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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: DESPERTANDO O PRAZER DA LEITURA
Autora: Izabel MusiatOrientadora: Avanilde Polak
Resumo
O desafio da motivação dos alunos com relação a leitura é um assunto discutido não somente nas aulas de Língua Portuguesa, mas em todos os contextos intra e extraescolares. Partindo dessa discussão e da metodologia sugerida pelas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de Língua Portuguesa (DCE’S), esse artigo apresenta os resultados obtidos com a aplicação de atividades que têm como objetivo principal motivar a leitura crítica, partindo da leitura do gênero discursivo Histórias em Quadrinhos (HQ’s). Para a realização desse trabalho, foi escolhida uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental, na qual foi desenvolvida uma Unidade Didática. Inicialmente, procurou-se direcionar aos alunos perguntas sobre a importância da leitura no contexto escolar e social. Posteriormente, realizou-se leituras e interpretações de HQ’s, estudo da estrutura desse gênero textual como tipos de balões, onomatopeias, interjeições, personagens e outros elementos característicos do gênero em atividades contextualizadas. Em seguida foram propiciadas condições para que os alunos produzissem HQ’s tendo como temática a leitura. Durante o desenvolvimento das atividades constatou-se que as HQ’s possuem boa aceitação por parte dos alunos, pois consiste em um recurso lúdico e atrativo, capaz de estimular o interesse também pela leitura de outros gêneros textuais. Além disso, as HQ’s, quando usadas adequadamente, podem ser um recurso pedagógico capaz de facilitar a aprendizagem de diferentes conteúdos, pois o texto verbal aliado ao não verbal proporciona uma leitura diferenciada e sedutora, auxiliando, dessa forma, a aquisição do saber.
Palavras-chave: histórias em quadrinhos; ensino ; leitura.
1 Introdução
A leitura é considerada como prática indispensável para o convívio social. E,
como a sociedade sofre modificações, o ato de ler também recebe abordagens
distintas com intuito de atender as necessidades do cidadão no contexto em que
está inserido.
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua
Portuguesa (2008), doravante DCE’s, quando abordada a temática da leitura, não se
pode limitá-la apenas aquela realizada em sala de aula, com fins pedagógicos ou
apenas de oralização, mas como um modo de interação entre as pessoas,
instrumento de trabalho, forma para aquisição de conhecimento, por prazer ou
passatempo, enfim como prática social necessária para a compreensão do mundo.
Silva (2005) comenta que durante muito tempo a escola deixou de trabalhar a
leitura como processo natural de conhecimento, de compreensão da vida e passou a
usá-la de maneira descontextualizada, perdendo dessa forma, a sua naturalidade,
ou seja, a leitura como prática social.
No cotidiano escolar percebe-se que, em muitas escolas, a leitura é realizada
para se fazer pesquisas, atividades de compreensão e interpretação de textos ou
exercícios meramente gramaticais desvinculados da realidade social dos
educandos. Então, muitos alunos habituaram-se a ler somente o necessário e
exigido pela escola e o que era para ser um ato prazeroso, virou castigo. Dessa
forma, a leitura entrou em crise e as consequências foram desastrosas para a
educação.
As últimas avaliações realizadas pelo governo com objetivo de avaliar a
qualidade de ensino oferecido pelo Sistema Educacional Brasileiro, constataram que
muitos alunos apresentam baixo desempenho nas atividades escolares. Como uma
das causas mais evidentes, aponta-se a deficiência dos educandos na compreensão
leitora, isto é, não aprenderam a ler com competência, prática fundamental para que
o aprendizado se efetue.
Frente a esta realidade, as DCE’s orientam que cabe a escola oferecer
leituras de qualidade, diversidades de textos e práticas eficientes para formar bons
leitores.
Diante do objetivo de resgatar a leitura como constante prática social, optou-
se em trabalhar o gênero discursivo Histórias em Quadrinhos, doravante HQ’s, como
um recurso metodológico no incentivo para o desenvolvimento da leitura nas
diferentes esferas sociais.
