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O PROGRAMA “ALÉM DAS PALAVRAS”: UMA REFLEXÃO SOBRE O USO DE SEUS MANUAIS DIDÁTICOS NA ALFABETIZAÇÃO Sandra Novais Sousa Fidelis Mestrado Profissional em Educação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul Unidade Campo Grande RESUMO Este artigo analisa, na perspectiva da Ciência da História, o “Programa Além das Palavras”, implantado em Mato Grosso do Sul em 200 de manuais didáticos com uma metodologia diferenciada para o ensino da língua escrita. Objetiva-se entender as determinações que motivaram as decisões da Secretaria e como estas interferiram na organização do trabalho didático dos professores alfabetizadores. A metodologia utilizada foi a pesquisa documental, utilizando-se como fontes a legislação estadual e os manuais didáticos do Programa. Como aporte teórico valeu-se das ideias de Alves (2005a; 2005b), Saviani (2010) e Souza (2008; 2010a; 2010b). O estudo apontou para o caráter neoliberalista das políticas da Secretaria e o alijamento dos professores das decisões que incidem diretamente no seu fazer diário em sala de aula. Palavras-chave: Políticas Públicas; Instituto Alfa e Beto; Método Fônico. 1. Introdução Este trabalho se insere na pesquisa, ainda em desenvolvimento, que investiga as políticas de intervenção da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul nos procedimentos educacionais referentes à alfabetização inicial, especialmente frente ao Programa Além das Palavras, implantado

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O PROGRAMA “ALÉM DAS PALAVRAS”: UMA REFLEXÃO SOBRE O

USO DE SEUS MANUAIS DIDÁTICOS NA ALFABETIZAÇÃO

Sandra Novais Sousa Fidelis

Mestrado Profissional em Educação

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Unidade Campo Grande

RESUMO

Este artigo analisa, na perspectiva da Ciência da História, o “Programa Além das Palavras”, implantado em Mato Grosso do Sul em 200 de manuais didáticos com uma metodologia diferenciada para o ensino da língua escrita. Objetiva-se entender as determinações que motivaram as decisões da Secretaria e como estas interferiram na organização do trabalho didático dos professores alfabetizadores. A metodologia utilizada foi a pesquisa documental, utilizando-se como fontes a legislação estadual e os manuais didáticos do Programa. Como aporte teórico valeu-se das ideias de Alves (2005a; 2005b), Saviani (2010) e Souza (2008; 2010a; 2010b). O estudo apontou para o caráter neoliberalista das políticas da Secretaria e o alijamento dos professores das decisões que incidem diretamente no seu fazer diário em sala de aula.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Instituto Alfa e Beto; Método Fônico.

1. Introdução

Este trabalho se insere na pesquisa, ainda em desenvolvimento, que

investiga as políticas de intervenção da Secretaria de Estado de Educação de Mato

Grosso do Sul nos procedimentos educacionais referentes à alfabetização inicial,

especialmente frente ao Programa Além das Palavras, implantado em 2008.

Pretende-se descobrir, ao final da pesquisa, qual a gênese do discurso que embasa

as decisões da Secretaria, tomando-se, para tanto, uma perspectiva baseada na

totalidade, entendida neste contexto consoante as ideias de Alves (2005a), como a

compreensão das leis que governam o funcionamento das instituições sociais a

partir das determinações do trabalho, compreendendo que a forma de sociedade

dominante em nosso tempo é a sociedade capitalista. Segundo o autor,

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[...] a compreensão do social, pelo acesso à totalidade em pensamento, é a condição para que o homem compreenda não só a si mesmo, mas todas as atividades humanas e os seus resultados, inclusive a educação. (ALVES, 2005a, p.10)

Por esse prisma, assume-se que só é possível entender as questões

referentes à alfabetização e aos caminhos da escola pública na atualidade, quando

a percebemos como uma instituição inserida em um contexto social capitalista,

tomando-se como ponto de referência a base material da sociedade.

Neste artigo objetiva-se, especificamente, entender as determinações

que levaram às escolhas e decisões políticas da secretaria de educação, e quais

consequências estas decisões trouxeram para a organização do trabalho didático do

professor alfabetizador no estado de Mato Grosso do Sul.

