reconhecido como do PT. Aceito como do PT. Ridicularizado pela Folha de S. Paulo, pelo Jornal do Brasil, pelo Globo. Ah! o jornal do PT, olha aí que coisa horrível. Mas, experimenta parar de falar nele para ver o que te acontece. Isso é que vale. Bom, isso é o jornal.

Mas, e a viabilidade de um jornal diário?

Vamos ver a sua viabilidade. Será mesmo que nós não temos condições econômico-financeiras? Eu acho que temos. A gente precisa de fontes de renda. Eu acho que um jornal do PT não pode publicar anúncio de banco. Pode publicar anúncio de bancário, mas de banco, não. Pode publicar anúncio de supermercado, mas não pode dizer que é barato. Tem que censurar o anúncio. Tem que ter regras para o anúncio, tem que ter uma porção de dificuldades. Mas tem uma coisa muito séria: os classificados. Primeiro é um anúncio pago por antecipação. Segundo, é um anúncio que não paga comissão para ninguém. É um anúncio que o anunciante vem no guichê pagar. É um anúncio que você recolhe na íntegra o preço da tabela sem trabalho. Terceiro, cada classificado significa pelo menos 2 leitores: o anunciante que vai ver se o anúncio dele saiu e o cara que vai comprar ou alugar etc. Em geral esse segundo é mais de um. Então, o classificado é um vendedor de jornal de primeira qualidade, mais do que o repórter sensacionalista.

Qual o tema que mais lhe preocupa hoje?

Estamos diante de uma nova encruzilhada da história. Acho que está havendo uma modificação qualitativa na situação internacional, de uma envergadura inusitada. Que não houve coisa igual até aqui. Eu só lamento estar sem fôlego intelectual para abarcar a situação. Marx, Lenin, Engels, Trotsky e outros, correm o risco de ser reduzidos a figuras históricas pertencentes a uma etapa pretérita porque o tempo deles está se esgotando. Nós estamos entrando em uma época que não foi prevista pelo velho Marx. Precisamos reconhecer isso. Em que o capital está assumindo a propriedade da própria vida. Esse negócio da patente da vida é de uma profundidade enorme. O capital está patenteando a vida. E nós temos que reconhecer que estamos entrando numa nova época internacional.

Causa Operária (CO)

A CO foi uma organização de política marxista brasileira de extrema-esquerda, de orientação trotskista, atuante no Brasil entre os anos 1980 e 1990, dando origem posteriormente ao Partido da Causa Operária (PCO)444.

Origem e Orientação Política (1979-1980)

A CO como uma organização de esquerda marxista, de orientação trotskista, foi fundada em 1979 surge de um núcleo de militantes que divergiu da política da OSI em relação aos sindicatos e à política de construção do partido revolucionário, que resultava em posições opostas sobre o PT. Envolvia também leituras divergentes em relação à situação argentina no âmbito da IV Internacional liderada por Pierre Lambert, em que se referenciava a OSI.

Neste mesmo ano, em junho começou a ser publicado o periódico, então mensal, “Causa Operária”, que continua ainda hoje sendo o jornal do PCO, mostrando a continuidade política entre estas organizações.

Nos dias 05-06/01/1980, em S. Paulo, foi realizado o I Congresso da nova organização que adotou o nome de “Organização Quarta Internacional” (OQI), nome escolhido para indicar a orientação internacionalista da nova organização. Este Congresso reuniu cerca de 40 militantes de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, na sua quase totalidade estudantes e operários.

A OQI criou, juntamente com o POR445 da Bolívia e o PO446 da Argentina, uma organização internacional chamada “Tendência Quarto-Internacionalista” (TQI), em 1980. Esta organização publicou 4 edições da revista “Internacionalismo”, mas se decompôs devido a deserção, nunca oficializada do POR boliviano, dirigido, naquele momento, pelo Guillermo Lora447.

CO no PT (1980-1992)

444 In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Causa_Oper%C3%A1ria e in www.pco.org.br. Ver também: Menegozzo, Carlos Henrique Metidieri. Causa Operária. In Ferreira, M. M.; Fortes, A. (Org.). Muitos Caminhos, uma estrela: memórias de militantes do PT. 1 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008.445 Sigla de Partido Obrero Revolucionário. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Obrero_Revolucionario_%28Bolivia%29 e in www.por-bolivia.org.446 Sigla de Partido Obrero. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Obrero_%28Argentina%29 e in po.org.ar.447 In pt.wikipedia.org/wiki/Guillermo_Lora.

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Diferentemente da OSI, a CO entrou desde o início no processo de formação do PT. Atuou em oposição aos grupos hegemônicos no PT, liderados pela corrente ART448, mantendo distância equivalente às correntes à esquerda. Na campanha presidencial de 1989, opôs-se à coligação com partidos considerados burgueses e à candidatura do Sen. José Paulo Bisol (PSB) à vice-presidente pela chapa petista, o que levou os diretórios do PT em que atuava449 a não se engajarem na campanha.

Com base na “Resolução sobre Tendências” aprovada no “7º Encontro Nacional do PT” (1990), a CO foi definida como organização autônoma, que descumpria os requisitos necessários para sua aceitação como tendência interna. Por essa razão, foi impedida de participar das eleições de 1990 pelo PT450 e também do I Congresso do PT em 1991.

Expulsão do PT e formação do PCO (1992 em diante)

Fundadora do PT, a CO avaliou que a Resolução sobre o Direito de Tendências aprovado no 5º EN consistia uma virada “em direção a um hipercentralismo onde não se permite se quer a expressão das idéias fora do partido”. A CO alegou que a Direção petista antes opunha categoricamente a idéia de centralizar o PT, alegando que era um partido de “massas”, “pluralista”451.

Para CO, essa mudança obedecia à necessidade que a ala majoritária em superar as contradições da sua política democratizante, sob a qual estruturou-se o partido, e aprofundar a integração ao regime burguês. Isso exigiria a unificação do PT, o que, para a CO, significa dissolução das organizações. A organização recusa este caminho e afirma que continuará combatendo por um partido operário independente “dentro e fora do PT”452.

Como vimos, a CO foi enquadrada pela Resolução do DN como uma organização que mantinha uma política autônoma em relação ao PT. De antemão, o DN decidiu não reconhecer a CO como Tendência interna do PT. O DN baseou sua decisão nas Resoluções da III Conferência da OQI, que, publicadas no jornal “Causa Operária”, afirmava: “A nossa participação nas eleições, lançando candidatura ou apoiando candidatos pelo PT não está determinada de forma alguma pelas características do programa do PT, mas pelo fato de este se constitui em um terreno... onde se possa realizar um reagrupamento revolucionário no sentido da construção de um partido revolucionário”453.

A Comissão de Tendências do PT citaria outro trecho, no qual a CO afirmava que o fundamental era ter capacidade para “concretizar uma campanha eleitoral a serviço de um agrupamento revolucionário e recrutamento massivo de novos militantes para a organização”. Relembrou ainda que nos municípios onde esta corrente se fazia presente ela recusou-se a “apoiar a Frente Brasil Popular e o companheiro Bisol (o que significou na prática, muitas vezes, não fazer nenhuma campanha)”. Diante das questões colocadas, a Comissão argumentou: “Ou seja: a Causa Operária considera que o PT já sofreu a mais completa bancarrota política, que vai a passos de gigante para a completa desmoralização diante do ativismo e das massas, e coerente com esta avaliação diz que a vanguarda revolucionária não pode ficar atrelada a um partido pequeno-burguês democratizante”454.

Na análise da Comissão de Tendências, a CO apenas aguardava o momento mais favorável para a ruptura e participava do PT para “acumular forças”. “Não procede a idéia de que o PT está excluindo a Causa Operária”. Na verdade, foi a CO que tomou a iniciativa de não mais ficar “atrelada” ao PT”455, afirma. Gushiken, na época, declarou à imprensa: “O PT é altamente flexível, mas eles ultrapassaram os limites da divergências aceitáveis”456.

Em sua defesa, a CO reclamou o fato do DN tomar uma decisão tão drástica baseado não na discussão das posições políticas e conceitos programáticos, nem sobre os temas discutidos no PT naquele momento, mas numa citação de 1 ½ ano atrás. Afirmou que, naquela época, houve uma reunião com o Secretário Geral José Dirceu, “onde aparentemente a questão havia sido superada”. Depois, esclareceu que não usava conceitos como partido tático e partido estratégico, pois desde a fundação do PT que defendeu e até exigiu que o “PT faça a revolução socialista”; que não concebe o PT como um “partido frente e de massas, que servisse de fachada para o partido de vanguarda. Tal duplicidade política, comum à diversas variantes da esquerda é totalmente estranha à nossa compreensão política”457, afirmou.

Quanto à acusação de que teria uma política específica em relação à política geral do PT, a CO se vale do Manifesto Comunista para defender-se. Após citá-lo longamente afirma: “Nunca opusemos nenhum interesse particular, nenhuma política particular aos interesses gerais do PT e do MO”. Para a CO, a questão de fundo era sua postura política contra as coligações com os partidos burgueses458.

O processo contra a CO arrastou-se durante 1990-91. Os candidatos vinculados à organização forma impedidos de concorrer pela legenda petista nas eleições de 1990; os diretórios sob seu controle sofrearam intervenção; seus militantes foram oficialmente desligados do PT; sua tese a ao I Congresso do PT não foi aceita pela organização do evento e os delegados que conseguiu eleger foram cassados. A CO ainda tentaria participar do Congresso petista: fez campanha contra a “perseguição política”, convocou um ato de solidariedade na abertura do Congresso, tentou a comprometer as demais forças da esquerda

448 Consulte também: pt.wikipedia.org/wiki/Articula%C3%A7%C3%A3o_-_Unidade_na_Luta, pt.wikipedia.org/wiki/Campo_Majorit%C3%A1rio, e; www.construindoumnovobrasil.com.br.449 Tal como em Volta Redonda e Bauru.450 A sua candidatura ao governo do Distrito Federal foi impugnada.451 Cf. Comitê Central da Organização IV Internacional Causa Operária. 1988: Por um partido operário revolucionário. São Paulo, janeiro de 1988, pp. 104. In Causa Operária - Bases programáticas, nº 01, setembro de 1988.452 Cf. Comitê Central da Organização IV Internacional Causa Operária. 1988: Por um partido operário revolucionário. São Paulo, janeiro de 1988, pp. 105. In Causa Operária - Bases programáticas, nº 01, setembro de 1988.453 In DN-PT. O PT e as organizações, op. cit. O texto no qual ao Diretório Nacional do PT se baseia foi publicado no jornal Causa Operária, nº 78, 1ª quinzena de setembro de 1988. Trata-se da Resolução Política da III Conferência da OQI.454 In Comissão de Tendências. A Causa Operária e o PT. São Paulo, 19/06/1990. In Rui Costa Pimenta e João Carlos del Mastro. Em defesa do direito de Tendência no PT. Causa Operária, setembro de 1990, pp. 35-38.455 In Comissão de Tendências. A Causa Operária e o PT. São Paulo, 19/06/1990. In Rui Costa Pimenta e João Carlos del Mastro. Em defesa do direito de Tendência no PT. Causa Operária, setembro de 1990, pp. 35-38.456 Ver: “PT cria normas para atividade das tendências”. Folha de S. Paulo, 24/05/1990.457 Ver: Causa Operária. Declaração Política: Sobre a resolução do Diretório nacional do PT. Causa Operária, 1ª quinzena de abril de 1990, pp. 06.458 A parte que a CO resgata em Marx afirma que “Os comunistas não um partido particular face aos outros partidos operários. Não têm interesses separados dos interesses de todo o proletariado. Não estabelecem princípios particulares segundos os quais pretendem moldar o MO (...)”. Ver: Causa Operária. Declaração Política: Sobre a resolução do Diretório nacional do PT. Causa Operária, 1ª quinzena de abril de 1990, pp. 06-07.

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petistas com a sua defesa etc. Coube a Carlos Bauer, do “Coletivo Luta de Classes”, defender o direito dos delegados eleitos participarem do Congresso. A maioria do plenário manteve a decisão tomada pelo DN-PT.

A CO lutou até o último instante para manter-se no PT459. Não transigiu em suas formulações e concepções políticas460. Reivindicou das demais Tendências - principalmente da CS - um compromisso claro e efetivo em defesa do direito de Tendência. Tudo em vão: a expulsão foi consumada.

De fato, esse processo não causou muito alarde nas hostes petistas. Isto explica-se pela pouca abrangência social e política da CO, por sua caracterização como uma corrente ultraesquerdista e sectária, pelos conflitos entre as organizações trotskistas - principalmente com a CS - por divergências no seio das próprias forças da esquerda petista (que terminaram por relativizar sua defesa) etc. Na verdade, muitos estavam convencidos que a CO atuava como um “partido dentro do partido” e que deveria assumir-se como tal. Afinal se o PT era o que a CO afirmava, então o partido operário independente que ela afirmava construir não poderia ser, evidentemente, o PT.

Em 1992, após sua expulsão do PT, a CO integrou-se à “Frente Revolucionária”, composta principalmente pela CS, e que resultou na fundação do PSTU. Também vetada na FR (antes da formação do PSTU) e sem chegar a um acordo com o “Alinhamento”, passou a investir na sua legalização enquanto partido. Nos anos 1990, sofreu dissidência que deu origem à LBI461.

Partido da Causa Operária (PCO)

Formado por militantes da corrente CO do PT, da qual o PCO é, na realidade, uma continuidade organizativa e programática, expulsos do PT em 1991 por discordarem das alianças daqueles partidos com políticos burgueses, tática que seria, segundo a corrente, estranha aos objetivos declarados do PT.

Em dezembro de 1995 conseguiu o registro provisório, que permitiu-lhe atuar publicamente inclusive nas eleições de 1996. Em 30/11/1997, conquistou o registro definitivo junto ao TSE. Então, estava legalizado em 10 Estados: Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Goiás, Sergipe, Rondônia, Roraima, Acre, Amapá e Distrito Federal.

Segundo seus dados, foram filiados mais de 20 mil pessoas. Porém, parte destas filiações “não significava concordância política automática, mas simplesmente uma defesa do direito democrático de organização”. A conquista do registro foi considerada uma “vitória contra a proscrição”, isto é, contra a expulsão do PT. Esta é apresentada como uma tentativa de “separar a vanguarda revolucionária das organizações operárias, ou seja, o setor consciente da maioria da classe”462.

Propaganda eleitoral do PCO

CO ficou no PT de 1980 a 1990, defendendo a construção de um partido operário, a luta por um governo operário e pelo socialismo e a independência de classe frente da burguesia, o que lhe valeu acusações de radicalismo e sectarismo dos dirigentes do PT sendo difundida pelos militantes do PT de todas as facções, tornando-se uma acusação constante contra a CO.

Os militantes de CO reorganizaram-se como partido político legal a partir de 1995 mudando seu nome para Partido da Causa Operária marcando a sequência organizativa, política e ideológica. O PCO obteve seu registro definitivo em 30/11/1997. Um dos fundadores e Presidente Nacional do PCO é o jornalista Rui Costa Pimenta, com longa atuação no ME e depois operário, e candidato à Presidência nas eleições de 2002, 2006 (na qual seu registro foi indeferido pelo TSE, causando grande clamor da agremiação) e 2010. Os fundadores do PCO eram em sua maioria militantes do MO.

O PCO define-se como trotskistas, ou seja, segundo entendem, a doutrina de Marx, Engels e Lênin tal como se desenvolve na luta contra a burocracia stalinista da URSS liderada por Leon Trótski. Seu programa parte da Teoria da Revolução Permamente e declara o objetivo da conquista do poder pela classe operária463. O PCO atua principalmente nos movimentos sociais, em particular entre a classe operária, mas também na juventude, nos trabalhadores do campo, movimentos de mulheres, negros, de cultura e outros movimentos sociais, aos quais dá prioridade.

O PCO mantém um jornal diário na internet, o “Causa Operária Online” 464 e um semanário impresso, o jornal “Causa Operária”. Além de manter outras periódicos como a revista “Textos”465 e boletins sindicais e para a juventude466. Durante os últimos anos o PCO e seus militantes contribuíram para criar organizações ligadas ao partido em alguns setores sociais, tais como a Corrente Sindical Nacional Causa Operária, que agrupa sindicatos e oposições sindicais em várias categorias, o Coletivo João Cândido467, de defesa da causa do povo negro brasileiro, Coletivo Rosa Luxemburgo468, que luta pela igualdade das mulheres e a Aliança da Juventude Revolucionária (AJR)469, que organiza a juventude universitária e secundarista ligada ao partido.

Estas correntes desenvolvem publicações próprias que são as revistas Debate Sindical, João Cândido, Mulheres, Juventude Revolucionária e o Movimento Negação da Negação, de estudantes da USP, que defendem a legalização da maconha, e em 02/11/2011, invadiram a reitoria da USP, após 3 estudantes de Geografia serem detidos pela PM-SP, por fumar maconha.

O PCO participou de todas as eleições desde 1996 com candidatos próprios, defendendo a não realização de coligações com os partidos de centro esquerda. O PCO, nunca ganhou uma eleição para prefeito, governador ou presidente.Se diz um partido operário por inscrever no seu programa que a satisfação das aspirações básicas dos explorados exige o fim do sistema capitalista e clama a inevitabilidade da abolição da propriedade privada dos meios de produção.

459 Chegou inclusive a afirmar que, embora não concordasse, acatava a resolução sobre as tendências, declarando que lutaria no interior do PT para modificá-la.460 Caracterizando o processo contra ela como “crime político”, comparável aos processos administrativos e burocráticos dos partidos stalinistas.461 Sigla de Liga Bolchevique Internacionalista. In www.lbiqi.org.462 In Anaí Caproni. “O PCO obtém o registro legal definitivo”. Causa Operária, 08/10/1997, pp. 06.463 Ver documentos programáticos oficiais do partido em: www.pco.org.br/pco.464 In www.pco.org.br/causaoperaria.465 In www.pco.org.br/publicacoes/textos/index.html.466 In www.pco.org.br/publicacoes/juventude/index.html.467 In www.pco.org.br/publicacoes/joaocandido/index.html.468 In www.pco.org.br/publicacoes/mulheres/index.html.469 In www.pco.org.br/ajr/pagina_inicial.php.

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O PCO propõe a união de todas as organizações dos oprimidos numa frente única, por um “governo das organizações dos explorados da cidade de do campo”. Declara que a luta operária é internacional. Mas não considera como operários nem a “aristocracia operária dos países imperialistas” nem a burocracia dos países autodenominados “comunistas”470.

Ressalta-se ainda a liderança de Jorge Altamira e Guillermo Lora, dirigentes que são referências internacionais para vários militantes do Trotskismo na AL. O 1º destaca-se na liderança do Partido Obrero (PO) da Argentina. No Brasil, suas posições são compartilhadas pelo PCO.

Lora é a expressão máxima do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano. Em nossos trópicos, é reverenciado pela Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (TPOR). PO e POR eram as principais seções da Tendência Quarta Internacional (TQI), formada no final dos anos 70 após a expulsão do Partido Obrero do seio da QI-CIR. A TQI, por sua vez, fragmentou-se no final dos anos 80, com a evolução das divergências entre suas principais lideranças e seções nacionais471.

A Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (TPOR)

A CO passou por um processo de fragmentação que resultou na formação de mais uma tendência que se reivindica do Trotskismo: a TPOR472. Novamente, o PT é um fator de dissensão. Para o grupo de militantes que formou o TPOR, à medida que o PT cresceu eleitoralmente, a CO foi condicionada por uma política democratizante, sucumbindo à via eleitoral. Com isto, a CO teria renunciado ao Programa Revolucionário473, substituindo-o pela estratégia centrista do Governo dos Trabalhadores, materializado no apoio a Lula. A TPOR, concluiu que a CO abandonara o conceito da Ditadura do Proletariado.

A TPOR realizou seu I Congresso em julho de 1989, em Diadema (SP). Nesta cidade, foi uma das forças políticas protagonistas da crise do PT, gerada pelo choque com a Administração petista diante da ocupação da área denominada “Buraco do Gazuza”474. Após este episódio, o vereador Manoel Boni, uma das lideranças do movimento ligado à TPOR foi expulso do PT475.

Em 1990, a TPOR tornou pública o seu rompimento com o PT e chamou o voto nulo nas eleições. Esta tática é concebida como a única forma para defender a independência política do proletariado, condição para a construção do partido revolucionário. A TPOR se recusou a submeter-se à regulamentação das Tendências pois concluiu que esta era reflexo da política de adaptação e do processo de integração ao Estado burguês. Isto, impossibilitaria a militância dos revolucionários que combatem por um programa, pela revolução proletária e por um partido leninista-trotskista476.

Nos anos seguintes a TPOR aprofundou esta linha política. Criticou obstinadamente as correntes que, ao participaram das eleições, estariam se adaptando ao frente populismo petista. Seu alvo predileto é a CO, seguida da CS (depois PSTU) e as demais Tendências trotskistas477. Todos são combatidos em nome da estratégia revolucionária, cuja expressão mais acabada seria o POR boliviano e a liderança de Guillermo Lora.

A propensão ao papel de guardiã do Marxismo-Leninismo-Trotskismo aliada à reduzida expressão social e à tática abstencionista nas eleições, contribui para o isolamento político de TPOR. A tendência não participou do esforço que resultou na formação do PSTU - aliás não foi convidada478. Participaria da FR constituída pelas forças que não seguiram o rumo da CS. Rompeu. Sempre por diferenças programáticas.

Diferenças, por exemplo, com o PLP, o qual não aceitou a caracterização que TPOR faz do Brasil como país capitalista semicolonial; ampliou o conceito de proletariado para além dos assalariados fabris; e considerou que TPOR, ao se colocar como depositária da teoria marxista-leninista-trotskista “condena-se à estreiteza dogmática”479.

A TPOR não se coloca como o partido, ma sim como um embrião do partido revolucionário. Não têm ilusões quanto à sua débil inserção nas massas e o reduzido desenvolvimento orgânico 480. Como sugere sua autoproclamação, encarna a concepção leninista de partido. A TPOR é membro do “Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional” (CERQI) 481. Sob a hegemonia do POR boliviano, este órgão objetiva se constituir no partido dirigente da revolução mundial - mas sem misturar-se com os centristas, reformistas, stalinistas e pseudo-trotskistas. Os “loristas”482 concluíram que os acontecimentos no Leste Europeu foram uma resposta “instintiva” dos trabalhadores ao processo de restauração do capitalismo em curso.470 In Partido da Causa Operária. Manifesto, Programa e Estatutos. São Paulo, Edições Causa Operária, março de 1996, pp. 11-12.471 Um painel sobre os trotskistas e suas internacionais até os anos 80 está em História das Tendências no Brasil, op. cit., pp. 204-212.472 Na verdade, a CO cindiu-se em 3 partes: a maioria e os setores minoritários que adotaram as denominações Tendência Quarta Internacionalista (TQI) e a Tendência pelo POR. A TPOR realizou seu I Congresso nos dias 01-02/06/1989, em Diadema-SP. Surgido de um minúsculo grupo de militantes, esteve próximo da dissolução em seu II Congresso (junho de 1991).473 Sintetizado pela divisa “Governo Operário e Camponês”.474 As posições em choque estão exposto nos seguintes textos: “Contra a violência, pela democracia”. (Discurso proferido pelo Pref. José Augusto e publicado pelo jornal da Prefeitura); Convergência Socialista. Manifesto: Em defesa do PT das origens. Unidade na luta! Não às expulsões!, agosto de 1989; TPOR. Em defesa do movimento popular e da militância classista. Diadema, 31/08/1989; Grupo Independente de Diadema. À Comissão de Ética, Diretório Estadual e Diretório Nacional: José Augusto: stalinista nos métodos, fascista na prática. Diadema, 16/09/1989; e, Comissão Executiva do DR PT/SP. Nota sobre Diadema. São Paulo, 13/09/1989. 475 Anos depois, Manoel Boni sairia da TPOR por divergências quanto à sua atuação política em Diadema.476 “A TPOR rompe com o PT e chama o voto nulo”. (Resoluções da Conferência Extraordinária). Massas, nº 09, junho de 1990, pp. 04-08.477 Segundo TPOR, “que impropriamente se denominam trotskistas’. “A TPOR rompe com o PT e chama o voto nulo”. (Resoluções da Conferência Extraordinária). Massas, nº 09, junho de 1990, pp. 08.478 “Uma das medidas preventivas da CS foi a de vetar a intervenção da TPOR no processo de formação da frente. Embora, não se diga, a razão fundamental está em que temos sido duros críticos da estratégia democratizante do governo dos trabalhadores e do eleitoralismo orgânico dos morenistas”, afirma. “A FUR (Frente Única Revolucionária) e a Frente Única Antiimperialista. Massas, nº 39, 2ª quinzena de setembro de 1992, pP. 07. Neste mesmo artigo, TPOR afirma que a FUR morenista é “oportunista e sectária”, porque exclui “os que defendem a via do programa marxista”.479 “O termo “marxismo-leninismo-Trotskismo” seria, no mínimo, hilariante se não fosse nefasto para a Revolução Proletária. tal tipo de “verdade” sistematizada tende a fechar-se sobre a exegese dos textos dos clássicos, tidos como infalíveis, o que sempre conduz ao dogma, ótima justificativa para o domínio burocrático”, escreve. “Nossas divergências com a TPOR”, publicado no jornal da TPOR, o que caracteriza o debate “fraternal no interior da frente”. Massas, nº 64, fevereiro de 1994, pp. 12. (A resposta de TPOR está no mesmo número e no jornal seguinte).480 Ver o balanço da sua trajetória em: “Resoluções da II Conferência”. Socialismo Científico, nº 01, março de 1996, pp. 17-18.481 Um histórico deste organismo encontra-se em: Gustavo Gamboa. “O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional. Sua história, seus objetivos, seu programa”. Socialismo Científico, nº 01, março de 1996, pp. 66-70.482 Referência a Guillermo Lora, dirigente máximo do POR (Bolívia). Os estatutos do Comitê de Enlace, aprovados na XI Conferência realizada em La Paz, em julho de 1993, definiu os critérios para a participação no seu I Congresso, que ocorreu em julho de 1994: Bolívia, 6 delegados, Brasil, 2; Argentina, 2; e, Chile, 1 delegado. In “Estatutos del Comitê de Enlace por La Reconstruccion de la Cuarta Internacional”. Revolución Proletaria, nº 01, novembro de 1993, pp. 57.

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Esta ação não desembocara na revolução política porque não havia “uma direção revolucionária marxista-leninista-trotskista”. Dessa forma, estaria reafirmada a necessidade da “revolução política” prevista por Trotsky, pois a burocracia mantinha o poder e acelerava o estabelecimento da economia de mercado. Permanecia igualmente válido a caracterização deste regimes como “Estados Operários Degenerados”, dado que, a desintegração da burocracia e o processo de restauração ainda não teria configurado a implantação do Estado burguês483.