De acordo com Ramos (2006), esse gênero consiste em um recurso lúdico,
atrativo e de grande aceitação por parte dos estudantes. Além disso, é capaz de
estimular o hábito da leitura por possuir linguagem comum onde texto verbal e não
verbal se completam e se explicam, permitindo uma leitura fluente, agradável e
sedutora. A leitura de quadrinhos também pode desenvolver o senso crítico e
promover a motivação dos alunos para a aprendizagem dos conteúdos de uma
forma mais dinâmica.
O uso de HQ’s nas escolas é amparado e sugerido pelas DCE’s. Hoje,
percebe-se a inclusão dos quadrinhos com fins didáticos desde as séries iniciais de
alfabetização até em provas de vestibulares.
As HQ’s são um recurso pedagógico capaz de auxiliar o professor no
desenvolvimento de suas aulas de maneira criativa e eficaz, já que se trata de uma
forma diferenciada de leitura.
Diante do exposto, foi desenvolvido com uma turma de 7º ano do Colégio
Estadual Getúlio Vargas, o projeto Histórias em Quadrinhos: despertando o prazer
de leitura. Esse trabalho faz parte do projeto PDE (Programa de Desenvolvimento
Educacional), promovido pelo Governo do Estado do Paraná e tem como principal
objetivo instigar o ato da leitura através de Histórias em Quadrinhos.
As atividades desenvolvidas com os alunos e descritas neste documento são
teoricamente respaldadas nas DCE’S e ancoradas na concepção bakhtiniana
(Bakhtin, 1997), pois contemplam as HQ’s como gênero.discursivo de grande
circulação social eficiente nas práticas pedagógicas.
Além das referências citadas anteriormente outras teorias foram consultadas,
buscando comprovar a importância do hábito da leitura como constante prática
social e o ensino de Língua Portuguesa baseado nos gêneros discursivos presentes
no cotidiano do aluno.
Visando atingir os objetivos propostos foram organizadas várias atividades,
sendo que, inicialmente, fez-se uma abordagem com os alunos para investigação
dos conceitos que têm sobre a leitura no contexto escolar e social.
Em seguida, procurou-se, de modo contextualizado, trabalhar com a estrutura
e a linguagem das HQ’s. Para tanto, foram criadas várias situações as quais levaram
os alunos a desenvolver atividades que privilegiaram além da prática da leitura, que
é nosso principal objetivo, o desenvolvimento da oralidade e da escrita.
Os resultados obtidos com a aplicação das atividades, as quais encontram-se
explanadas nesse documento, foram satisfatórias, pois estimulou os alunos à leitura
e a produção textual de forma criativa e prazerosa, atingindo o objetivo proposto.
2 Leitura: uma breve abordagem teórica
As DCE’s (2008), fundamentadas pela concepção bakhtiniana, propõem que
a prática da leitura, assim como as demais, oralidade e escrita, contemplem a
variedade de textos, gêneros discursivos que circulam socialmente.
Podemos afirmar que gêneros discursivos são textos que encontramos no
nosso cotidiano, sejam orais ou escritos, e que fazem parte da nossa comunicação.
Para nos comunicar usamos diferentes formas e cada uma depende da realidade
em que se apresenta, da cultura, da situação, e do contato social em que utilizamos
a linguagem.
Bakhtin (1997, p. 302) afirma que: “Se não existissem os gêneros do discurso
e se não os dominássemos, se tivéssemos de construir cada um de nossos
enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível”. Logo, entendemos que
a comunicação verbal só é possível por meio de algum gênero discursivo, no
entanto, a escolha do gênero não é espontânea, pois leva-se em conta o que se
fala, sobre o que se fala, com quem se fala e com qual finalidade. Todos os
elementos citados definem as escolhas do locutor, que, às vezes, mesmo não
sabendo, acaba de fazer uso de um gênero mais adequado aquela situação.