2. O Programa Além das Palavras – uma política de intervenção nas séries de

alfabetização

Em 2008, como parte das políticas de “melhoria da educação”, a Secretaria

de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul implantou o Programa Além das

Palavras, através da Resolução SED/MS n. 2147 de 15 de janeiro de 2008. Este

Programa, inicialmente apresentado como um Projeto de adesão facultativa pelas

unidades estaduais de ensino foi gradualmente sendo ampliado, passando de 79

escolas atendidas em 2008 a 262 escolas em 2012. (MATO GROSSO DO SUL,

2012)

A adoção do Programa justifica-se, segundo a Secretaria, como uma medida

tomada para resolver o problema de baixo desempenho dos alunos nas avaliações

externas, conforme pode ser confirmado pelas explicações da SED/MS no

documento “Programa Além das Palavras”, distribuído nas formações continuadas

destinadas aos Coordenadores de Área:

Analisando dados do Sistema de Avaliação Educacional de Mato Grosso do Sul/SAEMS e do Índice do Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, percebeu-se que um número considerável número de escola/municípios apresentava baixos índices de desempenho. Esse quadro indicava a

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necessidade de uma incisiva intervenção didático-pedagógica nas turmas de 3º ao 5º ano do ensino fundamental. Dessa forma, a Secretaria de Estado de Educação, em articulação com a direção e a comunidade escolar, implantou gradativamente, em 2008, o Projeto “Além das Palavras”. (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 5)

Mas, em que consiste, especificamente, o Programa Além das Palavras? A

própria SED/MS o define, no documento citado acima, como um conjunto de “várias

ações articuladas de intervenção na prática cotidiana do professor e da equipe

pedagógica” e na “utilização de material didático específico para estudantes e

professores”. (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 14). Basicamente, após a adoção

do Programa pela secretaria, mudaram nas escolas estaduais os manuais didáticos

e a metodologia oficial do ensino da língua escrita. Apesar de continuar recebendo

do Ministério da Educação e Cultura (MEC) todos os livros do Programa Nacional do

Livro Didático (PNLD), foram adquiridos livros didáticos adicionais dos componentes

curriculares Língua Portuguesa e Matemática. Apenas o livro escolhido para o

ensino da Matemática é da editora Positivo, todos os demais materiais didáticos

“para estudantes e professores” são do Instituto Alfa e Beto.

Qual o diferencial desse material didático, que justificaria sua aquisição pela

Secretaria de Estado de Educação, em detrimento aos livros escolhidos pelos

professores no Programa Nacional do Livro Didático? Quais os fundamentos

teóricos que embasam os manuais do Além das Palavras?

Poderíamos dizer que o maior diferencial é a utilização do método fônico

como uma solução para os problemas de alfabetização, devido a um entendimento

do principal autor dos manuais e presidente da instituição que formou parceria com a

SED/MS na gestão do Programa Além das Palavras. O autor é o senhor João

Batista Araújo e Oliveira, que em seu currículo possui os cargos de ex-diretor do

Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ex-funcionário do Banco Mundial

em Washington, ex-perito da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em

Genebra e Secretário Executivo do MEC (Ministério da Educação e Cultura) em

1995, sendo atualmente presidente do Instituto Alfa e Beto, organização não-

fundamental fundada por ele em novembro de 2006, e segundo informações do site

oficial da instituição, “sem fins econômicos”.

Em sua página na Internet, em seus artigos publicados e nos manuais para o

professor produzidos por Oliveira e consultados para esta pesquisa (OLIVEIRA

2004, 2008, 2010, 2011) o autor afirma diversas vezes que sua metodologia é

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pautada na “educação baseada em evidências”. Essas “evidências” dizem respeito à

Ciência Cognitiva da Leitura, um estudo “constituído numa base interdisciplinar que

reúne psicologia cognitiva, linguística e neurociências” e na “verificação experimental

de hipóteses no laboratório e fora deste” (OLIVEIRA, 2004, p.9).

Basicamente, o cerne da Ciência Cognitiva da Leitura é a prescrição de um

método único a ser utilizado pelos professores alfabetizadores, o método fônico.

Adeptos dessa linha de pensamento negam os estudos de pesquisadores

renomados e amplamente aceitos na comunidade científica como Ferreiro e

Teberosky (1985), duas pesquisadoras que produziram um dos mais importantes

estudos sobre os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem da língua

escrita, a Psicogênese da Língua Escrita, e de pesquisadores que defendem um

ensino significativo, pautado em práticas de leitura voltada para os usos sociais,

como Soares (1985, 2003, 2004) e Smith (1999).

Argumentando que “os métodos fônicos são usados em praticamente todos

os países de língua alfabética da Europa e em todos os países de língua inglesa ao

redor do mundo” (OLIVEIRA, 2006, p. 59), o presidente do Instituto Alfa e Beto e

consultor da SED/MS advoga o uso de manuais destinados a decodificação, as

chamadas “cartilhas”, que a seu ver são superiores aos livros com “textos escolhidos

por outros critérios (como o tema, a motivação dos alunos, o gênero, etc)”,

afirmando ainda que na Inglaterra e nos Estados Unidos o método fônico é

incorporado “aos programa (sic) de ensino da maioria dos estados” sendo que em

alguns, como a França, o professor não pode escolher outros métodos, como o

Global por exemplo, sem justificar com “argumentos convincentes” sua escolha.

