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CENTRO UNIVESITÁRIO UNIVATES
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E A SUA ADEQUAÇÃO À
ORDEM JURÍDICA VIGENTE
Raul Ezequiel da Silva
Lajeado, junho de 2009.
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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E A SUA ADEQUAÇÃO À
ORDEM JURÍDICA VIGENTE
Raul Ezequiel da Silva
Monografia apresentada na disciplina de
Trabalho de Curso II – Monografia, do Curso
de Direito, como exigência parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: André Eduardo Schröder
Prediger
Lajeado, junho de 2009.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a minha família, em especial aos meus pais,
Suzana e Pedro, pela formação de meu caráter. Espero ter me tornado um homem
de bem, digno das lições que me ensinaram. Aos meus irmãos Camila, e Euzébio,
pela compreensão e apoio, indispensáveis para a realização deste trabalho.
Também agradeço pelo amor que deles recebo diariamente.
A Patrícia, amor da minha vida. Meu coração se enche de alegria apenas em
pronunciar teu nome. A ti dedico esta conquista, em agradecimento aos anos mais
felizes da minha vida.
Dedico também esta conquista, especialmente ao Promotor de Justiça e
professor André Eduardo Schröder Prediger, pessoa que, além de profissional
destacado por seu empenho e conhecimento, possui um enorme coração.
Aos colegas de trabalho do Setor de Licitações da Prefeitura Municipal de
Estrela, profissionais competentes que muito auxiliaram no meu desenvolvimento
profissional. Sua amizade muito me honra.
A todas as pessoas que de alguma forma ajudaram a tornar este momento
possível, meus agradecimentos.
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RESUMO
Esta monografia tem como objetivo analisar, através da exposição dos argumentos da doutrina, os pontos de incompatibilidade da Lei nº 11.079/04 com o ordenamento jurídico nacional, com foco especial na Constituição da República. Inicialmente, procura-se oferecer subsídios para a compreensão dos detalhes relevantes para a adequação das Parcerias Público-Privadas à ordem jurídica interna brasileira. Com esse objetivo serão definidos conceitos gerais e apresentadas algumas das formas de agir da Administração Pública. Em um segundo momento, passar-se-á ao desenvolvimento do conceito de Parceria Público-Privada, abordando suas peculiaridades e buscando traçar um panorama sobre o assunto. Por fim, serão explorados os pontos de divergência existentes entre a legislação que instituiu as parcerias público-privadas e o ordenamento jurídico brasileiro, com foco especial na adequação do texto da Lei n°11.079/04 à ordem jurídica interna, sob a luz da Constituição da República.
PALAVRAS-CHAVE: Parcerias público-privadas. Adequação. Legislação.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................5 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA............................ ......................................................8 2.1 Conceito ................................................................................................................8 2.2 A Administração Pública na Constituição Federal de 1988.................................10 2.3 A Administração Pública no exercício de suas atividades...................................13 2.3.1 Ato Administrativo ............................................................................................14 2.3.2 Vinculação e discricionariedade no agir da Administração Pública..................21 2.3.3 Contrato Administrativo ....................................................................................22 3 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS ....................... ..............................................27 3.1 Surgimento ..........................................................................................................29 3.2 Conceito ..............................................................................................................35 3.3 Aspectos preliminares para a formação das Parcerias Público-Privadas ...........37 3.4 A Lei nº 11.079/2004 e os aspectos relevantes para a viabilidade das Parcerias Público-Privadas .......................................................................................................38 4 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRI VADAS......48 4.1 Vinculação de receita ..........................................................................................49 4.2 Instituição de fundos especiais............................................................................53 4.3 Instituição da arbitragem na resolução dos conflitos existentes nas PPPs .........58 4.4 Transferência do controle da sociedade de propósito específico aos seus financiadores.............................................................................................................61 5 CONCLUSÃO ........................................ ................................................................66 REFERÊNCIAS.........................................................................................................70
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1 INTRODUÇÃO
Atualmente a economia mundial vem enfrentando um grande aumento na
demanda por infraestrutura, o que exige um significativo acréscimo no volume de
investimentos, em diferentes setores da economia.
No Brasil, a carência de infraestrutura atinge níveis preocupantes em áreas
vitais para a economia, como saúde, transportes, educação e energia, ao mesmo
tempo em que se agrava a escassez de recursos financeiros para investimento do
Poder Público. Por conseguinte, o investimento visando à satisfação desta demanda
mostra-se indispensável, tanto para a prestação eficiente de assistência à
população, quanto para a atração de investimentos externos.
É neste contexto complexo que entrou em vigor a Lei Federal nº 11.079, em
30 de dezembro de 2004, instituindo normas gerais para licitação e contratação de
parceria público-privada no âmbito da administração pública.
Embora já existissem na legislação pátria institutos que objetivassem a
interação entre o Estado e o Particular, como no caso das concessões, permissões,
franquias e terceirizações, com o surgimento das Parcerias Público-Privadas
originou-se uma nova forma de cooperação entre o poder público e a iniciativa
privada.
Nas Parcerias Público-Privada, em função da complexidade e do risco
inerente às Parceiras, surge a necessidade de formalizar contratos mais firmes e
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com prazos mais dilatados do que as modalidades de contratos até então
realizadas.
Neste contexto, a Lei nº 11.079/04 apresenta um novo horizonte para o Direito
Administrativo, no entanto carece de análise quanto a sua adequação à legislação
vigente no país. Assim, as Parcerias vêm embasando fortes debates, e o olhar
atento da doutrina tem destacado a existência de pontos de incompatibilidade,
levantando dúvidas quanto à viabilidade do instituto frente ao ordenamento jurídico
nacional.
O presente trabalho monográfico1 pretende, inicialmente, oferecer subsídios
para a compreensão de alguns detalhes que envolvem as Parcerias Público-
Privadas. Com este objetivo, serão definidos conceitos gerais e apresentadas
algumas das formas de agir da Administração Pública. Em um segundo momento,
passar-se-á ao desenvolvimento do conceito de Parceria Público-Privada,
abordando suas peculiaridades e traçando um panorama sobre o assunto. Por fim,
serão explorados os pontos de divergência existentes entre a legislação que instituiu
as parcerias público-privadas e o ordenamento jurídico brasileiro, com foco especial
na adequação do texto da Lei n°11.079/04 à ordem ju rídica interna, sob a luz da
Constituição da República.
No primeiro capítulo será analisada a Administração Pública. Para tanto,
inicialmente serão tecidos comentários embasados na doutrina acerca do conceito
os quais definem o termo administração pública. Em seguida, será discutida a
relação entre a função administrativa pública e o Direito Constitucional, tendo em
vista a constante e inevitável necessidade de interação entre o público e o particular.
Ainda nesse capítulo, serão tecidas considerações a respeito do exercício das
atividades inerentes à Administração Pública. Ao final da primeira etapa, e de posse
dessas constatações, serão abordados de forma ampla os aspectos relativos ao ato
administrativo, à vinculação e à discricionariedade no agir da Administração Pública
e ao contrato administrativo.
O segundo capítulo trará o desenvolvimento do conceito de Parceria Público-
Privada. Além disso, através da exposição das peculiaridades que envolvem o tema,
1 Neste trabalho, estão sendo adotadas as regras do novo Acordo Ortográfico.
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será traçado um panorama sobre o instituto das PPPs. Em um segundo momento,
será contextualizado o surgimento das Parcerias, e nessa etapa serão realizados
comentários acerca dos modelos de parcerias implantados na Inglaterra, Portugal,
Estados Unidos, Chile e no Brasil. Em seguida, serão identificados os aspectos
preliminares para a formação das Parcerias Público-Privadas e a motivação que
impulsiona a Administração Pública na direção das Parcerias.
Ainda no segundo capítulo, pretende-se investigar os aspectos relevantes,
apontados pela doutrina, para a viabilidade das Parcerias Público-Privadas. De
início, serão identificados e delimitados, através da doutrina, os conceitos de
concessão administrativa e patrocinada. Na sequência da análise, proceder-se-á à
investigação das vedações contidas na Lei n° 11.079 /04, dentre as quais figuram o
prazo e valor mínimo previstos para o contrato de PPP. No passo seguinte, analisar-
se-á a adequação legal da repartição dos riscos e da instituição de determinadas
garantias ao parceiro privado no âmbito do contrato de Parceria.
No terceiro e último capítulo, serão examinados os pontos relativos à
interação entre a lei das PPPs e o ordenamento jurídico nacional, os quais ensejam
divergências de opiniões entre os doutrinadores. Assim, pretende-se investigar a
adequação de determinados aspectos da Lei nº 11.079/04 à legislação
Constitucional e infraconstitucional.
A etapa final do terceiro capítulo trará um embate entre os argumentos da
doutrina acerca da adequação legal, ou, mais precisamente, a constitucionalidade
das previsões da Lei nº 11.079/04 quanto à vinculação de receitas públicas, à
instituição ou utilização de fundos especiais garantidores das Parcerias, à instituição
da arbitragem na resolução dos conflitos no âmbito das parcerias e à transferência
do controle da sociedade de propósito específico para seus financiadores.
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2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1 Conceito
Conceituar o termo Administração Pública é uma tarefa que exige
considerável esforço, tendo em vista a amplitude e complexidade do tema. Na busca
do conceito capaz de defini-la, a doutrina tem procurado oferecer sua contribuição e,
para tanto, os doutrinadores adotam os mais variados critérios.
Para Di Pietro (2005), a expressão “Administração Pública” possui dois
sentidos, quais sejam, o sentido subjetivo e o objetivo. Explica a referida autora:
[...] em sentido subjetivo , formal ou orgânico , ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas , incumbidas de exercer uma das funções em que tripartite a atividade estatal: a função administrativa; em sentido objetivo, material ou funcional , ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; neste sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente , ao Poder Executivo (Di Pietro, 2005, p. 54). [grifo do autor]
Com entendimento equivalente, Diógenes Gasparini (2006) analisa três
critérios utilizados pela doutrina contemporânea para definir a expressão
administração pública: o negativista ou residual, o formal e o material.
Inicialmente, o autor visualiza o termo sob a ótica negativista ou residual,
classificando a atividade administrativa desenvolvida pelo Estado como aquela que
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não é legislativa e tampouco judiciária. Contudo, o próprio autor refuta a ideia ao
afirmar:
[...] A definição deve ser positiva; deve dizer o que uma coisa é, e não o que uma coisa não é. Ademais, os vocábulos julgar e legislar, são equívocos, isto é, têm mais de um sentido, dificultando, por isso, a compreensão do conceito formulado (Gasparini, 2006, p. 45). [...].
Ao tratar do critério formal, também classificado como orgânico ou subjetivo, o
autor associa a expressão ao conjunto de órgãos, entes ou pessoas jurídicas
incumbidos de desempenhar as atividades administrativas. Para o autor, o critério
material ou objetivo define a administração pública como o conjunto de atividades
concretas e imediatas que visam atender diretamente às necessidades coletivas.
Sendo assim, em síntese, entende tal autor que o termo (administração
pública) deve ser grafado em letras minúsculas, quando indicar atividade
administrativa ou função administrativa, e registrado em maiúsculas (Administração
Pública), quando fizer referência ao ente público.
Com definição mais sucinta, Araújo (2005) concorda e sintetiza o
entendimento acima exposto, destacando o duplo significado contido na expressão
administração pública. De acordo com o autor, uma primeira definição possível para
a Administração Pública mostra-se em sentido amplo e generalizado, como sendo
definição de Estado ou Governo, ao passo que uma segunda interpretação remonta
ao exercício da função administrativa pelo ente governamental.
Diante do consenso doutrinário surgido a partir da discussão acerca do termo
Administração Pública, opta-se pela adoção, no presente trabalho monográfico, da
nomenclatura sugerida pelos doutrinadores suprareferidos, tendo em vista a
objetividade didática. Desta forma, adotar-se-á a expressão “Administração Pública”
quando se tratar de ente governamental, e “administração pública” quando se referir
ao ato de gerir os bens públicos.
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2.2 A Administração Pública na Constituição Federal de 1988
A partir desta primeira sistematização, torna-se possível iniciar a efetiva
abordagem do tema, o qual num primeiro momento terá como foco a relação entre a
função administrativa pública e o Direito Constitucional. Esta relação é constatada a
todo momento, tanto de forma direta quanto indireta, tendo em vista a constante e
inevitável necessidade de interação entre o público e o particular.
A inevitabilidade da interação força o desenvolvimento de regras as quais se
aplicam não somente as condutas dos particulares, na busca da satisfação de seus
interesses, mas também à Administração Pública. A origem destas regras está no
texto Constitucional, o qual traz as diretrizes e os princípios indispensáveis à
formação do Direito Administrativo.
Neibuhr (2008, p. 65) considera a Constituição Federal como pilar
fundamental, que alicerça as relações entre o Poder Público e a iniciativa privada,
sustentando que:
Admitir a preponderância da Constituição sobre as práticas legislativas e executivas, assim como reconhecer o alcance e o sentido das disposições constitucionais referentes a atividade executiva, é pressuposto necessário para, mais que revelar eventuais (in)conformidades formais, investigar essencialmente a adequação do conteúdo material de atos legislativos e normativos.
Tal entendimento é complementado por Furtado (2007, p. 139), ao afirmar
que tanto os Entes Governamentais quanto a forma de gerir a coisa pública sofrem a
influência direta do Direito Constitucional em dois aspectos principais.
Em primeiro lugar, as regras básicas definidoras das funções do estado, inclusive no que concerne à separação dos poderes, e da distribuição de atribuições ou de competências entre as diferentes esferas do governo – federal, estadual e municipal-, têm estatura constitucional, o que obriga o legislador a ter de sempre considerar essas normas constitucionais quando pretender interferir na organização da Administração Pública. A segunda influência exercida pelo Direito Constitucional sobre o Direito da organização decorre do papel desempenhado pelos direitos fundamentais na defesa de interesses individuais e gerais, tanto em relação à necessidade de o Ente agir de modo a assegurar a dignidade da pessoa humana - dever de atuação positiva -, quanto em relação ao estabelecimento de limites à atuação estatal, o que lhe impõe o dever de respeitar o âmbito das liberdades individuais em face de interferências estatais impositivas – dever de atuação negativa.
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Dessa forma, ao mencionar os referidos princípios, é possível agrupá-los em
dois conjuntos: o primeiro, formado pelos princípios expressos; e o segundo, pelos
princípios implícitos no texto constitucional.
No primeiro conjunto destacam-se os princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, todos expressos no artigo 372
do texto constitucional. Outros, apesar de se encontrarem expressos na
Constituição, não se encontram inseridos dentro do capítulo relativo à Administração
Pública, porém com ele guardam íntima relação. Como exemplo pode-se citar os
princípios do devido processo legal3 e do contraditório - ampla defesa4. Para
Medauer (2006), esses princípios servem de meio para que sejam aplicados
princípios expressos, como o da legalidade.
Portanto, o conjunto formado pelos princípios expressos e pelos implícitos
baliza e orienta tanto a administração direta, quanto a administração indireta. Para
contextualizar a atuação dos princípios dentro da administração pública, torna-se
importante definir, através de conceitos, de que formas a atividade de administrar se
apresenta.
Para Araújo (2007), administração direta é a situação em que a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, dentro de suas competências constitucionais,
assumem, ao mesmo tempo, os papéis de prestadores e executores de serviços
públicos, tornando-se assim possuidores da titularidade de tal serviço.
O professor Aloísio Zimmer Júnior (2007) complementa, afirmando que as
funções exercidas pela Administração Pública Direta e seu conjunto de órgãos
públicos estão diretamente ligadas à prestação de serviço público e ao exercício do
poder de polícia.
