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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Reginaldo Canuto de Sousa
O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ, NO PERÍODO DE 2003 A 2006
Teresina Julho - 2008
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1
REGINALDO CANUTO DE SOUSA
O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA
PÚBLICA DO PIAUÍ, NO PERÍODO DE 2003 A 2006
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Políticas Públicas. Curso de Mestrado em Políticas Públicas. Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí.
Orientador: Prof(a). Dr(a). Maria D’Alva Macedo Ferreira
Teresina Julho - 2008
2
Reginaldo Canuto de Sousa O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA
PÚBLICA DO PIAUÍ, NO PERÍODO DE 2003 A 2006
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Políticas Públicas. Curso de Mestrado em Políticas Públicas. Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí.
Área de concentração: Estado, Sociedade e Políticas Públicas
Aprovada em: _____ / _____ 2008
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Maria D’Alva Macedo Ferreira - UFPI
Orientador e Presidente
__________________________________________________ 2º Examinador
__________________________________________________ 3º Examinador
3
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal do Piauí e, particularmente, ao Mestrado em Políticas
Públicas, pela oportunidade da qualificação profissional.
À minha orientadora, Prof. Drª. Maria D´Alva Macedo Ferreira, pelas
contribuições valiosas e empenho nesta orientação.
À Coordenação do Mestrado em Políticas Públicas, pela eficiência no
desempenho de suas atividades e pela disposição constante em auxiliar.
À minha esposa, Maria do Socorro de Almeida de Morais Canuto,
companheira dedicada e fiel amiga de todas as horas, pelo apoio, e por nunca me
deixar desistir.
Aos meus pais, Manoel Canuto e Antônia Maria, pelo amor incondicional, e
pelo apoio que me impulsionou a seguir sem perder a fé.
Aos meus irmãos, Evaldino, Edmilson, Jacqueline, Adriana e Gina, à minha
sogra, Raimunda Almeida e meus queridos sobrinhos, Evaldino Jr., Evanildo,
Cássia, Mary e João Vitor, fontes inesgotáveis de alegria.
Ao Grande Arquiteto do Universo, pelo dom da vida e da perseverança.
E a todos aqueles que contribuíram para a realização deste trabalho.
4
RESUMO
Esta dissertação apresenta os resultados da pesquisa que tinha o objetivo de
desenvolver um estudo sobre a Política de Segurança Pública do Piauí, no período
de 2003 a 2006, realizada na cidade de Teresina. Buscou-se, sobretudo, traçar uma
cartografia da Segurança Pública do Piauí, através da identificação e análise
explicativa da racionalidade que nortearam a tessitura dessas ações no interior do
sistema policial, considerando as estratégias utilizadas pelo poder público. A
investigação científica identifica as principais estratégias estatais de prevenção e
enfretamento da violência e da criminalidade em Teresina e a relação dessas ações
com os índices de criminalidade (homicídio) na Capital. Desta forma, faz-se o
questionamento se as ações implementadas na área de Segurança Pública do Piauí
se constituem em uma Política de Segurança Pública. Para tal intento a metodologia
se baseia em pesquisas exploratória, bibliográfica e documental (legislação), de
natureza hipotético-dedutiva, uma vez que se partiu da premissa de que o Piauí não
dispunha de uma Política de Segurança Pública para o Estado. Os dados são
coletados através de observações e entrevistas, numa perspectiva teórico-crítica que
proporciona compreender a ação estatal na prevenção e no enfrentamento da
violência e da criminalidade na capital do estado do Piauí – Teresina -, conforme os
autores pesquisados durante este trabalho. Após à análise dos dados constata-se
que a Segurança Pública estadual não possui um plano formal para o setor, nem tão
pouco é tratado como política pública e a taxa de homicídio cresceu, em Teresina.
Palavras-chaves: Políticas Públicas. Segurança Pública. Participação Social.
Polícia.
5
ABSTRACT
This thesis aims to develop a study on the policy of Public Security of Piauí, in the
period 2003 to 2006, held in the city of Teresina. The aim was to, above all, draw a
map of Public Security of Piauí, through the identification and analysis explaining the
rationale that guided the tessitura of these actions within the police system,
considering the strategies used by the public. The research also identifies key
strategies for prevention and enfretamento state of violence and crime in Teresina
and the relationship of these actions with the rates of crime (murder) in the Capital.
Thus, it is the question whether actions implemented in the area of Public Security of
Piauí they constitute a policy on Public Security. For this purpose the methodology is
based on exploratory research, literature and public documents (legislation), a
hypothetical-deductive, since they started from the premise that the Piauí did not
have a policy for the State Public Security. The data are collected through interviews
and observations, in a theoretical and providing critical to understand the state action
in preventing and confronting the violence and crime in the capital of the state of
Piauí, Teresina, as the authors worked during the dissertation. After analyzing the
data it appears that the state Public Safety does not have a formal plan for the
industry, nor is treated as public policy and the rate of homicides rose in Teresina.
Keywords: Public Policy. Public Security. Social Participation. Police.
6
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Sinóptico das Delegacias de Polícia da Capital........................Quadro 2 – Postos e Graduações Militares da PMPI....................................Quadro 3 – Concursos Públicos para a PMPI...............................................Quadro 4 – Óbitos por Tipo de Causa em Residentes em Teresina (2003-
2006).............................................................................................
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7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa de Teresina, com os Distritos Policiais................................
Figura 2: Quartel do Comando Geral da PMPI............................................... Figura 3: Organograma da PMPI..................................................................... Figura 4: Unidades Operacionais da PMPI.................................................... Figura 5: Área Metropolitana de Teresina......................................................
Figura 6: Modalidades de Policiamento Realizado em Teresina..................
Figura 7: Policiais Militares em Instrução.......................................................
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8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Orçamento da Secretaria de Segurança Pública do Piauí (2003-2006)...................................................................................................
Tabela 2 - Orçamento da Polícia Militar do Piauí (2003-2006).........................Tabela 3 - Orçamento da PMPI.......................................................................... Tabela 4 - Recursos do FNSP Repassados aos Estados por Meio de
Convênios– 2003/2006......................................................................
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9
LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Orçamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública do
Piauí no período de 2003 a 2006....................................................
Gráfico 2: Orçamento realizado pela Polícia Militar do Piauí no período de 2003 a 2006.................................................................................
Gráfico 3: Incidência de homicídios em Teresina no período de 2003 a 2006....................................................................................................
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10
LISTA DE SIGLAS
BO – Boletim de Ocorrência
BPM – Batalhão Policial Militar
CEGSP - Curso de Especialização em Gestão da Segurança Pública
CES – Centro de Ensino Superior
CIA – Companhia
CIA IND – Companhia Independente
CICO – Comissão de Investigação do Crime Organizado
CID – Classificação Internacional de Doenças
CIOp – Centro Integrado de Operações
COBOM – Centro de Operações de Bombeiros Militares
CONSEG – Conselhos Comunitários de Segurança
CONSEP – Conselho Estadual de Segurança Pública
COPOM – Centro de Operações Policiais Militares
CPC – Comando de Policiamento da Capital
CPI – Comando de Policiamento do Interior
DEIP – Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa
DHPP – Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa
DO – Declaração de Óbito
DP – Delegacia de Polícia
FNSP – Fundo Nacional de Segurança Pública
GGI – Gabinete de Gestão Integrada
IESP – Instituto de Ensino de Segurança Pública
INFOCRIM – Sistema de Informações Criminais
LEP – Lei de Execução Penal
MJ – Ministério da Justiça
MS – Ministério da Saúde
PC – Polícia Civil
PEL - Pelotão
PIB – Produto Interno Bruto
PM – policial militar
PMPI – Polícia Militar do Piauí
11
PMs – Policiais militares
PNSP – Plano Nacional de Segurança Pública
PPPs – Parcerias Público-privadas
RGS – Gestão de uma Relação Setorial
SENASP – Secretária Nacional de Segurança Pública
SIM – Sistema de Informações sobre Mortalidade
SINPOLJUSPI – Sindicato dos Policiais Civis, Penitenciários e Servidores da
Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Piauí
SSPDC – Secretária de Segurança Pública e Defesa da Cidadania
SUS – Sistema Único de Saúde
SUSP – Sistema Único de Segurança Pública
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
2 ESTADO, SOCIEDADE E SEGURANÇA.......................................................... 24
2.1 A ORIGEM DO ESTADO E A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E
SOCIEDADE.................................................................................................
24
2.2 A ORIGEM DA SEGURANÇA PÚBLICA......................................................... 32
2.3 SEGURANÇA PÚBLICA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.......... 39
2.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE
SEGURANÇA PÚBLICA...................................................................................
45
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA............... 50
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL................................................................ 50
3.2 PRESSUPOSTOS DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA...................... 60
3.3 NATUREZA DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL......, 65
3.4 POLÍTICA DE SEGURANÇA COMO ESTRATÉGIA DE GERENCIAMENTO
DE CRISES (CAOS)........................................................................................
71
4 O NÓ GÓRDIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ................................... 82
4.1 SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ........................................... 82
4.2 ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DAS POLÍCIAS DO ESTADO DO
PIAUÍ.................................................................................................................
85
4.2.1 A Polícia Judiciária Piauiense....................................................................... 86
4.2.2 Polícia Militar do Piauí................................................................................... 93
4.2.2.1 Estrutura Organizacional da PMPI............................................................. 97
4.2.2.2 Atividade Operacional da PMPI................................................................. 99
4.3 AÇÕES GOVERNAMENTAIS DA SEGURANÇA PÚBLICA DO
PIAUÍ.................................................................................................................
102
4.4 ORÇAMENTO DA SEGURANÇA PÚBLICA PIAUIENSE................................ 112
4.5 OS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE EM TERESINA (2003-2006)................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 120
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 125
APÊNDICES........................................................................................................... 132
ANEXOS................................................................................................................ 139
13
1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a questão da Segurança Pública passou a ser
considerada problema fundamental e principal desafio ao Estado de Direito no
Brasil. A Segurança ganhou enorme visibilidade pública e tornou-se presente nos
debates tanto de especialistas como do público em geral.
Os problemas relacionados com o crescimento das taxas de criminalidade, o
aumento da sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a
degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das
instituições da administração da justiça criminal, a violência policial, a ineficiência
preventiva das instituições de Segurança (as polícias), a superpopulação nos
presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em
conflito com a lei, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema,
problemas relacionados à eficiência da investigação criminal e das perícias policiais
e morosidade judicial, entre tantos outros, representam desafios para o processo de
consolidação política da democracia no Brasil.
Desta forma, a redemocratização do Brasil, pós 1985, não significou a
democratização da Segurança Pública, já que o retorno ao Estado Democrático de
Direito não representou a automática hegemonia dos princípios democráticos e da
legalidade na operacionalização dos serviços policiais, refletidos em uma Segurança
Pública mais acessível à maior parcela da sociedade, que permitisse o acesso à
cidadania.
O crescimento da violência no Brasil tem levado especialistas a defenderem
uma nova concepção de Segurança Pública, mais democrática e participativa,
conforme reza os princípios constitucionais. Nessa perspectiva, a Segurança deixa
de ser um assunto exclusivamente policial, passando a envolver diversas áreas da
administração pública, nos três níveis de governo – Federal, Estadual e Municipal - e
a sociedade civil, conforme preceitua o próprio texto constitucional (Art. 144), enfim,
passa a ser direito e responsabilidade de todos.
A Segurança Pública do Brasil tem ainda a influência deixada pela doutrina de
Segurança Nacional, introduzida pelo Regime Militar (1964-85), que mesmo
passados 23 anos de democracia, continuam a prevalecer práticas autoritárias na
prestação do serviço policial à sociedade. Esse modelo de Segurança Pública não
14
apresenta um conceito preciso de segurança, tampouco vislumbra a possibilidade de
participação da sociedade uma vez que, dada a natureza ditatorial do governo, não
apresenta nenhuma perspectiva democrática participativa, conforme se constata
pelas denúncias cotidianas nos meios de comunicação. A categoria Segurança
Pública parece ainda está em construção. Esta dificuldade repousa na circunstância
de que, em alguns momentos, a expressão pode ter significados diferentes, a
depender dos fenômenos social, político ou econômico a que ela esteja vinculada.
Portanto, a Política de Segurança Pública apresenta-se como uma política multi-
setorial, visto que, como sinônimo do bem estar social, ela está estreitamente
relacionada à efetivação por parte do Estado das demais políticas públicas que
possibilita à sociedade essa sensação de paz, tranqüilidade, enfim, segurança.
A perspectiva norteadora deste trabalho enfoca a Segurança Pública como
direito fundamental e condição exigível para o exercício pleno da cidadania, em que
o Estado, por intermédio da instituição policial, é o garantidor de Direitos Humanos.
Nesse sentido, Segurança Pública é um conceito em construção, porém, pode-se
afirmar que é um processo sistêmico, em que há o envolvimento de ações públicas e
comunitárias em torno da preservação da ordem pública, através da proteção aos
direitos do indivíduo e da coletividade (BENGOCHEA, 2004). A Segurança Pública,
portanto, não é apenas um tema da polícia, mas de interesse da sociedade em
geral, segundo o novo enfoque constitucional.
Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei (BRASIL, 2002).
No esteio dessas questões, apresenta-se o tema que será o eixo central da
dissertação, a Política de Segurança Pública do Piauí, no período de 2003 a 2006.
Ao falar de Política de Segurança Pública no Brasil, é salutar abordar outros temas
correlatos, que motivam sua existência: a Segurança Pública e seus órgãos de
operacionalização (as polícias).
Segundo Soares (2006), o processo de implementação de uma Política de
Segurança Pública requer fundamentos em princípios democráticos. Portanto,
assegurar às cidadãs e aos cidadãos a garantia do espaço público requer de
qualquer gestor uma visão sistêmica da administração pública e uma compreensão
15
precisa de fenômenos sociais complexos, como a violência e a criminalidade, com
ocorrência de natureza intraclasses e interclasses sociais.
Assim, não podemos deixar de focar as questões sociais de forma
estratégica. Não restam dúvidas de que as políticas públicas no Brasil são
ineficientes por serem de natureza mais reativa. É preciso inverter a lógica da
prevenção, da educação. No caso da Segurança Pública, aprendemos de vez que
segurança não se faz só com repressão, com cerceamento da liberdade, com o
toque de recolher. A opção por essas medidas evidencia ou uma má compreensão
do objeto de Segurança Pública, decorrendo daí uma política equivocada de
Segurança Pública, ou uma total incompetência das autoridades do setor em
planejar e executar uma Política de Segurança capaz de assegurar à sociedade a
tranqüilidade desejada por todos. No entanto, passados mais de 19 anos da
Constituição (1988) e mais de uma década e meia de eleições livres (1989),
observam-se poucos avanços em relação à democratização da Segurança Pública,
na perspectiva da gestão compartilhada desse setor, fatos que tornam ainda mais
complexa a construção de políticas públicas na área de segurança no Brasil.
Ao considerar o peso do “histórico autoritário” brasileiro sobre as instituições
estatais encarregadas de realizar o controle social (Polícia, Justiça e Sistema
Prisional), em uma perspectiva estatal, segundo Santos (2004), pode-se inferir que
houve pouco espaço para uma abordagem democrática da questão da Segurança
Pública no país. Se o início da vida republicana brasileira não significou a vigência
de uma ordem social democrática estável, as questões relativas à Segurança
Pública também não foram tratadas democraticamente (CARVALHO, 2007).
O conceito de controle social é um tema candente do estudo das Ciências
Sociais, tendo em vista, às vezes, determinados conceitos ou noções elaborados em
determinada tradição teórica são depois apropriados por outras tradições e
reconfigurados de forma tal, que o significado original se perde e novas e
inesperadas questões surgem sob a mesma denominação (ALVAREZ, 2004). Desta
forma, qualquer tentativa reducionista em relação ao complexo entendimento da
categoria controle social está fadada ao insucesso ou ao exercício acadêmico estéril.
A categoria controle social é trabalhada nesta dissertação sobre dois prismas:
um anterior a Constituição de 1988, em que o Estado é o principal ator social
responsável pelo controle social e manutenção da ordem e do status quo, através de
suas instituições (Polícia, Justiça e Sistema Prisional), e outra concepção de controle
16
social estabelecida pós Constituição Federal de 1988, que tem como principal foco o
exercício da cidadania através de uma participação efetiva na discussão,
planejamento, elaboração, execução das políticas públicas, passando a ter como
principal ator a sociedade civil organizada (CARVALHO, 2007).
Nesse aspecto, a participação da sociedade civil é a principal ferramenta para
o controle das ações públicas, logo, transpor esse modelo para a Segurança Pública
é uma das questões a ser enfrentada pela democracia brasileira.
Considerando, desse modo essa nova conjuntura social e política por que
passa o Brasil, a partir da promulgação da Carta Magna cidadã, as instituições
estatais são obrigadas a se revestirem de uma roupagem nova, ornada com
mecanismos que possibilitem a sociedade uma participação no planejamento e
execução de suas atividades. Nesse esteio, Ferreira (1997) afirma:
Para que haja a participação efetiva da sociedade civil nas decisões, é necessário um reordenamento das Instituições Sociais. Para que de fato aconteça a descentralização do poder político e administrativo, é preciso abrir espaços à gestão e ao controle das políticas públicas, tornando-se esta medida um imperativo no momento atual e consistindo em uma efetiva partilha entre o Estado e a sociedade (FERREIRA, 1997, p. 177).
Essa nova ordem vai possibilitar, em atendimento à Lei Maior, uma co-
participação; Estado e Sociedade, Polícia e Comunidade, na promoção da ordem
pública, uma vez que Segurança Pública passa a ser de fato e de direito,
responsabilidade de todos. Portanto, é nessa conjuntura que a instituição Polícia
ganha uma nova missão, que é a de atuar como instrumento de mediação entre
Estado e Sociedade.
Toda essa reengenharia institucional reflete um modo de pensar diferente
sobre a participação social na gestão pública da Segurança, pelo menos a nível
Federal (Secretaria Nacional de Segurança Pública). O ato de participar não deve
ser mais concebido como algo mecânico, neutro ou ilusório (FERREIRA, 1997). Para
que haja a participação efetiva da sociedade civil nas decisões, é necessário um
reordenamento das Instituições sociais, dentre elas as que compõem o Sistema de
Segurança Pública.
O presente trabalho busca analisar a Política de Segurança Pública do Piauí,
tendo como referencial as estratégias desenvolvidas pelo Sistema de Segurança
17
para conter o avanço da violência e da criminalidade em Teresina, através da
análise dos índices de homicídio nesta Capital, no período 2003 a 2006.
No esteio do estudo do tema Segurança Pública surgem categorias como
violência e criminalidade. O fenômeno crime corresponde às condutas anti-sociais
tipificadas pelo Código Penal brasileiro, enquanto a violência, segundo Soares
(2006), não se manifesta apenas através do crime, sendo este somente uma faceta
das práticas de violência existentes no Brasil, o qual tem todo um passado
construído culturalmente pelo uso da violência, nos espaços públicos e privados,
conforme se pode perceber em Santos (2004):
O fenômeno da violência difusa consiste em um processo social diverso do crime, anterior ao crime previsto no Código Penal. Durkheim considera o crime um fenômeno social normal, pois, em toda sociedade há crime. Desta forma, Durkheim considera o crime uma ruptura com a consciência coletiva, razão pela qual sofre punição pela lei penal. (SANTOS, 2004, p.3).
Portanto, a violência faz parte do processo social, contudo ela precede a
noção do crime que é uma construção jurídico-social posterior à sua própria
existência. A punição ao ato criminoso é uma resposta do Estado à conduta anti-
social do transgressor.
Entre os conflitos sociais atuais, crescem os fenômenos da violência e as
dificuldades das sociedades e dos Estados contemporâneos em enfrentá-los
(GIDDENS, 2001).
A presente dissertação trabalha a violência como um fenômeno social,
advinda de vários fatores: culturais, sociais, econômicos e históricos. As
manifestações da violência e da criminalidade no Brasil são diversificadas e
regionalizadas, demandando estratégias diferenciadas para o enfrentamento da
violência e da criminalidade, mesmo considerando o processo de globalização do
crime (SOARES, 2006).
As explicações para a violência e o crime não são simples e é necessário
evitar a armadilha das generalizações. Para Soares (2006) não existe o crime, no
singular, mas sim uma diversidade de práticas criminosas, associadas às dinâmicas
sociais muito diferentes. Por isso, não faz sentido imaginar que seria possível
identificar apenas uma causa para o universo heterogêneo da criminalidade e da
violência, várias são suas matrizes, como: o tráfico de drogas, tráfico de armas,
18
roubos a banco, seqüestro, roubos de automóvel e cargas, latrocínio, homicídios,
etc.
A criminalidade é um reflexo, também, do agravamento da questão social,
que envolve comportamentos e relações construídas socialmente devendo, portanto,
ser analisada como um fenômeno social complexo advindo principalmente da
desigualdade social em que se encontram imerso milhões de brasileiros sem
perspectiva de emprego, moradia, saúde, educação, ou seja, sem o exercício da
cidadania, segundo pesquisas de Soares (2006) e Silva Filho (2003). Reduzir a
violência e a criminalidade apenas a caso de polícia é reprodução de mecanismos
perversos de dominação.
Em relação à motivação para pesquisar o presente tema, surgiu da
observação de mais de treze anos como profissional da área de Segurança Pública,
Oficial da Polícia Militar do Piauí (PMPI) desde o ano de 1995, bem como da
condição de professor do Curso de Bacharelado em Segurança Pública da
Universidade Estadual do Piauí, desde o ano de 2002 e estudioso da Segurança
Pública, e das inquietações acumuladas sobre o funcionamento do Sistema de
Segurança Pública do Piauí, que ainda não foram debatidas com a sociedade em
geral, como por exemplo: o porquê da continuidade de uma postura institucional,
que tem como proposta para a prevenção da violência e da criminalidade a
aquisição de viaturas, armamentos e aumento de efetivo, já que não se observa uma
diminuição proporcional dos índices de criminalidade em relação aos investimentos
realizados? Para obter resposta a esta questão complexa exigem-se profundas
reflexões sobre a Política de Segurança Pública do Piauí.
Desta forma, o percurso metodológico se baseou em pesquisas exploratória,
bibliográfica e documental (legislação), de natureza hipotético-dedutiva, uma vez
que se partiu da premissa de que o Piauí não dispunha de uma Política de
Segurança Pública para o Estado. Os dados foram levantados através de
observação e entrevista, numa perspectiva teórico-crítica, que proporcionou
compreender a ação estatal na prevenção e no enfrentamento da violência e da
criminalidade na Capital do Estado do Piauí, Teresina, conforme os autores
trabalhados no decorrer da dissertação. Através desta metodologia, procurou-se dar
significado aos dados quantitativos e qualitativos necessários ao estudo da Política
de Segurança Pública do Piauí. Após sistematizados, os dados foram submetidos a
19
análise comparativa dos anos sob investigação, verificando, desta forma, a evolução
da criminalidade em Teresina.
A pesquisa também se utilizou de entrevistas dos três gestores da época, de
2003 a 2006, os quais subsidiaram algumas conclusões, principalmente a ausência
de uma política pública para Segurança Pública piauiense.
A Segurança Pública é um tema multidisciplinar, que não se esgota em si
mesmo, mas flui mediante o estudo de outros temas, como o controle social, a
participação, a descentralização, cidadania, direitos humanos, violência,
criminalidade, dentre outros.
Já a Política de Segurança Pública são as estratégias, diretrizes adotadas
pelo Estado para prevenir e enfrentar a violência e a criminalidade, em uma
perspectiva democrática, pós Constituição de 1988. Deve ter a participação ativa da
sociedade na gestão compartilhada da Segurança, como mecanismo de controle
social.
A Política federal de Segurança Pública – consubstanciada pelo Plano
Nacional de Segurança Pública – estabelece princípios norteadores que, na prática,
são planos e programas institucionais em níveis de macro e de micro atuação.
Dentre as diretrizes da Secretaria Nacional de Segurança Pública destacam-se: a
criação de Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEG), implantação de
Gabinetes de Gestão Integrada (GGI), instituição de Conselhos de Direitos
Humanos, criação de Corregedorias e Ouvidorias, desenvolvimento da atividade de
inteligência e desenvolvimento da filosofia de Polícia Comunitária.
Porém, mesmo com as inovações expostas acima, a Segurança Pública
piauiense tem se estruturado através de um sistema composto pelas Polícias Civil,
Militar e Corpos de Bombeiro Militar, conforme estabelece os artigos 156 e 158 da
Constituição do Estado do Piauí. Todavia, com o advento da Constituição Federal
(1988), art. 144. “[...] a Segurança Pública é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos [...]” (BRASIL, 2008), e com a institucionalização do Plano
Nacional de Segurança Pública (2002), tomam corpo os Conselhos Comunitários de
Segurança, que, apesar de uma participação tímida da sociedade no Piauí,
representa um avanço se comparado ao modelo adotado no período de Ditadura
Militar.
O Sistema de Segurança Pública no Piauí tem se estruturado, na última
década, por ações na área policial, sejam preventivas, através do policiamento
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ostensivo realizado nas ruas das cidades do Piauí pela Polícia Militar, e as ações
repressivas ao crime por intermédio da Polícia Judiciária (Polícia Civil), que realiza a
investigação dos crimes, objetivando a punibilidade do transgressor da lei.
Numa perspectiva de gestão de política pública democrática a participação da
sociedade civil organizada tem sido cada vez mais presente nas políticas públicas,
através da gestão compartilhada. Na Segurança Pública, os Conselhos Comunitários
de Segurança têm se apresentado como mecanismo de aproximação entre a
sociedade e o aparelho estatal responsável pela Segurança Pública (as polícias),
mesmo considerando todas as limitações impostas pela herança autoritária
brasileira.
A Segurança Pública, nesse contexto, tem passado por uma mudança
importante de referencial. Tem deixado de ser vista como um problema de
responsabilidade restrita do Estado, passando a ser concebida como
responsabilidade de todos. O novo referencial tem apontado para uma nova visão da
Segurança como espaço de participação comunitária (pública, mas não apenas
estatal), afeta a outras áreas de governo (social e não apenas criminal), ligada a
uma abordagem que concilia diversos saberes (particularmente das Ciências
Humanas) e como problema de ordem regional e global.
A identificação das ações do Sistema de Segurança Pública do Piauí, da
cidade de Teresina, no período 2003 a 2006, possibilitou a discussão de um tema de
relevância para a sociedade atual, porque envolve a preservação da vida, maior
patrimônio da humanidade.
Inserido neste contexto, a presente pesquisa buscou identificar os caminhos
adotados pelo governo estadual, através do Sistema de Segurança Pública, no
período de 1° de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006, na cidade de Teresina,
ou seja, um mandato completo de governo do Estado do Piauí, que foi delimitado
objetivando analisar um lapso temporal do projeto político do governo elencado, na
área de Segurança Pública, que vai do seu desenho, implementação aos resultados
obtidos.
O estudo da Política de Segurança Pública requer um aprofundamento da
discussão sobre as Instituições Policiais e suas competências legais e sociais, haja
vista serem as instituições responsáveis pela operacionalização das citadas ações.
21
Quanto às polícias, é importante entender sua relação com o Estado e a
sociedade. Uma das abordagens dominantes sobre o tema sugere que a polícia
deve ser tomada como um objeto histórico (COSTA, 2004).
Desse modo, associam-se inseparavelmente Estado e Polícia, sendo esta
instrumento para o exercício do poder daquele. Ainda segundo esta abordagem, o
Estado é um produto dessas mesmas condições históricas. Nesse sentido, é o
contexto social existente que determina a estrutura e o papel da Polícia.
Para conhecer o processo de implementação da Política de Segurança
Pública do Piauí, através da análise das suas ações em Teresina, foram
entrevistados os gestores da Segurança Pública do Piauí, no período de 2003 a
2006: dois Secretários de Segurança Pública do Piauí e um Comandante Geral da
Polícia Militar (PM), todos da época referenciada, bem como foram também
utilizadas entrevistas concedida pelo Secretário de Segurança Pública do período de
2006 (RIOS, 2008).
O objetivo das entrevistas foi também ouvir a fala institucional, através de
seus gestores, principalmente sobre as ações na área de Segurança Pública
efetivadas em Teresina, na prevenção e no enfrentamento da violência e da
criminalidade. As entrevistas serviram como base para reconstituição das ações
implementadas na área de Segurança Pública em Teresina.
Quanto aos objetivos desta investigação científica tem-se: Analisar se as
ações de Segurança Pública implementadas no Piauí, em Teresina, no período de
2003 a 2006, conseguiram reduzir os índices de criminalidade em Teresina, e se tais
ações se configuraram em um Plano de Segurança Pública para o Piauí; identificar
as principais estratégias adotadas pelo Sistema de Segurança Pública do Piauí, no
âmbito das Polícias Militar e Civil, na prevenção e no enfrentamento da violência e
da criminalidade, através da análise de suas principais ações na cidade de Teresina
(PI), no período de 2003 a 2006; discutir as estratégias de prevenção e
enfrentamento da criminalidade na cidade de Teresina (PI) e o papel da sociedade e
das polícias estaduais nesse contexto.
A presente dissertação foi estruturada em três capítulos: O primeiro capítulo,
denominado ESTADO, SOCIEDADE E SEGURANÇA, retoma a origem do Estado,
seu desenvolvimento e a relação Estado/Sociedade, objetivando contextualizar a
condição do Estado enquanto “garantidor” da Segurança Pública. Faz também uma
revisão histórica e conceitual sobre a gênese da Segurança Pública, no qual se faz
22
uma leitura das funções assumidas pela polícia, através de uma análise teleológica,
que vai da época das perseguições aos escravos até a assunção da manutenção da
ordem pública, por meio da Constituição Federal do Brasil de 1988. Também se faz
uma abordagem sobre Segurança Pública e Estado Democrático de Direito,
finalizando o capitulo com um tópico sobre a participação social na construção da
Política de Segurança Pública.
No segundo capítulo, intitulado POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS DE
SEGURANÇA PÚBLICA, busca-se estabelecer um marco conceitual para a
categoria Políticas Públicas, considerando-se os vários conceitos e concepções
existentes, haja vista os estudiosos não serem uníssonos quanto à matéria. Aborda-
se também a importante relação entre as Políticas Públicas e as Políticas de
Segurança Pública, sendo esta entendida como ramo daquela. O Capítulo traz ainda
um tema importante para a construção da pesquisa ao buscar os principais modelos
de Políticas de Segurança Pública no Brasil e algumas experiências internacionais.
Tal estratégia metodológica se fundamenta pelo fato de levantarmos como hipótese
o fato de o Estado do Piauí ainda não ter uma Política de Segurança Pública
consolidada, fazendo-se necessário recorrer aos modelos existentes para análise da
prática piauiense.
O terceiro capítulo, O SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ, faz a
análise de alguns programas de Segurança Pública implementados em Teresina-PI,
os quais foram destacados pelos próprios gestores da Segurança Pública, em
entrevistas, e são examinados os resultados alcançados na redução dos índices de
criminalidade, através da análise das estatísticas criminais (taxas de homicídios). É
também apresentado, de forma sucinta, o Sistema de Segurança Pública e a
estrutura de suas duas Polícias (Militar e Civil), que se faz necessário para a
compreensão do complexo Sistema de Segurança Pública do Piauí, bem como
seguidos de conclusão, referências e anexos.
Esta pesquisa é inédita, a nível de Universidade Federal do Piauí, e não
foram encontrados registros nas instituições policiais piauienses já citadas. Desta
forma, acredita-se contribuir no debate sobre a Segurança Pública e subsidiar
possíveis Políticas de Segurança Pública para o Piauí.
Em relação à Segurança Pública não há um modelo pronto e acabado, ou
seja, não há uma Política de Segurança Pública ideal aplicável para qualquer
situação, haja vista cada sociedade ter suas peculiaridades. Porém, é interessante o
23
estudo de práticas que têm apresentado resultados promissores, bem como buscar
a socialização desse tema que ainda se encontra bastante restrito a poucos setores
da burocracia estatal. O estudo realizado, além dos objetivos formais elencados,
primou pela discussão da Segurança Pública em um viés democrático, considerando
a Segurança Pública como bem necessário a consecução da cidadania plena
(CARVALHO, 2007; SILVA FILHO, 2003; SOARES, 2006).
24
2 ESTADO, SOCIEDADE E SEGURANÇA
O objetivo maior, com este capítulo de abertura desta investigação científica
sobre “o processo de constituição da Política de Segurança Pública do Piauí, no
período de 2003 a 2006” é fazer uma abordagem, à luz da extensa literatura
existente nos campos da Política e da Sociologia, sobre a origem e finalidade do
Estado e sua relação com a sociedade, para nesse percurso investigativo,
entendermos de forma mais precisa, a origem, natureza e fundamentos da Política
de Segurança Pública.