Vejamos por exemplo, se quisermos contar a alguém uma experiência
pessoal, podemos fazer uso de um relato. Se pretendemos fazer a divulgação de
produtos a venda, fazemos uso da propaganda. Se um jornal pretende contar um
fato a seus leitores, faz uso da notícia e, assim por diante, comunicamo-nos através
dos gêneros discursivos sem dar-nos conta disso.
Bakhtin (1997) afirma que os gêneros discursivos apresentam muitas formas,
estão sujeitos a mudanças em sua estrutura , surgiram de acordo com as
necessidades de comunicação e com o desenvolvimento tecnológico.
Marcuschi (2008) concorda com a flexibilidade dos gêneros discursivos e
comenta que com o surgimento das novas tecnologias houve o aparecimento de
vários gêneros novos, como: o Twitter, Blog, E-mail, Site, entre outros. Alguns não
são totalmente novos, mas sim, adaptações ou modificações de outros já existentes.
Bakhtin (1997) classifica os gêneros em primários e secundários. Ambos são
importantes na esfera da comunicação, porém o que os diferencia é o grau de
complexidade e a maneira como se apresentam.
Os gêneros primários referem-se a situações de comunicação mais
espontâneas, como na linguagem oral diária, no diálogo com os amigos e outros.
Por sua vez, os gêneros secundários não são espontâneos, geralmente são
mediados pela escrita e aparecem em situações mais complexas e elaboradas:
artística, cultural, política, etc.
Como foi citado anteriormente, os gêneros primários fazem parte do cotidiano
das pessoas, mas mesmo assim, faz-se necessário a intervenção da escola, pois
deve-se partir de situações sociais que possuem significado para o aluno, e,
posteriormente, para situações discursivas novas, não exploradas, mas relacionadas
ao contexto do educando.
Machado (2005, p. 157) afirma que “os gêneros discursivos são formas
comunicativas que não são adquiridas em manuais, mas sim nos processos
interativos”. No processo ensino–aprendizagem deve-se levar em consideração o
contato com a linguagem em situações reais. O autor alerta para que o ensino da
língua não se limite a normas, atividades estruturais e gramaticais desvinculadas da
realidade social do educando.
Buzen (2006) reafirma que as práticas discursivas presentes nos diversos
gêneros que fazem parte da vida dos alunos podem ser trabalhados na escola,
como notícias de jornais, anúncios classificados, HQ’s, contas de luz, água, etc. As
práticas desenvolvidas com estes tipos de textos podem estabelecer relações, mais
concretas entre língua e vida.
Portanto, a escola precisa mudar suas práticas pedagógicas em relação ao
ensino da língua. Há necessidade de aproximação do aluno com a realidade e
privilegiar o discurso como prática social presente no dia-a-dia. Também é
necessário destacar que a leitura é indispensável, já que a falta de compreensão do
aluno em relação aos gêneros discursivos pode comprometer o acesso a informação
e a construção do conhecimento, de forma geral.
Estudos apontam que o insucesso escolar de muitos alunos é atribuído à falta
de desenvolvimento da competência leitora. A esse respeito Cagliari afirma que:
A atividade fundamental desenvolvida pela escola para a formação dos alunos é a leitura. É muito mais importante saber ler do que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos, deve estar voltado para a leitura. (1997, p. 148).
A escola permaneceu por muito tempo presa as teorias gramaticais e não
privilegiou a leitura como prática social. Então vieram as “inquietações” em torno da
leitura, pois pesquisadores concluíram que o ensino da linguagem deve se
preocupar em primeiro plano com a aprendizagem do mundo, da convivência social,
da comunicação, para depois se preocupar com as regras. Hoje, a leitura é vista
como um ato dialógico, interlocutivo e indispensável para a vivência em uma
sociedade letrada.