(OLIVEIRA, 2006, p.60).

Percebe-se, nesse caso, nuances do discurso neoliberal, da restrição dos

direitos sociais dos trabalhadores, especificamente, dos professores alfabetizadores,

visando à reprodução, nos sistemas escolares, da ideologia dominante do capital,

por meio de uma pedagogia reducionista e adestradora.

A justificativa de um currículo para alfabetização baseado no uso das cartilhas

com seus textos artificiais, produzidos a partir de restrições morfossintáticas e

semânticas, é a pobreza dos alunos das escolas públicas, vindos de famílias onde a

maioria das crianças não tem acesso a ambientes letrados, diferente de crianças

que “nascem ouvindo histórias no berço, ganham livros de presente, senta-se num

colo amigo para ler um livro com o vovô ou um jornal com a titia ou o padrinho” e

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que são mais expostas a “situações e estímulos inesgotáveis para desenhar, pintar,

garatujar, imitar, aproximando-se progressivamente de situações de leitura e escrita”

(OLIVEIRA, 2006, p.57). Na visão de Oliveira:

[...] há várias atitudes em relação a esses dois mundos. Uma é denunciar as diferenças através de diversas formas de luta – todas com resultados imprevisíveis. Outra seria ignorar a existência do problema, enquanto os alunos de classes sociais mais favorecidas se refugiam nas escolas privadas. Uma terceira atitude consiste em tentar ajudar os pais e as famílias mais pobres a compensar suas dificuldades, em casa ou por meio de redes de pré-escolas. Mas essas não são as únicas atitudes possíveis – e nenhuma delas resolve a questão de fundo.

Para o autor de quase a totalidade dos manuais didáticos utilizados no ensino

da língua escrita pelo Programa Além das Palavras, a solução viria com a aquisição,

por parte das escolas e Secretarias de Educação, de manuais que direcionassem

corretamente o professor. Assumindo uma postura que “a maioria dos professores

existentes não possui formação adequada”, far-se-ia necessário “explicitar os limites

da autonomia do professor e proporcionar instrumentos pedagógicos adequados e

de efetividade comprovada”, enfatizando ainda que “isso nada tem a ver com

projetos mirabolantes de computadores ou sofisticados laboratórios. Nem com

capacitações ad hoc.” Oliveira defende que se deva “reorientar a função das

Secretarias de Educação, que deve ser a de criar condições e regras adequadas

para fazer a escola operar”, além de “profissionalizar a gestão escolar (OLIVEIRA,

2010b, n.p)

A retórica neoliberal é percebível no discurso do presidente do Instituto Alfa e

Beto, ao comparar a escola privada com a escola pública, demonstrando a

associação entre cultura escolar e empresarial, que aproxima a escola da empresa.

Ou seja, a escola deve ser um negócio bem-administrado. O raciocínio é neoliberal e

tecnicista, ao equacionar os problemas sociais como problemas de gerência

adequada e eficiente, ao centrar o problema da qualidade da alfabetização inicial da

escola pública em um problema de uso de métodos que ele considera inadequado,

ao desperdício de recursos (“sofisticados laboratórios”) e à falta de gerenciamento.

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3 A materialidade histórica dos manuais didáticos como política de intervenção

pedagógica

Segundo os estudos de Alves (2005a, 2005b), historicamente, até o século

XVI (estendendo-se até o século XVII), o trabalho didático preservava suas

características artesanais, pautado na relação preceptor/aluno, no trabalho do

mestre que detinha o conhecimento de todo o processo educativo e na leitura de

antologias e de livros clássicos. Diante das dificuldades estruturais impostas por esta

forma de organização do trabalho didático de estender a educação a uma parcela

maior da população, devido aos altos custos e à escassez dessa mão de obra

especializada, atendendo a uma necessidade prática do seu contexto histórico,

Comenius idealizou uma forma por meio da qual a escola cumprisse o objetivo de

“ensinar tudo a todos”, superando a “falta de pessoas conhecedoras do método”. A

solução passava pela elaboração de um novo instrumento de trabalho do professor,

o manual didático. O autor elucida:

Desde então, o manual didático passou a servir em tempo integral ao aluno e ao professor. Foram criadas, mesmo modalidades especializadas de texto para aquele e para este, mas, rigorosamente concebidas como elementos complementares. De imediato, importa reconhecer que o manual didático, pela sua autossuficiência enquanto instrumento organizador do trabalho de ensino, dispensou da escola o livro clássico. [...] Dessa forma, a escola ajustava-se à nova época, na qual o conhecimento humano se tornara objetivo e o trabalho se objetivara por força da mediação de instrumentos. (ALVES, 2005b, p. 77)