Quanto à Administração Pública Indireta, cumpre novamente utilizar os
ensinamentos de Araújo (2007), o qual considera que a proliferação de entidades
2 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) 3 Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 4 Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
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com competências específicas, diversas da Administração Pública, expõe o fracasso
destas entidades em sua missão de auxiliar o Estado na disponibilização de bens e
serviços à população. Ressalta o autor que a multiplicação desordenada de
estruturas destas entidades estatais evidencia um problema de eficiência e
racionalização do serviço público. Como solução para tais problemas, resta à
Administração Pública transferir estas responsabilidades, delegando-as
contratualmente (permissão e concessão), ou unilateralmente (outorga por
autorização) à iniciativa privada.
Feitas tais considerações acerca do conceito de administração pública direta
e indireta, cabe retornar à análise do segundo conjunto de princípios formado pelos
princípios constitucionais implícitos. Esses princípios, apesar de não estarem
expressos no texto constitucional, devido a sua importância fazem parte do regime
jurídico, tendo sido inseridos pelo art. 2º, da Lei Federal nº 9.784, de 29/01/995. O
mesmo diploma legal ressalta a importância dos princípios ali contidos, dando-lhes
contornos de normas gerais norteadoras das atividades administrativas, por parte da
Administração Pública (Meireles, 2006).
Neste sentido, Mello (2005) afirma que, embora muitas vezes não figurem
expressamente na Constituição, alguns princípios adquirem relevância, na medida
em que se encontram estreitamente associados aos princípios expressos, por
conseguinte, intimamente ligados ao sistema Constitucional.
Pode-se citar como exemplos deste conjunto o princípio da supremacia do
interesse público sobre o privado6; princípio da legalidade7; princípio da finalidade8;
princípio da razoabilidade9; princípio da proporcionalidade10; princípio da
5 Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. 6 O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência (Mello, 2007, p. 96). 7 O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina (Mello, 2007, p. 96). 8 O princípio da finalidade impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou voluntariamente como objeto do ato (Meirelles, 2006, p. 92). 9 Nas palavras de Meirelles (2006, p. 94), razoabilidade é o critério de adequação entre os meios e fins. Nesse princípio encontra-se estampada a vedação à imposição de obrigações, restrições e sanções que superam, em média, aquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
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motivação11; princípio do controle judicial do estado dos atos administrativos12;
princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos13; e princípio da
segurança jurídica14.
Esta rede principiológica, formada pelos princípios expressos e implícitos, é
indispensável para a compreensão da maneira de agir da Administração Pública,
pois é respeitando este conjunto de princípios, aliados à legislação vigente, que
serão traçados os rumos e os limites para as ações da Administração. Desse modo,
pode-se dizer que somente assim estará sendo exercida com responsabilidade, pelo
seu titular, a função precípua da Administração Pública de zelar pelo interesse
público e buscar, acima de tudo, o bem comum da sociedade.
2.3 A Administração Pública no exercício de suas at ividades
Para que a Administração Pública execute suas obrigações e atinja sua
finalidade precípua de atender às necessidades e interesses da população, ela deve
agir observando, obrigatoriamente, os princípios que norteiam a administração
pública, a legislação administrativa, constitucional e infraconstitucional pertinente.
Convém lembrar a lição dada por Meireles (2006, p. 86) quando da análise
das contratações realizadas dentro do âmbito da Administração Pública,
diferenciadas das realizadas no âmbito do direito privado:
10 Segundo Mello (2007, p. 110), este princípio determina que “...as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas.” 11 É o princípio que atribui à Administração Pública o dever de justificar seus atos, informadas as razões de fato e de direito (Meireles, 2006, p. 23). 12 De acordo com Mello (2007, p. 121), o Poder Judiciário pode tanto anular atos inválidos, como impor à Administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis. 13 “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (Art. 37, § 6° da CF/88). 14 A segurança jurídica decorre da necessidade humana de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, fato que lhe permite vislumbrar o futuro com alguma previsibilidade (Mello, 2007, p. 124).
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Na administração particular o administrador recebe do proprietário as ordens e instruções de como administrar as coisas que lhe são confiadas; na administração pública essas ordens e instruções são concretizadas nas leis, regulamentos e atos especiais, dentro da moral da instituição. Daí o dever indeclinável de o administrador público agir segundo os preceitos do direito e da moral administrativa, porque tais preceitos é que expressam a vontade do titular dos interesses administrativos – o povo – e condicionam os atos a serem praticados no desempenho do múnus que lhe é confiado.
Segundo Justen Filho (2005), a materialização da função administrativa se dá
com a atividade administrativa, que é a tradução concreta do conjunto de
competências abstratamente previstas no ordenamento jurídico. Essa materialização
do ato de administrar mostra-se de maneira evidente no momento em que são
formulados os atos unilaterais, também chamados de atos administrativos, e os atos
bilaterais ou contratos administrativos, os quais serão posteriormente abordados de
forma mais detida.
Assim, tecidas as considerações iniciais a respeito do exercício das atividades
inerentes à Administração Pública, cabe realizar um exame mais aprofundado dos
atos administrativos e suas peculiaridades.
2.3.1 Ato Administrativo
O conceito de ato administrativo varia conforme o doutrinador; alguns
elementos, todavia, permanecem inalterados, conforme se verá a seguir.
Um primeiro conceito que merece destaque é o elaborado por Araújo (2007),
que considera como ato administrativo aquele oriundo da Administração Pública,
responsável pelo efetivo desempenho da atividade administrativa, o qual deve
priorizar sempre o interesse público e social, e deve produzir efeitos jurídicos. O
próprio autor complementa sua explicação ao comentar a relação existente entre o
ato administrativo e a declaração de vontade do Estado:
Ato administrativo como a declaração de vontade do Estado, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse público, por ela objetivados, determinados ou admitidos pelo ordenamento jurídico, em matéria administrativa (Araújo, 2007, p. 450).
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Outra definição que merece menção é a de Justen Filho (2005), para o qual
ato administrativo é uma manifestação de vontade funcional, com aptidão para gerar
efeitos jurídicos, sendo produzida no exercício da função pública.
Na mesma linha, Meireles (2006) define o ato administrativo como sendo toda
ação emanada de forma unilateral pela Administração Pública, que tenha como
finalidade imediata adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar
direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.
Considerando as definições acima, pode-se afirmar que o ato administrativo é
uma manifestação formada através da vontade única da Administração Pública ou
de quem tenha prerrogativas estatais para manifestá-la, ficando o ato sujeito aos
efeitos jurídicos e ao controle do Poder Judiciário. Em verdade, o ato administrativo
é uma das principais formas através das quais atuam e se expressam os órgãos e
autoridades administrativas e, para que estas manifestações tenham efetividade no
mundo jurídico, devem satisfazer determinados requisitos.
Medauar (2006) ensina que, para ocorrer a manifestação plena do ato
administrativo, devem ser atendidos quatro requisitos genéricos: a perfeição, a
vigência, a validade e a eficácia.
A perfeição do ato administrativo se dá quando forem esgotadas as fases
necessárias à sua produção, ou seja, quando foi cumprido o ciclo para sua
formação, podendo expressar também o momento em que se encerrou o
processamento do ato administrativo, reputando-se concluído tal ato; a vigência, por
sua vez, se refere à questão temporal, ou seja, ao momento em que o ato
administrativo inicia a produção de seus efeitos jurídicos dentro do mundo dos fatos,
isto é, o momento da sua entrada em vigor; a validade do ato se dá quando se
constata que o mesmo foi editado em conformidade e compatibilidade com a lei,
apresentando todos os elementos essenciais à sua formação, podendo assim gerar
efeitos jurídicos; e, por fim, a eficácia do ato administrativo opera-se quando este
produz os efeitos jurídicos que lhe são próprios.
Acerca da diferenciação acima apresentada, cabe menção às considerações
feitas por Araújo (2007, p. 451-452), segundo o qual, embora sejam apresentados
elementos semelhantes, a organização se dá de modo diferenciado:
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Como qualquer ato jurídico, o ato administrativo possui elementos, intrínsecos e extrínsecos, que determinam sua existência; requisitos, que condicionam sua validade; e atributos ou fatores, que propiciam sua eficácia.
Os elementos intrínsecos, segundo o autor, são os contidos dentro do ato, ou
seja, a vontade do agente (ação ou omissão), o objeto, a matéria, ou o efeito prático
que se pretende alcançar com o ato.
Os elementos extrínsecos, por sua vez, são os elementos exteriores ao ato
administrativo, dos quais fazem parte o agente público, que declara a vontade da
Administração Pública, e os elementos “tempo” e o “lugar”, sem os quais não
existiria o ato administrativo.
No que tange ao requisito da validade, pode-se dizer que o ato administrativo
depende de alguns requisitos para ser considerado válido, tais como a capacidade e
competência do agente, a declaração válida de vontade, o objeto lícito e possível, a
conformidade com o interesse público e a observância à forma legal prescrita.
Neste ponto, cumpre colacionar o ensinamento de Antônio Junqueira de
Azevedo apud Meireles (2006, p. 54), que, ao analisar o perfectibilização do ato,
afirma:
[...] o ato administrativo aperfeiçoa-se quando sobre ele incidem determinados fatores que o tornam apto para produzir efeitos, principalmente os efeitos jurídicos objetivados com a declaração de vontade, ou seja, quando é eficaz, percebendo-se assim que a “eficácia” não é o próprio efeito jurídico desejado, mas o atributo concreto que para a produção desse efeito contribui.
Justen Filho (2005) ressalta que os atos administrativos possuem ainda
alguns atributos peculiares e inerentes à atividade administrativa pública, dentre os
quais figuram a presunção de legitimidade, a imperatividade, a exigibilidade e a
autoexecutoriedade, e a relação estreita entre os requisitos e os atributos do ato
administrativo serve de veículo para a supremacia do interesse público sobre o
particular.
Em relação à presunção de legitimidade, Meirelles (2006) ensina que os atos
administrativos, qualquer que seja sua categoria, gozam de presunção de
legitimidade em decorrência do princípio da legalidade da Administração contido no
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art. 37 da Constituição da República. Sendo assim, tal atributo expressa a qualidade
de se presumirem como verdadeiros todos os atos administrativos, até que se prove
o contrário.
Já o atributo da imperatividade é o responsável por atribuir o fator
coercibilidade para o cumprimento do ato administrativo. Representa, ainda, a
unilateralidade do ato administrativo, ou seja, a possibilidade de a Administração
Pública impor determinadas situações e/ou condutas aos seus administrados, sem
necessitar da anuência dos mesmos (Meirelles, 2006).
No mesmo sentido se expressa Gasparini (2006, p. 75) ao conceituar o
atributo da imperatividade:
É a qualidade que certos atos administrativos têm para constituir situações de observância obrigatória em relação aos seus destinatários, independentemente da respectiva concordância ou aquiescência. Destarte, sempre que o ato administrativo for dotado desse atributo, impõe-se mesmo que contrarie os interesses do destinatário.
No que tange ao atributo da exigibilidade do ato administrativo, Gasparini
(2006) aborda-o de forma bastante objetiva, ao afirmar que a exigibilidade
representa a qualidade do ato administrativo de impelir o destinatário à obediência
de determinada obrigação, imposta pelo Estado, sem necessidade de prévio
reconhecimento de tal obrigação pelo Poder Judicial.
Quanto ao atributo da autoexecutoriedade, também denominado de
executoriedade, Meirelles (2006) considera como sendo a possibilidade que certos
atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela Administração,
independentemente de ordem judicial.
Di Pietro (2006, p. 195), em pertinente comparação, diferencia os atributos de
autoexecutoriedade e da exigibilidade, afirmando:
A diferença, nas hipóteses, está apenas no meio coercitivo; no caso da exigibilidade , a Administração se utiliza de meios indiretos de coerção, como a multa ou outras penalidades administrativas impostas em caso de descumprimento do ato. Na executoriedade , a Administração emprega meios diretos de coerção, compelindo materialmente o administrado a fazer alguma coisa, utilizando-se inclusive da força. Na primeira hipótese, os meios de coerção vêm sempre definidos na lei; na segunda, podem ser utilizados, independentemente da previsão legal, para atender situação emergente que ponha em risco a segurança, a saúde ou outro interesse da coletividade [grifo do autor].
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Deste modo, pelo atributo da autoexecutoriedade, a administração pode
obrigar o administrado a atender ao comando imperativo do ato administrativo, sem
necessitar de apoio do Poder Judiciário.
Ademais, os atos administrativos, devido à sua variedade e complexidade,
podem possuir uma grande variedade de classificações. Contudo, Justen Filho
(2005) considera como classificações mais úteis as seguintes: quanto ao conteúdo,
quanto aos destinatários, quanto ao âmbito de aplicação, quanto ao número de
partes, quanto à estrutura subjetiva de competência, quanto à natureza e quanto aos
efeitos.
Quanto ao conteúdo, dividem-se em “atos normativos”, responsáveis por
complementar um mandamento estabelecido em lei, como, por exemplo, os
regulamentos, e os “não normativos”, ou seja, os que não geram efeitos normativos,
mas realizam uma hipótese de incidência ou decidem um caso concreto.
Quanto aos seus destinatários, os atos podem ser divididos em gerais ou
individuais. Os gerais são dirigidos a um número indeterminado de sujeitos,
enquanto os individuais são direcionados a um grupo específico e determinado de
indivíduos.
Quanto ao âmbito de aplicação, os atos podem ser classificados em internos
e externos. Os primeiros são direcionados a entes integrantes da Administração
Pública, ao passo que os segundos não estão focados para tais entes.
O número de partes dos atos administrativos faz referência ao número de
órgãos ou sujeitos que praticam o ato, podendo ser divididos em unilaterais,
bilaterais e plurilaterais. Os unilaterais têm como exemplo principal os oriundos da
atividade administrativa propriamente dita, os bilaterais são os contratos, e os
plurilaterais têm como exemplo os convênios.
Quanto à estrutura subjetiva da competência, os atos administrativos podem
ser divididos em simples, coletivos e complexos. Os simples são aqueles em que
apenas uma pessoa física ou um órgão é o responsável pelo ato; nos coletivos, por
sua vez, existe uma pluralidade de sujeitos com competências idênticas em uma
manifestação de vontades qualitativas similares; e, por fim, nos atos complexos
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existe uma pluralidade de sujeitos com competências heterogêneas em uma
manifestação de vontades qualitativas distintas.
Quanto à natureza, os atos administrativos se dividem em atos de expediente,
consultivos, decisórios e de execução. Os atos de expediente são os atos que não
possuem carga decisória; os consultivos não decidem, porém fornecem subsídios
para tal objetivo; os decisórios são os que formalizam uma escolha entre várias
opções, apontando os rumos da administração; e, finalmente, os executórios são os
que produzem a satisfação de um dever, caso contrário darão origem à
responsabilidade jurídica.
Quanto aos seus efeitos, os atos administrativos podem ser classificados em
declaratórios, constitutivos e condenatórios. Os declaratórios são os que constatam
a existência ou não de eventos que podem gerar efeitos jurídicos; os constitutivos
são aqueles necessários a produção de efeitos jurídicos e o condenatório é aquele
que impõe a um sujeito o exercício de determinada conduta ativa ou omissiva.
Não obstante a classificação acima apresentada, cabe ressaltar outra
importante diferenciação a ser feita entre os atos administrativos, na qual se
classificam os atos em diferentes espécies: admissão, permissão, autorização,
aprovação, homologação, licença, concessão e dispensa.
Segundo Di Pietro (2005), as diferentes espécies de atos administrativos se
dividem em duas categorias: a primeira é agrupada quanto ao conteúdo; e a
segunda, quanto à forma de que se revestem.
No primeiro grupo encontram-se a autorização15, a licença16, a admissão17 e a
permissão18, figurando como exemplos de atos administrativos negociais; a
15 É o ato administrativo discricionário mediante o qual a Administração Pública outorga a alguém, que para isso se interesse, o direito de realizar certa atividade material que sem ela lhe seria vedada (Gasparini, 2005, p. 86). 16 É o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade (Di Pietro, 2005, p.220). 17 Admissão é o ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração reconhece ao particular, que preencha os requisitos legais, o direito à prestação de um serviço público (Di Pietro, 2005, p. 221) 18 É o ato administrativo, vinculado ou discricionário, segundo o qual a Administração Pública outorga a alguém, que para isso se interesse, o direito de prestar um serviço público ou de usar, em caráter privativo, um bem público (Gasparini, 2005, p. 85).
