o principio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de família - ...

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MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de família. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA 1 Rosa Maria dos Santos Manerick 2 Sumário 1Considerações preliminares. 2 O princípio da dignidade da Pessoa Humana e o Direito de Família. 3 As relações de família com fundamento na afetividade. 4 A contribuição da Política Jurídica na construção de um novo Direito de Família. Referência das fontes citadas. Resumo O tema central deste trabalho é a análise do Direito de Família através da fundação de um modelo afetual, que se baseia na dignidade da pessoa humana e na necessidade de contribuição da Política Juridica. As múltiplas possibilidades de modelos familiares situam-se no contexto histórico do declínio do patriarcalismo, mudanças econômicas, novas tecnologias e a compreensão das subjetividades desejantes. É neste contexto que o Direito de Família está reescrevendo nova realidade. Em outras palavras, tornou-se inconcebível construir qualquer doutrina, texto normativo ou jurisprudência para o Direito de Família sem que esteja contextualizado em uma concepção afetual, do estar-junto. Buscar-se-á constituir o afeto, como novo paradigma das relações familiares, correlacionando-o ao principio da Dignidade da Pessoa Humana. No Direito de Família ao descurar-se da Dignidade Humana estar-se- á desatendendo o preceito constitucional, privilegiando a ordem jurídica pré- Constituição de 1988, que tinha como valor principal o patrimônio. Mister, enfatizar a contribuição da Política Jurídica na reconstrução deste novo Direito de Família. Os objetivos da ação político-jurídica visarão quebrar os paradigmas que negam ou impedem a criatividade como um constante agir. Buscarão assegurar a valorização do ser humano e a dignidade de tratamento nas relações entre os homens e destes com a natureza. Portanto, a Política Jurídica tem muito a participar proficuamente na construção de um Direito de Família adequado às novas relações familiares, pois o motus precípuo destas relações é o sentimento de afetividade que une os membros integrantes, a fim de se obter uma norma justa e eticamente útil na harmonização social. Palavras chave: Direito de Família. Política Jurídica. Dignidade da pessoa Humana. 1 Artigo produzido e revisado pela Professora Doutora Maria da Graça dos Santos Dias do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, na Linha de Pesquisa Produção e Aplicação do Direito. 2 Mestranda do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, na Linha de Pesquisa Produção e Aplicação do Direito.

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  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

    O PRINCPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMLIA1

    Rosa Maria dos Santos Manerick2

    Sumrio

    1Consideraes preliminares. 2 O princpio da dignidade da Pessoa Humana e o Direito de Famlia. 3 As relaes de famlia com fundamento na afetividade. 4 A contribuio da Poltica Jurdica na construo de um novo Direito de Famlia. Referncia das fontes citadas. Resumo

    O tema central deste trabalho a anlise do Direito de Famlia atravs da fundao de um modelo afetual, que se baseia na dignidade da pessoa humana e na necessidade de contribuio da Poltica Juridica. As mltiplas possibilidades de modelos familiares situam-se no contexto histrico do declnio do patriarcalismo, mudanas econmicas, novas tecnologias e a compreenso das subjetividades desejantes. neste contexto que o Direito de Famlia est reescrevendo nova realidade. Em outras palavras, tornou-se inconcebvel construir qualquer doutrina, texto normativo ou jurisprudncia para o Direito de Famlia sem que esteja contextualizado em uma concepo afetual, do estar-junto. Buscar-se- constituir o afeto, como novo paradigma das relaes familiares, correlacionando-o ao principio da Dignidade da Pessoa Humana. No Direito de Famlia ao descurar-se da Dignidade Humana estar-se- desatendendo o preceito constitucional, privilegiando a ordem jurdica pr-Constituio de 1988, que tinha como valor principal o patrimnio. Mister, enfatizar a contribuio da Poltica Jurdica na reconstruo deste novo Direito de Famlia. Os objetivos da ao poltico-jurdica visaro quebrar os paradigmas que negam ou impedem a criatividade como um constante agir. Buscaro assegurar a valorizao do ser humano e a dignidade de tratamento nas relaes entre os homens e destes com a natureza. Portanto, a Poltica Jurdica tem muito a participar proficuamente na construo de um Direito de Famlia adequado s novas relaes familiares, pois o motus precpuo destas relaes o sentimento de afetividade que une os membros integrantes, a fim de se obter uma norma justa e eticamente til na harmonizao social.

    Palavras chave: Direito de Famlia. Poltica Jurdica. Dignidade da pessoa Humana.

    1 Artigo produzido e revisado pela Professora Doutora Maria da Graa dos Santos Dias do

    Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Universidade do Vale do Itaja, na Linha de Pesquisa Produo e Aplicao do Direito.

    2 Mestranda do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Universidade do Vale do Itaja, na Linha de Pesquisa Produo e Aplicao do Direito.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    1 Consideraes preliminares

    O princpio da dignidade humana hoje uma das bases de sustentao dos

    ordenamentos jurdicos contemporneos. No mais possvel pensar em

    direitos desatrelados da idia e conceito de dignidade. Embora essa noo

    esteja vinculada evoluo histrica do Direito Privado, ela tornou-se tambm

    um dos pilares do Direito Pblico, na medida em que o fundamento primeiro

    da ordem constitucional e, portanto, o vrtice do Estado de Direito.3

    A dignidade um macroprincpio sob o qual se irradiam e esto contidos

    outros princpios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada,

    cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. Isto significa que contrrio

    a todo nosso direito qualquer ato que no tenha como fundamento a soberania,

    a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e

    da livre iniciativa, e o pluralismo poltico4.

    Essas inscries constitucionais so resultado e conseqncia de lutas e

    conquistas polticas associadas evoluo do pensamento, desenvolvimento

    das cincias e das novas tecnologias. a noo de dignidade e indignidade

    que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos.

    Uma das primeiras doutrinadoras brasileiras a destacar a dignidade como um

    superprincpio constitucional foi Carmem Lcia Antunes Rocha5, realando que

    este princpio entranhou-se de tal forma no constitucionalismo contemporneo,

    que ele estabeleceu uma nova forma de pensar o sistema jurdico, e com isto

    a dignidade passou a ser princpio e fim do Direito:

    Dignidade o pressuposto da idia de justia humana, porque ela que

    dita a condio superior do homem como ser de razo e sentimento. Por

    isso que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou

    3 CUNHA, Alexandre do Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do

    direito civil. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstruo do direito privado: reflexos dos princpios, diretrizes e direitos fundamentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 260.