Nesse sentido, o foco do debate, ora levantado, será a origem do Estado e
a relação entre Estado e sociedade e a origem da Segurança Pública, Segurança
Pública e o Estado Democrático de Direito, bem como a Participação Social na
Construção da Segurança Pública.
Assim, pode-se resumir o percurso discursivo neste capítulo em duas
relações básicas para a compreensão do trabalho em seu todo: Estado versus
sociedade e a sociedade como ator principal na construção da Política de
Segurança Pública.
2.1 A ORIGEM DO ESTADO E A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE
Considerado na literatura clássica dos campos da política e da sociologia
como um dos maiores construtos humanos da modernidade, o Estado tem-se
apresentado como tema assaz polêmico e controverso quando matéria em teorias
políticas ou sociológicas. Portanto, pensar o Estado pressupõe analisar sua
evolução, entender seus diversos contextos, históricos, civilizacional e societal.
Nessa perspectiva será desenvolvida uma breve reflexão histórica do Estado e sua
formação social, mormente, sua natureza finalística de elemento assegurador das
condições básicas para um convívio social pacífico e harmônico
O Estado tem como principal função garantir a segurança para manutenção
da ordem, porém tal missão inevitavelmente limita a liberdade. Nesse contexto
Bauman (2003) faz uma reflexão sobre a relação liberdade versus segurança:
25
A promoção da segurança sempre requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser ampliada à custa da segurança. Mas segurança sem liberdade equivale a escravidão (e, além disso, sem uma injeção de liberdade, acaba por ser afinal um tipo muito inseguro de segurança); e a liberdade sem segurança equivale a estar perdido e abandonado (e, no limite, sem uma injeção de segurança, acaba por ser uma liberdade muito pouco livre). [...] pois a segurança sacrificada em nome da liberdade tende a ser a segurança dos outros; e a liberdade sacrificada em nome da segurança tende a ser a liberdade dos outros (BAUMAN, 2003, p.24).
Bauman (2003, p.26), conceitua o termo liberdade como: “a capacidade de
fazer com que as coisas sejam realizadas do modo como queremos, sem que
ninguém seja capaz de resistir ao resultado, e muito menos desfazê-lo”.
Em toda a tradição da filosofia política, sempre que se pensou o Estado, o
que havia no âmago deste debate era uma preocupação com a ordem e segurança.
Como é, ou seria possível, manter o homem numa convivência em grupo
razoavelmente estável?
O homem é naturalmente levado ao conflito, apesar de possuir a razão, de
pensar e dominar uma comunicação mais sofisticada do que a comunicação primária
dos outros animais. O conflito gera discordâncias e diferenças, por isso é que as
sociedades humanas precisam de regulação. As sociedades primitivas não
precisavam de regulação, pois eram extremamente simples, dispunham de uma
comunicação precária e havia recursos naturais em abundância. Com a evolução
das sociedades humanas e a escassez dos bens ambientais, foi necessária a
regulação, que ocorre de forma proporcional ao grau de desenvolvimento de cada
sociedade.
Desta forma, o contrato social se apresenta como uma metáfora pela qual, na
tradição política ocidental, se pensa a natureza e o conteúdo das obrigações sociais
entre Estado e sociedade.
Resumidamente, a teoria do contrato social teve diversos expoentes e foi
rediscutida no século XIX. Hobbes, Locke e Rousseau, os três contratualistas mais
conhecidos, apresentam distinções em relação às movimentações para a
“assinatura” do pacto. O primeiro busca promover a segurança – deixa-se a
liberdade natural a fim de assegurar a proteção à vida, garantida pelo Estado. O
segundo vê no pacto social uma forma de garantir o estado original de tranqüilidade
perturbado pelo desenvolvimento da propriedade privada. O terceiro, por fim, busca
no pacto uma forma de preservar a comunidade. As críticas à teoria do contrato são
26
grandes, em especial em seu caráter normativo e abstrato, mas suas marcas estão
no constitucionalismo e nas construções institucionais daí derivadas. Por este
instrumento se distribuem direitos e deveres entre os cidadãos e o Estado.
Esse pensamento é reforçado com as idéias de Bobbio (1997), quando
prega que mesmo em sua versão absolutista, o Estado sempre teve como alicerce
teórico as doutrinas contratualistas, que, em suma, embasavam o poder estatal em
um livre contrato ao pacto realizado pelos homens, que “a posteori”, dado o seu nível
de desenvolvimento, decidiram pela criação do Estado Moderno (BOBBIO, op.cit).
O contrato social é a teoria política que explicará a necessidade de criação do
Estado, e este tem suas raízes ficadas na normatização da sociedade através de
leis, que tipificam condutas sociais e anti-sociais. O contrato social se consubstancia
em um pacto realizado entre o Estado e a sociedade, mesmo de forma tácita.
Porque sem a aceitação da sociedade às normas do Estado dificilmente este ente
conseguiria impor a toda sociedade o modelo social ocidental hoje vigente, ou seja,
o Estado existe porque a sociedade, assim, o permite.
O pensamento político-jurídico moderno vai se caracterizar por uma
priorização da ordem jurídica em detrimento da liberdade (BAUMAN, 2003). Daí
porque Hobbes (1997, p.173) afirmou: “a liberdade dos súditos está apenas
naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu”. Novamente esse
fenômeno vai acontecer na contemporaneidade, em momentos de crise, como após
o ataque das torres gêmeas do World Trade Center nos Estados Unidos da América,
em 2001, onde foram criadas leis limitando direitos (liberdade) em prol de uma
suposta maior segurança. Assim, parece razoável partir de uma definição (que sintetiza um debate na
literatura sociológica) para se examinar o Estado segundo Giddens:
Todos os Estados, tradicionais ou modernos, abarcam algumas características gerais. Um Estado existe onde há um aparato político (instituições governamentais, tais como corte, parlamento ou congresso, além de pessoal do serviço civil), governando sobre um dado território, cuja autoridade é sustentada sobre um sistema legal e por sua capacidade de usar a força para implementar suas políticas. (GIDDENS, 1994, p. 309).
Esse conceito de Giddens (1994) parece claramente apontar que o Estado é,
ao mesmo tempo, um organismo normativo, aparatos institucionais e uma instância
27
sistêmica acatada em certa medida por aqueles que são governados, sem
prescindir, contudo, de um aparato repressivo que constranja seus governados a
acatar a autoridade daquelas normatizações, que no presente estudo sobre a
Política de Segurança Pública tem-se a polícia como responsável pela
operacionalização da Segurança Pública.
Na busca de alguns indicativos sócio-históricos para a atual configuração do
Estado de ordem, bem como a conjuntura que propiciou sua instalação, observa-se
a importância de dois fatos históricos que influenciaram o desenvolvimento do
Estado contemporâneo ocidental: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa.
Tendo em vista o cotidiano de violência e de criminalidade nos centros urbanos
brasileiros e Teresina faz parte dessa conjuntura, se analisado com maior
profundidade, tem suas origens nas transformações implementadas por essas duas
revoluções.
Existe, porém, outra faceta da realidade – a Revolução Industrial significou o
triunfo da indústria capitalista e da classe minoritária detentora dos meios de
produção e do capital. Grandes massas de trabalhadores foram submetidas ao que
impunha o sistema – novas formas de relação de trabalho, longas e penosas
jornadas nas fábricas, salários de subsistência – a fim de satisfazer os interesses
econômicos dos empresários (ARRUDA, 1988).
Além disso, a vida nas cidades industriais também estava mudando – o
intenso êxodo rural culminou na explosão demográfica e na falta de infra-estrutura
capaz de comportar os excedentes populacionais. Miséria, epidemias, suicídios,
aumento da prostituição e da criminalidade eram retratos da situação da época.
Um dos fatos de maior relevância foi o surgimento do proletariado, classe
trabalhadora com importante papel histórico na sociedade capitalista, que vai ter
como conseqüência o inchaço das cidades sem qualquer infra-estrutura adequada
para receber a classe trabalhadora (ARRUDA, op.cit). Desta forma, algumas
questões sociais da “insegurança pública” têm suas raízes nesse período de
transformação social.
Os proletários sentiam-se explorados, e muitas vezes, sua revolta se refletia
na destruição das máquinas e equipamentos. Gradativamente, eles vão se
organizando e formando sindicatos com o objetivo de se defender dos proprietários
dos meios de produção e do próprio sistema capitalista vigente. Ao protestar e ao
buscar mudanças, a classe operária se inclinava ideologicamente ao socialismo.
28
Para Canedo (1985), a introdução de novas organizações da vida social e a
profundidade das transformações, de certa forma, colocou a sociedade em
evidência, se considerado que esse novo modo de produção influenciou diretamente
o modo de vida dos habitantes das cidades. Em decorrência disso, a análise da crise
da Segurança Pública e da propositura de uma política para o setor carece da
consciência desse período histórico.
Aparentemente parece não haver ligação entre a Revolução Francesa e a
questão da Segurança Pública, porém esse fato histórico que inaugurou um novo
modelo de Estado afetou profundamente a estrutura social e consequentemente as
matrizes da violência e da criminalidade.
A Revolução Francesa significou a ruptura de um modelo político, o antigo
regime (absolutismo). Ao final do século XVIII, a monarquia absolutista da França
estava assegurando inúmeros privilégios à minoritária classe dominante, enquanto
deixava à margem de assistência uma população de 23 milhões de pessoas. Além
disso, o arcaico sistema vigente impedia a constituição da livre empresa, a
exploração eficiente da terra e abafava as iniciativas da burguesia. Obviamente, a
situação era contraditória e não iria se sustentar por muito tempo (DOWBOR, 1988).
Enfim, em 1789, com a mobilização das massas de trabalhadores pobres, a
burguesia tomou o poder. O seu objetivo, na realidade, não girava apenas em torno
da mudança da estrutura do Estado. Havia o claro desejo de abolir radicalmente a
antiga forma de sociedade, suas instituições e seus costumes, promovendo e
inovando aspectos da economia, da política, da religião e da vida cultural. Os velhos
privilégios de classe (clero e nobreza) foram destruídos e o empresariado passou a
ser incentivado e apoiado.
A Revolução Industrial marca o surgimento de uma nova era para o Estado, o
liberalismo econômico, baseado em novas formas de legitimidade, como o “Estado
civil”, descrito por Rousseau (1978). Para a doutrina liberal, cada um produz o que
sabe e troca com o outro o que não sabe fazer, e, sob esta perspectiva, torna-se
imperativo a regulamentação do Estado (Leis/Constituição).
Os ideais que estimularam a Revolução Francesa, transformaram a estrutura
do Estado. O iluminismo, a industrialização e a abertura de mercados em escala
internacional exigem novas funções, que se somam às antigas – Finanças e Justiça.
Gradativamente, o perfil do Estado vai-se modificando, aumentando seu tamanho, o
que resultou no surgimento de novas funções/competências, para atender as
29
demandas na reforma agrária, educação, segurança pública, políticas de proteção
social e relações exteriores.
Sob a égide do liberalismo, no século XIX há um crescimento das estruturas
públicas. No final desse século, o mundo vê um agigantamento dos aparelhos de
Estado, principalmente, nos países mais desenvolvidos. Entretanto, o Estado, que
até então intervém apenas na economia, passa a adquirir novas responsabilidades
no setor social, fruto de pressões da sociedade organizada, que exige das elites
daqueles países, mudanças radicais em suas estruturas, a fim de abolir as práticas
tradicionais herdadas da ultrapassada aristocracia feudal (DOWBOR, 1988).
Há uma relação muito estreita entre o fortalecimento das capacidades
administrativas do Estado-nação e a consolidação da economia industrial e do
urbanismo. As transformações em curso na estrutura socioeconômica da Europa
ocidental levaram à formação de uma nova estrutura de classes sociais, com
supremacia econômica da classe burguesa, residente basicamente em aglomerados
urbanos. É exatamente no período de formação das grandes cidades européias do
século XVIII que a noção de ilegalidade passou a ser amplamente utilizado. A
atuação do Estado no provimento da Segurança, combinando dimensões
preventivas e repressivas, tornou-se possível, bem como foi considerada necessária
por boa parte da elite burguesa. Disseminou-se a percepção de que predominava
uma grande insegurança nas cidades, com oportunidades ilimitadas para furtos e
roubos pelas ruas desprotegidas. A rápida expansão da população urbanizada criou
condições para que as atividades criminais passassem a ser concebidas como uma
realidade específica, como problema público, merecedor da intervenção por parte de
um Estado em processo de consolidação (SAPORI, 2007).
Assim, a ascensão da burguesia como classe politicamente dominante trouxe
novos ingredientes a atribuição estatal de prover a ordem interna. Ela veio
acompanhada da noção de que a expansão da soberania do Estado significa que os
que a ele se submetem estão, de algum modo, cientes de sua vinculação a uma
comunidade política, bem como dos direitos e obrigações que tal associação
estabelece. Um Estado somente se torna soberano quando amplos segmentos de
sua população dominam uma série de conceitos relacionados à soberania, o que
implica incluir as classes sociais inferiores na mesma comunidade política composta
pelas classes superiores.
30
A transição do Estado absolutista para o Estado-nação significou, portanto, a
ampliação do caráter público das instituições de Estado, principalmente aquelas
destinadas ao controle da criminalidade. O Estado absolutista era ainda, em boa
medida, permeado por elementos tradicionais, pautado pela noção de privilégios e
favoritismos que determinavam a atuação do aparato burocrático central. No Estado-
nação, por sua vez, o caráter público das instituições centrais é afirmado em sua
plenitude, de modo que o poder administrativo da autoridade central deve alcançar
toda a população. E isso foi viabilizado pela disseminação de alguns códigos morais
burgueses, especialmente as noções de cidadania e de direitos individuais
universais. Em suma, a sociedade burguesa completa o processo histórico de
transição do monopólio privado para o monopólio público da violência (DIAS NETO,
2005).
Nesse contexto, a demanda por ordem e segurança passou a compor o
espectro de ação de todas as classes sociais, de modo que as organizações estatais
incumbidas do controle social não podiam ser mais concebidas em termos dos
interesses exclusivos de um segmento da sociedade (CARVALHO, 2007).
O caráter público adquiridos pelas instituições de Estado nesse processo está
intimamente ligado à emergência e afirmação dos direitos civis. Estes são singulares
no que tange à separação entre domínio público e domínio privado no âmbito do
Estado-nação: na medida em que pressupõem a igualdade dos cidadãos perante a
lei, pressupõem também o seu direito à Justiça e a reivindicarem nessa instância
estatal a própria universalidade dos direitos. Os direitos civis estão também
intrinsecamente articulados à atividade de manutenção da ordem pelo Estado. Eles
garantem prerrogativas básicas aos cidadãos, como é o caso da presunção prévia
da inocência, perante a discricionariedade do Estado no controle de
comportamentos considerados desviantes.
É na institucionalização dos direitos civis da cidadania ao longo dos séculos
XVIII e XIX que se vai configurando o princípio de ordem sob a lei como parâmetro
definidor dos Estados modernos. Assim, o caminho em direção à soberania leva não
só a uma centralização nas mãos do governante, aumentando suas atribuições e
responsabilidades na manutenção da ordem que finalmente torna-se pública, mas
também a uma consciência generalizada de que o poder político depende de
capacidades coletivas e deve pautar-se por limitações formalmente estabelecidas,
de modo a preservar direitos individuais considerados inalienáveis.
31
A justaposição de ambas as dimensões do Estado-nação não é tão simples e
natural como pode parecer a princípio. Ao contrário, há uma incongruência crônica
na tarefa de manter a ordem dentro dos limites da lei, o que acaba por afetar de
modo decisivo a atuação prática das agências públicas de controle social (SOARES,
2006).
Desta forma, a partir das análises precedentes, pode-se afirmar que a
construção da ordem pública como bem coletivo é inseparável da nova configuração
da estrutura de classes sociais que se institucionalizou nas sociedades ocidentais
durante o processo de substituição da economia feudal pela economia capitalista.
Nesse contexto, o termo Segurança cuja raiz está associada a poder, é a
mesma de cura, socorro, recurso, diz respeito à conquista e à manutenção do
necessário à existência da sociedade e de seus membros, bem como à realização
de seus respectivos fins. Segurança é a tranqüilidade que o Estado pode
proporcionar à sociedade (ROLIM, 2006). Portanto, os modelos políticos e
econômicos adotados pela humanidade, e por último o Capitalismo buscou suprir
esse princípio universal, o da Segurança em toda sua amplitude.
Para Giddens (2001) a transformação da ordem pública em bem coletivo é
inseparável do processo histórico de pacificação interna, experimentada pela
sociedade européia ao longo de oitos séculos, ou mesmo o processo civilizador que
mudou radicalmente a forma de agir e de pensar dos indivíduos nesse período. O
processo civilizador ocidental permite ao Estado uma gradual monopolização do uso
da violência pelas instituições de controle social: Polícia, Justiça e Sistema Prisional
(ELIAS, 1994). O processo civilizador para o presente trabalho se configura pela
soma de todas as revoluções e transformações históricas vivenciadas pela
humanidade, como: Revolução Francesa, Revolução Industrial e Independência dos
Estados Unidos, dentre outras revoluções, na medida em que o modelo sócio-
político atual pode ser visto como produto dessas transformações históricas.
Portanto, a importância da discussão do tema Estado para a análise da
questão da Segurança Pública também pode ser estabelecida pelas configurações
que o Estado assume, sendo democrático ou autoritário. Este fato influencia
diretamente no modelo de Segurança Pública adotado, se autoritário ou
democrático, ou seja, se fechado a gabinetes de poucos ou aberto à gestão
compartilhada da sociedade organizada, como no caso dos Conselhos Comunitários
de Segurança (CONSEG), respectivamente. Portanto, o modelo de Segurança
32
utilizado pelo Estado no Regime Militar (1964-85) difere da atual configuração da
Política de Segurança Pública, principalmente a concepção federal.
O papel da Segurança Pública como mecanismo estatal de controle social
varia de Estado para Estado. Há os casos em que a sociedade civil desempenha
papel fundamental nesse controle social, e casos em que o controle social está
concentrado no aparato coercitivo estatal, onde há uma grande discricionariedade
da ação policial. Nessas situações, a autonomia policial implica lidar com o dilema
entre a lei e a ordem (COSTA, 2005).
O estudo da Segurança Pública está estreitamente relacionado à categoria
ordem pública, que segundo Lazzarini (1999) é composta por três elementos: a
Segurança Pública, a tranqüilidade pública e a salubridade pública. A tranqüilidade
se caracteriza pelo estado de paz social, enquanto a salubridade pública diz respeito
a saúde pública.
As noções de ordem pública e de direitos individuais universais estão
umbilicalmente conectadas. As sociedades ocidentais, ao mesmo tempo em que
afirmam o espaço do individual e do privado, reforçam a noção de que o espaço
público diz respeito a todos os membros da comunidade política. E a partir daí
caberá ao Estado, à autoridade central, garantir a ordem internamente não apenas
para viabilizar a vida coletiva, mas também para garantir os próprios direitos dos
indivíduos que compõem essa mesma coletividade (SAPORI, 2007).
Essa breve reflexão sobre o Estado buscou introduzir a discussão sobre a
questão da Segurança, onde o Estado assume o papel de garantidor da Segurança
Pública. Desta forma, o Estado organizará mecanismos formais de controle social,
como: Justiça, Polícia e Sistema Prisional.
2.2 A ORIGEM DA SEGURANÇA PÚBLICA
Num breve olhar sobre a história do país, é difícil discernir o que é parte de
uma política deliberada de segurança ou o que é decorrência de práticas sociais e
institucionais tradicionais, como o “mando” e o autoritarismo. Durante o período
colonial, por exemplo, os crimes que atentavam contra a vontade do soberano eram
considerados faltas morais ou religiosas. Resgatar a história da sociedade brasileira
e de suas instituições faz-se necessário para compreensão da realidade atual da
Segurança Pública.
33
No período colonial brasileiro, as atribuições policiais e judiciais estavam
concentradas em poucos cargos da hierarquia da administração da justiça, havendo
considerável dispersão de mecanismos de vigilância e punição, muitos dos quais
eram religiosos e/ou privados. A administração colonial contava com ampla
participação dos senhores da terra, através da aplicação da “justiça” aos seus
agregados. As práticas de punição eram, em regra, o degredo (para pessoas de
maior condição) e o açoite (para os escravos). As práticas de investigação eram
baseadas na suspeita sistemática e as provas eram obtidas mediante tortura judicial
(HOLLOWAY, 1997). Essas práticas generalizaram-se quando o Santo Ofício
desembarcou em terras brasileiras.
O município era o centro das preocupações da administração da Justiça na
colônia portuguesa e base de toda a estrutura colonial. Nesse sentido, as cidades
eram símbolos do poder da metrópole e da igreja e nelas havia os locais para a
detenção e punição dos criminosos. As cidades foram construídas em decorrência
das necessidades imediatas da exploração econômica e, embora fossem o centro do
controle político, gozavam de ampla autonomia e independência (CARVALHO,
2007).
Depois de três séculos de vida colonial, vivendo à sombra das instituições e
da legislação portuguesa, o Brasil passou a ter uma Constituição, em 1824, um
Código Criminal, em 1830, e um Código de Processo Criminal, em 1832. A
legislação penal passou a entender o crime como infração à regra penal, para a qual
penalidades específicas foram prescritas. O sofrimento físico começou a ceder
espaço às punições tecnicamente frias, como o degredo ou a privação da liberdade.
As punições passaram a estar relacionadas à retribuição, à recomposição da
infração de uma lei anterior e o criminoso passou a ser visto como aquele que
rompeu um pacto social (FOUCAULT, 1987). A escravidão permanecia como
problema político, moral, econômico e social. O Sistema de Segurança brasileiro foi
construído conforme a evolução da estrutura social, porém fincado nas raízes do
Brasil Império, e até hoje há instituições do Sistema de Segurança Pública com
valores da citada época, como as Polícias Militares estaduais que continuam sendo
organizações militares, cultivando os mesmos “valores” daquele momento histórico,
em detrimento da sua missão constitucional.
Durante o Império, embora o Brasil tivesse um governo acentuadamente
centralizado, as províncias mantiveram-se isoladas e com autonomia em relação à
34
aplicação da lei e ao uso das instituições judiciais. O espetáculo punitivo foi
praticado contra escravos, durante quase todo o século XIX. Embora muitos dos
castigos aplicados em escravos ainda permanecessem subordinados à esfera da
fazenda, portanto, à esfera privada, nas cidades os castigos se davam em praça
pública e eram executados por “funcionários públicos”. Os castigos atraíam enorme
atenção popular. O sistema punitivo do Brasil imperial manteve a pena de prisão
com trabalho forçado, com as multas e os suplícios públicos. Esse sistema perdeu
espaço na medida em que a crise do escravismo se acentuava. As reformas legais
liberais, ocorridas durante a década de 1870, apontavam nessa direção
(HOLLOWAY, 1997).
Na República, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1891, e de
um novo Código Penal, um ano antes, o federalismo e a pena de prisão celular
tornaram-se regra. Os interesses dos plantadores de café fizeram-se representar
tanto na política como na administração da Justiça, e conseqüentemente no modelo
de Segurança adotado no Brasil. É claro que a economia agro-exportadora,
sustentada pelo latifúndio e pela empresa cafeeira, deu impulso ao desenvolvimento
das cidades (CARVALHO, 2007). As condições para isso foi o trabalho livre e a
importação de mão de obra européia, os imigrantes. Enquanto que a mão-de-obra
ex-escrava amontoava as favelas cariocas, sem emprego e sem moradia, prelúdio
do caos futuro da Segurança Pública, local onde o tráfico de drogas floresceria.
Os trabalhadores importados, assimilados pelo primeiro surto industrial,
organizaram-se em associações para reivindicar melhores condições de vida e
trabalho. Em virtude do acesso restrito à política, a negação do direito de voto aos
imigrantes, e as baixas concessões feitas pelos industriais à demanda dos
trabalhadores permitiram a ampliação da luta política no espaço da rua, na forma de
greves e manifestações. O Sistema de Segurança estatal se voltou para conter tais
manifestações à época. O espaço urbano, dividido entre bairros das elites e de
trabalhadores, funcionou como lente de aumento das novas tensões sociais e como
laboratório para inúmeras estratégias de controle e segregação. Polícia, prisões e
outras instituições, nesse sentido, receberam atenção especial das elites.
Mudanças importantes somente ocorreram com as Constituições de 1934, de
1937, de 1946, com o Código Penal de 1940 e com o Código do Processo Penal de
1941. Foram mudanças contraditórias, pois as instituições de controle social formal -
Polícia, Justiça e Sistema Prisional – não mudaram muito em relação à configuração
35
legada pela Primeira República, embora, sob o Estado Novo, tenha havido uma
centralização e uma racionalização da administração pública sem precedentes na
história do país. Vários relatos indicam até mesmo uma degradação acelerada
dessas instituições durante o Estado Novo e, mais adiante, durante a Ditadura
Militar. Nos períodos de exceção, as violações de direitos, as prisões ilegais, a
violência policial, as condições iníquas de cárceres e instituições de repressão
tornaram-se moeda corrente. A falta de acesso à Justiça e a desigualdade na
distribuição de renda agravaram-se, sobretudo diante do adensamento populacional
nas principais capitais e em suas regiões metropolitanas (HOLLOWAY, 1997).
O período de 1945 a 1964, do ponto de vista constitucional, foi uma exceção
a essa regra. Mas não se sabe o quanto nossa primeira experiência democrática
promoveu mudanças no tratamento dispensado àqueles que estavam submetidos à
Justiça e à lei. Notícias veiculadas na imprensa sugerem que as garantias
constitucionais nada significavam para os detidos e investigados pela Polícia, nem
para os indivíduos que cumpriam pena ou que estavam em manicômios, e não
traziam ônus adicionais aos homens da lei. A tortura, a corrupção, as atividades de
justiceiros e as rebeliões em presídios parecem ter uma história mais longa e um
destino mais persistente do que imagina a credulidade democrática atual (SILVA
FILHO, 2003).
O processo de democratização do Brasil, iniciado em 1985, teve seu apogeu
com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, a
chamada Constituição cidadã, que incorporou direitos civis, políticos e sociais. O
controle do uso da força pelo Estado, até a transição política (1985), era tão rarefeito
que qualquer referência aos instrumentos internacionais era meramente retórica,
haja vista a distância entre as práticas dos agentes do Estado e as exigências de
vários textos legais nacionais e internacionais. Desta forma, o controle interno
através das Corregedorias de Polícia e controle externo, pelas Ouvidorias, são
práticas recentes que tomaram força após a criação da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (1995). O controle da atividade policial pela sociedade só é
possível em um Estado Democrático de Direito.
Os governos civis, além de terem promovido o ingresso do Brasil na
legalidade do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos, puseram em
prática iniciativas, mesmo algumas vezes intermitentes e interrompidas, de uma
nova abordagem oficial em relação aos direitos e garantias constitucionais e às
36
violações dos Direitos Humanos. Apesar da nova configuração político-institucional,
baseada no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos,
isto é, da democracia formal, os institutos jurídicos tradicionais do direito brasileiro e
as práticas institucionais baseadas no Estado não sofreram mudança imediata; ao
contrário, durante os últimos anos de exercício democrático (1985-2006), subsistiram
práticas ilegais, corrupção, violência, promovidas pelos próprios agentes do Estado,
bem como toda uma cultura autoritária, dispersa na sociedade brasileira (SOARES,
2007). A criminalidade agravou-se, particularmente os homicídios que incidem sobre
os jovens, algumas vezes tendo como agentes os membros das próprias
corporações estatais responsáveis pela Segurança Pública (PAIXÃO, 1988).
A segurança passou a ocupar o segundo lugar nas preocupações dos cidadãos brasileiros, somente abaixo do desemprego. Os efeitos disso são preocupantes, pois assinalam o aumento dos gastos do poder público (viaturas, armas e equipamentos), da comunidade (dispositivos eletrônicos e condomínios fechados) e dos indivíduos (veículos blindados, seguros, armas) com segurança (SOARES, 2006).
Concomitantemente ao aumento da taxa de criminalidade e do conseqüente
aumento de sua percepção pública, as Políticas de Segurança Pública passaram a
ser alvo de discussões, debates e propostas (SOARES, 2006). A expectativa
generalizada era que essa onda pudesse ter interferido positivamente nas práticas
das instituições e, no limite, melhorado a prestação dos serviços de segurança à
população. Mas a realidade tem se mostrado, por enquanto, imune a essa tendência
(SOARES, op.cit).
O poder público tem insistido em considerar os crimes contra o patrimônio (e
os seqüestros) como prioridade, e parte importante dos recursos públicos de
segurança não é destinada às periferias. Sabe-se, no entanto, que essa estratégia
não tem resultados inequívocos, pois as taxas de crimes contra o patrimônio (furto,
roubo, furto e roubo de veículos) permanecem elevadas ou continuam em acentuada
elevação (SILVA FILHO, 2003).
Com o advento de uma nova ordem constitucional (1988) e da postura do
governo federal em atentar para sua responsabilidade com a Segurança Pública nos
Estados é institucionalizada a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP)
em 2001, órgão do Ministério da Justiça (MJ), tendo como missão coordenar o
37
Sistema de Segurança Pública do Brasil, nessa perspectiva a SENASP conceitua a
Segurança Pública como:
A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei (BRASIL, 2008).
O conceito de Segurança Pública acompanhou as transformações sócio-
econômicas da história brasileira, passando por fases de exceção como a ditadura
Vargas (1937-45) e o Regime Militar (1964-85) até chegar ao processo de
redemocratização que se iniciou em 1985 e culminou com a promulgação da
Constituição cidadã de 1988. Desta forma, o entendimento sobre a Segurança
Pública se alargou bastante passando indubitavelmente pelo contexto, pela análise
social e política.
A Segurança Pública antes restrita apenas à competência estatal, através da
ação das polícias, agora (pós Constituição de 1988) se apresenta como sistema que
interliga Estado e sociedade com o objetivo comum, garantir o acesso ao gozo da
cidadania. O conceito da Segurança Pública não mais se limita apenas ao estado de
tranqüilidade, sem ocorrência de práticas de delito, mas como meio de garantia ao
exercício de direitos, como: o direito de ir e vir (direito de locomoção), direito de livre
manifestação e direito a ter direito.
Uma Política de Segurança Pública deve priorizar, segundo os princípios
constitucionais vigentes, a manutenção da ordem com respeito às leis e aos direitos
humanos e principalmente a participação social nos debates da Segurança Pública
(SOARES, 2006).
No Brasil essa mobilização social para a construção de um projeto de
exercício sócio-político começou no período do regime militar e se apresenta como
uma luta de sociedade civil para conquistar a democracia. Esse esforço dos
cidadãos e cidadãs brasileiros ganha uma organização e se apresenta como
instituições com o objetivo de promover uma estrutura cidadã de mobilização e
participação social, capazes de atuarem como verdadeiras expressões populares na
luta por educação, emprego, saúde, moradia, saneamento, enfim, políticas públicas.
Essa organicidade social é extremante fortalecida com o fim do Regime Militar
e o começo da construção, no Brasil, de um verdadeiro Estado Democrático de
38
Direito. Assim, a luta travada pela sociedade civil ganha uma conotação de
vivificação da liberdade de expressão obrigando o Estado a proceder a uma
reconstrução nacional alicerçada na participação popular. A esse respeito, podemos
afirmar que a Constituição Federal de 1988 deve ser considerada a pedra
fundamental dessa nova construção. Não era à toa que Ulisses Guimarães a
denominava de Constituição cidadã.
Não obstante essas importantes transformações, uma realidade dura e cruel
ainda atormenta a sociedade brasileira, uma vez que várias são as matrizes da
criminalidade, e suas manifestações variam conforme as regiões do País e dos
Estados. O Brasil é tão diverso que nenhuma generalização se sustenta. Sua
multiplicidade também o torna refratário a soluções uniformes. A sociedade
brasileira, por sua complexidade, não admite simplificações nem camisas-de-força.
Em São Paulo, por exemplo, a maioria dos homicídios dolosos encerra conflitos
interpessoais, cujo desfecho seria menos grave não houvesse tamanha
disponibilidade de armas de fogo e o tráfico de drogas (SILVA FILHO, 2003).
No Nordeste, o assassinato a pagamento ainda prevalece, alimentando a
indústria da morte, cujo negócio envolve pistoleiros profissionais, que agem
individualmente ou se reúnem em “grupos de extermínio”, dos quais, com
freqüência, participam policiais (SOARES, 2006). À medida que prospera o “crime
organizado”, os mercadores da morte tendem a ser cooptados pelas redes
clandestinas que penetram nas instituições públicas, vinculando-se a interesses
políticos e econômicos específicos, aos quais nunca é alheia a lavagem de dinheiro,
principal mediação das dinâmicas que viabilizam e reproduzem a corrupção e as
mais diversas práticas ilícitas verdadeiramente lucrativas.