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aprovação19 e a homologação20, exemplos de atos de controle; e o parecer21 e o
visto22, que são atos enunciativos. No segundo grupo estão incluídos o decreto23, a
portaria24, a resolução25, a circular26, o despacho27 e o alvará28.
Seguindo esta linha de raciocínio, constata-se que, da mesma maneira que os
atos administrativos nascem e produzem seus efeitos, eles também deixam de
vigorar. Esta retirada do ato pode se dar através da extinção, da revogação e da
invalidação. Assim, conforme Justen Filho (2005) ocorre extinção do ato
administrativo quando todos os seus potenciais efeitos tenham sido produzidos,
ocorrendo sua exaustão em virtude da ausência de outros deveres ou direitos a
cargo das partes envolvidas.
A extinção do ato administrativo define-se como o desaparecimento, a
terminação do ato administrativo. Sobre o tema, Mello (2005) sustenta que as
causas determinantes da extinção dos atos administrativos distinguem-se em
extinção de atos eficazes e ineficazes.
O mesmo autor explica, ainda, que nos atos eficazes pode ocorrer a extinção
de várias maneiras, entre elas, através do cumprimento de seus efeitos, com o
desaparecimento do sujeito da relação jurídica, com o desaparecimento do objeto
19 É o ato administrativo discricionário mediante o qual a Administração Pública faculta a prática de certo ato jurídico ou concorda com o já praticado, para lhe dar eficácia, se conveniente e oportuno (Gasparini, 2005, p. 86). 20 Homologação é o ato administrativo unilateral, praticado no exercício de competência vinculada, em que a Administração Pública manifesta formal aprovação a ato jurídico pretérito, (eventualmente praticado por ela própria), fundando-se no preenchimento dos requisitos exigidos (Justen Filho, 2005, p. 214). 21 É o ato pelo qual os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre assuntos técnicos ou jurídicos de sua competência (Di Pietro, 2005, p. 222). 22 Visto é o ato administrativo unilateral pelo qual a autoridade competente atesta a legitimidade formal de outro ato jurídico (Di Pietro, 2005, p. 223). 23 Decreto é ato administrativo unilateral pelo qual o Chefe do Executivo (federal, estadual, distrital ou municipal) exercita a competência administrativa que demande forma escrita, para a qual não seja adequada outra forma específica (Justen Filho, 2005, p. 210). 24 É a forma de que se revestem os atos, gerais ou individuais, emanados de autoridades outras que não os chefes do Executivo (Di Pietro, 2005, p. 224). 25 É a formula de que se valem os órgãos colegiados para manifestarem suas deliberações em assuntos da respectiva competência ou para dispor sobre seu próprio funcionamento (Gasparini, 2005, p. 92). 26 É o instrumento de que se valem as autoridades para transmitir ordens internas uniformes a seus subordinados (Di Pietro, 2005, p. 225). 27 É a fórmula com a qual a autoridade administrativa manifesta decisões finais e interlocutórias em processos submetidos à sua apreciação (Gasparini, 2005, p. 93). 28 Alvará é o instrumento utilizado, usualmente para formalizar a outorga de uma autorização ou licença (Justen Filho, 2005, p. 211).
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desta relação pela retirada ou através da renúncia. Já nos atos ineficazes, refere
que o seu desaparecimento se dá através da recusa ou da mera retirada.
Medauar (2006), por outro lado, entende que a revogação do ato
administrativo, muito embora esteja perfeito, válido e eficaz, ocorre por ele não
atender mais aos interesses públicos. Esta revogação pode se dar de forma parcial,
denominada derrogação29, ou total, denominada ab-rogação30; contudo, ambas
acontecem por motivo de conveniência e oportunidade.
Como última situação de perda da eficácia do ato administrativo, tem-se a
invalidação ou retirada do mundo jurídico. Para Mello (2005, p. 429), a invalidade do
ato ocorre quando ele estiver em desacordo com as prescrições jurídicas, contendo
assim vícios ou defeitos que o caracterizem como inválido. Em relação ao objeto da
invalidação, assim sintetiza o autor:
a invalidação quando referida a atos ineficazes tem por objeto o próprio ato; quando referida a atos eficazes abstratos tem por objeto o ato e seus efeitos; e quando referida a atos eficazes concretos tem por objeto apenas os efeitos deles.
Encerrada a análise da invalidação do ato administrativo, passa-se à
discussão acerca da vinculação e discricionariedade da Administração Pública ao
editar tais atos.
2.3.2 Vinculação e discricionariedade no agir da Ad ministração Pública
A distinção do ato administrativo em vinculado e discricionário é fundamental,
na medida em que determina o que a Administração Pública pode e o que deve
fazer. Esta relação entre o poder e o dever pode ser visualizada nas situações em
que a Administração Pública é chamada a desempenhar suas funções precípuas.
No momento em que a Administração Pública é chamada a agir ela dispõe de
poderes que lhe asseguram supremacia sobre o particular. Esta supremacia, ao
29 Derrogação é a retirada parcial de um ato administrativo, pela Administração Pública, por esse ser reputado inconveniente, inoportuno ou contrário ao interesse público (Gasparini, 2006, p. 106). 30 Ab-rogação é a retirada total do ato administrativo pelo Ente Público (Gasparini, 2006, p. 107).
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mesmo tempo em que é amparada pelo princípio legalidade (poder), encontra-se
limitada pela legislação (dever).
Neste contexto, Gasparini (2006) destaca que os atos administrativos
vinculados e discricionários podem ser classificados dessa maneira em função da
menor ou maior liberdade, por parte da Administração Pública, quando da edição
destes atos.
Araújo (2007) diz que os atos administrativos vinculados são aqueles em que
a administração não dispõe de qualquer liberdade para a sua expedição. Nesta
espécie de ato, a lei regula o comportamento a ser seguido pelo agente público, que
só tem uma possibilidade de ação: aquela que a lei prescreve.
No entendimento do mesmo autor, os atos discricionários, ao contrário, são
aqueles que, embora regulados em lei, possibilitam ao agente público certa margem
de liberdade ao serem editados. No entanto, não se trata da liberdade ampla do
administrador, mas sim a possibilidade de adotar uma das opções que se encontram
previstas na lei.
A partir desta definição, constata-se que a Administração Pública age dentro
dos limites da discricionariedade, através de relações jurídicas ajustadas pela
própria Administração, e estes ajustes podem ser tanto unilaterais quanto
plurilaterais. Importante referir que os primeiros são os atos administrativos, ao
passo que os segundos são denominados contratos administrativos.
2.3.3 Contrato Administrativo
Contrato, de maneira geral, é a celebração de um acordo de vontades entre
duas ou mais partes dentro do direito administrativo. O contrato administrativo
propriamente dito é o acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir
direitos e obrigações estipuladas legislativamente, e nele pelo menos uma das
partes atua no exercício da função administrativa (Justen Filho, 2005).
Outra definição de contrato administrativo é elaborada por Mello (2005, p.
583-4) nos seguintes termos:
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É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros, na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvando os interesses patrimoniais do contratante privado.
Os contratos, de modo geral, são utilizados tanto por particulares quanto pelo
Estado. Entretanto, os contratos públicos são regidos por normas e princípios do
Direito Público, razão pela qual o direito privado atua apenas de maneira supletiva,
não dispondo de força para se impor sobre o interesse da coletividade, representado
na figura da Administração Pública.
Assim sendo, o fato de no contrato administrativo uma das partes
contratantes ser, necessariamente, integrante da Administração Pública, torna esse
acordo de vontades sujeito às normas de Direito Público, até porque envolve o
interesse público.
Neste sentido, Araújo (2007, p. 634) oferece sua definição para o contrato
administrativo.
[...] contrato administrativo é o acordo de vontades opostas, ‘intuitu personae’, consensual, comutativo e sinalagmático, do qual participa a Administração Pública, para a produção de obrigações que envolvam finalidade pública, ou não contrariem o interesse público, contendo explícita ou implícita cláusula de privilégio que o submetem a regime jurídico de direito administrativo, informando por princípios publicísticos, colocando a Administração em posição de supremacia no ajuste.
Desse modo, a Administração pública possui autorização legal para
determinar alterações nas prestações devidas pelo contratante, em função de
necessidades públicas, entre as quais se pode incluir ações como acompanhar e
fiscalizar continuamente a execução do contrato, impor sanções estipuladas quando
constatadas faltas do obrigado e até mesmo rescindir o contrato unilateralmente, se
o interesse público assim o demandar (Mello, 2005).
Na mesma esteira, cabe referir que os contratos realizados pela
administração pública, conforme já destacado, possuem características diferentes
dos contratos firmados no âmbito do direito privado. Entre essas diferenças convém
mencionar, inicialmente, a presença das cláusulas exorbitantes, as quais, de certa
forma, desigualam as partes no contrato administrativo, objetivando atingir a
finalidade pública desse contrato.
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Conforme frisa Furtado (2007), as cláusulas exorbitantes listadas no art. 58 da
Lei nº 8.666/9331, diploma legal que disciplina as licitações e contratos, são o
principal item diferenciador entre os contratos firmados no âmbito da iniciativa
privada e os firmados na Administração pública.
Outra importante e peculiar característica diz respeito à possibilidade de
alteração e rescisão do contrato, ou seja, a administração pode alterar ou rescindir
os contratos administrativos de maneira unilateral, desde que tal atitude tenha como
objetivo o interesse público (Araújo, 2007).
Cabe referir ainda que estas características peculiares dos contratos
administrativos não devem afetar o equilíbrio financeiro da relação entre as partes
contratantes. Caso ocorram alterações unilaterais do contrato, que possam vir a
desequilibrar esta relação, elas devem ser acompanhadas de uma compensação
econômica, a fim de promover o reequilíbrio financeiro do contrato (Medauar, 2006).
O professor Justen Filho (2005) ressalta que, embora exista previsão de
alterações unilaterais dos contratos por parte da Administração, aliada a figura do
reequilíbrio que se encontra autorizada na legislação, os contratantes
(Administração e particular) não podem ajustar os termos do contrato
indiscriminadamente, pois no contrato administrativo sempre deve ser observado o
interesse público e coletivo, objeto da Administração Pública.
Já na visão de Araújo (2007), ao entrarem em vigor, os contratos
imediatamente começam a produzir seus efeitos; entretanto, em algum momento
ocorrerá sua cessação, extinguindo-se o contrato. Para o autor, extinção do contrato
31 Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação ás finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III - fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. § 1° As cláusulas econômico-financeiras e monetári as dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2° Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláu sulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
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administrativo é, portanto, o término da relação obrigacional entre a Administração e
o particular, e essa extinção pode se dar de maneira deliberadamente provocada ou
resultar de acontecimentos alheios à manifestação de vontade das partes.
Assim, a extinção do contrato administrativo pode se dar por diferentes
maneiras, dentre as quais o surgimento de um fato jurídico relevante, pelo
cumprimento do objeto do contrato ou do prazo, o desaparecimento do contratante
particular ou do objeto contratado. Quaisquer desses acontecimentos põem fim ao
contrato administrativo, sem a necessidade de manifestação de vontade, conjunta
ou isolada, das partes contratantes (Araújo, 2007).
A extinção do contrato em razão de um ato jurídico, segundo Gasparini
(2006), ocorre através de rescisão administrativa, de rescisão consensual e de
rescisão judicial, nos temos do art. 79 da Lei nº 8.666/9332. Contudo, é necessário
ter em mente a necessidade da manifestação de vontade, seja ela da Administração
Pública, de todas as partes ou do Poder Judiciário.
Ao encerrar a análise dos contratos Administrativos, constata-se a
necessidade da união de esforços entre o Poder Público e os particulares na busca
do bem comum. Assim, com a diversificação dos contratos administrativos, a
Administração Pública tem buscado o auxílio da iniciativa privada para fazer frente à
crescente demanda da sociedade por infraestrutura. No entanto o Estado precisa,
obrigatoriamente, ampliar o acesso da iniciativa privada a novas e variadas
atividades, as quais até então eram exercidas exclusivamente pela Administração
Pública.
32 Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser: I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior; II - amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração; III - judicial, nos termos da legislação; § 1° A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente. § 2° Quando a rescisão ocorrer com base nos inciso s XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a: I - devolução de garantia; II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; III - pagamento do custo da desmobilização.
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Neste contexto, contratos como os de parcerias público-privadas,
concessões, permissões, convênios, contratos de gestão, entre outros têm grande
importância na gestão da coisa pública, pois servem de instrumento para que o
Estado assuma efetivamente seu papel de fiscalizador da aplicação dos recursos
dos contribuintes, enquanto os serviços são prestados, de forma mais eficiente e
barata, pela iniciativa privada.
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3 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
A economia mundial tem experimentado um crescente aumento na demanda
por infraestrutura produtiva33 e social34. Com a interligação do comércio internacional
e a dinamização das relações mercantis, iniciou-se uma competição feroz entre as
nações por espaço no cenário econômico mundial.
Nesta batalha por espaço, a demora em satisfazer as demandas internas por
infraestrutura certamente ocasiona o estrangulamento da capacidade produtiva.
Esse gargalo da capacidade produtiva retarda e, por vezes, inviabiliza o
desenvolvimento econômico e social das nações.
No Brasil a situação não é diferente. Os notórios problemas de ordem
financeira e de gerenciamento do Estado, somados à necessidade de mobilizar, de
forma eficiente, os recursos públicos e privados, são dificuldades enfrentadas
diariamente pela Administração Pública.
No intento de superar essas dificuldades, foi procurado um modelo
organizacional capaz de auxiliar a Administração Pública a cumprir sua obrigação
precípua de buscar o bem comum. O modelo encontrado foi o de parceria público-
privada, regulamentada na Lei nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004, a qual criou
uma espécie nova de concessão de serviço de obra pública.
33 Por infraestrutura produtiva entendem-se as estruturas de suporte à produção, como rodovias, portos, aeroportos, hidroelétricas, ferrovias, entre outros. 34 Por infraestrutura social entendem-se as estruturas de suporte das necessidades básicas da população, como, escolas, hospitais, saneamento básico, moradias, alimentação, entre outras.
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Neste contexto, surgem as parcerias, como esperança de solução para a falta
de eficiência na atividade administrativa, principalmente em relação ao investimento
em infraestrutura.
Em esclarecedora explanação, Furtado (2007, p. 593) apresenta o panorama
da implantação das Parcerias Público-Privadas no Brasil.
O fato é o seguinte: independentemente das razões ou dos culpados, sofremos em nosso País de grande déficit de infra-estrutura. A construção de estradas e de portos, bem como sua fruição, por exemplo, pode efetivamente interessar mais a alguns segmentos da sociedade do que a outros. A falta de investimentos em relevantes projetos de infraestrutura constitui, todavia, forte restrição ao desenvolvimento econômico e social de toda a sociedade brasileira. Qualquer país com a pretensão de alcançar patamares de desenvolvimento econômico minimamente satisfatórios precisa investir pesadamente em projetos de infra-estrutura. Enquanto as nações desenvolvidas já se preocupam com questões de redes digitais e de comunicação, em que o acesso à informação e a velocidade no seu processamento passam a ser a chave entre ser ou não desenvolvido - bom exemplo de programa dessa natureza é desenvolvido na França, sob a denominação de Paris Digital -, ainda sofremos no Brasil de enorme déficit de infra-estrutura e de saneamento básico. Se não formos capazes de, independentemente de eventuais diferenças políticas, partidárias ou jurídicas, superar as dificuldades que se apresentam e não investirmos fortemente em projetos que permitam o desenvolvimento econômico e social de nosso País, continuaremos a ocupar o mesmo espaço que sempre nos foi reservado: de insignificância no cenário internacional e de forte desigualdade econômica e social.