Para confirmar a importância do ato de ler, Solé (1998) diz que os alunos que
praticam a leitura com eficiência também possuem mais facilidade para falar e
escrever nas mais diversas situações comunicativas.
Diante do exposto, fica evidente que a leitura rege as atividades escolares,
mas não basta somente ensinar o aluno a ler, é preciso promover o seu letramento.
Segundo Soares (1998), este refere-se ao indivíduo que não só sabe ler e escrever,
mas que usa socialmente a leitura e a escrita demarcando a sua voz no contexto
social.
Para Silva (2005, p.24)
[...] a prática da leitura é um principio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às conquistas de outros direitos necessários ampara uma sociedade justa, democrática e feliz.
Percebe-se através das palavras de Silva (2005) que o indivíduo que lê
participa de forma efetiva na construção e reconstrução da sociedade e de si
mesmo. Ter o domínio da habilidade de leitura proficiente garante o exercício da
cidadania, o acesso aos bens culturais e a inclusão social.
Faraco (2002) diz que é importante desenvolver nos alunos a capacidade de
ler e entender textos em múltiplas linguagens, desde aqueles que são necessários
para o desempenho das atividades escolares, da vida social, aquelas que são fontes
de entretenimento e prazer, enfim todos os meios de comunicação criados pelo
homem e que consistem em práticas sociais discursivas.
É evidente que a escola possui papel importante no desenvolvimento do
hábito da leitura, embora saibamos que este costume deveria ser desenvolvido
também nas famílias, pois as crianças aprendem pelo exemplo e os pais que leem,
transferem para os filhos o gosto pela leitura, mas como diz Silva “parece certo
dizer que não existe tradição de leitura no Brasil”. (2005, p. 37)
Essa falta de hábito de leitura citada por Silva, atribui-se a vários fatores,
entre eles o despreparo do professor para conduzir o processo, a falta de acesso
aos livros devido ao alto custo, ao descaso irrealista das autoridades educacionais, a
forte concorrência dos meios de comunicação (rádio, televisão, internet) os quais
oferecem informações mais rápidas. Cabe salientar que para entendermos e usar
com eficiência os meios de comunicação atuais é preciso ser um leitor mutiletrado,
já que estes oferecem uma variedade de leituras.
Apesar de todos esses entraves, cabe a escola proporcionar a seus alunos o
acesso ao conhecimento e a leitura apresenta um lugar de grande destaque. Para
afirmar o exposto Bamberger (1991, p. 63), comenta que:
O desenvolvimento de interesses e hábitos permanentes de leitura é um processo constante, que começa no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e continua vida afora, através das influências da atmosfera cultural geral e dos esforços conscientes da educação e das escolas.
Para recuperar e desenvolver o hábito permanente da leitura enquanto
prática social, é necessário a realização de um trabalho conjunto na escola e na
sociedade, de forma geral, visando a formação de leitores competentes, já que a
leitura é vista como um instrumento eficaz para a apropriação do saber.
Para que o aprendizado eficiente da leitura se concretize na escola, é
importante que o professor seja um bom leitor, baseando em fundamentos teóricos
que sustentem sua prática pedagógica. Cabe a ele proporcionar aos alunos um
contato estimulante com a leitura, orientá-los para que façam uma leitura crítica, que
sejam capazes de atribuir sentido ao que leem, tornando-se, dessa forma, leitores
competentes críticos e reflexivos, nas diversas situações comunicativas do cotidiano.
3. HQ’s, leitura e ensino
3.1 Contextualizando o público envolvido
O Colégio Estadual Getúlio Vargas está localizado na sede do Município de
Fernandes Pinheiro, na rua Romano Bettega nº 340. O referido colégio oferece
Educação Básica – Ensino Fundamental e Médio. Atualmente possui em torno de
578 alunos matriculados. O público atendido é heterogêneo, pois estão presentes
educandos das áreas urbana e rural, de diversas classes socioeconômicas
presentes no município, oriundos de famílias estruturadas e desestruturadas, com
idade adequada para a série e com distorção idade-série.