Há investimentos criminosos em roubos e furtos de carros e cargas, ambas as
modalidades exigindo articulações estreitas com estruturas de receptação, seja para
revenda, desmonte ou recuperação financiada. Roubos a bancos, residências,
ônibus e transeuntes, assim como os seqüestros, particularmente os “seqüestros-
relâmpago”, têm se tornado comuns e perigosos, em todo o país. Em função,
também nesse caso, da disponibilidade de armas, essas práticas, que por definição
visariam exclusivamente ao patrimônio, têm-se convertido, com assustadora
freqüência, em crimes contra a vida – a expansão dos “roubos seguidos de morte”
ou latrocínios constitui o triste retrato dessa tendência (SILVA FILHO, Op. Cit.).
39
No Rio de Janeiro e, crescentemente, em todos os maiores estados
brasileiros – caminha para a mesma direção -, mesmo havendo uma combinação de
matrizes criminais, articulando e alimentando dinâmicas diversas, tem se destacado
o tráfico de armas e drogas, que cada vez mais se sobrepõe às outras modalidades
criminosas, as subordina ou a ela se associa, fortalecendo-as e delas se
beneficiando. Ainda há tempo para evitar que se repitam em todos os Estados as
tragédias que se banalizaram no Rio de Janeiro, mas para isso é imperioso
reconhecer que já há fortes indícios de que a matriz mais perigosa e insidiosa, que
cresce mais velozmente – instalando-se nas vilas, favelas e periferias, e adotando o
domínio territorial e a ameaça a comunidades como padrão -, a matriz mais apta a
recrutar jovens vulneráveis e a se reproduzir, estimulada pela crise social e pela
fragilidade da auto-estima, é o tráfico de drogas, conforme se constata pelas
freqüentes apreensões de entorpecentes ilícitos (drogas) pela polícia, noticiadas
cotidianamente pelos meios de comunicação.
Essa matriz da criminalidade tem assumido uma característica peculiar, ao
infiltrar-se e disseminar-se como estilo cultural e meio econômico de vida, com seu
mercado próprio e lamentavelmente promissor. Na favela, na vila ou no bairro não
assistido pelo poder público – onde falta calçamento, iluminação, escolas, quadra de
esportes, saneamento básico, etc – tem-se um terreno fértil para divulgação e
aspiração ao “estilo de vida” do crime, que se caracteriza pela oportunidade de
ascensão social através do acúmulo de bens de consumo do mundo Capitalista –
roupas, carros, casas, jóias, celulares, armas, dentre outros.
Toda essa estrutura organizada do crime exige, portanto, trabalho policial
investigatório no combate às redes atacadistas das drogas, ações policiais
ostensivas na contenção do varejo, mas, sobretudo, requer intervenção social
preventiva bem coordenada, territorialmente circunscrita e sintonizada à
multidimensionalidade dos problemas envolvidos, como se explicará adiante.
2.3 SEGURANÇA PÚBLICA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Em 1985 chega ao fim o período da ditadura militar, passando-se a respirar
uma expectativa de dias melhores. É formada a Assembléia Nacional Constituinte,
que culminou com a Constituição Federal do Brasil de 1988, a qual trouxe inovações
40
importantes na seara da Segurança Pública se comparada ao padrão tradicional1 de
Segurança Pública incorporado à Segurança Nacional da época de exceção, ao
estabelecer novas missões2 às instituições policiais, bem como os princípios da
gestão participativa na resolução dos problemas da violência, conforme se pode
vislumbrar pela dicção do texto constitucional em seu Art. 144:
Art. 144. A segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; [...] (BRASIL, 2008).
As inovações da Segurança Pública e prevenção do delito devem ser
compreendidas à luz dos processos de re-organização das competências estatais,
conforme já fora apresentado neste trabalho. A Segurança Pública dependerá
diretamente do modelo político adotado, podendo-se concluir que a competência das
instituições policiais na época da Ditadura Militar é totalmente diferente das atuais
atribuições policiais, as quais se tornam mais acessíveis à participação social.
Trata-se de uma nova dinâmica social que questiona posturas centralizadas e desafia a abertura para o novo, construído no cotidiano das ações humanas que envolvem o pensar, o criar, o fazer, o agir, o interagir, o confrontar-se e o indignar-se. Nesse cotidiano de movimentação ganha evidência a contribuição de todos os segmentos sociais, considerando as etnias, o gênero, as faixas etárias, a inserção social política, econômica e cultural, em um esforço de aumentar a qualidade e as possibilidades de vida para todos os cidadãos (SILVA, 1997, p. 209).
No contexto das políticas públicas de gestão participativa, observa-se a
1 O modelo tradicional da polícia brasileira caracteriza-se por uma ação meramente reativa (repressiva) ao problema da violência e da criminalidade, ou seja, a polícia só deve agir após o cometimento do delito e em casos de crimes considerados realmente “graves” pelo aparelho policial. A Polícia Comunitária é o contraponto a tal sistema, atua de modo preventivo (pró-ativo). 2 Até então, antes de 1988, a missão da Polícia era simplesmente açoitar escravos, no período imperial, e reprimir os movimentos sociais que contestavam o Regime Militar (1964-85). A polícia deteria todas as pessoas consideradas, pelos militares, como nocivos à Segurança Nacional, conforme a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14/12/83).
41
necessidade da participação cada vez mais da sociedade nas discussões,
sugestões e gestão da coisa pública, em especial, na área da Segurança Pública
(BEATO, 2001).
Por outro lado, o modelo de prevenção, que se apresenta como novo, em
suas expressões mais avançadas, constitui reação ao método penal tradicional de
compreensão e tratamento dos conflitos sociais – endurecimento da pena e
conseqüente aumento do encarceramento - e acena para uma política integral de
proteção e implementação de direitos, na qual o Direito Penal opera como
componente “parcial e subsidiário” e não como solução final para todas as questões
da Segurança Pública (BARATA, 2000).
O modelo pode assim redirecionar o debate da segurança para além do
marco da penalidade, da alternativa entre maior ou menor intervenção penal, e
viabilizar novas possibilidades de gestão material dos problemas relacionados ao
crime e à insegurança dos cidadãos. A Segurança Pública, em uma perspectiva
democrática, deve atuar conjuntamente com outros setores governamentais, como:
assistência social, saúde, educação, saneamento básico, iluminação e esporte.
Em uma perspectiva democrática, espera-se do sistema penal a diminuição
da impunidade em toda sua amplitude danosa e que as penas de limitação da
liberdade sejam realmente de caráter ressocializador, e não meramente punitivas,
conforme prevê os princípios da Lei de Execuções Penais brasileira (LEP), Lei nº
7.210 de 11 de julho de 1984. Um conceito democrático de Justiça Penal tem suas
premissas, estruturas e práticas emancipadas da natureza estritamente punitiva e
amplia o seu leque de respostas às questões criminais, tendo em vista a natureza
heterogênea dos problemas e a necessidade de integrar a resposta penal aos
enfoques, métodos e objetivos de outros instrumentos de proteção de direitos
(PIRES, 2004). O Sistema de Justiça Penal complementa o Sistema de Segurança
Pública, os dois sistemas quando trabalham em harmonia possibilitam o acesso à
cidadania ao se garantir o respeito à norma e à dignidade humana quando no
cumprimento da pena restritiva de liberdade (LAZZARINI, 1999).
A ordem constitucional erigida a partir de 1988 elegeu entre seus objetivos
fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o
desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais.
42
No caso brasileiro, as instituições foram construídas em via inversa, com o
Estado se tornando um ator que desprezava as liberdades individuais, ou então por
iniciativas favorecedoras de classes sociais detentoras do poder econômico e
político, contrariando o próprio princípio constitucional da igualdade jurídica e
negando o exercício pleno da cidadania para a maior parte da sociedade, ao estudar
o tema Carvalho (2007) constata que:
[...] o fenômeno da cidadania é complexo e historicamente definido. [...] O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico. (CARVALHO, 2007, p.8).
A cidadania comporta várias dimensões, e a Segurança Pública em uma
perspectiva constitucional tem como missão garantir o acesso à cidadania, através
do respeito aos Direitos Humanos e conseqüentemente à dignidade humana. Desta
forma, o retorno à democracia não significou automaticamente o pleno exercício da
cidadania em suas múltiplas dimensões, bem como não significou o fim da violência
e da criminalidade e nem uma adequação instantânea a nova ordem constitucional.
Duas décadas de Ditadura Militar (1964-1985) moldaram uma Segurança Pública
voltada para repressão dos movimentos sociais e políticos.
As instituições são construídas socialmente e transformações em suas
estruturas demandam tempo e vontade política, é o caso das Polícias brasileiras que
até hoje buscam se encontrar na nova ordem constitucional (SAPORI, 2007).
A discussão do tema Segurança Pública tornou-se de fundamental
importância no contexto atual, principalmente enfocando a necessidade da
sociedade participar da gestão3 da Segurança Pública, considerando que o modelo
tradicional do Sistema de Segurança Pública se esvaiu em sua burocracia, a qual
3 Para Ferreira (2005, p.51): “Gestão é compreendida como a administração de serviços, programas, projetos, que se fundamentam em decisões e tomadas deliberadas de políticas governamentais.”.
43
não consegue atender as demandas da sociedade e diminuir os índices de
criminalidade (SOARES, 2006).
É de bom alvitre o registro histórico e teleológico da evolução das instituições
Policiais e suas funções assumidas no decorrer da história, por significar a própria
evolução da Segurança Pública do Brasil, pois tal metodologia possibilita uma
melhor contextualização do objeto de estudo, que a Política de Segurança Pública
do Piauí (COSTA, 2004).
A utilização do termo Segurança Pública, como sinônimo de proteção à
sociedade, é bem recente, advindo da Constituição de 1988. Portanto, ainda se faz
necessário a busca desta identidade pelas instituições policiais atuais que têm seus
referenciais ainda arraigados a modelos repressivos imperiais, como a Polícia Militar
do Piauí que ainda utiliza o modelo militar do Exército brasileiro como forma de
administração, o qual é direcionado ao enfrentamento do inimigo em situação de
guerra e não para convívio pacífico com a sociedade, que é sua real função policial
(SOARES, op.cit).
A Segurança Pública, compreendida como política pública, ainda se encontra
em fase de construção, tendo em vista que o processo de redemocratização
brasileira é recente (1985), ou seja, como já fora comentado, ainda há resquícios da
Ditadura Militar nas práticas Institucionais das Polícias. Desta forma, a consolidação
da Segurança Pública, no víeis democrático, só advém da prática institucional e da
percepção social. Por exemplo, não basta a assinatura de convênios ou protocolos
de intenção com a SENASP se não houver vontade política dos gestores locais em
implementar as mudanças necessárias para adequação a um Estado Democrático
de Direito.
Percebe-se no discurso oficial uma forte tendência em garantir, formalmente,
a participação da sociedade na discussão da questão da Segurança Pública, mas na
prática há limitações quanto a essa gestão compartilhada da Segurança Pública.
Pode-se afirmar que a continuidade do centralismo dos gestores da Segurança
Pública do Piauí contraria a lógica da administração contemporânea em
descentralizar e gerir de forma compartilhada.
A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um conjunto de ações públicas e comunitárias, visando assegurar a proteção do indivíduo e da coletividade e a aplicação da justiça na punição, recuperação e tratamento dos que violam a lei, garantindo direitos e cidadania a todos (BENGOCHEA, 2004, p.120).
44
Partindo da compreensão acima, a Segurança Pública é um processo
sistêmico porque envolve, num mesmo cenário, um conjunto de conhecimentos e
ferramentas de competência dos poderes constituídos e ao alcance da comunidade
organizada, interagindo e compartilhando visão, compromissos e objetivos comuns;
e otimizando porque depende de decisões rápidas e de resultados a curto prazo.
A racionalização dos arranjos institucionais, no âmbito federal e estadual, tem
consistido em integrar os esforços, principalmente, na formulação de estratégias de
dissuasão dos indivíduos à prática de crimes. Acresce-se a isso a preocupação em
dotar as referidas organizações de recursos materiais e profissionais que as
permitam alcançarem uma maior efetividade na consecução de suas competências
organizacionais.
O Sistema de Segurança Pública do Piauí 4 ainda é bastante hermético.
Estudá-lo é um desafio e uma tentativa de inserção da sociedade no debate da
Segurança Pública, que é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”
(BRASIL, 2008).
A Segurança Pública brasileira, a nível federal, através do Plano Nacional de
Segurança Pública (2002), que será estudado mais detalhadamente a frente, reflete
o novo momento democrático, mesmo considerando os entraves e as resistências
das organizações policiais estaduais em se adequarem à nova ordem constitucional.
O Plano Nacional de Segurança Pública apresenta as seguintes diretrizes a serem adotadas pelos Estados: modernização tecnológica (sobretudo equipamentos de segurança, produção, organização e transmissão de dados); modernização gerencial (tentativa de modernizar os métodos arcaicos e irracionais das policias de gerir, introduzir a cultura do planejamento, da avaliação e do monitoramento corretivo institucional); modernização institucional (adequação ao novo modelo ético-disciplinar, qualquer esforço será em vão se os ditames constitucionais não forem respeitados); moralização (sem a transformação profunda das polícias, sem rigoroso filtro ético-disciplinar, qualquer esforço será comprometido, pois policiais corruptos sabotam o projeto citado) a participação comunitária (a sociedade deve participar em todas as fases de uma verdadeira Política de Segurança Pública, na perspectiva de uma Política Pública) (BRASIL, 2002, p.14).
No segundo capítulo desta dissertação, abordar-se-á mais detalhadamente
sobre a relação das Políticas Públicas e as Políticas de Segurança Pública, 4 O Sistema de Segurança Pública do Piauí, conforme o Art. 156 da Constituição estadual, compõe-se da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militares.
45
demonstrando cada fase da implementação de uma Política de Segurança Pública e
exemplificando através de algumas práticas bem sucedidas.
2.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA
A eficácia do Estado na gestão de uma sociedade pluralista está altamente
relacionada à democratização de seus processos decisórios (SOARES, 2006).
Ao organizar-se em linha de continuidade com as esferas públicas e viabilizar
canais de comunicação política com os diversos setores da vida social, o Estado se
habilita enquanto mediador de conflitos, catalisador de recursos e articulador de
políticas voltadas à afirmação de direitos fundamentais, contribuindo assim para o
fortalecimento dos alicerces de uma sociedade civil autônoma e democrática.
A descentralização do poder decisório do Estado por meio da participação
direta dos cidadãos no planejamento da Segurança Público constitui um dos pilares
da nova prevenção. A transformação cultural necessária a uma nova política de
prevenção exige que o tema da Segurança Público deixe de ser simplificado sob a
forma de demanda por repressão estatal contra indivíduos e seja assumido em sua
complexidade causal, como questão política que requer o envolvimento do conjunto
das instituições sociais (DIAS NETO, 2006).
Nessa conjuntura, é fundamental a compreensão de um novo sentido para
Controle Social, que deve ser concebido doravante como a participação da
sociedade no acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na
execução das políticas públicas, avaliando objetivos, processos e resultados
(FERREIRA, 1997).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, adotou-se no Brasil
uma perspectiva de democracia representativa e participativa, incorporando a
participação da comunidade na gestão das políticas públicas (art. 194, VII; art. 198,
III; art. 204, II; art. 206, VI, art. 227, § 7º). Diversos mecanismos de participação da
comunidade na gestão das políticas públicas vêm sendo implementados no Brasil.
Orçamento participativo, plebiscito e iniciativa popular legislativa são alguns dos
mecanismos encontrados para efetiva prática desse espírito constitucional.
Entretanto, em relação à produção de uma Política de Segurança Pública,
deve-se considerar o fato de que o tecido social urbano constitui-se de inúmeras
realidades de insegurança e inúmeras expectativas de segurança, que
46
correspondem à diversidade de interesses, experiências e posições que os
indivíduos assumem em suas vidas públicas e privadas.
As expectativas de segurança não são somente diversas, mas
freqüentemente conflitantes; a intervenção voltada a satisfazer a necessidade de
segurança de um grupo pode ser fator de insegurança para outro, por exemplo, a
ação policial desenvolvida pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí
denominada de “Boa Noite Teresina”, que limita o horário de funcionamento de
bares, restaurantes e traileres, para alguns pais de adolescentes é uma medida
sensata, já para os comerciantes do ramo noturno uma medida injusta.
O potencial democrático desses chamados modelos de prevenção
comunitária está no surgimento de uma cultura de enfrentamento político dos
conflitos, capaz de viabilizar pactos de tolerância e convivência pacífica entre
distintas concepções de liberdade e bem-estar em um mesmo espaço territorial,
(ROLIM, 2006).
O próprio instrumento penal tem as suas condições de eficácia ampliadas
quando visto no contexto de uma ampla negociação política, ou seja, quando
utilizado para garantir a aplicabilidade de soluções negociadas, nas quais as
distintas partes foram ouvidas e tiveram seus interesses de alguma forma
contemplados. Nestes casos, o Sistema de Segurança Pública, especialmente a
polícia, entra como garantidor de um pacto previamente estabelecido, e como tal
tende a desfrutar de maior legitimidade e aceitação das diversas partes envolvidas.
Busca-se assim a negociação e não a imposição da ordem (SOARES, 2000).
Esta idéia participativa de segurança como pacto social urbano tem
amadurecido, na avaliação de Dias Neto (2005), na experiência belga de nova
prevenção, onde o termo “contratos de segurança” (contrats de sécurité), adotado
para designar as primeiras experiências de prevenção local, foi substituído pelo
termo “contratos de sociedade” (contrats de société).
Portanto, esta terminologia seria indício positivo de mudanças nos rumos do
modelo belga de Segurança Pública, de orientação defensiva direcionada à
“segregação preventiva” de riscos para uma orientação sociopolítica, voltada à
“inclusão mobilizadora” dos cidadãos, por meio da participação e da comunicação
política de base (DIAS NETO, 2005).
Experiências de organização comunitária para fins de prevenção criminal
revelam que o apelo à noção de comunidade pode ser expressão de solidariedade e
47
identidade em torno de projetos comuns, mas pode assumir conotações
excludentes, ocultando manifestações de intolerância, que colidem com a
perspectiva de uma sociedade democrática e pluralista. A comunidade se converte
em “olhos e ouvidos” da polícia, reproduzindo os padrões seletivos de atuação do
sistema penal e fortalecendo a lógica repressiva da prevenção via exclusão.
Mais do que isso, a noção de participação comunitária não deve estar adstrita
à finalidade do controle social, da proteção do território, da tutela do risco criminal.
Iniciativas de prevenção abarcam muitas atividades não estritamente defensivas, tais
como realização de campanhas de informação sobre drogas, Aids, controle de
corrupção, violência doméstica ou incivilidades no trânsito; bem como organização
de eventos culturais e esportivos objetivando incrementar a qualidade de vida social
ou ações de recuperação de áreas públicas degradadas (DIAS NETO, op.cit).
Ações voltadas a recuperar espaços de convivência social e a fortalecer os
canais de comunicação de base têm propiciado alternativas pacíficas de
socialização, em áreas, nas quais a sociedade civil, negligenciada pelo Estado, é
constrangida a se submeter aos códigos paralelos de ordem, impostos verticalmente
por organizações vinculadas a atividades criminosas, muitas vezes ligadas ao
próprio Estado (SILVA FILHO, 2003).
Skogan (1990), chama também a atenção para iniciativas coletivas voltadas
ao exercício de influência política sobre instâncias públicas e privadas, objetivando
medidas de impacto na realidade local, tais como: introdução de procedimentos de
proteção ambiental pelos governos ou pelas indústrias, alteração de leis de
zoneamento e de utilização do solo urbano com o intuito de valorização econômica
da área, ações administrativas e legislativas de incentivo ao comércio local e à
geração de empregos ou, ainda, construção de escolas, hospitais, habitação popular
ou transporte público.
Há que diferenciar, portanto, entre o cenário desejável da sociedade civil,
organizada em rede para discutir os seus problemas, promover valores civis e
propiciar o uso pacífico e coletivo de espaços públicos; e o cenário arbitrário de uma
cidade privatizada pela imposição coativa de uma ordem de valores e da
segregação ou exclusão de indivíduos ou grupos com padrões de conduta tidos
como “desviantes” (SOARES, 2006).
A ambivalência do conceito de participação social em ações de prevenção
criminal domina a discussão em torno do “policiamento comunitário”. Em princípio
48
estão todos de acordo com a filosofia que policiais e cidadãos devam aproximar-se
na busca de soluções conjuntas para os problemas; na prática, contudo, dentro da
filosofia da participação comunitária desenvolve-se um movimento sem contornos
definidos (SILVA FILHO, 2003).
Em algumas experiências, a idéia de participação restringe-se a esforços
cosméticos de relações públicas, no qual a polícia se vale de contatos com certas
organizações sociais locais, em geral aquelas mais receptivas, para legitimar suas
práticas e melhorar a sua imagem. Outras experiências refletem uma concepção de
participação restrita à idéia de organização de redes de vigilância entre vizinhos com
o intuito de converter os cidadãos em instrumentos do controle policial.
Mas o potencial inovador do conceito de participação, compatível com as
experiências mais inovadoras de policiamento comunitário, não está na constituição
de uma “sociedade de controle”, em que o cidadão atua como policial, mas na
possibilidade de democratização da atividade da polícia, para que o policial atue
como cidadão (SILVA FILHO, op.cit).
Por democratização entende-se não somente a existência de mecanismos de
prevenção e punição de abusos policiais (controle negativo), mas também a
existência de canais de participação social nos processos decisórios relacionados ao
exercício da função policial (controle positivo) (DIAS NETO, 2003).
As iniciativas mais consistentes de policiamento comunitário são aquelas que
souberam incorporar a metodologia do “policiamento orientado a resolução de
problemas”, é a metodologia policial voltada para solução de conflitos atinentes à
Segurança Pública e à comunidade, canalizando a participação dos cidadãos na
identificação, análise e planejamento de respostas aos problemas da área. A
associação entre os dois modelos viabiliza um conceito mais tangível de
comunidade e mais compatível com a realidade urbana contemporânea,
caracterizada pela diversidade de valores, ausência de vínculos territoriais, alta
mobilidade social e baixa participação política.
Comunidade torna-se conceito de sentido prático; comunidade é um grupo de
pessoas que dividem o interesse por um problema: a recuperação de uma praça, a
construção de um centro comunitário, a prevenção de atos de vandalismo na escola,
a alteração de uma lei ou a ineficiência de um determinado serviço público. A
expectativa é que a somatória de experiências bem-sucedidas de mobilização social
em torno de problemas possa, ao longo do tempo, contribuir para melhorar o
49
relacionamento entre polícia e sociedade e fortalecer os níveis de organização da
sociedade (GOLDSTEIN, 1990).
O ideal de participação não corresponde ao cenário idílico de uma
“comunidade” sem conflitos, mas de uma sociedade capaz de dar dimensão política
aos seus conflitos e viabilizar a convivência democrática entre distintas expectativas
de autonomia em um mesmo espaço territorial.
A sociedade e o Estado vêm passando por várias transformações, como
demonstrado no decorrer deste capítulo, conseqüentemente os anseios sociais por
Segurança também se modificaram. O conceito de Segurança Pública se encontra
em construção devido a um passado recente de repressão social (1964-1985) e a
realidade democrática inaugurada com a Constituição de 1988. Assim, as Políticas
de Segurança Pública para a sociedade ainda carecem de muito debate e vontade
política para um amadurecimento compatível com a vontade social.
Desta forma, por Controle Social entende-se a participação da sociedade no
acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na execução das
políticas públicas, avaliando objetivos, processos e resultados (FERREIRA, 1997).
Essa breve reflexão sobre o Estado buscou introduzir a discussão sobre a
questão da Segurança, onde o Estado assume o papel de garantidor da Segurança
Pública. Portanto, o Estado organizará mecanismos formais de controle social,
como: Justiça, Polícia e Sistema Prisional para consecução da ordem pública e a
própria manutenção do Sistema Capitalista, que é sua base político-econômica.
No capitulo seguinte desta dissertação buscar-se-á discutir a Segurança
Pública como Política Pública, como questão de interesse e alcance social, em uma
perspectiva de gestão democrática e participativa.
50
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA
Este segundo capítulo tem como finalidade fazer uma abordagem em torno
das políticas públicas e Políticas de Segurança Pública. Para este fito, parte-se de
uma abordagem histórica das políticas públicas no Brasil. Apresentam-se também os
pressupostos da Política de Segurança Pública, bem como uma discussão em torno
da natureza das Políticas de Segurança Pública no Brasil, finalizando-se com uma
abordagem sobre a Política de Segurança como estratégia de gerenciamento de
crises.
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
O estudo das Políticas Públicas no Brasil requer uma discussão sobre a
herança das configurações do Estado brasileiro e suas repercussões nas políticas
públicas nacionais. A evolução das políticas públicas coincide com a própria
evolução social e política brasileira.
Em 1980, o Brasil era o oitavo produto interno bruto (PIB) industrial do mundo.
Depois dos sete grandes, o oitavo era o Brasil. Isto dá uma idéia da mudança de
perfil na sociedade e na economia em meio século. O que alguns países levaram
séculos para fazer, o Brasil fez em aproximadamente cinqüenta anos. Transformou-
se numa potência industrial média, com a maior parcela da população morando nas
cidades. Este é o perfil atual do Brasil. Para entender a conjuntura presente, é
necessário saber que Estado se tinha anteriormente e que heranças e traços foram
se fixando nesse percurso (SANTO-SÉ, 2005).
O Estado brasileiro nesse período (1920-1980) se caracterizou pelo caráter
desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário (CARVALHO, 2007).
Não era um Estado de Bem-Estar Social 5 . O Estado era o promotor do
desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade. Um Estado
5 Estado de Bem-estar Social ou Estado-providência (em inglês: Welfare State) é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. O Welfare State foi o mecanismo encontrado pelo Sistema Capitalista para que não se escotasse em si mesmo, ou seja, para competição capitalista tem de haver as condições mínimas de existência de parte da população; sem pessoas não há mão de obra, nem consumo, nem lucro, base do Capitalismo. (site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia).
51
conservador que logrou promover transformações fantásticas sem alterar a estrutura
de propriedade, por exemplo. Nesse período, o grande objetivo do Estado brasileiro
era consolidar o processo de industrialização. A grande tarefa era fazer do Brasil
uma grande potência. Desta forma, o objetivo maior era de ordem econômica:
construir uma potência intermediária no cenário mundial. O Estado desempenhava a
função de promover a acumulação privada na esfera produtiva (ARAÚJO, 2000). O
essencial das políticas públicas estava voltado para promover o crescimento
econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era pretendido pelo
Estado brasileiro, sem a transformação das relações de propriedade na sociedade
brasileira.
O Estado brasileiro é, tradicionalmente, centralizador. A pouca ênfase no
bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo do crescimento
econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto da sociedade,
fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de regulador. Isso
ocorreu na ditadura Vargas (1937-1945) e, depois, na ditadura nos governos
militares (1964-1985). Assim, o formato autoritário é uma marca das políticas
públicas brasileira (SAPORI, 2007).
Em virtude do perfil autoritário brasileiro, o Estado não precisava se legitimar
perante a grande parcela da sociedade, ficando refém dos lobbies dos poderosos
nos gabinetes, principalmente, de Brasília, já que se concentravam na União as
decisões. E as lideranças populares, no período da ditadura, nem contestação
podiam fazer. Algumas estavam exiladas, outras foram mortas. Desta forma, a
tradição, o ranço da vertente autoritária, tornou-se um traço muito forte nas políticas
públicas do Brasil, e as políticas públicas eram muito mais políticas econômicas do
que sociais (SENTO-SÉ, 2005).
A política centralizadora se traduz pela tentativa de homogeneização da
sociedade, o que é impossível, em virtude da diversidade humana. A centralização
faz com que as propostas venham de cima para baixo, e essa é uma tradição das
políticas sociais no Brasil. A cultura centralizadora teve como conseqüência o
insulamento burocrático (isolamento), a dificuldade de promover a participação da
sociedade nos projetos de interesse público (ARAÚJO, 2000). Tal característica se
reflete bastante na área de Segurança Pública.
O processo de redemocratização vivido pelo Brasil, a partir do início dos anos
80, desencadeou, entre muitas outras coisas, uma reviravolta nos estudos até então
52
realizados sobre as políticas públicas. Segundo Melo (1999), de uma preocupação
mais geral com o Estado e posteriormente com as políticas sociais, a partir dos anos
80 entram em cena diversos estudos sobre políticas setoriais que jamais haviam tido
projeção no debate sobre as políticas públicas. Esse redirecionamento nas
preocupações de estudiosos e especialistas é provocado, segundo o autor, por três
fenômenos: em primeiro lugar, ocorre uma mudança na agenda pública.
Durante os anos 70, tiveram relevância as questões relativas ao modelo de
desenvolvimento econômico, ao impacto redistributivo das ações governamentais,
ao processo de modernização conservadora empreendida pelo regime autoritário. A
redemocratização provocou a mudança na percepção do Estado em favor de uma
pesquisa mais sistemática e afinada com a agenda de reforma da Nova República.
Assim, passa a interessar o próprio modus operandi (maneira de atuação) do Estado
e abre-se o debate em torno da questão da descentralização, da participação, da
transparência, da relação público-privado. Além disso, a partir dos anos 80
consolida-se a idéia de que a democracia, além de um fim em si mesmo, é
igualmente condição essencial para a eficácia da ação do Estado (MELO, 1999).
Em segundo lugar, ampliou-se a análise de políticas públicas, a partir da
constatação de que, não obstante a vigência do processo de democratização,
continuava a imperar diversos obstáculos para a efetivação de ações
governamentais, em particular no campo das políticas sociais. Estudos se
desenvolveram para entender as condições e a capacidade do Estado de efetivar as
ações públicas.
Tal preocupação ocupou a agenda pública dos anos 80 e 90 e ganharam
relevância, então, as questões relativas ao desenho institucional. Assim, os estudos
se voltaram para a verificação da qualidade da intervenção pública, por meio do
acompanhamento dos níveis de eficiência de políticas e programas. Como
desdobramento dessas questões, coloca-se o desafio da análise das relações entre
a cultura política e o desenho institucional e, mais especificamente, do peso da
cultura política nos níveis de efetividade e eficácia, questões que ampliaram o
debate sobre a participação da sociedade civil, sua capacidade de organização e
participação política.
53
Pode-se observar que, em um certo sentido, se antes o objeto do “encantamento” da imaginação social brasileira era a ação estatal, nos anos 90, esse objeto passa a ser representado, de forma paulatina e ainda embrionária, pela sociedade civil (MELO, 1999, p.82).
Embora existam poucos trabalhos que tenham buscado fazer um balanço
consistente das análises sobre as Políticas de Segurança Pública no Brasil, deve-se
lembrar que a produção dessa área, sobretudo a partir do início dos anos 80, pode
ser perfeitamente inserida nos marcos da análise sugerida acima por Melo (1999). À
medida que se altera a agenda política no Brasil, com o processo de
redemocratização, alguns trabalhos foram elaborados procurando pensar os
desafios da Segurança Pública em meio ao processo mesmo de recomposição da
República democrática brasileira. Não demorariam a surgir trabalhos e pesquisas
nessa seara: Soares (2000); Silva Filho (2003); Sento-Sé (2005) e Rolim (2006);
entre outros que passariam a analisar, por meio de levantamentos empíricos, os
obstáculos que se interpunham à efetiva implementação das políticas por parte do
Estado que, embora mantivesse traços de autoritarismo, passava a assumir um perfil
mais democrático.
Parte dessas análises apresenta as “contradições” entre o quadro institucional
recém-instalado, cada vez mais pautado pela democratização, e a persistência de
parâmetros político-administrativos que se interpunham na efetiva realização das
ações governamentais e também no efetivo exercício dos direitos dos cidadãos.
Mais recentemente, as análises de Políticas Públicas de Segurança têm se voltado
para a questão da reforma do Estado e, principalmente, para o debate sobre o papel
da sociedade civil no processo não só de criação de uma agenda para a área de
Segurança Pública, mas também como ator diretamente envolvido na
implementação de ações e políticas.
Assim, conceituar a categoria políticas públicas não é simples, mas no
contexto do estudo das Políticas de Segurança Pública se faz necessário adentrar
nesse campo de estudo, tão importante para concretização do Estado Democrático
de Direito. Os estudiosos da matéria optam por definições mínimas que permitam
adentrar nos temas centrais sem muito se fixar nos contornos (MULLER, 1990).
O conceito de Políticas Públicas é bastante abrangente, qualquer tentativa
reducionista está fadada ao insucesso, tendo em vista as várias correntes
54
doutrinárias que discorrem sobre a matéria. Mas, foram relacionados à frente alguns
conceitos que nortearam o debate proposto por este trabalho científico.