Os membros do CERQI esbanjaram otimismo. Em 1991, já diziam que vivíamos a época da revolução socialista mundial. Sustentavam que em alguns países atrasados - como a Bolívia - a revolução proletária estava na ordem do dia. Em resumo, as condições políticas são consideradas como favoráveis para que a IV Internacional se converter num “poderoso movimento de massas”484.

Correntes internas do PT - Momento de exclusão485

Há correntes políticas que por si mesmas se revelaram corpos estranhos no interior de nossa organização: a CS, a CO e o PCBR486. Ad referendum das instâncias mais altas, a CEN deve, a meu ver, a curto prazo, tornar pública sua exclusão de nossas fileiras. Essa medida deve ser precedida, naturalmente, do diálogo fraterno e franco com seus dirigentes, dentro do mais alto respeito à sua condição de dirigentes revolucionários.

Teoria & Debate retoma, em boa hora, o debate sobre a identidade do PT, seu caráter, seus traços originais. É uma iniciativa excelente e extremamente oportuna, abrindo espaços, ao mesmo tempo, para uma nova avaliação crítica, rigorosa e construtiva de nossa trajetória recente. E chama, com urgência, a reiniciar a busca das causas e raízes das flutuações graves que, nestes últimos anos, turvam ou esmaecem as características e a imagem típica do PT. Há, na verdade, nesse sentido, um longo hiato em nossa prática militante. A partir de 1982, descasamos a tarefa primordial de preservar - e enriquecer, na prática e na elaboração diárias - a qualidade nova que o PT procura trazer ao conjunto das esquerdas, antigas e recentes.

É uma ausência tanto mais estranha quanto, já ao nascer, o PT não é um partido comum - e não surge também de uma conjuntura qualquer. Brota, ao contrário, num contexto diferente, em que se combinam elementos novos e originais: uma classe operária de composição majoritariamente jovem, concentrada em grandes e médias empresas, e armada de níveis novos e mais altos de consciência de classe e de experiência política; uma profunda crise dos modelos anteriores de “vanguarda”, no interior dos partidos e organizações de esquerda; e um vazio de opções políticas, ante os problemas e aspirações da população trabalhadora. Como tela de fundo, o novo ascenso político de massas no final dos anos 70 e a crise aguda da ditadura militar.

Expressão natural dessa nova situação histórica, o PT desfruta, desde o nascimento, de condições privilegiadas: tem audiência ampla e crescente junto às novas correntes operárias, populares e democráticas que emergem da luta contra a ditadura militar. Ao mesmo tempo, acolhe em suas fileiras faixas sensíveis das correntes políticas revolucionárias do período anterior. São componentes nitidamente diferenciados. O PT é assim: em parte, continuidade; em parte, ruptura e inovação. Esses elementos contraditórios vão, desde o início, marcar sua trajetória.

Nada mais natural, portanto, que a acolhida calorosa que encontra - algo inédito ainda na história de nossos movimentos populares -; só comparável, meio século antes, ao crescimento impetuoso da Aliança Nacional Libertadora, teste inicial da política das frentes populares em nosso país.

Essa receptividade popular explica, em 1º lugar, a ampliação quase vertiginosa de suas fileiras. Em maio de 1980, 3 meses após sua criação, o PT conta já com cerca de trinta mil filiados; em agosto de 1981, seus efetivos beiram os trezentos mil: uma torrente de adesões que o jovem partido mal tem quadros e meios para acolher e organizar.

Ela explica também, como um 2º traço de originalidade, sua larga e crescente abrangência social. O PT não se limita a suas bases operárias de partida, no ABCD paulista, na Bahia e em Minas Gerais. Em pouco tempo, desborda para as demais classes e camadas sociais exploradas e oprimidas da cidade e do campo. Em 1983, num conjunto de 23 Estados, seus filiados, distribuem-se quase harmoniosamente através do Brasil: em 10 Estados (parte do Nordeste, toda a faixa do Norte), eles se concentram, em sua enorme maioria, nas áreas rurais; em 11 outros (Sudeste, Centro-Oeste, extremo Sul), essa maioria já se situa nos centros urbanos, com absoluto predomínio das classes e camadas médias; nos 2 Estados restantes (Santa Catarina e Sergipe), os efetivos partilham-se, igualmente, entre a cidade e a área rural. O jovem PT já não é apenas um partido de âmbito nacional. Abrange, agora, faixas amplas da intelectualidade, dos estudantes, do jornalismo e das áreas de cultura, profissionais liberais, setores pequenos e médios do comércio e da produção. É assim, por sua composição, uma entidade policlassista de ampla abrangência popular. É bem o PT, em sua mais larga e autêntica acepção.

Mais ainda: por circunstâncias históricas, também no plano político, ele adquire traços originais. Acolhe e incorpora remanescentes de organizações de "vanguarda" em refluxo. Atrai para suas iniciativas faixas amplas de participantes das Comunidades Eclesiais de Base. Abre ainda sua estrutura à adesão de entidades políticas de extrema-esquerda, antigas e recentes, estruturadas e atuantes, sob diferentes modelos ideológicos e de organização. O PT não nasce, portanto, senão parcialmente, à margem da crise de vanguarda que mina, nos decênios recentes, o MO e popular. Sente, ao contrário, desde seu surgimento, os efeitos diretos de sua influência, através do isolamento político de suas correntes diversificadas, seus laços e modelos externos, suas marcas de origem e suas contradições.

Aparentemente complexo, o convívio do PT com as Correntes de esquerda vai ser, no entanto, relativamente fácil, numa conjuntura inicial em que as reivindicações sociais e econômicas dão a letra e o tom de suas propostas táticas,

483 Documento da VII Reunião do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional: Resposta ao desafio internacional. Edições Massas, 1992, pp. 05-06484 “Declaración Politica Constitutiva del Comite de Enlace por la Reconstruccion de La Cuarta Internacional”., aprovada em agosto de 1991. Revolución Proletaria, nº 01, novembro de 1993, pp. 54-56. (Editado na Bolívia). Este texto foi reproduzido também em Socialismo Científico, revista editada pela TPOR, de março de 1996, 62-65. Ao que aparece as análises de 1991, permanecem atuais.485 Apolonio de Carvalho, 78 anos, foi dirigentes do PCB e fundador do PCBR, do qual se afastou em 1979. Combateu na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa. Teve cassada a sua patente de tenente do Exército Brasileiro em 1936. Agora, após a anistia aos militares, aguarda decisão judicial para se reintegrar ao Exército como general da reserva. In Teoria e Debate nº 09 - janeiro/fevereiro/março de 1990. Publicado em 05/04/2006486 Sigla de Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Brasileiro_Revolucion%C3%A1rio.

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majoritariamente voltadas ainda para os problemas e aspirações de suas fontes sindicais recentes. As bandeiras políticas cingem-se, fundamentalmente, nesse 1º período, ao fim rápido do regime de ditadura militar - e, em linhas ainda gerais, ao retorno à prática de um regime de democracia.

Mais que isso: por si mesmo o PT procura trazer a essa coexistência interna um calor solidário, sincero e exemplar. Seu núcleo dirigente guia-se, naturalmente, por princípios de confiança mútua e critérios de ética que considera inseparáveis das relações entre entidades de esquerda. O PT é um anfitrião que sabe abrir a seus hóspedes sua casa ainda em construção, sob um halo de confiança integral. Para ele, os referenciais que contam são os combates políticos recentes contra os mesmos inimigos - e por objetivos comuns.

Pensa ter, aliás, boas razões para isso: uma imensa confiança em sua identidade original, em seu perfil novo e definido de partido político, na floração e no papel de seus núcleos de base, em sua audiência junto à população; e em sua vocação democrática e socialista, fruto de suas próprias raízes sociais; e no patrimônio de inovações e de esperanças que pensa inserir nas lutas e aspirações dos trabalhadores - e, com eles, no campo amplo da esquerda em geral. Em síntese, um potencial que não é apenas seu, mas dos trabalhadores que o criaram. E que deseja fazer crescer sob o aval das forças novas da sociedade.

Não ignora, por certo, que a convivência com as correntes de esquerda está eivada de contradições. Avalia mal, talvez, seus efeitos prováveis e sua profundidade. De qualquer forma, não aceita a mínima idéia de impasse ou de ruptura. "Não admitimos atestados de ideologia", proclama Lula, em alto e bom tom, no instante mesmo de sua criação. Seu relacionamento fixa-se numa única condição: o respeito à sua identidade própria, a seu caráter, a seus critérios de organização e funcionamento. Antes e acima de tudo, confia na superação progressiva das contradições existentes, através do confronto franco e aberto de opiniões. Sonha, inclusive, com a contribuição positiva que o debate político interno poderá trazer à correção dos vazios e indefinições que carrega consigo. Sabe que tem ainda lacunas profundas, particularmente na definição de sua tática, sua estratégia, sua visão dos caminhos e da imagem do socialismo.

Aliás, entre as fontes potenciais de seu enriquecimento, pensa poder contar com 3 componentes bem definidos. Antes de tudo, dá um lugar especial aos novos ciclos de lutas populares que se prenunciam e aos níveis altos de consciência de classe e de experiência política própria que deve trazer aos trabalhadores. Conta também com a profunda fidelidade e força de criação de suas lideranças, caldeadas nas lutas sindicais e políticas, e sobretudo com sua disponibilidade ampla à assimilação dos novos ensinamentos e experiências em curso. Enfim, pensa poder esperar das correntes políticas de esquerda a contribuição significativa de sua experiência anterior. O PT encara pois as contradições internas como fatores de avanço e enriquecimento. Conhece também a condição-chave para a conquista dos resultados: a revelação clara e o debate fraterno das divergências mais graves; a busca de suas raízes; e o encaminhamento em comum de suas soluções. Em síntese: a predisposição clara a um relacionamento fácil e leal.

É esse, aliás, o sentido da 1ª iniciativa de sua Comissão Nacional Provisória, um ano apenas após sua fundação. Ela se expressa através de uma “Resolução Política Extraordinária: O PT e Suas Relações com as Demais Correntes Políticas de Esquerda”. As iniciativas seguintes terão o mesmo sentido: em 1982, o balanço das advertências e sugestões mais recentes; em 1983, a mobilização de quadros e militantes identificados com raízes e projetos originais do PT, sob o signo da Articulação 113; em 1987, o debate sobre a "regulamentação de tendências", um dos temas centrais do V Encontro Nacional.

A acuidade do problema pode ser esboçada em poucos traços. Nas 2 primeiras instâncias, o PT guarda intacta e de corpo inteiro sua imagem de origem. Nas 2 últimas - sob a pressão da articulação crescente das correntes de esquerda e sob sua exigência de mais espaços de liberdade de ação -, ele recua de sua imagem global para a figura de uma nova corrente política interna. É um reconhecimento tácito ou um 1º gesto de recuo, ainda que parcial, à condição de uma frente política de massas. No fundo, é o recurso, talvez em condições extremas, a uma sigla auxiliar: o PT original raiz, corpo e alma de nossa organização - desfigura-se parcialmente sob a imagem de uma nova corrente política. A partir de agora, a defesa de sua identidade original e da autenticidade de seus princípios passa a ser, aos olhos das demais correntes, um privilégio concedido à nova "corrente" ART - ou uma discriminação arbitrária. Em certa medida, o anfitrião confunde-se com seus hóspedes.

O V Encontro Nacional, por sua vez, vai procurar clarificar (e corrigir) a dubiedade dessa situação. Suas inovações constituem, ao meu ver, uma espécie de faca de 2 gumes.

Alguns de seus mais ardentes propugnadores já reconheciam, previamente, que a "regulamentação" projetada avalizara a existência no PT de elementos sensíveis de uma frente política de massas. O objetivo central, entretanto, lembravam eles, era e continuaria a ser "a integração sempre mais profunda de nosso partido com suas características originais”487.

A Resolução Política Extraordinária de fevereiro de 1981 já via, na época, bem mais longe. Sem alarde, buscava as fontes potenciais de futuros atritos e contradições. Antes de tudo, mostrava que as dificuldades de relacionamento "têm como centro as condições de nascimento e construção que fazem do PT, irreversivelmente, um partido legal, ligado prioritariamente à prática de massas, e, ainda, um partido profundamente democrático - mas apoiado nos critérios de centralização necessários à garantia de uma prática política homogênea e unificada".

Daí decorrem 3 modelos deformantes de relacionamento no interior de nossa organização. O 1º é a aceitação apenas formal do PT como partido político - e a luta em seu interior para transformá-lo numa frente política de massas. O 2º é já a aceitação de sua continuidade e a de seu desenvolvimento: não à base de suas características de origem, mas através de sua transformação num "núcleo de vanguarda marxista-leninista" da classe operária. O terceiro é a prática efetiva do direito de tendência, equiparado ao direito de fração.

Essas leituras diferenciadas da imagem e do lugar do PT no conjunto da esquerda revelam, com clareza meridiana, que, em relação à abertura leal e fraterna do PT, "a recíproca não é verdadeira", na consciência e na prática concretas das demais correntes. Surpreendente e chocante, essa realidade explica-se entretanto com relativa facilidade. Na verdade, essas divergências e esses atritos, seus apêndices necessários, não nascem da noite para o dia. Nosso descaso pelo estudo das realidades que nos rodeiam está, em boa medida, na origem dessas surpresas.

Antes de tudo porque, em seus critérios de convivência interna, o PT não tem ainda o conhecimento necessário das condições históricas em que inicia sua construção e sua prática política e social. Não avalia, em conseqüência, o que foram e o que

487 In Pomar, Vladimir e José Dirceu, José. Algumas Considerações sobre as Tendências Organizadas no PT.

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são e, sobretudo, o que pensam dele e de seu destino - as pequenas correntes de esquerda que acolhe em sua estrutura e em sua prática legal. Suas análises e propostas guardam, por isso mesmo, certo cunho de unilateralidade. Procura somar as correntes de esquerda à sua perspectiva de partido político revolucionário de novo tipo - não percebe ainda, entretanto, que propõe, simplesmente, uma soma de parcelas qualitativamente desiguais.

E é compreensível que seja assim. O PT é, em suma, o "caçula" na família da esquerda.Convive com correntes que, já antes dele, possuíam sua identidade própria, sua história, sua leitura das realidades,

seus planos de desdobramento e, em parte, relações e compromissos internacionais. E guardam, hoje ainda, as concepções típicas dos modelos de "vanguardas" dos decênios recentes: o antigo modelo de partido, o apego às velhas fórmulas de análise da sociedade e do processo da revolução, os elementos-chave da tática, da estratégia, dos caminhos de conquista do poder. E sentem-se, como os PC's da velha-guarda, portadoras de verdades e soluções definitivas.

Não admira, pois, que não queiram assimilar o novo que o PT traz à esquerda, na nova situação histórica de hoje. Passam, ao contrário, a encará-lo como uma entidade secundária e subalterna - já que, efetivamente, não dispõe de uma tática e uma estratégia definidas, uma concepção estruturada de partido, uma doutrina social. Ou, então, como simples organização política de frente, colocada sob a hegemonia de posições reformistas, aprisionada nos marcos da ideologia burguesa.

Em síntese, um relacionamento aético, expresso em sua prática desrespeitosa, desleal e utilitarista, no interior de nossa organização. Não se trata apenas da degradação gratuita da imagem de nosso partido. Trata-se de sua transformação em instrumento de manobras, a curto e a médio prazos. Para algumas delas, "o PT é uma simples legenda, eventual ou de aluguel". Em essência, mera iniciativa de alcance tático. Para outras, "vale a pena investir em sua construção, esperando impor ao conjunto sua hegemonia e seu modelo de partido revolucionário". Outras, ainda, integram-se nele "para desintegrá-lo"488.

As correntes de esquerda têm organização, orientação política e disciplina próprias. Para elas, não pode haver centralismo numa organização institucionalizada e frentista - como é o PT. Tentar impô-lo seria nada mais nada menos que dar prova de anticomunismo. É álibi gratuito às infrações diretas à centralização política à prática de desrespeito aberto à disciplina e a nossos estatutos. E, assim, à prática dos fatos consumados. Em resumo, o jogo sinuoso das 2 lealdades - de conteúdo e alcance desiguais: uma, quase absoluta, em relação às suas "vanguardas" de origem; outra, reduzida e problemática, em relação ao PT.

Os anos 80 viriam mostrar uma nova fonte de divergências. Já não apenas o caráter do PT como partido político, legal e de massas, democrático e democraticamente centralizado, mas também sua tática política geral. Mais particularmente, a recusa ou as ressalvas abertas das "correntes" a seu entrosamento com as normas institucionais.

É o período de longa caravana de consultas eleitorais - 1982, 1985, 1986, 1988 e, agora, 1989 e 1990. Elas abrem espaços amplos à experiência política dos trabalhadores e à expressão autônoma da vontade popular.

A proposta do PT traz a marca definida de suas raízes no movimento social: um programa de liberdades e reformas democráticas, a criação de todo um sistema de alianças e, sob a visão da participação crescente dos trabalhadores, a conquista de um governo democrático e popular. "A democracia é um dos problemas fundamentais de nossa sociedade", proclamava, já em fevereiro de 1989, seu 1º manifesto à nação. Sob a transição conservadora e a Nova República, ela é, agora, o problema-chave primordial na vida política do país.

Aqui, a fonte de nova faixa de atritos com as correntes de esquerda. Antes de tudo, por sua dificuldade em distinguir os objetivos táticos, a curto e a médio prazos, dos objetivos estratégicos finais. Não por acaso, todos apostam, de imediato, na "desestabilização" do regime vigente. A explicação é simples: para algumas delas, “já estão dadas as condições gerais para a criação de um Brasil socialista”. Para outras, “amadurece, rapidamente, um situação revolucionária”. E a velha propensão de nossa esquerda, antiga e recente, à confusão fácil entre os desejos e as realidades.

A debilidade teórica de nossos militantes e dirigentes, o conhecimento reduzido de nossa sociedade em movimento, as de nossas visões de tática e estratégia e da sociedade socialista que propomos, deixam lugar, hoje ainda, a essas influências. Na verdade, nossas definições políticas mais recentes continuam a confundir, em maior ou menor medida, alternativa de governo e alternativa de poder; reformas democráticas e reformas socialistas; reforma e revolução. A propaganda de um "governo de trabalhadores" sugeria, ainda há pouco, por sua composição, uma quase ante-sale do socialismo. Na bandeira justa dos "Conselhos Populares" confundem-se, freqüentemente, instrumentos de participação e consulta e órgãos permanentes de poder. A dinâmica de agitação e propaganda superpõe-se, à visão clara das conjunturas e à dinâmica da prática política de massas.

Não admira, assim, que só em abril de 1984 - pela 1ª vez - o III Encontro Nacional se defina por uma "alternativa de governo". Um 1º passo de aproximação com a realidade concreta do país. Mesmo assim, seria formal e inviável, porque limitada à perspectiva isolada de apenas "um governo do PT". O "purismo ideológico" e o messianismo, herdados da esquerda tradicional, dificultam ainda o avanço para a política de frentes, inclusive no tocante às alianças fundamentais.

Não é de estranhar, assim, que, paralelamente, o princípio de liberdade de ação e a opção pelos fatos consumados gerem toda uma cadeia de agressões à identidade do PT e a suas linhas de orientação.

De início, ainda em 1983, um documento oficial da CS - ou de parte de seu organismo nacional de direção - degrada e insulta a imagem do PT e de seus dirigentes. E a defesa arrogante da tática do "entrismo". Logo depois, as vitórias pioneiras nas eleições municipais de Fortaleza e Diadema abrem espaços a práticas políticas deformadas. Pouco antes, o assalto ao banco da Bahia, em Salvador, praticado por participantes acobertados sob a filiação ao PT choca a opinião pública, turva a credibilidade do partido, engolfado, na época, em dura batalha eleitoral.

A recusa à centralização política não se detém, entretanto, nessa 1ª série de episódios. Ela terá novas expressões mais recentemente, sobretudo no curso da campanha presidencial. Bastaria lembrar a bomba que, na agência do Bradesco, em Recife, num momento de greves reivindicativas, explode nas mãos de um funcionário do Banco do Brasil, filiado ao PT. Em agosto último, organismos dirigentes da CO, em documentos oficiais, insultam o PT, sua política e sua Direção: uma atitude que, segundo a Secretaria Geral Nacional de nosso partido, “já se insere, de corpo inteiro, no quadro de um antagonismo frontal”. A mesma direção da CO recusa-se a participar da campanha eleitoral - a menos que o PT se defina sobre a tese estratégica da “ditadura do proletariado”489. Após 17/12/1989, a ala sindical da CS, em São José dos Campos, tenta convocar uma greve geral,

488 In As Organizações de Esquerda e o PT". Editorial do jornal Em Tempo, agosto de 1983.489 Jânio de Freitas, "Ameaça Eleitoral", in Folha de S. Paulo, 30 de dezembro de 1989.

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prevista para o mês de janeiro de 1990.Para parte sensível da opinião pública, nosso PT aparece, assim, como um partido bifronte, com 2 faces distintas em

que ações isoladas de certas correntes de esquerda, guiadas por sua visão de soluções radicais a curto prazo, convivem, contraditoriamente, com a imagem original e os compromissos públicos assumidos em nome do conjunto da organização.

Esta dualidade está também presente no plano interno. Não apenas no justo e necessário confronto de opiniões mas sobretudo na disputa encarniçada de nossos candidatos às funções majoritárias, na recusa à política de alianças ou no empenho de limitação drástica de seu alcance; em traços radicalizantes, na definição das funções e dos programas de governo; na subestimação da abrangência das novas responsabilidades, uma vez conquistadas certas administrações municipais.

Na campanha eleitoral recente, o PT pagaria um preço infinitamente mais alto pela prática isolada e insensata de correntes de esquerda. Os adversários encontraram, na prática agitacionista das soluções radicais a curto prazo, terreno fértil e largamente adubado para suas calúnias e chantagens. Não por acaso, metade do eleitorado nacional, abrangendo amplas faixas da população pobre e oprimida, além de setores amplos das classes e camadas médias, mostrou-se ainda acessível a um anticomunismo primário - recolhido, amoralmente, no lixo da ditadura militar e do Estado Novo.

O PT e a esquerda em seu conjunto foram o alvo direto dessa chantagem. Estão chamados, agora, não só a buscar suas raízes como também a definir os fatores que os tornaram possíveis. Alguns observadores políticos adiantam conclusões que soam como advertências: "A Lula (isto é, ao PT) cabe arrumar sua retaguarda". É a alusão "aos grupos radicais que se infiltraram no partido, desde que ele se apresentou como momentânea opção legal pelo socialismo"490. Há, ainda, "milhares de associações de pequenos e médios empresários temerosos de uma esquerdização do país". Outro analista político lembra que o novo presidente "foi eleito por minoria; 60% dos eleitores não lhe deram o voto. E, dos que deram, boa parte o fez não porque nele depositasse suas esperanças mas por temor do outro candidato". "Há, portanto, no eleitorado, um enorme potencial de oposição”491.

Não obstante, o PT sai das eleições presidenciais recentes imensamente fortalecido. Engasta-se, mais que nunca, na estima e no respeito das faixas mais esclarecidas de nosso povo. Pela alegria contagiante e abrangência cultural de sua campanha, a justeza das linhas gerais de seu programa, a postura ética de seu candidato, sua imagem e credibilidade são hoje infinitamente mais altas. Por seu acesso ao 2º turno, ganha também a condição de centro do amplo sistema de alianças que, pela 1ª vez em nossa história, se estabelece no campo da esquerda. Em síntese, um Crédito de confiança, um alto patrimônio político que é absolutamente necessário preservar e enriquecer. Não deve - e não pode - mais, em conseqüência, apresentar a imagem de uma organização dúbia, de 2 faces. Mais que nunca, é tempo de o PT retomar sua identidade original e, sem flancos abertos, assegurar uma prática política respaldada na unidade de pensamento e de ação. E de voltar a ser o PT de uma só base - a cara com que nasceu nas batalhas sindicais e políticas -, enriquecida pela experiência acumulada junto às lutas do povo, nos 10 anos recentes.

Já não cabem, pois, o conformismo e o compasso de espera com que vimos acalentando um processo de integração ainda hoje sem ritmos e sem prazos. O 1º passo está, já há tempos, no pensamento de uma boa maioria de nossos militantes. Há correntes políticas que por si mesmas se revelaram corpos estranhos no interior de nossa organização: a CS, a CO, o PCBR. Ad referendum das instâncias mais altas, a CEN deve, a meu ver, a curto prazo, tornar pública sua exclusão de nossas fileiras. Essa medida deve ser precedida, naturalmente, do diálogo fraterno e franco com seus dirigentes: dentro do mais alto respeito à sua condição de militantes revolucionários, integrados de corpo e alma com suas opções preferenciais. E dentro, ao mesmo tempo, da fidelidade de nosso PT à sua identidade e ao caráter que lhe vem de sua origem e de seu processo de formação.

Não seria tampouco um isolamento absoluto. Podemos ainda atuar juntos sob uma justa e efetiva política de frente, já agora em organizações distintas e em níveis de relacionamento obviamente iguais. No interior do PT, a consulta aos militantes seria encaminhada, depois e normalmente, pelo DN. Essas iniciativas privarão, sem dúvida, o PT de contingentes sensíveis de militantes e quadros políticos de Direção. Particularmente, em Estados e municípios onde essas correntes participam da atividade do PT desde sua criação. Aos militantes concernidos nessas faixas de nossa estrutura caberá, num debate fraterno de idéias, a definição final de suas opções.

Sem dúvida, no interior do PT, outras correntes mantêm, ainda hoje, reservas ou resistências abertas à prática da democracia centralizada. Nossos núcleos dirigentes devem estabelecer com elas um diálogo particular e permanente, corrigindo todo um longo hiato anterior. Nestes últimos 8 anos, só nos lembramos delas (e de nossas contradições) quando nos vimos diante de um fato consumado, quase sempre chocante - e, às vezes, brutal.

Ao mesmo tempo, o PT precisa iniciar, sem delongas, uma viragem efetiva na elaboração de seu perfil político e ideológico. “Cajamar” poderia bem iniciar um ciclo de estudos, seminários e debates sobre os temas que marcam nossas mais graves indefinições: uma tarefa de extrema urgência que cabe, igualmente, dentro dos limites correspondentes a cada núcleo de base e organismo de Direção. E a Fundação Wilson Pinheiro, cujo lugar - uma cadeira cativa - espera, há tempos, por ela, neste rico campo de criação.

A aproximação à realidade de nosso país; a clarificação das características originais que o PT recebe de suas origens; a definição precisa da imagem de um governo democrático e popular nosso objetivo tático de hoje; e, em particular, as resoluções entre democracia e socialismo são o desafio imediato. E nossas tarefas primordiais comuns.

