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MICHELE ANDRÉIA BORGES GERTRUDES APARECIDA DANDOLINI ANTÓNIO LUCAS SOARES O processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal Análise Social, lv (1.º), 2020 (n.º 234), pp. 118-143 https://doi.org/10.31447/as00032573.2020234.05 issn online 2182-2999 edição e propriedade Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 1600-189 Lisboa Portugal — [email protected]

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MICHELE ANDRÉIA BORGES

GERTRUDES APARECIDA DANDOLINI

ANTÓNIO LUCAS SOARES

O processo de formação de parceriasintersetoriais em iniciativas de inovação social

em Portugal

Análise Social, lv (1.º), 2020 (n.º 234), pp. 118-143https://doi.org/10.31447/as00032573.2020234.05

issn online 2182-2999

edição e propriedadeInstituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9

1600-189 Lisboa Portugal — [email protected]

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Análise Social, 234, lv (1.º), 2020, 118-143

O processo de formação de parcerias intersetoriais em inicia-tivas de inovação social em Portugal. O objetivo deste artigo é descrever o processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal. A abordagem metodológica utilizada foi o estudo qualitativo de múltiplos casos por meio de uma análise triangulada das fontes de coleta de dados. Obteve-se como resultado um conjunto de catego-rias inter-relacionadas que explicam o processo de formação das parcerias: formação dos parceiros, meios de identifica-ção, motivação dos parceiros para formar a parceria, critérios para formar a parceria, fatores determinantes, facilitadores e dificuldades do processo de formação. A partir da descrição foi possível discutir as implicações desse processo e fomentar algumas estratégias de apoio ao desenvolvimento de parcerias intersetoriais para iniciativas de inovação social.palavras-chave: parcerias intersetoriais; inovação social; ini-ciativas sociais; identificação e formação de parceiros.

Forming intersectoral partnerships for social innovation in Portugal. The purpose of this article is to describe the pro-cess of forming intersectoral partnerships in social innovation initiatives in Portugal. The methodological approach used was the qualitative study of multiple cases through a triangulated analysis of the data. This resulted in a set of interrelated cat-egories explaining the formation process of the partnerships: formation of the partners, means of identification, motivation of the partners to form the partnership, criteria for forming the partnership, determining factors, facilitators, and training process. We discuss the implications of this process and foment some strategies to support the development of intersectoral partnerships for social innovation initiatives.keywords: intersectoral partnerships; social innovation; social initiatives; identification and acquisition of partners.

https://doi.org/10.31447/as00032573.2020234.05

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MICHELE ANDRÉIA BORGES

GERTRUDES APARECIDA DANDOLINI

ANTÓNIO LUCAS SOARES

O processo de formação de parceriasintersetoriais em iniciativas de inovação social

em Portugal

I N T RODU Ç ÃO

A recente visibilidade das inovações sociais está associada ao seu potencial na resolução dos problemas e desafios sociais, bem como nos resultados já alcançados. O crescimento sustentável, a garantia de emprego, o aumento da capacidade competitiva (Howaldt e Schwarz, 2010), o crescente número de organizações sem fins lucrativos que desenvolvem atividades económicas para apoiar a sua missão social, o surgimento de uma variedade de mercados e pro-jetos empresariais de base não mercantis, que visam a resolução de problemas sociais, e as oportunidades de crescimento para a inovação e experimentação derivados do atual ambiente de recessão global (Sanzo et al., 2015) são fato-res essenciais que explicam a importância da inovação social na sociedade do conhecimento.

Assim, a inovação social tem-se mostrado uma alternativa viável tanto para resolver as demandas sociais locais e os grandes desafios globais como também para incitar mudanças sistémicas (mudanças nas atitudes e valores; estratégias e políticas; estruturas e processos organizacionais), sob a ótica da sustentabilidade na sua tríplice dimensão (social, ambiental e económica), a envolver o governo, as empresas e, sobretudo, a sociedade civil (Hubert, 2010).

O relatório sobre as estratégias de crescimento da União Europeia – Europa 2020, relacionadas com as iniciativas de inovação, declara que:

A inovação social é um novo campo importante que deve ser estimulado. Trata-se de explorar a engenhosidade de instituições de caridade, associações e empreendedores

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sociais para encontrar novas maneiras de atender às necessidades sociais que não são aten-didas adequadamente pelo mercado ou pelo setor público. Também pode ser sobre explo-rar essa mesma engenhosidade para provocar as mudanças comportamentais necessárias para enfrentar os principais desafios da sociedade, como as mudanças climáticas. Além de atender às necessidades sociais e enfrentar os desafios da sociedade, as inovações sociais fortalecem as pessoas e criam novas relações sociais e modelos de colaboração. Elas são, portanto, inovadoras em si mesmas e desenvolvem a capacidade da sociedade para inovar [Comissão Europeia, 2010, p. 21].

Nesse contexto, Hubert (2010), no relatório Empowering People, Driving Change: Social Innovation in the European Union, afirma que “num momento de grandes restrições orçamentais, a inovação social é uma maneira eficaz de responder aos desafios sociais, mobilizando a criatividade das pessoas para desenvolver soluções e fazer melhor uso de recursos escassos”.

Entre os países da União Europeia, Portugal tem sido profundamente afe-tado pela crise mundial. Santos (2013) afirma que as medidas tomadas não têm colaborado com a diminuição do problema da pobreza: “Portugal está aprisionado numa crise de austeridade e é o país europeu onde as medidas de austeridade mais afetam os pobres” (Santos, 2013, p. 90). O autor acrescenta ainda que o setor social português demonstrou que os modelos vigentes de ajuste para tratar a desigualdade de renda, embora apresentem alguns resul-tados positivos, não são suficientes para dar conta da complexidade do pro-blema, carecendo com urgência de “novas formas de gestão social baseadas em novos desenhos sociais criativos” (Santos, 2013, p. 86).

A crise económica de Portugal desdobra-se em várias frentes, em particu-lar no desemprego, que aumenta o fosso da pobreza e ainda gera outros pro-blemas: “no caso dos jovens universitários é recorrente o desejo de partir para outro país em busca de melhores condições” (Casaqui, 2014, p. 73).

Mesmo com as dificuldades em impulsionar iniciativas e políticas para lidar com os problemas sociais (Santos, 2013), Portugal tem surpreendido nos últimos anos com “uma profusão de concursos e estímulos ao empreendedo-rismo social” (Casaqui, 2014, p. 75).

O projeto denominado Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (mies), nascido em 2012, visa aproximar o empreendedorismo e a inovação social das pessoas em geral.

As iniciativas de inovação social mapeadas pelo projeto mies apresentam uma característica em comum: o alicerçamento de parcerias com diversos setores da economia. Essa característica vai ao encontro de um movimento mundial na formação de parcerias intersetoriais. Austin (2000, p. 69) afirmou que “o século xxi será uma era de interdependência acelerada. A colaboração

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entre organizações sem fins lucrativos, corporações e governos intensificar-se-á”. Van Tulder et al. (2016, p. 1) confirmam que “milhares de parcerias intersetoriais estão atualmente em andamento ou estão sendo consideradas ou desenvolvidas”.