Toda política pública é uma forma de regulação ou intervenção na sociedade. Articula diferentes sujeitos, que apresentam interesses e expectativas diversas. Constitui um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de decisões e não decisões, constituída por jogos de interesses, tendo como limites e condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais. Isso significa que uma política pública se estrutura, se organiza e se concretiza a partir de interesses sociais organizados em torno de recursos que também são produzidos socialmente. Seu desenvolvimento se expressa por momentos articulados e, muitas vezes, concomitantes e interdependentes, que comportam seqüências de ações em forma de respostas, mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas mediante programas, projetos e serviços (SILVA, 2001, p.37).
Conforme o disposto acima, verifica-se que uma das características das
políticas públicas é a intervenção estatal, não de qualquer forma, mas se
coadunando com o anseio social. Nesse aspecto há um entrave a ser considerado
nas ações governamentais na área de Segurança Pública do Piauí como políticas
públicas, porque por diversas vezes essas ações atendem mais a interesses
políticos do que a interesses coletivos; tem-se o exemplo do Piauí, onde as decisões
dessa área se restringem à cúpula dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública
no estado, ou seja, a sociedade civil fica às margens desse processo decisório, o
que descaracteriza uma política pública.
[...] toda política pública é um mecanismo de mudança social, orientada para promover o bem-estar de segmentos sociais, principalmente os mais destituídos, devendo ser um mecanismo de distribuição de renda e de eqüidade social. Vista como mecanismo que contém contradições, contrapõe-se à percepção da política pública como mero recurso de legitimação política ou de uma intervenção estatal subordinada tão somente à lógica da acumulação capitalista (SILVA, 2001, p. 37-38).
Contextualizando para a Segurança Pública a discussão acima desenvolvida,
verifica-se total adequação aos temas propostos, haja vista uma das questões que
mais preocupa a sociedade atual é a insegurança pública, gerada pela violência e
pela criminalidade. Nessa perspectiva, pensar a Segurança Pública como Política
Pública é fundamental para promoção do bem-estar social, pois visa a preservação
55
da vida, e a Segurança Pública não pode ser tratada isolada da agenda social do
Estado.
Nesse aspecto, esta investigação científica considera a Segurança Pública
como Política Pública, devendo a sociedade ser partícipe em todas as fases do
citado processo (SANTOS, 2004; SAPORI, 2007; SENTO-SÉ, 2005; SOARES,
2006). Embora, se constate, ainda, no Piauí a não operacionalização da Segurança
Pública como política pública, conforme será demonstrado, na pesquisa, haja vista a
ausência de participação da sociedade na implementação das ações de Segurança
Pública e, também, pela falta de avaliação das ações referenciadas.
Já para Muller (1990) as políticas públicas representam um processo de
mediação social, na medida em que o objeto de cada política é o de tomar em
encargo os desajustamentos que podem intervir entre um setor e outros setores, ou
ainda entre um setor e a sociedade global. O citado autor entende que o objeto de
uma política pública é a gestão de uma relação setorial, que se notará com
abreviatura “RGS”.
Outro aspecto interessante a ser abordado é a necessidade de inserção do
município, enquanto importante ator social, no contexto das Políticas Públicas de
Segurança, em virtude de ser no município onde reside a sociedade, bem como o
município pode contribuir com recursos humanos e operacionais6 na proteção do
patrimônio público por meio da criação de Guardas Municipais. A partir de 1988, a
Constituição Federal, Art.144, §8º, autoriza a institucionalização de Guardas
Municipais. De acordo com o citado dispositivo legal: “§ 8º - Os Municípios poderão
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 2008).
Na perspectiva inserida pela Constituição Federal de 1988 a Segurança
Pública é destacada como uma questão política, no sentido de perceber como o
Estado está organizado e a partir de então como ele organiza a sociedade. Nessa
visão mais abrangente de Segurança Pública ela deve ser entendida como política
pública.
Para Teixeira (2002), políticas públicas são as diretrizes, princípios
norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações
entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado
6 Recursos operacionais são aqueles os relacionados à consecução da atividade fim da Polícia, que é o policiamento, como: viatura, armamento, coletes a prova de bala e uniformes.
56
de vontade e as ações desenvolvidas. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre
as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser
consideradas também as “não-ações”, as omissões, como forma de manifestação de
políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.
As “políticas públicas”, consideradas como mecanismos para a materialidade dos direitos básicos e fundamentais à condição de cidadão, ainda se encontram bastante fragilizadas. Não é possível afirmar sua existência efetiva, no atual contexto brasileiro de redução da ação do Estado e de verbas na área social, o que redunda na diminuição de oferta de serviços públicos nas áreas de educação, saúde, moradia dentre outras. Em lugar de uma política universal e com condições de atender o “cidadão de direitos”, o que temos visualizado é ainda programas e/ou projetos pontuais, voltados para o “pobre”, não demonstrando capacidade de superar os problemas mais cruciais vividos por ele (FERREIRA, 2003, p.20).
As políticas públicas ainda hoje não são acessíveis a toda a população,
negando, assim, o exercício pleno da cidadania (CARVALHO, 2003). As
comunidades mais carentes, como as da periferia de Teresina-PI, vivenciam as
agruras de políticas governamentais que priorizam pequenos segmentos da
sociedade, detentores do poder político7 e econômico, o que no caso da Segurança
Pública fica patente quando da “priorização” do policiamento ostensivo nas áreas
denominadas de “nobres”, através do aumento do efetivo de Policiais Militares na
zona leste de Teresina, principalmente no período de fim de ano (Natal e Reveillon).
A análise sobre a conquista desses espaços deve ser urgentemente
aprofundada, para que se possa ter a dimensão da forma como a sociedade civil
organizada é integrada ao processo de governo e à elaboração de Política de
Segurança Pública. Se de fato se constitui numa instância de democratização da
arena decisória ou se está se tornando um outro espaço de burocratização desta
mesma arena.
As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e
implementação, e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder
político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito
social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais.
7 O poder político aqui trabalhado é a capacidade de uma elite política, composta por poucos, impor seus interesses político-econômicos para a maioria da população que reside em determinada área. Tal poder político é uma construção histórica das relações sociais (ADORNO, 1998).
57
Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e
interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e
institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas
públicas possam ser legitimadas e obter eficácia.
Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando,
com que conseqüências e para quem. São definições relacionadas com a natureza
do regime político em que se vive, com o grau de organização da sociedade civil e
com a cultura política vigente. Nesse sentido, cabe distinguir “Políticas Públicas” de
“Políticas Governamentais”. Nem sempre Políticas Governamentais são públicas,
embora sejam estatais. Para serem públicas, é preciso considerar a quem se
destinam os resultados ou benefícios, e se seu processo de elaboração é submetido
ao debate público. Por exemplo: o programa “Bolsa Escola” do governo Lula poderá
acabar, findado seu governo, enquanto a Política de Educação, que é uma Política
Pública, tem existência própria, ou seja, possui diretrizes.
Corroborando o que já foi pesquisado nesta dissertação, conforme será
melhor apresentado no próximo capítulo, verifica-se que a Segurança Pública do
Piauí tem se caracterizado diretamente pelas ações do gestor da Secretaria de
Segurança, ou seja, o fato de não haver a assunção da Segurança Pública como
política pública tem contribuído para centralização das decisões na autoridade do
Secretário de Segurança Pública do Piauí. Portanto, não havendo diretrizes
objetivas a serem desenvolvidas, nem documento formal e público que oriente os
caminhos da Segurança no Piauí, enquanto política de Estado, fruto de uma
discussão com a sociedade, a Segurança Pública só dependerá das ações
implementadas pelo Secretário de Segurança, fundamentadas em sua visão de
mundo e suas escolhas.
Assim, a presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas questões de
interesse geral torna inevitável a abertura do debate sobre a Segurança Pública
como condição para democratização desse espaço público. As políticas públicas
tratam de recursos públicos diretamente ou através de renúncia fiscal (isenções), ou
regula relações que envolvem interesses públicos. Elas se realizam num campo
extremamente contraditório onde se entrecruzam interesses e visões de mundo
conflitantes, no qual os limites entre público e privado são de difícil demarcação. Daí
a necessidade do debate público, transparência, da sua elaboração em espaços
públicos e não apenas nos gabinetes governamentais.
58
Os objetivos das políticas têm uma referência valorativa e exprimem as
opções e visões de mundo daqueles que controlam o poder, mesmo que, para sua
legitimação, necessitem contemplar certos interesses de segmentos sociais
dominados, dependendo assim da sua capacidade de organização e negociação.
A política pública é resultado de um demorado e intricado processo que
envolve interesses divergentes, confrontos e negociações entre várias instâncias
instituídas ou arenas e entre os atores que delas fazem parte. Rua (1998, p. 731)
opta por uma definição bastante sugestiva de políticas públicas: “proponho o
entendimento das políticas públicas como conjunto de decisões e ações destinadas
à resolução de problemas políticos”.
Em uma perspectiva democrática, quanto mais atores sociais ou institucionais
fizerem parte do curso político, mais amplo ele será, sendo a política pública o
resultado das relações estabelecidas entre eles. Logo, a política pública compreende
um conjunto de atores ou grupos de interesses que se mobilizam em torno de uma
política; instituições, cujas regras de procedimento impedem ou facilitam o acesso de
atores às arenas decisórias; processo de decisão, no qual os atores estabelecem
coalizões e fazem escolhas para a ação; e produtos do processo decisório ou
política resultante (MELO, 1999).
O Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), do governo Lula, apresenta
uma seqüência lógica de ações, com as seguintes fases: diagnóstico,
implementação, avaliação e monitoramento da Segurança Pública a nível nacional e
regional. O PNSP representa a operacionalização da Política de Segurança Pública
Federal nos estados, conforme se verifica adiante:
Para que um programa se realize, é necessário que o processo transite entre os seguintes estágios: o diagnóstico das dinâmicas criminais e dos fatores de risco (seja de vitimização, seja de atração para o crime), local e geral, sensível às variações ditadas pelas circunstâncias e as conjunturas; a elaboração de um plano de ação, capaz de formular uma agenda, identificar prioridades e recursos, e estipular metas; sua implementação (que importa em tarefas de coordenação e de garantia de cumprimento de metas e cronogramas); sua avaliação (não só dos resultados, também do processo), seguida do monitoramento, que significa a correção de rumo ditada pela constatação dos erros. É conveniente implantar projetos piloto e observá-los, criticamente, como experimentos-demonstração (BRASIL, 2002, p. 13).
59
A seqüência elencada é um referencial para nortear as ações federais e
estaduais na seara da Segurança Pública. Também há acordo em que, ao analisar
uma política, faz-se necessário examinar as agências formadoras de políticas, as
regras para tomada de decisão, as inter-relações entre as agências e os
formuladores, bem como os agentes externos que influenciam o seguimento das
decisões.
Gramsci (2004) destaca a política como centralidade para que o Estado seja
entendido, apreendido pelas classes subordinadas ou subalternas, ressaltando a
categoria de hegemonia, ou o domínio das normas e dos valores da classe
capitalista dominante legitimado pelo aparelho do Estado. Deste modo, a essência
das crises no capitalismo não é econômica, mas política e resultaria do fracasso do
consenso originado dos valores e normas dominantes e da possibilidade de
transformação construída na luta dos trabalhadores, baseada em uma contra-
hegemonia fundada em outros valores e normas contrárias àquelas criadas e
recriadas pelas classes conservadoras defensoras do status quo. Portanto, Estado e
Sociedade Civil não seriam instâncias separadas, mas imbricadas entre si.
Tem-se aqui uma primeira noção sobre política pública referindo-se às ações
sob a responsabilidade dos governos e do Estado, compreendendo a intermediação
de interesses organizados e instituídos de acordo com as instâncias decisórias e de
operacionalização de políticas.
Quanto à raiz etimológica, o termo política pública deriva do inglês "public
policy". A palavra "policy" se relaciona com iniciativas governamentais, diretrizes,
ações, planos e interesses sociais, enquanto a palavra "politics" refere-se à política
partidária, políticos, interesses partidários e interesses particulares. Isto é, políticas
públicas não se restringem à esfera governamental, às ações de governo,
contemplam, também, os interesses privados, partidários, políticos e sociais.
Como se verifica, trata-se de um processo complexo e dinâmico, envolvendo
componentes distintos e agentes que decidem sobre a adoção de diretrizes,
formulam planos visando ações direcionadas para o presente e futuro, cuja
responsabilidade é, predominantemente, de órgãos governamentais.
Para Sapori (2007), política pública é o conjunto de ações governamentais ou
de intervenção estatal, articuladas a interesses coletivos e voltadas para atender as
demandas sociais e a garantia do exercício do poder político, configurando um
compromisso público que visa dar conta de questões sociais e políticas em diversas
60
áreas. É um processo político no qual se dá a negociação de atores institucionais e
sujeitos políticos diversos, em momentos e circunstâncias diferentes.
Desta forma, expressa a ação do Estado onde se verifica: a) a mediação de
interesses, o exercício do poder e a participação de diferentes sujeitos políticos; b)
destaca as relações entre Estado e os grupos representativos da sociedade civil; c)
orienta os recursos humanos e materiais na busca de determinados resultados, de
forma que não pode ser confundida como um ato isolado; d) apresenta uma
estrutura relativamente permanente que oferece referência para os atores e sujeitos
em seus processos de tomada de decisão; e) tem como um de seus postulados a
existência de convergência entre o conteúdo da política, os atores institucionais, os
sujeitos políticos e os mecanismos disponíveis para sua execução (SAPORI, 2007).
3.2 PRESSUPOSTOS DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA
A função do Estado de prover a Segurança Pública é recente, advém da
Constituição Federal de 1988. Antes, a polícia, órgão responsável pela
operacionalização da Política de Segurança Pública, tinha a competência de
repressão dos movimentos sociais, estudantes e políticos, no período de Ditadura
Militar (1964-85). Como já fora demonstrado no primeiro capítulo, o conceito de
Segurança Pública engloba, nessa nova perspectiva constitucional, uma relação
intensa entre Estado e sociedade na construção da cidadania, através da proteção
de direitos fundamentais, como o direito: à liberdade, à integridade física, à
propriedade, ao emprego e à própria vida, entre outros.
Na realidade, não há uma legislação nacional (federal) que regulamente como
deve ser estruturado um Plano de Segurança Pública para os Estados federados à
União, há apenas um conjunto de diretrizes consubstanciado pelo Plano Nacional de
Segurança Pública disponíveis aos Estados. É importante lembrar que a
competência do provimento da Segurança Pública é dos estados, a Constituição
apenas estabelece seus órgãos constituintes, as polícias, mas não seu controle e
regulamentação, que é de competência estadual.
O Governo Federal, a partir de 2000, idealizou e apresentou um Plano
Nacional de Segurança Pública, demonstrando, desta forma, a necessidade de
participar da Segurança Pública nos estados brasileiros. Esse ato significou
assunção da responsabilidade Federal sobre a prevenção e enfrentamento da
61
violência e da criminalidade, não apenas com recursos financeiros, mas
assessoramento técnico e acompanhamento das Políticas de Segurança Pública.
A questão de um modelo de uma Política de Segurança Pública para os
estados é bastante complexa, haja vista que essa discussão surgiu a nível nacional
no final do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (2001),
porém a União não dispõe de mecanismos legais para impor as diretrizes que
entende ser ideal aos estados, podendo apenas propor convênios. Assim, o Plano
traz em seu preâmbulo a seguinte proposta:
O objetivo do presente documento é submeter à apreciação da sociedade um projeto de segurança pública cuja meta é a redução daquelas modalidades da violência que se manifestam sob a forma da criminalidade. Esse gravíssimo problema é parte de uma constelação mais ampla de práticas, circunstâncias históricas, condições institucionais e relações sociais violentas. As interfaces e superposições com outras problemáticas são tantas e tão relevantes, que se torna imperioso tratá-las, definindo-as como pertinentes ao âmbito de abrangência do objeto principal. [...] Daí a conclusão: ou haverá segurança para todos, ou ninguém estará seguro, no Brasil. Segurança é um bem por excelência democrático, legitimamente desejado por todos os setores sociais, que constitui direito fundamental da cidadania, obrigação constitucional do Estado e responsabilidade de cada um de nós (BRASIL, 2002 p. 4 e 5).
Em meados de 2002 o Instituto Cidadania8 desenvolveu o “Projeto Segurança
Pública para o Brasil”, em atendimento à solicitação do Partido dos Trabalhadores,
que fazia parte do programa de governo do, então, candidato à Presidência da
República, Luiz Inácio Lula da Silva. Posteriormente foi convertido no “Plano
Nacional de Segurança Pública”, da Secretaria Nacional de Segurança Pública,
órgão do Ministério da Justiça.
O Plano Nacional de Segurança Pública, proposto pelo Governo Federal,
através do Ministério da Justiça, deu prioridade a uma série de ações estratégicas
para o enfrentamento da criminalidade, que serão expostas no decorrer deste
trabalho científico. A liberação de recursos federais revitalizou as instituições
policiais, não só quanto a equipamentos, mas, suscitou a necessidade da busca por
qualificação, treinamento e suscito as primeiras discussões sobre a Política de
Segurança Pública do Brasil. 8 O Instituto Cidadania é uma Organização não-governamental, que faz estudos nas áreas de Segurança Pública, violência, criminalidade e os diversos campos do saber que possibilitam o acesso à cidadania.
62
O governo federal pode, através da SENASP, propor convênios com os
estados da federação para adoção de algumas de suas diretrizes, como
implementação de: Gabinetes de Gestão Integrada, Corregedorias de Polícia,
Ouvidoria de Polícia, Coordenadorias de Polícia Comunitária, Serviço de Inteligência
Integrado, Delegacias Especializadas de Defesa dos direitos das Mulheres,
Crianças, Idosos, Negros, Homossexuais, etc. Porém, há de se registrar a
dificuldade em implementar as intenções assinadas, haja vista a herança sócio-
cultural que assola a Segurança Pública brasileira.
No entanto, a partir do ano de 2004, o Plano Plurianual do Governo Federal
tem incluído as seguintes ações no programa relacionado à implantação do (Sistema
único de Segurança Pública (SUSP): a) Modernização organizacional das
instituições do Sistema de Segurança Pública (implantação da segurança cidadã); b)
Sistema integrado de formação e valorização profissional; Implantação e
modernização de estruturas físicas de unidades funcionais de Segurança Pública; c)
Implantação de projetos de prevenção da violência; d) Implantação do sistema
nacional de gestão do conhecimento e de informações criminais; e)
Reaparelhamento e modernização dos órgãos de Segurança; Intensificação da
repressão qualificada. As políticas de segurança pública nos estados, inclusive no Piauí, esbarram
no conservadorismo das instituições policiais, onde não se verificam grandes
transformações na estrutura dessas Agências, tornando-se difícil aplicar novas
filosofias em estruturas arcaicas (SILVA FILHO, 2003). Nessa perspectiva os
pesquisadores citam o caso da Polícia Comunitária, onde se tem “um vinho velho em
uma garrafa nova9” (SOARES, 2006). A reforma do pensamento se faz necessária,
em uma perspectiva democrática. As polícias, nessa ótica, mantêm intactas elites
organizacionais que se mostram saudosas do período áureo da instituição, anterior à
Constituição.
No Piauí, programas de treinamento de policiais têm sido empreendidos em
convênios com Universidades, sob a tutoria das Diretorias de Ensino das polícias, e
mesmo com essa observação limitadora, os convênios com Instituições de Ensino
9 A expressão “vinho velho em garrafa nova” é utilizada pelos críticos da filosofia de Polícia Comunitária, ao entenderem que a doutrina de Polícia Comunitária nada mais é que um modelo tradicional mascarado de novo, ou seja, na essência não apresenta transformações no Sistema de Segurança Pública.
63
Superior são importantes passos para a implementação de mudanças futuras no
arranjo institucional da Segurança Pública.
Em relação ao ensino, vem se destacando os convênios celebrados entre a
Polícia Militar do Piauí e a Universidade Estadual do Piauí na formação da
Oficialidade da PMPI, através da Academia de Polícia Militar do Piauí, localizada em
Parnaíba-PI, e o Curso de Especialização em Gestão da Segurança Pública
(CEGSP), que qualifica os Capitães da PMPI, ministrado no Centro de Ensino
Superior (CES) da PMPI, em Teresina-PI.
Já em relação aos modelos apresentados pelos Estados de Minas Gerais e
São Paulo, de Política de Segurança Pública, servem apenas como referenciais
interessantes a serem estudados suas viabilidades para o Piauí, após a devida
adequação, haja vista não haver receita pronta e acabada para elaboração e
implementação de uma Política de Segurança Pública. A Segurança Pública deve
ser fruto de uma construção coletiva, não apenas de decisões isoladas nos
gabinetes das autoridades de Segurança. A discussão do tema é o primeiro passo,
ainda se faz necessário bastante estudo e reflexão sobre a Política de Segurança
adequada à necessidade de cada sociedade (SOARES, 2000).
Para mudar é preciso aplicar políticas públicas eficazes, eficientes 10 e
articuladas – com especial ênfase na prevenção -, intersetoriais e criativas, que
focalizem com prioridade os jovens vulneráveis e interceptem as dinâmicas
geradoras da violência, como o trafico de drogas (SENTO-SÉ, 2005).
Além das ações sociais integradas e consistentes, é urgente a implementação
– isso vale para todo o país – de Políticas de Segurança capazes de reformar
profundamente nossas instituições policiais (sob responsabilidade dos estados). Nos
municípios estas políticas deveriam criar ou reformar as Guardas Municipais. Tais
políticas deveriam substituir a tradicional fragmentação – em que as polícias
estaduais, federais e as Guardas Municipais não se comunicam entre si e não
cooperam – por um Sistema Único de Segurança Pública (o que implicaria a
integração sistêmica das instituições que atuam na área), moralizado, transparente,
gerencialmente moderno e comprometido, na prática, com a redução da
criminalidade e o respeito às leis e aos Direitos Humanos (SOARES, 2006).
10 Políticas de Segurança Pública eficazes e eficientes são aquelas pautadas em planejamento e utilização intensa da Atividade de Inteligência policial, que substitui o uso desnecessário da força (violência) pela tecnologia da informação.
64
Deduz-se desse quadro e a ele se aduz o seguinte: enfrenta-se a insegurança
agindo-se, simultaneamente, no front social e no front policial – na perspectiva do
trabalho, este front é ocupado pela ação policial, cujo trabalho comunitário pode
cumprir papel de grande relevância juntamente com os Conselhos Comunitários de
Segurança (CONSEG).
O investimento no social faz parte de uma Política de Segurança Pública, a
disputa de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas e a participação do
município nas discussões e implementações de tais políticas é fundamental. Durante
muito tempo achou-se que a Segurança Pública era responsabilidade exclusiva dos
estado, em virtude do texto constitucional, porém, com o amadurecimento das
instituições democráticas, percebeu-se a importância da União e dos municípios
para consecução da Segurança, pois é no município onde residem as pessoas.
Intervenção efetivamente capaz de prevenir a violência e a criminalidade é
aquela que se processa em duas frentes de “batalha”: uma preventiva - ação voltada
para a mudança de estruturas sociais injustas, cujos efeitos provavelmente
exerceriam algum impacto futuro desacelerador sobre as dinâmicas criminais - e
outra repressiva, através da ação policial para inibir a prática de delitos (SENTO-SÉ,
2005).
Sobre o modo de enfrentar o problema, competindo com o poder de atração
do tráfico e disputando, com efetivas chances de êxito, menino a menino, há toda
uma agenda a listar e executar. Os contornos gerais estão claros: o grupo mais
vulnerável é jovem e pobre, geralmente do sexo masculino, e representa o
contingente sob maior risco de dois pontos de vista: passivo e ativo, ou seja, quando
se diz “vulnerável”, refere-se, simultaneamente, à permeabilidade, à mensagem
sedutora do tráfico, que conduz esses jovens ao crime, e ao grau de exposição à
violência, que concentra, nessa faixa etária e social, os maiores índices de
vitimização letal (SOARES, 2006). Além disso, o que se diz sobre o tráfico de drogas
e armas, enquanto fonte de atração e risco para a juventude, é extensivo ao crime,
em geral, ou seja, qualquer que seja o recorte, conduzirá ao mesmo grupo de risco,
em sua dupla acepção.
Isso leva a concluir que uma Política de Segurança, cuja abordagem seja
preferencialmente preventiva, deve privilegiar esse público-alvo e tem de fazê-lo nas
dimensões material e simbólico-afetiva ou cultural-psicológica (SOARES, op. cit.).
Em síntese, tem de fazê-lo promovendo a integração ao mercado de trabalho e à
65
inclusão social, em sentido estrito; tem de fazê-lo promovendo o acolhimento desses
jovens, isto é, reforçando-lhes a auto-estima e lhes proporcionando a imersão em
linguagens e valores, experiências identitárias e demarcações referenciais, que lhes
devolvam a esperança, a confiança no jogo da sociabilidade cidadã.
3.3 NATUREZA DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
A análise das políticas públicas tem como objeto o Estado em ação, os
“programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus
mecanismos de operação e seus prováveis impactos sobre a ordem social e
econômica” (ARRETCHE, 2003, p.8). Uma das principais vertentes teóricas no
campo das políticas públicas é a chamada policy analysis. Ela utiliza alguns
conceitos, que são de fundamental importância para a compreensão das políticas
públicas e mesmo para a observação mais cuidadosa de determinados casos dentro
dessas políticas. Embora apresentados de forma independente, e em muitos casos
concretos tenham sido tratados como variáveis independentes, os conceitos de
polity, politics e policy permitem uma acurada observação de como se organizam as
políticas públicas, quando devidamente analisada a interdependência das esferas a
que se referem. Como sistematiza Frey (2000, p.216-7), polity refere-se à dimensão
institucional, ou seja, à “ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e
à estrutura institucional do sistema político-administrativo”.
Já o conceito de politics envolve uma dimensão processual, ou seja, o
processo político, em geral conflituoso, quanto à imposição de objetivos, conteúdos
e decisões. E o conceito de policy refere-se à dimensão material, ou seja, aos
conteúdos concretos, à “configuração dos programas políticos, aos problemas
técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas” (FREY, 2000, p.218). O
autor também sustenta que se é possível verificar que a polity possua uma
durabilidade temporal maior e, portanto, possa ter um certo nível de independência
em relação às demais dimensões, é praticamente impossível dissociar as
interferências recíprocas entre as esferas da politics e da policy.
Assim, considerando o contexto específico da segurança pública, pode-se
verificar que a dimensão do sistema jurídico-institucional mais amplo (polity) é
responsável, apenas em escala restrita, pelos contornos dos processos políticos e
das ações governamentais propriamente voltadas para essa área. Surpreende que,
66
sob os diversos sistemas jurídico-políticos presentes nos contextos que aqui servem
de apoio, os processos e as ações tenham se revestido de formas, senão avessas,
ao menos incompatíveis com aquele quadro. De um lado, essa contradição remete à
questão do papel dos atores que definem a agenda das escolhas e decisões nessa
área, onde, talvez, muito mais que em qualquer outra estejam presentes, direta ou
indiretamente, os interesses das elites e também dos membros que integram as
agências que implementam as políticas.
Além disso, a questão da capacidade de intervenção e de influência no
debate e na definição das políticas, por parte dessas agências e dos membros que
as integram, remete a análise para a configuração dos aparatos institucionais na
área de segurança, no bojo do processo de constituição da própria burocracia
estatal; e, conseqüentemente para a verificação de seus níveis de diversificação e
eficiência, mas, sobretudo, para o grau de autonomização no seu funcionamento,
expresso nas práticas institucionais, na formulação de reformas calcadas nos
interesses funcionais; no provimento de recursos que consolidam essa autonomia e
ainda no grau de resistência que possam opor tais instituições a possíveis formas de
interferência “externa” nas suas atividades.
Importante considerar que há, no caso da Política Pública de Segurança,
alguns traços peculiares. Em primeiro lugar, é uma esfera na qual atuam de modo
marcante, instituições pertencentes aos poderes da República; há necessidade de
estreitas articulações “horizontais” entre os poderes Executivo e Judiciário (e em
menor escala o Legislativo), na própria viabilização das políticas públicas concebidas
para o setor. No entanto, cada um desses poderes e seus respectivos órgãos são
presididos por diferentes valores, interesses, orientações políticas e procedimentos
administrativos, que nem sempre operam na mesma direção das políticas
desejadas.
No curso do desenvolvimento histórico em que se formaram esses órgãos, o
processo de burocratização e de especialização nele contido, por certo aprofundou a
dimensão de um espírito de corpo peculiar a cada instituição integrante do sistema
de justiça criminal, que, em certa medida, contribui muitas vezes para o truncamento
do diálogo necessário para a articulação das políticas para o setor. Ao mesmo
tempo, na dimensão “vertical”, não são menores os desafios para que as análises
levem em consideração as diferentes atribuições das esferas do poder federal,
67
estadual e municipal em relação ao setor de segurança pública bem como as
possibilidades de conflito, articulação e acomodação entre elas.
Interessa aqui considerar que os desafios não se referem apenas às
atribuições constitucionais que circunscrevem as ações de cada instituição a
domínios territoriais específicos, a determinados crimes, por exemplo, mas,
sobretudo, à questão das possibilidades de articulação de políticas nacionais,
formuladas e coordenadas a partir de negociações envolvendo os diferentes níveis
políticos.
O arranjo institucional da Segurança Pública do Brasil apresenta uma
peculiaridade que dificulta a implantação de um Sistema Único de Segurança
Pública. Considerando que a competência da gestão da Segurança Pública, a nível
constitucional, se concentra sob responsabilidade dos estados federados, tem-se
verificado a fragmentação da Política de Segurança Pública, haja vista que cada um
dos 27 (vinte e sete) estados tem duas Corporações distintas, a Polícia Civil e a
Polícia Militar; soma-se a isso a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, a
nível nacional, perfazendo um total de 56 (cinqüenta e seis) instituições policiais no
Brasil, totalmente diferentes quanto à estrutura, formação profissional, vencimentos
e treinamento. Essa é uma dificuldade para implementação da Política Nacional de
Segurança Pública brasileira, que objetiva estabelecer diretrizes para os diversos
arranjos institucionais da Segurança Pública nos estados da Federação.
No geral, esses repasses são colocados na agenda das negociações políticas
que movimentam o Congresso Nacional, utilizando-se o Governo Federal dessa
capacidade de articulação para a aprovação de matérias outras de seu interesse.
Além disso, essas transferências não se enquadram em programas de longo prazo
que conformem uma diretriz para as políticas de segurança dos órgãos do executivo
que são responsáveis pelos setores específicos (SILVA FILHO, 2003).
Em relação a outras esferas públicas do poder, pode-se indicar como um
traço distintivo importante das políticas públicas na área da Segurança, sobretudo as
mais recentes, o fato de elas serem no Brasil mais autoritárias, mais revestidas por
decisões unilaterais (de cima para baixo) na sua concepção, desenho e
implementação. Ao mesmo tempo, é mais acentuada a ausência de processos de
avaliação de resultados dessas Políticas. Por exemplo, no programa “Boa Noite
Teresina” - que limita o funcionamento de bares, trailes, boite e similares – não há
registro, não fora divulgado nos meios de comunicações, nem há documentação que
68
comprove a participação da sociedade na discussão da elencada estratégia de
redução da criminalidade e da violência na cidade de Teresina. Sua fundamentação
legal inicialmente fora uma portaria do Secretario de Segurança Pública do Piauí,
posteriormente convertida em lei municipal (Lei Complementar n°3.610, de
11/01/2007, Código de Postura do Município de Teresina). A estratégia utilizada
para contenção da violência e da criminalidade, nesse caso, não demonstra ter sido
construída democraticamente, mas através de decisão fundada nas concepções do
Secretário de Segurança Pública do Piauí (2005). Até a presente data não houve
uma avaliação cientifica do processo referenciado.
Nas décadas mais recentes, enquanto outras áreas fomentam o engajamento
de novos atores políticos, e inclusive redesenham as ações em função de uma
busca de eficácia, numa dinâmica gerencial de baixo para cima (gestão
compartilhada), as Políticas de Segurança são flagrantemente negociadas em
processos políticos de acesso restrito e que colocam como desafio para a análise
desse setor o contorno das resistências burocráticas e políticas presentes nas
agências governamentais estaduais. Assim, o processo decisório na Segurança
Pública piauiense ainda se concentra nas mãos de seus gestores, sendo a
sociedade convocada apenas para homologar (legitimar) as ações já em
andamento, fruto de decisões anteriores.