    4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios fundamentais e norteadores para a organizao jurdica da famlia. Curitiba, UFPR, 2004, 157p. Tese (Doutorado em Cincia Jurdica) Universidade Federal do Paran, 2004. p. 68.

    5 ANTUNES ROCHA, Carmem Lcia. O princpio da dignidade humana e a excluso social. In: Anais do XVVI Conferncia Nacional dos Advogados Justia: realidade e utopia. Braslia: OAB, Conselho Federal, p. 72, v. I, 2000.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    social. No mister ter de fazer por merec-la, pois ela inerente

    vida e, nessa contingncia, um direito pr-estatal.

    Mas o que dignidade e qual a importncia deste conceito e como ele

    interfere como uma fonte principiolgica na doutrina, jurisprudncia, enfim, na

    aplicao prtica do Direito de Famlia?

    2 O princpio da dignidade da Pessoa Humana e o Direito de Famlia

    Servindo-nos do fato de que a dignidade est includa na Constituio Federal

    e, portanto, no nosso direito positivo, podemos partir de uma considerao do

    seu significado na prpria lei. Na letra da lei, a dignidade apresentada sem

    uma auto-definio, ou seja, o art. 1, III da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 1988 no diz o que dignidade, mas unicamente traz

    a indicao de que ela um dos princpios constitucionais, por isso, uma das

    finalidades a ser sempre buscada ou preservada pelo Estado brasileiro.

    Como saber, ento, que essa Dignidade mencionada na lei significa um valor

    universal; atributo presente em todo ser humano. Por causa da origem da

    expresso Dignidade da Pessoa Humana, que tem uma fonte muito precisa,

    tanto na nossa legislao quanto na de outros pases: a filosofia de Immanuel

    Kant.

    A expresso Dignidade da Pessoa Humana uma criao da tradio

    kantiana no comeo do sculo XIX. No , diretamente, uma criao de Kant.

    Em sua Fundamentao da metafsica dos costumes (1785), ao argumentar

    que havia em cada homem um mesmo valor por causa da sua razo,

    empregou a expresso Dignidade da natureza Humana, mais apropriada

    para indicar o que est em questo quando se busca uma compreenso tica,

    da natureza, do ser humano6.

    6 KANT, Immanuel. Fundamentao da metafsica dos costumes. So Paulo: Abril

    Cultural, 1980, v. 1, p. 139-140. (Coleo Os Pensadores).

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    Kant 7 afirma de forma inovadora que o homem no deve jamais ser

    transformado num instrumento para a ao de outrem. Embora o mundo da

    prtica permita que certas coisas ou certos seres sejam utilizados como meios

    para a obteno de determinados fins ou determinadas aes, e embora

    tambm no seja incomum historicamente que os prprios seres humanos

    sejam utilizados como tais meios, a natureza humana de tal ordem que

    exige que o homem no se torne instrumento da ao ou da vontade de quem

    quer que seja. Em outras palavras, embora os homens tendam a fazer dos

    outros homens instrumento ou meios para suas prprias vontades ou fins, isso

    constitui uma afronta ao prprio homem. que o homem, sendo dotado de

    conscincia moral, tem um valor que o torna sem preo, que o pe acima de

    qualquer especulao material, isto , coloca-o acima da condio de coisa.

    Ao tratar disso, na Fundamentao da Metafsica dos costumes, Kant

    explcito em seus termos. O valor intrnseco que faz do homem um ser

    superior s coisas (que podem receber preo) a dignidade; e considerar o

    homem um ser que no pode ser tratado ou avaliado como coisa implica

    conceber uma denominao mais especfica ao prprio homem: pessoa. Assim,

    o homem, em Kant, decididamente um ser superior na ordem da natureza e

    das coisas. Por conter essa dignidade, esse valor intrnseco, sem preo e

    acima de qualquer preo, que faz dele pessoa, ou seja, um ser dotado de

    conscincia racional e moral, e por isso mesmo capaz de responsabilidade e

    liberdade8.

    As coisas tm preo e as pessoas, dignidade. Isto significa dizer que no reino

    dos fins tudo tem um preo ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um

    preo, podemos substitu-la por qualquer outra como equivalente; mas o

    homem, superior coisa, est acima de todo preo, portanto no permite

    equivalente, pois ele tem dignidade.

    O que se relaciona com as inclinaes e necessidades gerais do homem tem

    um preo venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade,

    conforme a um certo gosto, ou seja, a uma satisfao no jogo livre e sem

    finalidade das nossas faculdades anmicas, tem um preo de afeio ou de

    sentimento; aquilo, porm, que constitui a condio, graas a qual qualquer

    7 KANT, Immanuel. Fundamentao da metafsica dos costumes. p. 139. 8 KANT, Immanuel. Fundamentao da metafsica dos costumes. p. 139.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    coisa, pode ser um fim em si mesmo, no tem somente um valor relativo, isto

    , um preo, mas um valor ntimo, ou seja, a dignidade9.

    Kant demonstrou que a Dignidade Humana decorre da natureza humana e no

    de variveis externas.

    Quando a expresso Dignidade da Pessoa Humana passou a ser empregada

    pelo Direito, ela tinha a misso de designar uma personalidade, que em

    Direito tambm envolvia a imagem pblica de algum. A personalidade de

    algum, em funo de sua imagem pblica passa a dar ao termo dignidade um

    carter de relatividade que, de maneira nenhuma, seria permitido pela tica.

    Mas foi o significado vulgarizado que fez fortuna, e desde ento a expresso

    Dignidade da natureza Humana foi substituda pela expresso mais

    adequada Dignidade da Pessoa Humana, que, dependendo do significado

    que se d tanto Dignidade quanto pessoa, permite concepes variadas

    e distantes do ndice original da natureza humana.