Memória: Geraldo Siqueira492

Militante de esquerda desde 1967, foi líder estudantil e um dos primeiros parlamentares a aderir à proposta de formação do PT. Atualmente, trabalha no Minist. do Meio Ambiente. Nesta entrevista, Geraldo relata alguns momentos importantes da luta contra a ditadura e do processo de formação do PT, nos quais esteve presente com destacada participação

Como você iniciou sua participação na política?

490 In Jornal do Brasil, 12/12/89, "Coluna do Castelo".491 In Nota da Secretaria Geral à CEN, agosto de 1989.492 Por Ricardo de Azevedo. In Teoria e Debate nº 65 - fevereiro/março de 2006. Publicado em 22/12/2006

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Comecei a militar em 1968, no meio da agitação estudantil que havia no Brasil e em todo o mundo.

Você era secundarista?

Sim. Meu irmão, o Mário, era militante da AP e era da diretoria da UEE em 1966. Foi preso num congresso. Eu não entendia direito o que ele fazia. Independentemente dele, eu já tinha uma pequena tendência humanista, vamos dizer assim, de achar que a pobreza era um problema que tinha de ser resolvido. Lembro que apareceu um grupo de universitários no colégio Fernão Dias, onde eu estudava, para fazer entrevistas. Eles iam conversando com os estudantes e depois chamavam todos para ir até a União Brasileira dos Escritores, lá no Centro, para debater. A Marilena Chaui, que tinha vindo da França, foi falar do maio de 1968. O clima era de muita efervescência.

Um dia fomos para a USP, havia barricadas por todo lado na Cidade Universitária, pessoas com lenço na cara, andando em cima dos prédios, vi até um estudante com um fuzil. Eu me sentia muito orgulhoso passando pelas barricadas, me identificando com uma carteirinha do Fernão Dias. No Crusp havia aquela viatura policial queimada, com as rodas viradas para cima, uma espécie de monumento... Pessoas namorando, gente tocando flauta, aquilo parecia um território libertado. Então, juntando aquilo tudo, dava uma sensação que tinha chegado a hora de alguma coisa!

Dali para ter contato com as organizações políticas foi um passo. Eu ficava entre quem era da luta armada e quem não era. Da luta armada eram a Ala Vermelha, a VPR, a Dissidência do PCB, que depois virou ALN. Eu participava do Centro dos Estudantes Pinheirenses, o CEP, onde predominava a Ala Vermelha. O outro pessoal com quem eu tinha contato eram os posadistas - uma ala da IV Internacional trotskista -, que rebatiam a tese da luta armada. Participei de alguma coisa da Ala, treino de tiro em Embu-Guaçu, uma tentativa de panfletagem armada que acabou muito mal.

Era um grupo infanto-juvenil, em que o mais velho tinha 21 anos, era o comandante, e os outros tinham 17, 18 anos. E aquela confusão... Errou-se o horário de entrada na fábrica dos operários, para fazer a panfletagem. Ficamos aglomerados em 2 pontos de ônibus, um de frente ao outro. Metade armada para fazer a cobertura. Aí passou uma viatura da polícia, com cinco tipos, um cano de metralhadora para fora. Eles pararam, deram a volta, e nós saímos correndo, em pânico... A gente tinha ensaiado, cada um se posicionado para travar o tiroteio! Pois entramos todos correndo no carro, os oito. Tropeçou-se na calçada, caiu revólver... Senti que aquilo ia acabar muito mal! Lembrei da crítica do pessoal da opção não-armada: sai uma turma fazendo luta armada, mas não há nenhuma adesão. E era um pouco verdade. Como é que podia haver insurreição armada sem haver sintomas de adesão de algo mais do que universitário? Acabei indo para os posadistas.

Como você foi recrutado?

Eles me davam textos sobre a luta armada para ler e discutir, diziam que era preciso ter o povo organizado em bases sindicais, em organismos populares. Não se descartava a tal da insurreição armada, mas para um momento em que houvesse acúmulo de forças, uma organização forte, popular. Fiquei com os posadistas até sermos presos, em 1° de maio de 70.

Quando Olavo Hansen é morto?

Ele era o chefe da minha célula. Fomos para uma panfletagem no estádio Maria Zélia, no 1º de Maio. Fizemos um comício e pichação perto de Osasco e depois fomos até o estádio, que era do outro lado da cidade, na zona norte. Chegamos mais ou menos 11 horas da manhã ao estádio, por onde já tinha passado a esquerda brasileira inteira. Era uma festa de sindicatos, com bandinha, crianças, sanduíches e competições esportivas. Todo mundo panfletou.

Éramos um grupo razoavelmente grande, mais de 9. Eu estava com uma sacola de feira cheia de panfletos e o jornal da organização, o “Frente Operária”. No estádio deu para perceber que havia policiais. O Olavo passou por mim e disse: “Vamos embora”. E o grupo saiu junto. Quando estávamos andando por uma avenida, vi gente correndo de tudo quanto era lado, com revólver, gritando “mão na cabeça!”. Foram encostando todo mundo no ponto de ônibus, com as mãos na parede, e depois nos levaram para o 1º Distrito Policial. Não aconteceu muita coisa ali. Em seguida fomos para o QG da PM, onde a barra pesou. Deixaram a gente pelado no chão, com metralhadora na cabeça. E já deram porrada. O Olavo começou a entrar no pau. Aliás, eu também. O cara veio me interrogar. Eu estava com a historinha montada na cabeça: recebi o convite para uma festa de 1º de Maio na porta do cursinho Equipe e fui.

Mas o cara que fez a prisão mostrou a mesa, cheia de panfletos, perguntando: “Qual desses daí você distribuiu?” Eu disse: “Nenhum deles!” Ele retrucou: “Quer dizer que você é estudante de classe média, mora em Pinheiros, acorda às 5 da manhã num feriado prolongado, pega 3 ou 4 ônibus para ir parar no fim da Zona Norte, e tudo isso pra ver um jogo de futebol de padeiro contra torneiro mecânico? Você tá pensando que sou palhaço?” E pau! O cara já me pregou uma na cara. Mas o pau estava concentrado no Olavo, que tinha 32, 33 anos e já tinha sido preso.

Ficamos na PM até a tarde. Dali fomos para a Oban, onde estava todo o pessoal que tinha sido preso no Vale do Ribeira, da VPR, da guerrilha. Estava muito cheio. E o pau comendo... Muitos gritos. Lembro que um capitão, comentando com a equipe que estava entrando, disse: “Quem trouxe esses caras?” Um outro respondeu: “Foi o secreta da PM”. Ele retrucou: “Mas isso é hora? Nós, no meio dessa porra, e os caras trazem merda pra cá!” “Merda” éramos nós, e eu fiquei muito contente. Aí fomos para o interrogatório, meio nas coxas. O meu estava ótimo. Era um moleque, devia ser um estagiário.

Tudo ia indo muito bem, até que entrou na saleta aquele miserável Gaeta, ou dr. Mangabeira, um torturador horroroso. “Como é que está aí? O que é que foi pego com ele?”, perguntou ele. E o moleque respondeu: “Ele disse que nada”. O tal do estagiário estava apavorado, e eu pensei: “Quem tem de estar apavorado aqui sou eu, e não ele!” Aí começou o inferno.

Esse Mangabeira disse: “Nada, é?” E gritou: “Ô Monteiro!” Eu pensei que ele fosse chamar um gorila, mas entrou um preso que era um trapo humano. As roupas folgadas no corpo, bem magro. Com a mão paralisada, se arrastando, com os olhos arregalados. Ele dizia: “Monteiro, faz o menino falar que vou fazer um acordo”. Pegou uma palmatória. “Você faz o menino falar, e em troca eu te dou um tiro na cabeça hoje à noite. Você pára de sofrer. Você está morrendo um pouquinho por dia, Monteiro.

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Você não agüenta mais. Eu te torturo todo dia. Estou cansado”. E o pior é que o cara considerava, olhava, olhava... Ele empunhou a palmatória, olhou para mim, me mandou estender a mão. Eu estendi, ele olhava para mim, e não conseguia dar a porrada. Daí virou para o Mangabeira e disse: “Eu não bato em ninguém”. “Olha que bonito, Monteiro! Você não bate em ninguém?! Então bate em mim. Eu, que sou o torturador.” Abaixava a cabeça, punha a mão para trás... Para mostrar o domínio. E o cara não batia. “Vamos fazer outra coisa, Monteiro. Te dou um revólver, pega aqui, vai para a rua e nós vamos caçar você. Aí você morre como herói revolucionário.” E o cara estava em petição de miséria. E o Mangabeira me dizia: “Sabe quem é esse sujeito? Esse aqui é metido a gostoso, terrorista. É o motorista do Lamarca. Olha ele agora. Ele tem crianças, que estão passando fome. A mulher está rodando bolsinha nas esquinas, virou puta por causa desse safado”. E batia no cara! E o cara pedia água... E o Mangabeira: “Você não vai tomar água nada... Você vai para o choque agora”. Aí foi embora, e o outro se arrastando.

Você sabe quem é esse cara? O nome inteiro?

O Marcelo Paiva tem um livro em que fala do Vale do Ribeira e cita um Monteiro. Pelo que entendi, se é o mesmo, ele está vivo.

E aí o que aconteceu?

Ali estava superlotado, e de madrugada nos mandaram para o DOPS. O Olavo foi comigo no banco do lado. Quando estávamos chegando lá, ele disse: “Se prepare para o pior”. E eu respondi: “Acho que o pior já foi, a Oban”. Mas ele tinha experiência anterior no DOPS, que estava ocioso; a Oban estava pegando a VPR, só mandava os caras bem mastigados no interrogatório, jogava no DOPS como depositário. E o pessoal do DOPS era o pessoal do Esquadrão da Morte...

A turma do Fleury...

Sim. Nós éramos carne nova para eles. E aí a coisa ficou ruim. Eles pegaram o Olavo e disseram: “Esse aqui já conhece o caminho”. Já o separaram e mandaram para o pau. Ele começou a apanhar logo na entrada.

Foi a última vez que você o viu?

Não. Nós fomos para a cela de madrugada. E o Olavo no pau de novo. Quando fui solto, o Olavo, na carceragem, estava deitado em cima daqueles sacos de campanha, bastante machucado, meio sem forças. Olhei para ele, que viu que eu estava sendo solto, deu um sorrisão e ainda levantou o dedo em sinal de positivo.

E quando você soube da morte dele?

Ele morreu no 9º dia. Jogaram seu corpo num terreno baldio no Ipiranga. Tinha sido preso e encontram o corpo envenenado com produto químico. Evidente que era um assassinato.

Quando você saiu da prisão se desligou dos posadistas?

Sim, 1º porque eu já tinha algumas divergências, algumas teses posadistas eram um exagero, uma coisa nacionalista, uma esperança no Gen Albuquerque Lima e uma supervalorização do Posadas - que era o dirigente máximo mundial -, a ponto de dizerem que ele estava dominando coisas avançadas na Física. Além do que tinha uma postura muito religiosa. Acrescente-se a isso tudo o grande cagaço também, tinha acabado de sair da prisão. Resolvi dar um tempo. Aí entrei na universidade.

Você entrou em 1971?

Entrei em 1971 com algum contato, através da Ieda Areias, com a AP, que também não preconizava a luta armada, pelo menos no momento. Mas a USP estava já meio que “limpa” da liderança anterior, que foi ou para a luta armada, ou para o exílio, ou foi presa. Enfim, a impressão é que tinham levado todo mundo. Fomos nos articulando no que era possível, no conselho de centros acadêmicos, que estavam funcionando. Fazíamos denúncias de prisão, denúncias sobre o ensino pago, que o Passarinho - então Min. da Educação - queria implantar. Fizemos um plebiscito na USP. Em 1973, morreu o Alexandre Vanucchi, e nós fizemos a missa na Catedral da Sé. Juntou uns 3 mil estudantes. E foi se acumulando uma tradição de luta e de resistência às torturas, às prisões. Em 1974 montou-se o Comitê de Defesa dos Presos Políticos na USP. Havia assembléias grandes. Em 1975, com a greve da Escola de Comunicação e Artes, a USP chegou a parar inteira em solidariedade. E em outubro houve a morte do Vladimir Herzog, que resultou noutra missa ainda maior na Sé. E o ME foi crescendo muito.

Você era presidente do Centro de Geografia...

Sim, do Centro de Estudos Geográficos Capistrano de Abreu. A movimentação era muito grande e em 1976 partimos para reconstruir o DCE.

E como foi nesse período sua relação com a Ação Popular?

A relação com a AP ficou para trás, se deu em 1971- 72, com a Cida Serapião, a Stella Goldenstein, você (Ricardo de Azevedo), e o pessoal da AP foi preso no fim de 1971. Aí a orfandade foi completa. Tinha muita gente que foi ficando nas

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escolas, liderança de centro acadêmico que viu a organização com a qual mantinha contato ser desmantelada. A própria situação de repressão muito intensa na época nos obrigava, até por uma questão de sobrevivência, em todos os sentidos, inclusive emocional, a ficar muito dentro da escola. Então, o centro acadêmico caprichava para fazer apostila, para incentivar a convivência. Fazíamos festa junina com 5 mil pessoas. A liderança tinha uma ligação forte com as escolas, até afetiva. Falava-se que a USP era uma aldeia gaulesa, porque fora dela nos sentíamos isolados. Quando entrava na USP, você encontrava todos.

Em 1976 houve o salto de qualidade do ME, não é?

Em 1976 criou-se o DCE. Mas sua reorganização já estava sendo discutida em 75. A Libelu achava que tinha de fazer o DCE em 1975. Mas nós, da Refazendo, acreditávamos que cada passo tinha de ser dado com muita gente acompanhando. Entendíamos que não devíamos nos descolar muito da grande maioria dos estudantes. Então, era preciso amadurecer um pouco mais. E o pessoal da Refazendo tinha a direção de muito centro acadêmico.

Quais eram as divergências entre as 2 principais correntes do ME da USP, a Libelu, vinculada à OSI, e a Refazendo, que tinha muita gente egressa da AP.

A divergência mais clara era uma análise que eles tinham de que a ditadura era débil, não tinha apoio social e estava por um fio, que bastava a mobilização de algum segmento social para colocá-la no chão. Eles achavam que a ditadura não tinha força para reprimir o ME e que, inclusive, não precisava de uma grande quantidade de pessoas, que uma vanguarda ativa poderia fazer esse serviço. Claro que estou simplificando muito. É evidente que os discursos eram sofisticados.

Já o pessoal da Refazendo...?

A Refazendo achava que provavelmente prevaleceria a tese do Golbery, da distensão lenta, gradual e segura, que não haveria uma derrubada do regime por uma mobilização social. Mas cria que as mobilizações podiam acelerar esse processo de abertura, até porque ele era contraditório, tinha um setor do regime que queria fechar de vez. Entendíamos que o movimento tinha importância na democratização, mas precisaria estar forte e fazer alianças, porque a capacidade de repressão era grande.

Quem eram as principais lideranças da Refazendo?

Eram a Vera Paiva (Filha de Rubens Paiva e irmã de Marcelo Paiva), Marcelo Garcia e Silva (o Bundão), Carlos Eduardo Massafera (o Massa), Aloizio Mercadante, eu...

E da Libelu?

Da Libelu eram o Josimar Melo, o Júlio Turra, a Clara Ant, o Ricardo Melo, o Paulo Moreira Leite...

E como vocês recriaram o DCE?

A própria eleição do DCE virou uma manifestação, porque fizemos uma eleição que teve bom comparecimento, mas as urnas, que ficaram guardadas na Economia, foram roubadas na madrugada. Juntamos todas as chapas e resolvemos fazer uma 2ª eleição, convocando também uma mobilização para vigiar as urnas. O comparecimento aumentou. Então, em si, ela já tinha virado uma manifestação. Foi vigília a madrugada inteira, juntos, para defender as urnas.

Quem ganhou a eleição?

A Refazendo ganhou, com a Libelu em 2º. Na composição da diretoria, não definimos cargos porque achávamos que não se devia personificar o ME. Tínhamos visto em 1968, era o pessoal do Travassos, o pessoal do Zé Dirceu... Pensávamos que tinha de ter um caráter mais coletivo. Não só por ideologia, mas também para não destacar ninguém para a repressão. Então fizemos uma diretoria sem cargos. Eram nove diretores, todos da Refazendo, um colegiado.

E quando foi a 1ª manifestação de rua?

Quando termina 76, o clima era de ir para a rua. Em março de 1977 houve corte na verba federal para a educação e marcamos uma manifestação em frente à delegacia do MEC, na Avenida São João. No dia, pela manhã, a ponte da Cidade Universitária estava cercada, e o Cel Erasmo Dias dizia: “Ninguém vai fazer manifestação porque não vão chegar no Centro. Pára o trânsito, mas ninguém chega!” Fizemos então uma assembléia grande na Poli e decidimos que, se o trânsito estava parado para não chegarmos, iríamos a pé. Era um eufemismo para passeata. O pessoal da Libelu ficou puto, mas optamos por não escrever ditadura em faixa nenhuma. Não precisava botar uma palavra de ordem ofensiva, o ato em si já era suficiente. E saímos em passeata até o Largo de Pinheiros. Depois voltamos para a USP, era um belo dia de sol, e pulou todo mundo naquela fonte de água que existe na entrada.

Essa foi a 1ª fora do campus?

Foi, no dia 30 de março. Depois teve a do Viaduto do Chá, em 5 de maio. Uns militantes da CS tinham sido presos no ABC, convocamos o ato e saímos em passeata pelo Viaduto do Chá.

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Teve enfrentamento com a polícia?

Teve. Na Praça Ramos o Erasmo soltou umas bombas e gritou: “Daqui não passa!” Aí sentamos no chão, lemos o manifesto e voltamos. A gente tinha a definição de não ir para o confronto. Sempre que houvesse a tropa, bateríamos em retirada, organizadamente. Depois, entramos em contato com os estudantes do resto do país e fizemos um dia nacional de manifestação, no 19 de junho. Ficamos na Faculdade de Medicina, cercados pela tropa. O Suplicy discursou em nome dos professores, trazendo apoio. Estiveram presentes vários deputados, vereadores, entidades que chamamos para mostrar que não estávamos sós.

Em junho houve a nova eleição do DCE.

Logo após manifestação, e a Refazendo ganhou estourado, com mais votos que todas as outras chapas somadas.

Nesse ano a relação com a AP é retomada. E surge a idéia de você ser candidato a deputado. As coisas são concomitantes?

No fim de 1977. Eu estava saindo da faculdade e tinha eleição para deputado em 1978, não sei se a proposta veio da AP direto, mas sei que vieram me propor. Eu pensei: “Já que estou saindo do ME, nada melhor que uma candidatura...” Mas tinha aquela discussão: MDB? MDB é o “partido do sim”, é uma oposição consentida. “Mas podemos ter uma autonomia de campanha, porque o MDB é um aglomerado, uma frente parlamentar.” Eu pensava: “Pelo menos vou fazer agitação com a candidatura”.

Você gostou da idéia?

Mesmo achando que poderia ser algo limitado, imaginava que a campanha em si poderia ser uma grande agitação. Eu mesmo duvidava que pudesse ser eleito. Só que, quando chegou a campanha, a coisa cresceu, tinha uma demanda reprimida de participação política. Tinha esquerda participando da campanha. Além da AP, o MEP, o FOC... Enfim, tratamos a campanha como se fosse uma plataforma política, bem além de um mandato parlamentar. A tal ponto que saiu em um dos jornais de campanha, colocada pelo pessoal do MEP, a proposta de construção de um Partido dos Trabalhadores. Todos éramos a favor de construir um partido que - independentemente do nome - congregasse os movimentos populares de base.

Não era só a minha campanha, era também a do Sérgio Santos, a da Irma Passoni, do Suplicy, do João Batista Breda, do Aurélio Peres para federal, do Airton Soares, um conjunto de candidatos que expressava a necessidade de manifestação política institucional dos diversos movimentos.

Você assumiu como deputado estadual pelo MDB. Como foi o início do mandato, antes do PT?

Eu era vinculado a um movimento coletivo, o ME. No Parlamento não se tem esse contato tão orgânico com o movimento social. E, ao mesmo tempo, a vida partidária do MDB também não ensejava um grande debate entre pessoas irmanadas por um programa. Qual era o papel do Parlamento num contexto de ditadura militar? Tomamos posse junto com Figueiredo, com Maluf no governo do estado, e mandando repressão. O mandato era mais no sentido de dar cobertura ou repercussão para movimentos sociais e denunciar a repressão. Tanto que fui parar no ABC. E eram oposições sindicais que se rearticulavam, movimentos de bairro, e facilmente tudo tomava uma conotação política por falta de liberdade, falta de democracia.

Como você conheceu Lula?

A 1ª vez que o vi foi em 78. Eu era candidato e teve um comício em São Bernardo com o FHC e esses candidatos populares, e o Lula deu apoio. Acabou o comício na praça, e numa padaria o Lula ficou me provocando: “Mas você trabalha?” “Eu sou bancário.” “Bancário? Bancário é operário de camisinha...” Fez as gozações todas. Mas, pra valer, foi em 79, quando começou a grande greve. Fomos para o sindicato dispostos a participar dos piquetes de madrugada, repercutindo no Parlamento e para a imprensa. Eu era deputado, uma voz que a imprensa escutava.

Era só você que fazia isso?

Não só, mas eu fazia mais que todos. Para mim, aquele era o papel. Tinha mais gente, Almir Pazzianotto, Flávio Bierrenbach, Fernando Moraes, Marco Aurélio Ribeiro, a Irma, Sérgio dos Santos, o Breda, o Suplicy...

Como foi o episódio da prisão do Lula?

Aí já era 1980, na 2ª grande greve. A maior. Estávamos esperando a intervenção no sindicato, era iminente. O DOPS tinha chamado para depor várias lideranças de São Bernardo. Eu e o Luiz Eduardo Greenhalgh fomos acompanhar o depoimento do Djalma Bom, do Expedito Soares e de outros. No meio do depoimento deles, um repórter nos contou que já estava assinada a intervenção no sindicato. Aí o Luiz Eduardo disse: “Esse pessoal tem de sumir daqui rápido, antes que eles resolvam prendê-los”. Encostávamos em cada um que terminava de depor: “Some daqui, porque assinaram a intervenção”. Depois que o último foi embora, descemos e, enquanto estávamos conversando na frente do DOPS, veio um investigador e disse: “O dr. Tuma quer falar com vocês”. Ele nos levou pela entrada lateral até um local debaixo de uma escada, onde se guardavam vassouras e um monte de jornais velhos, e fechou a porta. Logo entrou o Romeu Tuma, fechou a porta e disse: “Houve uma reunião da comunidade de segurança, e ficou decidida a prisão do Lula. Eu sou contra, acho contraproducente, ele vai sair da prisão como herói, mas fui voto

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vencido. Como vocês são amigos dele, avisem”. Ficou decidido que eu passaria a morar na casa do Lula, porque era parlamentar, e o frei Betto também, porque era da Igreja. A Igreja e o Parlamento dentro da casa, para dar cobertura. E lá ficamos, jogando baralho, esperando a polícia. Demorou sei lá quantos dias. Já estávamos achando que era blefe quando, numa manhã, eles apareceram. Uns caras com metralhadora, nervosos também, com medo que a massa visse. Lula era uma liderança poderosíssima. Ele tomou café e depois o levaram. Eu já tinha armado um esquema com a Beatriz Tibiriçá, minha assessora, para avisar todo mundo. E a coisa foi se espalhando. Eu sei que, antes de Lula chegar ao DOPS, já estava dando no rádio. Corri para a Assembléia para denunciar na tribuna.

E como surgiu para você a idéia do PT?

O PT era essa idéia que a gente acalentava desde a campanha, um partido mais definido, que tivesse essa composição vinda de movimentos sociais, sindical, popular, estudantil, de base da Igreja. Ou da esquerda organizada, que queria um partido com uma plataforma mais definida. Claro que no meio disso um quer mais de um jeito que de outro. Há diferenças, sutilezas. É partido ou é frente?

Lembro do Mário Covas com o FHC falando comigo, na Assembléia. Eles eram contra porque diziam que a gente tinha de manter uma frente democrática que se expressava no MDB, e criar um partido era rachar, sendo que a democracia não estava consolidada. O FHC dizia mais: que os partidos não eram importantes, que no mundo moderno os partidos perdiam importância diante de várias articulações da sociedade. A mim não convencia, eu via na tal da frente democrática, por exemplo, gente que se bandeava pro Maluf. A bancada do MDB era ⅔ da Assembléia, e a gente freqüentemente perdia votação, com compras de votos, fisiologismo. Você ouvia os rumores de que fulano conseguiu um empréstimo no Banespa com juros de 1% ao ano; outro ganhou um apartamento. E, quando eles vinham falar da frente democrática, eu dizia: “Essa frente está sem compromissos, frouxa. Pegando qualquer tipo de gente. Desprezando o movimento popular”.

Vocês formaram um grupo na bancada?

Formamos um grupo mais à esquerda, desde o início. Aliás, o patrono do grupo era o FHC. Mas aquilo não funcionava direito, não conseguia definir o que fazer porque tinha uma crise de identidade permanente. Ele se reunia, discutia algumas coisas, mas não conseguia tirar uma linha de ação.

Você estava simultaneamente discutindo o novo partido no MDB, na AP e com o Lula?

É. Havia aquela indefinição dentro da AP, eu tinha a posição de formar o PT, mas não queria fazer isso sem que a base de apoio eleitoral, que tinha sido muito da AP, do MEP, fosse consultada. Discutia-se muito, e não se definia, porque rachava. E a protelação da decisão acabava sendo uma definição do não PT. O Arnaldo Jardim, a Ieda Areias eram a favor de ficar no MDB, um monte de gente. Eu tinha um pouco de dúvida, não quanto à necessidade de fazer o partido, mas se aquela proposta iria adiante, porque realmente havia muita sectarização.

E como foi que você decidiu?

Um dia, na Assembléia, o Vicente Alessi, do Jornal da República, me disse: “O Airton Soares entrou no PT. E você?” Eu dei uma declaração ensaboada. Ele cobrou: “Geraldinho, você está parecendo esses caras aí. Está parecendo o Nabi Abi Chedidd”. Para mim, foi a gota d’água. Decidido eu já estava, faltava declarar. Eu fui o 1º, mas o Suplicy dizia que estava considerando. A Irma, quando soube que eu tinha entrado, foi discutir com a base dela. Não lembro em que ordem. Foram 6.

Vamos falar do episódio da Freguesia do Ó?