A explanação do autor leva a outra conclusão. Apesar de os objetivos serem
aparentemente antagônicos - a Administração Pública na sua perseguição ao bem
estar social, e a iniciativa privada na busca pelo lucro - existe a possibilidade de
conciliá-los através da união de esforços. Nessa convergência dos objetivos, público
e privado, as Parcerias Público-Privadas são figuras de extrema utilidade devido as
suas características de divisão dos riscos e responsabilidades entre os parceiros.
Desta forma, com as PPPs, tanto o lucro privado quanto o interesse público estarão
contemplados e de certa maneira previstos, antes mesmo do início do
empreendimento.
O autor completa o raciocínio ao afirmar que:
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É dever do Estado criar e manter a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da sociedade brasileira. O modelo de PPP não é a panacéia para a solução dos problemas de desenvolvimento econômico. Despidos de preconceitos, porém, devemos examinar o modelo de PPP adotado no Brasil e nele encontrar uma possibilidade de realização de projetos importantes para a população brasileira (Furtado, 2007, p. 594).
Tecidas as primeiras considerações acerca das PPPs, passa-se ao próximo
capítulo, no qual serão tratados aspectos relevantes do surgimento e do conceito
das Parcerias Público-Privadas. Serão abordadas, também, questões importantes
relativas à viabilidade das Parcerias e as características peculiares da Lei 11.079/04.
3.1 Surgimento
As PPPs, conforme Ribeiro e Prado (2007), surgiram na Europa, no final do
século XX, diante dos desafios enfrentados pelo Reino Unido, motivados pela falta
de infraestrutura e de verbas estatais para investimentos. Neste contexto, o setor
privado passaria a ser visto como um parceiro imprescindível a ser atraído.
O modelo de parceria inglês denominado de “Iniciativa para o Investimento
Privado” (em inglês, PFI, de Private Finance Initiative) refletia o interesse do governo
Margareth Thatcher em aumentar a participação da iniciativa privada nos
empreendimentos do setor público. Para o governo Thatcher, com a maior
participação da iniciativa privada nos projetos públicos, ocorreria a transferência dos
riscos inerentes aos empreendimentos, do setor público para o parceiro privado
(Sundfeld, 2005).
Na época, a Administração Pública inglesa constatou a inegável eficiência do
setor privado em lidar com os riscos inerentes à execução de tarefas complexas,
tendo em vista a menor sujeição deste setor à burocracia estatal. A partir desta
constatação, iniciou-se o desenvolvimento do modelo de parceria britânico, no qual
estavam presentes três tipos de projetos: os free standing35, joint ventures 36e
projetos envolvendo serviços vendidos ao setor público.
35 Free standing são os projetos nos quais os custos são recuperados integralmente por meio de cobrança dos serviços pelo usuário final. Neste modelo o Governo oferece o planejamento inicial, as diretrizes e as normas jurídico-normativas (Sundfeld, 2005).
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Nos contratos firmados em território inglês, nos moldes do PFI podem ser
constatadas algumas semelhanças, as quais inspiraram, de certa forma, o modelo
de PPP brasileiro. Neste sentido, bem ensina Ribeiro e Prado (2007):
[...] os contratos inseridos no PFI em regra têm a mesma estrutura econômica das PPPs brasileiras, conforme já mencionado – qual seja: de um lado, a exigência de investimento considerável, pelo parceiro privado, na implementação ou na melhoria de uma infra-estrutura e, de outro, a obtenção da amortização desse investimento e da remuneração sobre o capital investido por meio da exploração (operação e manutenção) dessa infraestrutura pelo mesmo parceiro privado (Ribeiro e Prado, 2007, p. 31).
As experiências com as parcerias acabaram por gerar frutos, tanto que
atualmente a Inglaterra possui um dos mais longos programas de PPP em
andamento no mundo, obtendo sucesso na busca de caminhos para promover
investimentos no bem-estar dos cidadãos, sem comprometer os escassos recursos
públicos.
A partir da constatação do sucesso da experiência inglesa com as Parcerias,
o modelo rapidamente se espalhou por toda a Europa. Portugal, a exemplo do
Brasil, nos últimos anos vem concentrando seus esforços na disciplina fiscal com o
objetivo de reduzir o déficit orçamentário. O país, entretanto, ainda enfrenta
problemas com os excessivos gastos públicos. Neste contexto de necessidade de
redução dos gastos públicos estavam presentes as PPPs.
As Parcerias Público–Privadas portuguesas originaram-se em 1997 e foram
implementadas principalmente nas estradas, em que possuem a designação de
SCUT (Sem Custo para os UTilizadores) e englobam quase um terço das estradas
do país. Conforme explica Sundfeld (2007), o programa SCUT possui duas
modalidades: o Shadow toll e o Real toll. Na primeira modalidade, o próprio Estado
paga um espécie de pedágio ao parceiro privado com base na estimativa da
quantidade de carros que trafegam na via. No segundo modelo, o usuário paga
diretamente ao parceiro privado pela utilização da estrada. Além das estradas, foram
implementadas em Portugal várias outras Parcerias Público-Privadas, entre as quais
figuram hospitais e plantas de geração de energia. 36 Joint ventures são os projetos em que há cooperação entre os setores público e privado, no entanto o setor privado detém o controle dos procedimentos e decisões relevantes. O setor público participa como apoiador financeiro através da concessão de empréstimos, participação acionária (Sundfeld, 2005).
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A ideia propagou-se e em pouco tempo alcançou a América, mais
precisamente os Estados Unidos, Chile, Canadá e México, países que atualmente
possuem modelos de parcerias público-privadas em expansão.
A título de exemplificação da evolução histórica das Parcerias Público-
Privadas na América, serão realizados a seguir alguns comentários acerca dos
modelos de PPPs adotados nos Estados Unidos da América, Chile e, finalmente, no
Brasil.
No sistema adotado pelos norte-americanos (EUA), podem ser notadas
algumas diferenças quando comparado ao modelo de parcerias implantado no Reino
Unido e em Portugal. As PPPs norte-americanas desenvolvem-se
fundamentalmente entre o setor público e o setor denominado non-profit 37. O setor
non-profit é financiado por doações recebidas do setor privado e por incentivos
destinados pelo setor público. Entre estes incentivos figuram isenções fiscais,
subsídios, dedutibilidade de doações e pagamentos diretos efetuados pela
Administração Pública.
Neste contexto, bem assinala Sundfeld (2005):
(...) pode-se dizer que a forma mais expressiva de PPP nos Estados Unidos da América não envolve diretamente, como no caso inglês ou vários outros, a indústria ou prestadores corporativos de serviços. Trata-se de um modelo de parceria em que os atores principais são os Governos Federal, Estadual, e Local, de um lado, e o Setor non-profit, de outro (Sundfeld, 2005, p. 59).
As contratações realizadas entre o Governo e o setor non-profit ocorrem
principalmente sob a forma de contratos de aquisição de serviços. Nesses contratos,
a Administração Pública regula aspectos relevantes do andamento, atuando mais
como patrocinador do que como parceiro.
Ainda com relação às PPPs dos EUA, cabe fazer referência aos contratos
para desenvolvimento da infraestrutura. Este modelo de parceria iniciou-se no
século XIX, com a construção de ferrovias. Atualmente estão em expansão não
37 O setor non-profit é formado por organizações não lucrativas, registradas perante a Administração Pública ou não, que desempenham atividades ligadas à satisfação das necessidades públicas não abrangidas pelo estado nem pelas empresas. No Brasil, como versão aproximada do non-profit, há ONGs, OCIPs e algumas entidades filantrópicas.
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somente os contratos de transportes, mas também as parcerias em projetos de
desenvolvimento urbano nas áreas de habitação, saneamento, entre outros.
Entre as parcerias norte-americanas mais utilizadas, são destacados por
Sundfeld (2005) alguns modelos. Entre eles, o autor cita o build-transfer (BT),
modalidade de parceria em que o Estado encomenda o empreendimento, e a
iniciativa privada o projeta, financia e executa, obtendo lucro, e, após, entrega-o ao
parceiro público. O build-lease-transfer (BLT) se dá de maneira semelhante ao build-
transfer (BT), entretanto o setor privado arrenda ao Estado o empreendimento,
retornando com isso o seu investimento.
Na modalidade build-operate-transfer (BOT), o parceiro privado projeta,
constrói e opera o empreendimento até pagar seu investimento. Para projetos de
expansão ou reabilitação de estruturas já existentes, tem-se o rehabilitate-operate-
tranfer (ROT), o qual é uma versão muito semelhante ao build-operate-transfer
(BOT).
Segundo Sundfeld (2005), existem ainda os modelos build-own-operate-
transfer (BOOT) e build-own-transfer (BOO). Nesses modelos, o parceiro privado é o
proprietário do empreendimento, não sendo prevista transferência da titularidade ao
Governo. Todavia, caso tenha de ocorrer tal transferência, esta somente ocorrerá
após o retorno total do investimento do parceiro privado.
Além dos modelos apresentados acima, os norte-americanos utilizam outros
modelos de PPPs, entre os quais estão o service contracts38, management
contracts39, lease40, concessions41e partail / full divestiture42. Todas estas formas de
contratar demonstram o sucesso alcançado pelos EUA com as Parcerias Público-
38 No service contract, o Poder Público comanda grande parte do controle do serviço contratado. Este modelo de contrato é usualmente empregado nas atividades que em momento pretérito eram desempenhadas pelo Estado (Sundfeld, 2005, p. 64). 39 No management contract, o parceiro privado opera determinada infra-estrutura detida pelo Poder Público sob a égide de um contrato firmado com o governo (Sundfeld, 2005). 40 Na modalidade lease, é firmado um contrato entre a iniciativa privada e o setor público, em que o parceiro privado fica responsável por determinado empreendimento já acabado, entretanto recolhe uma tarifa pré-determinada dos usuários do serviço (Sundfeld, 2005). 41 A concession funciona de maneira equivalente às concessões no Brasil. Neste caso, o parceiro privado assume a responsabilidade pela operação, manutenção e administração de um determinado empreendimento, por determinado prazo de tempo, pagando uma compensação ao Poder Público (Sundfeld, 2005). 42 No partail / full diverstiture ocorre uma espécie de privatização, na qual o Estado vende ao setor privado determinada infraestrutura Pública (Sundfeld, 2005).
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Privadas. Demonstram ainda que as PPPs são eficazes, não somente em
sociedades assoladas pela escassez de recursos, como no caso do Brasil, mas
também em sociedades em que o Estado precisa apenas da agilidade e eficiência
do setor privado para ajudá-lo a promover o bem-estar da população.
No Chile, a experiência com as parcerias entre os setores público e privado
teve início em 1994, época em que a economia chilena apresentava um momento de
considerável crescimento econômico. Essa aceleração da economia exigia medidas
rápidas do Estado, a fim de evitar o déficit de infra-estrutura, fato que reduziria o
crescimento econômico (Sundfeld, 2005). Entretanto, o governo chileno não
dispunha de meios para sozinho implementar os empreendimentos necessários para
atender a demanda por infraestrutura.
A solução encontrada pela Administração Pública chilena para não reduzir o
ritmo da expansão econômica por falta de infraestrutura foi adotar um sistema de
parcerias público-privadas diferenciado. O modelo de PPPs adotado no Chile foi,
segundo Sundfeld (2005), uma evolução legal da lei das concessões chilena. Nessa
nova legislação, alguns aspectos das concessões foram flexibilizados para permitir a
redução dos riscos dos empreendimentos e atrair os investidores privados.
As PPPs chilenas assemelham-se, em alguns aspectos, ao modelo
posteriormente adotado no Brasil. Os principais pontos em comum entre os dois
modelos decorrem do fato de as Parcerias Público-Privadas brasileiras também
terem sido desenvolvidas a partir da evolução da Lei nº 8.987/95, que regula as
concessões e permissões da prestação de serviços públicos, e do fato de sua
contratação ser regulada através de processo licitatório.
Contudo, ao contrário do Brasil, onde as PPPs são idealizadas pelo Estado,
no Chile as parcerias podem ser criadas a partir de uma proposta de ente particular
ou por solicitação da Administração Pública do país. Para os chilenos, o modelo de
parceria público-privada desenvolvido tem trazido bons resultados para sua
infraestrutura interna, tanto que o governo chileno analisa a possibilidade de
expandi-lo para outras áreas, antes atingidas apenas pelas concessões tradicionais.
Atualmente, mais de setenta países, em várias partes do mundo, possuem ou
estão em fase de implantação de modelos de parcerias. Entretanto, cada país tem
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necessidades específicas; logo, deverá adequar o instituto à sua realidade jurídica e
econômica (Niebuhr, 2008).
No Brasil, as parcerias entre o setor público e a iniciativa privada tiveram sua
primeira regulamentação através da Lei nº 8.987/85, que define as normas gerais
para as concessões e permissões de serviços públicos. A primeira análise das
parcerias entre o setor público e a iniciativa privada, em sentido amplo, foi realizada
por Maria Sylvia Di Pietro, em seu livro Parcerias na Administração Pública43. Nessa
obra a autora trata das diversas modalidades de ajustes possíveis entre a
Administração Pública e o setor privado e considera exemplos dessas parcerias os
institutos como as franquias, a terceirização, as permissões e as concessões.
Quanto à evolução da legislação nacional pertinente, Furtado (2007, p. 592)
afirma que “nos últimos dez anos, foram aprovadas inúmeras leis cujo escopo é
disciplinar o relacionamento entre o público e o privado, fortalecendo o conceito de
estado cooperativo e subsidiário”. Dentro deste conjunto de leis, figuram, além da já
referida Lei nº 8.987/95 - que regula as concessões e permissões - a Lei nº 9637/98,
que trata das organizações sociais (OSs) e a Lei nº 9790/99 que disciplina as
organizações da sociedade civil de interesse público (OCIPs). Importante frisar que,
no caso das OSs e OCIPs, a entidade que contratará com a Administração pública
não poderá ter como finalidade o lucro, da mesma forma que alguns entes,
integrantes do já referido setor non-profit norte-americano.
Cabe observar que, apesar de os vários institutos apresentados acima
possuírem características semelhantes às parcerias público-privadas, nenhum deles
possuía a regulamentação específica proposta pela Lei nº 11.079/04, para este tipo
de contratação entre o poder público e a iniciativa privada.
Na busca da regulamentação para parcerias público-privadas foi desenvolvido
o projeto de Lei n° 2.546 de 2003, através do qual foram discutidos os desafios que
deveriam ser enfrentados pela futura lei. O primeiro desafio residia na necessidade
de criar um modelo jurídico capaz de regulamentar e desenvolver as atividades do
setor público, propiciando a construção de infraestruturas básicas, como portos,
43 DI PIETRO, Marie Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão franquia, terceirização, parceria público-privada, e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005b.
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hospitais, pontes, estradas e presídios, sem que o Estado dispusesse previamente
dos recursos orçamentários e financeiros.
Além disso, o instituto deveria implementar a realização de grandes
investimentos em obras públicas, sendo que os custos das mesmas seriam
superiores ao retorno previsto com a exploração desses empreendimentos.
Para Gasparini (2006, p. 407), os objetivos da nova lei eram bem claros:
[..] é sua intenção motivar com regras seguras e melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na consecução do interesse público de que, em termos de eficiência, com raras exceções, carece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração Pública deseja aproveitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez contratada, pois livre de certas peias burocráticas.
Após encerrada a fase de debates, o projeto foi enviado ao Congresso
Nacional e, posteriormente, ao Presidente da República, para sanção. Assim, no dia
30 de dezembro de 2004, o Diário Oficial da União publicou a Lei Federal n°11.079,
a qual deu origem ao instituto das Parcerias Público-Privadas.
3.2 Conceito
Desde a promulgação da lei que criou as Parcerias Público-Privadas, a
doutrina tem debatido, incansavelmente, os vários aspectos que envolvem essa
nova forma de contratação entre a Administração Pública e a iniciativa privada.