    Independente disso, a expresso Dignidade da Pessoa Humana foi cunhada

    como verso da expresso Dignidade da natureza Humana, mas trata-se,

    em essncia, da mesma coisa.

    certo que uma vulgarizao dessa expresso prejudica em muito a sua

    compreenso, e por causa disso necessrio se faz esclarecer seu significado. E

    a Dignidade da Pessoa Humana , e sempre ser um valor idntico que todo

    ser humano tem porque racional e afetual (sensvel). No h relatividade da

    capacidade que permita eliminar a razo de um ser humano; por isso que,

    do ponto de vista tico, no Direito todo ser humano tem o mesmo valor. Se a

    dignidade hoje um princpio constitucional, isso resultado de uma

    conquista histrica. o reconhecimento de que no importa quais sejam as

    circunstncias ou qual o regime poltico, todo ser humano deve ter

    reconhecido pelo Estado o seu valor como pessoa, e a garantia, na prtica, de

    uma personalidade que no deve ser menosprezada ou desdenhada por

    nenhum poder. Exigir, por meio de preceito constitucional que o Estado

    reconhea a Dignidade da Pessoa Humana, exigir que ele garanta a todos

    direitos que podem ser considerados vlidos para um ser humano capaz de

    compreender o que o bem. 9 KANT, Immanuel. Fundamentao da metafsica dos costumes. p. 140.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Como se disse, a noo de Direitos Humanos s pde ser desenvolvida porque

    em sua base de sustentao est a dignidade de todo e qualquer ser humano,

    ou seja, na idia dos Direitos Humanos est a certeza de que determinados

    direitos devem ser atribudos s pessoas por uma mesma causa universal e

    acima de qualquer arbtrio humano. Trata-se de necessidades humanas

    determinadas pela sua natureza, e que nenhum Estado tem o poder de

    modificar. Nenhum Estado capaz, por exemplo, de modificar a necessidade

    que todo ser humano, vivendo em uma sociedade, tem de moradia, educao,

    sade e liberdade. Os Direitos Humanos so, portanto, fruto do

    reconhecimento da existncia da dignidade da pessoa humana.

    Assim, no por acaso que a dignidade da pessoa humana um princpio

    constitucional.

    A Dignidade Humana acima de tudo um princpio tico, que a histria

    mostrou ser necessrio incluir entre os princpios do Estado. Na verdade, a

    dignidade da pessoa humana mais que um direito, pois ela a prova de que

    deve haver certos direitos de atribuio universal, por isso tambm um

    princpio geral do direito. Uma Carta de Direitos que no reconhea essa idia

    ou que seja incompatvel com ela incompleta ou ilegtima, pois ela se tornou

    um valor e uma necessidade da prpria democracia.

    Afeto, igualdade e alteridade, pluralidade de famlias, melhor interesse da

    criana/adolescente, autonomia de vontade e interveno estatal mnima so

    os princpios fundamentais e norteadores do Direito de Famlia contemporneo,

    e sob os quais est o macroprincpio da dignidade da pessoa humana. Esses

    so os ingredientes essenciais e necessrios que nos guiaro para distinguir e

    recusar os juzos particularizados, como so os juzos morais, a moral do

    poder, a servio dos bens10.

    A expresso dignidade da pessoa humana, com o sentido que ela tem hoje,

    de uso recente no mundo jurdico. Podemos dizer que seu marco inaugural

    para os ordenamentos jurdicos est na Declarao Universal dos Direitos

    Humanos, de 1948, embora a Constituio da Repblica italiana, um ano antes

    (1947), em seu art. 3, j tivesse se utilizado de tal expresso: Todos os

    cidados tm a mesma dignidade social e so iguais perante a lei, sem 10 ANDRADE, Fernando Dias. Sobre tica e tica jurdica. Revista da Faculdade de

    Direito de So Bernardo do Campo, v. 8, p. 99-129.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    distino de sexo, raa, lngua, religio, opinio poltica e condies pessoais e

    sociais.11

    A inscrio da Dignidade Humana nos ordenamentos jurdicos o resultado e

    conseqncia de uma reflexo filosfica acumulada nos sculos anteriores,

    cuja grande contribuio, como se disse, foi dada por Kant com sua Metafsica

    dos costumes, colocando o homem como fim e no meio de todas as coisas.

    Alm disso, esse ideal de dignidade s foi positivado nos ordenamentos

    jurdicos contemporneos porque significou tambm a conseqncia de um

    processo de lutas polticas, ideais de liberdade, igualdade e exigncia de

    organizaes polticas econmicas e sociais do ps-guerra12.

    E, assim, a Dignidade da Pessoa Humana tornou-se indissocivel das

    constituies democrticas, que por sua vez so tambm indissociveis dos

    preceitos basilares dos Direitos Humanos. Ao Direito de Famlia s estar de

    acordo e em consonncia com a dignidade e com os Direitos Humanos a partir

    do momento em que essas relaes interprivadas no estiverem mais

    margem, fora do lao social. Os exemplos histricos de desrespeito

    Dignidade da Pessoa Humana no Direito de Famlia so muitos: a excluso da

    mulher do princpio da igualdade, colocando-a em posio inferior ao homem;

    a proibio de registrar o nome do pai nos filhos havidos fora do casamento se

    o pai fosse casado; e o no-reconhecimento de outras formas de famlia que

    no fosse atravs do casamento.

    Como se v, o Direito de Famlia dever ser avaliado a partir de sua ligao

    aos Direitos Humanos e ao Princpio da Dignidade da Pessoa Humana. A

    compreenso dessas noes, que nos remetem ao conceito contemporneo de

    cidadania, que tem impulsionado a evoluo do Direito de Famlia. Cidadania

    pressupe no excluso. Isto deve significar a legitimao e a incluso no lao

    social de todas as formas de famlia, respeito a todos os vnculos afetivos e a

    todas as diferenas. Portanto, o princpio da dignidade humana significa para o

    Direito de Famlia a considerao e o respeito autonomia dos sujeitos e sua

    11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios fundamentais e norteadores para a

    organizao jurdica da famlia. p. 71. 12 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Famlia, direitos humanos, psicanlise e incluso social.

    Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre: Sntese/IBDFAM, n. 16, p. 5-11, jan./fev./mar. 2003.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    liberdade. Significa, em primeira e ltima anlise, uma igual dignidade para

    todas as entidades familiares. Neste sentido, podemos dizer que indigno dar

    tratamento diferenciado s vrias formas de filiao ou aos vrios tipos de

    constituio de famlia.

    Como se v, a verdade sobre o valor da dignidade relativa e construda

    ideologicamente na medida em que as concepes subjetivas e intersubjetivas

    (sociais) vo mudando. Como bem disse o jurista Antnio Junqueira, no III

    Congresso Brasileiro de Direito de Famlia, em Ouro Preto/MG, a confuso

    geral:

    preciso, pois, aprofundar o conceito de dignidade da pessoa humana.