Nesse sentido, talvez seja interessante um exercício de reflexão, na questão
da reforma do Estado, sobre o conceito de insulamento das elites burocráticas11,
como forma de resistência às interferências políticas e resguardo das competências
técnicas de áreas específicas, no caso em estudo a Segurança Pública do Piauí. A
prevalência da racionalidade burocrática se sobreporia à racionalidade política
evitando o que se chamaria de “balcanização do Estado”. Como aponta Melo (1999),
esse insulamento seria garantido, entre outros fatores, pelo isolamento decisório e
pelo recrutamento meritocrático. Por exemplo, o processo decisório na Segurança
Pública piauiense se polariza entre questões políticas – interesses políticos - e
questões técnicas – questões relacionadas à atividade fim da Polícia, que é o
policiamento. Sendo que os Conselhos Comunitários de Segurança, estruturados
11 Insulamento das elites burocráticas se configura pela concentração das decisões nas mãos de poucos gestores da alta Administração Pública, ou seja, isolamento administrativo. Por exemplo, na Polícia Militar do Piauí as diretrizes administrativas e operacionais (atividade fim da Polícia, que é o policiamento) a serem adotadas se concentram na figura do Comandante Geral.
69
nos bairros de Teresina, podem até sugerir diretrizes, mas a decisão final ficará
restrita ao Secretário de Segurança Pública e ao Comandante Geral da PMPI.
Segundo Silva Filho (2003), a centralização leva aos fracassos na
implementação de Políticas de Segurança Pública, haja vista o modelo de gestão
centralizada não buscar formas de cooperação, articulação que lhe dê respaldo e
legitimidade política da sociedade.
Portanto, a noção de política pública pressupõe a existência de uma esfera
de vida que não é privada ou puramente individual, e sim sustentada pelo que é
comum e público, Faoro (1997). E, sendo comum em termos da comunidade política,
cabe ao Estado a responsabilidade principal, se não exclusiva, por sua preservação.
O “público” compreende a dimensão da atividade humana que é percebida como
necessitando de intervenção, regularização social e/ou governamental. À medida,
portanto, que certos bens vão se coletivando, tornam-se necessariamente objeto de
políticas públicas. É no processo de supremacia institucional gradativa do Estado-
nação, enquanto provedor de bens coletivos que, paralelamente, vai se cristalizando
a expectativa social de que cabe aos governos resolver “problemas” utilizando-se do
aparato administrativo-democrático.
Para Melo (1999) ter uma política pública significa ter razões ou argumentos
que contenham não só a compreensão de um problema como também a sua
solução, no caso a violência e a criminalidade. Põe em questão o que é e deve ser
feito. Desse ponto de vista, espera-se que os políticos tenham políticas ou mesmo
que planejem e executem políticas (policy-makers).
Aspecto relevante da análise teórica de políticas públicas refere-se à
distinção conceitual entre o que é público e o que é privado, ou entre a esfera
pública e a esfera privada, segundo Faoro (1997). Relembremos que a construção
de bens coletivos e, portanto, públicos é um processo histórico. Não existem, a
priori, certos espaços da vida em sociedade que sejam intrinsecamente de interesse
público ou de interesse privado.
Assim, durante a década de 1980 a 1990, assiste-se a um revigoramento do
pensamento liberal, principalmente com a releitura das obras de Friedman (1984) e
de Hayek (1990), o que acaba por restabelecer a dicotomia público/privado. A
administração pública volta a ser pensada em termos menos intervencionistas,
privilegiando-se as soluções de mercado. Os pressupostos básicos do
neoliberalismo influenciaram em boa medida o direcionamento das políticas
70
públicas, em especial as políticas sociais e econômicas. A Política do Bem-estar
Social (welfare state) é revisada, e observa-se um movimento intenso de
privatizações em empresas outrora administrativa pelo setor público.
Mais recentemente, a partir da experiência inglesa, as políticas públicas
passam a ser concebidas em termos de parceria, e não mais de oposição, entre o
público e o privado. As parcerias público-privadas (PPPs), nos termos brasileiros,
assumem importância crescente, constituindo-se em modelo que permite a
intervenção de atores privados nos processos de desenho e implementação de
políticas públicas (SAPORI, 2007).
Nesse modelo, uma empresa constrói e gerencia uma atividade pública,
prestando um serviço diretamente ao cidadão ou ao governo. Em troca, o poder
público remunera o parceiro privado mediante valores regulares, a partir de um
contrato de longo prazo que cobre os custos do investimento, além de incorporar um
prêmio pelos riscos assumidos e os custos de manutenção da infra-estrutura e do
serviço, garantindo ainda uma taxa de retorno atrativa.
Não se deve ignorar que a efetivação de políticas públicas nas sociedades
modernas não está sujeita apenas à dualidade Estado/mercado. A participação de
organizações voluntárias, sem fins lucrativos, como é o caso das organizações não-
governamentais, dos Conselhos Comunitários de Segurança 12 também se faz
presente. Nos anos recentes disseminou-se em muitos países ocidentais o conceito
de que responsabilidade social não é mais um atributo exclusivo do Estado, nem da
ação cívica dos cidadãos considerados individualmente.
A sociedade civil e o governo estão realizando cada vez mais parcerias entre
si e assumindo a co-responsabilidade pela esfera de alguns bens públicos. O
fundamental desse processo reside no reconhecimento de que é possível o
entendimento entre agentes com lógicas distintas de atuação, mas com objetivos
comuns, sem que haja a perda de identidade nem desvios de missões institucionais
específicas. Nessa perspectiva, as diferenças e conflitos entre as lógicas de Estado,
mercado e sociedade civil organizada, são dificuldades percebidas como incentivo à
formação de arranjos cooperativos entre as partes, de fundamental importância para
12 Os Conselhos Comunitários de Segurança são organizações não governamentais, que reúne a comunidade e o Poder Público (polícia) para discutir e analisar os problemas relacionados à Segurança Pública; propor soluções, dar encaminhamento e acompanhar seus desdobramentos. Os CONSEGs operacionalizam a doutrina de Polícia Comunitária, ao possibilitar a aproximação entre polícia e sociedade.
71
a construção de uma Segurança cidadã13, como os Conselhos Comunitários de
Segurança.
No contexto do mercado globalizado, tem-se observado um crescimento da
Segurança Privada em detrimento da Segurança Pública, com a participação de
agentes públicos, fato presente também no Piauí. Por exemplo, em 2002, a
Segurança Privada movimentou US$ 86 bilhões no mundo, com o crescimento de
8% em relação ao ano anterior. A Europa e a América do Norte compõem 81% do
mercado mundial, sendo os segmentos de vigilância e de alarmes responsáveis por
90% do mercado de cada região. Tudo impulsionado pela indústria do medo e da
insegurança pública (SAPORI, 2007). É importante destacar que o sucesso da
Segurança Privada depende do fracasso da Segurança Pública, ou seja, os produtos
daquela são vendidos mediante o caos da Segurança Pública (LAZZARINI, 1999).
Fica o questionamento, a quem interessa o desmanche da Segurança Pública?
3.4 POLÍTICA DE SEGURANÇA COMO ESTRATÉGIA DE GERENCIAMENTO DE
CRISES (CAOS)
A compreensão do processo de deterioração da ordem pública na sociedade
brasileira atual deve incorporar outro aspecto, qual seja, o padrão de atuação
gerencial dos governos na provisão desse bem coletivo. Para tanto é imprescindível
considerarmos as instâncias federal, estadual e municipal de governo, sendo que
todos têm atribuições no que diz respeito ao controle da criminalidade e da violência.
Uma característica comum marca as políticas federal e estadual de
Segurança Pública na sociedade brasileira nos últimos 20 anos (1986-2006): a
prevalência do gerenciamento de crises. A ausência de uma racionalidade gerencial
mais sistemática nesse âmbito das políticas públicas é fator determinante da
13Segurança Cidadã - é a segurança pública integral, que promove os direitos humanos, transforma - com a participação efetiva do mundo acadêmico - pela educação em segurança cidadã, sistematiza o arcabouço do conhecimento dos vários atores do sistema de segurança, indo além do tradicional sistema policial. Garante o planejamento, a prevenção e a repressão qualificada de forma a propiciar uma sociedade livre, democrática, num ambiente multicultural, multirracial e multidisciplinar. A segurança cidadã estimula a adoção de tecnologias sociais que visam a resolução pacífica dos conflitos, o fortalecimento da família, a proteção às mulheres, aos idosos, às minorias, garante as políticas públicas de prevenção determinadas pelo governo, primando pela observância permanente da contribuição das universidades, através de seus estudos acadêmicos e científicos (BRASIL, 2007, p.14).
72
ineficiência da atuação governamental, conseqüentemente, potencializa o fenômeno
da criminalidade (SOARES, 2006).
A criminalidade e a violência são questões que já fazem parte do debate
político brasileiro (ZALUAR, 1999). A temática da Segurança Pública afigurou-se
central no pleito eleitoral à presidência da República no ano de 2006, como já o
havia sido em 2002. Nas três eleições presidenciais anteriores a questão foi
abordada muito superficialmente. Assim, não é de se estranhar que somente nos
últimos sete anos o Governo Federal, através da Secretaria Nacional de Segurança
Pública, tenha se esforçado na elaboração e implementação de um plano nacional
para o setor (SILVA FILHO, 2003).
O primeiro Plano Nacional de Segurança Pública foi formulado em 2001, já
no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, logo após a comoção
do caso do ônibus 174, no Rio de Janeiro, e teve como principal inovação a criação
do Fundo Nacional de Segurança Pública. Os governos estaduais passaram a
receber recursos para o financiamento de projetos específicos submetidos à
apreciação da SENASP, dentro das diretrizes, previamente, formuladas no
mencionado plano nacional, no caso piauiense possibilitou a aquisição de viaturas,
armamentos e equipamentos. Em 2003, por sua vez, o governo Lula apresentou um
documento, com objetivos mais claros que o plano anterior (2001), denominado
“Projeto de Segurança Pública para o Brasil”, o qual tem norteado suas ações desde
então e servido de suporte para os estados que ainda não têm seu próprio plano de
Segurança Pública, como o Piauí.
Já no âmbito estadual existem várias situações, de modo que a inserção do
tema na agenda política varia de acordo com a Unidade da Federação. Nos estados
do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, os candidatos a governador
discutiam os desafios das políticas de segurança pública já na década de 1980,
enquanto na cidade de Minas Gerais, somente nas eleições de 2002, é que os
candidatos ao governo estadual manifestaram publicamente sua preocupação com o
fenômeno no Estado. Em relação ao Piauí, não houve um projeto específico no
primeiro governo Wellington Dias (2003-2006) para a área de Segurança Pública e
nem uma proposta devida para seu segundo mandato, o que há são arranjos
institucionais, conforme adiante se demonstrará.
Característica marcante dessa sucessão de políticas estaduais de
Segurança Pública foi o movimento pendular entre as intervenções meramente
73
repressivas e as intervenções sociais, numa perspectiva preventiva, com atenção
especial ao sistema educacional (SAPORI, 2007).
Fatores diversos podem explicar tal omissão e/ou incompetência dos
governos democráticos em relação à Segurança Pública. A prioridade dada na
agenda política nacional ao retorno das forças armadas aos limites de sua
competência constitucional (defesa nacional) é um aspecto a ser considerado, ou
mesmo a inexistência de um paradigma alternativo que pudesse instrumentalizar
suas decisões (decision makers) para além da subordinação das agências de
Justiça Criminal às exigências do ideário dos direitos humanos cristalizados na nova
Constituição.
A Segurança Pública foi um dos únicos setores que ficou intacto à nova
ordem constitucional de 1988, em relação às suas Instituições (polícias), tendo em
vista que as bases legais e institucionais das polícias continuaram fincadas em um
passado autoritário, Regime Militar (1964-85). Parece tabu a discussão e a
realização de reformas no aparelho policial a nível constitucional, ficando a
sociedade brasileira à mercê de um modelo policial não compatível com um Estado
Democrático de Direito (SILVA FILHO, 2003).
Não é casual, portanto, que a intervenção pública na provisão desse bem
coletivo tenha se pautado, ao longo de todo esse período, pela improvisação e falta
de sistematicidade. Planejamento, monitoramento, avaliação de resultado, gasto
eficiente dos recursos financeiros não tem sido procedimentos usuais nas ações de
enfrentamento da criminalidade, seja no Executivo federal, seja no Executivo
estadual. Desse ponto de vista, a história das Políticas de Segurança Pública da
sociedade brasileira nas duas últimas décadas (1986-2006) se resume a uma série
de intervenções governamentais espasmódicas, e meramente reativas, voltadas
para solução imediata de crises que assolam periodicamente a ordem pública
brasileira (SILVA FILHO, 2003).
Há sinais de avanços qualitativos na cobertura jornalística do fenômeno
criminoso na sociedade brasileira desde a segunda metade da década de 1990.
Entretanto, há persistência de um viés sensacionalista na cobertura jornalística, que
faz do crime e da violência um espetáculo, com intuito essencialmente
mercadológico, e que tende a disseminar o sentimento de insegurança entre a
população, por fomentar indiretamente a glamourização da Política de Segurança
Pública de repressão (SOARES, 2006).
74
Mesmo no âmbito acadêmico, a abordagem mais sistemática e científica do
tema é algo também recente. Conforme mostra Zaluar (1999), ele só adquiriu
relevância em nosso país no final da década de 1970. Mesmo assim, muitas das
análises engendradas naquele momento histórico e que perduraram por boa parte
da década de 1980, salvo algumas exceções, estavam impregnadas da hegemonia
teórica marxista. Isso determinou em boa medida a preponderância de abordagens
da Segurança Pública de cunho muito mais ideológico do que propriamente
científico. Denunciava-se muito mais o aparato repressivo do Estado enquanto
instrumento de dominação de classe do que propriamente procurava-se estudá-lo,
(SOARES, 2006).
A reflexão concentrou-se basicamente no funcionamento das organizações
que compõem o sistema, ou mesmo na dinâmica da criminalidade e da violência na
sociedade brasileira, ignorando a análise das políticas públicas.
A inserção mais ativa de outros setores da burocracia pública ou mesmo de
técnicos com formação em ciências humanas é muito incipiente e, ainda, capaz de
criar situações de conflito no interior do aparato burocrático. A experiência recente
da Política de Segurança Pública implementada pelo governo do Rio de Janeiro é
bastante ilustrativa das disputas acirradas em torno da competência e do saber
técnicos na área do controle da criminalidade. (SOARES, 2000).
A despeito da prevalência do gerenciamento de crises, é possível identificar
esforços isolados de gestão mais sistemática da Segurança Pública em alguns
estados, como São Paulo e Minas Gerais. A maioria dos estados brasileiros ainda se
comporta com base no improviso, em resposta às graves crises nesse setor, sem
planejamento sistemático e sem considerá-la como Política Pública. Desta forma, a
profissionalização do mencionado setor público não configura ainda uma tendência
nacional de racionalização dos procedimentos da gestão pública de Segurança,
como aconteceu com o setor da saúde nesse mesmo período, mas apontam para
possíveis avanços qualitativos (SAPORI, 2007).
Começando pela esfera federal, cabe destacar o caráter mais abrangente e
sistêmico do Plano Nacional de Segurança Pública apresentado em 2003, se
comparado ao plano produzido no final do último mandato do governo Fernando
Henrique Cardoso (2001). Nele se enfatiza uma postura pró-ativa por parte da
Secretaria Nacional de Segurança Pública, o que significa abdicar da posição de
mera agência distribuidora de recursos financeiros para os governos estaduais. O
75
governo federal deixava claro a todos os interessados, que possuía diretrizes e
objetivos próprios no âmbito da Segurança Pública, e, que os recursos do Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP) passariam a ser distribuídos mediante o
atendimento desses critérios. A novidade apresenta-se no início de 2003, entretanto
residia na cobrança mais rígida junto aos estados no sentido da construção de
políticas assentadas nas diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública.
O Plano Nacional de Segurança Pública em pauta tem como objetivo
aperfeiçoar o sistema de Segurança Pública brasileiro, por meio de propostas que
integrem Políticas de Segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a
reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a
tranqüilidade do cidadão brasileiro (BRASIL, 2003).
O referido Plano de Segurança também estabelece princípios e metas a
serem atingidos, respectivamente, como adiante se verifica:
Respeito aos Direitos Humanos e eficiência policial são compatíveis entre si e mutuamente necessárias, meta: promover a expansão do respeito às leis e aos Direitos Humanos; o Sistema de Justiça Criminal deve ser democrático e justo, isto é, orientado pela eqüidade, acessível a todos e refratário ao exercício violento e discriminatório do controle social, metas: contribuir para a democratização do Sistema de Justiça Criminal e controlar o crime organizado e eliminar o poder armado de criminosos que impõem sua tirania territorial a comunidades vulneráveis e a expandem sobre crescentes extensões de área publica; ação social preventiva e ação policial são complementares e devem combinar-se na Política de Segurança; metas: aplicar com rigor e equilíbrio as leis no sistema penitenciário, respeitando os direitos dos apenados e eliminando suas relações com o crime organizado e bloquear a dinâmica do recrutamento de crianças e adolescentes pelo tráfico; polícias são servidores públicos destinados a servir os cidadãos, protegendo direitos e liberdades, inibindo e reprimindo, portanto, suas violações, meta: reduzir a criminalidade e a insegurança pública; às Polícias compete fazer cumprir as leis, cumprindo-as, meta: ampliar a eficiência policial e reduzir a corrupção e a violência policiais; policiais são seres humanos, trabalhadores e cidadãos, titulares, portanto, dos direitos humanos e das prerrogativas constitucionais correspondentes às suas funções, metas: valorizar as polícias e os policiais, reformando-as e requalificando-os, respectivamente, levando-os a recuperar a confiança popular e reduzir o risco de vida a que estão submetidos (BRASIL, 2002, p. 35).
Sintetizando, o Plano Nacional de Segurança Pública apresenta como
princípios gerais:
A interdisciplinaridade, pluralismo organizacional e gerencial, legalidade, descentralização, imparcialidade, transparência das ações, participação comunitária, profissionalismo, atendimento das peculiaridades regionais e no estrito respeito aos Direitos Humanos (BRASIL, 2002, p. 35).
76
Outro aspecto do PNSP é a forma abrangente com que aborda a questão da
Segurança Pública, com apresentação de uma variedade de propostas
contemplando os seguintes campos de ação: reforma do Sistema Policial, controle
interno e externo das polícias, prevenção da violência, controle do uso de armas de
fogo, reforma do Sistema Prisional, reformas da legislação penal, prevenção da
violência contra a mulher, negro, homossexuais, idosos e outras minorias sociais.
Ao tratar o tema com tal amplitude, reconhece a complexidade do assunto
Segurança Pública e estabelece que a ação policial ou aumento da pena, por si só,
não poderá impactar, a curto prazo, as taxas de criminalidade nos centros urbanos
brasileiros. Evita-se, por exemplo, a tendência daqueles que propugnam a reforma
das leis penais, no sentido de maior endurecimento do código criminal, da Lei de
Execução Penal ou mesmo do Estatuto da Criança e do Adolescente (diminuição da
maioridade penal), como o antídoto mais efetivo para conter a impunidade na
sociedade brasileira, segundo (SILVA FILHO, 2003).
Outro aspecto positivo do PNSP é que representou grande avanço no
debate nacional, ao reconhecer que os problemas mais graves da Segurança
Pública não estavam no arcabouço legal, e sim, na gestão dos arranjos institucionais
existentes (SOARES, 2006).
As ações governamentais do Piauí, na área de Segurança Pública, têm seu
maior referencial formal o Plano Nacional de Segurança Pública, tendo em vista ser
condição imposta pelos convênios da SENASP às Unidades Federativas para
liberação de recursos e insumos técnicos (cursos de qualificação dentro e fora do
Estado), porém, de forma à brasileira, ou seja, aceita; mas não cumpre totalmente o
acordado. No caso do Piauí, desde 2003, a maioria das viaturas adquiridas para as
polícias foi oriunda de recursos da SENASP, conforme informação, do ex-
comandante geral da PMPI, no período de 2003 a 2006 (BRASIL, 2002).
Porém, é importante registrar que a mera assinatura de convênios,
protocolos de intenção ou criação de órgão e leis não garante a efetivação de uma
Política de Segurança Pública, conforme se verifica no Piauí através de várias ações
como: Gabinete de Gestão Integrada – GGI (não foi implementado de fato, só existe
previsão legal); Polícia Comunitária (ainda não foi efetivada como Política de
Segurança Pública, apenas oferta de cursos); Direitos Humanos (continua sendo
desrespeitados pelos agentes públicos, as polícias ainda não incorporaram tal
princípio democrático a sua praxe cotidiana); Integração entre as duas polícias (não
77
há projeto nesse sentido no Piauí); Corregedoria subordinada ao comando das
polícias (falta independência para investigar e julgar os casos denunciados), dentre
outras.
Há um aspecto da Política de Segurança no período do governo Lula que
merece uma apreciação mais crítica. Em relação ao financiamento e fiscalização da
Segurança Pública estadual, o Governo Federal faz uma proposta, depois convertida
em projeto, para área de Segurança Pública, qual seja, a criação do Sistema Único
de Segurança Pública. O Sistema é apresentado como uma inovação institucional e
parâmetro obrigatório da modernização das organizações policiais brasileiras, dado
seu ineditismo.
O Sistema Único de Segurança Pública tem como objetivo orientar a
aplicação dos recursos disponibilizados aos Estados, através do Fundo Nacional de
Segurança Pública, e fiscalizar se realmente os projetos aprovados pelo SUSP
melhoram a vida do cidadão. Esses objetivos constituem os principais pontos do
SUSP.
Pautada no Programa de Segurança Pública para o Brasil, a SENASP estipulou que a implantação do SUSP seria realizada pela dedicação às ações convergentes em sete eixos estratégicos: gestão do conhecimento; reorganização institucional; formação e valorização profissional; prevenção; estruturação da perícia; controle externo e participação social; e programas de redução da violência. Todas as ações empreendidas pela SENASP nos últimos quatro anos (2003 a 2006) estão incluídas nesses eixos estratégicos. No total, foram realizadas 51 ações que envolvem tanto as mudanças estruturais nas polícias e em outros órgãos que compõem o sistema de segurança pública brasileiro – cujos resultados serão alcançados em uma perspectiva de tempo mais ampla – quanto às ações de interferência em condições imediatas, associadas à violência e à criminalidade. Devido à situação da segurança pública no país, escolhemos essa estratégia, pois ela nos permite desenvolver mudanças estruturais necessárias e ações voltadas à intervenção imediata em problemas mais focalizados no tempo e no espaço (BRASIL, 2007, p.13).
Conforme se observa, o Sistema Único de Segurança Pública vem reforçar a
necessidade de articulação da Política de Segurança Pública com as instâncias
federal, estadual e municipal. Objetiva também implementar mudanças estruturais
nas Polícias para adequá-las a realidade constitucional brasileira. O SUSP
demonstra a vontade do Governo Federal, não apenas de proporcionar o
financiamento da Segurança Pública estadual e municipal, mas possibilitar
78
mudanças estruturais no Sistema de Segurança que visem a prevenção e o
enfrentamento da violência e da criminalidade.
À primeira vista, a noção de SUSP sugere a perspectiva de se instituir na
Segurança Pública algo semelhante ao que foi feito na Saúde quando da
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Este tem como principais
características a institucionalização de mecanismo de financiamentos para dar conta
dos gastos com a Saúde Pública, envolvendo percentuais específicos nos
orçamentos das diversas esferas do Executivo e mecanismos sofisticados de
repasses desses recursos entre elas. Além disso, fomenta a adoção de
procedimentos para a gestão compartilhada da Segurança Pública.
Contudo, a concepção do Sistema Único de Segurança Pública não
contempla um rearranjo institucional dessa magnitude, limitando-se a propor um
maior grau de integração entre as organizações policiais estaduais e destas com as
instituições federais, além do Ministério Público e do Judiciário. Em termos
institucionais, o SUSP consubstancia-se na implantação, pelos governos estaduais
de academias policiais unificadas, de órgãos de informação e inteligência unificados,
de Corregedorias de polícia única, de Ouvidorias de polícia autônomas e
independentes. No que diz respeito à integração das demais organizações do
sistema de Justiça Criminal, o modelo prescreve a formação do Gabinete de Gestão
Integrada de Segurança Pública.
Em relação ao Piauí, não há Academia de Polícia unificada, o serviço de
inteligência é disperso entre Polícia Civil e Polícia Militar, as Corregedorias não são
independentes, não há Ouvidoria, e em relação ao GGI apenas há previsão legal,
porém, de fato o Gabinete nunca deliberou nada.
O novo arranjo institucional proposto pela esfera federal, como se observa,
não pode ser comparado ao SUS. O Sistema de Segurança Pública propugnado é
bastante modesto, introduz idéias novas no cenário nacional, porém esbarra no
conservadorismo das corporações policiais estaduais e federais, tampouco resolve
um dos problemas centrais da área: a inexistência de recursos orçamentários e
financeiros vinculados.
Portanto, algumas poucas experiências estaduais podem ser mencionadas
como exemplos de Políticas de Segurança Pública que se destacaram pela
superação do modelo de gerenciamento de crises, mais particularmente nos últimos
10 anos. Como ilustração, podemos citar o caso do estado do Pará, que entre 1995
79
e 2002 desenvolveu uma pioneira política de integração das Polícias Militar e Civil.
Em 1995 foi criado por lei o Sistema de Segurança Pública do Pará, tendo por órgão
máximo o Conselho Estadual de Segurança Pública (CONSEP), implantado em
1996. Trata-se de um órgão paritário, com poderes normativos, no qual a sociedade
civil se faz presente, bem como a Assembléia Legislativa e, de outro lado, os
comandos das corporações policiais, do Departamento Estadual de Trânsito, do
sistema penal e do Centro de Perícia. Ligada ao conselho, foi criada a Ouvidoria,
cujo titular é nomeado com mandato de dois anos. A partir de 1996 a Polícia Civil foi
gradativamente reduzindo a presença ostensiva, enquanto a Polícia Militar
implantava as zonas de policiamento de circunscrição comum e o comando das
duas polícias nas mesmas instalações das seccionais urbanas.
O sistema de telecomunicações foi unificado, incluindo os bombeiros e a
Defesa Civil. Uma rede intranet interligando as unidades policiais da Região
Metropolitana de Belém e 60% dos municípios do interior permitiu a implantação, a
partir de 1997, do boletim de ocorrências policiais (SAPORI, 2007).
Em maio de 1997 foi inaugurado o Centro Integrado de Operações – CIOp, o
primeiro a ser instalado no Brasil, reunindo o Centro de Operações Policiais
Militares – COPOM, o Centro de Operações de Bombeiros Militares – COBOM, e a
Central de Polícia Civil. A política de integração das polícias prosseguiu, e o passo
seguinte foi a implantação, em fins de 1999, do Instituto de Ensino de Segurança do
Pará – IESP, que transformou as academias da Polícia Militar, do Corpo de
Bombeiros e da Polícia Civil em unidades de ensino, numa estrutura de modelo
universitário. Também as corregedorias de Polícia Civil e Polícia Militar foram
reunidas e vinculadas diretamente ao CONSEP. Finalmente, já em 2002, foram
criados dois órgãos: o Centro Estratégico Integrado, reunindo as áreas de
inteligência das polícias e os sistemas integrados; e a Unidade Integrada de Saúde
Mental, para atender os policiais que tanto necessitam desse serviço.
Também o estado do Ceará iniciou, em 1997, uma série de reformas na área
de segurança pública com o objetivo publicamente assumido de moralizar o aparato
policial, então envolvido em graves denúncias de corrupção, e definir ações para a
integração das forças policiais estaduais. Houve, inicialmente, a constituição de novo
arranjo institucional com a criação da Secretaria de Segurança Pública e Defesa da
Cidadania (SSPDC), subordinando o comando das polícias ao secretário, e não mais
ao governador. Foi também instituída a Corregedoria Geral dos Órgãos de
80
segurança pública, ou seja, uma corregedoria única para a Polícia Militar, a Polícia
Civil e o Corpo de Bombeiro Militar, vinculada operacionalmente à SSPDC.
Paralelamente às mudanças institucionais, o governo estadual implantou uma
política de integração das forças policiais cuja linha mestra persiste até o atual
governo. A base da integração foi e continua sendo o projeto do distrito modelo,
implantado em Fortaleza e que tem como características principais a integração das
circunscrições das áreas de atuação das companhias da Polícia Militar com as
delegacias da Polícia Civil e a implantação de um sistema integrado de
comunicações. Tal política continua em vigor, e o projeto dos distritos modelos foi
estendido à Região Metropolitana de Fortaleza (SILVA FILHO, 2003).
No estado do Rio de Janeiro, em fins da década de 1990, com a eleição do
governador Anthony Garotinho, introduziu-se uma nova perspectiva de intervenção
governamental na segurança pública. Embora tenha sido mantida por pouco tempo,
essa política incluía um plano de ação inédito na história daquele Estado, baseado
em quatro pontos: a) criação das Delegacias-legais; b) a criação dos centros de
referência; c) a implantação de um programa de qualificação profissional dos
policiais; d) a fundação do Instituto de Segurança Pública (SOARES, 2000).
Experiência também relevante de política de Segurança Pública ocorreu no
estado de São Paulo, tendo início na segunda metade da década de 1990, no
governo Covas, e estendendo-se até o governo de Alckmin, no ano de 2006. Sua
característica básica foi o esforço do aparato repressivo do Estado, destacando-se aí
a criação do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa – DHPP, visando
promover a integração com a Polícia Militar, a identificação e o aprisionamento de
homicidas contumazes, e os investimentos em inteligência e tecnologia da
informação, especialmente, no Sistema de Informações Criminais – INFOCRIM.
Além disso, o governo estadual incrementou o sistema prisional, de modo que a
população carcerária cresceu de forma linear e rapidamente, passando de 56 mil em
1994 para cerca de 140 mil em 2006, através de uma ação policial mais repressiva
no enfrentamento da criminalidade e a diminuição da impunidade pela justiça
criminal. Criaram-se também projetos com participação direta de entidades da
sociedade civil, quais sejam, o Disque Denúncia, em 2000, e o fórum Metropolitano
de Segurança Pública, em 2001. Aspecto singular da experiência paulista é a
participação intensa de diversos municípios na adoção de medidas visando ao
controle do consumo de bebidas alcoólicas, a denominada lei seca. A despeito das
81
controvérsias, a política de segurança pública de São Paulo é apontada como um
dos fatores mais decisivos na queda de 37% da taxa de homicídios no estado entre
1999 e 2004 (ROLIM, 2006).
Importante ressaltar, ainda, que no contexto nacional de altos níveis de
impunidade, de ineficiência na gestão das políticas públicas, ineficácia do controle
da criminalidade, o cenário da Segurança Pública, na maioria dos estados, com
exceção das referências estaduais citadas, dentro das peculiaridades suscitadas,
permaneceu inerte nessas duas últimas décadas (1986-2006). Tome-se como
exemplo o estado do Piauí, onde pouquíssimas mudanças são observadas, até pela
falta de um projeto político definido para essa área.
O arranjo institucional da Justiça Criminal, por exemplo, adquiriu nova
conformação com a introdução de outros atores organizacionais, destacando-se aí a
criação dos Juizados Especiais Civis e Criminais e a proliferação das Guardas
Municipais. As Ouvidorias de polícia não estão implantadas em todos os estados
brasileiros, entre estes o Piauí, e padecem de uma série de limitações institucionais,
visto que não são dotadas de atribuições investigativas, o que enfraquece sua
capacidade de controle externo das polícias (COSTA, 2004).
Os Juizados Especiais Civis e Criminais constituem outra inovação
institucional que impactou a dinâmica da Justiça Criminal desde meados da década
de 1990, principalmente, na ampliação do acesso à Justiça para a resolução de
conflitos sociais anteriormente resolvidos pelo delegado de polícia. Não se deve
negligenciar também o fato de que tal modelo de Justiça, pautado pela oralidade e
agilidade, introduziu e institucionalizou a negociação no âmbito da Justiça Criminal,
criando uma alternativa ao excessivo formalismo característico do processo penal
em vigor na sociedade brasileira. (SAPORI, 2007).
Portanto, compreender a Segurança Pública como política pública é de
fundamental importância para democratização da Segurança e consolidação de um
Estado Democrático de Direito. Desenvolver uma Política de Segurança Pública para
o Piauí ainda se apresenta como desafio, mas questionar sua ausência ou a
ineficácia do Sistema de Segurança Pública é um importante passo para construção
de uma Segurança Pública cidadã.
82
4 O NÓ GÓRDIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ O objetivo maior deste capítulo de fecho do núcleo estrutural desta
dissertação é fazer uma análise descritiva e comparativa das ações governamentais
da Segurança Pública no Piauí. Para tal intento partiu-se de uma abordagem sobre a
estrutura organizacional do Sistema de Segurança Pública do Piauí, seguida de uma
abordagem sócio-histórica das polícias do estado do Piauí, quais sejam, Polícia
Militar e Polícia Civil. Para uma melhor fundamentação das análises, fez-se uma
abordagem descritiva do orçamento da Segurança Pública piauiense no período de
2003 a 2006, o qual se denominou “Orçamento da Segurança Pública piauiense”,
seguida de uma outra análise descritiva sobre os índices de criminalidade em
Teresina, também no referido período.