Dentre os principais alvos dos debates doutrinários, figura, com relativa frequência, o
conceito de Parceria Público-Privada.
Para alguns doutrinadores, o conceito de PPP encontra-se no próprio texto da
lei das PPPs, mais precisamente no art. 2° da Lei n º 11.079/200444. Nesse
44 Art. 2° Parceria público-privada é o contrato adm inistrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1° Concessão patrocinada é a concessão de serviço s públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente á tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2° Concessão administrativa é o contrato de prest ação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
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segmento da doutrina, se encontra Mello (2007, p. 761), o qual afirma que a parceria
é o “contrato administrativo de concessão” efetuado ou na modalidade “patrocinada”
ou na modalidade “administrativa”. Contudo, esta ideia encontra resistência baseada
no entendimento de que “o referido artigo da lei não oferece definição acerca do que
seria a Parceria público-privada, mas apenas faz referência às suas modalidades,
administrativa e patrocinada” (Ferreira, 2006, p. 30).
Segundo Ribeiro e Prado (2007), a Parceria Público-Privada é uma espécie
de aprofundamento ou evolução dos contratos regidos pela Lei nº 8.987/95 das
concessões de serviços públicos. Nos contratos de PPP, o parceiro privado assume
não somente a construção, mas também o projeto e a operação das obras e
serviços de ordem pública, objetivando em troca o retorno de seu investimento. Na
mesma oportunidade, os autores fazem referência ao texto do art. 2°, §1° e §2° da
Lei nº 11.079/2004, os quais procuram definir a Parceria Público-Privada, através da
diferenciação das modalidades de concessão patrocinada e de concessão
administrativa.
Por outro lado, para Gasparini (2006), as PPPs podem ser conceituadas de
diferentes maneiras. Em sentido amplo, representando o ajuste feito entre a
Administração e a iniciativa privada, com o intuito de promover o desenvolvimento
socioeconômico e o bem-estar da população, citando como exemplo as concessões
de serviços45, os convênios46 e os consórcios públicos47.
Em sentido estrito, e nos termos da Lei nº 11.079/2004, o referido autor
conceitua a Parceria Público-Privada da seguinte forma:
§ 3° Não constitui parceria público-privada a conce ssão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. [...] 45 Concessão de serviços é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada (Gasparini, 2006, p. 360). 46 Define-se o convênio como forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração (Di Pietro, 2005, p. 297). 47 Por consórcios públicos entende-se a gestão associada ou cooperação associada de entes federativos, para a reunião de recursos financeiros, técnicos e administrativos – que cada um deles isoladamente, não teria -, para executar o empreendimento desejado e utilidade geral para todos (Meirelles, 2006, p. 373).
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É um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução de serviços públicos precedido de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviços em que a Administração Pública é sua usuária direta ou indireta, respeitando sempre o risco assumido (Gasparini, 2006, p. 408).
Em definição mais sucinta, porém não menos importante, Di Pietro (2005b,
p.161) apresenta sua visão sobre o conceito de Parceria Público-Privada, nos
seguintes termos:
A parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, com ou sem a execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público (Di Pietro, 2005b, p. 161).
Assim, de posse dos conceitos apresentados pela doutrina, cabe partir para a
análise dos pontos fundamentais da Lei das Parcerias Público-Privadas, apontando
seus desdobramentos e inovações.
3.3 Aspectos preliminares para a formação das Parce rias Público-Privadas
A Parceria Público-Privada, conforme referido anteriormente, é uma forma de
contrato de concessão de serviços públicos ou obras públicas, na qual o investidor
privado assume a implantação e o gerenciamento do projeto. O Estado, por sua
vez, atua como parceiro, dividindo os riscos e contribuindo com o financiamento e a
manutenção do serviço oferecido à população. Há também a participação do
usuário, que em determinado modelo de Parceria auxilia no pagamento, através de
tarifa cobrada pela obra ou serviço oferecido.
Neste sentido, as parcerias público-privadas configuram uma das principais
esperanças da Administração Pública em promover o crescimento econômico do
país, o qual será impulsionado pela maior disponibilidade de infraestrutura.
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Em outra análise, o fundamento que embasa a instituição das PPPs não pode
ser apenas a questão financeira, pois “se a justificativa fosse estritamente financeira,
eventual abonança econômica conduziria à perda da legitimidade do instituto”
(Niebuhr, 2008, p. 167). Independentemente da motivação que justifica a instituição
das Parcerias Público-Privadas, o verdadeiro desafio enfrentado pela nova lei é a
atração da iniciativa privada para a formação da Parceria com o poder público.
A doutrina ressalta a dificuldade que reside na tarefa de atrair o setor privado,
para que direcione tanto seu capital, quanto sua experiência e eficiência, no sentido
de concretizar empreendimentos que à primeira vista seriam pouco ou nada
lucrativos, haja vista serem originalmente de incumbência do setor público. Faz
referência também ao fato de que nas Parcerias Público-Privadas requer-se um
investimento de grande monte da iniciativa privada em infraestrutura, para que seja
viabilizada a prestação do serviço.
Outro complicador, no que tange à formação das Parcerias, é a remuneração
dos investimentos efetuados pelo Parceiro Privado. Nas PPPs, a previsão do retorno
dos investimentos realizados ocorrerá em longo prazo, através de meios como
cobrança de tarifas dos usuários e contraprestação parcial ou total por parte da
administração, meios que guardam certo grau de risco por sua sujeição às
incertezas (Ribeiro e Prado, 2007).
Para que seja possível avaliar de forma ampla a problemática que envolve a
formação das Parcerias Público-Privadas, é necessário o aprofundamento nas
características da Lei nº 11.079/04. Com este intuito, passa-se a analisar os
aspectos que são relevantes para as a viabilidade das PPPs.
3.4 A Lei nº 11.079/2004 e os aspectos relevantes p ara a viabilidade das
Parcerias Público-Privadas
A Lei nº 11.079/04 regula as Parcerias Público-Privadas e institui normas
gerais para a licitação e contratação de tais parcerias, no âmbito da Administração
Pública. Com a referida lei foram ampliadas as possibilidades de contratações entre
a Administração pública e a iniciativa privada.
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Assim, além dos contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93, das
concessões comuns e permissões reguladas pela Lei nº 8.987/95, com a Lei nº
11.079/04 pode-se vislumbrar dois novos modelos de contratos, denominados
“concessão administrativa” e “concessão patrocinada”.
Essas duas modalidades de contratos de Parceria Público-Privada foram
alocadas pelo legislador no art. 2º, parágrafos 1º e 2º da Lei das Parcerias48, e
podem ser definidas da seguinte forma:
- concessão patrocinada - concessão de serviços públicos ou obras públicas que requeira, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; e - concessão administrativa – contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta e indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (Furtado, 2007, p. 599).
Outra definição é dada por Meirelles (2006), que sedimenta o entendimento
antes apresentado, ao afirmar que uma parceria público-privada deve,
obrigatoriamente, envolver contraprestação por parte do parceiro público ao parceiro
privado, com ou sem a cobrança de tarifas.
O mesmo autor refere ainda que na modalidade patrocinada de obras ou de
serviços públicos, além da contraprestação da Administração pública, ocorre
adicionalmente a cobrança de tarifa dos usuários.
De outra banda, na modalidade administrativa, cabe apenas ao Estado a
contraprestação pecuniária, visto que a administração será usuária direta ou indireta
da obra ou serviço concedido.
48 Art. 2° Parceria público-privada é o contrato admi nistrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1° Concessão patrocinada é a concessão de serviço s públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2° Concessão administrativa é o contrato de prest ação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. [...]
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A partir das definições acima apresentadas podem ser feitas algumas
considerações acerca das Parcerias Público-Privadas celebradas nas modalidades
patrocinada e administrativa.
De início, é importante lembrar que a Parceria Público-Privada é uma
modalidade de contrato em que o objeto consiste na execução de empreendimentos
complexos, cujos destinatários finais podem ser tanto os cidadãos, quanto a própria
Administração Pública.
Essa diversidade de condições e variantes agrega ainda mais complexidade
aos contratos de Parcerias e, no intuito de reduzir a complexidade inerente ao
contrato, o legislador elencou algumas medidas, entre elas a instituição de vedações
no texto da Lei das Parcerias.
Desta forma, cabe detida análise do rol das vedações contidas na Lei nº
11.079/04, que destaca a necessidade de termo certo do contrato de parceria, nunca
inferior a cinco; e a utilização do modelo de PPP, somente para contratos de valor
superior a R$ 20.000.000,00.
Quanto aos limites de valor e de prazo para a contratação das PPPs, contidos
nos incisos I e II, do §4° do art. 2° Lei nº 11.079 /04, a doutrina interliga os dois
fatores e posiciona-se da seguinte maneira:
Seria inócuo, portanto, o instrumento normativo que atribuísse à parceria prazo contratual reduzido justamente por inviabilizar o interesse da iniciativa privada na empreitada. Para atrair o investimento de recursos privados a ponto de possibilitar a prestação de um serviço ou a execução de uma obra desta natureza, a parceria tem de ser economicamente vantajosa para o seu explorador. E um dos vetores que conduz à viabilidade econômica de determinado investimento reside, justamente, no prazo de amortização do capital alocado (Niebuhr, 2008, p. 121).
Alguns autores, dentre ao quais se encontra Furtado (2007), afirmam que a
limitação do valor previsto na lei inviabiliza a utilização das Parcerias Público-
Privadas, restringindo sua utilização à União, alguns Estados e uns poucos
Municípios que possuem disponibilidade financeira para efetuar empreendimentos
desta envergadura.
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Quanto à questão da previsão do prazo mínimo de cinco anos de prestação
do serviço, Teixeira (2006, p. 140) afirma que:
É indubitável, portanto, a importância dessa cláusula, e bem assim o seu caráter de norma geral de direito financeiro, relativa às condições do financiamento a ser prestado pelo parceiro privado ao Estado, que se deve somar à regra anteriormente vista do vulto mínimo de investimento privado, na conformação do instituto das PPPs.
Com base no trecho acima referido, conclui-se que a determinação do prazo
mínimo de vigência do contrato de Parceria tem como função principal possibilitar
que o parceiro público desfrute de determinado prazo para quitar a sua parte do
investimento. Tal constatação é reforçada tendo em vista o inciso VII, § 3° do art.
1049 da Lei das Parcerias Público-Privadas, que dispõe que em determinadas
concessões patrocinadas, em que ocorra a contraprestação do usuário (terceiro), o
montante a ser pago pela Administração Pública ao parceiro privado pode superar
70% do valor do contrato, sendo necessária autorização legislativa para que isso
ocorra.
Dando seguimento à discussão acerca dos contratos de Parcerias, cabe
referência ao inciso III, § 4° do art. 2° da Lei da s PPPs50, o qual trata do tipo de
empreendimento que pode ser objeto de Parceria. De acordo com esse dispositivo,
uma parceria público-privada deve importar em conjugação de obras51 e prestação
de serviços52 ou execução de serviços públicos53, não se admitindo como objeto de
49 Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: [...] § 3° As concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica. 50 Art. 2° Parceria público-privada é o contrato admi nistrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. [...] § 3° Não constitui parceria público-privada a conce ssão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. 51 Obra, segundo definição prevista no art. 6°, incis o II da Lei nº 8.666/93, é toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta. 52 Serviço, conforme definição prevista no art. 6° in ciso III, da Lei nº 8.666/93, é toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. 53 “Serviço público é uma atividade administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental,
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PPP tão somente o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de
equipamentos ou a execução de obras públicas.
Cumpre salientar que a vedação expressa no dispositivo da Lei nº 11.079/04,
acima referido, segundo Ribeiro e Prado (2007, p. 81), “traduz a opção política do
legislador”, o qual pretendeu não interferir nos dispositivos contidos na Lei nº
8.666/93, que regula as licitações e os contratos administrativos.
Ainda tendo como foco as características das PPPs, cabe demonstrar que as
vedações até então analisadas possuem, entre os seus objetivos principais, a
mitigação dos riscos inerentes à formação dos contratos de Parcerias Público-
Privadas. Esta minimização dos riscos é fundamental para implementação das
Parcerias, de forma que o legislador procurou prevê-la expressamente no texto da
nova lei.
O art. 8° da Lei nº 11.079/04 54 disciplina a distribuição dos riscos e das
responsabilidades no âmbito da Parceria Público-Privada, sendo essa divisão de
responsabilidades, segundo Sundfeld, (2005), “uma das principais inovações
introduzidas pela Lei das PPPs para a gestão pública”. Entretanto, apesar da
previsão legal, não existe uma divisão pré-determinada dos riscos, sendo que estes
deverão ser avaliados e divididos conforme a espécie de parcerias e o tipo de
empreendimento que será objeto do contrato.
Ao tratar do assunto, afirma Vanice Lírio do Valle apud Niebuhr (2008, p.109)
que “os riscos a serem considerados para efeitos de parcelamento entre os
parceiros devem estar de acordo com a capacidade e a competência de cada um
destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público” (Justen Filho, 2005, p. 478). 54 Art. 8° As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei.
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para suportá-los”. Segundo o mesmo autor, os riscos podem ser classificados em
econômicos55, sociais56 e político57.
Furtado (2007) explica que a distribuição dos riscos, encargos e
responsabilidades entre os parceiros deve obrigatoriamente respeitar os interesses e
direitos tanto dos destinatários do empreendimento, quanto dos entes privados
incumbidos da sua execução. Além disso, essa distribuição de atribuições visa
manter a viabilidade financeira e as vantagens socioeconômicas dos projetos de
parceria.
Neste contexto, em função dos já mencionados altos valores e dos longos
prazos de vigência previstos para os contratos de Parcerias Público-Privadas, o
legislador dispensou atenção especial à repartição dos riscos inerentes ao
investimento entre os contratantes. Essa repartição de riscos representa uma
sensível mudança em relação aos contratos administrativos regulados pela Lei nº
8.666/93, sendo que nela anteriormente era o poder público que arcava com a
integralidade destes riscos.
Cumpre salientar que a prevenção de possíveis prejuízos resulta diretamente
na redução do preço da obra ou serviço. Neste sentido, a distribuição de riscos
prevista na Lei nº 11.079/04 gera:
[...] incentivo para as partes adotarem, por um lado providências para evitar ocorrências que lhe sejam gravosas (riscos negativos) ou, pelo menos, as suas conseqüências e, por outro, estimularem a realizar as situações que lhe são benéficas [...] (Ribeiro e Prado, 2007, p. 116).
Como exemplo de fator determinante no grau de risco e influente na questão
dos custos das parcerias, pode se citar a desconfiança, a qual pode gerar riscos
econômicos, sociais e políticos e, ainda, ter como alvo tanto o parceiro público,
quanto o parceiro privado no que se refere ao adimplemento das obrigações
assumidas em um contrato de parceria. Deste modo, fica evidente que a
55 Riscos econômicos são os que aludem à sustentabilidade financeira e ao respeito aos interesses e direitos do parceiro privado (Vanice Lírio do Valle apud Niebhur, 2008, p. 109). 56 Riscos sociais são os que aludem a vantagens socioeconômicas das PPPs, e o respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos empreendimentos (Vanice Lírio do Valle apud Niebhur, 2008, p. 109). 57 Riscos políticos são os que envolvem a transparência dos projetos e das decisões a eles referentes (Vanice Lírio do Valle apud Niebhur, 2008, p. 109).
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desconfiança influencia diretamente em aumento dos custos gerais do
empreendimento.
Assim, a repartição de riscos revelou-se uma solução criativa, contida na nova
lei das parcerias, contra o aumento dos custos gerais das PPPs, pois, nos modelos
de parcerias existentes até então, disciplinados pela Lei nº 8.666/93, determinava-se
que os riscos dos contratos fossem de responsabilidade exclusiva da Administração
Pública. Já nos contratos de concessões regidos pela Lei nº 8.987/95, o risco é
colocado inteiramente a cargo da iniciativa privada.