Para o desenvolvimento do Projeto Histórias em Quadrinhos: despertando o
prazer da leitura foi selecionada uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental
composta por 31 alunos, sendo 14 meninos e 17 meninas. Desses alunos 27
participaram até o final das atividades, 03 alunos foram considerados desistentes e
01 aluna foi transferida. Com exceção de dois alunos, a grande maioria encontrava-
se na faixa etária adequada a série.
Quanto às dificuldades de aprendizagem, percebemos que alguns alunos
apresentam defasagem no ensino aprendizagem acarretadas ao longo das séries
anteriores. Esses alunos possuem dificuldades na realização de leitura
compreensiva de textos, que, consequentemente acaba refletindo na escrita e na
assimilação dos conteúdos, de forma geral. Mas, sabendo que se tratava de uma
turma heterogênea e que os alunos possuem ritmos e processos de aprendizagem
diferentes, procuramos respeitar a subjetividade de cada um.
3.2 As atividades desenvolvidas
As atividades sugeridas na Unidade Didática foram estruturadas em etapas,
as quais tentam esboçar o “caminho” percorrido pelo professor e alunos a fim de
alcançar os objetivos propostos.
Inicialmente foi necessário investigar qual é o conhecimento e familiarização
dos gêneros discursivos presentes no contexto escolar e no cotidiano dos
educandos. Então, foram direcionadas algumas perguntas norteadoras para
discussão, reflexão em grupo e, posteriormente apresentação a toda turma.
Após a realização dessa atividade, os alunos apresentaram suas conclusões
afirmando que estão cientes da importância da leitura no contexto escolar e no
cotidiano. Eles reconhecem que a realização de uma boa leitura é fundamental para
o desempenho de todas as atividades escolares para poderem entender as
mudanças que ocorrem com frequência no meio em que vivem e participar
ativamente da sociedade. Apesar dessas declarações, poucos alunos afirmaram que
tem o hábito de ler fora da escola, seja por prazer, seja para adquirir mais
conhecimento de mundo.
Ao serem questionados sobre as leituras que mais lhes chamam atenção,
verificamos que gostam de revistas (para ver figuras), textos dos livros didáticos,
mas não muito longos. Praticamente a metade da turma afirmou não gostar de livros
de literatura porque são muito extensos. A maioria afirmou gostar de gibis,
principalmente a Turma da Mônica, porque são histórias divertidas e não cansam.
Quando indagados de como reagem quando tem que ler um texto mais longo
e difícil de entender, a maioria afirmou que tenta lê-lo novamente, com mais
atenção, mas infelizmente, esta não é a realidade observada em sala de aula.
Percebemos que muitos alunos não são persistentes e desistem facilmente quando
não entendem a mensagem do texto logo na primeira leitura.
Também foi perguntado como acham que se sente uma pessoa analfabeta
diante de uma sociedade letrada. Todos concordaram que pessoas que não sabem
ler e escrever encontram muitas dificuldades diante da atual sociedade, a qual exige
que saibamos fazer a leitura de mundo. Na oportunidade os alunos citaram
exemplos de familiares e conhecidos que são analfabetos e as possíveis
dificuldades por eles encontradas no cotidiano.
Neste momento foram comentadas as palavras do escritor Paulo Freire
(1994, p. 37), o qual diz que “Não há saber maior ou menor, há saberes diferentes”.
Achamos necessário tecer comentários e reflexões a respeito dessas palavras de
Freire para conscientizar os alunos de que as pessoas analfabetas não podem ser
excluídas da sociedade, pois apesar de não saberem ler e escrever possuem outros
saberes e também têm seu valor enquanto cidadãos.
Nessa atividade foi avaliada a participação oral dos alunos considerando os
conhecimentos prévios sobre o assunto, observando a exposição das ideias como
clareza, coerência e argumentatividade.