4.1 SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ
O Sistema de Segurança Pública do Piauí compõe-se da Polícia Civil, Polícia
Militar e Corpo de Bombeiros Militares, e estão vinculados operacionalmente à
Secretaria de Segurança Pública do Piauí, conforme os artigos 156, 158 e 163 da
Constituição do estado do Piauí.
Art. 156 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – Polícia Civil; II – Polícia Militar; III – Corpo de Bombeiros Militar. [...] Art. 158 – A segurança pública, organizada sob a forma de sistema, será coordenada, supervisionada e controlada pela Secretaria de Estado correspondente, órgão encarregado da prestação dos serviços de polícia em geral, no território do Estado. [...] Art. 163 – A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar estão vinculados, operacionalmente, ao sistema de segurança pública do Estado, devendo seguir as políticas e diretrizes baixadas pela autoridade competente, na execução das atribuições que lhes são próprias (PIAUÍ, 2005).
O Sistema Nacional de Segurança pública também engloba as instituições
policiais federais, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, conforme o
artigo 144 da Constituição Federal. Porém, o presente estudo tem como enfoque as
83
instituições estaduais de segurança, ao considerar a conjuntura estadual, não
desconsiderando a importâncias das instituições federais para construção da Política
de Segurança Pública do Piauí, mas por questões metodológicas e práticas adotou-
se este caminho.
No contexto constitucional vigente tem-se a introdução de um novo ator social
ao Sistema de Segurança Pública: a sociedade, que agora é co-partícipe da
segurança, haja vista o que prevê a Constituição Federal: “Art. 144 segurança
pública ser dever do estado, direito e responsabilidade de todos” (BRASIL, 2008).
Desta forma, a discussão da Segurança Pública não deve prescindir da participação
social, sendo esta parte legítima para questionar e sugerir política para área
mencionada.
O estudo da política de segurança pública carece da contextualização social e
institucional dos órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública do Piauí.
Nessa perspectiva, faz-se necessário a delimitação de suas funções, competências,
sua estrutura operacional e suas principais ações desenvolvidas em Teresina, no
período de 2003 a 2006.
Analisar a Política de Segurança Pública, ou sua ausência, implica
indubitavelmente tentar compreender o funcionamento das instituições responsáveis
pela operacionalização dessa importante função estatal, no caso específico do Piauí,
as Polícias Civil e Militar. Adentrar no mundo específico das polícias estaduais não é
missão fácil, assim, entender seu modus operandi, modo de atuação, pode ajudar a
montar o mosaico da (In)segurança Pública em Teresina.
Primeiramente, é preciso distinguir Segurança Pública de Polícia. Não são
expressões sinônimas como muitos acreditam, apesar de muito tempo e até hoje,
para alguns segmentos da sociedade, têm o mesmo significado. A Polícia integra, é
uma parte, mas não exaure as ações e missões afetas à Segurança Pública (SILVA
FILHO, 2003). O passo seguinte é relembrar que o estado, do qual as duas fazem
parte, foi fruto da ação social tendente a viabilizar a vida em sociedade. Assim, a
Polícia está (ou deve estar) a serviço da sociedade. A arma dada ao policial é para
proteger o cidadão e não para ser usada contra ele (COSTA, 2005).
Já a Secretaria de Segurança Pública do Piauí foi instalada em 09/05/1842,
com a denominação de Secretaria de Polícia, embora sua nomenclatura somente
tenha sido regulamentada pelo Decreto n° 1898, de 21/02/1857.
84
Porém, até a presente data, a Secretaria de Segurança Pública do Piauí não
dispõe de um quadro de servidores próprios e nem estrutura física, atualmente sua
sede é em um prédio particular alugado para o estado, situado na rua Tersandro
Paz, nº 3150, no bairro Piçarra. Na realidade, a Polícia Civil se sobrepõe à
Secretaria de Segurança Pública, e o Secretário de Segurança Pública do Piauí, de
fato, exerce a chefia apenas nessa polícia e não nas duas Instituições Policiais.
Desta forma, as funções previstas na Secretaria de Segurança Pública são
exercidas por policiais civis, pois não há um quadro específico da Secretaria de
Segurança Pública. O titular da pasta exerce suas competências quase que
exclusivamente sobre a Polícia Civil.
O Comandante Geral da PM tem status e prerrogativas de secretário de
estado, sendo subordinado ao Secretário de Segurança apenas operacionalmente, o
que dificulta ainda mais a tentativa de formatação de um plano único de segurança
pública para o Piauí, de acordo com o Art. 163 da Constituição Estadual do Piauí.
O Departamento de Polícia Civil do Piauí teve suas diretrizes traçadas pelo
Decreto-lei n° 772, de 09/03/1944, tendo sido reorganizado pelo Decreto-lei n° 1263,
de 02/08/1946.
A Secretaria do Interior, Justiça e Segurança Pública foi criada pela Lei n°
1095, de 06/12/1954, em substituição ao Departamento de Polícia Civil. Em 1971,
passou a ser denominada Secretaria de Segurança e, em 1974, como Secretaria de
Justiça e Segurança Pública, sendo, em seguida, desmembrada para as atuais
denominações Secretaria da Segurança Pública do Estado do Piauí e Secretaria da
Justiça e da Cidadania do Estado do Piauí. O Piauí, no período de 2003 a 2006, teve
quatro Secretários de Segurança Pública.14
14 Foram Secretários de Segurança do Piauí: Herbert de Maratoã Castelo Branco, Valter do Rego Alencar (maio a julho/1959), Osmar dos Santos Rocha, Aluísio Soares Ribeiro, Djalma Martins Veloso (1962), Manfredi Mendes de Cerqueira, Wilson de Andrade Brandão, Santiago Vasques Filho, Macário Galdino de Oliveira, Coronel Raimundo Nonato Lopes, Sebastião da Rocha Leal (fevereiro/1964 a maio/1970), Raimundo Barbosa Marques (1971/3), Cel José Rodrigues Alves (1978 a 1979), João Clímaco D´Almeida, José Eduardo Pereira (1983), Juarez Piauhyense de Freitas Tapety (1983/5), Cel Antônio Carlos de Sena Falcão (1986), Cel Reinaldo Mendes de Oliveira (1988), Cel Adail Jales de Carvalho, Guilherme Xavier de Oliveira Neto (1989/90), Raimundo Nonato Leite Barbosa, Ismar Aguiar Marques (1991), Francisco Antônio Alencar, Cel José Regino Pires Melo, Juarez Piauhyense de Freitas Tapety (1995/1998), Carlos Alberto de Melo Lobo (janeiro/1999 a dezembro/2001), Antônio José Raimundo de Morais (dezembro/2001 a dezembro/2002), Airton Franco Filho (janeiro/2003 – 2004), Menandro Pedro (2004-2005), Robert Rios Magalhães (2005-2006), Raimundo Nonato Leite Barbosa (2006-dezembro/2006) e Robert Rios Magalhães (janeiro/2007 até os dias atuais).
85
4.2 ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DAS POLÍCIAS DO ESTADO DO PIAUÍ
Na esteira dessa discussão, o presente tópico objetiva contextualizar as
instituições policiais no bojo das ações de Segurança Pública efetivadas em
Teresina-PI, no período de 2003 a 2006. Inicialmente será desenvolvida uma revisão
sócio-histórica das polícias piauienses, enfocando sua origem, estrutura e diretrizes
como órgão estatal.
As atividades policiais são realizadas no âmbito estadual por duas Instituições
Policiais, a Polícia Militar e a Polícia Civil, que têm atribuições e estruturas
organizacionais distintas, definidas nos parágrafos 4°, 5° e 6° do artigo 144 da
Constituição Federal do Brasil. O Brasil possui ainda algumas características particulares em relação a suas
polícias. Embora o controle formal das polícias estaduais seja formalmente do
Exército, no caso das polícias militares, do ponto de vista prático, elas encontram-se
subordinados à autoridade do Governador dos Estados, o que sem dúvida nenhuma
contribui para a diferenciação existente entre as Polícias estaduais (SILVA FILHO,
2003). Outra característica é a multiplicidade de funções que cabe a elas
desempenharem: tratam do policiamento ostensivo, das atividades de bombeiro,
elucidação de delitos, feituras de perícia, cuidam de florestas, de trânsito urbano e
rodoviário, policiamento de prisões, além de se constituírem em forças auxiliares do
Exército, atuando efetivamente como Guardas Nacionais.
Por outro lado, em relação à Polícia Civil, têm-se discutido que tão grave
quanto à militarização da PM, tem sido a “advogadização15” da Polícia Civil. A
carreira de delegado de polícia, no Brasil, tem sido uma prerrogativa dos portadores
de diploma de Direito. Faoro (1997) explica que a cultura “bacharelesca”,
principalmente, a do Direito, tem suas origens na tradição provinciana lusitana.
A atividade fim da Polícia Civil possui natureza investigativa (policial) e não
processual (jurídica), desta forma, configura-se ledo engano a tentativa de
transformar a atividade da Polícia Civil em carreira jurídica, pois o delegado de 15 Objetivando melhoria salarial a Polícia Civil do Piauí irá desenvolver suas carreiras policiais com base no Judiciário, por exemplo: concurso com exigência de diploma de Direito para o cargo de delegado de Polícia, acompanhamento do concurso da PC pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e legislação estadual que considera o cargo de Delegado de Polícia como carreira jurídica.
86
Polícia não faz acusações ou defesas, e sim investiga fatos, produz provas,
verificando a materialidade (se o fato ocorreu ou não) e autoria do delito.
O fluxo de processamento da Justiça Criminal inicia-se com o atendimento da
ocorrência pela Polícia Militar, que comunica à Polícia Civil, sendo lavrado registro
policial, o boletim de ocorrência (BO). Registrada a ocorrência, a Polícia Civil dá
início ao inquérito policial, em que será averiguada a materialidade e autoria dos
crimes, a indicação de testemunhas, e a tomada de depoimentos. Terminado o
inquérito policial, ele é encaminhado ao Ministério Público que avaliará se ele está
pronto ou não, para preparar a denúncia que será remetida à Justiça Criminal, onde
tudo começa novamente. Conforme se pode verificar, é extremamente complexo e
muitas vezes moroso o fluxo da Justiça Criminal no Brasil. Isto dá origem a uma
série de acusações entre as organizações que compõem o sistema, e talvez
explique um pouco de o porquê a justiça brasileira ser tardia, frequentemente incerta
e, às vezes, injusta, pois termina selecionando discriminatoriamente sua clientela
(SOARES, 2006).
Na verdade, a Polícia brasileira executa, através do inquérito policial, um ritual
semelhante ao que é exercido pela Justiça através das varas criminais, com o
delegado ocupando a posição de uma espécie de juiz de instrução.Talvez daí a
necessidade de um policial mais versado em direito do que em investigação policial
(SILVA FILHO, 2003).
Dado este enorme poder de que dispõe o policial é ele, e não o juiz, quem
julga se alguém ingressa ou não no sistema - que alguns identificam a origem de
alguns dos males endêmicos de nossas organizações policiais, tais como a
corrupção e a tortura. Elas seriam decorrentes da deformação da atividade policial,
que passa a exercer atividades típicas da instrução criminal, e não mais de polícia
(SILVA FILHO, op.cit). 4.2.1 A Polícia Judiciária Piauiense
A Polícia Civil do Estado do Piauí (PC) surgiu quando da criação das
Chefaturas de Polícia, por força do Decreto de 03/12/1841 e do Regulamento de
02/02/1842, mantidas pela Constituição de 18/07/1835. Seus titulares eram
chamados de Chefe de Polícia ou Secretário de Polícia (art. 51, da Constituição de
27/05/1891). Porém, somente no governo Imperial de 22/04/1843, é que foi
87
confirmada a nomeação do Dr. Manoel Joaquim Baía – Juiz da Vara Cível e dos
Feitos da Fazenda, da Comarca de Oeiras - PI, para exercer interinamente o cargo
de Chefe de Polícia da Província, designado pela Portaria da Presidência da
Província, de 09/05/1842.
A nomeação de um Juiz de Direito para o cargo de Chefe de Polícia da
Província do Piauí ratifica o pensamento anteriormente comentado nesta
dissertação, segundo a qual houve no início da formação das instituições brasileiras,
período imperial, uma confusão entre as funções de judicatura e a atividade policial
(HOLLOWAY,1997).
Faoro (1997) faz uma importante reflexão sobre a influência da cultura
bacharelesca, principalmente, a do direito, na própria invenção do Brasil como
Nação e na consolidação do mito do conhecimento jurídico como referência para
solução dos problemas da segurança pública, reduzindo o problema da violência à
questão meramente de endurecimento da pena, em momentos de crise.
As causas da violência e da criminalidade não são preocupações no modelo
jurídico-criminal apontado, o destaque é a PENA. O encarceramento do infrator é
apresentado como solução imediata, mas não duradoura. Ressalte-se que nos
momentos de crise – práticas de delitos com requintes de crueldade por motivo fútil -
há sempre uma sugestão para reformular a legislação (endurecimento da pena),
como a redução da maioridade penal.
Desta forma, a Segurança Pública brasileira tem ficado à mercê de soluções
propostas em momentos de comoção social, péssima conselheira. Assim, a
Segurança Pública deve ser tratada como política de Estado e não moeda política
(SOARES, 2006). O bom desempenho da política de segurança pública depende
das ações políticas e sociais conjuntas e articuladas entre si.
A situação descrita acima enseja a formulação da seguinte equação:
Crise/Violência = Aumento da PENA+ Sistema Prisional Inoperante CAOS
O modelo acima esquematizado corresponde à Política de Segurança Pública
baseada no “CAOS”, tão bem conhecido pelo Brasil. O Estado, em seus três níveis
de poder, na maioria das vezes só age ou propõe ações em momentos de crise, o
que é temerário, haja vista a pressão de vários grupos e o “clamor público” que são
maus conselheiros.
88
Uma política de segurança pública deve ser fruto de discussões com os vários
setores da sociedade e oriunda de pesquisas científicas comprometidas com
interesse público e bem-estar social (SOARES, 2006).
No início do século XX, havia na Capital do Piauí um corpo de polícia de
natureza civil responsável pelo policiamento nas ruas, popularmente conhecido
como Inspetores de Quarteirão, era a Guarda Civil, a qual foi organizada pelo
Decreto n° 1708, de 02/03/1937 e, após sua extinção em 1970, período de ditadura
militar, seus policiais foram incorporados à Polícia Civil do Estado do Piauí.
A Polícia Civil do Estado do Piauí (PC), dirigida por delegado de Polícia de
Carreira, é uma instituição permanente do Poder Executivo, está estruturada em
carreiras, cuja função é auxiliar a função jurisdicional do estado. Possui como
atribuições exercer, ressalvadas a competência da União (Polícia Federal), as
funções de polícia judiciária estadual, ou seja, apurar as infrações penais, exceto as
militares, conforme dispõe o art. 144, parágrafo 4° e da legislação estadual, Lei
Complementar n° 01 de 26/06/90 (Estatuto dos Policiais Civis do Piauí).
A atividade policial brasileira se apresenta com dois ciclos de polícia
incompletos16, um judiciário ou investigativo de competência da Polícia Civil e outro
de polícia ostensiva ou preventiva, de competência da Polícia Militar do Piauí.
Lazzarini (1999) e Silva Filho (2003) destacam a necessidade de um ciclo
completo de polícia, objetivando a maximização dos recursos humanos e materiais
da segurança pública, principalmente o interesse coletivo.
A Polícia Civil piauiense se estrutura nas seguintes categorias funcionais:
Delegado de Polícia, Escrivão de Polícia, Agente de Polícia, Perito Criminal, Perito
Médico-legal, Perito Odonto-legal e Perito Papiloscopista Policial.
A unidade básica operacional e administrativa da PC é a delegacia de polícia
ou simplesmente DP, que tem como responsável o delegado de polícia, servidor
mais graduado, também dirigem os diversos órgãos da PC. Os delegados são
autoridades policiais, encarregadas de presidir o inquérito policial e chefiar as
investigações criminais.
O delegado de polícia – na condição de autoridade policial – é o responsável
pela condução do Inquérito Policial, peça inquisitorial e informativa, que tem como 16 Para Lazzarini (1999) o Brasil deveria ter um ciclo completo de polícia, ou seja, ambas as polícias, PM e PC, deveriam executar as atividades de polícia ostensiva (preventiva) e polícia judiciária (investigação) cumulativamente. O modelo brasileiro é o ciclo de polícia incompleto: uma polícia é administrativa (PM) e a outra exerce as atividades de polícia judiciária (PC).
89
função primordial identificar a materialidade do delito – se de fato ocorreu o crime - e
sua autoria – quem foi o autor. O Inquérito Policial é de suma importância para
formação da culpa do acusado e também é utilizado pelo Membro do Ministério
Público (Promotor de Justiça) para oferecimento ou não de denúncia em juízo contra
o réu.
Na expressão exemplar de um delegado de polícia, o inquérito policial é “um procedimento do Estado contra tudo e contra todos para apurar a verdade dos fatos”. Assim, o inquérito policial é um procedimento no qual quem detém a iniciativa é um Estado imaginário, todo poderoso, onipresente e onisciente, sempre em sua busca incansável da verdade, representado pela autoridade policial, que, embora sendo um funcionário do Executivo, tem uma delegação do Judiciário e a ele está subordinado quando da realização de investigações (LIMA, 2004, p.52).
O Inqueríto Policial é um dos pontos de entrave para aceitação da proposta
de unificação das polícias, haja vista sê-lo a peça inauguratória do processo criminal,
que poderá gerar uma sentença condenatória cerceadora da liberdade humana, ou
seja, é instrumento de Poder para formulação da convicção do Juiz competente e da
própria culpa do réu. Desta forma, qualquer proposta de unificação das Polícias
passa pela “perda” do monopólio desse instrumento de poder, fato que as
associações de delegados de polícia combatem com veemência (SILVA FILHO,
2003).
Por outro lado, o modelo de hierarquia e disciplina adotado na PMPI como
“pilares” da instituição, com seus postos, uniformes e estrelas é também um
empecilho para a unificação das Polícias, principalmente, pelos oficiais de maior
patente, que temem a perda de “poder”, da autoridade do “mando”.
Em terceiro lugar os governos estaduais se queixam da impossibilidade de
pagarem vencimentos iguais para as duas Polícias. Na maioria dos estados
brasileiros os polícias civis têm melhores vencimentos que os policiais militares, com
destaque para os delegados de polícia por serem bacharéis em Direito,
consolidando a herança provincial brasileira da supervalorização do saber juríco em
detrimentos de outros saberes (FAORO, 1997).
É de bom alvitre esclarecer que as informações presentes neste capítulo são
imprescindíveis (importantes) para a compreensão do Sistema de Segurança pública
do Piauí, haja vista abordar seus diversos vieses que compõem a complexidade do
tema. A análise da política de segurança pública implementada em Teresina passa
90
indubitavelmente pelas polícias civil e militar, as quais são responsáveis pela
operacionalização da mencionada política.
Na estrutura da PC, agentes e escrivães de polícia auxiliam diretamente o
delegado de polícia nas investigações e consequentemente na feitura do inquérito
policial. Os três profissionais elencados formam a espinha dorsal da delegacia de
polícia, base orgânica da PC.
O médico-legista e o perito criminal são técnicos importantes na elucidação
dos crimes, possibilitando a conclusão de inquerítos policiais com as provas
necessárias para responsabilização dos infratores, diminuindo assim o sentimento
de impunidade que também é fator estimulante à criminalidade (SILVA FILHO,
2003).
A PC do Piauí tem previsão legal para 2.475 (dois mil quatrocentos e setenta
e cinco) policiais civis. Porém, de fato, só conta em seus quadros com 1.600
policiais. Na cidade de Teresina há 16 (dezesseis) delegacias de polícia. Observa-se
um déficit do efetivo previsto para o existente, o que, segundo seus gestores,
compromete a qualidade do serviço prestado à sociedade.
Delegacia de Polícia (DP) CIRCUNSCRIÇÃO
1° Distrito Policial Centro comercial de Teresina
2° Distrito Policial Bairro Primavera
3° Distrito Policial Bairro vermelha
4° Distrito Policial Bairro Parque Piauí
5° Distrito Policial Bairro São João
6° Distrito Policial Bairro Piçarra
7° Distrito Policial Bairro Parque Alvorada
8°Distrito Policial Dirceu Arcoverde l
9° Distrito Policial Bairro Mocambinho
10° Distrito Policial Bairro Bela Vista
11° Distrito Policial Bairro Piçarreira
12° Distrito Policial Bairro Planalto Ininga
13° Distrito Policial Bairro Vila da Paz
21° Distrito Policial Bairro Jardim Europa
22° Distrito Policial Parque Wall Ferraz
23° Distrito Policial Vila Irmã Dulce
Quadro 1 - Sinóptico das Delegacias de Polícia da Capital Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Piauí, 2008.
91
As delegacias de polícia são as unidades operacionais e administrativas da
PC, espaços que representam o estado na busca da restauração da Ordem Pública,
quando da ocorrência do crime. O devido encaminhamento da ocorrência na
delegacia fará toda a diferença entre seu resultado e o grau de satisfação do
cidadão. A delegacia ainda se apresenta como um local estranho ao Estado
Democrático de Direito e aos Direitos Humanos, visto que esses espaços, muitas
vezes, estão alheios às leis e às normas do estado, bem como reproduzem práticas
desumanas, contrariando, assim, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos
assinados pelo Brasil (SOARES, 2006).
É oportuno observar que a distribuição espacial das delegacias de polícia em
Teresina representa a visão organizacional do estado em relação à prestação de
serviço de Segurança Pública para o cidadão, e as áreas onde se localizam as
delegacias, provavelmente, são as mais carentes por segurança pública, no
entendimento das autoridades.
A qualificação para o exercício da atividade policial é feita na Academia de
Polícia Civil, localizada no bairro Saci, onde os aspirantes a policiais são submetidos
a cursos de formação profissional, de 03 (três) a 06 (seis) meses de duração, além
do teste psicotécnico, como etapas do concurso público, indispensável ao ingresso
na carreira, nos termos da Lei Complementar n° 37, de 09 de março de 2004.
A função de polícia judiciária – PC - é de fundamental importância para
consolidação do sistema de defesa social do Estado Democrático de Direito, pois
atua diretamente na identificação do autor do crime e responsabilização criminal do
mesmo, contribuindo assim para a redução do sentimento de impunidade brasileira
que, segundo Filho (2003), é um dos fatores do aumento da criminalidade.
A delegacia de polícia da PC é a unidade de atendimento ao público externo –
o cidadão – quando um crime acontece ou um fato que necessite da intervenção do
estado, mesmo não se constituindo um crime.
O efetivo policial que trabalha em cada delegacia de Teresina é, em média, de
20 (vinte) policiais civis, para cumprir uma escala de 24 horas de serviço por 72
horas de folga, ou seja, 05 policiais por dia em cada delegacia, conforme previsão
legal do Estatuto dos Policiais Civis. O número de policiais ainda representa um
obstáculo para implementação da Política de Segurança Pública do Piauí, haja vista
a ausência de policiais civis em muitas cidades do interior do estado, a qual é
suprida por Policiais Militares, conforme informação do delegado Airton Franco.
92
--------------------------------------------------------------- DELEGACIAS DA CAPITAL
---------------------------------------------------------------
Figura 1: Mapa de Teresina, com os Distritos Policiais
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Piauí, 2008.
Do modo como se encontram estruturadas, operacionalmente, as polícias
piauienses podem apontar os fatores que contribuem para a situação atual da
segurança pública, como: as condições precárias das maiorias das delegacias da
Capital, a falta de meios materiais (papel, tinta para impressora, computadores,
cadeiras, mesas, etc) e o acúmulo de presos provisórios nas delegacias, que
deveriam estar em presídios aguardando o julgamento e não superlotando as DP –
de acordo com a Lei de Execuções Penais (LEP) -, conforme informação do
delegado Menandro Pedro (ex-secretário de segurança, abr. 2008).
Os recursos humanos e materiais são essenciais para a construção de uma
Política de Segurança Pública eficaz e eficiente, pois sem meios não há como se
pensar em qualidade na Segurança Pública e, conseqüentemente, em resultados
positivos na redução da criminalidade e da violência (ROLIM, 2006).
Em relação à assunção da atividade de Polícia Judiciária em pequenas
cidades do interior do Piauí por membros da Polícia Militar, este fato tem gerado
debates e ações judiciais sob o argumento da ilegalidade (inconstitucionalidade) de
tal substituição, conforme entendimento do Sindicato dos Policiais Civis,
93
Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do
Piauí (SINPOLJUSPI). Porém, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Piauí
estes policiais militares (PMs) estão, gradativamente, sendo substituídos por
delegados, bacharéis em Direito, concursados, haja vista o estado não dispor dos
meios financeiros para fazer a substituição de todos os PMs que respondem pelas
citadas delegacias.
Segundo Silva Filho (2003), um dos grandes obstáculos para a
implementação da Política de Segurança Pública estadual é o antagonismo presente
nas duas instituições responsáveis pela operacionalização da citada política, Polícia
Civil e Polícia Militar. Estas têm linguagem operacional (sistema de comunicação via
rádio), regulamentos disciplinares e vencimentos, dentre outros aspectos, bastante
diferenciados, o que torna difícil a implementação de uma única política para
diferentes arranjos institucionais.
Um outro aspecto importante para a conclusão dessa breve reflexão sobre a
polícia civil é o baixo grau de resolução dos delitos, no qual se tem a materialidade,
mas muitas vezes, escassez de provas concretas e legais nos autos do Inquérito
Policial. Isto possibilita o “desmanche” do trabalho policial na fase do processo
criminal, culminando com a soltura de criminosos nocivos à sociedade e o aumento
no sentimento de impunidade. Há de se utilizar inteligência e não força bruta na
consecução da Segurança Pública (SILVA FILHO, 2003).
4.2.2 Polícia Militar do Piauí
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE Figura 2: Quartel do Comando Geral da PMPI. Fonte: PMPI, 2008.
94
A Polícia Militar do Piauí é responsável pela preservação da ordem pública,
através do policiamento ostensivo. Seus componentes utilizam a farda como
estratégia para a prevenção do crime, através da ostensividade, característica da
corporação, sendo definida até hoje como “força auxiliar e reserva do Exército”
(BRASIL, 2008).
A Resolução n° 13, de 25/06/1835, de autoria do Barão da Parnaíba,
Presidente da Província do Piauí, criou a Polícia Militar do Piauí com a função
precípua de preservação da ordem pública. A corporação, ao longo da sua história,
recebeu várias denominações: Companhia de Polícia do Estado, Guarda
Republicana, Corpo de Segurança Pública, Força Policial, Batalhão de Infantaria de
Polícia, Brigada Militar, Força Policial do Estado, Corpo de Polícia, até receber, em
razão de dispositivo da Constituição Federal, a atual denominação.
A PMPI participou efetivamente do cenário de conflitos internos e externos em
que o Brasil e o Piauí se envolveram, dentre os quais podem ser citados: Guerra do
Paraguai (1864-70), Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932), Cangaço,
Golpe Militar/civil de 1964, Guerra dos Balaios (1830-41) e combate à Coluna
Prestes (1925-27), estas duas últimas constituíram-se as que mais abalaram o Piauí.
Os valores fundamentais expressos nos regulamentos da PMPI do Piauí são
a hierarquia e a disciplina, que dizem respeito ao “acatamento da seqüência de
autoridade” e das leis que fundamentam a organização policial, bem como o
patriotismo, o civismo e o culto às tradições, o espírito de corpo, a fé na missão, o
amor à profissão e o aperfeiçoamento técnico na tarefa prioritária de manutenção da
ordem pública, segundo o Estatuto dos Policiais Militares do Piauí:
§1º - A hierarquia policial-militar é a ordenação de autoridade em níveis diferentes, dentro da estrutura da Polícia Militar. A ordenação se faz por posto e graduação; [...] O respeito à hierarquia é substanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. § 2º - Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo policial-militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzido-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. [...] Art. 13 - Círculos hierárquicos são âmbitos de convivência entre os policiais militares da mesma categoria e têm a finalidade de desenvolver o espírito de camaradagem em ambiente de estima e confiança, sem prejuízo do respeito mútuo (PIAUÍ, 2006, p.16).
95
A hierarquia e a disciplina são “valores” bastante fortes dentro da instituição
Polícia Militar do Piauí, na realidade são as bases da administração da Corporação.
A pesquisa constatou, também, um sentimento interno de identificação com o caráter
militar da PMPI, que supera sua competência constitucional policial, ou seja, o PM
se vê mais como militar do que policial, devendo primar mais pelos regulamentos
militares do que pela própria Constituição Federal.
O Exército brasileiro é uma instituição militar, com suas ações voltadas para a
Segurança Nacional, enquanto a Polícia Militar do Piauí tem como competência
constitucional a preservação da ordem pública entre os cidadãos, através da
implementação da Segurança Pública. O Exército adestra o militar para eliminar o
inimigo, em estado de guerra, diferentemente da Polícia Militar que deve zelar pela
segurança do cidadão. Como se pode verificar, as competências do Exército e da
PMPI são bastante distintas, portanto exige formação, treinamento e doutrina na
perspectiva da atividade a ser desenvolvida por cada Instituição.
A PMPI possui previsão legal para um efetivo de 9.888 policiais militares,
porém possui apenas 5.728 PMs, dos quais boa parte encontra-se à disposição de
órgãos estatais e de outros poderes (Legislativo e Judiciário), e anualmente muitos
policiais vão para a reserva (aposentadoria). Observa-se que não houve nas
décadas de 1980 e 1990 um planejamento, a nível de Política Pública, para
recomposição do quadro de policiais militares, conforme o aumento populacional do
Piauí.
96
CÍRCULO DOS OFICIAIS POSTOS FUNÇÕES
Superiores
Coronel (Cel) Tenente Coronel (Ten Cel) Major (Maj)*
Oficiais que devem atuar a nível político-estratégico; estão habilitados para exercerem as funções de comando, chefia e direção.
Intermediários
Capitão (Cap)**
Oficiais de comando e controle; exercem o comando de Subunidade (Companhia PM), representam o principal elo de comunicação entre oficiais superiores e subalternos. Encontram-se a nível de planejamento e execução.
Subalterno Primeiro Tenente (1° Ten) Segundo Tenente (2° Ten)
Oficiais responsáveis pela execução do policiamento ostensivo; estão diretamente na tropa, nas ruas e comandando as praças.
Subtenentes e Sargentos
Subtenente (Subten) Primeiro Sargento (1° Sgt)*** Segundo Sargento (2° Sgt)*** Terceiro Sargento (3° Sgt)***
Os Subtenentes e Sargentos auxiliam e complementam as atividades dos oficiais, operacionalmente e administrativamente.
Cabos e
Soldado
Cabos (Cb) Soldado (Sd)
São os profissionais que fazem diuturnamente o policiamento ostensivo nas ruas.
Quadro 2 - Postos e Graduações Militares da PMPI
Nota: quadro elaborado conforme a lei n° 3.808 (Estatuto dos Policiais Militares do Piauí). * Os Majores da PMPI constantemente assumem as funções inerentes ao posto de Tenente Coronel, como comandante de batalhão. ** Os Capitães estão sendo utilizados na operacionalidade nas funções dos Tenentes, principalmente em virtude da escassez de efetivo. *** Os Subtenentes e Sargentos estão sendo utilizados como Cabo e Soldado pelo mesmo motivo anterior, escassez de efetivo.
A Polícia Militar do Piauí estrutura-se segundo o modelo do Exército
brasileiro, com dois “círculos hierárquicos” – oficiais e praças -, dentro dos quais se
dispõem os postos (do oficialato) e graduações (das praças), num total de 12 graus
de hierarquia.
O Sistema de Segurança Publica é tão hermético que a maior parte da
população não conhece e nem entende a estrutura funcional da polícia militar, e não
há interesse por parte das autoridades em desconstruir essa cultura. Parece óbvio,
mas se faz necessário esclarecer como se estrutura a polícia responsável pelo
policiamento ostensivo nas ruas (ROLIM, 2006). Como a sociedade vai se relacionar
com uma instituição alheia às percepções sociais vigentes?
A extrema burocratização e centralização dos processos decisórios na PMPI,
resultam em perdas de eficácia, não só para as ações de polícia no dia-a-dia, mas
também para os instrumentos formais de controle interno (SOARES, 2000). Outro
problema é o fosso decorrente da existência de duas carreiras estanques – a do
oficialato e a das praças -, resultando numa coesão institucional muito precária, não
97
obstante as contínuas e explícitas ritualizações da unidade e da identidade de todos
no pertencimento à Corporação.
Um dos pontos principais de inadequação do modelo de polícia militarizada
brasileira são os valores cultuados por essas corporações, que na realidade são
reproduções de épocas passadas, momentos de exceção, do centralismo e
conservadorismo extremo que engessa a capacidade de pensar das pessoas, que
impossibilitam as transformações necessárias para adequação à realidade
democrática atual (CARVALHO, 2007).