    A pessoa um bem e dignidade, o seu valor. O direito do sculo XXI

    no se contenta com os conceitos axiolgicos formais, que podem ser

    usados retoricamente para qualquer tese. Mal o sculo XX se livrou do

    vazio do bando dos quatro os quatro conceitos jurdicos

    indeterminados: funo social, ordem pblica, boa f, interesse pblico

    preenchendo-os pela lei, doutrina e jurisprudncia, com alguma

    diretriz material, surge agora, no sculo XXI problema idntico com a expresso dignidade da pessoa humana13.

    Por mais que se aceite como absoluta a intangibilidade da vida humana, na

    aplicao dos princpios ao caso concreto, haver sempre uma relativizao,

    pois independentemente das estruturas do Estado de Direito, o que se

    encontrar numa interpretao jurdica um sujeito singular diante de um

    conflito humano igualmente singular.14

    Compatibilizar a dignidade de uma pessoa com a de outra no tarefa nada

    fcil.

    que o ngulo pelo qual se v e se atribui o valor dignidade um ngulo do

    sujeito singular com toda a sua carga de subjetividade, isto , sua

    particularidade, seus motivos e registros inconscientes que produziram

    13AZEVEDO, Antnio Junqueira. Rquiem para uma certa dignidade da pessoa humana. In:

    CUNHA PEREIRA, Rodrigo da (Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Famlia Famlia e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, IBDFAM, 2002, p. 329-351.

    14 RODRIGUEZ, Jos Rodrigo. Controlar a profuso de sentidos: a hermenutica jurdica como negao ao subjetivo. In: BOUCAULT, Carlos A.; RODRIGUEZ, J. R. (Org.). Hermenutica plural: possibilidades jusfilosficas em contextos imperfeitos. So Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 292.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    aqueles determinados valores do sujeito desejante, inclusive com o seu

    contedo ideolgico.

    Essa concepo inovadora no invalida o falado anteriormente, somente

    contextualiza que necessrio refletir sobre a Dignidade da Pessoa Humana, e

    de como se perfaz o ser exerccio. Desse modo, a construo do contedo da

    dignidade varia de caso a caso, como verificamos atravs das jurisprudncias

    aqui transcritas exemplificativamente.

    importante salientar que este uso indiscriminado da Dignidade Humana,

    embora possa acarretar uma banalizao deste fundamental princpio, tem

    relevncia mpar, por colocar em pauta a proteo e a promoo da pessoa

    humana. A Dignidade Humana obteve status de fundamento da Repblica,

    atravs do art. 1, III, da Constituio, deve informar todo o sistema jurdico.

    Por ser princpio jurdico, tem, tambm, inevitvel aplicao direta a todas as

    relaes, ou seja, passou a informar todas as relaes jurdicas, tendo em

    vista que toda e qualquer aplicao normativa deve atender

    preponderantemente pessoa, antes de atentar-se a qualquer outro valor.

    No Direito de Famlia ao descurar-se da Dignidade Humana estar-se-

    desatendendo o preceito constitucional, privilegiando a ordem jurdica pr-

    Constituio de 1988, que tinha como valor principal o patrimnio. A dignidade,

    portanto, o atual paradigma do Estado Democrtico de Direito, a determinar

    a funcionalizao de todos os institutos jurdicos pessoa humana. Est em

    seu bojo a ordem imperativa a todos os operadores do Direito de despir-se de

    preconceitos, de modo a se evitar tratar de forma indigna toda e qualquer

    pessoa humana, principalmente na seara do Direito de Famlia, que tem a

    intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais valores.

    3 As relaes de famlia com fundamento na afetividade

    A famlia, no sculo XIX, era marcadamente patriarcal, e estruturava-se em

    torno do patrimnio familiar, visto que sua finalidade era, principalmente,

    econmica. O vnculo familiar tinha fundamentos formais. A famlia era,

    praticamente, um ncleo econmico e, tinha tambm grande

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    representatividade religiosa e poltica. O pater familias era o grande homem, o

    grande chefe, que acumulava em suas mos uma imensa gama de poderes.

    A mulher, por seu turno, limitava-se execuo das tarefas domsticas e

    criao dos filhos, de modo a garantir o normal andamento das diretrizes

    familiares. Com o passar do tempo, a estrutura familiar foi sofrendo paulatinas

    modificaes. Com o movimento feminista e a insero da mulher no mercado

    de trabalho, esta estrutura hierrquica e tradicional sofreu transformaes

    importantes.

    A famlia deixou de ter muitos membros, a mulher rompeu as barreiras do lar

    e assumiu uma carreira profissional. Sua contribuio financeira tornou-se

    essencial para a subsistncia familiar. Diante da sua sada dos limites

    domsticos, fez-se necessria efetivao da presena masculina

    compartilhando as tarefas familiares.

    Diante dessa nova estrutura, a famlia passou a se vincular e a se manter

    preponderantemente por elos afetivos, em detrimento de motivaes

    econmicas, que adquiriram uma importncia secundria. A mulher deixou de

    ficar presa ao marido por questes econmicas e de sobrevivncia, e seu

    vnculo passou a ser preponderantemente por motivaes afetivas, vez que

    adquiriu possibilidade de se manter por seu prprio trabalho. De fato, uma

    famlia no deve estar sustentada em razes de dependncia econmica

    mtua, mas exclusivamente, por se constituir em ncleo afetivo, que se

    justifica, principalmente, pela solidariedade mtua. Detectando esta reverso

    no escopo da famlia, Paulo Luiz Netto Lbo assim se pronunciou:

    A realizao pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente

    de convivncia e solidariedade, a funo bsica da famlia de nossa

    poca. Suas antigas funes econmica, poltica religiosa e procracional

    feneceram, desapareceram, ou desempenham papel secundrio. At

    mesmo a funo procracional, com a secularizao crescente do direito

    de famlia e a primazia atribuda ao afeto, deixou de ser sua finalidade precpua15.

    15 LBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalizao das relaes de famlia. Revista Brasileira

    de Direito de Famlia. Porto Alegre: Sntese, IBDFAM, v. 6, n. 24, p. 155, jun./jul. 2004.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Conclui-se que o afeto o elemento essencial de todo e qualquer ncleo

    familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental. Mas

    nem sempre onde existe afetividade estar presente uma entidade familiar.