No entanto, como é que as iniciativas mapeadas no projeto mies têm for-mado e consolidado as suas parcerias de modo a fortalecer as relações sociais e a colaboração entre os diversos agentes socioeconómicos, aumentando a capacidade de inovar e gerar valor social para a sociedade e contribuindo para os esforços da União Europeia na estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo?

Visando responder a essa pergunta de pesquisa, o objetivo deste artigo é descrever o processo de formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social em Portugal, mapeadas pelo projeto mies, com o intuito de gerar algumas reflexões sobre esse processo e apoiar o desenvolvimento e for-talecimento das parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social.

I NOVAÇ ÃO S O C IA L

O campo da inovação tem-se transformado ao longo dos anos. Depois da Revolução Agrícola, quando se forma o padrão de exploração, ele passa pela fase de regulamentação, ampliação e aperfeiçoamento de padrões tecnológicos na Revolução Industrial, até atingir a fase de integração, inovação e combi-nação dos padrões na Revolução do Conhecimento (Di Serio e Vasconcellos, 2009).

Mas foi na era industrial que a inovação como campo de estudo teve a sua ascensão, com o trabalho pioneiro de Schumpeter, Teoria do Desenvolvimento Económico, no qual a inovação se configura por uma transação comercial que envolve uma invenção (ideia, esboço ou modelo) para um novo ou melhorado artefato, produto, processo ou sistema, e que, assim, gera riquezas (Schumpe-ter, 1985). Assim, a utilização de novas tecnologias passou a ser considerada como possibilidade de crescimento económico (Baraldi e Vico Mañas, 2010), impulsionando uma série de gerações de inovações tecnológicas.

No entanto, movimentos sociais expressivos colaboraram para o nasci-mento de um novo conceito de inovação que tem “um caráter coletivo e uma intenção que não só gera, mas também visa, transformações das relações sociais” (André e Abreu, 2006, p. 125). De acordo com Lévesque (2002), esses movimentos sociais expressivos foram:

• O movimento contre-culturel (1968-1975), que faz oposição ao modelo dominante de consumo e de produção em massa.

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• O movimento Estado-mercado (1975-1985), que impulsionou inova-ções para superar a crise na relação entre a coordenação do Estado e a coordenação do mercado e a articulação do desenvolvimento econó-mico e do desenvolvimento social.

• O movimento de mutações e reconfigurações do Estado (1990-2000), em que ocorreu a emergência de novas formas de regulação, de novas modalidades de coordenação e de novos modos de governança, ou seja, a emergência de uma nova configuração do capitalismo.

A partir dos anos 2000, o conceito de inovação social surge como resposta aos grandes desafios da sociedade moderna, na medida em que as inovações tecnológicas ou de mercado já não são suficientes, por si só, para dar conta dos desafios globais como as alterações climáticas, a epidemia mundial de doenças crónicas e as desigualdades sociais (Murray, Caulier-Grice e Mulgan, 2010).

A visibilidade das inovações sociais relaciona-se também com a capaci-dade de gerar valor social, isto é, de criar benefícios ou reduções de custos para a sociedade, por meio de esforços para atender às necessidades e problemas sociais, de forma que vão além dos ganhos privados e benefícios gerais da ati-vidade do mercado (Phills Jr., Deiglmeier e Miller, 2008).

Assim, agentes sociais como investigadores, instituições sociais e agentes de políticas públicas têm-se envolvido na teorização da inovação social, de modo coerente com as suas práticas sociais inovadoras. Em decorrência disto, encontra-se uma série de definições de inovação social. Mas o que se ganha e o que se perde com essa multiplicidade de definições?

Se por um lado a falta de uma definição precisa e amplamente aceite causa incertezas sobre o que de fato são as inovações sociais, como elas passam a existir e o que se pode esperar delas (Anderson, Curtis e Wittig, 2014), por outro, a personalização das definições pelos agentes sociais revela e representa a diversidade cultural, intelectual e o contexto social, político e económico no tempo e no espaço.

Assim, o que está em questão é o debate contínuo em busca de um alinha-mento das dimensões e das características que são essenciais para a compreen-são do conceito de inovação social.

Nessa perspetiva, Edwards-Schachter, Matti e Alcántara (2012) procura-ram sistematizar as características identificadas em 76 definições de inovação social. Os dados dos autores revelam-nos algumas características convergentes dessas definições como: o empoderamento e desenvolvimento de capacidades de grupos desfavorecidos; a participação e colaboração das pessoas na tomada de decisões e processos de governação local; o alcance de resultados volta-dos para a melhoria do bem-estar social, sustentabilidade, inclusão social e

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 123

qualidade de vida de grupos e não apenas de particulares; e o protagonismo de indivíduos, movimentos sociais, organizações do terceiro setor, empresas e Estado no desenvolvimento de iniciativas de inovação social e na relação entre esses atores sociais como forma de colaboração e cooperação.

parcerias e redes intersetoriais

Fazendo uma retrospetiva das instituições sem fins lucrativos, essas organi-zações surgiram na sociedade pela ausência de respostas do Estado aos pro-blemas sociais e pela falta de empatia do mercado para trabalhar de maneira híbrida os seus objetivos: lucro e “bem-estar” social. Entretanto, a sobrevivên-cia das instituições sem fins lucrativos depende muitas vezes da captação de recursos tangíveis e intangíveis para se manterem sustentáveis. Esta lógica de existência acaba por fomentar estratégias para atrair entidades parceiras que apoiem a missão da instituição sem fins lucrativos (Di Domenico, Tracey e Haugh, 2009).

Para além dessa lógica, os desafios sociais do século xxi têm estimulado o desenvolvimento de parcerias não somente para obtenção de recursos sob uma ótica assistencialista, mas de complementaridade de recursos, em que ambas as instituições ganham com a formação da parceria.

No setor empresarial, a crescente pressão para serem socialmente respon-sáveis tem levado as empresas a promoverem iniciativas sociais no âmbito da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), unindo esforços por meio da cola-boração com o terceiro setor para obter uma aproximação maior da realidade social e potenciar a legitimidade local (Di Domenico, Tracey e Haugh, 2009).

Por sua vez, o Estado tem criado como estratégia aliar-se a entidades do terceiro setor e setor empresarial como forma inovadora de produzir bens públicos (Van Tulder et al., 2016).

Mediante esse cenário, a formação de parcerias entre os setores tem-se intensificado e muitas organizações passaram a envolver-se numa rede de par-ceiros intersetoriais em vez de formar parcerias pontuais.

A abrangência das parcerias intersetoriais e das redes que se constituem vai além de organizações formais do terceiro setor, setor empresarial e Estado. Nelson e Zadek (2002) e Provan et al. (2012) incluem nessa lógica de parceria as pessoas e as comunidades. O que vai ao encontro do que essencialmente é definido como uma rede: um conjunto de elementos chamados normalmente de “nós” ou atores, com conexões entre eles, que são chamadas ligações, con-forme Newman (2003) e Barabási (2009).

Essa configuração em rede é impulsionada por fatores como a necessi-dade de flexibilização das organizações, como consequência do crescente processo de competição e instabilidade que exige das empresas velocidade e

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adaptabilidade, ou pela necessidade de estabelecer elos ou trocas com outras organizações por conta da assimetria de recursos tangíveis e intangíveis ou pela busca de uma melhor performance organizacional e inovação. Há ainda a formação de redes intersetoriais com intuito de legitimar as suas ações perante as exigências sociais ou pelo motivo de reciprocidade, que enfatiza a coopera-ção, colaboração e a coordenação entre organizações, em vez de dominação, poder e controlo. Nesta perspetiva, os atores que compõem a rede intersetorial buscam ou estabelecem interesses e objetivos comuns.