Deste modo, pode-se dizer que a solução encontrada pelo legislador na lei nº
11.079/04 foi uma divisão equilibrada de riscos, sem favorecer o setor público,
tampouco o setor privado, e, com isso, reduziam-se muito os fatores de aumento
dos riscos dos contratos de parcerias, entre eles a desconfiança.
Através das medidas acima apresentadas, o legislador pretendeu manter sob
controle os fatores de risco econômicos e sociais. Apesar de ter obtido relativo
sucesso, havia ainda os riscos políticos inerentes às Parcerias, sendo que tais riscos
são representados pelas possíveis divergências de ordem ideológica e político-
partidária que possam vir a surgir entre os agentes públicos das atuais e futuras
gestões, tendo em vista a longa duração dos contratos.
Assim, em meio a tantos riscos, tornou-se inevitável a instituição de algumas
garantias para atrair o investidor privado para as Parcerias. Essas garantias
objetivam a redução do provável acréscimo no custo final das obras, em função de
vários dos fatores anteriormente mencionados, inclusive das históricas instabilidades
das relações dentro da esfera administrativa.
Quanto à necessidade da instituição das garantias, as palavras de Diógenes
Gasparini expressam a dificuldade de atrair a iniciativa privada para um contrato de
Parceria Público–Privada:
Nenhum particular, salvo se insano, contrataria com a administração pública se legítima e contratualmente não estivesse plenamente garantido dos seus direitos e que esses seriam solvidos a tempo (Gasparini, 2006, p.423).
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Na tentativa de isolar a parceria destas instabilidades e, ao mesmo tempo,
diminuir os riscos inerentes ao empreendimento e outros custos dele derivados, o
legislador, através do já mencionado art. 8º da Lei das PPPs, procurou garantir as
obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público para com o parceiro
privado.
Essas medidas se deram, segundo Gasparini (2006), através de garantias,
como a vinculação de receita, instituição ou utilização de fundos especiais previstos
em lei, contratação de seguro-garantia, garantias postadas por organismos
internacionais ou instituições financeiras, garantias prestadas pelo fundo garantidor
ou empresa estatal para esta finalidade, ou outros mecanismos admitidos em lei.
O legislador responsável pela Lei nº 11.079/04 procurou, através da adoção
do instituto da arbitragem, reduzir o risco de possíveis prejuízos causados pela
lentidão característica da Administração Pública na tomada de decisões. Embora
aparentemente essa mudança não tenha influência imediata nos contratos de
parceria, a rápida resolução de possíveis conflitos gera uma menor desconfiança
entre os parceiros, ocasionando redução significativa dos riscos (Ribeiro e Prado,
2007).
Outra garantia mencionada pela lei das Parcerias, constituída com o objetivo
de atrair investidores para as parcerias, é o Fundo Garantidor da Parceria. Esse
Fundo, de acordo com a lei federal, será formado por cotistas e possuirá um
patrimônio já integralizado, evitando a inadimplência dos parceiros.
Muito embora as parcerias representem, para alguns, um avanço sem dúvida
necessário para o desenvolvimento do país, elas vêm sofrendo duras críticas.
Nestas críticas, analistas afirmam que a lei padece de uma série de erros e
incompatibilidades que a tornariam inviável frente ao ordenamento jurídico vigente.
Nesta esteira, a doutrina, ao analisar as garantias previstas no texto da Lei nº
11.079/04, mostra-se dividida.
Alguns doutrinadores, e entre eles inclui-se o renomado Celso Antonio
Bandeira de Mello, apontam várias e graves inconstitucionalidades presentes na Lei
das Parcerias Público-Privadas.
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Segundo Celso Antônio Bandeia de Mello:
A Lei 11.079 padece de insalváveis inconstitucionalidades, apesar das alterações que o Senado aportou ao projeto oriundo da Câmara, para minimizar um pouco o caráter escandalosamente lesivo aos interesses públicos que caracterizava a iniciativa do Executivo. [...] Não nos recordamos de alguma outra lei que conseguisse reunir uma tal quantidade e variedade de inconstitucionalidades, maiormente se se considera que tem apenas 30 artigos (Mello, 2007, p. 773).
Dentre a gama de inconstitucionalidades referidas pelo autor, as que mais
figuram nos debates doutrinários são a vinculação de receitas públicas, a instituição
ou utilização de fundos especiais garantidores das Parcerias, a instituição da
arbitragem na resolução dos conflitos no âmbito das parcerias e a transferência do
controle da sociedade de propósito específico para seus financiadores.
Devido à complexidade das questões que tratam da constitucionalidade das
garantias previstas na Lei das PPPs e ao seu necessário aprofundamento, estas
serão amplamente analisadas e discutidas no próximo capítulo.
Cabe fazer, no entanto, breve referência ao entendimento da doutrina
favorável às Parcerias. Este segmento da doutrina, da qual o autor Carlos Ari
Sundfeld é um dos integrantes, entende que, muito embora possam existir algumas
questões de ordem temporal, financeira e até mesmo de ordem constitucional a
serem ajustadas, as vantagens e benefícios proporcionados pelas Parcerias
justificam o esforço em busca do diálogo para superar possíveis divergências.
Desta forma, conforme exposto, está aberta a discussão doutrinária da
questão referente à adequação da nova lei federal à legislação vigente. Esta
discussão tem se dado, até então, de forma ampla e generalizada, sendo analisados
vários aspectos da interação da lei das Parcerias Público-Privadas com as demais
normas do ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, no presente trabalho
monográfico o foco de estudo reside na análise restrita de alguns dos aspectos
constitucionais controvertidos das Parcerias Público-Privadas.
Assim sendo, serão objeto de análise apenas os aspectos constitucionais a
que a doutrina dispensa maior atenção. Conforme anteriormente citado, os que mais
frequentemente geram controvérsias doutrinárias quanto à sua constitucionalidade
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são a vinculação de receitas públicas, a instituição ou utilização de fundos especiais
garantidores das Parcerias, a instituição da arbitragem na resolução dos conflitos no
âmbito das parcerias e a transferência do controle da sociedade de propósito
específico para seus financiadores. Nesta esteira, a discussão dos pontos acima
citados à luz da Constituição de 1988 é indispensável para uma implementação bem
sucedida de modelos de Parcerias Público-Privadas no território nacional.
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4 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NAS PARCERIAS PÚBLICO-
PRIVADAS
As Parcerias Público-Privadas estão em franco processo de sedimentação no
âmbito da administração pública nacional. Tal processo se dá na medida em que o
instituto disciplinado pela Lei n° 11.079/04 ultrap assa o universo da ficção legal.
Nesse momento, as PPPs deixam de ser uma mera previsão legal e passam a um
estágio de implementação prática.
É no atual estágio de transição que as parcerias assumem uma dimensão
palpável, ficando mais evidentes as significativas mudanças que a nova lei trouxe
para as contratações administrativas. Com isso, aprofundam-se as discussões
acerca da adequação da Lei nº 11.079/04 ao ordenamento jurídico brasileiro.
Neste capítulo, dada a amplitude do tema, optou-se por analisar, através de
um enfoque constitucional, a adequação da lei das PPPs à ordem jurídica interna
brasileira. Devido à extensão e complexidade do assunto, conforme já referido no
capítulo anterior, procurou-se delimitar a análise dos pontos nevrálgicos, destacados
pela doutrina, atinentes à (in)compatibilidade de determinados aspectos da Lei nº
11.079/04 com a legislação interna do país.
Entre os principais pontos controversos assinalados pela doutrina figuram a
vinculação de receitas públicas, a instituição ou utilização de fundos especiais
garantidores das Parcerias, a instituição da arbitragem na resolução dos conflitos no
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âmbito das parcerias e a transferência do controle da sociedade de propósito
específico para seus financiadores.
O primeiro e segundo objetos de análise são respectivamente a vinculação de
receitas públicas e a instituição ou utilização de fundos especiais garantidores das
Parcerias. Estes pontos encontram-se incluídos no rol das garantias oferecidas ao
parceiro privado e figuram expressos nos incisos I e II do artigo 8° da Lei nº
11.079/04.
O terceiro foco de discussão doutrinária, embora apenas tangencie a questão
das garantias, é igualmente polêmico, pois se refere à instituição da arbitragem na
resolução dos conflitos surgidos no âmbito das Parcerias.
O quarto ponto de controvérsia, por sua vez, trata da transferência do controle
da sociedade de propósito específico para seus financiadores com o objetivo de
promover a reestruturação financeira e assegurar a prestação dos serviços.
Encerra-se assim, a sucinta apresentação dos principais focos de discussão
doutrinária no que tange à análise da adequação das Parcerias Público-Privadas à
legislação vigente. Em seguida, serão abordados individualmente cada um dos
pontos acima destacados, como base no posicionamento adotado pela doutrina
especializada.
4.1 Vinculação de receita
De início, faz-se necessário delimitar o sentido pretendido pelo legislador
quando da aplicação da expressão “vinculação de receita”, dentro do contexto da Lei
nº 11.079/04. Para tal mister, cabe registrar as impressões da doutrina quando da
análise do dispositivo sob a luz da Constituição Federal.
O art. 8°, inciso I da Lei nº 11.079/04, já citado, traz em seu texto a referência
quanto à necessária observância ao art. 167, inciso IV da Constituição Federal de
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198858. A doutrina se divide acerca da interpretação dada pelo artigo da lei das
PPPs ao texto constitucional.
Segundo Kiyoshi Harada, a referência ao art. 167, inciso IV da Constituição
Federal teria sido indevida, pois a intenção do legislador constitucional ao vedar a
vinculação de receita reside em manter o equilíbrio interno das contas públicas.
Sobre o tema, ensina o autor:
O sentido de preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada, evitando–se assim situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso a entidade política mutuante é obrigada a manter, permanentemente, na lei orçamentária anual dotação específica para garantia do pagamento da dívida, enquanto esta perdurar (Kiyoshi Harada, 2004, p. 204).
No mesmo sentido aponta Celso Antônio Bandeira de Mello, ao afirmar que o
referido artigo da Constituição da República não pretende oferecer garantias aos
credores, conforme previsto no Direito Privado, mas está dirigido tão somente para a
disciplina da relação entre os Estados e Municípios para com a União, quando esta
relação envolver algum débito entre estes entes. O mesmo autor conclui
asseverando que a “receita pública jamais pode ser vinculada à garantia de créditos
de particular, sob pena de escandalosa inconstitucionalidade” (Mello ,2007, p. 774).
Na mesma linha, Ferreira (2006) cita o art. 40 da Lei nº 4.320/6459 e refere
não haver sentido constitucional em prever a vinculação de receita como garantia
para o parceiro privado, em virtude das obrigações pecuniárias das pessoas
públicas. Em suas palavras:
58 Art. 167. São vedados: [...] IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; [...] 59 Art. 40. São créditos adicionais, as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.
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Primeiramente porque a possibilidade de vinculação da receita de impostos para a prestação de garantia nas operações de crédito por antecipação de receita orçamentária (ARO’S) tem caráter excepcional, vale dizer, é operação que apenas se admite entre as próprias pessoas públicas: União, Estados e Municípios, e unicamente em razão de operações de crédito previstas no art. 40 da lei n° 4.320/64 (Ferreira, 2006, p. 174).
O mesmo autor aprofunda suas razões, sustentando sua explanação no art.
40 da Lei Complementar nº 101/0060, pois entende que a lei de responsabilidade
fiscal reforça a idéia de que a vinculação de receita pode ser utilizada apenas entre
as próprias pessoas de direito público. Apresentando suas razões, afirma que:
[...] porque (i) se trata de pessoas políticas que funcionam como garantidoras umas das outras nas operações de crédito interno ou externo, e (ii) como arrecadam tributos em que os demais têm participação, ou (iii) devem realizar transferências constitucionais em favor dos garantidos, então podem reter o produto desses tributos ou dessas transferências para saldar a dívida garantida (Ferreira, 2006, p. 175).
60 Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito internas ou externas, observados o disposto neste artigo, as normas do art. 32 e, no caso da União, também os limites e as condições estabelecidos pelo Senado Federal. § 1° A garantia estará condicionada ao oferecimento de contragarantia, em valor igual ou superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência da entidade que a pleitear relativamente a suas obrigações junto ao garantidor e às entidades por este controladas, observado o seguinte: I - não será exigida contragarantia de órgãos e entidades do próprio ente; II - a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelos Estados aos Municípios, poderá consistir na vinculação de receitas tributárias diretamente arrecadadas e provenientes de transferências constitucionais, com outorga de poderes ao garantidor para retê-las e empregar o respectivo valor na liquidação da dívida vencida. § 2° No caso de operação de crédito junto a organis mo financeiro internacional, ou a instituição federal de crédito e fomento para o repasse de recursos externos, a União só prestará garantia a ente que atenda, além do disposto no § 1o, as exigências legais para o recebimento de transferências voluntárias. § 3° (VETADO) § 4° (VETADO) § 5° É nula a garantia concedida acima dos limites fixados pelo Senado Federal. § 6° É vedado às entidades da administração indiret a, inclusive suas empresas controladas e subsidiárias, conceder garantia, ainda que com recursos de fundos. § 7° O disposto no § 6º não se aplica à concessão d e garantia por: I - empresa controlada a subsidiária ou controlada sua, nem à prestação de contragarantia nas mesmas condições; II - instituição financeira a empresa nacional, nos termos da lei. § 8° Excetua-se do disposto neste artigo a garantia prestada: I - por instituições financeiras estatais, que se submeterão às normas aplicáveis às instituições financeiras privadas, de acordo com a legislação pertinente; II - pela União, na forma de lei federal, a empresas de natureza financeira por ela controladas, direta e indiretamente, quanto às operações de seguro de crédito à exportação. § 9° Quando honrarem dívida de outro ente, em razão de garantia prestada, a União e os Estados poderão condicionar as transferências constitucionais ao ressarcimento daquele pagamento. § 10° O ente da Federação cuja dívida tiver sido ho nrada pela União ou por Estado, em decorrência de garantia prestada em operação de crédito, terá suspenso o acesso a novos créditos ou financiamentos até a total liquidação da mencionada dívida.
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Assim, conforme se depreende do exposto acima, a vinculação de receita é
legitimada apenas quando se tratar de operação de crédito da União para com os
Estados, Municípios e o Distrito Federal. Tal garantia não é admitida para contratos
realizados entre a Administração Pública e a iniciativa privada.
Por outro lado, os que discordam desta opinião afirmam que não se admite
vincular, salvo nas hipóteses expressamente previstas na constituição, tão somente
as receitas oriundas de impostos e, desta forma, esta restrição não se aplicaria às
demais receitas, como é o caso das relacionadas às Parcerias Público-Privadas.
Essa corrente doutrinária, da qual Ribeiro e Prado (2007) fazem parte,
destaca que a referência feita ao art. 167, inciso IV da Constituição Federal e no
artigo 8° da Lei nº 11.079/04, é uma demonstração c lara da vontade do legislador
em atender aos ditames da Carta Magna, já que no referido artigo da Constituição
estariam expressas as receitas que não poderiam ser objeto de vinculação. Logo,
todas as demais receitas poderiam ser oferecidas em garantia, excetuando-se as
que já tivessem destinação legal, como, por exemplo, as taxas e contribuições de
melhoria.
Ademais, alertam Ribeiro e Prado (2007) para a necessária diferenciação
entre os conceitos de garantia no âmbito do Direito Privado e no Direito Público,
especificamente nas PPPs.
No Direito Privado a garantia é tida como um contrato ou obrigação acessória,
e normalmente se dá através de formas como a fiança, o aval, o penhor, a caução,
entre outros. Deste modo, havendo inadimplemento da obrigação principal, a
garantia é acionada para satisfazer o crédito devido.