    Segundo Srgio Resende de Barros no qualquer afeto que compem um

    ncleo familiar. Se assim fosse, uma amizade seria elo formador de famlia, o

    que ratifica a sua posio de ser necessrio o afeto familiar, como garantia

    existncia de uma famlia16.

    E continua o autor17:

    Da famlia, o lar o teto, cuja base o afeto. O lar sem afeto

    desmorona e nele a famlia se decompe. Por isso, o direito ao afeto

    constitui na escala da fundamentalidade o primeiro dos direitos

    humanos operacionais da famlia, seguido pelo direito ao lar, cuja

    essncia o afeto. Assim, mesmo sendo subsidirios do direito famlia,

    o direito ao afeto e o direito ao lar so to fundamentais quanto ele para

    os demais direitos operacionais da famlia.

    O direito ao afeto torna-se imprescindvel ao desenvolvimento da sade fsica

    e psquica, estabilidade econmica e social, e ao desenvolvimento material e

    cultural da famlia18.

    Eis a como o afeto o lao maior, aquele que agrega no apenas os

    familiares, internamente, mas tambm de forma externa, entre as famlias.

    por esse enlaamento maior, visando a construir a humanidade pela

    solidariedade humana, tendo como base a solidariedade familiar, que o direito

    se perpetua.

    Mas, alm da afetividade, subsistem outros elementos necessrios para que

    haja uma famlia.

    Paulo Luiz Netto Lbo identifica como elementos definidores de um ncleo

    familiar, alm da afetividade, a ostensibilidade e a estabilidade. Ele define tais 16 BARROS, Srgio Resende de. A ideologia do afeto. p. 9. 17 BARROS, Srgio Resende de. Direitos Humanos da Famlia: Dos Fundamentais aos

    operacionais. In: Afeto, tica, Famlia e o Novo Cdigo Civil. Coordenao: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p 613.

    18 BARROS, Srgio Resende de. Direitos Humanos da Famlia: Dos Fundamentais aos operacionais. p. 614.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    requisitos da seguinte forma: a afetividade o fundamento e finalidade da

    famlia, com desconsiderao do mvel econmico; a estabilidade implica em

    comunho de vida e, simultaneamente, exclui relacionamentos casuais, sem

    compromisso; j a ostensibilidade pressupe uma entidade familiar

    reconhecida pela sociedade enquanto tal, que assim se apresente

    publicamente19.

    Os pressupostos apontados pelo autor como essenciais so requisitos que

    devem estar presentes em um relacionamento para que se conclua pela

    existncia de uma entidade familiar. Em suma: no obstante a relevncia do

    afeto como vnculo formador de famlia, ele, por si s, no o nico elemento

    para se verificar a existncia de um ncleo familiar. Ele deve co-existir com

    outros, embora sua presena seja decisiva e justificadora para a constituio e

    subsistncia de uma famlia.

    Na era da despatrimonializao do Direito Civil, que elevou a dignidade da

    pessoa humana a fundamento da Repblica Federativa do Brasil, toda a ordem

    jurdica focou-se na pessoa, em detrimento do patrimnio, que comandava

    todas as relaes jurdicas interprivadas. Sem dvida, a famlia o lugar

    privilegiado de realizao da pessoa, pois o locus onde ela inicia seu

    desenvolvimento pessoal, seu processo de socializao, onde vive as primeiras

    lies de cidadania e uma experincia pioneira de incluso no lao familiar, a

    qual se reportar, mais tarde, para os laos sociais20.

    A partir do momento em que para o Direito de famlia passa a ser observado

    pela Dignidade Humana, valoriza-se cada membro da famlia e no a entidade

    familiar como instituio. Isto porque passou a vigorar a ampla liberdade de

    constituir ou de desfazer os laos conjugais, visto o valor supremo da relao

    ser o alcance da felicidade.

    Constata-te este valor, por exemplo, no que preceitua o art. 1.511 do novo

    Cdigo Civil Brasileiro que prev que o casamento estabelece uma comunho

    plena de vida entre os cnjuges. Assim, a vida em comum apenas se justifica

    19 LBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para alm do

    numerus clausus. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da (Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Famlia - Famlia e cidadania O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 91.

    20 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios fundamentais e norteadores para a organizao jurdica da famlia. p. 129.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    enquanto proporcionar a comunho afetiva da vida do casal, no se mantendo

    se a vida em comum acabou.

    Ademais, o art. 226, 8 da Constituio Brasileira de 1988, diz que o Estado

    assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a integram,

    criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes,

    demonstra a situao da nova famlia, com contornos diferenciados, pois

    prioriza a necessidade da realizao da personalidade dos seus membros, ou

    seja, a famlia que possui a funo de criar afetividade, que, por sua vez,

    justifica a permanncia da entidade familiar.

    Por isso, insista-se, a famlia s faz sentido para o Direito a partir do momento

    em que ela mediao e motivao promoo da dignidade de seus

    membros21.

    Em face, portanto, da mudana ocorrida no bojo da famlia, a ordem jurdica

    assimilou tal transformao, passando a considerar o afeto como um valor

    jurdico de suma relevncia para o Direito de Famlia. Seus reflexos crescentes

    vm permeando todo o Direito, como exemplo a valorizao dos laos de

    afetividade e da convivncia familiar oriundas da filiao, em detrimento, por

    vezes, dos vnculos de consanginidade. Alm disso, todos os filhos receberam

    o mesmo tratamento constitucional, independente da sua origem e se so

    biolgicos ou no.

    Uma das mais relevantes conseqncias do Princpio da Afetividade encontra-

    se na jurisdicizao da paternidade socioafetiva, que abrange os filhos de

    criao. Isso porque o que garante o cumprimento das funes parentais no

    a similitude gentica ou a derivao sangunea, mas sim, o cuidado e o

    desvelo dedicados aos filhos. Como anotou Joo Baptista Villela, a

    paternidade reside antes no servio e no amor que na procriao.22

    Essa a atual verdade da filiao, muito mais relevante do que os vnculos

    biolgicos, pois capaz de contribuir de forma efetiva para a estruturao e o

    pleno desenvolvimento da Pessoa Humana.

    21 TEPEDINO, Gustavo. Novas Formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da

    famlia no fundada no matrimnio. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 372-373.