A formação de redes intersetoriais é viabilizada tanto por fatores estru-turais quanto por fatores sociológicos. No que tange aos fatores estruturais, Castells (1999) aponta a conectividade, capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre os seus componentes, e a coerência, na medida em que há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e dos seus ato-res. Já Marcon e Moinet (2000) destacam como características estruturais das redes intersetoriais os recursos a trocar (informação, conhecimento e insu-mos), a infoestrutura, a qual os autores definiram como o conjunto de regras de funcionamento e ética que deverá ser observado entre os membros da rede, e a infraestrutura, que compõe os meios práticos de ação (orçamento, material, comunicação, conexão eletrónica, etc.). Sobre os fatores sociológicos, Crozier e Friedberg (1993) e Marcon e Moinet (2000) corroboram que as redes inter-setoriais ocorrem sobre um campo de ação coletivo estruturado, ou seja, a criação da rede não ocorre em “terreno nu” e, portanto, a forma dessa rede é contingente às características do campo de ação coletivo dentro do qual ela pretende operar. A rede é o centro do processo de aprendizagem coletivo que se opera dentro do campo de ação coletivo; dessa forma, o campo de ação evolui sem cessar ao ritmo da aprendizagem que ocorre entre os seus atores. Ou seja, o todo é maior do que a soma das partes.

Embora não haja um modelo universal de rede, algumas experiências com a formação de redes intersetoriais possibilitaram orientar conceptualmente tipologias de redes. Marcon e Moinet (2000) orientam essas tipologias quanto ao nível de formalidade e verticalidade da rede.

O nível de formalidade da rede tem como extremidades: redes formais, em que se estabelecem formas contratuais entre os atores envolvidos na rede, e, do outro lado, as redes informais, baseadas numa comunicação e num entendi-mento entre as partes por conivência.

O nível de verticalidade tem como extremidades: redes verticais, que são caracterizadas por terem uma estrutura hierárquica clara. No extremo oposto encontram-se as redes horizontais, que são formas cooperativas de redes, nas quais cada ator mantém a sua independência, mas opta por coordenar certas atividades específicas, de forma conjunta.

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Provan e Kenis (2008) estabelecem uma tipologia a partir da governança da rede. Os autores apresentam a governança compartilhada, governança líder e um modelo de Organização Administrativa da Rede (oar).

A governança compartilhada é uma forma de governança em que todos os participantes se envolvem na sua gestão, ou seja, não há uma entidade de governança separada e única. Assim, a gestão é comummente descentralizada e esse tipo de rede depende exclusivamente do envolvimento e comprometi-mento de todos os participantes ou de um subconjunto significativo que com-põe a rede, pois esses participantes são eles próprios responsáveis pela gestão das operações e relações internas e externas da rede. A governança comparti-lhada é determinada, normalmente, pela simetria dos participantes na tomada de decisões e na gestão das atividades da rede. Embora não haja uma entidade administrativa formal, algumas atividades administrativas e de coordenação podem ser realizadas por um subconjunto de toda a rede e, em teoria, esta atua coletivamente e nenhuma entidade a representa como um todo.

No extremo oposto à governança compartilhada, encontra-se o modelo de governança líder. Esse tipo de governança está relacionado, principalmente, com as redes verticais, que possuem uma hierarquia bem definida. Assim, as características predominantes da governança líder são a gestão centralizada e a assimetria de poder, isto é, as principais atividades e decisões-chave são coor-denadas por uma única organização, ou seja, a organização líder.

Uma terceira forma de governança de rede é o modelo de Organização Administrativa da Rede (oar). Esse modelo prevê uma entidade administra-tiva separada, criada especificamente para governar a rede e as suas atividades. Além disso, essa entidade pode estar representada por um indivíduo, facili-tador da rede, ou por uma forma organizacional mais complexa, com diretor executivo, equipas de apoio e diretorias que operam num escritório da rede. No modelo de governança oar, a interação entre os atores da rede continua a existir normalmente; no entanto, a coordenação e a tomada de decisões-chave são centradas na oar.

Os tipos de redes e a sua governança estabelecem-se a partir do campo de ação coletivo no qual as redes estão inseridas. Isso não significa que não possam ocorrer mudanças nessas tipologias. A rede é dinâmica, portanto a partir da aprendizagem contínua que nela se estabelece, novas configurações podem for-mar-se de acordo com as necessidades e mudanças no campo de ação coletivo.

PRO C E DI M E N TO S M ETOD OL Ó G IC O S

Para alcançar o objetivo proposto neste artigo, optou-se por uma abordagem qualitativa a fim de explorar e descrever o significado que os participantes

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atribuem ao problema investigado, que é de caráter subjetivo e social (Creswell, 2010).

À luz da abordagem qualitativa, adotou-se a estratégia de estudo de caso que tem o intuito de responder ao “como” e ao “porquê” da ocorrência de determinado fenómeno. Além disso, optou-se pela realização do estudo de múltiplos casos em vez de um estudo de caso único (Yin, 2010), com o intuito de obter uma robustez maior da amostra do estudo sobre a unidade de análise, que são as parcerias intersetoriais dentro do contexto das inovações sociais.

seleção d os casos

Selecionaram-se os casos com base na estratégia de amostragem por cri-térios. Segundo Gray (2012, p. 149), na amostragem por critérios “a amostra é selecionada com base no foco principal do estudo, de onde todos os casos escolhidos devem atender a esse critério”. Assim, os critérios estabelecidos foram: (a) iniciativas consideradas como inovação social e (b) iniciativas de inovação social que contenham uma rede de parceiros.

Identificaram-se as iniciativas de inovação social em Portugal no Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (mies) e no Centro de Inovação Social do Porto. Assim, para fins deste estudo, adotou-se compulsoriamente a defi-nição de inovação social do mies, que define inovação social como “iniciati-vas que resolvem problemas sociais/ambientais negligenciados com elevado potencial de transformação positiva na sociedade, desafiando a visão tradicio-nal e utilizando modelos de negócio inovadores com potencial de crescerem e/ou de se replicarem noutro local geográfico” (mies, 2015).

Ao todo, 20 iniciativas de inovação social aceitaram participar na pesquisa; destas, 12 estão vinculadas à região Norte de Portugal. As regiões Centro e Alentejana têm igualmente quatro casos estudados.

As iniciativas pertencem a 11 áreas de intervenção social, de acordo com a classificação do mies (ies, ipav, 2015):

• Ambiente, preservação e reciclagem (três iniciativas).• Desenvolvimento comunitário, agrícola e indústria alimentícia (três

iniciativas).• Envelhecimento ativo e/ou apoio ao idoso vulnerável e/ou combate ao

isolamento (três iniciativas).• Apoio a portadores de deficiência (duas iniciativas).• Desenvolvimento de competências (duas iniciativas).• Iniciativa lúdica e/ou cultural e/ou desportiva (duas iniciativas).• Alívio da pobreza (uma iniciativa).• Desenvolvimento de jovens (uma iniciativa).