Foi no dia 21/06/1980. O Maluf estava fazendo o governo itinerante, em que recebia a turminha dele. Conforme ele ia nos bairros para fazer a audiência, os movimentos se organizavam para apresentar reivindicação. E a PM reprimia. Foi assim no Butantã e na Zona Leste. Depois ele ia despachar na Freguesia do Ó. O Sérgio Santos, deputado que era da Freguesia, me procurou e disse: “Vamos lá!” Ele negociou com a PM, o DOPS, que não ia ter repressão. A manifestação ia ficar a distância, levar uma pequena comissão com uma lista de reivindicações. No dia, veio um comandante da PM, se apresentou ao Sérgio e afirmou, numa demonstração de que não haveria repressão, que eles iriam retirar todo o contingente da PM. Eu devia ter desconfiado! A manifestação estava cheia de paramilitares infiltrados, que começaram a nos agredir. Todos à paisana.

A manifestação se reorganizou e saiu em direção ao prédio da regional. No meio do caminho, havia um grupo de uns 50 caras numa esquina; no lado oposto, outros 50. Nisso, fomos atacados pela retaguarda. Começou a estourar bomba. Um pandemônio. No que estávamos para ir embora, um cara me segurou no braço e disse: “Deputado, estão matando Zé do Bingo”. E mostrou: estavam segurando o Zé pelas pernas e braços, deitando-o em cima de uma bomba de gás fumegando. Eu pensei: “Tenho que ir lá”. E fui, já acreditando, desolado, que ia ser o próximo Zé do Bingo. No meio do caminho, vi o Kojak, que é irmão do Serginho, aquele ex-jogador do São Paulo e do Santos. Ele me viu, e senti a olhada dele de predador. Encostei no carro e pensei: “Vou deixar o cara passar, que ele está de olho em mim”. Quando ele estava passando por mim, já abrindo os braços, me catou pela perna, me levantou no ar e me baixou na quina do automóvel, na lanterna traseira. Quando levantei, era ele mais um outro, batendo. O Barral (Manoel Filgueira Barral) entrou no meio: “Vão matar ele. Parem!” Eles me largaram no chão e foram em cima do Barral. Tem uma foto dele apanhando, eu já estou no chão. O Maj Taturana, chefe do serviço reservado, pediu que parassem.

A tropa toda era formada por fiscal da prefeitura, bate-pau, segurança de estatais e tinha um núcleo do Serviço Reservado da PM, que era o comando. Eles todos tinham participado da repressão no ABC. Aliás, tempos depois, um coronel da PM, visitando Sérgio dos Santos quando ele era secretário na Assembléia, disse pra ele que aquele grupo da P2 tinha jurado que ia

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me pegar de pau. Eu e a Irma Passoni, por causa da greve do ABC.

Esse pessoal foi punido?

Foram condenados, mas, como eram réus primários, lei Fleury...

E aí, em 1982, você foi reeleito deputado pelo PT.

Em 1982 fomos para a campanha, mas era voto vinculado de vereador a governador, então a gente fazia comícios enormes, um sucesso danado. Metade da cidade ia para a rua. Houve uma que tinha tanta gente... Acho que era Bariri. Fizemos um comício, a multidão vibrava. Quando chegou na urna, 5 votos. Também o candidato a prefeito, na hora de falar, pegou o microfone e disse, com aquela voz de caipira, tímido: “Eu não sou de falar, não, porque não sou de fazer promessa”. E largou o microfone. 5000 pessoas! Foi um desastre. Eu estava empolgado, achei que fôssemos arrebentar. Achava que até o Lula poderia ganhar. Tivemos 9% para governador, ficamos em 4º lugar, elegemos uma bancada pequenininha, com uma campanha na base do vende estrelinha...

Com essa trajetória de ME, um perfil essencialmente político, como entra a vertente ambientalista?

Já no 1º mandato. Tinha um pessoal de ME que já estava embarcando nisso. Isso sempre me atraiu. Eu não entendia, mas tinha simpatia. E aos pouquinhos fui sendo introduzido, e, como fiz Geografia, também tinha uma interface de preocupação com a natureza. Mas era muito primária, muito fundamentalista. O movimento ambientalista me pegou mais na luta contra a instalação da usina nuclear que queriam fazer em Itanhaém (SP). Estudando, discutindo e vendo os riscos, já entrei mais fundo nessa campanha. Mas o movimento ambientalista era embrionário, muito referenciado na Alemanha, nos verdes. Aqui era preservar a Amazônia, mas não tinha um aprofundamento maior. Tinha o velho Abelar, um espanhol que morreu 2 anos atrás. Foi o 1º cara que andou com máscara no Viaduto do Chá, contra a poluição. Era um anarquista, que aliás morreu sem as homenagens que merecia. Aos poucos, fui entrando no movimento, fui para a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa.

O que você faz no Ministério do Meio Ambiente?

Sou chefe de gabinete da Secretaria de Qualidade Ambiental. O nome não diz muito, mas é um setor do que a gente chama de Agenda Marrom. Azul é água; a Verde, florestas; e a Marrom é urbano-industrial. É o nuclear, o petróleo, tóxicos, indústria, lixo, resíduos, o processo mais industrial e mais urbano. É bem amplo.

E como você avalia a atuação do governo nessa área?

Acho que se avançou em algumas coisas. Em outras, houve falta de visão do governo.

Por exemplo?

Nos transgênicos. Eu, aliás, tinha pouco contato com essa questão. Mas, quando vi a soja transgênica, deu para perceber que havia alguma manobra econômica. A Monsanto estava enfiando um produto transgênico, completamente desnecessário, porque a nossa soja, natural, adaptada ao clima, com bom rendimento, tem mercado na Europa, que, cautelosa com os transgênicos, prefere para consumo humano a soja natural. Essa é a vantagem. Aí despejam um monte de herbicidas, vendidos pela Monsanto. E o pior é que, dos 3 grandes produtores493, só o Brasil cultiva soja natural. Se se liquidar com ela aqui, o mercado europeu não tem mais opção. Eu vi pela parte econômica, mas a partir daí também fui entendendo um pouco de precaução, porque você não pode ir colocando no mercado uma espécie sem avaliar o impacto que vai ter.

Em que áreas você acha que houve avanços?

Na questão do desmatamento, em Mato Grosso, no Pará, houve recuo da área desmatada por uma ação mais forte em fiscalização. Existe a proposta para manejo. Não há como fiscalizar a floresta toda. Então há um projeto de fazer concessões para a exploração de madeira dentro de critérios, e isso é uma ocupação legalizada que se pode acompanhar. O WWF, o próprio Greenpeace já aprovaram esse projeto, que está no Congresso. Houve um avanço razoável na questão de licenciamento. Por exemplo, vai-se fazendo uma hidroelétrica e, no meio da obra, decide-se tirar a licença ambiental. Como é que você vai dar uma licença ambiental se já está consumada a destruição? Houve uma conversa muito boa com o pessoal de Minas e Energia sobre isso. Antes de começar um projeto, já se deve avaliar, por exemplo, dentro de uma bacia, se se fizer uma barragem, quais são os impactos. Ou seja, já se avalia tudo e se tira a licença antes. Depois se faz a licitação para a obra.

Hoje outros ministérios levam em conta a questão ambiental, porque não adianta só o Minist. do Meio Ambiente tratar de meio ambiente, os outros também têm de tratar. Se não houver essa preocupação em todas as áreas, não tem jeito. Também nessa questão, outra frente que está avançando, em termos institucionais, é na fixação do papel do que seja nível federal, estadual e municipal. Discute-se com a associação de municípios quais são as competências e divisões de responsabilidades.

E o governo Lula, é o governo dos seus sonhos?

O governo dos meus sonhos, não. Acho que fez concessões demais do ponto de vista político, com alianças com

493 Referencia ao Brasil, Argentina e EUA.

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partidos fisiológicos - PTB, PP. Isso também decorre muito de um certo momento de interrupção da discussão política dentro do PT. Para mim, isso é muito nítido e acho que houve um temor da direção de enfrentar a discussão política com a base. A direção fazia o discurso que a base gostava de ouvir, mais radicalizado. A impressão é que a direção raciocinava uma coisa e discursava outra, e num determinado momento isso ficou inconciliável. E quem toma as decisões sem passar por um processo de discussão pública tende a cometer erros com mais facilidade e com mais gravidade.

Voltando ao governo, que avaliação você faz? Você diz que tem problemas na política de alianças e não é o governo dos seus sonhos. Mas...

Com todos os problemas, existe um se voltar ao social, ao combate à pobreza, maior que em qualquer outro governo. A política do Bolsa-Família, de apoio à agricultura familiar, de microcrédito, de empréstimo consignado, as cisternas na área do Nordeste. Existe uma série de esforços, houve um direcionamento para o social, mesmo que difuso e simbolizado no próprio Lula, que encarna isso. Houve um olhar para os setores mais pobres. E nisso se realiza um pouco daquele governo que a gente sonhava.

E eu vejo a reação. Pode ser um maniqueísmo completamente idiota, mas a 1ª vez em que fui ao plenário da Assembléia tinha um projeto dificílimo de entender que entrou em votação. E o pessoal mais ligado ao setor popular discute daqui, discute dali. Quando começou a votação, vi a Arena inteira votando por um lado, e eu votei para o outro.

E a violência com que se ataca o governo do Lula! O tratamento que a mídia dá! O linchamento do governo que se vê em vários setores, a bronca, a raiva. Por mais que se diga que o governo do Lula está fazendo a política financeira ortodoxa e os caras estão ganhando. Mas, gozado, ao mesmo tempo o Bornhausen, que é banqueiro, está pedindo para acabar com essa raça. Dá para perceber que existe ódio ao Lula. Aplicando um pouco de raciocínio maniqueísta também, a direita querendo destroçar este governo. Por mais que ele tenha feito uma política macroeconômica ortodoxa, é nítido que os caras, se puderem, se livram deste governo, do PT e da esquerda.

E o PT? É a maior crise da sua história?

Não há a menor dúvida. É complicado, 1º porque a crise da esquerda é mundial também. Segundo, houve esse distanciamento da discussão política da cúpula com a base. A falta do debate franco e aberto. Mas ser atingido pelo lado moral complica muito. Você fica confrontado com uma questão maniqueísta, do bem e do mal, de moral e amoral, que encobre todas as questões políticas. E existe um esforço da direita, expresso em grande parte da mídia, de colar a idéia do partido que rouba, mente e mata. Enfim, estão criando uma maldição para nos isolar. E nos pegou no fígado. Na verdade, não consigo ter a dimensão do que realmente aconteceu. Que dinheiro é esse? De onde veio? A impressão que me dá é que é financiamento de campanha, caixa 2. O que para mim incomoda menos do ponto de vista moral, porque todos têm caixa 2. O que me incomoda mais é a que preço foi feita essa captação. Porque, quando é feita em alto segredo por grupos fechados dentro da própria direção do PT, não se sabe que compromissos estão sendo transacionados. Então, é uma insegurança absoluta e total. Você não consegue explicar para a base, não consegue explicar para seu vizinho, para seu parente. Você não sabe o que está acontecendo. O que atrapalha o essencial, que seria a retomada da política dentro do PT.

Qual o futuro do PT?

Não sei, mas também não estou vendo nenhuma saída fora do PT. Então, é melhor esgotar aqui. Não acho simples pegar toda essa experiência histórica, política, desses movimentos todos, que deu no PT e jogar fora.

Eu não vejo onde essas pessoas vão se encontrar. Ou temos essa composição social, dos movimentos de base - MST, sindicais, movimentos populares, de bairro - ou não temos. Se não temos, não faz sentido continuar. Se temos, é bom botar as coisas no seu lugar, ver como é que se relaciona com o governo. Por exemplo, eu gosto muito do Genoino, mas ele me parecia mais um porta-voz do governo do que presidente do partido.

Essa confusão já houve. Tem muita coisa fora do lugar. Então, vamos ver se é possível o PT, 1º, ser partido. Partido integrante de um governo. Partido que não se confunde com o governo. Vamos ver se o PT consegue retomar as energias e o clamor que vêm dos movimentos sociais. Ele nasceu assim. Não estou dizendo voltar às raízes. O PT tem de evoluir, mas não pode perder a interlocução com os movimentos sociais. Do contrário, começa a virar elucubração de iluminados, de grupos fechados. E aí vai terminar na política tradicional, de caciques sem índios, o que a gente criticou nos outros. Não sei se é uma doença senil dos partidos de esquerda, que com o tempo acabam se desvinculando.

Mas em 1985, quando o Paulo Frateschi deu uma saída para o PSB, correu um boato de que eu estava saindo também. Disse ao Lula e ao Luiz Eduardo: “Não só não estou saindo como, no dia em que sair, vou jogar a chave debaixo da porta”. Ou seja, seria o último. Isso vale para hoje também.

Anexos

I) Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT)494

O AcIT foi fundado em Barcelona, na I Conferência Mundial Aberta, em 1991, que reuniu delegados de todos os continentes. Desde então realizou várias conferencias com a participação de grupos, partidos, organizações sindicais e militantes operários de origens diferentes.

O AcIT tem lutado contra os planos de ajuste estrutural, das medidas do FMI e do Banco Mundial, que, segundo seus membros, conduzem a liquidação dos setores públicos e dos códigos de trabalho, à privatização. Os membros do AcIT

494 In pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_Internacional_dos_Trabalhadores_e_dos_Povos.

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também crêem que esta política baseada nos planos de ajuste estrutural, contribuem para destruir o Estado-nação como marco político, em benefício de uma sociedade baseada apenas nas relações entre indivíduos. Segundo seus fundadores AcIT quer ser simplesmente um ponto de encontro de todos os militantes operários que atuam em todo o mundo para a defesa estrita dos interesses particulares dos trabalhadores, para defender as liberdades democráticas e o livre exercício dos direitos sindicais, que entendem como a sua chave mestra.

II) Entrismo sui generis495

Entrismo sui generis é o nome dado a tática política defendida pelo dirigente da IV Internacional Michel Pablo, e aprovada no Congresso Mundial de 1951, que nos anos seguintes desencadeou a maior crise da história da organização. Segundo ele a construção de partidos trotskistas ligados à Internacional não estava mais na ordem do dia, pois os chamados Estados Operários burocratizados496 e o Stalinismo, iriam “inevitavelmente” a uma guerra contra o imperialismo estadunidense, retomando assim o caráter revolucionário que haviam perdido a partir da política do “socialismo num só país”.

Num relatório de fevereiro de 1952, Pablo insiste sobre a evolução à esquerda do Stalinismo da burocracia stalinista: “…a burocracia soviética é ela própria obrigada - nas novas condições - a esquerdizar a sua política, a fazer apelo às massas, a procurar apoiar-se nelas”. Pablo tira disso uma conclusão prática: os trotskistas devem entrar em massa nos partidos comunistas, onde estes forem majoritários, e submeterem-se às direções destes partidos: “as 'astúcias' e as 'capitulações' são não somente admitidas como necessárias”. É o “entrismo sui generis” de Michel Pablo, que ele distingue claramente da tática proposta por Trotsky, em 1935 - o “entrismo” no PS - o qual esboçava então um “passo à esquerda” depressa parado.

Várias de suas seções, entre elas a argentina497, a francesa PCI498 e a estadunidense SWP499, negaram a seguir a política de Michel Pablo, que levaria as seções da Internacional a diluição nos PC's ou movimentos nacionalistas dos vários países. No final do processo, Internacional se dividiu em 2 organizações, que se reunificaram majoritariamente 10 anos depois.

III) Juan R. Posadas

Juan R. Posadas era o pseudônimo político ou nome de guerra usado por Homero Rómulo Cristalli Frasnelli no PSR, um líder trotskista argentino. Nascido na Argentina em 1912, era filho de imigrantes italianos. Morreu em 1981.

Com 20 anos de idade começou a trabalhar como sapateiro em Córdoba e passa a organizar sindicalmente os operários dos calçados. No final da década de 30 integrou as fileiras do Partido Socialista Revolucionario (PSR).

Em 1941 o PSR adere à IV Internacional fundada por Leon Trotsky. Posadas é então designado para atuar no Bureau Latino-Americano da IV Internacional em Montevidéu.

O nome J. Posadas

Em 1953, a IV Internacional rachou, e o Comitê Nacional do SWP solta uma “Carta Aberta aos Trotskistas em Todo o Mundo”500 negando seguir a política proposta por Michel Pablo501 e organiza o CI-QI502. Esta ruptura da IV Internacional incluiu, além do SWP, o The Club503 de Gerry Healy504 o PCI505, e as seções austríacas e chinesas da IV Internacional.

Neste evento Posadas alinhou com Pablo e dando-lhe o apoio das seções da Argentina, do Brasil e de Cuba. Pablo em retribuição deu a Posadas a direção do Bureau Latino-Americano da IV Internacional. Diante disso Nahuel Moreno que a principio não se ligou ao racha, passa a apoiar o CI-QI.

Dentro da corrente posadistas a seção cubana era uma das mais fortes tendo uma grande participação nos eventos que levaram a queda do ditador cubano Fulgêncio Batista. Enquanto Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Che Guevara se embrenhavam com sua guerrilha nas selvas de Sierra Maestra, os posadistas organizavam os operários em La Havana. E foram cruciais as greves gerais operárias para a queda de Batista.

Em 1961, com Fidel se dobrando ao Stalinismo passa a reprimir os posadistas cubanos. Isso gera mais uma disputa com o Secretariado Internacional e em 1970 ele formou sua própria internacional chamada de IV Internacional Posadista.

Depois de se tornar um líder proeminente da IV Internacional na AL, suas idéias controversas, entre as quais destaca a visão de que se os extraterrestres estão entre nós, Se eles tivessem contato com a Terra, só poderia ser explicado se estes seres pertencessem a uma sociedade mais avançada do que humana: que só poderia ser comunista: e pregava uma solidariedade comunista intergaláctica verdadeiramente universal506.

IV) Comando Geral dos Trabalhadores (GGT)507

O CGT foi uma organização intersindical brasileira, cujo objetivo era orientar, dirigir e coordenar o movimento

495 In pt.wikipedia.org/wiki/Entrismo_sui_generis.496 Referencia a ex- URSS e Leste Europeu.497 Referencia ao PST, que depois tornar-se-ia o MAS.498 In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_Internationalista_%28Fran%C3%A7a%29.499 Sigla de Socialist Workers Party, em inglês; ou Partido Socialista dos Trabalhadores. Seção da IV Internacional, que depois rompeu com o Trotskismo.500 Ver Cannon, James P. (16/11/1953). Uma Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro. The Militant. In www.marxists.org/portugues/cannon/1953/11/16.htm501 Que ficou conhecida como entrismo sui generis502 Sigla de Comitê Internacional da Quarta Internacional. In en.wikipedia.org/wiki/International_Committee_of_the_Fourth_International.503 In en.wikipedia.org/wiki/The_Club_%28Trotskyist%29.504 In pt.wikipedia.org/wiki/Gerry_Healy.505 Então liderado por Lambert.506 Ver J. Posadas (26/04/2010). A Internacional Posadista: Socialismo Intergaláctico. In outraesquerda.blogspot.com.br/2010/04/internacional-posadista-socialismo.html.507 In pt.wikipedia.org/wiki/Comando_Geral_dos_Trabalhadores.

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sindical no Brasil. Foi criado em São Paulo, no ano de 1962, durante o “IV Congresso Sindical Nacional dos Trabalhadores”, e reunia vários sindicatos, federações e confederações. No entanto, nunca foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho e acabou sendo desarticulado por ocasião do golpe militar de 1964.

Antecedentes

Em meados da década de 1940 foi criado o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) sob a liderança do PCB, que se desenvolveu durante a preparação do congresso sindical dos trabalhadores do Brasil. Nesse congresso destacaram-se 2 correntes do movimento sindical: uma era ligada ao Ministério do Trabalho, chamada “ministerialista”; a outra, ligada à Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB) e ao PCB. A conjuntura político-econômica, era extremamente favorável à manifestação de reivindicações trabalhistas. No entanto, a luta pelo controle e domínio do movimento sindical brasileiro suscitou divergências entre os trabalhadores.

O CGT surgiu nos anos 1960, numa conjuntura de grande instabilidade política e social no Brasil, marcada por ampla mobilização popular em torno de propostas de reformas políticas e econômicas.

V) Programa de Transição508

O Programa de Transição ou Programa Transitório (em Portugal), elaborado por Leon Trotsky em 1938, teve como objetivo definir bases programáticas para a construção da IV Internacional. Trotsky acreditava que era preciso auxiliar as massas trabalhadoras a encontrar uma “ponte” entre as reivindicações que tivessem naquele momento e o que seriam bandeiras programáticas propriamente revolucionárias. Defendia que se elaborasse um sistema de reivindicações transitórias, construindo um programa de acordo com as condições momentâneas e a consciência momentânea de amplas camadas da classe trabalhadora, mas que fosse capaz de conduzir à conquista do poder pelo proletariado.

VI) O Movimento Na Luta, PT! (NLPT)509

O NLPT tornou-se oficialmente público com o lançamento de um manifesto à militância petista, assinado por lideranças expressivas de diversas Tendências510. Representativo de um arco de forças políticas bastante fluído, esse manifesto adquire um caráter supra-tendências capaz de aglutinar vários setores e militantes descontentes com a direção majoritário e os rumos do partido naquele momento.

Seus objetivos eram: contribuir no debate interno para a renovação da direção partidária e para a reversão do curso político do partido no sentido da retomada do “perfil de Partido dos Trabalhadores” e da reafirmação do seu compromisso com os setores oprimidos e explorados e a negação do capitalismo. A tônica do manifesto era a volta do PT às suas origens511.

Estes setores avaliavam que faltava “uma estratégia política geral para enfrentar o governo Collor”; que, nas administrações petistas, em lugar da política democrática e popular, predominava as negociações e concessões; que a relação destas com os movimentos sociais era “tensa e divorciada”; que o partido, na sua atuação no movimento social, encontrava-se “dividido e desfigurado” e “imerso no eleitoralismo”; que as resoluções do I Congresso não foram suficientes para impedir este processo de “descaracterização”, frustrando as expectativas da militância512.

Eles consideravam que a principal tarefa era barrar este processo. Para isso, deveria haver a união de todos os petistas que compreendessem “a imperiosa necessidade” de construir o PT como um “instrumento da luta dos trabalhadores pela transformação da sociedade”513.

O manifesto defendia ainda a revisão da política de alianças. Afirmava a necessidade da defesa do socialismo 514 e o combate para reverter a tendência à burocratização partidária, combatendo o fraccionismo, tanto aquele promovido por personalidades públicas, como pelos grupos, Tendências e a própria direção515.

Após a divulgação deste manifesto ocorreram várias mudanças no quadro partidário: o adiamento do 8º EN e a conseqüente auto-prorrogação do mandato da direção nacional; a expulsão da Convergência Socialista; e, a adoção, pela Executiva Nacional, de uma política de enfrentamento do governo Collor - que o NLPT considerou insuficiente; também discordou da maneira como o DN tratou o caso da CS, reduzindo-o a uma questão meramente disciplinar.

O adiamento do Encontro Nacional frustrou as expectativas de renovação da direção partidária e de mudanças na linha política. NLPT intensificou sua atuação e a crítica à direção majoritária transformando-se num espaço de aglutinação e

508 In Trotsky, Leon (1989). Programa de transição [1938]. São Paulo: Informação.509 Os artigos que compõem esta série são versões adaptadas da dissertação de Mestrado, Os partidos, tendências e organizações marxistas no Brasil (1987-1994): permanências e descontinuidades, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC/SP, em 1998, sob a orientação de Maurício Tragtenberg. Compôs a banca, além do orientador, os Prof's. Isabel Maria Loureiro e Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida. A dissertação não foi publicada em versão impressa edisponibilizamo-a aos militantes do movimento social, estudiosos do tema e demais interessados - afinal, a pesquisa foi financiada por dinheiro público, através de bolsa de estudo do CNPq. Trataremos das organizações marxistas não vinculadas à tradição trotskistas. Os textos relativos a estas foram publicados nas primeiras edições da REA. Ver: O PT e os marxismos da tradição trotskista: introdução; O Trabalho (OT) - Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores; A Democracia Socialista (DS); As origens e ideologia do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); A Causa Operária; A Tendência Pelo Partido Operário Revolucionário. Autor: Antonio Ozaí da Silva. Docente na UEM, Doutor em Educação pela USP.510 Assinam o manifesto: Artur Scavone (DN-PT e dirigente da TM), Bruno Maranhão DN-PT e da Coordenação Nacional do BS, Florestan Fernandes (Dep. Federal), Hélio Bicudo (Dep. Federal), Jorge Almeida (Executiva Nacional do PT e da Coordenação Nacional da FS), Luiz Eduardo Greenhalgh (DN-PT), Ronald Rocha (DN-PT e Coordenador Nacional da TM) e outros.511 Na Luta, PT. São Paulo, 02/04/1992.512 Na Luta, PT. São Paulo, 02/04/1992.513 Na Luta, PT. São Paulo, 02/04/1992.514 “Sem vacilações. Sem medo. Sem o silêncio oportunista de não querer remar contra a maré dos noticiários da imprensa burguesa”, afirma o manifesto. Na Luta, PT. São Paulo, 02/04/1992.515 “Sem vacilações. Sem medo. Sem o silêncio oportunista de não querer remar contra a maré dos noticiários da imprensa burguesa”, afirma o manifesto. Na Luta, PT. São Paulo, 02/04/1992.

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articulação da militância descontente com a situação.Este processo foi facilitado pelo caráter de fórum aberto à participação de todos que quisessem lutar pelo resgate das

origens petistas. NLPT não se apresentou como uma nova tendência. Seu funcionamento se deu de forma flexível, cuja unidade era garantida pela discussão e publicação comum de documentos internos e pela existência de uma coordenação provisória.

NLPT defendeu o Fora Collor! Após o impeachment, exigiu que a direção petista abandonasse a tese da governabilidade e declarasse, sem subterfúgios, a oposição a Itamar. Em sua avaliação, este governo representava a continuidade da política neoliberal de Collor, sob nova roupagem.

Dessa forma, NLPT louvou a decisão do DN em declarar a oposição a Itamar. A vitória desta política representava, em sua avaliação, “o esforço para preservar a independência do partido ameaçada a pela posição ambígua de sua Executiva, para não falar de alguns pronunciamentos adesistas”. Para o NLPT, essa mudança abria um novo momento na vida do partido, que favorecia a possibilidade de construir uma direção partidária sintonizada com a maioria real da base partidária516.

Em janeiro de 1993, em São Paulo, o NLPT realizou o Seminário Nacional PT, ano 13: Para onde vamos? Neste, debateu a conjuntura nacional, o programa democrático e popular, a organização do PT e do próprio NLPT. Ao final do evento, os cerca de 300 militantes oriundos de 15 estados da federação, aprovaram, por unanimidade, a “Carta de São Paulo”517. Esse documento confirmou o diagnóstico anterior sobre a situação do partido: crise de identidade, priorização do institucional, aprofundamento do distanciamento entre o partido e os movimentos sociais, prevalência dos projetos pessoais e carreiristas.