Dando continuidade ao desenvolvimento das atividades, optamos em criar
um personagem, que muito nos auxiliou nas produções textuais. Observemos:
Trata-se de um ser inanimado que possui traços simples, porém significativos
e capazes de lhe conferir características próprias. O mascote GIBIZITO serviu de
sugestão para a realização dos trabalhos com os alunos, bem como para
demonstrar-lhes que o cotidiano pode ser lido, criado e recriado através de HQ’s.
Na segunda etapa colocamos os alunos em contato com HQ’s de diversos
autores para que fizessem leitura por prazer. Observamos que dentre vários autores
Mauricio de Souza e a Turma da Mônica foram os preferidos. Foi um momento
importante, pois confirmamos que os gibis possuem ótima aceitação do público
escolar e esse fato reforçou a teoria de que esse gênero pode ser de total relevância
para o desenvolvimento de diferentes práticas pedagógicas, inclusive como incentivo
à leitura de gêneros discursivos de outras esferas sociais.
Em outro momento desenvolvemos atividades sobre a história do gênero
textual HQ’s e sua inserção no mundo escolar. Nessa atividade mais uma vez
privilegiamos a prática da expressão oral. Inicialmente falamos sobre o surgimento e
finalidade das HQ’s no contexto social, os primeiros autores das criações impressas
e o aparecimento desse gênero no Brasil. Para esse trabalho foram usadas imagens
do Yellow Kid, o Garoto Amarelo, criado pelo desenhista norte americano Richard F.
Outcault, imagens da primeira revista em quadrinhos publicada no Brasil em 1905, O
tico-tico e outras. Em seguida conversamos sobre o preconceito que as escolas e
professores possuiam em relação aos quadrinhos, os quais eram considerados
leitura inferior. Ainda nessa aula observamos o uso de HQ’s em materiais didáticos e
sua inserção no mundo escolar. Foram levados matérias didáticos diversificados
contendo HQ’s para ilustrar a fala. Nessa aula promovemos situações reais para
Olá, pessoal! Sou o Gibizito e quero ser o protagonista de suas aventuras no mundo da leitura !!
incentivar os alunos a se expressarem oralmente, posicionando-se como sujeitos do
processo interativo.
3.3.4 Identificando tipos diferenciados de HQ’s no cotidiano
Antes do desenvolvimento da 4ª etapa, foi solicitado aos alunos que
trouxessem para pesquisa jornais, revistas, livros velhos para a realização de
pesquisa. Nessa aula os alunos pesquisaram e recortaram os mais variados tipos de
HQ’s. em seguida, em grupos, organizaram cartazes com as HQ’s encontradas.
Durante a realização desse trabalho foram interpretadas charges e Cartuns e
explicado a diferença entre esses tipos de produções. Também os alunos tiveram a
oportunidade de observar que, atualmente as HQ’s estão presentes nos mais
variados meios de comunicação de massa e despertam a atenção de pessoas de
diferentes faixas etárias.
Procuramos desenvolver várias atividades em grupo, pois estas permitem a
participação dos alunos mais tímidos dando-lhes oportunidade de se manifestar
diante dos colegas, além disso, o trabalho coletivo exige troca de contribuições para
que se chegue a um objetivo comum.
Na 6ª etapa trabalhamos com as onomatopeias. Inicialmente procuramos
familiarizar os alunos com esse recurso quadrinístico, bem como seu uso no
contexto. Sugerimos que os alunos reunidos em pequenos grupos, observassem em
gibis as onomatopeias empregadas. Em seguida, cada grupo apresentou três
exemplos de onomatopeias retirados de HQ’s aos colegas explicando seu
significado no contexto. Após a realização dessa atividade os alunos apresentaram
mais conhecimentos sobre esse recurso de expressividade do som nos quadrinhos,
embora alguns ainda confundam onomatopeias com interjeições. Na sequência, os
alunos produziram tiras tendo como protagonista o personagem Gibizito em meio às
onomatopeias pesquisadas. Observamos que a maioria dos alunos produziram
textos significativos obedecendo os requisitos de coesão, coerência e sequência
lógica.