Embora a Polícia Militar do Piauí esteja operacionalmente subordinada à
Secretaria de Segurança Pública do Piauí, conforme prescreve a Constituição do
Piauí, já mencionada, na verdade o comando da PMPI mantém sua relação
institucional diretamente com o Governador do Estado, representando, assim, um
poder paralelo ao Secretário de Segurança Pública do Piauí.
A manutenção de duas estruturas independentes enfraquece a cadeia de
comando e fragiliza a autoridade do Secretário de Segurança Pública do Piauí, haja
vista persistir uma estrutura de poder paralelo na Segurança, conseqüência da total
independência, administrativa e operacional, do comando da Polícia Militar em
relação à Secretaria de Segurança Pública.
O Sistema Único de Segurança Pública tem como diretriz a existência de
apenas um comando na Segurança Pública estadual, através do Secretário de
Segurança Pública, devendo todos os projetos encaminhados à SENASP serem
encaminhados pelo Secretário de Segurança Pública do Piauí. Tal medida objetiva
também possibilita uma maior integração das Instituições policiais, por meio de
ações unificadas. 4.2.2.1 Estrutura Organizacional da PMPI
O Comandante Geral17 da Polícia Militar do Piauí é o gestor responsável pela
instituição, cargo inerente ao posto de Coronel PM e de livre escolha do Governador
do Estado do Piauí, na condição de Chefe e Comandante. O Comando Geral da PM
17 É o gestor maior da Polícia Militar do Piauí, tem autonomia financeira, porém depende dos recursos repassados pelo tesouro estadual e federal (FNSP), é subordinado político-administrativo apenas ao Governador do estado do Piauí, possui foro privilegiado junto ao Tribunal de Justiça do Piauí, como secretário de Estado, conforme prevê o art. 163 da Constituição do Estado do Piauí.
98
é assessorado por órgãos de: Assistência, Diretoria, Comando, Chefia e
Coordenação.
A estrutura burocrática da PMPI tem como fundamentação a hierarquia para a
assunção de função, as quais são atreladas aos postos/graduações. Por exemplo:
um soldado, mesmo sendo doutor em pedagogia, jamais poderá ministrar instruções
(aulas) para coronéis, porque o coronel é seu superior hierárquico. Essa é a lógica
do “mundo militar”.18
Para a consecução de sua função constitucional a PMPI desenvolve
atividades administrativas, intra-caserna19, como suporte para o desenvolvimento
das atividades operacionais, que no presente estudo será sinônimo de policiamento
ostensivo e suas variações.
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
COMANDO-GERALASSIST./AJ. ORDEM
ASS. JURÍDICA
ASSESSORIAS
COMISSÕES
AJUDÂNCIA-GERAL
EMG
PM-1 PM-2 PM-3 PM-4 PM-5
DAL DIP DF DS DEIPDP
APM CFAPCESCASCSM APROV ALMOX HPM S.O
CPICPC
1º BPM 5º BPM 6º BPM 8º BPM 9º BPM BPTran BPGda
EPMont CIPAMA 1ª CIPMCODAM
4ª CIPMV. IR. DULCE
2º BPM 3º BPM 4º BPM 7º BPM
SUB-CHEFIA
CORREGEDORIA
3 ª CIPM CODIPI
2ª CIPM PROMORAR
GTAP 7ª CIPMS. R. NONATO
6ª CIPM URUÇUÍ
CEFCPD
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
BOPE
5ª CIPMPAULISTANA
8ª CIPMOEIRAS
PM-6
CGCDH
CIPRV
PROERD
NÚCLEO DE CONTROLE DE GESTÃO
Figura 3: Organograma da PMPI Fonte: PMPI
A parte administrativa encontra-se dividida em seis grandes diretorias,
compondo o Estado-maior Geral da PMPI e estão ligadas diretamente ao
Subcomando, as quais são; PM/1; PM/2; PM/3; PM/4; PM/5 e PM/6. A PM/1 é
responsável pelo setor de recursos humanos da PMPI e controle de efetivo. 18 Internamente os militares da PMPI acreditam na existência de dois espaços de socialização, o “mundo civil”, onde existem leis, a Constituição Federal do Brasil, direitos e deveres e o “mundo militar” estagnado nos habitus da caserna, onde só existe “os pilares da hierarquia e disciplina”. 19 Caserna pode assumir vários significados, como: “mundo militar”, militarismo, tudo que se refere à identidade militar.
99
A PM/2 realiza o serviço de inteligência da PMPI, qualquer ação policial deve
preceder a um planejamento minucioso, e nesse caso, é importante a autoridade
policial militar se munir do máximo de informações sobre a prática ou atos
preparatórios do crime para êxito na manutenção da ordem.
A PM/3 organiza e desenvolve as diretrizes do ensino na PMPI, responde,
juntamente, com a Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa (DEIP) pela formação
dos policiais militares do Piauí. Desde o ano de 2001 a base curricular dos cursos
de formação dos policiais militares do Piauí tem sido fornecida pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública.
O controle e distribuição dos armamentos e munições são de competência da
PM/4, bem como material carga da PMPI, que vai de uma simples cadeira à viatura.
Ressalte-se o fato de que apenas após o advento do FNSP é que a PMPI pôde
adquirir armamentos mais modernos e de maior calibre para fazer frente à ousadia
do crime organizado20.
A PM/5 é responsável pela assessoria de comunicação, devendo se
pronunciar nos meios de comunicação escrito, televisionado e eletrônico, em nome
do comando da corporação, nos mais diversos casos que envolvam a PMPI.
A ausência de planejamento na PMPI ensejou a criação da PM/6, através da
Lei n° 5.468, de 18/07/05, que tem como função precípua traçar as diretrizes do
planejamento e organização orçamentária necessárias ao cumprimento das missões
da PMPI. Encontra-se em fase de adequação à estrutura existente, conforme
informação colhida na pesquisa de campo, no Quartel do Comando Geral da PMPI.
4.2.2.2 Atividade Operacional da PM-PI
Antes de adentrar no tema proposto, faz-se necessário explicar que a
atividade operacional são as ações de policiamento ostensivo, para PMPI, e de
investigação policial, para a polícia civil, ou seja, o termo se refere à atividade fim de
cada corporação policial.
Em relação à operacionalidade a Polícia Militar do Piauí é organizada em dois
grandes Comandos: Comando de Policiamento da Capital (CPC) e Comando de
20 Caracteriza-se como crime organizado a estrutura do crime que atua como uma empresa, com setores: jurídico, contábil, de inteligência e principalmente de tráfico de influência junto às autoridades constituídas do Estado.
100
Policiamento do Interior (CPI). As Unidades Operacionais de Policiamento da Capital
são subordinadas ao CPC e as responsáveis pelo policiamento ostensivo no interior
do Piauí são ao CPI. Suas unidades são classificadas em: Batalhões Policiais
Militares (BPM), Companhias Independentes (Cia Ind), Companhias (Cia) e Pelotões
(Pel.).
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
OCEANOATLÂNTICO
2º BPMPARNAÍBA
TERESINA
3º BPMFLORIANO
7º BPMCORRENTE
TOCANTINS
4º BPMPICOS
CEARÁ
PERNAMBUCO
BAHIA
MARANHÃO
VISÃO GERAL
Área
252.378 Km²
População
2.843.428 hab.
ÁREA OPERACIONAL
Figura 4: Unidades Operacionais da PMPI Fonte: PMPI
A Capital dispõe de cinco Unidades Policiais Militares, a nível de Batalhão
Policial Militar (BPM): 1° BPM (bairro Ilhotas); 5° BPM (Ininga); 6° BPM (Saci) 8°
BPM (Dirceu Arcoverde) e 9° BPM (Mocambinho), as quais são responsáveis pela
execução do policiamento ostensivo em Teresina. O Comando Geral da PMPI se
localiza na avenida Higino Cunha, bairro Ilhotas, sede da corporação.
101
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
3.2.1 – NA CAPITALÁrea: 1.756 km2
População: 775.477 hab
ÁREA OPERACIONAL
Figura 5: Área Metropolitana de Teresina Fonte: PMPI, 2008.
A própria escolha de Teresina, como estudo de caso, para pesquisar a
segurança pública piauiense, deveu-se ao fato de que na Capital está concentrada a
maioria do aparato policial, o que possibilitará uma melhor análise do objeto de
estudo, ou seja, a política de segurança pública do Piauí.
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
POLICIAMENTO OSTENSIVO POLICIAMENTO OSTENSIVO -- MODALIDADESMODALIDADESPoliciamento a pé Bike-patrulhamento
Motocicletas Motorizado
Figura 6: Modalidades de Policiamento Realizado em Teresina
Fonte: PMPI, 2008.
102
As modalidades de policiamento realizadas em Teresina, segundo o
Comando de Policiamento da Capital (CPC) da PMPI, informação anexa, são:
Policiamento Ostensivo Geral a pé e motorizado; motopatrulhamento;
bikepatrulhamento; policiamento montado; policiamento tático (aéreo e terrestre);
policiamento com cães e policiamento de guarda.
4.3 AÇÕES GOVERNAMENTAIS DA SEGURANÇA PÚBLICA DO PIAUÍ
Este é um diagnóstico sintético sobre a situação da Segurança Pública do
Piauí, no período de 2003 a 2006, o qual aponta algumas conclusões que foram
observadas na elaboração desta pesquisa.
Pode-se afirmar, lato sensu, que há duas grandes estratégias de utilização
das polícias no Brasil, que caracterizam as ações governamentais na área de
Segurança Pública, uma das quais baseada no uso da força policial para contenção
dos conflitos. Nesse caso, a possibilidade do uso da força não é apenas o traço
diferenciador das instituições policiais, mas também sua razão de ser (COSTA,
2004). A segunda estratégia de atuação baseia-se no poder da ação preventiva
policial, e que o emprego da força policial é apenas uma das possibilidades
disponíveis. Nessa perspectiva, essa estratégia de emprego operacional busca
outras formas de relação entre polícia e sociedade, como a filosofia de polícia
comunitária (SOARES, 2000).
Segundo Soares (2007), a existência de duas polícias dificulta a integração
para implementação de uma única Política de Segurança Pública, tendo em vista
que são duas instituições policiais com valores, formação, socialização diferenciada
e modus operandi21 distintos. Normalmente, as polícias trabalham de forma isolada,
com fraca coordenação e controle. Objetivando suprir esse problema a SENASP,
através do Sistema Único de Segurança Pública, propõe a integração das polícias,
por meio da formação, treinamento, sistema de comunicação e informação
integrado.
Como não houve um plano formal de Segurança Pública para o Piauí, no
período estudado (2003-2006), buscou-se investigar quais as principais ações 21 Modus operandi é uma expressão em latim que significa "modo de operação". É alguém ou algo que usa o mesmo jeito e aplicação em todas as coisas que realiza, faz tudo do mesmo jeito de uma mesma forma, de maneira que se identifique por quem foi feito aquele determinado trabalho. site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Modus_operandi. Acessado em 12/04/08.
103
implementadas na área de Segurança Pública a partir das informações obtidas junto
aos gestores da época.
Todas as ações foram importantes também, mas a parte do Ensino nós queremos aqui creditar como carro-chefe do comando, porque você só muda ações, se você mudar a mente, se mudar as ideais. [...] Nós totalizamos mais de 3200 Policiais Militares formados, qualificados, aperfeiçoados, especializados durante nosso comando. O concurso público também na nossa corporação, nós tivemos a oportunidade de proporcionar a realização de dois concursos públicos, dentre eles o maior da história da Polícia Militar do Piauí para 500 Policiais Militares,[...] As ações mais importantes foram voltadas para os nossos recursos humanos, não só na parte de concurso, mais também na formação, aperfeiçoamento, como também as ações propriamente ditas para a Segurança, para prevenção da violência e da criminalidade em nosso Estado (coronel Edvaldo Marques, ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008).
Nesse depoimento fica evidenciado a preocupação do gestor com o aspecto
quantitativo e qualitativo dos recursos humanos, que, conforme discussão já
realizada nesse estudo, tem-se apresentado como um nó górdio 22 para a
implementação de uma Política de Segurança Pública no Piauí. Também se
observou a priorização do aumento de efetivo, marca de todas as falas dos
entrevistados.
Percebo que a Secretaria de Segurança avançou a partir de 2003, principalmente em três pontos. O primeiro ponto foi a questão da informática.[...] a Secretaria de Segurança, a Polícia Civil e a Polícia Militar, a questão da informática era quase nula [...]Outro avanço, principalmente na área judiciária, foi concurso público para que novos delegados bacharéis em direito pudessem assumir.[...] E o terceiro ponto, pelo menos em minha gestão, não sei se já mudou. O fato é que antes na Secretaria eram arrecadadas taxas na Secretaria, no âmbito da Polícia Civil, em cada distrito, essas taxas arrecadadas em espécie, montavam um dinheiro, de certo modo importante, que só ali em torno da Secretaria dava em torno de R$ 6.000,00 e 120.000,00 reais, mensalmente. Cobrada em forma de diversas taxas à população sofrida, e eu não achava isso correto (delegado Airton Franco, ex-secretário de segurança pública, abr. 2008).
22 O nó górdio foi um nó cuja história remonta ao século VIII a.C. Dizia a lenda que o rei da Frígia morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o próximo rei chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus, e a amarrou com um nó a uma coluna, nó este impossível de desatar. site: http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%B3_g%C3%B3rdio, acessado em 15.06.08.
104
Esse depoimento também denota uma preocupação do gestor com a
problemática dos recursos humanos além de uma preocupação com a questão da
informatização dos órgãos de Segurança e a moralidade no serviço público.
Então nós pegamos aqueles locais que haviam mesmo problema, pegava uma delegacia móvel junto com a Polícia Militar e ali ia resolver o problema daquela comunidade. Às vezes o problema da comunidade não era falta de polícia, era falta de iluminação, falta de colégio, falta de emprego, infra-estrutura, moradia, por isso eu chamava aquelas outras autoridades. Às vezes não tinha nada a ver com segurança pública. O problema é que Teresina cresceu demais desordenadamente. Tem favelas que não tem condição da Polícia Militar entrar nem de carro, nem de moto, tem local que a polícia nem chega lá. Nós fizemos a integração entre todos os comandantes e a comunidade. Os moradores quando estão precisando de segurança eles até agridem. Agrediram a mim com palavras, ao comandante geral (delegado Menandro Pedro, ex-secretário de segurança pública, abr. 2008).
O delegado Menandro Pedro ressalva a participação social como destaque de
sua gestão frente à Secretaria de Segurança do Piauí (2003-2004). Outro aspecto
relevante identificado pelo elencado gestor é a questão social e a necessidade de
políticas pública na periferia. Desta forma, verifica-se que a ordem pública não é
composta apenas pela Segurança Pública (ação policial), mas também pela
salubridade pública (saúde) e tranqüilidade pública (estado de paz) (LAZZARINI ,
1999).
Além dos aspectos já mencionados, os depoimentos dos gestores, os quais
geriram a Segurança Pública estadual, no período de 2003 a 2006, indicam a falta
de continuidade das ações na Segurança Pública piauiense ao afirmarem
prioridades diferenciadas e a própria fala, textualmente, constata a inexistência de
um Plano estadual de Segurança Pública.
Em relação à Polícia Militar do Piauí, que foi gerida por apenas um
Comandante Geral, no período de 2003 a 2006, o qual informou sobre a relação da
PMPI com a Secretaria de Segurança Pública: “(...) que os recursos federais são
canalizados para a secretaria de segurança pública, a qual faz a aplicação desses
recursos disponibilizando para a Polícia Militar e Polícia Civil e para o Corpo de
Bombeiros (...)”. Portanto, a SENASP tenta integrar o comando da Segurança
Pública estadual ao centralizar o repasse dos recursos financeiros, materiais e
recebimento de projetos apenas da encaminhado pelo secretário de Segurança
105
Pública do Piauí.
No caso da PMPI, foi elaborada uma comissão designada pelo então
candidato à Governador do Estado do Piauí – Wellington Dias –, em outubro de
2002, para produzir um documento diagnosticando a situação da PMPI, tendo o
coronel Edvaldo Marques Lopes como presidente, fato que não ocorreu na
Secretaria de Segurança Pública.
Quanto às principais ações desenvolvidas em seu comando, o coronel
Edivaldo Marques respondeu: “que o diagnóstico elaborado, antes de assumir o
comando, serviu como base para a feitura de um plano de comando na PMPI, (...)
sendo sua prioridade não apenas uma área, mas várias áreas da Instituição.”.
O coronel Edvaldo Marques (ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008),
quando perguntado sobre sua principal ação como gestor da Polícia Militar do Piauí,
no período de 2003 a 2006, respondeu que: “Todas as ações foram importantes
também, mas a parte do Ensino nós queremos aqui creditar como carro-chefe do
comando, porque você só muda ações, se você mudando a mente, você mudando
as ideais. [...]”
Indubitavelmente, um dos pontos candentes de atenção maior por parte dos
gestores da Política de Segurança Pública no Piauí diz respeito ao aspecto
quantitativo e qualitativo dos recursos humanos. Nesse sentido, a realização de
concursos públicos nesse setor foi, talvez, a ação de maior destaque no período sob
investigação:
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
CONCURSOS REALIZADOS
500TOTAL
600654CORRENTE
600654PICOS
600654FLORIANO
600654PARNAÍBA
26026234TERESINA
VAGASFEMMASCLOCAL
SOLDADO PM (2003/2004)
Quadro 3 – Concursos Público para a PMPI Fonte: PMPI, 2008.
106
Os dados acima representam um importante passo em direção à
descentralização da Segurança Pública para o interior do Estado, onde há carência
de policiais e estrutura física (delegacias e quartéis). Porque, segundo informação do
coronel Edvaldo Marques Lopes (ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008), nos
anos anteriores à sua gestão era realizado concurso público para PMPI sem
distinção de onde iria servir o candidato após o curso de formação; sendo que a
maioria dos policiais, lotados nas unidades das cidades do interior do Piauí,
conseguia retornar para a Capital, muitos dos quais através de pedidos políticos, fato
que dificultou a interiorização da Segurança Pública do Piauí.
Porém, o edital do concurso citado previu as vagas para as cidades acima
referenciadas, o que possibilitou a interiorização da prestação de serviço de
Segurança Pública.
O comandante geral da PMPI destacou, também, a atualização da legislação
aplicada à PMPI, a qual em sua maioria não fora recepcionada pela Constituição
Federal do Brasil, bem como foram instituídas unidades operacionais e legalizadas
outras, como o 8º Batalhão de Polícia Militar, localizado no bairro Dirceu, e o 9º
BPM, no Mocambinho, através de lei específica.
Em relação à atividade fim da Polícia Militar do Piauí, tem-se como principal
competência a execução do policiamento ostensivo nas vias públicas. A formação
dos policiais, segundo a SENASP, é um dos mecanismos para adequação das
instituições policiais ao Estado Democrático de Direito. Porém, o ensino na Polícia
Militar do Piauí – formação dos novos Policiais Militares - mesmo adotados,
formalmente, os parâmetros indicados pela SENASP, observou-se, através da
pesquisa de campo, uma reprodução da tradição militar brasileira, contrariando as
diretrizes de ensino indicadas pela SENASP, ressaltando mais o caráter militar que o
policial, missão da Polícia Militar do Piauí, conforme preceitua a Constituição
Federal.
107
GUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSEGUARDIÃ DA SOCIEDADE PIAUIENSE
POLICIAIS MILITARES EM INSTRUÇÃO
Figura 7: Policiais Militares em Instrução Fonte: PMPI, 2008.
Quanto à formação e treinamento dos policiais estaduais, a Secretaria
Nacional de Segurança Pública idealizou e vem implementando uma Matriz
Curricular Nacional para os cursos de formação policial, conforme se verifica abaixo:
A formação das profissionais da Segurança Pública é instrumento fundamental para a qualificação dos padrões de atuação das polícias brasileiras, conforme foi definido nas diretrizes estabelecidas pelo “Plano Nacional de Segurança Pública”. A Coordenação de Ensino da SENASP propõe um conjunto de ações visando a qualificação das profissionais da Segurança Pública. Estas ações serão operacionalizadas por meio das Instituições de Ensino de Segurança Pública das unidades federativas, e posteriormente, pela Escola Superior de Segurança Pública (ESSP) mediante uma política pública implementada pela SENASP (BRASIL, 2003, p. 06).
A Matriz Curricular, de abrangência nacional, visa criar condições para que
nos diversos contextos formativos, sejam debatidos e implementados mecanismos
que garantam para os profissionais de Segurança Pública a discussão das formas
de assegurar o acesso aos novos saberes necessários ao desempenho de uma
Segurança Pública cidadã (BRASIL, 2003).
O coronel Edvaldo Marques destacou também o ensino na Polícia Militar do
Piauí como ação de seu comando, ao informar que:
108
[...] foram realizados vários cursos de formação e qualificação nas diversas áreas de atuação da PMPI. [...] Também foram realizados dois grandes concursos, o maior da história da polícia militar com 500 vagas para soldado [...](coronel Edvaldo Marques, ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008).
O ex-comandante geral lembrou da construção e recuperação de alguns
quartéis do interior e capital do Piauí, como forma de valorização profissional do PM.
Outra ação ressalvada da PMPI foi o programa de Polícia comunitária, que
também é uma diretriz do Plano Nacional de Segurança Pública. Tal estratégia tem
se concentrado na PMPI, apesar de Policiais Civis também participarem da
formação, mas se constata que de uma turma de 50 multiplicadores da filosofia de
Polícia Comunitária, 68% dos alunos são PMs, 30% são comunitários e apenas 2%
são policiais civis, conforme se verificou in loco, quando da pesquisa de campo no
Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP). A lei complementar nº
52, de 23/08/05, criou a Coordenadoria de Polícia Comunitária e Cidadania na
estrutura da PMPI que tem concentrado suas ações na formação de policiais e
lideranças comunitárias.
A Coordenadoria de Polícia Comunitária também vem implementando alguns
projetos pilotos de natureza preventiva para crianças e adolescentes, em situação
de risco, na periferia de Teresina – nos bairros São Francisco Norte, Mocambinho e
Pedra Mole - como o Pelotão Mirim, onde são repassadas noções de ordem unida e
cidadania aos participantes.
Verificou-se ainda, na pesquisa de campo, no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Praças da PMPI, onde é ministrado o curso de multiplicador da
filosofia de Polícia Comunitária para policiais militares, em média, com mais de dez
anos de serviço, que há uma distância considerável da teoria à prática da Polícia
Comunitária23, principalmente em relação aos gestores da Segurança Pública do
Piauí, pelo fato de não priorizarem o programa elencado.
Assim, em relação à Polícia Comunitária, que tem como objetivo estreitar a
relação entre Polícia e sociedade, observa-se um discurso midiático por parte das
autoridades constituídas, porém, não é incorporado às diretrizes das ações policiais.
Constatou-se, através das observações de campo e pela falta de indicação nas 23 A teoria de Polícia Comunitária estabelece o estreitamento da relação entre Polícia e sociedade, porém, através das observações de campo e da ausência de indicação dos gestores da Segurança Pública de metas e diretrizes para implantação da Polícia Comunitária no Estado do Piauí, pode-se concluir uma utilização mais a nível de marketing do que prática.
109
entrevistas concedidas pelos gestores da Segurança Pública do Piauí (2003-2006),
a ausência de metas e diretrizes claras para implantação da Polícia Comunitária no
Estado do Piauí. Desta forma, pode-se concluir que a Polícia Comunitária no Piauí é
mais utilizada a nível de marketing do que prática cotidiana na Segurança Pública.
A própria construção sócio-político-cultural brasileira aponta para as raízes
desse “ranço”, conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho. O que é a
Polícia Comunitária de fato? É “simplesmente” tratar a pessoa humana como
cidadão. Entende-se, portanto, esse fato como um dos elementos básicos do nó
górdio da Segurança Pública piauiense, democratizar esse serviço público é o
grande desafio do Sistema de Segurança Pública estadual.
Quando em entrevista ao site oficial da Secretaria de Segurança Pública do
Piauí (www.ssp.pi.gov.br), o secretário de Segurança Pública Robert Rios destacou
a Operação “Boa Noite Teresina” que se consubstanciou inicialmente pela
Resolução n° 12.000-001 GS/2005 do Secretário de Segurança e posteriormente foi
convertida em Lei Municipal (Lei Complementa n° 3.610, de 11/01/07, Código de
Postura do Município de Teresina), ambas as normas anexas. A citada ação
consiste na regulamentação do horário de funcionamento dos bares, restaurantes,
churrascarias, trailers, casas de show e similares.
§ 2° No caso de prestadores de serviço de bares, restaurantes, churrascarias, traileres, casas de show e similares, terão suas atividades noturnas encerradas de domingo a quinta-feira, às 2h (duas horas), e na sexta-feira, no sábado e na véspera de um feriado, funcionarão até às 3 (três horas) [...] (TERESINA, 2007).
Contudo, os índices de criminalidade não retrocederam o esperado, sendo
observado apenas uma adequação no horário de atuação dos criminosos, as taxas
de homicídios continuaram crescendo, conforme Quadro 4. Novamente surge a
questão já abordada sobre Segurança versus Liberdade, onde, por exemplo, às
vezes, é mais fácil delegar ao Estado a autoridade de controlar os filhos do que
impor limites.
A Secretária Nacional de Segurança Pública apresenta no Plano Nacional de
Segurança alguns mecanismos de controle e democratização da Segurança Publica,
como: a constituição de Gabinete de Gestão Integrada; de Ouvidorias e
Corregedorias de Polícia.
O Piauí instituiu o GGI através do Decreto nº 11.843, de 10/08/05, no âmbito
110
da Secretaria da Segurança Pública, com a finalidade de coordenar o Sistema da
Segurança Único de Segurança Pública e tendo como membros efetivos os
representantes dos Órgãos e Entidades a seguir:
[...] I – Secretaria de Segurança Pública – Coordenação; II – Polícia Civil do Piauí; III – Polícia Militar do Piauí; IV – Corpo de Bombeiros Militares do Piauí; V – Secretaria de Justiça e Direitos Humanos; VI – Defensoria Pública do Estado do Piauí; VII – Superintendência Regional da Polícia Federal no Piauí; VIII - Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal no Piauí; IX – Forças Armadas; X – Tribunal de Justiça do Piauí; XI – Procuradoria Geral de Justiça; XII – Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP – Mediador (PIAUÍ, 2006).
O Gabinete de Gestão Integrada é um esforço federal para a democratização
da Segurança Pública, ao estabelecer um conjunto de órgãos designados para
elaborar as diretrizes da Política de Segurança Pública estadual, ou seja, a
responsabilidade não seria apenas do Secretário de Segurança, mas de todos os
membros. Contudo, o GGI ainda não atuou para os fins que foi criado.
Em relação ao GGI o coronel Edvaldo Marques (ex-comandante geral da
PMPI, mar. 2008), à época, enfatizou a importância de tal órgão: “O GGI deveria ser
um dos órgãos mais importante para a segurança pública não só do Estado, mas do
país (...)” e acrescentou “trabalhei muito para criar o GGI no nosso Estado, naquela
época o gestor não dava a importância devida ao gabinete.”. Os Secretários de
Segurança Pública do Piauí também destacaram a importância do GGI, mas
relataram as dificuldades de convocação e realização das sessões deliberativas,
ficando o GGI apenas como uma boa idéia.
Já em relação à Corregedoria de Polícia tem-se o exemplo emblemático da
PMPI, que inicialmente seguiu a orientação da SENASP, através da Lei n° 5.403, de
14/07/04 e instituiu a Corregedoria da Polícia Militar do Piauí concedendo amplo
poder disciplinar ao Corregedor, mas a Lei Complementar n° 93, de 05/11/07,
revogou os elencados poderes: “Art. 4º Ficam revogados os incisos I, II, III e IX do
art. 2º, art. 3º e inciso X do art. 5º, da Lei nº 5.403, de 14 de julho de 2004”. Assim,
111
retornou-se a situação anterior, colaborando com a tese da resistência dos Estados
em incorporar as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública, ou seja, de que
adianta um Corregedor sem poder disciplinar?
Sobre o Plano Estadual de Segurança Pública, o coronel Edvaldo Lopes
destacou que:
[...] em meu comando houve 04 gestores: delegado Ayrton Franco, delegado Menandro Pedro, delegado Robert Rios e delegado Raimundo Leite. [...] não vi, não conheci um projeto para a segurança e sim as experiências de cada um que eram realmente colocadas ali de forma até empírica para se fazer um trabalho. (coronel Edvaldo Marques, ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008).
Os ex-secretários de Segurança Pública reconheceram que não houve um
plano para a Segurança Pública piauiense, a nível de política pública.
O Secretário de Segurança Pública Robert Rios Magalhães (2005-2006) até
se comprometeu em elaborar um Plano de Segurança Pública para compor o
programa de campanha do segundo mandato do Governador Wellington Dias,
conforme entrevista concedida no site oficial da Secretaria de Segurança Pública do
Piauí, em anexo.
Em relação à participação da sociedade em um projeto para Segurança
Pública do Piauí, o coronel Edvaldo Marques ressalva que:
Um plano para a Segurança Pública para o Estado deveria comportar não só a Polícia Militar, mas a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros e a sociedade piauiense como integrantes desse projeto de segurança visando minimizar a violência e a criminalidade do Piauí (coronel Edvaldo Marques, ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008).
Todos os gestores concordaram sobre a relevância da participação da
sociedade na construção de um Projeto de Segurança Pública para o Piauí, porém
não indicaram o porquê da não construção de tal parceria em suas respectivas
gestões.
Já em relação à existência de um Plano de Segurança Pública para o Piauí
todos afirmaram que não houve o elencado projeto para a Segurança Pública
estadual, conforme se vê adiante:
112
Destaco que no período de meu comando houve vários gestores [...] Não vi, não conheci um projeto para a segurança e sim as experiências de cada um que era realmente colocadas ali, de forma até empírica para se fazer um trabalho [...] Infelizmente não vi formalizado, no meu comando, nenhum Plano de Segurança Pública, à nível estadual. Nós trabalhos a boa vontade e a determinação dos nossos gestores, mas sem um Plano, sem diretrizes específicas através de documento (coronel Edvaldo Marques, ex-comandante geral da PMPI, mar. 2008). [...] Naquele momento inicial não recebi do Governador uma diretriz. Ele estava tomando conta do governo, vinha da área parlamentar, não tinha experiência na gestão públicas. Então eu não tive [...] (delegado Airton Franco, ex-secretário de segurança pública, abr. 2008). [...] Tinha a política de estar na comunidade resolvendo os problemas dela. No Buenos Aires eu tinha uma reunião com a comunidade daquele bairro, eram 13 comunidades, eles me passavam os problemas [...] (delegado Menandro Pedro, ex-secretário de segurança pública, abr. 2008).
Em suma, as estratégias adotadas pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí (Polícia Civil) e pela Polícia Militar do Piauí, no ínterim de 2003 a 2006, apresentam-se como práticas reiteradas das corporações policiais, onde a PMPI realiza o policiamento ostensivo – fardado, objetivando inibir ação delituosa - à pé e motorizado, atendendo aos chamadas do 190 conforme sua capacidade operacional de atendimento.
A Polícia Civil tem agido, principalmente, no registro e investigação de crimes, que muitas vezes, não se chega à autoria do delito, haja vista a ação da Polícia Judiciária ainda se basear em métodos arcaicos de investigação24. Contudo, há um grupo especial de inteligência, Comissão de Investigação do Crime Organizado (CICO), que tem como função investigar os crimes de maior complexidade do Piauí, porém sua amplitude de atuação é muito aquém das necessidades piauiense.
4.4 ORÇAMENTO DA SEGURANÇA PÚBLICA PIAUIENSE
Os dados orçamentários demonstram o grau de prioridade que o estado adota
para determinado setor público, desta forma a análise dos investimentos na área da
Segurança Pública pode indicar e ter relação com os índices de criminalidade.
24 Métodos arcaicos de investigação consistem no uso da força (violência) para produção de provas, as quais nascem de forma ilegal, ou seja, não geram direito algum e comprometem o futuro processo penal.
113
Tabela 1 - Orçamento da Secretaria de Segurança Pública do Piauí (2003-2006)
ANO Orçamento Previsto
Orçamento Realizado
Orçamento Geral Previsto do
Estado
Orçamento Geral Executado do
Estado
% Investido na
Secretaria de
Segurança 2003 43.418.282,00 57.686.516,00 1.970.807.167,00 2.032.677.578,00 2,83%
2004 57.689.664,00 68.892.885,17 2.290.645.500,00 2.413.218.179,00 2,85%
2005 49.747.647,00 66.608.529,90 2.497.940.688,00 2.589.528.889,00 2,57%
2006 54.729.934,00 69.523.477,35 2.608.292.484,00 3.294.565.862,00 2,11%
Fonte: Secretaria de Planejamento do Piauí, 2008.
Gráfico 1: Orçamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí no
período de 2003 a 2006. Fonte: SEPLAN, 2008.