Para NLPT, esses fatores afastavam “a possibilidade real e efetiva de transformações democráticas-populares”. Segundo o NLPT, a persistência dessa situação poderia tornar o PT num partido “semelhante aos partidos burgueses”. Para superar essa realidade e evitar a evolução negativa do PT, NLPT considerou premente que o PT reafirmasse sua postura oposicionista; que retomasse sua construção como alternativa de governo, como “partido dirigente e não de mera interlocução social”; que implantasse medidas de democratização da sua estrutura partidária; enfim, que rompesse com a prática política predominante518.

NLPT confirma sua forma de funcionamento aberta e flexível, sem exclusivismos e exclusões: “Temos que superar nossa própria intolerância e sectarismo”, expõe, mas propôs-se a ampliar sua presença e ação. Sua meta era unir a militância crítica à política dominante para mudar a correlação de forças e impor uma nova hegemonia no PT 519. Este seminário aprovou uma moção contra as privatizações em curso e o envio de uma delegação ampla ao ato internacional a ser feito em Paris, em julho.

A atuação do NLPT favoreceu a reaglutinação da militância dispersa. Por outro lado, impulsionou setores do partido a repensarem sua práxis política, sob pena de perderem quadros e apoio nas bases. Da mesma forma, sua existência beneficiou o esforço para uma recomposição à esquerda no espectro petista. Sua estrutura orgânica foi propícia à unidade em torno das questões principais e das manifestações críticas - limitadas, naturalmente, pela heterogeneidade da sua composição.

O acirramento da crítica à direção política hegemônica e a defesa intransigente de propostas consideradas como radicais por setores internos e externos ao PT - que lhe valeu o epíteto de extrema-esquerda - tornou-o o interlocutor preferencial para as organizações que encaminharam a proposta de construção da Frente Revolucionária (FR) - particularmente a CS.

A partir da análise comum sobre a crise vivida pelo PT, o NLPT e essas organizações divergiam em relação às alternativas e quanto às seus efeitos520. O NLPT cria sinceramente na perspectiva do PT retomar seu caráter original. Portanto, era da opinião que a militância revolucionária deveria continuar no PT e lutar para construí-lo como partido estratégico e dirigente.

O período que antecedeu o 8º EN foi decisivo. As forças que compõem o NLPT reconhecem que o partido foi impactado pelos acontecimentos no Leste Europeu e por seu crescimento eleitoral. O PT estaria numa encruzilhada histórica: entre a integração e capitulação definitiva à ordem burguesa e o aprofundamento do seu perfil revolucionário. Imaginam, no entanto, que a militância à esquerda pode impulsioná-lo na direção da retomada do seu rumo revolucionário; vêem com otimismo a possibilidade de se confirmar uma nova hegemonia política no encontro que se aproximava.

Para OT, a base petista exibia uma vitalidade inédita, infringindo derrotas sucessivas ao grupo dirigente. Embora admitisse que subsistiam vários dos elementos criticados no PT quando do lançamento do NLPT, essa Tendência notou a ocorrência de mudanças positivas na política interna petista: o questionamento dos militantes e as divisões na cúpula dirigente. Esta realidade exporia a negação às teses da CS sobre o PT. O projeto da FR representaria uma “tentativa de auto-proclamação de partido revolucionário à margem do movimento real e da radicalização da classe operária identificada com o PT”521.

A tendência BS522 apoia esta crítica e sugere aos: “companheiros da frente que aguardam o final do 8º Encontro Nacional do PT na espera de uma vitória da orientação que conduziria o partido na trilha da conciliação de classes e da submissão à ordem burguesa, alimentando o cenário de uma desfiliação em massa da militância petista” que “não alimentem esta ilusão”523.

A FS tinha a mesma avaliação. Numa visão otimista, concluiu que os resultados do 8º EN consistiram uma “significativa derrota de segmentos ultra-esquerdistas do MO e popular, encarnados principalmente pelo PSTU”. Estas forças políticas não teriam entendido o “significado histórico do PT”, sua “natureza estratégica para os trabalhadores” e, assim, desprezaram da sua vitalidade e da sua militância. Para a FS, esses setores - que “objetivamente” teriam feito uma “parceria tática com os refundacionistas” - passarão por uma “redução ainda maior da sua audiência no meio popular”524.

A relação entre as forças que compõem o NLPT e aquelas que gerariam o PSTU - especialmente a CS - é contraditória. A CS foi uma das fundadoras do NLPT e teve neste um dos seus principais aliados contra a sua expulsão. Este fator revela a existência de posições e análises convergentes não só em relação ao PT, mas também na ação no movimento social. Por

516 Coordenação Nacional do Movimento Na Luta, PT! Na Luta, PT!: O PT na oposição ao governo Itamar. São Paulo, 13/11/1992.517 Movimento Na Luta, PT! Carta de São Paulo. São Paulo, 24/01/1993.518 Movimento Na Luta, PT! Carta de São Paulo. São Paulo, 24/01/1993.519 Coordenação Nacional do Movimento Na Luta, PT! PT, ano 13: Para onde vamos? São Paulo, 23-24/01/1993. A estrutura orgânica do NLPT se espelha no processo de formação do PT, isto é, busca reproduzir os elementos essenciais da sua fundação e resgatar suas origens.520 A fala de Greenhalgh sintetiza as divergências quanto ao futuro do PT: “É muito fácil hoje, vir com essa conversa mole de que o PT abortou as suas tarefas históricas na conjuntura brasileira. Não é verdade. O difícil é você ficar convivendo com essas diferenças de opinião. (...) O povo não entende que você seja revolucionário e esteja fora do PT”. Entrevista com Luiz Eduardo Greenhalgh. Brasil Revolucionário, nº 12, abril/junho de 1993, pp. 03.521 “Convergência racha Frente”. O Trabalho, nº 335, 07/04-05/05/1993, pp. 04-05.522 Sigla de Brasil Socialista. In www.espacoacademico.com.br/094/94ozai.htm.523 “Editorial: A encruzilhada do PT”. Brasil Revolucionário, nº 12, abril/junho de 1993, pp. 01.524 Coordenação Nacional da Força Socialista - Tendência Interna do PT. Resoluções do V Encontro Nacional da Força Socialista, 1993, pp. 20.

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outro lado, a opção da CS pela criação de um novo partido agravou as divergências existentes já na fase de articulação do NLPT.A CS, por exemplo, saudou a realização do seminário do NLPT, no início de 1993, considerando sua

“recomposição” como positiva. Porém, criticou suas decisões pelas “generalidades” e “ausência de propostas concretas” que desafiassem “a hegemonia do grupo dirigente do PT”. Para a CS, o NLPT era uma “resistência impotente” diante do crescimento do “controle da direita sobre o PT”. Considera ainda que o documento lançado nesse seminário é um retrocesso525.

A CS também destoou da avaliação do NLPT sobre o 8º EN do PT. Ainda que reconhecesse uma mudança na correlação de forças internas, a CS conclui que este encontro além de não superar a crise petista, colocou dilemas cruciais: 1) saber se Lula acatará a disciplina e se submeterá à direção em que seu “núcleo de confiança” encontra-se em minoria; 2) saber se as correntes da esquerda petista “vão querer ou não, dirigir enfim o PT algum dia”526.

Para a CS, a esquerda petista, em especial NLPT, teria hesitado e vacilado em questões como a oposição à coligação com o PSDB, a ausência de ousadia na disputa da Presidência do PT (por não apresentar candidatura própria). Nessa análise, isto representou uma anistia ao papel que Lula, Mercadante e Genoino cumpriram no período. A despeito das críticas, a CS fez um chamamento à união da esquerda contra Itamar e FHC, reconhecendo o peso e a importância que o PT tem no cenário nacional527.

De fato, no 8º EN o NLPT defendeu a união da esquerda petista numa ampla chapa - numa tentativa de reeditar o Encontro Estadual de São Paulo - mas, na questão da presidência do partido, considerou que Lula era o único capaz de unificá-lo. Quanto à política de alianças, admitiu a composição com setores “democráticos e populares” do PSDB e do PDT, não pela “simples necessidade de somar votos” mas para “sustentar um programa de reformas radicais”.

Para o NLPT, o que demarcava essa alternativa da concepção social-reformista era a compreensão de que a luta por um governo deste tipo não se restringe aos estreitos limites institucionais, mas que seu sucesso depende da sua capacidade em estabelecer uma “contra-hegemonia” e de se materializar enquanto “alternativa de poder”528.

O 8º EN confirmou os prognósticos do NLPT: refletiu o fortalecimento da esquerda petista e a derrota da política da direção majoritária e hegemônica. Ainda que não tenham atingido o objetivo de unificar a esquerda, as forças que compuseram a chapa Na Luta, PT! tiveram, em seu conjunto e em comparação ao encontro anterior, um crescimento considerável: a representação no DN passou de 8 para 15 membros; na Executiva Nacional, pulou de 2 para 4.

Indubitavelmente, sua influência nas discussões do 8º EN foi qualitativamente superior em relação ao 1º Congresso - quando suas forças dividiam-se entre a tese 10 e a aliança OT/CS. Sua atuação impeliu à aproximação das correntes que formalizaram a Opção de Esquerda, tensionando-a em relação à Unidade na Luta.

Sua influência não foi suficiente para a aprovação de algumas emendas polêmicas à tese-guia. Foi o caso da recusa à participação do PT na IS529. Foram recusadas outras emendas como: a crítica às Câmaras Setoriais (questão ausente do texto-base); que o PT assumisse a proposta de antecipação das eleições presidenciais.

Em novembro, o NLPT realizou, em São Paulo, seu II Seminário Nacional. Estiveram presentes 140 militantes de 14 Estados. Valter Pomar530 participou do debate sobre a conjuntura. A discussão sobre o movimento sindical teve a participação de Waldemar Rossi531 e Kjeld Jacobsen532. Este seminário contou ainda com a participação de Jacob Gorender.

Na questão sindical, não houve acordo sobre as câmaras setoriais e o encontro levantou a necessidade do NLPT aprofundar o tema e unificar sua intervenção. No aspecto organizativo, NLPT decidiu ampliar seu Fórum Nacional, incorporando os membros eleitos ao DN e militantes de grupos regionais. Analisando a situação internacional, NLPT reafirmou o caráter socialista e antiimperialista e se posicionou favoravelmente à participação nos fóruns e reuniões internacionais do seu interesse.

O NLPT constatou o crescente desgaste das instituições e das elites nacionais e decidiu pelo boicote à revisão constitucional e pela antecipação das eleições. Ainda neste ponto, alertou para o equívoco da diluição e vacilações diante dos pontos básicos e essenciais do programa de governo: a suspensão do pagamento da dívida externa; o rompimento com o FMI; a taxação das grandes fortunas; a reforma agrária sob controle dos trabalhadores; os conselhos populares etc.

A defesa dessas propostas, na avaliação do NLPT, exigia uma atuação mais intensa junto aos movimentos sociais, condição imprescindível para a garantia da governabilidade e da sustentação do projeto democrático e popular. “Não podemos nutrir a ilusão do “já ganhou”. Nem nos acomodar à espera do dia das eleições”533, salientou.

Num balanço de sua atuação, baseado na contribuição apresentada por Bruno Maranhão, apontou o papel positivo que teve para a virada política do PT no 8º EN. Ao mesmo tempo, enumerou as debilidades presentes nesta trajetória: a predominância do espírito de “federação de Tendências”; o funcionamento aquém das expectativas da “Comissão de Ampliação”; a necessidade de superar todo e qualquer preconceito quanto ao passado das Tendências ou dos militantes individuais534.

As medidas adotadas para superar estas limitações foram: manutenção das comissões de ampliação nos Estados, de caráter aberto e com a garantia do debate a todos os interessados; manter a sensibilidade e o esforço para a superação dos problemas de relacionamentos; iniciativas de diálogo com as correntes internas, com a constituição de um mecanismo formal e permanente de debates envolvendo o HV, DS, VS, o Fórum do Interior e grupos regionais e independentes.

525 “Uma resistência impotente”. Convergência Socialista, nº 356, 04 a 10.02.1993, pp. 07.526 Fernando Silva. 8º Encontro Nacional não resolve crise do PT. Convergência Socialista, nº 372, 17-23/06/1993, pp. 06-07.527 Fernando Silva. 8º Encontro Nacional não resolve crise do PT. Convergência Socialista, nº 372, 17-23/06/1993, pp. 06-07.528 Movimento na Luta, PT! Alternativa Democrática Popular. São Paulo, abril de 1993. Essa concepção difere tanto do programa socialista adotado pela CS quanto da ênfase socialdemocrata ou eleitoral que setores do PT dão ao mesmo. Por outro lado, aproxima-se de outras forças da esquerda petista (DS, AE etc.).529 Sigla de Internacional Socialista (pt.wikipedia.org/wiki/Internacional_Socialista). Vencida sob o pretexto de que o PT deveria manter RI's pluralistas530 Membro da coordenação do HV-AE (Hora da Verdade - Articulação de Esquerda).531 Secretário sindical do PT/SP.532 Membro da Executiva Nacional da CUT e da ART Sindical.533 Em março, numa Carta aos encontros do partido, reafirmaria que: “Ganhar as eleições, impulsionar as mudanças estruturais e garantir a governabilidade são momentos articulados de um mesmo processo, cuja concretização depende de um poderoso movimento social, capaz de sustentar o enfrentamento com os interesses conservadores em todas as frentes de luta política”. In Movimento Na Luta, PT! II Seminário Nacional. São Paulo, 01-02/11/1993. Ver: Na Luta, PT! Carta aos encontros do partido. São Paulo, março de 1994, 03 págs.534 Movimento Na Luta, PT! II Seminário Nacional. São Paulo, 01-02/11/1993. Em março, numa Carta aos encontros do partido, reafirmaria que: “Ganhar as eleições, impulsionar as mudanças estruturais e garantir a governabilidade são momentos articulados de um mesmo processo, cuja concretização depende de um poderoso movimento social, capaz de sustentar o enfrentamento com os interesses conservadores em todas as frentes de luta política”. Ver: Na Luta, PT! Carta aos encontros do partido. São Paulo, março de 1994, 03 págs.

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A evolução do PT até o 9º EN pôs em risco os avanços notados no 8º EN. Na opinião de NLPT, crescera no PT “uma operação desmonte” do que foi aprovado no 8º EN, visando o rebaixamento do programa nas suas questões fundamentais 535. NLPT reafirmou a estratégia da alternativa democrática e popular e propôs o aprofundamento do curso político iniciado no 8º EN.

NLPT defendeu a formação de Comitês Populares pró-Lula, com a execução de Plenárias Populares e de um Encontro Nacional Lula Presidente. Essas propostas visavam “criar as bases para forjar a força social de mudança, expressa no Governo Democrático-Popular”536.

O NLPT não é a soma de diversas Tendências: pressupõe um determinado nível de unidade política, a existência de preocupações e objetivos comuns. NLPT não se constituiu organicamente enquanto uma tendência resultante da fusão das suas força políticas constitutivas - as quais mantiveram sua autonomia, sua organização própria seus fóruns de decisão.

O NLPT toma a forma de um bloco político, um fórum que unia as temores e anseios de uma parte do PT. Como tal, NLPT manteve a variedade inerente a este tipo de formação política: havia diferenciações políticas - e mesmo expectações divergentes quanto à sua evolução - fruto de vivências e trajetórias específicas. O NLPT é uma unidade na diversidade. Como tal, sua existência preve a busca constante do acordo político e um grau de organicidade mínimo entre seus componentes.

Em várias questões, NLPT não agiu como bloco. No 9º EN, a posição em relação à dívida externa foi mantida, mas com muita disputa. Tragado pelo clima da campanha eleitoral de 1994, também teve dificuldades em estabelecer uma política comum, surgindo divergências sobre a posição quanto ao Plano Real537.

As diferenças acentuaram-se no período pós-eleitoral. No 1º semestre de 1995, passou-se a discutir se ainda era viável manter NLPT. Setores em seu interior, como a FS, apontavam para o seu esgotamento; outros, como OT, defendiam a sua continuidade. Os setores favoráveis a esta posição argumentaram que a conjuntura, marcada pela crescente descaracterização do PT, resultante do avanço das forças políticas como a DR e Unidade na Luta, justificava a necessidade de NLPT.

A Plenária Nacional, ocorrida em maio, manteve o NLPT. Esta Plenária foi precedida de um Seminário Nacional, ocorrido, em março, e por várias Plenárias Regionais. Mas, no Encontro do PT paulistano, o NLPT cindiu-se em 2 chapas: uma formada por OT e outros coletivos (com 7% dos votos); e, outra formada pela FS e a Plenária Socialista 538 (que obteve 9% dos votos). A divisão se deu em torno das propostas da corrente OT, que defendia a convocação da Assembléia Nacional Constituinte.

Após o racha em São Paulo, abriu-se uma crise na Coordenação Nacional do NLPT. As previsões da exaustão do NLPT se confirmariam. A evolução diferenciada das suas força políticas explica este desfecho.

Conclusão

“Talvez haja algo de terrível neste processo, quando procuramos a verdade... É que descobrimos que é possível construí-la sem que jamais a possuamos. Eis outro elemento da tempestade que chamamos de homem”539.

Tomamos as palavras finais do “Manifesto por uma Nova Esquerda”540 porque elas ilustram a dimensão das transformações das forças políticas analisados. A tempestade é o momento em que os homens e mulheres que dão vida aos coletivos abstratos, aqui denominados como Tendências passam a duvidar de suas próprias certezas, construídas, em muitos casos, por anos de dedicação a uma causa. As resoluções, teorias, manifestos apenas expressam o pulsar desses entes.

Nesse esforço de romper as amarras e libertar-se dos fantasmas que oprimem suas consciências, estes homens e mulheres desencadeiam elementos incontroláveis e produzem novas tempestades e, assim, concordemos ou não com eles e elas, desafiam nossas verdades. Porém, também são impelidos a construírem novas verdades que possam justificar seus novos valores e, principalmente, sua prática política.

Referimo-nos ao PRC541. Esta organização política incorpora de forma intensa os dilemas e as questões enfrentados pelo conjunto da esquerda marxista. Sua transformação em Tendência petista completa um ciclo iniciado com a ruptura com o PCdoB e inicia outro: entre a negação e a afirmação do marxismo e do leninismo. A superação deste ciclo foi mais traumática: esgarçou-se não apenas o tecido social, mas os próprios fundamentos teóricos que sustentavam o coletivo.

Força Socialista (FS) e Brasil Socialista (BS)542 seguem caminhos semelhantes. Ambas vinculadas à tradição marxista-leninista foram confrontados com uma nova realidade a partir do momento que aceitaram o desafio de construir o PT. Mas, nesse caso, o acerto de contas com o passado não atingiu a radicalidade que observamos na evolução dos que formaram a “Nova Esquerda”543. Como a “Tendência Marxista”, estas Tendências permanecem vinculadas ao marxismo e, em graus diferenciados, ao leninismo. Aqui, devemos observar os elementos críticos à concepção leninista de partido. Neste aspecto, estas Tendências incorporam contribuições teóricas de marxistas como Antônio Gramsci e Rosa Luxemburgo.

A “Vertente Socialista” amalgamou experiências políticas já em rota de colisão com a ortodoxia marxista-leninista. Mesmo assim, incorporou muitos dos valores e concepções dessa tradição - foi o que denominamos de pecado ortodoxo. Contudo, esse fator foi relativizado pela composição de sua base social - com enorme presença de pessoas cuja experiência política vinculava-se às pastorais da igreja, comunidades de base e movimentos populares em geral. Este elemento determina outra particularidade da VS: o fato dela ter sido uma espécie de receptáculo dos setores críticos e descontentes com a ART.

À VS coube o mérito de romper com a política bipolar no interior do PT. Retomamos esta questão porque, a nosso ver, ela constitui um dos fatores da dinâmica que determinou desenlaces como o do PRC. A pressão pela adaptação à

535 Na Luta, PT! Carta aos Encontros do Partido. São Paulo, março de 1994, 03 págs.536 Foi com estas posições que os representantes do NLPT, Luiz Eduardo Greenhalgh e Markus Sokol, participaram da Comissão formada para fazer um Projeto de Programa de Governo e da Coordenação Nacional da campanha de Lula. Na Luta, PT! Carta aos Encontros do Partido. São Paulo, março de 1994, 03 págs.537 Na avaliação de Sokol, isto se expressou na questão do apoio à tese da moeda forte aliada à adoção de uma política salarial compensatória. NLPT embarcara na canoa da Articulação Unidade e Luta. (Entrevista ao autor, 06/10/1995).538 Coletivo constituído pelo Dep. Luiz Eduardo Greenhalgh e militantes egressos da VS, como Aldo Leite.539 Comissão Organizadora do I Encontro Nacional. Manifesto Por uma Nova Esquerda, op. cit.540 Comissão Organizadora do I Encontro Nacional. Manifesto Por uma Nova Esquerda, op. cit.541 Sigla de Partido Revolucionário Comunista. In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Revolucion%C3%A1rio_Comunista.542 In www.espacoacademico.com.br/094/94ozai.htm.543 In www.espacoacademico.com.br/089/89ozai.htm.

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regulamentação de tendências foi o 1º muro que as forças políticas como o PRC tiveram que derrubar. A própria atitude da ART em se assumir formalmente como Tendência corresponde e fortalece essa dinâmica.

A evolução eleitoral do PT é outro fator desse processo. Não podemos descartar a influência do exercício de mandatos parlamentares ou o envolvimento na administração das prefeituras. Esse não é um problema de uma Tendência em particular. Mesmo os mais revolucionários tendem a perder o ímpeto e aprendem a ser mais realistas. Logo, o realismo transforma-se num imperativo para a atuação política, em sinônimo de responsabilidade e modernidade.

O fator internacional completa este quadro. É interessante notar que a radicalização nas análises sobre o Leste Europeu é proporcional à moderação da prática política: quanto mais crítico mais moderno; quanto mais moderno, mais realista; quanto mais realismo, maior a propensão à flexibilizar as alianças políticas, a atuar de forma propositiva, a ser cordato.

Aludimos sobre o papel que cumpriu as teorias forjadas nesse processo de crítica a tudo que cheire a marxismo, estimulado pelos ventos do Leste. A experiência do PPB confirma-o.

Na Luta, PT! remou contra a corrente. Quis fazer com que o “anjo da história” percebesse que o passado, afinal, não é tão medonho. Quis voltar às origens e extrair os remédios contra os males que afligiam o presente. Operação difícil de compatibilizar com sua característica de bloco político que mesclava tradições tão díspares. De qualquer forma, cumpriu um papel de fundamental importância como fator aglutinador das Tendências e coletivos que, a seu modo e a despeito de tudo e de todos, ainda ousam defender o marxismo. As respostas divergentes aos problemas colocados pela evolução da conjuntura e as dificuldades de funcionamento próprias de uma estrutura descentralizada são fatores que explicam seu esgotamento.

VII) O.

A O. mineira foi criada na 1ª metade dos anos 70 por estudantes da UFMG, UFJF e da PUC-MG. Seus integrantes se opunham à ação do PCdoB e da APML no ME e críticos da luta armada, posição que os levou a se engajarem no projeto do “Em Tempo”. De um lado, as divergências com o PCdoB permitiram uma aproximação com as outras organizações que participavam do “Movimento” e que também discordavam da linha adotada pelo PCdoB. De outro, a reorientação política de vários grupos de esquerda que tinham aderido às ações armadas também contribuiu para reforçar essa aproximação.

Para aumentar sua influência no ME, a O. lançou a tendência “Centelha”, em abril de 1977. A criação da “Centelha” ocorreu logo depois de encerrada a eleição para o DCE da UFMG, quando a chapa lançada pelo grupo mineiro - também chamada de Centelha - foi derrotada pelos candidatos apoiados pela APML544.

Embora tenha participado do lançamento de tendências estudantis em outras universidades nos anos seguintes, como a “Estratégia”, na PUC-MG, e a “Nova Perspectiva”, na UFJF, foi mesmo com a “Centelha” que a O. conquistou certo peso político em Mina Gerais e aproximou-se da organização gaúcha com a qual fundaria a DS. Os militantes da “Centelha”, além de serem os representantes do “Movimento” em Belo Horizonte, também controlavam o jornal “De Fato”, numa estratégia semelhante a de outros grupos que se contrapunham à hegemonia do PCdoB naquele jornal: participar de publicações regionais para divulgar suas posições políticas ao mesmo tempo em que atuavam na imprensa alternativa nacional. Com as articulações em torno da criação do novo jornal, quase ½ da liderança mineira transferiu-se para São Paulo para “fazer o Em Tempo” 545, enquanto outros militantes do grupo permaneceram em Belo Horizonte como representantes da frente jornalística.

Além do trabalho desenvolvido nas universidades, a O. também chegou a estabelecer contatos junto à Oposição Metalúrgica de Belo Horizonte. Criadas durante o regime militar, as oposições metalúrgicas eram frentes de trabalhadores constituídas pela base, geralmente organizadas em comissões de fábrica e críticas da estrutura sindical oficial, considerada excessivamente atrelada ao Estado546. A aproximação da O. com a Oposição de BH, porém, não ocorreu de forma direta, com a integração de militantes do grupo nas fábricas - estratégia adotada por outras organizações de esquerda. Para o contato com os metalúrgicos, a O. destacava pessoas que já haviam saído da universidade e integrantes do DIEESE, cujo escritório de Minas Gerais, na época, era dirigido por um membro do grupo, Virgilio Guimarães547. Indiretamente, a O. fazia uso do Centro de Estudos do Trabalho (CET), órgão de formação e qualificação profissional coordenado também por um militante da organização. Através dos Cadernos do CET, publicação que tratava de “questões ligadas ao mundo da produção, da reprodução da força de trabalho na região industrial de Belo Horizonte ao lado de temas mais conceituais sobre a exploração da força de trabalho” 548, a O. conseguiu manter contatos também junto a esse segmento do operariado.