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• Empregabilidade e/ou empreendedorismo (uma iniciativa).• Saúde (uma iniciativa).• Turismo inclusivo (uma iniciativa).

As iniciativas da região Norte que fazem parte deste estudo têm impacto social ao nível local e nacional, em países de língua oficial portuguesa e ao nível internacional (outros países). As iniciativas da região Centro têm impacto social ao nível local, regional e nacional. As iniciativas estudadas pertencentes à região do Alentejo têm impacto social somente ao nível local.

O ano de início de funcionamento das iniciativas estudadas varia de 1976 a 2013, sendo a maior parte delas (16 iniciativas) compreendidas no período de 2007 a 2013.

Os beneficiários das iniciativas são convergentes para as suas áreas de inter-venção; desse modo, esta pesquisa apresenta um estudo com diversos tipos de beneficiários (idosos, jovens em situação de vulnerabilidade, indivíduos em situação de pobreza, indivíduos com deficiência, escolas, comunidades, etc.).

As soluções propostas visam o desenvolvimento de metodologias ou téc-nicas para resolver uma demanda social ou ambiental, ações integradas que envolvem a prestação de serviços para comunidade, criação de produtos com impacto social e ambiental e ações de formação e sensibilização da comuni-dade.

O Apêndice A apresenta um quadro completo com as características de cada uma das 20 iniciativas estudadas, que estão identificadas por I01 a I20.

coleta de dad os

Realizou-se a coleta de dados integralmente em Portugal, no período de outu-bro de 2015 a setembro de 2016, a qual se executou com base em três fontes de dados: documentos, entrevista e questionário.

Obtiveram-se os documentos ao longo da fase de coleta de dados, que con-sistiram em relatórios, protocolos de parceria e informações constante nos sites e redes sociais das iniciativas. Os procedimentos de seleção dos documentos ocorreram por meio de busca na web e pela partilha de documentos via repre-sentante das iniciativas estudadas. Com relação à seleção das informações constantes nos documentos e relevantes à pesquisa, utilizou-se o método de análise documental que consiste na “representação condensada da informa-ção, para consulta e armazenamento” (Bardin, 2011, p. 52).

As entrevistas visaram centrar a coleta dos dados sobre a experiência pró-pria do participante no que tange aos aspetos concretos e simbólicos a res-peito do problema de pesquisa. As entrevistas foram do tipo semidiretiva, isto é, com perguntas abertas, aderentes ao objetivo da pesquisa, que guiam o

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entrevistador ao longo da narrativa do entrevistado. Participaram dessa etapa 20 gestores, um por iniciativa de inovação social estudada, sendo seis homens e 14 mulheres. Além disso, dos 20 entrevistados, 10 são os próprios idealizado-res do projeto, sete são os responsáveis pelo projeto desde a sua origem e três são gestores representantes da entidade promotora da iniciativa. A realização das entrevistas ocorreu no período de janeiro a abril de 2016, nas modalidades presencial e virtual. As entrevistas tiveram uma média de 45 minutos cada. Todas elas foram gravadas e posteriormente transcritas com o auxílio do sof-tware de análise de dados qualitativos maxqda®.

Concebeu-se o questionário com os seguintes objetivos: (i) obter mais uma fonte de dados referente à confiabilidade de algumas informações cons-tantes nos documentos e entrevistas; e (ii) aprofundar os assuntos abordados neste estudo. O questionário elaborado teve como principal pilar teórico o Fra-mework de Avaliação de Rede de Parcerias para a Mudança Social, do Centre for Social Innovation do Canadá (Malinsky, Lubelsky, 2010) e o Guia de Parce-ria de Desenvolvimento equal da Comissão Europeia (2004). O questionário é caracterizado como semiestruturado, uma vez que possui questões fechadas, com escala nominal e escala tipo Likert, e questões abertas, e foi submetido aos mesmos participantes da fase de entrevista; no entanto, a adesão ao questioná-rio foi parcial. Dos 20 entrevistados, 13 responderam ao questionário.

análise d os dad os

Utilizou-se a estratégia analítica por meio da triangulação das múltiplas fontes para analisar o conjunto de dados. Quando se utiliza essa estratégia, as desco-bertas e conclusões são resultados da convergência das várias fontes utilizadas (Yin, 2010).

Para triangular os dados utilizou-se a metodologia de Análise de Conteúdo Temático-Categorial de Bardin (2011). A organização da análise de conteúdo ocorreu a partir da execução das fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (Bardin, 2011), com auxílio da ferramenta de aná-lise de dados qualitativos maxqda®.

R E SU LTA D O S

Emergiram como resultado da análise de conteúdo temático-categorial as seguintes categorias: formação das parcerias, meios de identificação dos par-ceiros, motivação dos parceiros para formar a parceria, critérios que os parcei-ros devem atender para formar a parceria, fatores determinantes que levaram os parceiros a firmarem a parceria e facilitadores e dificuldades do processo de formação dos parceiros.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 129

FIGURA 1

Modelo esquemático do processo de formação de parcerias

Fonte: Adaptada de Borges (2017, p. 158).

Com o intuito de organizar e mostrar as relações entre as categorias, ela-borou-se um modelo esquemático que representa o processo de formação dos parceiros das iniciativas de inovação social estudadas (Figura 1).

As secções a seguir explicam o modelo esquemático por meio das catego-rias que representam o processo de formação das parcerias intersetoriais no contexto das iniciativas de inovação social estudadas.

categorias: formação da parceria, meios e motivação

As parcerias intersetoriais constituíram-se da seguinte forma:

• O contacto intencional da entidade promotora, ou seja, quando a entidade promotora da iniciativa entra em contacto com um potencial parceiro.

• O contacto dos parceiros, isto é, quando organizações ou pessoas entram em contacto com a iniciativa a fim de formar a parceria.

Concretos

ParceiroProm

otora

Ao acaso

Org. ou ind.intermediário

Parceirospreexistentes

Candidaturaou concurso

Contactodo parceiro

MapeamentoIndicação

Rede pessoalCliente

Pontual

Apoio a IS

VisibilidadeBoca a boca

Eventos

Contacto intencio-nal da promotora

Subjetivos

LaicidadeValores

LegitimidadeConfiança

Competênciase recursos

ComplementariedadeReputação

Estrutura física

MOTIVAÇÕES

FACILITADORES DIFICULDADES

MEIOSFORMAÇÃO

DA PARCERIA

FATORESDETERMINANTES

CRITÉRIOS

Impacto social

Valor sociale ambiental

Realizaçãopessoal

Missão socialCaráter inovador

BenefíciosRede

Crenças e valores divergentesCompromisso financeiro

Necessidade de recursos humanosBurocracia das instituições públicas

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130 MICHELE A. BORGES, GERTRUDES A. DANDOLINI E ANTÓNIO L. SOARES

• Candidatura ou concurso são parcerias que se formam a partir de um processo de seleção promovido pelo parceiro em potencial. Essas par-cerias têm como característica organizações cuja missão é apoiar ini-ciativas sociais. É o caso das parcerias com centros de inovação social e com fundações de amparo a projetos sociais.

• Parceiros preexistentes são entidades ou pessoas que são ou foram parceiros da entidade promotora noutros projetos da instituição.