    22 VILLELA, Joo Baptista. A desbiologizao de paternidade. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 71, p. 45. jul./set.1980.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Para que um filho verdadeiramente se torne filho, ele deve ser adotado pelos

    pais, tendo ou no vnculos de sangue que os vinculem. A filiao biolgica

    no nenhuma garantia da experincia da paternidade, da maternidade ou da

    verdadeira filiao. Portanto insuficiente a verdade biolgica, pois a filiao

    uma construo, que abrange muito mais do que uma semelhana entre os

    DNAs. Afinal, o que essencial para a formao de algum, para que possa

    tornar-se sujeito e capaz de estabelecer lao social, que uma pessoa tenha,

    em seu imaginrio, o lugar simblico de pai e de me.23 A presena do pai ou

    da me biolgicos no nenhuma garantia de que a pessoa se estruturar

    como sujeito. O cumprimento de funes paternas e maternas, por outro lado,

    o que pode garantir uma estruturao saudvel de algum. Por isso, a

    famlia no um dado natural, gentico ou biolgico, mas uma construo

    cultural, ou seja, scio-afetiva.

    Por isso, tambm a paternidade tem a liberdade como um dos elementos

    intrnsecos, como registrou Joo Baptista Villela:

    (...) a lei e a justia desrespeitam gravemente uma criana, quando lhe

    do por quem, em ao de investigao de paternidade, resiste a tal

    condio. Um ser com todos os vcios e crimes, mas que aceite

    verdadeiramente a paternidade, prefervel quele que a recuse,

    orgando embora de todos os mritos e virtudes, se tomar como critrio

    o bem da criana. Imagine-se cada um tendo como pai ou me quem s

    o por imposio da fora: ningum experimentar mais viva respulsa,

    nem mais forte constrangimento. Todo o direito de famlia tende a se

    organizar, de resto, sob o princpio basilar da liberdade, to certo que

    as prestaes familiais, seja entre os cnjuges, seja entre pais e filhos,

    s proporcionam plena satisfao quando gratuitamente assumidas e

    realizadas24.

    No mais possvel ao Direito ignorar a existncia da paternidade socioafetiva,

    embora ela ainda no esteja em regramento legislativo expresso, no

    obstante a incidncia do art. 1.593 do novo Cdigo Civil Brasileiro ao dizer que

    o parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanginidade ou outra

    23 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Direito de famlia: uma abordagem psicanaltica. 3. ed.

    Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 62-63. 24 VILLELA, Joo Baptista. A desbiologizao de paternidade. Revista Forense, Rio de

    Janeiro, n. 71, p. 46, jul./set. 1980.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    origem. Da a importncia e suma relevncia da aplicao do critrio da

    afetividade, que no significa a excluso dos laos biolgicos.

    Um outro exemplo de que o ordenamento jurdico assimilou o afeto como

    valor jurdico o art. 1597, V, do novo Cdigo Civil Brasileiro, que prev:

    Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os

    filhos:

    V havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha

    prvia autorizao do marido.)

    A partir do momento em que foi admitida a presuno de paternidade de

    filho advindo de reproduo artificial heterloga cujo material gentico de

    terceiro desprezou-se o vnculo biolgico, privilegiando-se, por conseguinte,

    o afetivo, pois a autorizao do pai que garante a filiao e todas as

    responsabilidades a ela inerentes, inclusive, advindas do poder familiar. Pois:

    A paternidade envolve a funo de pai, que vai muito alm do

    dimensionamento do vnculo biolgico. O aspecto da paternidade no se

    limita meramente concepo; mais importante o acompanhamento

    de todo o desenvolvimento aps o nascimento, tomando para si a

    responsabilidade na criao, manuteno e educao do filho.25

    A incluso da reproduo humana heterloga como causa de presuno de

    paternidade gera conseqncias relevantes. Aduz Guilherme Calmon Nogueira

    da Gama que esta presuno absoluta, ou seja, no admite prova em

    contrrio, o que acarretaria a impossibilidade do marido impugnar a

    paternidade relativamente criana concebida atravs das tcnicas mdicas,

    previamente consentidas26.

    25 QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurdicos e tcnicos de

    inseminao artificial. Doutrina e jurisprudncia. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 128. 26 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Efeitos civis da reproduo assistida heterloga

    de acordo com o novo Cdigo Civil e o Estatuto da Criana e do Adolescente. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. (Coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Famlia. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 275.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Entretanto de fundamental importncia a regulamentao legislativa dos

    aspectos civis da reproduo humana assistida, como acentua Diniz27: dever-

    se-, em nosso entender, coibir a inseminao artificial heterloga, a

    fertilizao in vitro e a gestao por conta de terceiro, ante os possveis riscos

    de origem fsica e psquica para a descendncia e a incerteza sobre a

    identidade.

    Uma demonstrao jurisprudencial de que a afetividade est sendo

    considerada no mundo jurdico como elemento fundante, encontra-se num

    julgado recentemente prolatado pelo Tribunal de Alada de Minas Gerais, que

    determinou a responsabilizao civil de um pai que abandonou seu filho.

    Embora este filho tenha buscado pelo pai tanto na infncia, quanto na

    adolescncia e agora, na fase adulta , este rejeitou e no arcou com sua

    responsabilidade paterna, inerente ao poder familiar. Tal responsabilidade est

    em estreita consonncia com o dever de criar e educar, constitucionalmente

    previsto no art. 229.

    INDENIZAO DANOS MORAIS RELAO PATERNO-FILIAL

    PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PRINCPIO DA

    AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno,

    que o privou do direito convivncia, ao amparo afetivo, moral e

    psquico, deve ser indenizvel, com fulcro no princpio da dignidade da

    pessoa humana. (TAMG, AC n 408550-5, 7 CC, Rel. Unias Silva. J.

    1/4/04)

    No menos relevante foi o voto do acrdo, com expresso reconhecimento do

    afeto como valor jurdico.

    No seio da famlia da contemporaneidade desenvolveu-se uma relao

    que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepes mais

    recentes de famlia, os pais de famlia tm certos deveres que

    independem do seu arbtrio, porque agora quem os determina o

    Estado.

    Assim, a famlia no deve mais ser entendida como uma relao de

    poder, ou de dominao, mas como uma relao afetiva, o que significa

    dar a devida ateno s necessidades manifestas pelos filhos em termos,

    justamente, de afeto e proteo.

    27 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 454.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Os laos de afeto e de solidariedade derivam da convivncia e no

    somente do sangue.

    (...)

    O princpio da efetividade especializa, no campo das relaes familiares,

    o macroprincpio da dignidade da pessoa humana (artigo 1, III, da

    Constituio Federal), que preside todas as relaes jurdicas e submete

    o ordenamento jurdico nacional.