VIII) Partido Operário Comunista (POC)549

POC foi uma organização brasileira de esquerda que combateu a ditadura civil-militar de 1964 visando implantar o Socialismo no país, surgindo no final dos anos 1960 de uma cisão da POLOP. Quando a POC optou pela luta armada, alguns de seus militantes criaram a OCML-PO550, também conhecida como “Nova POLOP”. O POC teve certa expressão no ME de 1968,

544 Entrevista de Thomaz Matta Machado ao autor, 09/11/2007. Fundador da DS, Thomaz Matta Machado foi lançado pela O. como candidato a presidente do DCE da UFMG na eleição daquele ano.545 Entrevista de Joaquim Soriano ao autor, 09/05/2006. Joaquim Soriano, da organização gaúcha, foi um dos fundadores da DS.546 Essa bandeira aproximaria as Oposições Metalúrgicas do chamado Novo Sindicalismo, representado pelos dirigentes “Autênticos”. O termo foi usado pela 1ª vez em 1978 pela imprensa para se referir a um grupo de jovens sindicalistas cujas propostas se afastavam das reivindicações apresentadas pelos dirigentes tradicionais. Em linhas gerais, os Autênticos defendiam a autonomia, a liberdade e o pluralismo sindicais; a democratização e uso mais agressivo da estrutura oficial dos sindicatos; a aproximação entre os dirigentes e as bases, por meio das comissões de fábrica; o direito à greve; e a negociação direta com o patronato, sem intermediação do Estado. Os Autênticos eram bastante diversos sob o ponto de vista político, havendo, entre eles, desde sindicalistas ‘independentes’, sem vinculo partidário, até dirigentes filiados a organizações de esquerda como o PCB, MR-8 e CS. Com o lançamento do Movimento Pró-PT, em 1979, o grupo dividiu-se entre o apoio ao novo partido e a continuação no MDB, posição defendida pelo PCB, PCdoB, MR-8 e parte da APML - que também se dividiu em meio às divergências quanto ao assunto. Ao se afastarem do PT, os dirigentes ligados a essas organizações terminaram por isolar-se do grupos dos Autênticos, que em sua maioria aderiu à proposta de criação do PT.547 Virgílio Guimarães também integrou o 1º Comitê Central da DS.548 Entrevista de Thomaz Matta Machado ao autor, 09/11/2007.549 In pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Oper%C3%A1rio_Comunista.550 Sigla de Organização de Combate Marxista-Leninista - Política Operária;

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atuando com o nome de “Movimento Universidade Crítica”, além de fixar alguma presença junto do meio operário das capitais.Em abril de 1970, um grupo de militantes se desligou do POC para voltar a constituir a POLOP, sendo que os que

ficaram no Partido passaram a enfrentar divergências internas profundas, pois alguns de seus membros defendiam a ação conjunta com as organizações da guerrilha urbana551, envolvendo-se em operações armadas. Foi nesse ano que alguns militantes se sairam do POC, no RS, para criar o MCR, que executou algumas ações armadas conjuntas com a VPR.

Mesmo defendendo a queda da ditadura por meios pacíficos, sem pegar em armas, o POC sofreu com o Terrorismo de Estado, seus líderes foram sequestrados e torturados física e psicologicamente, alguns chegaram a ser mortos pela repressão. Porisso, em 1971 o POC estava praticamente destruído, com a maioria dos seus integrantes na prisão ou forçados ao exílio. Dentre seus militantes da POC mortos pela repressão estão Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Helio Zanir Sanchotene Trindade e Ary Abreu Lima. No Chile, por ocasião do golpe militar chileno, em 1973, morreram Luiz Carlos Almeida e Nelson Kohl.

História do POC552

Fundado em 1968, o POC foi fruto da fusão da minoria da ORM-POLOP553 e a Dissidência Leninista do PCB no

RS. Desde a sua origem, o POC pleiteou ser a continuação da POLOP, adotando como base programática o “Programa Socialista para o Brasil”554, que no fluir dos anos 1961 até 1968 havia orientado as posições de seus militantes no debate ideológico que nesses anos os opunha ao PCB555 e às correntes originárias do Catolicismo de esquerda, que deram origem à AP.

O golpe de 1964 pôs em cheque aquilo que se convencionou chamar como o “reformismo” do PCB, em poucas palavras, a sua famosa “teoria da revolução por etapas”556, a mesma que havia articulado o golpe contra as forças progressistas do país. Era contra essa visão que se colocava o “Programa Socialista para o Brasil”.

Durante o ano de 1967, todas as correntes de esquerda no Brasil foram galvanizadas por uma série de fatos políticos entre os quais a divulgação das teses foquistas através do livro de Regis Debray, em “Revolução na Revolução”, que pretendia estar teorizando a experiência cubana; a morte de Che Guevara, em 08/10/1967, na Bolívia; a evolução da Guerra do Vietnã e as vitórias heróicas dos vietkongs, aos quais se associava a palavra de ordem de “Criar 1, 2, 3, muitos Vietnãs”; e a divulgação das teses maoístas; além, é claro, da tomada de consciência sobre o fracasso que havia sido a impotência dos setores populares diante do golpe militar de 1964 e da política pecebista de aliança com a “burguesia progressista”.

Todos estes fatores levaram não só ao aumento da militância de esquerda, como a um reagrupamento dessas forças. No que toca à POLOP, 2 cisões importantes, decididas a iniciar a luta armada, carregaram militantes para a VPR e a COLINA.

Ao mesmo tempo em que se gestavam essas cisões, fruto de amplas discussões dentro de cada organização e entre elas, a ala que continuava a defender o “Programa Socialista para o Brasil”, aproximou-se da “Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul” (do PCB). Nas debates entre estes 2 setores, que daria origem ao POC, confirmara-se adesão ao chamado “marxismo revolucionário”, que fazia a crítica do Stalinismo da URSS e reivindicava uma análise marxista crítica da realidade brasileira, na qual não cabia a idéia de aliança com a “burguesia nacional”, supostamente progressista. Ao mesmo tempo o POC reivindicava o papel principal da classe operária na revolução e nisso seguia seus líderes que haviam já escrito abundantemente sobre o assunto: Rui Mauro Marini, Ernesto Martins557, preso nos anos 70 e falecido posteriormente, e Eder Sader.

Foi porém a herança da POLOP que guiou a atuação do POC no ano crucial da revolução brasileira e mundial, 1968. Foi a partir dessas idéias e da atuação no ME que foi elaborada a tese da “Universidade Crítica”, com a qual os militantes atuaram no movimento, em vários estados do Brasil e com presença na UNE, sobretudo no XXX Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, em outubro de 1968. Foi também com estas bases programáticas que o POC procurou ampliar seus contatos no MO, tendo participado da famosa “Greve de Osasco”, em 1968. E, naturalmente, sobretudo depois do AI-5, em dezembro desse mesmo ano, que trouxe o refluxo do movimento de massas e o endurecimento espantoso da repressão, uma parte de seus militantes não ficou imune ao desejo de aderir à luta armada, juntando-se a outras organizações que já a praticavam.

Os debates sobre esta questão foram o pomo de discórdia que levou à cisão, em 1969, de uma parte minoritária, porém relevante, do POC, que reinvindicando a manutenção das teses da POLOP sem qualquer alteração face à conjuntura, volta usar o nome de POLOP, levando 2 dirigentes dos mais antigos e destacados, Martins e Sader. Ao mesmo tempo, em meados de 1969 o POC sofria o seu 1º golpe repressivo.

O POC continuou as suas ações558, no ME e no MO, tolhido pela dura e asfixiante repressão, ao mesmo tempo em que ampliava suas relações com algumas organizações armadas que, justamente nessa fase, sofriam dura repressão.

O clima de 1970 era aflitivo: parecia a muitos que a luta, além de árdua, era inútil. Abalados por esse clima, onde havia até certo derrotismo, e tentando opor-se a ele, alguns militantes, renovam suas raízes antistalinistas, buscam criar contatos internacionais que lhes ampliassem o horizonte asfixiante dos fatos no Brasil e dessem ao POC uma dimensão histórica da luta revolucionária. Nasceu assim, no 2º semestre de 1970, os contatos iniciais com a IV Internacional (SU-QI), liderada na época por Ernest Mandel, Pierre Frank559, Alain Krivine560 e Daniel Bensaïd. Desses contatos brotou a adesão à IV Internacional e a criação

551 Referencia a ALN, VPR, VAR-Palmares, etc.552 Autoria de: Angela Mendes de Almeida e Maria Regina Pilla, março de 2002.553 Sigla de Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (pt.wikipedia.org/wiki/POLOP). A POLOP foi fundada em 1961 e 1967 sofre uma cisão.554 In www.centrovictormeyer.org.br/attachments/100_Programa%20Socialista%20para%20o%20Brasil.pdf.555 O PCB era diretamente marcado pela influência soviética.556 As teses oriundas do PCB acerca da realidade brasileira, incluíam uma visão “dualista” ou “etapista” da Revolução, segundo as quais haveria uma contradição entre uma fração da Burguesia Nacional e o Imperialismo e o Latifúndio (que o Brasil se encontrava na fase da revolução democrático-burguesa e, portanto, de alianças com um pretenso setor “revolucionário” da burguesia nacional) o que justificaria o apoio da classe operária a esses capitalistas, visando eliminar os “resquícios feudais”, numa espécie de “revolução democrática”, antes que se pudesse pensar em luta pelo socialismo. O apoio de toda a burguesia ao golpe de 1964 demonstrou, na prática, tragicamente, o equívoco dessa idéia, mas foi necessária uma longa discussão entre intelectuais orgânicos e acadêmicos para se alcançar a sua superação teórica.557 Nome de guerra de Erich Sacks, militante alemão que havia lutado nas Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola558 Agora sob o nome de POC-Combate, nome da revista que editou, já no exílio.559 Ex-secretário de Trotsky, já falecido.560 Atualmente deputado pela França ao Parlamento Europeu.

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de 5 teses: “Por uma revisão da estratégia de guerra revolucionária”, “Questões de organização e programa para o MO”, “Sobre a construção do partido leninista de combate”, “O que é o PCB” e “Teses sobre o ABC”, publicadas em Combate nº 1, em 1971.

Mas enquanto estas sementes geradoras de uma militância mais consciente e mais ampla eram forjadas, a repressão, que varria todas as organizações da extrema esquerda (poupando, naquela fase, o PCB), atingi também o POC, em meados de 1971, quando dezenas e centenas de militantes foram presos, sobretudo em SP e no RS, sendo que seu dirigente, Luiz Eduardo Merlino, torturado brutalmente por 48 horas e abandonado numa solitária, terminou por morrer de gangrena.

Entre os militantes que se salvaram da repressão561, a maioria se exilou no Chile, enquanto alguns tentaram (e conseguiram) sobreviver no país, apesar de condenados e perseguidos. No Chile um reagrupamento foi efetuado, já agora sob a égide de uma militância internacional. Em meio a novos recrutamentos, além da militância local nas organizações ligadas à IV Internacional, 2 núcleos de atuação, interligados, se organizaram: um no Chile, que se preparava para a reinserção no Brasil, e outro na Argentina, que em um 1º momento atuava dentro do PRT562, que nessa época tinha ligações com a IV Internacional.

O núcleo do POC-Combate que atuava no Chile conseguiu, lentamente e com grandes dificuldades, desde o início de 1973, reinsere no Brasil, alguns militantes que estavam voltando para, em 1º lugar, conseguir sobreviver, o que já não era fácil para muitos que já estavam fichados pela repressão, e para concentrar seus esforços, nesse momento, no MO.

Outros militantes ainda estavam no Chile quando o golpe militar se tornou irreversível, em julho de 1973, e naquela conjuntura, movidos por um espírito internacionalista, mesmo podendo sair, seja para a Argentina, seja para o Brasil, ficaram e, se fosse possível, ajudar na resistência chilena. Não foi possível: lá também não houve resistência organizada e o militante Nelson de Souza Kohl foi morto pelos lacaios de Pinochet, tendo sido preso e “desaparecido” em 15/09/1973, 4 dias após o golpe.

O núcleo que atuava na Argentina, findou, em certa medida, aglutinado pelo grupo de militantes argentinos que, optando mais clara e decididamente pela IV Intenacional, deixaram o PRT para fundar a “Fracción Roja”, em 1973. Dentro dessa organização, porém mantendo o contato e a solidariedade prática com o núcleo do Brasil, militantes brasileiros do POC-Combate atuaram durante o período de repressão do governo de Isabelita Perón e da terrorista “Triple A” 563. Em maio de 1975, essa repressão, que já havia golpeado duramente as organizações da extrema esquerda, armadas ou não, atingiu a “Fracción Roja”, com a prisão de cerca de 2 dezenas de militantes, inclusive 3 brasileiros564, que juntamente com os argentinos, foram barbaramente torturados e posteriormente processados, permanecendo presos devido às lei do “estado de sítio”.

De 1975 em diante, os militantes do POC-Combate, espalhados pelo mundo, nas prisões argentinas, na militância dificultosa no Brasil, no exílio por diversos países europeus e latino-americanos, desarticularam-se politicamente, muitos deles preferindo atuar na organização da IV Internacional do país em que viviam. Mantiveram no entanto laços de solidariedade pessoal, sobretudo entre argentinos e brasileiros, que duram até hoje.

IX) O dia em que o PT morreu: quando nem os fins nem os meios se justificam565

“O fim justifica os meios? Essa doutrina contraditória, psicologicamente inconcebível, foi malignamente atribuída

aos jesuítas pelos seus adversários protestantes - e às vezes católicos - que, por sua vez, pouco se preocupavam com escrúpulos na escolha dos meios para atingir seus próprios”fins”. Por sua vez, os jesuítas, rivalizando com os protestantes, adaptaram-se cada vez mais ao espírito da sociedade burguesa e dos 3 votos - pobreza, castidade e obediência - conservaram apenas o último, ainda assim de forma bastante atenuada. Do ponto de vista do ideal cristão, a moral dos jesuítas caiu tanto mais baixo quanto mais eles cessaram de ser jesuítas. De guerrilheiros da Igreja passaram a ser burocratas e, como todos os burocratas, uns pilantras de 1ª”.566

Reler os clássicos quando estamos diante de acontecimentos que sugerem mudanças de dimensões históricas é uma das tradições da esquerda que se perdeu, mas que devemos recuperar. A epígrafe de Trotsky remete a 2 dos temas candentes da conjuntura brasileira: a relação entre os fins e os meios para uma estratégia socialista, e os processos de adaptação social e deformação política de organizações que se transformam no contrário do que pretendiam ser quando constituídas.

Trotsky admite que a Companhia de Jesus nasceu como uma resposta medieval à Reforma Protestante, portanto, historicamente, reacionária, porém, com o tempo, se adaptou às pressões sociais do capitalismo. Os jesuítas, até para fixar-se no Vaticano, deixaram de ser jesuítas. O processo de evolução histórica do PT chegou, também, a uma encruzilhada: para se credenciar como um partido eleitoral resignado aos estreitos limites do regime democrático-liberal no Brasil, ao longo dos 20 anos que nos separam do fim do regime militar, o PT precisou deixar de ser petista. Renegar a sua origem foi um processo de rearranjo político, mas, também, de transformismo social, uma ruptura com as bases sociais de sua constituição apoiado na CUT e no MST.

São 2, também, os argumentos deste artigo. O 1º é a constatação inescapável, mas que encontra previsíveis resistências, de que a crise do PT é terminal. O 2º é a defesa da luta contra a corrupção como uma bandeira democrática incontornável do programa da revolução brasileira, tema polêmico, portanto, vital, para a reorganização sindical e política em curso, com o colapso da CUT e do PT. Estas 2 premissas se articulam para defender que a esquerda anticapitalista não pode hesitar diante da luta para derrubar o governo Lula, convocando para manifestações nas ruas, onde os setores de massas em ruptura com o PT poderão, como cunhou Lênin, marchar “votando com os pés”.

Estamos diante de uma nova etapa histórica. Afinal, já foram 10 os presidentes eleitos e derrubados na AL - por mobilizações de massas operárias e populares, não por golpes militares pró-EUA, como na seqüência da Revolução Cubana - depois do fim dos anos 80, expressando a fragilidade da democracia-liberal no continente. Não sabemos se os novos ventos dos Andes já desceram a cordilheira. O desafio, no entanto, está colocado: construir uma oposição de esquerda que ofereça uma saída para a crise do PT, da CUT e da UNE, para vencer a confusão e a prostração, que são a antessala do grande perigo da

561 Isto é, alguns por se encontrarem provisoriamente fora do país562 Neste caso é a sigla de Partido Revolucionário de los Trabajadores.563 Atuaram na fase cruel de preparação da ditadura militar que viria a tomar o poder em 23/03/1976. Triple A é sigla de Aliança Anticomunista Argentina. In es.wikipedia.org/wiki/Alianza_Anticomunista_Argentina.564 Dentre os quais Flávio Koutzii e Paulo Paranaguá.565 Autor: Valério Arcary P.rof. do CEFET/SP, é autor de “As Esquinas Perigosas da História, situações revolucionárias em perspectiva marxista”. Foi membro do DN do PT a partir de 1987, e da CEN do PT a partir de 1989. Foi expulso do PT no processo de exclusão da CS em 1992.566 In Trotsky, Leon. Moral e Revolução: a nossa moral e a deles. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. pp. 9-11.

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desmoralização. O que nos devolverá à discussão sobre os fins e os meios.

Capitalismo e corrupção

Recordemos, para começo de conversa, o que a história e o marxismo nos deixaram como fundamentos “graníticos” sobre a corrupção. Nunca existiu capitalismo sem corrupção. Capital e Estado estiveram sempre unidos através das mais variadas cumplicidades. Desde o alvorecer das pioneiras Repúblicas italianas, quando a Europa recuperou ao Islã o controle das lucrativas rotas comerciais do Mediterrâneo, passando pela conquista da América pelas Coroas ibéricas, sem esquecer os quase cento e cinqüenta anos de disputa entre Londres e Paris pela supremacia no mercado mundial: a corrupção estava lá, em todos os portos, em todos tribunais, em todas as Cortes, em todas as línguas. A corrupção nunca foi privilégio dos latinos, nem dos chineses, nem dos árabes. Desde o Séc. XIX falou, sobretudo, o latim moderno, o inglês. Comprando favores, deslocando concorrentes, driblando as leis, subornando autoridades, obtendo cargos. A força do dinheiro abrindo as gavetas do poder, e o domínio do Estado favorecendo os cofres da riqueza.

Quando argumentamos que capitalismo e corrupção sempre caminharam de mãos dadas, muitos nos perguntam se a corrupção não seria inevitável em qualquer sociedade, porque, afinal, ninguém ignora que tanto na URSS, quanto na China, as burocracias estatais se regozijavam em privilégios driblando as suas próprias leis. A corrupção não seria expressão das incoerências sombrias da natureza humana? Os socialistas defendem que não existe fatalismo na condição humana que nos condene a corrupção. Assim como existiram sociedades que desconheceram a exploração do homem pelo homem, ignoraram a corrupção. A corrupção é uma doença econômico-social, e se explica em função de circunstâncias históricas.

A percepção de que, no Brasil, a apropriação privada do Estado pelo mundo dos negócios teve sempre na sua raiz a impressionante desigualdade econômica e social, é chave para mantermos o sentido das proporções diante do colapso do PT. Ao se transformar, a partir de 1988, em um partido que se credenciava para a gestão do Estado sem ameaçar o capitalismo, o PT selou o seu destino. Um programa de adaptação política a um capitalismo que não cresce, em uma sociedade em que a desigualdade não deixa de aumentar, e na qual a mobilidade social vem diminuindo há ¼ de século, ou seja, um reformismo sem reformas, não poderia evitar a degeneração metodológica e ética. Ensina a sabedoria oriental que o peixe morre pela boca. Já o Pe. Antonio Vieira dizia que o peixe apodrece pela cabeça. O marxismo alerta que a cabeça não é imune à pressão do chão que os pés pisam.

O PT escolheu um caminho de social democratização que já tinha sido trilhado na AL por muitos outros, até por organizações que encabeçaram revoluções democráticas, como os sandinistas. Se, mesmo os partidos que se formaram na severidade das condições da luta armada contra ditaduras567 quando aceitaram se transformar em partidos eleitorais, se descobriram vulneráveis diante da pressão política e social da democracia liberal, parece inescapável que o PT, que já nasceu como um partido eleitoral, seria presa fácil da corrupção endêmica do Estado brasileiro. Era, no fundo, só uma questão de tempo, para que o PT evoluísse do financiamento legal dos monopólios - em prática desde 1994 - para um sistema de caixa 2 - a exemplo dos partidos tradicionais - e, depois, para a transferência de recursos arrecadados para os partidos aliados, o sistema de mensalão para assegurar maioria no Congresso, culminando com o enriquecimento ilícito dos seus burocratas.

O domínio do Capital sempre foi a ligação legal e ou ilegal, logo, sempre ilegítima e imoral, da riqueza com o poder. Todos os partidos afinados com o regime democrático-eleitoral e, por isso, financiados pelo capital, foram atraidos, em todos os tempos e lugares, pela força do dinheiro. Nos últimos 100 anos, à escala mundial, a imensa maioria dos instrumentos da representação política dos trabalhadores, no centro ou na periferia, quando se firmaram regimes democráticos, foram presos pela pressão do eleitoralismo. A Social Democracia européia antes da I Guerra, ou os partidos eurocomunistas após dos anos 60, muito antes do PT, provaram que é difícil, politicamente, e complexa, social e organizativamente, a construção de reservas ou filtros de imunidade diante da pressão de forças sociais hostis. Degeneraram, adotando além dos métodos do eleitoralismo, os seus vícios. Seus dirigentes, fossem do SPD na Alemanha e do Labour Party na Inglaterra, ou do PCF na França e do PCI italiano, provaram, 1º nos parlamentos, depois com o ministerialismo, um processo de ascensão econômica e acomodação social irrecuperável.

Adaptação política e degeneração burocrática

Admitamos, contudo, que os privilégios dos aparelhos socialdemocratas foram a antessala de aberrações ainda mais graves. Não bastassem as desprezíveis excentricidades da burocracia russa, como a coleção de automóveis de Brejnev, ou a cômica sucessão de tipo monárquico, em nome do socialismo, do regime totalitário na Coréia do Norte, a esquerda do Séc. XX viveu a degradação do assalto dos sandinistas às mansões na Nicarágua. Pressões sociais em sociedades desiguais nunca devem ser, portanto, subestimadas: os que se deixam confundir politicamente, assimilam os métodos da política burguesa - em que tudo são mercadorias, incluindo o voto - e, finalmente, se rendem a um modo de vida de ostentação. É o que confessam os principais líderes petistas quando, de maneira até grotesca, invocam absolvição porque estavam agindo de acordo com as “regras do jogo”.

Mas, agora, o PT morreu. Morreu, comparativamente, como o Stalinismo morreu com a queda do Muro de Berlim. Está ocorrendo o que os dialéticos chamam de salto de quantidade em qualidade. Quando o publicitário que criou o Lulinha paz e amor confessou seus pecados, ironia da história, enfiou uma adaga no coração do PT. O ajustamento histórico parece incontornável, sob pena de qualquer análise curvar aos impressionismos de conjuntura. Só uma perspectiva mais ampla permitirá explicar como o partido político que foi a expressão eleitoral do MO sindical e da maioria dos movimentos sociais brasileiros nos anos 80, se tornou, a partir de sua mais alta Direção, irrecuperavelmente, neste espantoso amálgama de arrivistas e vigaristas.

O tema da burocratização dos partidos de trabalhadores assalariados em sociedades urbanas permanece um fenômeno polêmico. Ao analisar a socialdemocracia de cem anos atrás, Lenin recorreu ao conceito de aristocracia operária para tentar explicar a crescente diferenciação social no mundo do trabalho na passagem do Séc. XIX para o XX, e tentar compreender porque uma maioria das bases sociais e eleitorais da socialdemocracia apoiou seus respectivos governos, quando do início da Guerra de 1914. No entanto, é menos lembrado que Lenin previu que esse apoio seria efêmero, mesmo entre os setores da classe trabalhadora que obtiveram concessões na etapa histórica anterior. A aristocratização de um segmento da classe operária era

567 Tais como a FSLN, os Tupamaros ou a FMLN.

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compreendido pela esquerda marxista como um fenômeno, essencialmente, econômico e social, enquanto o agigantamento do aparelho sindical e das frações parlamentares absorvidos pelo Estado, era discutido como um processo, essencialmente, político-social. Aristocracia operária e burocracia operária não eram identificados como o mesmo fenômeno social, porque a aristocracia, um conceito relativo às condições materiais e culturais de existência da classe trabalhadora de cada país. Permanecia sendo um setor de classe, ainda que privilegiado, enquanto a burocracia sindical e parlamentar dos aparelhos socialdemocratas seria uma casta exterior ao proletariado. A experiência do PT e da CUT é uma confirmação quase caricatural deste prognóstico.

Crise terminal do PT e enfraquecimento do governo Lula

Estamos há 2 meses diante de 2 crises que, não sendo iguais, correm paralelas e são indissociáveis: a crise terminal do PT e a crise política do governo Lula. O PT, tal como foi nos últimos 25 anos, não poderá resistir. Estamos acompanhando uma revolução mental na cabeça de milhões de trabalhadores e jovens, um evento de importância histórica. O PT poderá, talvez, viver como um partido eleitoral, ainda assim, se expulsar grande parte da sua Direção histórica, mas nunca mais ocupará o papel que teve junto aos setores organizados das classes trabalhadoras e aos movimentos sociais. Será um partido eleitoral com outra base social. Iludem-se aqueles que subestimam a atual crise do Petismo. A queda da autoridade do PT 568 que se aguentou na corda bamba nos primeiros 30 meses de governo, mesmo se com uma política antipopular, tende a ser vertiginoso.

O que não impede que as parcelas mais atrasadas, desinformadas e, sobretudo, desorganizadas da população, aquelas que foram as últimas a girar eleitoralmente para o apoio a Lula, possam continuar exprimindo durante alguns meses, ou até mais tempo, intenção de voto em Lula para 2006. Foram os últimos a se deslocar para o apoio a Lula, porque nunca tiveram referência no PT ou, de resto, em qualquer partido, e serão os últimos a romper. Esse processo profundo e mais lento não será, contudo, relevante para o destino do PT. O futuro do PT está sendo decidido nas grandes fábricas, como nas montadoras e nas siderúrgicas, nas refinarias da Petrobrás, nas Universidades, entre as classes médias de alta escolaridade e baixos salários, enfim, nas grandes cidades e nos movimentos sociais que sempre foram a sua retaguarda social.

Já o governo Lula ainda não acabou - não se sustentava só no PT - embora esteja muito fragilizado. Dependeu nestes 30 meses do apoio do Imperialismo, da banca, das empreiteiras, da mídia, enfim, das instituições, como o Congresso, o Judiciário e as FFAA, embora não fosse a opção preferencial da burguesia nas eleições de 2002. A sua manutenção, mesmo se agônica, na forma de um governo Palocci/Lula interessa às forças sociais e políticas comprometidas com a preservação da ordem. Não surpreende que estejam atarefadíssimas na articulação de um “acordão” que poupe Lula - e o próprio Congresso - de um Impeachment, da posse de Alencar ou de eleições antecipadas. Porém, a crise permanece aberta. O Governo Lula/Dirceu/Palocci dos últimos 2½ anos não existe mais. O governo Lula vive, por suposto, uma profunda crise política desde que se precipitou a denúncia de que o PT transferiu fundos para os partidos de aluguel como o PL, PP e PTB, reconhecidas pelo próprio Roberto Jefferson como mercenárias, e que lhe garantiram uma maioria no Congresso Nacional, como aliás já faziam para o governo FHC.