• Ao acaso são parcerias que se formam sem intenção, por meio de rela-ções casuais, por exemplo a partir de um evento ou de uma situação informal, em que há partilha de informação entre as partes, criando-se a possibilidade de firmar a parceria.

• Organização ou pessoa intermediária são parcerias que se formam por meio de uma organização ou pessoa que faz, intencionalmente, a intermediação entre a entidade promotora e outras pessoas ou organi-zações.

Essas formas de constituição das parcerias não são excludentes dentro de uma iniciativa. As iniciativas fazem uso dessas diversas formas para consti-tuir as parcerias. No entanto, a análise de conteúdo temático-categorial indi-cou que a forma predominante da formação das parcerias dá-se por meio do contacto intencional da entidade promotora da iniciativa. Nessa situação, os meios utilizados para identificar os potenciais parceiros variam entre: (a) o mapeamento das entidades, de acordo com as intenções existentes na parceria; (b) indicação de pessoas ou entidades parceiras; ou (c) rede pessoal da enti-dade promotora da iniciativa, em que se faz a análise das pessoas da própria rede pessoal que pode de alguma forma atuar na iniciativa.

Por outro lado, há parcerias que são formadas pelo contacto do parceiro com a entidade promotora da iniciativa. Das oito iniciativas que mencionaram essa forma de constituição, apenas duas têm essa forma como predomínio. Essas duas iniciativas têm em comum uma grande quantidade de parceiros clientes, isto é, parceiros cuja atuação predominante é o consumo dos produtos comercializados pelas entidades promotoras da iniciativa de inovação social. A formação dessa rede de parceiros clientes tem como objetivo disseminar e escalar a iniciativa a fim de alcançar a sua missão social. No caso da iniciativa I01, essa missão consiste em permitir a integração do maior número possível de daltónicos, facilitando o seu dia a dia sempre que a cor for um fator de identificação, de orientação ou de escolha. No caso da iniciativa I02, a missão é aumentar as competências pessoais, sociais e profissionais de pessoas em risco de exclusão social através do desenvolvimento de peças de ecodesign que sur-gem da reutilização de materiais desperdiçados pelas empresas.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 131

Os meios pelos quais os potenciais parceiros identificaram as iniciativas estão relacionados (i) com a visibilidade da iniciativa nos media (ao nível local, regional ou nacional, a depender do impacto já alcançado) e redes sociais; (ii) com o chamado “boca a boca”, isto é, uma pessoa ou entidade que conheceu a iniciativa e repassa esse conhecimento a outras; e (iii) com as apresentações públicas em eventos, fóruns, concursos, que aguçaram o desejo das organiza-ções em formar parcerias com essas iniciativas.

Os motivos que levaram as organizações ou pessoas a entrar em contato com as iniciativas foram, principalmente, o reconhecimento do impacto social. Há também a busca pelo valor social e ambiental dos produtos ou serviços oferecidos pelas iniciativas, o reconhecimento de que os custos do produto ou serviço são reduzidos em face dos benefícios, a visibilidade positiva pelo envolvimento com iniciativas sociais e a realização pessoal. Nesse último caso, a participante de uma das iniciativas explica que as parcerias que se esten-dem nessa lógica são parcerias mais pontuais, em âmbito individual, e que não têm um papel ativo no desenvolvimento da iniciativa, no sentido de alcançar impactos sociais e ambientais de longo prazo.

categoria: critérios

Os critérios para a identificação dos parceiros referem-se aos requisitos essen-ciais a que os parceiros devem atender para que a parceria seja firmada. Nesta categoria identificaram-se, no discurso dos representantes de cinco iniciativas, os seguintes critérios.

Laicidade: relacionada com a formação de parcerias com entidades que sejam laicas ou que tenham uma postura laica.

Alinhamento dos valores: valores convergentes entre a entidade promo-tora da iniciativa e o parceiro.

Tomamos o cuidado de ter entidades que não choquem interesse. Que os valores e obje-tivos sejam convergentes [Representante da Iniciativa I03 entrevistado na pesquisa].

Nós tentamos sempre entrar em contacto com empresas que estejam alinhadas com os nossos valores [Representante da Iniciativa I19 entrevistado na pesquisa].

Confiança: refere-se à confiança mútua entre a entidade promotora da ini-ciativa e o parceiro.

Ou nós temos confiança nos parceiros ou então nós não incluímos como um dos nossos parceiros [Participante da Iniciativa I10].

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132 MICHELE A. BORGES, GERTRUDES A. DANDOLINI E ANTÓNIO L. SOARES

Estrutura física: refere-se à capacidade do parceiro em possibilitar uma estrutura física adequada para receber os beneficiários da iniciativa de inova-ção social.

Analisaram-se, também, por meio de questionário, os critérios instituídos no documento intitulado “Guia para as parcerias de desenvolvimento equal”, da Comissão Europeia (2004, p. 17). Os critérios publicados no guia são:

• Reputação: se são capazes de executar o plano e se têm experiência de trabalho na área da iniciativa social.

• Legitimidade: se as organizações estão mandatadas pelos seus mem-bros para tomarem decisões relativas ao trabalho da parceria. Se as pessoas que as representam têm poderes para atuar em seu nome.

• Competências e recursos: o que elas podem oferecer. Têm competên-cias e recursos financeiros sólidos.

• Complementaridade: se as competências e recursos permitem à par-ceria preencher uma lacuna e se serão um apoio ao seu trabalho – algo que os outros não podem oferecer.

• Generalização e integração: se os decisores políticos e os bene-ficiários da iniciativa social estão suficientemente representados/relacionados na parceria para que o seu impacto seja duradouro. Se foram identificados atores da mudança e pessoas que fazem avançar a agenda.

• Motivação: se veem a parceria como um avanço ou se estão motivados para trabalhar em parceria.

Todos os critérios mencionados obtiveram pelo menos a frequência de uma iniciativa – considerando a amostra de 13 iniciativas respondentes ao questionário. No entanto, quando se trata do grau de relevância, o critério competências e recursos foi o que obteve os maiores graus (relevante e muito relevante). Em segundo lugar, ficaram os elementos legitimidade e motivação. E, em terceiro lugar, ficou o elemento complementaridade.

categoria: fatores determinantes

Os fatores determinantes referem-se aos fatores que levaram os parceiros a firmarem a parceria com as iniciativas de inovação social estudadas. Nesse sentido, determinaram-se duas categorias de fatores: subjetivos e concretos.

No que se refere aos fatores subjetivos, identificaram-se: (a) empatia com a iniciativa (b) sentimento de responsabilidade social (c) confiança na iniciativa, no projeto, e nos valores da entidade promotora, e (d) fator afetivo, retratados nos trechos a seguir:

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 133

As pessoas apaixonaram-se por um propósito que depois transcende a própria parceria e que pode ser bom para ambas, que têm um propósito muito maior e acredito que isso terá sido o que fez com que a maior parte das parcerias se concretizassem [Representante da Iniciativa I07 entrevistada na pesquisa].

Eu acho que todos os parceiros que se envolveram neste projeto é porque mexeu com eles [Representante da Iniciativa I13 entrevistada na pesquisa].