Se o manual didático atendeu a uma necessidade histórica do século XVI,

que seria a ampliação da possibilidade de acesso à cultura letrada, a qual finalidade

ele atende no contexto da sociedade capitalista? Souza (2010, p.8) explica:

Na atualidade, em que os sinais da decadência desta sociedade já estão bastante visíveis e o ideário burguês encontra-se obliterado pelas convulsões sociais que sinalizam claramente uma transição civilizatória, esses instrumentos ainda cumprem a tarefa necessária ao momento atual. Eles contribuem para a manutenção material da sociedade que os gerou buscando garantir a conservação do capital, por meio da expansão da indústria livreira, em cuja produção editorial é expressiva a participação dos manuais didáticos. Desse modo, consideradas as necessárias mediações, é possível afirmar que a principal função dos manuais didáticos na contemporaneidade é contribuir para a acumulação de capitais e a manutenção do capitalismo.

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O próprio presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista de Araujo e

Oliveira, no livro “A política do livro didático”, escrito em 1984, quase 30 anos antes

da fundação do Instituto Alfa e Beto e de sua entrada no que chama de “negócio do

livro didático”, afirma:

O papel dos editores, liberados de certas cautelas e armadilhas, não precisa ser programado: não tem sido o Governo, de modo geral, um bom orientador, tutor ou guia do setor privado. Embora o mercado do livro didático não devesse, talvez, ser definido e tratado como um mercado no mesmo nível de outros bens de consumo, é inevitável que, no sistema econômico vigente, a lógica do lucro impere, mesmo para que as editoras possam prestar bons serviços.( (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p.130)

É essa lógica capitalista, de participação em um “nicho” de mercado e

obtenção de lucros, que movimenta a produção dos manuais didáticos no atual

sistema de produção em que a escola pública está inserida. Atrelando um conceito

científico inovador ao seu “produto” e contando com um bom sistema de marketing,

escolas e Secretarias de Educação são atraídas a comprar “pacotes prontos”, como

remédios educacionais que solucionarão os problemas de ensino, sem levar em

consideração as raízes sociais das desigualdades oriundas do modelo capitalista de

produção.

Ironicamente, Oliveira critica, em 1984, essa postura “marqueteira” das

editoras, que preconiza muito bem o próprio método de abordagem utilizado pela

Editora Alfa e Beto:

[...] no Brasil, um mecanismo adicional de “venda” é a promoção de cursos e encontros com autores, realizados pelas editoras e que muito influem na adoção e, certamente, na utilização de determinados livros didáticos, sobretudo quando se consideram outros objetivos da escola que não apenas os de melhor desempenho acadêmico. Não parece razoável como recomendação geral à sociedade, que se entreguem as crianças em seus primeiros passos da aprendizagem exatamente às pessoas, menos preparadas e, consequentemente, mais inadequadas para lidar com elas, enquanto alunos e seres humanos. Não foi por acaso que Piaget propôs – nas raras ocasiões em que fez recomendações práticas para a pedagogia – que os professores mais bem treinados, de melhor nível e com melhores salários fossem alocados às séries iniciais. (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 115)

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Se continuasse compactuando com esses fundamentos, o presidente do

Instituto Alfa e Beto seria o primeiro a fazer ressalvas à politica de intervenção

adotada pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, que reduz

o professor alfabetizador a um mero executor de uma técnica pré-concebida, que

não leva em consideração seus saberes teóricos, seus conceitos sobre educação,

alfabetização e letramento, nem ao menos suas escolhas metodológicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas de intervenção da SED/MS demonstram, além do discurso oficial

de melhoria do ensino, uma visão neoliberalista pautada no que Souza (2010)

chama de “neotecnicismo”: os professores passam a serem considerados como

prestadores de serviço, que devem ser gerenciados de forma eficaz e eficiente, os

alunos como seus clientes e a educação “como produto que pode ser produzido com

qualidade variável” (SAVIANI, 2010, p. 34).

Em nome dessa qualidade, livros didáticos que utilizam uma metodologia não

consensual entre os educadores, são comprados juntamente com um “pacote

educacional”, que possui como maior consequência a restrição ainda maior da

atuação do professor alfabetizador, um exemplo histórico do alijamento dos

trabalhadores da produção intelectual do processo educativo.

A pesquisa indica a necessidade de incluir o professor num debate

educacional mais aprofundado, que leve em consideração as relações educacionais

advindas das atuais relações sociais de produção capitalista. “A formação do

professor é o elemento singular dessa questão e a educação uma das mediações

entre essa singularidade e a totalidade social” (SOUZA, 2008, p. 151)

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