Prosseguindo com o desenvolvimento das atividades, trabalhamos com
algumas adaptações de obras literárias para HQ’s. Sabemos que uma das razões
para esse gênero ter boa aceitação pelo público escolar é a associação da imagem
a palavra. Esse fato justifica o interesse que as obras literárias adaptadas para
quadrinhos vêm exercendo sobre nossos alunos. Na sequência apresentamos
superficialmente alguns clássicos da nossa literatura que foram quadrinizados. Um
trabalho mais minuncioso foi desenvolvido com o Clássico da nossa literatura O
Guarani, do escritor José de Alencar o qual foi adaptado para HQ’s por Luiz Ge e
Ivan Jaf. Inicialmente fizemos uma breve apresentação da biografia do autor, e, em
seguida, um breve resumo da obra para que os alunos se socializassem com o
romance. Em outro momento, selecionamos algumas cenas da obra O Guarani e
realizamos leitura e comentários. A seguir, essas mesmas cenas foram
apresentadas na versão quadrinizada. Para a realização desse trabalho foi utilizado
o data show. Nesse momento, os alunos já conheciam o enredo da obra em estudo,
então realizamos comparações entre as cenas vistas nas duas versões. Foi possível
comparar o cenário descrito e o desenhado, as personagens, o tempo e a sucessão
de fatos. Também foram abordadas as possíveis semelhanças e diferenças que a
mudança do gênero discursivo romance para o gênero HQ’s pode despertar no
enredo da obra. Cabe lembrar que para a realização desse trabalho foram utilizados
dez exemplares do livro O Guarani adaptados para leitores principiantes. Esses
exemplares fazem parte da Coleção “É só o começo” disponível na biblioteca da
escola.
Após a socialização das ideias dos alunos sobre as cenas estudadas,
observamos que o trabalho aguçou a imaginação dos alunos e motivou-os para a
leitura da obra original. Dessa forma o objetivo de incentivar a leitura através das
HQ’s foi alcançado, pois aumentou a procura de obras literárias disponíveis na
biblioteca da escola.
Na realização da última etapa, os alunos já possuíam algumas noções de
como são realizadas as adaptações de obras literárias para HQ’s. O desafio agora
era colocá-los diante de textos literários e orientá-los para que fizessem adaptações.
Para esse trabalho foram selecionados os seguintes contos:
Medo, escrito por Cora Coralina;
O touro e o homem, em O matuto cearense e o caboclo do Pará;
Como a aranha salvou o menino Jesus, contado por Benvenuta de Araújo e
Conto de fadas para mulheres do século 21, escrito por Fernando Veríssimo.
Inicialmente os alunos fizeram a leitura compreensiva dos quatro contos
sugeridos para a realização do trabalho. Em seguida, encaminhamos discussões e
reflexões sobre o tema, a finalidade, intenção e intertextualidade. Também
contextualizamos os contos verificando a fonte, interlocutores, finalidade e época.
Após esse trabalho socializamos as idéias dos alunos em relação aos assuntos
abordados nos textos. Em outro momento cada aluno escolheu livremente um texto
para ser adaptado para HQ’s. Para tanto, deixamos evidente que o texto não precisa
ser recriado na sua totalidade. Nesse caso é preciso selecionar as cenas mais
importantes para serem quadrinizadas, mas é preciso manter a essência do enredo.
Houve necessidade de auxiliá-los na seleção das cenas que seriam quadrinizadas,
pois alguns alunos demonstravam-se bastante inseguros.
Podemos afirmar que o resultado dessa etapa foi satisfatório. Observamos
que existem alunos que se expressam artisticamente com bastante facilidade, já
outros encontram dificuldades para se expressar através do desenho, e isso ,às
vezes, acaba prejudicando suas produções que envolvem texto verbal e não verbal.