Os fatores concretos estão relacionados com os benefícios (ganhos) que o parceiro obterá com a realização da parceria. Identificaram-se os seguintes benefícios: (a) valor económico, relacionado com a comissão nos produtos, retorno económico pela comercialização de produtos diferentes e por atrair um novo nicho de mercado – este fator está associado às parcerias do setor empresarial; (b) valor social, relacionado com o cumprimento da missão social de organizações públicas ou sem fins lucrativos; e (c) visibilidade, no sentido de ganhar uma imagem positiva por estar associado a uma iniciativa social.

categoria: facilitad ores e dificuldades na formação das parcerias

Em relação à categoria Facilitadores, obtiveram-se 64 segmentos de textos extraídos das entrevistas e questionário aplicados às iniciativas estudadas. Os segmentos estão representados por 28 códigos (facilitadores). A figura 2 apresenta os facilitadores.

FIGURA 2

Facilitadores do Processo de Formação de Parcerias

Fonte: Borges (2017, p. 166).

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A missão social da iniciativa, o reconhecimento dos benefícios com a for-mação da parceria, o caráter inovador da iniciativa, a possibilidade de se inse-rir numa rede de parceiro e a reputação da iniciativa são os cinco facilitadores mais frequentes.

Por outro lado, identificaram-se 11 dificuldades no discurso de cinco ini-ciativas distintas:

(1) falta de parcerias no início do projeto, para a criação conjunta de ideias;

(2) morosidade em estabelecer parcerias com instituições públicas, por vezes um processo mais difícil do que aquele que envolve parcerias com instituições privadas;

(3) necessidade de algum compromisso financeiro para formar a parceria;(4) tempo necessário para consolidar as relações de confiança e, assim,

concretizar a parceria;(5) número reduzido de pessoas, por parte da própria entidade promo-

tora da iniciativa, destinadas à equipa do projeto na realização de estratégias para adquirir mais parceiros;

(6) representante da organização em potencial que encara a entidade promotora como concorrente;

(7) representante da organização em potencial que não percebe vanta-gem em formar parcerias com outras instituições, por considerar que as parcerias não são boas;

(8) representante da organização em potencial que considera “já saber de tudo” e que, portanto, não precisa de parceiros;

(9) medo do novo;(10) algumas crenças e valores das pessoas;(11) discurso versus prática, ou seja, quando estes são divergentes.

A respeito da última dificuldade apresentada, o participante de uma das iniciativas afirma que:

Algumas entidades que supostamente em Portugal deveriam focar-se nesta questão social ou deveriam preocupar-se com esta questão e que simplesmente, como se diz no Brasil, não estão nem aí [Representante da Iniciativa I10 entrevistada na pesquisa].

DI S C U S S ÃO

Pode-se constatar, com base nas representações analíticas das iniciativas inves-tigadas, que as parcerias se constituem numa rede de colaboração e apoio à

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 135

entidade promotora da iniciativa. Porém, na maioria das iniciativas estudadas, essas redes não são formais – no que se refere à rede como um todo, e não na formalidade dos atores (nós da rede), que varia de acordo com cada ator. Essa informalidade acaba por ter implicações na estrutura de governança da rede e na avaliação dos resultados da parceria.

No que se refere à governança da rede, pode-se constatar que a coordena-ção, que envolve as atividades de planeamento e gestão estratégica da iniciativa, é basicamente restrita às entidades promotoras. Isso não significa que todas as iniciativas estudadas tenham uma tomada de decisão imposta e/ou um sistema de gestão centralizado, mas que essa tomada de decisão democrática ocorre mais no âmbito das atividades e ações operacionais do que no nível estratégico da iniciativa. Em relação à gestão descentralizada, ela está mais associada à autonomia de determinados tipos de parceiros para gerenciar a dinamização das atividades no território local ou em outros territórios.

Quanto à avaliação das parcerias, esta depende mais dos resultados diretos e de curto prazo dos objetivos e atividades estabelecidos para cada parceiro ou tipos de parceiros do que dos impactos sociais de longo prazo como resultado da parceria que, nesse caso, requerem o estabelecimento de objetivos sociais bem definidos para a rede de parceiros.

Por outro lado, a descrição do processo de formação das parcerias inter-setoriais investigadas nesta pesquisa evidenciou uma maturidade no estabele-cimento de objetivos operacionais e de atuação dos parceiros na constituição dessas relações, em especial objetivos associados à complementaridade e/ou à obtenção de recursos tangíveis e intangíveis.

A complementaridade de recursos que as iniciativas buscam nos seus par-ceiros está normalmente relacionada com o capital social e relacional, por meio da partilha de informações e boas práticas, na disseminação das informações e resultados da iniciativa, na articulação da entidade parceira com outras enti-dades, na mediação com os beneficiários, no reconhecimento da qualidade das atividades, na articulação das atividades com outras entidades semelhantes (de modo a evitar sobreposição de atividades), na sensibilização e capacitação dos beneficiários e na institucionalização da iniciativa.

Todavia, as iniciativas objetivam complementar recursos referentes também ao capital intelectual, incluindo como parceiros entidades que possam apoiar o acompanhamento científico e a validação do projeto (como, por exemplo, as universidades e os centros de investigação), o planeamento de estratégias e operacionalização de atividades de forma conjunta, a criação de novos produ-tos, processos, metodologias ou serviços e a promoção de ações de inovação.

Além disso, algumas iniciativas complementam recursos relacionados com o capital humano para execução de tarefas essenciais à iniciativa e ao capital

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manufaturado (infraestrutura física, equipamentos, materiais). Citando como exemplo uma das iniciativas estudadas, esta necessita do apoio das lojas par-ceiras, de espaço físico e recursos humanos, para escoar os seus produtos de modo ético e sustentável. Outro exemplo, é o caso de uma das iniciativas que identifica parceiros que possam oferecer serviços para o turismo inclusivo e, com isso, suporta o modelo de intervenção social da entidade promotora.

A descrição do processo de formação das parcerias intersetoriais possibi-litou ainda evidenciar uma série de elementos e características que podem ser um apoio ao desenvolvimento dessas parcerias.

Neste sentido, as iniciativas podem fazer uso do seu conhecimento agre-gado como estratégia no processo de formação das parcerias, como demonstra o caráter inovador da iniciativa e o rigor científico e/ou prático da solução pro-posta; explicitar o conhecimento da solução proposta em forma de metodolo-gia, pois isso evidencia a capacidade dos gestores da iniciativa em estruturar, sistematizar e organizar o conhecimento, para que ele seja partilhado e repli-cado, e demonstrar os resultados, parciais ou integrais, da solução proposta, de modo a gerar credibilidade e confiança à iniciativa.

A análise empírica demonstrou ainda a capacidade das iniciativas na nego-ciação das parcerias por meio de ações como mostrar os benefícios tangíveis e/ou intangíveis para ambos os lados da parceria, as chamadas parcerias “ganha- -ganha”; enfatizar a participação pelo cumprimento da missão social da própria organização parceira, principalmente nos casos de organizações do terceiro setor e do setor público; mostrar que podem trabalhar de forma com-plementar tanto em relação aos recursos tangíveis quanto aos intangíveis, e evidenciar, para os futuros parceiros e principalmente para os beneficiários, o potencial da iniciativa para melhorar a condição de vida das pessoas e/ou do meio ambiente; demonstrar que as parcerias ajudam na redução de custos sociais, principalmente quando se trata das organizações do setor público e do Estado, e que propiciam a melhoria mútua das práticas da orga-nização; mostrar que há um retorno económico pela visibilidade positiva ou pelo alcance de um novo nicho de mercado, ou ainda pela comissão nos produtos, principalmente quando se articula parceria com setor empresarial e com profissionais autónomos; e evidenciar que a parceria pode assegurar recursos.