Para os mesmo autores, no Direito Público a garantia através da vinculação
de receita assume outra forma:
Neste caso, o adimplemento se dá pela própria receita vinculada arrecadada. Se não houver esse pagamento, não há uma garantia – no sentido civilista – a ser acionada. Não terá o credor qualquer bem disponível para a penhora, e tampouco poderá iniciar qualquer procedimento de execução. Deverá, antes, buscar uma sentença judicial ou laudo arbitral que possa se executado.
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Além disso, deve restar clara a inviabilidade da proposta de garantia real por entes da Federação. Por serem inalienáveis (salvo os dominicais) e impenhoráveis os bens públicos, as rendas públicas dos entes federativos também não podem ser objeto de garantia real, a menos que se entenda não comporem as “rendas públicas” o gênero “bens públicos” – o que não cogitamos.
Desta forma, o parceiro privado terá direito de impedir, em caso de
inadimplência do parceiro público, que uma determinada receita, caso realizada,
seja utilizada para pagamento de outra obrigação que não seja o contrato de PPP.
Além disso, “na garantia por meio de vinculação de receitas, inevitavelmente,
sujeitar-se-á o parceiro privado ao pagamento por meio de precatórios, se tiver que
executar seu crédito” (Ribeiro e Prado, 2007, p. 221).
Através da consistente argumentação apresentada, pode-se estimar o grau
de complexidade que envolve a discussão acerca da constitucionalidade da
vinculação de receitas prevista do art. 8º inciso I da Lei das Parcerias Público-
Privadas. Porém, ainda no mesmo art. 8º, mas em seu inciso II, surge outro ponto de
acirrado debate: a adequação constitucional da instituição ou utilização de fundos
especiais para garantir as Parcerias. É, pois, o próximo ponto de análise.
4.2 Instituição de fundos especiais
Conforme demonstrado anteriormente, quando da análise do aspecto
constitucional da vinculação das receitas, constata-se a grande divergência de
opiniões existente entre os membros da doutrina especializada. Em primeira análise,
percebe-se que o debate doutrinário é amplo, demandando, assim, alguns
conhecimentos básicos para a sua plena compreensão.
Para o entendimento das nuances que envolvem as divergências de opiniões
surgidas na doutrina a respeito da instituição ou utilização dos fundos especiais, é
importante delimitar o conceito e a natureza dos referidos fundos previstos na Lei
das PPPs. Em verdade, a discussão doutrinária acerca da constitucionalidade do art.
8º, inciso II da Lei nº 11.079/04, engloba, aparentemente, alguns pontos em comum.
Todavia, antes da análise das possíveis inconstitucionalidades, cabe tecer alguns
comentários sobre o que prevê a legislação vigente sobre os fundos especiais.
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Os fundos ora analisados estão originalmente previstos no art. 71 da Lei nº
4.320/6461 e no art. 71 do Decreto nº 93.872/8662. Esses diplomas legais definem o
conceito, como são criados e como devem ser utilizados os fundos especiais. A lei
das Parcerias Público-Privadas, por sua vez, utiliza-se desta normatização para
disciplinar o oferecimento de garantias aos parceiros privados através destes
fundos.
Entretanto, conforme refere Ferreira (2006), a lei das PPPs divide os fundos
em duas espécies: os fundos especiais previstos no art. 8º, inciso II, e os fundos
garantidores gerais, previstos no inciso V do mesmo artigo.
Quanto aos fundos especiais, estes têm a finalidade de garantir a
contraprestação, em caso de inadimplemento de contrato de parceria. O Fundo
Especial recebe esta denominação pelo fato de ser especialmente concebido e
utilizado para garantir projetos específicos e determinados.
Ademais, os fundos especiais, previstos no art. 71 da Lei nº 4.320/64 são
destituídos de personalidade jurídica, “uma vez tratar-se de montante ou soma de
recursos, que, por força da lei, vinculam-se a determinado fim observado o art. 167,
IV da Constituição da República Federativa do Brasil” (Niebhur, 2006, p. 142).
Por outro lado, o Fundo Garantidor de Parceria previsto no art. 8º, inciso V, e
regulado pelos artigos 16 a 21, todos da Lei nº 11.079/04, segundo o mesmo autor,
é instituído pela União para garantir as parcerias público-privadas de forma geral.
Sobre o tema, tem-se definição esclarecedora através da leitura dos fragmentos de
texto abaixo:
[...] conclui-se que o Fundo Garantidor de Parcerias não é um ente da Administração Pública federal, não tem estrutura ou forma societária. Seu patrimônio deve ser constituído por bens e direitos transferidos pelos participantes, por meio de integralização de cotas e rendimentos decorrentes da aplicação de seus recursos. A instituição financeira que cuidará da administração e representação do Fundo delibera sobre a gestão e alimentação dos bens e direitos do Fundo, visando a manutenção de sua rentabilidade e liquidez (Zimler; Almeida, 2005, p. 264).
61 Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação. 62 Art. 71. Constitui Fundo Especial de natureza contábil ou financeira, para fins deste decreto, a modalidade de gestão de parcela de recursos do Tesouro Nacional, vinculados por lei à realização de determinados objetivos de política econômica, social ou administrativa do Governo.
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Em resumo, o Fundo Garantidor de Parceria pode ser definido como espécie
de pessoa jurídica federal, criada para atender a fins específicos, porém enquadrada
no gênero “empresa pública”, com capital inteiramente público, subscrito pela União,
suas autarquias e fundações no limite previsto pelo artigo 16, caput da lei das
Parcerias63 (Sundfeld, 2005).
Após tecer as principais considerações sobre a conceituação e natureza dos
fundos garantidores das PPPs, passa-se à análise dos pontos de controvérsia
constitucional abordados pela doutrina.
Conforme refere Celso Antônio Bandeira Mello (2005), as
inconstitucionalidades mostram-se já no momento da criação do fundo, uma vez
que, para funcionar, o fundo garantidor necessitaria de lei complementar para a sua
instituição. Além disso, os fundos seriam constituídos de bens públicos, e esses
bens não poderiam, em tese, ser alvo de apropriação forçada, devendo, em caso de
dívida do parceiro público, esta ser paga através da expedição de precatórios.
Acompanhando exposição acima, Ferreira (2006) reforça a idéia de que a
utilização dos fundos garantidores ofende o art. 165, § 9º da Constituição Federal64,
63 Art. 16. Ficam a União, suas autarquias e fundações públicas autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei. § 1º O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios. § 2º O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração. § 3º Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. § 4º A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial. § 5º O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem. § 6º A integralização com bens a que se refere o § 4º deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda. § 7º O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada. 64 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: [..] § 9º - Cabe à lei complementar: [..]
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pelo fato de não ter havido a disciplina através de lei complementar das condições
de instituição e de funcionamento dos Fundos Garantidores das Parcerias. O mesmo
autor aborda a questão da desobediência ao artigo 100 da Constituição Federal65,
referindo que:
[...] não é licito ao Estado criar antes da sua Administração indireta, sobretudo se prestadores de serviços, para subtrair-se ao seu regime próprio, o regime de direito público, que implica também sujeição ao processo constitucional de execução previsto no art. 100 da Constituição da República” (Ferreira, 2006, p. 182).
Ademais, destaca a mesma doutrina que, através da instituição dos fundos
garantidores, a Lei nº 11.079/04 estaria infringindo o art. 100 da Constituição
Federal, ao privilegiar o parceiro privado quando não o submete à ordem geral de
precatórios.
Por outro lado, a posição adotada pelos defensores das Parcerias rechaça as
alegações de inconstitucionalidade através da interpretação dos próprios artigos
contidos na Carta Magna, ao afirmar que a falta de lei complementar não deve ser
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. 65 Art. 100. A exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. § 1º - A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. § 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito. § 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. § 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. § 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. § 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.
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tomada como obstáculo para a viabilidade da criação do fundo. Neste sentido,
Ribeiro e Prado (2007) ensinam:
Em relação ao primeiro argumento, vale apontar que a mesma lei complementar prevista no art. 165, § 9° da CF també m deverá tratar da elaboração e da administração do PPA – Plano Plurianual, da LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e da LOA – Lei Orçamentária Anual. Todavia, embora não exista essa lei complementar, nunca ninguém ousou dizer que seriam inconstitucionais a elaboração da LDO ou a elaboração do PPA. E nem se diga que a Lei 4.320/1964 vale por essa lei complementar, visto que, embora tenha sido recebida com natureza de lei complementar, a Lei 4.320/1964 não trata de LDO ou de PPA, mas apenas da elaboração das LOA (Ribeiro e Prado, 2007, p. 235).
Os mesmos autores completam suas considerações ao afirmarem que a
vedação constitucional é direcionada à instituição de fundo sem prévia autorização
legal nos termos do art. 167, inciso IX da Constituição Federal66. Não é vedada a
instituição de fundo sem que tenha sido editada, especificamente, uma lei
complementar para regular a criação e o funcionamento dos fundos reguladores de
parcerias.
Ao analisar as inconstitucionalidades levantadas pela doutrina, em relação ao
art. 100 da Constituição Federal, afirma Carlos Ari Sundfeld:
O oferecimento de garantia pelo FGP – que não sendo por ele honrada, levará a uma execução nos moldes privados – em nada se choca com o dispositivo no art. 100 da CF, que submete ao regime de precatórios a execução de débitos das pessoas de direito público. A execução contra o FGP será privada, porque é privada sua personalidade – e, portanto, privados são seus bens. São lícitas a desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado (isto é, para o patrimônio do FGP) justamente para permitir sua utilização como lastro real de garantias oferecidas, em regime privado, pelo FGP aos concessionários. Aliás, tais desafetações e transferências são justamente o que ocorre em toda criação de empresa estatal, que fica, como se sabe, sujeita ao regime privado, inclusive quanto à execução de suas dívidas (Sundfeld, 2005, p. 44).
Importante atentar ao argumento da doutrina, que reforça o fato de não estar
sendo instituído um modelo de execução de débitos públicos à margem do art. 100
da Constituição Federal. Em resumo, o fato de os fundos possuírem personalidade
jurídica própria torna os bens destinados ao fundo garantidor desvinculados dos 66 Art. 167. São vedados: [...] IX - a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa.
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entes federativos. Assim sendo, estariam fora da alçada dos precatórios, a exemplo
do que ocorre atualmente em sociedades de economia mista e empresas públicas.
Conforme referido no início do capítulo, a análise da discussão doutrinária
acerca da constitucionalidade das garantias da vinculação de receita e do fundo
garantidor é de extrema importância, pois através deste embate de opiniões se está
buscando alcançar o melhor interesse público. Desta forma, seguindo na discussão
dos pontos de conflito doutrinário, outro tópico relevante - objeto de análise a seguir
- envolve a instituição da arbitragem na resolução dos conflitos surgidos durante o
contrato de Parceria Público-Privada.
4.3 Instituição da arbitragem na resolução dos conf litos existentes nas PPPs
O terceiro ponto a ser analisado, como já referido, diz respeito à utilização de
institutos como a arbitragem na solução de contendas surgidas no âmbito das
Parcerias.
A ideia da resolução de conflitos surgidos nos contratos administrativos fora
da jurisdição estatal teve uma de suas primeiras aparições no art. 23, inciso XV da
Lei n° 8987/95 67, o qual trata dos contratos de concessão. No entanto, sua previsão
é bastante abstrata, ao fazer menção apenas a modo amigável de solução de
divergências, sem enumerar quais seriam os modos utilizados para tanto. A doutrina
procurou sanar a falta de objetividade da lei ao indicar como modo de solução de
conflitos a conciliação68, a mediação69 e a arbitragem70.
A lei das Parcerias Público-Privadas acompanhou a inovação da Lei nº
8.987/95 ao prever o emprego de mecanismos privados de resolução de conflitos
67 Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: [...] XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. 68 O mediador é a pessoa estranha ao conflito que apenas aproxima as partes para que estas se entendam diretamente (Cláudio Vianna de Lima apud Niebhur, (2008, p. 154). 69 O Conciliador é a pessoa que não só aproxima as partes, mas também negocia propondo soluções para que as partes cheguem a um acordo, contudo sem obrigação de resultado (Cláudio Vianna de Lima apud Niebhur, (2008, p. 154). 70 Na arbitragem, a pacificação ou solução do conflito é entregue, por livre consenso, a um ou mais árbitros de sua escolha e confiança, como alternativa imediata à solução das avenças prestada pela tutela jurisdicional (Cláudio Vianna de Lima apud Niebhur, (2008, p. 154).
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em seu art. 11, inciso III da Lei nº 11.079/0471. No referido artigo, manteve-se o
caráter abstrato constatado na lei das concessões, e tal medida deu-se com o
objetivo de possibilitar rápida atualização da legislação, dada a constante criação e
evolução dos meios privados de resolução de disputas de natureza contratual.
Sobre o assunto, as posições da doutrina se polarizam. De um lado estão os
que tratam como inconstitucional a adoção de modos privados de resolução de
conflitos, de outro a parcela da doutrina que defende a utilização desses
mecanismos para resolver contendas surgidas dentro dos contratos de PPPs.
A doutrina contrária à utilização de mecanismos como a arbitragem nas
Parcerias Público-Privadas afirma que, por tratar-se do envolvimento de bens
públicos, em função de sua indisponibilidade não caberia a instituição da arbitragem
ou qualquer outro modelo equivalente que possa vir a substituir a jurisdição do poder
judiciário.
Ao atacar a constitucionalidade do art. 11, inciso III da Lei nº 11.079/04, Celso
Antônio Bandeia de Mello destaca:
Não é aceitável perante a Constituição que particulares, árbitros, como suposto no art. 11, III, possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis, coisas extra commercium. Tudo que diz respeito a serviço público, portanto – condições de prestação, instrumentos jurídicos compostos em vista desse desiderato, recursos necessários para bem desempenhá-los, comprometimento destes mesmos recursos -, é questão que ultrapassa por completo o âmbito decisório dos particulares (cf. n. 21) (Mello, 2007, p. 777).
Em suma, na visão do autor, a arbitragem nos contratos de Parceria deve ser
afastada em razão do relevante interesse social envolvido nas PPPs. Além disto,
como as Parcerias Público-Privadas envolvem a execução de serviço público, não
seria cabível submetê-las ao juízo arbitral devido à impossibilidade de disposição do
71 Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: [..] III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.
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interesse público ali contido, e, ainda, sob pena de ofensa constitucional à dignidade
do serviço público.
A parcela da doutrina que defende a utilização da arbitragem nos contratos de
PPP admite existirem dois limites para a atuação do instituto:
O primeiro seria a supremacia da Administração Pública em relação as questões regulatórias e ao poder de polícia. Como titular - e responsável, em última análise, pela prestação do serviço – cabe a Administração determinar as características do serviço, seus níveis de qualidade e de segurança. Cabe-lhe também zelar pela manutenção das condições de continuidade. Descaberia, por isso, a utilização da arbitragem em controvérsias sobre as assim chamadas “cláusulas regulamentares” do contrato (Ribeiro e Prado, 2007, p. 298).
A partir do fragmento de texto apresentado acima, depreende-se que a
arbitragem não deve limitar ou restringir a ação da Administração Pública no sentido
de adequar os contratos administrativos ao cumprimento do interesse público.
O segundo limite ou situação em que a doutrina desaconselha a utilização da
arbitragem é quando uma das partes em litígio for o usuário do serviço. Sobre a
situação citada, manifestam-se Ribeiro e Prado (2007), justificando a inviabilidade do
uso da arbitragem:
A imposição da arbitragem ao usuário de serviços poderia, na prática, inviabilizar o eficaz questionamento, pelo usuário, de posições do parceiro privado. A utilização da arbitragem implica custos e capacidade de organização incompatíveis com a condição de consumidor do serviço. A suposta hipossuficiência do usuário requer que ele possa, se preferir, utilizar o Judiciário (Ribeiro e Prado, 2007, p. 291).