Não é segredo para ninguém bem informado que há muitos anos, pelo menos de 1994, o PT tem financiado as suas campanhas com milionárias contribuições dos principais monopólios brasileiros. Mas, apesar destas evidências, a direção do PT manteve a imagem de sua integridade moral intacta diante da maioria de suas bases sociais. Argumentava que aceitar o dinheiro das grandes corporações era parte das “regras do jogo”, ou seja, que os fins justificavam os meios.

As denúncias do “mensalão” poderão ser, contudo, decisivas para abonar o que já se suspeitava há muito: a) que o PT mantém, também, a exemplo dos partidos burgueses, um caixa 2 para financiamento eleitoral; b) que o PT, quando no Governo Federal - e por que não, quando nos estados e municípios? - favoreceu empresas privadas, como as empreiteiras que concorrem pelos contratos milionários de arrecadação de lixo, ou as publicitárias, em licitações públicas; c) que ocorreu desde 1988 2 processos simultâneos e indivisíveis: profissionalização de um aparelho de vários milhares de quadros que fazem um rodízio nacional pelos cargos de prefeituras e administrações estaduais, aliado ao enriquecimento ilícito de uma parte de sua Direção.

A questão decisiva para a esquerda anticapitalista social e política é ajudar a unir estas 2 crises que correm em ritmos diferentes: fazer que a perda de confiança na CUT e no PT se torne em ruptura política como o governo Lula. Ajudar os milhões que formaram ao longo dos últimos 25 anos a base social do Petismo a ir além da tristeza e do desânimo, e construir uma mobilização que traga um setor de massas, no início, um setor mais avançado e, possivelmente, mais jovem, para as ruas. O que não avança, retrocede. Já sabemos que, se não houver pressão popular, a crise se resolverá por dentro das instituições com algumas cassações de deputados - e com algumas, poucas, expulsões do PT - e Lula procurará relocalizar seu governo diante da burguesia prometendo a reforma política, a sindical, e a jóia mais cobiçada de todas, a reforma trabalhista.

Não há porque temer a debilitação do governo e, se factível, a sua derrubada. O governo Lula não é um governo de esquerda. Quem o disse foi ninguém menos do que o próprio Lula. Praticou o maior superávit de orçamento da história do país: até o fim de 2005 transferirá mais de R$ 150 bilhões para os rentistas dos juros da dívida interna, sacrificando a educação e a saúde pública. Não há quem duvide que Serra não poderia ter feito a Reforma antipopular da Previdência que Lula fez. O governo Lula é um governo socialmente burguês, economicamente neoliberal, politicamente reacionário.

A natureza do governo Lula nutriu, porém, inúmeras confusões na esquerda. O marxismo se distingue como corrente teórico-política, justamente, pelo esforço em definir socialmente os fenômenos políticos. Grande parte da intelectualidade petista, e a esquerda do PT - o próprio MST - invocaram a fórmula elíptica de um governo em disputa, um híbrido social. Mas, com o tempo, ficou claro que a mão pesou demais. É muito razoável admitir que todo governo pode ter uma ala esquerda, no sentido de que o ministério pode ser heterogêneo, porém, enfim, há uma dinâmica que se impõe. O governo Lula não permite paralelo, por exemplo, com o governo Chavez, que era o grande temor de uma fração do governo estadunidense, acalmada pela embaixadora estadunidense em Brasília. O governo Chavez remete às experiências do Governo Cárdenas no México dos anos 30, e aos governos Perón na Argentina e Vargas no Brasil, nos anos 50. Após a crise de 1929, quando a supremacia inglesa já sucumbirá, e uma nova hegemonia estava em aberto, uma vaga revolucionária sacudiu a Europa - Espanha, França e Alemanha - e a crise mundial ajudou o surgimento de governos que buscavam uma margem de maior autonomia no sistema mundial de Estados. Trotsky sugeriu o conceito de semibonapartismo ou bonapartismo sui generis para definir o governo Cárdenas.

568 Em menor medida, do próprio Lula.

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“Nos países industrialmente atrasados o capital estrangeiro joga um papel decisivo. Por isso, a relativa debilidade da burguesia nacional em relação ao proletariado nacional. Isto cria condições especiais para o poder estatal.O governo oscila entre o capital estrangeiro e o capital nacional, entre a relativamente débil burguesia nacional e o relativamente poderoso proletariado. Isto dá ao governo um carácter bonapartista sui generis, de tipo particular. O governo se eleva, para tentar descrevê-lo, por cima das classes. Na realidade, pode governar convertendo-se em instrumento do capital estrangeiro e submetendo o proletariado com as cadeias de uma ditadura policial, ou manobrando com o proletariado, chegando inclusive a fazer-lhe concessões, ganhando deste modo a possibilidade de dispor de certa liberdade em relação aos capitalistas estrangeiros”569.

O conceito de bonapartismo é especialmente complexo porque questiona a idéia simples de que teria uma conexão direta entre as classes e o Estado. Surgiu no marxismo para tentar definir governos nos quais o Estado arbitrava entre várias classes proprietárias, apoiando-se em setores sem posse. Napoleão III teria se apoiado no campesinato para isolar o proletariado, e mobilizar sob a bandeira da unidade nacional a favor do mundo das finanças, e Bismarck fez concessões ao nascente proletariado, para agir contra a burguesia dos principados ocidentais anexados a favor dos junkers do Leste. Adaptado à experiência de um país semicolonial, e reformulado como semibonapartismo para definir o governo Cárdenas, que parou o pagamento da dívida externa, e fez uma reforma agrária, aceitando os “ejidos”570 visava clarear o alcance de uma política nacionalista que se apoiava nas classes populares, arbitrando novas condições com o imperialismo, ainda nos limites do capitalismo.

Mas, Lula não é Chavez, nem sequer um Cárdenas do início do Séc. XXI. Na política, como na vida, o que não se enfraquece, se fortalece. O governo Lula só se fortaleceria, nas atuais circunstâncias, se desse um giro à direita mais antipopular, abraçando o plano de um superávit nominal zero, ou seja, um arrocho próximo a 10% do PIB para o pagamento dos juros. Um governo Lula/Delfim Neto seria, no entanto, para os trabalhadores e o povo uma catástrofe nacional. Um governo Lula mais fraco é, portanto, muito melhor que um governo Lula forte. E, sendo possível mobilizar para derrubá-lo, não haveria porque hesitar, mesmo se hoje não podemos vislumbrar a possibilidade da luta direta pelo poder pelas forças antcapitalistas. Um governo Alencar seria ainda mais frágil. Já a antecipação do calendário eleitoral exigiria um enorme grau de improviso por parte da burguesia que não tem candidatos fortes - tanto PSDB quanto PFL têm contas a explicar - e diminuiria em muito as possibilidades de um PT reciclado com outro candidato, abrindo espaço para uma recomposição da esquerda sobre novas bases políticas e metodológicas. Uma candidatura de esquerda socialista, construída tanto de baixo para cima pelo sindicalismo classista, pelos ativistas independentes do movimento popular e estudantil, quanto por uma articulação madura e paciente do PSTU, PSOL e Consulta Popular com um programa antiimperialista e anticapitalista, poderia ser o início de uma nova etapa da esquerda, sobretudo, se forjada a partir de uma experiência de frente única na luta contra o Governo Lula.

Tarefas democráticas e revolução socialista

Muitos socialistas honestos indagam se a denúncia da corrupção, uma bandeira democrática, não deve ser secundarizada pops, afinal, a primazia de uma política de esquerda precisaria ter como identidade fundamental a exposição, diante de todos os grandes eventos, de uma saída de classe, logo, anticapitalista. Este debate tem 2 angulos, um programático e outro ético. O programático é a noção que o programa da revolução socialista deve assumir, conscientemente, tarefas democráticas.

A revolução social anticapitalista contemporânea tem sido um sistema de simultaneidade de várias revoluções. Sobre esta questão programática existiram 2 posições simétricas, no passado, ambas erradas.

A 1ª e mais influente foi a do PCB que defendia que, sendo o Brasil um país atrasado em relação aos centros capitalistas, a revolução brasileira seria uma revolução nacional e democrática, tendo como centro um programa de industrialização e crescimento econômico. A etapa democrática era posta em oposição a uma ruptura socialista e, por isso, foram criticados, corretamente, como etapistas. Os sujeitos sociais interessados nesse programa, segundo a Direção prestista, seriam a burguesia industrial aliada às classes médias urbanas. Ficava reservado aos trabalhadores e ao povo pobre da cidade e do campo um papel de pressão sobre uma fração das classes proprietárias contra outras, sacrificando sua independência política. Esta elaboração explicava a seguidismo político do PCB face ao governo Jango. A 2ª posição, que influenciou a POLOP, reconhecia que o Brasil era um país retardatário em que as tarefas agrárias, de distribuição da propriedade da terra, por exemplo, estavam pendentes, mas dizia que, sendo o conflito entre capital e trabalho o mais agudo e ordenador de todas as outras lutas, a revolução brasileira seria socialista, ponto, e o seu sujeito social seria o proletariado.

A história provou que ambas estas elaborações eram unilaterais, ou estavam diretamente erradas, mesmo se admitirmos, por justiça intelectual, que a primeira se demonstrou mais equivocada. Nos países periféricos como o Brasil, acompanhamos um processo de luta social em que as tarefas democráticas, historicamente burguesas, não puderam ser realizadas pelas classes proprietárias. Mas, isso não significa que tenham perdido importância, e que não haja uma revolução democrática por fazer, mesmo depois da queda da ditadura há 20 anos atrás. Até hoje, o Brasil permanece com uma espantosa concentração de terras em pouquíssimas mãos, enquanto milhões não têm terra alguma. Até hoje, o Brasil continua com uma inserção dependente no mercado mundial, exportando capitais através do pagamento da dívida externa, vendendo muito barato suas matérias-primas, e comprando caro manufaturados e pagando fortunas de royalties. Até hoje, vivemos em uma República que não é república, devorada pela corrupção e pela impunidade, porque riqueza e poder se protegem, reciprocamente, e a lei está muito longe de ser igual para todos. Isto foi assim e permanecerá assim, porque as classes proprietárias temem, acima de tudo, a mobilização independente das massas trabalhadoras da cidade e do campo.

A revolução brasileira será, portanto, um processo de simultaneidade de várias revoluções, como tem ocorrido, aliás,

569 Ver Trotsky, León. “La industria nacionalizada y la administración obrera”. In Trotsky, León. Escritos latinoamericanos, 2ª edição. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky (CEIP León Trotsky), 2000,, pp.163-164. O tema dos governos Cárdenas, Perón e Vargas, entre outros, analisados como populistas por alguns autores como Ianni e Weffort, ou bonapartistas sui generis pela tradição inspirada em Trotsky, é estudado por Felipe Demier em uma comunicação ao III Colóquio Marx-Engels do CEMARX da Unicamp que será publicada na Revista Outubro n. 13.570 Referencia a posse de terras comunitárias.

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nos últimos anos na AL. O “que se vayan todos” da Argentina em 2001 e do Equador em 2005, expressava a radicalidade democrática do programa que permitiu a aliança do mundo do trabalho com as classes médias. O que pretendia traduzir? As massas estavam votando com os pés, marchando aos milhões, e dizendo que os políticos profissionais burgueses e seus aliados reformistas não poderiam mais se candidatar. Por isso, eram “escrachados” e desmoralizados, e não podiam mais sair de casa.

Na Bolívia, a bandeira de luta contra a violenta repressão que deixou dezenas de mortos, e que levou à queda do “El Gringo” Gonzalo de Losada em 2003, e a bandeira do “Gás é nosso”, que levou á derrubada de Mesa em 2005, traduziam a união das reivindicações nacionais antimperialistas com a justa ambição democrática de justiça para a maioria da população que é indígena e camponesa, e que sempre foram considerados pelos proprietários descendentes de europeus, como bolivianos de segunda classe. Os Fevereiros recorrentes latinoamericanos desde 2000571, as revoluções democráticas que permanecem incompletas, que derrubam governo atrás de governo, mas não se colocam a questão do poder, confirmam que processos de revolução socialista, mesmo se partindo de níveis de consciência e organização insatisfatórios, estão em marcha.

A revolução brasileira não será diferente. Será um processo de mobilização em permanência em que às bandeiras de luta anticapitalista, como a nacionalização do sistema financeiro, por exemplo, se unirão as bandeiras democráticas radicais como a luta contra a corrupção, pelo fim dos sigilos bancários, fiscais e telefônicos dos corruptos e corruptores, pela expropriação de seus bens, pelo fim dos paraísos fiscais, etc... Será uma revolução nacional contra o imperialismo, uma revolução agrária contra o latifúndio, uma revolução democrática contra a corrupção, uma revolução negra contra o racismo. Será, contudo, uma revolução socialista, porque terá nos trabalhadores assalariados, a coluna vertebral da aliança popular com as camadas médias, e não se deterá diante da propriedade privada do capital. O fenômeno do substitucionismo social já adquiriu formas incríveis - como revoluções agrárias que se desdobram em socialistas como na China - e preparemo-nos para novas surpresas: tarefas democráticas elementares, até republicanas - como aprecia tanto a esquerda petista - só poderão ser realizadas com métodos revolucionárias, pelas classes que têm interesses anticapitalistas. É a revolução permanente.

Os fins e os meios

A dimensão ética remete à relação entre os fins e os meios, que injustiçou no passado remoto os jesuítas - e no Séc. XX os bolcheviques - e ouviu seus ecos no movimento socialista. O debate sobre estratégia e tática, qualificando os diferentes tempos da política, deu uma nova vida ao problema, na medida que crescentemente, a maioria das correntes que se pleiteiam socialistas no Séc. XX, foram deixando a visão anticapitalista, adotando diferentes versões de programas reformistas. Erigiram-se em relação ao tema, grosso modo, 3 posições fundamentais na esquerda contemporânea, embora com nuances intermediárias:

a) a posição que defende que os fins justificam os meios. Os seus adeptos alegam que, ao final, com a passar do tempo, seriam perdoados. As Social Democracias francesa e alemã defenderam os genocídios da I Guerra, brandindo que agiam em conluio com suas classes dominantes, para defesa da pátria. O Stalinismo não hesitou, por exemplo, em defender até o Pacto Ribbentrop/Molotov, aceitando um acordo diplomático com o Nazismo que não impediu que, 2 anos após, a URSS ser invadida por uma Alemanha imensamente fortalecida. Os “realistas” se esquecem, porém, que meios indignos afastam ou até comprometem os fins, porque os fins precisam, também, ser permanentemente, reafirmados, confirmados e justificados. Cometem, em nome do realismo político, o erro simétrico dos moralistas. Mas, dividem com eles o juízo absurdo de que meios e fins independem uns dos outros;b) a posição dos moralistas que os meios são tudo, e os fins, nada. Dita, originalmente, pelo reformismo “a la Bernstein”, virou uma moda internacional com a aumento dos FSM's e a popularidade das ONG’s. A estratégia da luta se esgotaria na tática, esvaziando a política de invenção. Porque tudo são táticas que, erraticamente, se sucedem. Não há horizontes, não há projetos, não há programas. A política fica reduzida ao tempo do presente. A dimensão utópica do combate socialista, que só pode ter sentido na revolução mundial, se perde. A história, de processo de vir a ser, passa a ser um eterno presente, comprometendo, logo, uma perspectiva de luta pelo poder. Esta posição surge, amiúde, camuflada com a prova empirista de que o caminho se constrói caminhando, cujo efeito é a absolutização de critérios morais imperativos e universais. No limite, consiste em uma subordinação da política à moral, uma versão que pode ser mais ou menos laicizada572. Remete, em última análise, a regra teológica de que a moral independe da história, portanto, da sociedade e dos conflitos de classe no seu interior. Sendo os imperativos categóricos kantianos inaplicáveis, tanto sob as pressões da vida cotidiana, quanto na arena das lutas de classes quando esta se exacerba, os valores morais universais passam a ser um princípio sagrado irrevogável, porém inútil;c) a posição que defende que os meios e os fins têm entre si uma relação indissolúvel e, em uma sociedade dividida, o combate político é também um combate moral. Só seriam admissíveis, portanto, aqueles meios que estejam ao serviço da supressão do poder de uma minoria sobre a maioria: os meios que inflamam a revolta dos oprimidos, que exaltam a sua união e confiança em si mesmos, que confirmam a justeza de suas lutas. Obrigatório dispor que nem todos os meios são permissíveis. Devem ser condenados como indignos, por exemplo, todos as condutas que nutram ilusões nos inimigos de classe e desconfiança entre os trabalhadores; os métodos dos burocratas que trocam confidências com os patrões e mentem, descaradamente, para as suas bases; os artifícios dos que lançam um setor do povo oprimido contra outros; ou que estimulem o seguidismo cego dos chefes; e, acima de tudo, o nojento servilismo diante das autoridades, e o próprio desprezo pela juventude e os explorados e suas opiniões; mas, admite, também, que não existe um catecismo que defina como mandamentos o que é consentido, e o que é impensável.

X) Nossa Intervenção Crítica no Movimento Pró-PT573

571 Referencia ao Equador em 2000 e 2005, Argentina em 2001, Venezuela em 2002 Bolívia em 2003 e 2005.572 Sob a forma de valores ahistóricos da “natureza humana”.573 In www.pco.org.br/causaoperaria/1979-83/002/3partido.htm.

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Desde a década de 30, o desenvolvimento da classe operária brasileira está marcado por sua subordinação ao nacionalismo burguês. O regime do sindicato semiestatizado, surgido naquela época como vanguardismo, é a manifestação extrema desde o fenômeno político fundamental no desenvolvimento do proletariado nacional.

Nestes 50 anos, o nacionalismo tem dado provas definitivas de sua incapacidade de conseguir uma transformação democrática e antiimperialista do país. Com o desenvolvimento da penetração imperialista, de um lado, e o ascenso (a partir de 1944) das lutas operárias e camponesas, do outro, o nacionalismo vanguardista e petebista deixou de ser o centro aglutinador da burguesia nacional para se transformar em um instrumento dirigido principalmente ao estrangulamento da luta dos trabalhadores. Através de sua própria experiência, o proletariado tem vivido a covardia e a miséria de todas as variantes do nacionalismo, que prometiam tirar o país de seus atraso e opressão nacional através da colaboração de classes entre a burguesia nativa e o proletariado. Na realidade, os nacionalistas burgueses acabaram capitulando miseravelmente frente ao imperialismo, temendo mais o avanço da mobilização operária do que a reação. Assem é que as massas foram derrotadas quando se abriu espaço para o golpe contrarrevolucionário de março de 1964.

A atualidade e vigência que hoje adquire o debate sobre a organização política independente dos trabalhadores não se pode entender senão como resultado de toda essa experiência histórica, porém não superada, da classe operária. Na medida em que o proletariado se recupera e sai ao combate, surge uma tendência objetiva do MO a superar sua frustração de muitas décadas de arregimentação sob políticas nacionalistas burguesas. Junto ao ascenso da luta dos explorados se desenvolve uma crescente politização dos quadros da classe operária e é isto que ganha expressão na atual situação política. Por outro lado, o nacionalismo burguês carece dos meios para recriar as condições de um partido único de colaboração de classes.

No recente I Congresso dos Metalúrgicos de Osasco, um dos delegados assinala: “nunca devemos nos unir com os nacionalistas burgueses que sempre nos fizeram lutar pelos interesses deles”574, e citou Juan Perón e Leonel Brizola como exemplos de oportunismo. Eis aqui um princípio básico de um autêntico partido dos trabalhadores: delimitar-se do nacionalismo burguês e colocar-se como direção da maioria nacional explorada. Se ao proletariado cabe a direção do movimento de massas, não é por capricho. São as condições sociais do próprio desenvolvimento capitalista as que criam uma classe concentrada, coesa, pela exploração comum do capital, nas grandes empresas. São estas condições as que impulsionam o proletariado a assumir a liderança de uma imensa massa de explorados agrários e urbanos socialmente isolados, dispersos e debilmente organizados.

A Direção Sindical Autêntica e o Lançamento do PT

Se a vigência da proposta de um partido operário independente tem sua raiz no desenvolvimento histórico do proletariado nacional, seu interesse atual está marcado, além disso, pela posição pública assumida pela direção sindical autêntica que se declara formalmente a favor de um PT. No entanto, a colocação do PT pelos lulistas é uma colocação empírica, vacilante e superdominada pelas pressões hostis das classes inimigas do proletariado e do Partido Comunista (stalinista). Isto explica a enorme confusão existente nas vanguardas quanto à questão do PT e o impasse permanente no desenvolvimento dessa proposta.

A colocação é empírica porque surge fundamentalmente como reflexo da pressão das massas sobre a direção sindical nas condições de crise atual e do desgaste e desagregação do regime militar. A direção sindical não tem nos atuais partidos arregimentados nenhum tipo de representação política e, frente a uma reformulação partidária, lançou a questão do PT como meio de buscar um lugar novo no arranjo. “Não podem ser apenas eleitores, ao contrário os trabalhadores tem que ser votados” - dizia Lula em junho em uma reunião sindical em Porto Alegre (Diário de Notícias, 23/6/79). Se, inclusive, a burocracia sindical pelega dos metalúrgicos de São Paulo apoiou unanimemente - com o Joaquim à cabeça - a proposta do PT lançada no Congresso de Lins em janeiro passado, isto evidencia que a proposta tem uma vigência real, frente à qual seus inimigos são obrigados a manobrar e não se declararem abertamente contra. Mas o próprio fato de os sindicalistas autênticos lançarem a questão do PT sem uma delimitação programática clara e sem uma distinção rigorosa contra os pelegos permitiu a estes aparecer numa frente comum, o que revela toda a confusão e empirismo com que surgiu esta proposta.

PT e Esquerda Emedebista: Uma Coalizão sem saída

“Não os imagino pretendendo um partido só de trabalhadores porque isto seria cair num obreirismo estreito” 575 - dizia Almino Afonso quando os sindicalistas formularam em janeiro a proposta do PT. Desta maneira, um dos líderes do setor autêntico do MDB marcou, de início, sua oposição a um partido de classe. Afonso, Min. do Trabalho de Goulart, é bem representativo do nacionalismo pequeno-burguês da esquerda emedebista e de sua perspectiva: flertar com a nova direção sindical para atraí-la a um partido não de classe, senão “popular”, isto é, de colaboração de classe e submetido à direção da burguesia democratizante.

Isto seria sem dúvida o aborto de um autêntico PT e um novo caminho de derrotas para o MO, a reedição do colaboracionismo classista, da união com “os nacionalistas burgueses que sempre nos fizeram lutar pelos interesses deles”, segundo as palavras do delegado metalúrgico de Osasco.

Que partido operário pode construir-se com intelectuais que abertamente se declaram hostis a uma organização política de classe? Todavia, a direção lulista afiançou todos seus vínculos com este setor emedebista desde a reunião conjunta feita em São Bernardo em junho passado. Em uma recente reportagem, Lula disse: “Eu não abro não da proposta do PT. Mas não tenho dúvidas que teríamos a participação do Almino, do Fernando Henrique, enfim, de pessoas que estão lutando para tirar a classe trabalhadora do sufoco em que viveu. As propostas do Partido Popular, do PT e de outros partidos que existem por aí são boas”576.

Tudo isto é um erro fenomenal. Em 1º lugar, quem “está tentando tirar a classe trabalhadora do sufoco” são os próprios trabalhadores com suas mobilizações e sua ação direta. Enquanto a esquerda emedebista se por sua vontade desmobilizadora, sua profunda covardia e por sua posição de salvar o regime militar pela via do chamado novo pacto

574 In Jornal A República, 10/09/1979.575 In Folha de S. Paulo, 24/1/1979.576 In Isto É, 19/9/1979.

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constitucional. Por isto sua função principal tem consistido em reclamar que os operários sejam “moderados”, “não se radicalizem”, de que aceitem o dialogo, etc, etc. Não foi acaso, exatamente isto que aconteceu quando da greve metalúrgica de S. Bernardo?

Em 2º lugar, de 2 uma: ou “não se abre mão” de um PT e nos delimitamos do nacionalismo e de quem declara publicamente seu repúdio a um partido de classe, ou dizemos abertamente que sob a fórmula do PT queremos criar uma organização de compromisso com a burguesia e pequena burguesia, na qual os operários deveriam se dissolver. Não há meio termo e isto tem que ser dito claramente.

Por um Autêntico PT, organizado em um Congresso de Bases

Um PT só poderá ser representação política dos trabalhadores se for de massas. São as massas que debaterão seu programa e determinarão seus estatutos, discutindo as propostas que fazem aqueles que se reclamam da construção de um verdadeiro partido operário independente. De que outra maneira se poderia construir, com os métodos da democracia e da representatividade operária, um verdadeiro PT? Quando se lançou a idéia do PT, os sindicalistas autênticos disseram que era uma proposta para ser discutida “junto às bases”, que organizaram assembléias, reuniões, em todos os sindicatos, sobre a questão. O que foi feito nesse sentido? Qual é o balanço? Quantos núcleos os PT foram criados?

O fracasso de uma campanha nesse sentido não é um problema organizativo. Se confia em substitutos de um autêntico PT, se confunde um partido de classe com um agrupamento “popular” com nacionalistas burgueses, a essência mesma da organização de classe está destinada ao aborto.

Se queremos um autêntico PT o caminho é claro: temos que partir das massas operárias organizadas para projetar sua mobilização para um plano político. Junto às comissões de fábrica, aos corpos de delegados, isto é, à extensão das organizações operárias a partir dos seus locais de trabalho, temos que formar os núcleos pelo PT e multiplica-los por mil. Não existe uma muralha entre o trabalho sindical e o político; este último deve ser projeção do 1º. É o único caminho se existe vontade para um autêntico PT: acabar com a confusão, romper com a perspectiva de colaboração de classes e encaminhar sua organização por um método democrático e representativo: um Congresso de Bases. A perspectiva de uma partido operário de massas depende em grande parte da capacidade da vanguarda operária em intervir no debate atual com uma clara posição de independência de classe: por um autêntico PT sem os “autênticos” do MDB, organizado em um Congresso de Bases. A posição da atual direção sindical autêntica não pode conduzir à proposta de um PT, mas sim a um beco sem saída e ao aborto de um real partido operário independente e de massas.