C ONC LU S ÃO

Este artigo faz parte de um estudo mais amplo sobre a dinâmica das parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social e buscou apresentar uma des-crição destes processos em Portugal.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 137

A compreensão do processo aqui estudado contribui para a desmistifica-ção de que em projetos sociais seja duvidoso negociar benefícios para ambas as partes na formação das parcerias, principalmente quando envolve organiza-ções do setor empresarial. Os benefícios para ambas as partes ajudam a envol-ver os atores, mas significam mais do que isso ao inserirem-se num contexto de parcerias colaborativas, em que se ganha aprendizado que ajuda a romper determinados preconceitos.

Por exemplo, se uma organização empresarial tem a oportunidade de se envolver com uma iniciativa social cujo público-alvo são pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social, esse envolvimento cria a possibilidade de ela olhar de outra forma para essas pessoas, passando a ser um vetor de desen-volvimento de novas ações sociais que modifiquem essa situação. Isso faz com que se passe dos conceitos de responsabilidade social que têm como cerne as obrigações legais com a sociedade, para um conceito de empoderamento, em que todos fazem parte de um ecossistema social e são responsáveis por uma sociedade melhor.

Portanto, a formação de parcerias intersetoriais em iniciativas de inovação social propicia mudanças na forma como as pessoas e organizações atuam na sociedade e faz com que se sintam responsáveis pelos problemas e desafios sociais. Obviamente, há um longo caminho a ser percorrido; todavia, essas iniciativas mostraram que, ao invés de apostar na desconfiança, é necessário incentivar a confiança, de modo que a atuação conjunta possa romper com determinados paradigmas.

Sendo assim, este estudo possibilita que outros pesquisadores, pessoas ou organizações façam uso dos resultados para refinar as suas práticas de desen-volvimento de parcerias no contexto das iniciativas de inovação social.

Como toda a pesquisa, esta possui também as suas limitações. Nela se rea-lizou a descrição do processo de formação de parcerias intersetoriais somente pela perspetiva da entidade promotora e do seu gestor. Uma análise mais robusta da rede, envolvendo a perspetiva dos parceiros, seria relevante para os resultados da pesquisa.

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A PÊ N DIC E

QUADRO A

Apresentação dos casos estudados

Iniciativa Características Gerais Características da Iniciativa

I01 Setor: EmpresarialÁrea de Intervenção: SaúdeAno de Surgimento: 2010Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Nacional

Beneficiários: DaltónicosProblema identificado: Inexistência de respostas socialmente efetivas visando à inclusão dos daltônicos.Solução proposta: Sistema de Identificação de Cores universal e transversal.

I02 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Ambiente, Preservação e ReciclagemAno de Surgimento: 2011Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Indivíduos desempregados e em situaçõesvulneráveis de exclusão social.Problema identificado: Não aproveitamento da mão de obra dos beneficiários da entidade. Excesso de desperdício das empresas.Solução proposta: Dinâmica de capacitação sociale profissional de pessoas com necessidade de trabalhoprotegido através do desenvolvimento de criação de peças de ecodesign que surgem da reutilização do desperdício das empresas.

I03 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Iniciativa Lúdica e/ou Culturale/ou DesportivaAno de Surgimento: 1990Região de Surgimento: CentroImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Direto: estudantes e escolas; Indireto: comuni-dade.Problema identificado: Falta de sensibilização da comunidade em geral para a importância das artes, resultando na falta de público em espetáculos e exposições. Reconhecimento de uma crescente desocupação dos jovens e comportamentos de risco, com situações de exclusão social de crianças e jovens.Solução proposta: Metodologia para o desenvolvimento da arte, com estudantes e escolas.

I04 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Ambiente, Preservação e ReciclagemAno de Surgimento: 2012Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Direto: Agricultores, empreendedores, turistas.Indiretos: crianças, comunidades, estudantes.Problema identificado: Abandono dos terrenos. Risco de incên-dios florestais.Solução proposta: Técnica nova de pastoreio, que recorre à utilização de cabras para limpeza de monte, para controle de combustível.

I05 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento Comunitário, Agrícola e Indústria AlimentíciaAno de Surgimento: 2015Região de Surgimento: AlentejoImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Comunidade, Institutos de investigação, restau-rantes, empresários, técnicos e autarquias locais.Problema identificado: Pessoas com pouca formação e/ou desempregadas e com poucas oportunidades. Potencial dos recursos micológicos não estava a ser valorizado. Escasso associativismo.Solução proposta: Dinamização de diversas ações na promoção dos recursos micológicos, para os diferentes públicos: apanha-dores, gestores, técnicos, autoridades locais e comunidade

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 139

Iniciativa Características Gerais Características da Iniciativa

I06 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Ambiente, Preservação e ReciclagemAno de Surgimento: 2007Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Pessoas e entidades formadas.Problema identificado: Excesso de resíduos urbanos orgânicos. Poluição em meio urbano e arredores.Solução proposta: Promoção da compostagem caseira, por meio de um curso, como forma de valorização dos resíduos orgânicos, de melhoria do ambiente e de diminuição dos resí-duos sujeitos a tratamento e deposição em aterro.

I07 Setor: EmpresarialÁrea de Intervenção: Envelheci-mento Ativo e/ou Apoio ao Idoso Vulnerável e/ou Combate ao Iso-lamentoAno de Surgimento: 2012Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Mulheres com mais de 50 anos.Problema identificado: Idosos que perderam gradativamente as suas capacidades do dia a dia. Isolamento do idoso. Moda ética e sustentável em Portugal é inexistente.Solução proposta: Clube de costura, onde, mulheres com mais de 50 anos, sem ocupação profissional, transformam roupa usada, obtida pelas próprias ou doada por terceiros, em roupa de estilo vintage de excelência, com apoio de estilistas.

I08 Setor: PúblicoÁrea de Intervenção: Apoioa portadores de deficiênciaAno de Surgimento: 2007Região de Surgimento: CentroImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Crianças com necessidades especiais de todoo país.Problema identificado: Inexistência (em nível nacional e inter-nacional) de brinquedos adaptados para crianças com neces-sidades especiais, as quais representam cerca de 5% do total das crianças portuguesas (a mesma expressividade em nível mundial).Solução proposta: Adaptação de brinquedos de sistema ele-trônico simples a pilhas com interruptor on/off para colocação/soldadura de um cabo universal (“Jack”) que serve de ligação ao adaptador/manípulo.

I09 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Envelheci-mento Ativo e/ou Apoio ao Idoso Vulnerável e/ou Combate ao Iso-lamentoAno de Surgimento: 2011Região de Surgimento: AlentejoImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Idosos.Problema identificado: Isolamento de Idosos.Solução proposta: Dinamização de um espaço integrado num veículo, para visitas regulares a maioria das localidades do con-celho de Mértola, tendo por objetivo combater o isolamento e a solidão dos idosos, por meio de diversas ações.

I10 Setor: EmpresarialÁrea de Intervenção: TurismoAno de Surgimento: 2013Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Pessoas com deficiência.Problema identificado: Dificuldades no acesso a experiências turísticas por parte de indivíduos com deficiência e seus acom-panhantes e/ou famílias.Solução proposta: Modelo de turismo inclusivo.