De acordo com os posicionamentos doutrinários apresentados, a utilização do
instituto da arbitragem não seria recomendada em situações que configurem
supremacia da Administração Pública, como no caso das questões regulatórias e do
poder de polícia. Contudo, é importante salientar que determinadas questões
regulatórias podem originar desequilíbrio financeiro na Parceria Público-Privada e,
caso ocorra tal situação, a arbitragem pode ser aplicada, pois mostra-se bastante
eficaz quando trata questões que envolvam negociação em busca do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato.
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A utilização da arbitragem nas parcerias é um ponto importante para o
desenvolvimento das parcerias, sendo destacada por Eduardo Talamini apud
Niebhur:
Neste sentido, no entendimento de Eduardo Talamini, a arbitragem guarda especial relevância ao contrato administrativo de parceria, justamente por atender ao pressuposto de consensualidade, de cooperação, do caráter associativo do contrato entre as partes. Os parceiros, consensualmente, podem escolher árbitros profissionais com conhecimento técnico específico na matéria em litígio. Afora isso, respeitadas as garantias fundamentais do processo, o procedimento pode ser muito mais dinâmico e eficiente que o judicial, apto a produzir uma solução mais rápida e adequada (Niebhur, 2008, p.156).
Assim, encerra-se a análise da utilização de mecanismos privados de
resolução de conflitos nas Parcerias Público-Privadas, com foco especial no instituto
da arbitragem, previsto no art. 11, inciso, III da lei que regula esta modalidade de
contrato administrativo. Em seguida, será analisado o quarto ponto de divergência
doutrinária, o qual trata da transferência do controle da sociedade de propósito
específico e sua adequação à legislação vigente sob o enfoque constitucional.
4.4 Transferência do controle da sociedade de propó sito específico aos seus
financiadores
O quarto ponto polêmico, objeto de discussão no presente trabalho
monográfico, aborda a possibilidade de ocorrer a transferência do controle da
Sociedade de Propósito Específico para os financiadores do projeto de Parceria.
A previsão da transferência do controle encontra-se expressa no artigo 5º, §
2º, inciso I da Lei nº 11.079/0472, sendo a adoção da medida justificada em caso de
dificuldades gerenciais e financeiras da SPE. Entretanto, antes da análise da
72 Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: [...] § 2º Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
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questão nuclear, ou seja, a transferência do controle da SPE são importantes alguns
esclarecimentos sobre a organização da Sociedade de Propósito Específico.
Em princípio, impera salientar a definição de SPE apresentada pela doutrina.
A SPE, segundo os Ribeiro e Prado (2007), é uma espécie de sociedade
empresária, constituída preferencialmente sobre a forma de sociedade anônima,
para a qual serão transferidos os instrumentos como os bens, a tecnologia e o
capital humano, necessários à prestação do serviço para o qual a Parceria foi
originalmente criada.
Por sua vez, no art. 9º da Lei nº 11.079/0473 estão disciplinadas as principais
diretrizes relativas à Sociedade de Propósito Específico. Ao analisar o referido
artigo, a doutrina destaca a intenção do legislador quando instituiu a SPE nas
Parcerias Público-Privadas, nos seguintes termos:
Objetiva o legislador com a introdução desta inovação facilitar a fiscalização do parceiro público sobre o parceiro privado, além de buscar viabilizar os interesses de todos os agentes privados envolvidos na parceria, sejam eles sócios, investidores ou financiadores do empreendimento (Furtado, 2007, p. 615).
No mesmo sentido, deve-se destacar o aspecto da promoção da
transparência nos contratos de Parceria. Desta forma, com a instituição de uma SPE
para cada PPP, mesmo que um mesmo parceiro privado participe de mais de uma
Parceria, haverá, por exemplo, a publicação de balanços específicos para cada SPE
e a gestão separada do objeto da PPP dos demais negócios dos controladores, o
que permite tanto aos parceiros, quanto à sociedade em geral, visualizar, com muito
73 Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1º A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2º A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3º A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4º Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. § 5º A vedação prevista no § 4º deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.
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mais facilidade, as condições econômico-financeiras das concessionárias ao longo
da duração do contrato.
Ainda com foco na transparência dos contratos, o mesmo artigo traz em seu
caput a previsão de que a SPE deverá estar constituída antes da assinatura do
contrato de gestão da PPP. Esta previsão da Lei n° 11.079/04 constitui-se em um
preciosismo, pois a SPE, para se habilitar na Concorrência Pública, deverá
comprovar determinados aspectos de sua capacidade econômico-financeira e
técnica, por ocasião da licitação, dentro dos envelopes de documentação e
apresentar determinadas negativas e atestados emitidos em seu nome, os quais
somente serão fornecidos após a constituição definitiva da SPE.
Encerradas as considerações preliminares, passa-se à discussão da
possibilidade de transferir o controle da Sociedade de Propósito Específico para os
seus financiadores.
A efetiva assunção do controle da Sociedade de Propósito Específico se
configurará quando ocorrerem as condições pré-estabelecidas no edital e no
contrato, com expressa autorização da Administração Pública, e nos termos dos já
citados artigos 5° e 9°, da Lei das PPPs, sendo que a finalidade de tal atitude é
promover a reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos
serviços aos usuários.
No entanto, a doutrina se divide quanto à constitucionalidade do inciso I, §2°
do art. 5° da Lei das Parcerias. A parcela da doutr ina que defende a
inconstitucionalidade do art. 5° afirma que foi des obedecido o art. 37, inciso XXI da
Constituição da República74. Sendo assim:
74 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [..] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
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É desenganadamente inconstitucional a possibilidade conferida à Administração pelo art. 5°, § 2° I, de autorizar a transferência do controle de tal sociedade para os financiadores da parceria sem que estes previamente demonstrem “capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço” quando o objetivo for reestruturá-la financeiramente e assegurar a continuidade da prestação do serviço. O art. 37, XXI, da Constituição, mesmo pretendendo reduzir ao máximo as exigências a serem feitas para os pretendentes a eventual travamento de contrato com a Administração, não abriu mão de “exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. É claro, pois que a lei das PPPs não poderia fazê-lo (Mello, 2007, p. 778).
Como se percebe, o receio dos críticos reside principalmente na dispensa da
reavaliação da capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e
fiscal dos financiadores, no momento em que estes assumirem o controle da
sociedade. Neste contexto, a fim de evitar diferenciação dos financiadores das SPE
frente aos demais agentes do mercado, e consequente ofensa ao princípio da
impessoalidade contido no art. 37, caput da CF/88, os mesmos requisitos exigidos
dos demais interessados, no momento da licitação da PPP, devem ser cobrados do
Financiador no momento em que assumir o controle da SPE.
Por outro lado, os que defendem a constitucionalidade da transferência do
controle da SPE sem reavaliação da capacidade técnica, jurídica e econômico-
financeira do novo controlador apresentam argumentos diferentes.
Para os primeiros, liderados por Teixeira (2006), a constitucionalidade do
referido parágrafo do art. 5° poderia ser mantida, desde que a espécie de
intervenção dos financiadores se restringisse exclusivamente à recuperação da
concessionária, e por tempo determinado.
Já a segunda corrente doutrinária, que sustenta a posição favorável à
constitucionalidade, afirma que:
[...] a falta de capacidade do financiador que poderá assumir o controle da sociedade de propósito específico é minimizada, a partir do momento em que se estabelece a diferença entre a transferência do controle da concessão e da sociedade. No controle da concessão ocorre a troca da prestadora do serviço concedido. Já no controle da sociedade a contratada continua a ser a mesma pessoa jurídica sem alteração de seus atributos, sendo assim não há de se reavaliar os requisitos acima mencionados [...] (Ribeiro e Prado, 2007, p. 164).
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Percebe-se, dessa forma, uma mudança de perspectiva ao analisar a
mudança de comando nas SPE. Conforme entendem os referidos doutrinadores,
apesar da troca de controle, a SPE permanecerá com a mesma capacidade técnica,
jurídica e econômico-financeira.
Em virtude da evidente diversidade de posicionamentos e da complexidade
do tema, é fundamental o estabelecimento do diálogo, pois cada discussão travada
na direção da solução de conflitos é passo dado em busca de melhorias urgentes e
necessárias ao desenvolvimento do país.
Embora as Parcerias Público–Privadas encontrem certa resistência de parte
da doutrina, as dúvidas, críticas e discussões surgidas durante o tratamento deste
tema são importantes, na medida em que proporcionam o desenvolvimento da idéia
da Parceria e o avanço na direção do interesse público e do bem-estar da
população.
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5 CONCLUSÃO
O presente trabalho monográfico foi idealizado com o intuito de promover o
debate acerca da adequação da Lei nº 11.079/04 à ordem jurídica pátria, com foco
especial na Constitucional Federal de 1988.
Para tanto, foram confrontadas as opiniões contidas na doutrina, referentes à
vinculação de receitas públicas, à instituição ou utilização de fundos especiais
garantidores das Parcerias, à instituição da arbitragem na resolução dos conflitos no
âmbito das parcerias e à transferência do controle da sociedade de propósito
específico para seus financiadores. Através do debate doutrinário, procurou-se
analisar os pontos de divergência legal que figuram com maior frequência nas obras
literárias que tratam das PPPs. Assim, ao final da análise a que se propõe o
presente trabalho, foram feitas algumas constatações.
De início, evidencia-se que a Administração Pública, apesar de ser
responsável por inúmeras obrigações, entre as quais o gerenciamento do patrimônio
público, vem a cada dia assumindo a titularidade de novas e diversificadas
atividades. Esse aumento constante na quantidade de obrigações atribuídas à
Administração Pública exige dela uma complexa capacidade gerencial, da qual ela
atualmente não dispõe.
Na mesma esteira, pode ser percebida a redução da capacidade de
investimentos do Estado, derivada, entre outros fatores, das frequentes crises
econômicas, sintomas da economia globalizada, aliadas ao desequilíbrio das contas
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públicas. Em meio a este contexto, a Administração viu-se forçada a ceder espaço à
iniciativa privada. Com a cessão de parte significativa das atividades antes sob sua
responsabilidade, a Administração Pública pretende desonerar os cofres públicos e
qualificar a prestação desses serviços à população.
Com o objetivo de buscar soluções para a saturação da capacidade gerencial
do Estado, através da delegação de atividades relacionadas à satisfação de
interesses públicos, foram concebidas as Parcerias Público-Privadas. Esse instituto
constitui-se num meio para promover a união de esforços entre o Poder Público e a
iniciativa privada. Com essa comunhão de forças, o Estado passa da atual posição
de mero executor de obras e serviços, passando a assumir o papel de fiscal da
aplicação dos recursos dos contribuintes, enquanto os serviços são prestados com
maior eficiência e menor custo pela iniciativa privada.
No Brasil, as Parcerias Público-Privadas têm enfrentado um longo período de
adaptação ao ordenamento jurídico interno. Esta espécie de estagnação em que se
encontra a Lei nº 11.079/04 ocorre em função da complexidade e rigidez do sistema
normativo nacional. Ademais, ordenamento jurídico brasileiro encontra dificuldades
para assimilar inovações e mudanças, mesmo que algumas delas representem
melhorias necessárias ao próprio sistema legal.
Neste processo de adequação entre a legislação das parcerias e a ordem
jurídica vigente, o debate doutrinário exerce grande importância, pois, a partir da
análise das considerações feitas pela doutrina, poderão ser identificados os
possíveis pontos de incompatibilidade entre a lei das Parcerias e o ordenamento
jurídico interno.
A Lei das Parcerias procurou, ao mesmo tempo, diminuir os riscos e os custos
dos investimentos. Para tanto, inovou ao criar um sistema de garantias destinado a
sustentar o investimento de Parceiro Privado. Estas garantias se constituíram em um
dos principais pontos de discussão quanto à adequação da Lei das Parcerias ao
ordenamento jurídico nacional.
Assim, para que se possa adequar a nova Lei à estrutura legal vigente, é
indispensável examinar atentamente os argumentos da doutrina acerca da
adequação legal da Lei n° 11.079/04. No que tange à vinculação de receitas
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públicas, à instituição ou utilização de fundos especiais garantidores das Parcerias,
à instituição da arbitragem na resolução dos conflitos no âmbito das parcerias, e à
transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus
financiadores, há as seguintes considerações a fazer.
No que refere à garantia da vinculação de receita, conclui-se que esta é
possível e não agride nenhum dispositivo legal, tendo em vista ocorrer previsão
constitucional de restrição à vinculação de impostos; logo, todas as demais receitas
são passíveis de serem vinculadas. Mantendo-se o foco na vinculação de receitas,
cabe referir que não procedem as alegações feitas por parte da doutrina de que esta
espécie de garantia provocaria a frustração à ordem de precatórios, privilegiando o
parceiro privado.
Com relação aos fundos garantidores das Parcerias, não há como se falar em
desvio de finalidade do mecanismo de precatórios, pois sua verba não concorre com
a verba pública daquele regime. Ademais, quando é transferido ao fundo, o
patrimônio público perde a natureza de bem público, passando a se reger pela lógica
privada. No mesmo sentido, não há determinação constitucional que obrigue a
instituição dos referidos fundos exclusivamente por meio de Lei Complementar.
De outra banda, procurou-se discutir alguns aspectos legais da eleição de
mecanismos privados para a solução de disputas nas Parcerias Público-Privadas,
com destaque especial ao instituto da arbitragem. Conforme exposto na doutrina,
não há choque entre os requisitos da arbitragem, quais sejam, disponibilidade de
direitos patrimoniais e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Na
verdade, a adoção da arbitragem privilegia inclusive outros princípios constitucionais
relevantes, como, por exemplo, a moralidade, a economicidade e a eficiência.
Entretanto, a doutrina não recomenda a arbitragem para situações que configurem
supremacia da Administração Pública, como no caso das questões regulatórias e do
poder de polícia, e quando uma das partes em litígio for o usuário do serviço.
Por fim, ao analisar a discussão doutrinária que envolve a assunção do
controle da sociedade de propósito específico (SPE), chegou-se a algumas
considerações. Em primeiro lugar, considera-se possível a transferência do controle
da Sociedade aos seus financiadores. Contudo, para que isto ocorra, deverá existir
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previsão no edital e no contrato, e tal transferência será vinculada à expressa
autorização da Administração Pública.
Entende-se, ainda, que a intervenção dos financiadores deve restringir-se
exclusivamente à recuperação da concessionária e perdurará por tempo
determinado, o qual será suficiente para que ocorra a reestruturação financeira da
Sociedade, assegurando, assim, a continuidade da prestação dos serviços aos
usuários.
Ainda com foco na transferência do controle da SPE, destaca-se a
possibilidade de os financiadores assumirem, o controle da Sociedade sem que
demonstrem possuir capacidade técnica, jurídica e econômico-financeira. Tal
entendimento pressupõe que, com a mudança do controle da SPE, os requisitos de
capacidade jurídica, técnica e econômico-financeira da contratada não sofrerão
mudanças. Isto ocorre porque a sociedade continuará a ser a mesma pessoa
jurídica, sem alteração de seus atributos, ocorrendo apenas uma mudança de
direção. Logo, não haveria necessidade de reavaliar os requisitos acima
mencionados.
Frente a todo o exposto, chegar a um consenso, em relação às políticas
públicas, e especificamente às Parcerias Público-Privadas, vem sendo uma tarefa
bastante difícil. Portanto, deve ser encarada por todos os cidadãos, sejam eles
operadores do direito ou não. Alias, não poderia ser de outra maneira, pois, para que
se possa promover o interesse público, é indispensável a transparência nas
decisões que tratem da coisa pública.
A fim de contribuir com a discussão acerca de soluções que venham a
promover o bem-estar social, o presente trabalho procurou, a partir das inquietações
da doutrina, promover um debate franco, no qual fossem confrontadas as opiniões
acerca da adequação da Lei n° 11.079/04 à ordem jur ídica brasileira, por entender
que a Parceria Público-Privada representa um meio inovador e plenamente viável
para que a Administração Pública promova, através da gestão eficiente do
patrimônio Público, o desenvolvimento econômico e social do país.
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