A Questão Fundamental do Programa

O princípio de que “operário vota em operário” é rigorosamente progressista, mas falta, contudo, dizer qual é a política que seguirá um partido dos trabalhadores, isto é, seu programa. Não basta reivindicar uma representação da classe operária, pois ela pode ser, se segue uma política burguesa, uma representação patronal - não proletária. Se já chegou o momento de construir um partido operário, isto quer dizer que nenhuma das classes dominantes, nem seus partidos, é capaz de reagrupar a sociedade atrás de objetivos historicamente progressistas. Se um chamado partido operário se limita a repetir, numa versão um pouco melhorada, as colocações dos partidos burgueses, seguramente fracassará em criar um pólo de militância política independente para a vanguarda operária. Será incapaz também de forjar, sob sua direção, a aliança operário-camponesa. Para ser um real partido proletário, deve definir em sua estratégia a emancipação dos trabalhadores de toda forma de exploração social, ou seja, deve inscrever em seu programa a estratégia de transformar o país sob o governo operário e camponês, isto é, um governo revolucionário dos explorados, independente da burguesia. Caso contrário, o PT não sairá, ou se limitará a ser um aborto de partido de classe. A fraude maior que se pode cometer contra o PT é estrutura-lo como marco da “reformulação partidária”, isto é, dentro dos limites institucionais e programáticos da ditadura - e isto é o que efetivamente está ocorrendo. Neste aspecto é onde se manifesta o nefasto papel da “esquerda” dos autênticos.

O PT deve declarar já que lutará para pôr fim à ditadura militar, erguendo a exigência de uma Assembléia Constituinte Democrática e Soberana. “Operário vota em operário” deve ter o alcance de uma total delimitação de classe na luta pela conquista irrestrita dos objetivos democráticos. Escamotear isto é cair num obreirismo que não necessariamente desagrade à ditadura militar.

A aprovação do programa deve ser uma tarefa de um Congresso Operário, porém, o programa revolucionário da classe deve ser levantado já contra o oportunismo dos dirigentes sindicais, se realmente se deseja abrir o caminho para o partido proletário.

O PC contra o PT

Desde o 1º momento em que foi lançada a proposta de construção de um PT, o PCB se declarou frontalmente contra. Um recente número de “A Voz Operária”, órgão oficial do PCB, faz as seguintes observações à criação do PT:

“É justo confundir as atividades do movimento sindical com as de um partido político, seja ele qual for? A reação, os patrões não têm um grande interesse na divisão “política” dos trabalhadores? Não há risco de que uma certa confusão se estabeleça e de que as forças e personalidades que atuam na esfera política manipulem em proveito próprio as melhores intenções de muitos desses companheiros?”

O cinismo destas “preocupações” é notável. Em 1º lugar, porque o PC propõe que os militantes operários e sindicais se afiliem ao MDB, o que significa que os trabalhadores se “confundam” com a burguesia dissolvendo-se num partido dos patrões conciliador com a ditadura. Mas para o PC não é justo que se construa um partido de classe, independente e de massas! Em

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segundo lugar: se os patrões têm interesse na divisão “política” dos trabalhadores, um verdadeiro PT de massas, funcionando sobre a base da democracia operária e da liberdade de expressão para as diversas correntes proletárias seria justamente um tremendo instrumento de unidade da classe num terreno político próprio. A proposta do PC de “unidade do MDB” contra a criação do PT não é nem sequer uma “divisão política” da classe: é sua virtual dissolução num partido burguês. Em terceiro lugar o PC coloca que num PT, os dirigentes poderiam “manipular” em proveito próprio as “melhores intenções dos trabalhadores”. Porém, quem manipula hoje, concretamente, os interesses operários no partido burguês opositor, o MDB? De qualquer forma, há uma maneira muito mais simples de lutar contra as manipulações: que o PT seja organizado de forma democrática e representativa através de um Congresso de Bases.

A oposição do PC à construção de um PT demonstra até que ponto o stalinismo chega, na sua vocação de submissão e capitulação ante os inimigos de classe do proletariado.

A Reformulação Partidária

Nestes dias deverá ser publicado o projeto de reformulação partidária anunciado pelo governo. Um projeto de criação de novos partidos que só poderão se constituir a partir do Parlamento da ditadura (é necessário 42 deputados e 6 senadores para construir um “novo” partido). Trata-se, portanto, da negação dos direitos democráticos mais elementares da liberdade de organização e associação.

Encurralada pela crise econômica e pelo ascenso dos explorados, a ditadura convoca os setores burgueses afastados do exercício direto do poder (Tancredo, Ulisses, etc) e aos que foram exilados (Brizola e Arraes) para assumirem em conjunto a carga da crise e descarrega-la contra a classe trabalhadora. Não falam por acaso de um novo pacto constitucional? Não falam de Constituinte com Figueiredo? Fala-se de um maior espaço permitido pela ditadura, mas isto é para estruturar uma sustentação coletiva do regime antioperário existente.

No MDB todas as suas frações se preparam para os novos reacomodamentos. A esquerda emedebista tem proclamado que se lançará à formação de um “partido popular” - no qual Arraes seria uma figura chave - para o qual pretende cooptar aos sindicalistas autênticos. Se acontecesse isto assistiríamos à falência do movimento pelo PT.

E, assim, os emedebistas de todas as matizes em lugar de aprofundar o abismo entre a ditadura e a sociedade, correm apressados a fechar a brecha por onde temem que passe a revolução!

Um partido operário não pode surgir para atuar no terreno da reformulação partidária ditada pela ditadura. Seu objetivo é liderar a luta para derrubá-la. É preciso tomar cuidado com a armadilha preparada ao se pretender buscar a assinatura de 45 deputados para legalizar o PT. É necessário ter cuidado também com a idéia de termos de ocultar o programa de luta para se contornar a legislação repressiva. Um partido operário só pode se estruturar através da vontade das massas, isto é, de sua própria mobilização contra o arbítrio e todo o aparelho repressivo da ditadura. A luta por um partido operário é inseparável da luta contra a mesquinha e antidemocrática reformulação partidária, pelas liberdades democráticas irrestritas, por uma Assembléia Constituinte que oponha a vontade soberana das massas às manipulações da ditadura, como um aspecto da derrubada do capitalismo.

XI) A Libelu ganhou o poder577

No Brasil, historicamente o Trotskismo nunca foi dominante entre as trincheiras da esquerda. Mas muita gente graúda hoje do governo federal já teve corações e mentes ocupadas pelas idéias do líder.

O líder revolucionário León Trotsky, inspirador de uma linha do comunismo, é uma figura praticamente apagada de qualquer discussão política que envolva altos mandatários do planeta – apesar de suas idéias ainda respirarem em vários partidos de esquerda mundo afora. Ele foi expulso da Rússia e assassinado a golpes de picareta há mais de seis décadas por ordem de seu arqui-rival Josef Stálin, no exílio no México. No Brasil, historicamente o Trotskismo nunca foi dominante entre as trincheiras da esquerda. Mas muita gente graúda hoje do governo federal já teve corações e mentes ocupadas pelas idéias do líder.

Para iniciar por cima, Antonio Palocci, Min. da Fazenda, Luiz Gushiken, da Secret. de Comunicações, Clara Ant, assessora presidencial, Glauco Arbix, Pres. do IPEA578, são alguns deles. Vários membros do 2º escalão, como secretários e chefes de gabinete também entraram na política em função do socialismo defendido por Trotsky. Para ser mais específico, eles fizeram parte da OSI e de seu braço estudantil mais vistoso e festivo: a corrente Liberdade e Luta, a Libelu.

A Libelu era diferenciada em vários aspectos. Formada por estudantes universitários e secundaristas, foi fundamental para a reorganização do movimento estudantil no fim dos anos 70. “Os ingressantes da OSI na USP resolveram criar uma chapa para disputar o Diretório Central dos Estudantes, que foi chamada de “Liberdade e Luta”, Libelu. Daí nasceu a corrente”, resgata Marcus Sokol, integrante do PT. “Os integrantes da OSI tiveram um papel importante no movimento estudantil, na reorganização da UNE (União Nacional dos Estudantes), na luta pelas liberdades democráticas. A Libelu era uma tendência que atraía milhares de estudantes. Centenas deles entraram na OSI”, calcula.

O que Sokol aponta é que para muitos, a Libelu era somente a porta de entrada, uma espécie de vestibular para se entrar na OSI. O militante podia fazer parte da Libelu, mas nem sempre tinha o reconhecimento da organização, e nem todos os estudantes conseguiam ou queriam entrar para a OSI. Primeiro era preciso passar confiança para os observadores que estavam sempre em meio ao movimento. Depois, o “candidato” era convidado a ingressar nos Grupos de Estudos Revolucionários (GER), um curso no qual se estudava livros clássicos do comunismo e do Trotskismo, como o Minha Vida, de Trotsky.

“Estudávamos e discutíamos marxismo nos GER; líamos Marx, Engels, Lênin e Trotski”, descreve Tita Dias, vereadora de São Paulo. “Nesse processo, éramos avaliados e, se aprovados, entrávamos na OSI. Só conhecíamos o estatuto da organização no fim do estudo, e precisávamos seguir regras de conduta, principalmente de segurança”. Cada membro era batizado com um nome de guerra, escolhido por outra pessoa. Atrasos aos pontos (ou encontros) eram imperdoáveis, mas algumas vezes, os aspirantes eram levados às reuniões com os olhos vendados, sem saber o caminho. “De tempos em temos havia a escola de

577 Autores: Glauco Faria e Thalita Pires. In revistaforum.com.br/blog/2011/10/a-libelu-ganhou-o-poder.578 Sigla de Instituto de Política Economica Aplicada.

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quadros, para reciclagem dos integrantes”, completa Tita.O rito de passagem tornava tudo mais sério. Não que antes fosse apenas gandaia, mas, para muitos, o que valia a

pena mesmo na Libelu eram as festas da corrente. Ao contrário do resto da esquerda da época – inclusive de tendências estudantis rivais, como a Refazendo – a música internacional não era abolida ou proibida. “A Libelu tinha todo um charme, um carisma muito grande dentro do movimento estudantil”, lembra a socióloga Lúcia Pinheiro, ingressante na Libelu em 1976. “Nossas festas eram muito comentadas, porque ouvíamos rock. Na Refazendo e na Caminhando só se ouvia MPB, Chico Buarque. Eles eram muito sisudos”, avalia.

O som da Libelu incluía Black Sabbath, Pink Floyd e Rolling Stones. “A tendência tinha uma relação muito libertária com a estética”, opina Eugenio Bucci, atualmente na presidência da Radiobrás. “Existia um grupo, o Viajando sem Passaporte, que fazia críticas fantásticas à musica engajada. Não passava na cabeça de ninguém que o rock pudesse ser uma coisa imperialista”, conta.

As diferenças da Libelu iam além da música. Sua postura em relação à moral era bem flexível para os padrões celibatários que alguns setores da esquerda sustentavam à época. “A Libelu era muito mais interessante. As meninas eram mais bonitas e inteligentes, os meninos eram mais interessantes, e tinha um clima de liberação sexual muito grande. Éramos muito mais libertários nesse sentido”, conta Bucci.

Apesar da liberalidade no aspecto sexual, a tendência tinha restrições ao uso de drogas. Os integrantes eram totalmente proibidos de consumir qualquer tipo de entorpecente ilegal. “Não existia um problema moral em relação às drogas, mas sim de segurança”, pondera Tita Dias. Segundo ela, a opção era estratégica, já que, para comprar drogas, era preciso se envolver com o tráfico, o que poderia atrair a polícia para a organização.

Vôo mais alto

A Libelu tinha uma atuação que começou a se tornar mais influente no meio estudantil quando sua chapa disputou e venceu as eleições para o DCE da USP. A partir daí, sua linha de atuação virou referência para vários movimentos nos mais diversos lugares do Brasil, embora seu centro fosse mesmo São Paulo.

Um status mais elevado da Libelu levava também às alturas o cartaz da OSI, que adquiria um papel de relevância dentro da esquerda. Um momento-chave foi a chapa vitoriosa do Sindicato dos Bancários de São Paulo na eleição de 1979 com membros da organização na composição do grupo. A eleição representou o fortalecimento do braço sindical da organização. À época, o chamado bureau político da OSI, que centralizava as decisões importantes e comandava os rumos do movimento, era formado por pessoas que viriam a se tornar ilustres mais adiante, como o sociólogo Glauco Arbix, presidente do Ipea, e o jornalista Paulo Moreira Leite, hoje diretor de redação do jornal O Diário de São Paulo.

Outra figura importante era o franco-argentino Luis Favre, hoje um dos coordenadores da campanha de sua atual esposa, Marta Suplicy, à prefeitura de São Paulo. Ele fazia a comunicação entre a OSI brasileira e o grupo lambertista na França, o qual financiava e ditava as ordens da Quarta Internacional Socialista. Favre era tido como uma das pessoas-chave da organização, embora sua atuação encontrasse resistência e alguma desconfiança por parte de membros da OSI. “Muitos o tinham como um bon vivant, que estava mais preocupado em apreciar as coisas boas do que com a organização em si”, conta um dos ex-membros da OSI que não quis se identificar.

Apesar de personagem controverso, seu papel foi fundamental para o sucesso do grupo trotskista. À época, os ditames que vinham da França eram bastante claros: o grupo deveria lutar pela fundação de um partido operário. “Fomos os primeiros a pensar na organização de um partido de trabalhadores, e queríamos também a fundação de uma central sindical independente”, reivindica Favre. Marcus Sokol confirma o esforço, lembrando a campanha pelo voto nulo em 1978: “O jornal O Trabalho defendia o slogan: ‘Nem Arena nem MDB, voto nulo por um partido operário’.”

Se esse era o objetivo, nada mais natural que, com a fundação do PT, os libelus e trotskistas da OSI aderissem à idéia de auxiliar na formação do partido, certo? Errado. Como em boa parte da história da esquerda brasileira, a maioria dos membros via com extrema desconfiança a figura de Lula e do partido que ele construía. Foi aí que as dissensões começaram a ficar mais sérias. “Queríamos a ruptura da estrutura sindical pelega e tínhamos uma postura crítica em relação ao Lula, já que ele agia dentro desses limites. Muitos achavam que ele também era pelego”, revela José Rocha Cunha, hoje chefe de gabinete da prefeita de São Paulo. Lula não representava o “processo revolucionário” e após o fim da malsucedida greve de 1979, aqueles que o criticavam engrossaram o tom.

O ímpeto juvenil deturpava um pouco a visão do processo político. Prova disso é que, certa vez, fechada a questão de que Lula de fato era um pelego, alguns militantes da Libelu foram panfletar contra o líder sindical no ABC, mais especificamente na Vila Euclydes, em São Bernardo do Campo, palco das históricas reuniões de metalúrgicos. A recepção foi bem diferente do que os libelus esperavam. Depois de muito tentar, saíram corridos, perseguidos por operários que não digeriam bem a idéia de seguirem um pelego…

A referência no movimento sindical para muitos integrantes da corrente era um metalúrgico chamado José Ibrahim, líder das incendiárias greves na Cobrasma em Osasco, em um dos momentos mais rígidos do regime militar, no fim dos anos 60. Exilado, Ibrahim foi recebido como uma grande esperança à época da Anistia, mas logo se distanciaria de seus novos companheiros. Lula era a única referência válida para o meio sindical naquele momento.

PT e a separação

E foi dentro dessa realidade que, com a fundação do PT, a OSI e a Libelu passaram a discutir a entrada ou não no novo partido. “Em 1978 fiz a campanha por um partido operário. A Libelu ficou meio receosa, mas como eu era sindicalista, acreditava no PT. Uma parte dos quadros da tendência entrou direto para o PT, até para saber como era, e depois a OSI aderiu de vez”, lembra Tita Dias.

Dentro do PT, a OSI se transformou na corrente “O Trabalho” e passou a ser uma das inúmeras tendências políticas

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que compunham o partido. Ali, as divergências começaram a aumentar entre os membros, ainda mais quando se discutiu a dissolução da corrente para entrar na ART em 1986. As orientações do grupo lambertista francês eram para que não fosse feita a dissolução, por isso houve uma cisão.

Um episódio demonstra bem como já eram tensas as relações entre os membros da OSI. Lula convidou Glauco Arbix, um dos líderes da corrente, para discutir a dissolução. Conversou, propôs, e o sociólogo saiu dali com a tarefa de conversar com os demais membros e estudar as saídas sugeridas. Arbix foi desautorizado pelo grupo mais radical, que disse que ele não tinha representatividade sequer para negociar. A cisão foi inevitável. Gente como Marcus Sokol e Julio Turra permaneceram fiéis à corrente, ou ao que restou dela, enquanto Arbix, Clara Ant, Antonio Palocci e outros abandonaram o barco para entrar na tendência majoritária de Lula. “Eles queriam um partido dentro do partido, não entendiam que estar dentro do PT era fazer a opção pela via institucional”, critica José Rocha Cunha, um dos que abandonaram a corrente O Trabalho.

Marcus Sokol ainda é um remanescente daquela época. Segue fiel à bandeira trotskista e ainda acredita no socialismo internacionalista. “A Quarta Internacional tem hoje muito mais influência do que na sua fundação há 30 anos. Está presente em 46 países, impulsiona a corrente Acordo Interno dos Trabalhadores e faz campanha contra a ingerência dos EUA na Venezuela”, atesta. Hoje, ele enxerga o PT ameaçado ao deixar de lado suas bandeiras históricas.

“A Lei de Responsabilidade Fiscal prioriza os bancos, e não o povo. Essa inversão de prioridades ameaça o Partido. O Orçamento participativo, por exemplo é uma cooptação. Não há soberania para o aumento da receita, nem para questionar despesas que não sejam da vontade popular. Esse mecanismo reparte migalhas entre os movimentos sociais, para decidir o que não vai ser feito. Isso traz o esvaziamento do movimento reivindicativo. Com o governo eleito é a mesma coisa, mas é possível trocar de dirigente por meio do voto, o que não acontece com o mecanismo do orçamento participativo”, acredita.

“Hoje o internacionalismo não tem cabimento, e o PT é uma referência ideológica e de ação tanto aqui quanto para outros países”, rebate Luis Favre. Como os outros ex-membros da OSI, ele reconhece a importância histórica da organização. “Ela lutou pela redemocratização e pelo restabelecimento das instituições”.

Para a maioria dos ex-libelus e ex-OSI, o grande legado deixado pelos anos de militância foi a capacidade de disciplina e de organização. “A questão do método, de pensar e planejar, foi algo que só se viria a ver de novo em grandes empresas privadas. Aquilo era único em termos de movimento político”, orgulha-se Eugenio Bucci. “A militância ajudou muito na formação teórica e na atuação política, tanto que hoje a maioria está muito bem em suas profissões”, defende Lúcia Pinheiro, que completa: “ainda hoje, a imagem que as pessoas têm de um ex-libelu é de uma pessoa forte, de princípios. Acho que era isso mesmo”.

XII) O Namorado dela e os do PT579

“Aquele a quem está afeta a distribuição, jamais se esquecerá de si próprio em 1º lugar”580.A afirmação de que se pode enganar a muitos, por muito tempo, mas é impossível enganar a todos, todo o tempo,

me veio à memória no surgimento, no cenário nacional, do namorado franco-argentino de Marta Suplicy, Pref. de São Paulo, cabendo salientar que, antes de namorar Marta, Felipe Belisário Wermus, já mantinha um “namoro firme” com o PT.

Nascido de família humilde que morava numa cabeça-de-porco na periferia de Buenos Aires, o adolescente Felipe, por liderar uma greve estudantil, seria expulso da escola em que estudava. Em seguida trabalhou como gráfico, metalúrgico e contínuo, sempre ativamente, participando de distúrbios de rua que lhe custariam 8 prisões. Na iminência de ser condenado, pela Justiça de seu País, fugiu para Paris, a bordo de um navio. Lá chegando foi acolhido por trotskistas franceses que o empregaram em uma gráfica, ligadíssima a uma das facções francesas da IV Internacional. Mesmo se naturalizando francês não abriu mão da nacionalidade argentina, embora adotasse o nome de Luis Favre.

Aliás o uso, por subversivos, de nomes falsos, codinomes, capuzes e outros mascaramentos, é uma marca registrada de todos aqueles que tem o que esconder. O igualmente trotskista José Saul Wermus, que usa o nome falso “Jorge Altamira” é irmão de Favre e, além de ser o atual Secretário Geral do Partido Obrero argentino - muito atuante nos atuais panelaços argentinos - é membro da alta cúpula do Trotskismo internacional e desde priscas eras, mantém estreitas ligações com as lideranças petistas.

Ainda, segundo o que o patrulhamento ideológico da mídia deixou escapar, a família Wermus militava na ala trotskiska, liderada pelo argentino, já falecido, Juan Posadas que liderava um grupo de trotskistas, ligados a Juan Domingo Perón e atuantes no Movimento Peronista. Em razão da aliança de Posadas com a facção guerrilheira comunista uruguaia, conhecida como “Tupamaros”, em 1945, Juan Posadas, teve o reconhecimento da IV Internacional, obtendo a direção da condução do Trotskismo na AL, criando o Bureau Latino-Americano da IV Internacional.

Em entrevista ao jornal “O Globo” de 09/12/2001, cujo conteúdo mostra indícios de missa encomendada, para reafirmar o hipócrita discurso petista de moderação que alçou a sua namorada à Prefeitura de São Paulo e vem se constituindo no “tour de force” da campanha para a eleição de Lula, Favre declarou:

“O pessoal da AL do movimento ao qual eu pertencia achou que seria bom que viesse ao Brasil para coordenar nosso escritório latino-americano e fortalecer nossa corrente. Nosso grupo depois se dividiu. Uma parte foi para o PT, quando o partido foi fundado, em 1979. A outra continuou na corrente O Trabalho. Acompanho o PT desde a fundação. Sou da Secretaria de Relações Internacionais do PT desde1986”.

Trocando em miúdos essa sintética e cautelosa entrevista de Favre, pode-se dizer o seguinte: “... o pessoal da AL ao qual Favre pertencia e achou que seria bom que ele viesse para o Brasil, para coordenar o escritório latino-americano e fortalecer a corrente que integrava...” é, nada mais, nada menos do que o Bureau Latino-Americano da IV Internacional, acima explicitado. A divisão do grupo a que Favre pertencia, foi uma decorrência de vários fatores:

579 Autor: Jorge Baptista Ribeiro. In www.varican.xpg.com.br/varican/Diversos/Onamorado.HTM.580 Cit. Leon Trotsky.

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1) a discordância de práxis das variadas correntes trotskistas, entre si;2) dissensões de trotskistas com marxistas de outros partidos e infiltrados no PT, adeptos de outros modelos revolucionários;3) o momento político nacional e internacional que indicava a reformulação da estratégia e da tática para a continuidade do processo para a tomada do poder e implantação do regime comunista no Brasil.

Enfim, uma salada cujo matéria principal, o socialismo, é definido, por Norberto Bobbio, como um sistema político, por muitos desejado, por aceitar que cada um tenha o seu, conforme a sua cosmovisão, suas conveniências e convicções interiores.

Com os fracionamentos, Favre ficou no grupo que, atendendo a “instruções superiores”, do CIR-QI, devia ficar no PT. A razão pouco depois viria a lume: o PT581, recém criado, reunia muito boas condições para se constituir numa base política, julgada essencial à deflagração da revolução proletária, em virtude de se originar da conjuminância da corrente sindicalista, já dominada por comunistas, com a esquerda clerical e com esquerdistas de vários matizes, os quais, embora bastante comprometidos no Movimento Comunista Brasileiro, por ingenuidade, acanhamento e/ou magnanimidade dos líderes da Contra-Revolução de 1964, conseguiram ressurgir das cinzas e aí estão promovendo o quanto pior, melhor.

É conveniente que se diga que a orientação de um escalão maior do Trotskismo internacional, para que seus militantes cerrassem suas fileiras ao PT, veio a público, em maio de 1984. A OSI uma das muitas organizações trotskista que atuavam no Brasil, divulgou, a orientação a ser seguida, logo após o seu VII Congresso do PT, em São Paulo, nesse mesmo ano.

As “Resoluções” desse Congresso que deviam ser postas em prática, versavam sobre o momento político, sobre a política de organização da massa estudantil e sindical, tratavam do relacionamento internacional do grupo e traçavam diretrizes sobre a formação de quadros. Tudo baseado nas “Resoluções sobre o Brasil”, formuladas, no mês anterior (abril de 1984) pelo Conselho Geral de Reconstrução da IV InternacionaL, organismo da CIR-QI, situada na França e dirigida por Pierre Lambert. O veículo de divulgação das “Resoluções” foi o jornal "O Trabalho", porta-voz da OSI, em seu número duzentos..

Nesse pacote de resoluções, avulta como importantes para o desmascaramento das falácias petistas, com destaque para o seu nacionalismo de fachada, a seguinte: “A OSI deveria atuar como Fração do PT e aliar-se a outra organização trotskista, também atuante no Brasil: a CS” - que vinha conseguindo bons dividendos revolucionários na organização e condução das freqüentes greves dos metalúrgicos em São Paulo e, portanto, devendo ser deixado de lado o existente antagonismo e a hostilização ao PT, em cujas hostes deviam se infiltrar.

Aliás, um dos grandes sonhos trotskistas é o de ter um país - base física e política - de onde fosse viável à difusão da sua ideologia582, de modo homogêneo, logo, mais firme. Com a criação de um partido político, nesses moldes, os trotskistas latino-americanos, com apoio de algumas das demais tendências da IV Internacional, entreveem uma grande chance de cumprir seus sonhos, tomando a rédeas desse partido, heterogêneo no varejo, porém homogêneo no atacado. Isto é, integrado por comunistas que tinham discórdias de práxis, para a tomada do poder, mas solidários no vital: a adoção de um regime comunista no Brasil.

Pelo acima exposto, pode-se ver a extensão da reestruturação da desmantelada militância trotskista e sua ligação e sujeição aos ordens alienígenas, durante os ditos anos de chumbo, particularmente, logo após a promulgação da Lei de Anistia, dada aos derrotados que continuaram a expor serem infensos à construção de um País livre, realmente democrático e soberano.

Nunca é demais lembrar o evento psicossocial e político, assim explicado por LenIn “O meio político é complexo e a capacidade de percepção política da maior parcela do povo é simplesmente superficial, singela, primária. É fácil, portanto, fazer uma ponte entre ambos”. Ou seja, é possível tornar verdadeira qualquer inverdade e enganar a muitos por muito tempo.

E, assim durante mais de 3 décadas esta ponte perversa vem sendo construída, religiosamente, pelos arquitetos esquerdistas em criminoso conluio com os meios de comunicação de massa, os quais, com raríssimas exceções, tem seus postos- chaves, judiciosa e planejadamente ocupados por agentes da desinformação e do patrulhamento político-ideológico.

581 E, por falar em PT, nada melhor para conhece-lo do que a leitura do livro "A Face Oculta da Estrela", de autoria de Adolpho João de Paula Couto - Editora Gente do Livro/ Porto Alegre/ RGS (tel: [51] 3337-4833) e também encontrado na Livraria Siciliano que aceita encomendas via Internet.582 Importante é notar que logo após a sua fundação, em 1938, a IV Internacional se fracionaria em tendências, as quais se constituiriam, mundo afora, em pólos irradiadores da Teoria da Revolução Permanente, exposta em um livro com este título, escrito em 1928, por Leon Trotsky.