I11 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento de CompetênciasAno de Surgimento: 2009Região de Surgimento: CentroImpacto Geográfico: Nacional

Beneficiários: Alunos e escolas.Problema identificado: Jovens em ambiente escolar com grande desmotivação, sem consciência das suas capacidades (vocação), com dificuldades de relacionamentos com os pares e a Escola. Abandono e retenção escolar com taxas de 20% no Ensino Secundário.Solução proposta: O Programa de formação baseado em dinâmicas, exercícios e reflexões de várias áreas do desenvol-vimento pessoal (Coaching, Psicologia Positiva, Programação Neurolinguística, etc.).

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Iniciativa Características Gerais Características da Iniciativa

I12 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento de CompetênciasAno de Surgimento: 2011Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Nacional e Países de Língua Oficial Portuguesa

Beneficiários: Crianças/jovens em idade pré-escolar e escolar (em idade de alfabetização). Crianças/jovens com necessidade de terapia da fala e adultos em reabilitação de AVCs, entre outros. Comunidade Surda. Comunidade Cega.Problema identificado: Falta de material inclusivo para a alfa-betização de todos/as para promoção de uma linguagem/comu-nicação universal e acessível.Solução proposta: Implementação de um Kit de 26 cartões com letras do alfabeto, em que cada cartão tem quatro leituras (Língua Gestual Portuguesa, Braille, Alfabeto Fonético e Grafia Comum). Os cartões de alfabeto são o primeiro produto de uma linha de material inclusivo. Formação para aplicação do produto.

I13 Setor: PúblicoÁrea de Intervenção: Alívio da PobrezaAno de Surgimento: 2011Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Famílias do concelho de Esposende e visitantes.Problema identificado: Cidadãos a necessitarem de apoio. Necessidade de se rentabilizarem os recursos disponíveis no concelho. Eliminação de situações de sobreposição na interven-ção social.Solução proposta: Criação de uma Loja Social que é internali-zada pela comunidade local como sua pertença, apelando ao seu envolvimento e participação. Deste modo, é assegurado pela comunidade (1) a doação de bens à loja; (2) a troca de bens na Loja pela comunidade em geral, potenciando a sua reutilização numa perspectiva de maior sustentabilidade ambiental; (3) o compromisso da comunidade com um projeto assente em voluntariado social; (4) um novo conceito local de educação para a cidadania.

I14 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento Comunitário, Agrícola e Indústria AlimentíciaAno de Surgimento: 2001Região de Surgimento: AlentejoImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Diretos: Comunidade do Lousal. Indiretos: pes-soas das comunidades locais, turistas e escolas do país.Problema identificado: Desemprego gerador de desertificação social, empobrecimento da população do Lousal e comporta-mentos desviantes (droga, álcool, depressões, furtos), devido ao fecho da mina do Lousal, que empregava toda a aldeia. Era ainda o negócio da mina que pagava tudo: escola, polícia, hospital, supermercado, entre outros.Solução proposta: Plano integrado para a revitalização da povoação mineira do Lousal, explorando simultaneamente as potencialidades museológicas, turísticas, formativas e lúdicas que em si encerram as instalações de superfície, os trabalhos de exploração subterrânea e a céu aberto e o manancial de história e de informação técnica e sociocultural.

I15 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Envelheci-mento Ativo e/ou Apoio ao Idoso Vulnerável e/ou Combate ao Iso-lamentoAno de Surgimento: 2011Região de Surgimento: AlentejoImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Idosos (idosos, doentes atingidos por AVC e pessoas com perdas cognitivas – Alzheimer e outros tipos de demência, doentes em coma e em fim de vida). Organizações não lucrativas. Cuidadores de saúde.Problema identificado: Subdesenvolvimento nacional em cuidados geriátricos. Os cuidados de saúde prestados em nível nacional são pouco centrados nas pessoas, os profissionais de saúde trocam ideias entre si e pouco envolvem as pessoas nos seus cuidados e tratamento. Insuficiência de relação entre o cuidador e o cuidado – relação de confiança.Solução proposta: Metodologia diferenciadora de prestação de cuidados de saúde.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PARCERIAS INTERSETORIAIS 141

Iniciativa Características Gerais Características da Iniciativa

I16 Setor: EmpresarialÁrea de Intervenção: Empregabili-dade e/ou EmpreendedorismoAno de Surgimento: 2013Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Internacional

Beneficiários: Jovens e empregadores.Problema identificado: Desemprego Jovem. Dificuldade na interação entre jovens recém-diplomados e empresas. Falta de competências de procura de trabalho, nos jovens. Dificuldade em captar talento nas empresas.Solução proposta: Programa acelerador de competências que aproxima jovens e empresas, sobretudo universitários e recém-licenciados.

I17 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento Comunitário, Agrícola e Indústria AlimentíciaAno de Surgimento: 2008Região de Surgimento: CentroImpacto Geográfico: Nacional

Beneficiários: Pequenos produtores agrícolas e Consumidores.Problema identificado: Dificuldade de comercialização da produção associada a pequenos produtores agrícolas/agricul-tura familiar.Solução proposta: Metodologia para aumentar o escoamento dos produtos dos pequenos agricultores, baseando-se em mecanismos do comércio justo e do consumo local.

I18 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Apoio a porta-dores de deficiênciaAno de Surgimento: 1976Região de Surgimento: CentroImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Diretos: Pessoas com multideficiência e/ou inca-pacidade (física ou mental). Indiretos: Famílias e comunidade.Problema identificado: Falta de resposta alternativa à institu-cionalização, para o apoio e desenvolvimento da pessoa com incapacidade e sua família. Necessidade de um desenvolvi-mento integrado na sociedade e em particular com a comuni-dade local para estas pessoas.Solução proposta: Desenvolvimento de atividades de valoriza-ção e inclusão social e profissional dos beneficiários, através de serviços e ocupações que possam criar valor para a sociedade, na e com a comunidade.

I19 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Desenvolvi-mento de JovensAno de Surgimento: 2010Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Regional

Beneficiários: Jovens de comunidades carenciadas e/ou proble-máticas.Problema identificado: Inatividade dos jovens, pouco motiva-dos para participarem e envolverem-se na sociedade.Solução proposta: Programa de voluntariado que pretende mobilizar jovens para ensinarem uma atividade de desporto a outros jovens.

I20 Setor: Terceiro SetorÁrea de Intervenção: Iniciativa Lúdica e/ou Cultural e/ou Despor-tivaAno de Surgimento: 2007Região de Surgimento: NorteImpacto Geográfico: Local

Beneficiários: Crianças e jovens (entre os 6 e os 21 anos) resi-dentes num bairro social, 85% dos quais pertencentes a uma minoria étnica.Problema identificado: Conflitos abertos e não relação entre ciganos e não ciganos, medo. Visível pela anterior constituição de equipas separadas entre as duas etnias.Solução proposta: Constituição de equipas de futebol mistas de crianças de etnia cigana e não cigana com treinos regulares e participação em torneios, acompanhadas de sessões de tutoria entre pares, onde os mais velhos são tutores dos mais novos.

Fonte: Dados extraídos do MIES (2015).

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