    No estgio atual, o equilbrio do privado e do pblico pauta-se

    exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das

    pessoas humanas que integram a comunidade familiar.

    No que respeita dignidade da pessoa da criana, o artigo 227 da

    Constituio expressa essa concepo, ao estabelecer que dever da

    famlia assegurar-lhe com absoluta prioridade, o direito vida, sade,

    alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

    dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e

    comunitria, alm de coloc-la salvo de toda forma de negligncia,

    discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. No um

    direito oponvel apenas ao Estado, sociedade ou a estranhos, mas a

    cada membro da prpria famlia.

    Assim, depreende-se que a responsabilidade no se pauta to-somente

    no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o

    desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princpio da dignidade

    da pessoa humana.

    (...)

    Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o dano

    sofrido pelo autor, em relao sua dignidade, a conduta ilcita

    praticada pelo ru, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convvio e

    educao, a fim de, atravs da afetividade, formar lao paternal com

    seu filho, e o nexo causal entre ambos. (grifos do original).

    No se trata, aqui, de uma imposio jurdica de amar, mas de um imperativo

    judicial de criao da possibilidade da construo do afeto, em um

    relacionamento em que o amor, a afetividade lhes seriam inerentes. Essa

    edificao torna-se apenas possvel na convivncia, na proximidade, no ato de

    educar, no qual so estruturados e instalados a referncia paterna.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    A fundamentao do acrdo fala por si s, tendo em vista a utilizao da

    Afetividade atrelada ao Princpio da Dignidade Humana. Afinal, no mbito da

    famlia eudemonista, que visa liberdade plena do sujeito em busca da

    felicidade, o ncleo familiar no se justificaria sem o afeto.

    Apesar da clareza da essncia da famlia contempornea, ainda subsistem

    intrpretes do direito que se recusam a reconhecer a afetividade como um dos

    elementos mais relevantes do Direito de Famlia, como se nota no julgado

    abaixo:

    SEPARAO JUDICIAL LITIGIOSA. CONDUTA DESONROSA. AUSNCIA

    DE PROVA DE CULPA. IMPROCEDNCIA DO PEDIDO. Cada parte deve

    comprovar suas alegaes, sendo ainda do autor o nus da prova do

    fato constitutivo do alegado direito. Se no demonstrada a culpa da r,

    o pedido no pode ser julgado procedente. [...]

    Dessa forma, segundo princpios processuais, a prova da conduta

    desonrosa ou da infrao grave dos deveres conjugais deve ser feita

    pelo demandante, eis que interesse na prova do fato constitutivo do

    direito reclamado.

    E compulsando os autos, entende-se que as provas testemunhais

    encontram-se insuficientes para provar a culpa da Apelada, no que diz

    respeito sua conduta desonrosa.

    Neste sentido, ressaltam-se Jurisprudncias:

    O pedido unilateral de separao judicial formulado por um dos cnjuges

    no pode fundamentar-se em simples alegao de quebra da afetividade

    conjugal ou na violao dos deveres do matrimnio. necessrio que

    haja prova segura de que essa violao seja de tal gravidade que torne

    impossvel a vida comum. (RT 545/177)

    No basta a simples alegao de insuportabilidade da vida conjugal

    para justificar a separao judicial, devendo as injrias imputadas ao

    cnjuge ser cumpridamente provadas. (Ap 441//86, 11/12/89, DJPE

    22/12/89. p. 2, e Resp. IOB Jurispr. 3/3780) (Divrcio e Separao,

    Yussef Said Cahali, tomo 1, 8 ed., p. 468, 1995)

    E assim, decidiu-se neste Eg. TRIBUNAL DE JUSTIA:

    SEPARAO JUDICIAL LITIGIOSA. FALTA DE PROVA A RESPEITO DA

    CONDUTA DESONROSA ATRIBUDA A R (ART. 5, DA LEI 6.515/770,

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    RECONVENO. Tratando-se de ao de separao judicial litigiosa,

    incumbe parte demonstrar o fato constitutivo do seu direito, nos

    termos do art. 333, I, do Cdigo de Processo Civil, razo pela qual, no

    provando a culpa da r, o pedido no pode ser julgado procedente, com

    fulcro no artigo 5, caput, da Lei de Divrcio.

    Por outro lado, na ao de separao judicial litigiosa, a culpa do autor

    pode ser reconhecida se houver reconveno. (TJMG, Apelao Cvel

    n.189.299-1/00. Rel. Des. Crrea de Marins. Public. 14/12/2000)

    SEPARAO JUDICIAL. CULPA MANTIDA AO CNJUGE. VARO. FRACA

    PROVA TESTEMUNHAL. CONFIRMAO DA IMPROCEDNCIA

    SENTENCIADA. (TJMG, Apelao Cvel n.178.609-4/00. Rel. Des.

    Aluzio Quinto, Public. 20/10/2000)

    Independentemente do embate entre velhas e novas concepes, assim

    caminha a famlia. Em outras palavras, a afetividade ascendeu a um novo

    patamar no Direito de Famlia, de valor e princpio. Isso porque a famlia atual

    s faz sentido se for alicerada no afeto, razo pela qual perdeu suas antigas

    caractersticas: matrimonializada, hierarquizada, que valorizava a linhagem

    masculina. A verdadeira famlia s se justifica na liberdade e na experincia da

    afetividade, como diz Giselda Hironaka:

    Vale dizer, a verdade jurdica cedeu vez imperiosa passagem e

    instalao da verdade da vida. E a verdade da vida est a desnudar aos

    olhos de todos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, conservadores

    ou arrojados, a mais esplndida de todas as verdades: neste tempo em

    que at o milnio muda, muda a famlia, muda o seu cerne fundamental,

    muda a razo de sua constituio, existncia e sobrevida, mudam as

    pessoas que a compem, pessoas estas que passam a ter a coragem de

    admitir que se casam principalmente por amor, pelo amor e enquanto

    houver amor.

    Porque s a famlia assim constituda independente da diversidade de

    sua gnese pode ser mesmo aquele remanso de paz, ternura e

    respeito, lugar em que haver, mais que em qualquer outro, para todos

    e para cada um de seus componentes, a enorme chance da realizao de seus projetos de felicidade28.