Os dados do orçamento acima indicam que, gradativamente, o estado do
Piauí diminuiu o investimento na área de Segurança Pública, conforme se verifica
através das percentagens do orçamento da Secretaria de Segurança Pública e da
PMPI nos anos de 2003 a 2006. Por exemplo: no ano de 2003 o estado do Piauí
repassou 2,83% do orçamento geral executado para a Secretaria de Segurança
Pública, enquanto que em 2006 este percentual fora reduzido para 2,11%.
2,83% 2,85%
2,57%2,11%
0,00%0,50%1,00%1,50%2,00%2,50%3,00%
Orçamento realizado
2003200420052006
114
Tabela 2 - Orçamento da Polícia Militar do Piauí (2003-2006)
ANO Orçamento Previsto
Orçamento Realizado
Orçamento Geral Previsto do Estado
Orçamento Geral Executado do
Estado
% Investid
o na PMPI
2003 101.425.000,00 128.782.714,00 1.970.807.167,00 2.032.677.578,00 6,33%
2004* 118.856.520,00 129.123.098,06 2.290.645.500,00 2.413.218.179,00 5,35%
2005 111.278.869,00 98.004.925,05 2.497.940.688,00 2.589.528.889,00 3,78%
2006 119.544.864,00 98.054.896,76 2.608.292.484,00 3.294.565.862,00 2,97%
Fonte: Secretaria de Planejamento do Piauí, 2008. * A partir de meados de 2004 o orçamento do Corpo de Bombeiros foi desvinculado da PMPI
Gráfico 2: Orçamento realizado pela Polícia Militar do Piauí no período de 2003 a 2006.
Fonte: SEPLAN, 2008.
Já em relação à PMPI, em 2003 foram destinados 6,33% do orçamento geral
do estado do Piauí para a citada instituição policial, que possui aproximadamente
6.000 (seis) Policiais Militares na ativa. Os números mostram uma redução de mais
de 50% do orçamento reservado a PMPI, em relação ao período estudado, que em
2006 caiu para 2,97% do orçamento geral do estado. Portando, não se faz política
pública sem recursos, essa é um das dificuldades para implementação de Política de
Segurança Pública para o Piauí.
Os dados permitem ainda algumas conclusões: que apesar de a Polícia Militar
ter um efetivo aproximadamente quatro vezes superior ao efetivo da Polícia Civil –
entenda-se Secretaria de Segurança Pública – seu orçamento não chega ao dobro
daquela; que no caso do Sistema de Segurança Pública do Piauí houve uma
diminuição sistemática dos orçamentos executados, contrariando a lógica do
aumento da arrecadação estadual e que a soma dos orçamentos executados pela
6,33%5,35%
3,78%2,97%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
Orçamento realizado
2003200420052006
115
Secretaria de Segurança Pública e pela PMPI, juntas, representam um valor de
5,08% do orçamento geral executado do estado do Piauí, com relação ao ano de
2006.
Em relação ao Fundo Nacional de Segurança Pública, verifica-se um ritmo
de diminuição nos recursos Federais para o Piauí, no período de 2003 a 2005,
porém no ano de 2006 houve um aumento de mais de 50% em relação ao ano
anterior. Desta forma, quanto mais a União diminui o repasse dos recursos desse
fundo para as Unidades da Federação, menor é a capacidade de modelar as
políticas estaduais de Segurança Pública segundo as diretrizes federais.
Tendo em vista a carência de investimento estadual na Segurança Pública,
que tem a maioria de seu orçamento para custeio e pessoal, conforme tabela nº 03,
a Segurança Pública piauiense tem se tornado cada vez mais dependente dos
recursos repassados pelo Governo Federal, através do Fundo Nacional de
Segurança Pública, para investimento no referido setor.
É importante destacar que não há política pública sem previsão de recursos
para sua implementação, e com a Segurança Pública não é diferente, por exemplo,
nos anos estudados (2003-2006), 90% das viaturas foram adquiridas por meios de
convênios com a SENASP.
Tabela 3 - Orçamento da PMPI
GRUPO 2003 2004 2005 2006
PESSOAL 118.441.878,95 100.652.047.02
(até setembro)
73.247.579,55
(Ativos) 69.495.692,41
CUSTEIO 8.324.882,09 9.307.770,58 13.923.798,50 9.350.499,22
INVESTIMENTO 249.381,43 399.980,25 720.626,04 755.436,54
TOTAL 127.016.142,47 110.359.797,85 87.892.004,09 79.601.628,17
Fonte: Segundo dados fornecidos pelo coronel PM Edvaldo Marques, 2008.
É interessante ressalvar, que a dotação orçamentária estadual prevista para
a Segurança Pública do Piauí tem sido utilizada, quase que exclusivamente, para
pagamento da folha de pessoal e custeio da máquina, de acordo com o entrevistado
nº 01. Portanto, os recursos do FNSP assumem grande importância no contexto
estadual, pois possibilitam a compra de viaturas, armamentos, coletes balísticos,
reforma de quartéis e delegacias de polícia, conforme se verifica adiante.
116
Tabela 4 - Recursos do FNSP Repassados aos Estados por Meio de Convênios – 2003/2006
Estados 2003 2004 2005 2006
São Paulo 39.348.000,00 41.194.042,48 30.209.134,22 38.157.531.22
Rio de Janeiro 38.737.018,92 20.688.378,19 22.922.583,10 6.642.573,23
Minas Gerais 30.023.529,76 19.096.341,32 9.381.555,49 7.117.409,69
Bahia 10.523.286,08 11.196.849,56 7.724.631,45 6.216.175,03
Ceará 9.216.681,80 5.754.174,51 5.420.258,80 2.422.595,12
Maranhão 5.051.500,00 5.468.636,60 3.684.473,68 3.562.057,72
Piauí 5.726.676,00 3.870.391,98 3.331.759,63 6.907.917.08
Rio Grande do Norte 8.000.000,00 12.259.478,72 10.486.094,00 708.086,48
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça, 2008.
Desta forma, observa-se que os recursos federais do FNSP representam a
maior parte dos investimentos da Segurança Pública do Piauí. Por exemplo, em
2006 o investimento do tesouro estadual com a PMPI foi de R$ 755.436,54, enquanto
o FNSP disponibilizou R$ 6.907.917.08 para a Segurança Pública estadual, ou seja,
um valor expressivo em relação ao investimento estadual.
Como já fora exposto, o estado do Piauí, desde o início dos repasses do
Fundo Nacional de Segurança Pública (2001), tem necessitado cada vez mais
desses insumos financeiros para a manutenção da sua máquina administrativa e
investimento no citado setor público. A diminuição dos elencados recursos,
atualmente, poderia comprometer a prestação de serviço da Segurança Pública,
pois, novamente, não há política pública sem recursos. Portanto, é de fundamental
importância os meios materiais e recursos humanos (policiais) motivados para a
realização de uma Segurança Pública cidadã (SOARES, 2006).
Assim, o seguinte tópico objetiva identificar a relação entre as principais
ações da Segurança Pública realizadas na prevenção e no enfrentamento da
violência e da criminalidade na cidade de Teresina com os índices de criminalidade
em Teresina, especificadamente, a taxa de homicídio. A análise da taxa de
homicídio em Teresina pode fornecer subsídios para a compreensão da Segurança
Pública do Piauí.
4.5 OS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE EM TERESINA (2003-2006)
O índice de criminalidade foi mensurado através da taxa de homicídio na
117
cidade de Teresina. Dentre as várias opções de dados criminais, o homicídio é o que
possui uma base de dado mais confiável, não desconhecendo as outras práticas
criminais que assolam a sociedade piauiense, mas é o homicídio o ato criminal que
mais aflige a sociedade, causa medo e reforça o sentimento de insegurança pública
no imaginário coletivo (ROLIM, 2006).
As taxas de homicídios se basearam nas informações sistematizadas através
do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde (MS). O Sistema
de Informação sobre Mortalidade é uma base de dados desenvolvida e
implementada pelo MS desde 1975, que consolida os dados das declarações de
óbito (DO) com preenchimento legal obrigatório e em modelo único para todo o país.
Num dos campos da DO são descritas, obrigatoriamente por um médico, a causa e
as condições da morte, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID).
Essa classificação é posteriormente conferida por técnicos especializados e lançada
na estatística oficial. (COSTA, 2005).
De imediato, a grande vantagem do SIM é o fato de ser uma base estatística
universal, uma vez que a classificação utilizada é a mesma, tanto nacional como
municipal, o que permite uma comparabilidade única. Além disso, trata-se da base
com maior série histórica disponível para a análise dos homicídios no Brasil, e
conseqüentemente no Piauí e em Teresina.
Portanto, quando se compara os dados sobre homicídios coletados pela
Polícia Militar, Polícia Civil do Piauí, SINPOLJUSPI e pelo SIM, encontram-se quatro
curvas distintas. As diferenças existentes entre as curvas das organizações policiais
decorrem do fato dessas organizações mensurarem fenômenos distintos.
Assim, uma ocorrência caracterizada como tentativa de homicídio pela Polícia
Militar do Piauí, que atendeu primeiro a ocorrência policial, pode, com o tempo, vir a
se transformar em homicídio consumado, conseqüência da morte posterior da
vítima, fato que apenas será registrado pela Polícia Civil quando estiver realizando o
Inquérito Policial.
118
2003 2004 2005 2006 Tipo de Óbito N º % Nº % Nº % Nº %
Causas Não Violentas 3.164 87,02 3.059 87,50 3.230 87,63 3.316 87,03
Acidente 256 7,04 228 6,52 234 6,35 225 5,91
Suicídio 37 1,02 54 1,54 32 0,87 38 1,00
Homicídio 179 4,92 155 4,43 190 5,15 231 6,05
Total 3.636 100 3.496 100 3.686 100 3.810 100
Quadro 4 – Óbitos por Tipo de Causa em Residentes em Teresina (2003-2006). FONTE: FMS/CAE/GERIS/NUINSA/SIM OBS: Excluídos Óbitos Fetais
Gráfico 3: Incidência de homicídios em Teresina no período de 2003 a 2006.
Fonte: FMS/CAE/GERIS/NUINSA/SIM.
Os números dos homicídios em Teresina no período pesquisado, 2003-2006, demonstram um crescimento da violência, conforme se verifica: em 2003, ocorreram 179 homicídios na Capital, enquanto que em 2006, foram registrados 231 homicídios em Teresina, um aumento de 29% dos homicídios do período sob análise. Outro aspecto a ser considerado sobre o tema são os recursos gastos (investidos) na área de Segurança Pública no período elencado, e qual a relação do custo/benefício em relação à Segurança Pública do Piauí. Nesse aspecto, há dois vieses a serem analisados, o orçamento estadual da Segurança Pública, que diminuiu gradativamente de 9,16% para 5,08% do orçamento geral do estado, e o investimento federal (FNSP), que aumentou de R$ 3.331.759,63 (2005) para R$ 6.907.917.08 (2006), ou seja, um acréscimo de mais de 100%.
Homicídios
179155
190
231
0
50
100
150
200
250
2003 2004 2005 2006
119
Porém, os investimentos federais têm maior representatividade para a Segurança Pública do Piauí, pois são utilizados diretamente na aquisição de viaturas, armamento, munição, cursos de qualificação, equipamentos e estruturas físicas, do que o orçamento estadual, que é quase em sua totalidade para pagamento de pessoal e custeio da máquina. Portanto, o discurso utilizado pelas autoridades de Segurança Pública do Piauí tem suas bases na necessidade de aquisição de mais recursos financeiros, como estratégia para a prevenção da violência e da criminalidade, conforme se constata pela fala do delegado Menandro Pedro:
O investimento do estado para Segurança Publica é só para o pagamento do pessoal e manter a estrutura. Mais dinheiro para comprar viatura, para construir quartel, para educação, para academia não existe, o estado não tem. [...] (delegado Menandro Pedro, ex-secretário de segurança pública, abr. 2008)
Porém, o caso sob análise desautoriza tal lógica, haja vista não ter ocorrido a diminuição dos índices de criminalidade proporcionalmente ao aumento de verbas para a Segurança Pública, pelo contrário, ocorreu o aumento de 29% da criminalidade em Teresina, tendo como referências os anos de 2003 a 2006. Portanto, a partir dos dados analisados, a presente pesquisa constatou que o Sistema de Segurança Pública estadual não possui um plano formal para o setor, nem tampouco é tratado como política pública, conforme os entrevistados. Desta forma, o volume de recursos torna-se inócuo quando não se tem planejamento, diretrizes definidas e objetivos a serem alcançados (SOARES, 2006).
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante as limitações da investigação que se conclui, pode-se afirmar
que a construção de uma Segurança Pública cidadã, isto é, uma Política de
Segurança Pública feita de forma conjunta por Estado e sociedade, como ordena a
atual Constituição, começa a principiar no Brasil uma vez que inúmeros são os
debates em torno desse projeto político e de forma acentuada tal discussão ganha, a
cada dia, maior espaço nas agendas governamentais e acadêmicas, embora os
conflitos e divergências em torno do planejamento, elaboração, execução e
avaliação de uma Política de Segurança Pública para o Brasil ainda sejam gritantes.
Se a constatação de fracassos das Políticas de Segurança Pública na
sociedade brasileira é relativamente consensual entre os estudiosos do tema, o
mesmo não se dá quando se discutem as alternativas possíveis para se reverter o
quadro de criminalidade aguda e impunidade crônica. Ainda persiste a postura, por
exemplo, de segmentos políticos e intelectuais que insistem na necessidade de
reformas profundas na estrutura social brasileira para se poder combater a
deterioração da ordem pública (SOARES, 2000).
Reformas institucionais que atinjam o arcabouço legal e o sistema
organizacional da Justiça Criminal constituem outra vertente desse debate.
Apregoam-se mudanças no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei de
Execução Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente como condição sine qua
non para o incremento da operacionalidade do Sistema de Justiça Criminal,
envolvendo geralmente maior rigor da punição. Não bastasse a modernização do
arcabouço legal, é recorrente no debate político e acadêmico a proposição de
reformas estruturais nas organizações policiais e no sistema prisional. Muitos
consideram imprescindível a modernização do sistema policial, o que pode incluir
desde a normatização em nível federal das estruturas orgânicas das forças policiais,
passando pela municipalização das polícias, até a unificação das polícias combinada
à desmilitarização compulsória das Polícias Militares.
Tanto os que apregoam mudanças na estrutura social brasileira quanto os
que insistem numa imprescindível modernização das estruturas legais e
organizacionais da Segurança Pública tendem a minimizar o potencial de mudanças
121
no âmbito da gerência da própria Política de Segurança Pública para reduzir as
taxas de criminalidade.
Política de Segurança Pública efetiva seria aquela capaz de atuar sobre as
causas mais profundas do fenômeno da violência e da criminalidade. Na medida em
que se acredita que a reversão dos indicadores de criminalidade depende
umbilicalmente de intervenções nas causas do fenômeno, haveria muito pouco o
que fazer na gestão cotidiana do fenômeno (SOARES, 2003).
É possível, contudo, utilizar os referenciais dessa abordagem teórica para
esboçar os parâmetros mais gerais de uma Política de Segurança Pública. Esta
deve combinar ações que diminuam a disponibilidade de alvos, aumentem a
proteção e vigilância dos mesmos, e reduzam a possibilidade de que surjam novos
atores sociais motivados para o crime. A incapacitação do ator motivado é, pois,
uma das estratégias de inibição do crime.
Nesse sentido, é possível combinar ações públicas de natureza preventiva
com presteza de resultados, de modo que as políticas de prevenção social possam
ser eficientes mesmo não atuando sobre as causas estruturais da motivação dos
indivíduos. Isso significa agir sobre as dinâmicas imediatamente geradoras do
fenômeno. A prevenção pode ser rápida, ágil e eficaz (SOARES, 2006).
No entanto, as Políticas de Segurança Pública adotadas no Brasil, em sua
maioria, se resumem, na realidade, a velha retórica de “mais efetivo, mais viaturas e
mais armamentos”, conforme se pode observar a partir dos depoimentos dos
entrevistados nesta pesquisa.
No Piauí, essa realidade não é diferente, embora a SENASP em sua Política
de Segurança Pública destaque a importância da formação policial como mecanismo
de ruptura da reprodução de práticas violentas e como meio de construção de
valores democráticos e respeitadores dos Direitos Humanos. No Piauí, é utilizada a
matriz nacional para formação de profissionais de Segurança Pública da SENASP,
porém, persiste a continuidade de práticas autoritárias dentro e fora das unidades de
formação policial militar, conforme fora observado na pesquisa de campo e discutido
ao longo do percurso deste trabalho. Apresenta-se uma questão, como o Policial
Militar respeitará e garantirá os direitos dos cidadãos se sua dignidade não é
respeitada, sendo considerado como cidadão de segunda categoria?
Embora inicialmente se pretendesse uma análise de todo o Sistema de
Segurança Pública do Piauí, após acatar as observações dos entrevistados, optou-
122
se pela delimitação sócio-espacial em Teresina, pela própria complexidade da
configuração do Estado do Piauí e ser a Capital o “laboratório” das mencionadas
ações governamentais na área de Segurança Pública.
Para fundamentação dessa investigação, o crime de homicídio foi a base
investigativa, tendo em vista ser o referencial mais confiável, sendo seus dados
disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Os números de homicídios em Teresina, no
período 2003 a 2006, fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí,
pela Polícia Militar do Piauí e pelo SINPOLJUSPI diferem bastante, haja vista
usarem metodologias diferenciadas, o que comprometem o grau de confiabilidade
das informações levantadas.
Embora tenha sido verificado a não existência de um Plano Estadual de
Segurança Pública para o Piauí, constata-se que existem ações implementadas na
área da Segurança Pública do Piauí que se fundamentam nas diretrizes da Política
Nacional de Segurança Pública, como: implantação de cursos de qualificação e
“reciclagem” de policiais no CFAP, criação da Corregedoria de Polícia da PMPI,
implementação da Coordenadoria de Gerenciamento de Crise, oferta de Cursos de
Polícia Comunitária para policiais e para comunidade geral e celebração de
convênios com a Universidade Federal para oferta do Curso de Especialização em
Segurança Pública.
Em virtude da literatura consultada e da realidade da Segurança Pública
piauiense é possível algumas conclusões: há necessidade de estruturação de um
setor de inteligência policial único; há necessidade do retorno dos PMs à disposição
dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que cuidam da segurança de
autoridades e guarda de prédios públicos, para a atividade fim da PM (policiamento
ostensivo); construção de uma doutrina única que regulamente os diversos
procedimentos policiais a serem adotados no atendimento de ocorrências; fim da
custódia de presos da Justiça pela Polícia Civil, por atrapalhar a atividade de
investigação da PC, independência administrativa das polícias para policiar, haja
vista o excesso de interferência política nas atividades policiais, o que
constantemente gera o desvio da atividade fim da Segurança Pública; elaboração de
um novo arranjo institucional para as policias, onde fosse assegurada a participação
da sociedade na gestão da Segurança Pública.
A Segurança Pública necessita das transformações elencadas, haja vista que
as ações na mencionada área muitas vezes têm se voltado para dar respostas à
123
opinião pública, a qual tem ocorrido, quase sempre, de forma imprecisa e não
satisfatória, uma vez que tais respostas envolvem interesses políticos, verificando-se
a denominada política do “caos”, a qual tem sido a base de atuação da Segurança
Pública piauiense.
A análise dos indicadores selecionados permite concluir que no Piauí não
houve um plano formal de Segurança Pública que se pudesse consubstanciar uma
Política de Segurança Pública. O que se observou foi uma reprodução de práticas
policiais das duas instituições – PC e PM - responsáveis pela manutenção da ordem
e repressão às condutas criminosas. Percebeu-se ainda o caráter de
descontinuidade das ações de governo na área da Segurança Pública, não só pelo
fato já mencionado de não haver uma Plano de Segurança Pública, mas também
pelo fato da Segurança Pública do Piauí não ser pensada como política pública.
Quanto aos resultados alcançados pelas ações implementadas na Segurança
Pública do Piauí, no período de 2003 a 2006, em relação à criminalidade em
Teresina, tem-se um paradoxo; ocorreu o aumento dos investimentos na Segurança
Pública, a nível federal, no ano de 2006, que teve um acréscimo de mais de 100%
em relação ao ano anterior (2005), porém, a taxa de criminalidade (homicídio) se
elevou de 179 (2003) para 231 (2006) homicídios em Teresina, ou seja, um aumento
de 29%, no período estudado.
Os dados levantados pela pesquisa permitem concluir que apenas
investimento, sem seguir a orientação de uma Política Pública planejada, não
assegura a diminuição dos índices de criminalidade. Portanto, a retórica de mais
recursos sem planejamento está fadada ao insucesso, conforme os resultados
obtidos nesta investigação e a vasta bibliografia consultada.
Desta forma, constatam-se apenas ações pontuais e já tradicionais das duas
polícias, que não caracterizam uma política pública, tendo em vista não haver
diagnóstico da situação da Segurança Pública piauiense, não se utiliza o
planejamento antes das operações policiais, não há o acompanhamento dessas
ações e principalmente não existe preocupação em avaliar os resultados das ações
realizadas.
Em relação às estratégias do Sistema de Segurança Pública estadual,
identificou-se a ação preventiva, através do policiamento ostensivo realizado pela
Polícia Militar nas ruas das cidades piauienses, e a ação repressiva, através da
investigação policial realizada pela Polícia Civil, que, na realidade, são reproduções
124
de práticas já consolidadas no âmbito das duas corporações policiais.
A avaliação do trabalho policial talvez seja um dos pontos críticos de todo o
Sistema de Segurança Pública, haja vista o risco de se chegar a “verdades”
incômodas que desestimulem os gestores em realizar avaliações científicas nesse
setor.
Os estudos desenvolvidos por esta dissertação indicam pontos para um novo
modelo de gerenciamento da Segurança Pública piauiense, não mais pautado pelo
gerenciamento de crises, mas, um novo arranjo institucional que possua previsão de
dotação orçamentária específica para a Segurança Pública, como ocorre na área da
Saúde e na Educação, existência de um plano estadual de Segurança Pública e
gerência intensa dos projetos formulados, através do monitoramento e da avalia da
mencionada Política.
Portanto, a partir dos resultados obtidos através desta investigação científica,
pode-se afirmar que uma Política de Segurança Pública cidadã deve ser rigorosa no
enfrentamento da impunidade e humanista na valorização da participação
comunitária nas questões da Segurança Pública e na inserção de jovens pobres das
periferias urbanas ao mercado de trabalho.
Desse modo, não obstante as limitações dessa pesquisa, acredita-se na
contribuição para o debate sobre a Segurança Pública do Piauí ao se levantar
questões sobre a eficiência e eficácia da citada área de prestação de serviço
público, tomando-se como referência a análise das ações de Segurança Pública
implementadas em Teresina, no período de 2003 a 2006, através desta investigação
científica. Esta dissertação não objetivou esgotar o tema, até pela sua
complexidade, mas trazer à baila uma discussão atual e importante para
consolidação de um Estado Democrático de Direito, que é a Política de Segurança
Pública.
125
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SILVA, Maria Ozanira da Silva e (org.). Avaliação de políticas e programas sociais: teoria e prática. São Paulo: Veras Editora, 2001.
SOARES, Luiz Eduardo. Segurança Pública: presente e futuro. Revista Estudos Avançados, v.20, n.56, p.91-106, 2006.
_______. Segurança tem saída. Rio de Janeiro. Sextante. 2006.
_______. Meu Casaco de General. Quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
130
SKOLNICK, J. H e BAYLEY, D. H. Nova polícia: inovações na polícia de seis cidades norte-americanas. Tradução de Geraldo Gerson de Souza, São Paulo: EDUSP, 2001. (Série Polícia e sociedade, 2).
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O papel político das Associações. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, v. 72, 2002.
TERESINA. Prefeitura Municipal. Lei Complementar n°3.610, de 11/01/2007 (Código de Postura do Município de Teresina).
ZALUAR, Alba. Violência e crime. In: MICELI, Sérgio. O que ler na ciência social brasileira (1970-1995) 1. São Paulo: Sumaré, 1999.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1999.
131
APÊNDICES
132
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AO CORONEL EDVALDO MARQUES LOPES
Entrevista concedida pelo Sr. Cel RR PMPI Edvaldo Marques Lopes, Ex-cmt Geral da PMPI
Senhor Coronel, objetivando desenvolver uma pesquisa sobre a política de
segurança pública do Piauí, através do estudo de caso de Teresina-PI, no período
de 2003 a 2006. Tal pesquisa está sendo desenvolvida no mestrado em Políticas
Públicas da UFPI, sob orientação da Profª Drª Maria D´Alva Macedo Ferreira. Desta
forma, para consecução da presente investigação científica se faz necessária a sua
importante colaboração, por meio das questões abaixo especificadas:
Normas da entrevista e divulgação do material colhido:
01. O entrevistado tomará conhecimento, antes da entrevista, de um roteiro das
perguntas que serão feitas, porém, poderão ser acrescidas outras, caso o
entrevistado consinta;
02. O entrevistado responderá apenas as questões que desejar fazê-lo. O
entrevistador se compromete em não fazer nenhuma pergunta de cunho
pessoal ou vexatória, sendo respeitada à dignidade da pessoa humana em
toda sua plenitude;
03. A entrevista será utilizada e divulgada apenas se autorizada, por escrito, pelo
entrevistado;
04. É também assegurado ao entrevistado tomar conhecimento do resultado final
da pesquisa, quando de sua divulgação.
ROTEIRO DA ENTREVISTA
01. Qual sua formação profissional?
02. Qual o período que V.Sª. comandou a Polícia Militar do Piauí?
133
03. Qual a relação de subordinação/coordenação entre a PMPI e a Secretaria de
Segurança Pública no contexto do sistema estadual de segurança?
04. O senhor acreditar ser importante essa “independência” da PMPI em relação
à Secretaria de Segurança Pública para a sociedade piauiense? Haja vista a
orientação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) no
sentido de unificação do comando da segurança pública nos Estados;
05. Qual foi a sua principal ação a frente da PMPI?
06. Em relação à atuação do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) como V.Sª
avalia tal órgão?
07. Como o Sr. avalia uma política de segurança pública eficaz? Qual seria um
modelo ideal para o Piauí?
08. Qual a importância do poder político para consolidação de uma política de
segurança pública no Piauí?
09. Qual deve ser a participação da sociedade em um projeto de segurança
pública?
10. O Piauí, no período de seu comando, tinha uma política de segurança
pública, com metas claras/objetivas a serem atingidas?
11. O que falta para construção de um Plano Estadual de Segurança Pública
para o Piauí?
12. No período de seu comando, qual foi o principal obstáculo enfrentado por V.
S.ª?
13. No seu entendimento, qual seria o papel do comandante da PMPI?
134
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO AO DELEGADO FRANCISCO AIRTON FRANCO FILHO
Entrevista concedida pelo Sr. Francisco Ayrton Franco Filho, Ex-Secretário de Segurança Pública do Piauí (2003 a março/2004)
Senhor Delegado, objetivando desenvolver uma pesquisa sobre a política de
segurança pública do Piauí, através do estudo de caso de Teresina-PI, no período
de 2003 a 2006. Tal pesquisa está sendo desenvolvida no mestrado em Políticas
Públicas da UFPI, sob orientação da Profª Drª Maria D´Alva Macedo Ferreira. Desta
forma, para consecução da presente investigação científica se faz necessária a sua
importante colaboração, por meio das questões abaixo especificadas:
Normas da entrevista e divulgação do material colhido:
1. O entrevistado tomará conhecimento, antes da entrevista, de um roteiro
das perguntas que serão feitas, porém, poderão ser acrescidas outras,
caso o entrevistado consinta;
2. O entrevistado responderá apenas as questões que desejar fazê-lo. O
entrevistador se compromete em não fazer nenhuma pergunta de cunho
pessoal ou vexatória, sendo respeitada à dignidade da pessoa humana
em toda sua plenitude;
3. A entrevista será utilizada e divulgada apenas se autorizada, por escrito,
pelo entrevistado;
4. É também assegurado ao entrevistado tomar conhecimento do resultado
final da pesquisa, quando de sua divulgação.
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1. Qual sua formação profissional?
2. Qual o período que V.Sª. foi Secretário de Segurança Pública do Piauí?
135
3. Qual a relação entre a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar
do Piauí no contexto do sistema estadual de segurança pública?
4. Qual foi sua principal ação a frente da Secretaria de Segurança Pública do
Piauí?
5. Em relação à atuação do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) como V.Sª
avalia tal órgão?
6. Como o Sr. avalia uma política de segurança pública eficaz? Qual seria
um modelo ideal para o Piauí?
7. Qual a importância do poder político para consolidação de uma política de
segurança pública no Piauí?
8. Qual deve ser a participação da sociedade em um projeto de segurança
pública?
9. O Piauí, no período que V.Sª era secretário, tinha uma política de
segurança pública, com metas claras/objetivas a serem atingidas?
10. O que falta para construção de um Plano Estadual de Segurança Pública
para o Piauí?
11. Qual foi o principal obstáculo enfrentado por V. S.ª a frente da secretaria
de segurança pública do Piauí?
12. Qual a diferença existente entre ser superintendente da PF no Rio Grande
do Norte e assumir a secretaria de segurança pública do Piauí?
13. Como V.Sª avalia as práticas e os saberes das Polícias Civil e Militar do
Piauí?
136
APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO APLICADO AO DELEGADO MENANDRO PEDRO DA LUZ
Entrevista concedida pelo Delegado Menandro Pedro da Luz, Ex-Secretário de Segurança Pública do Piauí
Senhor Delegado, objetivando desenvolver uma pesquisa sobre a política de
segurança pública do Piauí, através do estudo de caso de Teresina-PI, no período
de 2003 a 2006. Tal pesquisa está sendo desenvolvida no mestrado em Políticas
Públicas da UFPI, sob orientação da Profª Drª Maria D´Alva Macedo Ferreira. Desta
forma, para consecução da presente investigação científica se faz necessária a sua
importante colaboração, por meio das questões abaixo especificadas:
Normas da entrevista e divulgação do material colhido:
1. O entrevistado tomará conhecimento, antes da entrevista, de um roteiro
das perguntas que serão feitas, porém, poderão ser acrescidas outras,
caso o entrevistado consinta;
2. O entrevistado responderá apenas as questões que desejar fazê-lo. O
entrevistador se compromete em não fazer nenhuma pergunta de cunho
pessoal ou vexatória, sendo respeitada à dignidade da pessoa humana
em toda sua plenitude;
3. A entrevista será utilizada e divulgada apenas se autorizada, por escrito,
pelo entrevistado;
4. É também assegurado ao entrevistado tomar conhecimento do resultado
final da pesquisa, quando de sua divulgação.
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1. Qual sua formação profissional?
2. Qual o período que V.Sª. foi Secretário de Segurança Pública do Piauí?
137
3. Qual a relação entre a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar
do Piauí no contexto do sistema estadual de segurança pública?
4. Qual foi a sua principal ação a frente da Secretaria de Segurança Pública
do Piauí?
5. Em relação à atuação do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) como V.Sª
avalia tal órgão?
6. Como o Sr. avalia uma política de segurança pública eficaz? Qual seria
um modelo ideal para o Piauí?
7. Qual a importância do poder político para consolidação de uma política de
segurança pública no Piauí?
8. Qual deve ser a participação da sociedade em um projeto de segurança
pública?
9. O Piauí, no período que V.Sª era secretário, tinha uma política de
segurança pública, com metas claras/objetivas a serem atingidas?
10. O que falta para construção de um Plano Estadual de Segurança Pública
para o Piauí?
11. Qual foi o principal obstáculo enfrentado por V. S.ª a frente da secretaria
de segurança pública do Piauí?
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ANEXOS
139
ANEXOS
ANEXO A – OFÍCIO CPC Nº 051/2008 ANEXO B – OFÍCIO S/N – CHEFE DO CENTRO DE PROCESSAMENTO DE DADOS DA PMPI ANEXO C – ÓBITOS POR CAUSAS VIOLENTAS DE RESIDENTES OCORRIDOS EM TERESINA NO PERÍODO – 2003 A 2006 ANEXO D – ÓBITOS POR TIPO DE CAUSA EM RESIDENTES DE TERESINA NO PERÍODO – 2003 A 2006 ANEXO E – ÓBITOS POR HOMICÍCIO DE RESIDENTES OCORRIDOS EM TERESINA NO PERÍODO – 2003 A 2006 ANEXO F – ÓBITOS POR HOMICÍDIO DE RESIDENTES OCORRIDOS EM TERESINA NO PERÍODO – 2003 A 2006 (FREQÜÊNCIA, TIPO DE AGRESSÃO POR ANO DE OCORRÊNCIA) ANEXO G – ENTREVISTA CONCEDIDA PELO DELEGADO ROBERT RIOS AO SITE http//www.ssp.pi.gov.br/ver_notphp?id=112
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