Mas, de forma geral, todos se sentiram motivados e procuraram realizar as
atividades atendendo as situações de produção propostas pelo gênero.
As produções de textos realizadas nessa última etapa foram expostas na
escola, promovendo dessa forma a disseminação do trabalho.
4. Considerações finais
Entendemos que o domínio da leitura é uma necessidade básica de todos os
cidadãos que integram uma sociedade que passa por frequentes transformações.
Além de constituir ferramenta básica para a efetivação do aprendizado escolar,
precisamos da leitura para nos comunicar e adquirir novos conhecimentos os quais
terão significância para a vida e para o desempenho do nosso trabalho.
Diante desses argumentos, procuramos através das atividades descritas
neste documento, enfatizar nos alunos a importância da leitura no contexto escolar e
social. Percebemos, então que a maioria de nossos alunos tem consciência de que
a leitura crítica e reflexiva é prática indispensável para o desenvolvimento das
atividades escolares, bem como para o exercício da cidadania, mas mesmo assim,
vários alunos apresentam certo desinteresse em praticá-la, seja para aquisição de
novos conhecimentos ou como simples entretenimento. Esse desinteresse acaba
gerando enorme defasagem no ensino e aprendizagem, pois a leitura, para esses
alunos limita-se somente as atividades escolares e não como constante prática
social capaz de contribuir significativamente para o aprendizado de forma geral.
Frente a essa realidade, é necessário proporcionarmos práticas pedagógicas
que permitam que esses alunos entendam que o domínio da competência linguística
possibilita ao educando uma inserção social mais produtiva no sentido de poder
formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que estão inseridos.
(DCE’S, 2008, p. 53.)
Enquanto professores, cabe-nos criar condições para que o hábito
permanente da leitura se efetive em nossos alunos. Para que isso aconteça
devemos proporcionar oportunidades para que os educandos não somente
acreditem que a leitura é importante para o exercício da cidadania, mas para que
dela se apropriem como forma de acesso a uma sociedade em que se faz
necessário o multiletramento.
Assim sendo, podemos afirmar que os objetivos propostos no Projeto
Histórias em Quadrinhos: despertando o prazer da leitura, foram alcançados com
êxito.
Durante o desenvolvimento das atividades procuramos estimular o hábito da
leitura explorando o universo mágico das HQ’s. Foram desenvolvidas várias
atividades todas envolvendo, além da leitura que é nosso principal objetivo, a prática
da oralidade e da escrita, conforme nos orienta as DCE’s
As atividades sugeridas tiveram boa aceitação por parte dos alunos, pois
todas contemplaram as HQ’s, como elemento norteador. Observamos que quando
atrelamos outras atividades, além da leitura por prazer, a este gênero, podemos
alcançar resultados surpreendentes.
No decorrer das atividades, procuramos incentivar a expressão espontânea,
estimular a fluência de ideias, promover o respeito mútuo e a participação ativa dos
alunos em todas as situações propostas seja individual ou em grupo.
A criação do mascote Gibizito contribuiu para o êxito do trabalho. Sua
performance simples fez com quem todos os alunos o desenhassem com facilidade,
tornando assim as atividades mais prazerosas e produtivas.
O tempo de 20 horas-aula previsto para a execução das atividades não foi
suficiente devido a complexidade e a expansão de algumas atividades.
No que se refere a avaliação, consideramos que se trata de um processo
contínuo e que se deve respeitar a subjetividade de cada aluno. Assim sendo,
procuramos analisar continuamente o efetivo rendimento dos alunos, do início ao
término da realização das atividades.
Dessa forma consideramos o nível de compreensão leitora e das demais
práticas desenvolvidas pelos alunos em todas as atividades propostas sempre
visando o desenvolvimento do hábito da leitura e a aprimoração do leitor crítico.
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