    28 HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Famlia e casamento em evoluo. Revista

    Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre: Sntese, IBDFAM, v. 1, n. 1, p. 17, abr./jun. 1999.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    Assim de acordo com esta nova realidade que busca cada vez mais por

    legitimidade, compreende-se a relevncia da contribuio da Poltica Jurdica

    na estrutura familiar atual e no porvir do Direito de Famlia.

    4 A contribuio da Poltica Jurdica na construo de um novo Direito de Famlia

    O Direito gerador de diversas teorias que buscam entend-lo, fazendo com

    que a finalidade da conscincia humana obtenha meios racionais de

    sobrevivncia, evoluo para a preveno e soluo de conflitos. Com o

    objetivo de contribuir com novos paradigmas jurdicos, e na inteno de

    proporcionar decises mais justas na resoluo de casos concretos, a Poltica

    Jurdica vem demonstrar sua importncia.

    A histria da sociedade, como reconhece Jos Lois Estvez 29 , est

    estreitamente ligada ao progresso das idias jurdicas, assim:

    Se reconhecssemos o direito que se deve viver amanh, estaramos

    capacitados para descrever, minuciosamente, a configurao social do

    futuro. Por sorte, o direito que comea germinar j bastante previsvel.

    As idias jurdicas hoje difundidas contm potencialmente as formas de

    vida que se realizaro no porvir.

    Bem se compreende, por isso, que atualmente a poltica do direito assume

    uma relevncia extraordinria para a construo do futuro, pois dela

    depender em larga escala o almejado ambiente de paz e do aperfeioamento

    dos homens em qualquer Sociedade. Seu estudo vem ao encontro com os

    ajustamentos que se fazem necessrios nos corpos legislativos para se

    situarem com a realidade mais profunda da vida social30.

    29 ESTVEZ, Jos Lois. La Lucha por la Objetivacin Del Derecho. Vigo, ed. do autor, 1965,

    p. 39. Apud. OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da poltica jurdica: propostas epistemolgicas para a poltica do direito. Itaja: UNIVALI, 2001. p. 18.

    30 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da poltica jurdica. p. 19.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    A Poltica Jurdica visa estudar o direito que deve ser ou como deva ser31.

    O Direito tem como objetivo o homem, e a ele inerente o aperfeioamento

    da idia de justia. A Poltica Jurdica objetiva atingir esse objetivo; ela

    abrange todos os problemas prticos que surgem dos hbitos, costumes, para

    alcanar os objetivos sociais; seu domnio e abrangncia vo alm do campo

    de ao do jurista32.

    A Poltica Jurdica cabe buscar o Direito adequado a cada poca, tendo como

    marco de suas proposies os padres ticos vigentes, e a histria cultural do

    respectivo povo33.

    As propostas de representao de novas normas tero sempre por base o

    sistema jurdico vigente, consistente num complexo de normas e de relaes

    jurdicas que vo formar a estrutura jurdica da sociedade ou simplesmente a

    ordem jurdica34.

    O professor Osvaldo Ferreira de Mello expe com propriedade:

    A Poltica Jurdica se interessa pela norma desde a sua forma

    embrionria no tero social. Os valores, fundamentos e conseqncias

    sociais da norma so suas principais preocupaes. Para ela, dentro

    dessa dimenso prtica e imediata, importante alcanar a norma que

    responda to bem quanto possvel s necessidades gerais, garantindo o

    bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo til, sem descuidar

    da necessria segurana jurdica e sem por em risco o Estado de Direito35.

    O comprometimento da Poltica Jurdica com aes corretivas, no sentido de

    adequar as mudanas de cada poca para a obteno do justo, vem favorecer

    um ambiente poltico jurdico para a sociedade, que permita s pessoas

    viverem num ambiente mais tico e social, dando a elas autonomia para

    31 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da poltica jurdica. Porto Alegre: Fabris.

    1994. p. 35. 32 ROSS, Alf. Direito e justia. Trad. Edson Bni. rev. Tc. Alysson Leandro Mascao. So

    Paulo: Edipro, 2000. p. 375/376. 33 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de poltica do direito. Porto Alegre: Fabris.

    1988. p. 80. 34 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da poltica jurdica. p. 275. 35 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de poltica do direito. p. 19/20.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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    decidirem de que forma pretendem buscar sua paz, segurana, seu bem-estar,

    dentro do que prega sua cultura.

    A Poltica Jurdica possui como obrigao e compromisso o agir, que sua

    dimenso operacional, pois se define ao como operao do fazer, ou seja, o

    conjunto de procedimentos que levam o agente realizao de uma idia, de

    um querer. Seus elementos bsicos para o desenvolver de uma ao dotada

    de eficcia se apresenta na existncia de um agente capaz e determinado,

    regrado de meios hbeis e de um fim desejado. Os objetivos da ao poltico-

    jurdica visaro quebrar os paradigmas que negam ou impedem a criatividade

    como um constante agir. Buscaro assegurar a valorizao do ser humano e a

    dignidade de tratamento nas relaes entre os homens e destes com a

    natureza36.

    O papel da Poltica Jurdica conforme o que foi enunciado no decorrer da

    pesquisa demonstra sua preocupao com o Direito futuro, pois de acordo com

    os avanos da cultura da sociedade, tudo nos leva a pensar que num futuro

    no muito distante, no sero exigidas apenas leis reformadas ou corrigidas,

    mas o prprio direito reconstrudo, no se resumindo apenas em permitir,

    impedir ou sancionar condutas do dia-a-dia, mas que seja capaz de reordenar,

    em novas bases ticas, toda a convivncia social, redefinindo o papel do

    Estado e dos cidados perante as reais necessidades da vida, historicamente

    furtadas pelo conjunto de regras do Poder que pretendeu sempre justificar

    formas injustas de dominaes e privilgios37.

    Portanto, a Poltica Jurdica tem muito a participar proficuamente na

    construo de um Direito de Famlia adequado realidade das novas relaes

    familiares, pois o motus precpuo destas relaes o sentimento de

    afetividade que une os membros integrantes, a fim de se obter, a final, uma

    norma justa e eticamente til na harmonizao social, colaborao na

    felicidade dos Cidados e obteno do Bem Comum.

    36 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da poltica jurdica. p. 132. 37 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da poltica jurdica. p. 133.

  • MANERICK, Rosa Maria dos Santos. O princpio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua efetividade no direito de famlia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Itaja, v. 1, n. 1, 3 quadrimestre de 2006. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica

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